“Quereis ver Jesus? Contemplai-O na cruz!” “Estar com o Senhor

Transcrição

“Quereis ver Jesus? Contemplai-O na cruz!” “Estar com o Senhor
ANO XVI • NÚMERO 47 • janeiro / junho • 2009
• Destaque • Peregrinação Diocesana • pág. 69
“Quereis ver Jesus? Contemplai-O na cruz!”
• Destaque 2 • pág. 73
Festa do Corpo e Sangue de Cristo nas ruas de Leiria
“Estar com o Senhor,
caminhar com Ele,
ajoelhar em adoração”
• Especial • Visita Pastoral à Diocese • pág. 77
D. António Marto na Vigararia de Fátima
• Teologia/Pastoral • 26 de Abril de 2009 • pág. 161
Canonização de Nuno Álvares Pereira
• História • Saul António Gomes • pág. 185
D. Frei Brás de Barros: elementos sobre o seu episcopado
DOCUMENTOS • decretos • escritos episcopais • VIDA ECLESIAL • notícias • entrevistas • REFLEXÕES • teologia/pastoral • história • DO
Leiria-Fátima
Órgão Oficial da Diocese
ANO XVII • NÚMERO 47 • JANEIRO / JUNHO • 2009
Ficha Técnica|
Director | Luís Inácio João
Chefe de Redacção | Luís Miguel Ferraz
Administrador | Henrique Dias da Silva
Conselho de Redacção | Belmira de Sousa, Jorge Guarda, Luciano Cristino,
Manuel Melquíades, Saul Gomes
Capa/Grafismo | Luís Miguel Ferraz
Propriedade/Editor | Diocese Leiria-Fátima / Gabinete de Apoio aos Serviços Pastorais
Sede | Seminário Diocesano de Leiria • 2414-011 Leiria
Tel.: 244832760 • Fax: 244821102
Correio Elec.: [email protected]
Periodicidade | Semestral
Tiragem | 330 exemplares
Preço | 6 euros (avulso) • 12 euros (assinatura anual)
Impressão | Tipografia de Fátima
Depósito Legal | 64587/93
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Índice
. editorial .
Prezado Leitor
Documentos•••
. decretos .
Nomeação • Incardinação do padre Gonçalo Diniz
Decreto • Remuneração do Clero e funcionários
Nomeação • Assistente da Juventude Operária Católica
Nomeações • Tribunal Eclesiástico da Diocese
Nomeações • Responsáveis de paróquias e serviços
Nota Pastoral • Peregrinação a Fátima, com São Paulo
Mensagem para a Quaresma de 2009 • Para uma nova Primavera espiritual
Carta aos sacerdotes • “Ano Sacerdotal”
Homilia • Para uma nova primavera social: Combater a pobreza para construir a paz
Homilia nas exéquias do Cónego Dr. Carlos da Silva • “Cantarei ao Senhor enquanto viver”
Convite do Senhor Bispo • Jubileu das vocações
Homilia • Consagrar o Mundo a Cristo Redentor por Maria e com Maria
Peregrinação Diocesana • “Queremos ver Jesus!” – A urgência de “ir ao coração da fé”
Mensagem à CERCILEI • Serviço e benefício
Homilia na Missa Crismal • A Beleza do Sacerdócio
Na abertura do Congresso Nacional dos Antigos Alunos dos Seminários • Da memória à profecia
Homilia na missa de encerramento do Congresso • Testemunhas da vida nova em Cristo
Saudação de Abertura da Peregrinação • Peregrinação de confiança em momento de crise
Conferencia de Imprensa • Solidariedade, responsabilidade e confiança
Homilia no Dia da Cidade • A amizade pela cidade e na cidade
Abertura do Congresso “Francisco Marto” • É Hora de escutar as crianças
Homilia no Congresso • “Francisco Marto”
Encerramento do Congresso • Palavra de gratidão e parabéns
17.ª Gala da Rádio Clube de Leiria (25.09.2009) • A Voz da(s) Palavra(s)
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. documentos pastorais .
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. escritos episcopais .
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. diversos .
Conselho Pastoral Diocesano • Diaconado permanente 65
Conselho Presbiteral - termo de mandato • Revisão do ano pastoral 66
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Índice
Vida Eclesial•••
. destaque .
Peregrinação diocesana 2009 • “Quereis ver Jesus? Contemplai-O na cruz!”
Corpo e Sangue de Cristo • “Estar com o Senhor, caminhar com Ele, ajoelhar em adoração”
Faleceu o Cónego Carlos da Silva • Servidor do sacerdócio, da Diocese e da música
69
73
76
. especial .
Visita Pastoral à Diocese • D. António Marto na vigararia de Fátima
77
Resumo noticioso do semestre
Resumo noticioso do semestre 106
. notícias .
84
. Santuário de Fátima .
. serviços e movimentos .
Campanha de Angariação de Fundos • Obras no Seminário Diocesano
Centro de Formação e Cultura
Comissão Diocesana Justiça e Paz • Direitos humanos e Realidades actuais Os Samaritanos
Semana Nacional da Cáritas – 8 a 15 de Março • Juntos, daremos vida à esperança
Muitas estrelas na festa da Missão • Ondjoyetu promove espectáculo solidário
Serviço Diocesano de Animação Vocacional • Formação missionária “Chama que chama”
CPM - Leiria-Fátima • Encontros de Noivos 2008/2009
Congresso no centenário do Pastorinho • Francisco Marto – Crescer para o Dom
Entrevista a D. Anacleto Gonçalves Oliveira • “S. Paulo tornar-se-á uma figura mais popular”
Entrevista ao padre Gonçalo Diniz • Aulas de EMRCatólica: Uma opção cheia de sentido!
Entrevista ao Reitor, padre Manuel Armindo Janeiro • O Seminário em Obras
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. entrevistas .
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151
155
Reflexões•••
. teologia/pastoral .
26 de Abril de 2009 • Canonização de Nuno Álvares Pereira
Congresso de Antigos Seminaristas • Mais de 67 mil portugueses devem formação aos seminários
O papel dos mosteiros de vida consagrada • Uma presença orante no ano sacerdotal
Padre Carlos da Silva • Adeus ao Mestre de todos nós
A Igreja da Misericórdia – Que futuro?
161
171
175
179
183
. história .
Saul António Gomes
D. Frei Brás de Barros: elementos documentais sobre o seu episcopado leiriense 185
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Editorial
Prezado Leitor
Queremos pedir desculpa pelo atraso de alguns números do Leiria-Fátima – Órgão Oficial da Diocese, que circunstâncias várias acabaram por nos
impor. Endereçamos o mesmo pedido aos nossos colaboradores e a quantos,
da Administração à Redacção, nunca mitigaram a sua dedicação. Na situação
concreta, que não pudemos evitar, não é possível passar adiante como se
nada fosse. Envidamos esforços para que a falta seja rapidamente colmatada
e, ultimando já os números que restam de 2009 e 2010, esperamos proceder
quanto antes aos respectivos envios.
Aproveitamos para informar que, com o final do ano de 2010, o Órgão
Oficial dará por concluída a sua publicação. Efectivamente, a difusão documental, que foi a sua principal incumbência, começou a ser partilhada com
a página on line, desde que a Diocese enveredou pelos novos trilhos da Internet. Com o aproveitamento crescente das novas possibilidades, aumentou
a inclusão, que passou a ser exaustiva, da documentação oficial. Esta, conjuntamente com os Discursos e outras intervenções episcopais, os Subsídios
Pastorais e Informações mais importantes, entre outros, passou a estar disponível “na hora”, colmatando a espera inevitável da publicação em papel. O
Órgão Oficial perdeu, deste modo, a exclusividade de garante da publicação
documental, e foi sendo votado à situação de repetidor dispensável, mesmo
que útil. Ao mesmo tempo, viu os seus leitores habituarem-se, cada vez mais
numerosos, à facilidade e rapidez do ciberespaço.
A alternativa apresentada traz seguramente muitas vantagens, mas não
esconde os seus inconvenientes. Antes de mais, no âmbito pessoal, pedimos
desculpa aos nossos Leitores, sobretudo aos menos familiarizados com a comunicação digital. Esperamos que os benefícios acabem por suplantar as dificuldades. Sobre inconvenientes de outra ordem, ligados, designadamente, à
natureza, tempo de disponibilidade e durabilidade dos conteúdos, confiamos
que serão conseguidos os bons desígnios, nestes e noutros aspectos, dos responsáveis pelo novo projecto.
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Editorial
Não nos despedimos de imediato, pois se aguardam ainda o último número de 2009 e os dois de 2010. No entanto, à imagem da futura disponibilização on line, as edições que ainda serão publicadas, sobretudo as de 2010,
confinar-se-ão às partes documental e histórica, a que nos habituámos, e dispensarão a parte informativa, que facilmente podemos encontrar nos nossos
periódicos.
Bem haja.
O Director
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Documentos
. decretos . documentos pastorais .
. escritos episcopais . diversos .
. decretos .
Nomeação episcopal
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima,
faz saber quanto segue:
Tendo o Rev.º Padre Gonçalo Corrêa Mendes Teixeira Diniz, da Fraternidade Missionária Verbum Dei, solicitado a sua incardinação nesta Diocese de
Leiria-Fátima, considerando as necessidades pastorais do Povo de Deus desta
Igreja particular e tendo em conta que, depois de algum tempo de “exclaustração simples”, durante o qual desempenhou diversos serviços nesta Diocese, a Santa Sé lhe concedeu o necessário Rescrito (Prot. N. 51171/2008) com
o indulto de saída da Fraternidade Missionária Verbum Dei e de incardinação
na Diocese de Leiria-Fátima;
Havemos por bem incardinar este sacerdote na nossa Diocese de LeiriaFátima, segundo a norma dos cânones 265, 267 e 693, integrando-o no Presbitério diocesano.
Leiria, 10 de Janeiro de 2009.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Decreto episcopal
Remuneração do Clero e funcionários
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima,
faz saber quanto segue:
De acordo com os Artigos 67º, 68º e 69º do Regulamento da Administração de Bens da Igreja, a remuneração do Clero e funcionários dos serviços
diocesanos terá um aumento de 3% neste ano de 2009.
O salário mensal do Clero será no valor de 848,72 €.
A mesma percentagem (3%) será aplicada à quantia correspondente ao
alojamento daqueles que residem em casa da entidade patronal, passando a
ser de 276,00 €.
Estas alterações são aplicáveis a partir do mês de Janeiro de 2008.
Leiria, 12 de Janeiro de 2009.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Documentos
Incardinação do padre Gonçalo Diniz
. decretos .
Nomeação episcopal
Assistente da Juventude Operária Católica
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima,
faz saber quanto segue:
Sendo necessário prover movimentos eclesiais da necessária assistência espiritual, havemos por bem nomear Assistente Diocesano da Juventude
Operária Católica o Revº Padre Orlandino Barbeiro Bom, que entrará em
funções durante este mês de Março.
Exercerá o seu cargo segundo a Lei da Igreja e em comunhão com o Bispo
diocesano.
Esta nomeação é válida pelo período de cinco anos.
Leiria, 10 de Março de 2009.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Nomeações episcopais
Tribunal Eclesiástico da Diocese
António Augusto dos Santos Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima,
faz saber quanto segue:
Tendo terminado o mandato dos diversos oficiais do Tribunal Eclesiástico desta Diocese, havemos por bem prover os diversos cargos da seguinte
forma:
Vigário Judicial:
P. Dr. Fernando Clemente Varela
Juízes:
P. Adelino Rodrigues Ferreira
Cón. Doutor Américo Ferreira
P. Doutor Augusto Ascenso Pascoal
Dr. José da Conceição Martins Rodrigues e Gonçalves Afonso
P. Dr. Manuel dos Santos José
Defensores do Vínculo e Promotores de Justiça:
P. Dr. Adelino Filipe Guarda
P. Augusto Gomes Gonçalves
Dr. Ilídio Gonçalves de Vasconcelos
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Chefe da Chancelaria do Tribunal:
Dr. Ildo da Rocha Silva
Notários–Actuários:
Dr. Francisco de Jesus Moreira
Eng. Sérgio Pinto Macias Marques
Exercerão o seu cargo segundo a Lei da Igreja e em comunhão com o
Bispo diocesano. Esta nomeação é válida pelo período de cinco anos.
Leiria, 11 de Março de 2009.
† António Augusto dos Santos Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Nomeações Episcopais
Responsáveis de paróquias e serviços
O Senhor D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, procedeu às seguintes nomeações:
O P. Fernando Pereira Ferreira é nomeado Pároco de Monte Real e de
Ortigosa, deixando a paroquialidade da Maceira.
O P. Marcelo Cavalcante de Moraes é nomeado Pároco de Maceira.
O P. José Martins Alves é nomeado Pároco das Paróquias de São João e
de São Pedro, em Porto de Mós, e de Alcaria. Deixa as paróquias de Monte
Real e Carvide.
O P. Sérgio Feliciano de Sousa Henriques é nomeado Pároco de Vieira de
Leiria e de Carvide, deixando as paróquias de Caxarias e do Olival. Mantém
as funções de Coordenador do Serviço de Apoio Pastoral à Mobilidade e de
Presidente de Amigrante.
O P. Bertolino Vieira é nomeado Pároco de Caxarias e de Olival, deixando
a paróquia de Vieira de Leiria.
O P. Isidro da Piedade Alberto é nomeado Pároco de Regueira de Pontes,
deixando as Paróquias de São João e de São Pedro, em Porto de Mós, e de
Alcaria.
O P. Vítor José Mira de Jesus é nomeado Pároco de Urqueira. Deixa a
Paróquia de Regueira de Pontes e mantém as funções de Coordenador do
Serviço de Animação Missionária.
O P. Segunda Julieta Miguel, da Diocese do Sumbe, em Angola, é nomeado Vigário Paroquial da Urqueira.
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Documentos
. decretos .
. decretos .
O P. Manuel Vítor de Pina Pedro é nomeado capelão do Mosteiro da Visitação, na Batalha. Mantém as funções de Capelão dos Estabelecimentos
Prisionais de Leiria.
O P. Henrique Fernandes da Fonseca é dispensado da paroquialidade de
Ortigosa, a seu pedido, por motivos de saúde. Mantém as funções de Coordenador do Serviço de Apoio ao Clero.
O P. Virgílio da Silva é dispensado da paroquialidade de Urqueira, a seu
pedido, por motivos de saúde. Assume a colaboração pastoral nas paróquias
de Bajouca e Carnide para as quais é nomeado Vigário Paroquial.
O P. João Rodrigues é nomeado auxiliar da Câmara Eclesiástica.
Além destas nomeações, o Senhor Bispo homologou a nomeação da Irmã
Drª Ângela de Fátima Coelho, da Congregação da Aliança de Santa Maria,
como Adjunta, com direito a sucessão, do Vice-Postulador da Causa de Canonização de Francisco e Jacinta Marto.
Vítor Coutinho, Chefe de Gabinete Episcopal
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. documentos pastorais .
Nota Pastoral
Em 28 de Junho de 2008, o Santo Padre Bento XVI inaugurou solenemente um especial ano jubilar dedicado a São Paulo, o Apóstolo das gentes,
para comemorar os dois mil anos do seu nascimento.
Com esta iniciativa, o Santo Padre quis pôr toda a Igreja “um ano a caminhar com São Paulo” a fim de conhecer a figura deste grande Apóstolo, de
redescobrir a sua rica mensagem para nós hoje, de se enamorar cada vez mais
de Jesus Cristo, de reavivar a fé e o ardor missionário.
Assim, o “Ano Paulino é um ano de peregrinação não só no sentido de um
caminho exterior em direcção aos lugares paulinos, mas também e sobretudo
uma peregrinação do coração, com São Paulo, até Jesus Cristo” (Bento XVI).
Neste sentido, a Igreja em Portugal marcou um grande encontro com São
Paulo, numa especial peregrinação a Fátima, no dia 25 de Janeiro, festa litúrgica da conversão de Paulo a Cristo, no caminho para Damasco. A peregrinação será presidida por D. Antonine Audo, bispo da Síria, onde se situa a
cidade de Damasco, com o seguinte programa:
Sábado, 24 de Janeiro
21h00 – Rosário, na Capelinha das Aparições, e Procissão de velas
22h30 – Vigília Paulina, orientada por jovens, na Igreja da SSma.Trindade
Domingo, 25 de Janeiro – Festa da Conversão de São Paulo
10h00 – Rosário, na Capelinha das Aparições
11h00 – Missa, no Recinto do Santuário, presidida pelo Senhor D. Antonie Audo, Bispo da Síria
14h00 – Festa Paulina, na igreja da Santíssima Trindade: Evocação de
São Paulo (audiovisual); actuação da Schola Cantorum Pastorinhos de Fátima e do Coro da Sé do Porto; Declamação de textos de São Paulo.
Convido, pois, todos os diocesanos, paróquias, movimentos, associações a
participarem, na medida do possível, nesta grande manifestação de fé. E peço
aos Reverendos Párocos que mobilizem as suas comunidades neste sentido.
Lembro ainda que o ofertório das Missas, nesse dia, se destina aos pobres
através da Cáritas Diocesana. É um gesto-sinal de actualização da grande colecta que São Paulo realizou a favor dos pobres da comunidade de Jerusalém.
Leiria, 5 de Janeiro de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Documentos
Peregrinação a Fátima, com São Paulo
. documentos pastorais .
Mensagem para a Quaresma de 2009
Para uma nova Primavera espiritual
1. Peregrinação interior às fontes da fé
Estamos prestes a entrar na “Grande e Santa Quaresma”, segundo a bela
expressão dos nossos irmãos cristãos ortodoxos. Durante quarenta dias, todos
os cristãos são convidados a fazerem uma revisão de vida e a reavivarem o
dom da fé, recebido no baptismo, para celebrarem a Páscoa da Ressurreição
com um coração novo. Quem não sente a necessidade dum tempo forte de
mais recolhimento para pôr a vida em ordem?
Neste ano jubilar dedicado a S. Paulo, a Quaresma é, de modo especial, o
tempo privilegiado para ir beber à fonte, ao coração do mistério da fé com a
ajuda do Apóstolo. Queremos pois que a nossa Quaresma seja uma etapa da
peregrinação do coração, com S. Paulo, até Jesus Cristo: uma peregrinação
interior às raízes da fé, ao encontro pessoal com Cristo vivo.
2. Retiro espiritual com S. Paulo
Neste sentido proponho à diocese um “retiro popular”, acessível a todo o
povo de Deus, com o tema “Permanecer no coração da fé com S. Paulo”, em
ordem a um aprofundamento da fé e a uma revitalização da vida espiritual.
Como no ano passado, convido os cristãos a reunirem-se em pequenos
grupos informais, uma vez por semana, durante uma hora, a fim de meditarem alguns belos textos de S. Paulo, segundo o método da leitura orante da
Palavra de Deus (a lectio divina) e partilharem a fé. Para este efeito já foi distribuído pelas paróquias um guião como subsídio para o retiro. Peço aos párocos o melhor empenho na organização deste grande retiro do Povo de Deus.
Na escuta e meditação da Palavra, cada um aprenderá a ler o seu coração
e a sua vida com o olhar benévolo, misericordioso, amigo e cordial de Deus
e a abrir-se à Sua graça e à Sua novidade. E, certamente, descobrirá surpresas
de Deus!
“O coração humano – o teu, o meu, o de todos – é mais rico de quanto
possa parecer; é mais sensível de quanto se possa imaginar; é gerador de
energias inesperadas; é uma mina de potencialidades muitas vezes pouco conhecidas ou até sufocadas pela frustrante convicção de que “ como assim, é
impossível mudar alguma coisa” ou então “eu já não consigo”. Experimenta
interrogar-te sobre as verdades que estão no mais profundo de ti. É um direito
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teu interrogares-te para te conheceres nas tuas luzes e sombras, para saberes
donde vens, para onde estás a caminhar, que sentido tem a tua vida.
E no silêncio de algum momento sente-te querido por Deus e procura
conhecer Jesus. Quando O conheceres, senti-lo-ás próximo, amigo, vivo. E
quando fizeres a experiência de suscitar um sorriso ou acender uma esperança
na vida dos outros, dar-te-ás conta de que também na tua vida haverá mais
luz, mais sentido, mais alegria” (Cardeal Martini).
Tenho a certeza de que o retiro popular, vivido nesta perspectiva, despertará uma nova primavera espiritual, uma primavera da fé nas nossas comunidades cristãs.
3. O perfume do jejum e da partilha
Esta perspectiva ajuda-nos ainda a descobrir o sentido da antiga e sempre
actual praxis do jejum e da partilha quaresmais.
“Quando jejuares, perfuma a tua cabeça”, diz o Evangelho. Que perfume
querem os cristãos espalhar nesta Quaresma de 2009? Na Mensagem para
a Quaresma, o Santo Padre Bento XVI convida a “valorizar o significado
autêntico e perene desta antiga prática penitencial do jejum que pode ajudarnos a mortificar o nosso egoísmo e a abrir o nosso coração ao amor de Deus
e do próximo”.
Neste sentido, o jejum – nas várias formas expressivas da sobriedade de
vida e de consumo – torna-se oração e comunhão. Reaviva o amor. Abre no
coração a fonte da partilha. Não faz barulho, mas dá frutos de justiça e de
caridade.
Neste ano marcado pela crise sócio-económica, cujas primeiras vítimas
são os mais pobres, o fruto da habitual renúncia quaresmal na nossa diocese
será destinado a duas instituições: ao Centro de Acolhimento da Paróquia da
Sé de Leiria que serve alimentação e outros apoios às pessoas sem abrigo que
passam pela cidade ou nela vivem, e à Comunidade Vida e Paz ao serviço dos
sem abrigo e da recuperação dos toxicodependentes.
A todos os diocesanos desejo uma “grande e santa Quaresma”!
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Documentos
. documentos pastorais .
. documentos pastorais .
Carta aos sacerdotes
“Ano Sacerdotal”
Caros irmãos Padres:
Após um frutuoso ano dedicado a S. Paulo, o Santo Padre propõe a toda
a Igreja um “Ano Sacerdotal”, com o sugestivo lema “Fidelidade de Cristo,
fidelidade do padre”. E coloca-o sob a égide e inspiração do Santo Cura d’
Ars, por ocasião do 150º aniversário da sua morte.
Ao completar três anos da minha tomada de posse como bispo da diocese,
resolvi escrever uma carta aos meus irmãos padres sobre o Ano Sacerdotal,
que mais directamente nos diz respeito, acrescentando algumas informações.
Peço, pois, a vossa benevolência para a lerdes.
A acção do Cura d’ Ars desenvolveu-se numa situação caracterizada pela
indiferença, pela hostilidade e pelo cinismo em relação ao cristianismo e à
Igreja, num mundo pós-revolução francesa. O estado de crise da Igreja no seu
tempo assemelha-se, em vários pontos, à situação que a Igreja enfrenta hoje.
A referência ao Santo Patrono não pode ser vista como uma “cópia” conforme ao modelo. Deve ser, antes, compreendida como uma dinâmica espiritual e pastoral de que ele continua a ser inspirador. De facto, o povo
apreciava nele o sacerdócio acorrendo em multidão, enquanto o via como
testemunha da ternura salvífica de Cristo e da santidade na entrega total e
quotidiana ao seu ministério de pastor.
Por que razões o Papa Bento XVI decidiu então proclamar um Ano Sacerdotal?
1. Em primeiro lugar, o Ano Sacerdotal pretende levar as comunidades
cristãs a tomar consciência do ministério dos padres como um dom de Deus
essencial para a vida e a missão da Igreja, portanto, das próprias comunidades. É que hoje vivemos numa cultura onde se mede tudo pelo funcional. E
entre o povo cristão também se infiltrou esta visão deformada e redutora
acerca do padre como funcionário duma instituição religiosa, um prestador
de serviços de que se tem necessidade algumas horas na vida. Assim perdese a dimensão sobrenatural do sacerdócio de Cristo e dos padres para o povo
de Deus e a humanidade.
Hoje como ontem, os padres são um dom inestimável e necessário para
a beleza e a saúde espirituais da Igreja e do mundo.
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Onde o bem estar é o limite do horizonte, eles anunciam o Invisível que
é Deus-Amor e a esperança que ele suscita e oferece.
Onde o que é rentável e mensurável domina e torna prisioneira a vida,
eles querem ser “profetas” do Evangelho do amor e da liberdade autênticos.
Onde as divisões ferem e destroem as relações, eles oferecem o dom do
perdão divino e abrem caminhos de reconciliação, de comunhão e de paz.
No meio das mudanças profundas da nossa sociedade, os padres querem
ser pastores bons e compassivos, incansáveis testemunhas da ternura e da misericórdia de Deus que salva o mundo. “Um bom pastor, um pastor segundo
o coração de Deus, é o maior tesouro que Deus pode dar a uma paróquia e um
dos mais preciosos dons da misericórdia divina” (Cura d’Ars).
2. Em segundo lugar, o Ano Sacerdotal pretende levar os próprios padres
a redescobrir a beleza do seu sacerdócio, a dar um “salto de qualidade” na sua
vida espiritual e pastoral, na sua entrega a Cristo e ao seu povo, para corresponderem o mais dignamente possível ao dom e à responsabilidade de que
são portadores. É o que chamamos a “segunda conversão”.
Homens tomados de entre os homens, os padres também conhecem as
suas próprias fragilidades e apoiam-se na graça de Deus (“Basta-te a minha
graça”- disse o Senhor a Paulo), na fraternidade do presbitério e no amor e
carinho das comunidades que servem.
A grandeza do ministério do padre não vem apenas do poder “agir em
nome de Cristo” para anunciar o Evangelho, para celebrar a Eucaristia, para
perdoar e para construir a comunhão. A força da sua missão vem também
do facto de que as suas palavras e os seus gestos, pelos quais Cristo age no
mundo, se enraízam na oferta que ele faz da sua própria vida a Cristo e aos
irmãos, em cada dia.
Tal como os pais fazem tantos sacrifícios para alimentar, vestir e educar
os filhos, assim também o sacerdote os realiza, como pai espiritual, para assegurar os dons da salvação ao povo que Deus lhe confiou. E isto só se faz
com muita fé e muito amor! O próprio celibato é a expressão dum amor que
dá a vida pelo seu povo.
A usura do tempo leva porém a esmorecer os entusiasmos do início: é
o pó do tempo a cobrir de insensibilidade mesmo as maiores realidades.
Torna-se então mais propenso a “calcular” o que se dá; a sentir o peso de um
cansaço subtil; a agir de modo quase mecânico, privando de alma mesmo os
gestos mais nobres e sagrados. Facilmente se pode resvalar para uma mediocridade de vida.
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Documentos
. documentos pastorais .
. documentos pastorais .
Não basta pois uma fidelidade puramente exterior, resignada, compensada por algum “sucedâneo” mais ou menos lícito ou agradável.
Por tudo isto, o Ano Sacerdotal é um apelo aos sacerdotes a um exame
de consciência e a dar um salto de qualidade na vivência do nosso sacerdócio. Em concreto: renovar o entusiasmo do primeiro “sim”; intensificar a
renovação da vida espiritual “num coração a coração com Cristo” (Bento
XVI), aproveitando as recolecções mensais e o retiro anual; ter uma “regra de
vida” que assegure tempo e espaço para Deus e para os fiéis bem como para
o repouso salutar; recuperar a fraternidade sacramental do presbitério frente
a uma forte tendência para o individualismo no exercício do ministério; valorizar os dons e carismas dos fiéis, a sua corresponsabilidade na edificação da
comunidade; cuidar, com desvelo, das vocações ao sacerdócio.
Que no vosso rosto brilhe a alegria de ser padre! Testemunhai com a vossa
alegria irradiante que vale a pena ser padre! Proponde, com coragem, o caminho cristão da alegria!
Na sequência desta reflexão ouso solicitar a vossa participação interessada nos seguintes eventos eclesiais, marcando-os desde já na vossa agenda.
O VI Simpósio do Clero de Portugal, de 1 a 4 de Setembro próximo, em
Fátima, com o belo e apropriado tema: ”Reaviva o dom que há em ti”. As
inscrições devem ser enviadas para o Vigário Geral, até 31 de Julho, com o
valor requerido para a inscrição.
