a importância do trabalho docente para a construção de valores na
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a importância do trabalho docente para a construção de valores na
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DOCENTE PARA A CONSTRUÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL WORK THE IMPORTANCE OF TEACHING VALUES FOR CONSTRUCTION IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION Shirlania do Espírito Santo Vanzeler 1 RESUMO O presente trabalho apresenta uma pesquisa sobre a criação de valores na educação de crianças com até 6 anos, ou seja, da Educação Infantil. Objetivos: procurou-se levantar algumas reflexões acerca de questões que são inerentes à nossa vida como sujeitos sociais, ou seja, membros de uma sociedade que transmite e impõe seus costumes e sua maneira de ser e agir, principalmente em relação aos educadores da Educação Infantil. Métodos: Pesquisa de revisão bibliográfica qualitativa. Resultados: considerando o importante destaque que a educação infantil tem conquistado hoje, socialmente é de fundamental importância repensar as ações que têm norteado o trabalho desta área educacional. Discussão: A vivência de situações inesperadas (violência física e psíquica) ocasionou uma angústia muito grande, devido a minha inabilidade como regente de turma e do corpo técnico em lidar com tais situações. Conclusões: Apresentamos um resgate histórico da noção de infância, bem como a importância desse período da vida para a formação de um cidadão moral e ético para viver em sociedade. Analisamos como se constrói a moral e a ética socialmente e qual o papel da relação família/escola nessa construção. Palavras-chave: Educação Infantil; Docência; Valores. ABSTRACT This paper presents a survey of creating values in the education of children up to 6 years, ie, from kindergarten. Objectives: we tried to raise some reflections on issues that are inherent in our life as social subjects, that is, members of a society that transmits and impose their customs and their way of being and acting, especially in relation to educators from kindergarten. Methods: A qualitative literature review of research. Results: Considering the important emphasis that the kindergarten has won today, social is fundamental rethink the actions that have guided the work of this educational area. Discussion: The experience of unexpected situations (physical and psychological violence) caused a very great distress due to my inability to class conductor and staff in dealing with such situations. Conclusions: We present a historical review of the notion of childhood as well as the importance of this period of life for the formation of a moral and ethical citizen to live in society. We analyzed how to build moral and ethical socially and the role of the family relationship / school in this building. Keywords: Early Childhood Education; teaching; Values. 1 Pedagoga; Pós-graduada em Psicopedagogia Institucional. Mestranda Internacional em Ciências da Educação – MCE pela HOLDING BRITANIA UNIGRENDAL. E-mail: [email protected]. 230 A partir do século XVII, a formação da criança INTRODUÇÃO passou a ser de responsabilidade da família e da Este presente trabalho visa apresentar uma pesquisa de revisão bibliográfica no campo da criação de valores na educação de crianças com até 6 anos, ou seja, da Educação Infantil. De início, faz-se necessário considerar por que e para que existem essas instituições de Educação Infantil e qual é de fato a sua função. contribuíram Muitos para o foram os surgimento fatores das que mesmas. Antigamente, as crianças eram criadas pelas mães, óbvio, essas crianças são encaminhadas para as creches e jardins de infância. Considerando o importante destaque que a Educação Infantil tem conquistado hoje, socialmente é de fundamental importância repensar as ações que têm Para uma efetiva educação de qualidade é necessário definir os objetivos fundamentais que venham a nortear claramente o tipo de atendimento que se deseja para as crianças e quais seriam as condições necessárias para a sua efetivação, dentre destacam-se qualidade profissional, os espaços adequados dentre outros. A Educação Infantil, em algumas instituições, tem refletido uma prática assistencialista, com poucas ações e discursos de cunho educativos. O trabalho educacional se concretiza e se constrói a partir das práticas cotidianas de cada profissional inserido no atendimento à criança. Atualmente, nas cidades, o cuidado de crianças tornou-se difícil, pois os espaços nas moradias são cada vez mais restritos e as famílias residem em minúsculas residências. Por outro lado, as ruas estão perigosas e as famílias ocupadas na garantia da sobrevivência, havendo a necessidade de a mulher ingressar no campo de trabalho, em jornada muitas vezes duplas, limitando assim o tempo que antes era integralmente dedicado aos filhos. 