Leiria-Fatima_ed_44a - Diocese Leiria

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Leiria-Fatima_ed_44a - Diocese Leiria
ANO XV • NÚMERO 44 • JULHO / DEZEMBRO • 2007
• Destaque • Nova Cúria Diocesana • págs. 173 e 255
Mudanças de fundo nos serviços
• Documentos • Carta Pastoral para 2007/2008 • pág. 179
Testemunhas da Ternura de Deus
• História • Saul António Gomes • pág. 309
O Património Crúzio em Leiria nos inícios do século XV
DOCUMENTOS • decretos • escritos episcopais • VIDA ECLESIAL • notícias • entrevistas • REFLEXÕES • teologia/pastoral • história • DO
Leiria-Fátima
Órgão Oficial da Diocese
ANO XV • NÚMERO 44 • JULHO / DEZEMBRO • 2007
Ficha Técnica|
Director | Luís Inácio João
Chefe de Redacção | Luís Miguel Ferraz
Administrador | Henrique Dias da Silva
Conselho de Redacção | Belmira de Sousa, Jorge Guarda, Luciano Cristino,
Manuel Melquíades, Saul Gomes
Capa/Grafismo | Luís Miguel Ferraz
Propriedade/Editor | Diocese Leiria-Fátima / Gabinete de Apoio aos Serviços Pastorais
Sede | Seminário Diocesano de Leiria • 2414-011 Leiria
Tel.: 244832760 • Fax: 244821102
Correio Elec.: [email protected]
Periodicidade | Semestral
Tiragem | 330 exemplares
Preço | 6 euros (avulso) • 12 euros (assinatura anual)
Impressão | Gráfica de Leiria
Depósito Legal | 64587/93
Índice
Índice Geral
Editorial
Laicidade, serviço à pessoa e à sociedade 165
Documentos•••
. decretos .
Nomeações diversas para o ano pastoral 2007/2008
Cúria da Diocese de Leiria-Fátima
Nomeação do Vigário Paroquial da Maceira
Nomeação dos Vigários da Vara
Comissão para a Revisão do Regulamento da Administração dos Bens da Igreja na Diocese
Suspensão de exercício
Nomeação do Director da Casa Diocesana do Clero
. documentos pastorais .
Carta Pastoral para 2007/2008 • TESTEMUNHAS DA TERNURA DE DEUS
Convocatória • Assembleia Diocesana
Mensagem para o Dia Mundial das Missões • Uma Igreja Missionária
Carta de Anúncio • Visita Pastoral
Mensagem de Natal 2007 • A Estrela da Ternura
Mensagem às famílias
Carta aos Jovens
. escritos episcopais .
Homenagem ao prof. Carvalho Guerra • A Universidade para um novo humanismo
Artigo para a Gala da Rádio Central FM • Orgulho Nacional e Abertura Universal
Homilia no Santuário de Fátima • A Beleza de Maria e do nosso destino humano
Abertura de Exposição • Salvé Rainha
Mensagem no Diário de Notícias • Fátima: 90 anos depois
Mensagem • Movimento da família do sacerdote
Jubileu dos padres Luciano Guerra e Adelino Ferreira • A grandeza e a humildade do sacerdócio
Intervenções de abertura e encerramento do congresso • “Fátima para o Século XXI”
Homilia no Congresso Fátima para o Século XXI • Maria, templo do Senhor, ícone do Mistério
90º aniversário das Aparições • Saudação a Sua Eminência, o Cardeal Legado do Santo Padre
Mensagem a Sua Santidade, o Papa Bento XVI
Entrevista ao Jornal de Notícias • A igreja da Santíssima Trindade
Assembleia do Clero • A espiritualidade da organização e da partilha ao serviço da comunhão
Homilia de Final do Ano • Confiemo-nos à Esperança que não desilude
. diversos .
Comunicado • Conselho Pastoral Diocesano
Comunicado • Conselho Presbiteral Diocesano
Ano Pastoral 2007-2008 • Objectivos e principais acções do ano
Ano Pastoral 2007-2008 • Pistas para a reflexão da Carta Pastoral
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176
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Vida Eclesial•••
. destaque .
Nova Cúria Diocesana • Mudanças de fundo nos serviços 255
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Índice
. notícias .
Falecimento • Padre Manuel Duarte Alexandre
Assembleia Diocesana – início do ano pastoral • 2007/2008 sob o signo da “ternura”
Marcelo Cavalcante de Moraes • Novo sacerdote diocesano
Padres Luciano Guerra e Adelino Ferreira • Bodas de ouro sacerdotais
Celebrar a Confirmação de forma solene
Aniversário da dedicação da Catedral
Conselho de Coordenação Pastoral
Diocese celebra Santo Agostinho
10º aniversário do órgão da Sé
D. António Marto visitou Santuário de Trani
Encontro diocesano de catequistas
Grande oração pelas vocações
Assembleia do clero e o estado da Diocese
Professores de EMRC preocupados com secularização
Vigílias vocacionais vicariais
Formação sobre arquivos eclesiásticos
Novos vigários forâneos
Jornada Diocesana da Pastoral Familiar
Renato Rosa, instituído Leitor
Bispo visita equipas sacerdotais
. Santuário de Fátima .
Indefinições na Concordata atrasam contas de Fátima
Migrantes enchem Santuário de Fátima
Comemorações dos 90 anos das Aparições terminam
Grande Espaço Coberto para Assembleias
Colóquio “O Cristianismo no Japão”
Santuário de Fátima recebe Medalha de Ouro
. serviços e movimentos .
“Dez Milhões de Estrelas – Um gesto pela Paz” • Campanha de Natal da Cáritas
Ano lectivo 2007-2008 • Centro de Formação e Cultura
Serviço Diocesano de Pastoral Juvenil • Novos desafios
Obras Missionárias Pontifícias • Missão para todos
Semana dos Seminários • No Seminário cresce o futuro!
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284
286
289
292
. entrevistas .
Padre Luís Miranda, membro da equipa do Seminário • A Semana dos Seminários 295
Dois irmãos, padres angolanos, em Leiria • “Deus encontra pouco espaço na vida do homem” 297
Pe. Augusto Pascoal, responsável da comunidade • S. Romão e Guimarota - centro de vida cristã 299
Reflexões•••
. teologia/pastoral .
D. Benedito Roberto, Bispo do Sumbe • Uma diocese chamada Sumbe 303
Teresa Eugénio • Uma experiência de missão 305
. história .
Saul A. Gomes • O Património Crúzio em Leiria nos inícios do século XV – Elementos para o seu estudo 309
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Editorial
Laicidade, serviço à pessoa e à sociedade
Está já nos nossos códigos mentais, a laicidade refere-se ao princípio da independência do Estado em relação a qualquer religião, e ao modo como o mesmo trata
com os grupos e as pessoas em matéria religiosa. Habituados à palavra e ao seu
sentido, que veicula a ideia da autonomia entre o religioso e o político e sugere a não
confessionalidade do Estado, poderíamos pensar que se recorre a um procedimento
inédito. Não é exacto. A laicidade assenta nos direitos fundamentais, intimamente
conexos, da liberdade de pensamento e expressão, e da liberdade de associação, cujo
exercício, apenas limitado pela dupla exigência de ser garantido a todos e de não
afrontar o bem comum, se aplica a qualquer âmbito em que a pessoa, investindo a
sua inteligência e a sua decisão, desenvolve e explana a sua personalidade indissociável da dimensão social. A prioridade não vai, pois, para a religião, a política, a
economia ou outra qualquer actividade humana, mas directamente para a pessoa que
se exprime nessas dimensões. A laicidade não é excepção nem privilégio, é apenas
um caso de aplicação do respeito das liberdades fundamentais mencionadas.
A ligação básica com os direitos humanos confere pertinência à laicidade mesmo
em contextos de desvanecimento da referência e do sentido de pertença às grandes
religiões, de diminuição da prática religiosa e de expressão tendencialmente individualista e anárquica da religiosidade persistente, e até de avanço do indiferentismo
e dos vários agnosticismos.
Hoje, a questão religiosa evidencia mais claramente a sua natureza sócio-cultural, girando como nunca em torno dos valores humanos e sociais. As próprias igrejas, findo o regime da mistura indistinta do temporal com o espiritual, ocupam o seu
espaço natural na sociedade civil, ao lado dos demais actores que aí se constituem,
cooperam e se confrontam, todos testando o valor e a força das suas convicções e a
pedagogia das suas propostas. Neste novo contexto em que a liberdade de pensar, exprimir-se e associar-se, reclama dos cidadãos, crentes ou não, níveis elevados de respeito, discernimento e aceitação, a laicidade, diríamos, antes que política, é civil.
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Editorial
Incumbindo ao Estado zelar pela boa saúde da nação, sociedade plural, participativa e inclusiva, com capacidade de aproveitar a imensa variedade de pensares,
iniciativas e cooperações, ele não pode cingir-se a manter a ordem e a vigiar a compatibilidade com o bem comum. Muito menos poderá ceder à tentação de adoptar
uma qualquer confissão ou de declarar sua doutrina a negação da religião, o que
lesaria gravemente o direito à diversidade, a dignidade dos cidadãos e o próprio bem
comum. Impende sobre o Estado a obrigação de um apoio positivo aos órgãos que
são fruto e expressão da vitalidade da sociedade civil.
As igrejas, por seu lado, nada tendo a reclamar a outro título, têm, nesta sua
condição de emergentes e radicadas na pessoa e na sociedade, a base bastante dos
seus direitos, os mesmos que devem defender para os seus parceiros. Sem dúvida
que há uma especificidade religiosa, nomeadamente no cristianismo, que tem em
Jesus Cristo o seu fundamento e na pessoa humana o primeiro destinatário. Mas
isso, que pertence à natureza dos conteúdos, sem trazer privilégios sociais, e inclui
o acolhimento delicado da verdade que esteja no outro, reforça ainda a exigência
de a “mensagem” ser apresentada às decisões livres e responsáveis, em termos de
proposta pedagogicamente válida.
Poder pensar, exprimir-se e associar-se não é apenas corolário, é também condição da sociedade democrática, cuja “subjectividade” nunca pode ser dada como
definitivamente adquirida. Além do imprescindível cimento solidário, é essencial a
dimensão orgânica de cada um, pessoa, famílias e associações, com a especificidade dos respectivos contributos. Mesmo quando a nação deputa alguém para a sua
governação, está ainda a garantir as condições da própria subsistência apostando no
incremento coordenado das capacidades criativas.
A experiência não engana: a construção democrática é árdua, permanente, de
todos. Na nossa ambição infantil primordial, precisámos que o papá e da mamã nos
avisassem: só garantiríamos a nossa parte deixando metade para o irmão. Este reconhecimento imposto terá desbloqueado a grande descoberta: o amor materno, símbolo de todos os bens, não diminui se partilhado, e a solidariedade fraterna não tem
preço. Contudo, mesmo que o conflito inicial se resolva a contento, só um amadurecimento contínuo impede o regresso à antiga ambição e à “democracia negativa” de
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Editorial
apenas conceder para obter e respeitar para fugir ao castigo. Neste aspecto, os ventos
não parecem correr de feição: esse regresso já motiva apelos incessantes ao Estado
de Direito, que a evidente impossibilidade de vigiar a todos, mesmo os vigias, torna
claramente infrutíferos.
Entre nós, um deficit manifesto de “socialização” de valores imprescindíveis,
leva o Estado a voltar-se para a reforma escolar, de indesmentível urgência. Erra, não
obstante, se açambarcar o que só lhe incumbe de forma parcial e subsidiária. Não
seria a primeira vez que intervencionismos estatais na transmissão e (re)produção da
cultura redundam em abusos de lesa democracia. Ao Estado nunca é permitido nem
substituir-se às instâncias intermédias da sociedade civil, nem “professar” ou impor
qualquer ideologia mesmo que a do partido maioritário. Aliás estaria a amaneirar as
bases do Direito que o legitima e pelo qual deve reger-se. Decididamente, o debate
ideológico e cultural não é o seu campo. Pelo contrário, incumbe-lhe criar as condições para que as instâncias competentes o assumam e levem a bom termo. Entretanto, urge estar atento à sociedade civil que, demitindo-se com facilidade, pactua,
conivente, com excessivas estatizações. Renitente, às vezes em demasia, quanto à
intervenção na área económica, parece não se importar que sejam negadas às famílias a prioridade e a liberdade de escolha e de intervenção na educação dos filhos.
Ainda no parto da democracia moderna, o século XIX preocupou-se com os
fundamentos de instituições como o voto individual, o poder da maioria, o respeito
pelas minorias e a participação cívica. As novas elites, que se atacaram à religião
instituída, tentaram logo congeminar deísmos substitutos, não viessem a faltar algumas referências essenciais. Os esforços foram inglórios, mas o desafio de informar
de sentido a construção social continuaria com as elaborações positivistas, racionalistas, materialistas, burocratas, que se foram sucedendo e acumulando. Em meados
do século XX, o Ocidente, que alternara a “loucura” de alguns anos com o horror de
outros, conseguia, mesmo assim, salvaguardar a herança democrática. As elites não
criaram novas fontes mas também não conseguiram eliminar as antigas. Subsistiam
alicerces. Mas à entrada do novo milénio, a situação modificou-se profundamente. A
erosão que deixara moribundas as ideologias atingia também as grandes religiões. A
coesão social fragiliza-se numa espécie de democracia de mínimos, que reivindica
direitos e desleixa deveres, como se a satisfação dos egoísmos pudesse garantir o
bem comum.
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Editorial
Para que o respeito e o apreço pela diversidade entrem na consciência colectiva,
como património comum, têm de ser transmitidos logo na primeira socialização,
nos processos educativos subsequentes e na laboração sócio-cultural contínua, nada
ficando garantido por mera proclamação de princípios. A questão do lugar para todos, na diversidade, que a todos preocupa, a todos deve ocupar, desde o cidadão e a
família às inúmeras e complexas estruturas de iniciativa civil, até ao Estado. Este,
existindo em função das demais instâncias, sem que nenhuma esteja em função dele,
é mesmo assim imprescindível. Não é demais insistir que lhe cabe respeitar e promover a garantia dos direitos fundamentais, que também inspiram e fundam o princípio
da laicidade. Mas percebemos ainda quão grande é o dever de não privar a nação, os
vários órgãos sociais e os próprios cidadãos dos benefícios do livre confronto sobre
os valores fundamentais. Com este sentido do bem comum, sem o qual o Estado
perderia a sua legitimidade, aclara-se a laicidade como um conjunto de políticas
positivas e concretiza-se um dos melhores serviços do poder estatal constituído.
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Documentos
. decretos . documentos pastorais .
. escritos episcopais . diversos .
. decretos .
As nomeações que hoje se tornam públicas são fruto de muito diálogo, de muita
escuta e oração, para corresponder às necessidades do Povo de Deus. Por isso, confio-as ao Espírito Santo por intercessão de Maria Santíssima. Confio também que
sejam acolhidas por todos os diocesanos em espírito e comunhão eclesial. É neste
espírito que as apresento à Diocese, tal como se segue:
1. Em documento próprio é apresentada uma remodelação da cúria diocesana,
com uma estrutura mais clara e uniforme e com redistribuição das competências
entre os organismos da Diocese. Esta alteração é feita para procurar um melhor
ajustamento das estruturas pastorais e administrativas à realidade diocesana actual e
contribuir para uma acção pastoral mais organizada e coordenada, simplificando os
órgãos de governo pastoral.
2. O P. Dr. Carlos Cabecinhas é enviado para Roma a fim de concluir os estudos
no âmbito do Doutoramento, deixando a equipa formadora do Seminário de Coimbra.
3. O P. Marcin Strachanowski, da Diocese de Cracóvia, na Polónia, é nomeado
Capelão do Santuário de Fátima.
4. O P. Francisco Pereira é nomeado Capelão do Santuário de Fátima e deixa a
paroquialidade do Souto da Carpalhosa.
5. O P. Doutor Augusto Pascoal é nomeado Sacerdote Penitenciário da Catedral,
mantendo os serviços que exerce até à data.
6. O P. Dr. Gonçalo Diniz é nomeado Director do Departamento de Pastoral
Juvenil e Escolar. Deixa o serviço paroquial dos Marrazes e assume funções de
docência no Instituto Superior de Estudos Teológicos de Coimbra e no Centro de
Formação e Cultura de Leiria.
7. O P. André Baptista é nomeado Director do Pré-Seminário, deixando o serviço
paroquial da Maceira. É também designado para assumir a responsabilidade pastoral
das capelanias militares do Regimento de Artilharia de Leiria e da Base Aérea de
Monte Real.
8. O P. Dr. Luís Inácio João é nomeado Director do Departamento de Pastoral
Social, acumulando com as funções que já desempenha.
9. O P. Dr. Jorge Guarda, Vigário Geral, é nomeado Moderador da Cúria, Director do Departamento das Vocações Cristãs e Coordenador do Serviço de Animação
Vocacional.
10. O P. Henrique Fonseca é nomeado Coordenador do Serviço de Apoio ao
Clero, continuando como Pároco da Ortigosa.
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Documentos
Nomeações diversas para o ano pastoral 2007/2008
. decretos .
11. O P. Dr. Adelino Guarda é nomeado Director do Gabinete de Apoio aos Serviços Pastorais, acumulando com as funções que já exerce.
12. O P. Manuel Henrique Jesus é nomeado Assistente Diocesano do Movimento
Convívios Fraternos e dispensado da responsabilidade do Secretariado de Pastoral
Juvenil; continua com as funções de Vigário Paroquial da Marinha Grande.
13. A Ir. Nancy Ortiz Casas, da Congregação Filhas de Santa Maria de Guadalupe, é nomeada Assistente Diocesana da Juventude Operária Católica.
14. O P. Cristiano Saraiva, Ecónomo diocesano, é nomeado Administrador da Gráfica de Leiria e deixa a paroquialidade da Cruz da Areia, mantendo a da Barreira.
15. O P. Rui Marto, dos Padres Claretianos, é nomeado Pároco de Fátima e Coordenador do Serviço para a Vida Consagrada.
16. O P. Bernardo Morganiça é nomeado Pároco de Santa Eufémia e Notário da
Câmara Eclesiástica, deixando o serviço paroquial de Pedreiras e Calvaria.
17. O P. Sérgio Fernandes é nomeado Pároco de Pedreiras e de Calvaria. Deixa o
serviço paroquial em Alpedriz e Pataias, bem como a assistência pastoral das capelanias militares de Monte Real e Leiria.
18. O P. Rui Acácio Ribeiro é nomeado Pároco da Cruz da Areia, acumulando
este serviço com as funções que tem desempenhado.
19. O P. José Baptista é nomeado Pároco do Souto da Carpalhosa, deixando o
serviço no Santuário de Fátima.
20. O P. Virgílio Francisco é nomeado Pároco de Alpedriz, acumulando com a
paroquialidade de Pataias.
21. O P. João Feliciano é nomeado Pároco de Colmeias, deixando o serviço paroquial em Ourém e continuando os estudos de Direito Canónico na Universidade
Católica de Lisboa.
22. O P. Jacinto Gonçalves é nomeado Pároco da Bidoeira, acumulando com a
paroquialidade de Milagres e a redacção de “A Voz do Domingo”.
23. O P. Marco Brites é nomeado Vigário Paroquial de Marrazes, deixando o
serviço paroquial em Regueira de Pontes.
24. O Diác. Marcelo Moraes é designado para colaborar no serviço pastoral da
paróquia de Maceira.
25. O P. Boaventura Vieira deixa as funções de Administrador da Gráfica de
Leiria, a seu pedido, e mantém o serviço de Capelão do Mosteiro de Santa Clara, em
Monte Real.
26. O P. Nelson Araújo, a seu pedido, é dispensado da paroquialidade de Colmeias e Bidoeira.
27. O P. Manuel António Henriques é dispensado da paroquialidade de Fátima, a
seu pedido por motivos de saúde.
28. O P. Raúl Carnide deixa o serviço na Câmara Eclesiástica para se dedicar a
tempo pleno ao serviço paroquial.
29. O P. Manuel Pina Pedro deixa as funções de Assistente do Secretariado Dio172 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
cesano da Pastoral dos Ciganos, por este organismo ter sido extinto e as suas funções
terem sido integradas no novo Serviço de Apoio Pastoral à Mobilidade, do Departamento de Pastoral Social. Mantém as funções de Capelão dos Estabelecimentos
Prisionais de Leiria.
30. O P. Joaquim Duarte Pedrosa é dispensado da paroquialidade de Santa Eufémia, a seu pedido, por motivos de saúde.
As tomadas de posse ocorrerão durante o mês de Setembro.
A quantos deixam os cargos precedentes expresso o mais sincero reconhecimento por quanto fizeram, na certeza de que o Senhor os saberá recompensar.
A cada um, pessoalmente, asseguro a proximidade na oração e o meu pleno
apoio.
Leiria, 13.07.2007, Solenidade da Dedicação da Catedral.
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Cúria da Diocese de Leiria-Fátima
A Cúria Diocesana é o conjunto de organismos e de pessoas que colaboram com
o Bispo Diocesano no governo da Diocese, de modo particular na direcção da acção
pastoral, na administração da Diocese e no exercício do poder judicial (cf. CDC. c.
469). A Cúria Diocesana participa no tríplice ministério apostólico do Bispo diocesano: ensinar, santificar e governar. De facto, ela é a “estrutura de que o Bispo se
serve para manifestar a caridade pastoral nos seus vários aspectos” (Pastores Gregis
45). Está, pois, ao serviço da comunhão e da missão evangelizadora de toda a Igreja
diocesana.
Os organismos diocesanos existentes foram surgindo ao longo dos últimos 40
anos como resposta às necessidades que se fizeram sentir. Os serviços foram-se
multiplicando e especializando, dando lugar a novos organismos ou reajustando as
competências dos que existiam. O tempo e a alteração das circunstâncias exigem
uma reorganização destes serviços e uma redistribuição das tarefas e competências.
Por isso, tendo auscultado o Conselho Presbiteral, e de acordo com as disposições do Direito geral da Igreja, procedemos a uma reestruturação destes organismos
da Cúria, motivada por uma necessidade de melhor ajustamento das estruturas pastorais à realidade da Diocese. Com isto pretende-se uma melhor coordenação, uma
acção pastoral mais organizada e uma maior operacionalidade nos diversos âmbitos
pastorais.
Assim, em virtude do cânone 391 e seus concordantes decretamos a reestruturação da nossa Cúria diocesana, tal como segue:
1. Gabinete Episcopal
• Gabinete de Imprensa
2. Vigararia Geral
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Documentos
. decretos .
. decretos .
3. Chancelaria (Câmara Eclesiástica)
• Secretaria Geral
• Arquivo Diocesano
4. Departamento de Administração Diocesana
• Serviços Administrativos da Diocese
• Comissão para o Fundo Diocesano o Clero
• Gabinete de Contabilidade e Assuntos Fiscais
5. Departamento de Património Cultural
• Comissão de Bens Culturais
• Comissão de Construção e Manutenção de Edifícios
6. Gabinete de Apoio aos Serviços Pastorais (Gaspa)
7. Tribunal Eclesiástico
8. Centro de Formação e Cultura
9. Departamento de Educação Cristã
• Serviço Diocesano de Catequese
• Serviço de Apoio ao Catecumenato
• Comissão de Catequese com Adultos
10. Departamento de Pastoral Juvenil e Escolar
• Serviço Diocesano de Pastoral Juvenil
• Serviço de Pastoral do Ensino Secundário
• Serviço para o Ensino da Igreja nas Escolas
• Centro de Apoio ao Ensino Superior
• Centro de Apoio aos Docentes Católicos
11. Departamento de Pastoral Social
• Cáritas Diocesana
• Comissão Diocesana Justiça e Paz
• Serviço de Apoio Pastoral à Mobilidade
• Serviço Pastoral da Comunicação Social
• Serviço de Pastoral da Saúde
12. Departamento de Pastoral Familiar
• Serviço de Pastoral da Família
13. Departamento das Vocações Cristãs
• Serviço de Animação Vocacional
• Serviço de Apoio ao Clero
• Serviço para o Diaconado Permanente
• Serviço para a Vida Consagrada
• Serviço de Animação Missionária
14. Departamento de Liturgia
• Serviço de Pastoral Litúrgica e Música Sacra
• Comissão de Espaços Religiosos e Litúrgicos
• Comissão de Coordenação das Celebrações Diocesanas
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As competências e o âmbito de responsabilidade dos diversos organismos são
apresentados em documento próprio que será enviado, em anexo, a todos os responsáveis de departamentos e serviços da Cúria.
A fim de se poder coordenar adequadamente o funcionamento e actividade dos
diversos órgãos da Cúria é criado o Conselho de Coordenação Pastoral, presidido
pelo Bispo diocesano e constituído por todos os directores de departamento, ou
equiparados. A moderação da Cúria é da responsabilidade do Vigário Geral, P. Jorge
Guarda, de acordo com o cânon 473 do Código de Direito Canónico.
Os responsáveis dos diversos organismos são nomeados ou confirmados como
a seguir se indica:
Gabinete Episcopal
Chefe de Gabinete: P. Doutor Vítor Manuel Leitão Coutinho
Coordenador do Gabinete de Imprensa: P. Dr. Rui Acácio Amado Ribeiro
Vigário Geral: P. Dr. Jorge Manuel Faria Guarda
Câmara Eclesiástica
Chanceler: P. Doutor Américo Ferreira
Departamento de Administração Diocesana
Ecónomo Diocesano: P. Cristiano João Rodrigues Saraiva
Departamento de Património Cultural
Director: P. Dr. Manuel Armindo Pereira Janeiro
Gabinete de apoio aos Serviços Pastorais
Director: P. Dr. Adelino Filipe Guarda
Tribunal Eclesiástico
Vigário Judicial: P. Dr. Fernando Clemente Varela
Centro de Formação e Cultura
Director: P. Dr. Adelino Filipe Guarda
Departamento de Educação Cristã
Director: P. Dr. José Henrique Domingues Pedrosa
Departamento de Pastoral Juvenil e Escolar
Director: P. Dr. Gonçalo Corrêa Mendes Teixeira Diniz
Departamento de Pastoral Social
Director: P. Dr. Luís Inácio João
Presidente da Cáritas Diocesana: Ambrósio Jorge dos Santos
Presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz: Dr. Tomás Oliveira Dias
Coordenador do Serviço de Apoio Pastoral à Mobilidade: P. Sérgio Feliciano
Sousa Henriques
Coordenador do Serviço Pastoral da Comunicação Social: P. Dr. Rui Acácio
Amado Ribeiro
Coordenador do Serviço de Pastoral da Saúde: P. Dr. Adelino Filipe Guarda
Departamento de Pastoral Familiar
Director: P. Dr. Luís Inácio João
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Documentos
. decretos .
. decretos .
Departamento das Vocações Cristãs
Director: P. Dr. Jorge Manuel Faria Guarda
Coordenador do Serviço de Animação Vocacional: P. Dr. Jorge Manuel Faria Guarda
Coordenador do Serviço de Apoio ao Clero: P. Henrique Fernandes da Fonseca
Coordenador do Serviço para o Diaconado Permanente: P. Dr. Virgílio do Nascimento Antunes
Coordenador do Serviço para a Vida Consagrada: P. Dr. Rui Manuel Reis Marto
Coordenador do Serviço de Animação Missionária: P. Vítor José Mira de Jesus
Departamento de Liturgia
Director: P. Dr. Carlos Manuel Pedrosa Cabecinhas
Esta remodelação entra em vigor no dia 1 de Setembro de 2007.
Leiria, 13 de Julho de 2007, Festa da dedicação da igreja catedral de Leiria.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Nomeação do Vigário Paroquial da Maceira
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz
saber quanto segue:
Sendo necessário prover ao cuidado pastoral do Povo de Deus que nos foi confiado, havemos por bem nomear Vigário Paroquial de Maceira o Rev. P. Marcelo
Cavalcante de Moraes, que entra em funções após a ordenação presbiteral.
Exercerá o seu ministério em colaboração com o Revº Pároco, P. Fernando
Pereira Ferreira, e com todos os direitos e deveres previstos no Código de Direito
Canónico, nomeadamente as faculdades consignadas no cânone 1111.
Esta nomeação é válida pelo período de seis anos.
Leiria, 21 de Outubro de 2007.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Nomeação dos Vigários da Vara
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz
saber quanto segue:
Sendo necessário proceder à nomeação de novos Vigários da Vara, de acordo
com os cân. 553–555 do Código de Direito Canónico, e tendo consultado os presbíteros das respectivas vigararias, nomeamos os seguintes Vigários:
Vigararia da Batalha:
P. Nuno Miguel Heleno Gil
Vigararia de Colmeias:
P. Filipe da Fonseca Lopes
Vigararia de Fátima:
P. António Ramos
Vigararia de Leiria:
P. Joaquim de Almeida Baptista
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Vigararia de Marinha Grande: P. Virgílio do Rocio Francisco
Vigararia de Milagres:
P. Vítor José Mira de Jesus
Vigararia de Monte Real:
P. José Lopes Baptista
Vigararia de Ourém:
P. Armindo Castelão Ferreira
Vigararia de Porto de Mós:
P. Orlandino Barbeiro Bom
Os novos Vigários da Vara entram em funções no dia 21 de Novembro de 2007,
dia da tomada de posse, e o seu mandato é válido por três anos.
Leiria, 29 de Outubro de 2007.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Comissão para a Revisão do Regulamento
da Administração dos Bens da Igreja
na Diocese de Leiria-Fátima
A Igreja precisa de bens materiais para desempenhar a sua missão espiritual no
mundo. Com essa finalidade, recebe-os dos fiéis e procura administrá-los de forma
competente e transparente.
Em ordem a fomentar a partilha de bens e a sua boa administração e garantir aos
sacerdotes e a outros servidores da Igreja diocesana a tempo inteiro meios de sustentação, o meu predecessor, com o contributo do Conselho Presbiteral, publicou o
Regulamento da Administração dos Bens da Igreja na Diocese de Leiria-Fátima, que
entrou em vigor de modo obrigatório no dia 1 de Janeiro de 1998.
Passaram entretanto dez anos e, em 2004, foi assinada a nova Concordata entre a Sé
Apostólica e o Estado Português que tem várias implicações sobre os bens da Igreja.
Na sua reunião do passado dia 30 de Outubro, o Conselho Presbiteral avaliou
positivamente os frutos do dito Regulamento e considerou que é oportuno proceder
à sua revisão em ordem a actualizá-lo segundo as exigências da situação presente.
Assim, em ordem à recolha e elaboração de uma proposta para a actualização do
dito Regulamento, nomeio a Comissão constituída pelas seguintes pessoas:
- Padre Jorge Manuel Faria Guarda, vigário geral da Diocese;
- Padre Manuel Armindo Pereira Janeiro, secretário do Conselho Presbiteral;
- Padre Cristiano João Rodrigues Saraiva, pároco e ecónomo diocesano;
- Mons. Henrique Fernandes da Fonseca, pároco e coordenador do Serviço de
Apoio ao Clero;
- Henrique Dias da Silva, dos Serviços Administrativos da Diocese.
A Comissão será coordenada pelo Vigário Geral e entra imediatamente em funções.
Leiria, 23 de Novembro de 2007.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Documentos
. decretos .
. decretos .
Suspensão de exercício
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz
saber quanto segue:
Atendendo ao pedido feito pelo Revº Padre Nélson José Nunes Araújo de suspender o exercício do ministério ordenado, e considerando que a Igreja é Mãe e
Mestra, e que a salvação das almas é a Lei Suprema da Igreja, (cf. cân. 1752), decretamos, de acordo com o cân. 1317 do Código de Direito Canónico, a suspensão
do exercício do ministério sacerdotal do referido sacerdote, ficando, pois, impedido
de exercer todas as actividades do seu ministério, salvo o prescrito no cân. 976. Pelo
mesmo facto fica privado de todos os ofícios e cargos bem como de qualquer poder
delegado (cf. cân. 292).
A decisão que agora se publica foi tomada após longo período de diálogo e reflexão entre o Bispo diocesano e o presbítero em questão, que deixou de exercer o
ministério ordenado a 23.09.2007, tendo-se-lhe concedido o prazo de um ano para
regularizar a sua situação canónica.
Leiria, 15 de Dezembro de 2007.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Nomeação do Director da Casa Diocesana do Clero
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, faz
saber quanto segue:
Sendo necessário prover a Casa Diocesana do Clero de um novo responsável,
havemos por bem nomear Director da Casa Diocesana do Clero o Revº P. Clemente
Dotti, para o quinquénio de 2008 a 2012.
Exercerá o seu cargo segundo a Lei da Igreja e em comunhão com o Bispo diocesano.
Esta nomeação é válida pelo período de cinco anos.
Leiria, 20 de Dezembro de 2007.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. documentos pastorais .
TESTEMUNHAS DA TERNURA DE DEUS
Caríssimos Diocesanos
Irmãos e Irmãs no Senhor
“A graça do Senhor Jesus esteja convosco. Eu amo-vos a todos em Cristo Jesus”
(1 Cor 16,23-24). Com estas palavras do Apóstolo Paulo saúdo-vos cordialmente e
expresso-vos o meu fraterno afecto, bem como a minha gratidão pela vossa colaboração durante o meu primeiro ano entre vós.
Foi para mim verdadeiramente consolador sentir um povo interessado e entusiasmado em descobrir e celebrar a beleza e a alegria da vocação cristã. Pude verificá-lo,
de modo mais visível, no bom acolhimento da carta pastoral e da carta às crianças,
nas vigílias vocacionais, na grande peregrinação diocesana a Fátima, na celebração
das ordenações sacerdotais e do jubileu das várias vocações, no reiniciar do pré-seminário e no grupo vocacional Santo Agostinho.
Não é possível medir o acontecimento de graça que, ao longo do ano, tocou as
consciências e as comunidades, nem os frutos da semente lançada. Mas, no termo
do ano pastoral, quero agradecer convosco as pequenas e grandes maravilhas que o
Senhor fez por nós, com a oração do salmista: “Louvai o Senhor porque Ele é bom,
porque é eterno o Seu amor” (Sl 118,1).
Hoje – após ampla consulta aos vários órgãos diocesanos, cujos preciosos contributos agradeço –, apresento-vos o percurso pastoral para o ano 2007/08 com o título
“Testemunhas da Ternura de Deus”.
1. Uma paragem em Elim
A Sagrada Escritura, narrando-nos a caminhada do êxodo do povo de Deus através do deserto, diz a certa altura: “Chegaram a Elim onde estão doze nascentes e
setenta palmeiras. E acamparam ali à beira da água” (Ex 15, 27).
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Documentos
Carta Pastoral para 2007/2008
. documentos pastorais .
O lugar de Elim, com as setenta palmeiras e as doze fontes, é um autêntico oásis
que oferece ao povo, já fatigado pela longa caminhada, a possibilidade de parar, de retomar fôlego e de fazer o ponto da situação: onde estamos? Como vivemos esta caminhada? O que nos espera? Como e por onde nos conduz o Senhor? A que nos chama?
Este episódio serve para iluminar o nosso caminho pastoral já traçado pelo sínodo diocesano. Após o primeiro biénio dedicado ao acolhimento e à vocação cristã,
também nós sentimos a necessidade de fazer uma paragem. Com isso queremos
consolidar os dinamismos, as iniciativas e propostas, as acções que foram desencadeadas e corriam o risco de depressa serem esquecidas, sem lançarem raízes sólidas
em todas as comunidades e vigararias.
É também um convite a saborear de novo, a gostar interiormente, a sentir como
são deliciosos para nós os dons de Deus, concretamente os dons do acolhimento e da
vocação, tão característicos da existência cristã.
Por isso, escolhemos como lema bíblico para este ano pastoral 2007/2008 a frase
do salmista: “Saboreai e vede como é bom o Senhor” (SI 34,9). Saboreai e vede,
isto é, saboreai e então vereis, sereis iluminados pela bondade do Senhor, pela sua
ternura; vereis como a vossa vida se ilumina e adquire grandeza e beleza. E, como
símbolo, escolhemos a Bíblia porque contém os mais belos testemunhos da ternura
de Deus e também para estarmos em sintonia com a preparação do próximo sínodo
dos bispos sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”
A temática do primeiro biénio pastoral estava centrada na “Vocação como dom
e missão”. Mas na base, como ponto de partida, pôs-se o “Acolhimento”. De facto,
o acolhimento é o pressuposto, a atitude fundamental que nos abre a Deus, aos outros, ao mundo e, por conseguinte, à nossa vocação e missão. Antes de empreender
e organizar iniciativas, devemos pôr-nos a questão: somos cristãos e comunidades
capazes de acolher Deus e os outros?
Assim, nesta carta pastoral, retomo os temas do acolhimento e da vocação em
conjunto, procurando conjugá-los e iluminá-los na perspectiva da ternura de Deus.
2. Um mundo inóspito que invoca ternura
Vivemos numa sociedade que, antes de mais, quer recuperar o valor do acolhimento porque sente que a vida se torna demasiado dura e fria se não há relação
verdadeira e calorosa com os outros.
Pertencemos à era fascinante da comunicação global. E, todavia, hoje aumenta
cada vez mais a pobreza relacional e o vazio de sentido.
Vivemos num mundo que se move e transforma a grande velocidade, que privilegia o ritmo empresarial e a eficácia imediata. Somos a primeira geração do stress
e do zapping, símbolos do activismo frenético e da febre do consumismo de coisas,
e de afãs tantas vezes inúteis. Não temos tempo para parar, olhar, escutar prestar
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atenção, acolher, cuidar do outro. Não temos tempo para Deus. Por isso a nossa
sociedade encontra muita dificuldade em criar espaços, tempos, lugares e condições
para o acolhimento. O acolhimento torna-se cada vez mais aleatório.
Um outro fenómeno é o crescente individualismo e o escasso sentido de comunidade. Cada um ocupa-se de si e dos seus interesses, pensa que pode realizar-se e ser
feliz sem os outros. Ou vê o outro em função da sua própria realização pessoal. Este
facto traz como consequência uma quebra de fraternidade e solidariedade entre as
pessoas. As relações são dominadas pela competição agressiva e invasora.
Acresce ainda a cultura mercantilista que afecta as relações humanas. Vivemos
num mundo onde tudo se compra e vende. O modelo do êxito social e de felicidade
veiculado pelos “media” é o da aquisição do poder, do saber e do ter. Perde-se o
sentido da gratuidade para com os outros, já desde a própria infância. Tende-se a
marginalizar os que não têm poder nem eficácia produtiva.
À escala mundial assistimos ao fenómeno da mobilidade e da imigração que nos
introduz numa sociedade e num tipo de convivência com diversas culturas e religiões. Mas tal facto traz consigo os problemas do desenraizamento e as dificuldades
de acolhimento e integração daquele que é diferente. Esta diversidade cultural pode
tornar-se num enriquecimento, mas também pode suscitar reacções de xenofobia, de
violência e transformar-se num “choque de civilizações” e de culturas.
O estilo de vida frenético e consumista, o individualismo e a indiferença, a ambição e a avidez desenfreada, a cultura mercantilista produzem o drama moderno da
incomunicabilidade, do anonimato, da solidão existencial. Por vezes temos a sensação de vivermos num “arquipélago de solidões” em que cada um se sente uma ilha
no meio de muita gente, estranho ao outro e, por fim, estranho a si mesmo.
Tudo isto repercute-se na questão fundamental de cada pessoa sobre o sentido
a dar à sua vida, isto é, na questão da vocação. Numa sociedade fragmentada e
confusa, a vida torna-se para muitos apenas uma coisa ocasional a usar e gozar no
momento presente, sem projecto. Outros sentem-se “perdidos”, sem bússola, e por
isso sem norte e sem rumo. Sintomas disso são o alto número de doenças psíquicas
ligadas à solidão, ao stress, ao vazio interior e a busca de seitas onde muitos encontram acolhimento com a aceitação de regras claras e seguras. É muito significativo
que, nos países onde as grandes religiões diminuem em número de fiéis, proliferam
seitas, bem como grupos de terapia, de auto ajuda…
Que sociedade se está a construir no início do terceiro milénio? Que futuro se
está a preparar?
Numa leitura evangélica dos sinais dos tempos, nós, cristãos descobrimos nesta
situação um desafio e uma vocação. Trata-se de criar uma cultura da ternura e do
acolhimento, da comunhão e da solidariedade, como alternativa à anti-cultura do
egoísmo, da indiferença, da dureza e da frieza de relações, da divisão e da violência.
Mas devemos começar por nos interrogar a nós mesmos: qual a qualidade do nosso
acolhimento nas relações interpessoais, na família, na comunidade cristã? Ofere| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 181
Documentos
. documentos pastorais .
. documentos pastorais .
cemos propostas sérias para o discernimento da vocação cristã no mundo de hoje,
sobretudo aos jovens? Não nos deixámos contaminar pela lógica do mundo?
Sempre me impressionou, profundamente, a reprovação que Heinrich Boll, prémio Nobel da Literatura em 1972, dirige aos católicos: “Aquilo que até hoje faltou
aos mensageiros do cristianismo é a ternura” aos vários níveis: de comunicação, de
vida afectiva, de compromisso social. Sem ternura não há vida, não há beleza, não
há felicidade!
3. O Evangelho da Ternura
O Deus de Jesus Cristo convida-nos, através do salmista, à contemplação deslumbrante do seu mistério de Amor: “O Senhor é bom para com todos; cheio de
ternura para com todas as suas criaturas” (Sl 144,9). E pede-nos que nos tornemos,
uns com os outros e uns para os outros, testemunhas da Sua ternura, se queremos que
a casa do mundo possa ser acolhedora para todos e generosa para com todos. Levar
a ternura de Deus ao mundo é levar a salvação do Evangelho.
O acolhimento de que falamos não é o que se oferece num hotel ou num aeroporto ou numa agência bancária. Não é uma estratégia para captar ou fidelizar
clientes. É antes um estilo de vida. Acolhemos o outro a partir da nossa identidade
de discípulos de Jesus Cristo e do Seu Evangelho. Este acolhimento requer pois uma
espiritualidade que o sustente e uma pedagogia que o configure a partir da fé.
Deus é Amor. Por isso é Deus da ternura. As entranhas da Sua ternura manifestam-se como acolhimento puro. E o nosso próprio acolhimento é um dom de
Deus, reflexo da sua ternura. A Bíblia narra histórias maravilhosas de acolhimento e
hospitalidade de Deus para com os homens e destes para com Ele, que são também
histórias de vocação e que vamos contemplar e meditar.
3.1 Deus é o primeiro a acolher-nos
3.1.1 “E Deus viu que tudo era muito bom e belo”:
o encanto do primeiro acolhimento
Logo nos primeiros capítulos, o livro do Génesis mostra-nos como e quanto
Deus é acolhedor das suas criaturas. É com uma exclamação cheia de encanto e de
deslumbramento, terna e amorosa, que Deus acolhe o homem e a mulher, a obraprima da sua criação, à sua imagem e semelhança: “ E Deus viu que era muito bom
e belo” (1,31)!
E o capítulo segundo, num estilo narrativo-simbólico, põe-nos a contemplar
Deus como o Artista divino que modelou o homem e lhe “soprou um alento de vida”
(2,7). O verbo “soprar”, na língua original (naphah), admite também o significado de
“dar um beijo”: a criatura humana recebe no seu rosto um beijo de Deus, símbolo de
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ternura e intimidade, tal como o primeiro beijo da mãe ao acolher, em seus braços, o
filho que acaba de dar à luz!
De seguida, é-nos apresentado o homem na sua solidão existencial: “Não é bom
que o homem esteja só” (2,18). Esta solidão prepara-o para o acolhimento da mulher, o seu semelhante, que não encontrara no mundo infra-humano. E como que
despertando de um sono e de um sonho ansiado, o homem acolhe-a com um hino de
júbilo: “Finalmente, esta é carne da minha carne, osso dos meus ossos” (2,23). O ser
humano adverte que, só acolhendo o outro, se torna plenamente humano.
Criando-os à Sua imagem e semelhança, Deus inscreveu no coração de cada
homem e de cada mulher a capacidade e a vocação de amar, de acolher.
Deus, porém, continua a acolher o homem ao longo da história com as suas
alegrias e tristezas, com as suas fragilidades e fadigas. Jesus, o Filho de Deus feito
homem, é um ser de acolhimento. Ao longo do Evangelho podemos contemplar a
qualidade e a universalidade do Seu acolhimento.
3.1.2 “Se conhecesses o dom de Deus”:
acolhidos nas nossas fragilidades
O encontro entre a Samaritana e Jesus junto ao poço de Jacob (Jo 4,1-42) é bem
conhecido.
Num país onde a água é rara, os poços de água são lugares privilegiados de encontros e comunicação, de conflitos e reconciliação, de recordações e surpresas do
quotidiano da gente.
Sozinha, com o cântaro vazio, à hora de maior calor talvez para não encontrar
ninguém, esta mulher solitária chega ao lugar onde Jesus está sentado. E é surpreendida pela iniciativa da palavra de Jesus: “Dá-me de beber.” Surpresa para a mulher,
que um judeu fale a uma samaritana; e para os discípulos, que o Mestre fale à primeira mulher que encontrou. A palavra do Mestre começou por derrubar as barreiras
sociais, culturais e religiosas. Como se quisesse pôr em comunicação pessoas e mundos que as sociedades e religiões fecham nas suas particularidades e preconceitos.
Para Jesus, o que conta é a pessoa concreta, única, amada por Deus. Assim, o
encontro casual junto ao poço de Jacob torna-se ocasião para entrar no “poço profundo” da consciência e da vida atribulada da mulher samaritana.
Com uma pedagogia humano-divina, Jesus aceita, de início, que o diálogo comece pelas coisas banais, por lugares comuns, feito até com alguma ironia. Mas depois,
lenta e delicadamente, entra no coração da samaritana. Leva-a a interrogar-se, a entrar no profundo dos seus problemas, a confessar as desilusões e amarguras da vida
e a abrir-se à novidade de Cristo: “Se conhecesses o dom de Deus!”.
O encontro com a samaritana revela como Jesus acolhe a partir da situação espiritual concreta da pessoa, com uma grande e delicada atenção, sem pretender dominar, sem fazer juízos nem proferir condenações à partida; mas também sem se deixar
capturar, condicionar e bloquear. Antes, ajuda a superar os bloqueamentos.
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Documentos
. documentos pastorais .
. documentos pastorais .
O Senhor revela à sua interlocutora uma experiência surpreendente: um caminho
para o interior de si mesma que a abre ao exterior, que a conduz ao Deus vivo e aos
outros. O caminho vivo de Amor e a vocação a testemunhá-lo.
No final, ela reconhecerá e acolherá abertamente o “dom de Deus” que transcende toda a discriminação de pessoas e todas as barreiras interiores e exteriores: esse
dom é Jesus, o Cristo, a fonte de água viva, que sacia toda a sua sede, todo o desejo
de viver.
Tendo-O escutado até ao fim, a mulher, abandonando o seu cântaro, correu à
cidade a testemunhar esta experiência de Cristo e da Sua Palavra que transformou e
transfigurou a sua vida. Ei-la missionária de Cristo!
A samaritana é figura de todos nós; é a nossa sociedade desiludida depois de
tantas experiências e promessas, tentada a fechar-se sobre si, sobre os seus egoísmos
e as suas desilusões, sobre o tédio da vida, mas à espera de ser acolhida por Alguém
que a ajude a retomar respiração, ânimo e entusiasmo, a reencontrar o melhor de si
mesma.
3.1.3 “Fitando nele o olhar, amou-o”:
acolhidos apesar da recusa
O encontro do jovem rico com Jesus (Mc 10,17-22) não é ocasional. É desejado
e procurado: “o jovem corre para Ele, ajoelha-se, pergunta e escuta”.
Trata-se de um jovem rico, uma pessoa com possibilidades, energias, talentos,
riquezas. Pelo seu modo de agir e falar aparece como um jovem simpático, religioso
enquanto cumpre e respeita formalmente a religião, procurando agir correctamente,
preocupado pelo que faz e lhe falta ainda fazer.
Olha para Jesus como alguém em quem põe a sua confiança, com quem pode
falar sobre as suas interrogações existenciais sem medo de ser mal entendido. E põelhe a questão mais importante e mais séria sobre o sentido a dar à sua vida, para que
seja vida verdadeira, plena e feliz: “Que devo fazer para alcançar a vida eterna?”.
“Jesus fitando nele o olhar, amou-o” – diz o texto. Quer dizer, Jesus acolheu-o
com amor.
Com o seu olhar de afecto, manifestou-lhe a sua ternura, ofereceu-lhe a sua amizade, fê-lo sentir no centro da própria atenção, valorizou a sua boa vontade e a sua
rectidão, mostrou-lhe quanto é precioso aos seus olhos e digno de estima.
E responde à sua questão de fundo convidando-o a dar um salto qualitativo na
sua vida: abrir-se à novidade do Evangelho e à beleza da santidade de vida. O que
Jesus lhe propõe é a liberdade do coração para O seguir e partilhar a riqueza dos seus
bens e talentos com os que precisam. Mostra-lhe o caminho da vocação cristã em
que se realiza o homem e a sua dignidade. Porém, o jovem partiu triste e, porventura,
desiludido com Jesus.
Estava disposto a observar as regras fundamentais da vida, mas fechado no mundo das suas coisas e seguranças. Não acolhe a novidade de Jesus. Chegou à fronteira
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duma nova etapa e vocação da sua vida, mas não teve a coragem de a transpor. Ficou
só com a religiosidade da lei de não fazer mal aos outros (não mato nem roubo), mas
sem ir mais longe.
Parece-nos um “falhanço” pastoral de Jesus! Estamos diante do mistério do dom
da fé e da liberdade do homem. Mistério que requer respeito!
Os encontros de Cristo contêm uma espiritualidade e uma pedagogia do acolhimento. Para Jesus, cada pessoa é única, com o seu nome próprio, o seu rosto, a
sua história. Através de um procedimento progressivo e revelador, Jesus valoriza,
purifica e leva à verdade plena o desejo de vida, de amor, de verdade, de alegria e
esperança que move o coração e a liberdade de cada pessoa.
3.2 Chamados a acolher Deus e os seus dons
3.2.1 “Não passes adiante sem parar em casa do teu servo”:
acolher Deus no quotidiano
É clássico o episódio do acolhimento de Deus por Abraão junto ao carvalho de
Mambré (Gen18,1-15) onde está acampado. Vemos aí três personagens, desconhecidas e misteriosas, acolhidas por Abraão e Sara. Prometem que Sara gerará um filho
na sua velhice. Abraão descobre nesta visita inesperada a passagem de Deus, a significar que Deus chega sempre de surpresa: “Senhor, peço-te que não passes adiante
sem parar em casa do teu servo”.
A hospitalidade generosa de Abraão é-nos descrita com traços de significado
místico-simbólico. Configura-se como uma liturgia do acolhimento, uma festa de
alegria do encontro à mesa. Oferece o melhor que tem, dá-lhe o lugar central; dá-lhe
o tempo que é necessário e não à pressa. Tem tempo para Deus.
O gesto de Abraão indica que a experiência espiritual da fé exige uma tomada de
consciência da presença de Deus no nosso quotidiano. Querendo que Deus pare em
sua casa, Abraão deseja que Deus se torne familiar. A vida de fé traz em si o desejo
de não deixar que Deus passe ao lado, de O acolher “em casa ”. Deus quer ser acolhido: e quando O acolhemos, Ele torna fecunda a nossa vida, abre-nos um futuro
novo, desperta em nós o sentido do outro e da missão, a vocação.
3.2.2 “Sentada aos pés do Senhor, escutava a Sua Palavra”:
acolher a Palavra
Esta página do Evangelho (Lc 10, 38-42) mostra-nos Jesus acolhido por Marta e
Maria em sua casa, onde ele gostava de saborear a amizade, a intimidade, o repouso
sereno.
Marta, como boa dona de casa, dispõe-se a preparar tudo para um acolhimento
digno de tão estimado hóspede. Maria “sentada aos pés do Senhor, escutava a Sua
palavra”. Marta mostra-se agitada, inquieta, perturbada, ansiosa e impaciente pelas
muitas coisas a fazer, e pede a Jesus que reprove o aparente desinteresse de Maria.
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Documentos
. documentos pastorais .
. documentos pastorais .
E a resposta de Jesus soa como uma advertência afectuosa: “Marta, Marta, andas tão
inquieta e perturbada, mas uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte
que não lhe será tirada”.
Não se trata aqui de uma lição de cortesia, de boas maneiras. Jesus não é tão
ingénuo que desconheça tudo o que é preciso fazer para receber bem um hóspede. A
frase de Jesus constitui um pequeno “evangelho”: é o anúncio da Palavra que pode
preencher o coração, salvando-o da dispersão das muitas coisas. Quer salvar do perigo de perder o valor da Sua visita, da Sua presença, da Sua palavra sobre Deus e
sobre o mistério da vida.
Os traços do carácter de Marta podem ser vistos no homem moderno: o homem
frenético, doente da pressa e da ansiedade crónica, que cai num activismo sem profundidade, vazio de interioridade, com a ânsia de fazer muitas coisas. E corre o risco
de perder o centro de gravidade, o sentido do essencial.
As muitas coisas impedem não só a escuta, mas também o verdadeiro serviço.
Fazer muito é sinal de amor; mas também pode fazer morrer o amor, até na família,
quando desvia a atenção para as coisas em detrimento das pessoas. Acolher não é só
fazer ou dar coisas, mas, antes de mais, é dar atenção à pessoa, fazer companhia, dar
tempo e espaço para escutar a Palavra.
Maria é o símbolo do discípulo e da Igreja à escuta de Cristo: abre-lhe o seu coração, deixa-o entrar na sua vida, cultiva a amizade pessoal com Ele, consciente de que
“nem só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”.
Também, nesta história, Aquele que é acolhido é o mesmo que vem para acolher,
para dar uma Palavra de vida, de luz, de esperança, de alegria e de paz. Esta é a “parte melhor” que não será retirada: o que dá consistência e sentido à vida do discípulo,
aquilo que permanece e não passa.
“Feliz aquele que escuta a Palavra e a põe em prática”, diz Jesus, conjugando
assim as atitudes do acolhimento completo: o coração disponível, à escuta, de Maria
e as mãos serviçais de Marta. A Palavra acolhida é um dom que contém em si a vocação à missão, ao serviço, ao testemunho.
3.2.3 “Hoje, a salvação entrou nesta casa”:
acolher a Misericórdia
Vejamos ainda a narração admirável do encontro de Zaqueu com Jesus (Lc
19,1-10). A personagem de Zaqueu é-nos descrita com cores negativas: “chefe dos
publicanos e rico”. É colaboracionista do poder romano, um odiado cobrador de impostos, corrupto, ávido de lucro e escravo do dinheiro, desprezado pelo povo, temido
mas isolado. É um pecador público.
E, todavia, este homem tem uma ansiedade interior: “Procurava ver Jesus” e soube aproveitar a ocasião de uma passagem irrepetível de Jesus pela cidade.
Provavelmente tinha mais do que simples curiosidade; talvez uma insatisfação,
uma inquietação interior. Intui que Jesus tem algo de misterioso e fascinante que o
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atrai. Adverte que Jesus pode fazer algo por ele. Sente-se pequeno e distante, mas
arrisca, até ao ridículo, subindo a uma árvore.
