Indicações para uso do Coagulador de Plasma de Argônio no Trato
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Indicações para uso do Coagulador de Plasma de Argônio no Trato
Projeto Diretrizes Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva Presidente: Dr. Carlos Alberto Cappellanes Gestão 2009-2010 Comissão de Diretrizes e Protocolos Presidente: Dr. Edivaldo Fraga Moreira Indicações para uso do Coagulador de Plasma de Argônio no Trato Gastrointestinal. PARTICIPANTES - SOBED Rio Grande do Sul Jonathas Stifft Fernando H. Wolff Fábio Segal Descrição do método de coleta dos estudos baseados em evidências: Busca bibliográfica nas bases de dados MEDLINE, COCHRANE LIBRARY e LILACS/BIREME através de descritores gerais e específicos relacionados ao tema; Revisão manual das citações dos artigos selecionados; Grau de Recomendação e Força de Evidência A Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência B Estudos experimentais e observacionais de menor consistência C Relatos ou séries de casos D Publicações baseadas em consensos ou opiniões de especialistas 1. Introdução O uso do coagulador de Plasma de Argônio ou Coagulação com Plasma de Argônio (APC) tem sido empregado no tratamento endoscópico de várias enfermidades do trato gastrointestinal1. Esse procedimento, inicialmente usado em cirurgias abertas, é uma forma de energia elétrica que é transferida para o tecido “alvo” usando ionização através da condução do gás argônio, ou seja, trata-se de um método hemostático, térmico sem contato, que utiliza o gás argônio para distribuir energia térmica através de plasma (gás ionizado) em tecidos adjacentes ao probe, com penetração de 2 a 3 mm. Uma das vantagens desse método é poder levar a uma coagulação tanto linear quanto tangencial2. Nos últimos anos, foram publicados artigos e séries de casos com o coagulador de Plasma de Argônio em várias lesões no trato gastrointestinal, especialmente naquelas que podem ser diagnosticadas e tratadas através da endoscopia. A seguir, vamos descrever uma revisão da literatura atual sobre o uso do APC na endoscopia terapêutica. 2. Indicações para o uso do APC 2.1 Esôfago de Barrett sem displasia: de 1998 até 2008 foram publicadas 20 séries de casos e 7 ensaios clínicos randomizados (ECR) sobre o uso do APC em pacientes com diagnóstico de Esôfago de Barrett sem displasia7. O tempo de seguimento variou de 6 a 68 meses. Mais de 90% dos pacientes realizaram > 1 sessão de coagulação com plasma de argônio7. A erradicação completa do Esôfago de Barrett variou de 56 a 100% nas séries de casos (C) e 36 a 97% nos ensaios clínicos randomizados (B). No estudo de Bright et al4, os pacientes tiveram seguimento médio de 68 meses e foram randomizados para realizarem terapia com plasma de argônio (n=20) ou apenas vigilância endoscópica (n=20). A taxa de erradicação do esôfago de Barrett foi de 70% no grupo do APC com recorrência de 43% (B). Um paciente progrediu para displasia de baixo grau no grupo do APC versus 2 pacientes no grupo controle que progrediram para displasia de alto grau. Dois pacientes tiveram estenose esofágica após realização de ablação com plasma de argônio e foi necessária a dilatação endoscópica4 (B). Este estudo mostrou que a regressão do esôfago de Barrett é mais provável em pacientes que realizaram ablação com APC. Na maior parte dos pacientes tratados com APC, a mucosa neoescamosa permaneceu estável ao longo dos 5 anos de follow-up e não ocorreu nenhum caso de displasia de alto grau nos pacientes que realizaram a ablação4 (B). 2.2 Esôfago de Barrett com displasia de baixo grau: para este subgrupo de pacientes, há dados de 3 séries de casos7 (num total de 35 pacientes) e 1 ECR que comparou APC (n=13) com Terapia Fotodinâmica (n=13). Para os pacientes dos estudos de séries de casos, a taxa de erradicação do esôfago de Barrett variou entre 57 a 100% (C) e no ECR ocorreu completa erradicação da displasia em 62% pacientes, do esôfago de Barrett em 15% dos pacientes e progressão para adenocarcinoma em 1 paciente. Não houve diferença estatística em relação ao grupo que realizou Terapia Fotodinâmica (B). 