APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM DO GRAFFITI: ESCRITA
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APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM DO GRAFFITI: ESCRITA
Modalidade: Comunicação oral, apresentação de slides ou pôsters GT: Artes Visuais Eixo Temático: Ensinar e aprender em Artes Visuais na Escola APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM DO GRAFFITI: ESCRITA URBANA Maria Rosalina Souza Pereira Miguel (SME/PMU/Minas Gerais/Brasil) RESUMO: Apropriação da Linguagem do Graffiti: escrita urbana apresenta uma proposta de trabalho de arte sugerida pelos alunos que queriam aprender sobre a linguagem do graffiti, o uso da tinta spray aerossol e, assim, sair “grafitando” pela escola. Porém, entendendo a arte na escola como forma de linguagem, expressão, conhecimento, um “processo histórico e social de construção e produção humana”1, o aluno foi provocado a pesquisar, refletir, interpretar e criar suas próprias imagens. O trabalho de Arte avançou para outros muros, novos saberes, onde o conhecimento foi construído por meio de pesquisas na internet, de análises de imagens de graffiti e pixos encontradas nas ruas e fotografadas, de um encontro/conversa com uma grafiteira e pixadora, de documentários sobre o assunto. Nesta perspectiva foram produzidas imagens para a criação de pixos nos muros da escola, uma homenagem ao graffiti. Palavras-chave: Graffiti; processo criativo; produção artística. APPROPRIATION OF THE LANGUAGE OF GRAFFITE: URBAN WRITING ABSTRACT ou RESUMEN ou SOMMAIRE: Appropriation of the language of Graffiti: urban writing presents a proposal for artwork suggested by students who wanted to learn about the language of Graffiti, the use of aerosol spray paint and thus sign out "graffiting" by the school. However, understanding the art in the school as a form of speech, expression, knowledge, an "historical and social process of construction and production of human being", the student was provoked to search, reflect, interpret and create your own images. Work of Art moved to other walls, new knowledges, where knowledge was built through internet searches, of images analysis of graffiti and pixos found on the streets and photographed, a meeting/conversation with a graffiti writer, of documentaries on the subject. In this perspective, were produced images for creating pixos in the walls of the school, an homage to graffiti. Key words: Graffiti; creative process; artistic production 1 UBERLÂNDIA (MG). Secretaria Municipal de Educação. Diretrizes Curriculares Básicas do Ensino de Artes Educação Infantil e Ensino Fundamental, Uberlândia, 2010. 1 Introdução De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas (CALVINO, 1990).2 As cidades são múltiplas e polifônicas. Elas se constituem pelos odores, gostos e olhares, enfim, pela percepção sensorial. São cheias de atrativos, contradições e memórias que guardam e preservam os acontecimentos e as histórias. Uma cidade é feita não somente de construções, ruas, esquinas e espaços, mas, sobretudo de e com pessoas, relíquias de segredos, narrativas, sonhos e desejos. Os ruídos e a constante agitação das grandes cidades algumas vezes criam uma cortina que veda as riquezas que dão colorido ao seu dia a dia. Neste sentido, qual a pergunta que se deve fazer à cidade? Que resposta esperar? Em Uberlândia, é possível encontrar diferentes expressões estéticas em seus espaços públicos. Dentre estas expressões, chamam atenção o graffiti3 e a pixação (palavra grafada com “x” e não com “ch” conforme a ortografia oficial para diferenciála do sentido comum, ressaltando o sentido de uma manifestação visual, Pixos que são inscrições grafadas de forma estilizada no espaço urbano), realizadas em grupo e/ou individualmente utilizando como suporte os muros, as paredes e os postes das cidades. São expressões estéticas que suscitam questionamentos e contradições. Para muitos, grafitar ou pixar é vandalismo, polui visualmente a cidade, causa desgosto e depreda os monumentos. Não deixando estas questões de lado, é preciso entender também que tanto o graffiti quanto a pixação se encaixam muito bem dentro do conceito de arte na contemporaneidade. Uma arte questionadora e crítica, que exige múltiplas atitudes e abordagens, “com liberdade de buscar inspiração em toda parte”4, para além das belas artes ou artes elevadas. Para Beuys (1921-1986), a arte deve sempre questionar insistentemente as “verdades” que regem cultura dominante e Esta deve ser a função de toda a arte, que a sociedade está sempre tentando suprimir. (...) Somente a arte torna a vida possível – é assim radicalmente que eu gostaria de formulá-la. Eu diria que, sem a arte, 2 CALVINO. Ítalo. As Cidades Invisíveis. Biblioteca Folha. 