O DILEMA DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO
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O DILEMA DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO
ISSN 2318-3462 Recebido: 13/03/2014 Aprovado: 02/04/2014 O DILEMA DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO Autor: Kennyo Ismail ¹ Resumo O objetivo do artigo é analisar a evolução plástica do Rito Escocês Antigo e Aceito a partir do surgimento do primeiro Supremo Conselho, no início do século XIX, até seu auge, durante as primeiras décadas do século seguinte. Procurou-se compreender as implicações positivas e negativas decorrentes dessas adaptações, seja a massificação da Maçonaria em solo norte-americano ou as severas críticas ao modelo adotado. Além disso, observou-se o fato de, mesmo com o sucesso quantitativo da inovação no formato do Rito Escocês nos EUA, tal inovação não foi adotada pelos outros Supremos Conselhos do Continente. Palavras-chave: Rito Escocês Antigo e Aceito; Albert Pike; dramatização maçônica. Abstract The aim of this paper is to analyze the plastic evolution of Ancient and Accepted Scottish Rite from the appearance of the first Supreme Council in the early nineteenth century, until its peak, during the early decades of the twentieth century. We sought to understand the positive and negative implications resulting from these adaptations be the massification of Freemasonry in American soil or the severe criticism of the model adopted. Moreover, there was the fact that, even with the quantitative success of innovation in the format of the Scottish Rite in America, this innovation was not adopted by other Supreme Councils in the Continent. Keywords: Ancient and Accepted Scottish Rite; Albert Pike; Masonic drama. ¹ Kennyo Ismail é Mestre em Administração pela EBAPE-FGV, com MBA em Gestão de Marketing pela ESAMC e bacharelado em Administração pela UnB. É professor titular do Instituto de Ensino Superior de Goiás. Mestre Instalado, é membro da Loja Maçônica “Flor de Lótus No. 38” - GLMDF; Sumo Sacerdote do Capítulo “Fredericksburg No. 16” de Maçons do Real Arco; e Grande Mestre Adjunto do Supremo Grande Conselho de Maçons Crípticos do Brasil. É membro das sociedades de pesquisa “Philalethes Society” e “The Masonic Society”. E-mail: [email protected] FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.3, p. 29-32, Jan/Abr, 2014. 29 ISMAIL, K. O DILEMA DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO tando uma postura mais moderada. Mesmo não aprovado, esse trabalho inicial garantiu a Pike sua Havia poucos anos que o Rito de Heredom investidura no 33º grau, em 1858, e, no ano seguinte, havia desembarcado nos EUA, com seus 22 Altos o mesmo foi eleito Soberano Grande Comendador, Graus, e conquistado algumas centenas de maçons. em 1859. Com a iniciativa dos chamados 11 cavalheiros de A guerra civil norte-americana interrompeu a Charleston, na Carolina do Sul, esse Rito ganhou mais 07 graus filosóficos e 01 grau honorífico. Surge então, evolução de seu trabalho de revisão, assim como a em maio de 1801, o Supremo Conselho “Mãe do mudança do Supremo Conselho para Washington, Mundo”, administrando um sistema de 30 Altos DC, em 1870. No ano seguinte, em 1871, Albert Pike Graus, denominado “Rito Escocês Antigo e Aceito”. publica seu livro “Moral e Dogma”, com suas lectures, Rapidamente essa iniciativa foi copiada em outros resultantes de seus estudos sobre cada grau do Rito países, dando origem a outros Supremos Conselhos Escocês (COIL & BROWN, 1961). Mas apenas em 1884 a revisão foi oficialmente concluída e aprovada. A (COIL & BROWN, 1961). implementação foi imediata e os rituais também foPor mais de 50 anos, o hoje conhecido como ram concedidos a outros Supremos Conselhos, que Supremo Conselho do Rito Escocês da Jurisdição Sul sofriam do mesmo problema inicial de rituais incoedos EUA batalhou para consolidar o Rito Escocês nos rentes e inconsistentes. Estados sob sua jurisdição, sem alcançar muito sucesso. Em Março de 1853, Albert Mackey conseguiu convencer um já célebre maçom na época, Albert Pike, a O Problema e a Solução viajar