231 O mundo contemporâneo também trouxe novas visões de crianças, de mulher de trabalho e de família. Dentre todos esses fatores, um dos mais relevantes, foi a mudança do papel da mulher na sociedade. Esta trouxe a necessidade e possibilidades de trabalho fora de casa, de realizar-se profissionalmente, e de assegurar o sustento pessoal e também de colaborar Com todas essas mudanças, o dia a dia das crianças e adultos passa a ser organizado de forma a assegurar o funcionamento de um novo modelo de desenvolvimento voltado para a produção de bens de consumo. O objetivo é a acumulação de bens e o trabalho social passa a ser regulado por uma norteado o trabalho desta área educacional. essas, esse ser em desenvolvimento. com o orçamento familiar. irmãs mais velhas, vizinhas ou avós. Atualmente, é escola, o que gerou uma maior preocupação com economia de lucro e de relações de poder que asseguram a dominação dessa nova classe. A sociedade se estrutura em cada momento histórico da humanidade de acordo com os aspectos econômicos, políticos e culturais. A idade moderna traz a discussão dos filósofos sobre a liberdade do homem. A ideologia liberal surgiu como justificativa da formação de um sistema que defendia a liberdade e os interesses dos indivíduos na sociedade e o estabelecimento de uma organização social, baseada na propriedade privada dos meios de produção. Os ideais do liberalismo caem muito bem para a burguesia que aspirava a ascensão e o poder, uma vez que o poder econômico já lhe pertencia. A revolução democrática dos ideais do liberalismo induz ao sonho de igualdade e de participação política, essa igualdade, no entanto, limitava-se à igualdade perante a leis, pois os homens não são vistos como iguais em talentos e capacidade, logo não poderiam ser iguais em riquezas. Os homens se diferem pela própria natureza física. E essa ideologia fica tão impregnada em nossas de nós. O mais importante na educação é que ela mentes, que a criança é encarada como se seu papel pode ser reinventada, ou seja, sendo uma invenção social e seu desenvolvimento, independessem das humana, se um dia ela foi realizada de um modo, contradições de vida, da classe social e do meio pode ser feita de modo diferente, até mesmo oposto, cultural no qual está inserida. Solidificados, os mais tarde. Na verdade, a educação não é maior que princípios do liberalismo, que apontam que todos os o homem, pois os homens a criam para que depois ela indivíduos têm os mesmos direitos à liberdade e à recrie determinados tipos de homem. propriedade privada, o Estado é visto como uma Apresentamos um resgate histórico da noção de autoridade maior, capaz de garantir direitos iguais a infância, a fim de compreendermos como era vista e todos os homens. Seus princípios têm suas raízes produzida a criança no decorrer dos séculos, bem assentadas no modo de produção capitalista e se como a importância desse período da vida para a fundamenta no individualismo, na liberdade e na formação de um cidadão moral e ético para viver em igualdade. sociedade. Trilhar o campo moral e ético representa um Analisamos como se constrói a moral e a ética desafio de grande relevância para os educadores socialmente e qual o papel da relação família/escola desse segmento. O interesse pelo tema surgiu a partir nessa de uma prática escolar com crianças da Educação desenvolvimento da capacidade de autodomínio é Infantil. fundamental para a vivência individual e coletiva, e No dia a dia da escola, enfrentamos situações diante das quais muitas vezes não sabemos bem construção. Demonstramos como o verificamos como ocorre essa construção segundo a perspectiva do pedagogo. como agir. As ações nos permitem transmitir o ser Finalmente, propomos um debate em torno das ético que devemos ser a todo o momento, mas seguintes questões: o resgate histórico da noção de infelizmente passam despercebidas quando atuamos infância; a construção social da moral e da ética na nas reuniões escolares, no recreio, no pátio, nas relação entre família e escola e sob a perspectiva do festas e nos passeios, ao inculcarmos hábitos, pedagogo, abordando a metodologia e apresentando valores, atitudes, que muitas vezes contradizem com o algumas considerações finais. que falamos. Com isso, ao invés de promoverem o ensino, HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL, CIDADANIA E INFÂNCIA nossas ações promovem o desrespeito ao outro, pois agimos com gritos e excluímos pela forma de falar, de vestir etc. Na verdade, em toda ação ou palavra está Ao se tratar de Educação Infantil e da interrelação entre os atores a ela relacionados é implícita nossa forma de pensar, agir e ver o mundo. importante entender o desenvolvimento da concepção Falar em moral