E Jesus, passando “levantou os olhos” e disse-lhe uma palavra imprevista, extraordinária, inesperada: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje devo hospedar-me em
tua casa”. E Zaqueu acolhe-o “cheio de alegria”, expressão típica de S. Lucas que
manifesta bem a consequência interior de acolher Deus.
A entrada de Jesus naquela casa é a entrada da misericórdia. Ao acolher Jesus,
Zaqueu acolhe a misericórdia. É essa experiência de misericórdia, e só ela, que abre
o coração de Zaqueu à generosidade (“darei a metade dos meus bens aos pobres; e se
defraudei alguém, restituirei quatro vezes mais”). De cobrador passa a dador. Ganha
uma nova sensibilidade para os outros dando-lhes muito mais do que é devido: ao
receber ele próprio mais do que merecia (a entrada de Jesus em sua casa), dá muito
mais do que os outros merecem. Podemos ver isto em perspectiva vocacional: quem
não (se) dá, é porque não recebeu; quem não vive a sua vocação é porque não acolheu a ternura, o amor terno de Jesus.
Notemos que este encontro acontece por iniciativa de Jesus, do seu olhar de
amor, que procura Zaqueu superando todos os obstáculos, como a sua condição de
pecador ou a hostilidade e a crítica da multidão que se escandaliza e murmura
A própria busca de Zaqueu é acolhida, valorizada, purificada e regenerada de tal
modo que, de curiosidade inicial, se transforma em acolhimento alegre de Jesus e em
generosa vocação a segui-l’O.
3.3 “Acolhei-vos uns aos outros como Cristo vos acolheu”:
o acolhimento fraterno
O acolhimento de Cristo na fé prolonga-se no acolhimento de Cristo nos irmãos:
“Quem acolhe um destes pequeninos, é a Mim que Me acolhe; e quem Me acolhe a
Mim, acolhe o Pai que Me enviou” (Mc 9, 37). Mais rica e paradoxal é outra afirmação de Jesus, no contexto do juízo final: “Eu era estrangeiro e vós acolhestes-Me”
(Mt 25, 35). Aqui está toda a espiritualidade específica do acolhimento cristão.
Por isso, S. Paulo, depois de ter contemplado o mistério de Cristo em dimensão
universal, exclama na carta aos Romanos: “O Deus da perseverança e da consolação vos conceda os mesmos sentimentos de uns para com os outros segundo Jesus
Cristo, para que, com um só coração e uma só voz, glorifiqueis a Deus, Pai de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Por isso, acolhei-vos uns aos outros como Cristo vos acolheu
para glória de Deus” (15, 5-7).
S. Paulo vê no acolhimento uma expressão da vocação cristã e da realização da
lei de Cristo. Convida-nos a ter o nosso olhar fixo em Jesus para nos acolhermos mutuamente. Ele acolheu todos para nos reunir numa única grande família de irmãos,
filhos do único Pai. Viver como cristãos significa, pois, viver acolhendo-nos no amor
recíproco. Não se trata de um mero altruísmo ou de uma filantropia natural. Exige
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Documentos
. documentos pastorais .
. documentos pastorais .
uma conversão do coração, uma mudança de estado de espírito. No sentido cristão
do termo, o acolhimento fraterno é modelado pelo Evangelho de Jesus e pela graça
de Deus.
Assim, a partir daqui, podemos ver as suas características:
O acolhimento é, antes de mais, abertura relacional. É mais amplo que a simples
ajuda, porque significa abrir-se à pessoa e não só às suas necessidades. Significa
abrir o coração e não só dar ajuda; tratar o outro como a si mesmo e nele servir o
Senhor de todo o coração. Tudo começa pelo apreço do outro, pela atenção, escuta,
diálogo, respeito e delicadeza.
O acolhimento implica a disponibilidade. Para que o outro possa ser recebido
como um ser único é preciso tempo, a fim de que a pessoa possa “dizer-se”, exprimir-se, sentir-se à vontade, desafogar os seus problemas, as suas dores por vezes
profundas e ocultas. Isto não suporta a precipitação.
O acolhimento cristão é solidariedade, comunhão e partilha nas alegrias e tristezas, sem qualquer sentimento de superioridade ou relação paternalista. Assim resultará num enriquecimento mútuo.
O acolhimento cristão é também universal, sem fazer acepção de pessoas, sem
restrição nem segregação. Por isso, estende-se em diversas direcções: em relação ao
próximo que vive continuamente a nosso lado (familiar, vizinho, companheiro de trabalho); ao diferente, àquele que não pensa, nem vive como nós, que não é da nossa religião, do nosso partido, da nossa raça, da nossa formação; ao “indiferente”, ao marginalizado, excluído, que faz parte da multidão de anónimos, com quem não há nenhuma
relação; e, por fim, até ao inimigo, ao adversário, através do perdão, da comunicação
reencontrada que nos leva a ultrapassar as atitudes de ódio, vingança e desprezo.
O acolhimento e o cuidado dos outros é ainda um lugar e um caminho para despertar e descobrir a vocação e as diferentes vocações na Igreja. Deus chama-nos também através das necessidades da Igreja e do mundo. Quantos e quantas descobriram,
deste modo, a sua vocação ao sacerdócio ou à vida religiosa e missionária!
4. A Igreja, “casa e escola” do Acolhimento
A Igreja, porque é habitada pelo Espírito de Jesus – que é Espírito de caridade e
comunhão – é pois, por natureza e vocação, “casa e escola” de acolhimento cristão.
Não é, então, possível imaginar o acolhimento como uma prótese, um suplemento das comunidades cristãs delegado a alguns “especialistas” ou profissionais de
relações públicas. Toda a pessoa é um apelo que pede para ser acolhida e escutada.
O acolhimento é como um livro aberto onde cada um de nós pode ler que também à sua vida, tão cheia de coisas, falta o “único necessário”, que é a capacidade de
relação, de partilha, de amor, de dedicação, e vocação ao serviço dos outros.
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Na atitude de acolhimento e em comunidades acolhedoras é onde a nossa civilização encontrará os novos “poços de Jacob” para saciar a sua sede, abrigar-se
do calor abrasador, receber o dom da vida verdadeira. É aqui que muitos homens e
mulheres encontrarão remédio para a solidão.
A pastoral do acolhimento é pois um elemento constitutivo e básico da Igreja que
revela o coração de Cristo cheio de ternura, misericórdia e esperança. O acolhimento
deve dar uma alma e um pouco de coração, de afecto e calor humano às relações,
à vida e às estruturas de cada comunidade. Assim, apresentamos algumas pistas de
acção a serem reflectidas em cada comunidade, para um exame de consciência e
iniciativas pastorais concretas.
4.1 Cultivar a espiritualidade do acolhimento
Antes de programar iniciativas concretas é preciso promover uma espiritualidade
do acolhimento e da comunhão.
Em primeiro lugar, esta espiritualidade tem a sua fonte na oração e em toda a
celebração litúrgica. A oração é, antes de mais, um momento de acolhimento em que
se escuta Deus que fala à mente e ao coração, em que nos deixamos acolher por Deus
que vem ao nosso encontro, nos precede, acompanha e chama a colaborar com Ele.
Ele é o primeiro que nos acolhe tal como somos e na situação em que nos encontramos. É Ele que dilata o nosso coração e o abre aos outros. Mas o acolhimento de Deus
requer o nosso recolhimento. É necessário estar disponível, ter tempo para Deus.
Nesta linha, propomos viver a Quaresma como um tempo de recolhimento,
dando-lhe o carácter de um “retiro popular”, isto é, para todo o povo de Deus: cada
comunidade reunir-se-á uma vez por semana, para meditar sobre a espiritualidade e a
pastoral do acolhimento e da vocação cristã. Para isso ofereceremos, a seu tempo, as
meditações quaresmais, sob a forma de leitura familiar e orante da Palavra de Deus
(Lectio divina), que nos põe à escuta de Deus e nos faz sentir que a Sua Palavra não é
longínqua nem impessoal, mas fala hoje, pessoalmente, ao coração de cada um. Peço
aos párocos que façam, atempadamente, uma especial sensibilização e organização
do povo de Deus para este aspecto.
4.2 Presença de proximidade na paróquia
A paróquia é a presença viva e visível da Igreja de Jesus no meio das casas dos
homens. Não há-de ser vista como estação de serviços religiosos, mas como casa
de acolhimento fraterno das pessoas e de experiência significativa do Evangelho. É
preciso, pois, incrementar e dar qualidade evangélica à dimensão do acolhimento,
como expressão de um amor que a todos abraça: homens e mulheres, fracos e fortes,
entusiastas e desiludidos, estranhos e conhecidos. Significa dar testemunho de uma
Igreja interessada mais nas pessoas que nas estruturas, dialogante, calorosa.
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A presença de proximidade exprime-se em tecer relações próximas, directas com
todos os seus habitantes, cristãos ou não, participantes da vida da comunidade ou
à sua margem. Nada na vida das pessoas, acontecimentos alegres ou tristes, deve
escapar à presença discreta e activa da paróquia, feita de proximidade, de atenção e
partilha. Por isso há que cuidar, à partida, de aspectos e atitudes fundamentais:
- No serviço pastoral dedicar mais tempo a cada pessoa, escutá-la, estar a seu
lado nos acontecimentos mais importantes e ajudar a buscar, com ela, as respostas
às suas dificuldades e necessidades. Façamos com que todos, ao serem e sentirem-se
valorizados, se possam sentir na Igreja como na sua própria casa;
- Programar o acolhimento em forma de “rede de relações” de conhecimento,
amizade, convite, colaborações, através de pessoas dedicadas e idóneas para os vários âmbitos. Trata-se de criar e valorizar o ministério do acolhimento que é como
que o “cartão de visita” duma comunidade;
- Cuidar do atendimento a quem vem pedir um serviço ou informação ou expor um problema, através de um estilo de atenção, delicadeza, escuta, paciência,
compreensão e disponibilidade de tempo programado (que entra nos programas) de
modo que as pessoas se sintam à vontade. São contrárias a este estilo as atitudes de
frieza, indiferença, falta de gentileza ou o querer despachar de qualquer modo e o
mais rapidamente possível;
- Dar vida a pequenos grupos ou comunidades onde seja possível viver melhor
o acolhimento fraterno (a escuta recíproca, a partilha, a oração) e relações mais próximas e familiares;
- Aproveitar ou criar o “dia da comunidade paroquial” como ocasião para sair das
relações anónimas, para o mútuo conhecimento, para derrubar barreiras e incrementar o sentido de família e de fraternidade.
Nos momentos mais significativos da vida
Nos momentos mais importantes e significativos da vida, alegres ou tristes, de
êxito ou fracasso – nascimento, casamento, morte – é quando aflora, mais ou menos
fortemente, à consciência e ao coração humano o sentido do sagrado e da transcendência, a dimensão espiritual que envolve a existência humana. São ocasião de uma maior
aproximação à Igreja para pedir os sacramentos. São momentos carregados de fortes
emoções. Muitas pessoas vivem afastadas da Igreja, com uma fé ténue; sem saber o
que é preciso fazer e sentem-se embaraçadas num ambiente que não lhes é habitual.
Nestas situações requere-se um acolhimento muito próprio de empatia, delicadeza e compreensão, de esclarecimento inteligente e paciente, de diálogo sereno.
Há que valorizar estes momentos com propostas em ordem a uma boa preparação
e a uma boa celebração do baptismo e do matrimónio para que os dons de Deus sejam acolhidos, por quem os pede, com seriedade, dignidade, verdade e beleza.
Esta mesma sensibilidade e empatia são necessárias para o acolhimento relativo
ao sacramento da reconciliação e à celebração dos funerais. Neste último aspecto,
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todos sabemos o que representa a dor da perda de uma pessoa querida. A comunidade cristã sente-se interpelada a manifestar os seus sentimentos de comunhão com a
família enlutada. Quando for possível e oportuno, com a colaboração das irmandades e confrarias e de outros animadores leigos, pode propor às famílias um momento
de oração no lugar do “velório”, preparando-o cuidadosamente. Além disso, podem
envolver-se os familiares na celebração confiando-lhes a leitura da Palavra ou a formulação das intenções dos fiéis. E como é importante a homilia de estilo meditativo
e afectuoso! Não há nada de mais irritante que uma prédica de lugares comuns ou
fria como um acto notarial.
Nas situações de fragilidade
Um acolhimento particular, solidário e afectuoso, deve ser reservado às pessoas
em situação de maior fragilidade, por motivo de qualquer forma de pobreza ou de
sofrimento.
Penso, em primeiro lugar nos doentes, nos idosos e nas pessoas portadoras de
deficiência juntamente com os seus familiares. É um aspecto para que as nossas comunidades já estão bastante sensibilizadas e a que vão procurando dar resposta. Mas
ainda há muito a fazer e a melhorar. Neste momento, gostaria, sobretudo, de lembrar
aos catequistas e aos párocos a situação das crianças portadoras de deficiência, na
catequese e nos sacramentos de iniciação. Estas crianças, capacitadas de modo diferente, também apreendem a mesma fé, ainda que de modo diverso. É necessário ter
isto presente para que, de modo nenhum, sejam discriminadas, prejudicadas e muito
menos humilhadas.
Hoje batem à porta das nossas comunidades cada vez mais pessoas com problemas ou perturbações de ordem psíquico-espiritual, com uma fragilidade interior
a toda a prova. Para elas é necessário criar espaços e condições de acolhimento,
escuta, aconselhamento, acompanhamento e oração que levem à cura ou ao alívio
das suas feridas, através de pessoas idóneas, preparadas para isso. Uma cura que,
por vezes, é uma longa viagem de libertação e de reconciliação com Deus, consigo
mesmas e com os outros. Com esta finalidade propomo-nos constituir um grupo
multidisciplinar de voluntários no Santuário de Fátima. E organizaremos também
um seminário para partilha de experiências e reflexão sobre este problema.
Um outro tipo de pessoas em situação de fragilidade é o dos imigrados, estrangeiros, diversos de nós pela sua cultura, pelos seus costumes, pela sua língua e pela
sua religião. O nosso acolhimento manifestar-se-à na convivência fraterna e em
ajudar a criar espaços e condições para a sua integração.
Nas famílias
A família é o lugar primordial da ternura e do acolhimento. E, no entanto, em
muitas famílias, vivem-se situações silenciosas de azedume, de amargura, de ressentimento e de ruptura entre cônjuges e entre pais e filhos, que se prolongam porque
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cada um se fecha no seu casulo, no seu mutismo e não se cultiva o acolhimento
quotidiano, sincero e transparente, respeitador e sereno. Porque não recuperar a
oração em família, ao menos uma vez por semana, que ajuda a abrir e pacificar os
corações?
Quero deixar aqui uma palavra esclarecedora e pacificadora a propósito de duas
situações familiares hoje muito frequentes.
Que fazer quando um filho segue o seu caminho, mas que é contrário aos princípios e valores dos pais, por exemplo, quando opta por uma “união de facto”?
Naturalmente estes pais têm o direito de dizer ao filho que, no seu modo de ver, tal
comportamento não é correcto. Será necessário dizê-lo de modo claro, leal e respeitoso. Mas, uma vez esclarecido o assunto, é preciso acrescentar: “continuamos a ser
os teus pais, não te fechamos a porta. Porque o sofrimento que sentimos e a provação
que sofrem as nossas convicções religiosas não nos eximem do primeiro dever de
pais, o de amar o nosso filho apesar de tudo”.
A outra situação refere-se aos divorciados recasados que querem conservar a
sua fé. É um dos problemas mais delicados na Igreja de hoje. Que acolhimento lhes
reserva a Igreja? Só diz ou só pode dizer mal do segundo casamento?
Antes de mais, só Deus conhece o coração de quem se divorcia e volta a casar. Só
Ele julga da sua culpabilidade. Nem todos os casos são iguais. Mas, objectivamente,
o novo casamento depois do divórcio não pode ser reconhecido pela Igreja, por fidelidade ao Evangelho do matrimónio uno e indissolúvel. Por isso, a Igreja lhes pede
que se abstenham dos sacramentos. Mas isso não significa que estejam ex-comungados da Igreja: “os divorciados recasados, não obstante a sua situação, continuam
a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude na esperança de que
cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida, através da participação na Santa
Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da Palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da cooperação na vida comunitária, do diálogo franco
com um sacerdote ou mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço da caridade,
das obras de penitência, da educação cristã dos filhos” (Bento XVI, Sacramentum
Caritatis, 29).
Apesar da atitude rigorosa da Igreja, não é esta, de algum modo, uma boa palavra de acolhimento para eles? Mas é dita raramente e quase nunca no momento
oportuno...
4.3 Acolher o dom da vocação: uma chama que ama e chama!
No ano passado, propusemo-nos descobrir a beleza e a alegria da vocação cristã.
Agora, ao longo desta carta, consideramo-la na perspectiva da ternura de Deus e do
acolhimento: acolher a vocação (chamamento) como dom da Sua ternura. A vida é
bela porque Deus nos ama e chama; e é séria porque Deus nos confia uma missão.
De facto, aquele que acolhe e recebe a ternura de Deus, sente-se, por sua vez,
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chamado a testemunhar, comunicar e servir aos outros essa ternura que quer estender-se a todas as criaturas. Todas as vocações são um raio da beleza da ternura de
Deus que quer encher o mundo: a vida laical de quem assume a vida e o trabalho no
mundo na fidelidade ao Evangelho e como uma missão em ordem ao desenvolvimento justo, solidário, fraterno e acolhedor para todos; o matrimónio como primeiro
lar e comunidade particular da ternura de Deus no mundo; o sacerdócio de quem
sente arder a ternura de Deus dentro de si e se oferece todo para ser servidor dos dons
da ternura de Deus (palavra, sacramentos, comunhão fraterna) aos homens; a vocação de especial consagração ao Senhor, na vida religiosa, missionária ou laical, para
testemunhar, de modo profético, o amor à ternura de Deus e a sua universalidade,
sobretudo aos pequeninos e aos mais necessitados.
O nosso objectivo é imprimir um novo ardor à pastoral vocacional, levando-a
ao coração de cada comunidade cristã para que a sinta e assuma como elemento
constitutivo da experiência de fé viva e como uma responsabilidade que a todos diz
respeito. O próprio símbolo do ano vocacional, a lamparina a arder e a passar de comunidade em comunidade, é muito significativo também para este ano: uma chama
(ternura de Deus) que ama e chama! Importa manter esta chama acesa no coração e
na pastoral.
Assim propomo-nos reavivar e consolidar as acções mais significativas que já
iniciámos: continuar a “grande oração pelas vocações” sobretudo com uma vigília,
particularmente destinada a adolescentes e jovens, em cada vigararia; manter o
funcionamento do “grupo vocacional Santo Agostinho” para os jovens seriamente
interessados na descoberta da sua vocação e incrementar o pré-seminário para os
interessados no discernimento da vocação sacerdotal; aproveitar a preparação para
o Crisma como um particular momento vocacional; criar o grupo de animadores
vocacionais nas vigararias ou na paróquia.
5. Nossa Senhora da Ternura e do Acolhimento
Maria, mãe de Jesus, é a Mãe da ternura. Contemplá-la é contemplar a ternura de
Deus e as maravilhas que esta realiza quando a criatura humana se abre e acolhe a
Palavra de Deus e a Sua graça.
Ninguém mais do que Maria é o símbolo do acolhimento, precisamente porque
ninguém como ela acolheu o Filho de Deus no seu coração e no seu seio – a ternura
de Deus encarnada. Com o “Sim” acolhedor da fé respondeu à vocação, dispondo-se
inteiramente a colaborar, como Mãe, na dádiva da ternura de Deus à humanidade.
Acolhe o dom e dá-o, por sua vez, partilha-o, como no encontro com Isabel. Aí vemos como o acolhimento de Deus faz brotar o reconhecimento alegre da Sua bondade, no cântico do Magnificat, o cântico da Ternura de Deus de geração em geração.
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A Ela confiamos a realização do nosso caminho pastoral:
Ó Virgem Maria,
Mãe da Ternura,
Rainha do acolhimento e da comunicação,
Senhora do sim ao chamamento do Pai,
Tu, espelho fiel do rosto da ternura de Deus:
Alcança-nos a graça de sermos Igreja do acolhimento,
Casa aberta para todos.
Ajuda-nos a ser como Tu:
Acolhedores e testemunhas da ternura de Deus,
Atentos às necessidades dos irmãos,
Generosos no sim à vocação a que o Senhor nos chama.
Acompanha e guia a nossa Igreja no seu caminho pastoral!
Saúda-vos afectuosamente,
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
8 de Setembro de 2007, Festa da Natividade de Nossa Senhora
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Convocatória
Caríssimos Diocesanos, Irmãos e Irmãs no Senhor!
“A graça do Senhor Jesus esteja convosco. Eu amo-vos a todos em Cristo Jesus”
(1 Cor 16, 23-24). Com estas palavras do Apóstolo Paulo saúdo-vos cordialmente e
expresso-vos o meu fraterno afecto, bem como a minha gratidão pela vossa colaboração durante o meu primeiro ano entre vós.
Foi para mim verdadeiramente consolador sentir um povo interessado e entusiasmado em descobrir e celebrara a beleza e a alegria da vocação cristã.
Neste espírito de caminhada comum, na comunidade de idêntica realização nos
anos passados, venho convocar uma ASSEMBLEIA DIOCESANA, que terá lugar na
tarde do Domingo 7 de Outubro, no salão de festas do Colégio da Cruz da Areia – Leiria, com início às 15h00 e termo com a missa, na igreja da Cruz da Areia, ás 18h00.
São objectivos deste encontro: fazer experimentar que, como Igreja diocesana,
somos muitos, mas um só corpo, em Cristo; apresentar a carta pastoral Testemunhas
da ternura de Deus e o programa do ano; celebrara o Dia da Igreja Diocesana.
Os destinatários são os principais agentes da Diocese e outros fiéis empenhados
na sua vida e missão, nomeadamente: padres, membros dos conselhos paroquiais e
diocesanos, colaboradores dos serviços diocesanos, responsáveis dos movimentos e
associações eclesiais, membros das comunidades religiosas, catequistas, colaboradores na liturgia e outros fiéis no apostolado.
O programa da Assembleia será o seguinte:
15h00: Acolhimento e retrospectiva da caminhada diocesana;
16h00: tempo de convívio;
16h30: Apresentação da nova Carta Pastoral do senhor Bispo;
18h00: Eucaristia na igreja da Cruz da Areia.
Da parte da manhã desse dia e no mesmo local, realiza-se o encontro anual dos
catequistas da Diocese, promovida pelo Departamento da educação cristã.
Estes eventos marcam o início do novo ano pastoral, visando promover um espírito eclesial, que leve os principais colaboradores da vida da Igreja diocesana nos
seus vários serviços e comunidades a sentirem-se membros co-responsáveis de uma
mesma e única família espiritual.
Reserve na sua agenda a disponibilidade para participar, não marcando qualquer
outra actividade no âmbito da sua responsabilidade pastoral, informe e motive os
seus mais imediatos colaboradores para o acompanharem.
Tendo em conta as orientações diocesanas, peço a todos o melhor empenho na
programação pastoral para o próximo ano.
†António Augusto dos Santos Marto
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Assembleia Diocesana
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Mensagem para o Dia Mundial das Missões
Uma Igreja Missionária
Uma Igreja missionária é uma Igreja apaixonada por Cristo e pelo Seu Evangelho, desejosa de comunicar o dom da fé com a Palavra e o Testemunho, de oferecer a
“boa notícia” aos homens e mulheres de cada povo e etnia, de cada cultura e língua
espalhados pelo mundo.
Queria evocar aqui o exemplo do grande apóstolo e missionário do Oriente,
S. Francisco Xavier, cujo quinto centenário do nascimento comemorámos no ano
passado. O segredo do seu fogo missionário estava na contemplação de Cristo crucificado, que se entregou por todos. Isso levou-o a ultrapassar todos os obstáculos e
sofrimentos.
Ás nossas Igrejas do Ocidente, que, no actual momento social e cultural, correm
o risco de se fecharem nas suas dificuldades, de se deixarem tentar pelo desânimo
e pelo medo, Francisco Xavier recorda-nos que o Evangelho é sempre palavra de
alegria e esperança para todos os povos, capaz de incarnar e dar uma alma nova a
toda a cultura e expressão humanas. E é também fonte de alegria para quem o leva
e comunica:
“Não podeis imaginar quão abundantes são as consolações espirituais nestes lugares. Todos os perigos, todas as fadigas, quando são enfrentadas por amor e serviço
a Deus, transformam-se em fontes de grandes consolações. Não recordo ter experimentado tanta alegria como nestas terras”.
Este testemunho de S. Francisco evoca-nos a frase de Jesus: “Há mais alegria em
dar do que em receber”. Convida-nos também à partilha de dons e de bens entre as
Igrejas para o testemunho do Evangelho. O que não é dado, perde-se!
Que este testemunho sirva como estímulo para o dinamismo missionário da
nossa diocese. Deixo também uma palavra de apreço e gratidão a toda a equipa do
serviço de animação missionária diocesana que aqui nos apresenta o seu relatório.
10 de Setembro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Carta de Anúncio
Caríssimos Diocesanos,
Irmãos e irmãs no Senhor,
Decorrido um ano após o início do meu ministério episcopal nesta Igreja de Leiria-Fátima e tendo já encontrado, em diversas ocasiões, pessoas, grupos e comunidades, chegou agora o tempo de proceder à Visita Pastoral às paróquias da Diocese. É
um dever do Bispo, enquanto pai e pastor da porção do povo de Deus confiada à sua
solicitude, para aprofundar o conhecimento, a estima e a ajuda recíproca.
A Visita Pastoral não é, pois, um facto burocrático ou só celebrativo. “É um acontecimento de graça que reflecte, de algum modo, aquela tão especial e maravilhosa
visita com a qual o supremo Pastor e Bispo das nossas almas, Jesus Cristo, visitou e
redimiu o seu povo”(Directório do ministério pastoral dos bispos, 220) e continua a
visitar-nos com o dom do Espírito Santo.
Continuador do ministério apostólico, o Bispo, princípio visível e fundamento
da unidade da Igreja diocesana, realiza a visita com os sentimentos de Jesus, Bom
Pastor, para anunciar o Seu Evangelho e confirmar os irmãos na fé. É o pai que se
encontra com os filhos para os iluminar e encorajar, para promover a unidade e a
comunhão em Cristo e na Igreja, e dar um novo impulso missionário.
Ao anunciar a Visita Pastoral, sinto o mesmo desejo do apóstolo Paulo, quando
se propunha ir ao encontro dos cristãos: “Voltamos a fazer visita aos irmãos em todas as cidades em que anunciámos a Palavra do Senhor, para ver como estão” (Act
15,36); “Desejo ver-vos para vos comunicar algum dom espiritual a fim de que sejais
reconfortados, ou melhor, para no meio de vós, me sentir reconfortado mediante a fé
que temos em comum, vós e eu” (Rom 1,11).
Com esta carta anuncio oficialmente à Diocese a minha primeira Visita Pastoral
que, com a graça de Deus, terá início em Janeiro de 2008 e se prolongará até 2012,
de acordo com o calendário que será publicado.
A Visita Pastoral propõe-se os seguintes objectivos:
a) encorajar em todos um renovado encontro com Cristo que leve a redescobrir a
beleza e a alegria da fé e da vocação cristã;
b) valorizar o sentido de co-responsabilidade do Povo de Deus, revitalizando os
organismos de participação (conselho pastoral e conselho económico) e os ministérios nos vários sectores da pastoral;
c) promover a comunhão eclesial, intensificando o diálogo, a colaboração e a
partilha, para fortalecer a experiência da fraternidade cristã na paróquia, na vigararia
e na diocese.
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Visita Pastoral
. documentos pastorais .
d) avivar em todos os fiéis cristãos a consciência da missão, para que o dom da
fé irradie na sociedade actual.
No cumprimento deste acto do meu ministério tenciono servir-me, de acordo
com o cânone 396.2, da colaboração de alguns sacerdotes. Por isso, nomeio o Padre Jorge Guarda, Vigário Geral, como Coordenador da Visita Pastoral; e os Padres
Manuel Armindo Janeiro, Director do Departamento de Património Cultural, e Bernardo Morganiça, Notário na Câmara Eclesiástica, como Examinadores do estado
do Arquivo paroquial.
Convido todos os Diocesanos, a empenharem-se na preparação e realização da
Visita, segundo a orientação dos sacerdotes nomeados, dos párocos e outros animadores.
Confio o bom êxito desta Visita à intercessão dos nossos padroeiros, Nossa
Senhora de Fátima e Santo Agostinho, e também dos Beatos Francisco e Jacinta
Marto.
Peço a todos, e em particular às Irmãs de vida contemplativa, que acompanhem a
Visita Pastoral com a oração, para a qual ofereço a seguinte proposta:
Senhor Jesus,
Tu és o Caminho, a Verdade e a Vida!
Tu vives e estás presente na Tua Igreja:
nela infundes o Espírito e fazes ressoar a Palavra;
difundes dons e carismas e confias missões;
através dela irradias para todos os homens
a Tua luz e a Tua força, o Teu amor e a Tua paz.
Somos nós a Tua Igreja, que agora visitas através do Bispo.
Faz com que recebamos esta Visita Pastoral
como uma graça que ofereces à nossa comunidade:
para reavivar a fé adormecida e renovar a vida cristã;
suscitar a alegria da comunhão e libertar-nos do medo;
encorajar-nos nas dificuldades e superarmos as divisões;
e assim darmos testemunho alegre e corajoso do Evangelho!
Nós te pedimos por intercessão do nosso Padroeiro, (N) …
e de Maria, Tua e nossa Mãe.
Que Eles nos acompanhem e guiem na descoberta da Tua Palavra
e na contemplação do Teu rosto, agora e sempre. Ámen!
O Senhor conceda à nossa Igreja revitalizar-se na fé, crescer na comunhão e
testemunhar com entusiasmo, a quantos vivem no nosso território, a Sua Ternura e
a Sua Misericórdia.
Leiria, 25 de Outubro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Mensagem de Natal 2007
No tempo de Natal há estrelas por toda a parte a enfeitar ruas, montras e janelas.
De certo modo, elas fazem parte da festa, mas quase ninguém se admira e surpreende com isso. Muitos já nem sabem a origem desta tradição, que remonta à estrela
que serviu de sinal à peregrinação dos Magos até parar sobre o lugar onde estava o
Menino: “Vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”.
O poeta e dramaturgo inglês W.H. Anden, numa “Oratória de Natal” explica porque os Magos seguiram a estrela: “O primeiro diz: Devo descobrir como ser verdadeiro
hoje: eis porque eu segui a estrela. O segundo diz, por sua vez: Quero descobrir como
viver hoje: eis porque eu segui a estrela. Por fim, o terceiro afirma: necessito descobrir
como amar hoje: eis porque eu segui a estrela. E, depois, dizem todos juntos: devemos
descobrir como ser homens hoje: eis porque nós seguimos a estrela”!
A mensagem da estrela do Natal de Cristo fala-nos de Deus e dos homens!
Nós não celebramos o Natal à maneira de uma comemoração dos aniversários de
grandes homens da história e da obra que nos deixaram. Para nós Jesus não é apenas
um homem. No seu nascimento celebramos a presença do Deus invisível que se torna visível e próximo. O Natal é a descoberta surpreendente de Deus que manifesta o
Seu rosto de amor na fragilidade da carne humana, no rosto do Filho feito menino,
rico de misericórdia e ternura. É este o estilo de Deus que Jesus exprimirá no seu
modo de viver com os homens.
É de facto um mistério de ternura! Ele vem, sempre de novo, encher os nossos
olhos com a Sua luz de verdade, aquecer os nossos corações com o fogo do Seu
amor, dar esperança à nossa vida com a força do Seu Espírito, superar as nossas
divisões com a graça da Sua Paz. “Deus ama-nos e por isso espera que abramos o
coração ao Seu amor, que ponhamos a nossa mão na Sua e nos recordemos de ser
Seus filhos” (Bento XVI).
Eis porque o Natal de Cristo não nos pode deixar indiferentes. É um momento
particular em que uma onda de ternura e de esperança enche o nosso ânimo, juntamente com uma grande necessidade de intimidade e de paz. O que seria o nosso
mundo sem esta ternura? Tornar-se-ia inóspito, árido, frio, inabitável, desumano.
Sem ternura não há vida, não há beleza, não há felicidade! Porém, aquilo que torna
a ternura concreta e contagiante não são as coisas, mas as relações interpessoais, que
são a essência da riqueza humana. Menos coisas, menos consumismo e mais relações ternas e fraternas (mais partilha) para um Natal mais autêntico!
No mais profundo de cada um de nós há uma “estrela interior” que nos guia na
peregrinação à fonte da ternura e da confiança – Jesus Cristo. Segue a estrela que
brilha no teu coração e nos teus olhos!... Santo Natal e Feliz Ano 2008!
Leiria, 4 de Dezembro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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A Estrela da Ternura
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Mensagem às famílias
Na solenidade do Natal do Senhor, celebramos a festa da Sagrada Família. Os
dois esposos, Maria e José, acolhem e envolvem na sua ternura Jesus, o Filho de
Deus, anunciado pelos Anjos como o Salvador. O Menino, que lhes nasceu e que
contemplam em seus braços, ilumina-os e enche-os de felicidade. Ele, que veio para
todos nós, ilumine também, com a sua luz, a vossa família.
Neste Ano Pastoral, a Diocese dedica-se, particularmente, a apreciar e saborear
a ternura de Deus nos dons do acolhimento e da vocação, para tomar novo fôlego e
consolidar novos dinamismos. Dirigindo-me especialmente às famílias, e sabendo
como estão a ser duramente comprovadas, quero endereçar a cada uma este mesmo
convite: redescobri a beleza e a bondade da família como expressão particular da
ternura de Deus no mundo! Retomai novo fôlego!
Foi com todo o amor que Deus criou o homem e a mulher, à sua imagem e semelhança, e os acolheu ternamente, cheio de encanto e deslumbramento, vendo “que
tudo era muito bom e belo” como diz o texto bíblico (Gn 1,31).
Criando-os à sua imagem e semelhança, Deus inscreveu no coração de cada homem e de cada mulher a capacidade de amar, de acolher. Esta é a vocação do casal
humano, na conjugalidade quotidiana das vidas: como escreveu o saudoso Papa João
Paulo II, Deus que chamou os esposos «ao» matrimónio, continua a chamá-los «no»
matrimónio (FC 21).
É por desígnio de Deus que a vossa comunhão conjugal se torna fecunda e também os vossos filhos recebem, com o dom da vida, a preciosa vocação à família, para
que nela cresçam e se desenvolvam. É vontade de Deus que a família se realize numa
teia harmoniosa de laços conjugais, parentais, filiais e fraternos, e que a humanidade
se torne uma família de famílias. A beleza da família sobressai, de modo especial,
como “berço da vida e do amor” e como “lugar primário da humanização da pessoa e da sociedade”.
Neste dia da Sagrada família, convido-vos a descobrir o amor de Deus que se
assinala e se diz no afecto que demonstrais uns aos outros e quereis melhorar na
vivência quotidiana dos laços familiares. A vossa felicidade passa obrigatoriamente
por aí. Parafraseando João Paulo II, digo a todos: Deus que vos chamou à família,
continua a chamar-vos na família. É preciso dizer, em cada dia, o próprio “sim” a
esta vocação que Deus inscreveu na nossa natureza humana.
Que Deus Pai, Criador e autor da família, seja por vós acolhido e louvado. Que
pelo seu Espírito encontreis a vossa alegria no serviço mútuo, generoso e dedicado;
que o vosso testemunho transvaze para os outros, na Igreja e na sociedade, e sobretudo na vossa paróquia, na participação alegre e comprometida na acção organizada,
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. documentos pastorais .
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de família a família, a que chamamos pastoral familiar. Que o Senhor Jesus, o Filho
de Deus feito homem, que abraçou a vocação familiar e tornou Sagrada a Família de
Nazaré, abençoe e santifique também a vossa família.
Com votos de Feliz Ano 2008, saúdo-vos com fraterno afecto,
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Carta aos Jovens
Caros amigos jovens das comunidades cristãs:
O vosso irmão bispo resolveu escrever-vos uma carta especialmente dirigida a vós.
Talvez fiqueis um pouco surpreendidos. Mas, na sequência do apelo: “dai um
projecto belo à vossa vida”, que vos fiz na minha primeira carta pastoral, venho hoje
apresentar-vos uma proposta nova: um itinerário vocacional com o nome “Grupo
Vocacional Santo Agostinho”.
Não se trata de mais catequese nem de aprender a rezar; nem sequer pretender
dar soluções para todas as dúvidas. É antes uma experiência de fé, em grupo, cuja
finalidade é: ajudar a buscar a vontade de Deus na própria vida, orientar a liberdade
e a escolha do projecto de vida para servir o projecto de Deus no mundo na parte que
a cada um diz respeito.
Trata-se duma busca séria e programada de modalidades pessoais através das
quais cada um pode projectar e viver a sua vida à luz do Evangelho. Esta busca está
aberta a todo o tipo de vocações: como leigos ou sacerdotes ou consagrados(as).
O meio para alcançar esta finalidade é o discernimento espiritual, quer dizer, um
exercício de atenção e escuta da Palavra de Deus e do Espírito Santo na história de
cada um, em clima de recolhimento e oração.
Creio que poderá ser uma experiência importante para vós neste tempo em que
se vive tão apressada e superficialmente. Espero que vos possa proporcionar uma
alegre descoberta.
Agradeço-vos profundamente a vossa atenção e envio-vos cordiais saudações.
No nome do Senhor Jesus que nos revela os horizontes imensos do desígnio de Deus
para cada pessoa, abençoo-vos com fraterno afecto.
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
A Universidade para um novo humanismo*
1. Crise dos modelos de Universidade
Nos últimos decénios fala-se muito de crise social, de crise cultural e também de
crise da Universidade. “Crise” significa que os paradigmas do passado abriram brechas ou foram submetidos a importantes transformações e os paradigmas futuros são
ainda esboços provisórios e incertos. Anda-se ainda à procura de novos modelos.
Assim, por exemplo, o nascimento e autonomia progressiva das diferentes disciplinas humanísticas e científicas modernas pôs em crise o modelo de Universidade
medieval, como também a sua função de suporte à sociedade que a viu nascer.
A evocação desta crise serve como pano de fundo para afirmar que hoje nos encontramos perante uma crise semelhante, mesmo se a sua natureza é mais complexa
e difícil de interpretar.
No Ocidente, agrupam-se numerosas funções ou mesmo múltiplas ideias (e modelos) de Universidade:
- A ideia napoleónica de Universidade, concebida como sede de aquisição de um
saber profissional;
- A ideia humboldtiana ou positivista em que a Universidade é concebida essencialmente como sede da investigação pura e desinteressada da ciência sem outros
fins, e neutra no plano dos valores;
- A ideia iluminista-humanista que concebe a Universidade como a sede da formação de um espírito crítico para fins não só individuais, mas sobretudo sociais.
Estas três ideias de Universidade confluíram nas nossas universidades europeias
que, de modos diferentes e segundo as diversas faculdades, se vêem carregadas de
funções, seja de preparar para a profissão, seja de desenvolver uma investigação
pura, seja de elaborar um espírito crítico para fins sociais.
A unificação e coordenação destas funções nunca foram completas. E hoje
verificamos tornar-se cada vez mais problemática a realização destas funções e a
possibilidade de coordenação.
A Universidade tornou-se como que “parque de estacionamento” para retardar
o momento de entrada na profissão, e produz mesmo desempregados intelectuais; a
investigação revelou-se subordinada ao poder económico e financeiro e condicionada pela escala de valores da sociedade estabelecida; e, por fim, a crise das ideologias
marcou o fim da Universidade como “consciência crítica da sociedade” o fim dum
mito que tantas esperanças de renovação suscitara a partir de 1968.
* Texto de homenagem ao Prof. Carvalho Guerra
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A única unificação imaginável pareceu ser, para muitos, uma subordinação rígida das funções de investigação e crítica a um projecto (modelo) de racionalização
técnico-profissional em que se dá um atrofiamento cultural da Universidade e se privilegia o seu conteúdo pragmático, utilitário e produtivista, técnico e economicista,
eficaz e eficientista. A racionalidade cognitivo-instrumental assume assim um papel
de hegemonia sobre a racionalidade moral do direito e da ética, e sobre a racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura. Tomou-se o modelo predominante em
correspondência à civilização da técnica e do mercado para responder às solicitações
deste.
Também este modelo começa a entrar em crise, sobretudo porque abre caminho à
tecnocracia que significa o fim ou a morte do humano. Conhecimento e manipulação
técnica tomaram-se dois pólos duma mesma entidade global a que se chama a tecnociência. Este desenvolvimento implica o da indústria que, por sua vez, o amplifica e,
penetrando no coração das sociedades contemporâneas, comanda em grande medida
o devir dos homens e dos povos.
O conhecimento científico trouxe prodigiosas elucidações sobre o cosmos, a
realidade física, a organização da vida, etc. Suscitou progressos técnicos inauditos
como a domesticação da energia atómica, a conquista espacial, o conhecimento do
genoma humano, as novas auto-estradas electrónicas da informação e comunicação.
Mas trouxe também possibilidades de manipulação e subjugação como os meios
capazes de destruir a humanidade e a própria natureza. O rosário das ameaças que
transitaram para o novo milénio é assustador: o aquecimento climatérico, o buraco
na camada de ozono, a desertificação de áreas crescentes da terra, o desaparecimento descontrolado das florestas, o esgotamento dos recursos naturais, a poluição da
atmosfera e dos oceanos, o uso da manipulação genética contra o homem (v.g. clonagem) e contra a biodiversidade, a pobreza de milhões de homens e mulheres, etc.
Acrescentemos que, devido a uma cada vez maior especialização da investigação, se dá, consequentemente, uma maior parcelarização do conhecimento que faz
explodir todos os problemas fundamentais em questões técnicas parciais. Estamos
num momento em que a super-especialização das disciplinas e dos peritos mata o
sentido do global.
Será preciso deixar reinar os especialistas, cada um fechado numa parcela de
competência, incapaz de discernir as interferências entre os diversos sectores da
especialização, incapaz de discernir a multidimensionalidade dos problemas e de ver
para além do muro da sua disciplina? Não se enganaram por vezes os especialistas
por mera miopia?
Ao que acabamos de dizer junta-se um outro factor novo: a globalização, uma
palavra que já pertence ao vocabulário corrente, com as suas luzes e sombras, mas
que nos leva a tomar consciência de que vivemos numa era planetária em que tudo é
interdependente. Tudo - política, economia, ecologia - deve ser concebido num quadro planetário. E se o desafio é planetário, a resposta não pode - ser solitária, mas de
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solidariedade (solidária). Na ciência como na vida quotidiana é preciso lutar contra
o pensamento compartimentado, redutor, que desintegra as realidades de conjunto e
os problemas fundamentais.
Por último, é preciso não confundir eficácia/eficiência e compreensão. Um conhecimento técnico-operacional que tem domínio sobre as coisas deste mundo não
oferece contudo uma compreensão do próprio mundo. Podemos tirar muitas lições
da natureza, mas não em matéria de democracia, liberdade, justiça, progresso humano.
2. Universidade, progresso e cultura
Perante estas questões que acabamos de mencionar, a Universidade não pode
ficar indiferente. Não é uma ilha isolada. Tem uma função essencial na sociedade,
que requer intuito cultural e vontade específica de servir não só os indivíduos mas
também as aspirações da comunidade e o progresso dos povos.
Todavia o progresso é antes de mais um problema de cultura. Seria contraditório
se se limitasse ao campo material ou físico. A sociedade deve sem dúvida aumentar
os bens materiais, mas também os bens da cultura que elevam e asseguram a dignidade e a liberdade do Homem, a justiça social, a salvaguarda da criação.
Num livro intitulado “Justiça como problema de cultura”, Joseph Fitzpatrick sublinha com muita justeza: “Pensa-se globalmente na justiça em termos económicos:
que alimentação tem uma pessoa? Pode vestir-se e vestir a sua família? Tem um
lugar decente para viver? A questão crucial, no que diz respeito a estes problemas
práticos, não é a actividade económica... A questão crucial é esta: que significam
estes problemas em termos de interesse humano, em termos de destino humano e de
sentido a dar à vida humana? Este aspecto ”de significação” é o que constitui a cultura e é aí que reside o coração do problema”. Isto mesmo se pode dizer em relação
ao progresso.
Quem negará que o desenvolvimento entendido neste sentido integral será o
grande desafio e empreendimento do nosso tempo e a responsabilidade comum dos
homens? E dado que é fundamentalmente uma questão de cultura, quem negará que
este empreendimento também diz respeito à Universidade de modo particular? A
Universidade, como centro de racionalidade, é uma instituição cultural privilegiada
para abordar as grandes questões do nosso tempo (pobreza, modelos de desenvolvimento, administração pública, questões da biotecnologia e da ecologia) com rigor,
isenção, competência e credibilidade, dentro de uma enorme responsabilidade ética.
É preciso ensinar ao Homem moderno a acolher positivamente tudo o que na
ciência e na técnica o engrandece, mas também lembrar-lhe que há outros valores
indispensáveis para o seu progresso integral. A própria orientação científico-técnica
da investigação e do ensino exige ser desenvolvida num quadro humanista. Daí,
como dizia há anos o Professor Pinto Machado, a necessidade da “formação de ho204 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
mens integrais não apenas no domínio do campo científico, mas também ético. Um
profissional não competente é um parasita; um competente egoísta (amoral) é um
opressor em potência”.
A cultura do Homem nutre-se de conhecimentos científicos e técnicos precisos,
mas requer também, no centro de cada saber, uma visão coerente do Homem e do
Mundo e uma sabedoria sem a qual a ciência sem uma consciência e a técnica sem
uma ética se tomam uma ruína para o Homem. Trata-se, na expressão de Edgar
Morin, da necessária aliança entre ciência e consciência, técnica e ética, ética e
estética.
O balanço de um progresso material que não é acompanhado por aquele “suplemento de alma” de que Bergson já tinha sublinhado a necessidade vital, tem-se
revelado trágico.
3. Para uma cultura universitária verdadeiramente humanista:
interpelações e sugestões
Nestas circunstâncias, a Universidade é chamada a repensar-se a si mesma relativamente a um futuro que vem ao nosso encontro com o passo da novidade e da
diversidade, e a buscar um novo modelo de trabalho cultural. É interessante verificar
que num discurso aos participantes no Encontro Mundial dos Docentes Universitários, em 9/10/00, o Papa João Paulo II fez-se eco do apelo a “uma cultura universitária verdadeiramente humanista” ou novo humanismo. E explicitou, declarando
que “a cultura deverá ser à medida da pessoa humana, superando a tentação de um
saber rendido ao pragmatismo ou disperso nos infinitos rios da erudição e, por isso,
incapaz de dar sentido à vida”.
Trata-se, antes de mais, de um apelo a trabalhar para uma cultura verdadeiramente humana, isto é, do homem todo e de todos os homens: do homem todo e não apenas da sua parte racional; de todos os homens e não apenas de uma parte privilegiada
da humanidade. A educação para o sentido crítico e a aquisição de métodos científicos são certamente importantes. Mas não menos necessários para o nosso tempo
são a abertura aos valores, a formação de um juízo pessoal capaz de discernimento,
o afinamento do sentido ético, a aquisição do gosto estético, o aprofundamento do
sentido espiritual sem os quais não há humanismo verdadeiro e pleno, e a vida se
torna inumana. Os valores da verdade, do bem, do belo, os ideais de dignidade, justiça e solidariedade representam o “húmus” nutritivo do desenvolvimento integral,
pessoal e comunitário, onde cada um encontra o lugar que lhe compete na sociedade
e na grande comunidade dos povos.
Por conseguinte, a lógica da eficiência a que muitas vezes se apela como princípio de reorganização do sistema universitário, embora apreciável e mesmo necessária em certos aspectos, não pode constituir a referência predominante e exclusiva do
repensamento da Universidade. Em primeiro lugar, devem permanecer a instância
educativa e a resposta à busca de formação que põem no centro a pessoa humana
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e ordenam para o seu serviço toda a actividade de investigação e de didáctica. Em
segundo lugar, não é possível prescindir dos valores nem sequer na Universidade.
Deste ponto de vista, a Universidade pode contribuir para alargar (ampliar) as questões da sociedade de que participa, ligando progresso científico, desenvolvimento
económico e crescimento civil e cultural, oferecendo uma visão do mundo (mundividência) que não seja exclusivamente técnica e profissional, mas que permita
compreender as técnicas e as profissões ligando-as a uma capacidade de valoração
mais englobante, isto é, ao contexto social e cultural.
Para avalizar esta perspectiva, desejaria citar uma passagem do famoso relatório americano, elaborado por uma comissão de cientistas, técnicos informáticos,
engenheiros, economistas, para dar resposta à seguinte interrogação: “Que tipo
de competências profissionais requer Silicon Valley?”, isto é, o mítico símbolo da
sociedade do futuro. E diz a passagem: “A melhor preparação que se pode dar aos
jovens em tempos de mudanças contínuas não é o “training” ao longo de percursos
modestos, não é a ilusão de prefabricar especialistas. O caminho justo encoraja a
fantasia, estimula a agilidade mental e psicológica, favorece o espírito criativo, permite a ambientação sólida. A cultura humanista enriquece o sentido da escolha, o
panorama das opções, a capacidade de avaliar os problemas, segundo a qualidade e
não só segundo a quantidade. Qualquer um pode aprender, em três meses, a usar um
computador. Ninguém, ou muito poucos, conseguirão recuperar uma cultura humanista que nunca tiveram”.
Houve um tempo em que a cultura humanista pareceu ultrapassada relativamente
aos novos modelos de saber, nos quais a racionalidade científico-técnica parecia
impor à Universidade a busca afanosa de novos territórios e novas disciplinas, em
relação às que a tinham caracterizado em épocas anteriores. É interessante notar
que João Paulo II, no discurso já referido, tenha observado que “hoje, a mais atenta
reflexão epistemológica reconhece a necessidade de que as ciências do Homem e
as da natureza voltem a encontrar-se, para que o saber reencontre uma inspiração
profundamente unitária”.
A separação entre as “duas culturas” não tem razão de existir. Na aurora da
revolução científica, as ciências do Homem (que então eram a filosofia, história e
literatura) e as ciências da natureza não foram separadas. E hoje não há motivo para
se armarem umas contra as outras.
É verdade que a desconfiança com que se olha para o saber filosófico, a facilidade com que, numa celebração embriagada pós-modema do presente, se pensa pôr
entre parêntesis o saber histórico, a pressa com que se põe de parte o estudo sistemático das formas da arte e da literatura parecem constituir o prelúdio de uma guerra de
supremacia, o que contradiz “a mais atenta reflexão epistemológica”.
Ora, as disciplinas humanistas são precisamente aquelas em que não se ilustram
simplesmente os processos, mas se põem questões sobre a origem e a finalidade dos
processos, sobre os efeitos que produzem para o Homem que deveria ser posto em
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condições de valorar e governar os processos tecnológicos e os mecanismos económicos e sociais. São questões que não se formulam num vazio de conhecimento
histórico e na indiferença ética que deriva da decisão de tomar apenas conhecimento
dos factos, de não problematizar, de contentar-se com a simples constatação de que
as coisas são como são.
Quando se diz que a cultura humanista não está longe do saber científico, diz-se
também que, no campo das ciências exactas, o conhecimento é uma aventura pessoal. O homem de ciência participa na descoberta e vive-a a partir de dentro como
humano, ou seja, como actor e não como mero espectador. Não é impassível perante
quanto vai descobrindo, não suspende a sua aptidão crítica, situa os próprios objectos dentro de uma visão do mundo. Só com a especialização e com a redução tecnológica se reduziram as margens da individualidade para os estudiosos neste domínio.
Produziu-se assim um desequilíbrio que pode ser compensado com um regresso do
parcelar à totalidade complexa, às regiões da palavra e da imagem, à consciência da
continuidade histórica que nos liga ao passado, retomando a atenção às questões iniciais e finais, isto é, às questões do sentido. Recusar fazer a ligação entre o parcelar
e o global é obscurantismo.
Estes desequilíbrios deveriam ser sanados. Uma formação universitária, mesmo
de tipo jurídico, económico, científico tiraria proveito de conhecimentos filosóficos,
históricos, literários, éticos e estéticos. O verdadeiro inimigo parece ser a especialização exagerada que é seguida por alguns como premissa para a construção de figuras profissionais eficientes e sem complicações e problematizações inúteis. Até há
poucos anos, nos currículos dos universitários dos Estados Unidos, o conhecimento
dos clássicos europeus, de Dante a Shakespeare, era pré-requisito para cada “iter”
dos estudos. Ainda hoje, as universidades americanas estabelecem para cada curso
um “núcleo” de disciplinas de que não se pode prescindir, deixando depois ampla
margem a opções que a nós nos podem parecer extravagantes. A distribuição de
horários nas mais prestigiosas escolas técnicas do Estados Unidos previam 1/3 para
ciências puras, 1/3 para tecnologias e 1/3 para disciplinas humanistas.
As opções guiadas (não arbitrárias) são, em princípio, remédio a uma especialização fechada em si. A tendência à especialização fechada podia ser atenuada pela
sabedoria daqueles que são chamados a formular os planos de estudo no âmbito da
autonomia universitária.
Poderia ser favorecida a flexibilidade na organização demasiado rígida dos
cursos pela via de compenetração ou aproximação de vários saberes, pela interdisciplinaridade. Nesta linha deveria também ser consentida a excursão não esporádica
em disciplinas de outras faculdades, guiada por um tutor ou por conselheiros de
orientação, valorizando o método dos créditos.
A meta - que por ora é um sonho mas não irrealizável - poderia ser um curso
breve que cada faculdade pusesse à disposição dos estudantes de outras faculdades,
em que fossem explicados os princípios, os métodos, os objectivos que naquele
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. escritos episcopais .
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âmbito disciplinar se visam e cultivam. Aos estudantes de faculdades diversas poderiam oferecer-se lições de actualização sobre o estado de uma disciplina particular,
confiadas a estudiosos que, no parecer da Universidade, tenham dado contributos
relevantes, segundo a tradição alemã do “collegium publicum” Por exemplo, cursos
que ofereçam uma visão das culturas nacionais europeias poderiam ser oferecidos,
com proveito, em várias faculdades.
Numa Universidade não deveriam faltar lugares de síntese como podem ser os
debates, as discussões e as lições de professores convidados, que podem tornar-se,
para os estudantes, ocasiões para abrir perspectivas, para além do horizonte do seu
estudo. Como também jornadas dedicadas a um tema cultural, a uma personagem
de relevo da vida civil, cultural ou religiosa. Acontecimentos estes que devem ser
sentidos pelos estudantes como algo que lhes diz respeito. A sugestão dos tutores
ou conselheiros poderia evitar-lhes perder-se no fluxo das iniciativas que decorrem
numa grande Universidade.