2.3 Esôfago de Barrett com displasia de alto grau: para este sugrupo de pacientes não há ECR publicados até a presente data7. Há 3 séries de casos publicados entre os anos de 2001 e 2003 com 48 pacientes e seguimento médio de aproximadamente 27 meses7. O índice de erradicação completa da displasia de alto grau foi de 86% e 5 pacientes evoluiram para adenocarcinoma esofágico (C). O uso do argônio no esôfago de Barrett é tratamento efetivo para erradicar a metaplasia intestinal especializada em até 70% dos casos com base nos estudos acima descritos7 (C). No entanto, ainda existem controvérsias a respeito do benefício de se realizar algum tipo de tratamento no esôfago de Barrett sem displasia10. Dados de 6 estudos prospectivos sobre o desenvolvimento de câncer no esôfago de Barrett sugerem que a incidência média anual é de 1% (C). Em um estudo prospectivo com 1376 pacientes submetidos à vigilância endoscópica, a incidência de câncer foi de 0,5% ao ano e a incidência combinada de displasia de alto grau e/ou câncer foi de 1,3% ao ano10. Embora o risco de adenocarcinoma de esôfago seja 30 vezes maior nos pacientes com esôfago de Barrett do que na população em geral11, o câncer de esôfago é uma causa incomum de morte nos pacientes com esse diagnóstico11 e o tratamento com argônio pode causar efeitos adversos significativos como dor, febre e complicações graves como sangramento, estenose ou perfuração, além do risco de persistência de epitélio metaplásico e/ou displásico12 2.4 Divertículo de Zenker: Em comparação com outros métodos, o APC oferece a vantagem de ser usado para tratamento do divertículo e simultaneamente como método hemostático. Rabenstein e col9 publicaram estudo retrospectivo com 41 pacientes com divertículo de Zenker tratados com APC. Todos os pacientes foram tratados efetivamente com uma média de 3 sessões. Ocorreu febre em 17% dos pacientes; houve um caso de perfuração e foi manejado conservadoramente. Trinta e quatro pacientes foram seguidos, e destes, 5 apresentaram recorrência do divertículo, sendo tratados com sucesso com nova sessão de APC. Até o presente momento, não há ensaios clínicos randomizados comparando cirurgia verus APC para tratamento de divertículo de Zenker. Evidências baseadas em série de casos (C), como o estudo acima citado, tem mostrado o argônio uma alternativa viável em pacientes com divertículo de Zenker. 2.5 Varizes Esofágicas: Nakamura e col13 avaliaram a utilidade do APC na prevenção da recorrência de varizes esofágicas após sessões de ligadura elástica. Neste estudo, 30 pacientes foram randomizados para realizarem ligadura e argônio e 30 pacientes realizaram apenas ligadura elástica. A taxa de recorrência de varizes em 2 anos foi significativamente maior no subgrupo de pacientes que realizou apenas ligadura elástica (74,2% versus 49,6%) e os eventos adversos não foram significativamente diferentes nos dois grupos (B). 2.6 Úlceras Sangrantes: Plasma de Argônio foi prospectivamente comparado com “heater probe” em pacientes com úlcera péptica sangrante14. Quarenta e um pacientes com sangramento ativo foram randomizados para receberem tratamento com “heater probe” (n = 20) ou coagulação com Plasma de Argônio (n = 21); 40% dos pacientes tinham sangramento ativo e 60% tinham vaso visível na base da úlcera. Os dois grupos foram similares com respeito às variáveis prévias. Resultados: Tabela 1 Desfechos Principais Heater probe Plasma de Argônio n=40 n=41 Hemostasia Incial 95% 95,2% Recorrência Sangramento 21% 15% Cirurgia de Emergência 15% 9,5% 115 +/- 28 60 +/- 19 segundos Tempo Hemostasia (segundos)* Mortalidade em 30 dias * p < 0,05 segundos 5% 4,7% Outro ensaio clínico randomizado16, prospectivo e controlado comparou o uso de injeção de adrenalina mais coagulação com “heater probe” versus injeção de adrenalina mais coagulação com plasma de argônio na hemorragia digestiva alta não varicosa. Pacientes com úlceras com sangramento ativo, úlceras com coágulo aderido e úlceras com vaso visível foram randomizados para um dos dois grupos em estudo. Os pacientes com cirurgia gástrica prévia, úlceras malignas ou úlceras não localizadas devido a volumoso sangramento, foram excluídos da análise. O desfecho principal avaliado foi a recorrência do sangramento. Cento e oitenta e cinco casos foram analisados, 97 no grupo “heater probe” e 88 no grupo Plasma de Argônio. A tabela 2 resume os principais resultados desse estudo. Tabela 2 Desfechos Principais Heater probe Plasma de Argônio n = 97 n = 88 Hemostasia Incial 95,9% 97,7% Recorrência Sangramento 21,6% 17% Cirurgia de Emergência 9,3% 4,5% 2,4 1,7 6,2% 5,7% Média de Unidades de Sangue Transfundido Mortalidade Hospitalar Em 2005, a Cochrane publicou