A Festa da Dedicação da Catedral no dia 13 de Julho, com celebração da
eucaristia às 19 horas, que revestirá o tom de abertura do Ano Sacerdotal na
nossa diocese.
A “Festa da Fé. Rosto(s) da Igreja Diocesana”, de 21 a 23 de Maio de
2010, na cidade de Leiria, com vários eventos, a culminar o próximo ano
pastoral dedicado à comunidade cristã. Mais tarde dar-se-à informação mais
pormenorizada sobre esta festa de nível diocesano, que está em preparação.
Os turnos de formação permanente para o clero de 18 a 22 e de 25 a 29
de Janeiro, que terão lugar na Casa das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da
Imaculada Conceição, em Linda-a-Pastora, nos arredores de Lisboa.
A todos e a cada um dos sacerdotes renovo a expressão da minha estima
pessoal e toda a gratidão pelo trabalho dedicado e por toda a colaboração.
Confio-vos a todos, na oração, à protecção materna de Nossa Senhora, Rainha dos Apóstolos.
Um abraço fraterno do vosso irmão bispo,
Leiria, 25 de Junho de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Para uma nova primavera social:
Combater a pobreza
para construir a paz
No início do Ano Novo, a Palavra do Senhor, referida pela primeira leitura, vem ao nosso encontro como bênção ensinada por Deus a Moisés. É uma
bênção que chega até nós, desde a noite dos tempos, alegrando e confortando
o nosso coração, trazendo-nos esperança e consolação para os dias de hoje.
Podemos, assim, resumir os votos de início de ano com esta oração: Olha
propício para nós, Senhor; protege-nos e concede-nos a paz!
Esta paz tem um rosto, Jesus Cristo, Príncipe da paz, dado à luz e à nossa
contemplação por Maria, cuja maternidade divina hoje celebramos.
E é precisamente neste primeiro dia do ano que estamos reunidos a rezar
pela paz, a pedir que os homens se unam em projectos comuns de paz.
1. Os múltiplos rostos da pobreza, hoje
Para esta ocasião, o Santo Padre oferece-nos uma mensagem “combater
a pobreza para construir a paz”, de que desejaria sublinhar alguns aspectos.
O Papa começa por nos advertir de que, se não há paz, é porque deixamos
de nos preocupar, conscientemente, por aquela parte tão grande da humanidade (1/3) que é constituída pelos miseráveis, os indigentes, os mais pobres. E
sublinha como as condições de extrema pobreza em que vivem hoje inumeráveis populações são uma séria ameaça à paz. “Trata-se de um problema que
se impõe à consciência da humanidade” e a cada um de nós. Não podemos
escamoteá-lo.
Não podemos esquecer que a paz está sempre unida à garantia de necessidades e condições mínimas de vida, isto é, a direitos sociais mínimos como o
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Homilia no Dia Mundial da Paz
. escritos episcopais .
direito à educação, à saúde, ao trabalho, a uma casa digna, etc. O que mostra
bem como é possível falar de uma paz positiva, muito para além da simples
ausência de conflitos.
O tema escolhido para este dia mundial da Paz inscreve-se na actualidade da crise económico-financeira e das suas consequências, de que os mais
pobres são as primeiras vítimas. O Papa analisa o fenómeno da pobreza no
contexto da globalização e traça os múltiplos rostos de pobreza - um retrato
dos lugares da pobreza.
A questão da pobreza é, na verdade, um problema material de economia e
fluxos financeiros. Mas é também e sobretudo um problema cultural, moral e
espiritual porque está em causa a dignidade de cada pessoa humana. Por isso,
Bento XVI convida-nos a uma ampla e articulada visão da pobreza: material,
relacional, moral e espiritual.
A pobreza manifesta os seus diversos rostos, concretamente, nas vítimas
de doenças e pandemias, às quais faltam os cuidados básicos de saúde; na
pobreza absoluta de 900 milhões de crianças no mundo, as vítimas mais vulneráveis; na corrida aos armamentos (que cresceu 6% em relação a 2006)
desviando recursos económicos e humanos dos projectos de desenvolvimento dos países mais pobres; na amplidão da crise alimentar tanto mais escandalosa quanto não é provocada por uma insuficiência de recursos mas por
uma especulação económica, pondo em cheque a satisfação das necessidades
básicas; no aumento do fosso entre os ricos e os pobres.
Estes aspectos da pobreza são outros tantos desafios na promoção e construção da paz.
Original é, sem dúvida, o convite a considerar a pobreza do ponto de
vista das crianças. Na pobreza das crianças reflectem-se os vários rostos da
pobreza e vêem-se, automaticamente, as prioridades. “Considerar a pobreza,
pondo-se da parte das crianças, leva a considerar prioritários aqueles objectivos que lhes dizem mais directamente respeito, por exemplo, os cuidados
maternos, a educação, o acesso aos cuidados médicos e à água potável, a
salvaguarda do ambiente, e sobretudo o empenho na defesa da família e da
estabilidade das relações dentro dela” (n. 5)
Nesta linha, um Nobel da Paz, o bispo D. Tutu, adverte-nos: “Em cada
3,6 segundos, alguém morre de fome; e em três sobre quatro casos trata-se
de crianças abaixo dos cinco anos. Se compreendêssemos que somos uma só
família, não consentiríamos que uma coisa do género sucedesse a um nosso
irmão ou irmã”.
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O escândalo da pobreza manifesta a insuficiência dos actuais sistemas da
convivência humana na promoção do bem comum. Isto torna necessária uma
reflexão sobre as raízes profundas da pobreza material e também sobre a miséria espiritual que torna o homem indiferente aos sofrimentos do próximo.
Vivemos, sem dúvida, um momento de crise global, a nível planetário, um
momento propício para nos perguntarmos que tipo de sociedade e de mundo
queremos construir. As crises são uma chamada de atenção ou um alarme
para mudar o mundo e edificá-lo sobre outras bases.
Numa visão realista, o Papa oferece algumas dessas bases. No quadro da
globalização, para combater a pobreza é necessária uma solidariedade global. Numa frase de grande efeito e alcance afirma: “a globalização, por si
só, é incapaz de construir a paz. Só a loucura pode levar a construir uma
casa dourada (dos ricos), mas rodeada pelo deserto ou pela degradação (os
pobres)”(n.14). É um grito de alarme e um chamamento à esperança activa
para que possa nascer uma nova primavera social, uma nova, mais profunda
e universal solidariedade. Sem a solidariedade global todos acabaremos por
nos afundar.
Descendo ao concreto, especifica alguns aspectos desta solidariedade:
1) Uma nova sensibilidade e um novo olhar como atitude de fundo.
Neste sentido, o Papa interpela a responsabilidade e a consciência de cada
um. Um mundo diverso só pode ser possível “se cada um se sentir pessoalmente ferido pelas injustiças existentes no mundo e pelas violações dos direitos humanos a elas ligadas” (n.8). “Sentir-se pessoalmente ferido” – é uma
belíssima expressão porque traz também para o interior do horizonte de cada
um, problemas que parecem ingovernáveis e procura tirar-nos da indiferença.
Não pensemos que a luta contra a pobreza e a fome se joga só nos tabuleiros do xadrez internacional. Joga-se também no plano das consciências individuais. Só homens “feridos” por este escândalo e apaixonados pelo destino
dos outros podem construir uma civilização diversa.
2) Mobilização de todos os actores em campo numa sinergia de acção.
Numa perspectiva económico-cultural, Bento XVI lembra que o combate
sistemático à pobreza requer a mobilização de três actores: o mercado, o estado e a sociedade civil: “Pôr os pobres em primeiro lugar comporta que se
reserve um espaço adequado a uma correcta lógica económica da parte dos
actores do mercado internacional, a uma correcta lógica política por parte dos
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2. Repensar o mundo a partir da solidariedade:
para uma nova primavera social
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actores institucionais e a uma correcta lógica participativa capaz de valorizar
a sociedade civil, local e internacional” (n.12)
Trata-se de uma passagem relevante, porque vem revalorizar o papel da
sociedade civil, com a sua capacidade de iniciativa gratuita e criadora de
solidariedades que com a sua proximidade chega onde e como o Estado não
é capaz.
A luta contra a pobreza, num contexto de globalização, requer um verdadeiro envolvimento das pessoas. Os problemas do desenvolvimento, das
ajudas e da cooperação internacional são muitas vezes resolvidos como meras questões técnicas de predisposição de estruturas, de acordos tarifários, de
disposição de financiamentos anónimos. Ora a luta contra a pobreza tem necessidade de homens e mulheres que vivam profundamente a fraternidade e
sejam capazes de acompanhar pessoas, famílias e comunidades em percursos
de desenvolvimento humano.
3) Promover a cultura da legalidade
Aquilo que a globalização tornou evidente, através da actual crise financeira, é que um mercado sem regras é um mercado sem alma que tornou mais
miserável a condição dos pobres no mundo. Um mercado governado só pela
avidez do lucro imediato, a qualquer preço, por parte dos mais fortes, está
inevitavelmente destinado a corromper as nossas almas. É preciso ter em
conta as razões da solidariedade dentro do processo económico. Para isso, o
Papa aponta, mais uma vez, a necessidade de um “código ético fundamental”
a fim de conter a degeneração de comportamentos devida aos mecanismos do
mercado, tais como a corrupção, a especulação, a criminalidade.
Mas, para além disso, é preciso também cultivar as virtudes: a moderação
no alcance de enriquecimentos pessoais; a recusa de especulações exploradoras; a tutela da ocupação, hoje tão precária, bem como a dos aforradores.
Sem ética e sem virtudes serão a mentira e a barbárie a triunfar sobre tudo e
sobre todos.
3. O que posso fazer? O que podemos fazer?
Perante os vários rostos da pobreza, agravada pela crise mundial, a inquietação está aí. Lê-se nos rostos; diz-se nas conversas. Cada dia somos testemunhas de novas dificuldade económicas e sociais. Tomemos tempo para
reflectir sobre aquilo a que esta crise nos convida.
Que posso fazer? Que podemos fazer? – São interrogações que nos inquietam como indivíduos e como comunidades. Nem um líder carismático,
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nem uma campanha política têm a solução mágica. Todos estamos em causa
como parte da solução do problema.
Há um estilo de vida, construído sobre o consumismo, que todos somos
convidados a mudar para voltar a uma saudável sobriedade, sinal de justiça
antes ainda de ser sinal de virtude.
Há uma nova primavera social a fazer florescer nas nossas cidades e aldeias, feita de solidariedade para sair do anonimato e do isolamento, para que
ninguém se sinta abandonado; feita de apoio mútuo, de cooperação em rede
porque só juntos é possível enfrentar e superar as dificuldades que experimentamos e se perspectivam.
Peço a todas as comunidades cristãs e à Caritas diocesana que reflictam
sobre as várias formas de pobreza, realizem um sério discernimento das necessidades, elaborem projectos criativos de ajuda, mobilizem as comunidades e decidam o melhor modo de actuar.
Alargando o nosso olhar à situação do país, parece-nos encontrar os traços de um país cansado, abatido e dividido. Uma das razões deste cansaço é
o alto nível de crispação e de litigiosidade da política, expressão de divisões
profundas, enraizadas tantas vezes em lógicas de interesses partidários e incapazes de levantar o olhar para o horizonte mais amplo e profundo do bem
comum. Seria de perguntar: os 18% de pessoas que vivem no limiar da pobreza e o desnível entre ricos e pobres, tão acentuado em Portugal, não valeriam
a convergência num pacto social para erradicar ou diminuir a pobreza e as
suas consequências?
Não queria terminar sem expressar o meu reconhecimento à Comissão
Nacional Justiça e Paz, à Caritas nacional e diocesana, às IPSS, às Conferências vicentinas e a tantos voluntários, pelo testemunho cristão e cívico no seu
esforço denodado de combate às tantas formas de pobreza.
Confiemos a Maria, Mãe de Jesus e Mãe nossa, a causa da paz no mundo,
principalmente na terra de Jesus, ensanguentada pela guerra. Que Ela nos
acompanhe e ilumine na descoberta de novos caminhos de paz social.
Catedral de Leiria, 1 de Janeiro de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Homilia nas exéquias do Cónego Dr. Carlos da Silva
“Cantarei ao Senhor enquanto viver”
Estamos aqui como Igreja de Jesus, recolhida à volta do altar do Senhor,
para celebrar as exéquias do nosso irmão sacerdote Cónego Dr. Carlos da
Silva, ou seja, para oferecê-lo a Deus dentro da grande oferta que Jesus fez
de si e de nós com Ele ao Pai.
É uma oferta que acontece na dor, pela perda da companhia de um irmão
conhecido, estimado e amado. Desde já, em nome da diocese e em meu nome
pessoal, exprimo aos seus familiares e aos membros da Casa Sacerdotal a
nossa profunda comunhão de sentimentos, bem como a gratidão pelo apoio
com que o acompanharam nos últimos anos da sua doença.
Mas esta oferta acontece também na fé, na esperança e na caridade cujos
laços nos unem para alem da morte; e, sobretudo, em acção de graças pelos
oitenta anos de vida, pelos cinquenta e sete de ministério sacerdotal do Dr.
Carlos Silva e pelos dons com que, através do seu ministério, enriqueceu a
nossa Igreja diocesana e a Igreja em Portugal, particularmente no seu serviço
à música e ao canto litúrgicos.
Orar cantando
Significativamente, neste ano jubilar dedicado a S. Paulo, o Apóstolo recomenda às comunidades cristãs: “Vivei em acção de graças; e com salmos,
hinos e cânticos cantai a Deus”. E especifica como cantar: “de todo o coração” animados por uma profunda gratidão.
“Cantarei ao Senhor enquanto viver; grato lhe seja o meu canto” era o
cântico de que o Dr. Carlos mais gostava entre os que compôs, segundo confissão sua, que lhe fazia comover as entranhas. Bem podemos dizer que este
cântico é também a síntese da sua vocação e do seu ministério. Nele se expri24 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
me a sua dupla vocação: à música e ao sacerdócio. Assim pôde servir sacerdotalmente a música e musicalmente o sacerdócio, transmitindo aos outros a
alegria e o amor de Deus através da beleza da música e do canto.
“Escrevo música para rezar”, disse um dia, a propósito do livro “Orar
cantando”, que recolhe uma parte substancial das suas obras musicais. A música faz-se oração, ofício divino, em que se pode vislumbrar e experimentar
algo da beleza e da magnificência de Deus. Sim, a música e o canto trazem
ao mundo dos homens a alegria e a beleza de Deus capazes de arrebatar o
coração humano.
Vem-nos à mente uma palavra de Santo Agostinho: “Cantare amantis est”
– a fonte do canto é o amor; o canto é expressão do amor! É este amor que
explica a intensidade espiritual das composições do Dr. Carlos, a sua paixão
pela liturgia e pela música litúrgica.
Ao seu serviço pôs, de facto, toda a sua paixão: o seu talento, a sua sensibilidade, as suas forças, a sua disciplina, o seu entusiasmo, a sua fantasia e
criatividade, o seu zelo de educador musical de assembleias e de gerações de
sacerdotes e leigos.
Com ele aprendemos que a educação para o canto, para o cantar em coro,
todos juntos, não é só um exercício do ouvido exterior e da voz; é também
uma educação para a fé, o amor, a oração, a beleza, a harmonia e a paz.
Queremos nós ser fiéis a este seu legado tão precioso e actual?
Ave, o Theotokos! Ave, o Mater Dei! A devoção mariana
Neste momento, na sequência do evangelho proclamado, não podia deixar de referir também a espiritualidade mariana, a comovida devoção a Nossa
Senhora que transparece nas suas composições.
Ele próprio afirmou que não compunha cânticos marianos sem se imaginar mergulhado no meio da multidão dos peregrinos em Fátima. Foi talvez
essa intuição de sentir-se unido ao coração do povo que lhe permitiu captar e
cantar a beleza e a ternura de Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, bem como
a riqueza e a beleza da Sua Mensagem em Fátima, tão belamente sintetizada,
em poesia e em música, no hino Ave, o Theotokos, da sua autoria. Mesmo no
seu testamento invoca a protecção maternal de Maria.
Não será este aspecto um apelo a nós a uma verdadeira devoção a Nossa
Senhora, a acolhê-la na nossa casa como o discípulo João, isto é, no nosso
coração e na nossa diocese, e a uma renovada compreensão da Mensagem de
Fátima e da sua graça também para a nossa diocese de Leiria-Fátima?
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Misericórdia, perdão e esperança
Por fim, desejaria ressaltar os temas da misericórdia, do perdão e da esperança, característicos da espiritualidade cristã, presentes nos salmos que ele
musicou e assumiu interiormente, como se pode ver no seu testamento.
Sabemos que ele era uma pessoa de consciência escrupulosa e, talvez por
isso, com as cordas do coração muito sensíveis a este registo.
Seja-me permitido dar-vos a conhecer duas breves passagens do seu testamento:
“Mandar celebrar cinquenta missas por intenção de todos os sacerdotes
e de todas as pessoas que, porventura, ao longo da minha vida tenha defraudado moral ou religiosamente, quer por qualquer palavra ou atitude menos
sacerdotal, quer por falta de zelo e doação. Particularmente aos meus irmãos
no sacerdócio peço desculpa e perdão das minhas faltas havidas para com
eles ao longo de tantos anos quer como professor, quer como membro da Comissão Diocesana de Liturgia. Que o Senhor a todos supra com a Sua graça
naquilo a que tinham direito de mim e que, ou por limitação natural ou por
minha culpa, não receberam”.
E termina o testamento como quem se despede:
“Confiado na misericórdia infinita de Deus sempre pronto a perdoar e
na protecção maternal de Maria, vou assinar, na esperança de todos nos encontrarmos mais tarde na presença do Deus eterno, como assegura a fé que
professamos”.
Peçamos ao Senhor que lhe conceda entrar no concerto celeste para, com
Maria, Nossa Senhora do Magnificat, poder contemplar, experimentar e cantar definitivamente a alegria, a beleza, a bem-aventurança de Deus, Pai, Filho
e Espírito Santo!
Sé de Leiria, 18 de Fevereiro de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Convite do Senhor Bispo
Há momentos grandes na vida de todas as pessoas. Há festas importantes
em cada família ou comunidade. São “marcos” – que deixam marcas – na
história da vida pessoal, familiar e comunitária que merecem e requerem ser
evocados, celebrados, rezados e meditados à luz da fé, em Igreja.
Na linguagem comum, usamos o termo “Jubileu” (dia de júbilo, de alegria) para comemorar os 25 ou 50 anos de um acontecimento significativo.
Neste ano jubilar paulino, em que procuramos “ir ao coração da fé” para
permanecermos firmes e sólidos nela, como exorta o apóstolo Paulo (cf Cl
1,23), enquanto Igreja Diocesana de Leiria-Fátima queremos continuar a iniciativa de celebrar, de um modo especial, o “Jubileu das Vocações” ao matrimónio, ao ministério sacerdotal e à especial consagração na vida religiosa
ou na vida secular.
Será um momento alto para reviver e reavivar o encanto e a frescura do
primeiro “sim”, para celebrar o caminho percorrido e correspondido ao longo
da vida, para agradecer a Deus os frutos que, através destas vocações, suscitou ao serviço da vida e do amor, e para renovar os compromissos vocacionais.
Assim manifestar-se-á também a beleza das várias vocações que adornam
a Igreja de Jesus e fazem dela um jardim florido com o esplendor dos mais
variados dons e vocações.
Convido, pois, todos e todas que neste ano perfazem 25, 50 ou 60 anos,
de matrimónio, de sacerdócio e de vida consagrada a estarem no Santuário de
Fátima no dia 2 de Maio próximo, para celebrarmos todos juntos o “Jubileu
das vocações”.
Programa:
14h30 Acolhimento (Albergue do Peregrino)
15h00 Encontro de apresentação e testemunho
16h30 Eucaristia na Basílica, presidida por D. António Marto
18h00 Convívio no Albergue do Peregrino
Desde já, o meu agradecimento.
Leiria, 27 de Fevereiro de 2009
† António Marto
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Jubileu das vocações
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Homilia na Consagração do Mundo a Nossa Senhora
Consagrar o Mundo
a Cristo Redentor
por Maria e com Maria
Diante da tua imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, ó Virgem
Mãe, prostro-me espiritualmente, juntamente com todos estes teus filhos e
filhas, meus irmãos e minhas irmãs na graça da fé, cujos corações e olhares
estão voltados neste momento para ti.
Em seu nome e em nome pessoal quero saudar-te: saúdo-te com as palavras do Anjo na mensagem da parte de Deus: Alegra-te, ó cheia de graça, o
Senhor está contigo! Saúdo-te com as palavras da tua prima Isabel: Bendita
és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Salve, Santa Maria,
humilde serva do Senhor e mãe gloriosa de Cristo!
Nesta minha saudação afectuosa à Virgem Mãe quero envolver todos vós,
irmãos e irmãs aqui presentes, a quem desejaria abraçar espiritualmente num
só e grande abraço. Abraço fraternalmente o nosso querido senhor D. Serafim, o senhor Reitor do Santuário e os demais Sacerdotes concelebrantes; e
abraço ainda muito afectuosamente os doentes e todos os que sofrem a quem
nos sentimos profundamente unidos nesta hora.
Festa do primeiro anúncio do Mistério da Encarnação
Caros irmãos e irmãs: celebramos hoje a festa da Anunciação do Senhor.
É a festa de Deus no seu amor trinitário, festa de Maria, festa da Igreja, festa
do mundo. É a festa do primeiro anúncio do mistério da encarnação de Deus
connosco na nossa carne humana: anúncio surpreendente, desconcertante,
inesperado que nos deve deixar atónitos, cheios de assombro, de maravilhamento e perturbação entranhada e comovida tal como deixou Maria.
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O conteúdo deste primeiro anúncio é o mistério da encarnação de Deus,
o mistério da misericórdia de Deus que toma carne humana, rosto humano,
coração humano em Jesus Cristo, o filho de Deus feito homem como nós,
Deus connosco, Deus para nós, Deus por nós. É algo inaudito!
E o primeiro destinatário que recebeu este anúncio, em primeira-mão,
com toda a novidade, com todo o carácter de surpresa foi Maria; e, através
dela, este primeiro e grande anúncio é para todo o mundo, para todas as gerações, para todos os tempos. O que foi dito a Maria e o que lhe foi dado como
dom nesse primeiro anúncio, aquilo que é dito dela na atitude e na resposta
com que o acolhe, tudo isso é dito e dado para nós hoje. Quer dizer que a
beleza, a grandeza e a riqueza deste anúncio ultrapassa os dados biográficos
de Maria: ela é toda relativa a este grande anúncio para ser espelho e mediação do anúncio do mistério da encarnação de Deus para nós. Por isso vamos
contemplar durante alguns momentos tudo o que é dito e dado a Maria e a
nós através dela.
Os dons de Deus a Maria e à humanidade
E agora vede bem: a primeira palavra e o primeiro dom de Deus a Maria e
à humanidade é: Alegra-te Maria! – o dom da alegria, a alegria nova que vem
de Deus e que rompe o silêncio do luto da solidão do mundo, envelhecido e
fechado em si mesmo. De facto, quem crê nunca está só, nem na vida nem na
morte. A presença de Deus é alegria! Nunca esqueçais isto!
A segunda a palavra e o segundo dom: “Cheia de Graça”! É o nome próprio e novo que lhe é dado por Deus. Maria acolhe a onda do amor eterno
e infinito de Deus que se derrama sobre ela no seu coração e, através dela,
para o mundo e para todas as gerações. A graça é alegria; a alegria é efeito
da graça.
O terceiro dom a Maria é o dom do alento, da confiança, da coragem e
da esperança segura: “Não tenhas medo, Maria; a Deus nada é impossível”!
Aquele que se revela no seu rosto de amor misericordioso vence o medo do ser
humano, da sua fraqueza, da sua fragilidade, da sua miséria; pela fé, o homem
ganha confiança no Senhor e, por conseguinte, na vida e na bondade da vida.
O quarto dom é o da maternidade, da fecundidade não só biológica mas
da fecundidade espiritual para a vida do mundo: “conceberás e darás à luz
um filho e pôr-lhe às o nome de Jesus que quer dizer Salvador”! Este filho
é a vida e o futuro do mundo, da sua salvação, da sua redenção, confiado ao
coração materno de Maria.
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O quinto dom é o Espírito Santo: “O Espírito Santo virá sobre ti e cobrirte à com a sombra do Altíssimo”! É o primeiro Pentecostes de Maria: o Espírito Santo que a protege e a guarda na união mais íntima e mais profunda
que se possa imaginar do coração da mãe ao coração do filho, a união mais
entranhada de Maria com Jesus pelo amor do Espírito Santo.
Por fim, o sexto dom – embora a palavra saia da boca de Maria – é o Sim
da sua fé, da sua entrega, da sua disponibilidade, do seu serviço: “Eis-me
aqui! Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”, segundo
o teu projecto de salvação para toda a humanidade. Esta é a última palavra,
a palavra-chave para compreender toda a disponibilidade, todo o papel de
Maria, todo o seu serviço dentro da história da salvação.
Por isso, a festa de hoje é a festa chave da história da salvação de Deus
com a humanidade na qual Ele entra, em carne e osso como nós, através do
coração e do seio de Maria. Grande festa que deve encher os nossos corações!
Mesmo se tudo depende da iniciativa de Deus, depende também desse Sim
de Maria pelo qual se pôs toda ela numa disponibilidade inteira ao serviço de
Deus e ao serviço do mundo, ao serviço de Deus para a redenção do mundo.
Maria unida à oblação de Cristo na Cruz pela consagração do mundo
“Eis-me aqui”! Se bem ouvistes, a Carta aos Hebreus põe na boca de
Jesus esta mesma atitude com que Ele entrou no mundo através de Maria.
Como que num colóquio intimo com o Pai, Jesus diz: “ formaste-me um corpo humano e eu disse eis-me aqui! Eu venho, ó Pai, para fazer a tua vontade”.
O eis-me aqui de Maria une-se, numa comunhão total, ao eis-me aqui de
Cristo, à entrega de Cristo até ao fim e até ao fundo, até à cruz. Por isso, o
coração de Maria desde o primeiro anúncio fica íntima e totalmente unido ao
coração do filho no seu amor pelo mundo, por este mundo, por nós homens e
para nossa salvação, por nós aqui, hoje.
Sim, Ela esteve sempre presente ao lado do filho Jesus até à cruz e na cruz
compartilha até ao fim e até ao fundo o amor da paixão, o amor apaixonado
de Cristo pelo mundo. Aquele amor de entrega em virtude do qual nós somos
consagrados, santificados, consagrados pela oblação do corpo de Cristo feita
de uma vez para sempre, como diz a Carta aos Hebreus. Quer dizer, Nossa
Senhora, mãe de Jesus, junto à cruz partilha da consagração de Cristo, da entrega total de Cristo pelo mundo para nos consagrar a nós mesmos, para nos
santificar a nós mesmos.
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Sabeis também que não há nenhuma anunciação autêntica sem a visitação! Nossa Senhora depois de receber e contemplar numa atitude de assombro, de maravilhamento, todo este mistério, foi comunicá-lo, à pressa, à
sua prima Isabel: foi em visitação, não o guardou para si porque ele é para a
humanidade. Compreendeis então que Nossa Senhora tenha feito também a
visitação à humanidade aqui em Fátima para nos trazer à memoria viva este
grande mistério de amor de Deus connosco numa hora trágica da humanidade
que ameaçava afundar-se no precipício da guerra, da auto-destruição e do
aniquilamento da fé.
Por isso ela fez sentir aqui o seu grito de amor e de dor pela humanidade
ferida e atribulada e fê-lo sentir através de uma visão para que os nossos
olhos e, através deles, o nosso coração e a nossa mente pudessem contemplar e sentir toda a dor e todo o amor do coração materno e imaculado da
mãe: fez ver isso através do seu coração imaculado cravado de espinhos. Os
espinhos são símbolo da dor das feridas da humanidade e ao mesmo tempo
do amor para curar essas feridas. Então veio pedir aqui a consagração deste
mundo, ferido, dilacerado, dividido, ameaçado de aniquilamento, ao seu Coração Imaculado. O seu Coração Imaculado é o ícone, a imagem mais pura
da compaixão divina pelo mundo; e todos os que sofrem, ao contemplar este
coração, contemplam e sentem a compaixão divina, a compaixão de Deus
através da compaixão materna de Maria e do seu Coração Imaculado. Só a
compaixão cura a dor e a dor profunda.