Encontramo-nos também frente à necessidade de optar entre uma Universidade
de acumulação de informações e uma Universidade de orientação. O aumento da
quantidade e da rapidez do acesso à informação, muitas vezes aumenta também a
solidão e a incomunicabilidade. É o aspecto paradoxal da revolução que nos invade:
dado que tudo está virtualmente presente, pode surgir a ilusão de poder deixar de
investigar e de ser poupada a fadiga da experiência pessoal, uma vez que já está
tudo concentrado nas memórias dos computadores. A ilusão de riqueza que a posse
quantitativa, real ou virtual gera, torna difícil a identificação daquilo que, no grande
mar das redes e da comunicação de massa, é útil ou supérfluo. É uma riqueza que
pode tornar pobre. A disponibilidade horizontal das informações faz com que seja
mais árduo estabelecer uma graduação de valor. No futuro próximo, o “saber usar”
a informação será a fronteira entre aqueles que tiram proveito de um instrumento e
aqueles que nele se afundam. A informação sem formação flutua num vazio .”
Para além de aumentar a produção informativa, a nova Universidade deveria propor e favorecer também a concentração da mente, a criação de espaços de reflexão
nos quais possa ajudar os jovens a traçar mapas conceptuais, a fazer concatenações
primárias, projectos interconexos, argumentações lógicas, discussões alargadas e
não sobrepostas nem afuniladas. Será salutar uma orientação prévia e que nasça a
partir do interior de cada saber e ensino.
Em relação a um universo fragmentado e desagregado, o lugar da síntese ou da
unidade é, em última análise, a própria pessoa. Embora na mentalidade comum se
pense numa Universidade que unicamente oferece conhecimentos, continua a ser
verdade que ela foi originariamente, e permanece, o lugar da maturação intelectual
e crítica dos jovens estudantes. A própria maturação profissional caminha a par da
maturação da pessoa. Esta maturação acontece através e para além dos conhecimentos, num movimento lento e profundo que desperta quanto está ínsito na pessoa. É
próprio do conceito de educação o “tirar para fora”, despertar as potencialidades
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da pessoa. Uma pessoa cresce e desenvolve-se quando é ajudada a desenvolver o
conjunto de possibilidades que tem em si. Para os estudantes, o sentido dos anos que
passam na Universidade deve ser captado como ocasião única na vida de trazer à luz
tudo quanto eles já possuem, de fazer vir ao de cima o que já são.
Para a Universidade, a função educativa assim compreendida não pode ser
ofuscada pelas urgências do mercado de trabalho, embora dignas da máxima consideração. Deste ponto de vista, os apelos que provêem do mundo empresarial são salutares. Todavia, para a Universidade não existe; só o mercado. “A função educativa
- observa João Paulo II - deve ser posta no centro das reformas e das adaptações que
esta antiga Instituição pode ter necessidade para se adequar aos tempos”.
Apontei um ideal e algumas sugestões para uma cultura universitária verdadeiramente humanista - a fim de que a Universidade não se reduza a uma oficina de
exames e a uma fábrica de diplomas - sem pretensão de parecer uma panaceia, uma
receita milagrosa para todos os problemas da Universidade. Não é fácil realizar este
ideal: mas, como diz o provérbio, “onde há uma vontade, aí há um caminho”.
3 de Julho de 2007
† António Augusto dos Santos Marto
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. escritos episcopais .
. escritos episcopais .
Artigo para a Gala da Rádio Central FM
Orgulho Nacional e Abertura Universal
O lugar onde o homem nasce (natio-nação), cresce e vive, oferece-lhe ambiente e
respira-ção, abrigo e horizonte. Dele a vida tira alento e imaginação; dele lhe advêm
as memórias (raízes) e brotam também as esperanças.
A nossa vida inscreve-se numa pátria, numa língua, numa cultura, num povo com
uma histó-ria que nos forma, conforma (configura) e reforma (renova).
O homem vive “enraizado” recebendo a seiva e a vida das suas raízes culturais e,
por tudo isso, capacitado para crescer, florescer e frutificar. Como diz Simone Weil:
“O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e a mais desconhecida da
alma humana. Um ser humano tem raiz pela sua participação real, activa e natural
na existência de uma colectivi-dade que conserva certos tesouros do passado e certos pressentimentos do porvir”. Tal como nos sentimos herdeiros de uma família,
também nos sentimos herdeiros responsáveis de um povo-nação a que pertencemos,
com as suas gestas, as suas virtudes e os seus defeitos. Por isso podemos falar de
um “são orgulho nacional” hoje tão esquecido por falta do cultivo da memória e da
história.
Mas o homem, cada homem é também cidadão do mundo, membro da família
humana uni-versal. O “são orgulho nacional” não pode fechar-nos num “chauvinismo nacionalista” do orgulhosamente sós. O “são orgulho nacional” não é incompatível com a necessária abertura à universalidade – uma alma cosmopolita – no apreço,
na estima, na colaboração e na soli-dariedade recíprocas à escala mundial, entre as
nações e os povos que constituem uma úni-ca família humana.
Miguel Torga, talvez como nenhum outro, traduz admiravelmente este “são
orgulho” de ser português de que faz parte a sua vocação universal: “Original na
sua maneira de ser, de sen-tir e de pensar, a cultura universal deve-lhe um modo
específico de encarar a vida e os valo-res. (…) E é essa vocação planetária, essa
inquietação dispersiva que faz do português um peregrino das sete partidas, um
cidadão do mundo. Despido de pruridos raciais, uma vez em terra alheia, miscigenase, adapta-se, integra-se, mas sem perder nunca os traços nativos” (Diário XV 138).
E ainda: “Aonde chegue um emigrante lusíada, chega uma criatura convin-cente,
prestante, diligente e influente que concilia, congrega, desbrava, cria riqueza, funda
instituições benemerentes, semeia humanidade” (Diário XV, 38)!
15 de Julho de 2007
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
210 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. escritos episcopais .
Homilia no Santuário de Fátima
Senhor D. Serafim, meu caro irmão no episcopado,
meus caros irmãos padres concelebrantes,
minhas irmãs e meus irmãos em humanidade e na fé em Jesus Cristo.
Hoje é um dia de grande festa para toda a Igreja, aliás, expressa nas numerosas
festas do nosso povo cristão. Celebramos o mistério da Assunção de Maria, Mãe de
Jesus, ao céu. No termo da sua vida terrena, passando através do sono da morte, ela
é assumida e elevada ao céu, à plena comunhão com Deus, na integridade de todo o
seu ser humano corpóreo-espiritual, quer dizer, na plenitude da sua humanidade, da
sua corporeidade, da sua feminilidade e da sua maternidade como Mãe de Jesus.
Contemplando Maria elevada ao céu, toda a Igreja se alegra, porque contempla
nela o ponto de chegada, o coroamento final da nossa história, da história de cada um
de nós e da história da humanidade.
Neste ambiente de alegria, saúdo cordialmente cada um de vós aqui presentes
que vieste em tão grande número, não obstante a própria chuva.
Este mistério da Assunção de Maria é como que a síntese final de toda a beleza de
Maria. Por isso eu quero convidar-vos a contemplar comigo, ainda que brevemente,
esta beleza de Maria que nos ajuda a compreender também algo da beleza de Deus
e da beleza da nossa vida com Deus em Cristo. Deixemo-nos inspirar nesta contemplação pelas leituras da Palavra de Deus que acabámos de ouvir.
A beleza da fé vitoriosa sobre o mal
A primeira leitura, se os meus irmãos e as minhas irmãs ainda se recordam, falanos simbolicamente de uma luta que se trava entre a mulher e o dragão. Por isso,
ajuda-nos a compreender um aspecto da beleza de Maria que consiste precisamente
na sua fortaleza de alma, na fortaleza de alma com que ela, a mulher, combate o
dragão sanguinário, símbolo de todas as forças do mal, de violência, da mentira, da
injustiça, da opressão, da morte e do desespero que atravessam o teatro da história
de todas as gerações.
A beleza daquela força interior da fé faz com que Maria combata o poder do mal
no mundo, na história, não com as armas deste mundo, mas com as armas da fé, do
evangelho, da mansidão e da não-violência.
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A Beleza de Maria
e do nosso destino humano
. escritos episcopais .
É imensa esta beleza da fortaleza da fé que a faz acreditar que a graça de Deus
é mais forte do que o pecado do mundo, que a faz acreditar na vitória da vida sobre
a morte.
Contemplando Maria elevada ao céu, ela é para nós, para cada um de nós e para
toda a Igreja, motivo de conforto e de consolação; põe em nós a esperança de vencer,
de não sucumbir ao mal e ao pecado; põe em nós aquela confiança incondicional em
Deus que nos leva a esperar confiadamente no futuro de Deus, no futuro que Deus
reserva para nós.
A beleza da Ressurreição com Cristo
Na segunda leitura somos ajudados a contemplar a beleza de Maria, enquanto
ela participa, de modo singular, na ressurreição de Cristo. É aquela beleza definitiva
reservada para todo o género humano. Diria é como que a síntese e o coroamento
final de todas as belezas da nossa vida e da nossa história de salvação. É bela a mãe
de Jesus, porque Ela é obra-prima e perfeita de Deus na sua humanidade glorificada.
E, também nós somos chamados a ser obra-prima de Deus na sua eternidade, quando
Ele, como artista final, der o último retoque a esta obra de beleza que começou em
nós e acompanhou connosco ao longo da sua peregrinação na terra.
Contemplando Maria elevada ao céu, ela proclama-nos que tudo aquilo que de
bom, de justo, de belo, de santo e de autêntico que existe na nossa vida que construímos no nosso mundo, nada disso se perde. Será assumido connosco na glória
com Deus. Podemos, pois dizer, que contemplando Maria, celebrando o mistério
da Assunção de Maria, esta festa consagra a beleza do destino humano. É belo ser
homens e mulheres desta história que, não obstante esta luta entre o bem e o mal que
a atravessa, tem um destino tão extraordinário e glorioso já agora vivido por Maria.
A beleza da exultação do coração
E, finalmente, o Evangelho ajuda-nos a compreender um terceiro aspecto da
beleza de Maria. Ela é a mulher da alegria, da exultação, do canto da graça e da
misericórdia de Deus ao longo das gerações. E, contemplando-a neste seu canto,
Ela transmite alegria ao nosso coração e ao nosso mundo. E diz-nos o segredo desta
alegria: Maria cantou o Magnificat há dois mil anos. Podemos pensar, justamente,
que ela certamente continua a cantá-lo junto da plenitude de Deus, olhando em retrospectiva para toda a sua vida e toda a sua história com os homens no mundo, vida
e história tecida de mistérios gozosos, luminosos, dolorosos e gloriosos, tal como é
tecida também a nossa história, a história de cada um e a história do mundo por estes
mistérios.
Por isso, Ela convida-nos e ajuda-nos a cantar em cada dia este Magnificat, este
canto da alegria, da graça e da misericórdia, porque nos convida a acreditar hoje que
o Senhor fez e continua a fazer coisas grandes, maravilhas de graça em nós, no meio
de nós, através de nós pobres e frágeis criaturas. Chama-nos à vida, chama-nos à
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. escritos episcopais .
vida de fé, chama-nos a uma vida de comunhão fraterna. Chama-nos a construir com
Ele, em equipa com Ele este mundo na verdade, na justiça e fraternidade e chamanos finalmente à comunhão plena e eterna com Ele. Então, Maria ensina-nos aqui o
segredo da alegria e de exultação que nascem da fé e que dominam a nossa existência em cada dia, e a existência de todas as pessoas que amamos e encontramos ao
longo do nosso caminho.
Terminamos, então, com uma brevíssima oração a Nossa Senhora:
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Senhora da Assunção, Senhora da alegria.
Convosco se eleva ao céu o nosso canto,
Eterna glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo
Por toda a eternidade
Ámen! Aleluia!
15 de Agosto de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Abertura de Exposição
Salvé Rainha
Salvé Rainha, Mãe de Misericórdia! – é o título desta exposição iconográfica.
Tal como a oração tão conhecida e cara ao povo cristão, donde é tomado o título,
assim a exposição pretende ser um hino à realeza de Maria, na manifestação da sua
misericórdia, que se explicita como “vida, doçura, esperança nossa”.
A exposição insere-se na comemoração dos noventa anos das Aparições de
Nossa Senhora em Fátima. Elas representam uma particular manifestação da Misericórdia Divina que, através de Maria, se inclina sobre o Seu povo ameaçado pela
perseguição à fé e sobre a humanidade em risco de se afundar no abismo do ódio, da
violência e da guerra.
A figura de Maria só se compreende verdadeiramente ao serviço do projecto
salvífico de Deus. A Igreja vê-a sempre como “a mulher ícone do Mistério”, isto é,
dentro do mistério de Cristo, da Igreja e do homem redimido. Todas as passagens da
Bíblia e todas as imagens de Maria reflectem e descrevem a única acção redentora de
Deus em Cristo. Mas as imagens de Maria procuram tornar compreensível e visível
aos nossos olhos, em traços humanos, esta acção divina.
Em Maria, a acção de Deus é envolvida por uma luz humana de modo a tornarse para nós compreensível, atraente, fascinante. Toca o nosso coração. Este coração
procura imagens para contemplar e engrandecer a surpresa da misericórdia infinita
de Deus no mistério da Encarnação redentora desde o Nascimento até à Cruz: Deus
connosco e Deus por nós.
Maria, tão intimamente associada a este mistério, reflecte, como um espelho preferido, a Sua beleza e santidade e indica-nos o mistério da nossa existência redimida
e o caminho que nos conduz até Deus, como o expressou à vidente Lúcia: “O meu
Coração Imaculado conduzir-te-à até Deus”. Por isso, visitar esta exposição é um
convite a uma peregrinação interior.
Deixo uma palavra final de parabéns e gratidão a quantos se empenharam para
tornar possível tão expressiva exposição em honra da Mãe de Misericórdia!
10 de Setembro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Mensagem no Diário de Notícias *
As celebrações dos aniversários das aparições de Nossa Senhora em Fátima são
sempre uma ocasião para revisitar e aprofundar o significado da Mensagem que aí
ecoou como um apelo profético à Igreja e à humanidade, numa das maiores crises
da história mundial.
A comemoração dos 90 anos insere-se nesta linha com uma série de iniciativas,
tais como três congressos de alto nível teológico-pastoral, algumas exposições artísticas e a inauguração da nova igreja, dedicada à Santíssima Trindade, no próximo
dia 12 de Outubro. Nada disto reveste um tom triunfalista. Antes, procura levar ao
essencial da Mensagem.
De facto, a Mensagem de Fátima permanece para muitos incompreendida no seu
cerne, fixando-se em aspectos marginais. Infelizmente, nos últimos anos do século
passado, Fátima chamou mais a atenção pelo carácter sensacionalista que se gerou
à volta do chamado “Terceiro Segredo” em tons apocalípticos, do que pelo conteúdo
total e central da mensagem.
O que há afinal de particular na Mensagem que justifique a atenção que suscita,
a atracção que exerce e o amplo eco que alcançou? Num primeiro momento e à
primeira vista parece que nada tem de especial, porque é uma mensagem confiada
a crianças iletradas, adaptada à sua mentalidade, ao seu mundo simples; uma mensagem de há muitos anos, expressa em conceitos que se referem à linguagem da
época.
Mas, precisamente por isso, espanta-nos que o contexto e o conteúdo da mensagem não se restringem a um caminho de fé pessoal dos pequenos videntes ou a uma
circunstância particular. O seu horizonte é de alcance mundial, internacional; as duas
guerras mundiais, os sofrimentos da humanidade, a menção específica de nações
como a Rússia, os sofrimentos da Igreja com a menção dos mártires do século XX
(hoje contabilizados em 26.685.000, pelo historiador Andrea Riccardi), dos bispos e
do Papa, e a grande causa da paz entre ao povos. E tudo isto acompanhado por um
chamamento a não se resignar à banalidade e à fatalidade do mal: é possível vencer
o mal a partir da nossa conversão a Deus.
A Mensagem ajuda-nos, pois, a olhar mais longe, a manter o olhar aberto aos
horizontes mundiais, dolorosos e obscuros, e a procurar neles os sinais da presença
de Deus e os seus apelos.
* Texto introdutório numa revista editada em fascículos pelo Diário de Notícias, com que este
jornal se associou às comemorações dos 90 anos das Aparições.
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Fátima: 90 anos depois
. escritos episcopais .
A sombra luminosa de Fátima cobre todo o século XX, o século mais cruel e sanguinário da história. É dentro deste contexto trágico que a Virgem Maria surge como
uma “visão de paz” e uma imagem de esperança. A difusão da Mensagem contribuiu
muito para que crescesse na Igreja e no mundo o amor à paz e a rejeição da guerra.
Quem melhor captou e traduziu a dimensão histórico-profética de Fátima foi,
sem dúvida, o Papa João Paulo II, de santa memória, numa memorável página,
por ocasião do 80º aniversário das aparições: “ Às portas do Terceiro Milénio, observando os sinais dos tempos neste século XX, Fátima conta-se certamente entre
os maiores, até porque anuncia na sua mensagem muitos dos sinais sucessivos e
convida a viver os seus apelos; sinais como as duas guerras mundiais, mas também
grandes assembleias de nações e povos sob o signo do diálogo e da paz; a opressão e
as convulsões vividas por diversos países e povos, mas também a voz e a vez dadas
a populações e gentes que entretanto se levantaram na arena internacional; as crises,
as deserções e tantos sofrimentos dos membros da Igreja, mas também um renovado
e intenso sentido de solidariedade de recíproca dependência no Corpo Místico de
Cristo, que se vai consolidando em todos os baptizados [...]; o afastamento e abandono de Deus por parte de indivíduos e sociedades, mas também uma irrupção do
Espírito de Verdade nos corações e nas comunidades tendo-se chegado à imolação e
ao martírio para salvar a “imagem e semelhança de Deus no homem” (Gn 1,27), para
salvar o homem do homem.
De entre estes e outros sinais dos tempos, como dizia, sobressai Fátima, que nos
ajuda a ver a mão de Deus, guia providente e Pai paciente e compassivo também
deste século XX”.
19 de Setembro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Mensagem
Quando visito uma paróquia e sou hóspede da casa paroquial, no fim da refeição
faço questão de ir à cozinha agradecer à pessoa ou às pessoas que prepararam o repasto e que são, normalmente, as auxiliares domésticas dos párocos.
Não faço isto por mera cortesia. Faço-o, intencionalmente, para manifestar a
estima e gratidão por tanta dedicação e carinho com que auxiliam e servem os sacerdotes.
Lembro-me de Marta e Maria, em cuja casa Jesus gostava de repousar serenamente da sua fadiga apostólica. Lembro as várias mulheres a quem S. Paulo, nas
suas cartas, agradece o acolhimento e a hospitalidade que lhe reservaram nas suas
viagens e visitas pastorais. É um trabalho escondido, feito de tantas pequenas coisas,
atenções e sacrifícios para que o apóstolo se sinta bem e possa desempenhar, com
alegria e serenidade, a sua missão.
Por estes motivos, considero-vos “auxiliares dos apóstolos”, a retaguarda de
apoio à sua missão, participantes do seu apostolado. Deixo-vos aqui expresso o
mais sentido reconhecimento e a minha sincera estima. Que Deus vos abençoe e
recompense!
24 de Setembro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Movimento da família do sacerdote
. escritos episcopais .
Homilia no jubileu dos padres Luciano Guerra e Adelino Ferreira
A grandeza e a humildade do sacerdócio
Como é belo encontrarmo-nos aqui todos reunidos, como no ambiente do cenáculo da última ceia com Cristo e, aqui, com Maria, Sua e nossa Mãe, para agradecer
ao Senhor o dom do sacerdócio que Ele nos deixou como um dom da intimidade do
Seu testamento; e para lhe agradecer, concretamente, o dom do sacerdócio encarnado nas pessoas concretas destes dois irmãos no sacerdócio, Padre Luciano Guerra
e Padre Adelino Ferreira, que celebram os 50 anos da sua ordenação sacerdotal e a
quem queremos unirmo-nos de coração nesta sua acção de graças.
Júbilo e Gratidão
A nossa presença aqui, em tão grande número, forma como que uma coroa de corações à volta destes dois sacerdotes para lhes fazer sentir o calor humano do nosso
júbilo e da nossa gratidão. Todos nós, hoje, estamos cheios de júbilo e de gratidão.
Antes de mais, por tudo o que o Senhor fez neles e através deles a favor do seu
povo. Cheios de júbilo e de gratidão também, porque tomamos consciência de que
a vocação ao sacerdócio não é uma realidade do passado, é uma graça do presente.
Recebemos este dom misterioso não de uma vez para sempre, mas continuamente.
Este dom supõe uma relação com Deus, de carácter de intimidade e de fidelidade, dia
e noite. E, por isso, em nome de todo o presbitério aqui presente na sua quase totalidade, em nome de todos os presentes, em nome de toda a diocese e em meu nome
pessoal, quero exprimir aos dois o nosso fraterno afecto, as nossas congratulações,
os mais vivos e jubilosos parabéns. Parabéns a eles e parabéns a Deus por tudo o que
de bom, de justo, de santo e de belo realizou neles e através deles.
Recebi um telegrama de congratulações para eles, telegrama singular, que diz
somente isto: “vós sois os que preservastes comigo nas minhas provações”. Assina:
Jesus Cristo Ressuscitado, Cabeça do Corpo Místico da Igreja e da Humanidade! É
um sinal de que vós vos deixastes conduzir pela mão do Senhor em cada dia e de que
Ele vos conduziu pela Sua mão. Mais uma vez parabéns, agora da parte do Senhor
Jesus Cristo Ressuscitado.
O contexto do Jubileu
A beleza deste momento que estamos a viver, resplandece ainda mais se a colocarmos num contexto de acontecimentos próximos que vivemos ao nível da Igreja,
da diocese e da própria liturgia.
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Antes de mais, celebramos este jubileu sacerdotal dentro das comemorações dos
90 Anos das Aparições de Maria, aqui em Fátima, como Mãe da misericórdia que se
volta com ternura para a humanidade. Que mais belo lugar poderíamos ter escolhido
para celebrar este jubileu senão esta Basílica, já que ainda não o podemos fazer na
nova igreja da Santíssima Trindade!
Depois, celebramos o jubileu também no início do ano pastoral na nossa Diocese, colocado, sob o signo da ternura de Deus: chamados a ser testemunhas da ternura
de Deus no mundo e, concretamente, também através dos sacerdotes.
E por último, celebramos este jubileu num dia litúrgico em que fazemos memória
de um Santo muito simpático e extremamente fecundo para a vida da Igreja e da sociedade, o dia de São Vicente de Paulo, que também foi presbítero, sacerdote.
Sacerdotes ao serviço da Ternura de Deus
Tudo isto serve de enquadramento para a meditação da Palavra de Deus que
nos convida naturalmente a descobrir a grandeza, e ao mesmo tempo, a humildade
do sacerdócio. Olhando para as multidões, o Senhor teve compaixão delas, porque
estavam abatidas, fatigadas, como ovelhas sem pastor. A escolha e o envio dos apóstolos, deu-se precisamente neste contexto. Aparece como fruto da compaixão do
Senhor pelas multidões do nosso mundo, que andam à busca do pão da verdade, do
pão do amor, do pão da vida verdadeira e, porque não o encontram, estão como que
extenuadas, exaustas, abatidas. O Senhor cuida delas, dando-lhes os pastos da vida
verdadeira, e cuida delas curando as suas feridas, as feridas do seu coração e da sua
alma. O que é isto senão a revelação da ternura de Deus, do amor terno, paterno e
materno de Deus para com a humanidade? O Senhor chama os apóstolos a participar
deste serviço de ternura de Deus, que é Ele mesmo, a favor da humanidade, a favor
do Seu povo.
O Senhor cuida do Seu povo, não através de um exército de infantaria ou de
cavalaria, mas através de pastores, segundo o seu coração. Sim, as pessoas têm necessidade de sair do anonimato, da incomunicabilidade, do medo da vida e dos problemas da vida. Precisam de ser conhecidas e chamadas pelo nome, como pessoas
únicas. Precisam de caminhar seguras nas estradas da vida com referências fortes da
Palavra e do Evangelho de Cristo. Precisam se ser encontradas e levantadas se, por
ventura, se perderam e caíram. Precisam de ser amadas, compreendidas, acolhidas
no meio das suas dificuldades e fragilidades. Precisam de receber o pão da verdade,
o pão da vida, o pão do amor, o pão quotidiano. O pão-nosso de cada dia nos dai
hoje, é este pão! Precisam de receber a salvação, uma palavra como dom supremo de
Deus. Tudo isto o fazem os sacerdotes, chamados a serem servidores da ternura de
Deus aos homens, a cada pessoa singular. Eis a grandeza do sacerdócio!
O sacerdócio é grande, porque participa da grandeza da ternura de Deus para
com a humanidade. E por isso, o Senhor avisa: “a seara é grande, os operários são
poucos. Rogai ao Senhor da Messe que envie operários”, porque o sacerdócio não
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. escritos episcopais .
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se pode escolher como uma profissão qualquer. Deriva da contemplação de Cristo,
ternura encarnada de Deus. E só quem se deixa tocar por esta ternura no íntimo do
seu coração, pode, de facto, responder ao chamamento, fazer-se apóstolo e servo
desta ternura.
Por isso, também na nossa diocese queremos continuar a dar vida à grande oração pelas vocações para que elas despertem com uma fé viva e com um coração
encantado e apaixonado pelo Senhor e pelo Seu povo.
Sacerdotes, discípulos e penitentes
O sacerdócio é grande, mas é também humilde, porque é exercido por homens
pobres, frágeis, limitados. É algo paradoxal para o qual nos chama a atenção o apóstolo São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios que ouvimos. Naturalmente, ele diz
isso a todos os cristãos. Mas, hoje, de um modo particular, aplicado aos sacerdotes:
“Vede quem sois, vós que fostes chamados por Cristo. Não há entre vós poderosos
nem sábios, nem grandes do mundo, porque Deus escolheu o que é fraco, o que é
desprezível para confundir os fortes e os poderosos. Escolheu o que é louco aos
olhos do mundo para confundir os sábios”. Suscita-nos uma atitude de espanto
diante desta lógica de Deus tão diferente da lógica do mundo! Deus escolheu o que
é fraco, o que é desprezível, o que é louco. Só assim é que a gente tem um pouco
de coragem de assumir uma missão tão grande, tão empenhativa, tão responsável
ao serviço de Deus e ao serviço do Seu Povo. O Senhor escolheu o que é fraco para
que nós tomemos consciência do que é esta missão e que o poder que ela tem vem
de Deus e não vem de nós, dos homens. Nós não somos os salvadores do mundo: é
Ele e só Ele. E tanto mais nos damos conta da nossa pobreza, da nossa fragilidade,
da nossa condição de pecadores, nós padres e bispos.
Quanto mais conhecemos a Igreja por dentro, nas suas debilidades e fragilidades,
tanto mais somos tomados por este assombro, por este maravilhamento perante a
imensa misericórdia de Deus e a sua força extraordinária. No fundo, é a confirmação
de que o Senhor age através de instrumentos fracos, inadequados. Eles mesmos se
sentem indignos. O apóstolo nunca deixa de se sentir discípulo e penitente. É uma
confirmação que nos ajuda a crescer na humildade. Apóstolos humildes! É esta a
Palavra de Deus nas leituras.
O testemunho de S. Vicente de Paulo
Mas Deus fala-nos, também, através dos Seus Santos e, concretamente, do Santo
de hoje, São Vicente de Paulo. Como disse no início, é um Santo simpático e extraordinariamente fecundo para a vida da Igreja e da sociedade ainda hoje. Para mim
é muito simpático e sabem porquê, logo a começar? Porque não nasceu santo e, nos
primeiros dos anos de sacerdote, não era santo, não. Um rapaz, filho de gente do
campo, humilde e pobre, olhou para o sacerdócio como uma boa oportunidade de ter
um estatuto social e uma boa situação económica. E foi isso que procurou durante os
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primeiros doze anos: fazer carreira eclesiástica e económica. Aos 31 anos foi nomeado pároco de uma paróquia nos arredores de Paris. Foi aí que se deu a viragem na
sua vida. E sabem quem o levou a dar a viragem na vida? O povo simples e humilde!
Ficou impressionado pela devoção e oração dos seus fiéis, pela fé orante dos seus
fiéis, e foi aí que tudo virou. Então, começou a dedicar-se aos pobres, aos doentes e
aos miseráveis. Suscitou toda uma onda de caridade e de caridade organizada. Chegou até hoje, enfim, na família vicentina que todos conhecem sobre a qual não me
debruço. E depois, o seu poder de atracção foi tal que os próprios bispos queriam que
ele formasse os sacerdotes nesse espírito de amor a Cristo e aos pobres. E daí surgiu,
então um grupo de sacerdotes que se uniu a ele e deu origem à congregação da Missão ou de São Vicente de Paulo, dedicada à formação dos sacerdotes e à missão da
pregação ao povo rude e simples do campo e das cidades.
E de onde lhe veio esta vitalidade, este vigor, este fogo capaz de o entusiasmar a
si mesmo e capaz de entusiasmar os outros? Resumo e sintetizo: de três aspectos da
sua espiritualidade que ele foi beber a outros. Em primeiro lugar, da oração íntima
que o mantinha num contacto íntimo e contínuo com Deus, mesmo no meio das suas
actividades mais empenhativas. Em segundo lugar, o humanismo cristão que recebeu de S. Francisco de Sales que tira a santidade dos muros dos mosteiros e dos conventos para a levar ao coração do mundo, na vida diária de cada um e embelezar o
mundo com esta santidade. Chama-se humanismo cristão. E em terceiro lugar, bebeu
de Santo Inácio de Loiola a fidelidade à Igreja, sobretudo em ordem a servi-la nos
lugares onde é mais carenciada a presença dos cristãos. Três grandes desafios para
nós, para a nossa Igreja, hoje concretamente, para o nosso ministério sacerdotal.
E termino com palavras de São Vicente de Paulo, um texto muito lindo que ele
deixou nos seus escritos e sintetiza, enfim, todo o dia de hoje.
Está escrito que busquemos o reino de Deus.
É apenas uma frase,
mas parece-me que encerra muitas coisas.
Ensina-nos a aspirar àquilo que recomenda,
a trabalhar continuamente pelo reino de Deus,
a não permanecer num estado de inércia e indolência,
a reflectir na nossa própria vida íntima a fim de orientá-la bem,
e não em coisas exteriores para encontrar prazer nelas.
Buscar significa preocupar-se,
significa acção.
Buscai Deus em vós,
porque Santo Agostinho confessa que,
enquanto buscou fora dele, não O encontrou.
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. escritos episcopais .
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Buscai-O na vossa alma,
a morada que lhe é mais agradável.
Este é o lugar onde os seus servos
procuram pôr em prática todas as virtudes.
É necessária a vida interior
e nela devem convergir todos os nossos esforços.
Se falhamos nisto,
falhamos em tudo.
E quem falhou deve humilhar-se,
implorar a misericórdia de Deus e emendar-se.
Se há algum homem que tem necessidade disto,
é este miserável que vos fala.
Eu caio, recaio, saio a medo fora de mim e
raramente entro em mim.
Acumulo culpas sobre culpas.
Esta é a mísera vida que levo e
o mau exemplo que dou!
Ámen.
Santuário de Fátima, 27 de Setembro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Intervenções no congresso
“Fátima para o Século XXI”
Senhor Professor Doutor Jacinto Farias, Presidente da Comissão Científica do
Congresso, Senhor Dr. Armindo Janeiro, Secretário,
Senhores bispos,
Senhoras e Senhores congressistas.
É para mim motivo de grande alegria poder acolher-vos e dar-vos as boas-vindas
como bispo da Igreja local. Saúdo-vos a todos, de todo o coração. Saúdo com particular afecto os irmãos do episcopado a começar pelo Sr. Cardeal Dom Alexandre
dos Santos, arcebispo emérito de Maputo, Sr. Dom Diego Bona, bispo emérito de
Saluzo na Itália, Sr. Dom Serafim, Bispo emérito de Leiria Fátima, Sr. Dom Manuel
Madureira, bispo emérito do Algarve, Sr. Dom Manuel Quintas, bispo residencial
do Algarve.
Antes de mais, uma palavra breve de congratulação com a realização deste
congresso que, como disse o senhor Professor Doutor Jacinto, culmina o ciclo dos
congressos que marcaram as comemorações destes 90 anos das Aparições e que, na
medida em que pude assistir, devo dizer que foram congressos de alto nível teológico e pastoral, o que me deixa, naturalmente, muito satisfeito.
As comemorações dos aniversários das Aparições de Fátima são sempre uma
oportunidade para revisitar e aprofundar a mensagem de Fátima, no confronto com
a história, por conseguinte, fazer o ponto da situação da recepção da mensagem ao
longo dos tempos e da história dos seus efeitos. Que há de especial, de particular,
nesta mensagem de Fátima que justifique, de algum modo, um congresso intitulado
Fátima para o século XXI?
Num primeiro momento e à primeira vista, parece que não há nada de especial nem particular. É uma mensagem confiada a crianças iletradas, analfabetas,
adaptada à sua mentalidade, ao seu mundo simples, expressa com conceitos que
se referem à linguagem da época, daquele tempo, e que nos parecem culturalmente
até distantes. Mas precisamente por isso, espanta-nos, deixa-nos verdadeiramente
cheios de assombro que o horizonte da mensagem não é restrito ao caminho pessoal
de fé dos três pequenos videntes, nem a uma circunstância histórica particular. É
um horizonte mundial, internacional: as duas guerras mundiais, os sofrimentos da
humanidade, a menção de nações, a menção explícita de nações, concretamente da
Rússia, os sofrimentos da própria Igreja, a menção explícita dos mártires do século
XX, hoje contabilizados por um historiador insuspeito, o italiano André Ricardi, em
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Sessão de Abertura
. escritos episcopais .
26.685.000 mártires das várias confissões cristãs, e ainda a grande causa da Paz entre
os próprios povos.
Este é o horizonte mundial, internacional. Tudo isto, acompanhado por um
chamamento forte a não resignar-se à banalidade e à fatalidade do mal. É possível
vencer o mal a partir da conversão dos corações a Deus. E depois ainda, umterceiro
aspecto, com a indicação e a oferta de uma espiritualidade própria em ordem a esta
conversão dos corações que é a espiritualidade do Coração Imaculado de Maria
que, explicitamente, se apresenta como um “Coração que leva até Deus”, usando a
linguagem do coração a coração, tão sensível aos homens e às pessoas e com uma
promessa final: Por fim o meu Coração Imaculado triunfará. Triunfo da misericórdia
divina através do Coração Imaculado da Mãe. Creio que são, a meu ver, as grandes
coordenadas teológicas da mensagem que justificam o eco mundial que ela alcançou,
sem que daqui de Portugal se tenha feito, explicitamente, um grande trabalho, quase
pela força interior que a mensagem traz consigo. Por isso, a mensagem ajuda-nos a
olhar longe, a manter o olhar aberto aos horizontes mundiais dolorosos e obscuros e
a descobrir neles os sinais da presença de Deus e dos Seus apelos. Quer-nos ajudar
a penetrar no mistério do mal mas também no mistério da luz que vence as trevas.
Apresenta-se como uma resposta do céu à “noite do mundo”, usando a expressão de
Heidegger, noite diante da qual, o filósofo confessava na sua última entrevista: Só
um Deus pode ainda salvar-nos. E agora trata-se de, como bons escribas, os pensadores convidados para este Congresso saberem tirar coisas novas do tesouro antigo
e que nos possam oferecer perspectivas luminosas a partir da mensagem de Fátima
para iluminar a noite do mundo do século XXI.
São estes os meus votos e a minha esperança. Desejo a todos uma boa participação neste Congresso e que eu acompanharei também na medida em que os meus
compromissos pastorais mo permitirem.
Bom Congresso e muito obrigado!
Fátima, 9 de Outubro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Sessão de Encerramento
Senhor Cardeal Dom José Saraiva Martins, e demais membros desta mesa,
Sr. Dom Manuel Monteiro, Núncio Apostólico de Sua Santidade em Madrid,
Senhores Bispos,
Ilustres Congressistas.
Fátima, 90 Anos depois(?) é a pergunta que me põem os jornalistas. Fátima para
o século XXI é o título deste Congresso. Os jornalistas perguntam se Fátima se esgotou, se já se cumpriu totalmente. Nós aqui no Congresso interrogamo-nos sobre
o que a mensagem de Fátima pode trazer ao século XXI. Já disse aqui no início
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que toda a comemoração de um aniversário das Aparições é sempre uma ocasião
para revisitar e aprofundar a mensagem no seu confronto com a história. Quando
comemoramos os aniversários do Concílio Vaticano II, normalmente há sempre
este aspecto: o significado permanente do Concílio. Também me lembrei de aplicar
esta designação a este momento: o significado permanente da mensagem de Fátima.
Como explicá-lo? Como compreendê-lo?
O género da mensagem, como todos já compreenderam, é um género de “profecia em devir”, que se foi realizando e nós fomos compreendendo na medida em que
se realizava. E assim se foi descobrindo a grandeza, a beleza, e universalidade desta
mensagem que partiu de um lugar recôndito, isolado de todo o mundo e ignorado por
ele. Ora as profecias de Fátima naquele sentido mais imediato e directo que se lhes
reconhece já se realizaram verdadeiramente. Todavia, o significado da mensagem
permanece válido ainda hoje, exactamente de modo análogo às profecias bíblicas
que foram escritas para um determinado momento da história, mas cuja riqueza não
se esgotou naquele momento histórico. E por isso Fátima tem também um significado permanente, uma realidade-símbolo que sintetiza em si, onde se reflectem tanto
os perigos e os riscos do século XX como do século XXI e também o caminho para
ser salvo desses riscos e desses perigos. E eu queria sublinhar alguns desses aspectos
que já foram ditos aqui noutro contexto, de carácter permanente e para aplicação ao
século XXI.
1. Primeira coisa é o primado de Deus, o mistério do Seu Amor Trinitário a ser
adorado, isto é, acolhido totalmente pelo coração dos homens.
Para mim, um dos aspectos essenciais da mensagem é exactamente este: reconduzir a adoração de Deus para o centro da vida da igreja e do mundo frente, naturalmente, àquele ambiente de ateísmo militante e persecutório que procurava erradicar
Deus das consciências e da sociedade como se erradicam raízes de um cancro. Ora
hoje, porventura, o risco não é tanto esse ateísmo militante e persecutório mas é a
indiferença religiosa, a indiferença em relação a Deus. É o niilismo vazio da fé e
da esperança e, portanto, o desafio é exactamente fazer ou ajudar a descobrir ou a
redescobrir aquela beleza e aquele encanto de Deus que foi dado a conhecer, por
graça extraordinária, e a experimentar aos pequenos pastorinhos. Portanto, descobrir
o gosto de Deus e o gosto da beleza de Deus e do Seu Amor Trinitário frente àquilo
que há momentos se disse, nesta fase de um eclipse cultural de Deus, ao ocultamanto
de Deus nas consciências e na cultura.
2. E depois disso, também aquela mensagem de conforto e consolação para os
cristãos século XX, e agora para os cristãos do século XXI: o não ter medo. Quer
dizer, é um chamamento a não se resignar à banalidade e à fatalidade do mal a que
hoje, comummente, a gente se resigna porque dizemos ‘somos impotentes, não
podemos fazer nada diante dessas forças e desses impérios e desses lobbys do mal
organizados’. Ora, esta é uma mensagem exactamente de resistência e de superação
do limite do mal com a graça da conversão. É possível vencer o mal, a partir da
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conversão do coração a Deus e, por consequência, a partir da reparação; a reparação
entendida como um chamamento à co-responsabilização dos homens na salvação
do mundo, com Deus, naturalmente. E, portanto, Fátima ajuda-nos a ler a história,
a história do século XX mas também a história do século XXI, no sentido de que é
possível mudar a história a partir de dentro, com a força que vem do alto. Às vezes,
pensamos que só se muda a história através, dos acordos, das cimeiras e dos tratados políticos, e aqui, diz-nos exactamente isto: é possível mudar a história através
da conversão dos corações, da oração, da adoração, em primeiro lugar de Deus, da
reparação. Porquê? Porque a história da humanidade começa-se a escrever, antes
de mais, nas consciências e só se muda bem a partir de dentro, da conversão das
consciências e da conversão dos corações e da comunhão dos santos, quer dizer, da
solidariedade no bem. É isso um dos aspectos mais impressionantes da mensagem de
Fátima, é chamar à solidariedade na graça, porque nós só olhamos para o negativo e
só pensamos que somos solidários no mal e o Senhor vem-nos chamar a ser solidários na graça, solidários no bem. Tem aí sentido a oração, a comunhão reparadora,
a reparação, etc.
3. O debruçar-se sobre os sofrimentos do homem, a misericórdia, a ternura de
Deus que nos leva à misericórdia, à ternura entre nós homens. De facto é uma mensagem de misericórdia e de ternura que se inclina sobre os sofrimentos da humanidade, não da humanidade só como um colectivo mas de cada homem e de cada mulher
que sofre. Isso nunca o podemos esquecer. Também este debruçarmo-nos, com a
acção e as atitudes, sobre o sofrimento dos homens é sempre uma vocação de Fátima
de uma maneira privilegiada.
4. O desafio ao testemunho. A terceira parte do segredo refere-se aos mártires
do século XX. Hoje, para já, assim a nível global, embora haja umas bolsas isoladas onde temos esta perseguição violenta à fé dos cristãos, somos chamados a dar
testemunho num ambiente de hostilidade; de hostilidade da cultura, hostilidade dos
ambientes, algo que é programado muitas vezes em ordem a apagar a memória viva
do Cristianismo da própria cultura. É preciso testemunhas corajosas e convictas,
como disse o senhor Cardeal aqui. Depois a santidade como já aqui foi referida:
a santidade das crianças. É interessante nós já tivemos aqui um bom sinal que é
a peregrinação das crianças e que a mim me fez ver uma outra dimensão. É que o
Senhor não Se serviu só de adultos para transformar o mundo e a história; serviu-Se
de crianças. Quer dizer que as crianças são muito importantes, muito importantes
na realização dos projectos dos desígnios de Deus. Nós, adultos, já estamos muito
viciados, já estamos muito feridos, mas as crianças, Senhor, as crianças merecem
uma nova atenção, para elas mesmas descobrirem a importância que têm em ordem
à transformação do mundo também. Eu penso que será um caminho de esperança
também para o século XXI.
5. O crescimento no empenho da paz. Isso é uma constante. Está ainda por fazer
um estudo que nos mostre quanto a mensagem de Fátima e, sobretudo, a imagem
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da virgem peregrina pelo mundo contribuiu para o amor à paz e para a rejeição da
guerra, para o crescimento de uma consciência religiosa, ética, jurídica e política da
paz e, por conseguinte, a rejeição da guerra como meio de resolver os conflitos entre
os homens. Tantas graças, o Senhor nos concedeu ao século XX e seguramente ao
século XXI, através desta mensagem que está longe de ser uma devoção sentimental;
é um apelo suplicante à nossa geração para que reconheça a tarefa da hora histórica,
a fim de não deixar cair a humanidade num abismo nem sucumbir ao poder do mal
e confrontar os homens com uma dimensão sobrenatural, a dimensão do mistério de
Deus que a cultura actual procura tantas vezes ocultar ou à qual os homens procuram
fugir. Fátima será também um símbolo sempre vivo desta dimensão sobrenatural do
homem.
Penso que mostrei alguns dos aspectos da actualidade permanente, do significado permanente de Fátima. Os pedidos da Virgem, na sua substância, permanecem
sempre válidos: conversão e oração, solidariedade espiritual e moral com os outros,
reparação, não resignar-se à banalidade e à fatalidade do mal, a entrega ao abandono total a Deus com Maria, a consagração ao Imaculado Coração de Maria, como
expressão do abandono total a Deus, através de Maria e com Maria, constituem
inspiração para toda a Igreja e não só para alguns Movimentos. Acho que temos um
caminho muito aberto para Fátima, no século XXI, sem contudo fechar portas às
surpresas de Deus. Eu creio que até à comemoração dos cem anos das Aparições, o
Senhor nos trará, ainda surpresas que neste momento, porventura, nem nos passam
pela mente, nem pela imaginação para descobrir ainda mais facetas da beleza e da
riqueza desta mensagem.
Resta-me uma última palavra de agradecimento. Quero agradecer aqui ao Senhor Cardeal Saraiva Martins pela bela conferência sobre a Santidade dos Pastorinhos como um desafio a este Santuário, em ordem a uma pastoral pensada e bem
estruturada sobre a santidade, uma pastoral da santidade; uma santidade popular,
quer dizer, acessível a toda a gente, a todo o povo. Agradecer ao Santuário e aos
organizadores deste Congresso que teve um alto nível teológico, espiritual e pastoral: agradecer concretamente, como já aqui foi salientado, a acção escondida mas
infatigável do Dr. Manuel Armindo Janeiro, à Comissão Científica presidida pela
Faculdade de Teologia da Universidade Católica na pessoa do meu caro amigo, o
Sr. Prof. Doutor Jacinto Farias, a todos os conferentes que partilharam connosco o
esforço do seu trabalho de investigação e da sua reflexão e a todos os meus caros
amigos e amigas congressistas.
Parabéns a Deus, parabéns a Nossa Senhora, parabéns ao Santuário, parabéns a
todos os congressistas! Laus Deo, Virginique Matri!
11 de Outubro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Homilia no Congresso Fátima para o Século XXI
Maria, templo do Senhor, ícone do Mistério
Caros irmãos bispos, sacerdotes, diáconos e demais fiéis em Cristo:
Como compreendeis, este dia foi um dia de azáfama para o bispo de Leiria-Fátima e por isso, não pude acompanhar o nosso Congresso. Todavia, foi-me dada a
graça de poder estar aqui convosco a celebrar esta Eucaristia e de poder oferecer-vos
também uma meditação que espero seja breve, deixando-nos inspirar, naturalmente,
por toda a liturgia e toda a palavra de Deus que acabámos de escutar.
Nas vésperas da celebração da dedicação da nova Igreja da Santíssima Trindade,
a liturgia eucarística que celebramos convida-nos a contemplar Maria, templo do
Senhor para de algum modo já prepararmos a vivência da celebração de amanhã.
Contemplaremos melhor este traço de Maria, Mãe de Jesus, templo do Senhor, se
a considerarmos como um ícone do mistério. Um ícone - vós conheceis os ícones
orientais -, um ícone, no seu fragmento, remete para a totalidade do mistério de Deus
connosco na sua aliança e, ao mesmo tempo, reflecte esse mistério para nós. Maria
é totalmente remetida ao mistério de Deus e a nós, Igreja de Deus. Este ícone de
Maria, Templo de Deus, só o contemplaremos em profundidade se o pusermos em
paralelo com o outro ícone que a liturgia de hoje nos oferece na primeira leitura do
Livro dos Reis: a festividade, a grande festa da entronização da Arca da Aliança no
Templo de Salomão. Portanto, vamos contemplar um díptico: as duas telas.
O templo de Salomão
A entronização da Arca, no templo de Salomão, foi uma festa para todo o povo
porque este Templo construído por Salomão foi um momento culminante duma
história que tinha começado com uma promessa de Deus no Sinai: Far-me-ão um
Santuário e eu habitarei no meio deles(Ex 25,8). Por conseguinte, o povo vibra com
a entronização da Arca porque o templo encerra toda uma história; a história do
êxodo.
A história de um povo que se foi constituindo como tal à volta da Aliança de
Deus com ele e de que é memorial itinerante a Arca da Aliança, que continha as
Tábuas da Aliança;
É também a história de um caminho, guiado por Deus, presente e acompanhante,
de que é símbolo a nuvem que, ao mesmo tempo, oculta e revela;
E é também a história de uma revelação de que a “glória de Deus”, que enche o
Templo, é o sinal luminoso, a luz, o esplendor da beleza e da santidade de Deus, que
brilha no rosto de quem O encontrou.
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Santa Maria, Templo do Senhor, do Altíssimo
Tendo este ícone como pano de fundo, compreendemos melhor Maria Templo do
Senhor, tal como nos é apresentado neste mistério único, inaudito e inimaginável da
encarnação: Deus connosco, no coração e no seio de Maria.
É interessante ver como S. Lucas, para falar da vinda do Espírito Santo sobre
Maria, usa a expressão “cobrir com a Sua sombra”, aludindo, exactamente, a estas
narrações do Antigo Testamento sobre a “nuvem sagrada”: tal como a nuvem paira
sobre o Templo e é sinal de que o interior do templo está cheio da glória, da presença
da santidade e da luz do Altíssimo, assim também o poder do Altíssimo cobrirá com
a Sua sombra Maria e fará dela a Sua habitação. Ela, no seu coração e no seu seio
fica cheia do Santo que se chama Filho de Deus; o Filho de Deus Eterno e Santo faz
desta mulher casa e templo que Ele enche com a Sua presença; faz dela Arca da nova
Aliança que - usando a linguagem de hoje, no prefácio da liturgia -, “contém o autor
da nova Lei e da nova Aliança”. Portanto, nela, celebra-se a nova aliança entre o Céu
e a Terra que é o próprio Jesus em pessoa, Filho de Deus e Filho de Maria.
O seu “sim” torna-a o templo onde Deus recebe acolhimento. Esse Deus, que não
vive entre as pedras, vive neste “sim”, dito de corpo e alma inteiros. Deus fez de um
ser humano o lugar da Sua habitação e inabitação. Ó Mistério tremendo e fascinante
ao mesmo tempo! Só podia vir da loucura do Amor eterno e santo. Aos homens não
era dado imaginar isso.
Por isso, o símbolo do Templo e da Arca adquire agora uma força de realidade
inaudita: Deus presente na carne (corpo) de uma pessoa, carne que se torna a Sua
morada no meio da criação, carne que reflecte e irradia para nós este mistério.
Maria, templo do Senhor, é o espelho da Igreja
Contemplámos, de facto, a beleza, a riqueza, a grandeza inimaginável, insuperável, imperscrutável deste mistério de Deus na Sua Aliança com a humanidade que
toma traços humanos em Maria e através de Maria. Mas contemplemo-lo para nós,
e então, Maria aparece-nos como espelho da Igreja porque ela existe à medida de
Cristo e de Deus, habitada por Ele. E para que é que existe a Igreja de Deus senão
para ser habitação de Deus no mundo? Sem isso, não tem outra razão de ser. Porque
Organizações não governamentais de beneficência ou de solidariedade há muitas.
Quanto mais formos inabitação de Deus em nós, mais seremos Igreja e mais a Igreja será ela mesma, aquilo que Deus quer que Ela seja: habitação de Deus no meio
dos Homens, lugar de encontro que, irradie como Maria, a beleza e a riqueza da
santidade de Deus, do Seu amor, da Sua misericórdia, da Sua ternura para toda a
humanidade. Mas também cada um de nós em particular é templo de Deus a partir
do baptismo. Por isso, a oração colecta que ouvimos nos lembrava a graça baptismal
“para que, à semelhança de Maria, através da graça baptismal, sejamos moradas
dignas da Tua glória”.
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O Santuário, caminho para a santidade
Como é que se pode acolher Deus, senão deixando que Ele seja Deus em nós e
connosco? Essa atitude chama-se adoração. Adoração em espírito e verdade. Que
Deus seja Deus em nós e connosco! Que Ele trabalhe, que Ele nos trabalhe! E que
nós deixemos que Ele nos trabalhe com o Seu espírito de santidade e de vida. E
isso ilumina também a missão deste Santuário de Fátima. Que o Santuário seja um
caminho para a santidade dos homens que a ele peregrinam. Que nesta etapa da
peregrinação da vida, cada paragem, aqui, seja como encontrar um oásis espiritual
que lhe oferece o conforto, a consolação, a frescura, o retomar energias, o encontro
verdadeiro com Deus, com o Deus Santo através do Coração Imaculado de Maria:
“O meu Imaculado Coração conduzir-te-à até Deus”, disse Nossa Senhora a Lúcia
e di-lo a nós hoje.
Por isso, fazemos votos que este Santuário seja tenda do encontro de Deus com
o Seu povo, lugar da revelação do Seu amor e da Sua misericórdia para com a humanidade, templo da reconciliação e da paz. Isso é feito não só por aqueles que trabalham aqui permanentemente mas também pelos peregrinos que aqui vêm. É obra
de todos. E que o Santuário possa também oferecer uma pastoral bem pensada e bem
estruturada da santidade. A santidade da vida quotidiana que engrandece, enobrece e
embeleza a nossa vida; uma santidade que seja verdadeiramente popular, quer dizer,
acessível a todos, para todos, de todas as idades, condições e estados de vida; desde
as crianças aos idosos, os solteiros, casados, viúvos, celibatários... todos possam encontrar aqui um raio, um pequeno raio de beleza da santidade de Deus. Daí a nossa
prece à Mãe celeste: Nossa Senhora, Templo do Senhor, Arca da Aliança, Porta do
Céu, rogai por nós.
11 de Outubro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Abertura da peregrinação do 90º aniversário das Aparições
“Louvado seja Jesus Cristo!
Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo,
Eu Vos adoro profundamente!”
1. Foi com esta oração dos pastorinhos que o Papa João Paulo II, de santa e
saudosa memória, abriu a inesquecível peregrinação de Maio de 1982, num acto de
profunda adoração a Deus, no Seu Mistério de Amor Trinitário. Do mesmo modo,
também nós queremos iniciar esta peregrinação de 12 e 13 de Outubro de 2007, que
se reveste de características especiais.
Antes de mais, ela encerra as comemorações dos 90 anos das aparições de Nossa
Senhora em Fátima, cuja mensagem, no seu núcleo, é um convite a reconduzir para
o centro da vida cristã e do mundo, a adoração de Deus, do Seu primado salvífico,
numa das maiores crises da história mundial.
Maria acolhe-nos hoje, aqui neste cenáculo a céu aberto, como Mãe e Mestra,
que nos ajuda a erguer o olhar e a elevar o coração para contemplar a beleza do Rosto
Trinitário de Deus, como um abismo de Beleza – a Beleza do amor que salva – tal
como o fizera compreender aos pastorinhos. Por isso repetimos: “Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, eu Vos adoro profundamente”!
Nesta sequência insere-se a inauguração e a dedicação da nova igreja que, com a
sua denominação e toda a sua simbólica, dá corpo visível a esta dimensão da Mensagem e que perdurará no tempo como um Hino à Santíssima Trindade e ao seu Amor
compassivo e misericordioso.
Por fim, temos a graça e a alegria de ter connosco, a presidir a esta peregrinação,
Sua Eminência o Senhor Cardeal Tarcisio Bertone, como Legado especial do Santo
Padre Bento XVI.
2. É, pois, com viva alegria e júbilo de alma que, em nome do episcopado português, de todos os fiéis aqui presentes e no meu nome pessoal, como bispo de LeiriaFátima, saúdo Vossa Eminência e lhe dou as boas-vindas, do fundo do coração: Seja
bem-vindo, Senhor Cardeal. E muito obrigado por ter aceite esta missão especial que
o Santo Padre lhe confiou junto de nós. Queira, Vossa Eminência, transmitir ao Santo
Padre Bento XVI, a nossa gratidão por nos ter enviado, como Legado Pontifício, o
seu mais próximo colaborador e um arauto da Mensagem de Nossa Senhora.
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Saudação a Sua Eminência,
o Cardeal Legado do Santo Padre
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A presença e a presidência de Vossa Eminência é para nós muito significativa e
particularmente grata. Sabemos bem da sua ligação íntima e profunda à Mensagem
de Fátima, quer na compreensão e divulgação da terceira parte do “Segredo de Fátima”, quer como interlocutor oficial e privilegiado da Irmã Lúcia.
