Artigo Técnico - Tractebel Energia

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Artigo Técnico - Tractebel Energia
Influência de Fenômenos Climáticos no
Desempenho de dois Parques Eólicos
Reinaldo Haas, Yoshiaki Sakagami, Lucas Cervenka Sauthier, Pedro Alvim de Azevedo Santos, Frederico de
Freitas Taves, Júlio César Passos, Mônica Nassar Machuca, Bruno Jeremias Cardoso e Jonas Perosa
Resumo – Este trabalho apresenta resultados preliminares do
projeto, cujo objetivo é o desenvolvimento de um software para
previsão de geração eólica no curto prazo. Analisa-se a
influência de fenômenos meteorológicos de grande e
mesoescala no desempenho e previsão dos Parques Eólicos da
Tractebel Energia, localizados no Nordeste Brasileiro. Os
primeiros resultados simulados do modelo atmosférico ARPS
apontaram que, em períodos de La Niña, os parques eólicos
sofrem reduções significativas em suas produções de energia.
Tais resultados são correlacionados com dados medidos nos
parques, os quais evidenciam, para o período de 2009, uma
queda maior na produção, ocorrida pelo deslocamento da
Zona de Convergência Intertropical ao sul, com um RMSE de
2,4m/s e σ=1,9. Uma comparação do modelo com os dados de
geração foi realizada com software WAsP®. Por fim, discute-se
a metodologia a ser aplicada e suas melhorias, envolvendo
modelos mesoescala aliados com ferramentas estatísticas para
construção do modelo de previsão.1
Palavras-chave – Energia Eólica, Fenômenos climáticos,
Modelos Atmosféricos, Previsão de Geração Elétrica.
I. INTRODUÇÃO
O Nordeste brasileiro é a região com o maior potencial
eólico e, consequentemente, com a maior capacidade
instalada no país [1], [2]. O principal incentivo neste
segmento surgiu em 2003, com o programa PROINFA, do
governo federal, o qual impulsionava a instalação de usinas
eólicas. Entretanto, alguns parques deste programa foram
projetados com medições de ventos ocorridas em anos de
predomínio do fenômeno El Niño, projetando-se um fator
de capacidade acima da média, uma vez que o El Niño está
associado a ventos mais intensos na região [3].
A Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) é a região
onde os ventos Alísios se encontram ao longo do globo,
oriundos dos hemisférios norte e sul, caracterizando uma
faixa de baixa pressão, grandes precipitações volumétricas
(consequência das massas de ar ascendentes) e ventos
1
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pesquisa e
Desenvolvimento Tecnológico do Setor de Energia Elétrica regulado pela
ANEEL e consta dos Anais do VII Congresso de Inovação Tecnológica em
Energia Elétrica(VII CITENEL), realizado na cidade do Rio de Janeiro/RJ,
no período de 05 a 07 de agosto de 2013.
Este trabalho é realizado pelo Laboratório de Engenharia de Processos
de Conversão e Tecnologia de Energia (LEPTEN) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) com apoio da Tractebel Energia S.A.
R. Haas et. al. atuam no LEPTEN/UFSC ([email protected]).
F.
F.
Taves
trabalha
([email protected]).
na
Tractebel
Energia
S.A.
predominantes de pouca intensidade, ou seja, uma região de
“calmaria”. Os episódios de Oscilação Sul-El Niño – OSEN
modulam a intensidade e a posição da ZCIT. A fase fria da
OSEN, La Niña, está então associada ao deslocamento da
ZCIT para latitudes mais ao sul, ou seja, ventos
enfraquecidos no Nordeste Brasileiro [3]. No caso do
Nordeste Brasileiro deve se considerar a atuação do dipolo
do Atlântico [4]. O Dipolo do Atlântico é o fenômeno
oceano/atmosférico que inibe ou aumenta a formação de
nuvens, diminuindo ou aumentando os índices
pluviométricos e os ventos no Leste da Amazônia/Litoral
Norte Brasileiro. A associação destes fenômenos pode ser
potencialmente devastadora para a produção de energia
eólica. Um exemplo disto ocorreu entre meses de maio a
setembro de 2009, quando a geração verificada foi
demasiadamente baixa para esta época do ano. Tal episódio
evidencia a pertinência do uso de modelos meteorológicos
na previsão de geração eólica, especialmente em situações
de criticidade conjuntural para o Setor Elétrico Brasileiro.