metanálise15 de dois ensaios clínicos randomizados que compararam a Coagulação com Plasma de Argônio com outras formas de coagulação ou escleroterapia para sangramento digestivo alto não varicoso. O estudo de Cipolletta e col 2 descrito acima foi incluído na análise e o estudo de Skop e col Cipolletta, 1998 Skop, 2001 41 pacientes 80 pacientes já também foi selecionado para esta revisão sistemática. A Tabela 3 mostra os principais resultados desses estudos. Tabela 3 14 Plasma de Argônio versus Heater Probe Plasma de Argônio versus Escleroterapia Hemostasia inicial foi alcançada em 95% dos Hemostasia foi alcançada em 97,5 e 95% dos casos em ambos grupos. casos respectivamente (p > 0,05). Após 72 horas de observação a taxa de A taxa de recorrência do sangramento foi de recorrência do sangramento foi semelhante em 10% e 12,5% respectivamente (p > 0,05). ambos os grupos (15% e 21% respectivamente). Não houve diferença significativa na Não houve diferença significativa na porcentagem de pacientes que evoluíram para mortalidade (7,5% verus 12,5%; p > 0,05). A tratamento cirúrgico, mortalidade hospitalar e porcentagem de tratamento cirúrgico foi quantidade de unidades de sangue paciente). por semelhante e a quantidade de unidades de sangue recebida por paciente não foi documentada. Os dados desses estudos mostram que não houve diferença significativa nos desfechos primários e secundários em relação ao uso de terapia com plasma de argônio no tratamento endoscópico do sangramento digestivo alto não varicoso (B). Estudos com maior número de pacientes são necessários para confirmar ou refutar esta hipótese (B). No ensaio clínico randomizado de Cipolletta e col 14 houve uma diferença estatisticamente significativa no tempo do procedimento à favor da terapia com plasma de argônio (B), esse é um desfecho secundário e não teve impacto na mortalidade ou tempo de hospitalização (B). 2.7 Proctite Actínica: o plasma de argônio tem sido usado em pacientes com sangramento recorrente após radioterapia; com diagnóstico de colite actínica. Séries de casos17,18,19,20 mostram que o resultado é satisfatório em mais de 90% dos pacientes (melhora da hemoglobina e não recorrência do sangramento). Estes resultados são alcançados com 2 a 3 sessões em média (C). Há relatos na literatura de explosão colônica durante o uso do APC21. Outros efeitos adversos de menor gravidade, incluem dor em cólica após procedimento, bem como úlceras retais. Dessa forma, recomenda-se fazer um bom preparo do cólon e evitar o uso do APC próximo da linha dentada17. 2.8 Malformações arterio-venosas: séries de casos, com análise de até 100 pacientes, como o estudo de Kwan V e col22, têm mostrado que para malformações arteriovenosas o uso de argônio pode alcançar índice de hemostasia entre 85% a 100% dos casos (C). Fuccio e col23, publicaram em 2009, um estudo com 20 pacientes cirróticos (16 CHILD C e 4 CHILD B) com diagnóstico de anemia por ectasia vascular antral (GAVE). Foram realizadas várias sessões de argônio até a erradicação completa em todos os pacientes do estudo. A resolução da anemia foi alcançada em 18 pacientes; 6 pacientes tiveram recidiva da GAVE depois de um seguimento médio de 7,7 meses. Estes pacientes foram tratados novamente com APC. Esse estudo mostrou que o uso de APC é seguro e efetivo em pacientes com cirrose avançada e GAVE (C). A literatura atual orienta usar o argônio no centro da malformação arterio-venosa (MAV) para diminuir o risco de difusão do argônio para camadas mais profundas da mucosa e aumentar o risco de pneumoperitônio, principalmente em MAV do cólon24. Outro aspecto que deve ser lembrado é sempre pulsar o argônio em ambiente sem água e lembrar de aspirar continuamente o gás residual24. Iacopini e col 25 publicaram uma série de casos com 23 pacientes com lesão de Dieulafoy, sendo 20 pacientes com sangramento ativo. APC foi usado como método hemostático isolado em 20 casos e três pacientes usaram argônio após hemostasia com adrenalina na diluição de 1:10.000. O sangramento foi controlado em todos os pacientes (C), houve recorrência em 1 paciente após 48 horas e não houve relato de mortes relacionadas a novo sangramento após seguimento médio de 29 meses. 