Queremos também agradecer-lhe as tantas recordações desses colóquios que nos
confia no seu último livro “A última vidente de Fátima”, “para que… tratando-se
de acontecimentos que marcaram a Igreja nos últimos anos do século XX, sejam
entregues à memória colectiva como vestígios não privados de significado na sua
história secular”, no dizer do próprio Papa Bento XVI. Mais uma vez, o nosso muito
obrigado!
3. Saúdo com afecto os irmãos no episcopado, os sacerdotes e todos os peregrinos, que dos vários ângulos do país e do mundo acorreram a esta especial peregrinação. Em comunhão de intenções com o Santo Padre, queremos glorificar com Maria
a imensa bondade de Deus e agradecer todos os benefícios recebidos, particularmente o dom da fé.
A Nossa Senhora de Fátima queremos pedir a sua protecção para a Igreja no
início deste milénio, a sua intercessão pelo dom de muitas e boas vocações, a sua
ajuda para as famílias, a sua oração misericordiosa pela conversão dos corações, a
sua solicitude materna pelos doentes, idosos e todos os necessitados, a sua especial
intercessão pelo dom da paz entre os povos, sobretudo no Médio Oriente, na Birmânia e no Darfur.
Ao seu Imaculado Coração de Mãe da Misericórdia confiamos os sofrimentos
e as esperanças da humanidade na hora presente e, de modo particular, do nosso
querido Portugal.
A ela elevamos a nossa prece:
Senhora do Rosário, Mãe de Misericórdia,
Convosco se eleve ao céu o nosso canto:
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo,
Agora e por toda a eternidade! Ámen!
Santuário de Fátima, 12 de Outubro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Reunidos com Maria, neste cenáculo que é o Santuário de Fátima, onde pulsa o
coração materno de Portugal, encerrámos, solenemente, as celebrações dos 90 anos
das Aparições de Nossa Senhora, sob a presidência do Vosso Legado especial, Sua
Eminência, o Senhor Cardeal Tarcisio Bertone.
Com Maria glorificámos a imensa bondade de Deus, cantámos o Magnificat de
louvor à Santíssima Trindade com a dedicação da nova igreja e agradecemos-Lhe os
dons da Sua Misericórdia ao longo destes noventa anos.
Em comunhão de intenções com Vossa Santidade, confiámos ao Imaculado Coração de Maria os sofrimentos e as esperanças da humanidade na hora actual.
Obrigado, Santo Padre, por se ter associado a nós com um gesto de peculiar afecto, ao enviar-nos como Legado Pontifício o seu mais próximo colaborador e arauto
da Mensagem de Nossa Senhora. Obrigado pela sua especial Bênção Apostólica!
Da nossa parte, posso assegurar-lhe a profunda comunhão e o sincero afecto de
todo o nosso povo pela sua Pessoa e o seu Magistério. Conte sempre com a nossa
oração e o nosso filial afecto. E permita-nos exprimir a nossa esperança de que Vossa
Santidade nos possa visitar em tempo oportuno!
Com os melhores sentimentos de afecto e profunda comunhão,
Santuário de Fátima, 13 de Outubro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Mensagem a Sua Santidade,
o Papa Bento XVI
. escritos episcopais .
Entrevista ao Jornal de Notícias *
A igreja da Santíssima Trindade
1. Que importância tem para a diocese e para os católicos a nova igreja da Santíssima Trindade?
A nova igreja surgiu para responder a uma necessidade de espaço celebrativo e
de recolhimento para assembleias médias de peregrinos que a antiga basílica já não
comportava, visto que só permite o máximo de 800 lugares sentados. A nova igreja
dispõe de 9000 lugares sentados e oferece abrigo e conforto nos tempos de intempérie ou de maior calor.
2. Gosta do estilo e das obras de artes que foram escolhidas?
Creio que o arquitecto Tombazis foi muito feliz. A igreja está muito bem enquadrada do ponto de vista ambiental. O estilo da igreja e as 9 obras de arte que a
integram fazem dela uma igreja que transmite luz e paz, um lugar de encontro e de
comunhão, de recolhimento e de contemplação.
Como é natural, cada um de nós tem preferência por determinadas obras de arte
em relação a outras.
3. Como reage às critícas dos que entendem que foi gasto dinheiro em excesso
na construção na nova igreja?
Uma obra destas tinha se ser projectada em termos de futuro e de qualidade em
todos os aspectos. Começou a ser projectada em 1994. No espaço de 13 anos tudo
encarece. Depois, como em todas as grandes obras, há os imprevistos que aumentam
os custos. No caso concreto, foram a implantação das fundações que deparou com
a dificuldade dos solos cheios de pequenas grutas e as vigas de betão branco que
suportam todo o edifício. Os gastos ficam relativizados se comparados com os do
Centro Cultural de Belém ou da Casa da Música no Porto.
4. Esta igreja será um marco para Fátima? Para os católicos? Porquê?
Naturalmente, esta igreja é um marco para Fátima num duplo sentido. Em primeiro lugar é uma obra única de arquitectura religiosa contemporânea de projecção
e referência mundial. Depois, do ponto de vista simbólico ela dá corpo a um aspecto
central da Mensagem de Fátima. No centro da Mensagem está a adoração de Deus,
no seu Amor Trinitário, que se volta, compassivo para a humanidade, para iluminar
os seus passos no caminho da paz.
* Publicada numa revista comemorativa da inauguração da nova igreja, em 13-10-2007.
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5. A Igreja espera, a partir de agora, que acorram no Santuário mais peregrinos?
É natural que, durante algum tempo, a nova igreja seja um “chamariz” de peregrinos. Mas não é esse o grande motivo que faz peregrinar até Fátima.
7. O que se pode esperar para daqui a 10 anos, quando se assinalar o centenário
das aparições?
Não quero fazer futurologia. Fátima acompanha a história da Igreja e da humanidade. Pode ser que os acontecimentos da história nos indiquem a perspectiva do
centenário das aparições. Do ponto de vista pessoal gostaria que pudessemos celebrar a beatificação da Irmã Lúcia.
8. Está a diocese empenhada nos processos de beatificação da Lúcia, e na cononização de Jacinta e Francisco?
O processo de beatificação da Irmã Lúcia diz respeito à diocese de Coimbra onde
ela viveu e morreu. O processo de canonização de Jacinta e Francisco está a decorrer,
segundo os trâmites normais, com todo o empenho da diocese de Leiria-Fátima.
9. Para quando a visita do Papa a Fátima?
Uma bela pergunta para a qual eu próprio gostaria de ter uma bela resposta! Mas
por vezes, há surpresas de Deus que não entram nos nossos cálculos. Confiemos!
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6. No ano em que se assinalam os 90 anos das Aparições, o que mudou?
Só estou há um ano como bispo de Leiria-Fátima. Honestamente, não me sinto
em condições para responder a esta questão.
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Na Assembleia do Clero de Leiria-Fátima
A espiritualidade da organização
e da partilha ao serviço da comunhão
Introdução
Na reforma e renovação da Igreja promovida pelo Concílio Vaticano II, olhando
simultaneamente às suas origens, à sua essência e à sua missão pastoral no mundo
contemporâneo, emergiu e impôs-se a categoria da “comunhão”. Foi um vigoroso
impulso renovador de ordem teológica, espiritual, canónica e pastoral.
A comunhão é a forma da existência, da vida e da missão da Igreja, tanto a nível
da vivência como da instituição:
a) O ser cristão está radicalmente modelado pela fraternidade e pela comunhão;
b) As instituições e a organização da Igreja actuam impregnadas pela comunhão.
Tanto a unidade da Igreja como a sua diversidade (de articulações, carismas,
ministérios e organização) devem ser entendidas no quadro da unidade na comunhão. O Vaticano II usa, significativamente, a expressão unidade de comunhão (LG
4.15.18.50).
“ O seu sentido não é de um afecto vago, indefinido, mas de uma realidade orgânica que exige também uma fórmula jurídica e que, por sua vez, está animada pela
caridade”. Esta estrutura da comunhão eclesial deve ser tida em conta na organização da vida da Igreja. Deve manifestar-se nas diversas perspectivas da comunidade
cristã, já que é a sua lei de fundo e profunda.
A comunhão inclui diferentes aspectos:
- a sua amplidão parte da unidade na fé, na esperança e no amor cristão, selados
sacramentalmente pelo baptismo que cria a situação básica da comunhão: todos filhos de Deus, todos irmãos;
- reforça-se pela participação na Eucaristia, essencialmente orientada à “unitas
Ecclesiae” (Corpo de Comunhão), e refaz-se pelo sacramento da reconciliação com
Deus e com a Igreja;
- traduz-se, comunitariamente, em relações de comunhão fraterna, no intercâmbio de dons oferecidos e recebidos em reciprocidade aberta e confiante e na “colecta” de bens para os necessitados e as necessidades da Igreja;
- é visivelmente presidida e salvaguardada pelos que receberam o ministério
apostólico.
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À luz do que acabamos de dizer, compreende-se facilmente que a própria existência cristã, toda a vocação específica, os diferentes ministérios e carismas, as diversas acções através das quais a Igreja realiza a sua missão, a sua organização e os
seus organismos pastorais… levam o selo característico da comunhão com o Senhor
e entre os discípulos.
A comunhão eclesial é harmonia vital no funcionamento de todos os membros e
sistemas do corpo. O contrário da comunhão que flui, seriam os apertos, estenoses,
oclusões, tromboses… no corpo humano.
A carta apostólica “Novo Millennio Ineunte” recorda como tarefa pastoral para o
futuro, a realização da comunhão: “Outro aspecto importante em que será necessário
pôr decidido empenho programático, tanto no âmbito da Igreja universal como no
das Igrejas particulares, é o da comunhão que incarna e manifesta a própria essência
da Igreja” (n. 42). Todo o capítulo IV da carta, intitulado “Testemunhas do Amor”,
assinala diferentes perspectivas da comunhão: “espiritualidade da comunhão, variedade de vocações, campo ecuménico, apostar na caridade, diálogo inter-religioso,
missão…”.
A comunhão eclesial vivida levará o bispo e os pastores a um estilo pastoral cada
vez mais aberto à colaboração de todos já que a solicitude pastoral tem como finalidade criar e fortalecer a comunhão.
O bispo é o primeiro responsável em conseguir esta unidade na diversidade, favorecendo a sinergia dos diferentes agentes pastorais de modo que seja possível percorrer juntos o caminho comum da fé e da missão. O seu ministério não se reduz, de
modo algum, a um simples moderador já que a autoridade recebida do Senhor inclui
um aspecto jurisdicional e, por isso, deve promover a espiritualidade de comunhão,
suscitar sempre formas de participação e dar vida a estruturas de comunhão. A Igreja
como corpo de Cristo tem uma estrutura na qual todos os membros colaboram para
o bem do todo, mas têm funções e responsabilidades diversas.
Como se traduz esta espiritualidade da comunhão na organização e na economia
da comunidade cristã? Deixemo-nos iluminar e inspirar, antes de mais, por alguns
ícones bíblicos.
1. Um ícone: Moisés condutor e “ecónomo” do povo
A Moisés, o Senhor confiou a tarefa da recomposição da unidade de um povo,
que inclui, por sua vez, o serviço de ecónomo dos bens fundamentais (pão, água e
carne) e o serviço da comunhão. Dele aprendemos o que ele mesmo teve de aprender
na condução do povo ao fazer caminho com ele: a espiritualidade do “governar” ao
serviço da comunhão ( a subsidiariedade e a corresponsabilidade).
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Livro do Êxodo, 18, 13-26
Jetro ensina-lhe o princípio da subsidariedade e da colegialidade (corresponsabilidade). Foi um momento importante na vida de Moisés: também devia aprender a
governar. No início, na sua incompetência, julgava que tinha que fazer tudo. Depois,
aprendeu a distribuir tarefas. De facto quando o Deuteronómio resume a história da
sua vida, desde o capítulo 1, recordará aquele momento como algo de importante.
Por outro lado, também os doze apóstolos em Jerusalém, num certo momento
dirão: “não podemos fazer tudo, por isso nomearemos diáconos… (Act 6). Há que
aceitar as nossas limitações de criaturas. Não somos omnipotentes, nem omniscientes. Um padre cansado cansa-se e cansa o seu povo; vive numa constante ansiedade
que pode ir até à depressão.
Livro dos Números 11, 11-17.24-29
Moisés está realmente esgotado. Não tem mais remédio que constatar a sua fragilidade, as suas debilidades. Vê-se obrigado a reconhecer amargamente: “Não sou
o que pensava ser; é demasiado para mim; não posso mais”. Esta atitude deixa-nos
perplexos, a nós que prestamos um certo culto ao heroísmo ou ao protagonismo, ao
individualismo do chefe. Mas a Bíblia, que é mais humana do que nós, apresenta-nos
essa atitude mais que uma vez: vg. a atitude de Elias: “Senhor, faz que morra; não
sou melhor que meus pais”. Pode acontecer a qualquer um de nós. É muito humano
este aspecto de Moisés, mas é também humilhante. Moisés tem que reconhecer que
se julgava alguém capaz de tudo mas tem que render-se.
Deus aceita. A crise de Moisés é uma crise útil e salvífica porque no fundo fá-lo
tomar consciência de um “êxodo interior” que Deus lhe pede. Tal como nos sucede a
nós quando nos metemos num assunto que julgamos dominar e depois damos conta
que nos escapa e temos necessidade dos outros.
É uma passagem a uma espécie de “passividade”: nem tudo depende de mim,
não sou o único, tenho que descentralizar as coisas, tenho que buscar colaboração
ainda que me custe… Nestas ocasiões, o Senhor quer purificar-nos de uma forma de
orgulho.
Este difícil “êxodo interior” de Moisés é o êxodo da sua auto-suficiência e autocomplacência – que lhe tinha permitido fazer muitas coisas boas –, para uma participação (partilha) cordial do próprio peso com os outros. Moisés aceita dar este passo
e deste modo cresce como homem, como crente e como chefe (condutor do povo).
De facto, Moisés convoca os anciãos, o Senhor desce sobre a nuvem, toma o seu
Espírito e infunde-o sobre os 70 anciãos. Eis como Moisés realizou verdadeiramente
um êxodo, se tornou livre, não sentiu ciúmes, nem sentiu ameaçada a sua autoridade
pelos dons dos outros e reconheceu neles a acção do Espírito. E tomou consciência
de que só assim estava à altura da sua responsabilidade de servir melhor e do melhor
modo de poder servir. “Moisés era um homem humilde, mais humilde que algum
homem sobre a face da terra” diz Num 12,3.
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O Novo Testamento explicita como o Espírito suscita e distribui vários dons,
serviços e ministérios para a edificação e crescimento da Igreja que devem ser coordenados e articulados como os vários membros de um corpo. “É a partir d’Ele (Cristo) que o corpo inteiro coordenado e bem unido pela união de todas as articulações
que o sustentam, segundo uma actividade repartida à medida de cada um (membro)
realiza o seu crescimento orgânico para se construir a si mesmo no amor” (Ef. 4,16;
cf. 1 Cor 12; Rom 12, 3-8).
A Igreja é um corpo organizado, estruturado, articulado; não é um campo de
mortos nem de aventureiros espontâneos e anárquicos, nem uma empresa em autogestão.
O presbítero possui o ministério da síntese (comunhão), mas não a síntese (o
açambarcamento) dos ministérios. Compete-lhe suscitar e organizar a participação
diversificada dos fiéis com os seus dons, serviços e ministérios, elencando as tarefas
e confiando-as a alguns fiéis idóneos. A comunhão implica a partilha ou participação
activa na vida da comunidade que é de todos, onde todos recebemos e damos de tal
modo que “o bem de todos torna-se o bem de cada um e o bem de cada um torna-se
o bem de todos”(ChFL 28). Inclui a participação e corresponsabilidade de todos.
Para que a comunhão construtora da comunidade se exerça realmente, de modo
orgânico e articulado, deve ter expressão em organismos de participação onde se
realiza a comunhão de intenções e projectos pastorais na diversidade dos dons: os
diversos conselhos, cuja coordenação o pároco deve promover. Estes órgãos de participação são uma etapa decisiva para configurar a Igreja comunhão. Isto faz parte da
santidade dos cristãos, leigos e padres, como estilo de vida em comunhão.
2. Outro ícone: a colecta em favor de Jerusalém (2 Cor 8 e 9),
a organização material das comunidades e a espiritualidade
de comunhão.
1 Cor 16, 1-4; Rom 15, 25-28: justifica o projecto com o motivo de fazer
comunhão.
2 Cor 8, 10-21; 9, 6-14: comunhão e motivo de culto a Deus (v.12).
Os capítulos 8 e 9 da Segunda Carta aos Coríntios constituem o texto mais longo
da Igreja antiga no qual se fala de problemas financeiros e económicos. Encontramos
aqui uma preciosa indicação sobre a organização material das igrejas paulinas e a
sua solidariedade financeira. É interessante notar que também o Novo Testamento
enfrenta esta temática com grande dignidade e, ao mesmo tempo, com grande eficácia.
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Em 2Cor 9 é citado um provérbio geral que se pode aplicar à generosidade com
os pobres, à Igreja, às necessidades da caridade e do serviço de Deus: “Ficai sabendo: quem semeia pouco, também pouco recolherá; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também recolherá” (v.6).
Ao provérbio segue uma exortação: “Cada um dê conforme decidiu no seu coração, não com tristeza e à força, porque Deus ama quem dá com alegria” (v.7). É o
convite a oferecer o sustentamento à Igreja com a mesma alegria com que se vivem
os outros aspectos da vida cristã.
Uma alegria que é reforçada por uma perspectiva de confiança: “ Deus tem o poder de vos cumular de toda a espécie de graças para que, tendo sempre o necessário
em tudo, ainda vos sobre para as boas obras de todo o género” (v.8). Quer dizer, o
Senhor é grande em generosidade com os que são generosos.
E acrescenta uma promessa: “Aquele que dá a semente ao semeador e o pão em
alimento, também vos dará a semente em abundância e multiplicará os frutos da vossa justiça. Assim, sereis enriquecidos em tudo, para exercer toda a espécie de generosidade que suscitará, por nosso intermédio, a acção de graças a Deus” (v.10-11)
No cap. 8 acresce ainda um dado interessante de grande relevo, a transparência e
a boa gestão em equipa: “Queremos, assim, evitar o risco de que alguém nos censure
a respeito desta abundante colecta que é administrada por nós, porque nos esforçamos por fazer o bem não só diante do Senhor, mas também diante dos homens. Com
eles enviámos também o nosso irmão…”. Trata-se, pois, da transparência na gestão
de tal modo que nem sequer permita levantar suspeitas. Isto significa que “à mulher
de César não lhe basta ser honesta; é preciso que apareça como tal”.
Encorajados pelas indicações de S. Paulo, que pertencem à palavra inspirada
de Deus, procuraremos exprimir algumas reflexões sobre o significado dos bens da
Igreja e sobre o Conselho Económico Paroquial, ao qual é confiada a gestão dos bens
da comunidade cristã, exercendo assim a corresponsabilidade pastoral.
3. Qual o significado dos bens eclesiásticos?
Na linha da grande reflexão conciliar, o Código de Direito Canónico, que procurou traduzi-la em disciplina concreta, enquadra a sempre delicada relação entre a
Igreja e os bens temporais dentro da missão, deixando claro que eles são somente
instrumentos para a consecução dos fins espirituais da Igreja: a realização do culto
divino, o exercício das obras de apostolado e caridade, especialmente dos mais necessitados, prover ao honesto sustentamento do clero e a quanto se refere à missão
espiritual que Cristo lhe confiou.
Portanto, a própria constituição da Igreja, ao mesmo tempo comunhão espiritual e comunidade visível, institucional e jurisdicionalmente organizada, justifica a
existência dos bens eclesiais, identifica e precisa a sua natureza, delimita com rigor
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as finalidades: são um meio e só um meio para a Igreja realizar a própria missão
espiritual, evangelizadora.
Não é, certamente, conforme à natureza da Igreja uma busca do dinheiro e dos
meios materiais como fim em si mesmo, uma procura finalizada à acumulação ou
ao uso indiscriminado. Isto vale para cada comunidade. Não se trata de aumentar
sem medida as possibilidades concretas de uma paróquia, seja em relação aos meios
financeiros, seja em relação às estruturas. Se uma comunidade tem meios em abundância, deve pensar – depois de ter provido às próprias necessidades – numa equitativa partilha de recursos com paróquias menos avantajadas.
O Evangelho condena sem meios termos uma acumulação de bens como fim em
si mesmo e uma subjugação ao “mamona iniquitatis”; o dinheiro não é um ídolo a
adorar e o afecto desordenado ao dinheiro é rotulado como demoníaco. Ao contrário,
o dinheiro usado responsavelmente e em medida equitativa ao serviço da missão da
Igreja torna-se facto positivo e necessário. É preciso, pois, estar animados por uma
atenta vigilância e uma sábia prudência, nunca perdendo de vista a radicalidade
evangélica: “Bem aventurados os pobres de espírito (que o são no seu íntimo) porque deles é o Reino dos Céus”. Todavia devemos recordar que é parte da pobreza
da Igreja o saber fazer um bom uso, correcto, transparente, responsável e solidário
dos recursos que lhe são confiados e, por conseguinte, de uma gestão inteligente,
racional e honesta dos mesmos.
O tomar consciência do justo fundamento do direito da Igreja a possuir e utilizar
bens materiais, económicos e financeiros, e as suas finalidades, pode fazer resplandecer
melhor o verdadeiro rosto da Igreja e chamar os fiéis a partilhar os bens, inspirando-se no
ideal evangélico incarnado pela comunidade apostólica primitiva (Cf. Act 2, 44-45).
3.1. Natureza do Conselho para os Assuntos Económicos
O C.A.E. situa-se dentro da realidade da Igreja mistério de comunhão na qual se
insere também a perspectiva da valorização do contributo dos fiéis leigos.
Por isso, a constituição e o funcionamento efectivo do CAE constitui um sinal da
vontade de acolhimento da comunhão na vida concreta de cada paróquia.
De facto, os fiéis não são chamados só a partilhar os bens necessários para a
missão da Igreja, mas também à sua cuidadosa e transparente administração através
da participação directa nos órgãos colegiais indicados pela normativa canónica. O
C.A.E. é um desses organismos, obrigatório pelo direito.
Lembro que ele se constitui incluindo representantes das comissões administrativas das várias igrejas ou capelas da paróquia.
3.2. Características
Se é esta a natureza do Conselho, quais as características?
Recordo sobretudo três: participação corresponsável, transparência e sentido
eclesial, a observar com rigor.
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Todos nos damos conta de que a Igreja, no seu conjunto, se torna credível quando cada fiel participa corresponsavelmente e quando a administração dos bens é
transparente e correcta. Esta transparência obtém-se graças também ao contributo
profissional e competente dos leigos. É claro que a capacidade técnica e eficiente se
deve conjugar com um forte sentido eclesial porque está ao serviço de uma comunidade paroquial, integrada numa diocese, e não de um empresa privada. Tudo isto
exige pois:
- contabilidade organizada como pressuposto para uma gestão racional e transparente;
- apresentação de contas à paróquia e à diocese: a responsabilidade de prestar
contas de bens que não são nossos, mas apenas confiados à nossa administração;
- partilha com a diocese: a paróquia não é uma ilha isolada e autónoma. É parte
de um todo, uma célula da Igreja local, um membro do corpo que é a Igreja diocesana. Cada membro deve contribuir para o bem do corpo. Entre a diocese e as
paróquias existe uma circulação recíproca de vida, de serviços e de bens espirituais
e materiais. É urgente uma educação das comunidades para o sentido eclesial da
partilha de bens com a diocese. E os primeiros promotores desta educação devem
ser os párocos ajudando a ultrapassar uma determinada visão da paróquia – que se
vai difundindo, mesmo entre alguns padres – como se fosse propriedade privada,
“propriedade nossa”, sem qualquer responsabilidade, isto é, sem deveres para com a
Igreja diocesana. Se as paróquias não contribuem agora para o bem da diocese, estão
a hipotecar o funcionamento normal e o futuro da própria diocese.
3.3 Tarefas e bom funcionamento
Daqui deriva o empenho dos membros do Conselho para os assuntos económicos a viver, por dentro, a vida da comunidade e a saber interpretá-la no âmbito dum
território preciso e de uma história particular da paróquia, da igreja diocesana e da
igreja universal.
Requer uma relação de comunhão com o pároco que, de facto, é o representante
jurídico da paróquia e, através dele, com os organismos diocesanos responsáveis
pela vigilância solícita dos bens eclesiásticos da diocese.
Neste quadro, o Conselho é chamado a desempenhar uma função consultiva em
ordem ao cumprimento de todas as obrigações, a que, pelo direito canónico ou pela
norma civil, a paróquia está obrigada - e sobre cujo cumprimento o Bispo também é
responsável com a sua atenção vigilante e o seu estímulo -, tais como:
- passagem obrigatória do sistema beneficial ao fundo paroquial;
- os ofertórios consignados, de nível diocesano, nacional e universal, devem ser
entregues na cúria, atempadamente. É uma questão de justiça que onera gravemente
a consciência!
- a entrega do contributo de cada comunidade para a igreja diocesana (3% da
receita bruta);
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- o registo de propriedade dos bens imóveis;
- a inventariação dos bens móveis e imóveis e sua conservação e preservação;
- cuidar do património documental: trata-se de guardar e salvaguardar a memória
das comunidades e das pessoas (vg. Assentos, extractos, o risco de que se percam
os livros…).
Quero lembrar aqui a obrigatoriedade moral e jurídica que impende sobre os párocos de procederem ao assento de registo dos baptismos e dos casamentos (e a comunicação atempada destes ao registo civil). É uma questão de respeito e de justiça
para com os direitos dos fiéis. Uma omissão deste género lesa gravemente os fiéis!
Gostaria de sublinhar ainda que um bom funcionamento do Conselho não pode
depender exclusivamente dos mecanismos institucionais, mas exige por parte de
todos os membros uma consciência profunda de comunhão eclesial, um estilo de comunicação fraterna e a convergência comum no projecto pastoral. Se uma boa presidência requer do pároco a disponibilidade à escuta, a delicadeza no discernimento,
a paciência na relação, todavia na base tem de estar a solicitude pelo bem comum da
igreja que requer em todos a aptidão para o diálogo, a argumentação das propostas, a
familiaridade com o Evangelho e com a doutrina e a disciplina da Igreja.
Para o bom funcionamento dos conselhos económicos promoveremos uma acção
de formação para os seus membros, ao nível de cada vigararia. A Administração
diocesana e o Centro de Formação e Cultura cuidarão de apresentar propostas, a seu
devido tempo.
4. No âmbito da Nova Concordata:
conversão de mentalidade e de actuação
A nova Concordata apoia-se em dois princípios que favorecem uma correcta relação entre a comunidade eclesial e a comunidade política: independência e autonomia, cada uma no seu próprio campo; e colaboração recíproca ao serviço do homem
e para bem comum do país.
A Igreja, naturalmente, deve poder gozar daquela liberdade que lhe deu o Senhor
Jesus para caminhar segura e livre na história, de modo a realizar a sua missão de
evangelização e de comunhão.
O novo sistema concordatário introduziu alguns elementos novos no regime fiscal
que vão exigir de nós e das comunidades uma mudança e mesmo uma conversão de
mentalidade e de actuação. Uma das novidades é que os sacerdotes passam a estar sujeitos ao IRS pelo que recebem no exercício do seu múnus pastoral. Qualquer que seja
a modalidade de o fazer (retenção na fonte ou declaração posterior dos rendimentos),
requer que se organize a contabilidade pessoal e a contabilidade da paróquia.
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As obrigações fiscais relativas ao IRS são pessoais, fazem parte dos deveres
sociais perante o Estado e a sociedade. É uma responsabilidade pessoal. Somos
chamados a ser cidadãos conscientes, responsáveis e honestos neste campo. Mas
há também responsabilidades institucionais relativas a alguns impostos dos quais a
Igreja não está isenta.
As mudanças custam sempre; são porventura dolorosas. Procuremos enfrentar
esta mudança com seriedade e serenidade. Não é drama nem tragédia. Esta reforma
traz consigo a potencialidade de mostrar a imagem do sacerdote como homem livre
e sem privilégios, com dedicação desinteressada à sua missão espiritual e pastoral.
Poderá também exigir algo mais às comunidades. Será ocasião para apelar aos
fiéis a amar os seus sacerdotes, a colaborar com eles e a apoiá-los com o contributo
económico, lembrados das palavras de S. Paulo: “Os que anunciam o Evangelho,
vivam do Evangelho” (1 Cor 9, 14).
A ajuda económica aos sacerdotes é um investimento que gera outros recursos:
eles estão na primeira linha na acção pastoral e em muitas iniciativas de assistência
e caridade e, por isso, pô-los em condições de trabalhar melhor significa promover
todas as outras realidades eclesiais e actividades ao serviço dos irmãos mais necessitados.
Enfrentemos esta nova situação com confiança e responsabilidade, como um
desafio e uma “chance” para uma maior e mais solidária comunhão entre nós padres,
em presbitério, e nas nossas comunidades. Também este aspecto é uma manifestação
da ternura de Deus que somos chamados a testemunhar neste ano pastoral!
Assembleia do Clero, 23 de Outubro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Homilia de Final do Ano
“Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos Céus nos
abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo” (Ef 1,3).
No final de um ano, este hino do Apóstolo tem ressonância particular no nosso
coração. Por isso nos encontramos aqui reunidos, nesta noite, para elevar um hino de
acção de graças a Deus, Senhor do tempo e da história, pelos numerosos benefícios
concedidos a cada um, às nossas famílias, à Igreja e à humanidade.
Ao terminar o ano de 2007 e na vigília de 2008 é nosso dever, nossa alegria e
nossa salvação louvar e agradecer Aquele que nos acompanha no tempo sem nunca
nos abandonar e que vela sempre sobre a humanidade com a fidelidade do Seu amor
terno e misericordioso.
Neste espírito somos convidados a percorrer o ano que hoje finda, a revisitar
muitos dons já recebidos da bondade do Senhor e a enfrentar com esperança o ano
que agora se abre diante de nós.
No recolhimento e no silêncio da meditação pessoal, cada um de nós poderá
encontrar motivos particulares para dar graças a Deus e recordar as ressonâncias
suscitadas no nosso coração pelas maravilhas que Deus realizou, ao longo do ano,
em nosso favor.
Neste contexto desejaria fazer-me porta-voz da memória colectiva da Igreja, para
elevar ao céu a nossa comum acção de graças por alguns dons mais significativos
para a Igreja diocesana, nacional e universal. Evoco-os brevemente.
1. Antes de mais quero recordar a comemoração dos 90 anos das Aparições de
Nossa Senhora em Fátima. Foi uma ocasião para revisitar e aprofundar a actualidade
e a beleza da Mensagem profética de misericórdia, consolação e esperança que a
Senhora trouxe do céu à Igreja e à humanidade numa das horas mais dramáticas da
sua história.
Fizemo-lo através de uma série de iniciativas como três congressos de alto nível
teológico-pastoral, algumas exposições artísticas e a inauguração da nova igreja
dedicada à Santíssima Trindade. A nova igreja deu corpo visível a uma dimensão
essencial da Mensagem. É um hino à Santíssima Trindade. Torna-se um convite e
uma ajuda a erguer o olhar e o coração para contemplar o Rosto Trinitário de Deus,
como um abismo de Beleza – a Beleza do amor que salva – tal como foi dado a
contemplar aos pastorinhos.
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Confiemo-nos à Esperança que não desilude
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Representa também o novo desafio à espiritualidade e à pastoral de Fátima hoje,
quando assistimos a um eclipse cultural de Deus e à erosão da fé em muitos cristãos.
Fátima é chamada a ser um “lugar místico” e mistagógico onde resplandeça a beleza
do Rosto Trinitário de Deus; um lugar onde se desperte a dimensão contemplativa e
mística da fé para lhe dar calor e alegria; onde se anuncie o permanente advento de
Deus à história dos homens como início e fundamento de uma esperança capaz de
mudar o mundo e a vida.
2. Em relação ao caminho da diocese de Leiria-Fátima desejava deter-me brevemente sobre o programa pastoral diocesano que este ano dedica a sua atenção ao acolhimento e à vocação, escolhendo como tema: “Testemunhas da Ternura de Deus”.
Com este título, eu próprio escrevi uma carta pastoral onde convido a contemplar as
entranhas da ternura de Deus revelada em Cristo para tornar este nosso mundo mais
terno e fraterno. “Sem ternura não há vida, não há beleza, não há felicidade!”. Daí
deriva a pastoral do acolhimento como elemento constitutivo da Igreja que revela o
coração de Cristo cheio de ternura, misericórdia e esperança. O acolhimento deve
configurar o rosto da Igreja acolhedora, dialogante e calorosa, mais interessada nas
pessoas do que nas estruturas; deve dar uma alma e um pouco de coração, de afecto
e calor humano às relações e à vida de cada comunidade.
A ternura de Deus é como uma chama que ama e chama. Aquele que a acolhe,
sente-se chamado a testemunhá-la e servi-la nos outros. Nela encontra o seu “humus”, a pastoral vocacional.
Alegro-me porque o programa da diocese está a caminhar positivamente através
de uma acção apostólica capilar. Disso são um sinal as vigílias vocacionais com
grande participação de adolescentes e jovens.
Que o Senhor nos conceda que este esforço comum conduza a uma renovação
das comunidades e a um florescimento de muitas e boas vocações ao matrimónio
cristão, ao sacerdócio e à vida consagrada.
3. A nível da Igreja em Portugal quero referir a visita “ad limina” que os bispos
realizaram ao Santo Padre e à Sé Apostólica. Foi um momento importante da expressão da nossa comunhão e do nosso afecto com o Sucessor de Pedro, o Papa Bento
XVI, que preside à comunhão da Igreja universal. E foi, também, um momento de
balanço e de verificação da vida cristã e eclesial das nossas dioceses.
Particularmente significativo foi o discurso do Santo Padre aos bispos e, através
deles à Igreja em Portugal. Evoco, em síntese, os pontos deste discurso, por vezes
tão mal interpretado pela comunicação social.
Em primeiro lugar, o Papa convida a Igreja a olhar-se à luz do mistério de Deus
que se revela e comunica a nós em Cristo. Como quem diz: a Igreja vive de Cristo e
com Cristo; vive do “fogo” de Cristo que a ilumina, purifica e lhe dá o calor do amor
e da comunhão.
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Em seguida, à luz da Igreja mistério de comunhão, afirma: “a palavra de ordem
era e é construir caminhos de comunhão. É preciso mudar o estilo de organização da
comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma
Igreja ao ritmo do concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do
clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde quando fomos baptizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos corresponsáveis pelo
crescimento da Igreja”. É um chamamento à corresponsabilidade de todos na vida da
Igreja e a um maior afecto e sentido de pertença à Igreja de Jesus.
Depois, voltando-se para a missão da Igreja, chama ao essencial desta missão:
“a Igreja não deve falar primariamente de si mesma, mas de Deus”. E lembra que a
evangelização hoje depende do encontro vivo com Jesus Cristo vivo. Neste sentido,
convida a rever os percursos de iniciação à fé para que alcancem este objectivo.
E por fim refere-se, de um modo muito belo, a Fátima “como escola de fé com
a Virgem Maria por Mestra; lá ela ergueu a sua cátedra para ensinar aos pequenos
videntes e às multidões as verdades eternas e a arte de orar, crer e amar”.
O discurso do Papa é um apelo forte à revitalização da fé à qual falta alegria e
entusiasmo; à renovação das comunidades vencidas pelo cansaço e pela rotina; a um
novo vigor missionário da nossa Igreja. Sim,“se não estivermos entusiasmados pela
beleza e profundidade da nossa fé, não podemos verdadeiramente transmiti-la nem
aos vizinhos, nem aos filhos, nem às gerações futuras” (Cardeal Lehmann).
O futuro do cristianismo repousa sobre a força da Palavra de Deus e da comunhão e sobre a alegria e o entusiasmo dos cristãos.
4. Alargando o nosso olhar à Igreja universal, quero recordar a recente encíclica
“Salvos na Esperança”, como um dom de Bento XVI à Igreja e à humanidade. É um
verdadeiro hino à Esperança.
Perante os cenários do tempo em que vivemos, marcados pela insegurança económica e social, pela angústia do terrorismo e da guerra, pela incerteza do futuro,
pelo vazio interior dos grandes ideais e valores e pela perda do sentido para vida e
a história, o Papa convida-nos a redescobrir a beleza e a profundidade da esperança
cristã.
A esperança cristã é única no seu género porque está fundada sobre a fé em
Deus-Amor, Pai misericordioso, que “amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho
unigénito”, para que os homens tenham vida e vida em abundância, já agora e depois
em plenitude na eternidade. É este amor que nos faz renascer para uma esperança
viva. “Um amor humano, só por si não resolve o problema da vida. É um amor que
permanece frágil; pode ser destruído pela morte. O ser humano tem necessidade do
amor incondicional” até ao fim e para além da morte. A esperança é a confiança neste
Amor mais poderoso que o mal, mais forte que a morte.
A esperança em Deus que não desilude, dá-nos a força para viver o presente com
paixão e abrir-nos com confiança ao futuro e dá-nos a ousadia para abrir caminhos
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novos para um mundo novo. Só quando há uma grande esperança em nós, é que
podemos dar sentido à vida, resistir às provações, amar para além de toda a medida
e de todo o cansaço. Confiemo-nos pois à Esperança que não desilude!
5. Numa perspectiva ecuménica, faço uma referência muito breve à “peregrinação de confiança sobre a terra” de 40.000 jovens cristãos de várias confissões, em
Genebra, convocados pela comunidade de Taizé. É um sinal de esperança para o
ecumenismo e para a Europa. É um encontro “simbólico” que nos permite escutar o
palpitar da Europa na sua juventude, vinda de 50 países europeus, e que se propõem
lançar um dinamismo criador de paz, confiança e reconciliação, nos lugares da sua
vida e com todas as gerações.
Enquanto nos despedimos do ano que se concluiu e estamos prestes a entrar no
ano novo, o nosso pensamento volta-se para Maria, Mãe de Deus, cuja solenidade celebramos amanhã. Peçamos-lhe que interceda por nós. Que a sua protecção
materna nos acompanhe hoje e sempre para que Cristo nos confirme na verdadeira
esperança, como reza o Te Deum que vamos cantar:
“Em Vós espero, meu Deus;
Não serei confundido eternamente”! Ámen!
Santuário de Fátima, 31 de Dezembro de 2007
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. diversos .
Comunicado
Sob a presidência do Bispo D. António Marto reuniu-se, na manhã do dia 20 de
Outubro, no Seminário Diocesano, o Conselho Pastoral da Diocese de Leiria-Fátima, tendo como ponto principal da sua ordem de trabalhos “Perspectivas do ano
pastoral: apresentação pelos conselheiros de propostas para melhorar o acolhimento
e a pastoral vocacional.”
Aos conselheiros presentes, D. António Marto, apresentou a sua Carta Pastoral
“Testemunhas da Ternura de Deus”, salientando a espiritualidade e as sugestões de
actividades concretas aí presentes.
Seguidamente, convidados a apresentarem propostas para melhorar o acolhimento e a pastoral vocacional, os conselheiros destacaram que, se deverá, nomeadamente, investir nas pessoas, na sua formação. Pareceu ainda importante para os conselheiros cuidar da transmissão de informação, ou seja, dever-se-á arranjar estratégias
para fazer com que todas as informações cheguem a todos. Neste ponto D. António
Marto solicitou, ainda, que o Conselho Pastoral se pronunciasse sobre possíveis
formas de envolver os adolescentes e os jovens nos acontecimentos da Diocese. Na
opinião dos conselheiros a participação dos jovens e adolescentes terá passar pela
sua motivação, sendo a catequese o momento privilegiado para o fazer.
Finalmente, o Conselho expressou a sua congratulação pelo testemunho evangélico, beleza e dignidade manifestados nas celebrações dos 90 anos das aparições
marianas em Fátima, enaltecendo o trabalho de todas as pessoas que estiveram envolvidas para que tal evento atingisse tão grande êxito.
20 de Outubro de 2007
O Secretariado Permanente
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Conselho Pastoral Diocesano
. diversos .
Comunicado
Conselho Presbiteral Diocesano
O Conselho Presbiteral da diocese de Leiria-Fátima, sob a presidência de D.
António Marto, reuniu-se na manhã do dia 30 de Outubro, no Seminário Diocesano,
para a avaliar a primeira década da entrada em vigor do Regulamento da administração de bens da diocese de Leiria-Fátima e dar início ao seu processo de revisão.
Depois do canto dos salmos, os Conselheiros avaliaram o impacto e o percurso
deste «instrumento de partilha e de comunhão de bens» da Igreja Diocesana, não
deixando de salientar o esforço de muitos na sua implementação e a necessidade de
todos aprofundarmos os seus pressupostos teológicos e espirituais, fruto da renovação conciliar. Estes princípios são imprescindíveis para a mudança de mentalidade
que o Regulamento exige, como no-lo recordava a intervenção de D. António Marto,
na Assembleia do Clero do dia 23 do corrente.
Depois do intervalo, a reflexão centrou-se no Estatuto Económico do Clero, parte
integrante do mesmo Regulamento, e no que ele significou de novidade, seguindo
as orientações conciliares (PO 20). Estas determinaram a substituição do sistema
beneficial por um fundo comum, que ao nível diocesano, quer ao nível paroquial.
Deste modo se acompanhava o evoluir dos tempos, dando mais transparência à administração dos bens da Igreja, e se criavam melhores condições para a prática da
caridade e da justiça.
Por último, foram recolhidas sugestões dos Conselheiros para melhorar o articulado do Regulamento, e o Sr. Bispo informou que iria nomear a Comissão para
conduzir a sua revisão.
30 de Outubro de 2007
O Secretariado
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. diversos .
Ano Pastoral 2007-2008
Objectivo 1 – Cultivar a espiritualidade do acolhimento
- Viver a oração e as celebrações litúrgicas como fonte da espiritualidade do acolhimento, deixando-se acolher por Deus.
- Promover um Retiro popular durante a Quaresma, mediante a leitura familiar e
orante da palavra de Deus (lectio divina).
Objectivo 2 – Promover a presença de proximidade na paróquia
- Cuidar do atendimento a cada pessoa, com dádiva do próprio tempo, em atitude
de diálogo inteligente e paciente.
- Criar e valorizar o ministério do acolhimento nas comunidades.
- Dar vida a pequenos grupos e comunidades, onde se pratiquem a escuta, a partilha
e a oração.
- Aproveitar ou criar o “dia da comunidade paroquial”.
- Cuidar da preparação e celebração dos sacramentos, especialmente do baptismo,
matrimónio, e reconciliação, e valorizar a liturgia dos funerais.
Objectivo 3 – Proporcionar acolhimento especial nas situações de fragilidade
- Particular atenção e apoio às crianças portadoras de deficiência, na catequese e
noutras actividades.
- Constituir em Fátima um grupo multidisciplinar de acolhimento e ajuda a pessoas
com problemas ou perturbações de ordem psíquico-espiritual.
- Organizar um seminário sobre perturbações de ordem psíquico-espiritual, com
reflexão e partilha no campo da ajuda a prestar.
- Apoiar a convivência com imigrantes e estrangeiros e colaborar da sua integração.
- Promover a oração em família e apoiar as famílias em situações difíceis.
Objectivo 4 – Imprimir um novo ardor à pastoral vocacional.
- Dar continuidade à “grande oração pelas vocações”, sobretudo com uma vigília
em cada vigararia, para adolescentes e jovens, presidida, se possível pelo Bispo
da Diocese.
- Editar e distribuir uma estampa com a oração a Maria, Mãe da Ternura.
- Promover a “Quinta-feira vocacional”, em cada comunidade.
- Manter a funcionar o grupo vocacional S. Agostinho e incrementar o pré-seminário.
- Integrar um retiro ou um encontro vocacional na preparação para o crisma.
- Criar ou reorganizar o grupo de animadores vocacionais nas vigararias.
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Documentos
Objectivos e principais acções do ano
. diversos .
Ano Pastoral 2007-2008
Pistas para a reflexão da Carta Pastoral
Foi distribuído com a Carta Pastoral um folheto com questões e propostas para
ajudar à sua compreensão, em leitura e reflexão, pessoal ou em grupo:
Capítulo 1: Uma paragem em Elim.
1. Que caminhada fez a nossa paróquia, comunidade ou grupo nos dois primeiros
anos do projecto pastoral dedicados ao acolhimento e à vocação cristã?
2. Temos tempos de pausa para avaliar o caminho feito e projectar o futuro?
Capítulo 2: Um mundo inóspito que invoca ternura.
1. Enquanto cristãos, individual ou comunitariamente, somos coerentes com a nossa identidade ou deixamo-nos seduzir pelo meio envolvente?
2. No contexto em que nos encontramos, qual a imagem de Deus e da Igreja que
deixamos transparecer?
Capítulo 3: O Evangelho da Ternura.
3.1. Deus é o primeiro a acolher-nos
1. No que somos e fazemos, temos consciência de que Deus tem sempre a iniciativa?
2. Em que momentos e sinais concretos se manifestou, na nossa vida e na vida da
comunidade, a ternura de Deus que ama sempre primeiro?
3.2. Chamados a acolher Deus e os seus dons
1. Temos como prioridade da nossa vida a busca permanente de Deus?
2. Qual a importância que damos quotidianamente à escuta da Palavra, às celebrações da Fé e à oração, enquanto espaços de acolhimento de Deus?
3.3. O acolhimento fraterno
1. Que espaços e tempos dedicamos ao acolhimento dos que estão mais afastados e
aos que estão fora das nossas comunidades cristãs?
2. Qual o lugar dos «últimos» (pobres, doentes, portadores de deficiência...) nas
nossas comunidades?
Capítulo 4: A Igreja, “casa e escola” do Acolhimento
1. O que já se faz nas nossas comunidades para viver uma espiritualidade do acolhimento e da comunhão? E para criar proximidade com as pessoas, nas suas
situações concretas? Que outras acções se podem implementar?
2. O que podemos fazer para manter acesa a chama da vocação no coração e na
nossa comunidade?
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Vida Eclesial
. destaque . notícias . Santuário de Fátima .
. serviços e movimentos . entrevistas .
. destaque .
Nova Cúria Diocesana
Mudanças de fundo nos serviços
“Muito diálogo com todos os envolvidos, consulta aos colaboradores mais próximos e oração insistente para que o Espírito Santo ilumine as nossas decisões”. Assim
se referia D. António Marto aos passos que levaram à reestruturação dos serviços
pastorais, dada a conhecer a 13 de Julho, dia da dedicação da catedral de Leiria. É
a mudança mais radical dos últimos anos, na diocese, com 29 nomeações directas
e um organigrama totalmente reformulado para “agilizar e tornar mais eficazes as
estruturas ao serviço da evangelização, através de uma coordenação dos diversos
sectores da actividade eclesial, por afinidades”.
Nova Cúria
A reformulação da Cúria procurou “pôr ordem e coordenar os vários serviços
pastorais que foram surgindo, sobretudo após o Vaticano II, em resposta a necessidades imediatas”, e “corresponde a um plano estudado por uma equipa, dialogado
com os responsáveis dos vários sectores da pastoral e aprovado pelo Conselho
Presbiteral”, No entanto, adiantou D. António, “é uma estrutura flexível e adaptável
conforme for sendo testada a sua aplicação”. Para já, pretende-se uma clarificação
em torno de vários departamentos, que congregam os serviços com maior afinidade,
tudo na busca de uma resposta mais eficaz às exigências pastorais nos vários âmbitos
da acção.
Dentro da situação que foi conhecendo neste seu primeiro ano em Leiria, o Bispo
diocesano resolveu dar prioridade à reorganização da pastoral social e, sobretudo, à
animação vocacional: “Sendo uma área considerada prioritária, para o próximo ano
pastoral, a animação vocacional mereceu-nos especial atenção, com várias equipas
organizadas em torno do novo Departamento das Vocações Cristãs e a nomeação de
um padre especificamente para o pré-seminário”.
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Vida Eclesial
Por Luís Miguel Ferraz
. destaque .
As adequações possíveis
As nomeações para os vários serviços e, sobretudo, para algumas paróquias,
como explicou D. António, não puderam trazer de imediato uma adequação suficiente das disponibilidades às necessidades de cada comunidade. Só um estudo mais
longo o permitiria, com uma reorganização territorial e uma redistribuição ainda
mais ampla do clero. Mesmo assim, procedeu-se da melhor forma, tendo também em
consideração os pedidos de mudança feitos por alguns párocos, no respeito de idades
avançadas, e segundo critérios objectivos, prioritários.
Em conclusão, o prelado assume ter havido “dificuldades e imprevistos” normais
num processo deste tipo, que considera “tarefa árdua e de algum modo ingrata” da
sua missão episcopal, pois “nem sempre é possível realizar as expectativas de todos
– Bispo, padres e comunidades”. Mas está convicto de que “após um trabalho intenso de diálogo, escuta e oração, se conseguiu um consenso nas decisões tomadas,
garantindo a harmonia colegial e uma resposta pacífica às necessidades”.
Uma nova pastoral?
Uma situação a rever talvez já no próximo ano, é o número das celebrações
eucarísticas dominicais, que exige se estabeleçam critérios num novo contexto pastoral. Interpelado sobre a possibilidade de os padres poderem continuar a responder
a todas as solicitações, D. António, reconhecendo que ainda se vão satisfazendo as
necessidades básicas, advertiu que não será assim, nos próximos anos. Impõe-se a
adopção de um novo estilo de pastoral, em economia de recursos, maior valorização
da vocação laical nas paróquias e nos serviços, e corrigindo pouco a pouco a mentalidade do ‘padre faz-tudo’ e da ‘Igreja supermercado’ onde se pretende encontrar,
com rapidez, tudo o que se procura.
A escassez de sacerdotes, foi tema da sua homilia na festa da Dedicação da catedral (ver secção “Documentos”) e a crise de vocações em geral, desafio e estímulo
para a acção dos próximos anos, foi o pano de fundo para a apresentação das mais
recentes decisões pastorais.
A mudança em perspectiva, que se vai operando em todo o País e na generalidade
das Igrejas ocidentais, tocará as próprias mentalidades. A nova pastoral centrar-se-á
nas necessidades espirituais essenciais com optimização dos recursos. Os padres
reagrupar-se-ão em equipas ágeis e multidisciplinares e os leigos serão mais integrados na responsabilidade e animação das comunidades. Entretanto, rumando já nessa
direcção, é necessário garantir o acompanhamento das comunidades e dinamizar os
vários sectores da vida eclesial.
Primeira reunião da nova Cúria
“Comunhão” e “colaboração” foram as palavras mais usadas por D. António
Marto, no encontro com os membros das várias equipas dos organismos pastorais e
administrativos, que assistem o Bispo, de forma mais directa, no governo da Igreja
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LMF
diocesana. “Para que a pastoral da Igreja não seja uma burocracia sem alma, é fundamental a comunhão vital dos seus agentes entre si e com o Bispo, pelo amor de
Cristo”, frisou.
No encontro, que decorreu no passado dia 10 de Setembro, no Seminário, tomaram parte meia centena de pessoas, desde os directores dos departamentos, serviços
e comissões da Cúria, a alguns funcionários e voluntários que dão colaboração de
forma mais regular. A todos o Bispo diocesano quis agradecer a colaboração já
prestada e a disponibilidade para continuarem em espírito de colaboração e serviço,
salientando que “este trabalho só será eficaz e com sentido se cada um souber que faz
parte de um todo e não está sozinho no seu serviço específico, mas coordenado com
a acção eclesial de conjunto, cujo primeiro servidor e responsável é o Bispo”.
Citando as disposições do Directório dos Bispos, D. António lembrou que “a
Cúria é composta por pessoas e, portanto, precisa de organização e estrutura, mas
a salvação das almas, isto é, o serviço ao bem comum do Povo de Deus, deverá
estar sempre acima das estruturas”. Para tal, “procurámos uma organização leve e
funcional, que não se perca em burocracia, e com economia de recursos e energias,
dado que a diocese não é rica e precisa de uma gestão muito equilibrada de recursos
para poder subsistir”. O fundamental, lembrou ainda, é que “entre todos reine um
espírito de comunhão e de serviço solidário, em ligação a Cristo e alimentado pelo
Seu amor”.
No final, cada um dos presentes fez o seu compromisso solene de cumprir as
respectivas tarefas “em comunhão com a Igreja Católica, com diligência, competência e fidelidade, segundo as normas do direito canónico e as orientações do Bispo
diocesano, colaborando lealmente com os outros servidores e organismos da Igreja
Diocesana, como membro do mesmo e único Corpo de Cristo”.
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Vida Eclesial
. destaque .
Falecimento
Padre Manuel Duarte Alexandre
Aos quase 92 anos de idade, o padre Manuel Duarte Alexandre faleceu
no dia 4 de Dezembro, no Hospital de
Santo André, em Leiria. O seu funeral realizou-se no dia 5, na igreja de
Monte Real, e os seus restos mortais
repousam no cemitério local.
Filho de Jacinto Duarte Alexandre
e de Joaquina Duarte André, nasceu
em Monte Real, a 14 de Dezembro
de 1915. Frequentou o Seminário de
Leiria e foi ordenado sacerdote em 7
de Agosto de 1938, na Sé de Leiria,
pelo bispo D. José Alves Correia da
Silva. Na sua longa actividade sacerdotal, foi coadjutor na paróquia do
Olival, pároco em Urqueira, capelão militar em Angola, onde também exerceu
o ministério pastoral nas dioceses de Luanda e Benguela. Regressado daquele
país, em 1978, foi pároco da Batalha, capelão do Hospital de S. João de Deus
em Montemor-o-Novo e capelão do Mosteiro de Santa Clara em Monte Real.
Entretanto, temporariamente, foi ainda administrador paroquial de Atouguia.
Desde 1997, encontrava-se na situação de emérito, residindo na sua casa em
Fátima, assistido na sua doença pelas irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre.
Que o Senhor o acolha na sua Glória.
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. notícias .
Assembleia Diocesana – início do ano pastoral
O início do ano pastoral é sempre um momento marcante da vida da Diocese.
Reunidos em Assembleia, cerca de 600 responsáveis das comunidades e serviços
– leigos, padres e consagrados – partilham os frutos e as expectativas do seu trabalho, recebem do seu Bispo as orientações para a caminhada e celebram a confiança
em Deus que não falta ao Seu Povo com a abundância dos seus dons. Foi assim, mais
uma vez, no passado 7 de Outubro.
D. António Marto apresentou o lema para 2007/2008, que desenvolvera na sua
mais recente carta pastoral (ver secção documentos): “Testemunhas da Ternura de
Deus”. Convicto de que “este será um ano para transformar em vivência a reflexão já
feita”, e retomando os temas do acolhimento e da vocação que pautaram os últimos
dois anos, primeiro biénio do Projecto Pastoral em curso, D. António explicou que
esta retoma é como que uma pausa “não para descansar, mas para aprofundar estes
importantíssimos aspectos da pastoral da Igreja”.