e ética é uma tarefa bem difícil, de infância e o papel que a mesma assumiu na quando pensamos na complexidade da questão, pois sociedade atual. lidamos com sujeitos educados segundo princípios éticos e morais diferentes. A ideia de infância, como é hoje, de acordo com Philippe Ariès (1978) surgiu com a sociedade Sabemos que a prática dialógica é primordial capitalista e foi construída na medida em que se para percebermos o outro como sujeito que tem o alterou o papel social da criança na comunidade. O direito de pensar, sentir e viver de maneira diferente conceito universal de infância, que atualmente se 232 conhece, foi criado dominantes. Segundo Miguel Arroyo (1996), a ideia de Estabeleceu-se em um modelo padrão a partir da infância é dinâmica, se modifica e cresce em termos idade e da dependência em relação ao adulto. Até o de relevância social. Porém, tendo em vista que ela século um antecede a idade adulta, do ponto de vista do tempo desconhecimento dessa etapa da vida, até mesmo cronológico, acaba por gerar uma interpretação dúbia, porque a criança, em geral, vivia muito pouco. produz, muitas vezes, uma confusão entre a natureza XII, pelas classes aproximadamente, havia O sentimento de indiferença era muito grande em relação à infância, razão pela qual, muitas biológica e o papel social ocupado pela criança nas diferentes culturas. sociedades praticavam até mesmo o abandono dos Em face da nova perspectiva de infância, no recém-nascidos. Não se considerava maus tratos as Brasil, pode-se dizer que até a década de 1930, as atitudes, às vezes, truculentas dos adultos para com autoridades brasileiras ignoraram a infância. Iniciado o as crianças. (ARIÈS, 1978). processo de catequização e de domesticação dos A partir do século XIII, a infância começou a aparecer retratada na arte, especialmente nas pequenos pelos jesuítas. “O que havia historicamente era a Roda dos Expostos, destinada aos abandonados pinturas, nas quais a criança figura como anjo ou das como personagem bíblica. De modo especial, é comerciantes e dos aristocratas eram criados por suas recorrente próprias famílias.” (SILVA, 2005, p. 31). a imagem de Jesus menino. O Renascimento contribuiu para mostrar que a criança começava a sair do anonimato, passou primeiras idades, já que os filhos dos No entendimento de Sônia Kramer (1995, p. 50): “[...] se existiam de grupos algumas privados, alternativas paulatinamente a ser representada dentro das famílias provenientes conjuntos de (BORDIEU, 1989). médicos, igrejas, associações de damas beneficentes, via de regra, também ligadas ás instituições religiosas, POLÍTICAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE ENSINO INFANTIL faltava, de maneira geral, interesse da administração pública pelas condições da criança brasileira, principalmente pobre. Nos séculos XVI e XVII, tais figuras foram O primeiro jardim da infância brasileiro, de que substituídas por outras, dos pequenos em atuação na se têm registros, surgiu em 1875 e foi fechado vida restringia-se, rapidamente por falta de incentivo do poder público. particularmente, aos meninos. Assim que deixavam as Mais tarde, em 1899, foi fundado o Instituto de fraldas e os cueiros, vestiam as roupas dos adultos, Proteção e Assistência à Infância, sediado no Rio de variáveis de acordo com a ocasião e a classe social. Janeiro, para atender aos menores de oito anos. Estas Ou seja, a criança era considerada um adulto em iniciativas todas tinham curto período de vida, tendo miniatura (BORDIEU, 1989). em vista, a falta de apoio do poder público e até cotidiana dos adultos, Além disso, os movimentos para o atendimento mesmo às fortes questões culturais que ainda não à infância foram pensados, predominantemente, na revelavam necessidade de se investir na formação e perspectiva dos adultos em relação à criança, e não educação da criança (KRAMER, 1995). do ponto de vista dela própria. Deixava de se olhar a A primeira creche popular, destinada aos filhos criança e suas necessidades a partir da própria de operários, só foi aparecer em 1908. Embora já criança. começasse a despertar, no Brasil, entre o final do século XIX e o princípio do século XX, a ideia de 233 proteger a criança. As iniciativas eram isoladas e Escolas Maternais, inicialmente com uma perspectiva atendiam, em geral, as crianças das classes menos assistencial, que gradativamente foram prestando não favorecidas e abandonadas. Isso ocorria, em grande só serviços nas áreas de higiene e saúde como parte, da também educativas aos filhos dos operários. Porém, urbanização, ao êxodo da população rural para a tais instituições não foram bem aceitas (FARIA FILHO, cidade em busca de novos empregos, à inexistência 1999). devido a um rápido crescimento de qualquer tipo de atendimento público sanitário e ou De acordo com