O sentido da consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria
Eis porque o nosso querido Santo Padre João Paulo II, há 25 anos, quis
satisfazer este pedido, fazendo esta consagração do mundo, então dilacerado e ameaçado de auto-destruição, diante da imagem de Nossa Senhora do
Rosário de Fátima, na Praça do Vaticano, em união com a Igreja inteira para
suscitar uma união de toda a Igreja à volta do coração da mãe, para nos pôr
a todos em sintonia, pôr o nosso coração em sintonia com o Sim do Coração
Imaculado de Maria, para nos pôr todos numa onda de comunhão de graça e
de bem – nós por vezes pensamos que só vivemos na solidariedade do mal
– para nos pôr todos a vibrar numa única e só esperança de que a graça do Senhor é mais forte do que o pecado do homem e o pecado do mundo, de que a
força do bem é mais forte do que a força do mal e para não deixar a Igreja e o
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Não há anunciação sem visitação
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mundo resignarem-se à banalidade do mal que hoje impera e à impotência, à
resignação diante da força do mal. Este é o sentido da consagração do mundo
ao Coração Imaculado de Maria: consagrar o mundo a Cristo Redentor por
Maria e com Maria.
Não é só lançar no coração da mãe todas as preocupações do mundo; mas
meter-nos a nós dentro desse coração, sentindo com esse coração as feridas do
mundo para nos implicarmos a nós mesmos e receber dela aquela palavra de
confiança, a última palavra que ela disse relativamente ao seu Coração Imaculado: “Por fim, o meu Coração Imaculado triunfará”, quer dizer, o Coração
Imaculado de Maria é o reflexo do coração compassivo e misericordioso de
Deus próximo de nós através do coração da mãe e, por isso, ao dizer “Por fim,
o meu Coração Imaculado triunfará”, quer dizer finalmente triunfará a graça e
a misericórdia do Senhor através do meu coração materno e da sua solicitude
para com os meus filhos e filhas que constituem toda a humanidade.
Eis a razão porque hoje queremos renovar esta consagração com as mesmas palavras do Papa João Paulo II, numa atitude de acção de graças porque
a partir dessa consagração de há 25 anos começaram a cair os muros da divisão e do ódio que separavam os povos e começaram a cair as resistências ao
anúncio da fé cristã e à perseguição feroz que tinha sido desencadeada contra
ela. Queremos agradecer também essas maravilhas da graça que o Senhor
concedeu à nossa humanidade através do coração materno de Maria.
Terminemos. Mas não podia deixar de vos confidenciar uma coisa: é com
todo o gosto, diria mesmo, com todo o gozo e com todo o amor que hoje,
por graça de Nossa Senhora, me é concedido poder repetir e renovar esta
consagração do mundo ao seu Coração Imaculado com as mesmas palavras
do nosso amado Papa João Paulo II, de santa memória.
Intercede por nós, Santa Mãe de Deus, para que nós abramos as portas
do nosso coração a Cristo como tu abriste as portas do teu Coração Imaculado; reza por nós pecadores para que sintamos a necessidade de Cristo como
redentor da nossa vida e do nosso mundo; intercede pela humanidade deste
terceiro milénio para que abra de par em par as portas do seu coração à plenitude da redenção divina. Ámen!
25 de Março de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
“Queremos ver Jesus!”
– A urgência de “ir ao coração da fé”
Senhor D. Serafim, meu caro irmão episcopado,
meus caros irmãos na graça do sacerdócio ministerial,
caros irmãos e irmãs na graça da fé e do baptismo em Cristo:
É com profunda alegria e com sentida emoção que daqui do alto contemplo a Igreja Diocesana de Leiria-Fátima, a minha querida Igreja, hoje aqui
reunida, em multidão de fiéis com todo o seu presbitério e o seu bispo, aos
pés da Mãe, Nossa Senhora de Fátima, sua padroeira.
Contemplo uma Igreja peregrina no caminho da beleza da fé; uma Igreja
que solta as suas velas ao vento do Espírito, pronta a acolher a novidade de
Deus numa juventude de coração e de espírito a exemplo de Maria; uma
Igreja hoje aqui recolhida em retiro espiritual para fazer a sua revisão de vida
diante do Senhor para, juntamente com Maria, ir ao coração da fé, a fim de
poderemos permanecer firmes e sólidos na fé.
Por isso, a minha primeira palavra de saudação vai para Maria, padroeira
da nossa Igreja Diocesana: Salve, Santa Maria, humilde serva do Senhor, mãe
gloriosa de Cristo e nossa querida padroeira! E com esta alegria abraço espiritualmente a todos vós aqui reunidos. Abraço e abençoo, de um modo particular, este significativo grupo de jovens, rapazes e raparigas, aqui à frente,
com muitos dos quais celebrei ontem uma vigília - a vigília da peregrinação
às fontes da alegria da fé.
Queridos jovens, amigos e amigas, fico muito satisfeito em ver os vossos
rostos a manifestar com a vossa presença que a Igreja de Jesus tem um rosto
jovem e que não se deixa envelhecer. Espero que leveis esta alegria da vossa
juventude para as vossas comunidades paroquiais.
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Peregrinação Diocesana
. escritos episcopais .
A urgência de “ir ao coração da fé”
Ir ao coração de fé e permanecer firmes e sólidos na fé, é o tema da nossa
peregrinação Diocesana e é uma urgência pastoral dos nossos tempos, tempos
difíceis para viver e testemunhar a fé cristã.
O maior problema do ponto de vista da fé é que temos a impressão de
assistir a uma espécie de “eclipse cultural” de Deus: em que Deus desaparece
do horizonte da vida dos homens e a luz que vem dele parece apagar-se no
coração e na mente dos homens, da cultura e da sociedade. Muitos cristãos
deixam-se contagiar por este ambiente e vivem como se Deus não existisse,
como se Deus não fosse alguém presente na vida de cada dia. Vivem de costas voltadas para Deus e em muitos parece que assistimos ao apagar-se da fé
como uma chama que já não se alimenta. Daí a urgência prioritária de ir ao
coração da fé.
Mas, meus caros amigos e amigas, quando tudo vai mal ou parece ir mal,
os profetas do Senhor não dizem “está tudo perdido”; antes encontram sempre razões novas para a esperança, tal como o profeta Jeremias que hoje acabámos de ouvir. Perante as infidelidades do povo, o profeta anuncia um novo
tempo de graça, um novo tempo de interiorização da fé, um novo tempo para
dar um salto de qualidade na fé: um convite a abrir o nosso coração a Deus,
não a um Deus qualquer – reduzido a uma ideia bonita para explicar o surgir
do universo - mas ao Deus que falou ao seu povo no Sinai, ao Deus que falou
pelo profeta Jeremias como Deus da Nova Aliança, ao Deus cujo rosto se
revela para nós no rosto de Cristo, no rosto santo de Jesus.
“Queremos ver Jesus”!
Por isso, também nós fazemos o mesmo pedido daqueles gregos que foram em peregrinação a Jerusalém, pela festa da Páscoa, e que ouvindo falar
de Jesus bateram à porta da comunidade dos discípulos. Foram ter junto de
Filipe e fazer-lhe o pedido: “Senhor, queremos ver Jesus”!
“Queremos ver Jesus”: não se trata de um ver alguém ou alguma personagem que passa, mas trata-se de encontrar, de conhecer de perto, ao vivo,
pessoalmente a Jesus, de entrar em relação profunda com ele, de entrar no
mistério da sua amizade, da sua intimidade, de buscar o seu rosto autêntico,
um conhecimento por experiência pessoal.
Meus caros amigos e amigas, há tantos que conhecem Jesus só em segunda mão, por ouvirem falar dele, pelo que os outros dizem dele, talvez através
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. escritos episcopais .
Contemplar o rosto de Cristo a partir da cruz
“Queremos ver Jesus” disseram os Gregos. Mandaram esse recado a Jesus
através de Filipe e André. Jesus, porém, não lhes dá uma resposta directa. Em
vez de os chamar “vinde cá”, remete-os para a sua hora. E diz: “vai chegar
a hora em que o Filho do Homem será glorificado; então, elevado da terra,
atrairei todos a mim”. Como quem diz: quereis ver Jesus, quereis conhecê-lo
realmente na profundidade do seu mistério? Então olhai para Ele elevado na
cruz, contemplai-O a partir da cruz! Esta é a sua hora!
Sim, vós sabeis, tão bem como eu, que na vida de uma pessoa por vezes
há horas decisivas, em que através de um gesto, de uma atitude ou de uma
acção, a pessoa diz tudo o que é, revela-se. Para Jesus, a sua hora decisiva
é, de facto, a hora da cruz: elevado na cruz, Jesus diz tudo o que é e é tudo
aquilo que diz. Ele mesmo interpretou: “não há maior prova de amor do que
dar (entregar) a vida pelos seus amigos”.
Mas, mais ainda, para nos ajudar a compreender toda a riqueza e profundidade que se encerra no mistério da sua morte e ressurreição, Jesus usa uma
imagem muito simples e ao mesmo tempo muito bela de quem conhece bem
a agricultura, as leis da natureza e da terra: a imagem do grão trigo que morre
para dar fruto abundante. É verdade, o grão de trigo precisa de morrer para
explodir toda a força e toda a energia que encerra, a fim de poder dar fruto
abundante, a fim de poder dar vida nova. Assim também todo o amor, todo o
mistério santo e eterno de amor presente na vida de Jesus desabrochou, manifestou toda a sua energia e fecundidade através da sua entrega até ao fim, até
ao fundo, até ao extremo, na cruz.
É ajoelhados junto à cruz do Senhor que O conhecemos verdadeiramente
e conhecemos o rosto santo de Deus. Deus é amor até ao fim e até ao extremo.
Foi isso também que São Paulo reconheceu com os olhos da fé e o viveu
como experiência de vida, ao dizer-nos: “vivo a vida presente na fé do Filho
de Deus que me amou e se entregou por mim”. É um acontecimento de amor
ainda hoje por nós, por cada um de nós.
Quereis ver Jesus? Contemplai-o estendido na cruz. Os braços estendidos
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dum livro. Mas assim não se conhece verdadeiramente Jesus. Só se conhece
alguém e só se conhece Jesus num encontro vivo e pessoal com Jesus Cristo,
vivo e ressuscitado. Por conseguinte, para ir ao coração da fé temos de passar deste conhecimento de Jesus em segunda mão para o conhecermos em
primeira-mão, por nós mesmos, por experiência pessoal.
. escritos episcopais .
de Cristo na cruz são aquele gesto de abraço com que Ele nos atrai e em que
Ele nos quer envolver nos braços do seu amor para que tenhamos vida, vida
abundante.
Ser cristão marca a diferença
Queremos conhecer Jesus? Sim, conhecemo-lo, de uma maneira paradoxal, junto à cruz.
A partir daí verificamos que Jesus faz a diferença: não é um Deus qualquer é o Deus do amor eterno e santo, Deus solidário das nossas dores e das
nossas esperanças. Jesus faz a diferença e faz-nos diferentes. E hoje, para ser
cristãos é preciso ter a coragem da diferença; ser cristão marca a diferença e
vós sabei-lo muito bem como eu.
E agora voltamo-nos novamente para Maria, pedindo-lhe: Maria, mãe de
Jesus, mostra-nos Jesus, bendito fruto do teu ventre. Ensina-nos a conhecê-lo,
a reconhecê-lo e a segui-lo na tua escola de fé e amor. Ajuda-nos a permanecer firmes e sólidos na fé!
Termino com uma oração intitulada, exactamente, “Queremos ver Jesus”,
dirigida a Nossa Senhora pelo nosso querido Papa Bento XVI:
Maria, mãe do sim, tu escutaste Jesus e conheces o timbre da sua voz e o
bater do seu coração; estrela da manhã, fala-nos dele e conta-nos o teu caminho para segui-lo no caminho da fé.
Maria que em Nazaré habitaste com Jesus, imprime na nossa vida os teus
sentimentos, a tua docilidade, o teu silêncio que escuta e faz florescer a palavra em opções de verdadeira liberdade.
Maria fala-nos de Jesus para que a frescura da nossa fé brilhe nos nossos
olhos e aqueça o coração de quem nos encontra, como tu fizeste visitando
Isabel, que na sua velhice se alegrou contigo pelo dom da vida.
Maria, Virgem das bodas de Caná, ajuda-nos a levar a alegria ao mundo e
leva cada um de nós a empenhar-se no serviço dos irmãos e a fazer só o que
Jesus nos disser.
Maria, Senhora da Fátima, porta do céu, ajuda-nos a levantar o olhar para
o alto. Queremos ver Jesus, falar com Ele, anunciar a todos o Seu amor.
Ámen!
Fátima, 29 de Março de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Mensagem à CERCILEI
Uma saudação de amizade, reconhecimento e apreço a quantos constituem
a “família” CERCILEI, por ocasião do 25º Sarau de actividades corporais.
A Cooperativa existe para cuidar das pessoas portadoras de deficiência.
Cuidando destas pessoas, em múltiplos aspectos e com variados serviços,
podemos tomar consciência de que também nós somos portadores de deficiências. Deste modo, e não apenas na dignidade e nos direitos de pessoa
humana, somos iguais a elas, participamos dos seus limites. Elas revelam-nos
os nossos próprios limites. E isto liga-nos ainda mais.
O serviço prestado aos outros, mesmo como ocupação profissional, é um
modo de viver o mandamento divino: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 19,19). O próximo é outro eu mesmo. Cuidar dele é fazer bem a
alguém com quem me identifico, que é semelhante a mim e, em certo sentido,
é parte de mim e eu dele. Gandhi, o grande pensador e político indiano, disse
estas palavras: “Tu e eu não somos senão uma coisa só. Não posso fazer-te
mal sem que também eu fique ferido”. Podemos reformular num sentido positivo a segunda frase: “Quando te faço bem sou também eu beneficiado com
a minha acção”. E mais, de algum modo, também tu me fazes bem.
“Amar é também deixar-se amar”, diz uma canção. É importante dar à pessoa a quem se serve a oportunidade de amar, de nos fazer bem, de nos manifestar a sua ternura e gratidão. A pessoa portadora de deficiência também é capaz
de amar o seu próximo. Ela é portadora de capacidades, qualidades e dons, que
deve poder oferecer e desenvolver, para seu bem, da sua família e da sociedade.
Praticado assim, o serviço aos outros torna-se gratificante, traz também
benefícios existenciais e espirituais a quem o desempenha. É a experiência
da reciprocidade no amor, que torna felizes as pessoas. Este é o clima mais
saudável para se desenvolver a educação, assistência e formação das pessoas,
quaisquer que elas sejam.
Oxalá se viva sempre melhor este serviço e enriquecimento mútuo em
toda a família CERCILEI.
Um abraço amigo.
Leiria, 31 de Março de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Serviço e benefício
. escritos episcopais .
Homilia na Missa Crismal
A Beleza do Sacerdócio
Nós Te damos graças, ó Pai, “porque nos enviaste a consolar todos
os que andam amargurados, a levar o óleo da alegria aos aflitos de
Sião”(Is 61,2). Nós Te damos graças porque somos chamados “sacerdotes do Senhor”, “ministros do nosso Deus”. Nós Te damos graças
porque nos ungiste com aquele óleo da alegria que derramaste em
abundância sobre Cristo, sumo e eterno sacerdote.
Caríssimos irmãos na graça do sacerdócio ministerial,
caros seminaristas e demais irmãos e irmãs em Cristo:
Esta missa crismal introduz-nos já na celebração da Páscoa do Senhor;
e é para todos nós um sinal, esperado em cada ano, da nossa comunhão ministerial e fraterna e da missão pastoral que partilhamos. Sinto-me particularmente feliz por estar aqui com todos vós para viver este intenso momento
sacramental em que queremos fazer memória do nosso sacerdócio, exprimir
visivelmente a graça da comunhão de todo o presbitério com o próprio bispo
e renovar a nossa alegre e total dedicação a Jesus Cristo no serviço da sua
Igreja. Saúdo-vos a todos com cordial e fraterno afecto.
Neste momento, quero recordar e congratular os presbíteros que este ano
celebram o jubileu dos 25 e 50 anos da sua ordenação. Recordo, em particular, os presbíteros doentes ou idosos que não podem estar aqui presentes.
Desejo ainda fazer memória daqueles que partiram para a casa do Pai ao
longo deste último ano. Penso também nos sacerdotes que, por diversas circunstâncias, já não exercem o seu ministério. Rezo por eles e convido-vos a
recordá-los na oração para que mantenham sempre vivo o compromisso da fé
cristã e da comunhão eclesial.
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. escritos episcopais .
Hoje, em Quinta feira Santa, o dia por excelência da Eucaristia e do Sacerdócio, quero convidar-vos a contemplar juntamente comigo a beleza do
nosso sacerdócio, na sua face humano-divina, que é um reflexo da beleza de
Deus em nós.
Neste tempo de certo desencanto e cansaço que caracteriza a nossa cultura e nos afecta a todos, temos necessidade de redescobrir esta beleza, de
reaprendê-la, de dizê-la, de novo e de maneira nova, uns aos outros e ao mundo. Ela é tão bela como no primeiro dia em que nos foi dada, porque Deus
não envelhece. É tão bela como no dia em que nos levantámos do gesto da
prostração, porque Deus não se arrepende dos seus dons.
Que beleza é esta? Donde nos vem? Como se exprime e espelha, em concreto, no nosso ministério e na nossa vida?
Trata-se, antes de mais, da beleza do sacerdócio de Cristo que transparece
na beleza do seu rosto de Filho de Deus feito homem. Como os olhos de toda
a sinagoga, também os nossos, agora, estão fixos em Jesus, para contemplar,
à luz da Palavra proclamada, a beleza do seu rosto sacerdotal e eucarístico:
- na beleza íntima da sua Palavra de Graça, que é o anúncio da Boa Nova
de libertação e salvação da parte de Deus aos homens, que restaura a dignidade da pessoa humana;
- no rosto do Pastor belo que conhece as ovelhas pelo nome e dá a vida
por elas para que tenham vida em abundância;
- no rosto desfigurado do Crucificado e no seu coração trespassado, revelação total do coração divino que ama com o seu amor de misericórdia e
a sua ternura fiel: a beleza do Amor que excede toda a inteligência e todo o
conhecimento, todo o cálculo e toda a medida;
- no rosto resplandecente do Ressuscitado, Aquele que é mais forte que
a morte, a Testemunha fiel que nos ama agora e sempre, que vem derramar
sobre nós a graça e a paz, a vida e a salvação.
A Beleza do sacerdócio de Cristo, que abrange toda a sua vida e missão,
é a Beleza do Amor que salva!
Este mistério de Beleza é comunicado à humanidade, de modo singular e
sacramental, na Última Ceia na qual tem origem a eucaristia como memorial da
Páscoa de Cristo, banquete de comunhão e penhor da futura glória. Estes três
aspectos da celebração eucarística são como três janelas que se abrem sobre a
beleza do sacerdócio daqueles a quem o Senhor confiou o ministério de a ela
presidir em seu nome (in persona Christi): “Fazei isto em memória de mim”.
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A Beleza do Rosto sacerdotal e eucarístico de Jesus
. escritos episcopais .
A beleza do ministério da consolação da Páscoa redentora de Cristo
Na Última Ceia começou para o mundo uma presença nova de Cristo,
uma presença que se realiza, ininterruptamente, em toda a parte onde é celebrada a eucaristia e um sacerdote empresta a Cristo a sua pessoa, as suas
mãos e a sua voz repetindo os gestos e as palavras santas, amorosas e comoventes da instituição: “Isto é o meu corpo entregue por vós”, “Este é o cálice
do meu sangue derramado por vós”. É a presença de Cristo ressuscitado na
totalidade da sua pessoa e na plenitude do mistério de amor entregue até à
cruz, até ao extremo: o Deus connosco, Deus para nós, Deus por nós e Deus
em nós. Eis o mistério admirável da nossa fé! Eis a beleza do Amor redentor
de Cristo! Eis a redenção da beleza da humanidade desfigurada pelo pecado
e que nos é oferecida na eucaristia!
É para nós uma alegria e uma beleza e, ao mesmo tempo, uma fonte de
responsabilidade o estar tão intimamente vinculados a este mistério. Hoje,
queremos tomar consciência disso com o coração cheio de assombro, de deslumbramento e de gratidão!
Aqui, neste amor redentor de Cristo, o sacerdote recebe e alimenta, continuamente, o amor pastoral com que é enviado ao serviço do Evangelho a
favor dos homens, no ministério da Palavra da salvação, dos sacramentos da
ternura de Deus e da relação cordial e próxima, tão belamente expresso em
termos existenciais no texto de Isaías: “anunciar a Boa Nova aos infelizes,
curar as chagas dos corações atribulados, consolar todos os amargurados,
levar alento aos aflitos de Sião, uma coroa em vez de cinza, o óleo da alegria
em vez do trajo de luto, um canto de louvor em vez de um espírito abatido”.
É o ministério da consolação da mente, do coração e da vida - hoje mais
necessário do que nunca neste mal-estar de civilização - para uma humanidade nova, livre e pura que viva a graça, o perdão, a serenidade, a alegria e a
paz no Espírito Santo. Que missão mais bela pode existir?!
A beleza do ministério da comunhão e da fraternidade
Na eucaristia, Cristo entrega-se por nós e a nós para realizar a comunhão
viva connosco e fazer da Igreja um Corpo de comunhão. Como Cristo-Cabeça
faz a unidade dos membros, assim o sacerdócio ministerial se oferece como
ministério de unidade, de comunhão. É chamado a servir esta beleza de Cristo
eucarístico que une os corações de quantos O comungam, a oferecê-la como
Boa Nova ao nosso mundo que aparece tantas vezes como um arquipélago de
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solidões. O padre é por isso um tecedor dos fios de comunhão fraterna num
trabalho quotidiano, paciente e perseverante, de acolhimento, de escuta, de
diálogo, de corresponsabilidade e até de correcção fraterna na comunidade.
A beleza deste serviço joga-se, de modo particular, nas relações humanas. É importante compreender o caminho das pessoas e fazer compreender
a cada pessoa que o seu caminho não é inútil, banal e doloroso, mas santificante, que ela é amada e objecto de atenção. Na profundidade, na sinceridade
e na autenticidade das relações humanas e fraternas joga-se a beleza da vida
da comunidade. Quem tem um campo de relações tão ricas e belas como um
padre: com crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, doentes...? Nesta
missão, o sacerdote testemunha que o Cristo que anuncia e torna presente não
só é verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de dar beleza à vida de cada
um e de unir a todos na beleza de Deus e da comunhão fraterna.
A beleza do ministério da esperança
A comunhão no mistério eucarístico não se esgota em si mesma, no tempo
presente. Tem uma dimensão de futuro: aponta, desde já, para a Beleza da
comunhão eterna e plena em Deus. Por isso, a eucaristia é pão de vida eterna,
alimento dos peregrinos a caminho da pátria definitiva, sacramento da esperança em Deus que não engana, que nos sustenta no meio das dificuldades e
provações, nos abre caminhos novos de renovação e não nos deixa prisioneiros da resignação, da indiferença e do desânimo.
Esta experiência eucarística leva os sacerdotes, em virtude do seu ministério de presidência, a serem sentinelas da Beleza do futuro absoluto, anunciadores da esperança teologal, sendo companheiros de caminho dos homens
e capazes de levar com eles o peso do viver quotidiano e do quotidiano morrer. A esperança no “Deus sempre maior” que a nossa fragilidade é uma graça
imensa e um serviço inestimável aos outros.
Naturalmente, este dom e mistério do sacerdócio não pode ser vivido sem
vibração do Espírito e sem doação de vida, sem se deixar transformar – os
olhos, a mente e o coração - pelo mistério da eucaristia que celebramos.
Tende fé no Sacerdócio e na Eucaristia
É belo ser padre hoje! O dom do sacerdócio não é só para a Igreja, mas
também para a humanidade. É um raio da beleza de Deus no mundo! À semelhança de Cristo, o Pastor belo, o padre cuida da beleza espiritual da huma-
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. escritos episcopais .
. escritos episcopais .
nidade. Como homem do Evangelho, apela ao que há de mais belo e positivo
no coração de cada ser humano, levando Cristo e semeando a sua Palavra, nas
grandes metrópoles ou nas aldeias mais recônditas.
O serviço mais precioso a prestar a cada homem é fazer-lhe descobrir a
dignidade única e ímpar de filho de Deus, ajudá-lo a compreender o valor
da sua vida que não tem preço e que pode ser revestida de graça, de beleza
divina; a compreender como é infinita a misericórdia de Deus por cada um!
Do mais íntimo do coração, digo-vos, caríssimos padres: tende fé no sacerdócio, no vosso sacerdócio! É participação no sacerdócio eterno e santo de
Cristo que é o mesmo ontem, hoje e sempre, porque é o Ressuscitado; é participação, desde há dois milénios, na sua caridade pastoral, naquele seu amor
forte e misericordioso que pode curar a nossa sociedade das infidelidades, das
indiferenças, da idolatria, da violência.
O nosso tempo é atravessado por grandes transformações culturais e por
preocupantes crises e tensões de ordem espiritual, moral e social. É necessário que os padres saibam oferecer, com o exemplo e a palavra, horizontes
luminosos de sentido e motivos convincentes de esperança. E podem fazê-lo
porque a nossa certeza é fundada sobre a rocha da Palavra de Deus e sobre a
força salvífica da Eucaristia. Tende fé na eucaristia!
Hoje, mais do que nunca, há necessidade de padres que testemunhem a
beleza da fé, que se façam companheiros de viagem dos seus contemporâneos, sem dominar as pessoas, mas ajudando-as a crescer na maturidade da fé e
na verdadeira liberdade. Há necessidade de padres que consolem e confortem
os corações, mas que ao mesmo tempo, inquietem as consciências propondo,
com coragem e sabedoria, os valores do evangelho, sobretudo aos jovens; há
necessidade de padres que, morando no coração de Cristo cheio de amor e
compaixão, saibam partilhar as dores e os sofrimentos das gentes, libertandoas do medo e abrindo-as a horizontes de serenidade e de paz.
Há necessidade de padres que acreditam no amor forte de Deus pela humanidade e querem anunciá-Lo com alegria, com esperança e com perseverança!
“Ó Cristo do Cenáculo, do Calvário e da Ressurreição! Acolhe-nos a
todos nós que somos os sacerdotes do ano do Senhor de 2009 e com
o mistério desta Quinta-Feira Santa santifica-nos de novo, embelezanos com a tua santidade! Ámen! Aleluia!”
Catedral de Leiria, 9 de Abril de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Na abertura do Congresso Nacional
dos Antigos Alunos dos Seminários
A vida humana está feita de memória e de esperança, que são, por sua vez,
o fundamento da profecia. Como disse alguém, “a memória dá-nos as raízes;
a esperança oferece-nos as asas para voar”.
A palavra raiz remete-nos, à primeira vista, para o mundo das plantas e
das árvores que aparecem à superfície, avançando em altura, na medida em
que lançam raízes em profundidade, debaixo da terra. Da raiz brota a seiva
que dá vida ao tronco, aos ramos, às flores e aos frutos. A metáfora da raiz é
expressão da origem, das fontes que alimentam a vida. O homem vive “enraizado” recebendo a seiva e a vida das suas raízes e, por tudo isso, capacitado
para crescer, florescer e frutificar. Como diz Simone Weil: “O enraizamento
é talvez a necessidade mais importante e a mais desconhecida da alma humana”. As raízes culturais são as raízes da alma.
A esta luz compreendemos que a memória humana não é um mero lugar
onde depositamos ou enterramos o passado (factos, tradições e experiências
acumuladas) como num disco duro, num armazém ou num museu de arqueologia. É antes um lugar de vida, onde guardamos vivas, no coração, as experiências mais importantes e significativas com as alegrias e as feridas; é um
manancial. É o saber que temos da nossa origem, da proveniência da nossa
vida, das suas raízes, do que a torna possível e a mantém viva.