2003. Disponível em: <http://moodle.up.pt/pluginfile.php/21840/course/section/5603/italo-calvino-as-cidades-invisiveis.pdf > Acessado em: 09/09/2014. 3 “A palavra, do italiano graffito ou sgraffito que significa arranhado, rabiscado, é incorporada ao inglês no plural graffiti, para designar uma arte urbana com forte sentido de intervenção na cena pública”. Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3180/Graffiti->. Acessado em: 12/09/2014. 4 ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 155. o homem é inconcebível em termos fisiológicos (In: ARCHER, p.89, 2001). Na pós-modernidade, a arte se transformou. O espaço da arte e de sua contemplação também se transformou. As fronteiras se expandiram. O ensino de arte também foi provocado a se transformar e expandir suas fronteiras para um mundo que envolve: a tecnologia, os aspectos sociais, econômicos, políticos e as ciências. Desta maneira, pode-se dizer que o ato de ensinar arte abarca duas dimensões, a primeira, ensinar é ajudar o aluno a aprender organizar, sintetizar e compreender o “mar” de informações que o envolvem nos dias atuais. A outra dimensão é, depois de compreender (organizar, sistematizar, comparar, avaliar, contextualizar), questionar essa compreensão para poder modificá-la, avançar para novas experiências e novas compreensões. O ingrediente principal da aprendizagem é a informação significativa, transformada em conhecimento.5 O trabalho Apropriação da Linguagem do Graffiti: escrita urbana apresenta uma proposta de ensino de arte com alunos dos 8° anos do Ensino Fundamental da E. M. Prof. Otávio Batista Coelho Filho. Um ensino de Arte que rejeita o elitismo, defendendo a crítica cultural, apresenta um estudo da sociedade e da cultura, propõe uma construção do discurso crítico acerca da arte dentro de uma perspectiva multiculturalista e pluralista, uma ampliação da cultura visual que referente à maneira como as pessoas se interpretam e se representam visualmente, também como interpretam e dão significados ao mundo que vive. Richter (2003)6 cita Efland ao escrever que a arte na contemporaneidade somente pode ser compreendida dentro do contexto de uma cultura, as fronteiras entre a arte erudita e a popular estão dissolvidas e o ensino de Arte precisa contribuir para a construção crítica da realidade.7 Na perspectiva multiculturalista escrita por Richter (2003, p. 26), a educação reconhece “as similaridades entre grupos étnicos e, em vez de salientar as diferenças, busca promover o cruzamento cultural das fronteiras entre grupos culturais, sejam eles quais forem, e não a sua permanência”. Neste sentido, é importante promover, nas aulas de Arte, o conhecimento, a compreensão e a troca 5 MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: Novos desafios e como chegar lá. 4ª ed, Campinas: Papirus, 2009. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/moran/utilizar.htm>. Acessado em: 25 de jul. 2013. 6 RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no Ensino das Artes Visuais. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003, p. 50. 7 EFLAND, Arthur D., FREE3DMAN, Kerry e STUHR, Patricia. La Educación en el Arte Posmoderno. Barcelona: Paidós. 1996. dos códigos culturais apresentados pelos estudantes. É a partir do ponto de vista multiculturalista e da cultura visual que o graffiti pode adentrar nas aulas de Arte e se tornar objeto de estudo, pesquisa e produção artística. Uma forma de compreender outros códigos culturais e promover discussões que permeiam o dia a dia da sociedade. 