Luciano Mendes Faria Filho educacional, além dos resquícios da escravidão, que (1999, p. 48), “em 1935, surgem em São Paulo, por contribuíam para o aumento da prostituição e o iniciativa de Mario de Andrade, os parques infantis. crescimento da miséria das populações de baixa Embora o Parque Infantil fosse destinado apenas a renda (KRAMER, 1995). crianças maiores de três anos, mesmo sendo filhos e Apesar desse primeiro movimento, por iniciativa filhas dos operários, seu enfoque era na própria do Estado, a criança continuou sendo encarada como criança e não apenas no direito trabalhista de sua um ser a-histórico e descontextualizada de seu grupo mãe”. e de seu tempo, tratada com homogeneidade, sem Nos parques infantis, havia jogos, brincadeiras que as suas necessidades e interesses fossem e folclore como atividades principais, fazendo com que respeitados. As que viviam em asilos eram isoladas do as crianças participassem da construção da cultura resto do mundo, pois tais instituições situavam-se nacional. Porém, apesar de todo esforço, o modelo normalmente longe dos grandes centros urbanos, durou pouco tempo, mesmo porque a criança era vista possuindo um rígido controle das atividades, razão como “matriz do homem”, uma tabula rasa na qual pela podiam ser depositadas todas as coisas (FARIA qual impediam o desenvolvimento da socialização. (SILVA, 2005, p. 32). FILHO, 1999). Luciano Mendes Faria Filho (1999, p. 30) nos Tizuko Kishimoto (1988, p.162), considera que a diz que já em 1932, “[...] o Manifesto dos Pioneiros da pouca importância da educação infantil, enquanto Escola Nova apresentava uma proposta para a nível de ensino, foi demonstrada ao longo dos anos, educação brasileira sem excluir a idade pré-escolar - quer pela sua ausência na composição do ensino constantemente criticada até os dias de hoje, por ser público, quer pelo fracasso em implantar propostas de elitista e assistencialista. O programa educacional do sua inclusão no ensino oficial. Manifesto tentava aproximar as instituições pré- Moysés Kuhlmann Junior (2000, p. 11) indica escolares, definindo a escola maternal como aquela que: “[...] Oficialmente, a pré-escola, como era destinada às crianças de dois a quatro anos, enquanto chamada, esteve mais atrelada à área de saúde, da os jardins da infância atendiam as de idade entre qual se originou e, posteriormente, à assistência social cinco e seis anos. ” (FARIA FILHO, 1999, p. 30). do que à educação. Quando da realização da Em São Paulo, de acordo com o mesmo autor, Conferência Latino-Americana sobre a Infância e a surgiram as famosas creches modelares, destinadas Juventude no Desenvolvimento Nacional, na década ao atendimento dos filhos dos operários. Porém, de 1960, estava subjacente a ideia de “simplificar as apesar um exigências básicas para a educação nacional e aprimoramento do atendimento nas condições de implantar um modelo de baixo custo...”. Isso parece higiene e de saúde, eles não tiveram um caráter ter sido uma constante na educação brasileira. de tais estabelecimentos buscarem educacional. Na mesma época, apareceram as 234 Identifica-se que a tentativa de democratizar o anos recebam conveniente educação em escolas atendimento às crianças sem as condições mínimas maternais, jardins de infância e de infraestrutura foi uma política adotada por diversos equivalentes (KUHLMANN JUNIOR, 2000). instituições governos. É importante ressaltar que, do ponto de Sendo assim, na década de 1970, com a vista legal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação ocorrência da profusão de movimentos sociais surgiu Nacional 4024/61, pela primeira vez, foram dedicados uma proposta de creche mais afirmativa para a dois artigos à Educação Pré-Escolar. No entanto, uma criança, a família e a sociedade. Para encerrar este vez mais o Estado se omitiu à sua responsabilidade, período, é importante lembrar, ainda que, em 1975, o estimulando a iniciativa privada a atuar nesse setor Ministério (KUHLMANN JUNIOR, 2000). Coordenação de Educação Pré-Escolar e, em 1977, de Educação e Cultura instituiu a Outra revelação da pesquisa é que em 1967, foi foi criado o Projeto Casulo, vinculado à Legião criado um Plano de Assistência Pré-Escolar, do Brasileira de Assistência (LBA) que atendia crianças Departamento Nacional da Criança, do Ministério da de 0 a 6 anos de idade e tinha a intenção de Saúde. Seguindo as prescrições da UNICEF. O Plano proporcionar às mães tempo livre para poder ingressar propunha um programa de emergência para o no mercado de trabalho e, assim, elevar a renda atendimento de crianças de dois a seis anos, por meio familiar (BRASIL, 2005). da criação de Centros de Recreação (KUHLMANN JUNIOR, 2000). Tendo em vista que todo o avanço da sociedade é histórico, cultural e político, portanto, Tal plano parece ter