A memória conserva, de modo permanente, o que já se viveu, não o deixa
perder e faz disso o fundamento para construir a casa da nossa vida, isto é,
o presente e o futuro. Sobre o que se viveu, nos apoiamos para continuar a
avançar com esperança. Não há futuro sem memória.
A memória torna-nos possível a consciência do tempo e de nós mesmos
no tempo. Por isso, quem não tem memória, não tem plena consciência de si
mesmo, da sua identidade.
É este manancial da memória que queremos recolher neste primeiro congresso de antigos alunos dos seminários quer revisitando a história desta venerável instituição que foi uma escola de vida e formação para tantos quando
não havia a democratização do ensino, quer como partilha de histórias e me| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 43
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Da memória à profecia
. escritos episcopais .
mórias vivenciais que são uma verdadeira permuta de dons. É uma experiência de comunhão. O nosso caminho, de facto, é sustentado pela comunhão
horizontal dos irmãos e companheiros como também pela comunhão vertical
que atravessa o tempo.
E fazemos memória de tudo isto não como quem desenterra o passado
por mera curiosidade arcaica ou nostalgia dos velhos tempos, mas antes para
tomar consciência dos traços que marcaram a nossa identidade pessoal, social, cultural e ainda da enorme e indiscutível relevância dos seminários para
a missão da Igreja e para a vida da sociedade portuguesa pela presença e
acção de tantos nas estruturas eclesiais, sociais e politicas; e a partir daí, tirar
inspiração, força vital e fundamento para construir o presente e avançar para
o futuro que se apresentam com desafios inéditos.
Por isso muito me alegra verificar que o congresso se orienta nesta direcção do diálogo do cristianismo com a cultura. Assim retoma uma inspiração
que esteve na origem da instituição dos seminários pelo concílio de Trento,
procurando agora responder aos desafios e às necessidades de hoje, concretamente:
- a criar uma nova cultura da vocação que permita ao homem pós-moderno reencontrar-se consigo mesmo e abrir-se ao outro, seu semelhante, e ao
Outro, o Deus do Amor que em Jesus Cristo chama cada um a colaborar, com
os próprios dons, no Seu projecto de amor pela humanidade;
- responder às exigências de uma nova evangelização para anunciar com
novo ardor a novidade e a beleza da fé cristã num mundo novo marcado pelo
pluralismo cultural e religioso;
- tornar presentes na sociedade os grandes valores do humanismo cristão
numa sociedade fragmentada, dividida, sem consensos éticos básicos, minada pela cultura do vazio de ideais e valores e que precisa de uma grande
esperança capaz de lhe restituir a confiança na bondade e na beleza da vida.
Que a presença protectora de Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, exemplo vivo da memória e da profecia no canto do Magnificat, vos acompanhe e
vos ilumine juntamente com a intercessão do Beato Francisco Marto, exemplo luminoso do enamoramento pela beleza de Deus e vos obtenha o dom da
profecia para serdes profetas/sentinelas da manhã, isto é, do alvorecer de um
mundo novo!
Bom Congresso para todos!
25 de Abril de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
44 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. escritos episcopais .
Homilia na missa de encerramento do Congresso
Nacional dos Antigos Alunos dos Seminários
“Paz a todos vós que estais em Cristo”!
Com estas palavras do apóstolo Pedro, extraídas da segunda leitura proclamada, saúdo cordialmente todos os congressistas.
E depois desta breve saudação, quero fazer convosco uma meditação, deixando-nos iluminar e inspirar pela Palavra de Deus que acabámos de ouvir.
Jesus está vivo e actua em nós
Hoje celebramos a festa de S. Marcos evangelista, que nos deixou, por
escrito, o Evangelho de Jesus, com a preocupação particular de levar aqueles
que o lêem e meditam a interrogar-se: Quem é Jesus? Quem é Jesus para
mim? Quem é Jesus para a Igreja? Quem é Jesus para o mundo?
Ouvimos o texto final com que S. Marcos encerra o seu Evangelho. É
como que um pequeno catecismo, isto é, uma síntese da mensagem da ressurreição tão própria para este tempo pascal que ainda estamos a viver. Por
isso, convida-nos a contemplar Jesus ressuscitado e a descobrir quem é Jesus
ressuscitado para nós, quem somos nós para Ele, qual é a nossa missão de
discípulos de Jesus ressuscitado hoje.
Então, a primeira mensagem que São Marcos nos quer transmitir ao apresentar Jesus ressuscitado, que se manifesta aos onze apóstolos, é que Jesus não
é uma figura do passado, que disse e fez coisas boas e belas, que nos deixou
uma doutrina e um exemplo maravilhosos, que nos deixou, porventura, regras
de bom comportamento e nada mais. A primeira mensagem é: Jesus está vivo,
vive connosco, caminha connosco, actua em nós. Exactamente a última frase
do Evangelho: “o Senhor colaborava com os discípulos e confirmava a sua palavra com os sinais que a acompanhavam” isto é, com as maravilhas da graça.
Por isso, leva-nos a contemplar o Senhor Jesus ressuscitado e, como que faz
brotar do nosso coração uma breve oração: “Senhor Jesus ressuscitado, Tu não
só estás comigo mas actuas em mim. Eu actuo contigo, mas Tu és sempre o primeiro a trabalhar em mim, comigo e através de mim”. Esta é a grande palavra
de fé que nos sustenta, que nos dá animo e apoio com a sua força.
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Testemunhas da vida nova em Cristo
. escritos episcopais .
Gritai a boa notícia da ressurreição!
Em segundo lugar, quem faz esta experiência de Jesus vivo e presente na sua
vida e na Igreja é convidado pelo Senhor a irradiar, a contagiar, com a palavra e o
testemunho da vida, esta boa notícia. Por isso o Senhor diz: “Ide por todo o mundo e proclamai o Evangelho a toda a criatura”, a toda a criação. É interessante
que a palavra original no texto de S. Marcos, quando diz “proclamai”, podíamos
traduzi-la: “gritai” o Evangelho da ressurreição, gritai a boa notícia da ressurreição. Não se trata de gritar uma fórmula, mas sim o poder salvífico de Cristo sobre
a minha vida e sobre o mundo de hoje. Gritai, testemunhai a força que Jesus tem
de transformar o meu coração, a minha vida, o mundo inteiro.
Os cinco sinais da vida nova em Cristo ressuscitado
E depois, o Evangelho mostra-nos como se expressa esta força salvífica de
Jesus ressuscitado naqueles e através daqueles que o acolhem, que nele crêem.
Através de cinco sinais como ouvimos. Desejaria confidenciar-vos que, quando
era jovem estudante no seminário e ouvia estes sinais que acompanham a missão
dos que crêem em Jesus, ficava sempre perplexo e pensava comigo mesmo: “se
calhar, eu não tenho fé porque eu não faço, nem sou capaz de fazer estes sinais:
expulsar demónios, falar línguas novas, pegar em serpentes, tomar veneno e não
morrer, impor as mãos sobre os doentes e curá-los… Que quer dizer isto?” Só
compreendi mais tarde, passada a juventude, mas encontro aqui toda a beleza da
vida que Cristo ressuscitado nos oferece. Eis o que significam estes cinco sinais:
- Aqueles que acreditarem em Cristo expulsarão demónios, quer dizer, serão
libertos e capazes de libertar do poder do mal, que escraviza os corações e as
consciências quando essa força do mal se aninha neles e destrói a vida;
- Falarão novas línguas: quem acolhe o Evangelho no seu coração e na sua vida
começa a comunicar com os outros de modo novo; falará uma linguagem nova e
universal que todos compreenderão: a linguagem do amor, a linguagem da comunhão, a linguagem da mansidão, quer dizer, da não-violência, a linguagem da paz;
- Pegarão em serpentes: o Senhor dar-lhes-á a força e a capacidade de enfrentar
situações adversas: a hostilidade ou a indiferença do ambiente social e cultural em
relação à fé, enfrentar estas situações sem medo, sem complexo de inferioridade,
com a certeza de que o Senhor ressuscitado está sempre connosco e é a nossa força;
- Não ficarão envenenados: significa a força espiritual que nos dá Cristo ressuscitado para não nos deixarmos contaminar pelo veneno do mal, do pecado, da
corrupção moral, da corrupção social; significa a força que o Senhor nos dá de
suportar dificuldades, críticas, porventura troça e desprezo com coragem, com
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serenidade e com paz;
- Finalmente, o quinto sinal: curarão os enfermos sobre quem impuserem as
mãos. Sim! O Evangelho de Cristo, a palavra de Cristo, os sacramentos da Sua
graça, têm um poder terapêutico, curativo, quer dizer, de curar as feridas dos
corações e das almas, de reconciliar as divisões, de consolar, de infundir ânimo
onde se instala tristeza, o desânimo e a solidão.
A vida de muitas pessoas melhora porque entraram na comunidade e começaram a viver a Boa Nova da presença do Ressuscitado na sua vida
Esta é, meus irmãos e irmãs, a vida nova em Cristo ressuscitado, a vida que
traz as marcas da ressurreição de Cristo, os sinais onde se torna visível e palpável
o poder salvífico de Cristo ressuscitado.
A beleza e a alegria da vocação cristã
Este é o testemunho de que Jesus é verdadeiramente o Senhor dos nossos
corações, das nossas vidas e da nossa história. Esta é a vida e o testemunho dos
que confiam na força do amor, do perdão, da misericórdia, da compaixão de Deus
por cada pessoa, da mansidão evangélica e da paz. Esta é a beleza de Cristo
ressuscitado. Esta é a beleza da fé dos que acreditam n’Ele e O acolhem. Esta é
a beleza da vocação cristã que está na base da diversidade das várias vocações
específicas. Bem gostaria que saísseis daqui, hoje, com esta beleza e com esta
alegria a inundar o vosso coração.
O Evangelho não nos diz nada sobre Maria na sua relação com Cristo ressuscitado. Mas a tradição cristã gosta de a representar no encontro cheio de alegria
com o Filho ressuscitado, que primeiro recebera no seu regaço quando descera
da cruz; e nós podemos, sem dúvida, dar largas à nossa imaginação para, de algum modo, compreender a alegria da mãe no encontro com o Filho ressuscitado:
Regina coeli laetare, aleluia!
Que Ela, hoje, nos ajude a descobrir, a saborear esta alegria e esta beleza da
fé em Cristo ressuscitado. Levai convosco esta beleza da fé e do amor que salva.
Levai-a no vosso coração, nos vossos olhos, nos vossos lábios, nos vossos gestos.
Levai-a para vossa casa, para a vossa família. Levai-a para as vossas comunidades e para as vossas paróquias. Levai-a para o mundo onde viveis, onde conviveis
e onde trabalhais. E então, com Maria, a cantora e a solista do Magnificat, poderemos também nós cantar, com o coração, com a alma e com a vida, o refrão do
salmo de hoje: “Senhor, cantarei eternamente a vossa bondade!” Ámen! Aleluia!
25 de Abril de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
. escritos episcopais .
Saudação de Abertura da Peregrinação
Peregrinação de confiança
em momento de crise
1. Cada um de nós é um peregrino. Todos nos sentimos chamados a avançar, com coragem, pelo caminho de Deus, à Sua busca ou ao Seu encontro,
e atraídos por Ele, como reza uma bela inscrição na Basílica de S. João de
Latrão: “Tu atraíste-nos para Ti, Senhor, e inflamaste os nossos corações”.
Foi esta atracção íntima de Deus, através do coração materno de Maria, que
nos trouxe em peregrinação a Fátima. Como vosso irmão, bispo desta diocese,
saúdo a todos vós aqui presentes com todo o afecto e no amor de Jesus Cristo.
Saúdo com particular e fraterno afecto o Senhor Cardeal D. Óscar Maradiaga,
arcebispo de Tegucigalpa, nas Honduras, e Presidente da Caritas Internacional,
que se dignou aceitar o convite para presidir a esta peregrinação aniversária de
13 de Maio e cuja presença muito nos honra e alegra. Em nome pessoal e de
todos os peregrinos dou-lhe as boas vindas e expresso-lhe o nosso profundo
reconhecimento. Seja bem-vindo, Senhor Cardeal, e muito obrigado!
Saúdo também fraternalmente os irmãos no episcopado aqui presentes.
2. O caminho exterior do peregrino torna-se parábola, expressão viva de
uma peregrinação interior. Pelo caminho, lançamos um olhar retrospectivo
ao percurso da nossa vida: umas vezes, com lágrimas de dor ou de arrependimento, outras com gratidão e alegria. De qualquer modo, seguimos em frente, porventura com inquietação e ansiedade, mas sempre com expectativa e
esperança, sabendo que há outros que nos encorajam ao longo do caminho e
que, no termo, alguém nos espera e espera por nós.
A peregrinação torna-se pois numa viagem espiritual: uma “santa viagem” na fé e na esperança. A fé ajuda-nos a ver um horizonte para além de
nós mesmos, com dimensão de eternidade! O amor incondicional de Deus,
que dá a vida a cada um, tem um significado e uma meta para cada vida humana. É um Amor salvador, digno de confiança!
Jesus indica-nos o caminho a seguir: o caminho da esperança e do amor,
que guia cada passo do nosso caminhar, de tal modo que também nos tornemos portadores desta esperança e deste amor para os outros.
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. escritos episcopais .
3. É toda esta riqueza espiritual da peregrinação que Nossa Senhora nos
convida a vivenciar aqui em Fátima. Chegados à meta do seu santuário, ecoam em nós as mesmas palavras de alento que Ela dirigiu aos pequenos videntes e, através deles, à humanidade em tremenda provação pelo sofrimento de
guerras mundiais: “A graça de Deus será o vosso conforto”; “O meu Coração
Imaculado será o teu refúgio e conduzir-te-á até Deus”!
Confiantes no poder da Sua intercessão queremos colocar hoje no Seu coração materno todas as intenções que trazemos connosco ou confiaram à nossa
oração, mas sobretudo duas muito particulares, de dimensão eclesial e universal.
Antes de mais, confiamos à Mãe da Igreja o bom êxito da peregrinação
apostólica do Santo Padre, Bento XVI, à Terra Santa – “tão santa como dolorosa” por conflitos e feridas constantes - onde se encontra como corajoso e
intrépido peregrino da paz, do diálogo e da reconciliação. Quando o Papa realiza um gesto tão significativo e solene como é o de uma viagem à Terra Santa,
fá-lo em nome e em representação de toda a Igreja, como ele próprio afirmou.
Por isso, somos todos nós que o acompanhamos, unidos a ele em oração.
Queremos também confiar a Nossa Senhora as ansiedades e preocupações
que hoje atormentam tantas pessoas e famílias, sem trabalho ou recursos, vítimas das agravadas dificuldades da actual crise económica mundial.
Com todos vós quero renovar a confiança na Mãe da humanidade que
não nos abandonará nas nossas necessidades, conscientes de que isto não
significa simplesmente pedir-lhe ajuda e consolação. Significa também escutar o seu apelo, feito aqui em Fátima, a reparar as injustiças (as estruturas
de injustiça) do nosso mundo e a empenharmo-nos a favor dos outros com
um grande espírito de solidariedade e um alto sentido de responsabilidade.
A nossa confiança não é uma confiança simplista numa solução mágica dos
problemas; é antes uma confiança no empenho de solidariedade de todos e na
nossa presença ao lado dos irmãos em dificuldade.
Com grande confiança no poder da Sua intercessão dirigimo-nos pois a
Ela com a nossa prece:
“À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus.
Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades;
mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita”. Ámen!
Santuário de Fátima, 12 de Maio de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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E Maria, Mãe de Jesus e Mãe nossa, que aqui nos espera, corrobora a
indicação de Jesus: “Fazei o que Ele vos disser”!
. escritos episcopais .
Conferencia de Imprensa
Solidariedade, responsabilidade
e confiança
Nesta peregrinação não podemos deixar de ter presente o agravamento
das dificuldades resultantes da crise económico-financeira em curso. Significa que a própria peregrinação nos provoca a assumir as nossas responsabilidades, nos estimula a empenharmo-nos com os outros e a favor dos outros e
nos infunde coragem para realizar os passos necessários em ordem a enfrentar juntos a difícil situação actual.
Cada um é chamado a realizar a sua própria parte animado por um grande
espírito de solidariedade, que é reconhecer em quem está em necessidade
um irmão a amar e a ajudar; e ao mesmo tempo, com um alto sentido de responsabilidade em ordem a encontrar respostas respeitadoras e promotoras da
dignidade de todo o ser humano que comporta, entre outras coisas, garantir o
direito ao trabalho. Este constitui o elo mais fraco em toda a cadeia de consequências desastrosas da crise.
O espírito de solidariedade levou à mobilização de todos os organismos
sócio-caritativos da Igreja, a nível nacional, diocesano e paroquial. Desejaria neste momento, renovar o convite a todas e cada uma das comunidades
cristãs a uma leitura atenta e sábia das necessidades concretas e a elaborar
projectos, inteligentes e em rede, de ajuda a fim de que quem perde o trabalho
não perca também a dignidade.
O meu pensamento vai, de modo particular, para as famílias em dificuldade, consciente de que a actual situação do trabalho não comporta só menor
produção ou menores consumos e riqueza, mas significa sobretudo menor
possibilidade para a família de olhar com serenidade suficiente para o próprio
futuro. Em certos casos, a situação acaba por configurar-se não só como um
grave problema, mas como um verdadeiro e próprio drama.
É preciso também sabedoria e coragem para rever o estilo do nosso viver
pessoal e social no sentido de uma maior sobriedade e para promover com
quem está em dificuldade, a nosso lado, uma solidariedade feita de proximidade e partilha respeitosa e concreta. Segundo as funções que desempe50 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
nhamos, devemos contribuir para que se desenvolva, com a intervenção das
instituições e das várias forças sociais, económicas e financeiras, uma renovada e séria politica social de modo a dar resposta sistemática e contínua às
necessidades primárias das pessoas e das famílias.
Com esta mensagem desejaria apelar também ao sentido de responsabilidade. O temor ou, infelizmente, a realidade da perda do lugar de trabalho e
do rendimento para si e para a família gera diversas reacções e sentimentos:
o desconforto, o medo, a angústia, o sentido de fracasso, o protesto, a revolta.
São sentimentos compreensíveis.
Todavia não podemos deixar que a crise económica se transforme numa
explosão social violenta. Para evitar este risco todos devem contribuir com
a sua parte: Estado, empresários, trabalhadores, sindicatos, sociedade civil.
É preciso uma atenta reflexão sobre as regras da finança e da economia,
sobre o modo de fazer empresa, sobre a intervenção das instituições a favor
de quem está em dificuldade por causa da crise.
O sentido de responsabilidade é necessário ainda mais no momento em
que as empresas vêem reduzir-se as encomendas, as margens de acção, as
possibilidades de ganho. Um maior empenho de dedicação, de criatividade,
de disponibilidade da parte de empresários e trabalhadores contribuirá seguramente para o bem de toda a empresa e de todo o tecido económico.
Esta crise pôs em evidência como no trabalho empresarial é absolutamente necessária a referência ao fundamento ético. Os dirigentes da empresa devem estar conscientes de que têm responsabilidades precisas em relação aos
seus dependentes e respectivas famílias: um trabalhador não é simplesmente
uma das muitas componentes da empresa, mas é uma pessoa com expectativas, sonhos e projectos que vão para além do tempo passado no trabalho.
Nunca podemos esquecer que “ as coisas têm preço; as pessoas têm dignidade” (Kant).
Talvez seja verdade que, neste momento de crise, a única coisa certa é a
incerteza, mas devemos ter confiança. Não uma confiança simplista numa
solução mágica dos problemas, mas uma confiança no empenho de solidariedade de todos e na nossa presença ao lado de quem está em dificuldade.
Fátima, 12 de Maio de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
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Homilia no Dia da Cidade
A amizade pela cidade e na cidade
É com muita alegria que me associo ao Dia da Cidade, que coincide com
o do aniversário da fundação da Diocese. Com esta alegria saúdo, afectuosamente, todos os presentes. Saúdo, com cordial deferência, a Exma. Sra.
Presidente da Câmara, o conselho municipal e os demais autarcas.
Nesta ocasião permitam-me oferecer-lhes uma meditação intitulada: “A
amizade pela cidade e na cidade”, deixando-nos inspirar pela Palavra de Deus
que foi proclamada.
1. Um novo olhar sobre a cidade
As leituras que ouvimos são uma verdadeira Cantata ao Amor, à beleza do
Amor que Jesus Cristo introduz no coração dos homens e do mundo.
Na ceia da despedida, Jesus deixa-nos o testemunho e o testamento definitivos do seu amor: “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros
como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida
pelos seus amigos”! São palavras de fogo! Sem este amor, o coração humano
e a cidade dos homens tornam-se um deserto espiritual. Além disso, abre-se
diante de nós um programa de vida e de empenho praticamente ilimitado,
total e universal.
Por sua vez, S. Paulo enumera uma série de atitudes concretas em que se
traduz este amor para viver em comunidade: a caridade, o acolhimento e a
hospitalidade, a estima recíproca, a solidariedade com os que riem e com os
que choram, a diligência no trabalho, o serviço humilde, a esperança alegre...
A atitude do amor de benevolência, de querer bem ao outro como tal,
tem profundas implicações cívicas e sociais: é uma atitude necessária para
construir uma cidade e uma sociedade convivial, de que é expressão bela “o
banquete” eucarístico em cada domingo. Jesus introduz um novo ambiente
convivial entre as pessoas. Convida-nos, pois, a um novo olhar sobre a cidade, a redescobri-la como espaço e expressão de amizade, de fraternidade, de
reconciliação, que deita por terra os muros da divisão e introduz a paz nas
relações entre as pessoas que habitam e formam a cidade. Temos aqui então
o tema da amizade.
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. escritos episcopais .
A amizade é-nos apresentada já no mundo clássico, pelos pensadores antigos, Platão e Aristóteles, depois retomados por S. Tomás de Aquino, como
o “cimento da cidade”. Para o bem-estar de uma cidade, diziam, requer-se,
sem dúvida, a boa vontade dos cidadãos e um bom governo. Mas há algo
mais substancial, que dá suporte de fundo à vida dos homens na cidade, que
é a amizade. A amizade que leva à concórdia, que permite fazer comunidade,
estabelecer relações comunitárias, a amizade que faz prosperar a cidade.
A amizade exprime-se antes de mais para com a cidade se consideramos a
cidade quase como uma pessoa viva, uma pessoa com vida.
Um grande presidente da câmara, filósofo, teórico e poeta da cidade, G.
La Pira, presidente da câmara da cidade de Florença em Itália, em 1954 escrevia este texto lindo sobre a cidade: “As cidades têm um rosto próprio, têm
por assim dizer uma alma e um destino próprios. Não são meros armazéns de
pedra; são misteriosas habitações dos homens e, mais ainda, de certo modo,
misteriosas habitações de Deus”. Sim, também Deus habita nas cidades dos
homens!
La Pira capta com lucidez a relação entre a pessoa e a cidade, de modo a
poder afirmar que a crise do nosso tempo pode ser definida como um desenraizamento do contexto orgânico da cidade, daquilo que dá uma harmonia
orgânica à cidade.
Leio-vos um pequeno texto muito interessante, que ele escreveu: “Não é
verdade que a pessoa humana se realiza na cidade, se enraíza na cidade como
a árvore se enraíza no solo? Que a pessoa humana se enraíza nos elementos
que constituem a vida da cidade?” E exemplifica: “No templo, para a sua
união com Deus e a sua vida espiritual; na casa para a sua vida de família; na
oficina para a sua vida de trabalho; na escola para a sua vida intelectual; no
hospital para a sua vida física saudável; nas praças para a sua vida de lazer e
de convívio”.
São os lugares simbólicos que exprimem a vida espiritual, a vida familiar,
a vida económica, a vida cultural, a vida convivial, social e lúdica da cidade.
É isto que dá alma à cidade. Portanto, convida-nos a olhar para a cidade, não
apenas como lugar onde dispomos de serviços, de estruturas que tornam cómoda e oferecem bem estar à nossa vida, mas sobretudo como lugar e espaço
onde se realiza a vida dos homens nas suas várias dimensões e vertentes. Daí
então esta exigência da amizade pela cidade e na cidade.
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2. A amizade como o “cimento da cidade”
. escritos episcopais .
3. Expressões da amizade pela cidade e na cidade
1. A primeira expressão fundamental desta amizade pela cidade é não
fugir da cidade: não no sentido físico, de quem ao fim de semana vai a campo
ou à montanha, o que é saudável; mas no sentido de não se alhear, não se
desinteressar pela vida da cidade, pelos seus problemas, mas considerar a
cidade como a nossa casa, uma casa comum, pela qual e na qual todos nós
somos responsáveis. Por isso, somos chamados a aprender a viver na cidade como numa casa comum: que cada um aprenda a viver nela com gosto,
com corresponsabilidade, com empenho, de modo a torná-la mais habitável,
mais à medida da pessoa humana, desde as pequeninas coisas até aos grandes
problemas que se vivem na cidade, por exemplo desde a responsabilidade de
cada um e de cada família em manter a cidade limpa e bela, à participação
na sua vida social e cultural até ao contributo que cada um de nós pode dar
para ajudar a resolver os problemas da cidade, concretamente os problemas
sociais.
2. Uma outra expressão da amizade pela cidade e na cidade, é o empenho
em iniciativas para cultivar as relações entre pessoas e grupos para além das
suas afinidades naturais, ou das afinidades próprias de cada um e de cada grupo. Por vezes, a cidade pode aparecer como um aglomerado de grupos ou de
vários corpos separados, de vários extractos da população que não comunicam entre si: categorias sociais, profissões, interesses de trabalho, interesses
políticos, imigrados que vêm trabalhar para junto de nós, etnias, como por
exemplo os ciganos, etc. Tem-se a impressão, por vezes, de que a cidade já
é um corpo demasiado grande para que haja um laço de fundo que possa pôr
em comunicação e em relação todos estes grupos que formam a cidade, que
haja um laço de fundo que possa dar unidade e tornar a cidade unida. É, pois,
importante atravessar estes grupos com amizades que ponham em relação,
que ponham em rede, em comunicação, costumes, interesses, linguagens e
culturas diversas. É um enriquecimento para a cidade.
3. Neste contexto, coloca-se, de modo particular, a missão da nossa Igreja, das nossas comunidades cristãs, de cada comunidade cristã da cidade, de
criar laços de amizade, de comunhão e solidariedade para além das afinidades
naturais, para constituir aquele tecido de referência que dá suporte de fundo
ao sentido cívico e moral de uma cidade.
Daqui deriva também um compromisso, um empenho para todos, de criar
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canais de comunicação, por exemplo entre os lugares do trabalho e os do tempo livre, entre os lugares do sofrimento e os da solidariedade e do voluntariado, entre as prisões e a chamada “sociedade de bem”, entre as instituições
culturais e a gente comum, entre os marginalizados e os sem-abrigo e aqueles
que são ricos de relações e de abrigo.
Construir a cidade não quer dizer só construir o quadro exterior, isto é, os
serviços, as infra-estruturas ao serviço do nosso viver quotidiano, que é muito
importante, naturalmente. A cidade faz corpo com as pessoas que a habitam
e a pessoa humana vive de relações e de amizades. Neste sentido, o homem
é a sua cidade. Cada um deve sentir a cidade como sua. O homem é a sua
cidade e a cidade é chamada a ser lugar de boas relações e de boas amizades,
que requer de todo o cidadão um coração universal, de abertura universal a
todos. Para esta tarefa quer contribuir também a Igreja de Jesus Cristo. Na
expressão concreta das comunidades cristãs que vivem no meio da cidade, a
Igreja quer mostrar-se amiga da cidade, trazendo para dentro dela apenas o
Evangelho de Cristo.
Caros irmãos e irmãs, a amizade pela cidade e na cidade é uma expressão
concreta do nosso amor a Deus, que nos confia a cidade e do amor ao próximo, porque Deus nos confia uns aos outros.
O meu acto de amor concreto por esta nossa cidade - por esta minha cidade, de que sou habitante ainda há pouco tempo, mas já a considero minha - exprime-se, neste momento, com uma sincera invocação da bênção do
Senhor para toda a cidade, para os seus cidadãos e, de um modo particular,
para os seus governantes, para os seus autarcas e familiares: “O Senhor te
abençoe e te proteja, ó querida cidade de Leiria. O Senhor dirija para ti o seu
olhar e te conceda a paz”. Ámen!