do Arkansas até Charleston para receber do 4º Liturgicamente, os novos rituais foram um suao 32º grau. Pike, então com um pouco mais de 10 cesso, solucionando a questão da desorganização rianos de Maçonaria, um Maçom do Real Arco e um tualística. Porém, administrativamente o resultado Cavaleiro Templário no Rito de York, já se destacava não foi o esperado. A liderança e renome de Albert no meio maçônico por sua inteligência e cultura ge- Pike, assim como a mudança do Supremo Conselho ral, e poderia ajudar o Supremo Conselho a consoli- para a Capital do país, havia colaborado para o crescidar o Rito Escocês em Arkansas e região (HODAPP, mento do Rito Escocês, mas ainda assim apresentan2005). do um crescimento tímido, distante da dimensão da Breve Introdução Histórica A estratégia teve êxito e Pike abraçou o desafio de colaborar para com o desenvolvimento do Rito Escocês, ainda visto por muitos maçons da época como um sistema recente e estrangeiro, em contraste como o Rito de York, tido como antigo e norteamericano. Não demorou para que Pike fosse incumbido de organizar os rituais do Rito Escocês, em 1855, trabalho esse que ele realizou em tempo considerado recorde: um pouco mais de 2 anos, tendo concluído em 1857 (HOYOS, 2009). Seu trabalho foi considerado excelente, porém polêmico demais para ser aprovado. Foi a ele solicitado que refizesse o estudo, ado- maçonaria simbólica. Consultas foram feitas à base e a resposta veio, literalmente, a galope. Os rituais eram considerados muito complexos e os praticantes acabavam demasiadamente presos na ritualística, em detrimento do conteúdo alegórico e de seus ensinamentos morais e espirituais. A reação do Supremo Conselho veio sob medida: a transformação dos graus em “peças de teatro”, abrindo mão da ritualística em prol da apresentação dramática de seus conteúdos alegóricos. Os templos foram substituídos por teatros e auditórios e os oficiais se transformaram em atores FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.3, p. 29-32, Jan/Abr, 2014. 30 ISMAIL, K. O DILEMA DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO amadores (DUMENIL, 1984). É evidente que as críticas foram muitas, alegando o abandono dos costumes maçônicos, a profanação do conteúdo, a comercialização vazia dos graus, e o fim da meritocracia pela assiduidade e dedicação. Porém, surgiu uma multidão de Mestres Maçons interessados pelo “entretenimento maçônico”. Se em 1850, um pouco antes do ingresso de Albert Pike, o Supremo Conselho contava apenas com um pouco mais de 1.000 adeptos, e em 1890, após a publicação dos rituais revisados por Albert Pike, esse número ultrapassou a marca de 10.000 adeptos, em 1930 esse número já era superior a 500.000 membros (BULLOCK, 1996). As encenações do Rito Escocês eram um verdadeiro sucesso. Mas o preço do sucesso era claro: enquanto a escalada dos 29 graus, do 4º ao 32º, costumava demorar alguns anos para grupos de algumas poucas dezenas de membros, passou a ser realizado em 3 a 4 dias para grupos de várias centenas, algumas vezes superior a 1.000 membros (CLAWSON, 2007). das provas dos rituais e eram investidos com toques, sinais, palavras e com as joias dos graus, passaram a ser simples espectadores, passivos perante o processo dramático e podados do processo iniciático. Tal aspecto explicita a razão pela qual o Rito Escocês nos EUA passou a ser chamado por muitos intelectuais maçons de “entretenimento maçônico”, e seu formato teatral foi inicialmente acusado de ser uma ameaça à moral e filosofia maçônicas (O’DONNEL, 1906; KNOW, 1907). Por outro lado, não faltaram defensores do modelo de encenação maçônica no Rito Escocês, argumentando que a dramatização, quando bem feita, colabora para uma melhor compreensão e relação emocional com as lições ensinadas (SARGENT, 1907). Cientes disso, os Grandes Inspetores dos Vales criaram estruturas de teatros profissionais, com diretores, auxiliares de palco, técnicos de som e iluminação e dezenas de atores, todos maçons. Eles ensaiam exaustivamente e, em muitos dos Vales, os atores principais recebem cuidados especiais, como se estiAlém do número de