DAS DANÇAS RITUAIS AO BALLET CLÁSSICO Jaime AMARAL
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DAS DANÇAS RITUAIS AO BALLET CLÁSSICO Jaime AMARAL
DAS DANÇAS RITUAIS AO BALLET CLÁSSICO Jaime AMARAL Doutorando e Mestre em Artes Cênicas (UFPA/UFBA). Professor da Escola de Teatro e Dança da UFPa (ETDUFPA). Bailarino-Pesquisador-Intéprete, Coreógrafo e Diretor da Companhia de Ballet Jaime Amaral. E-mail: [email protected] Este artigo abordará o histórico da dança, traçará seu percurso e suas modificações no decorrer da história do homem. Falar de história é recuar no passado, então, quanto mais recuamos na história da humanidade, mais percebemos e confirmamos a presença da dança no início da vida humana. Podemos até dizer que a dança surgiu desde a pré-história, há dezenas de milhares de anos. A dança, na verdade, acompanha o homem desde sua aparição e em sua organização social. Foram diversas as formas pelas quais esta atividade se manifestava no homem, ele dançava como meio de comunicação, acasalamento, interação de grupos, relações etc. A dança é a arte mais antiga que se conhece, dela surgiram as chamadas representações teatrais, as formas de entretenimento coletivo e não se tem notícia de um povo, por mais primitivo que seja, que não saiba dançar. Nos tempos mais remotos da história, já ficou registrado, por diversos autores, que os seres humanos dançavam. A dança era parte viva e funcional das comunidades, uma verdadeira reação e interação com o universo no qual se vivia. Ela surgiu com vários significados e formas, mas, principalmente, estava ligada ao sentido religioso. As pessoas dançavam em nascimentos, puberdade, casamentos, lutas, fertilidade, colheita e até em magia, tudo com sentido de rituais. A dança percorreu um longo caminho até chegar à profissionalização. A partir desse histórico, temos a informação de que, no velho testamento, há o relato de Davi dançando diante do senhor; Homero, em sua Ilíada e Odisséia, conta sobre a dança dos antigos gregos; na lenda hindu, relata-se que o mundo girou a partir da dança do Deus Shiva; além dos festivais de Dioniso que incluíam tanto o drama como a dança. Apontamos uma delas como exemplo, as danças lascivas das bacantes. Outra vez, percebemos que a dança sempre acompanhou o homem em suas manifestações, desde os tempos mais remotos. No século XIII, com o aparecimento do cristianismo, a igreja condenou completamente a dança, apontando-a como uma manifestação pagã. Assim, a dança percorreu outro caminho, perdeu o sentido religioso e passou a ser dança de comemorações festivas, simplesmente. Apareceram as danças camponesas e todo o tipo de REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 dança para festejar os eventos comemorativos do ser humano, como casamento, colheita, ganhos, enfim, mas o sentido era outro. Mantevese, porém, o comunal e o participante, não havia ainda espectadores. Neste mesmo período, as mudanças ficaram mais evidentes e logo ocorreram as divisões baseadas na classe social. Os Aristocratas deixaram de dançar as danças dos pobres. O crescimento de elaboradas regras de etiquetas palacianas e os ideais de amor cortesão fizeram com que a nobreza sentisse que as danças rudes e vigorosas dos camponeses eram inconvenientes, grosseiras e vulgares, para serem dançadas por eles. Assim, vieram as adaptações das danças dos camponeses, ao modo de vida dos Aristocratas, surgiram os famosos movimentos de dança como o minueto, a galharda, a pavana, a volta, etc. Porém, fora da corte, o povo simples continuava as suas próprias danças, as quais, se tornaram danças nacionais, folclóricas e étnicas, como o gopak, as czardas húngaras, o bourrée de Auvergne, a valsa vienense, a quadrilha americana, dentre outras. Todas consideradas danças da corte. Desde os meados do século XV, já se organizavam as apresentações de espetáculos e, a partir de então, a dança começou a atrair muitas pessoas, tornando-se popular. Dançava-se em banquetes, até os servos dançavam, servindo os pratos de comidas ofertados aos convidados, eram realizadas festas magníficas nas quais a música, dança e o drama estavam presentes em um só espetáculo ambicioso. Esses espetáculos eram apresentados geralmente na Itália. No século XVI, a rainha italiana Catarina de Médicis, após tornar-se rainha da França, incentivou que fosse criado o super espetáculo em 1581, gastou uma fortuna, o qual foi chamado de “Balé Cômico da Rainha” (STEVENS, 1977, p. 