Sé de Leiria, 22 de Maio de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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Abertura do Congresso “Francisco Marto”
É Hora de escutar as crianças
É com viva alegria que, como bispo de Leiria-Fátima, acolho e saúdo,
do coração, todos os congressistas. Congratulo-me e felicito o Santuário, na
pessoa do Senhor Reitor, pela feliz iniciativa de realizar este congresso sobre a figura simpática do beato Francisco Marto, para comemorar o centésimo aniversário do seu nascimento. Quero também agradecer aos membros
da Comissão Científica do Congresso, particularmente ao Senhor Professor
Doutor Arnaldo Pinho, como presidente, e ao Senhor Doutor Vítor Coutinho,
como secretário, por todo o trabalho e dedicação em gizar tão belo programa
e na organização.
1. É hora de escutar as crianças
Quando o Senhor Padre Kondor foi entregar o processo de beatificação
dos pastorinhos à Congregação para a Causa dos Santos, confrontou-se com
uma primeira resposta negativa de aceitação do processo. A justificação dada
era não ser possível canonizar crianças. A santidade seria pois coisa de adultos!
Os apóstolos pareciam partilhar, em parte, esta opinião. Não afastaram
eles, rudemente, as crianças que se aproximavam de Jesus? Ele porém recriminou-os severamente: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o
reino dos céus” (Mt 19, 14).
Perante os prodígios realizados por Jesus, em Jerusalém, são ainda as
crianças a gritar no templo: “Hossana ao Filho de David”! Os sumos sacerdotes, indignados, dizem a Jesus: “Ouves o que elas dizem?” E Jesus responde:
“Sim, nunca lestes: da boca dos pequeninos e das crianças de peito fizestes
sair o louvor perfeito?” (Mt 21, 15-16).
Por sua vez, as aparições de Nossa Senhora aos pastorinhos, em Fátima, e
a mensagem que lhes confiou para a Igreja e a humanidade põem em evidência o protagonismo das crianças na história da salvação e do mundo.
Há pois boas razões para olhar em profundidade e escutar as crianças.
Têm muito a ensinar-nos a propósito de Deus e da nossa própria humanidade.
Também os adultos aprendem das crianças!
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. escritos episcopais .
De um ponto de vista físico, psíquico, intelectual e moral, o adulto é mais
bem dotado, mais complexo, mais estruturado do que a criança.
Existe porém um plano profundo em que a criança é superior ao adulto.
S. Paulo falaria da dimensão espiritual, pneumática do cristão. É o ângulo da
alma em que o Espírito de Deus toca directamente o homem com a sua graça,
o purifica e transfigura.
É nesta fonte, que difunde graça no seu coração, que as crianças bebem
tudo o que vêem e dizem acerca de Jesus e de Deus. Neste sentido, são pequenos “videntes” e “profetas”.
Deus fala muito cedo ao coração das crianças e atrai-as ao seu coração
de Pai que nos revela todo o seu amor em Jesus. E os pequeninos percebem
Deus, Jesus, o Espírito Santo, Maria, com uma naturalidade que nós, adultos,
raramente, conservamos intacta. Eles sentem Deus como Mozart sentia continuamente melodias interiores. Sem esforço, sem interrupções, quase sem
se dar conta. Mas, em qualquer caso, sem imaginar que deverão dizer ou
escrever isso.
No entanto, as crianças são também excepcionais locutores de Deus como
pequenos profetas. O seu vocabulário não é sofisticado. Não passa pelo crivo da crítica e da racionalidade. Para falarem de Deus, dispõem apenas das
palavras normais, palavras do seu universo particular, palavras simples sem
o verniz da cultura, sem revestimento artificial ou retórico. E, precisamente
por isso, são palavras surpreendentes, surpreendentemente apropriadas e eficazes...
Se falam assim a propósito de Deus, é porque se servem duma linguagem
pré-lógica – ou, porventura, supra-lógica – que brota da fonte, fresquíssima,
verdadeira linguagem religiosa.
Tudo isto nos ajuda a compreender e analisar a personalidade do pequeno
Francisco com a sua fé pura e simples, com o vocabulário infantil do seu
tempo, como pequeno vidente e “profeta” (locutor de Deus), contemplativo,
místico de “Jesus escondido” na Eucaristia e mistagogo, e ainda “pequeno
teólogo” com um sentido surpreendente da hierarquia das verdades da fé e
com a vivência duma estética teológica enquanto enamorado da beleza de
Deus: “Gostei muito de ver o Anjo. Gostei mais de ver Nossa Senhora. Mas
do que gostei mais foi de ver Deus naquela luz que Nossa Senhora nos metia
no peito. Oh como é Deus! Isso sim que nós não podemos dizer”!
De facto, a estética teológica desempenha um duplo papel: descobrir
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2. Pequenos “videntes” e “profetas”
. escritos episcopais .
Deus que se revela através da experiência sensível (“luz que irradia das mãos
de Nossa Senhora”); e deixar-se atrair pelo esplendor da sua glória numa atitude de admiração não utilitarista, de maravilhamento e assombro. Encontramos estes elementos na experiência de Francisco, que o introduziu na lógica
do dom, da gratuidade, da alegria feliz e festiva do seu ser e da sua vida, e
que fez dele uma pequena estrela que brilha no firmamento da fé, para nós.
3. A necessidade de uma “segunda ingenuidade”
A figura do Francisco convida-nos, pois, a um novo olhar sobre a infância
neste momento cultural do século XXI e a uma nova ingenuidade, à “segunda
ingenuidade” de que fala Paul Ricoeur. Não idêntica à primeira, porque passa
pela idade e pelo filtro da crítica restauradora do “compreender para crer”,
mas consciente e assumida. Nova ingenuidade de uma fé adulta e iluminada,
capaz de acolher o Deus da surpresa e a surpresa de Deus com maravilhamento e espanto; de readquirir a alegria e a simplicidade da infância, a confiança
na bondade e na beleza da vida; de realizar a passagem da ciência à sabedoria,
da mente ao coração, da abstracção do conceito ao afecto da relação.
A verdadeira infância está pois diante de nós. É preciso acolhê-la como
graça: crescer para o dom, como refere o tema do nosso congresso.
A atenção ao dom, ao gratuito, captado nas várias nuances do quotidiano,
sobretudo na relação, mostra a beleza da fé, que é a redescoberta contínua e
surpreendente de um Dom que nos precede e excede, do Tu de Deus-Trindade
que nos desperta e acompanha, que nos ama anteriormente e nos proporciona
a experiência do ser e da vida como Dom, isto é, graça, doação, comunhão,
alegria, beleza, santidade!
Bom e inspirador Congresso para todos, para Fátima e para a Igreja!
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
Homilia no Congresso
Minhas irmãs e meus irmãos, a liturgia convida-nos hoje a celebrar a solenidade do Sagrado Coração de Jesus. É a festa do amor divino num sinal humano, o coração do Filho de Deus feito homem. É uma festa cheia de beleza
e muito querida ao nosso povo cristão, uma beleza que sobressai se tivermos
diante de nós o contexto em que surgiu e se propagou a devoção ao Coração
de Jesus através da revelação particular a Santa Margarida Maria Alacoque.
Do ponto de vista cultural, no século XVII, dominava o iluminismo racionalista que tinha reduzido Deus a um grande arquitecto do mundo que
fabricou toda a grande máquina do universo, mas que permanecia longe e
distante. E daí surgia a imagem de um Deus longínquo, demasiado distante
para se interessar por nós e para ter algum interesse para nós.
Por outro lado, do ponto de vista religioso, dominava o jansenismo, essa
corrente rigorista que reduzia Deus a um juiz severo e implacável diante do
qual os homens viviam no temor, no tremor e no medo do terror. E no meio
de tudo isto estavam ainda uma teologia escolástica que era como que esquelética (quer dizer um esqueleto firme mas sem carne e sem coração), e uma
liturgia celebrada em latim ao qual as grandes massas não tinham acesso.
Como impedir que estas grandes massas desertassem a fé cristã e a Igreja
de Cristo? Naturalmente foi por outro caminho. Nosso Senhor escreve direito
através de linhas tortas e vai escrevendo a sua história através das curvas e
contracurvas dos homens e mesmo da sua Igreja. E por isso suscitou esta devoção ao Coração de Jesus. Usa com os homens a linguagem mais acessível
e mais entranhada para a humanidade, como dizia o Cardeal Newman: Cor
ad cor loquitur, só o coração é capaz de falar ao coração.
Por isso, o amor de Deus não é um conceito, não é uma abstracção; é um
coração. É o coração humano de Cristo, visibilidade humana do amor divino.
O coração é o símbolo de todo o mistério, de toda a profundidade da pessoa,
e quando falamos de coração, entendemos imediatamente a proximidade, o
afecto, a ternura, a intimidade e, mais ainda, a misericórdia.
Não é cheia de beleza, porventura, a primeira leitura do profeta Oseias,
em que o Senhor usa para com o seu povo e para connosco hoje a linguagem
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“Francisco Marto”
. escritos episcopais .
da ternura, da ternura materna e paterna? “Quando Israel era ainda criança,
eu já O amava; do Egipto chamei o meu Filho; eu ensinava Efraím a andar e
trazia-o nos braços mas não compreenderam que era eu quem cuidava deles.
Atraía-os com laços humanos, com vínculos de amor, tratava-os como quem
pega um menino ao colo, inclinava-me para lhes dar de comer. Meu coração
agita-se dentro de mim, estremece de compaixão”. Quem não sente aqui toda
a carga da ternura paterna e materna do amor divino? É esta a linguagem que
as pessoas entendem imediatamente.
Portanto, o amor de Deus palpita num coração humano capaz dum palpitar intenso, terno e apaixonado. Ele palpita de amor pelos homens, por cada
homem, por cada um de nós, porque não ama a humanidade em bloco mas
cada um em particular.
Esta devoção é essencialmente cristocêntrica, convida-nos a elevar o nosso coração e o nosso olhar para Cristo e encontra um fundamento bíblico, um
ícone bíblico no lado trespassado de Cristo na Cruz. Esse lado aberto de Cristo na Cruz abre o nosso coração para o infinito da misericórdia de Deus que
ultrapassa e supera todas as nossas medidas, como disse S. Paulo na leitura
da carta aos Efésios.
Nesta contemplação do coração aberto de Cristo, podemos compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo
que ultrapassa todo o conhecimento. E assim somos totalmente saciados na
plenitude de Deus. É um coração aberto como uma fonte donde jorra, permanentemente e ao longo de todas as gerações, um caudal de amor e de vida
abundante no qual nos saciamos e por isso cantamos no salmo responsorial:
” bebereis com alegria das fontes da salvação”.
Enfim, dum ponto de vista prático, queria deixar duas indicações. A primeira é que a nossa fé não se funda, não se fundamenta numa abstracção,
num ideal por mais bonito que seja, num conjunto de regras de comportamento, mas funda-se e fundamenta-se no encontro com este mistério do amor
que se revela no coração de Cristo à humanidade. É daqui donde tudo parte;
aqui está o coração da fé.
Em segundo lugar, só se acede a este amor através de uma experiência
de vida, de quem o acolhe, de quem o vive e de quem o testemunha. É aquela
experiência mística que fizeram os Pastorinhos e que fez Francisco ao associarem juntamente os dois corações, o Coração de Jesus e o Coração de
Maria. Naturalmente o Coração de Jesus é o coração do Filho de Deus feito
homem, Único; o coração de Maria é o reflexo materno do coração divino, do
coração de Cristo e do coração de Deus, para nós também.
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Hoje vivemos uma espécie de eclipse cultural de Deus. Temos a impressão que Deus desaparece da cultura e do horizonte dos homens, sobretudo
por causa duma atitude de indiferença mesmo entre aqueles que se dizem
crentes e cristãos. Muitos vivem como se Deus não existisse. Acreditam apenas na cabeça: dizem que Deus existe como dizemos que existiu D. Afonso
Henriques. Mas Deus não está presente, não é fonte de vida, de amor e de
dinamismo na sua vida.
Hoje precisamos de falar de um modo novo de Deus, que seja capaz de
tocar directamente o coração humano, que seja capaz de seduzir o coração
humano como seduziu o coração dos pastorinhos e de tantos de nós. Essa
via chama-se a mistagogia. Não é pelos grandes discursos, nem mesmo pelas
grandes homilias que se façam aqui em Fátima que passa esta experiência de
Deus para os homens; é através da contemplação, do acompanhamento que
ajuda a entrar neste mistério a pessoa inteira, corpo, alma, mente, coração,
sentidos e sentimentos, razão e afecto. Por isso, esta devoção, esta festa ao
Coração de Jesus tem uma sedução particular para poder falar directamente
ao coração humano.
A festa, o culto ao Coração de Jesus, é um culto ao Amor eterno e santo
com que Deus nos ama. É a expressão do nosso amor para com Deus e também do nosso amor para com os irmãos, englobados todos eles no coração
de Deus.
Termino com uma citação do Papa João Paulo II que nos mostra bem esta
beleza e esta riqueza da devoção ao Coração de Jesus como uma escola de
mistagogia para viver a nossa fé:
“Unido ao coração de Cristo, o coração humano aprende a conhecer o
sentido verdadeiro e único da vida e do próprio destino, a compreender o
valor duma vida autenticamente cristã, a guardar-se de certas perversões do
coração, a unir o amor filial para com Deus ao amor para com próximo. Assim, e é esta a verdadeira reparação pedida pelo Salvador, sobre as ruínas acumuladas do ódio e da violência poderá ser edificada a civilização do coração
de Cristo que é a civilização do amor”!
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
. escritos episcopais .
Encerramento do Congresso “Francisco Marto”
Palavra de gratidão e parabéns
Na palavra de abertura que tive a ocasião de proferir, disse: É hora de
olhar em profundidade e de escutar as crianças. Elas têm muito a dizer-nos a
propósito de Deus e da nossa própria humanidade. E, de facto, o Congresso
foi exactamente uma amostra visível e bela daquilo que nos podem dizer as
crianças, concretamente, a partir desta figura que eu considero tão simpática
como é o beato Francisco Marto.
Foi um Congresso de elevada qualidade de reflexão, todo ele atravessado
pela beleza, pela ternura, pela simplicidade e, ao mesmo tempo, com aquela
profundidade também própria do tema que tratou e, diria, que abriu e fechou
com chave de ouro. Abriu com chave de ouro, com aquela conferência magistral do Senhor Padre Doutor Arnaldo de Pinho, sobre a fenomenologia do
dom na infância e a santidade, e fechou com a conferência magistral e cheia
de sabedoria do nosso querido Senhor Cardeal Patriarca.
Eu queria dizer uma última palavra, feita toda ela de gratidão e de parabéns, e permitam-me que comece exactamente por dirigir esta palavra de
gratidão e parabéns ao Senhor Cardeal Patriarca pela amabilidade com que
aceitou, de imediato, o convite para vir fazer esta conferência de encerramento do Congresso, sabendo que tinha esse dia da agenda bem ocupado. Por
isso, Senhor Cardeal, foi uma honra para nós tê-lo aqui presente, foi um gosto
ouvi-lo e partilhar da sua sabedoria, enfim, já com esse olhar voltado para o
fim, mas para o fim com plenitude, embora com o olhar rico e belo do coração
de criança. Muito obrigado Senhor Cardeal e parabéns pela conferência com
que nos brindou.
Parabéns, também, e gratidão ao Santuário pela iniciativa de realizar o
Congresso como coroamento de tantas actividades com as crianças e para
as crianças, de tal maneira que o Santuário hoje é um ponto já de referência
para as crianças do país. Vêm aqui cheias de alegria como quem se sente em
casa, como quem celebra a vida. Eu sou testemunha disso. Enfim, às vezes
sou criança com as crianças, também, mas sinto-me bem no meio delas. Por
isso, quero agradecer e felicitar o Santuário por esta iniciativa, todo o apoio,
logística, organização, material, enfim, ao meu caro amigo, o Senhor Reitor,
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a quem quero, também, mais uma vez, dar todo o apoio para o seu trabalho e
missão, tão bela mas tão delicada, de conduzir o Santuário.
Parabéns também à Comissão Científica do Congresso, que procurou darlhe a solidez, o horizonte e a seriedade científica, em relação aos temas que
foram tratados, aos conferentes que foram convidados, depois, todo o trabalho da preparação e organização, concretamente na pessoa do Presidente da
Comissão Científica, meu caro amigo, o Senhor Professor Arnaldo de Pinho;
na pessoa do Secretário, com o trabalho incansável, de que fui também testemunha, do Senhor Doutor Vítor Coutinho, meu Chefe de Gabinete. Naturalmente, digo-o com todo o orgulho e com toda a estima, eu fui testemunha das
noitadas que fez e das preocupações que teve para que o Congresso corresse
bem.
Agradeço também ao Secretariado e quero incluir neste agradecimento o
Senhor Doutor José Carlos Carvalho por este belo relatório de conclusão e de
apanhado final que nos quis oferecer.
Estendo esta saudação, naturalmente, à Universidade Católica na pessoa
do Padre Doutor Peter Stilwell, e quero dizer-lhe que nunca posso esquecer
os laços do afecto. Desculpem a emoção, mas a Universidade Católica foi a
minha casa durante muitos anos.
E, depois, gratidão e parabéns aos participantes, a todos os membros do
Congresso pela sua assiduidade, pelo seu interesso, pelas suas intervenções,
pelo clima e ambiente tão cordial e convivial que se criou. Também estão de
parabéns todos os membros congressistas.
E, vamos chegando ao fim, gratidão e parabéns, como não podia deixar
de ser, ao beato Francisco, no dia aniversário do seu baptismo e pela ocasião
que o seu centésimo aniversário nos proporcionou de olhar, com a profundidade da luz da fé e da razão, para a infância, hoje, com o que ela significa de
beleza, de encanto, de desafios e de pedido de respostas.
Finalmente, parabéns a Deus e à Virgem Mãe no dia da festa do Imaculado Coração de Maria. De maneira que termino, então, com esse clássico
louvor “Laus Deo Virginique Matri”, louvor a Deus e à Virgem Mãe.
2009/06/20
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. escritos episcopais .
. escritos episcopais .
17.ª Gala da Rádio Clube de Leiria (25.09.2009)
A Voz da(s) Palavra(s)
A voz e a palavra constituem o binómio fundamental que faz da rádio um
meio de comunicação fascinante.
“A voz é mais importante que as marcas digitais”, afirma Rino Icardi, um
grande jornalista da rádio na Itália. “A voz diz mais de quanto as palavras, só
por si, possam significar. Através da voz sente-se quem és, o que queres, de
que parte estás; se és honesto, se és leal, se és poeta”.
A voz, com as suas modulações, dá às palavras vida e vivacidade, afecto,
emoção, força de comunicação, alegria ou tristeza, comunhão. Mas também
é preciso que as palavras, de que a voz se faz eco, sejam Palavra, isto é,
mensagem, pensamento, substância. De contrário, a voz não passa de um
som retumbante, de um ruído ou de um palavreado que acaba por enfastiar...
Bela voz e bela(s) Palavra(s), em toda a plenitude de sentido, são os meus
votos para a Rádio Clube de Leiria!
Leiria, 25 de Junho de 2009
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
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. diversos .
Conselho Pastoral Diocesano
Sob a presidência do Bispo diocesano, D. António Marto, reuniu-se a dez
de Janeiro, no Seminário Diocesano, o Conselho Pastoral da Diocese de Leiria-Fátima, tendo como principais pontos da agenda a partilha das iniciativas
de formação previstas e realizadas nas paróquias, vigararias e movimentos,
e a reflexão sobre a implementação do diaconado permanente na Diocese.
D. António Marto deu início aos trabalhos com um momento de oração
e meditação a partir de um excerto da Carta aos Romanos (15, 14-16) sobre
a necessidade de todos caminharem, como diz São Paulo, “cheios de boa
vontade e repletos de toda a espécie de conhecimento”, de modo que a Fé não
permaneça enterrada na memória do passado, mas esta memória continue a
animar o espírito e seja um lugar de ensinamento, manancial de vida e fonte
de inspiração, de estímulo e de luz.
Seguidamente, dando a conhecer algumas das iniciativas realizadas, a
nível local, os conselheiros destacaram os encontros de formação e oração
com a presença do Bispo diocesano, as Escolas de Fé que vêm surgindo nas
vigararias, os momentos de formação para catequistas, adolescentes e jovens,
a nível vicarial, os encontros de formação litúrgica e os grupos de reflexão
sobre São Paulo. Ao nível diocesano, o Vigário Geral informou estar quase
concluído o guião para o retiro popular da Quaresma e apresentou as acções
de formação já agendadas para o clero.
No seguimento de uma reflexão orientada pelo Padre Adelino Guarda, os
conselheiros afirmaram não haver esclarecimento sobre o diaconado permanente junto da grande maioria dos fiéis leigos e que estes não se questionam
por não sentirem a sua necessidade pastoral. Mesmo ao nível do presbitério
parece haver alguma insegurança sobre o assunto. Finalmente, inquiridos
pelo responsável do Serviço Diocesano para o Diaconado Permanente, Padre
Adelino Guarda, os presentes partilharam as suas opiniões e concluíram que
os diáconos poderão aproximar o ministério ordenado aos fiéis e constituírem
um enriquecimento para a Igreja, mas, antes, há que esclarecer e preparar o
povo de Deus. Concluindo, o senhor Bispo informou estar em elaboração um
documento, que classificou de bastante acessível, sobre o diaconado permanente e a sua implementação na Diocese.
O Secretariado Permanente
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Diaconado permanente
. diversos .
Conselho Presbiteral - termo de mandato
Revisão do ano pastoral
No dia 28 de Maio, reuniu-se o Conselho Presbiteral naquela que foi a
última sessão do seu mandato. Em cima da mesa esteve a revisão do ano pastoral 2008/09 e uma primeira reflexão sobre o próximo ano pastoral.
Os conselheiros deram conhecimento a D. António Marto das iniciativas
levadas a cabo em toda a diocese na linha dos desafios lançados pelo plano
pastoral para o ano que agora termina. Foram muitas as acções realizadas
sob o tema geral da formação e o saldo, no geral, foi claramente positivo.
Mereceram destaque o retiro popular, as vigílias vocacionais, os encontros de
formação e oração com a presença do bispo diocesano, e as visitas pastorais
realizadas em diversas paróquias. Os conselheiros referiram no entanto a necessidade de se dar continuidade a este trabalho, já que um só ano é sempre
pouco para se adquirir um mínimo de formação.
O Conselho Presbiteral reflectiu ainda sobre a temática do próximo ano,
a comunhão fraterna. Algumas iniciativas estão já a ser estudadas e planificadas de forma a poderem ser iniciadas no início de Outubro.
Ao longo deste mandato o Conselho Presbiteral foi chamado a analisar
e rever os estatutos do RABI, regulamento de Administração dos Bens da
Igreja, além de alguns aspectos importantes relacionados com a reestruturação da fisionomia da diocese. Entretanto será constituído novo Conselho que
continuará a ajudar o senhor bispo na programação da pastoral diocesana.
O Secretariado Permanente
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Vida Eclesial
. destaque . notícias . Santuário de Fátima .
. serviços e movimentos . entrevistas .
. destaque .
Peregrinação diocesana 2009
“Quereis ver Jesus?
Contemplai-O na cruz!”
LMFerraz
Como desde há 78 anos, a nossa Diocese fez a sua peregrinação comunitária ao Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Reunidos com o
seu Bispo, milhares de diocesanos ouviram o seu apelo continuado a “ir ao
coração da fé” e a permanecer nela “firmes e sólidos”, como recomenda S.
Paulo. Em tempos de “eclipse de Deus”, é preciso contemplar “Jesus estendido na cruz, num abraço aberto a todos e cada um”.
“Saúdo com sentida emoção e profunda alegria a minha querida Igreja diocesana, que posso contemplar daqui do altar”. Com estas palavras, D.
António Marto, Bispo da Diocese, iniciou a meditação que partilhou com os
muitos fiéis, cerca de 35 mil, que
se deslocaram a Fátima, no passado dia 29 de Maio, naquela que
foi a 78ª peregrinação diocesana.
O prelado exprimiu a sua alegria
por ver e sentir uma Igreja tão variada nas suas expressões, “uma
Igreja reunida e recolhida em retiro espiritual para ir ao coração
da Fé”.
Depois de saudar os presentes
e de fazer uma calorosa saudação
a Nossa Senhora, e comentando
as leituras do dia, o Bispo continuou relembrando que “ir ao coração da fé e permanecer firmes
e sólidos na fé, é uma exigência
pastoral para os tempos que atra| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 69
Vida Eclesial
Rui Ribeiro
. destaque .
vessamos. Assistimos a um “eclipse” (cultural e existencial) de Deus; Ele é
esquecido pelos homens da cultura e da ciência; como uma vela que se vai
extinguindo, vemos apagar-se lentamente a luz de Deus; por toda a parte
vive-se como se Deus não existisse, ou, se existe, como se não fosse importante para a vida e felicidade de cada um”. O prelado fez esta breve análise
com sentido sofrimento interior e mágoa de pastor. Por isso, quis culminá-la
com um grito ardente “ para reacender a chama é preciso ir ao coração da fé”.
Continuou, depois, em tom mais optimista e esperançoso, afirmando que
“em tempos de crise e ruína, os profetas encontram sempre razões para a
esperança e alento para seguir em frente”. E apontou o exemplo do profeta
Jeremias, de que falava a primeira leitura da celebração, que apelava para a
renovação da fé em Deus “não um Deus qualquer, ou um Deus de ideias, mas
um Deus bem concreto, um Deus que fez história e que está presente na vida
quotidiana e que tem um rosto”. Esta visão real de Deus e esta convicção da
Sua presença na história foi o motivo para que, no Evangelho, “alguns se tenham aproximado para verem o rosto de Deus. Ver o rosto de Deus, significa
entrar na sua intimidade, partilhar a sua vida; viver com Ele e viver dele”.
O prelado quis deixar bem vincada a ideia de que a fé e o próprio Deus
vão para lá das ideias e são realidades concretas, comprometedoras e existenciais. Por isso, apontou o caminho: “para ir ao coração da fé é preciso
passar do conhecimento de Deus em segunda-mão, para um conhecimento
em primeira-mão” sendo que este é aquele que nasce da experiência e da
relação directa com Ele. E o contacto com Ele leva-nos a fazer o caminho
da cruz. “Ao falar da Sua hora, Jesus diz-nos que o Seu rosto se descobre
na cruz. Elevado na cruz, Jesus diz tudo o que é e é tudo o que diz”. Uma
realidade que o Evangelho expressa com uma imagem bem comum tirada do
mundo agrícola. Tal como o grão de trigo precisa de morrer para dar muito
fruto “também todo o mistério de amor de Jesus se manifesta pela entrega e
pela morte na cruz”.
No final da sua reflexão, D. António lançou um repto aos fiéis que o acompanhavam: quereis ver Jesus? Então contemplai-o estendido na cruz. Os seus
braços abertos são os braços com que nos quer abraçar, a todos e a cada um”.
No final da sua meditação, dirigiu uma súplica a Maria, padroeira da diocese
e mãe da Igreja, pedindo que fosse ela a levar-nos até Jesus e a mostrar-nos
o seu rosto.
No decorrer da celebração houve ainda oportunidade para abençoar e enviar um grupo de missionários que irão para a diocese do Sumbe, em Angola,
com o pedido de lavarem o rosto de Jesus àqueles que anseiam vê-lo.
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. destaque .
Memória do cónego Carlos da Silva
Evocação “Cantarei eternamente”
LMFerraz
O último momento da peregrinação, após o almoço, é normalmente reservado a uma sessão que procura envolver o tema em ambiente de festa e de
convívio. Este ano, a ocasião serviu para evocar a memória do cónego Carlos
da Silva, falecido no passado dia 16 de Fevereiro, um dos padres mais ligado
a estas peregrinações, bem como a toda a pastoral do Santuário e da Diocese,
compositor de mais de 500 obras musicais para a liturgia e maestro de coros
e assembleias durante mais de 50 anos de sacerdócio.
Sob o lema “Cantarei eternamente”, que pode resumir a sua forma de entrega à vida, à Igreja e a Deus, cerca de mil pessoas participaram, no Centro
Paulo VI, nesta evocação que uniu música, imagens e testemunhos.