sido feito para cumprir as precisa ser conquistado o tempo todo, na Constituição exigências relacionadas a acordos internacionais. de 1988 foi definida a creche e a pré-escola como Dado o caráter assistencial, novamente tentava-se direito de família e dever do Estado em oferecer esse tirar a criança da rua pelo mero atendimento, sem serviço (BRASIL, 2014). haver preocupação com a qualidade do trabalho ou da educação que lhe era oferecida (KUHLMANN JUNIOR, 2000). A superação desse atual estágio implica em reconhecer a Educação Infantil, destinada às crianças de 0 a 6 anos, como primeira etapa da educação A situação não foi diferente durante os primeiros básica, indispensável à construção da cidadania e na anos de o governo militar, quando surgiram propostas adoção de diretrizes que orientem as ações de baratas de atendimento às crianças. Aboliu-se o educação critério assistência. de qualidade adotado pelos países complementadas pelas de saúde e desenvolvidos e o atendimento se limitava a evitar que Desde a promulgação da atual LDB – Nº. os pobres não tivessem dignidade e passassem por 9394/96 a Educação Infantil, constitui-se como fase problemas importante no processo educativo por considerar a mais sérios que os levassem à marginalidade (KUHLMANN JUNIOR, 2000). Então, surgiram programas para a infância com o objetivo de solucionar basicamente os problemas educação da faixa etária de 0 a 6 anos, como a 1ª etapa da Educação Básica, seguida pelo Ensino Fundamental e Médio. sociais. Também em 1971, a Lei de Diretrizes e Bases A nova LDB, surgida em consequência da 5.692 considerou a educação infantil, fazendo o Conferência Mundial de Educação para Todos, Ministério da Educação passar a se ocupar desta realizada na Tailândia, em 1990, a educação infantil, área. A lei considerava que os sistemas de ensino aparentemente, galgou seus primeiros passos ao ser cuidariam para que as crianças de idade inferior a sete incluída na Educação Básica, apresenta-se sob duas 235 modalidades: em creches, voltadas ao atendimento de Portanto, no contexto da legislação e políticas crianças de zero a seis anos de idade e pré-escolas, públicas, a Educação Infantil é responsabilidade do para as de quatro a seis. Estado, uma opção da família e um direito da criança. Essa mudança caracteriza uma nova missão Nesse sentido, a Educação Infantil, como patrimônio para as instituições de educação infantil, que deve a público, constitui-se em uma responsabilidade social, partir de agora, revelar o indissociável do binômio, independente de sua forma jurídica de manutenção. educar e cuidar, nessa faixa etária da vida humana. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Isto envolve um novo fazer na educação infantil com Educação Infantil (Brasil, 2010) apresentam o que novos propósitos e intencionalidades institucionais: deve ser considerado como função sociopolítica e formar cidadãos de direitos e deveres, responsáveis, pedagógica das instituições de Educação Infantil e são compromissados, competentes, participativos, críticos reflexo das discussões na área e apontam um modelo e criativos. de trabalho que se deseja junto às crianças. Nesse sentido, a Educação Infantil como Logo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para espaço de conhecimento e construção de cidadania a em conformidade com a LDB 9394/96 no artigo 27 sociopolítica e pedagógica das unidades de Educação determina que “[...] os conteúdos curriculares da Infantil devem se basear nos seguintes conceitos: educação básica observarão [...] a difusão de valores “Criança: Sujeito histórico e de direitos que, nas fundamentais ao interesse social, aos direitos e interações, deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, ordem democrática relações consideram e práticas que a função cotidianas que a brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, formação e experimenta, narra, questiona e constrói sentidos educação integral da criança até seis anos de idade, sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.” em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e “Currículo: Conjunto de práticas que buscam articular social, cabe tanto à família e comunidade, assim como as experiências e os saberes das crianças com os à desenvolver conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, competências e habilidades que permitam formar um artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a cidadão crítico e atuante em nossa sociedade. promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 instituição de sendo Infantil assim, responsabilidade [...]”, Educação contribuir pré-escolar que na deve Imaginar a construção do individuo fora do meio a 5 anos de idade.” “Proposta Pedagógica: Proposta social seria conceber a família e a escola como meios pedagógica ou