26.), este foi considerado o primeiro verdadeiro balé. Este espetáculo foi coreografado pelo grande mestre de dança, o italiano, Balthasar de Beaujoyeux. O sucesso desse espetáculo promoveu um grande desenvolvimento da dança, e a popularizou na maioria das cortes européias, considerado já como “Balé de Corte” (BOUCIER, 1987 p. 73.), um baile organizado em torno de uma ação dramática. Este evento também promoveu o mestre de dança, o qual logo começou a aprimorar as danças palacianas, tornando-as danças metrificadas, transformando os passos simples em proezas e virtuoses, com passos rápidos e poses em forma de esculturas, os quais foram adicionados ao vocabulário do dançarino. Com esse desenvolvimento da dança, os Aristocratas ficaram, cada vez mais, fora das habilidades exigidas, os quais, afinal de contas, estavam ali por puro divertimento e o tempo de dedicação dos senhores e damas da corte era bem curto. Isso levou a mudanças significativas, a começar pela separação entre dança e religião. Aparece, então, a figura do Rei Luís XIV, exatamente no ano de 1661, que estabelece em Paris, a Academia Real de Dança, com a finalidade de ser uma Escola para o ensino de bailarinos profissionais, para aqueles que queriam viver da dança como profissão, um meio de vida. Esta Escola foi dirigida pelo compositor e dançarino Jean Baptiste Lully e o mestre de dança foi Pierre Beauchamps. A Escola formou a primeira bailarina profissional daquela época, a famosa Lafontaine. Ballet é uma palavra francesa derivada do italiano “ballare” que quer dizer dançar, bailar, surgiu também com essas mudanças e aprimoramento dos passos realizados pelos mestres de dança. O ballet clássico ou dança clássica tornou-se, no decorrer da história, o primeiro estilo de dança a alcançar reconhecimento popular, como forma de arte internacional como nos afirma Stevens (STEVENS, 1977, p. 22.). Podemos, assim, dizer que o ballet clássico foi criado a partir das danças de corte e, com interferências significativas, tornou-se uma arte teatral, pois o público já o assistia. O bailarino dança para uma platéia e consolida a arte do movimento do corpo. A linguagem do ballet clássico se subdivide em diferentes estilos, como clássico (abordavam os mitos, deuses e semideuses), romântico (suas visionárias paisagens de fadas, sílfides e delicadas donzelas) e neoclássico (com formas mais livres). No século XVII, foram estabelecidas as cinco posições básicas dos pés, por Pierre Beauchamps (1639-1705), estas, semelhantes às posições dos pés na esgrima, voltados os dedos para fora, chamado de “en dehors” (em francês). A intenção desta rotação das pernas e pés, era a de que permitiria aos bailarinos movimentarem-se, rapidamente, em qualquer direção com segurança, tal qual o esgrimista. Paul Bourcier (1987) nos informa que no ano de 1700, um aluno do famoso Pierre Beauchamps, chamado de Raoul-Auger Feuillet, publicou um documento ou livro intitulado de Coreografia ou Arte de Anotar a Dança, no qual descreve a totalidade dos passos codificados naquele período. Outro dançarino chamado André Lorin publicou, também, uma obra do mesmo teor, com um método de anotações bem parecido ao de Raoul, o qual gerou uma queixa, por parte de Beauchamps, ao conselho do rei, considerando um furto, pois fora ele quem se esforçou a construir os caracteres e palavras, em forma de partitura, para as representações dos passos daquele estilo de dança. O conselho logo tomou providências e atendeu ao pedido de Beauchamps sobre reparação de danos, reconhecendo-o como autor e inventor dos caracteres empregados por Feuillet, seu aluno. Bourcier (1987) nos informa ainda que Beauchamps, por ordem do rei, escreveu um sistema já, essencialmente, estabelecido de passos como coreógrafo oficial. Por esse dado, podemos dizer que, no século XVII, justamente no ano de 1674, a dança já tinha sua invenção da escrita, confirmando uma estrutura organizada como dança clássica (BOURCIER, 1987, p. 118.). Os trajes também se modificaram, com o decorrer do tempo, deixaram de ser vestimentas pesadas e volumosas, que restringiam os movimentos dos bailarinos, passaram a ter as pernas mais livres e trajes mais reveladores do corpo de quem dançava. Com essa mudança, enfatizou-se mais a técnica, colocando os bailarinos na exploração e ampliação das possibilidades do corpo humano em movimento. A estética do ballet, como forma de arte teatral, foi debatida por um coreógrafo e dançarino do meado