membros e, logicamente, vessem na Broadway. das cifras, o novo modelo do Rito Escocês havia trazido uma única melhoria: as fantasias. Antes simples e Conclusão artesanais, a revolução do Rito Escocês nos EUA fez O modelo teatral adotado pelo Supremo Consurgir vários catálogos de peças exuberantes e cheias de requinte e riqueza de detalhes. Tanto dinheiro selho do Rito Escocês da Jurisdição Sul dos EUA tem precisava ser empregado de alguma forma, e os sido praticado há mais de 100 anos. Sua redução no “Vales” trataram de investir em benefício de seus prazo de concessão dos graus acabou por influenciar membros, construindo edifícios com salões de festa, as Grandes Lojas norte-americanas, que também pasbibliotecas, salas de jogos e teatros ainda mais suntu- saram a conceder os três graus simbólicos em períoosos (FOX, 1997). Na primeira metade do século XX, dos de poucos dias. Sem entrar na discussão de seus os Vales do Supremo Conselho Jurisdição Sul dos EUA aspectos morais, fato é que tal formato colaborou trataram de construir e equipar teatros que se desta- para a concentração de quase 2/3 dos maçons do caram, e alguns ainda se destacam, entre os melho- mundo em solo norte-americano. res daquele país. Apesar desse desenvolvimento excepcional, Porém, todo esse desenvolvimento não mu- outros Supremos Conselhos espalhados pelo mundo dou o fato, até hoje alvo de críticas, de que os inicia- não optaram por adotar tal estratégia, provavelmendos, de protagonistas que participavam ativamente te pelas questões morais e filosóficas em discussão. Para se ter uma melhor compreensão da diferença FinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.3, p. 29-32, Jan/Abr, 2014. 31 ISMAIL, K. O DILEMA DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO entre essas duas realidades distintas, enquanto nos EUA um Mestre Maçom alcança o 32º grau em menos de um mês e pagando uma taxa inferior a US$300,00; no Brasil, por exemplo, um Mestre Maçom alcança o 32º grau após mais de quatro anos de dedicação e um investimento superior a R$3.000,00. ca’s Southern Jurisdiction. Fayetteville: University of Arkansas Press, 1997, pp. 146–1477. HODAPP, Christopher. Freemasons for Dummies. Hoboken, New Jersey: Wiley Publishing Inc., 2005. HOYOS, Arturo. Scottish Rite Ritual, Monitor and Guide 2d ed. Washington, D.C.: Supreme Council, 33°, Porém, é importante realçar que aqueles que S.J., 2009. optaram pelo modelo ritualístico tradicional continuam convivendo com o problema original: rituais com- KNOX, William. What Excuse? The New Age Magaziplexos, algumas vezes incoerentes, e que tiram o foco ne, 1907. do conteúdo em nome da forma. Talvez a solução O’DONNELL, Francis H. E. Philosophy and the Drama norte-americana não seja ideal como uma solução in Freemasonry. The New Age Magazine, 1906. substituta, mas sim como uma solução complemenSARGENT, Epes W. Detail and the Drama of the Detar. As peças de teatro poderiam reforçar nos maçons gree. The New Age Magazine, 1907, pp. 175–177. os conteúdos alegóricos de cunho moral e espiritual que costumam ficar em segundo plano no modelo convencional. Seria algo logicamente mais trabalhoso, porém, também mais eficiente no que tange a formação do maçom adepto do Rito Escocês Antigo e Aceito. Referências Bibliográficas BULLOCK, Steven C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonry and the Transformation of the American Social Order, 1730–1840. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1996, pp. 239–273. CLAWSON, Mary Ann. Masculinity, Consumption and the Transformation of Scottish Rite Freemasonry in the Turn-of-the-Century United States. Gender & History, Vol.19, No.1, 2007, pp. 101–121. COIL, Henry Wilson; BROWN, William Moseley. Coil’s Masonic Encyclopedia. New York: Ed. Macoy, 1961. DUMENIL, Lynn. Freemasonry and American Culture, 1880–1930. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1984. FOX, William L. Lodge of the Double-Headed Eagle: Two Centuries of Scottish Rite Freemasonry in AmeriFinP | Rio de Janeiro, Vol. 1, n.3, p. 29-32, Jan/Abr, 2014. 32
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