Este trabalho tem como objetivo demonstrar a influência
da OSEN e do dipolo do Atlânticos sobre a intensidade dos
ventos sobre o Nordeste do Brasil. Para isto será usados
dados de vento provenientes de uma regionalização do
ventos (downscaling) obtida pelo modelo atmosférico
ARPS, com base nos dados de Reanálise do NCEP [5], [6].
A partir desses dados, torna-se possível verificar a
influência do fenômeno climatológico supracitado no
desempenho de dois Parques Eólicos. Para validar os dados
do downscaling foram a correlação, média, desvio padrão e
erro quadrático médio rms e fator de forma e escala da
distribuição de Weibull, das séries histórica de dados do
modelo ARPS com as medições de vento do Parque Eólico
da Tractebel Energia – UEBB, em Beberibe/CE. Estas
comparações estatísticas permitem montar uma esquema de
correção dos dados de modelos ou MOS- “Model Output
Statistic” que pode permitir o uso do downscaling para
entender as variações climáticas do vento no Nordeste.
Utilizou-se, também, o software WAsP® 10 a fim de
comparar os resultados da simulação com a geração dos
dois parques. Tais correlações poderão evidenciar a
influencia desses fenômenos climáticos no desempenho real
dos dois parques eólicos, caracterizando um estudo de caso
para o período entre 2009 e 2012.
A metodologia de cálculo e novas ferramentas a serem
utilizadas para criação de um software de previsão de
geração serão discutidas. O objetivo final do projeto é a
aplicação deste software, tendo como base o modelo
testado, para aplicações em todas as etapas do planejamento,
desenvolvimento e operação de Parques Eólicos, com larga
possibilidade de utilização pelas empresas do setor elétrico.
O presente trabalho foi realizado dentro do contexto do
projeto PD 0403
0403-0020/2011,
0020/2011, intitulado Desenvolvimento de
tecnologias de previsão de geração de energia elétrica para
parques eólicos em operação. Este projeto teve seu início
em dezembro de 2011, com duração prevista de 3 anos, e
está em execução
execução pelo LEPTEN/UFSC com apoio
financeiro da Tractebel Energia S.A.
II. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
A. Revisão Bibliográfica
Os ventos Alísios são as correntes de ar inferiores das
Células de Hadley norte e sul, localizadas entre os trópicos e
o equador. A existência destas denominadas células
atmosféricas ocorre pelo fato de o equador terrestre receber
maiores quantidades de radiação solar do que os paralelos
de 30º. No hemisfério norte os ventos Alísios sopram
predominantemente de nordes
nordeste,
te, enquanto que no
Hemisfério
H
Sul sopra de Sudeste. A região em que estes
ventos se dirigem é denominada de Zona de Convergência
Intertropical-ZCIT
Intertropical ZCIT,, caracterizada por um posicionamento ao
longo do equador terrestre. Normalmente a ZCIT possui
baixa pressão atmosférica e gran
grandes
des massas de ar
ascendentes, as quais geram chuvas abundantes e possuem
ventos fracos.
fracos. A ZCIT pode ser classificada também como o
ramo ascendente da Célula de Hadley.