projeto político pedagógico é o plano irrelevantes nesse processo. A família representa um orientador das ações da instituição e define as metas papel que singular no desenvolvimento infantil; se pretende para a aprendizagem e o precedendo sua capacidade de escolha, constitui-se desenvolvimento das crianças que nela são educados no primeiro grupo da criança na qual ela satisfaz suas e cuidados. É elaborado num processo coletivo, com a necessidades básicas e obtém as primeiras condutas participação da direção, dos professores e da sociais. A criança é facilmente influenciada pelo tipo comunidade escolar.” (BRASIL, 2010, p. 12-13). de relação que mantém com cada componente de sua Em 1998, o Ministério da Educação e Cultura constelação familiar, daí a importância, para o publicou o Referencial Curricular Nacional para a desenvolvimento psíquico da criança, dos papeis que Educação Infantil (RCNEI), um documento que traz cada um representa e das relações que cada um princípios e concepções do desenvolvimento da estabelece com ela. (ALMEIDA, 1999, p.104). criança na Educação Infantil, propondo ações que 236 podem servir de referência, como o próprio nome diz, diretrizes legais, baseadas em uma visão da criança para a organização de um currículo nessa faixa etária. como sujeito de direitos, orientada pelos A criança é percebida como um ser que sente e conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento e pensa o mundo de um jeito próprio, capaz de construir informada pelas noções de respeito à diversidade. No o conhecimento na interação com o meio e com as atual cenário da Educação Infantil no Brasil, destaca- outras pessoas de forma ativa, a partir da criação de se que os marcos legais estão postos e sua hipóteses originais sobre o que deseja “pesquisar”. divulgação e adoção encontram-se em andamento, O âmbito social oferece, portanto, ocasiões ainda que de forma desigual nos diversos contextos únicas para elaborar estratégias de pensamento e de do país. (CAMPOS; FULLGRAFF; WIGGERS, 2006, ação, possibilitando a ampliação das hipóteses p. 58). infantis. Pode-se estabelecer, nesse processo, uma Para a superação do modelo tradicional rede de reflexão e construção de conhecimentos na fundamentado no assistencialismo e a solidificação de qual tanto parceiros mais experientes quanto os uma proposta educativa acessível para todos ainda é menos experientes têm seu papel na interpretação e preciso expandir o número de pré-escolas, de forma ensaios de soluções. A interação permite que se crie que garanta atendimento de qualidade a todos, para uma situação de ajuda na qual as crianças avancem tanto é imprescindível se investir em programas que no seu processo de aprendizagem. (BRASIL, 1998, p. busquem a formação continuada e procure cada vez 31-32). mais melhorar e solidificar a relação com as famílias. Sendo assim, a organização das propostas de As proposições do RCNEI (BRASIL, 1998) trabalho voltadas ao atendimento das crianças nestas apenas se efetivam quando as necessidades de instituições deve considerar o reconhecimento da mudanças são consideradas, fato que resulta na criança como ser social, sujeito de direitos e deveres. construção de novo paradigma fundamentado na Através das atividades propostas nas pré-escolas as quebra de velhas práticas. Neste sentido, segundo o crianças necessitam aprender a estar com os outros e RCNEI (BRASIL, 1998) a educação das crianças de 0 consigo mesma, ampliarem seu círculo de relações, a 6 anos abrange os seguintes objetivos: aprenderem a lidar com regras e a respeitá-las para alcançarem objetivos. Favorecer o desenvolvimento infantil nos aspectos físico, motor, emocional, social e intelectual; No entanto, sabe-se que na realidade das de modo que a criança se desenvolva em todos os instituições de atendimento à criança pequena ainda aspectos. Para tanto é necessário que se promova a coexistem diferentes concepções e propostas de ampliação das experiências e dos conhecimentos atendimento. A diversidade pode ser entendida como infantis, se estimule o interesse da criança pelo um fator positivo refletindo a variedade cultural do processo de transformação da natureza e pela país; por outro, revela a precariedade de acesso aos dinâmica da vida social. serviços de funcionamento e de infraestrutura, bem como dos aspectos pedagógicos. Velhas concepções, preconceitos provenientes Conforme o RCNEI (BRASIL, 1998) a Educação Infantil possui fundamental importância na construção dos alicerces afetividade, socialização consequentemente, inteligência ainda marca o presente, rotinas e práticas herdadas desenvolvimento integral e harmônico da criança. de tradições assistencialistas convivem e resistem às Para que a escola possa cumprir este papel, é propostas mais generosas que presidiram as novas necessário