2 Graffiti – Escrita Urbana Nos EUA, o florescimento de grafites urbanos em quadros coloridos e em grande escala foi reconhecido como uma vivida forma de arte. Usando não apenas as paredes, mas também locais móveis como vagões de trem, que levavam a obra da cidade para os subúrbios e além deles, a arte do grafite rapidamente se tornou uma presença difusa em todos os Estados Unidos e na Europa (ARCHER, 2001).8 Pintar paredes e muros é um ato que remete a tempos longínquos como na pré-história com suas pinturas rupestres e na cidade de Pompéia na Itália com as inscrições nas paredes, destacando também os sítios arqueológicos na Itália, os povos gregos, egípcios e mesopotâmios. Entretanto, o graffiti como uma forma de expressão contemporânea ligada ao movimento Hip Hop que é uma cultura de periferia muito vista nos bairros pobres que abriga ainda o break e o Rap, teve origem nas frases de protesto e na necessidade dos grupos excluídos da periferia das grandes cidades de ganhar visibilidade e fala. Surgiu primeiramente em Nova York, depois nas cidades da Europa, chegando ao Brasil. O graffiti é uma escrita urbana, um meio de expressão artística com uma forma de comunicação visual específica por intermédio de desenhos e cores, com divulgação de ideias, com palavras isoladas ou frases curtas. Geralmente, o desenho é riscado com a utilização da tinta spray, podendo ser também com o uso do látex. Igualmente expõe composições com preocupação de ordem estética predominantemente, formado com figuras e fundos ou figuras, fundos e textos. Os traços e estilo de um grafiteiro o identificam e o distingue dentro de uma organização, de um grupo cultural, como os graffiti de coelho de Karen Kueia (fotografia 1) e os bonecos de boné com a cara colorida com duas cores de Dequete (fotografia 2), que se espalham pelos muros e caixas de energia das ruas da cidade de Uberlândia. O nome do grafiteiro, suas Tags (que são “assinaturas que carregam a memória e a expressão de cada sujeito” que entre traços e palavras que se 8 ARCHER, 2001, p. 171. formulam as diferentes mensagens)9, e suas figuras, formas, traços são marcas de identidades. Estas escritas urbanas significam que um determinado grafiteiro passou por aquele lugar na cidade. Fotografia 1 – Graffiti criado pela artista e grafiteira Karen Kueia – Uberlândia-MG Fotografia 2 – Graffiti criado pelo grafiteiro Dequete Fotografia de Karen Kueia Fonte: Facebook da grafiteira Fotografia da autora Fonte: Acervo da autora Segundo Arouca (2012, p. 59), “tanto o graffiti quanto a pichação fazem parte das mais significativas e espontâneas expressões da arte contemporânea”. Mas algumas vezes, as pessoas passam por estas imagens urbanas sem notá-las ou ignorando-as, outras vezes, estabelecendo um diálogo com os códigos e valores culturais que elas apresentam como poesias visuais no espaço urbano. O graffiti contribui para expandir as dimensões da percepção da cidade e de seus habitantes. Para tanto, faz-se necessário despir de preconceitos e reconhecer as formas enigmáticas desta arte urbana, entendê-la como uma contracultura, uma crítica da realidade social e, sobretudo, como uma forma de embelezar os espaços urbanos. Nesta perspectiva, cabe ao professor de arte estar atento às diversas formas de expressão que ocorre na cidade, ao universo dos alunos, seus valores estéticos, escolhas artísticas e padrões visuais, colocando-os em contato com distintas manifestações artísticas e culturais, com diferentes maneiras de olhar e perceber o objeto artístico. 9 BEDOIAN, Graziela e MENEZES, Kátia (org). Por trás dos muros: horizontes sociais do graffiti. São Paulo: Peirópolis, 2008, p. 17. 3 Construção de significados e sentidos Se enseña el arte tal y como se experimenta em la vida, como parte integrante del contexto social y cultural (EFLAND, FREEDMAN, STUHR, 1996, p. 144).10 Entende-se o estudante na escola como um produtor de cultura em formação. A escola deve incorporar o universo jovem, trabalhando seus valores estéticos, escolhas artísticas e padrões visuais. Não se pode imaginar uma escola que mantenha propostas educativas em que o universo cultural do aluno fique fora da sala de aula. A escola também deve ter propostas de orientação para jovens que ampliem seu repertório estético e os ajudem a posicionar-se criticamente sobre questões da vida artística e social do cidadão. (BRASIL, 1998)11 Ensinar é aprender a aprender nas relações entre sujeito e objeto, objeto e sujeito, sujeito e sujeito. Exige pesquisa, reflexão crítica sobre a prática, o conhecimento da identidade cultural, a curiosidade, o imaginário, a emoção, é um processo permanente de aprendizagem. Foi com esta proposta de ensino que o