O posicionamento predominante da ZCIT é próximo ao
norte do equador, porém é irregular e variável, chegando a
apresentar duas faixas simultâneas, dependendo das
condições, principalmente influenciadas pelo ciclo de
temperatura das águas do Oceano Pacífico. A assimetria do
posicionamento ainda é um mecanismo não totalmente
conhecido, mas sabe
sabe-se
se que está relacionado com a
geometria irregular do
doss continentes,
continentes a estação do ano e os
fenômenos El Niño – La Niña [3]. A figura 1 apresenta um
esquema do posicionamento médio da ZCIT para dois
períodos distintos do ano, dos quais em janeiro está a ZCIT
mais propensa a sobrepor o Brasil, incluindo a costa do
Nordeste.
como a composição de fatores oceânicos e atmosféricos que
ocorrem principalmente ao leste do Pacífico, como a
variação da Temperatura da Superfície do Mar (TSM),
pressão atmosférica
atmosférica e dos padrões de vento.
O Dipolo do Atlântico é o fenômeno oceano/atmosférico
que inibe ou aumenta a formação de nuvens
nuvens,, diminuindo ou
aumentando os índices pluviométricos e o vento no Litoral
Norte/Nordeste
Norte
Brasileiro [4].
]. Esse fenômeno é observado
como uma mudança anômala na TSM,, ou seja, quando as
águas do Atlântico Tropical Norte estão mais quentes e as
águas do Atlântico Equatorial e Tropical Sul estão mais
frias.
frias. Há uma chamada fase positiva
positiva do Dipolo
Dipolo,, com ventos
mais intensos e menos chuva, e uma fase negativa do
Dipolo, que se manifesta com ventos fracos e chuvas mais
abundantes [7].
[
O Dipolo do Atlântico e fenômenos El Niño
Niño-La
La Niña
podem agir conjuntamente para influenciarem na posição e
intensidade da ZCIT.
ZCIT Deste modo, associações da fase
negativas do Dipolo com El Ni
Niño
o tendem a reforçar os
ventos, enquanto associações da fase positiva do Dipolo
com La Niña tendem a enfraquecê
enfraquecê-los.
O índice MEI (Multivariate ENSO Index)
Index),, apresentado
na figura 2 para a série de janeiro 19
1979
79 a dezembro de 2012,
é a quantificação da variação entre períodos de El Niños e
La Niñas, e que considera na sua composição as seguintes
variáveis: pressão ao nível do mar, as componentes zonal e
meridional do vento em superfície, TSM,, a temperatura do
arr em superfície e um indicador de nebulosidade.
Figura 2.
2. Índice MEI de quantificação da OSEN para o período
1979/2012.
O MEI é um parâmetro adequado para se avaliar a
influência das condições proporcionadas por El Niñ
Niños
os e La
Niñas. As figuras 3a e 3b demonstram as médias dos
menores ventos registrados em anos típicos de El Niño e La
Niña.
Figura 1. Direções predominantes dos ventos de superfície e o
posicionamento da ZCIT para verão (Janeiro) e inverno (Julho) austrais;
Modificado de [6].
Já a Oscilação Sul
Sul-El
El NiñoNiño OSEN é um padrão climático
quasi-periódico
quasi periódico que ocorre no Oceano Pacífico. É entendida
Figura 3a – Média de ventos mínimos em 1983 (El Niño).
Figura 4. Terreno do modelo ARPS e localização das UEEs Pedra do Sal
(∆) e Beberibe ( ).
Figura 3b – Média de ventos mínimos em 2009 (La Niña).
Com o devido entendimento das características do clima
na grande escala, bem como seus possíveis impactos no
nordeste brasileiro, pretende-se realizar um estudo de caso
desta influência climática para os dois parques eólicos em
operação da Tractebel Energia. A empresa possui
atualmente dois parques em operação, ambos localizados no
nordeste brasileiro.
B. Estudo de Caso
A usina eólica Beberibe, localizada no município de
Beberibe – Ceará, possui 32 aerogeradores de 800kW,
instalados a 75 metros de altura, totalizando 25,6MW de
capacidade instalada. O início de operação comercial
ocorreu em 11 de setembro de 2008. A usina de energia
eólica Pedra do Sal, localizada em Parnaíba – Piauí, tem
capacidade instalada de 18MW, constituída por 20 AGs de
900kW a uma altura de 55 metros. Esta usina teve seu início
de operação comercial em 30 de dezembro de 2008. Assim,
esta usina será usada para validar os resultados do modelo
ARPS.