conhecer as para e de uma história de colonização e escravidão que 237 e, de características o do desenvolvimento infantil, organizar o ambiente e as criança tenha contato com os valores existentes e atividades de modo a atender às necessidades desta construa os seus próprios, a partir dos princípios que etapa de vida. lhe são transmitidos, e, consequentemente, as regras Deste modo, a Educação Infantil, segundo o RCNEI (BRASIL, 1998) contribui para o serão vivenciadas por ela, estas farão parte do condicionamento moral que a fará chegar ao desenvolvimento da autonomia e identidade da cumprimento espontâneo das normas impostas pelo e criança e para o fortalecimento de valores que trarão para o corpo social em que se insere, de maneira tal, benefícios para si e que posteriormente refletirão na que os valores iniciais consolidar-se-ão como valores sociedade em que está inserida. Ao longo de seu morais e sociais que definirão e pautarão suas desenvolvimento, relações com os demais. (SCÁRDUA, 2010). a criança aperfeiçoará suas competências ao mesmo tempo em adquirirá novas habilidades. Achando óbvio que todos os seres humanos seguem regras e normas de conduta, possuem Para tanto, é preciso valorizar e estimular o valores morais, religiosos, políticos, artísticos, vivem convívio das crianças com os diversos grupos na companhia de seus semelhantes e procuram culturais, criar vínculos e fortalecer as relações distanciar-se dos diferentes dos quais discordam e interpessoais e seus valores dentro da sociedade. com os quais entram em conflito, acreditamos que Nesse sentido, ao se basear no princípio ético somos seres sociais, morais e racionais, pois regras, do respeito e da valorização da vida humana, a normas, concepção de educar deve ser compreendida de uma estabelecidos por seres conscientes e dotados de forma raciocínio. (CHAUÍ, 2000, p.8). abrangente e concomitante com a aprendizagem de valores, procedimentos e atitudes saudáveis para a vida da criança. valores, Logo, finalidades acredita-se que só os podem ser valores são construídos na medida em que se experiencia Além disso, a aprendizagem transcende o significados tecidos nas relações com o mundo. espaço da sala, toma conta da área externa e de Construção que depende diretamente da ação da outros espaços da instituição e fora dela. Para criança, dos valores implicados e da qualidade das viabilizar a concretização de propostas educativas que relações interpessoais estabelecidas entre o infante e busquem desenvolver a moral e solidificar os valores é a proveniência destes valores. (SCÁRDUA, 2010). preciso oferecer condições para o desenvolvimento das crianças, respeitar suas necessidades e Nesse sentido, segundo De La Taille (2011), a construção de valores encontra-se intimamente capacidades. De modo que as mesmas enfrentem e associada à ética e à moral, esses dois termos têm superem significados próximos embora diferentes, em geral, no os desafios apresentados em cada momento: campo da filosofia que se ocupa da reflexão da moralidade humana, referem-se ao conjunto de VALORES: UMA QUESTÃO ÉTICA E MORAL princípios ou padrões de conduta que regulam as relações dos seres humanos com o mundo em que Segundo De La Taille (2011) os níveis de vivem; formam esse conjunto. “Os valores éticos se moralidade transitam do concreto ao abstrato e se oferecem, portanto, como expressão e garantia de constituem em três: regras, princípios e valores. nossa condição de sujeitos, proibindo moralmente o Deste modo, para se atingir o comportamento esperado conforme os padrões sociais é preciso que a que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros.” (CHAUÍ, 2000, p. 433). 238 Princípios, conforme De La Taille (2011), que A formação de valores, hábitos que o indivíduo devem estar voltados para o âmbito da reflexão terá como base por toda a sua vida, em conjunto com individual elaborar a criação familiar, é adquirida em sua maior parte na racionalmente e autonomamente princípios gerais de Educação Infantil. Baseado nessa colocação surge a valor, princípios que auxiliem a defrontar-se com a necessidade de alertar os educadores da educação realidade como a crítica da realidade cotidiana e das infantil, visto que esses são responsáveis em grande normas sócio-morais vigentes, de modo que contribua parte pelo processo educacional de valores da criança para idealizar formas mais justas e adequadas de na fase inicial de sua vida. e coletiva que permita convivência. É de ressaltar que tal colocação em relação à Do ponto de vista ético e moral, a consciência é educação infantil não quer dizer que educadores a espontaneidade livre e racional, para escolher, voltados para as demais fases do ensino não são deliberar e agir conforme a liberdade, aos direitos responsáveis pela formação moral do