trabalho com a temática graffiti desenvolvida com os alunos dos 8° anos iniciou. O ponto de partida foi as reivindicações feitas por eles que queriam grafitar, “pichar a escola”, pintar suas imagens, usar a latinha de spray. A partir das conversas sobre o assunto, as aulas de Arte foram pensadas, programadas e planejadas em defesa de um ensino e aprendizagem significativos, permeados de sentidos estéticos, artísticos, culturais e históricos. Uma aprendizagem voltada para a experiência do cotidiano, com uma estratégia metodológica que abarca o conhecer e compreender a expressão do graffiti, o fazer e experienciar a produção artística. Esta expressão de arte contemporânea que tem a cidade como suporte provoca curiosidades, dúvidas e questionamentos, elementos propulsores para uma construção do conhecimento em sala de aula. Se existem dúvidas, há de ser suprimidas. Para isto, é necessário descobrir quais são elas e como encontrar as perguntas certas para alcançar as respostas necessárias. As imagens coloridas, algumas vezes engraçadas, outras dramáticas, grandes, ocupando uma parede inteira, pequenas que cabem em um poste, chamam atenção dos alunos 10 EFLAND, FREEDMAN, STUHR, 1996. P. 144 BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: arte. Ensino de quinta a oitava séries. Brasília, 1998, p. 44. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/arte.pdf>. Acessado em: 11/09/2014. 11 adolescentes que querem conhecer mais, aprender como usar a tinta spray aerossol, que estão propensos a discutir se grafitar é vandalismo ou expressão artística e ainda, quando ele não é proibido. Apesar de parecer ser muito legal pegar uma “latinha” e começar a produzir seu próprio graffiti, é importante conhecer sua essência e sua força transgressora. Compreender o sentido de criação da figura, da tag e de colorir as paredes. A proposta de estudar o graffiti não tem como fim o fazer, mas o conhecer, o vivenciar e o produzir suas próprias críticas e, assim produzir suas imagens. Desta maneira, algumas ações foram levadas para sala de aula com intuito de provocar a reflexão, a crítica e a produção. 4 As escritas urbanas Fotografia 3 – Graffiti na Praça Sérgio Pacheco Uberlândia-MG Fotografia do aluno Rafael Macedo Fonte: Acervo da autora Quais imagens grafitadas estão pelas ruas por onde passamos todos os dias? Para começar os estudos sobre esta manifestação artística contemporânea e urbana, foi escolhida, primeiramente, a pesquisa de campo, deste modo, buscou-se ampliar a compreensão do objeto de estudo e a pensar a produção poética. Muitas imagens apareceram nas aulas trazidas nos celulares dos alunos (Fotografia 3). Estas imagens foram projetadas e apresentadas por eles para seus colegas. Ao mostrar suas imagens de graffiti, eles fizeram comentários sobre estas pinturas. A figura, a temática e a composição de cores foram os elementos de linguagem que mais despertaram atenção dos alunos. Outro fator destacado foi o local onde cada graffiti fotografado se encontrava, alguns reconheciam rapidamente o graffiti e o local, outros se admiravam porque não os tinham visto antes. Analisar estas imagens foi uma experiência estética em sala de aula com o intuito de contemplar a fruição, ampliar o olhar, trazer questionamentos e desvendar respostas, perceber as intervenções no espaço urbano, pensando como estes espaços eram antes do graffiti se fazer presente, comparando com o agora. 5 Vídeos do Youtube O objetivo maior, então, não é simplesmente propiciar que os aprendizes, conheçam apenas artistas como Monet, Picasso ou Volpi, mas que os alunos possam perceber e conhecer como o homem e a mulher, em tempos e lugares diferentes puderam falar de seus sonhos e de seus desejos, de sua cultura, de sua realidade e de suas esperanças e desesperanças, de seu modo singular de pesquisar a materialidade por intermédio da linguagem da Arte. (MARTINS, 2002, p. 57).12 O ensino e aprendizagem propostos neste trabalho vão além do conhecer artistas já consagrados e muito comentados pela mídia como os citados por Mirian Celeste no parágrafo acima, mas aponta para outros artistas que possuem uma produção artística que se aproxima da cultura e realidade dos alunos. Produções que estão nas ruas perto da escola, da casa, pelos caminhos percorridos no dia a dia, que tem a cidade como suporte. Eles