Começou com uma apresentação multimédia de fotos e o relato do percurso de vida de Carlos da Silva, desde a infância à ordenação sacerdotal, aos
estudos musicais em Roma e às suas múltiplas actividades pastorais, sobretudo como professor no Seminário Diocesano, compositor de música sacra
e mestre de padres e leigos nas disciplinas litúrgicas. Lembraram-se ainda
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Vida Eclesial
Luís Miguel Ferraz
. destaque .
algumas das suas afirmações, numa entrevista de 2001 a O Mensageiro, por
ocasião do cinquentenário da sua ordenação, testemunho da sua paixão pela
música como forma de oração, e do seu amor a Deus, princípio e fim de todo
o sentido que procurou para a sua vida, e à Eucaristia como expressão máxima da celebração da fé da Igreja.
Depois, algumas das suas músicas foram entoadas pelo Coro do Santuário
de Fátima, dirigido pelo padre Artur Oliveira. Desde os trechos populares da
juventude e incursões mais líricos, aos cânticos mais meditativos e profundos, os presentes puderam recordar um pouco da obra deste autor.
À mistura, surgiram testemunhos de quem, com ele, aprendeu, trabalhou
e viveu.
Os padres Luciano Cristino e Pedro Viva, alunos do homenageado, um
no início e outro no final da sua carreira de mestre, salientaram a sua seriedade, integridade e amizade enquanto homem, a sua paixão, profundidade
e sabedoria enquanto professor, e a sua entrega, espiritualidade e santidade
enquanto padre.
Sobre o seu trabalho artístico, o músico Paulo Lameiro salientou a “originalidade e unidade estilística” do reportório de Carlos Silva, que fazem
dele “um génio daqueles que aparecem em cada geração”. “Partindo da palavra para a descoberta dos sons, preocupado sobretudo com a melodia a uma
só voz, que seja facilmente cantada por grandes assembleias, Carlos Silva
encontra na voz humana o instrumento primordial”, concluiu o musicólogo
leiriense.
Antes da oração de agradecimento que todos rezaram também a uma só
voz, D. António Marto dirigiu aos diocesanos um apelo: “Façamos memória
viva do melhor que Carlos da Silva nos deixou, como sacerdote de grande
valor humano e espiritual, vivendo sacerdotalmente a música e musicalmente
o sacerdócio”. Referiu ainda a profunda devoção do homenageado a Nossa
Senhora de Fátima, “a quem cantava com a ternura de um filho pela sua
mãe”, bem como “os valores da humildade, do perdão, da misericórdia, da
conversão e da esperança, que fazia espelhar na sua vida e nas suas músicas”. Por fim, o Bispo diocesano dirigiu-lhe um agradecimento e um pedido:
“Obrigado pela tua presença e pela tua partilha de dons; reza pela vitalidade
da nossa diocese!”.
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. destaque .
Festa do Corpo e Sangue de Cristo nas ruas de Leiria
“Estar com o Senhor, caminhar
com Ele, ajoelhar em adoração”
LMFerraz
São os três momentos importantes da centenária Festa do Corpo e Sangue
de Cristo, mais conhecida por “Corpo de Deus”: a celebração da Eucaristia,
a procissão pelas ruas da cidade e a adoração e bênção do Santíssimo Sacramento. E foi destacando cada um desses momentos que o Bispo Diocesano,
D. António Marto, se dirigiu aos fiéis na homilia da celebração, no passado
dia 11 de Junho: “Estamos juntos na presença do Senhor, a celebrar na Eucaristia o mistério do seu Corpo e Sangue; caminhamos juntos com Ele, que
é o caminho em direcção ao Pai; e ajoelhamos em adoração diante d’Ele,
pedindo que nos abençoe com as suas graças”.
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Vida Eclesial
Luís Miguel Ferraz
. destaque .
Nos jardins exteriores da igreja de Santo Agostinho, muitas centenas de
cristãos marcaram presença neste encontro, que tradicionalmente junta pessoas vindas de todas as comunidades da Diocese, padres, religiosos e leigos.
Sendo a manifestação religiosa anual mais expressiva e “pública” na cidade
de Leiria, serve também de espaço de encontro e comunhão da nossa Igreja
particular. “Sinto enorme alegria em ser Pastor de uma Igreja que assim testemunha a sua fé publicamente, sem medo, sem vergonha, numa comunhão
representativa de todo este querido povo que o Senhor me confiou”, afirmava
D. António no final da homilia, numa expressão comovida que foi saudada
pelos fiéis com uma calorosa salva de palmas.
Estar e caminhar
“Deus reúne todos os povos numa aliança selada com o seu sangue, e
estamos aqui com Ele, uns ao lado dos outros, porque somos um só corpo,
alimentados pelo mesmo Pão”, afirmou o Bispo diocesano e lamentou que
“esta união de diversidades seja uma maravilha que os nossos olhos às vezes
já não distinguem”. Lembrando o valor da Eucaristia dominical como pólo
aglutinador das comunidades, o prelado alertou que “ser cristão é juntar-se
aos outros crentes num único corpo em Cristo”.
Quanto ao momento da procissão, D. António referiu a importância de
“caminharmos com Aquele que é o caminho, a verdade e vida, Aquele que
vai sempre ao nosso lado, que é o Pão que nos dá força no trajecto e que nos
indica o rumo certo”. E perguntou: “Como poderíamos aguentar a caminhada, se Ele não estivesse ao nosso lado, presente nos problemas, nas alegrias
e nas esperanças da nossa vida?”. “Caminha sempre connosco, Senhor!” foi
a oração que pediu aos fiéis durante o percurso de ligação à catedral, pelo
coração da cidade, num longo cordão de gente, ao ritmo musical de algumas
filarmónicas da região, e cujo centro era a custódia com a Hóstia consagrada,
nas mãos do Pastor da Diocese.
Ajoelhar e adorar
Num último momento, o convite à adoração, de joelhos diante do Senhor
do Céu e da terra, que a todos abençoa e enche de dons. É o culminar de toda
a festa, no átrio da Catedral. “A adoração é o prolongamento da celebração,
da comunhão Eucarística que a todos uniu no Corpo e Sangue de Cristo,
e da caminhada que fazemos com Ele”, tinha referido o Bispo na homilia.
“Este mistério tão grande da beleza e da riqueza do amor de Deus precisa de
impregnar todos os nossos sentimentos e afectos, toda a nossa razão e acção;
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. destaque .
Vida Eclesial
ao ajoelharmos diante d’Ele não fazemos nada demais, pois também Ele se
ajoelhou para lavar os nossos pés sujos pelo pecado”, afirmou o prelado.
Depois, lembrou a ocasião do centenário do nascimento do Beato Francisco
Marto, precisamente neste dia 11 de Junho: “A adoração leva nossa alma a
alimentar-se de Cristo, a descobrir o amor de Deus presente no sacrário”. A
este propósito, D. António Marto fez um apelo à imitação do Francisco, a
“consolá-l’O e a dar-Lhe alegrias, cultivando o recolhimento e a adoração”,
lamentando verificar “tantas vezes a falta do sentido da presença de Deus nos
sacrários das nossas igrejas, transformadas em autênticas feiras e locais de
convívio”.
Com esta mensagem no coração e a bênção do Santíssimo Sacramento,
todos foram enviados a “ir por todo o mundo e proclamar o Evangelho”,
como se entoou no cântico final.
Um momento musical pelas filarmónicas presentes (Pousos, Soutocico,
Maceira, Monte Redondo) serviu ainda para colorir de festa a despedida de
mais esta realização anual da Igreja diocesana de Leiria-Fátima.
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Faleceu o Cónego Carlos da Silva
Servidor do sacerdócio,
da Diocese e da música
Carlos da Silva, ilustre sacerdote da diocese de Leiria-Fátima, faleceu
no dia 16 de Fevereiro, na Casa do Clero, em Fátima. Tinha 80 anos. A
missa exequial teve lugar no dia 18, às 10h00, na Sé de Leiria, e o funeral
seguiu para Minde, em cujo cemitério se procedeu ao sepultamento.
O Cónego Carlos da Silva era filho de José da Silva e de Maria do Nascimento Pena. Nasceu em Minde, concelho de Alcanena, a 5 de Março de
1928. Entrou para o Seminário de Leiria em Outubro de 1939 e terminou
o curso de teologia em 1950. Foi ordenado sacerdote em 7 de Outubro de
1951. Frequentou o Instituto Pontifício de Música Sacra, em Roma, onde
obteve a licenciatura em Canto Gregoriano.
Na sua longa vida sacerdotal trabalhou no Seminário de Leiria, de Outubro de 1955 a Setembro de 1996, como educador e professor de muitas
gerações de sacerdotes. Em 1976 foi nomeado cónego da Sé de Leiria,
igreja em que regia o respectivo coro e conduzia a animação musical das
celebrações litúrgicas. Também no Santuário de Fátima regeu o canto da
assembleia ao longo de muitos anos.
Exerceu ainda as tarefas de director diocesano da Obra Pontifícia da
Propagação da Fé, professor de Religião e Moral no Liceu Nacional de
Leiria, conselheiro espiritual das Equipas de Nossa Senhora, membro do
Secretariado Diocesano de Liturgia e da Equipa sacerdotal do Movimento
dos Cursos de Cristandade.
Nos últimos anos, devido à doença e à idade, deixou o Seminário de
Leiria e passou a residir na Casa Diocesana do Clero, em Fátima.
Dotado de notável sensibilidade e talento musical, compôs muitos cânticos para a liturgia, que distribuía pelos cantores e dava generosamente a
quem lhos pedia. Parte substancial das suas obras musicais foi reunida em
livro, “Orar Cantando”, publicado pelo Secretariado Nacional de Liturgia,
em 2001. Com a sua criatividade e dotes musicais, o Cónego Carlos Silva
cantou e ensinou a cantar os louvores de Deus, empenhando-se na promoção de uma “participação activa, consciente e frutuosa” dos fiéis nas
celebrações litúrgicas.
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. especial . visita pastoral .
Visita Pastoral à Diocese
D. António Marto na vigararia de Fátima
1. Que pensa desta iniciativa do Bispo diocesano de fazer uma visita pastoral a
todas as paróquias?
2. Como se preparou a comunidade para receber o Bispo?
3. Qual foi o critério na elaboração do programa?
4. De forma geral, como decorreu a visita?
5. Houve algum momento especial que queira destacar?
6. Qual a principal mensagem ou marca deixada por D. António Marto?
7. Quais as expectativas criadas a partir da Visita Pastoral?
8. Foi já definida alguma prioridade pastoral ou tomada alguma decisão em
ordem à renovação da dinâmica paroquial?
Padre Fernando Clemente Varela, pároco de Atouguia
1. A visita pastoral do Nosso Bispo reveste-se da
máxima importância para que possa conhecer a Diocese e tomar o pulso à vida cristã dos seus diocesanos.
É também uma grande oportunidade de evangelização
e revitalização da vida cristã das comunidades.
2. Preparou-se com a oração e com encontros a nível dos grupos existentes na paróquia.
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Vida Eclesial
D. António Marto completou mais um ciclo da sua Visita Pastoral, desta
feita na vigararia de Fátima, primeiro na paróquia da Atouguia, de 19 a 22 de
Fevereiro, e depois São Mamede, de 25 de Fevereiro a 1 de Março, Santa Catarina da Serra de 11 a 15 de Março, e, por fim, Fátima, de 18 a 22 de Março.
Como tem sido hábito, procuramos repercutir alguns ecos desse encontro
do Pastor com as comunidades, recorremos aos respectivos párocos e às entrevistas por eles concedidas a O Mensageiro. As perguntas colocadas serão
as mesmas das visitas anteriores:
. especial . visita pastoral .
3. Na programação, deu-se prioridade ao encontro com as pessoas (crianças, jovens, adultos e idosos/doentes) e com os grupos intervenientes na vida
paroquial (catequistas, comissões e conselhos, grupos de apostolado, etc.).
4. Foi uma visita que decorreu em ambiente de festa e de alegria, com
muita paz e tranquilidade, num clima de confiança e de fraterno ambiente
familiar.
5. Destacaria o encontro com os idosos do Centro de Dia e com as crianças do Jardim Infantil. Foram momentos de muita emoção.
6. A principal mensagem deixada pelo senhor Bispo é dupla:
- Vale a pena ser cristão, desde que se aposte numa vida cristã de qualidade (iluminada pela luz da fé e da razão e fundamentada na responsabilidade
pessoal de cada um dentro da comunidade cristã que se manifesta em atitudes
concretas de empenhamento na vida);
- Vale a pena ter esperança (e coragem) porque Cristo está vivo e está no
meio de nós, connosco, actuante, mesmo que o mundo em que vivemos pareça desvirtuado da presença de Deus e nos diga que Deus não existe: Cristo
é a nossa única esperança!
7. A visita abre expectativas de maior empenho na formação cristã (pessoal e comunitária) e na oração, para que exista uma vida cristã de qualidade
e que seja testemunha verdadeira da presença de Cristo no meio dos homens;
expectativas de um maior empenho pessoal na vida comunitária, através do
compromisso pessoal.
8. Entre as prioridades pastorais mais evidentes, destacamos duas: maior
atenção à pastoral juvenil, com os jovens que acabam a catequese institucional e a constituição de grupos de jovens; e a criação do Conselho Pastoral
Paroquial.
Padre António Ramos, pároco de São Mamede
1. Sendo o Bispo diocesano o primeiro responsável
pela vivência do Evangelho na diocese, não pode ficar
descansado na sua sede, mesmo recebendo informações fidedignas, mas tem todo o interesse em descer
ao terreno e ver, com os próprios olhos, como vivem as
comunidades paroquiais. Estas, ao verem-se visitadas
pelo seu Bispos, não se sentem como ovelhas sem pas78 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. especial . visita pastoral .
tor, mas acompanhadas por aquele que vem em nome do bom Pastor, que nos
conduz por caminhos de Vida.
2. A preparação da comunidade fez-se seguindo os esquemas propostos
pela Diocese. Em toda a paróquia se formaram-se bastantes grupos da Lectio
Divina, ou Leitura Orante da Palavra. Só Deus conhece o íntimo das pessoas,
mas poderíamos dizer que houve autênticas conversões.
3. Na elaboração do programa, houve a preocupação de que todas as pessoas pudessem contactar de perto com o seu Bispo, quer nos centros de culto,
quer nos diversos encontros específicos.
5. É difícil distinguir um momento, pois todos foram especiais. Mas ficou
a ecoar no coração de todos os membros da comunidade paroquial de São
Mamede o apelo a que não tenham medo de ser cristãos.
6. A sua mensagem apelativa ficará certamente na lembrança de todos.
E Deus queira que passe para a vida, pois a todos e cada um o nosso Bispo
cativou com a sua afabilidade e atenção.
7. A Visita Pastoral tem um antes, um durante e um depois. O antes gerou grande interesse; o durante teve momentos de entusiasmo; e o depois?
Se tudo for como enxurrada que passa sem penetrar no íntimo de cada um,
será mal empregado tanto esforço. Mas não! Há que aproveitar e não deixar esquecer a descoberta da riqueza de trabalhar em grupo, como se fez na
preparação. A Lectio Divina foi para muitos uma novidade entusiasmante.
Talvez alguns se tenham sentido tocados por aquilo que se diz dos cristãos
das primeiras comunidades: Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união
fraterna, à fracção do pão e às orações (Act 2, 42). Esta assiduidade mantinha-os perseverantes.
8. Falando de prioridades, a renovação da paróquia só se fará com uma
educação permanente da fé. A Igreja incentiva a “novos métodos e novas
estruturas”, e considera “a paróquia como comunidade de comunidades”. É
preciso evitar o anonimato e a massificação. Ou se formam novas comunidades na comunidade paroquial ou o entusiasmo resfria.
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Vida Eclesial
4. Tudo correu muito bem, com seriedade e serenidade. Desde as crianças
aos idosos, todos se sentiram motivados. Apenas os pais das crianças e adolescentes da catequese e os casais mais novos falharam um pouco no encontro
que lhes era dedicado.
. especial . visita pastoral .
Já existem algumas comunidades, que procuram fazer uma caminhada
lenta, mas segura. Espera-se que aqueles que descobriram novidades nos grupos da Lectio Divina venham a dar mais um passo em frente, descobrindo
ainda mais novidade.
E não esquecer o grito apelativo do nosso Bispo: Não tenham medo de
ser cristãos!
Padre Mário Verdasca, pároco de Santa Catarina da Serra
1. Acho que a visita pastoral se impunha por diversas razões: antes de mais, porque o nosso Bispo
iniciou recentemente o seu múnus pastoral na Diocese que precisa de conhecer; depois, a Igreja vive
uma situação muito peculiar devido às dificuldades e
circunstâncias novas deste tempo presente; finalmente, porque a Igreja precisa de pastores que baixem ao
mundo concreto, e D. António Marto disse.nos vir
“pôr os olhos nos nossos olhos, o coração ao lado do
nosso coração”, que renovem a esperança e o entusiasmo que estão com saldo negativo.
2. Há já cerca de um ano que vínhamos falando da importância que a
visita podia ter na nossa comunidade paroquial, primeiro no Conselho Pastoral Paroquial e no Conselho Económico, depois com os catequistas e todos os que se comprometem e marcam com o seu trabalho e preocupação a
vida pastoral. O Conselho Pastoral trabalhou num levantamento da realidade
paroquial, elaborou o programa e lançou cerca de trinta grupos de Leitura
Orante da Palavra de Deus. Nas reuniões de pais das crianças da catequese
foi mostrado um pequeno filme e falou-se sobre a missão do Bispo, sucessor
dos Apóstolos. Elaborámos ainda uma apresentação digital que fez as delícias
das crianças, dos adolescentes e até dos adultos.
3. O critério que presidiu ao programa foi, antes de mais, que o Bispo
pusesse estar com todos, em todos os círculos, e que todos pudessem estar
perto do seu Pastor. Queríamos acolher tudo o que nos trazia e que aceitasse
a nossa dedicação e ternura de filhos que o estimam e admiram como aquele
que vem em nome do Senhor – do Bispo para nós e de nós para o nosso Bispo.
4. A visita decorreu muito bem. No encontro com o Agrupamento de Escolas da Serra, os professores escutaram com admiração a mensagem que o
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. especial . visita pastoral .
Sr. D. António lhes comunicou com a simplicidade e a sabedoria do Evangelho. Na reunião com as autarquias e associações o ambiente foi de interesse e abertura ao espírito de serviço e disponibilidade. Nos encontros com
as diversas comunidades, as Igrejas foram pequenas para quantos quiseram
escutar a palavra do Mestre na Fé e os convívios calorosos e fartos foram
manifestações claras de comunhão afecto.
5. Destacaria especialmente a tarde em que cerca de 400 crianças, 250
adolescentes e 80 jovens passaram pela Igreja para estarem com o seu Bispo,
que soube falar-lhes ao coração, e a Eucaristia de encerramento, onde D.
António dirigiu à comunidade paroquial com palavras cheias de ternura e
encanto elogiando o dinamismo que ela .
7. Acima de todo, Senhor D. António comunicou-nos um entusiasmo extraordinário por Jesus e pela Igreja e deixou um desafio a uma vida de fé tranquila mas dinâmica. Designadamente, apelou a uma preparação séria para os
sacramentos, em particular da Eucaristia, que são os grandes momentos de
encontro com Deus e com os verdadeiros valores espirituais.
8. Para já, estamos a saborear os momentos bonitos que se viveram na
comunidade e a dar largas ao entusiasmo que em nós se reanimou. Mas, a
seu tempo vamos analisar e discernir em conjunto sobre os caminhos que se
abriram e se vão abrindo a partir desta visita.
Padre Rui Marto, pároco de Fátima
1. Ninguém ama o que não conhece. A Visita Pastoral é um dos melhores meios de o Bispo conhecer
a sua diocese, os cristãos que dela fazem parte e até
o meio social em que vivem. Não se trata de um momento fugitivo de celebração de um sacramento ou de
contacto com uma ou outra pessoa, equipa ou movimento. Olhos nos olhos, coração a coração, o Senhor
D. António escolheu o estilo do encontro pessoal. Re| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 81
Vida Eclesial
6. A principal mensagem de D. António parece-me ter sido a da importância da presença de Deus em cada um e na comunidade, fonte de alegria
e esperança para a vida e missão que todos no meio onde vivemos e num
mundo tão necessitado destes dons.
. especial . visita pastoral .
alizada deste modo, a sua visita é uma presença e cria laços profundos e efectivos entre o Pastor e a sua diocese. Foi assim que o nosso Bispo entendeu por
bem realizar a sua Visita Pastoral à Paróquia de Fátima.
2. Há cerca de seis meses que a comunidade se vinha preparando. Com
o anúncio público e outras iniciativas como uma própria nas Eucaristias e
noutros momentos como reuniões de movimentos, de grupos e de comissões,
ninguém desconhecia a vinda do Senhor Bispo. De um modo ou outro, todos
se prepararam, na expectativa, ansiedade e esperança da chegada do grande
amigo. Fizeram-se reuniões de trabalho com os Conselhos Económico e Pastoral, e a catequese, comissões das igrejas, movimentos apostólicos, todos
promoveram reuniões de trabalho e de preparação.
3. A elaboração do programa teve em conta vários aspectos da vida paroquianos e as reais disponibilidades horárias. O encontro com as crianças e
adolescentes teria de ser ao sábado; a Assembleia paroquial poderia ser logo
de início, mas à noite; a ida às oito igrejas era mais conveniente em fim de
tarde, tal como o encontro e a Eucaristia com as famílias; e a celebração com
idosos e doentes ficaria bem a meio da tarde. A conclusão da visita deveria
ser na celebração da Eucaristia seguida de almoço de convívio, em ambiente
de alegria, sereno e muito pessoal.
4. A visita decorreu como previsto. Houve momentos de grande emoção,
especialmente com os mais idosos e doentes e na visita às comunidades. Nas
oito igrejas, à hora combinada, todos os que podiam compareceram e, em comunidade, entoaram cânticos, rezaram, escutaram a palavra do Pastor e não
deixaram de lhe oferecer uma lembrança.
5. O grande realce vai para a grande Assembleia paroquial, a mais numerosa que o Senhor disse ter encontrado e que congregou as forças vivas da Paróquia. Mas o encontro com a catequese foi um momento quase divino, com a
participação de todas as crianças nos cânticos (resultado de algumas semanas
de ensaio). No final, uma criança que desabafou com a mãe ainda não ter
vistos os olhos do Senhor Bispo, foi-lhe apresentada e por ele abraçada como
o pai ao filho querido. Os adolescentes foram exemplares nos cânticos, nas
encenações e, sobretudo, na escuta em silencio do que lhes dizia o Senhor
Bispo, designadamente quando lhes contou a história da galinha e da águia.
6. O Senhor D. António deixou várias marcas: ficou a sua presença, o
cumprimento terno e afectuoso que dirigiu a cada uma e cada um, em sauda82 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. especial . visita pastoral .
ção amiga, fraterna e paternal. Na Eucaristia de conclusão deixou à Paróquia
quatro recados, a saber: maior empenho na descoberta e aprofundamento da
fé; participação assídua na Eucaristia dominical; amor à Igreja; e coragem no
testemunho cristão, num mundo cheio de obstáculos à própria vida dos filhos
de Deus.
8. No início do ano pastoral haviam sido delineadas algumas prioridades.
Serão agora revistas em ordem a uma maior dinâmica e renovação, nos vários
âmbitos e com maior diversidade de pessoas. Procuraremos beneficiar desta
visita tão bela e do contributo importantíssimo do nosso Bispo. As comunidades estão mais vivas e reforçadas. Nesta terra escolhida por Nossa Senhora,
procuraremos seguir mais de perto o exemplo dos Pastorinhos tão recordado
por D. António. A Paróquia de Fátima agradece, do fundo do coração, a Jesus
e ao Pastor que, em seu nome, nos enviou.
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Vida Eclesial
7. Estes quatro recados deixados pelo Senhor Bispo e a sua prática virão
trazer muita alegria aos cristãos e às comunidades, um reencontro na fé e na
prática efectiva. Se antes da visita já se trabalhava, o rosto da Paróquia será
bem diferente a partir de agora. Não poderá deixar de o ser.
. notícias.
Pe. Adelino Ascenso faz doutoramento em Teologia
O padre Adelino Ascenso, sacerdote da Sociedade Missionária da Boa
Nova, natural da diocese de Leiria-Fátima, apresentou e defendeu a tese de
doutoramento em Teologia Fundamental na Universidade Gregoriana, em
Roma, no passado dia 11 de Dezembro de 2008. Além do júri, estiveram
presentes cerca de 30 convidados e amigos, entre os quais o embaixador do
Japão na Santa Sé e D. Serafim Ferreira e Silva, Bispo emérito de LeiriaFátima.
A tese, apresentada e defendida em inglês, teve o seguinte tema: “Transcultural Theodicy in the Fiction of Shusaku Endo”. Faz desenvolvimento
da dimensão estética como caminho antropológico da busca de Deus. Teve
como moderador o R. P. Prof. Michael Paul Gallagher, S.J. Recebeu a classificação académica de “Summa Cum Laude”.
O escritor e romancista Shusaku Endo (1923-1996) foi um bravo pensador japonês, baptizado aos12 anos, que sentiu o catecismo católico como um
“casaco ocidental”. A metáfora pretende significar as múltiplas diferenças
entre um ocidente monoteísta e um oriente panteísta. Os “pontos quentes”
e comuns giram à volta do bem e do mal. A pessoa de Cristo aparece como
companheiro de viagem do tempo para fora do tempo.
O padre Adelino Ascenso regressou, entretanto, ao Japão, onde continua
a sua missão como professor da Universidade Católica de Osaka. Aguarda-se
entretanto a publicação da tese.
Formação e Oração na vigararia de Leiria
Conforme anunciado na Carta Pastoral “Ir ao Coração da Fé”, D. António
Marto, Bispo de Leiria-Fátima, está a presidir em cada vigararia a um encontro de formação e oração com os principais colaboradores da acção pastoral
nas paróquias, em que apresenta o perfil e alguns critérios de escolha e de
formação dos mesmos.
Para a vigararia de Leiria, o encontro decorreu no dia 9 de Janeiro, no
Seminário Diocesano. Os párocos da vigararia fizeram convites pessoais, de
modo a atingir os principais agentes pastorais de forma delegada. Cerca de
250 delegados estiveram presentes e puderam acompanhar a reflexão feita
pelo bispo, com destaque para o desafio a uma maior corresponsabilidade dos
leigos na vida da Igreja diocesana.
84 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
Seguindo o modelo da lectio divina, o prelado reflectiu passo a passo um
texto de S. Paulo aos Romanos (Rom 15, 14-16; 16, 1-7.25-27), salientando
a importância de “reavivar a memória da fé”, como forma de “redescobrir os
valores da vida cristã e encontrar a forma e o vigor para seguir em frente”.
Neste sentido referiu-se à urgência de “descobrir e reavivar a riqueza e a
beleza da fé que cada um traz consigo no coração”. Referindo-se aos colaboradores de Paulo, D. António Marto sublinhou a capacidade do apóstolo em
reunir e congregar os colaboradores necessários, “indo recrutá-los a todos
os quadrantes sociais, desde que unidos pela profissão de uma mesma fé”.
“Assim a Igreja surge como lugar de comunhão e união”, sublinhou, para
reforçar a ideia de que é urgente “trabalhar em equipa, trabalhar em rede,
olhando e destacando mais os aspectos positivos que nos unem e não tanto
as falhas que por vezes nos separam, um trabalho que requer, a exemplo de
Paulo, uma estima e apreço por cada um, para que cada pessoa seja estimada
e afectivamente apreciada”.
Contra uma visão ainda demasiadamente clerical, D. António desafiou os
leigos a tomarem sobre si a responsabilidade de um trabalho que é de todos
e não apenas dos padres. “Os leigos precisam tomar o pulso nos destinos das
comunidades. Para tanto, é preciso investir mais e mais na formação”. Reflectindo sobre a falta de novas ordenações sacerdotais na Diocese, apontou
os desafios que essa situação traz consigo: “Tempos de crise podem ser tempos de novas oportunidades; por vezes, precisamos de sentir a escassez para
saborear melhor o pouco que temos”. Terminou a sua reflexão referindo-se a
algumas propostas diocesanas que vão no sentido da formação dos cristãos,
a saber: lectio divina, retiro popular, os cursos do CFC, Escola Razões da
Esperança e uma síntese da fé que será publicada no próximo ano.