Estes parques estão localizados no litoral (Figura 4),
sendo assim grandemente influenciados pelos fenômenos
meteorológicos atuantes próximo ao equador, como a
variação da ZCIT. As médias de ventos anuais nas
localidades estudadas são de 8,5m/s e 9,2m/s, estimadas
para altura dos aerogeradores de Beberibe e Pedra do Sal,
respectivamente. Entretanto, nos anos de La Niña, tais
médias são reduzidas, como demostram as Figuras 3a e 3b.
Em 2009 há uma clara distinção que a média anual de
ventos mais fracos registrados nos dados de Reanalysis II
foi abaixo de um ano considerado de predominância do El
Niño (1983). A Figura 3a denota ainda que a faixa mais
escura, de valores menores, é a própria ZCIT deslocada para
o NEB, posicionando-se assim sobre os vários parques
eólicos da região ao longo do ano.
O Nordeste possui atualmente 80 usinas eólicas, no total
de 1,8GW de potência instalada, aproximadamente [22]. As
usinas eólicas do país atingem atualmente cerca de 2,5GW
de potência instalada, distribuídas em 108 parques,
representando aproximadamente 2% da capacidade
instalada nacional. Estes outros parques do NEB, em
maioria instalados no litoral, estão, de uma forma geral,
aquém de seu potencial de geração calculado em projeto [9].
C. Materiais e Métodos
Neste trabalho são utilizados dados de vento
provenientes da chamada Reanálise II do “National Center
for Environmental Predictions” – NCEP e “Departament of
Energy” DOE [10], dados de ventos provenientes de uma
regionalização dos dados da Reanálise II, efetuados com o
modelo ARPS – Advanced Regional Prediction System [6],
dados observados de vento (anemômetro de copo) e de
geração de energia obtidos dos aerogeradores dos parques
eólicos de Beberibe-CE e Pedra do Sal-PI.
O ARPS é um modelo de Previsão Numérica de Tempo PNT regional que vem sendo desenvolvido pela
Universidade de Oklahoma desde 1993. Ele é um dos
modelos mais modernos existentes no mundo. É indicado
para a simulação de problemas de microescala (10 m a 01
km), problemas da escala meso-β e meso-χ (como previsões
de tempestades e tornados) e de fenômenos da escala meso-
α (como frentes frias e vórtices) [5]. Ou seja, o modelo é
capaz de recriar realisticamente todos os fenômenos que
afetam o vento de uma determinada região.
Para obter o downscaling, o modelo ARPS foi adaptado
para utilizar uma base fisiográfica de tipos de vegetação,
índice de vegetação, solos e relevos para o Nordeste do
Brasil com 30x30 segundos de resolução espacial. O ARPS
foi configurado com dois alinhamentos com base nas
Reanálise II do NCEP-DOE com uma resolução horizontal
de 12km, a qual cobre toda a região do NEB. Na grade
vertical são usados 23 níveis verticais. O espaçamento
variável da grade vertical usado é baseado numa função
hiperbólica, onde o espaçamento varia de 10 metros na
superfície até 500 metros na metade da altura atmosférica
representada. O modelo é processado para 27 horas de
previsão em ambas as grades. Para todas as grades foram
usadas as parametrizações físicas determinadas por [6]. Na
grade A (figira 4) é usada as condições iniciais da Reanálise
II do NCEP-DOE [10]. Neste caso, a renovação das
fronteiras é feita a cada 6 horas com base com um
amortecimento de 7 pontos. Para validar o modelo ARPS
foi gerada uma “climatologia” num período de 1998 a 2012.
Os dados de ventos foram gerados, para 10 metros de altura,
foram salvos em saídas a cada 10 minutos.