O primeiro momento do encontro, dedicado à revisão do caminho trilhado desde
2005, começou com uma atenção especial ao “acolhimento dos dons de Deus” e ao
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Vida Eclesial
2007/2008 sob o signo da “ternura”
. notícias .
“acolhimento dos irmãos”, recordando iniciativas das comunidades, instituições e
serviços, na continuidade do trabalho entre mãos ou completamente novas. O mesmo se passou em relação à “descoberta da beleza e da alegria da vocação cristã”,
tema do segundo ano, com uma consciência mais viva de chamados por Deus à
vida e ao amor, por caminhos diversificados de realização, todos coincidentes com o
projecto divino, único, de salvação e felicidade, já sobre a terra e a consumar depois,
plenamente, junto do Pai.
Sobre as premissas do “acolhimento” e da “vocação” D. António assentou a sua
abordagem da “Ternura de Deus” cujo amor de Pai se torna para a Igreja e para cada
cristão “uma chama, que chama e que ama”. Num “mundo de competição, mercantilista, onde faltam as relações pessoais e se perdeu a consciência da gratuidade, do
dom de si mesmo ao outro”, empenhar-se por uma “nova cultura de acolhimento e
de atenção ao próximo e a Deus” não pode ser “como uma operação de charme de
uma empresa que quer cativar clientes, mas como um novo estilo de vida, com uma
espiritualidade e uma pedagogia novas, que testemunhem, de facto, essa ternura com
que Deus nos acolhe, nos ama e nos chama a viver”.
Na Bíblia, “Boa-Nova” da ternura de Deus, “o primeiro a acolher-nos”, e no
ícone mariano, representando Aquela que melhor correspondeu à ternura de Deus, a
Igreja diocesana encontrará as duas referências para ser “casa e escola” onde se hãode concretizar os objectivos e as iniciativas propostos na Carta Pastoral.
Na Eucaristia de encerramento, D. António reforçou o seu apelo em forma de
oração: “Senhor, aumenta em nós a fé, que nos dará a força para fazermos até o que
julgamos impossível”; e apontou como segredo do bom fruto do trabalho pastoral o
reconhecimento humilde de sermos “simples servos do maior e mais poderoso dos
senhores”.
Corporizando o envio de todos às comunidades e ao mundo, a trabalhar na
construção de “uma Igreja viva, que não seja nunca uma burocracia sem alma”, foi
entregue à vigararia de Ourém a lamparina vocacional que, à semelhança do ano
passado, irá passando sucessivamente pelas restantes vigararias, fazendo conjunto
com os outros sinais maiores da Bíblia e do ícone de Nossa Senhora.
Assembleia diocesana em DVD
Foi elaborado um DVD sobre esta Assembleia Diocesana, com várias intervenções, com destaque para a apresentação que o Senhor Bispo fez da sua Carta
Pastoral. A Comunidade Canção Nova produziu um outro, mais curto, com a duração aproximada de 10 minutos, em forma de documentário. Além de imagens da
Assembleia e da celebração eucarística, contém depoimentos de D. António Marto,
do Reitor do Santuário de Fátima e do Vigário Geral, sobre o novo ano pastoral e
seus objectivos. Podem ser adquiridos no Seminário de Leiria.
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. notícias .
Marcelo Cavalcante de Moraes
A diocese de LeiriaFátima tem mais um sacerdote, ordenado por D.
António Marto, no passado dia 21 de Outubro, na
sé de Leiria. Trata-se de
Marcelo Cavalcante de
Moraes, natural de Pindamonhangaba, Brasil,
que veio para a diocese
em 1999, então integrado
na Comunidade Canção
Nova. Depois de uma experiência na paróquia de
Albergaria dos Doze, fez
os estudos filosófico-teológicos no ISET (Instituto
Superior de Estudos Teológicos), em Coimbra.
Com o templo repleto,
D. António Marto expressou a sua alegria e, na
homilia, relacionando o
acontecimento com a liturgia do domingo, lembrou que a oração é ponto-chave da
vida da Igreja e do sacerdote, e incentivou o neo-sacerdote a tornar-se sempre mais
“um homem de Deus”, para poder levar Deus aos homens e os homens até Deus:
“Crê o que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas”. De forma clara, descreveu o
papel do sacerdote na sociedade e recordou a necessidade de cada vez mais se tornar
o dispensador dos mistérios de Deus ao povo sedento e carente da ternura e do amor
de Deus. Apelando a que a verdade seja cada vez mais o distintivo do sacerdote,
elogiou ao mesmo tempo a vida gasta e entregue ao serviço do Reino.
A presença numerosa do presbitério diocesano reforçou a comunhão de todos
expressa na imposição das mãos sobre o jovem sacerdote, em união com o Bispo.
O novo sacerdote está agora a iniciar o seu ministério como Vigário paroquial
em Maceira.
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Vida Eclesial
Novo sacerdote diocesano
. notícias .
Padres Luciano Guerra e Adelino Ferreira
Bodas de ouro sacerdotais
No ano de 1957, há cinquenta anos, na Sé Catedral, D. João Pereira Venâncio,
então Bispo de Leiria, ordenou cinco novos presbíteros: três a 18 de Agosto e dois
a 21 de Setembro. Um deles viria a pedir a dispensa dos compromissos sacerdotais
e do exercício do ministério; dois já faleceram, os Padres Adelino da Silva Nunes e
Filipe Luciano de Oliveira Vieira; estão ainda entre nós os Padres Adelino Rodrigues
Ferreira e Luciano Gomes Paulo Guerra que foram homenageados pelas suas bodas
de ouro sacerdotais no dia 27 de Setembro de 2007.
A basílica do Santuário de Fátima foi pequena para os muitos amigos, parentes
e conhecidos que se juntaram à celebração promovida pela Fraternidade Sacerdotal.
D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, que presidiu à Eucaristia concelebrada
por mais de 50 sacerdotes, referiu o contexto privilegiado dos noventa anos das
aparições de Fátima, do início de um novo pastoral sob o signo da contemplação da
ternura de Deus, e da festa litúrgica do presbítero S. Vicente de Paulo que se dedicou
à formação dos sacerdotes.
Na homilia, D. António falou da grandeza e humildade do sacerdócio. Grandeza
patente na escolha e eleição dos apóstolos, fruto da compaixão de Deus pela humanidade: “O amor terno, paterno e materno de Deus, para com os homens levou-O a
escolher colaboradores que participassem nessa ternura e nessa paternidade de Deus,
à medida do seu coração”. No mundo que “tem fome do pão da verdade, o pão da
vida, o pão do amor, o pão quotidiano”, “A missão do sacerdote é matar essa fome,
sendo servidor da ternura de Deus que ama a humanidade. O sacerdócio não é, pois,
uma mera profissão, mas é fruto da contemplação e da oração que enraíza na ternura e no amor de Deus”. Mas o sacerdócio também é humilde, porque exercido por
homens fracos, pequenos e pecadores: “Deus escolheu o que é fraco, o que é desprezível, o que é louco, aos olhos do mundo para o tornar forte e grande”. Exemplo e
expressão desta grandeza e humildade, S. Vicente de Paulo que, no início, “entendeu
de forma errada a missão do sacerdote, mas, no contacto com os homens, acabou por
descobrir o verdadeiro sentido do ministério”, teve uma vida marcada por aspectos
que constituem “um excelente programa para o homem contemporâneo: a oração, o
humanismo cristão e a fidelidade à Igreja”.
No final da celebração, os jubilados agradeceram a presença, ao longo da vida, de
tantos amigos e companheiros de caminhada. Sobretudo agradeceram a Deus o Seu
chamamento pelo qual se declararam honrados e felizes.
Terminada a celebração, a Fraternidade Sacerdotal ofereceu um almoço de
confraternização aos aniversariantes, a todos os seus familiares e aos sacerdotes
presentes.
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. notícias .
Filho de José Ferreira Júnior e de Emília Ferreira Rodrigues,
nasceu a 1 de Dezembro de 1933, numa parcela da então freguesia de Pousos, actualmente freguesia de Santa Eufémia, concelho
de Leiria. Entrou no Seminário a 14 de Outubro 1946 e recebeu
a ordenação sacerdotal a 18 de Agosto de 1957. Foi nomeado
coadjutor da Freixianda em 2 de Janeiro de 1958, pároco da
Urqueira em 5 de Agosto de 1965 e Director Espiritual do Seminário Médio de Leiria em Outubro de 1967. A 3 de Março de 1971 foi para Lamego,
como secretário do Bispo D. Américo Henriques, e, em 29 de Maio de 1972, obteve
licença para o acompanhar, para a Diocese de Nova-Lisboa, Angola. Em Outubro de
1974, regressado à Diocese e ao Seminário, retoma o cargo de Director Espiritual e
professor. Em 1988 é nomeado Director Diocesano do Apostolado de Oração e responsável da Cruzada Eucarística e da Liga Eucarística. Em 15 de Outubro de 1993
é nomeado pároco dos Parceiros, onde se mantém actualmente, em acumulação com
os outros cargos. A 15 de Março desse ano é confirmado Juiz no Tribunal Eclesiástico e, a 5 de Abril de 1999, reconduzido na mesma função. Foi Ecónomo Diocesano
desde 9 de Junho de 1994 até Março de 2007. Também foi Ecónomo da Casa Diocesana do Clero desde a sua fundação até há poucos anos, e locutor das celebrações
aniversárias do Santuário de Fátima durante cerca de trinta anos.
Luciano Gomes Paulo Guerra
Filho de Joaquim Paulo Guerra e de Maria do Rosário Gomes Louro, nasceu na freguesia de Calvaria, concelho de Porto
de Mós, no dia 31 de Agosto de 1932. Entrou no Seminário de
Leiria a 15 de Outubro de 1943, onde cursou humanidades e
filosofia, e recebeu a ordenação sacerdotal, na Sé de Leiria, a
21 de Setembro de 1957. Continuou os estudos eclesiásticos na
Universidade Gregoriana de Roma, de 1952 a 1958. Licenciado
em filosofia, veio a concluir o curso de Teologia, em Salamanca, no ano de 1959.
De 1959 a 1961 exerceu as funções de Capelão do Santuário de Fátima e Director
da Pia União dos Servitas. Foi Director do Externato Dr. Afonso Lopes Vieira, na
Marinha Grande, de 1961 a 1964. De 1964 a 1968, trabalhou em várias paróquias de
Paris, em França, onde fez o currículo para a Láurea em filosofia, no Instituto Católico. Regressou a Portugal para retomar o cargo de Director do Externato Dr. Afonso
Lopes Vieira, de 1968 a 1973. Desde 13 de Fevereiro de 1973, é reitor do Santuário
de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, onde desempenha também as funções de
Director do Jornal Voz da Fátima e do Boletim Internacional Fátima Luz e Paz. Foi
nomeado Monsenhor/Capelão de Sua Santidade pelo Papa João Paulo II, a 14 de
Fevereiro de 1983, e a dez de Abril de 1988 foi nomeado Cónego da Sé de Leiria.
Desde 25 de Julho de 2001, é membro do Colégio de Consultores.
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Vida Eclesial
Adelino Rodrigues Ferreira
. notícias .
Celebrar a Confirmação de forma solene
A crescente diminuição de nascimentos deve levar a Igreja a reflectir sobre a
necessidade de rever os seus métodos de catequese e mesmo quanto à administração
dos Sacramentos da Iniciação Cristã. D. António Marto manifestou desejo de que
a celebração da Confirmação se inscreva num processo catecumenal estruturado
e integrado no itinerário cristão, e seja verdadeiramente expressão da comunhão
eclesial. Nesse sentido, convidou as vigarias e paróquias a considerarem as vantagens de cooperarem entre si, desde a preparação dos candidatos até ao momento
celebrativo.
Algumas paróquias vizinhas e de dimensões mais pequenas, Barreira, Cortes e
Cruz da Areia, já uniram esforços e partilham os preparativos de uma grande celebração conjunta.
O exercício efectivo da colaboração e entreajuda serão a melhor forma de predispor para a vivência da comunhão e do compromisso eclesial que o Sacramento
do Crisma significa e realiza. Párocos, catequistas, crismandos, as comunidades inteiras, na diversidade dos seus membros, descolando da sua autarcia, sentir-se-ão a
crescer, pois iniciativas como a dos grupos corais de três paróquias que, em ensaios
de conjunto, vão preparando a animação da grande liturgia que se aguarda, não são
apenas simbólicas.
Aniversário da dedicação da Catedral
D. António Marto presidiu, no passado dia 13 de Julho, à Eucaristia que assinalou o aniversário da dedicação da Catedral.
Entre outros membros do presbitério, concelebraram o Vigário Geral, o Presidente do Cabido, e o Pároco da Sé. Participaram também alguns religiosos e cerca de
uma centena de fiéis leigos.
Na sua homília, D. António Marto considerou a data “de grande significado para
toda a comunidade católica da Diocese”, destacou o papel de todos na construção
da única Igreja de Jesus Cristo e referiu-se à Sé de Leiria também como elemento
fundamental da história da região.
Aproveitando ainda a circunstância para salientar a importância da reestruturação da Cúria Diocesana e da renovação de alguns sectores da pastoral, anunciou
algumas nomeações eclesiásticas para as paróquias e outros serviços, de acordo com
as necessidades concretas e dentro dos limites da crise das vocações e da idade avançada de grande número de sacerdotes.
Finalmente, D. António Marto não esqueceu a preocupação de um Seminário
com apenas quatro jovens em Teologia e de, para o ano de 2008, não se vislumbrar
qualquer ordenação sacerdotal. Mesmo assim, deixou a todos uma mensagem de
esperança e o desafio de abraçarem com fé a tarefa de procurar alterar a situação.
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. notícias .
Conselho de Coordenação Pastoral
Instituído na sequência da reestruturação da Cúria Diocesana, o Conselho de
Coordenação Pastoral, composto pelos directores dos diferentes departamentos pastorais, foi convocado D. António Marto para a sua primeira reunião, no passado dia
30 de Julho. Da agenda desatacou a definição dos objectivos e principais acções a
desenvolver ao longo do ano, a preparação da assembleia diocesana e a celebração
da festa de Santo Agostinho, padroeiro da Diocese.
D. António Marto deu a conhecer as linhas gerais da Carta pastoral “Testemunhas
da ternura de Deus”, sobre o acolhimento e a vocação, que tem em preparação e conta divulgar no próximo mês de Setembro. Para dar o tom da caminhada da diocese
durante o ano pastoral, foi escolhida a frase bíblica “saboreai e vede como o Senhor
é bom” (Sl 39,4) e a Bíblia, na qual se encontram os principais testemunhos da ternura de Deus, foi adoptada como símbolo de referência, de algum modo concentrando
já as atenções sobre o próximo Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus.
Quanto à Assembleia Diocesana de 7 de Outubro, o Conselho deu indicações
para o respectivo programa, que incluirá uma retrospectiva dos dois anos do Projecto
Pastoral já cumpridos, a apresentação da nova Carta pastoral, a indicação e especificação dos principais objectivos e acções previstas para o novo ano e a celebração da
Eucaristia. Na parte da manhã, terá lugar o habitual encontro diocesano de catequistas, orientado pelo Departamento da Educação Cristã.
Sobre a festa do padroeiro, S. Agostinho, no dia 28 de Agosto, nada de especial
foi sugerido, para além da celebração da eucaristia a que D. António Marto faz tenção de presidir, na igreja da cidade dedicada ao Santo Padroeiro.
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Vida Eclesial
A Sé de Leiria
Situada perto do castelo de Leiria, a actual Sé começou a ser construída em meados do século XVI, segundo projecto de Afonso Álvares, e foi congregando a cidade
à sua volta. Com a sucessão dos bispos foi recebendo acrescentos e alterações, com
relevo para a da fachada principal, de que restaram apenas os três frontais após os
graves danos causados pelo o terramoto de 1755. O interior é composto por três
naves principais e três capelas. Na capela do Baptistério, na nave lateral esquerda,
encontra-se uma pia baptismal monolítica, e na capela-mor destaca-se o retábulo
com quatro painéis da autoria de Simão Rodrigues. O claustro, por detrás da capela-mor, é constituído por três galerias, em volta do pátio interior, com o tradicional
poço. A sacristia, situada na galeria lateral direita, é decorada com painéis de azulejo
do século XVII e tem no seu interior um fontanário. No exterior, a Sé é antecedida
por um grande adro, com escadaria ondulada, mandado construir por D. Pedro de
Castilho. A sua torre sineira tem a particularidade de se encontrar a algumas dezenas
de metros do corpo principal da igreja, numa das antigas portas do castelo.
. notícias .
Diocese celebra Santo Agostinho
No dia 28 de Agosto, a Diocese celebrou Santo Agostinho, seu co-padroeiro
juntamente com Nossa Senhora de Fátima. Na Igreja da cidade, dedicada ao Santo
Bispo, D. António Marto celebrou a Eucaristia, que foi concelebrada por alguns
sacerdotes e participada por fiéis, religiosos e leigos, entre os quais muitos colaboradores e responsáveis de movimentos e acção apostólica, nomeadamente nos serviços
e concelhos diocesanos.
Santo Agostinho foi declarado padroeiro em 1918, aquando da restauração da
Diocese, certamente recordando que, desde o século XII até ao ano de 1545, ela foi
uma vigararia do Mosteiro de Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra, da
Ordem de Santo Agostinho, e à semelhança das dioceses de Coimbra e de Viseu,
igualmente ligadas a Santa Cruz e colocadas sob a protecção do mesmo patrono. A
pedido de D. João Pereira Venâncio, então Bispo de Leiria, o Papa João XXIII concedeu à Diocese dois padroeiros principais em 13 de Dezembro de 1962: mantendo
Santo Agostinho, acrescentou Nossa Senhora de Fátima.
10º aniversário do órgão da Sé
No passado dia 1 de Setembro, o Grande Órgão da Catedral de Leiria recebeu
em concerto um dos maiores organistas e pedagogos musicais alemães, o Professor
Doutor Bernard Scherers. Assim se deu início ao programa do 10º aniversário do
Grande Órgão da Sé, construído pelo organeiro alemão Georges Heintz e inaugurado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, em 4 de Outubro de 1997. Do
programa constaram obras diversas e características do repertório alemão e francês,
numa organização da Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP), com o apoio
da paróquia da Sé e do Cabido da Catedral.
D. António Marto visitou Santuário de Trani
Convidado pelo Bispo local, D. António Marto deslocou-se ao sul de Itália, nos
dias 15 e 16 de Setembro, para presidir ao 50° aniversário do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Trani. Nas celebrações e nas entrevistas dadas a diversas televisões, D. António pôde salientar a actualidade da mensagem de Fátima e explicar as
razões do interesse que ela suscita e de que se reveste em todo o mundo. Aprofundou
sobretudo os desafios da mensagem de Fátima à cultura contemporânea.
A igreja do Santuário de Trani, a primeira, na Itália, dedicada a Nossa Senhora
de Fátima, tem contado com presenças de Leiria-Fátima em momentos significativos
da sua história: o reitor do Santuário de Fátima, Monsenhor António Borges, esteve
na sua inauguração, em 1957, e a imagem aí venerada foi entregue, em 1961, por
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D. João Pereira Venâncio, Bispo de Leiria, que também consagrou os três altares do
mesmo santuário. O culto a Nossa Senhora de Fátima organiza-se em Trani desde
1942, com uma ligação cada vez mais visível a Fátima, que extravasa do santuário a
toda a região e se manifesta em muitas expressões populares. Não é pois de estranhar
que, no encontro com o presidente do município da cidade, tenha emergido o desejo
de uma futura geminação entre Trani e Fátima.
Aproveitando esta viagem, D. António Marto reuniu-se, no dia 14, com o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, para prepararem a sua
deslocação a Fátima, onde viria presidir às celebrações de encerramento do 90°
Aniversário das Aparições, de 12 a 14 de Outubro, como Legado Pontifício. No
encontro ocorrido no Palácio Apostólico do Vaticano, o Cardeal Bertone falou dos
colóquios que teve com a Irmã Lúcia e do livro que iria publicar em Portugal nessa
ocasião. Os dois prelados reflectiram ainda sobre a irradiação de Fátima no mundo,
atraindo multidões de todos os quadrantes geográficos e culturais.
Ainda durante esta visita, o Bispo de Leiria-Fátima encontrou-se, no dia 15, com
um grupo de artistas que anualmente expõem nesta cidade do sul de Itália. O encontro decorreu no contexto de uma mostra sobre a figura de Maria, óptimo ensejo para
apreciar as obras e dialogar com os seus autores. D. António Marto aproveitou para
sublinhar a importância da expressão estética na dimensão religiosa, valorizou o
facto de uma boa parte das produções cruzarem recursos modernas e clássicos para
transmitirem de forma apelativa conteúdos significativos da beleza cristã. O interesse do Bispo de Leiria-Fátima pela arte insere-se na reflexão que já há algum tempo
vem desenvolvendo sobre uma “teologia da estética”, que acentua a relação entre as
expressões de beleza e a experiência do sagrado.
Encontro diocesano de catequistas
Durante a manhã do domingo, 7 de Outubro, o Encontro Diocesano de Catequistas juntou cerca de 350 participantes, no colégio da Cruz da Areia, sob o tema
“Catequese e Vocação – O papel do catequista na dinâmica do discernimento vocacional”.
Procurava-se responder à pergunta: como poderá o catequista ajudar os catequizandos no seu caminho de descoberta vocacional? – partiu-se do princípio que “a vocação se descobre e vive num quadro de relações fundamentais”: relação com Deus,
que chama; relação do próprio consigo mesmo, que se descobre nos dons de Deus
e aí percebe o que é convidado a ser; relação com os outros, em Igreja e no mundo, onde se compreendem os desafios feitos. Como explicou o director do Serviço
Diocesano de Catequese, padre José Henrique, “em toda esta dinâmica, o catequista
pode e deve ser um mediador, que ajuda o catequizando a conhecer-se, a conhecer a
Deus e a abrir-se ao diálogo com quem já fez o seu caminho vocacional”.
A participação nos 21 ateliers, ou oficinas, foi muito animada, ao nível da oração,
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Vida Eclesial
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do auto-conhecimento e do acompanhamento e diálogo. Ficou o desejo de repetir
este modelo do Encontro, com pequenos espaços de trabalho e partilha, que facilitam
a aproximação e o envolvimento.
Além da forma como decorreu o encontro, registou-se a elevada participação de
cerca de um décimo dos catequistas da diocese.
Grande oração pelas vocações
Dando continuidade à “grande oração pelas vocações” e acolhendo o propósito
do Bispo diocesano de instituir a “quinta-feira vocacional”, o Seminário e o Pré-Seminário passaram a organizar um tempo mensal de vigília e adoração ao Santíssimo
Sacramento. D. António Marto fez questão de presidir ao seu início, no passado 18
de Outubro, na igreja do Seminário.
O objectivo é ajudar a criar uma relação de intimidade pessoal e comunitária com
Deus, que chama porque ama, e a saborear em profundidade a sua presença na vida
de cada qual e na vida daqueles com quem se convive e partilha o dia-a-dia. Esperase que, a partir da oração, nasça um empenho renovado na pastoral das vocações ao
presbiterado, bem como uma maior proximidade entre as comunidades cristãs e o
Seminário, “coração da diocese”.
Assembleia do clero e o estado da Diocese
No passado dia 23 Outubro, cerca de 70 sacerdotes concentraram a sua atenção
na análise da situação actual da Igreja diocesana.
Depois de um espaço de oração, D. António Marto, lembrando o espírito do Concilio Vaticano II, sublinhou a comunhão como fundamento de toda a vida eclesial,
salientou alguns aspectos dessa mesma comunhão à luz do Novo Testamento e da
vida da Igreja Primitiva, e incentivou a uma verdadeira espiritualidade de comunhão, nos vários sectores da vida e do ministério.
Num segundo momento, foram dadas informações detalhadas sobre a situação
económico-financeira da diocese, do Fundo Diocesano Económico e do Fundo Diocesano do Clero.
Por último, teve lugar a assembleia da Casa do Clero, para realização das eleições estatutárias dos novos corpos gerentes. Além do presidente, padre Clemente
Dotti, de nomeação episcopal, a direcção ficou completa com os seguintes membros
eleitos: Vítor José Mira de Jesus, António Lopes de Sousa, Armindo Castelão Ferreira e António Ramos. Para o Conselho Fiscal, foram escolhidos os padres Adelino
Filipe Guarda, Virgílio do Rocio Francisco e Bertolino Vieira.
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Em encontro que teve lugar no pretérito 10 de Novembro, no Seminário de Leiria, os professores de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) dedicaram uma
manhã ao tema “Pensar Deus na Europa”.
Em representação do Bispo diocesano, o Vigário-geral, Padre Jorge Guarda,
abriu os trabalhos e lembrou a urgência de uma nova pedagogia para falar de Deus.
Sempre, e sobretudo em tempo de recusa dos ensinamentos e dos mestres, Deus tem
que ser proclamado de forma humilde e testemunhal, no interior de um relacionamento interpessoal e cordial.
O tema do encontro foi desenvolvido pelo director do Serviço de Ensino da Igreja nas Escolas (SEIE), padre Gonçalo Diniz. Iniciando a sua intervenção com a constatação de uma mentalidade emergente das actuais orientações políticas europeias,
que ofusca o verdadeiro humanismo negando ou relegando para segundo plano as
questões humanas, os princípios e os valores, descreveu o ambiente sócio-cultural
que recusa o discurso religioso e faz crer que a modernidade conduz necessariamente ao declínio e à queda da religião. Chamando a atenção para indicadores de sentido
contrário, salientou a procura crescente, embora não institucionalizada, do transcendente e da espiritualidade, prenúncio de uma modernidade religiosamente plural.
Especificando alguns aspectos da situação em Portugal, onde a Igreja é colocada
sob suspeita, o Director do SEIE apelou ao sentido crítico dos docentes de EMRC
para compreenderem as tentativas permanentes de desautorização do discurso da
Igreja e de esvaziamento da proposta religiosa, mais no campo moral do que doutrinal. Além de um discurso sério e à altura dos desafios, sublinhou, a resposta exige
uma fé madura e pessoalmente assimilada, que garanta opções fortes e grande capacidade de diálogo.
Depois da parte mais expositiva, o encontro foi completado por uma partilha de
ideias, experiências e preocupações, que deu a todos o desejo, transformado pela
equipa do SEIE em proposta, da promoção cíclica de momentos como este.
Vigílias vocacionais vicariais
Na sua carta pastoral “Testemunhas da Ternura de Deus”, D. António Marto pede
uma Vigília Vocacional por vigararia, para “imprimir um novo ardor à pastoral vocacional, levando-a ao coração de cada comunidade cristã para que a sinta e assuma
como elemento constitutivo da experiência de fé viva e como uma responsabilidade
que a todos diz respeito”. Com especial insistência na participação dos adolescentes
e jovens D. António acrescenta: “O próprio símbolo do ano vocacional, a lamparina
a arder e a passar de comunidade em comunidade, é muito significativo também
para este ano: uma chama (ternura de Deus) que ama e chama! Importa manter esta
chama acesa no coração e na pastoral”,.
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Vida Eclesial
Professores de EMRC preocupados com secularização
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Aas vigílias pretendem-se experiência da proximidade e da ternura de Deus,
conforme o convite do salmista: “Saboreai e vede como o Senhor é bom” (Sl 34,9).
Escuta e meditação da Palavra, cânticos, silêncios, interiorização, gestos e símbolos
serão os ingredientes deste tempo de oração, que poderá tocar e sensibilizar para o
chamamento de Deus para uma determinada vocação ou, pelo menos, para um compromisso pessoal mais decisivo com Ele.
Vigararia de Ourém
A primeira destas vigílias realizou-se, a 16 de Novembro, na igreja de Rio de
Couros, para a vigararia de Ourém, presidida por D. António Marto. O templo
encheu-se por completo, com cerca de 800 pessoas, muitas delas adolescentes e
jovens.
Houve tempo para ouvir e meditar a Palavra do Evangelho, proclamar Maria
como ícone da ternura de Deus e para uma resposta de compromisso para com Deus,
cada um, a Igreja e a humanidade. Um só desafio: corresponder ao amor de Deus,
procurando a Sua Vontade e seguindo a vocação a que cada um é chamado.
No final, em jeito de passagem de testemunho, foram entregues os símbolos à
vigararia de Leiria: o ícone de Nossa Senhora da Ternura, a Bíblia e a lamparina da
“grande oração vocacional”.
Vigararia de Leiria
A 30 de Novembro foi a vez da vigararia de Leiria. A Sé revelou-se pequena para
mais de 700 participantes, adolescentes, jovens e adultos. Agradecendo tamanha presença, D. António deixou falar o coração, exclamando: “Como é bela a minha Igreja de
Leiria-Fátima, como é bela a Igreja que Jesus Cristo me confiou como Bispo”.
Depois de uma breve encenação introdutória, com apresentação multimédia e um
bailado, a Palavra de Deus deu entrada solene na celebração e foi lida na narração
evangélica do encontro de Jesus com o jovem rico (Mc 10,17-27). Na homilia, o
Pastor dirigiu-se a todos definindo este jovem como “alguém que traz consigo as
marcas da juventude moderna” que possui tudo, extremamente rica de bens, mas
vive insatisfeita: “A solidão, a falta de amizades verdadeiras, o medo marcam os
jovens de hoje. Que fazer então? Jesus convida cada um a descobrir-se a si mesmo
através dos mandamentos. Depois dessa descoberta, Jesus convida ainda a dar um
salto qualitativo na vida, Ele oferece a sua amizade, Ele oferece o seu amor, Ele
valoriza cada um de nós”. E, terminando, apontou para a insistência do convite de
Jesus “a partilhar a ternura, a juventude, a vida e o amor experimentados”.
De forma amistosa e próxima, o Bispo garantiu aos jovens que cada um deles
tem um lugar especial no coração de Deus e que dessa predilecção divina nasce a vocação a partilhar com os outros, no matrimónio, no ministério sacerdotal ordenado,
na vida religiosa, ou em outras formas de dedicação e entrega. “Todas as vocações
estão ao serviço da ternura de Deus, vivida na experiência pessoal com Deus. O
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jovem do Evangelho saiu triste porque não foi capaz de responder positivamente ao
convite à partilha (tinha muitos bens). Mas muitos saem felizes deste encontro com
Deus, como S. Francisco de Assis”.
A concluir, cada jovem recebeu uma vela iluminada, símbolo da ternura de Deus,
manifestada na sua Palavra e na experiência vivida e partilhada nesta vigília, logo
desde a sua preparação.
Restantes vigararias
As vigílias prosseguirão: Milagres, a 18 de Janeiro; Batalha, a 29 de Fevereiro;
Porto de Mós, a 11 de Abril; Marinha Grande, a 18 de Abril; Monte Real, a 16 de
Maio; e Fátima, a 6 de Junho.
Formação sobre arquivos eclesiásticos
Porque a inventariação, preservação e disponibilização pública dos arquivos
fazem parte das preocupações pastorais da Igreja de Leiria-Fátima, o Departamento
do Património Cultural (DPC) promoveu uma acção de formação sobre o assunto,
no passado dia 17 de Novembro, no Seminário de Leiria.
Os participantes, cerca de cinquenta, provenientes de todo o País, puderam ouvir
um painel de especialistas na matéria.
Intervir urgentemente para salvaguardar o que ainda subsiste, foi o leitmotiv, correspondendo à preocupação inicial dos organizadores, convictos do valor históricoartístico do património e da sua importância no contexto da nova evangelização.
A primeira intervenção coube ao padre Luciano Cristino, director do Serviços de
Estudos e Difusão (SESDI) do Santuário de Fátima, que abordou o tema “arquivos
religiosos ao longo do tempo”, numa breve resenha histórica da Diocese, com referência para algumas preciosidades documentais que são simultaneamente pastorais.
Registando o bom trabalho de inventariação do património móvel artístico, desejou
e pediu algo de semelhante para os arquivos documentais, na área gráfica, tão vulneráveis ao tempo e outros factores externos.
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Vida Eclesial
Vigararia das Colmeias
No dia 14 de Dezembro, coube à vigararia das Colmeias. A igreja de Albergaria
dos Doze ficou repleta com os que ouviram o apelo: “Saboreai e vede com o Senhor
é bom”. A todos D. António Marto deixou uma mensagem de entusiasmo, alegria e
ternura.
O esquema da vigília, voltado em especial para os jovens e adolescentes do 7º
ao 10º anos de catequese, processou-se em três partes distintas: “Deus acolhe-nos”,
“Acolher Deus e os seus dons”, e “Acolhei-vos uns aos outros”. O exemplo de Maria, Mãe da ternura, acabou por transformar-se em forte desafio de acolhimento e
fidelidade à vocação pessoal e comunitária dos cristãos.
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Acácio de Sousa, director do Arquivo Distrital de Leiria, centrou a sua intervenção na “valorização da memória histórica através do património documental” e referiu, sobretudo, a importância dos documentos no tempo, “porque o que é hoje um
objecto banal poderá ser um valioso testemunho cultural e caracterizador da época,
passados trinta, quarenta ou cinquenta anos”. Por último, aludiu à relação da Igreja
com o Estado, com avanços e recuos, também nesta área.
Pedro Penteado, director dos serviços de Arquivística e Apoio Técnico da Direcção Geral de Arquivos, centrou o seu discurso nas “políticas e boas práticas
arquivísticas no âmbito diocesano”, com alguns bons exemplos de boas políticas
de gestão, especialmente em Itália, onde o Estado e a Igreja caminham juntos. “Os
bens culturais da Igreja necessitam de ser identificados, catalogados, acondicionados
correctamente, restaurados de forma profissional e com recursos humanos competentes”, afirmou, em jeito de desafio à Diocese de Leiria-Fátima.
No final, Sónia Domingos, conservadora/restauradora do Instituto dos Arquivos
Nacionais Torre do Tombo, falou do “acondicionamento e restauro de documentos
gráficos”, e indicou algumas práticas correctas.
D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, presente em parte desta jornada, teve
ocasião de manifestar “a preocupação e disponibilidade diocesanas para preservar
todo o seu património documental”, e destacou a importância da memória documental como “contributo para fazer crescer o sentido de pertença eclesial de cada
geração”.
Novos vigários forâneos
No passado dia 21 de Novembro, no Seminário de Leiria, D. António Marto deu
posse aos novos vigários forâneos (ou da vara) recentemente nomeados e recebeu o
seu compromisso de colaboradores próximos do Bispo diocesano, na dinamização e
coordenação pastoral das respectivas vigararias e suas paróquias.
Nas palavras que lhes dirigiu, D. António Marto considerou as paróquias importantes para o serviço espiritual que a Igreja presta aos homens, mas insuficientes,
nos dias de hoje, pelo que as vigararias adquirem especial relevo, com serviços que
é difícil proporcionar no âmbito restrito da paróquia.
Convidou então a um olhar e estilo novos na acção pastoral, com prioridade para
a comunhão com Cristo e com os outros, de onde brota o sentido da co-responsabilidade e da colaboração em espírito eclesial, e lembrou que além de “colaborador
próximo do bispo” o vigário é “solícito irmão maior” dos sacerdotes, com a missão
de animador e coordenador de todos os cristãos empenhados na vigararia, com as
iniciativas e serviços diversos e comuns.
A palavra vigário significa aquele que actua em nome ou na vez de outrem. No
caso aqui mencionado, é o sacerdote a quem o bispo confia algumas responsabilidades no âmbito da vigararia. Para tal cargo, normalmente, o Bispo aceita um dos pá272 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
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rocos sugeridos pelos colegas, a quem dá nomeação por três anos. Presentemente, na
diocese de Leiria-Fátima há nove vigararias regionais: Batalha, Colmeias, Fátima,
Leiria, Marinha Grande, Milagres, Monte Real, Porto de Mós e Ourém.
A Jornada Diocesana da Pastoral Familiar, no passado dia 1 de Dezembro, no
Seminário de Leiria, foi dedicada à família como vocação de Deus, e inspirada no
tema nacional desenvolvido na Semana da Vida e nas Jornadas Nacionais promovidas pelo Departamento Nacional da Pastoral Familiar, sob os auspícios da Comissão
Episcopal do Laicado e Família.
O tema “Também na cultura globalizada, a felicidade da Família Humana é preocupação de Deus” foi a bordado pela professora Teresa Ribeiro. Numa pedagogia
acessível, a conferencista permitiu aos presentes uma abordagem simultaneamente
psicológica e cristã da família e da união conjugal, em especial.
A Jornada foi aproveitada para incentivar a formação de equipas paroquiais de
pastoral familiar e apoiar as que, neste momento, já funcionam. Ao mesmo tempo, o
Serviço de Pastoral Familiar da Diocese apresentou o seu plano para a constituição
do futuro Conselho Diocesano da Família, onde terão lugar os casais representantes
das vigararias da Diocese e dos movimentos eclesiais da família, um projecto que se
espera avance logo a partir do Dia Diocesano da Família, marcado para 18 de Maio
de 2008.
Renato Rosa, instituído Leitor
No dia 8 de Dezembro, o seminarista Renato David Silva Rosa, finalista da diocese de Leiria-Fátima, de 24 anos, natural de Loureira, paróquia de Santa Catarina
da Serra, foi instituído no Ministério dos Leitores. A celebração realizou-se na igreja
do Seminário. É um primeiro passo do candidato em direcção ao sacerdócio. Actualmente no Seminário de Coimbra, onde se encontram os seminaristas teólogos de
Leiria-Fátima, alunos do Instituto Superior de Estudos Teológicos, o Renato vem
exercendo actividade pastoral de fim-de-semana na paróquia das Cortes.
Bispo visita equipas sacerdotais
“Trabalhai menos, trabalhai melhor, trabalhai mais unidos. Rezai mais e mais
unidos”. Esta é a mensagem que D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, levou
aos párocos e vigários paroquiais, nas visitas que efectuou às reuniões vicariais do
clero, no final de 2007. Para propor a Boa Nova de Jesus Cristo aos homens de hoje,
é preciso uma acção pastoral renovada que implica muita colaboração dos padres
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Vida Eclesial
Jornada Diocesana da Pastoral Familiar
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entre si e com os leigos, num horizonte que, sem excluir a paróquia, valoriza as
potencialidades da vigararia.
Com esta visita, D. António quis conviver mais de perto com os padres, escutálos, deixar-lhes uma palavra de ânimo para a sua missão, e convidá-los “um novo
olhar pastoral”, que começa na relação pessoal e estreita com Cristo, cultivada na
contemplação do seu rosto e na meditação do Evangelho, e se prolonga na comunhão, co-responsabilidade e colaboração com os outros, padres, religiosos e leigos.
Em mensagem dirigida aos párocos, D. António Marto considerava que, nas
novas situações, é necessário repensar o lugar da paróquia, na sua relação com a
Diocese e com a comunidade humana em que se insere. “O caminho da missão da
Igreja requer que se pratique uma pastoral integrada e integral. Integrada, no sentido
de que sabe aproveitar todas as energias de que dispõem as comunidades cristãs e
as põe em rede, numa colaboração dentro de cada paróquia e entre as que formam
a vigararia. E integral, porque cuida de abranger todas as dimensões da vida cristã,
valoriza os diferentes ministérios que dão corpo à participação plural na Igreja e
cultiva também o diálogo com as pessoas que, estando de fora, aceitam fazer algum
caminho juntamente com grupos ou comunidades da Igreja”.
Para reforçar a importância do trabalho e da caminhada em equipa, preciosa
ajuda em muitas circunstâncias da missão e do caminho, D. António citou o seguinte provérbio africano: “Se queres chegar depressa, corre sozinho; se queres chegar
longe, corre com os outros”.
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. Santuário de Fátima .
As contas do Santuário de Fátima não foram reveladas em Junho, contrariamente
ao que é habitual, devido à indefinição a nível fiscal gerada pelo atraso na regulamentação da Concordata, revelou o reitor do Santuário, Monsenhor Luciano Guerra.
“Estamos numa certa indefinição a nível fiscal”, afirmou, lamentando que o Estado
ainda não tenha regulamentado os diplomas legais que gerem a relação da Igreja
com os impostos. “O Santuário tem de dividir muito bem a zona comercial e a religiosa, e não se sabe ainda muito bem que impostos se vão pagar”, explicou o reitor
como causa do adiamento da publicação das contas.
“Estamos a ser prejudicados porque nalguns casos há indefinições e algumas
possíveis contradições no tratamento da Igreja pela máquina fiscal, que já cobrou
descontos nos rendimentos de capitais, apesar de não existir regulamentação desta
matéria. Penso que os depósitos feitos pela Igreja devem render para a Igreja mas
acho muito bem que os rendimentos de actividades comerciais paguem impostos”,
afirmou Monsenhor Luciano Guerra.
Migrantes enchem Santuário de Fátima
Um apelo em favor de quem parte da sua terra à procura de melhores condições
de vida marcou, no passado dia 13 de Agosto, a 35ª Peregrinação do Migrante e
Refugiado a Fátima, a terceira maior peregrinação do ano. Milhares de emigrantes
em férias no nosso país e de imigrantes que vivem entre nós marcaram presença no
recinto. Foram confirmados mais de 40 grupos de 16 países.
O Cardeal O’Malley evocou o contacto pessoal com muitos imigrantes nos EUA,
durante 20 anos, e mostrou-se tocado pelo seu testemunho de fé, colocando “Deus
em primeiro lugar”. Nesse sentido, disse que “quando descobrimos Deus, descobrimos quem somos” e o que “devemos fazer da nossa vida”.
O Cardeal falou dos muitos “sacrifícios” que os migrantes fazem pelas suas famílias, bem como as “humilhações, privações” por que passam numa terra estrangeira
com “língua estranha, culturas diferentes e, não poucas vezes, um ambiente hostil”.
As cerimónias foram subordinadas ao tema “Família: Santuário de vida, amor e
identidade”, reflectido ao longo da Semana Nacional das Migrações, promovida pela
Igreja Católica de 12 a 19 de Agosto. Ao longo destes dias, os peregrinos são convidados a rezar em particular pela comunidade emigrante no continente americano,
que perfaz cerca de dois milhões de pessoas, segundo a estatística da Igreja.
Seguindo uma tradição já com quase 70 anos, a Peregrinação de Agosto contou
com a oferta do trigo, que se destina ao fabrico das hóstias utilizadas no Santuário de
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Vida Eclesial
Indefinições na Concordata atrasam contas de Fátima
. Santuário de Fátima .
Fátima. Grupos de Portugal e um grupo de Bari (Itália) ofereceram ainda produtos
típicos da terra.
Na ocasião, os peregrinos foram informados de que em 2006 foram oferecidos
6031 quilos de trigo, utilizados em mais de um milhão e meio de hóstias e partículas consagradas nas 6786 Missas que foram celebradas no Santuário durante o ano
passado.
Comemorações dos 90 anos das Aparições terminam
Com o congresso internacional “Fátima para o Século XXI”, que teve lugar de 9
a 12 de Outubro, no Centro Pastoral Paulo VI, a inauguração da Igreja da Santíssima
Trindade, na tarde de 12 de Outubro, e a Peregrinação Internacional Aniversária de
Outubro, encerraram-se as celebrações do nonagésimo aniversário das Aparições de
Fátima. Mais de 350 mil pessoas terão passado, nestes três dias, pelo Santuário.
O cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, presidiu a estas
celebrações como Legado Pontifício, isto é, como representante pessoal do Papa. Ali
destacou a actualidade de Fátima, “lugar escolhido por Nossa Senhora para oferecer,
através dos três Pastorinhos, uma mensagem maternal à Igreja e ao mundo inteiro”
e manifestou a sua alegria pela “profunda veneração pelo Sucessor de Pedro que se
respira em Portugal”. Lembrando que “completados noventa anos das aparições, Fátima continua a ser um farol de consoladora esperança, mas também um forte apelo à
conversão”, salientou o facto de “serem as crianças os escolhidos como colaboradores privilegiados para combater, com as armas da oração e da penitência, o sacrifício
e o sofrimento, a terrível lepra do pecado que corrompe a humanidade”.
Papa uniu-se a Fátima
O próprio Santo Padre quis unir-se pessoalmente a estes dias de encerramento
das celebrações dos 90 anos das aparições na Cova da Iria, um “significativo aniversário” de que recordou a mensagem de penitência e conversão, perante milhares de
peregrinos reunidos na praça de São Pedro para a recitação do Angelus, e em ligação
directa a à igreja da Santíssima Trindade, que se encontrava completamente lotada e
com milhares de pessoas a acompanharam a cerimónia no exterior.
Falando em português, Bento XVI lembrou a aparição de 13 de Outubro de 1917
e deixou um pedido especial: “Nunca esqueçais o Papa”. Depois, exortou os peregrinos a “renovarem pessoalmente a sua própria consagração ao Imaculado Coração de
Maria” e a viverem “este acto de culto com uma vida cada vez mais conforme à vontade divina e em espírito de serviço filial e devota imitação da sua celeste Rainha”.
Falando concretamente de Fátima, lembrou que “desde há noventa anos, continuam
a ecoar os apelos da Virgem Mãe, que chama os seus filhos a viverem a própria consagração baptismal em todos os momentos da existência”, e pediu uma entrega dos
crentes a Maria, com o sinal palpável da “reza diária do terço”.
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. Santuário de Fátima .
Cardeal Bertone publica conversa com Irmã Lúcia
No dia 13, presidiu à cerimónia da bênção da Sala de Imprensa da Igreja da Santíssima Trindade e à primeira conferência de imprensa naquele espaço, com o prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, o Cardeal Saraiva Martins, o Bispo
de Leiria-Fátima, D. António Marto, e o Reitor do Santuário de Fátima, Monsenhor
Luciano Guerra. Na ocasião, o Cardeal Bertone apresentou a edição em Português da
sua obra “L´Ultima Veggente di Fatima: I miei colloqui con Suor Lúcia” (“A Última
Vidente de Fátima - As Minhas Conversas com a Irmã Lúcia”), um trabalho editado
em Italiano, em Maio deste ano, com a colaboração do jornalista e escritor italiano
Giuseppe De Carli.
Trata-se de uma conversa histórica entre a Irmã Lúcia, a última dos três pastorinhos de Fátima, e este Cardeal, a pedido do Papa Wojtyla, onde ficou recolhido o
testemunho final da vidente. Pela viva voz da protagonista, o diálogo regista o acontecimento sobrenatural que marcou o século XX: aparições, profecias sobre a guerra
e sobre o destino da Rússia, o longo enigma do Terceiro Segredo revelado por João
Paulo II no ano 2000 e teorias acerca do Quarto Segredo, que esboçam cenários apocalípticos e insinuam silêncios comprometidos. Para além de qualquer polémica e
sensacionalismo, estas páginas dão vida à experiência do divino encetada pelos três
pastorinhos. A “gramática celeste” do anúncio mariano, a figura e a personalidade de
uma carmelita “persistente, obstinada, exuberante”, uma inquietação para os Papas
do século XX, mas transbordante de fervor espiritual. A reconstrução dos acontecimentos tem o suporte de um rigoroso reconhecimento dos documentos e refere as
páginas assinadas pela Irmã Lúcia e a interpretação teológica do actual Papa, então
Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger.
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Vida Eclesial
Momentos religiosos culturais
Várias jornadas, congressos, cursos, retiros, peregrinações, vigílias, celebrações,
espectáculos de teatro e música, concursos, festivais, publicações, etc., marcaram o
último ano. A Oratória “Fátima, sinal de Esperança para a Humanidade” foi o último destes eventos, composta propositadamente para o encerramento. A obra passa
em revista os acontecimentos religiosos, políticos e sociais do século passado, com
ligação a Fátimausando expressões como “ideologias do mal” (citando João Paulo
II), Goulag, Holocausto, o “Bispo vestido de branco” e a promessa de esperança
com que a obra olha para o futuro. Foi executada por 366 elementos, incluindo oito
solistas (5 crianças e 3 adultos), um coro composto por 11 grupos (6 de Leiria, 4 de
Beja e o Coro Infantil do Santuário de Fátima) e a orquestra Filarmonia das Beiras,
dirigidos pelo maestro Mário Nascimento. O texto foi organizado por A. Aparício
e J. Paulo Quelhas, tendo como base as “Memórias da irmã Lúcia”. A música é da
autoria do compositor Padre António Cartageno.
. Santuário de Fátima .
Grande Espaço Coberto para Assembleias
A igreja da Santíssima Trindade é vista e falada por todos como se de um espaço
único e singular se tratasse. A verdade, porém, é que ela faz parte de um complexo
mais vasto, designado “Grande Espaço Coberto para Assembleias” (GECA), composto por duas zonas principais: zona da Reconciliação (GECA 1) e zona da igreja
da Santíssima Trindade (GECA 2).
A primeira é composta de uma área para peregrinos portugueses (lado direito de
quem sobe da Capelinha das Aparições), com salão-capela de 600 lugares sentados
e 32 gabinetes/confessionários; uma área para peregrinos estrangeiros (lado esquerdo), com 2 capelas de 120 lugares cada e 32 gabinetes/confessionários. Os acessos
fazem-se por duas escadas centrais paralelas (com espelhos de água ao fundo) e duas
rampas laterais.
Já a segunda zona compreende a implantação da igreja: entre a Cruz Alta e a
avenida D. José Alves Correia da Silva. A igreja forma um círculo de 125 metros
de diâmetro, sem quaisquer colunas. A altura exterior ultrapassa levemente a actual
colunata, permanecendo a torre da Basílica o elemento dominante. A capacidade
é de 9000 fiéis sentados, com lugares reservados a pessoas com deficiência. Para
assembleias até 3000 pessoas, o espaço da frente pode ser separado do restante por
uma divisória de 2 metros de altura. Tanto os acessos como o pavimento interior são
em rampa, sem degraus. Um túnel para veículos, sob a Av. D. José Alves Correia da
Silva, permitirá uma vasta praça para peões, que poderão passar livremente da igreja
para o Centro Pastoral Paulo VI. A porta principal é consagrada a Cristo e as laterais
aos Apóstolos, formando um conjunto total de 13 portas. O interior da igreja é iluminado com luz natural pelo tecto e através de janelas viradas para Norte.
Algumas áreas completam esta zona principal: a) Acolhimento e sacristias, situadas dos dois lados da entrada principal; b) Cabines para meios de comunicação
social, no interior da igreja, com aberturas nas paredes laterais; c) Camarins, por trás
do presbitério; d) Átrio a funcionar como espaço complementar aquando de encontros de evangelização ou outros eventos, situado no piso enterrado, junto dos pátios
com espelhos de água; e) Instalações técnicas (ventilação, aquecimento) subterrâneas, sob o corpo da igreja; f) Instalações sanitárias subterrâneas, à altura do fundo da
igreja, acessíveis aos peregrinos a partir de fora.
O custo total desta obra cifrou-se nos 60 milhões de euros, suportados exclusivamente pelo Santuário. Para além desta quantia avultada, o Santuário custeará também o túnel que vai ligar ao outro lado da avenida D. José Alves Correia da Silva,
com o objectivo principal de proteger os peregrinos do trânsito de superfície.
De referir que a “Primeira Pedra” deste templo, oferecida pelo Santo Padre João
Paulo II, foi colocada na parte da frente do altar-mor da igreja, de modo a permanecer à vista de todos, para “tornar mais patente a gratidão ao Santo Padre”.
278 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. Santuário de Fátima .
Arquitecto Tombazis publica esboços
A 15 de Outubro, três dias após a consagração da Igreja da Santíssima Trindade,
o autor do projecto arquitectónico, arquitecto Alexandros Tombazis, tomou a decisão de publicar, como forma de agradecimento a “todos aqueles que tornaram este
projecto possível”, um livro de esboços seus com imagens da nova igreja e de outros
espaços do Santuário de Fátima. Intitulada “Fátima”, a publicação expõe mais de
três dezenas de desenhos, alguns com perspectivas gerais, outros com vistas mais
em pormenor, de vários locais do Santuário. Em dez idiomas, Alexandros Tombazis,
explica a razão de ser deste trabalho, essencialmente visual: “Partilhar memórias
comuns, uma experiência maravilhosa, o espírito de um lugar muito especial”. Na
mesma introdução, o arquitecto não esquece “os muitos amigos que fiz e que desejo
carinhosamente manter presentes”.
Colóquio “O Cristianismo no Japão”
Nos dias 17 e 18 de Novembro, realizou-se um colóquio em Fátima, sobre o tema
“O Cristianismo no Japão – Universalismo Cristão e Cultura Nipónica”. A abertura
foi marcada pela inauguração da exposição sobre os 100 anos da Sociedade Verbo
Divino no Japão. Ao longo da jornada, exploram-se temas como “Matriz Cultural
e Religiosa do Povo Japonês – Xintoísmo”, “Implantação do Budismo e processo
de homogeneização cultural”, “Espiritualidade Emergentes: Novos movimentos
religiosos no Japão”, “Oriente/ Ocidente – Ecos de uma tradição espiritual única?”,
“Entre os desafios e as soluções: o percurso histórico do Cristianismo no Japão”,
“Estado e Religião: Xintoísmo Estatal e a formação do mito da identidade nacional”,
“O Cristianismo em diálogo com as religiões no Japão”, “A contribuição do cristianismo no ensino no Japão, séc. XVI-XXI, Migrantes, Arte”.
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Vida Eclesial
Artistas da nova igreja
É autor do projecto da Igreja da Santíssima Trindade o arquitecto Alexandros
Tombazis, da Grécia. Mas vários outros artistas de renome internacional e de vários países são responsáveis pela concretização das principais peças iconográficas
da Igreja da Santíssima Trindade. Exemplo disso é o Crucifixo do altar da Igreja
da Santíssima Trindade, da autoria da irlandesa Catherine Green. Outro exemplo é
“Cruz Alta”, instalada no exterior da igreja da Santíssima Trindade, do artista Robert
Schad, da Alemanha. Feita em aço, tem 34 metros de altura ao nível do solo e cerca
de 17 metros de largura transversal. Também deste lado norte, denominado Praça
João Paulo II, está a estátua de João Paulo II, o falecido sumo pontífice que se fez
peregrino de Fátima em 1982, 1991 e no ano 2000, ocasião em que beatificou Francisco e Jacinta Marto. O trabalho é da autoria de Czeslaw Dzwigaj, de nacionalidade
polaca, tal como o falecido Papa.
. Santuário de Fátima .
Santuário de Fátima recebe Medalha de Ouro
O Santuário de Fátima recebeu, na pessoa do director do Serviço de Estudos e
Difusão, padre Luciano Cristino, a primeira Medalha de Ouro da ACISO - Associação Empresarial Ourém-Fátima. No decorrer da sessão solene, no âmbito do XII
Encontro de Empresários em Ourém, realizada no complexo turístico D. Nuno, em
Fátima, foi apresentado um documento que resume alguns dos factos históricos mais
significativos de Fátima e feita a justificação da concessão desta medalha: o essencial da mensagem de Fátima é a procura “de um caminho de paz” e, também em
termos económicos, o Santuário tem sido um importante motor de desenvolvimento.
De referir que a “Fábrica do Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima” é
associada da ACISO desde 2 de Janeiro de 1959.
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. serviços e movimentos .
“Dez Milhões de Estrelas – Um gesto pela Paz”
“Dez Milhões de Estrelas – Um gesto pela paz” é o nome da campanha que a
Cáritas Portuguesa tem vindo a promover desde há 5 anos em todas as dioceses, estendendo a iniciativa nascida em França há cerca de 30 anos. Tem como objectivo a
sensibilização e a educação para a Paz, cuja construção radica na solidariedade e na
justiça, valores subjacentes ao Natal de Jesus Cristo, e valores universais partilhados
hoje por todos os homens de boa vontade, mas esquecidos e desprezados em tantos
lugares da terra.