Ministros Extraordinários da Comunhão em recolecção
No dia 10 de Janeiro de 2009, realizou-se o primeiro turno da recolecção
para Ministros Extraordinários da Comunhão, no Seminário de Leiria, orientado pelo padre Sérgio Henriques e com a presença de 250 pessoas, sob o
lema “A Eucaristia, dom de Deus para a vida do mundo”.
Após a oração inicial, o orientador, fezendo uma reflexão a partir da sua
experiência como delegado diocesano ao último Congresso Eucarístico Internacional (Quebec, Canadá), acentuou a necessidade de coerência entre a
participação na celebração e a vida, pois “a Eucaristia convoca os cristãos a
construírem a paz, a justiça e a caridade”.
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Vida Eclesial
. notícias .
. notícias .
Da parte da tarde, os participantes receberam informações sobre as diversas propostas de formação a decorrer na Diocese, nomeadamente as que lhes
são destinadas, como a leitura e reflexão da Exortação Apostólica de Bento
XVI “Sacramento da Caridade” e da Carta Pastoral de D. António Marto para
o presente ano. O encontro terminou com a celebração da Eucaristia, na igreja
do Seminário.
Coimbrão homenageia 30 anos de serviço do pároco
No dia 11 de Janeiro, o Conselho Económico da Paróquia do Coimbrão,
da diocese de Leiria Fátima, organizou no salão paroquial um almoço de
homenagem ao seu pároco, padre Joaquim de Jesus João, pelos 30 anos ao
serviço desta comunidade. No evento participaram várias centenas de paroquianos dos três centros de culto da paróquia (Coimbrão, Ervedeira e Praia
do Pedrógão).
Coube a Ilía Gervásio, professora aposentada, falar em nome da comunidade, agradecendo ao sacerdote “toda a dedicação e trabalho realizado em
prole do bem”, mas não deixando de referir algumas iniciativas menos conseguidas e a esperança de que “pudesse continuar ainda, por muitos mais
anos, com saúde e com o zelo que se lhe reconhece”. O pároco agradeceu a
surpresa da homenagem e o convívio, e pediu “desculpa de não ter feito mais
e melhor”. Agradeceu ainda toda a colaboração prestada ao longo dos anos
pelas várias comissões das igrejas, conselhos pastorais, catequistas, grupos,
associações e entidades autárquicas, que se associaram à iniciativa. Lembrou
ainda, com comoção, os 849 baptismos, 198 casamentos e 716 funerais a que
presidiu durante estes 30 anos.
A sessão terminou com um concerto musical pela Filarmónica de Bajouca.
Encontro de adolescentes na Vigararia de Leiria
O Serviço Pastoral Vocacional da Vigararia de Leiria organizou um encontro para todos os adolescentes que se preparam para receber o sacramento
do Crisma, no dia 17 de Janeiro. Com a participação de D. António Marto,
a acção visou a formação dos adolescentes em ordem à recepção do referido
sacramento e ao mesmo tempo proporcionar um espaço de convívio e troca
de experiências entre os jovens das várias paróquias. Foram realizados vários ateliers dinâmicos sobre alguns aspectos litúrgicos relacionados com o
Crisma.
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. notícias .
Dia do Cursista
Pela segunda vez, o Secretariado Diocesano do Movimento dos Cursilhos
de Cristandade promoveu um encontro no Seminário Diocesano de Leiria, no
dia 18 de Janeiro de 2009. Com o objectivo de reunir num dia de convívio,
partilha e troca de experiências os cursistas das diversas paróquias da Diocese, esta foi uma oportunidade para promover a dinamização local do movimento. Muitos cursistas participaram nas actividades desenvolvidas núcleos
do movimento das diferentes paróquias, que incluíram teatro, música, poesia,
etc. Depois do almoço partilhado houve a intervenção do Padre Francisco
Senra Coelho, subordinada ao tema “A Acção dos Cursistas nos Ambientes”.
No âmbito do Ano Paulino, o Colégio de Nossa Senhora de Fátima levou
a efeito, no dia 23 de Janeiro, um espectáculo sobre S. Paulo, intitulado “Caminhar a uma Nova Luz”. O local escolhido foi o adro da Sé de Leiria, num
evento de carácter religioso, mas, sem dúvida, também cultural e artístico.
Colecta a favor dos pobres
Em toda a Diocese, o ofertório das celebrações eucarísticas dominicais de
25 de Janeiro, festa da conversão de S. Paulo, foi encaminhado para a ajuda
aos pobres e necessitados. No n.º 4.4 da Carta Pastoral “Ir ao coração da fé”,
o Senhor Bispo, D. António Marto, propunha que o presente ano fosse um
tempo especial de graça para a formação cristã, na companhia do “apóstolo
das gentes”, e apresentava 10 iniciativas concretas. De entre elas, a proposta
n.º 8 referia esta colecta a favor dos pobres, cujo produto se destinou à Caritas
Diocesana, como forma simbólica de actualizar a grande colecta realizada
pelo Apóstolo nos primórdios da Igreja.
Formação para a caridade na vigararia dos Milagres
A propósito da grande colecta diocesana a favor dos pobres, nas missas do
dia 25 de Janeiro, a vigararia dos Milagres organizou uma acção de formação,
na área da pastoral sócio-caritativa, com o tema “Chamados à globalização da
caridade”. Realizada em S. Eufémia, no dia 18 de Janeiro, levou os participantes a reflectir sobre “O amor universal à luz de S. Paulo”, com a ajuda do
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Vida Eclesial
Colégio de N.ª Sr.ª de Fátima leva “São Paulo” à cena
. notícias .
padre Gonçalo Diniz. Pela Caritas Diocesana, Ambrósio Santos apresentou
o tema “Caminham juntas, a fé, a esperança e a caridade”. Também o Grupo
Missionário Diocesano Ondjoyetu falou da “Missão – Uma ‘casa’ comum”.
Esta acção destinou-se especialmente aos grupos sócio-caritativos, membros das conferências vicentinas e a muitos cristãos que trabalham activamente na acção social da Igreja, mas contou com a participação dos ministros
extraordinários da comunhão e outras pessoas dedicadas ao voluntariado.
Encontro de oração para jovens
Como habitual, decorrem no Seminário de Leiria, à última sexta-feira de
cada mês, às 21h30, os encontros “Shemá” para jovens.
São momentos inspirados nas orações de Taizé, num ambiente que privilegia o canto e a oração meditada, e que têm registado uma boa resposta por
parte dos jovens.
Cada sessão é marcada por um gesto específico, de acordo com a temática
diferenciada, e termina num espaço de convívio com chá e bolos. O convite
é dirigido a todos os jovens, de modo especial aos que integram grupos paroquiais. As datas para este semestre são: 30 de Janeiro, 27 de Fevereiro, 27 de
Março, 24 de Abril, 29 de Maio e 26 de Junho.
Clero de Leiria-Fátima em formação
Decorreram de 19 a 23 e 26 a 30 de Janeiro de 2009 os dois turnos de
formação anual para o clero de Leiria-Fátima (dias), com uma participação
de cerca de setenta sacerdotes, acompanhados pelo Bispo, D. António Marto,
no convento de Montariol, em Braga.
A parte doutrinal, que ocupou as manhãs, foi conduzida pelo Bispo auxiliar de Braga, D. António Couto, que propôs uma série de aulas sobre S.
Paulo, num reencontro fecundo com esta figura central na história do cristianismo das origens, inspiradora de desafios e modelos de evangelização
para os nossos dias. As tardes foram ocupadas com assuntos directamente
relacionados com a vida da Igreja da Diocese, nomeadamente, a temática
das vocações, com destaque para o pré-seminário e o diaconado permanente.
Em cada turno, houve ainda tempo para uma visita a algumas referências
culturais da região: Dume, ruínas do mosteiro de S. Martinho e mosteiro de
Tibães.
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. notícias .
Retiro de Casais
O Serviço de Animação Vocacional (SAV) da diocese de Leiria-Fátima
organizou, no dia 1 de Fevereiro, em colaboração com o Departamento de
Pastoral Familiar, uma proposta de reflexão para os casais cristãos da Diocese. Tratou-se de um dia de retiro, de paragem, oração e reflexão em casal,
numa altura em que tanto se lamenta não haver tempo, proposta de redescoberta e novo vigor para os que, seguindo a vocação matrimonial, se receberam de Deus na comunhão das suas vidas.
O retiro foi orientado pelo casal Graça e Carlos Fernandes e decorreu no
Santuário de Fátima.
Na introdução da sua Carta Pastoral para este ano, D. António Marto faz
referência a dois grandes acontecimentos da Igreja: o Sínodo dos Bispos e
o Ano Paulino. Nessa linha, o Serviço Diocesano de Catequese propôs uma
caminhada quaresmal de descoberta de São Paulo como “mestre e guia”, procurando dar a conhecer a sua vida e obra, de forma simples e acessível. Em
cada semana os catequizandos foram-se deparando com os principais locais
e acontecimentos que enquadraram a actividade do Apóstolo de anúncio de
Jesus Cristo morto e ressuscitado.
A caminhada motivou ainda a participação no concurso “Nos passos das
grandes figuras bíblicas”, que decorreu a nível nacional.
À medida que iam conhecendo a vida de São Paulo, as crianças eram convidadas a completar tarefas que exigiam a leitura de alguns textos bíblicos,
e, deste modo, eram progressivamente iniciadas na prática da lectio divina.
Renúncia quaresmal para os sem-abrigo
A renúncia quaresmal deste ano, na Diocese, tem como destino o Centro
de Acolhimento da Paróquia da Sé de Leiria, “que serve alimentação e outros
apoios às pessoas sem-abrigo que passam pela cidade ou nela vivem”, e a
Comunidade Vida e Paz, ao serviço dos sem-abrigo e da recuperação dos
toxicodependentes. D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, lembra que
“num mundo tão marcado pela crise socioeconómica, as primeiras vítimas
são os mais pobres”.
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Vida Eclesial
A caminho da Páscoa com São Paulo
. notícias .
Retiro popular com S. Paulo
“De novo, estimulado pela boa adesão de muitas pessoas no ano passado,
proponho à Igreja diocesana de Leiria-Fátima um retiro popular, a realizar
durante a Quaresma. Desta vez, fazemo-lo com São Paulo, no ano a ele dedicado. Queremos que sirva para o aprofundamento da fé, de modo que os
fiéis permaneçam firmes e sólidos nela (cf Col 1, 23), caminhando para uma
fé adulta, capaz de dar pessoalmente razões da própria esperança em Jesus
Cristo e de a testemunhar na vida quotidiana.” Foi deste modo que o nosso
Bispo apresentou o guião do Retiro popular “Permanecer no coração da fé,
com São Paulo”.
“Na vida quotidiana, sem sair dos lugares e ocupações habituais, dedicando determinados momentos a essa finalidade”, escreveu dirigindo-se a
“todo o povo de Deus”, na própria casa, nas igrejas ou noutros espaços adequados, todos são convidados a seguir o itinerário dos seis temas propostos.
A partir do encontro de Paulo com Cristo, descobrindo que Jesus continua
no caminho dos homens de hoje, cantando o hino dos cristãos à beleza dos
dons espirituais recebidos, e acolhendo a Palavra de Deus que transforma o
coração e impele ao anúncio da Boa-Nova, somos exortados por Paulo ao
crescimento na caridade até à maturidade em Jesus Cristo que nos amou e Se
entregou por nós (Cf. Gal 2,20).
Plano Pastoral Diocesano – reunião dos Vigários
A 6 de Fevereiro, em reunião com o Bispo diocesano, os Vigários analisaram as actividades formativas para catequistas, leitores e outros serviços
litúrgicos, agentes de acção social e caritativa, visitadores e assistentes de
doentes e idosos, casais empenhados na preparação para o matrimónio, entre
outros, realizadas nas respectivas áreas pastorais. Concluiu-se que são muitas
as pessoas que aproveitam a formação da Escola Diocesana “Razões da Esperança” e do Centro de Formação e Cultura.
Foi também abordada a criação do ministério do Diaconado Permanente
na Diocese e concluiu-se ser necessário sensibilizar e informar as comunidades e, em especial, às pessoas que já desempenham serviços apostólicos.
Para tal, foi sugerida a elaboração de um instrumento de trabalho sobre esse
ministério e vocação.
D. António Marto afirmou a necessidade de líderes para que as comunidades se desenvolvam e os párocos possam contar com bons colaboradores e
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boas “dinâmicas de grupo”que tornem as reuniões de formação e outras mais
interessantes e frutuosas. Sobre o Diaconado Permanente, disse desejar que
a reflexão seja efectivamente alargada para que não seja o Bispo sozinho a
decidir da sua criação na Diocese.
Formação para visitadores de doentes
A vigararia de Leiria promoveu uma acção para visitadores de doentes,
organizada pelo Serviço Diocesano da Pastoral da Saúde e pelo CFC. Os encontros decorreram no Seminário Diocesano, de 7 e 14 de Fevereiro, e foram
especialmente dedicados a pessoas que lidam com doentes, funcionários de
instituições - lares, centros de dia e outras - e voluntários.
Através de um ambiente favorável, no contacto com “testemunhos vivos”, realizando a Semana Vocacional e outras iniciativas anuais, o colégio
de São Miguel, em Fátima, empenha-se em suscitar vocações, na sua variedade e complementaridade. Foi a conclusão do Conselho Pastoral desta instituição, em encontro com os responsáveis do Serviço Diocesano de Animação
Vocacional, a 12 de Fevereiro passado.
Avaliando o resultado do trabalho desenvolvido: cinco alunos seguiram
a vocação sacerdotal, vários outros a consagração religiosa e muitos assumiram a vida familiar, profissional e eclesial à luz dos valores da “verdade,
amizade e exigência” recebidos.
Em relação ao futuro, dirigentes e professores apontaram na animação
vocacional valorizando iniciativas já com alguma tradição nesta comunidade educativa: os grupos de reflexão, oração e partilha, apelos em momentos
oportunos e empenho em tocar mais de perto os alunos do secundário.
Na reunião, ficou bem vincada a afirmação do Papa João Paulo II: “todos
os membros da Igreja, sem excepção, têm a graça e a responsabilidade do cuidado das vocações”, o que pressupõe colaboração e trabalho em rede. Foram
lembradas as orientações pastorais de D. António Marto, segundo as quais “o
problema vocacional põe-se a cada fiel cristão” no seu itinerário educativo e
“toda a comunidade cristã normal deve ser, por natureza, ‘casa e escola vocacional’ que faz despertar e crescer, de modo normal, as vocações normais a
partir da fé vivida e testemunhada como apelo”.
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Vida Eclesial
Colégio de São Miguel promove vocações
. notícias .
“Noite Paulina” na Cruz da Areia
A paróquia da Cruz da Areia organizou, a 21 de Fevereiro recente, uma
“Noite Paulina”, que esteve a cargo do Agrupamento dos escuteiros. Tratouse de um espectáculo de música, som e imagem, que percorreu os principais
passos da vida de São Paulo, em sis cenários variados nas suas formas rítmicas e coreográficas. Durante a apresentação foi servido um jantar a todos os
participantes.
Reunião de animadores vocacionais
O Serviço Diocesano de Animação vocacional reuniu no Seminário de
Leiria, a 28 de Fevereiro passado, recente, os padres responsáveis por este
sector pastoral nas vigararias e os animadores que actuam nas paróquias,
vigararias e institutos de vida consagrada, com o objectivo de repensar os
serviços de animação vocacional e partilhar experiências e perspectivas, no
sentido da maior entreajuda e estímulo.
Porque suscitar vocações é uma responsabilidade de todo o povo de Deus
e de cada comunidade cristã, insiste permanentemente o nosso Bispo, é necessário que haja em cada paróquia ou vigararia um grupo de animadores
vocacionais. Aos que já assumiram uma tarefa vocacional, deverão juntar-se
outros, nomeadamente, pais, catequistas e demais educadores na fé. Como
disse João Paulo II, todos temos a “graça e a responsabilidade do cuidado
pelas vocações”.
Monte Real reaviva chama vocacional
Jovens e adultos da vigararia de Monte Real encheram a igreja da Ortigosa, no passado dia 6 de Março, em vigília de oração vocacional. Os fiéis
presentes tomaram consciência da vocação como apelo e graça de Deus a
cada um “para dar mais do que tem” em favor dos outros. A cada pessoa foi
colocada uma fita com a questão: “Já ouviste a voz de Deus hoje?”, e foram
enviadas velas acesas a várias comunidades lembrando a perseverança na
oração pelo dom de novas vocações.
Através de leituras, cânticos, interpelações e preces, jovens e adultos foram convidados a ouvir a voz de Deus e a deixá-Lo entrar na própria casa,
rezando: “Senhor que queres que eu faça?”. O Coordenador Diocesano do
Serviço de Animação Vocacional lembrou que a vocação é encontrar Deus
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e n’Ele a plenitude de si mesmo. E partindo do exemplo bíblico de Samuel,
disse que, para descobrir a própria vocação, é preciso estar próximo de Deus,
viver na sua casa, prestar atenção ao seu chamamento insistente e responder
com prontidão. Mas também é necessário confiar em quem possa ajudar a
identificar a voz de Deus e a dar-Lhe um sim incondicional no caminho que
nos indicar.
Estas vigílias correspondem ao apelo do nosso Bispo a toda a Diocese e a
todas as comunidades e movimentos para dar vida a uma grande oração pelas
vocações e estão programadas para todas as vigararias.
Nos dias 21 e 22 de Março, decorreu em Fátima o Encontro-Peregrinação
dos Centros de Preparação para o Matrimónio (CPM) de todo o País. Os
casais que se empenham neste Movimento laical comprometem-se na renovação de vida conjugal e familiar e no testemunho aos noivos que participam
no encontros de preparação matrimonial. O programa, como habitualmente,
incluiu tempos de oração e tempos de formação.
Ao primeiro acto de recitação do Rosário na Capelinha das Aparições, às
14h00 do dia 21, sábado, sucedeu-se um tempo de reflexão dominado pelo
tema das recentes Jornadas Internacionais, “Conjugalidade e Parentalidade,
hoje: Diversidades e Evolução”, com espaços privilegiados de partilha. As
conclusões foram apresentadas no domingo antes da celebração da Eucaristia
de conclusão e do almoço.
Vigararia da Batalha escutou D. António Marto
Cerca de meio milhar de fiéis, padres e leigos, da vigararia da Batalha
juntaram-se no dia 27 de Março para escutar D. António Marto sobre o tema
deste ano pastoral, “Permanecei firmes e sólidos na fé”.
Depois da apresentação dos grupos paroquiais, D. António manifestou
alegria pela presença tão numerosa e diversificada, sinal de empenhadamente
gratuito e desinteressado, e a todos lançou o desafio de viverem a sua fé sem
rodeios, neste mundo onde grassa a confusão, onde se espalha a descrença e
onde os crentes são ridicularizados, sob inspiração de S. Paulo, “de quem a
graça de Deus fez uma estrela de primeira grandeza a iluminar a noite da fé”.
Para tal, é necessária “uma fé consciente, personalizada, convicta e testemunhante, capaz de resistir a um ambiente hostil, de apresentar as razões que a
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Vida Eclesial
Encontro – peregrinação dos CPM
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fundamentam e de mobilizar para a acção concreta”, afirmou o prelado defendendo a importância da formação permanente para alimentar essa fé adulta,
própria de quem “sabe o que crê, luta pelo que crê e vive aquilo que crê”.
Partindo de excertos da Carta aos Romanos, D. António referiu que “também hoje o Apóstolo (Bispo) precisa de muitos e bons colaboradores, cheios
de boa vontade, com conhecimentos sólidos e capacidade para se aconselharem e crescerem em ajuda mútua”. E, salientando a afirmação paulina “escrevi-vos para vos reavivar a memória” esclareceu que esta “não é uma memória
de registos passados, mas sim uma memória viva, que guarda o melhor da
vida para o tornar sempre presente, que sustenta as raízes da esperança e dá
asas para construir o futuro”.
Sempre a exemplo de S. Paulo, que “na sua gigante empresa de evangelização soube procurar e encontrar muitos e bons colaboradores”, na acção
pastoral actual “não podemos trabalhar sozinhos, mas em rede eclesial, na
multiplicidade dos dons e carismas, seja na retaguarda, seja mais visivelmente”, afirmou, pois “o sonho de um só é só um sonho, mas o sonho de muitos
torna-se realidade”.
Tal como Paulo referia o seu afecto por cada um dos seus colaboradores,
não como gente anónima, mas com nome e história, vivendo numa comunhão
que era testemunho da fé para quem os observava, também o Bispo quis manifestar o seu apreço a cada um dos presentes. E não deixou de lembrar que
“somos colaboradores em Cristo e participantes da missão do apóstolo”, não
podendo, portanto, esquecer que se não fosse Ele e apenas contássemos com
as nossas capacidades, já teríamos falhado irremediavelmente.
Por fim, o Pastor alertou para a escassez de vocações sacerdotais, agravada com a elevada média etária do clero. “Esta realidade irá obrigar-nos a
alterar hábitos adquiridos, causará algum sofrimento a todos, mas não irá acabar com a nossa fé”, afirmou, remetendo para o exemplo da Igreja africana,
onde a presença dos sacerdotes é mínima e a fé é crescente, e para a Igreja
do Japão, que sobreviveu dois séculos à expulsão dos missionários. Uma das
consequências desta situação será “a necessidade de leigos bem formados,
que possam formar outros”, e o incremento de iniciativas como a lectio divina, “pois a nossa maior vergonha será não conhecermos o nosso primeiro
livro, a Bíblia”.
Nessa linha, ganham especial importância as escolas de formação que
a Diocese tem em funcionamento, como a Escola Razões da Esperança e a
Escola Teológica de Leigos, bem como todas as acções de formação para
adultos que terão de ser a “grande aposta da Igreja”.
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A noite terminou com um beberete de confraternização, não sem antes os
presentes terem agradecido as palavras de conforto e confiança do seu Bispo
e aplaudido as orientações e linhas de acção enunciadas.
Entretanto, o “testemunho” foi passado simbolicamente à vigararia de
Monte Real, através da entrega do ícone de S. Paulo.
A Associação Mãos Unidas Padre Damião, Instituição Particular de Solidariedade Social presente em Portugal e em diversos países do mundo, inaugurou no dia 29 de Março um Núcleo Regional em Leiria, com o objectivo
primordial de funcionar como Centro Alimentar contra a Fome e a Pobreza.
“Numa época em que cada vez mais se agravam as situações de pobreza e
fome no seio das famílias, o Núcleo Regional de Leiria focaliza-se na distribuição de alimentos, dando também o apoio possível noutras áreas, convicto
de poder beneficiar a população da região - Leiria e concelhos limítrofes –
dando especial atenção aos mais pobres, aos afectados com deficiências mentais e psíquicas, aos emigrantes e aos sem-abrigo.
Com os objectivos de combater o desperdício dos excedentes e despertar
a solidariedade para com os mais desfavorecidos, a associação procura apoio
junto de empresas do ramo alimentar, e tenta sensibilizar os pais e professores
do ensino básico.
O Centro Alimentar ficou instalado num espaço cedido pela Junta de Freguesia da Barreira. A inauguração contou com a presença do fundador da Associação em Portugal e presidente nacional, Mário Nogueira, várias entidades
locais, colaboradores e benfeitores. Na ocasião, foi lançado o livro “P. Damião
de Molokai: O Construtor da Esperança”, da autoria de Mário Nogueira.
Abril, mês de oração vocacional
Como no ano passado, o Serviço de Animação Vocacional (SAV) propôs
a toda a Diocese que viva todos os dias de Abril como “Mês de oração pelas
vocações”. O projecto é que cada comunidade, paroquial ou de vida religiosa,
assuma um dia para a rezar pelas vocações e organize, segundo as suas possibilidades e entendimento. Deste modo, crescerá seguramente a consciência
da urgência e importância das vocações.
O SAV deixou algumas sugestões. “Que seja um tempo de pelo menos
uma hora, dedicado, totalmente ou em parte, à adoração ao Santíssimo Sacra| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 95
Vida Eclesial
Abertura de Centro Alimentar em Leiria
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mento; procure-se divulgar a iniciativa localmente, para que outras pessoas
que conhecem a comunidade possam também participar; no caso em que haja
comunidades próximas, religiosas ou paroquiais, que coincidam no mesmo
dia, considerem a oportunidade de organizar este momento de oração em
conjunto. Seria particularmente interessante que se organizassem encontros
entre alguma comunidade religiosa e uma comunidade paroquial”.
Esta iniciativa procura responder ao apelo do Senhor Bispo a toda a Diocese e a todas as comunidades e movimentos, na sua Carta Pastoral, Descobrir a Beleza e a Alegria da Vocação cristã, “para darem vida a uma “Grande
Oração pelas Vocações”: uma oração vivida com intensa confiança e perseverança, capaz de envolver pessoalmente todos os membros do povo de Deus e
a realizar com oportunas modalidades comunitárias, de modo programado e
calendarizado ao longo do ano e não episódico ou pontual”.
Mais de 60 comunidades religiosas e paroquiais já se comprometeram
nesta oração durante o mês de Abril.
A “Barraca” ajuda o Lar de Santa Isabel
Valência do Centro Social Paroquial Paulo VI, a “Barraca”, nasceu com o
objectivo de promover o convívio entre as pessoas e congregar vontades para
a angariação de fundos a favor do Lar de Santa Isabel. Para tal contribuem
as iniciativas de um generoso grupo de voluntários, nomeadamente durante
o período da Feira de Leiria, com o funcionamento de um serviço de restaurante, bar e quermesse.
Mas muitas outras acções têm sido organizadas, como o jantar de beneficência, no dia 24 de Abril, no restaurante “Aldeia de Santo Antão”, na
Batalha. Além de colaboração numa boa causa, expressão de solidariedade e
ajuda, foi também ocasião de confraternização e convívio.
Congresso Nacional de Antigos Alunos dos Seminários
Nos dias 24 a 26 de Abril, realizou-se em Fátima o 1.º Congresso Nacional de Antigos Alunos dos Seminários, com o tema “Seminários: Da memória
à profecia”. Congregar antigos alunos dos Seminários diocesanos e religiosos de Portugal tem sido a aspiração de algumas das suas associações. No
dizer da Organização, “faltava um espaço mais alargado onde, de uma forma
sistemática, se revisitasse a experiência vivida e se discernissem elementos
que permanecem e são promessa de futuro”. A oportunidade surgiu com a
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celebração do centenário natalício do Beato Francisco Marto, “porque nele se
pode ver a acção extraordinária da graça divina e intuir a profundidade a que
chegou a sua experiência do mistério de Deus (...) Com as devidas distâncias,
explicou o padre Manuel Armindo Janeiro, secretário do Congresso, também
aqueles que um dia passaram pelo Seminário foram atraídos pelo seu mistério de Amor, que os marcou para toda a vida: alguns seguiram o caminho do
sacerdócio, e a maioria assumiu outras responsabilidades sociais e eclesiais”.
O itinerário temático foi lançado, com uma conferência, em cada um dos
três dias, sobre o percurso da instituição Seminário; a sua razão de ser, o mistério da vocação sacerdotal; e o projecto da Nova Evangelização.
Além das conferências, houve cinco painéis para colher o olhar institucional da Igreja sobre os Seminários (primeiro), recolher o sentir de antigos
alunos manifestado num inquérito do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica (segundo), reflectir sobre diferentes percursos
de discernimento vocacional (terceiro), considerar a importância do Seminário na construção de estilos de vida (quarto); e avaliar o impacto do Seminário na vida profissional e na participação social (quinto).
Sondagem aos ex-seminaristas
A iniciativa foi patrocinada pelo Santuário de Fátima, no âmbito do Centenário do nascimento do Pastorinho Francisco Marto, e realizada pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica
Portuguesa, em sondagem, por telefone, a cerca de 1200 antigos alunos de
todos os Seminários e de várias gerações, entre Fevereiro e Março deste ano.