D. Dados de Reanálise II
Os dados de Reanálise II foram obtidos do National
Centers for Environmental Prediction (NCEP), que mantém
uma base climática desde 1979 até a atualidade. Esses dados
são resultado de uma extensa análise das variáveis
meteorológicas obtidas de sistemas de medições, tais como:
estações meteorológicas de superfícies, radiossondas,
navios, aviões, satélites, radares etc. Essas medições são
realizadas no mundo todo e representam a melhor cobertura
de informações meteorológicas na Terra. A vantagem do
uso desses dados é o controle de qualidade e o sistema de
assimilação por que passam, a fim de manter os mesmos
critérios de análises. No formato padrão, a Reanálise está
estruturada por uma grade regular de 2,5° de longitude e
2,5° de latitude (210km x 210km) e cobre todo o globo
terrestre com 144x73 pontos de grade. As variáveis
simuladas são consideradas valores instantâneos e estão nos
intervalos das 0h, 6h, 12h, 18h e 21h GMT [6].
E. Regionalização dos dados (downscaling)
No estudo de projetos de geração de energia eólica, uma
resolução temporal mínima de intervalos de dez minutos e
uma resolução espacial da ordem de 10km, que é o tamanho
típico de um parque eólico, é desejável. Deste modo, uma
vez obtidos os dados de reanálise do NCEP, é realizada uma
regionalização, com uma resolução espacial de 12km x
12km e temporal de 10 em 10 minutos para ventos no NEB.
Essa técnica [12] é realizada pelo modelo atmosférico
Advanced Regional Prediction System (ARPS) [12]. Tais
dados regionalizados tem se mostrado satisfatórios para
estudos climáticos quando comparados pontualmente com
série histórica de dados observados de estações
meteorológicas localizadas em aeroportos [13].
F. WAsP
A fim de realizar uma correlação dos dados simulados
pelo ARPS com a geração dos parques eólicos, utilizou-se o
software WAsP® 10, com licença adquirida pela
FEESC/UFSC com recursos do presente projeto. Este
software realiza uma estimativa do potencial eólico de
determinado local, a partir de extrapolação horizontal e
vertical com dados anemométricos e características
topográficas do domínio especificado [14]. Ao construir o
layout do parque eólico estudado e receber a série histórica
dos dados anemométricos, o WAsP é capaz de determinar a
Produção Anual de Energia (PAE) detalhada para cada aero
gerador, com aplicação de modelos para extrapolação
vertical e cálculos de perdas aerodinâmicas (efeito de
esteira).
O procedimento de simulação necessita basicamente de
três tipos de entradas: informações relacionadas ao terreno,
dados anemométricos e informações sobre o parque eólico.
Nas informações relativas ao terreno estão contemplados
dados de topografia e rugosidade de terreno, bem como
considerações acerca do micrositing (obstáculos presentes).
Os dados anemométricos devem conter uma série histórica
com no mínimo um ano, a fim de captar a sazonalidade do
vento. Por fim, faz-se necessário representar o layout do
parque eólico estudado e inserir as curvas de desempenho
dos aero geradores [15].
O WasP Map Editor® foi utilizado para construção do
mapa do domínio de 15x15km, que delimita as fronteiras do
problema e contém o terreno do parque eólico. Os
parâmetros de rugosidade de terreno (z0) foram
estabelecidos com base na literatura [16]. O WAsP Turbine
Editor®, por sua vez, é responsável por compilar as
especificações técnicas dos aero geradores [21] – curva de
potência e Ct – a fim de estimar a geração de cada
equipamento e, consequentemente, do parque.
Vale ressaltar o caráter preliminar de tais simulações,
visto que o WAsP considera um modelo linear na
extrapolação espacial, com simplificações para gradientes
de temperatura e estabilidade da Camada Limite
Atmosférica [11]. Para reduzir uma componente do erro
decorrente da extrapolação vertical, serão inseridos os dados
de vento já na altura do aero gerador de cada parque,
considerando-se diferentes perfis de velocidade. Tal
procedimento geralmente apresenta melhores resultados
[14].