são os grafiteiros, pessoas que procuram embelezar e colorir as cidades, humanizá-las, dar fala e presença às pessoas. O graffiti nos muros da cidade está muito próximo do cotidiano dos alunos, porém o entendimento sobre o percurso deste fazer, o sentido desta criação, se distancia de seu conhecimento. Para proporcionar esta aproximação foram selecionados alguns documentários onde os grafiteiros falam sobre suas experiências, aproximando a arte e a vida. Na Rede Social, Youtube, é possível encontrar vários vídeos referentes ao graffiti. A seleção foi feita com o objetivo de ampliar o repertório dos alunos sobre o assunto e conhecer a experiência e vida dos grafiteiros: onde moram, o que pintam, porque fazem isto, qual o sentido do graffiti em sua vida, o sentido estético, seus sonhos, desejos, realizações e outros aspectos de sua vida e produção. Assim, os alunos puderam conhecer dois grafiteiros que são destaques internacionais, Os 12 MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e Terminologia. Aquecendo uma transforma-ação: atitudes e valores no ensino de Arte. In: BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e mudanças no ensino de arte. São Paulo: Cortez, 2002, p. 57. Gêmeos, Otávio e Gustavo Pandolfo, através do vídeo “Os Gêmeos – Trip TV”13, onde comentam sobre o que o graffiti representa em sua vida, sobre a necessidade de se expressarem e relatam sobre o processo de criação em relação ao tempo e às experimentações. A Magrela, uma grafiteira de São Paulo, foi escolhida primeiramente por ser mulher dentro de um universo que predomina o masculino. No vídeo “Sampa Graffiti – Magrela”14, ela também comenta sobre o seu processo criativo, como, através do graffiti, conheceu a sua cidade e ela mesma. O vídeo apresenta a grafiteira durante a sua produção. Isto proporcionou aos alunos uma maior visualização de como é o fazer, o pintar na rua. Jhoao Henrique, também um grafiteiro de São Paulo, chamou atenção dos alunos pela forma de desenhar. No vídeo “Sampa Graffiti – Jhoao Henr”15, seu desenho não é decifrado de primeira, é preciso observar e acompanhar as linhas coloridas e somente no final do documentário que o desenho é desvendado pelos espectadores. O traço preciso feito com o spray demonstra o tempo de experiência do grafiteiro. O grafiteiro Fabio, Crânio, destaca, no vídeo “Sampa Graffiti – Cranio”16, que seu objetivo em grafitar é deixar a cidade mais alegre, mais engraçada, mais colorida. Salientou sobre a sua busca para encontrar um personagem que o identificasse. Os gestos do grafiteiro foram outro aspecto que chamou atenção dos alunos que os compararam com uma dança. São gestos suaves e precisos. Estes vídeos foram o ponto crucial para que os alunos começassem a procurar um personagem ou uma figura que o identificasse. Que, ao olhá-lo, as pessoas pudessem reconhecer o criador e a figura como sendo uma mesma coisa. Vários desenhos começaram a surgir. Assim, deu início o processo criativo dos alunos que fizeram diversos desenhos em seu caderno, alguns coloridos, outros em preto e branco. 13 Vídeo “Os gêmeos – Trip TV”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uuWSjdgIiPo>. Acessado em: 10/08/2014. 14 Vídeo “Sampa Graffiti – Magrela”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PeYgM9iAH2s>. Acessado em: 10/08/2014. 15 Vídeo “Sampa Graffiti – Joao Henr”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=u-6yeWgwhaI>. Acessado em: 11/08/2014. 16 Vídeo “Sampa Graffiti – Cranio”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Uvq1WHtn_PM>. Acessado em: 10/08/2014. 6 Quem é Karen Kueia? Fotografia 4 – Encontro com Karen Kueia Fotografia da autora Fonte: Acervo da autora Depois de conhecer alguns grafiteiros de São Paulo através dos vídeos e começar a criação de seus próprios desenhos, projeto para torná-los um graffiti, os alunos tiveram um encontro marcado com a grafiteira Karen Kueia que colore as ruas da cidade de Uberlândia com as figuras de coelhos. Karen apresentou suas criações, ensinou o significado de alguns termos como Tag que é a primeira manifestação, a forma mais básica do graffiti e se apresenta com o nome do grafiteiro realizado com letras estilizadas, escrevendo rapidamente com um único traço e apenas uma cor; Throw-up é uma tag representada em uma maior dimensão; Bombing é a assinatura do