do século XVIII, chamado George Noverre, que estabeleceu um conceito fundamental para a história da dança, o qual afirma que “o movimento é empregado para o desenvolvimento de um tema dramático ao invés de uma simples exibição técnica de virtuosismo” (STEVENS, 1977, p. 28.). Noverre, então, inaugura o Ballet de Accion ou balé de ação. Sobre as Escolas ou métodos de treinamento do ballet clássico, podemos ressaltar, com embasamento em Agripina Vaganova (1991), que a Escola francesa demonstrava, no final do século XIX, uma aula que ainda cultivava leveza e graça, porém, com movimentos artificiais, decorativos, desnecessários. Os professores corrigiam seus alunos com os dizeres como “pé leve! pé leve! pé leve! Seja uma coquete!” (VAGANOVA 1991, p. 11), somente essa maneira não bastava para correções dos bailarinos. Vaganova apontava, neste período, o menosprezo do uso da energia corporal, mostrando traços arcaicos na dança francesa, como a postura adotada pelos bailarinos e a flacidez de suas poses desenhadas no espaço cênico. Já, a Escola italiana de Enrico Cecchetti, segundo a autora, mostra o virtuosismo que diferenciava da velha maneira de dançar dos franceses. Esta Escola italiana trouxe para a cena os mais difíceis passos do período, além de apresentar um elenco digno de ser admirado pelo público em geral. As famosas bailarinas, desta Escola, foram Pierina Lagnani, Carlotta Brianza, Antonietta Dell’Era, dentre outras. Os trinta e dois fuettés, por exemplo, – marca registrada da bailarina clássica – foram apresentados, pela primeira vez, por essa Escola, os quais foram recebidos na Rússia, de maneira reservada, segundo Vaganova (1991). Podemos ressaltar, também, desta Escola italiana, o trabalho de giros, força, dinâmica, aplomb e os trabalhos voltados para sapatilhas de pontas, que tiveram um crescimento significativo com a ida de Cecchetti para São Petersburgo. Com a estadia de Cecchetti na Rússia, foi possível detectar, por Vagonova e muitos bailarinos russos, que a Escola italiana, apesar de trazer todo esse virtuosismo e precisão, algo lhe faltava, era poesia, faltava poesia na arte de dançar dos italianos. Segundo Vaganova (1991), a Escola italiana tinha uma “excessiva angularidade de movimento, um uso forçado dos braços” (VAGANOVA, 1991, p. 17.) e desarmonia no dobrar das pernas, durante os saltos. Foi a partir desta percepção sobre os métodos italiano e francês e nas atividades coreográficas do jovem coreógrafo Fokine, que Vaganova investigou a chamada ciência do ballet, encontrando significados reais no ensino desta arte para os bailarinos. Assim, Vaganova estruturou seu método, tomando, verdadeiramente, forma nos anos vinte, após a arte do ballet na Rússia receber críticas ardorosas, como conservadorismo deliberado, retrogradação, impotência criadora e pedidos de reforma, de alto abaixo, pela comunidade Russa. O método Vaganova, ou melhor, o sistema de Vaganova tem um planejamento no processo de ensino que veio ajudar, significativamente, os alunos e bailarinos a dançarem com o corpo todo, como se propõe a arte de dançar, desde os seus primórdios. Pois entendemos que a dança é uma atividade que proporciona infinitas possibilidades de se trabalhar a sensibilidade. A dança tem mudado concepções, idéias, técnicas, métodos, assim como a cultura humana, ela é criada por indivíduos que pertencem a ambientes próprios. É uma arte cênica e efêmera, por essa característica, a dança poderia ser a mais revolucionária das artes, pois ela não é fixada. A dança é feita a partir de movimentos do corpo, sejam eles movimentos coreografados, previamente pensados, estudados ou improvisados. A dança é uma manifestação corpórea que traduz as necessidades de cada um que dança. É uma comunicação não verbal do pensamento interno, por meio do corpo, uma manifestação do pensamento em movimento. E, ainda, é uma linguagem corporal que, por meio de movimentos, gestos e intenções vem comunicar uma idéia, sensação ou afeto, partindo-se de uma situação subjetiva. Portanto, concluímos que a dança é uma arte criativa e cênica, que tem como objeto, o movimento e, como ferramenta, o corpo. Ela é imanente do corpo, impossível separar a dança do corpo que dança. REFERÊNCIAS VAGANOVA, Agrippina. Princípios Básicos do Ballet Clássico. Rio de Janeiro, Ediouro, 1991. BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 1987. STEVENS, Franklin. O Mundo da Dança – Diálogo Nº4 – Volume X, Lidador, 1977.