aluno. Pelo alheios e ao dever. É a pessoa, dotada de vontade contrário, a formação de valores de indivíduo é por livre e de responsabilidade. É a capacidade para toda vida, porém, é na fase infantil que são formadas compreender e interpretar sua situação e sua as bases de uma boa educação. condição (física, mental, social, cultural, histórica), Todo indivíduo, em especial o aluno, necessita viver na companhia dos outros segundo as normas e de bases morais bem definidas, de forma que saiba os valores morais definidos por sua sociedade, agir como proceder ao se deparar com pequenos ou tendo em vista fins escolhidos por deliberação e grandes problemas, questionando o que não lhe é decisão, realizar as virtudes e, quando necessário, aceito e nem aceite tudo o que lhe é colocado. contrapor-se e opor-se aos valores estabelecidos em É de extrema importância que todo educador nome de outros, considerados mais adequados à tenha a consciência de transmitir princípios para seus liberdade e à responsabilidade. (CHAUÍ, 2000, p. 147). alunos, visto que esses serão sinalizadores de sua A fim de que as crianças compreendam os própria vida, inclusive colocando seu ponto de vista princípios éticos, é necessário que estes se expressem em situações reais, nas quais possam ter diante de uma determinada situação. Baseado na importância que os educadores e experiências e nas quais possa conviver com sua consequentemente prática; que haja um educacional de valores dos seus alunos. desenvolvimento da sua a escola tem na formação capacidade de autonomia moral, isto é, da capacidade Esse ritmo incessante inaugurado pelo modo de de analisar e eleger valores para si, consciente e produção capitalista faz com que se pense em um livremente. novo modo de ver a infância, diferente do que era Conforme afirma Pereira (2002, p. 159): “É o pensado e vivenciado nos séculos anteriores. A exercício de viver e conviver que educa e que forma o construção social da concepção de infância que se ser. Por isso, o meio em que a criança se desenvolve tem hoje não só nos revela as mudanças na é essencial para o desenvolvimento de ser caráter e valorização desse ser, como também se tornou um costumes. A educação aparece sempre que há elemento fundamental para as novas tecnologias. relações entre pessoas e a intenção de ensinar e Sendo assim, quando vivenciadas no cotidiano aprender. Portanto, na vida ensinamos e aprendemos nas diversas situações, ao se respeitar e ouvir o a todo o momento. diferente, em busca de humanizar na diversidade, a moral e a ética contribuem para a formação de 239 sujeitos conscientes do seu agir na sociedade, que valorizam a subjetividade da vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou levantar algumas (LDB). Brasília: D.O.U. de 21 dez. 1996. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 15 maio 2016. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Brasília: SEB, 1998. Disponível em: <portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf>. Acesso em: 11 maio 2016. reflexões acerca de questões que são inerentes à nossa vida como sujeitos sociais, ou seja, membros de uma sociedade que transmite e impõe seus costumes e sua maneira de ser e agir, principalmente em relação aos educadores da Educação Infantil. Tentamos abordar o tema de forma a apresentar toda a sua complexidade e como a diversidade presente em nossa sociedade nos faz refletir a todo instante sobre nossas atitudes a partir do princípio de relativizar, ou seja, colocar-se no lugar do outro. Essas ideias expressam modos de refletirmos diariamente sobre nossas ações, e de buscarmos melhorar, por meio delas, o ambiente e as relações nas quais estamos envolvidos. Sem esquecer, é claro, de conviver com a diversidade social, isto é, com as diferenças, sejam elas culturais, sociais, ou étnicas. Trata-se de desenvolver o espírito crítico para, em seguida, lembrar a regra de ouro: fazer aos outros aquilo que gostaria que fizessem a você. Liste as coisas e atitudes que você gostaria que lhe fizessem Em seguida, faça a mesma coisa com os outros, como prescreve o preceito ético mínimo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Ana Rita Silva. A emoção na sala de aula. Campinas/SP: Papirus, 1999. (Coleção Papirus Educação). ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de. Janeiro: Zahar Editores, 1978. ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagem e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional CAMPOS, Maria Malta; FULLGRAFF, Jodete; WIGGERS, Verena. A qualidade da educação infantil brasileira: alguns resultados de pesquisa. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n.127, p. 87-128, jan./abr.2006. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995. DE LA TAILLE. 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