“Num mundo tão atravessado de contradições, conflitos e graves ameaças à
segurança humana e ambiental, torna-se difícil exagerar a importância e a plena
actualidade de todos os esforços e iniciativas de exposição pública da causa da paz”,
afirma o presidente da Cáritas Dioceana, Ambrósio Santos, lembrando que “estando
as questões da solidariedade e do desenvolvimento, da pobreza e da exclusão, tão indissoluvelmente associadas à causa da paz, compreender-se-á que a Cáritas, a todos
os níveis da sua organização, abrace também com entusiasmo a causa da paz, por
ser ela o suporte insubstituível que condiciona todos os projectos e estratégias que
visem a promoção de todos os seres humanos às condições de vida conformes à sua
mesma dignidade comum”.
Em declarações à agência Ecclesia, D. José Alves, presidente da Comissão Episcopal para a Pastoral Social, refere que “a construção da paz passa por uma atitude
profética, de profeta sem armas”. Isto, porque “num mundo dilacerado pela guerra,
é mais do que nunca necessário actuarmos em conjunto para promovermos a paz, a
solidariedade e a reconciliação; só unidos e com gestos concretos teremos capacidade para nos opormos à violência”.
A mobilização para esta iniciativa acontece em todas as dioceses, sendo o seu
ponto alto durante a época de Natal. É materializada através de manifestações de
vária índole, designadamente de natureza espiritual, cultural, artística e desportiva.
Partindo da simbologia da luz, a campanha propõe-se desencadear diversas dinâmicas junto dos vários sectores da sociedade, sobretudo os mais novos, para a promoção de actividades que evidenciem o diálogo e compreensão para a construção da
paz, entre os indivíduos, no seio das famílias e entre todos os povos da terra.
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Vida Eclesial
Campanha de Natal da Cáritas
. serviços e movimentos .
Uma vela solidária
A principal e mais abrangente dessas propostas é dirigida às famílias, que são
convidadas a fazer brilhar a chama de uma vela na noite de Natal, nas janelas ou
varandas de suas casas. Apenas um símbolo, que dará visibilidade à esperança de um
mundo mais justo e solidário, evocada naquela noite. Solidariedade também na aquisição daquela vela, já que “a vela é apenas um sinal e será também um instrumento
para facilitar a partilha de bens com os mais pobres, porque enquanto persistirem
tantas e tão graves desigualdades não haverá paz na terra, mesmo para os homens de
boa vontade”, indica a Cáritas. Em 2007, o produto da venda destas velas (1 euro)
irá para projectos, nacionais e internacionais, de apoio a mulheres em situação de
risco. Das verbas recolhidas, 30% serão aplicadas no apoio a esta acção em Angola,
e os restantes 70% para cada Cáritas diocesana, também para os seus projectos na
mesma área.
Festa pública
O início da campanha, na nossa Diocese, foi marcado pela conferência, na
Batalha, sobre “A Insegurança Mundial”, com o professor Adriano Moreira, numa
sessão presidida pelo Bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto e que contou com a
presença de cerca de 200 pessoas.
O momento alto da campanha, à semelhança do que se fez em todo o mundo,
nesse dia 15 de Dezembro, teve lugar a nível diocesano, na vila da Batalha. D. António Marto quis realçar a importância da iniciativa, honrando-a com a sua presença.
Para o sucesso e brilho deste evento contribuiu a co-organização da Câmara
Municipal, Paróquia e Rádio Batalha, bem como a colaboração do Agrupamento de
Escolas, da Escola Secundária, do Colégio de S. Mamede, do grupo de jovens “Para
Sempre”, do Centro Recreativo da Golpilheira, do Centro Recreativo dos Pinheiros,
da “Escolinha Intercultural” eslava e de três dos vencedores do concurso “Caça
Talentos” da Rádio Batalha. Todas estas participações levaram ao palco da praça
Mouzinho de Albuquerque cerca de 200 crianças, jovens e adultos, em duas horas de
espectáculo inesquecível, de poesia, canto, dança e coreografias diversas. Mais de
300 pessoas passaram pelo recinto, apesar do frio próprio da época, mas com um sol
que foi também uma “estrela” a juntar-se às muitas que brilharam naquela tarde.
Paralelamente, miúdos e graúdos foram decorando o espaço com obras de pintura e outros materiais plásticos, na oficina dirigida pelo artista Malé. No jardim junto
ao local ficou para sempre recordado o acontecimento, em bela lápide concebida
pela Escola Tradicional de Artes e Ofícios Tradicionais da Batalha.
O símbolo principal foi a luz, em vasos de cera que se foram iluminando em redor
do palco. Alguns deles, trazidos com mensagens de paz pelas mãos de representantes
de crianças, jovens e idosos de todo o mundo, de uma escuteira do agrupamento 194
da Batalha – que deu também o apoio na logística – e ainda de personalidades como
Ambrósio Santos, presidente da Cáritas Diocesana, Júlio Órfão, director do Mostei282 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
ro, José Travaços Santos, homem
da cultural local, João Carvalho,
professor batalhense, António
Lucas, presidente da autarquia,
e D. António Marto, Bispo de
Leiria-Fátima. Todos desejaram
paz e justiça para o mundo, para
os povos, para as famílias, para o
coração de cada ser humano... a
começar nos pequenos gestos do
dia-a-dia, como foi recordando
Ana Sofia, brilhante animadora
da festa.
No final, os vasos de luz foram levados por todos os presentes para a entrada na vila, junto ao
IC2, para completar um jogo de
iluminação já iniciado, ao redor
da grande rotunda, onde se fez sobressair a palavra “PAZ”. Foi um
belo efeito que a todos encantou e
fez disparar muitos “flashes”, imagem perfeita da beleza da iniciativa e da nobreza
desta causa, que ficou a brilhar ao longo de toda noite.
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Vida Eclesial
. serviços e movimentos .
. serviços e movimentos .
Ano lectivo 2007-2008
Centro de Formação e Cultura
Escola Diocesana Razões da Esperança
A Escola Diocesana Razões da Esperança deu início ao ano lectivo de 20072008, no dia 2 de Outubro, com o primeiro encontro de formação, no Seminário de
Leiria. Quinzenalmente, à terça-feira, entre as 21h00 e as 23h00, a primeira hora
para matérias comuns e a segunda de formação específica para catequistas, cursistas,
agentes litúrgicos, etc., é um espaço que nasceu da coordenação de esforços e da
colaboração de vários serviços e movimentos diocesanos, para benefício de todos.
Deste modo, para além da evidente finalidade formativa e testemunho de unidade,
torna-se efectivo o desejo de “colaboração e coordenação” já patente na criação da
Escola de Formação Teológica de Leigos e sublinhado no último Sínodo Diocesano.
O curso “Razões da Esperança”, com a duração de três anos, é organizado
por semestres, num total de seis disciplinas, duas em cada semestre, nas áreas de
Sagrada Escritura, Dimensões fundamentais da fé e Vida cristã. As disciplinas da
primeira hora tratam das dimensões fundamentais da fé e da vida cristã; as matérias
da segunda hora estão a cargo de cada Movimento e Serviço para o que lhes é específico. Simultaneamente, neste segundo tempo, há a preparação dos textos da liturgia
dominical, aberta a todos.
Centro de Formação e Cultura (CFC)
O Curso Geral de Teologia, de nível médio, decorre no Seminário e tem a duração de 8 semestres, com duas disciplinas por semestre e uma aula por semana,
apresentando de forma compacta as principais áreas da teologia, numa visão global
das diferentes disciplinas.
A Formação Complementar é um plano de estudos que, por um lado, complementa o Curso Geral com disciplinas mais específicas e, por outro lado, proporciona
cursos monográficos ou sectoriais que respondam ao interesse e necessidade de
situações especiais.
O Curso “Pensar a Fé” é uma formação catequética avançada, a decorrer em diversas vigararias da Diocese, com os objectivos de aproximar a escola diocesana das
comunidades cristãs, promover a formação dos agentes pastorais locais e oferecer a
todos os interessados um espaço de iniciação à reflexão teológica. É uma apresentação acessível e sintética dos principais temas do mistério cristão, com a duração de 8
semestres, ao ritmo de uma disciplina por semestre e uma aula por semana.
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. serviços e movimentos .
Formação específica
O CFC promove ainda algumas acções de Formação Específica, planeadas
ocasionalmente, para responder a necessidades concretas e pontuais, dirigidas a um
público-alvo específico ou para formar grupos com interesses comuns definidos.
Estas acções de formação, de maior ou menor duração, abordam temáticas específicas e dirigidas a grupos definidos, proporcionando uma formação que sirva de
apoio e se oriente à acção concreta dos diferentes grupos. Pode incluir também o
estudo de questões pontuais da vida da Igreja diocesana ou da Igreja universal (temas pastorais, documentos do Magistério, etc.). Têm o objectivo de preparar pessoas
para o exercício de ministérios nas comunidades, promovendo a formação para o
desempenho de serviços pastorais ou administrativos na Igreja (conselhos pastorais
e económicos, ministros litúrgicos, diversos grupos pastorais, serviços diocesanos,
direcções de movimentos, etc.), ou tarefas específicas (como cantores, catequistas,
ministros extraordinários da comunhão, leitores, animadores litúrgicos, de jovens,
etc.). Podem ainda aprofundar temáticas de interesse dos serviços diocesanos, das
orientações actuais da Diocese, ou de necessidade pontual.
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Vida Eclesial
No primeiro semestre do ano lectivo de 2007-2008, o Centro de Formação e
Cultura terá: no Curso Geral de Teologia, as disciplinas de “Mariologia” e “Escatologia”; na Formação Complementar, as disciplinas de “Liderança, Eficiência pessoal
e Gestão do Tempo” e “Lectio Divina”; no Curso “Pensar a Fé”, as disciplinas de
“Concepção Cristã da Fé” e “Iniciação à Relação de Ajuda”, ministradas na Marinha
Grande.
. serviços e movimentos .
Serviço Diocesano de Pastoral Juvenil
Novos desafios
Pe. Gonçalo Diniz
Estamos em época de arranque, em início de ano. Ficam para trás as férias e o
verão, voltamos ao dia a dia, mas também encontramos novas realidades e desafios.
É isso que o SDPJ propõe neste início de ano: por um lado reiniciam-se as
actividades que já fazem parte da nossa vivência da fé – o shemá, a peregrinação
diocesana, os encontros de Taizé, etc.; por outro, o ano lectivo traz novas propostas
e iniciativas, a começar pela vontade de unirmos os nossos esforços aos de outros
serviços e movimentos, para melhor aproveitamento de tudo o que se vai fazendo.
Nesse sentido, vamos apoiar a peregrinação a Taizé, organizada pelo CAES (Centro
de Apoio ao Ensino Superior) e organizar o Festival da Canção Jovem (vão afinando
as vozes!…) com todos os que queiram colaborar.
A nível de actividades, este ano, temos duas propostas especiais: as vigílias de
oração para jovens e adolescentes, em cada vigararia, que serão momentos importantes de encontro com o nosso Bispo, em ambiente de oração; e a tão esperada
Jornada Mundial da Juventude, em Julho de 2008, na Austrália. Apesar do preço e da
distância, já há grupos mobilizados a juntar fundos, o que é boa notícia! (Em breve
haverá mais informações).
O ano promete ser cheio de acontecimentos que esperamos nos ajudem a
todos na caminhada cristã. O programa aqui fica, mas não esqueçam de ver
www.sdpjleiria.com, para uma informação mais actualizada.
Festival da Canção Jovem
O SDPJ vai organizar o Festival Jovem 2008, a 25 de Maio de 2008, pelas 15h00,
no jardim de Santo Agostinho, em Leiria. Os objectivos são: Incentivar a criação
poético-musical, partindo dos valores religiosos; promover a canção religiosa como
valor na evangelização e no quotidiano dos jovens; possibilitar o encontro e o convívio são e construtivo entre os jovens da Diocese; Animar o Ano Pastoral Juvenil
2007-08, marcando a caminhada de forma criativa, festiva e entusiasta.
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. serviços e movimentos .
Blog “Fala-me de Fé!”
É um blog criado pelo serviço da Pastoral Juvenil de Leiria-Fátima, nascido a
partir das palavras de D. António Marto quando, ainda na diocese de Viseu, pediu
aos jovens que falassem da beleza da fé. Na altura, incentivou a que a “linguagem da
beleza de fé” fosse a chave para falar ao mundo. “Hoje é preciso falar a linguagem da
beleza da fé para nos fazermos compreender pelo mundo, tantas vezes indiferente”,
disse, lembrando a importância do diálogo com os jovens “com histórias verdadeiras, entrando nos seus problemas”.
O site permite pôr questões que depois serão escolhidas pelos moderadores. As
respostas são dadas pelos visitantes, que vão deixando os seus comentários. O endereço é: www.falamedefe.blogspot.com.
Programa do ano
Dia 26 de Outubro: Shemá – Encontro de Oração Jovem no Seminário de Leiria
Dia 16 de Novembro: Vigília de Oração para jovens e adolescentes na Vigararia
Ourém
Dia 30 de Novembro: Shemá – Vigília de Oração para jovens e adolescentes na
Sé de Leiria
Dia 14 de Dezembro: Vigília de Oração para jovens e adolescentes da Vigararia
Colmeias
Dia 28 de Dezembro: Shemá – Encontro de Oração Jovem no Seminário de
Leiria
Dia 28 a 1 de Janeiro: Encontro Europeu de Taizé
Dia 18 de Janeiro: Vigília de Oração para jovens e adolescentes da Vigararia dos
Milagres
Dia 25 de Janeiro: Shemá – Encontro de Oração Jovem no Seminário de Leiria
Dias 9 e 10 de Fevereiro: Retiro quaresmal de jovens
Dia 22 de Fevereiro: Shemá – Encontro de Oração Jovem no Seminário de Leiria
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Vida Eclesial
XXIII Jornada Mundial da Juventude
A XXIII Jornada Mundial da Juventude será em Julho, em Sidney, Austrália.
Na continuação das Jornadas iniciadas por João Paulo II, que tanto impacto tiveram
junto dos jovens, Bento XVI convoca os jovens do Mundo inteiro para a Jornada
da Austrália. Será uma ocasião única para conviver e partilhar a fé com jovens de
culturas tão diferentes, em união com o sucessor de Pedro. A participação da nossa
Diocese será integrada no grupo do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil, que
assume a organização, mas, em data a marcar, teremos alguma actividade diocesana
preparatória.
. serviços e movimentos .
Dia 29 de Fevereiro: Vigília de Oração para jovens e adolescentes da Vigararia
da Batalha
Dia 8 de Março: Peregrinação Diocesana Jovem a Fátima
Dia 9 de Março: Peregrinação Diocesana
Dias 15 a 24 de Março: Peregrinação a Taizé
Dia 28 de Março: Shemá – Encontro de Oração Jovem no Seminário de Leiria
Dia 11 de Abril: Vigília de Oração para jovens e adolescentes da Vigararia de
Porto de Mós
Dia 18 de Abril: Vigília de Oração para jovens e adolescentes da Vigararia da
Marinha Grande
Dia 25 de Abril: Shemá – Encontro de Oração Jovem no Seminário de Leiria
Dia 23 de Maio: Vigília de Oração para jovens e adolescentes da Vigararia de
Monte Real
Dia 25 de Maio: Festival da Canção Jovem
Dia 30 de Maio: Shemá – Encontro de Oração Jovem no Seminário de Leiria
Dia 6 de Junho: Vigília de Oração para jovens e adolescentes da Vigararia de
Fátima
Julho: Jornada Mundial da Juventude em Sidney, Austrália.
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. serviços e movimentos .
Obras Missionárias Pontifícias
Missão para todos
Já lá vai o tempo em que os cristãos pensavam que a Missão era só para os padres,
irmãos e irmãs de vida religiosa. A consciência de que toda a Igreja é missionária
tem-se traduzido num conjunto de sinais e acontecimentos aos quais não podemos
passar indiferentes. O movimento missionário laical em Portugal é de longa data,
mas nos últimos 15 anos assumiu uma nova dimensão. Há quem lhe chame moda,
desejo de aventura, busca de novas experiências… também pode ser um pouco isto.
Mas é mais, muito mais do que isto. E a prova é que se vai passando de tempo de
missão de curta duração para períodos mais longos. No espírito da maioria dos que
partem está o desejo sincero de fazer algo bom pelos outros, de testemunhar o Amor
de Deus junto dos mais desfavorecidos.
Neste ano 2007 partiram em missão um total de 263 voluntários, integrados em
32 entidades diferentes. Destes, 198 vão por um ou dois meses e 65 por um ou dois
anos. Este ano, os países de destino são: Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor e Honduras. Também é de referir que a Missão
se está a fazer mais no feminino: do total dos missionários leigos, 197 são do sexo
feminino, e 66 do masculino.
Diocese Leiria-Fátima em Missão
Na semana que culmina com o Dia Mundial das Missões, gostaríamos de partilhar o percurso feito pela equipa missionária da nossa diocese que está na diocese
do Sumbe, Angola.
Recordamos que em Março de 2006 se celebrou a geminação entre as dioceses
de Leiria-Fátima e Sumbe, que previa, entre outras coisas, a ida de uma equipa missionária para a comunidade do Gungo.
Em Agosto de 2006 partiu o primeiro grupo, constituído por dois padres e três
leigas, que tinha como prioridade construir uma casa nos arredores da cidade do
Sumbe para apoio ao trabalho no Gungo, região algo distante e isolada devido ao
mau estado das picadas. Para apoio ao projecto partiram dois contentores com materiais de construção e outros bens.
Em Setembro, os contentores foram descarregados e em Outubro deu-se início à
construção da casa. Porque Angola acaba de sair de uma longa guerra civil, os meios
de construção e materiais à disposição não são os mesmos que temos no nosso país.
Por isso, e também devido à opção de construir por administração directa a fim de
reduzir os custos, a construção da casa prolongou-se até ao passado mês de Agosto.
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Vida Eclesial
Por Padre Vítor Mira
. serviços e movimentos .
Ainda em Agosto de 2006, a equipa missionária foi apresentada à comunidade
do Gungo, uma região muito vasta com uma área superior a 2.100 km2, habitada por
cerca de 25.000 pessoas dispersas por mais de cem aldeias. É uma zona de mato sem
água potável, sem energia eléctrica e sem comunicações. Nesta fase o acompanhamento da comunidade era feito apenas ao fim-de-semana. O apoio começou a dar-se
nas áreas da pastoral, promoção feminina, saúde e educação.
Ainda dentro do primeiro ano, chegou o jipe para apoio à missão e cuja aquisição foi possível graças à “campanha das peças” feita junto das crianças das escolas
e catequeses, “campanha dos parafusos” feita através dos mealheiros distribuídos
em lugares públicos, ajudas pessoais e ainda ao apoio da MIVA, uma organização
austríaca que ajuda as Missões.
O fim do primeiro ano de missão marcou a conclusão da casa da missão, a renovação da equipa e o início de uma nova fase com o apoio mais directo e permanente
à comunidade do Gungo.
Neste momento a equipa presente em Angola é constituída pelo padre David
Ferreira, Sónia Cruz (ambos transitaram do primeiro ano), Lina Teixeira e Sara
Moniz que partiram em missão por um ano, em Julho deste ano. Deixaram tudo
para irem em missão e encontram-se em regime de voluntariado puro, sem qualquer
remuneração económica. Antes da presença destes missionários o Gungo não tinha
qualquer apoio a este nível. Também ao nível social é uma comunidade muito pobre:
a assistência médica não existe, os medicamentos são de difícil acesso, as escolas
são poucas e apenas uma lecciona até ao sexto ano.
Neste momento a equipa missionária desloca-se ao Gungo por períodos de duas
ou três semanas e ali permanece vivendo nas mesmas condições das pessoas que lá
habitam em casas muito pequenas, feitas de adobes e cobertas de capim. O trabalho
vai sendo organizado de acordo com as solicitações. Devido às chuvas grande parte
da picada principal ficou intransitável o que obriga a grandes caminhadas a pé para
chegar a algumas aldeias principais.
Para conhecer mais do grupo missionário que promove este projecto pode assistir
à apresentação pública que terá lugar no a 27 de Outubro, no Seminário de Leiria.
Curso de Missiologia
Como vem acontecendo há alguns anos, teve lugar um curso de missiologia aberto a todos os cristãos, em Fátima, no Centro Missionário Allamano (Missionários
da Consolata), de 20 a 25 de Agosto. Sendo um curso de dois anos, seguir-se-á o 2º
ciclo bienal. Entre os seus objectivos, contam-se os de apresentar as bases bíblicoteológicas da missão ad gentes, repensar a Missão à luz do Vaticano II e dos documentos recentes do Magistério; percorrer as etapas mais importantes da História da
evangelização e da reflexão missiológica; apresentar exemplos concretos da prática
missionária actual e preparar para os desafios da inculturação e do diálogo do cristianismo com as outras religiões.
290 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
Jornadas Missionárias
As Jornadas Missionárias de 2007 reuniram em Fátima cerca de meio milhar
de participantes, de 14 a 16 de Setembro, a reflectir sobre “O Futuro da Missão ad
Gentes – perspectivas para o século XXI”. E porque o futuro não faz esquecer o
presente, sobretudo se o clamor pela justiça e pela paz é gritante, os participantes,
uniram-se à campanha “Por Darfur” e disseram: “quando o silêncio mata, a tua voz
pode salvar”.
Cristo é a fonte inexaurível da missão da Igreja. Daí a necessidade de uma experiência de fé para redescobrir, no meio de alguma confusão desnorteadora, o sentido
fundamental da Missão como Anúncio de Cristo, como testemunho de vida.
Um mundo em mudança, caracterizado por grande variedade de manifestações
religiosas e pelo relativismo, exige nova forma de ser Missão. É necessário encontrar
linguagem e modos novos que contemplem a evangelização das emoções e exprimam de forma significativa a mundividência cristã.
O coração da Missão, do presente e do futuro, é a Igreja local. Como sacramento
de salvação a Igreja participa na missão de Cristo. Dessa forma, ela realiza no mundo a entrega eucarística ao Pai, pelo Espírito Santo, na comunhão dos seus membros
que se dão pelos outros. O desafio do futuro da Missão é fazer da Igreja, das dioceses
e paróquias, a casa e a escola da comunhão, numa espiritualidade que abra horizontes de fraternidade universal.
O empenho concreto de todos na animação missionária e vocacional da Igreja
local é imprescindível. Este é mais enriquecedor e eficaz quando os próprios párocos e responsáveis diocesanos dão corpo e espírito às várias iniciativas que são um
testemunho vivo da comunhão na Missão.
Na comunhão das Igrejas todos são corresponsáveis pela Missão. Somos chamados a criar, animados pelo Espírito, novas formas de comunhão, programas de
cooperação e de colaboração que conduzam a uma maior participação de todos os
carismas e ministérios.
A colaboração entre os leigos e os Institutos de Vida Consagrada é um enriquecimento mútuo que exige alguma ousadia na criação de novas formas de pertença e
co-responsabilidade na missão da Igreja. Tal dinâmica de comunhão será favorecida
pela continuação do debate, do diálogo e da formação, em actividades de carácter
local, diocesano ou nacional.
Estas Jornadas Missionárias apontaram para a grande celebração e sensibilização
missionária que se pretende com o Congresso Missionário Nacional, a realizar de 3
a 7 de Setembro 2008. Todas as dioceses, paróquias, movimentos, institutos estão
assim convidados a fazerem da preparação, participação e acolhimento deste Congresso uma oportunidade para renovarem o seu empenho missionário como diz o
lema: Portugal, vive a Missão, rasga horizontes.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 291
Vida Eclesial
. serviços e movimentos .
. serviços e movimentos .
Semana dos Seminários
No Seminário cresce o futuro!
Por Padre Armindo Janeiro
A Semana dos Seminários, de 11 a 18 de Novembro, foi subordinada ao tema
“No Seminário cresce o futuro”. É uma afirmação feliz que recolhe o sentido profundo da instituição que a Igreja decidiu criar nos inícios da modernidade para nela
preparar aqueles que, em nome do Senhor, haveriam de servir, pelo ministério ordenado, os seus irmãos na fé.
Como instituição, o Seminário acompanhou a evolução dos tempos, promoveu a
formação de muitos, dialogou com as culturas locais e passou pelas mesmas dificuldades das Igrejas particulares.
Como comunidade, hoje como ontem, o Seminário é constituído por aqueles que
o Senhor chama para estarem com Ele e d’Ele aprenderem o estilo de vida do «Bom
Pastor»! Jesus convida-os a entrar na sua relação de intimidade com o Pai e fá-los
participantes dos seus sentimentos de ternura e misericórdia. Desta experiência feliz
brota o dinamismo evangelizador de todo o discípulo do Senhor.
Neste contexto, o Seminário é lugar de acolhimento de quantos foram surpreendidos pelo chamamento do Senhor da Messe e pensam seriamente em responder-Lhe
com um Sim total. Por isso, é também o tempo em que, na generosidade e nobreza
de propósitos, cresce e amadurece a semente lançada em seus corações pelo Espírito
Santo.
Este amadurecimento dá-se com a passagem da experiência de se sentir e se
saber amado pelo Pai ao desejo de andar com o Senhor para anunciar, na força do
Espírito Santo, a Boa Nova do Reino de Deus. Deste modo, no coração do discípulo,
vai-se delineando um projecto de vida sacerdotal, capaz de servir a missão da Igreja
no meio dos homens que Ele quer salvar.
A nós, que de algum modo estamos ligados a estas belíssimas histórias do Amor
de Deus (família, comunidades cristãs e presbitério), é-nos dada a alegria de testemunhar o convite do Senhor, e de trabalhar na criação das condições necessárias
para que os chamados possam, livre e radicalmente, responder ao Senhor que os
escolheu.
Convidamos todas as comunidades cristãs e seus membros a rezar para que o Senhor envie os trabalhadores de que a sua Messe tem necessidade. Peçamos-Lhe que
nos faça cada vez mais dignos dos dons e carismas que Ele nos quer enviar.
292 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
História da instituição
O actual edifício do Seminário de Leiria começou a ser construído em 10 de Junho de 1962, dia do lançamento da primeira pedra. O projecto de construção previa
a divisão do edifício em 3 secções: 1º e 2º ano do preparatório; 3º,4º,5º e 6º ano e
Seminário Maior. Na ocasião estudava-se a possibilidade de edificar o Seminário
Menor em Fátima, em edifício totalmente independente. De um momento para o
outro aparece o anúncio e o início de uma obra a ser edificada em Leiria, na Quinta
da Bela Vista, e com uma estrutura capaz de abranger as duas entidades (Seminário
Menor e Maior). D. João Pereira Venâncio foi o grande impulsionador. A obra foi
então adjudicada pelo valor de 18.895.375$00, com a obrigação de ser concluída no
espaço de 3 anos. O Seminário abriu as portas em 2 de Novembro de 1965 (fez agora
42 anos), com cerca de 187 alunos. Oficialmente a obra foi dada como concluída
apenas no dia 22 de Maio de 1968.
Construído para 250 alunos, o edifício ocupava uma área coberta de 19.070 metros quadrados, com comprimento máximo de 162 metros e largura máxima de 87
metros.
Volvidos 42 anos, os espaços estão a ser alvo de uma profunda reestruturação.
Actualmente, uma equipa liderada pelo actual reitor está a projectar uma adaptação
do edifício às exigências actuais. A parte central do projecto prevê a continuação
do edifício do seminário, com alojamento para alunos e pessoal auxiliar. Esta parte
será ladeada de estruturas adequadas à realização de retiros, encontros de reflexão, e
encontros ou reuniões de carácter pastoral. Outra grande novidade é a afectação de
uma área à instalação dos departamentos e serviços diocesanos, com as condições de
um verdadeiro Centro Pastoral Diocesano.
As obras estão prestes a começar e os financiamentos deverão chegar da parte de
todos e cada um dos diocesanos, pelo que oportunamente serão lançadas campanhas
de que daremos notícia.
Entretanto, e enquanto as obras não começam, vamos conhecendo e amando a
casa que é desde sempre conhecida como o coração da diocese. Cuidar dele é cuidar
de todo o tecido diocesano.
Pré-Seminário
Nas duas Cartas Pastorais escritas pelo nosso Bispo nos últimos 2 anos, encontramos sempre uma referência explícita ao “Pré-Seminário ou Seminário em Família
como itinerário Vocacional específico de acompanhamento, orientação e discernimento (...) em ordem ao sacerdócio” (DBAVC 4.4).
O Pré-Seminário é este serviço, integrado na estrutura do Seminário Diocesano,
que pretende acolher, acompanhar e encaminhar os adolescentes e jovens da Diocese
que sintam ou manifestem sinais de vocação sacerdotal.
Tentando responder a este objectivo, promoveram-se no último ano encontros
mensais, no primeiro Sábado de cada mês, em que participaram 77 rapazes de ape| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 293
Vida Eclesial
. serviços e movimentos .
. serviços e movimentos .
nas 23 paróquias da Diocese. Ao longo deste ano, esses encontros irão continuar,
no 1º sábado de cada mês, abertos a adolescentes e jovens a partir dos 12 anos, que
deverão contactar os seus párocos.
O Pré-Seminário irá ainda propor a alguns jovens com maior maturidade um
acompanhamento mais próximo e exigente. Pretende também ajudar a criar na
Diocese, concretamente junto dos catequistas e animadores, a consciência de que a
Igreja precisa de padres e que o Senhor da Messe continua a chamar trabalhadores.
Cabe-nos estar atentos a esses sinais, ajudar e criar condições para que a voz de Deus
possa ser ouvida, interpretada e respondida com um “sim” generoso.
O Pré-Seminário tem por base toda a vivência cristã das comunidades. E só terá
razão de existir se antes houver um trabalho, em toda a Diocese, de promoção e dignificação da beleza da vocação sacerdotal e a coragem de interpelar os jovens que
possam sentir esse chamamento de Deus.
294 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. entrevistas .
Padre Luís Miranda, membro da equipa do Seminário
A Semana dos Seminários
Estamos na semana dos Seminários. Na sua opinião, é importante celebrá-la?
Claro que sim! Embora seja necessário esclarecer um aspecto a meu ver importante. A semana
de oração pelos seminários não deve ser entendida
como o único tempo do ano em que prestamos
atenção “ao edifício” e às pessoas que lá habitam, também não deve ser um tempo
para a lamentação do “há poucos e devia haver mais…”, muito menos é um tempo
para fazer estatística! A celebração desta semana é um desafio, em primeiro lugar, à
oração. Depois, nessa intimidade e comunhão com Deus, há-de nascer a exigência
de sermos sérios no exame do passado na preparação do futuro. Mais do que dizer
que queremos padres, é essencial perceber que padres queremos. Vivida em profundidade, esta semana pode constituir para toda a diocese, para todas as comunidades
cristãs e para cada um de nós, baptizados, o início de um tempo em que nos preocupamos menos com os números e mais com as pessoas. Creio que assim nascerá
em todos uma consciência vocacional orante e interpeladora…e desta forma todos
nos sentiremos mais comprometidos e empenhados não tanto em “arranjar” padres
mas sobretudo em formar cristãos conscientes, audazes e felizes. Neste contexto, ser
padre aparecerá como uma questão natural.
Acompanha os jovens no Ano Propedêutico. Que é isso? Estágio, pré-admissão,
iniciação…?
Eu próprio, considero-me fruto dessa experiência determinante, pelo conjunto de
experiências que me proporcionou, pelos desafios que me colocou e sobretudo por
ser um ano de aprofundamento (discernimento) e consolidação vocacional.
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Vida Eclesial
O padre Luís Miranda é sacerdote da Diocese de
Coimbra e acompanha os seminaristas que frequentam o Tempo Propedêutico no Seminário de Leiria.
Está também ligado à pastoral vocacional da sua
diocese. Fomos ouvi-lo falar sobre a Semana dos
Seminários...
. entrevistas .
Num tempo tão confuso e alérgico à profundidade e ao compromisso, como é o
nosso, um ano destes é determinante não só para ser padre mas acima de tudo para se
ser cristão. Daí a importância desta iniciação à vida comunitária, à oração, ao aprofundamento do mistério da fé, a uma leitura objectiva do tempo e da cultura, e acima
de tudo por haver tempo para o essencial. O padre não pode ser um “atarefado fazedor de muitas coisas” ou um “super-padre”. Sendo servidor do baptismo dos irmãos
ou, como gostava de dizer o Papa João Paulo II, sendo um homem para os outros, o
padre deve em primeiro ser um sinal do Eterno, de Deus, e isso não se improvisa, tal
como não se improvisa a proximidade, a ternura de um acolhimento sincero, a experiência de levar a misericórdia de Deus a todos os que andam afadigados, esmagados
pelo peso da vida e dos seus muitos problemas… É por isto que é determinante um
tempo propedêutico. Não sendo um fim em si mesmo, é um ponto de partida para o
seminário maior e para a vida todaTem esperança no futuro próximo, concretamente na área sacerdotal?
Sem cair num optimismo semelhante ao daqueles que porventura não querem ler
a realidade, eu diria, apesar de tudo, que temos bons motivos para a esperança. O
primeiro deles prende-se com os jovens que estão no nosso seminário maior, no ano
propedêutico e no pré-seminário: eles são para mim o rosto da esperança, a certeza
de que Deus não falta aos que nele confiam. No entanto há um segundo aspecto a ter
em conta: é preciso recomeçar sempre! Para ser padre, para haver padres, é preciso
que haja cristãos, homens que se questionem, que rezem, que se deixem inquietar
pelo Evangelho. Por isso, um aspecto determinante para que a nossa esperança seja
alegre e real, advirá do empenho que todos colocarmos numa pastoral que seja toda
ela vocacional. Haver ou não mais padres depende em primeiro lugar de Deus…mas
que ninguém se sinta dispensado de rezar, de formar, de chamar. O Papa Bento XVI
tem recordado que os padres surgem nas comunidades onde se reza, mas lembra
também que rezar não significa fugir da realidade mas empenhar-se plenamente
nela. A esperança de mais vocações ao ministério presbiteral reclama mais empenho,
mais carinho e mais acolhimento pelo trabalho que tem vindo a ser desenvolvido
pelo nosso seminário maior, pelo pré-seminário, pelo ano propedêutico e pela pastoral das vocações. E reclama também admiração e gratidão pelos padres que servem
generosa e abnegadamente as nossas comunidades cristãs. É muito ao seu testemunho de fidelidade, de alegria e de fraterno acolhimento que se devem as vocações
que estamos a colher, e isto não pode ser esquecido!
Que palavra deixaria aos jovens do seminário e do pré-seminário e aos que
porventura venham a pensar nisso?
A todos e a cada diria o que o Papa João Paulo II disse aos jovens: “Não tenhas
medo de ser santo! É possível seres jovem e radicalmente fiel a Cristo”.
296 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. entrevistas .
Dois irmãos, padres angolanos, em missão em Leiria
Entre Setembro e Dezembro de 2007, estiveram connosco os padres Pedro
Jamba, Missionário de Nossa Senhora de La Salete, ordenado em 2001, e Paulo
Hosi, diocesano de Benguela, em missão na diocese do Sumbe, ordenado em 1999.
Para além do ministério, une-os o facto de serem irmãos gémeos, nascidos a 12 de
Dezembro de 1970.
Estiveram integrados
nas comunidades de
Regueira de Pontes
e das Cortes, com
o intuito de contactarem directamente
com a vida da nossa
Diocese. Fomos conversar com eles sobre
a Igreja em Angola e
sobre a sua experiência na Europa.
Como se vive a fé no quotidiano angolano?
A fé como resposta à ternura de Deus vive-se na Eucaristia, na oração diária, nos
actos piedosos, na busca constante da reconciliação e no diálogo dos fiéis com os
sacerdotes, em busca de orientação espiritual. Vive-se também na permuta constante
entre organismos ou movimentos apostólicos, paróquias ou missões, na troca de
experiências, na vivência cristã e na solidariedade, sobretudo nos momentos mais
difíceis.
Quais as principais dificuldades nessa vivência da fé?
Tirando a guerra, que cercava as famílias e as comunidades, e que, felizmente, já
acabou, não há dificuldades para além do normal, como em todos os países.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 297
Vida Eclesial
“Deus encontra pouco espaço
na vida do homem”
. entrevistas .
Como vêem o futuro da Igreja em Angola?
O futuro da Igreja em Angola não é preocupante, mas promissor. Por enquanto,
a Igreja está atenta à formação dos seus membros. Assistimos à abertura de institutos de ciências religiosas e ao envio de sacerdotes para formação, em Angola. Isto
garante a confiança no futuro. Olhando à solicitação das vocações, que o Senhor faz
cada dia, a Igreja de Angola não terá dificuldade em avançar.
Que aspectos da vida e da sociedade, na Europa, mais os chocam?
A busca frenética, o individualismo, a pressa com que tudo se faz, a corrida a
trás do tempo e das tecnologias, que avançam cada dia. Parece que Deus encontra
pouco espaço na vida do homem. A vida é um dom de Deus e quando não se vive na
comunhão, transforma-se num vazio absoluto.
Como vêem a liturgia, a celebração da fé em Portugal?
A Igreja na Europa, a nosso ver, precisa de se abrir um pouco mais ao tempo de
Deus para acolher o bem, este dom da ternura de Deus, segundo apela D. António
Marto, pois quando se dá pouco tempo a Deus, apesar de ser o dono de tudo, vivemos pouco este amor de Deus na Liturgia e na Eucaristia, e a participação torna-se
morna e monótona.
Por isso, segundo o apelo do Papa Bento XVI na mensagem para o dia mundial
das missões 2007, a Igreja da Europa apesar de ter sido a Igreja mãe na evangelização dos povos deve estar pronta e aberta para acolher os seus próprios filhos neste
intercâmbio para que ela continue viva e actuante já que a missão é obrigação da
Igreja Universal.
Angola é um país de missão? Em que aspectos?
Angola continua a ser terra de missão, tal como outros países, pois que a missão é
obrigação da Igreja Universal, por isso Angola, neste pós-guerra, precisa deste intercâmbio para uma cooperação entre as Igrejas ao serviço da missão, como diz o Papa
Bento XVI, na mensagem citada, para crescer com novas experiências e aprender
novas técnicas que garantam meios próprios, como canais facilitadores para levar a
mensagem do Evangelho a todos os recantos do povo angolano.
298 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. entrevistas .
Pe. Augusto Pascoal, responsável da comunidade
S. Romão e Guimarota
- centro de vida cristã
A comunidade de São Romão e Guimarota está
num processo de autonomização, prevendo-se
que se torne uma nova paróquia de Diocese de
Leiria. Em que fase está esse processo actualmente?
Em primeiro lugar, falar de “processo de autonomização”, talvez não seja o
modo mais correcto de se referir ao projecto em que se inserem as iniciativas de
ordem pastoral que levaram à criação da referida comunidade. Essa linguagem, de
facto, vem do tempo em que as estruturas eclesiásticas coincidiam com as administrativas da sociedade civil.
Relativamente a São Romão e Guimarota, o processo de autonomização só pode
existir na medida em que se procura criar um novo centro de vida cristã, aproximando os serviços essenciais da população, que irá criando a pouco e pouco a consciência de pertença a uma comunidade crente.
Não será, pois, fácil determinar a fase do processo, devido à sua concepção e ao
seu dinamismo específicos.
Quais as maiores dificuldades que tem encontrado como animador pastoral
desta zona?
Além das dificuldades comuns a toda actividade pastoral em zonas de população
totalmente desenraizada, as específicas de projectos desta natureza, que começam
por ser mal compreendidos pelos responsáveis pastorais a todos níveis. Até pelo
carácter excepcional de que se reveste e a sua originalidade na diocese.
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Vida Eclesial
A zona geográfica de São Romão e Guimarota
está a ser alvo de uma atenção particular por parte da
diocese de Leiria-Fátima, pois, a longo prazo, esta
é uma zona que poderá vir ser uma nova paróquia
na malha urbana da cidade. Fomos ao encontro do
padre Augusto Ascenso Pascoal, actual responsável
pela dinamização pastoral desta “Comunidade de
São Romão e Guimarota”.
. entrevistas .
Em seu entender quais as acções mais urgentes a implementar?
Diria que são todas urgentes; e como são todas urgentes, temos de começar pelas
mais importantes. Ora, na definição do mais importante, nem sempre os critérios são
coincidentes. Em meu entender, além da necessidade de dar um novo impulso às três
áreas da pastoral – evangelização, culto e solidariedade cristã – é muito importante a
solução dos problemas relacionados com os projectos de construção, que constituem
um ponto de referência necessário para a mobilização das pessoas que têm necessidade de ver obras materiais.
Qual o programa pastoral que está já em curso: celebrações, cartório, catequese, acção social?
Diríamos que está tudo na pergunta: tentamos desenvolver a pastoral celebrativa, partindo principalmente das festas da catequese, que é, quanto à pastoral de
evangelização, o que tem crescido mais e que começa a organizar-se já antes da
criação da Comunidade. Relativamente à acção social, temos intenção de começar
no próximo ano pastoral com acções concretas, em colaboração com o Centro Social
Paroquial dos Pousos e tirando partido de uma sondagem feita por alunas estagiárias
da ESEL.
É possível fazer uma previsão sobre a data em que São Romão e Guimarota
será erecta canonicamente em paróquia?
Apesar do que possam pensar certas pessoas, e como se deu já a entender, a
erecção canónica de uma paróquia é um projecto tão distante, que nem sequer vale a
pena fazer previsões a esse respeito.
Nós queremos criar uma comunidade crente, um novo centro de vida cristã; o
que não significa necessariamente uma paróquia, pelo menos no sentido tradicional
do termo.
300 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
Reflexões
. teologia/pastoral . história .
. teologia/pastoral .
Uma diocese chamada Sumbe
Alguém podia duvidar da força jurídica deste título, na medida em que mesmo o
Anuário Pontifício de 2006 desconhece o nome Sumbe, como designando uma diocese. De facto desde a sua erecção em 1975, desmembrada da Arquidiocese de Luanda, foi sempre conhecida e chamada de diocese de Novo Redondo, nome da cidade
que albergava a sede desta Igreja Particular. Interessante que dioceses criadas com
a mesma Bula Papal – Henrique Carvalho, Serpa Pinto e Pereira D’Eça – mudaram
para designações locais os seus nomes, chamando-se respectivamente de Saurimo,
Menongue e Ondjiva, enquanto novo Redondo continuou assim até 2000, não obstante ser para o povo do Kwanza-Sul e principalmente os jovens, incompreensível
chamar-se Novo Redondo ao Sumbe.
O facto de politicamente, desde a Independência Nacional, no mesmo ano da
criação da Diocese o nome da Capital da Província ter mudado duas vezes, primeiro
para Ngunza Cabolo e depois para Sumbe, explica a posição da Santa Sé em preferir
manter primeiro. Quando trinta e um anos depois da sua criação, a Diocese realizava
o seu 1º Congresso Eucarístico, estavam felizmente assentes as águas e, assim o
histórico nome de Sumbe, “kussumba” – comprar, da língua quimbundo de que tem
origem, e que correspondia às transacções comerciais praticadas pelos povos da terra
com os comerciantes europeus na costa marítima, Sumbe ganhou finalmente peso
sobre os outros dois nomes e até porque designa presentemente também a Capital da
Província do Kwanza-Sul.
Mas tenha sido da Arquidiocese de Luanda, haja conhecido o nome de Novo Redondo ou se chame Sumbe hoje, não é tanto isso que importa, mas antes o percurso
dos caminhos que a fé seguiu até fazer dos povos do Kwanza-Sul o povo de Cristo.
O 1º Congresso Eucarístico Diocesano, procurou aprofundar ao longo de quase três
anos de intensa preparação o segredo desta aceitação de Cristo pelo nosso povo.
A penetração pelo Litoral Sul com o clero secular, inicialmente para a assistência
espiritual aos portugueses aqui radicados ou em serviço, mas que em breve se expandiria para o interior, onde do reencontro dos missionários da Congregação do
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 303
Reflexões
Por D. Benedito Roberto, Bispo do Sumbe
. teologia/pastoral .
Espírito Santo, a partir do Libolo-Calulo, floresceram Paróquias e Missões com as
suas estruturas sócio-educativas que marcaram profundamente a realidade eclesial e
social que se fazem sentir hoje, é isto que constitui o essencial e o mais importante
da missão no Kwanza-Sul.
Com a guerra e consequências dela advindas, mudaram consequentemente os
homens e os tempos, mas a semente da fé germinada da evangelização desses homens e mulheres se foi desenvolvendo no solo da nova realidade criada. Também
hoje, como diz o Santo Padre o Papa Bento XVI, a alegria de fazer conhecido Cristo
continua a mesma: “Não há nada de mais belo do que ser alcançado, surpreendido
pelo Evangelho, por Cristo. Não há nada de mais belo do que conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade com Ele” (Sacramentum Caritatis 84). Ao número ainda
insuficiente de sacerdotes do clero secular da Diocese, das irmãs consagradas de
quase duas dezenas de congregações religiosas femininas e de uma plêiade de zelosos catequistas e movimentos eclesiais para uma extensão de 60 000 Km2, vieram
juntar-se os missionários de Leiria-Fátima (sacerdotes e leigos) na perspectiva e
celebração da Geminação das dioceses de Leiria e Sumbe. Desta Geminação o povo
do Gungo, não é o único beneficiário como o demonstrou a experiência dos vários
grupos que por aqui passaram até este último, na partilha das experiências de vida
com os irmãos encontrados vivendo com eles quer no Gungo ou em comunidades
do Sumbe como fez a jovem Jacinta. Mas mais forte se faz agora esta partilha com
a residência praticamente concluída, construída por Leiria na cidade do Sumbe, que
facilitará sem dúvida maior colaboração nos vários serviços da Diocese como explicita o protocolo de Geminação.
A Geminação celebrada abre pois para dimensões eclesiais e sociais grandes,
beneficiando ambas as dioceses. Caberá apenas às comissões constituídas em cada
Diocese a implementação do protocolo de Geminação.
304 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. teologia/pastoral .
Uma experiência de missão
Há 4 anos estive na Índia, em Calcutá durante 3 semanas para fazer uma experiência de voluntariado com as Missionárias da Caridade pois desde adolescente que
tinha o sonho de conhecer a “casa mãe” e os locais onde Madre Teresa de Calcutá
tinha iniciado a sua obra. Considero-me uma apaixonada pela sua vida!
Agora compreendo que tinha de voltar…
Trazia uma angústia no meu coração, tanto sofrimento, tanta pobreza… porquê,
Meu Deus? E eu no meu conforto, com família, amigos, casa, trabalho… tanto! Tentei apagar da minha memória as imagens que me despedaçaram o coração e tentava
não falar muito da minha experiência lá. As minhas palavras resumiam-se a pouco
mais que: “é uma país muito duro, com uma realidade muito dura”. Pouco mais era
capaz de articular e o meu coração ia tentando esquecer/ camuflar essa experiência
riquíssima, que me tinha feito crescer vários “metros” e perceber que o verdadeiro
sofrimento existe mas o verdadeiro Amor também.
Eu conhecia o sofrimento da doença de conhecidos, de problemas graves de
famílias, de abandono de idosos mas normalmente por passa palavra. Mas é muito
diferente quando todos os dias durante 3 semanas somos confrontados com rostos
magros que vivem na rua, no passeio onde eu tinha de caminhar logo às 5.30 da manha, cerca de 40 minutos para chegar à casa das Missionárias da Caridade (grandes
almas de Deus, não lhe posso poupar qualquer elogio). Os passeios àquela hora estavam repletos de gente a dormir, e não eram só homens (como também infelizmente
vemos em Lisboa), eram famílias inteiras, homens, mulheres e crianças.
Se passava um pouco mais tarde, já estavam a acordar, a começar a lavar-se, a
vestir-se, a comer, ali mesmo no passeio… tudo exactamente no mesmo espaço. O
cheiro em muitas ruas era nauseabundo, mesmo difícil de suportar, existiam alguns
urinóis mas nem sempre! As lixeiras eram abundantes onde brincavam crianças e
abutres! O cenário eram chocante e dia após dia o meu coração sangrava, chorava.
Estava sozinha… fiz muitos amigos, voluntários dos 4 cantos do mundo, mas não
havia um português sequer (com excepção da Irmã Maria do Carmo que encontrei
mais tarde). Guardava tudo no meu coração… era difícil partilhar o que me ia na
alma.
À chegada estava muito confiante. Já tinha estado 9 meses em Moçambique
como voluntária a trabalhar nos bairros, vinha de uma “missão” em Timor de cerca
de 3 meses, já tinha ouvido algumas dezenas de histórias e testemunhos lindíssimos
de missão, logo não pensei que fosse tão diferente. No meu intimo estava conven| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 305
Reflexões
Por Teresa Eugénio
. teologia/pastoral .
cida que estava preparada. Nunca tinha falado com ninguém que lá tivesse estado
nem visto fotografias de qualquer voluntário… mas tinha lido todos os livros que
encontrava de Madre Teresa de Calcutá e visto inúmeras fotografias desde a minha
adolescência. Mas… o confronto com a realidade é tão diferente… as fotografais,
os livros e até as palavras não têm cheiro, não têm sabor, não têm o palpitar dos
corações...
No regresso a minha conclusão era: a experiência de missão no Nirmal Hirday,
na casa do moribundo, a primeira casa que Madre Teresa fundou, onde trabalhei
como voluntária durante essas 3 semanas, foi muito boa, dura mas muito reconfortante, o verdadeiro Dar e Receber lindíssimo da Missão, mas toda aquela pobreza
que me parecia infinita levavam-me a dizer que “a Índia é um pais onde não tenciono
voltar”. Mas tantas vezes que Deus nos troca as voltas…
E parece que Deus tencionava trocá-las desta vez. Quatro anos depois, no fim de
ter pensado em diferentes destinos para estas férias, como Moçambique, Birmânia,
Camboja, e já estar quase tudo pensado para o Peru, eis que dou por mim já com os
bilhetes comprados para a Índia. Quando tomei consciência, não escondo que senti
um frio pela espinha e um aperto no coração. Algum medo instalou-se. No primeiro
dia, que cheguei, (fui para Deli, a capital da Índia), antes de dormir, chorei, chorei,
chorei… aquelas lágrimas eram de há 4 anos atrás mas porque estava sozinha e não
podia ficar doente nem “desprotegida”, “calquei-as” no meu coração. Todas aquelas
questões voltavam: Mas porque é que eu não posso fazer nada? Mas porque é que
milhares de pessoas têm de viver nestas condições nos nossos dias em que outros esbanjam tanto? Mas porque é que tantas crianças não têm espaço para brincar naquelas ruas da cidade onde vivem cerca de 22 milhões de pessoas? Qual o meu papel?
E pedia ajuda a Deus. Percebi que me acalmava, era como se a minha querida
Madre Teresa de Calcutá estivesse ali ao meu lado e me recordasse as palavras do
poema pegadas na Areia: “Minha querida filha jamais te abandonarei”, aquele conforto de mãe, de pai. Parecia que ela segredava ao meu ouvido, para eu ler as suas
palavras no livrinho da sua novena que tinha comigo (que tem como titulo: Jesus é
o meu tudo em tudo” – que as irmãs de Lisboa me tinham oferecido) e abri na página 19. Parecia que ali estava a resposta e começava a perceber o porquê do meu
regresso à Índia.
Nesta página tinha o texto para o sétimo dia que fala da alegria – Deus ama quem
dá com alegria. “O serviço a Deus e às almas é sempre duro, por isso com maior razão devemos tentar adquirir a alegria e fazê-la crescer em nossos corações. A alegria
é oração. A alegria é força. A alegria é amor. A alegria é uma rede de amor com a
qual se pode pescar muitas almas.” Palavras tão simples e que faziam tanto sentido
no meu coração. Pedi muito que os meus anjos me acompanhassem naqueles dias
que estavam para vir, que me dessem muita força para enfrentar toda aquela pobreza
e principalmente capacidade de entendimento e aceitação para que pudesse passar os
meus dias a sorrir, a dar o sorriso de Jesus, essa alegria que Deus tanto aprecia.
306 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
Novamente o táxi chegou à Rose Boad e parou junto do 54A, a Mother House,
em Calcutá, como há 4 anos atrás. Mas agora senti uma paz invadir o meu coração…
que milagre! Ao entrar naquela portinha castanha uma alegria apertou o meu coração, o regresso ao lar da minha tão estimada Madre Teresa. Sentia sinceramente uma
paz naquele lugar que já me tinha esquecido de tantas tarde que ali passara a “conversar” junto ao túmulo da “Mother” ou na capelinha junto à sua estátua joelhada
na sua almofada. Que bom! Mais uma vez percebia o significado do meu regresso.
Afinal os “fantasmas” estavam a desaparecer.. ou será que eles existiam? Acho que
os criei eu própria como refúgio.
E Deus tinha mais uma surpresa preparada para mim. Á chegada enquanto falava
com a irmã e a questionava sobre qual o alojamento que nos sugeria, ela chamava um
Padre espanhol que tinha acabado de chegar com um grupo de 20 universitários para
missão. E dizia “Eu acho que eles estão na Monica’s House e provavelmente vocês
podem ficar lá”. O jovem padre chegou com os seus jovens. Aquela cara não me parecia desconhecida. Ele olhou para mim e foi um momento de grande emoção…era
o Padre Peter. Conhecemo-nos há 4 anos atrás. Ele tinha estado lá, em 2002, com
outro grupo de espanhóis, que eu conhecera. Que excelente surpresa! Deus é assim!
Conversámos, também ele não tinha voltado durante estes 4 anos e tinha chegado no
dia anterior para mais uma experiência de cerca de 1 mês!
Os dias sucederam-se, o meu coração estava invadido de uma paz inexplicável.
Olhava para as pessoas na rua e apoderava-se de mim um sentimento de Amor e não
de dó… uma transformação divina no meu sentir… olhava aquelas pessoas com
carinho e já conseguia discernir que muitos mendigavam por “profissão”, como as
irmãs nos alertavam. As crianças afinal sorriam. Encontrei a mesma pobreza, mas
conseguia dar com muita alegria.
Decidi ser a Irmã Karina (que é uma das responsáveis pelos voluntários) a escolher o local onde ficaria desta vez a trabalhar. E ela sem hesitações perguntou se eu
estava disponível para trabalhar no Nirmal Hirday (as irmãs têm cerca de 9 casas em
Calcutá onde os voluntários podem trabalhar). Outro sinal de Deus. Deus queria que
eu voltasse a trabalhar exactamente onde estivera há 4 anos atrás. Aceitei, prontamente, e no dia seguinte lá estava. Também ali o regresso foi com muita serenidade.
Percebi que sentia muitas saudades daquele lugar e que apesar dos primeiros dias,
há 4 anos, terem sido difíceis, agora recordava apenas tantos bons momentos que ali
passara. Olhava as camas e recordava os rostos anteriores. Que engraçado! Recordava as massagens que tinha feito à senhora que estava na cama 32, e a canção que
tinha cantado à jovem da cama 17…
As tardes passadas no Nirmal Hirday voltaram a ser muito bonitas. O Nirmal
Hirday, também conhecido como casa do moribundo, é uma casa onde são acolhidas
pessoas em estado muito grave, muitas vão ali para morrer, vêm das ruas, sozinhas,
doentes, com fome. Há uma secção para homens e outras para senhoras, chegam a
estar cerca de 100 doentes. É tão bonito perceber como muitos deles recuperam…
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 307
Reflexões
. teologia/pastoral .