G. Dados de Geração
Como forma a se validar as futuras simulações de
previsão, a análise dos dados dos próprios aero geradores
destes parques é imprescindível. Portanto, os dados de
potência instantânea, velocidade do vento na altura da
nacele e geração foram compilados, apresentados nas
Tabelas 1 e 2. Os dados são fornecidos pela empresa em
planilhas mensais, cada qual contendo os registros de todos
os aero geradores, ocorrendo a cada 10 minutos. É comum
ocorrer falhas nos registros de dados, ocasionadas por
paradas no vento, paradas para manutenção ou falhas de
registros. É necessário que se faça uma consolidação desses
dados brutos através de rotinas específicas em MATLAB®.
Tabela 1 – Dados de Beberibe
Vento
Ano
(m/s)
2009
6,81
2010
7,89
2011
6,67
2012
8,06
Média
7,36
Geração
(GWh)
61,78
75,50
64,37
77,64
69,82
Tabela 2 – Dados de Pedra do Sal
Vento
Ano
(m/s)
2009
7,31
2010
7,71
2011
7,40
2012
8,98
Média
7,85
Geração
(GWh)
34,43
32,20
52,50
67,18
46,58
FC (%)
27,55
33,67
28,70
34,62
31,13
FC (%)
15,35
14,36
23,41
29,96
20,77
De acordo as tabelas 2 e 3, há uma redução na produção
total anual em 2009 para ambos os parques, assim como
seus respectivos Fatores de Capacidade. Os FC médios para
o período 2009 a 2012 são de 31,13% para Beberibe e
20,77% para Pedra do Sal.
H. Verificação estatística
O método utilizado nesse trabalho para se avaliar a
incerteza dos dados simulados com o dados observados é
através da raiz quadrada do erro quadrático médio (RMSE)
[19], que é a raiz quadrada da média das diferenças entre os
pares simulado (yi) e observado (oi), elevado ao quadrado ver equação (1).
= ∑( − )²
explicada, em parte, pelo fato de que os efeitos de
turbulência do modelo não terem sido incorporados
consolidação dos dados dos dois parques eólicos. O RMSE
de 2,4m/s e desvio padrão de 1,9. Para ventos este valores
são aceitáveis para o vento, visto que são menos que metade
da média verificada neste ano.
Nas figuras 8, 9 10 e 11 é mostrada, respectivamente, a
média de 1998 a 2012, as anomalias de ventos em 2009 (La
Niña), 2010 (El Niño) e 2011 (La Niña). Pode ser visto que
os ventos no Litoral Norte do Nordeste são sempre menores
em anos da La Niña e maiores em anos de El Niño.
Comparando os casos de La Niña, verifica-se que o ano de
2009 foi muito mais intenso. Isto se explica pelo fato de
que em 2009 foi um caso forte evento de dipolo do
Atlântico (figura12) sendo que em 2011 este evento não foi
observado. Estes resultados corroboram a hipótese de
ligação do vento com os eventos ENOS Com objetivo
de refinar o modelo apresentado, o projeto pretende
correlacionar o modelo ARPS com as novas medições
de campo. Um perfilador de ventos com a tecnologia
LiDAR já foi adquirido e será utilizado para traçar
perfis de velocidade em diferentes condições de
estabilidade atmosférica. Outra aquisição do projeto
para medições de vento é a instalação de duas Torres
Anemométricas de 100m, localizadas nos parques
eólicos estudados. As torres possuem quatro níveis de
medição de velocidade, dois níveis de direção,
temperatura e umidade, bem como a utilização de um
anemômetro sônico 3D, instalado no topo da torre.
Este último instrumento visa a captura das
perturbações turbulentas no local, com capacidade de
fornecer parâmetros para determinação da estabilidade
atmosférica.
(1)
A vantagem de avaliar o RMSE é que seus valores têm a
mesma dimensão física que os valores observados e
simulados e, além disso, pode ser analisado como a
magnitude do erro do modelo. Isto permite verificar o
resultado do modelo com dados observados e, assim,
melhorar os resultados da simulação [17].
I. Resultados e Discussões
Os resultados da comparação do vento do modelo ARPS e
medições nos aero geradores em Beberibe para o ano de
2009, são mostrados na figuras 7 e 6, respectivamente.