2.9 Tumor Gástrico Precoce sem Condições Clínicas de Cirurgia ou Mucosectomia: Kitamura e col 3 publicaram estudo retrospectivo que avaliou 40 pacientes com diagnóstico de tumor gástrico precoce que não tinham condições clínicas de mucosectomia endoscópica ou ressecção cirúrgica. O plasma de Argônio foi usado nesses pacientes com a intenção de erradicar o tumor. Os resultados mostraram que houve recorrência do tumor em 4 pacientes após seguimento médio de 52 meses, 1 paciente perfurou o estômago e evoluiu para óbito; pacientes com tumores intramucosos não tiveram recidivas; pacientes com tumor com comprometimento submucoso foram tratados, em média, com duas sessões de argônio. Este estudo mostrou que em pacientes com tumores gástricos sem condições clínicas de ressecção, o uso do plasma de argônio pode ser um alternativa aceitável (C). Outro estudo26 mostrou que o APC pode ser usado após mucosectomia endoscópica para complementar o tratamento ou como tratamento isolado no câncer gástrico precoce em pacientes muito idosos e sem condições clínicas para mucosectomia endoscópica (C). Estes estudos são publicações de séries retrospectivas de casos sem controles e o benefício real na curva de sobrevida do câncer gástrico precoce não pode ser avaliado. 2.10 Tumores avançados, crescimento tumoral em próteses ou tumores com sangramento difuso. O argônio tem sido usado como uma alternativa paliativa nos pacientes com crescimento tumoral após colocação de próteses metálicas no esôfago, contribuindo para melhora da disfagia ou melhora da obstrução quando se trata de tumores gástricos24. Estas evidências são baseadas em séries de casos (C). Uma série incluiu 83 pacientes com tumores esofágicos ou de cárdia avançados sem condições cirúrgicas. APC alcançou recanalização, permitindo retomar via oral em 84% dos pacientes. A maioria dos pacientes que responderam (54%) fizeram apenas 1 sessão de argônio27. Embora não muito efetivo, o argônio pode ser usado como método hemostático temporário em pacientes com sangramento difuso secundário a lesões tumorais infiltrativas e ulceradas24 (D). Há uma facilidade de realizar hemostasia difusa (área de abrangência maior) em relação a outros métodos hemostáticos que, na maior parte das vezes, não têm eficácia. 2.11 Após polipectomia em “piecemeal” ou sangramento pós polipectomia: Após uma polipectomia ou resseção endoscópica de lesões adenomatosas, observa-se frequentemente epitélio remanescente ao redor da área ressecada1. O APC tem sido usado para eliminar o tecido adenomatoso residual e diminuir a recidiva tumoral (B). Um ensaio clínico randomizado28 descreveu a segurança e eficácia do APC na prevenção de recorrência quando aplicado ao redor e na base do pólipo completamente ressecado. Vinte e um pacientes com pólipos >1,5 cm foram randomizados para realizarem APC após polipectomia ou apenas vigilância endoscópica. Houve uma diferença estatisticamente significante (menor recorrência no grupo APC, p = 0,02) a favor do plasma de argônio. De dez pacientes, apenas uma recidiva versus 7/11 pacientes do grupo controle. Neneman e col29 avaliaram prospectivamente 18 pacientes com pólipos gástricos e 29 pacientes com pólipos colônicos. A efetividade (ausência de pólipos remanescentes) foi alcançada em 90% dos pólipos gástricos e em 96% nos pólipos colônicos. 3. SUMÁRIO DAS EVIDÊNCIAS E RECOMENDAÇÕES. Esta diretriz revisou mais de dez situações clínicas onde o APC tem sido usado no trato gastrointestinal (TGI). A maioria dos estudos publicados sobre o uso de argônio no TGI são séries de casos. Até o momento, não existem trabalhos com nível de evidência grau A sobre o uso do Plasma de Argônio. Abaixo vamos resumir as indicações com os respectivos graus de evidência descritos neste documento. Recomendação grau B: • Esôfago de Barrett sem displasia • Esôfago de Barrett com displasia de baixo grau • Após polipectomia tipo “piecemeal” . • Varizes Esofágicas • Úlceras Sangrantes Recomendação grau C: • Divertículo de Zenker • Proctite Actínica • Malformações arterio-venosas • Tumor Gástrico Precoce sem Condições Clínicas de Cirurgia ou Mucosectomia • Tumores avançados, crescimento tumoral em próteses ou tumores com sangramento difuso • Esôfago de Barrett com displasia de alto grau 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1.Hendrik Manner. Argon plasma coagulation therapy. Current Opinion in Gastroenterology 2008, 24:612-616. 2.Skok P, Ceranic D, Sinkovic A, Pocajt M. Peptic ulcer hemorrhage: Argon plasma coagulation versus injection sclerotherapy: A prospective, randomised. 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