. teologia/pastoral .
Recordo entre muitas histórias, o dia em que decidi comprar um verniz para lhes
pintar as unhas (as senhoras são vaidosas em todos os cantos do mundo!!). Uma
velhinha quis uma pintura completa de mãos e pés! No fim, por gestos, pois eu não
percebia o seu bengali e ela não entendia o meu inglês (nem português!) lá percebi
que íamos trocar de posições e ela pintou-me também as unhas dos pés e das mãos.
Foi um momento tão bonito! Mais uma vez Jesus estava ali, nos pequenos gestos.
Exactamente como Madre Teresa tantas vezes dizia: “Não podes fazer grandes coisas
mas podes fazer coisas pequenas com grande Amor” ou “Não interessa a quantidade
de coisas que fazes, interessa o amor que colocas em cada uma delas”! Sem duvida
que Madre Teresa é para mim uma grande referencia, uma mulher dos nossos dias
que, como é relatado na sua história, “deixou o conforto do convento para se dedicar
aos pobres da ruas de Calcutá”. E o testemunho das Irmãs é excelente, verdadeiras
missionárias ao serviço dos pobres dos mais pobres. Bem Hajam. E todos nós que
temos o privilégio de conhecer almas, assim, grandes, temos também a obrigação de
fazer “pequenas coisas mas com muito Amor”.
Percebia agora as coisas de forma muito mais clara, que a angústia que me dominava em relação à pobreza extrema que tinha conhecido em Calcutá era agora
substituída por esta compreensão.
Agradeço profundamente a Deus por este regresso a Calcutá…
Se quiserem saber mais pormenores desta experiência e aspectos logísticos, de
como fazer voluntariado em Calcutá, perguntem. Os aspectos logísticos são muito
fáceis, chegam lá pessoas de todas as idades, de todos os continentes, sozinhas ou
e grupo, por uma semana ou por muitos meses. As irmãs recebem todos de braços
abertos, desde que levem muito Amor no seu coração… porque Jesus é assim!
308 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. história .
O Património Crúzio em Leiria
nos inícios do século XV
— Elementos para o seu estudo
Saul António Gomes
1 — Há alguns anos, pudemos transcrever entre os numerosos documentos do
fundo do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, existentes no então chamado Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, um importante texto com a relação do património e
das rendas que o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra detinha no Priorado de Leiria.
A relação em causa, datada de 1399 e de 1431, encontra-se compilada num antigo
livro, em papel, oriundo desse Mosteiro, vulgar e habitualmente chamado Livro Nobre, ocupando os fólios 275 a 287vº.
Na lauda de abertura deste Livro Nobre pode ler-se a inscrição seguinte:
Por ela, como se vê, todo o teor do manuscrito cartáceo é atribuído ao ano de
Cristo de 1431. Na verdade, contudo, a composição deste grosso cartapácio monástico é mais complexa, nele tendo sido reunidos, a partir da documentação arquivada
em Santa Cruz de Coimbra, textos de proveniências, datas e conteúdos diversos. É
o que sucede com a relação dos bens e rendas dos aniversários que o Mosteiro conimbricense dispunha em Leiria e no seu termo que, como escrevemos, tem como
balizas cronológicas os anos de 1399 e de 1431.
Em torno de 1400, em Portugal como por toda a Cristandade ocidental, verificou-se uma acentuada crise de mercados que obrigou a políticas financeiras de
uma quase permanente desvalorização da moeda. A essa crise outras se juntaram,
como a recessão demográfica provocada pela Peste Negra de 1348, a irregularidade
das colheitas cerealíferas que não permitiam a sustentabilidade dos mercados de
pão e causavam reiterados ciclos de fome, a multiplicação de surtos epidémicos de
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Reflexões
“Livro chamado o Nobre aonde estão escritas todas as propriedades que o Mosteiro pesuhia e o foro e penção que dellas se pagua ao tempo que se fez que foi no
anno do Nascimento de Noso Senhor Jesu Christo de 1431, aos 26 dias do mes de
Mayo do dito anno e foi feito por Diogo Affonso como se conta a fl. 367vº”1.
. história .
doenças, as guerras frequentes entre Estados no contexto da Guerra dos Cem Anos,
as migrações das populações rurais para os centros urbanos em busca de melhores
salários e condições de vida, levando à multiplicação de manchas de pobreza e de
marginais, as revoltas camponesas ou citadinas contra senhores feudais ou governos
tirânicos, as crises sucessórias dinásticas ou as divisões dentro da Igreja Romana,
que acabariam na eclosão do Cisma do Ocidente, em 1378, entre outros factores,
demonstram suficientemente que os finais de Trezentos foram um período de dificuldades económicas e de tensões sociais e políticas generalizadas.
Ao longo do primeiro terço de Quatrocentos, contudo, a situação económica tenderá a melhorar paulatina e sustentadamente, permitindo a recuperação da confiança
dos agentes sociais criadores de riqueza e de investimento. Para Portugal, esse foi
o tempo da implementação da paz com Castela e Leão e, simultaneamente, de uma
política de afirmação internacional da nova dinastia de Avis a qual teve, na conquista
de Ceuta, em 1415, nas vésperas da cessação do Cisma da Igreja, um dos seus momentos mais sensíveis.
Não estranhará que, face a esse novo clima de optimismo e crescimento económico, potentados da época, como o eram os grandes senhorios eclesiásticos, caso do
Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra ou do de Alcobaça, tivessem sentido necessidade de afinar as suas práticas de gestão patrimonial ou temporal, base da riqueza
que lhes permitia o desempenho da missão pastoral e eclesial para que se sentiam
vocacionados e da qual tinham perfeita consciência histórica.
É neste contexto que, cremos, os cónegos regrantes de Santo Agostinho, estabelecidos em Santa Cruz de Coimbra como, ainda, noutras canónicas, procuraram
implementar estratégias de gestão temporal que lhes permitissem dispor de uma informação actualizada dos seus cadastros patrimoniais e das rendas por eles geradas.
Com essa informação, os religiosos crúzios, como os de todas as demais comunidades
conventuais de Portugal, poderiam programar mais eficazmente o armazenamento de
bens percebidos, a sua colocação e venda nos mercados ou, mesmo, regular de modo
previdente os seus gastos e investimentos pastorais, litúrgicos e de formação cultural
e intelectual, bem como fasear a distribuição ou partilha caritativa de uma parte desse
produto pelos seguramente muitos e muitos necessitados e pedintes que acorriam às
suas portarias procurando, por caridade, hospitalidade ou algum alimento.
Nestas circunstâncias compreenderemos melhor a organização, por determinação de D. Gonçalo Gil, prior-mor de Santa Cruz de Coimbra, do conhecido Livro
Nobre. Nele, como referimos, foi integrada a relação dos bens e rendas do mosteiro
coimbrão por terras leirienses. Só uma parte do caderno respeitante a Leiria, que
ocupa os fólios 275 a 287, contudo, pode atribuir-se ao ano de 1431. Referimo-nos
aos fólios 275 a 277 que são seguramente desse ano ou de uma data muito aproximada. A restante informação contígua, entre os fólios 277vº e 287, é mais antiga,
resultando de um traslado, feito em 1399, a partir de num inventário preexistente das
rendas dos aniversários crúzios em Leiria.
310 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. história .
Foi este traslado lavrado, no mês de Março da Era de César ou Hispânica de 1437,
correspondente ao ano cristão de 1399, por um tal Fernando, filho de João Martins,
escrivão das sisas de Leiria, conforme aparece registado no próprio manuscrito:
O mencionado João Martins aparece citado como escrivão das sisas de Leiria
em diplomas de 14 de Abril de 14023 e de 26 de Novembro de 14174. Sabemos que
João Martins era também tabelião régio em Leiria. Descobrimo-lo, efectivamente,
a redactar actos tanto nesta vila, como na povoação de Paredes, entre 1368 e 1416.
Neste último ano, João Martins declarava, no fecho de um seu acto notarial, estar
“em a villa de Leyrrea em as casas de mym tabeliam”, subscrevendo-se como criado
e escudeiro del-rei, público tabelião e escrivão de Leiria5. Sabemos que a 2 de Julho
de 1368 se intitulava tabelião de Paredes6.
Será em Leiria, contudo, que centrará a sua actividade. Documentamo-lo, como
tabelião del-rei, a redigir actos diante das casas do almoxarife da vila (1370)7, na
Praça de S. Martinho (13798, 13839), entre outros espaços10. Por vezes deslocava-se
a lugares do termo leiriense como fez, em 1396, à Maceira11 ou, em 1401, à Batalha,
“no moesteyro del Rey que El manda fazer”12, aqui regressando, uma vez mais para
celebração de acto notarial, no dia 18 de Agosto de 140813.
A 19 de Janeiro de 1397, encontramo-lo em Coimbra, aí contratando com a Sé
desta cidade o emprazamento da Quinta da Golpilheira e de um olival na Gândara
[dos Olivais], pelo que se comprometia a pagar uma renda anual de 25 libras antigas
de dez soldos o real, equivalentes, segundo os cálculos estabelecidos no dito contrato, a 200 libras novas correntes, indicador bastante significativo dos tempos de inflação económica que Portugal atravessava então14. Por esse contrato, aliás, tomamos
conhecimento de que João Martins era casado com Mafalda Esteves15. A 20 de Maio
de 1404, João Martins desloca-se novamente em Coimbra, a fim de contratar com a
Sé uma nova avença pela casa que refizera na Quinta da Golpilheira, a qual ficaria
desde então como cabeça predial da dita Quinta16.
Pensamos que será pessoa distinta, ainda que homónima, um outro João Martins,
também tabelião leiriense, activo entre os anos de 1448 e 1455 e com o estatuto de
criado e escudeiro régio, desempenhando ainda os ofícios de escrivão dos órfãos
(1451) e dos feitos das sisas (1453) — escrivaninha esta que lhe foi retirado, por
acusações de erros, justamente em 1453, sendo então confiada a Álvaro Fernandes,
por pedido do fidalgo D. Vasco de Ataíde17 — acabando por renunciar ao tabeliado
das notas antes de 25 de Junho de 145518.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 311
Reflexões
“Estes som os aniverssairos que eu Ffernando ffilho de Joham Martinz scripvam
da ssissa de Leirea tralladey no mes de Março de mil iiijc e xxxbij anos e os que
andam enprazados per esta moeda ora corrente desta Era sobredicta logo diz desta
moeda. E os que andam enprazados per moeda antiga nom diz nada salvante diz a
penssom por que cada huum anda arrendado ou enprazado por tantas libras ou por
tantos soldos primeiramente (…)”2.
. história .
Foi um filho de João Martins, de nome Fernando, como escrevemos, o responsável pela cópia da relação das rendas crúzias em Leiria nesse ano de 1399. Mas
sobre o percurso deste escrivão, por ora, nada podemos adiantar, para além de o
identificarmos num trabalho útil ao arquivo e à administração corrente do Mosteiro
de Santa Cruz de Coimbra, instituto para o qual trabalharam, nesses tempos de renovação da memória arquivística como da livraria conventual, numerosos letrados,
copistas e notários.
2 — Em 1431, quando o Livro Nobre foi compilado, era prior-mor do Mosteiro
D. Gonçalo Gil, dito da “Boa Memória”, cognome que lhe ficou como homenagem
à sua governação eclesiástica restauradora e mesmo, até certo ponto, reformadora.
Religioso profícuo, foi reitor da igreja de S. Julião do Juncal, na Arquidiocese de
Lisboa.
No dia 24 de Outubro de 1416, já como prior eleito, apresenta-se no Mosteiro
da Batalha onde, perante o rei D. João I e toda a sua corte e grandes da nobreza e
da clerezia de Portugal, ali reunidos para os funerais da rainha D. Filipa de Lencastre, lavra um protesto por entender que os direitos jurisdicionais de Santa Cruz de
Coimbra, naquele acto, estavam a ser desrespeitados19. A 11 de Novembro desse
ano, ainda D. Gonçalo Gil não estava confirmado no priorado-mor. Nesta data, na
verdade, a comunidade canonical, encabeçada pelo prior claustral, D. Pedro Eanes,
sendo o “Monsteiro asi vago”, reafirma o protesto lavrado na Batalha por ocasião do
soleníssimo “sotorramento” da rainha D. Filipa. Nestas exéquias foram oferecidos
ao Mosteiro da Batalha muitos dons e esmolas, contando-se entre eles 70 peças de
panos de ouro e seda “novos enteiros mui nobres e mui ricos”, dos quais Santa Cruz
reclamava uma quarta parte, e não a décima parte que lhe haviam ofertado, como
direito da freguesia matriz de Santa Maria da Pena de Leiria20.
A confirmação de D. Gonçalo Gil na cátedra claustral de Santa Cruz, contudo,
só ocorrerá no ano seguinte, havendo tradição, entre os cronistas crúzios, de que
D. Gonçalo Gil recebeu a nomeação prioral no dia 24 de Dezembro de 1417. Quer
seja, quer não, com a eleição de D. Gonçalo Gil, os cónegos regrantes punham fim
ao pernicioso cisma que os dividira em dois partidos opostos entre os anos de 1414
e 1417.
Na verdade, tendo falecido D. Afonso Martins, prior-mor do Mosteiro desde
1393, no dia 21 de Julho de 1414 — do qual, aliás, guardaria o Mosteiro uma
lembrança negativa, dado que este prelado não hesitou em apropriar-se de parte do
tesouro conventual para satisfação de despesas familiares21 — não se entenderam os
conventuais quanto à eleição do seu sucessor. Dividiram-se os votos por duas facções22. Uma apoiava D. Fernando Afonso, prior que era de Arruda dos Vinhos; outra
louvava-se em D. Pedro Eanes, o qual fora prior claustral da canónica, ocupando, já
em 1396, o cargo de vigário-geral do priorado de Leiria23:
312 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. história .
Reflexões
“E depoys vagou o moesteiro de Santa Cruz E emlegerom os conjgos huum
Fernamd Afomso prior da Arruda que fora conjgo E prior clesteiro do moesteiro de
Santa Cruz. E ouue a dicta Jgreja per corte. E emlegerom Outros conjgos em hum
Pero Anes que era aquj prior clesteiro E despois por tempo veeo a seer vigairo de
Leirea E hy Jaz.
E este Pero Anes E Fernamd Afomso seendo em[de] emleitos Ja como dicto he
foran se a El Rey Dom Joham cada huum com sua emliçom. E huum dise mall a
El Rey do outro. E o outro do outro. Em tall maneira que foi mall edificado E pior
consolado pollas fautas que cada huum dizia do outro. E mandou lhe El Rey Dom
Joham per frey Joam Xira Seu confesor anbos de dous que El Rey fora E era muj
mall contente de Suas Jnliçooeens por mujtos ujtuperios que anbos diziam Em mujto
Seu desfazimento. E que logo Se partisem E se veesem <ao> Mosteiro E todos emSenbra disesem huã mjsssa aa onrra do Espiritu Santo mujto deuotamente. E logo
entrasem Juntamente em seu Cabijdo E que lh<e> apresentaseem huum com todas
as vozes dos conjgos. E que elle lhe daria Suas suppricaçooens pera o Santo Padre.
E qu<e> açerqua deste moesteiro elle tijnha Ja escripto aos <seus> procuradores24
que estam em corte de Roma que nemhuum nom se trabalhase que gaanhase o seu
moesteiro de Santa † E que fose mujto çerto que o que fezese o contrairo que nunca
comeria o moesteiro nem aueria a pose. E os sobredictos Conjgos comprirom com
mujto booa voontade o que lhe mandou o dicto Rey. E dicta a mjsa do Espiritu Santo
logo emtrarom Em Seu capitollo todos. E todos Em huum Coraçom e Em huã voz
fezerom Sua enliçom (…) ”25.
Santa Cruz de Coimbra: fachada (Foto IPPAR)
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 313
. história .
3 — Não se viu confirmado na prelatura crúzia, como vimos, D. Pedro Eanes, o
qual faleceria, mais tarde, quando vigário-geral da então vila de Leiria, onde veio a
ser sepultado. Não nos chega muita documentação sobre o seu vicariato mas, da que
conhecemos, podemos ajuizar da sua capacidade de gestão e de defesa dos interesses
jurisdicionais de Santa Cruz nestas terras. Foi durante o seu governo à frente do Priorado de Leiria, mais precisamente no ano de 1399, que se procedeu, como vemos, ao
apuramento das respectivas rendas crúzias.
A 10 de Outubro de 1396, D. Pedro Eanes promulgava uma sentença contra
Afonso de Ourém, que semeara numas terras junto à vila, mais precisamente na
Portela, usadas tradicionalmente para trigo e cevada, açafrão (“e ouve em ella xxx
arratees d açafram e perrall (…) que é ortariça (…) huuã semente grosa e de grande
valor”) novidade na paisagem tradicional agrária local, mas de que o dito agricultor
não podia eximir-se ao pagamento do dízimo devido ao senhorio espiritual, avaliado
sobre uma produção de 30 arráteis (cerca de 14 quilos) ou 1500 reais brancos por
eles, num valor de 50 reais o arrátel (0,459 kg)26.
Já a 7 de Dezembro de 1402, perante D. Afonso Martins, prior-mor de Santa Cruz
de Coimbra, D. Pedro Eanes, prior claustral da canónica, encabeça os interesses dos
clérigos raçoeiros de Santa Maria de Leiria que pretendiam ver respeitados os compromissos estabelecidos entre eles e o Município leiriense em matéria de proposição
de novos clérigos para o Priorado, os quais deveriam ser naturais da concelho ou que
pelo menos um dos progenitores o fosse27.
No ano seguinte, a 2 de Abril, visitando o Priorado o cónego D. Fernando Afonso, foi por este lavrada sentença segundo a qual os moradores da Granja de Carvide,
lavradores de Inverno e pescadores no Estio, seriam obrigados à satisfação da décima de todo o peixe que pescassem: “Estes sobredictos moradores na dicta Granya
de Carvide depois que ora abriram ho Campo tragem hua barca com que vãao
pescar do mar asy com redes come sem dellas. E esomedes no dicto ryo. E matavam
e pescavam muitos pescados asi no dicto mar como em no dicto ryo”28.
Não se vislumbra intervenção directa de D. Pedro Eanes na concessão, pelos cónegos crúzios, em 17 de Maio de 1407, de um prazo em favor de Gomes Lourenço,
tecelão, sobre um chão de vinha “que está ante Sam Francisco e Samt Amdrel aleen
do Rio”29. A mesma ausência se detecta na carta de compromisso estabelecido por
acordo entre o prior-mor de Santa Cruz e o Cabido de Santa Maria da Pena, de Leiria, para que o número de clérigos beneficiados leirienses, atendendo às dificuldades
económicas que se viviam, se fosse reduzindo de 40 até 25, dada a falta de recursos
materiais para suportamento dessas prebendas30, situação que parece confirmar-se
igualmente a propósito da confirmação do citado compromisso, lavrada, em Coimbra, no dia 19 de Abril de 141431.
A não nomeação de D. Pedro Eanes nestes importantes contratos parece indicar
o seu possível afastamento de Santa Maria de Leiria ao menos durante algum tempo.
Sabemos que ele exerceu o cargo de prior claustral em Santa Cruz, como sucedia,
314 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
conforme referimos, em 1416, facto que nos indica que não pode ter ocupado permanentemente o vicariato leiriense. Encontrava-se à frente do Priorado, contudo, em 2
de Setembro de 1419, momento em que encabeçou uma enérgica oposição à pastoral
dos Frades Menores em Leiria, acusados de desviarem os fiéis das igrejas paroquiais
da vila e de não respeitarem os privilégios eclesiásticos crúzios aqui estabelecidos32.
É muito provável que seja ainda este D. Pedro Eanes que, episodicamente, em 1438,
vem citado como vigário e prior de Leiria por D. Gonçalo, prior-mor de Santa
Cruz33.
Com maior ou menor estabilidade, de forma continuada ou com interstícios no
exercício do múnus vicarial, a verdade é que o governo de D. Pedro Eanes, em Leiria, recai numa época particularmente brilhante na vida local. Lembremos que foi
nesses anos de finais do Século XIV e do primeiro terço do Século XV que o rei D.
João I e sua esposa D. Filipa de Lencastre patrocinaram uma importantíssima campanha mecenática de obras góticas dentro e fora da vila.
Na urbe, como se sabe, fizeram edificar os Paços Novos ou do Castelo, que hoje
observamos restaurados, patrocinaram uma profunda reforma artística no Convento
de S. Francisco de Leiria, ergueram a nova ermida de S. Gabriel, mais tarde Nossa
Senhora da Encarnação. Fora de Leiria, como é bem conhecido, deram fundação ao
majestoso Mosteiro de Santa Maria da Vitória.
Não devemos esquecer, naturalmente, a importantíssima obra de reforma da
igreja matriz do Priorado, Santa Maria da Pena, na qual se inscreveu toda uma emblemática de exaltação da memória régia de D. João I em consonância, aliás, com a
emergência de uma novel devoção ao Nome de Jesus, bem simbolizadas na incorporação da letra pitagórica “Y” na numária real (“Yesus” / “Yohannes”) ou, ainda
que a um nível diferente mas não dissociado pela devoção crística que revela, nos
selos de autenticidade de D. Afonso Martins, o prior-mor crúzio falecido em 1414,
do qual sabemos ter sido prelado cortesão e muito próximo do círculo régio avisino
mais restrito34.
A Leiria gótica conhecia, ainda, inovações tecnológicas relevantes. Lembremos
que, por carta de 29 de Abril de 1411, Gonçalo Lourenço [de Gomide], escrivão da
puridade de D. João I, recebia privilégio real para construir, junto à Ponte dos Caniços, uns engenhos, artifícios e moinhos novos “de fazer ferro e serrar madeira e
pisar burel e fazer papel ou outras alguãs cousas que se façam com arteficio d agoa
quãaes el enternder mais por sua prol”35. No termo da vila, instituiu-se a feira anual
de Agosto na Batalha, em 141336, e dinamizaram-se obras de drenagem e de valamento do Campo, enquanto florescia o comércio das madeiras, base da prosperidade
de unidades portuárias mais circunvizinhas como eram a Foz do Rio Lis (Vieira), S.
Pedro de Muel, Paredes e Pederneira37. Progressos que se faziam sentir igualmente
nas terras contíguas a Leiria da jurisdição da Ordem de Cristo (Pombal), do Dom
Abade de Alcobaça38 ou do Conde de Ourém39.
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Reflexões
. história .
. história .
Claustro do Silêncio de Santa Cruz de Coimbra: pormenor (Foto IPPAR)
4 — O “Livro das possisõees de Leirea e sseu termho” ocupa, como escrevemos,
os fólios 275-287vº do Livro Nobre de Santa Cruz de Coimbra. Não se trata verdadeiramente de um “livro” na acepção comum, mas antes de um pequeno tombo
ou caderno no qual foram lançadas as propriedades rústicas e urbanas do Mosteiro
conimbricense em Leiria.
Verificámos, antes, a organização cronológica dessa informação. Cumpre, agora,
anotar que os primeiros 29 artigos inventariados correspondem a património exclusivo do prior-mor de Santa Cruz. A este núcleo inicial sucede o “titulo das egrejas e
herdadas d arredor da vila e termho”, do qual se excluem as igrejas matrizes de freguesias, perfazendo um total de 17 itens respeitantes a 20 igrejas, uma vez que, em
três desses itens, se mencionam duas igrejas (S. Bartolomeu e S. Bento do Freixial,
S. João de Monte Real e S. Lourenço [de Carvide], os S. Miguéis.
Um grupo distinto de rendimentos era proporcionado pelos direitos sobre o
sal, pela dízima dos pescados das Paredes, pela terça dos vinhos, pela metade das
oblações das igrejas da vila aos Domingos e festas e, finalmente, pelo produto das
mortuárias e missas de aniversário. O terceiro e último grupo do inventário engloba
“os aniverssairos”, ou seja, as propriedades doadas ao Mosteiro sob condição de, dos
316 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
seus rendimentos, se realizarem aniversários ou missas por alma. Este grupo, com
128 artigos, é o mais longo de todo o inventário.
Esta relação das possessões e rendas crúzias em Leiria, de 1399 e 1431, não
esgota a informação possível acerca da gestão temporal do Priorado, uma vez que
existiam muitas outras fontes de rendimento que ficam omissas. Ainda assim, este
documento é um testemunho precioso para a reconstituição da paisagem urbana e
rural local, bem como para percepcionar de modo mais pormenorizado a tessitura
social leiriense.
Nos alvores de Quatrocentos, do ponto de vista da tipologia dos bens de raiz que
Santa Cruz aqui detinha, predominavam as herdades (24,20%) e as vinhas (25,47%).
Às primeiras, contudo, deveremos associar outras unidades rurais como os “lugares” (5,09%), as quintas (3,18%), os casais (1,91%) e os conchousos ou chousos
(1,91%), o que fará subir o índice percentual das terras essencialmente dedicadas ao
cultivo do cereal.
As vinhas, naturalmente, atingindo 25,47% das unidades arrendadas por Santa
Cruz, representavam um importantíssimo património e, com elas, o olival (8,91%),
a que deveremos associar, pelo significado na dieta alimentar do homem medieval
— que tinha no pão, no vinho, no azeite e nos verdes elementos determinantes — as
almuinhas e os pomares (4,45%), dos quais se podiam colher verças e fruta diversa.
Surpreende, no entanto, o baixo peso das salinas de sal-gema, com 1,27%, dada
a importância do sal na alimentação quotidiana mas, sobretudo em Leiria, como
produto comercial muito procurado. Por esses anos, curiosamente e por contraste
com o caso crúzio, pudemos já verificar que a produção e venda de sal era um opção
muito relevante, por exemplo, na vida económica do Mosteiro da Batalha, como
entre muitos proprietários livres40.
Distribuíam-se maioritariamente as herdades e terras de pão de Santa Cruz de
Coimbra por lugares como Alcanada, Brancas, Alpentende, Magueixa, Reguengo,
Rio Seco, Cortes, Opeia (Caranguejeira) e Ulmar (Monte Real), entre outros lugares
não distantes do eixo dinamizador que eram ou o Rio de Alpentende ou Lena ou o
Rio de Leiria depois chamado Lis. Muito poucas eram aquelas que se aproximavam
das muralhas da vila. Distante, também, eram os casais (Mouta do Gato, Cirol), os
lugares (raramente localizados na fonte que usamos), ou as quintas (Porqueira (hoje
Vale de Santa Margarida, nas imediações do Soutocico, freguesia do Arrabal), na
Fonte da Pedra, na Golpilheira ou no Cirol.
Num raio bem mais concêntrico ao castelo estavam os vinhedos, densos nas
áreas das Cortes, do Vidigal, do Casal da Baralha, da Barreira, da Barosa, de Santo
Estêvão e de Porto Moniz e suas salinas, no Rego Travesso, na Azoia, nas Mestas
(Barosa), na várzea do Arrabalde de Santiago, no entorno da Gafaria de Santo André e do Convento de S. Francisco ou subindo pelas colinas de Valoco e da Fonte
da Parviceira (Marrazes), estendendo-se ao Rego Travesso, às Quebradas e à Costa
(Maceira). O olival, por seu lado, acompanhava de perto a vinha, estendendo-se pela
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 317
Reflexões
. história .
. história .
Gândara (que lhe tomaria o nome em tempos mais tardios), pela Areia dos Vasos
(hoje Cruz da Areia), pelo Rossio Velho, pelo Arrabalde da Ponte, chegando ainda
a alturas da Azoia ou de Regueira de Pontes. Bem contíguas ao núcleo urbano estavam as almuinhas, terras de aluvião e ribeirinhas ao Lis, as melhores das quais nas
imediações da bem conhecida Fonte Quente ou, a par destas, paredes-meias com a
Gafaria.
As propriedades rústicas permitiam boas rendas a Santa Cruz, bem como o abastecimento dos mercados e das feiras locais. A Leiria medieva era uma urbe com vida
comercial apetecível. A sua comunidade judaica, nela instalada desde cedo, prova-o
bastamente41.
A fonte que continuamos a usar confirma muito bem essa vocação comercial e
urbana leiriense. Os prédios urbanos que os crúzios aqui detinham repartia-se por
casas (15,91%), tendas (3,18%), lagares (2,54%) e uma importante adega. Trazia o
Mosteiro tendas de comércio arrendadas nas Ruas da Sapataria e da Ferraria, mas,
sobremodo, um interessante número de prédios urbanos concentrados muito em especial no Arrabalde da Ponte de Santiago, junto à Rua da Ponte, ao Arco e ao adro
de Santiago. No entorno da igreja de S. Martinho tinham os cónegos um razoável
património construído, disperso pela Rua Nova, à Praça de S. Martinho, pela Rua
da Lã dos Mercadores, pelas já mencionadas Ruas da Sapataria, da Ferraria e na
Judiaria, localizando-se na área de influência desta paróquia, cremos, a original Rua
das Cavaleiras. Mais acima, na Portela, umas casas rendiam 30 libras ao ano. Lagares de azeite e de vinho, bem como a adega grande do Mosteiro, que se localizava
seguramente dentro das muralhas, lembram o papel da cidade medieva como centro
de transformação e de armazenamento de bens e alimentos42.
Em 87 itens não encontramos explicitadas as profissões dos foreiros de Santa
Cruz. Coincidem, na maior parte, estas omissões com foros sobre prédios rústicos
como sucedia com as herdades. Muitos dos que as arrendavam poderiam ser agricultores ou gentes envolvidas nos circuitos de exploração agrária do termo leiriense.
Lembremos que, por 1400, a aristocracia leiriense dos homens-bons, que controlavam o poder municipal, tinha fortes ligações ao mundo rural.
A propriedade mais peri-urbana ou plenamente urbana era trazida sobretudo por
clérigos de famílias locais — 25 casos, um dos quais respeitante ao Cónego Couvinha (nº 7), outro ao Prior da Atouguia (nº 116) e um terceiro a um frade de Santa Zita
(nº 120) — oriundos, na sua grande maioria, das classes populares.
Mas era no grupo dos “mecânicos”, dos que viviam do trabalho mesteiral manual, que maior número de rendeiros surgia. Destacavam-se, por maior número de
ocorrências, os ferreiros (seis notícias, posto que preponderasse o Mestre Ferreiro,
arrendatário de várias parcelas urbanas(nºs 76 a 76 e 135)), os carpinteiros (4 casos
mais um marceiro), sapateiros (4 casos), tecelões (4 casos), mercadores (3 casos),
almocreves (3 casos), tabeliães (3 casos), para além de elementos singulares para
profissões como as de alfaiates, bainheiros, albardeiros, cacifeiros, cuiteleiros,
318 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
moleiros, farinheiros, alfeloeiros, vinheiros, carniceiros e pedreiros. Notemos um
pegueiro, lembrando os pinhais vizinhos e a extracção de pez e resinas, um falcoeiro,
numa região rica cinegeticamente e um jogral, decerto apreciado nas cortes senhoriais que visitavam amiúde Leiria. Surge, finalmente, um judeu, lembrando a pluralidade de crenças bem característica das vilas e cidades medievais portuguesas.
Na sua maioria, os foreiros eram naturais da terra, surgindo filhos herdeiros e donas viúvas administrando fazendas e bens familiares. Alguns há, no entanto, que nos
lembram migrações talvez recentes que tiveram em Leiria um local de acolhimento.
Lembremos o Franco da Portela (nº 16), João de Baião (nº 17), Martim Galego
(nº 18), Gonçalo de Amarante (nº 23), João de Viseu (nºs 25 e 65), talvez Gonçalo
Deyllam (nº31), João de Pinhel (nº 61), Rolão, almocreve (nº 78), Bartolomeu de
Arouca (nº 131), Afonso de Aveiro (nº 136), Petre jogral (nº 114) ou o citado judeu,
de seu nome Mousem Francês (nº 107).
Desses e doutros leirienses dá esta fonte um importante testemunho permitindo
esboçar linhas caracterizadoras, como temos visto, do quadro histórico local em
torno de 1400. Por ele ecoam junto de nós as vozes do homem medieval leirenense,
gentes desvairadas mas bem conhecidas por nomes, sobrenomes e apodos inconfundíveis como o Palmeiro, o Leite Coito, a Gaga, o Castelão, o Couvinha, o Ferreiro,
o Barregam, o Aburelado das Brancas, o Pardinho e o Mergulhom, ambos da Ponte
— e a Ponte de Santiago era, escusado seria sublinhá-lo, um elemento muito, muito
central no urbanismo dessa antiga Leiria dos tempos de D. Dinis e de D. João I —,
a Antoninha, o Maravilhas, o ou a Bazalha Cabeça, a mulher do Moxardia, o Casqueira, o Testa Branca, o Saia, o Vilhano, o Picanço, o Eirigo de Rio Seco, o Fome,
o Namorado, o Pão e Água, o Pão Seco, o Frade, o Chumaço, o marido da Maria
Bela, o Rengel, o Peixeirinho, o Bacinho de Àmor, o Infantinho, o Farfolo, o Pacinho da Azoia, o Bochardo, o genro da Picoa e tantos, tantos outros nomes que hoje
redescobrimos pela documentação arquivística em que se inscreve a memória destas
terras da Alta-Estremadura.
Uma fonte aparentemente árida como um inventário de bens rústicos e urbanos,
dos seus rendimentos e dos foreiros que os emprazavam, permite, naturalmente,
abordagens plurais que não cumpre, neste momento, prolongar. Deixamos essa importante fonte ao leitor, associando-a a alguns outros documentos esclarecedores da
passagem pelos destinos do Priorado de Leiria, sediado na bela igreja gótica de Santa Maria da Pena, do vigário-geral de Leiria, D. Pedro Eanes, que, como se referiu,
aqui morreu e foi sepultado.
Com este artigo damos continuidade à publicação e ao estudo das fontes documentais que devisam tanto os horizontes do passado religioso e espiritual do Priorado de Santa Maria de Leiria, quanto as demais vertentes económicas, sociais, políticas e culturais que caracterizaram o devir de toda a região e lhe conferem, ontem
como hoje, uma identidade singular marcada por uma profunda e cívica consciência
histórica.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 319
Reflexões
. história .
. história .
PROPRIEDADE E RENDAS CRÚZIAS EM LEIRIA: 1399 e 1431
Propriedade
Localização
Renda
Herdades
Herdade
Alcanada
1/3, dízimo e 2 galinhas
Herdade
Ulmar
3,5 libras
Herdade
“So o muro”
3 libras
Herdade
[Brancas]
7 libras
Herdade
Cortes
—
Herdade
Ponte da Retura
43 soldos
Herdade
“A par das casas de Leite Coito”
4 libras
Herdade
Alcanada
40 soldos
Herdade
Ponte Pequena / Vidigal
6 libras novas
Herdade
Alcanada
30 soldos
Herdade
Barros do Andainho
1/3
Herdade
Rio Seco
“Pão sabudo” e 1 par de frangãos
Herdade
Rio Seco
30 soldos
Herdade
[Reguengo]
30 soldos
Herdade
Opeia
3,5 libras
Herdade
S. Sebastião
50 soldos
Herdade
—
30 soldos
Herdade
Opeia
—
Herdade
Ribeira da Opeia
3 libras
Herdade
Magueija
3 libras
Herdade
Aso a Portela
40 soldos
Herdade
Amor
30 soldos
Herdade
Rio Seco
30 soldos
Herdade
Rio Seco
3 libras
Herdade e lagar
Portela
6 libras
Herdade e vinha
Cortes
40 soldos
Herdades
Baraçal e Rio Seco
50 soldos
Herdades
Cortes
3,5 libras
Herdades
Alpentende/Casal Mão
3 libras e 5 soldos
Herdades
Alpentende/Casal de D. Constança
4 libras
Herdades
[Canoeira]
33 soldos
Herdades
Freixial
30 soldos
Herdades
Rio Seco
30 soldos
Herdades
Andoinho
“Pão sabudo em cada ano”
2 Herdades
Pousadas das Vinagreiras
10 libras novas
3 Talhos de herdades
Casal da Baralha
35 soldos
e vinha
Herdamento
Vidigal
3 libras e 5 soldos e 2 frangãos
Herdade e olival
Pêra Curva
8 libras
Casais
Casal
Mouta do Gato
1/3
Casal
Cirol
20 libras
Casal
A de Durão
10 libras
Lugares
Lugar
—
6 libras 5 soldos
Lugar
—
40 soldos
Lugar
—
40 soldos
320 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
Data de
pagamento
da renda
—
—
—
—
—
S. Miguel
Natal
Natal
15 de Agosto
1 de Março
—
—
—
—
Natal
—
Natal
—
Natal
—
—
—
—
Natal
Natal
S. Miguel
Páscoa
—
Natal
—
—
—
S. Miguel
—
15 de Agosto
Natal
15 Agosto
1 de Maio
—
—
Natal
—
—
—
. história .
Quinta
Quinta
Quinta
Quinta
Quinta
Conchouso
Conchouso
Conchouso
Almuinha
Almuinha
Almuinha
Almuinha
Almuinha
Almuinha
Almuinha
Olival
Olival
Olival
Olival
Olival
Olival
Olival
Olival
Olival
Olival
Olival
Olivais
Olival e vinha
Olival e vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinhas
Vinhas
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
—
—
Alpentende
—
—
14 libras
3 libras
35 soldos
4 libras
30 libras, 2 frangões
—
—
—
—
—
Quintas
Porqueira [Arrabal]
10 libras
—
Fonte da Pedra
5 libras
—
Golpilheira
20 libras
—
“que foi de Vicente Lopes”
—
—
Cirol
20 libras
—
Conchousos
—
3 libras
—
Areal
11 libras novas ou 44 soldos antigos Stª Maria de Setembro
—
10 soldos novos
—
Almuinhas
—
4 libras
—
—
6 libras
—
—
12 libras
Fonte Quente
55 soldos
—
Fonte Quente
40 soldos
Maio
Fonte Quente
20 soldos
—
Gafaria
45 soldos e dízimo
—
Olivais
Gândara
50 soldos
Entrudo
Gândara
6 libras
Páscoa
Gândara
40 soldos
Páscoa
Areia dos Vasos
3,5 libras
Véspera de S. Miguel
Acima da Gafaria
3 libras
—
Carreira de Regueira de Pontes
55 soldos
Entrudo
Rossio Velho
40 soldos
Agosto
—
10 soldos ou 6 libras novas
—
Sampom
40 soldos
Páscoa
Além da Ponte
3 libras
Páscoa
[Azoia]
3 libras
S. Nicolau
Areia dos Vasos
115 libras novas e o dízimo
—
—
30 soldos
—
Fonte da Parviceira
50 soldos
—
Vinhas
Porto Moniz
3,5 libras
—
Ponte do Vidigal
7,5 libras
—
—
20 soldos
[Comeira do Paço]
50 soldos
—
—
3,5 libras
—
Fervença
3 libras
—
Senta [Santo Estêvão]
3libras e 2 soldos
Páscoa
Costa
14 libras
Páscoa
Sentas
20 libras novas e dízimo
Natal
Estrada das Mestas
45 soldos
Natal
Paio Alvo
6 libras novas
Novembro
Rego Travesso
40 soldos
Páscoa
Vidigal
4 libras
Páscoa
Sentas
30 soldos
S. Miguel
Estrada das Mestas
4 libras
Natal
“Aso a Azoia”
50 soldos
—
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 321
Reflexões
Lugar
Lugar
[Lugar]
Lugar
Lugares
. história .
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha
Vinha e pomar
Vinha e pomar
Vinha e olival
Vinha e olival
Vinha e olival
Vinha e olival
Vinha e olival
Vinha, olival e almuinha
2 vinhas e herdades
Bacelo
Salinas –
3 talhos de sal e 1
vinha e herdade
Salina – 1 talho
Portela
Cirol/Casal do Barro
Vidigal
Vidigal
Ponte do Arco
Vale Boco
Azoia
Azoia
Rego Travesso
Porto Moniz
Mestas
Casal da Baralha
Quebradas
Costa
Gafaria
Cortes
Fervença
Lagar de Paio Togeiro
Albarrol
Fonte da Raia
Pereira Curva
Vale Boco [Valoco]
Alpentende
Vidigal
Salinas
Sentas de Alcanada
Cabreira (herdade)
Sentas
Casas
Casa
Casas
Casa
Casa
Casa
Casa
Casa
Casa
Casa
Casas
Casas
Casas
Casa
Casa
Casa
Casa
—
S. Martinho
Rua Nova
Ponte
Ponte
Rua da Ponte
Rua da Ponte
Rua da Ponte
Adro de Santiago
“onde mora”
S. Martinho
Rua das Cavaleiras
Rua das Cavaleiras
S. Martinho
Santiago
“A par de João Sarrão”
Casa
Rua de Gil Martins
Casa
Casa
Casa
Casa tenda
Casas
Casas
Casas
Casa e conchouso
Santo Estêvão
Rua da Lã dos Mercadores
Sapataria
Ferraria
Portela
Rua da Sapataria
Judiaria
Vila Nova
322 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
3 libras e 8 soldos
20 soldos
40 soldos
4 libras e dízimos
3 libras
50 soldos
4 libras
40 soldos
—
4,5 libras
20 soldos
15 soldos
50 soldos
50 soldos antigos
6 libras
—
15 libras
25 soldos
3 libras
3 libras
20 soldos
15 libras
4 libras
40 soldos
Natal
S. Miguel
—
—
—
—
Dezembro
S. Miguel
—
Páscoa
—
Natal
—
Maio
S. Matias
—
S. Miguel
—
—
Natal
Natal
Páscoa
Entrudo
Maio
60 libras novas e o dízimo
Terças do ano
3 libras
S. Miguel
20 soldos
—
3 libras
Natal
20 soldos
—
30 soldos
Entrudo
5 libras
Agosto
50 soldos
Páscoa
10 libras novas ou 3 antigas
S. Miguel
5 libras
Agosto
35 soldos
—
6,5 libras
—
8 libras
Páscoa
5,5 libras
Páscoa
3 libras
Natal
6 libras
Véspera S. Miguel
10 libras novas
—
35 soldos
—
3 libras antigas ou 10 libras de Véspera Stª Maria
real a 10 libras
de Setembro
20 soldos
S. Miguel
20 soldos
—
30 soldos
Páscoa
3 libras
S. Miguel
30 libras
Stº Estêvão
3 libras antigas ou 10 novas
—
3 libras
—
3 libras novas
—
. história .
Tenda
Tenda
Sapataria
Sapataria
Tenda
Ferraria
Tenda
Ferraria
Tenda
Sapataria
Adega
[Leiria]
[Não identificado]
[Não identificado]
Adega
Lagares
27 soldos
10,5 libras novas
30 soldos (por metade da
tenda)
5 libras antigas ou 25 libras
novas
30 ou 40 soldos
S. Miguel
Páscoa
1/2 renda
—
[Ponte]
5 libras
Santo Estêvão
40 soldos
Fontainhas
5 libras
A par de Vicente Peres Amo
3 libras
Não identificados
—
5 alqueires de azeite
Gafaria
—
Natal
S. Miguel
—
Janeiro
—
Páscoa
—
—
—
Reflexões
Lagar de azeite
Lagar
Lagar
Lagar
Tendas
Igreja de Santa Maria da Pena (Castelo de Leiria):
pormenor da abside e da torre sineira
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 323
. história .
APÊNDICE DOCUMENTAL
43
Doc. 1
1399 e 1431 — Relação das propriedades e rendas do Mosteiro de Santa Cruz
de Coimbra na vila de Leiria e no seu termo.
TT — Santa Cruz de Coimbra, Livro 94, fls. 1, 275-287vº
[Fl. 1]
Livro chamado o Nobre aonde estão escritas todas as propriedades que o Mosteiro pesuhia e o foro e penção que dellas se pagua ao tempo que se fez que foi no anno
do Nascimento de Noso Senhor Jesu Christo de 1431, aos 26 dias do mes de Mayo
do dito anno e foi feito por Diogo Affonso como se conta a fl. 367vº.
[Fl. 75]
Livro das possisõoes de Leirea e sseu termho.
Estes som os lugares de Santa Cruz que som enprazadas de que os crelligos nom
ham d aver nada 44. E ssom do prior primeiramente:
[1] Item Martim Perez jenrro do Palmeiro traz huuã erdade em Alcanada ao terço
e ha de dar o dizimo e duas gallinhas.
[2] Item Lourenço Martinz Leyte Coyto tabeliam traz huuã herdade no Hurmar e
ha de pagar tres libras e mea antigas.
[3] Item Joham Duraaez ffilho da Gaga traz vinhas ao Porto Moniz e ha de pagar
tres libras e mea antigas.
[4] Item Afomso Fferrnandez ffilho do do [sic] Castellãao trage huuã almoinha e
ha de pagar quatro libras antigas.
[5] Item Pero Ffrangeiro trage huuã almoynha por bjc libras antigas.
[6] Item Joham Vicente criado d Andre Martinz tecellam da Ponte trage huuã
binha aa Ponte do Vidigal por bij libras e mea antigas.
[7] Item Afonso Martinz coonigo dicto Couvynha trage huuã quintaa na Porqueira que foi de Ffernam Perez crelligo por x libras antigas. // [Fl. 275vº]
[8] Item a molher que foi de Gomez Fferreiro da Fonte da Pedra trage huuã quintaa no dicto logo e ha de pagar b libras antigas.
[9] Item a quintaa que ffoi de Vicente Lopez da par da Golpelheira tragea Gill
Martinz por xx libras antigas.
[10] Item a quintaa que foi de Vicente Lopez45.
[11] Item o Casall da Mouta do Gato trageo Barregam enprazado ao terço.
[12] Vasco Anes mercador trage huum casal em Ciroll de que ha de pagar xx
libras antigas.
[13] o dicto Vasco Anes trage huuã herdade que jaz so o muro por tres libras
antigas.
324 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
[14] Stevam Vicente alffayate trage huuã quintaa em Ciroll que foi de Stevam
Martinz irmãao do Prior por xx libras antigas.
[15] Item Vicente Dominguez ffilho de Domingos Perez crelligo trage huuã casa
por xx 46 <soldos> antigos.
[16] Item o Ffranco da Portella trage huuã coirella de vinha por xx 47 soldos
antigos. // [Fl. 276]
[17] Item Joham de Bayom albardeiro trage huum lugar por bj libras e b soldos
antigos.
[18] Item Martim Galego almocreve trage huum lugar por Rta soldos antigos.
[19] Item Gill Martinz da Comeeyra do Paaço trage vinhas que soya de trager a
molher de Apariço Eyrigo por l soldos antigos.
[20] Item Joham Lourenço mercadeiro trage vinhas por tres libras e mea antigas.
[21] Item Pero Manso trage lugares por xxx libras desta moeda e dous ffrangõos.
[22] Item Joham Vicente ffilho de Vicente Anes Aburellado das Brancas trage
huuã erdade por bij libras antigas.
[23] Item Gonçalo d Amarante çapateiro trage huum lugar por Rta soldos antigos.
[24] Item a meatade da renda da adega dos crelligos.
[25] Item Joham de Viseu da Ponte trage huum lugar por xiiij libras antigas. //
[Fl. 276vº]
[26] Item Vicente Vicente Pardinho da Ponte trage huum lugar por tres libras
antigas.
[27] Item Pero Dominguez ffilho de Christovam Mergulhom da Ponte trage
huum conchouso por iiij libras antigas.
[28] Item Gonçalo Gonçallvez da Ponte ha de pagar b alqueires d azeite.
[29] Item Antoninha que mora em Porto Covo trage huuã almoynha que tragia a
Gazea por xij libras antigas. // [Fl. 277]
Titulo das egrejas e hermidas d arredor da villa e termho primeiramente:
Item Sam Pedro de Muell
Item Santa Maria do Regeengo.
Item Santa Maria de Patayas.
Item Santa Maria de Maceeira.
Item Sam Mamede d Alcugulhe.
Item Santa Maria da Gayolla.
Item Sam Beento da Cividade.
Item Santa Eyrea.
Item Sam Valleriam.
Item Sam Mamede da Serra.
Item Santa Margarida de Soutossecto.
Item Sam Bertollameu e Sam Beento do Ffreixeal // [Col. B]
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 325
Reflexões
. história .
. história .
Item Santa Offemea de Ciroll.
Item Sam Paullo d Aamor.
Item Sam Joham de Monrreal e Sam Lourenço.
Item Santo Antoninho.
Item <os> Sam Migéés.
Item o ssall.
Item sopolturas e aniverssairos.
Item a dizima dos pescados das Paredes.
Item a terça dos vinhos.
Item a meatade das egrejas da villa aos Domingos e festas ect. // [Fl. 277vº]
Estes som os aniverssairos que eu Ffernando ffilho de Joham Martinz scripvam
da ssissa de Leirea tralladey no mes de março de mil iiijc e xxxbij anos e os que
andam enprazados per esta moeda ora corrente desta Era 48 sobredicta logo diz desta
moeda. E os que andam enprazados per moeda antiga nom diz nada salvante diz a
penssom por que cada huum anda arrendado ou enprazado por tantas libras ou por
tantos soldos primeiramente:
[30] Item Joham Estevez tabeliam trage huuãs casas a par da egreja de Sam Martinho por tres libras e paga por Natall.
[31] Item Gonçalo Deyllam da Azoya trage huuã [sic] em Alpentynde por xxxb
soldos.
[32] Item Afomso Vicente carpenteiro irmãao de Gonçalo Vicente carpenteiro
trage huum lugar por iiij libras.
[33] Item Joham Afomso caciffeiro trage huum olival na Gandara por l soldos.
Paga por Entruydo.
[34] Item huuã erdade nas Cortes que leixou Martim Sueiro que parte com
Amtam Gonçallvez. E está por enprazar. // [Fl. 278]
[35] Item Joham Afomso ffilho de Joham Afomso das Maravilhas trage huuã
herdade a par da Ponte da Retura por Rta iiij soldos paga por Sam Migel ou xij libras
desta moeda e tem strumento.
[36] Item Joham Nabãaes trage huuã casa na Rua Nova por xx soldos.
[37] Item Andre Dominguez tecellam da Ponte trage huuã casa por xxx soldos.
Paga por Entruydo.
[38] Item a molher de Lourence Anes que foi da Ponte trage huum lagar d azeite
por b libras. Paga por Janeiro.
[39] Item Afomso Perez carpenteiro trage huum olival a Area dos Vasos por tres
libras e mea. Paga por vespera de Sam Migell.
[40] Item Afomso Stevez da Ponte que casou com a molher que foi de Joham Abade trage huuã vinha e pumar a par da Gafaria por bj libras. Paga por Sam Matya[s].
[41] Item Alvaro Perez Vilhano trage huuã almoynha na Fonte Queente por lb
soldos.
326 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
[42] Item Gomez Martinz crelligo trage huum olival acima da Gafaria por tres
libras.
[43] Item Joham Afomso do Vidigal trage huum herdamento em ell por tres libras
e b soldos e dous ffrangãaos e paga por Santa Maria d Agosto. // [Fl. 278vº]
[44] Item Gonçalo Gomez çapateiro trage huuã tenda na çapataria por xxbij soldos. Paga por Ssa’Migel.
[45] Item Bazalha Cabeça trage huuã casa na Rua da Ponte por l soldos. Paga
por Pascoa.
[46] Item Martim Vicente almocreve da Ponte trage huuã vinha e olival e almoynha em Val Boco por xb libras desta moeda. Paga por Pascoa.
[47] Item Domingos ffilho de 49 <Vicente> Anes da Marynha trage huum casal
no logar que chamam A de Duram por x libras desta moeda e tem no por ix anos.
Paga por Natal.
[48] Item Joham Perez da Estalagem trage huuã vinha na Ffervença por tres
libras.
[49] Item Joham Sanchez pegeiro trage huuãs casas em que ora mora per bj libras
e meia.
[50] Item huuã tenda na Fferraria Joham Estevez fferreiro ffilho de Stevam D
Ourem trage a metade della por xxx soldos. Paga por Natall. Bertollameu Stevez a
paga.
[51] Item Domingos Perez crelligo que foi tragia duas vinhas e herdades em
Alpyntyde por iiij libras. Paga por Entruydo. // [Fl. 279]
[52] Item Joham Perez falcoeiro trage huuã vinha e olival na Ffervença por xb
libras desta moeda. Paga por Sam Migell.
[53] Item huua vinha na Seenta aso Santo Estevom a molher de Moxardia a trouve ja por iij libras e ij soldos e depois trouve a Alvaro Afonso da Çapataria crelligo
por a dicta contia e nom a trage ja e ham de saber quem a trage. Paga por Pascoa.
[54] Item Stevam Anes Casqueira carniceiro trage huuã herdade a par das casas
de Leyte Coyto por iiij libras. Paga por 50 Natal.
[55] Item Diego Vicente Pardynho da Ponte trage tres talhos de sal nas Seentas
d Alcanada e vinha e herdade hu chamam a Cabreira tem todo por lx libras desta
moeda e ho dizimo ha de dar de todo esto e paga aas terças do ano.
[56] Item o neto de Joham Neto Monte Redondo trage herdade em Alcanada a
par 51 de Dona Constança por Rta soldos e enquanto correr desta moeda reaal a dez
soldos ha de pagar x libras em cada huum ano. Paga por Natal.
[57] Item Joham Afomso caciffeiro trage huum olival na Gandara por bj libras.
Paga por Pascoa.
[58] Item Vasco Afomso genrro de Testa Branca trage huuã vinha na Costa por
xiiij libras desta moeda. Paga por Pascoa. // [Fl. 179vº]
[59] Item Stevam Martinz Ssaya trage herdade e olivall a par de <Pera Curva> 52
por biij libras. Paga por primeiro dia de Mayo.
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Reflexões
. história .
. história .
[60] Item Johane Anes baynheiro trage huuã tenda na Çapataria por x libras desta
moeda. Paga por Pascoa.
[61] Item Joham de Pinhel mercador trage huuãs casas a par da egreja de Sam
Martinho por biij libras. Paga por Pascoa.
[62] Item Afomso Martinz da Lapa trage huuãs casas na Rua das Cavaleiras por
53
<cinque> libras e mea. Paga por Pascoa.
[63] Item Joham Martinz ffarinheiro marido da Mouta trage huuã casa a par da
egreja de Sam Martinho por bj libras. Paga por vespera de Sam Migel.
[64] Item Estaço da Ponte trage huum conchouso no Areal por xj libras desta
moeda e se abaixar ha de pagar Raiiij soldos da moeda antiga e paga por Santa Maria
de Setenbro. // [Fl. 280]
[65] Item Joham de Viseu da Ponte trage huum conchouso por x soldos desta
moeda.
[66] Item Alvaro Perez Vilhano crelligo trage huum olival na carreira de Regeira
de Pontes por lb soldos. Paga por Entruydo.
[67] Item Joham Afomso da Varella da Ponte crelligo trage huuã almoynha na
Fonte Quaente por Rta soldos. Paga por Mayo.
[68] Item Martim Vaasquez genrro de Ciroll trage olival e vinha por xxx soldos
Ffernam Galego e Joham Vaasquez e pagam todo he dos crelligos.