Uma comparação visual das séries simuladas e medidas
mostram que os ventos medidos são mais intensos e que a
série de dados simulada tem uma dispersão menor, porem a
tendência climática é relativamente bem simulada. A
comparação entre ambas apresenta um coeficiente de
correlação de 0,68. A velocidade média dos ventos do
modelo ARPS em 2009 foi de 5.1 m/s, contra 6,5 m/s que
foi medido em Beberibe. A diferença de 27% pode ser
Figura 6. Série temporal do Parque Eólico de Beberibe em 2009.
Figura 7. Série temporal do modelo ARPS para a localidade de Beberibe
em 2009.
Figura 10. Anomalia da velocidade media do vento do modelo ARPS em
2010.
Figura 8. Velocidade media do vento do modelo ARPS entre 1998 e 2012.
Figura 11. Anomalia da velocidade media do vento do modelo ARPS em
2011.
Figura 9. Anomalia da velocidade media do vento do modelo ARPS em
2009.
A partir dos resultados já apresentados, realizou-se uma
estimativa de diferentes perfis de velocidade para correção
dos dados do ARPS, referentes a altura de 10 metros. Dois
perfis de velocidade, considerando uma atmosfera neutra,
foram utilizados, ambos função apenas da rugosidade de
terreno (z0), com velocidade de fricção (u*) constante ao
longo da altura.
Resultados de campanhas de prospecção dos dois
parques, apontaram para perfis de velocidade com uma
rugosidade de terreno de (0,04±0,003) metros. Estes valores
foram utilizados para calcular, primeiramente, um perfil
logarítmico (Log), descrito pela equação (2).
=
(2)
Em seguida, uma correlação empírica [15], descrita na
equação 3, foi utilizada para construir um perfil de Lei de
Potência, quantificado pela equação 4. As alturas de
referência (Vr) para os perfis foram tomadas a partir dos
dados de 10 metros do modelo atmosférico ARPS.
= (3)
= 0,096 log(() ) + 0,016,log(() )-. + 0,24
(4)
A partir da série histórica do ARPS, corrigida pelas
equações acima, pretende-se estimar a geração dos parques
eólicos com a utilização do software WAsP. O método para
simulação segue o apresentado em [11].
Utilizada para representar o comportamento estocástico
do vento, a distribuição estatística de Weibull está
representada na Figura 5 para os diferentes cenários
estudados. Observa-se uma grande similaridade para os dois
perfis de velocidades assumidos, porém estes encontram-se
distantes das distribuições observadas nos parques. Os
dados do ARPS, portanto, não apresentaram boa aderência
no que tange a variabilidade do vento, dentro da série
temporal estudada.
Tabela 3 – Resultados para Beberibe
UEE Beberibe
PAE
k
c (m³/s)
Bruta
(GWh)
ARPS
3,06
6,5
33,29
(Log)
ARPS
3,02
6,3
29,809
(Pot z0)
Parque
3,01
7,3
(2009)
Tabela 4 – Resultados para Pedra do Sal
UEE Pedra do Sal
PAE
k
c (m³/s)
Bruta
(GWh)
ARPS
3,02
6,5
20,871
(Log)
ARPS
3,00
6,3
18,538
(Pot z0)
Parque
2,78
8,9
(2009)
PAE
Liquida
(GWh)
Efeito
Esteira
(%)
28,194
15,31
25,231
15,36
61,78
-
PAE
Liquida
(GWh)
Efeito
Esteira
(%)
19,345
7,31
17,168
7,39
34,43
-
Desvios relacionados com a estabilidade atmosférica
também não foram devidamente calculados. Pela falta de
dados relativos ao fluxo de calor sensível e perturbações
turbulentas, os modelos aqui utilizados consideraram um
cenário de atmosfera neutra. Outros resultados [18] [19],
contudo, já comprovam a importância da captura de perfis
atmosféricos estáveis e instáveis.