grafiteiro mais elaborada, destacada visualmente através da cor, das linhas, das grandes dimensões e da tridimensionalidade. Ainda contou sobre sua experiência em fazer graffiti e pixação nas ruas sem autorização, sobre o sentido de fazê-los, sobre o risco de ser presa, como ela faz para ganhar dinheiro com o graffiti, da crescente valorização desta expressão artística e, também sobre a organização e o respeito que existe dentro desta comunidade. Aconselhou os alunos a não grafitar de forma clandestina (Fotografia 4). Foi uma conversa que despertou muitos questionamentos e provocação por parte dos alunos. Alguns se sentiram a vontade para mostrar seus desenhos para Karen e receberam de volta algumas sugestões. Esta conversa foi o “up” para que os alunos se preparassem para grafitar nos muros da escola. 7 Mãos a obra A aprendizagem supõe uma integração harmônica entre o saber e o agir, entre o sentir e o pensar. (DUARTE, 1988, p. 106).17 17 DUARTE JR, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. Campinas, SP: Papirus, 1988, p.106. Grafitar no muro é uma experiência estética que os alunos ainda não haviam experimentado na escola. O suporte, parede, tem uma dimensão maior do a que estão acostumados, também apresentam algumas interferências como os buracos e divisas dos tijolos, a forma de olhar se modifica, o desenho sai da horizontalidade do papel e passam para a dimensionalidade vertical do muro. Como o trabalho é feito ao ar livre, tem a interferência do tempo, do sol, do vento, da poeira. Se chover, não há pintura. Estes detalhes foram vivenciados durante esta prática. Antes de grafitar, foi proposta aos alunos a criação de figuras com o objetivo de exercitar a expressão pessoal, falar de si com seus trabalhos, nada de cópias, nada de repetir o que já pode ser encontrado nas ruas ou pela internet ou em outro lugar qualquer. Os alunos deveriam criar a sua própria figura. Muitos desenhos foram criados e alguns selecionados para serem ampliados e pintados. Para começar a pintura do graffiti, primeiramente foi preciso resolver alguns itens de ordem técnica necessários para que esta manifestação pudesse acontecer: autorização para fazer a produção dentro da escola, lista, orçamento e compra dos materiais pela escola. A lista de material foi uma sugestão de Karen Kueia durante sua visita: giz de cera para desenhar, tinta látex branca, pigmentos, pincéis, trinchas, rolinhos e tinta spray aerossol (aquisição dos alunos). Fotografia 5 – Grafitando na escola Fotografia da autora Fonte: Acervo da autora Os graffiti no muro da escola ainda estão em processo de construção. Alguns alunos grafitam, outros ajudam com a pintura e outros ainda colaboram organizando e limpando os materiais. É um trabalho colaborativo e chama atenção dos alunos de outras séries que querem também grafitar na escola. Para terminar este relato sobre o processo de criação, aprendizagem e significação em arte, é importante salientar que estas aulas de Arte foram construídas pela reflexão, curiosidade, sensibilidade, questionamentos e fazeres ampliando o repertório dos alunos sobre arte e produções artísticas, seu conhecimento sobre o mundo e sobre si mesmo. As aulas estão sendo uma oportunidade para uma aprendizagem sem preconceitos, multicultural, de valorização de uma arte pública e urbana, provocando um novo olhar, as contradições, outras formas de expressão, comunicação e produção. Momentos de transformação. Referência ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. AROUCA, Carlos Augusto Cabral. Arte na escola: como estimular um olhar curioso e investigativo nos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental. São Paulo: Editora UDP, 2012. BEDOIAN, Graziela e MENEZES, Kátia (org). Por trás dos muros: horizontes sociais do graffiti. São Paulo: Peirópolis, 2008. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: arte. Ensino de quinta a oitava séries. Brasília, 1998. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/arte.pdf >. Acessado em: 11/09/2014. CALVINO. Ítalo. As Cidades Invisíveis. Biblioteca Folha. Disponível em: < http://moodle.up.pt/pluginfile.php/21840/course/section/5603/italo-calvino-as-cidadesinvisiveis.pdf > Acessado em: 09/09/2014. DUARTE JR, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. 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