[69] Item Stevam Gonçallvez çapateiro da Ponte trage 54 huum olival na Gandara
por Rta soldos. Paga por Pascoa, mortorio.
[70] Item Gomez Martinz crelligo trage huum olival no Resyo Velho por Rta
soldos 55. Paga por Agosto.
[71] Item Joham Afomso da Barella crelligo da Ponte trage huum olivall por x
soldos. Joham de Patayas crelligo o tem per bj libras desta moeda. // [Fl. 280vº]
[72] Item Afomso Gonçallvez trage huuã casa que leixou Petro Ssarrãao na egreja de Santiago por x libras desta moeda.
[73] Item Gonçalo Anes Picanço trage huum bacello no Vidigal por Rta soldos.
Paga por Mayo.
[74] Item o Meestre Fferreiro trage vinha e olivall ao lagar do Paay Togeiro por
xxb soldos.
[75] Item o dicto Meestre Fferreiro trage huuã casa a par de Joham Ssarrãao por
xxxb soldos.
[76] Item o ssobredicto Meestre trage huuã tenda na Fferraria por b libras da
moeda antiga ou xxb libras desta. Paga por Ssan Migell.
[77] Item Lourenço Eyrigo de Ryo Seco trage herdades em o Baraçal e a par desy
por l soldos. Paga por Pascoa.
[78] Item Rollam almocreve trage huuã casa na Rua de Gil Martinz alcaide por
iij libras da moeda antiga e enquanto correr esta real por x libras ha de pagar x libras
desta moeda. Paga por vespera de Sancta Maria de Setenbro, // [Fl. 281]
[79] Item Martim Lourenço crelligo trage tres talhos d erdades e vinha no Casal
328 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
da Baralha por xxxb soldos. Paga por Natall.
[80] Item o ffilho de Gonçalo da Alagoa trage duas herdades aas Pousadas das
Vinagreyras por x libras desta moeda. Paga por Santa Maria d Agosto.
[81] Item Rodrigue Estevez crelligo ffilho de Maria d Alffena trage huuã erdade
no Vidigall aa Ponte Pequena por bj libras desta moeda e aa de chantar em vinha.
Paga por Santa Maria d Agosto.
[82] Item Alvaro Soupana de Santo Stevam trage huuã vinha nas Seentas por xx
libras desta moeda e ha de dar o dizimo e paga por Natal.
[83] Item Stevam Anes Fome trage huuã casa na ffregisia de Santo Stevam por
xx soldos. Paga por Sam Migell.
[84] Item Johane Anes baynheiro trage huuã casa tenda na Fferraria por tres
libras. Paga por Sam Migell.
[85] Item o ffilho de Joham d Oupea trage herdade em Alcanada por xxx soldos
paga por primeiro dia de Março. // [Fl. 281vº]
[86] Item Gill Vicente molleiro morador nas Ffontes trage herdade e huuã vinha
nas Cortes por Rta soldos. Paga por Ssan Migell.
[87] Item Martim Anes pedreiro da Ponte trage huuã vinha na estrada das Mestas
por Rtab soldos e paga por Natall e paga Diego vinhateiro.
[88] Item Johane Anes cuytelleiro trage huuãs casas na Portella por xxx libras
desta moeda por dia de 56 Inueençio57 Sancti Steffani.
[89] Item Tareyja Perez molher que ffoi de Domingos Giaaez leixou em na egreja
de Ssantiago herdades nas Cortes. Stevam Martinz Loureiro as teve e depois as teve
Cardeall por tres libras e mea e ora nom som enprazadas.
[90] Item Afomso Anes Coto que mora do Casall trage erdades em Alpepentyde
[sic] no logo que dizem Casall Mãao por tres libras e b soldos e paga por Natall.
[91] Item Pedre Anes Namorado da Ponte trage huuã vinha no logo que hé dicto
Paay Alvo por bj libras desta moeda para por Novembro.
[92] Item Stevam Anes ffilho de Joham Afonso Cercoso trage herdades no Ffreixeal por xxx soldos. // [Fl. 282]
[93] Item Joham Afomso da Barella crelligo da Ponte trage huum olival em
Ssampom por Rta soldos. Paga por Pascoa.
[94] Item Johane Anes vynheiro trage casas na Rua da Çapataria por x libras
desta moeda e se sse abaixar ha de pagar tres libras antigas.
[95] Item Lourenço Eurigo trage herdades em Ryo Seco por xxx soldos. Paga
por Ssam Migel
[96] Item Joham Afomso Pam e Augoa trage huum lagar a Ssanto Stevam por
Rta soldos.
[97] Item Gomez Martinz crelligo trage herdades em Alpentinde a par do Casal
de Dona Costança por iiij libras. // [Fl. 282vº]
[98] Item Apariço Vicente trage huuã herdade nos Barros do Andaynho ao terço.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 329
Reflexões
. história .
. história .
[99] Item Joham Vicente ssobrinho de Stevam Gonçallvez da Canoeira trage
herdades que leixou este seu tyo Stevam Gonçallvez por xxxiij soldos. Lopo Afomso
Copeas as tem ja ora por x libras desta moeda e abaixando ha de pagar Rta soldos da
moeda antiga. A molher de Joham Vicente da Canoeira as trage.
[100] Item Stevam Periz de Porto do Carro trage herdades no Andoynho [sic] e
ha de dar pam sabudo em cada huum ano.
[101] Item Bertollameu Martinz sobrinho de Bertollameu Estevez trage os olivaaes que tragia Domingos Perez crelligo a Area dos Vasos e outro que leixou Stevam
Perez o Vogado no dicto logo todo por cento xb libras e ho dizimo desta moeda.
[102] Item Johane Anes Frade que mora em Ryo Seco trage huuã herdade e ha de
dar pam sabudo do que Deus hi der e huum par de ffrangãaos. // [Fl. 283]
[103] Item Ffernando Anes do Regeengo trage huuã herdade por xxx soldos.
[104] Item Domingos Anes tecellam trage huuã casa na Rua da Ponte por dez
libras desta moeda e abaixando ha de pagar iij libras da moeda antiga por Sam Migel.
[105] Item Martim Vicente Maçoeira que mora em O<u>pea trage huuã herdade
no dicto logo d Oupea por tres libras e mea. Paga por Natall.
[106] Item Joham Vicente Chumaço trage huuã vinha em Rego Travesso por Rta
soldos. Paga por Pascoa.
[107] Item Mousem Frances judeu trage casas na Judaria por tres libras.
[108] Item Joham Vicente Chumaço trage huuã vinha no Vidigal por quatro libras. Paga por Pascoa. // [Fl. 283vº]
[109] Item Joham Perez Casqueiro trage huuã erdade acima de Ryo Seco por
xxx soldos.
[110] Item o marido de Maria Bella trage huum lagar aas Fontaynhas por b libras.
Paga por Pascoa.
[111] Item Acenço Chaveiro trage huuã herdade aalem de Sam Ssavastiam por
l soldos.
[112] Item Joham Perez Padello crelligo trage huuã casa e conchouso em Vila
Nova por tres [libras] desta moeda.
[113] Item Gonçalo Anes crelligo da Ponte trage olival e vinha acima da Fonte da
Parviceira por l soldos e dizem que Joham Dominguez tecelam da Ponte tolhe outro
olival que hi ha e nom da penssom.
[114] Item Petre iogal58 e sa molher leixaram em na egreja de Santiago sobre a
Gaffaria e nom he ora emprazada. // [Fl. 284]
[115] Item Stevam Dominguez Rangell ffilho de Domingos Perez trage huuã
vinha nas Seentas por xxx soldos. Paga por Ssam Migel.
[116] Item Joham Fferrnandez prior da Atougia irmãao de Mestre Gonçalo trage
huum talho nas Sseentas por tres libras. Paga por Sa’Migel.
[117] Item a molher de Domingos Dominguez Vinagre morador na Ponte trage
huuã casa na Rua do dicto logo por xij libras desta moeda. Paga por Sa’Migell.
330 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
[118] Item Joham Ffernandez crelligo trage huuã casa na Ponte por b libras. Paga
por Agosto.
[119] Item Stevam Vicente Rengell trage huuã vinha na estrada das Mestas por
iiij libras. Paga por Natal.
[120] Item Gonçalo Stevez frade de Sancta Çita trage huuã casa na Rua das
Cavaleiras por tres libras. Paga por Natal. Vicente Perez amo do Conde a trage ja.
// [Fl. 284vº]
[121] Item Joham Dominguez Pereiro crelligo que foi tragia huuã vinha aso a
Azoya por l soldos. Gonçalo Anes carpenteiro seu genrro a trage.
[122] Item Joham Duraaes carpenteiro trage huuã vinha na Portella por tres libras
e biij soldos. Paga por Natal.
[123] Item a molher de Pero Ssynal trage huuã herdade por xxx soldos. Paga
por Natal.
[124] Item Martim Lourenço crelligo trage huuã almoynha a par da Gaffaria por
Rta b soldos e o dizimo.
[125] Item Alvaro Afomso marido de Turcicolles trage vinha e olival em Albarrol por tres libras.
[126] Item o ffilho do Infantynho da Ponte trage huuã vinha a par da Ponte do
Arco aso a vinha del Rey por tres libras. // [Fl. 285]
[127] Item Martim Lourenço crelligo trage huuã casa a par do adro de Santiago
por xxxb soldos.
[128] Item Diego Afomso ffilho de Joham Afomso das Maravilhas trage huuã
vinha em Ciroll aso o Casall do Barroo por xx soldos. Paga por Sam Migel.
[129] Item Gonçalo Anes çapateiro dicto Ffidalgo trage huuã tenda na Çapataria
por xxx ou Rta soldos.
[130] Item Vicente Anes Peixeirinho trage huuã vinha e olival hu chamam a
Fonte da Raya por tres libras. Paga por Natal.
[131] Item Bertollameu d Arouca leixou vinha e pumar nas Cortes e trouve o ja
Domingos Johanes dicto Palmeiro morador na Alcaydaria e ora nom está emprazada.
[132] Item Vasco Anes Peixeirinho tecelam trage huuã casa na Rua da Lãa dos
Mercadores por xx soldos. // [Fl. 285vº]
[133] Item Martim Fficalho leixou herdade em Oupea e Giãao de Soutossico a
trouve ja e está ora por enprazar.
[134] Item Joham Gonçallvez de Sant’Andrel que casou com a molher de Pee de
Rodo trage huuã erdade aso a Portella por Rta soldos.
[135] Item o Meestre Fferreiro trage huum lagar e herdade na Portella por bj
libras. Paga por Natal.
[136] Item Afomso d Aaveiro tragia no Vidigal huuã vinha por Rta soldos desta
moeda.
[137] Item o Bacinho d Aamor trage herdade no dicto logo por xxx soldos.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 331
Reflexões
. história .
. história .
[138] Item o ffilho de Gonçalo da Allagoa trage no Vidigal huuã vinha por iiij
libras e ho dizimo. // [Fl. 286]
[139] Item Alvaro Perez Villano trage huuã vinha em Vallbooco por l soldos.
[140] Item Gomez Lourenço 59 crelligo trage na Azoya huuã vinha por iiij libras.
Paga por Dezembro.
[141] Item Costança Fferrnandez da Ponte trage huuã almoynha na [Fonte] Quoente por xx soldos.
[142] Item Joham Dominguez Pereiro crelligo que ffoi tragia vinha na Azoia por
Rta soldos. Pagam por Sam Migel Lourence Anes seu ffilho a trage.
[143] Item Stevam Anes Farffollo trage vynha e olivall aa Pereira Curva por xx
soldos. Paga por Natal.
[144] Item Domingos da Gaga e sa molher Tareija Paaes leixarom huuã vinha
em Rego Travesso e trouve a ja Joham Dominguez Mata Mouros e ora está por emprazar, // [Fl. 286vº]
[145] Item Afomso Perez carpenteiro trage huuã vinha ao Porto Moniz por iiij
libras e mea pagam por Pascoa.
[146] Item Joham Afomso crelligo da Barella da Ponte trage huuã vinha nas
Mestas por xx soldos.
[147] Item Martim Vaasquez tabeliam trage huuã vinha no Casal da Baralha por
xb soldos. Paga por 60 Natal.
[148] Item Joham Vicente Paacinho da Azoya tragia huum olival por tres libras.
Paga por Sam Nicollaao. Ffernam Dornellas seu tetor ho há agora de veer.
[149] Item Andreu do Regeengo trage huuã herdade na Mageyia por tres libras.
[150] Item Afomso Anes Barreiro ssogro de Diego Mingeiros de Cirol trage herdade a par da Ribeira d Oubea [sic] por tres libras. Paga por Natal. Pedro Afomso
Rapas o trage ja. // [Fl. 287]
[151] Item Johane Stevez sobrinho do Abbade trage vinha nas Quebradas por l
soldos.
[152] Item Pedre Anes crelligo thesoureiro de Santa Maria trage erdade em Ryo
Sseco por xxx soldos.
[153] Item Ffrancisque Eanes Bochardo trage aniverssairo em Ryo Sseco por iij
libras. Paga por Natal. Stevam 61 <Acenço> de Ryo Seco o tem.
[154] Item Johane Anes marceiro genrro da Picoa trage huum olival aalem da
Ponte por tres libras. Paga por Pascoa.
[155] Item Gonçalo Stevez Ffrade que morava na Praça trage huum lagar que
está a par de Vicente Perez Amo por tres libras da moeda antiga.
[156] Item Joham Vicente Balbooto trage huuã vinha na Costa e ha de pagar L
soldos antigos por Mayo. // [Fl. 287vº]
[157] Item Afomso Ffernandez ou Lourenço Fferrnandez alffelloeiro trage huuã
casa na Çapataria por xxx soldos. Paga por Pascoa. Joham Ba[r]queiro da Azoya a
tem ja.
332 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. história .
Doc. 2
Sabham quantos este estormento virem que aos sete dias do mes de Dezenbro Era
de mill e quatrocentos e quarenta anos na cidade de Coinbra dentro no Moesteiro de
Santa62 Cruz da dicta cidade, estando hy [o] onrado relegioso Dom Afomso prioll do
dicto Moesteiro. E outrosy seendo hy Pedr’Eanes priol crasteiro do dicto Moesteiro,
estando outrosy hy Vasco Dominguez priol d’Aronches e Rodrig’Eannes e Joham de
Lorvaao conigos e outros muitos [clerigos] do dicto Moesteiro, presente mim Joham
Annes tabeliam jeerall per meu senhor el Rey em todos seus Reinos e testemunhas
adeante escritas logo pello dicto senhor prioll foy [dicto que] elle em cabydoo [com
outor]gamento do dicto 63 convento do dicto Moesteiro fezeram e outorgaram hum
estormento de enadiçom antre o dicto senhor [priol e convento] e o Concelho de Leireã em que se obrigaram a teer e manteer e aguardar os compromisos que antre elles
avia fectos per razom das raçoes de Santa Maria da Pena da [dicta villa de Leirea] so
certas penas de mil marcos de prata. O quall dicto senhor prioll disse que como quer
que se ele e o dicto convento obrigara a comprir e manteer os dictos contrautos [sob
a dicta] pena. E [outrosy] se obrigava e obrigou logo que se elle dicto prioll fosse
contra elles sem outorgamento do dicto convento que elle pagasse as dictas penas
dos dictos mill marcos de prata ou fezesse quite e livre dellas o dicto Convento sem
sua perda e dapno so obrigamento de todos seus beens e da mesa do dicto prioll que
pera ello obrigou.
Das quais cousas o dicto prioll crasteiro em nome do dicto Convento pedio hum
estormento fecto no dicto logo dias e mes Era sobredictas. Testemunhas Diego da
Rossa e Martim Stevez dicto Mestre criados do dicto senhor prioll e outros.
E eu sobredicto tabeliam que este estormento escrevy em que meu sinal fiz que
tal hé (sinal). En testemunho de verdade.
Doc. 3
1407 MAIO, 17, Leiria — João Afonso, vestiário do Mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra, e Afonso Martins, cónego do mesmo Mosteiro, como seus procuradores,
emprazam a Gomes Lourenço, tecelão, um chão além-rio, diante de S. Francisco e
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 333
Reflexões
1402 DEZEMBRO, 7, Coimbra, Mosteiro de Santa Cruz — D. Afonso, prior-mor
de Santa Cruz de Coimbra, compromete-se perante D. Pedro Eanes, prior claustral
e demais comunidade canonical crúzia, a respeitar o acordo estabelecido entre ele o
Município de Leiria, a propósito das rações de Santa Maria da Pena da dita vila.
TT — Santa Cruz de Coimbra, Pasta 2, Documento com a cota antiga “Alm. 41,
Mº 14” (?).
Obs.: Documento em mau estado de conservação.
. história .
de Santo André, para que nele se refizesse uma vinha, pagando-se, nos três primeiros anos, dois puçais de vinho de renda e, depois, um terço do vinho mais o dízimo
ou, caso o foreiro deixasse de amanhar o dito chão, pagar dois moios de vinho. Insere procuração de 11 de Maio de 1407, Coimbra, na qual se alude também à adega
da Vestiaria de Santa Cruz em Leiria.
Arquivo da Universidade de Coimbra — Pergaminhos de Santa Cruz de Coimbra, Dep. V, III Secção, Móvel, 3, Gaveta 8, Nº 2 (Cota antiga “Alm. 34, Mº 2, Nº
3”).
Saibham todos quantos este estormento de emprazamento virem como eu Joham
Afonso vistiairo do Moesteyro de Samta Cruz da cidade de Coinbra [e] eu Afonso
Martinz conigo do dicto Moesteiro e priol de Sam Martinho d’Alcova e procuradores do cabido do dicto Moesteiro anbos juntamente ssegundo hé conteudo em huuã
procuraçom que tal hé:
Sabham todos os que esta procuraçom virem que pressente mym Afonso Anes
tabeliom de noso senhor el Rey na cidade de Coinbra e as testemunhas adeante escritas, os onrrados relegiosos Dom Afonso prioll e convento do Moesteiro de Santa
Cruz da dicta cidade que presentes estavam no cabidoo do dicto sseu Moesteiro
todos juntos per campa tanguda e cabidoo fazendo ssegundo sseu custume especialmente pera esto que sse adeante ssegue, os ssobredictos prioll e convento fezerom e
ordinarom e estutuirom por sseus certos procuradores lidimos avondosos ssoficientes asy e como e pella guisa que elles milhor e mais compridamente podem e devem
seer e de direito mais valer perfectos e compridos em todo abastantes pera esto que
sse adeante ssegue Joham Afonso conigo profeso do dicto Moesteiro e Afonso Martinz priol d’Oninhas anbos enssembra e cada huum pollo todo asy que a condiçom
duum nom sseja moor nem meor que a do outro e o que huum cometer que o outro
o posa sseguir e acabar.
E derom lhes comprido poder e especial mandado que por elles e en sseus nomes
posam enprazar huuã adegua que a Vistearia do dicto Moesteiro há en Leirea que
trazia enprazada Joham Gonçallvez que foy alcaide meor do castello da dicta villa
que deziam que renuciara ao dicto Moesteiro e que elles lha receberom.
Outrosy huum chãao que a dicta Vistearia há en a dicta villa que está ante Sam
Francisco e Samt’Amdrel aleen do Rio a Fernam Pirez alcaide da dicta vila ou outros
quãeesquer pesoas que elles quiserem e por bem teverem por preços e contias que
lhes provese en tres vidas e mais nom que elles mandem pera esto sseer fectas escreturas que pera ello forem compridoiras e necesarrias e com as clasollas que o fazer
quiserem asy come bóós e verdadeiros procuradores. E ouverom e prometerom a
aver por firme e estavil pera ssempre todo o que pellos ssobredictos e per cada huum
delles for fecto sso obrigaçom do dicto Moesteiro que pera esto obriguarom.
Fecta no dicto logo aos onze dias de Maio Era de mil e quatrocentos e quarenta
334 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
. história .
A qual procuraçom asy leuda e mostrada os ssobredictos Joham Afonso e Afonso
Martinz en ella procuradores enprazarom logo a Gomez Lourenço tecelam que presente estava morador na Ponte em a dicta villa de Leirea huuã herdade que foy vinha
que a dicta Vistearia há en o dicto logo que jaz antre ho Moesteiro de Sam Francisco
e Samtrandel [sic] ssegundo hé conteudo en a dicta procuraçom que parte com a
dicta Vistearia e com rio e com caminho probico e com a molher que foy de Pero
Martinz convem a saber en dias de ssua vida e de duas pesoas e depois da ssua morte
qual o prostomeiro nomear a ssua morte, convem a ssaber que o dicto Gomez Lourenço chante a dicta herdade e rechante e faça en bõa vinha ataa tres annos primeiros
sseguintes e dar en cada huum dos dictos tres annos dous puçãees de vinho a bica no
laguar recebundo. E des os dictos tres annos en deante que a dicta vinha deve a sseer
fecta, dar o terço do vinho que Deus em ella der no laguar a bica e mais o dizimo a
dicta Vistearia. E nom ha chantando e fazendo como dicto hé que de e pague des os
dictos tres annos en deante en cada huum anno asy o dicto Gomez Lourenço come as
dictas pesoas despos ell dous moios de vinho. E que vós adubedes e as dictas pesoas
depos vós a dicta vinha de todo boom adubio que lhe comprir e fezer mester em
cada huum anno com tenpo e com sazom bem e fielmente de podar e enpar e cavar e
arrendar [sic] e de todo ho outro boom adubio que lhe comprir e fezer mester. E que
per ssuas mortes das dictas pesoas a dicta vinha fique a dicta Vistearia melhora[da]
e nom pegorada com toda ssua benfeyturia e melhoria.
E nós ssobredictos Afonso Martinz e Joham Afonso procuradores louvamos e
outorguamos e avemos por firme e estavil pera todo ssenpre o dicto enprazamento
pella guisa que o dicto hé. E nos obriguamos pellos beens do dicto Moesteiro a vos
defender e as dictas pesoas depos vós e nom tolher o dicto enprazamento pella guisa
que dicto hé. E nom vo llo defendendo ou vo llo tolhendo que vos paguemos e correguamos todas perdas e dannos e custas e despesas que vós fezerdes polla dicta razom
e mais paguarmos pelos beens do dicto Moesteiro por pena e en nome de pena cem
libras da moeda antigua.
Eu ssobredicto Gomez Lourenço receby en mym o dicto enprazamento com as
claosollas e condiçoees que dictas som por mym e por as dictas pesoas e me obrigo a
o teer e manteer e fazer e refazer e adubar e en cada huum anno a dicta vinha de todo
<o dicto> adubio pella guisa que dicto hé e as dictas pesoas depos mym e paguar en
os dictos tres annos primeiros os dictos dous puçãees de vinho pella guisa que dicto
hé. E depois dos dictos tres annos em que a dicta vinha ha de sser fecta dar o terço do
vinho e dizimo que Deus en ella der pella guisa que dicto hé e condições ssusodictas
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 335
Reflexões
e cinque annos. Testemunhas que pressentes forom Gil Lourenço priol de Sam Fagundo e Alvaro Gil filho do Esteiro e Joham Regel d’Almalagues criados do dicto
Moesteiro.
E [eu] tabeliom ssobredicto que esta procuraçom escrevy sso meu sinal que tal
hé.
. história .
e as dictas pesoas depos mym. E nom o fazendo nem mantendo nem comprindo ou
nom paguando pella guisa que dicto hé que pague e corregua toda perda e dano que
a dicta Viste[a]ria polla dicta razom receber. E paguar por pena e en nome de pena
outras cem libras da dicta moeda antigua. E desto me nom escusar por agua nem per
fogo nem per guerra nem per outro nenhuum caso furt[u]ito.
Das quãees cousas as dictas partes louvarom e outorguaroom todo o que dicto hé
e ouverom por firme e estavil. E pedirom senhos estormentos de huum teor os dictos
procuradores en nome da dicta Vistearia huum. E o dicto Gomez Lourenço outro.
Fectos em Leirea ante as portas das casas da morada de mym tabeliom adeante
escrito, dez e ssete dias de Maio Era de mill e quatrocentos e quarenta e cinque annos. Testemunhas Afonso Lourenço conigo do Moesteiro de Santa Cruz e Domingos
Afonso da Ponte e Vasco Lourenço dos Banhos tecelãees moradores em a dicta villa
e outros.
Eu Pero Lourenço tabeliom que este estromento pera a dicta Vistearia escrevy e
aqui meu sinal fiz que tal hé (sinal). En testemunho de verdade.
Pagou x reais.
[No verso do pergaminho e de mão coeva]
Leva o prior clasteiro sete mill e novecentos e vinte e duas e meia de Pero Lourenço tabeliom das vinhas da Vestiaria que trouve.
Doc. 4
1419 SETEMBRO, 2, Leiria — Rol dos agravos da Clerezia de Leiria contra os
Frades Menores da mesma vila.64
[Fragmento A] TT — Santa Cruz de Coimbra, Caixa 249, Mº 248, não numerado; [Fragmento B] Pasta 38, “Alm. 36, Mº 6, Nº 1 (29)”; [Fragmento C] Pasta 39,
“Alm. 36, Mº 5, Nº 1 (-24)”.
Pub.: [Fragmentos B e C] S. A. Gomes, “O Convento de S. Francisco de Leiria
na Idade Média”, in Itinerarium, XL (1994), Braga, pp. 399-502: 454-456.
Sabham quantos este estormento virem que aos dous dias do mes de Setembro
Era de mil e quatrocentos e cinquoenta e sete anos em Leirea dentro no Moesteiro de
Sam Francisco da dicta vylla estando hi Ffrei Diego gardiam do dicto Moesteiro e
Frey Joham de Bragança frade da dicta Hordem perante o dicto gardiam em presença
de mym Joham Anes tabaliam geral por El Rey meu senhor em todos sseus regnos
e testemunhas adeante escritas pareceo Pere Anes frade professo do Moesteiro de
Santa Cruz da cidade de Coinbra e vigairo em a dicta villa por ho priol do dicto
Moesteiro e outrosy Joham Lourenço priol da Aguada e raçoeiro em Santa Maria da
Pena desta meesma e procurador que se dezia do dicto priol e convento do dicto Mo336 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
esteiro de Santa Cruz. E amostrarom e ler fezerom por mim dicto tabeliam presente o
dicto gardiom huã carta escrita em papel da qual ho teor se adeante se[gue] d afronta
e requerimento que nós o priol e convento do Moesteiro de Santa Cluz de Coinbra
fazemos ao gardiam e custodio e frades do Moesteiro de Sam Francisco <estamdo>
na vyla de Leirea, vós nos daredes huum e dous e mais estormentos pera guarda de
nosso direito. E pera podermos aver e derrençar aaquel que pera esto poder aja em
nos poer remedio e muytos agravos que delles nós e nosos sudictos recebemos.
Primeiramente em como elles sejam bem certos que nós e o dicto noso Moesteiro
ajamos toda jurdiçom episcopal na dicta vylla de Leirea e outrosy quatro ou cinquo
egrejas parrochiaaes limitadas por fregesias e cada huã delas aia fregeses e pia de
bautizar as quaaes se acustumarom sseerem regidas por raçoeiros clerigos perpetuamente instituidos pera darem os sacramentos aos freegeses en as quaaes em cada
huum diia se dizem misas muitas moormente nos Domingos e festas. E aalem desto
ajamos senpre na dicta vyla vigairo e coonigos que ajam o regimento das dictas
igrejas sabendo elles outrosy que de direito cumum os fregeses ao menos nos dyas
dos Domingos e festas devem recorrer aas igrejas suas madres e em elas ouvirem
suas misas. E nenhuum nom deve receber freeges alheo em sua egreja nos dictos
dyas em prejuizo da sua egreja mais ante o devem lançar fora doutra guissa pecaria
gravemente. Os ssobredictos relegiosos com entençam de fraudar as dictas egrejas
de seu direito emduzem e tirom os dictos freegeses que nom husem nem vaao aas
dictas fregesias suas. E os recebem e consentem em seu Moesteiro em gissa que os
dictos fregeses nom vaao ouvir as misas nos dictos dyas nem fazer suas obraçooes e
cousas a que som teudos e ficam as dictas igrejas desertas e deslladas.
Item as dictas igrejas e cada huã dellas acustumarom d aver certos oragoos em
onra dalguuns santos dos quaaes as festas quando acontece viirem no ano eles singularmente e com grande honrra senpre de muy longos tempos solenizarom com preegaçooes e com toda honrra que podyam. E ora os dictos relegiosos com entençom de
fraudar e vilependem às dictas igrejas e em beneficio das deles novamente poserom
outros oragos taaes como nas dictas igrejas erom solenizados. E em aqueles dyas
nom querem preegar nas dictas igrejas nem … as dictas festas …
[Fragmento B]
do dicto seu Moesteiro. E ao tempo que… dictas igrejas elles começom as pregaçooes em seu Moesteiro por o chamarem asy todo o povoo e ficarem as igrejas asy
como ficam soos. E como quer que o nosso Vigairo que na dicta vyla está em noso
nome queira fazer pregar perante sy nas dictas egrejas e requeira os dictos relegiossos que o nom enbargem em suas solenidades que senpre custumarom fazer, elles
em nosso desprezamento e da clerezia e direito comum nom querem leixar comprir
suas vontades dizendo que sam privyligiados nom curom de nosa judiriçom sem
querendo elles mostrar seus privilegios como quer que muitas vezes forom e sam
requeridos.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 337
Reflexões
. história .
. história .
Item como quer que sejom certos seerem thudos e obrigado induzem a
faze<er>em conciencya ao poboo probicamente e escondudamente nas preegaçooes
e em suas confisooes que bem e verdadeiramente paguem as dizimas e premicias aaquelas egrejas que as am d aver os sobredictos religiossos em grande prigoo de suas
concencias e desprezamento das sentenças e mandados da Santa Igreja e dos Santos
Padres dizem asy em pubrico come em escondudo alguuns maldizeres e detraçõoes
dos reitores e ministros das dictas igrejas e outras palavras per que se conrronpem e
tirom os cor[aç]ooes e voontades daquelles que as ouvem a nom pagarem verdadeiramente as <dictas> dizimas e primicias como som teudos e consentiam <e consentem> as pesoas que taaes coussas dizem antre sy dando lhes autoridade conselho e
favor e ajuda contra as dictas igrejas e beneficiados dellas.
Item induzem os freegesses das dictas egrejas a leixarem os sepulcros dos sseus
maiores e scolherem e prometerem d escolher as sopolturas no dicto Moesteiro e
contra a defessa e mandado da Santa Igreja e de sua Regula procuram sseer presentes
quando os ssobredictos fregeses fazem seus testamentos e os removem e tirom de
fazer alguus legados aas dictas igrejas suas madres. E se perventura os sobredictos
testadores sam obrigados e thudos em alguas divydas os encaregos certos ou nom
certos trabalham com elles e os induzem a leixar as dictas divydas e coussas em que
asy sam thudos ao dicto seu Moesteiro e a elles ou alguus delles em espicial sabendo elles bem que esta coussa perteence a nós de direito comum como aaqueles que
avemos a judiriçom hordenaira no dicto logo.
Item nom entendendo os ssobredictos relegiossos que segundo natural razom
aquelle que aho trabalho e emcarego deve <aver> o proveito e aquelle que hé quinhoeiro no trabalho deve sseer conpanheiro na folgança. E como os beneficiados nas
dictas [igrejas]…
[Fragmento C]
Egrejas tomam trabalham com sseus fregesses a lhes darem seus sacramentos
induzem em grande perigoo de ssuas comciencias os ssobredictos freegesses asy
em suas saudes come em suas infirmidades que em suas vydas e depos ssuas mortes
mandem cantar tryntairos e missas e façam esmolas no dicto seu Moesteiro e nom
leixem nem dem coussa aas dictas igrejas nem aos beneficiados dellas em gissa que
nenhuu freges ja nom manda dizer mysa nem faz obraçom asy como hé thudo em sua
propia egreja salvo no dicto Moesteiro. Nem outrosy dam os dictos relegiosos aas
sobredictas igrejas e beneficiados delas a sua direita parte tauxada em direito daquelas coussas que com os finados vãao ou per razom delas ou sam leixadas e dadas ao
dicto seu Moesteiro figindo outros modos per suas sotelezas per que ajam as dictas
cousas por nom averem as igrejas a sua direita parte.
Item sabendo elles bem e avendo razom de saber que de direito comum nhuu
posto que priviligiado e heisento seja nom deve receber sua p[arti]cipaçom escomungado nhuu ante ho deve esquivar quanto em el for, os sobredictos relegiossos
338 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
receberom e recebem em desprezamento da nossa jurdiçom e do direito cumum a
sua partecipaçom algua pesoas escomungadas per os vigairos postos per nós e nossos antecesores na dicta vylla de Leirea e <lhes> davam e derom conselho e favor
e ajuda e os nom esquivarom nem quiserom esquivar posto que pera ello fosem requeridos alegando que avyom privilegios per que esto podiam fazer os quãaes nom
quiseram nem curarom mostrar posto que lhe per muitas vezes fosse pedido.
Item sabendo elles bem que nós avemos a jurdiçom toda episcopal na dicta
vylla como dicto hé e que a nós perteence o regimento e hordinamento da justiça e
coussas esperituaaes. E como outrosy nós e as dictas nosas igrejas por nós e nosos
antecesores <estam> em posse de tanto tempo de que a memoria dos homeens nom
hé em contrairo per o qual foy senpre acostumado no dya de Corpo de Deus ir a
precisom ao Rosio da dicta vylla que hé lugar espaciosso em que honrradamente e
sollenymente se fez senpre e faz a dicta comemoraçom, os ssobredictos relegiosos
porque de rogo e de mandado de nosa senhora a Reinha a que Deus perdooe a dicta
procisom foy hua vez ao dicto seu Mosteiro, agora recusom e nom querem hir na
dicta procisom nem preegar em ela salvo salvo [sic] se a dicta procisom for ao dicto
seu Moesteiro. E o que peor hé induzem os leigos e os poderios sagrãaes a nos costrangerem e o dicto noso vigairo e crelezia da dicta vylla de Leirea a irem per força e
contra sua voontade com a dicta procisom ao dicto seu Moesteiro em deregaçom da
dicta nosa jurdiçom e poderio e da cresiastica liberdade.
Item sabendo bem e avendo razom de saber que nenhuu relegiosso quanto quer
que seja privyligiado e eisento e liberdade nem pode nem deve dar os sacramentos
da bendiçom e comunhom a nemhuus fr[eg]eses alheo sem lecença de seu reitor.
Os sobredictos religiosos em grande perygoo de ssuas almas e desprezamento das
sentenças e mandados da Santa Igreja e dos Santos Padres e em derogarem da nosa
judiriçom e privylegio armaram altar portatile em cassas dalguus fregeses das sobredictas nosas igrejas e diseram missa e derom o sacramento da comunhom aos
fregeses das dictas igrejas sem avendo de nós e do dicto noso Vigairo nem doutro
nenhuu que pera ello poder ouvese lecença.
Item sabendo bem e avendo ra[zom]…
Notas
1
Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (doravante citado por TT) — Mosteiro
de Santa Cruz de Coimbra, Livro 94, fl. 1.
2
TT — Mosteiro de Sanata Cruz de Coimbra, Livro 94, fl. 277vº.
3
TT — Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, Livro 39, Doc. Do “Mº 3, Nº 22”.
4
TT — Mosteiro de Alcobaça, 2ª incorporação, Mº 1, Doc. 42; Dourados de Alcobaça, Livro
4, fls. 13vº-14, Doc. 30.
5
TT — Santa Clara de Coimbra, Caixa 4, Séc. XV, Doc. “Nº 79”.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 339
Reflexões
. história .
. história .
6
TT — Mosteiro de Alcobaça, Documentos Régios, M0 2, Doc. 21.
TT — Mosteiro de Santa Ana de Coimbra, 2ª incorp., Caixa 3, Documento não numerado
(13 de Setembro de 1379, Leiria).
8
TT — S. Bento de Santarém, Mº 1, Pergaminho 32 (4 de Setembro de 1379); Santa Cruz de
Coimbra, 2ª incorp., Mº 18, Doc. Com a cota antiga “Alm. 34, Mº 1, Nº 22” (14 de Agosto
de 1379).
9
TT — Santa Clara de Coimbra, Caixa 1, Séc. XIV, “Nº 54”.
10
TT — Sé de Coimbra, 2ª incorp., Mº 28, Doc. 1168 (22 de Outubro de 1394).
11
TT — Sé de Coimbra, 2ª incorp., Mº 8, Doc. 374 (7 de Outubro de 1396).
12
TT — Mosteiro da Batalha, Livro 4, Doc. 142 (27 de Dezembro de 1401).
13
TT — Mosteiro da Batalha, Livro 4, Doc. 152.
14
Sobre este problema, leiam-se as páginas de A. H. de Oliveira Marques, Portugal na Crise
dos Séculos XIV e XV, Vol. 4 de Nova História de Portugal (Dir. Joel Serrão e A. H. de
Oliveira Marques), Lisboa, Presença, 1987, pp. 204-219.
15
TT — Sé de Coimbra, 2ª incorp., Mº 8, Doc. 334.
16
TT — Sé de Coimbra, 2ª incorp., Mº 28, Doc. 1162.
17
Este D. Vasco de Ataíde foi prior do Crato entre 1453 e 1492. Era filho de Álvaro Gonçalves
de Ataíde, conde da Atouguia, e de D. Guiomar de Castro. Doou, em vida, ao Convento
de S. Francisco de Leiria, três potes flamengos de latão, revestidos de ouro finíssimo. Seu
familiar era D. Diogo de Ataíde, falecido em 1453, e soterrado nesse mesmo Convento. Vd.
José Anastácio de Figueiredo, Nova Historia da Militar Ordem de Malta e dos Senhores
Grão-Priores della em Portugal, Vol. 3, Lisboa, Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1800, pp.
60-93; Humberto Baquero Moreno, A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e Significado
Histórico, Vol. 1, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1980, p. 726; A. Braamcamp
Freire, Brasões da Sala de Sintra, Vol. I, Lisboa, INCM, 1973, pp. 80-84; S. A. Gomes, “O
Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Média”, in Itinerarium, XL (1994), Braga, pp.
399-502: 414.
18
TT — Ordem de Avis, Doc. 670 (20 de Abril de 1448); Mosteiro da Batalha, Livro 4, Docs.
152, 43a (18 de Agosto de 1448 e 30 de Janeiro de 1451); Santa Clara de Coimbra, Documentos Particulares, Mº 11, Docs. 31 e 32 (11 e 12 de Fevereiro de 1452); Chancelaria de D.
Afonso V, Livro 3, fl. 23vº e Livro 15, fl. 54 (9 de Março de 1453 e 25 de Junho de 1455);
Santa Clara de Coimbra, Caixa 3, Séc. XV, Doc. “Nº 27” (11 de Março de 145).
19
TT — Santa Cruz de Coimbra, 2ª incorp., Mº 18, Doc. com a cota antiga “Alm. 34, Mº 3,
Nº 22”. Publicado por A. D. de Sousa Costa, “A Jurisdição quase episcopal do Mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra em Leiria e seus termos, reivindicada em processo judicial perante D.
Álvaro Afonso, Bispo de Silves e legado a latere do papa Calisto III”, in Itinearium, XXXI,
Nº 123 (1985), pp. 432-435; S. A. Gomes, Fontes Históricas e Artísticas do Mosteiro e da
Vila da Batalha (Séculos XIV a XVII), Vol. I, Lisboa, IPPAR, 2002, Doc. 35, pp. 93-95.
20
TT — Santa Cruz de Coimbra, 2ª incorp., Mº 18, Documento com a cota antiga “Alm. 34,
Mº 3, Nº 23”. Publicado por A. D. Sousa Costa, Op. cit., pp. 435-436; S. A. Gomes, Op.
cit., Doc. 36, pp. 96-97.
21
Eis como os Anais Quatrocentistas de Santa Cruz recordam o priorado de D. Afonso Martins:
Ҧ O prior dom Afonso tijnha huum <filho> Em Bollonha mantiudo a custa de Santa Cruz
E manteue<o> per mujtos annos ataa que foy doutor E este seu filho auja nome Fernando
7
340 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
Afonso E foy desenbargador Em casa dEl Rey. E asy pera despesa do estudo Como pera Seer
doutor o dicto prior geitou a Jmagem de Santa Maria da prata a penhor por çerto ouro que
lhe emprestou huum Ruy Diez morador em esta çidade E huum outro homem morador em
Aaueyro. E o dicto prior lhes moueeo demanda aquj per aa See E pera Bragaa E Julgarom
pollo Mosteiro nom a dando a huum tempo çerto alyas E asy veeo a Jmagem de Sancta
Maria pera o moesteiro.
Este prior dom Afonso pedio huã soma douro Emprestado a huum Ruy Vaasquez Ribeiro
Senhor de Figueiroo pera Se doutorrar Fernam Dafomso filho deste prior. E geitou lhe a penhor
huã † douro que aquj deu El Rey Dom Sancho. E dom Gonçalo pagou ho ouro por que Jazia
apenhada E em meeo da † leuaua huum pedaço do lenho Em que Christo pos as espadoas E
quando veeo nom o trazia. E quando veeo este Fernam Dafonso de Bollonha Ja Seu pay Era
finado E ueeo per este moesteiro mujto esguarro E o prior E o prior [sic] dom Gonçalo O
uestio honrradamente E dous cauallos huum pera elle E outro pera huum escudeiro E dous
moços, E como chegou a casa dEl Rey foy mujto bem Reçebido Ca era huum sofiçiente
leterado E logo o El Rey fez desenbargador E do seu conselho teendo dom Gonçallo polos
benefiçios Ja recebidos desta casa que punaria por ella E Deus Sabe que nom foy asy.
E seu pay lhe deu duas quintaaens Em Lixbooa E senpre cada huã andou Sobre Sy das quaaes
qujntaans lhe dam quareenta mjl Reais em cada huum anno. E ora Seu filho Joham Fernandez
doutor pagua pagua [sic] por ellas E por huã<s> casas que som Em a Rua Noua de Lixboa xj
Reais E a elle dam iij Reais por as casas as quaaes estam mujto mall Repayradas E quando
elle morrer que e a terçeira pesoa da llas ha o moesteiro por annos a quem nas Corregua. E
asy vay o Mosteiro de pyor em pyor.” (Anais, Crónicas e Memórias Avulsas de Santa Cruz
de Coimbra (Textos publicados com uma introdução por António Cruz), Porto, Biblioteca
Pública Municipal, 1968, p. 125).
22
Vd. D. Fr. Timóteo dos Mártires, Crónica de Santa Cruz, Tomo I, Coimbra, Biblioteca
Municipal, 1955, pp. 71-73.
23
Sobre o Priorado que Santa Cruz de Coimbra tinha em Leiria, seja-nos permitido remeter
para as nossas páginas coligidas em: Introdução à História do Castelo de Leiria, 2ª edição,
Leiria, C. M. L., 2004, pp. 151-170; “O Priorado Crúzio de Santa Maria de Leiria do Século
XII à criação da Diocese”, in Catedral de Leiria. História e Arte (Coord. de Virgolino Jorge),
Leiria, Diocese de Leiria-Fátima, 2005, pp. 13-46; “ ‘O ano do trigo sujo’: as rendas do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra no Priorado de Leiria nas vésperas da criação do Bispado
(1541-1545)”, in Leiria - Fátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano XII, Nº 34, Janeiro-Abril
2004, pp. 115-159; “A Capela de S. Simão de Leiria”, in Leiria-Fátima. Órgão Oficial da
Diocese, Ano XV, Nº 43, Janeiro de 2007, pp. 125-160.
24
Corrigimos a leitura proposta de “portugueses”.
25
Anais, Crónicas e Memórias Avulsas…, cit., p. 120.
26
TT — Santa Cruz de Coimbra, Antiga Sala 25, Caixa única de documentos não numerados,
documento com a cota antiga: “Alm. 38, Mº ?, Nº 13-20”. Publicado por S. A. Gomes,
Introdução à História do Castelo de Leiria, cit., p. 315.
27
Vd. S. A. Gomes, “Organização Paroquial e Jurisdição Eclesiástica no Priorado de Leiria nos
Séculos XII a XV”, in Lusitania Sacra, Revista do Centro de Estudos de História Religiosa
da Universidade Católica Portuguesa, Tomo IV, 2ª Série, Lisboa, 1992, pp. 163-310.
28
TT — Santa Cruz de Coimbra, Pasta 3, Documento com a cota antiga “Alm. 1, Mº 5, Nº 10”.
Publicado por S. A. Gomes, Introdução à História do Castelo de Leiria, cit., p. 317.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 341
Reflexões
. história .
. história .
29
Arquivo da Universidade de Coimbra — Pergaminhos de Santa Cruz de Coimbra, Dep. V,
IIIª Secção, Móvel 3, Gaveta 8, Nº 2, com a cota antiga “Alm. 34, Mº 2, Nº 3”. Publicamos
neste estudo este documento. Nele se refere a adega que a Vestiaria de Santa Cruz de Coimbra trazia em Leiria, a qual andara emprazada a João Gonçalves, alcaide-menor do castelo
leiriense, antes de 1407. Esta adega, creio, situar-se-ia seguramente dentro das muralhas da
vila medieval, sendo, decerto, edifício contíguo à igreja românica de S. Pedro. Por outro lado,
consideremos que esta adega poderá ser a que vem mencionada no conhecido Compromisso
de 1211, associada justamente à vinha de “além do rio” ou da “Ponte” [de Santiago] nos
seguintes termos. “De vinum tingatur de vinea nostra de Ponte quam vineam debemus colere
insimul fratres et clerici per singulos annos secundum quod ex ipsa nos fratres duas partes
et clerici sunt tertiam precepturi. Vinum autem totum ad appotecam fratrum Sancti Petri
portetur et ibidem crudum dividatur per tercias sicut superius est expressum. Eodem modo
et tinta ipsius vinee de Ponte ad appotecam nominatam portetur per fratres et clericos et
ibidem similiter dividatur.” (TT — Santa Cruz de Coimbra, 1ª incorp., Mº 15, Docs. 34 e 35;
vd., entre outros, Introdução à História do Castelo de Leiria, cit., pp. 228-229). Em 1545,
com a instauração da Diocese, esses bens passam, em grande parte, para a mesa episcopal.
O edifício desta antiquíssima adega, cremos, ainda hoje se pode visitar, na sua arqueologia
estrutural, junto à dita igreja de S. Pedro. Depois de caserna militar do antigo Quartel de
Artilharia 4, sofre actualmente (2007) obras de adaptação a unidade museológica, nela tendo
sido feitas algumas sondagens arqueológicas cujos resultados desconhecemos.
30
TT — Santa Cruz de Coimbra, Pasta 9, Documento com a cota antiga “Alm. 28, Mº 2, Nº
6”. Pub.: S. A. Gomes, “Organização Paroquial…”, cit., pp. 298-301.
31
TT — Santa Cruz de Coimbra, Pasta 4, Documento com a cota antiga “Alm. 3”, sem maço,
sem número. Pub.: S. A. Gomes, “Organização Paroquial…”, pp. 302-304.
32
TT — Santa Cruz de Coimbra, Caixa 249, Mº 248, fragmento; Pasta 38, fragmento com a
cota antiga “Alm. 36, Mº 6, Nº 1 (29)”; Pasta 39, fragmento com a cota antiga “Alm. 36, Mº
5, Nº 1 (-24)”. Pub.: S. A. Gomes, “O Convento de S. Francisco de Leiria na Idade Média”,
in Itinerarium, XL (1994), Braga, pp. 399-502: 454-456.
33
TT — Santa Cruz de Coimbra, Pasta 5, documento com a cota antiga “Alm. 41, Mº 3, Nºs
1(-15)”.
34
Vd., sobre estes selos e emblemática, S. A. Gomes, Introdução à História do Castelo de
Leiria, cit., pp. 158-160; Idem, In limine conscriptionis. Documentos, chancelaria e cultura
no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (Séculos XII a XIV), Viseu, Palimage, 2007, p. 1018,
estampas nºs 49 e 50.
35
TT — Chancelaria de D. João I, Livro 3, fls. 127-128. Publicado em Introdução à História
do Castelo de Leiria, cit., pp. 317-318.
36
TT — Chancelaria de D. João I, Livro 3, fls. 163vº-164. Publicado por S. A. Gomes, Fontes
Históricas e Artísticas do Mosteiro e da Vila da Batalha…, Vol. I, cit., Doc. 29, p. 78.
37
Vd. Arala Pinto, O Pinhal do Rei. Subsídios, 2 vols., Leiria, 1938, passim.
38
Vd. iria Gonçalves, O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV, Lisboa,
Universidade Nova de Lisboa, 1990; Idem, Alcobaça e Leiria: uma relação de vizinhança
ao longo da Idade Média, separata da Revista da Faculdade de Letras, II série, Vol. IV,
Porto, 1987.
39
Cf. S. A. Gomes, Porto de Mós. Colectânea Histórica e Documental. Séculos XII a XIX,
342 | LEIRIA-FÁTIMA • 44 |
Porto de Mós, C. N. P. M., 2005; Idem, “O Condado de Ourém em tempos medievais”, in
D. Afonso, 4º Conde de Ourém e sua Época. Congresso Histórico. Ourém, 6 a 8 Novembro
2003. Actas, (Coord. Carlos Ascenso André), Ourém, Câmara Municipal de Ourém, 2004,
pp. 93-156.
40
S. A. Gomes, O Mosteiro de Santa Maria da Vitória no Século XV, Coimbra, Instituto de
História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1990, pp. 205-207.
Na vila de Leiria havia mesmo a “casa do sal”, tendo-se notabilizado, entre os principais
comerciantes deste produto, a cortesã e concubina do rei D. Pedro I, Beatriz Dias de Leiria.
Vd., sobre este percurso singular na Leiria medieval, o nosso artigo Uma Dama na Leiria
Medieval: Beatriz Dias, “manceba del-rei” D. Pedro I”, in Economia, Sociedade e Poderes.
Estudos em Homenagem a Salvador Dias Arnaut (Coord. Leontina Ventura), Coimbra, 2002
[2004], pp. 301-329. [Também publicado em Biblos. Revista da Faculdade de Letras, Vol.
LXXVII. 2ª Parte da Miscelânea em Honra do Doutor Salvador Dias Arnaut. “Sociedade
e Economia”, Coimbra, 2001, pp. 115-143]. Permita-se-nos, ainda, a remissão para o nosso
estudo, onde apresentamos dados mais plurais sobre a produção salinífera em Leiria, intitulado
“Notas sobre a produção de sal-gema e de papel em Leiria e em Coimbra durante a Idade
Média”, in Revista Portuguesa de História, T. XXXI, Vol. I (1996), pp. 431-446.
41
Vd. S. A. Gomes, “Os Judeus de Leiria Medieval como Agentes Dinamizadores da Economia
Urbana”, in Revista Portuguesa de História, T. XXVIII, Coimbra, 1993, pp. 1-31; “Leiria
e a Tipografia Judaica dos Ortas...”, in Estudos Orientais. VI. Homenagem ao Professor
António Augusto Tavares, Lisboa, Instituto Oriental - Universidade Nova de Lisboa, 1997,
pp. 221-235.
42
Veja-se, para tudo isto, o quadro relativo à propriedade e rendas crúzias em Leiria, em 1399
e 1431, que aqui publicamos.
43
Seguimos as seguintes principais regras de transcrição: a) respeito pela ortografia original,
mas normalizando o uso de maiúsculas e de minúsculas; b) desabreviámos as palavras
abreviados sem destacar as letras restituídas; c) normalizámos o uso do “u” e do “j” quando
com valor de “v” e “i”; d) os numerais vão em numeração romana, devendo esclarecer-se
que o “b” vale 5, o “R” equivale a 40 e o “l” minúsculo vale 50; e) abrimos parágrafos e
introduzimos alguma pontuação em ordem a tornar mais acessível aos leitores o sentido do
texto documental.
44
Riscado “primeiramente”.
45
Este item foi riscado.
46
Riscou “libras”.
47
Riscou “libras”.
48
O registo destes aniversários respeita ao ano de Cristo de 1399. João Martins, o escrivão
mencionado, aparece documentado como tabelião de Leiria entre 1373 e 1397 e, ainda, como
escrivão justamente das sisas, em 1402.
49
Riscado “Dos.”
50
Riscou “Pascoa”.
51
Riscou “Doda”.
52
Riscou “dedia coma”.
53
Riscado “xij”.
54
Riscado um “h”.
| 44 • LEIRIA-FÁTIMA | 343
Reflexões
. história .
. história .
55
Riscado um “p”.
Riscado “jn”.
57
No texto parece mais claro “jnuçençio”, mas deve antes referir-se à festividade da trasladação do corpo de Santo Estêvão, que se comemora a 3 de Agosto. Não faria sentido que o
pagamento se fizesse em dia de S. Inocêncio (28 de Dezembro) e também de Santo Estêvão
(26 de Dezembro).
58
Entenda-se “jogral”.
59
Riscado “cóónigo”.
60
Riscado “Pascoa”.
61
Riscado “Afomso”.
62
No documento “Santo”.
63
Riscou “Moesteiro”.
64
Alude a este documento Fr. Manuel da Esperança na sua Historia Serafica da Ordem dos
Frades Menores de S. Francisco na Provincia de Portugal (Iª Parte, Lisboa, 1656, Livro
III, Capº XXXV, pp. 369-370) nos seguintes termos: “Mas he duro querer levantar cabeça a
respeito de quem está poderoso, logrando de muito tempo a sua autoridade, como aqui nos
succedeo em Leiria, onde nossos privilegios se julgavão por aggravos, e a frequencia do povo
na nossa igreja por desprezo e injuria das outras. Pelo que a 2 do mez de Setembro de 1419
<archivo de S. Cruz de Coimbra> vierão fazer ao nosso Guardião requerimento de aggravo
Pere Annes (como diz a escritura) frade profeso do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e
Vigairo em a dicta villa de Leiria por o Priol do dito mosteiro; e outrosi João Lourenço,
Priol da Aguada e Raçoeiro em Santa Maria da Penna desta mesma villa e Procurador do
dito Priol e convento. Onze artigos se continhão no aggravo, cuja materia ou tocava à nossa
immunidade, da qual podiamos usar: ou nascia de falsas informações contra o respeito e
grandeza daquele Real mosteiro, que nós nunqua pretendemos offender. E assi o declarou o
Guardião, que chamavão frei Diogo: se com palavras grosseiras, como então se usavão, cheas
porém de espirito; que bem o justificavão. Respondemos (disse elle) ao seu requerimento, e
dizemos que he injusto, e digno de todo doesto, porque em elle são conteudas cousas nom
dignas de serem ouvidas, das quaes nós somos innocentes, e som testemunhos falsos a nós
assacados. Deos perdoe a todos e falsidades. Cá ainda que nós fossemos os mais pecadores
e desembestados homens do mundo, nom fariamos taes cousas. Mas todo o nosso desejo he
salvar nossas almas e rogar a Deos por a fé Christaam. Entre as chamadas culpas, de que
lhes fazião cargo, hua era levantar cruz nos enterros dos defuntos; a outra não pagar quarta
funeral. Mas o primeiro he praticado no reino e conforme aos nossos privilegios; o segundo
introduzio em Leiria o costume, como tambem noutras partes.”
56
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