0,2
0,18
Beberibe
0,16
0,14
Pedra do
Sal
Log
f (V)
0,12
0,1
Pot z0
0,08
0,06
0,04
0,02
III. CONCLUSÕES
O presente trabalho evidenciou a influência de
fenômenos climáticos no desempenho de dois parques
eólicos em operação pela Tractebel Energia S.A., objetos de
estudo do projeto PD 0403-0020/2011. Através da análise
de modelos atmosféricos globais, períodos intensos de La
Niña tendem a apresentar uma queda na velocidade dos
ventos para o nordeste brasileiro.
0
1
3
5
7
9
11 13 15 17 19 21 23 25
Velocidade (m/s)
Figura 5. Distribuiçao de Weibull para diferentes perfis do ARPS vs.
Parques Eólicos em 2009
Ao realizar a simulação dos dois parques eólicos com os
dados do trabalho, a Produção Anual de Energia (PAE) dos
parques resulta em 43,2% e 53% abaixo do observado,
como apresentam as tabelas 3 e 4, referentes aos dois
parques eólicos estudados. A relação diretamente proporcial
entre o cubo da velocidade observada e a potência
disponível do vento fica aqui evidenciada, uma vez que as
distribuições utilizadas na simulação estão concentradas em
velocidades mais baixas que as observações de campo.
O modelo ARPS, que realiza um downscaling dos
resultados globais, evidenciou esta queda para um estudo de
caso no ano de 2009. Nota-se então pela série histórica, que
a costa do nordeste brasileiro está sob uma inevitável
influência de fenômenos climáticos globais em termos de
ventos. Apesar de apresentar uma ocorrência variável, o
descolamento da ZCIT na região estudada é periódico.
Como consequência, os parques eólicos localizados na
região de maior potencial eólico do país estão sendo
afetados. Correlações entre os dados observados nos dois
parques eólicos da Tractebel Energia e o modelo ARPS
apresentaram aderência climatológica, com RMSE de 2,4
m/s e desvio padrão da série de 1,9. Portanto, a medição
contínua com utilização de modelos para previsão de
geração eólica mostram-se relevantes para descrição deste
comportamento.
Apesar de apresentar boa correlação na média temporal,
a distribuição de ventos simulada pelo modelo atmosférico
não obteve boa aderência aos dados observados. Um desvio
de aproximadamente 27% abaixo da velocidade é esperado,
devido às parametrizações do modelo. Tal discrepância
poderá ser reduzida com a implementação de novas
ferramentas estatísticas, como ensemble de Filtro de
Kalman bem como a utilização de redes neurais. Simulações
mais refinadas do modelo também serão viabilizadas com a
utilização do cluster já instalado na UFSC, com
possibilidade de fornecer resultados com resolução de 3km.
Medições do perfil de velocidades para diferentes
regimes de estabilidade atmosférica também serão
viabilizadas com a utilização de um perfilador de velocidade
com tecnologia LiDAR já adquirido pelo projeto, bem como
a conclusão da instalação de duas torres anemométricas de
100m nos parques eólicos. Estes equipamentos poderão
fornecer parâmetros reais para o fechamento das equações
do modelo.
Ao analisar o cenário nacional da energia eólica,
observa-se uma diferença de fatores de capacidade
acentuada para muitos parques brasileiros, vários deles no
Nordeste. Em algumas situações os parques geram
mensalmente até 40% abaixo do planejado [14] [20].
Reafirma-se aqui a importância que há na modelagem
meteorológica para adequada previsão de geração eólica,
bem como na projeção dos fatores de capacidade destes
parques, de forma que esta energia possa ser cada vez mais
confiável mesmo sendo inconstante.
Através de modelos que permitam uma boa
previsibilidade, a energia eólica poderá alcançar uma maior
penetração na matriz energética do país. Por fim, o produto
deste projeto propõe ser de grande valia para o setor
elétrico, uma vez que poderá contribuir para uma
participação mais previsível e estratégica do recurso eólico
no âmbito do planejamento energético nacional.
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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