Nas palavras do investigador do CESOP, João António, procurou-se
“compreender o que levou os antigos alunos a entrar no Seminário, que memórias guardam e que percursos de vida seguiram, e conhecer as suas opiniões sobre a relevância dos Seminários para a sociedade em geral”. Não sendo
um estudo em profundidade, é “um primeiro retrato” duma população que,
ao que parece, nunca terá sido alvo de um estudo semelhante, esclareceu o
investigador, e que permite “saber, de uma maneira sucinta, por onde andam,
o que fazem, como estão ou o que pensam os antigos alunos”. “Esta sondagem, acrescentou, tem ainda o interesse de poder suscitar novas perguntas a
que outros poderão procurar responder utilizando esta ou outra metodologia”.
O resultado deste trabalho de investigação foi apresentado em Fátima,
no dia 24 de Abril, durante o Congresso de Antigos Alunos, como contributo
para a “reflexão sobre a importância dos Seminários na sociedade portuguesa
do século XX e deste início de século XXI”.
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Vida Eclesial
. notícias .
. notícias .
Convívio Fraterno em Fátima
A equipa dos Convívios Fraternos da diocese de Leiria-Fátima organizou, de 30 de Abril a 3 de Maio, um encontro no Centro de Espiritualidade
Francisco e Jacinta Marto, destinado a maiores de 18 anos que desejavam
“aprofundar um pouco mais a sua experiência de fé e de passar momentos
divertidos, durante um fim-de-semana inteiro”. O convívio terminou com a
Eucaristia, presidida pelo Bispo diocesano, no Seminário de Leiria, com a
participação de amigos e familiares.
Peregrinação a Tuy e Pontevedra
O Secretariado do Movimento da Mensagem de Fátima organizou, de 1
a 3 de Maio, mais uma peregrinação anual a Tuy e Pontevedra, onde viveu
a Irmã Lúcia entre 1925 a 1946. Participaram também alguns diocesanos de
Leiria-Fátima.
A primeira paragem foi em Balasar, na igreja onde se encontra sepultada a
Beata Alexandrina. Depois da Missa e do almoço, houve a visita à casa onde
viveu e morreu Alexandrina de Balasar, beatificada pelo Papa João Paulo II,
em 25 de Abril de 2004.
Após a passagem por Santa Luzia, em Viana do Castelo, o grupo seguiu
para Tuy, onde se fez uma Adoração Eucarística, depois da explicação da
visão mística da Santíssima Trindade e do pedido de Nossa Senhora à Irmã
Lúcia para a consagração do mundo e em particular da Rússia ao seu Imaculado Coração.
No segundo dia, 1.º sábado do mês de Maio, o grupo esteve em Pontevedra, onde o assistente diocesano celebrou Missa na pequena capela, antigo
quarto da Irmã Lúcia, onde Nossa Senhora pediu, a 10 de Dezembro de 1925,
a devoção dos cinco primeiros sábados. Fez-se também uma visita ao pátio
da casa onde, em 15 de Fevereiro de 1926, houve um diálogo entre a Irmã
Lúcia e uma criança que, passados alguns dias, ela viria a descobrir ser o
Menino Jesus que lhe recordava a devoção dos primeiros sábados. Pela tarde
chegavam a Santiago de Compostela.
No domingo, após a Missa no Mosteiro do Poio, regressaram a Portugal,
com uma breve visita aos santuários do Sameiro e do Bom Jesus de Braga. Na
igreja dos Franciscanos, em Montariol, tiveram uma cerimónia dedicada ao
Dia da Mãe, com uma breve reflexão, oração e a entrega de uma rosa a todas
as senhoras da comitiva.
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A Igreja diocesana celebrou no dia 2 de Maio, em Fátima, o dom das
diferentes vocações que concretizam a graça baptismal, num “Jubileu das
Vocações” que se vem celebrando anualmente.
“O vosso testemunho vocacional precisa de ser conhecido, pois ele é
contagiante e faz despertar novas vocações”, disse D. António Marto aos 53
casais, 3 sacerdotes e 5 religiosas festejados pelos 25, 50 ou 60 anos de vocação, que exortou, conjuntamente com todos os peregrinos que enchiam a
basílica, ao empenho em suscitar novas vocações, mediante o testemunho nas
comunidades cristãs. “Cuidar das vocações, de todas elas, afirmou, significa
cuidar da beleza espiritual da humanidade; todas as vocações são santas, boas
e belas, pois brotam da mesma fonte do amor de Deus”.
Antes da Missa de acção de graças e renovação dos compromissos, houve em encontro de apresentação e testemunho. Representantes de diferentes
vocações, falando das suas experiências, manifestaram todos a sua gratidão
a Deus pelos dons recebidos. O casal destacou a importância da preparação
que fizeram para o Matrimónio e os valores humanos e cristãos que suportam
e informam a sua vida conjugal e familiar. O acompanhamento dos filhos, a
oração, o diálogo conjugal e a participação na vida da Igreja e em responsabilidades associativas têm marcado o seu percurso, pelo qual se sentem
muito gratos a Deus. O testemunho dos sacerdotes e da religiosa destacou a
influência determinante do ambiente familiar no surgir das respectivas vocações, bem como a importância da intimidade com Deus e da devoção à
Virgem Maria para manter o entusiasmo de uma entrega total. Um sacerdote
salientou ainda a celebração do Sacramento do Perdão, com experiência essencial. Como penitente e como ministro, viu a transformação operada pela
misericórdia divina.
Esta celebração comum, que exaltou a beleza e a diversidade dos dons de
Deus à Igreja, foi possível com o concurso de vários esforços, coordenados
pelo Departamento Diocesano de Pastoral Familiar, Serviço de Animação
Vocacional, Fraternidade Sacerdotal e Confederação dos Institutos Religiosos da Diocese.
Assembleia do Clero: Programar para melhor trabalhar
Convocada pelo Bispo da Diocese, a Assembleia Diocesana do Clero, de
5 de Maio, proporcionou um momento de oração comum, introduzida por
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Vida Eclesial
Celebrar o dom da vocação cristã
. notícias .
D. António Marto, e a apresentação de vários assuntos relativos à Diocese,
nomeadamente as conclusões sobre a reestruturação da Diocese, após alguns
meses de laboriosa reflexão. Destacaram-se quatro pontos: o empenho e dedicação do clero; valorização da vocação e acção laical; programação das celebrações dominicais de acordo com as possibilidades de presença dos presbíteros; e a presença da Igreja em zonas urbanas, com a hipótese de criação
de novas unidades pastorais.
Depois da apresentação, seguiu-se um tempo de trabalho de grupos sobre
alguns aspectos da programação do próximo ano pastoral, dedicado à comunhão fraterna nas comunidades paroquiais e na comunidade diocesana.
No final dos trabalhos, a apresentação do relatório das contas da Diocese, relativo a 2008, permitiu verificar que, não obstante algum equilíbrio
conseguido, a situação continua deficitária e a requerer o maior empenho e
colaboração de todas as comunidades.
A Assembleia teve a particularidade de coincidir com o 62º aniversário do
Senhor Bispo, motivo acrescido de jubilosa celebração e de acção de graças
pelo Pastor dado por Deus a esta Igreja diocesana de Leiria-Fátima.
Dia diocesano da Família
No culminar da Semana da Vida, o Dia Diocesano da Família teve lugar
a 16 de Maio, bem no centro do tema da formação escolhido para este ano,
com o propósito de “proporcionar uma reflexão sobre o apelo feito pelo nosso
Bispo na sua última Carta Pastoral: “Família, reacende o dom da fé que está
em ti. Comunica a tua fé!”.
Para isso, o Departamento diocesano de Pastoral Familiar programou a
tarde desse sábado, de modo a proporcionar reflexão, partilha e oração em
torno desse mesmo apelo. O tema foi exposto por Dom João Alves, Bispo
emérito de Coimbra.
Jornadas MCC: Intervenção do Cristão na vida política
No âmbito das comemorações do 50.º aniversário do Movimento dos
Cursilhos de Cristandade (MCC), realizaram-se no dia 17 de Maio, na Casa
da Sagrada Família, na Praia de Mira, as Jornadas Cursilhistas do Núcleo
Centro, subordinadas ao tema “Intervenção do Cristão na Vida Política”,
apresentado pelo director espiritual do Secretariado Diocesano do MCC Leiria-Fátima, padre Francisco Pereira.
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Sempre importante, por ser a participação política um dever cívico essencial de todos, o tema revestiu-se de particular actualidade com a preparação
em curso de três actos eleitorais num só ano. Aos cristãos cabe a obrigação
de uma intervenção esclarecida, ao serviço ao bem comum, de acordo com
os valores fundamentais do Evangelho, e no testemunho de uma cooperação
responsável e plural.
Houve ainda espaço para a partilha de testemunhos de cursilhistas mais
ligados à actividade política.
Participaram mais de uma centena de pessoas, das dioceses de Coimbra,
Guarda, Santarém, Portalegre-Castelo Branco e Leiria-Fátima.
A diocese de Leiria-Fátima recebeu as relíquias de Santa Margarida Maria
Alacoque, entre os dias 20 a 22 de Maio, no âmbito das comemorações dos
50 anos da inauguração do Monumento a Cristo Rei, em Almada.
Como referiu D. António Marto na sua nota pastoral a este propósito,
Santa Margarida “teve revelações místicas, particularmente sobre a devoção
ao Coração de Jesus, e contribuiu muito para introduzir o seu culto na Igreja”.
Por isso, a veneração das suas relíquias “será motivo para louvar e dar graças
a Deus pelas maravilhas que nela realizou, e para fazer aumentar nos fiéis de
hoje o conhecimento e a experiência da abundância da misericórdia que brota
do Coração de Jesus”.
A visita à nossa diocese foi organizada pelo Apostolado da Oração e incluiu a passagem pelo Mosteiro das Irmãs da Visitação, na Batalha, pelo Santuário de Fátima e pela paróquia de Fátima. As relíquias seguiram depois para
a diocese de Portalegre-Castelo Branco.
Acantonamento Jovem Missionário
O Grupo Missionário Ondjoyetu organizou um acantonamento missionário, de 22 a 24 de Maio, em Chão das Pias, destinado aos jovens da diocese
de Leiria-Fátima.
Eram «bagagem» necessária e imprescindível para este fim-de-semana
“espírito jovem, boa disposição e alegria”. Com cerca de 40 participantes, o
encontro privilegiou jovens com mais de 17 anos, sobretudo dos grupos da
diocese.
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Vida Eclesial
Relíquias de Santa Margarida Maria Alacoque
. notícias .
Igreja Diocesana em Vigília de Pentecostes
“Ir ao coração da fé, movidos pelo Espírito” foi o tema da celebração da
vigília de Pentecostes, presidida por D. António Marto, na Sé de Leiria, a 30
de Maio. Preparada por vários movimentos e associações, com gestos, símbolos, cânticos e escuta da Palavra de Deus, foi invocação do Espírito Santo
e dos seus dons para a missão da Igreja de anunciar no mundo o Evangelho
de Jesus Cristo.
Enquadrados no projecto do ano pastoral e em clima de comunhão eclesial, os fiéis das comunidades paroquiais, dos diferentes movimentos, associações e obras apostólicas, uniram-se no louvor de Deus que, em Cristo e
pelo Seu Espírito, acende nos corações a chama irradiante da fé e do amor.
A assembleia que enchia a Sé, escutou a exortação do seu Bispo a uma
participação activa na comunicação do Evangelho de Cristo na sociedade.
“É que – explicou – vocês estão e chegam aonde não é possível ao bispo e
aos sacerdotes”. D. António Marto apelou ainda para que todos reavivam a
chama da fé na leitura orante da Palavra de Deus e cuidem da sua formação
cristã, para estarem em condições de, sob o impulso do Espírito, darem as
razões da própria esperança no nosso mundo difícil e em crise de confiança.
Marcaram presença cerca de dezena e meia de movimentos, associações,
grupos e novas comunidades, que, com cânticos, gestos e preces, invocaram
o Espírito Santo, para que venha “transformar o mundo, recriar a vida do homem e congregar o seu povo na justiça”. Teve especial relevo o testemunho
pessoal de quem encontrou Jesus Cristo e, a partir de então, com a sua família, passou a dedicar-se totalmente ao serviço do Evangelho, integrado numa
das actuais novas comunidades.
Esta celebração, que se realiza já há vários anos, procurou dar expressão
ao Projecto Pastoral Diocesano de “acolher e discernir os carismas, dons de
Deus para bem da Igreja e do Mundo”. Segundo o Concílio Vaticano II, estes
dons do Espírito, “quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com acção de graças e consolação, por
serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja” (LG 12).
O Anuário da Diocese regista quase quarenta associações, movimentos,
obras eclesiais e novas comunidades, com diferentes dimensões, finalidades
e dinamismos, manifestação da variada riqueza concedida pelo Espírito em
ordem ao bem comum e ao enriquecimento da Igreja e da sua acção. Todos
devem contribuir para formar e ajudar os fiéis a amadurecer na fé para a missão de anunciar o Evangelho e promover a prática da caridade.
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Campanha de Recolha de Alimentos
Nos dias 30 e 31 de Maio, o Banco Alimentar Contra a Fome de Leiria integrou a campanha nacional coordenada pela Federação Portuguesa
dos Bancos Alimentares e realizada em 43 supermercados dos concelhos de
Leiria, Batalha, Porto de Mós, Marinha Grande, Ourém, Pombal e Figueiró
dos Vinhos. Os alimentos recolhidos foram integrados num plano semestral,
com distribuição mensal, que actualmente atinge as 414 toneladas, através
de 53 IPSS. Estas acolhem, cuidam ou assistem pessoas comprovadamente
carenciadas, nas mais diversas valências da solidariedade social, na região de
Leiria. Estiveram envolvidos cerca de mil voluntários, nas lojas, armazém e
transportes, coordenados por chefes de equipa do Banco Alimentar.
“Se um membro do corpo receber uma honra, todos os outros membros
partilham dessa alegria” (1 Cor 12,26). Iluminados por esta palavra de S.
Paulo, os Responsáveis do Caminho Neocatecumenal de Leiria-Fátima convidaram a Igreja diocesana a participar na acção de graças presidida por D.
António Marto, no dia 25 de Junho, na Sé de Leiria, na sequência da aprovação definitiva dos estatutos do Caminho Neocatecumenal pela Santa Sé, em
Junho de 2008. Esta aprovação, no dizer do Presidente do Conselho Pontifício para os Leigos, “significa a confirmação, por parte da Igreja, da autenticidade, do carácter genuíno do carisma que se encontra em sua origem, na vida
e na missão da Igreja”.
“O Caminho já tem uma longa história na Igreja, mais de 40 anos, e traz
à vida da Igreja muitos frutos, muitas vidas mudadas profundamente, muitas famílias reconstruídas, muitas vocações religiosas e sacerdotais, e muito
compromisso a favor da nova evangelização. Portanto, é um momento de
grande alegria para a Igreja, é um momento de grande alegria para a realidade eclesial que recebe este reconhecimento”, acrescentou o mesmo Cardeal
Stanislaw Rylko.
Nascido em 1964, num dos bairros mais pobres de Madrid, o Caminho
Neocatecumenal está em 107 países, com 20 mil comunidades de onde saíram
mais de 600 famílias que foram evangelizar as áreas mais descristianizadas
do planeta, vivendo entre os pobres, e 70 seminários diocesanos missionários
“Redemptoris Mater”, que deram à Igreja 1.260 presbíteros.
Leiria-Fátima conta-se entre as1.200 dioceses, com um total de 5.700 pa| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 103
Vida Eclesial
Caminho Neocatecumenal
. notícias .
róquias, onde o Caminho se encontra presente. Na Diocese, têm comunidades
as paróquias de Marrazes (três), São Mamede (duas), Santa Catarina da Serra
(uma) e Bajouca (uma).
A aprovação dos Estatutos aconteceu cinco anos após uma primeira versão “ad experimentum”.
World Café sobre “Endividamento Jovem”
No dia 27 de Junho, a Juventude Operária Católica (JOC) da diocese de
Leiria-Fátima promoveu um World Café sobre “Endividamento Jovem”, na
praça de S. Pedro de Moel. Segundo a organização, não é fácil abordar o endividamento das famílias e, mais concretamente, dos jovens. Está em causa
o acesso a um tipo de informação que as partes envolvidas procuram omitir.
O World Café é um espaço onde os presentes são encorajados a contribuir
com ideias e perspectivas. De mesa em mesa, conhecendo novas pessoas,
levam ideias e enriquecem a conversa com temas e ideias.
Sendo empenho da JOC o despertar para esta nova realidade, o principal
objectivo da dinâmica foi “cativar, sensibilizar, informar, mobilizar e organizar os jovens e a população em geral para serem voz activa nesta sociedade”.
Encerramento do Ano Paulino
Cumprindo o que escrevera na sua Carta Pastoral “Ir ao coração da fé”, D.
António Marto, Bispo da diocese de Leiria-Fátima, presidiu à Eucaristia de
encerramento solene do Ano Paulino, na Sé de Leiria, no dia 28 de Junho. A
assembleia era constituída sobretudo por sacerdotes, religiosos e religiosas,
responsáveis e colaboradores dos serviços e instituições diocesanas, e membros dos movimentos e associações católicas.
Como foi salientado em reuniões dos vigários, do Conselho Pastoral Diocesano e do Conselho Presbiteral, o balanço do ano Paulino, na Diocese, é
muito positivo. Entre os acontecimentos mais marcantes destacaram-se, o
retiro popular, na Quaresma, os encontros vicariais de formação e oração,
o curso de formação permanente do clero e as múltiplas iniciativas a nível
diocesano, vicarial e paroquial, que tomaram S. Paulo como modelo para alcançar “o sublime conhecimento de Cristo”. O retiro popular congregou mais
de 250 grupos de base e envolveu cerca de 5 mil pessoas, e os nove encontros
vicariais, presididos pelo Senhor Bispo, tiveram, no conjunto, mais de 3 mil
pessoas, das mais empenhadas e activas.
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. notícias .
Agricultores pedem ajuda
Vida Eclesial
A Federação dos Agricultores do Distrito de Leiria deu conhecimento ao
Bispo da Diocese, D. António Marto, de alguns dos principais problemas
do sector, nomeadamente, baixos preços dos produtos produzidos pelo agricultor, dificuldades de escoamento dos produtos; aumentos dos custos dos
factores de produção; suspensão do pagamento da electricidade verde para
fins agrícolas; ajudas à agricultura selectiva, em prejuízo da agricultura familiar; introdução do pagamento único (com atribuição de subsídios com base
no histórico dos terrenos). Segundo a Federação, “as consequências destas
medidas estão já a fazer-se notar com o aumento da desertificação do mundo
rural, aumento das importações, aumento da pobreza no mundo rural e a descaracterização do espaço geográfico do País”.
D. António Marto registou a voz de descontentamento que está a aumentar nos diferentes sectores da vida do País e deixou uma nota de solidariedade
para com as pessoas em dificuldade.
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. Santuário de Fátima .
Tema para 2009: Os puros de coração verão a Deus
Em continuidade com o que vem acontecendo desde o ano 2001, em que
se decidiu iniciar uma longa reflexão de dez anos acerca dos Mandamentos
da Lei de Deus, o Santuário de Fátima escolheu propor à reflexão dos seus
peregrinos e visitantes durante o ano de 2009 o Nono Mandamento. Este será o tema central das suas actividades pastorais, litúrgicas e formativas, segundo a formulação do catecismo: “Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos”, sintetizada no lema “Os puros de coração verão a
Deus”.
“Terá sentido, ainda hoje, falar de pureza de coração? A experiência de
vida e de relações entre as pessoas está continuamente a demonstrar, pela
negativa, as consequências da sua ausência. Os fenómenos de desagregação
familiar, consequência de infidelidades e traições, são o melhor espelho. Se,
para tirarmos esta conclusão, não bastasse a vida real que conhecemos directa
ou indirectamente, teríamos a avalanche de romances, filmes e novelas que,
por outra via, nos fazem entrar essa realidade pelos olhos dentro”, escreveu
o reitor do Santuário de Fátima, padre Virgílio Antunes, na apresentação do
tema do ano.
O padre Virgílio Antunes salientou que se trata de “uma temática cheia de
possibilidades para a catequese e para a Evangelização em todas as peregrinações, onde os cristãos são chamados a testemunhar a beleza de um coração
puro”.
Ir. Ângela Coelho na Canonização dos Pastorinhos
A irmã Ângela de Fátima Coelho, da Aliança de Santa Maria, foi nomeada
adjunta, com direito a sucessão, do vice-postulador da Causa de Canonização de Francisco e Jacinta Marto. Segundo o decreto de nomeação, a Irmã
Ângela partilhará estas funções com o padre Luís Kondor, que desde 1960 é
responsável pela causa de beatificação e canonização de Francisco e Jacinta
Marto. A nomeação é feita pelo postulador, no Vaticano, e homologada pelo
Bispo de Leiria-Fátima.
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. Santuário de Fátima .
Irmã Ângela Coelho
Ângela Coelho tem já uma longa experiência de estudo e divulgação da
Mensagem de Fátima. Desde há vários anos que é convidada frequente para
conferências em diversos países, especialmente nos Estados Unidos da América. Em Portugal tem feito conferências e prédicas em muitas paróquias.
As funções que agora assume incluem também a responsabilidade directa
pelo “Secretariado dos Pastorinhos”, no qual deve orientar uma equipa de
colaboradores cuja missão é promover em todo o mundo o conhecimento e a
devoção às crianças videntes de Fátima.
Religiosa e médica, nasceu em 1971 em Frende (Baião) e viveu no Porto,
onde frequentou o ensino secundário. Licenciou-se em Medicina, na Faculdade de Medicina do Porto e leccionou nesta mesma faculdade, exercendo
actualmente no Hospital de Leiria. Fez Licenciatura em Ciências Religiosas
pela Universidade Pontifícia de Comillas, em Madrid.
Entrou para a Congregação da Aliança de Santa Maria em 1995. É Mestra
de noviças da sua congregação e Superiora da Comunidade de Fátima. Faz
parte da comissão de formação inicial da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal e integra a equipa responsável do Inter-Noviciados de Fátima.
É docente no Curso de Ciências Religiosas no ISCRA (Aveiro) e no Curso
Geral de Teologia, do Centro de Formação e Cultura da diocese de LeiriaFátima. Além disso, dá cursos de formação religiosa, orienta retiros espirituais, é convidada frequente em palestras e desenvolve diversas acções de
formação.
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Vida Eclesial
A vice-postulação tem como missão promover o processo de canonização, recolhendo testemunhos e divulgando a devoção aos Beatos Francisco
e Jacinta Marto. Representa o postulador, com sede em Roma, e mantém
contacto com comunidades e pessoas que, em todo o mundo, se interessam
pelos videntes de Fátima.
O vice-postulador, também designado “postulador extra urbem” tem a
missão de estudar a vida dos candidatos à canonização, a sua fama de santidade e a sua intercessão por meio das graças alcançadas. Compete-lhe ainda
administrar todo o processo, salientar a importância dos Pastorinhos para a
piedade dos cristãos e promover o conhecimento da sua personalidade e espiritualidade.
Nas causas de canonização ou beatificação, é o mais importante colaborador do Bispo e da Santa Sé e é também responsável pela recolha e administração dos meios financeiros necessários ao andamento das causas.
. Santuário de Fátima .
Capelinha das Aparições “online”
No início deste ano, o Santuário de Fátima iniciou a transmissão em directo da Capelinha das Aparições, disponível 24h00 por dia em www.fatima.
pt. Este serviço surgiu em resposta aos muitos pedidos que os internautas
fizeram chegar nos últimos anos ao Santuário, para poderem visualizar em
directo o chamado “coração” do Santuário de Fátima e acompanhar as celebrações ali realizadas.
Recorde-se que, desde há vários anos, a Rádio Renascença – Emissora
Católica Portuguesa transmite em directo, primeiramente via rádio e agora
também por internet, de segunda a sexta-feira, a partir da Capelinha das Aparições, o Rosário das 18h30.
Livro-álbum “Fátima-Mundo”
O projecto “Fátima no Mundo”, que começou por ser uma exposição,
inaugurada por ocasião da realização do congresso Fátima para o Século
XXI, no encerramento das comemorações dos 90 Anos das Aparições de Fátima (Outubro de 2007), está editado como livro-álbum. Nele são apresentados, em Português e em Inglês, 101 santuários, catedrais, igrejas e capelas
dedicados a Nossa Senhora de Fátima, nos cinco continentes. A Exposição
continua patente na Igreja da Santíssima Trindade. Inaugurada no átrio do
Centro Pastoral Paulo VI, encontra-se actualmente patente no espaço designado como Convívio de Santo Agostinho. A este propósito, D. António Marto
sublinhou a “irradiação e influência universal da Mensagem de Fátima na
piedade dos fiéis e até dos bispos e dos Papas”.
Encontro de Animadores sócio-pastorais das migrações
“Mobilidade global – uma nova oportunidade de missão” foi o tópico que
motivou apresentações, debates e partilhas no IX Encontro de Animadores
Sócio-pastorais das Migrações, realizado em Fátima nos dias 16, 17 e 18 de
Janeiro de 2009.
O Dia do Migrante e Refugiado foi assinalado em Portugal, entre outras
iniciativas, pelo estudo e debate de temáticas relacionadas com as migrações
entre aqueles que, ao longo de todo o ano, trabalham em contextos da mobilidade humana. Equipas dos Secretariados Diocesanos da Mobilidade, das
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. Santuário de Fátima .
Caritas Diocesanas e de outras estruturas relacionadas ou não com a Igreja
Católica em Portugal, nomeadamente meios de comunicação social, levaram
para estes três dias de encontro as problemáticas vividas na proximidade com
muitos migrantes. Procuraram-se soluções e novas alternativas humanas ou
legais que ofereçam a cada pessoa mais dignidade e plena integração nas
sociedades de acolhimento.
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) organizou uma celebração
de âmbito nacional no Santuário de Fátima, integrada nas celebrações do
Ano Paulino, nos dias 24 e 25 de Janeiro de 2009, dia litúrgico da Festa
da Conversão de São Paulo. Começou com uma vigília paulina no dia 24 e
teve como momento alto a Eucaristia do dia 25, às 11h00 , presidida por D.
Antoine Audo, bispo sírio, com a presença dos bispos de Portugal. Na tarde
deste dia foi ainda realizada uma “Festa Paulina”, na Igreja da Santíssima
Trindade, com uma projecção audiovisual de evocação de São Paulo e a participação da Schola Cantorum Pastorinhos de Fátima e do Coro da Sé do Porto.
O ofertório da celebração foi destinado para ajuda à Igreja na Síria, manifestando “a nossa consonância com a colecta Paulina, fenómeno único no
cristianismo antigo e sinal de comunhão entre as Igrejas”, informaram os
bispos portugueses.
Exposição no Santuário sobre João Paulo II
A exposição fotográfica “Karol Wojtyla, a fé, o caminho, a amizade. Excursões com os Amigos (1952-1954)” foi inaugurada no Santuário de Fátima
no dia 13 de Fevereiro e ficou patente ao público no complexo da Igreja da
Santíssima Trindade. Esta ocasião contou com a presença da embaixadora
da República da Polónia em Portugal, Katarzyna Skórznska. A exposição é
constituída por quase trinta expositores com mais de oito dezenas de fotografias. Apresentada pela primeira vez em Cracóvia, em Dezembro de 2006,
depois de percorrer outros espaços na Polónia e noutros países, esteve patente, entre Novembro e Dezembro de 2008, na Biblioteca João Paulo II, na
Universidade Católica, em Lisboa. | 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 109
Vida Eclesial
Celebração Nacional do Ano Paulino em Fátima
. Santuário de Fátima .
Acolhimento especial para idosos
Para um mais próximo acolhimento aos grupos de idosos que visitam o
Santuário de Fátima, o Santuário propõe um programa especial para quantos
nele queiram participar, individualmente ou em grupo. O programa arrancou em Abril e irá prolongar-se até final de Outubro, às quartas-feiras, com
o seguinte programa: 10h00 – Adoração, na Capela da Morte de Jesus (no
piso subterrâneo da Igreja da Santíssima Trindade); 11h00 – Visita à Igreja
da Santíssima Trindade; 12h00 – Rosário, na Capelinha; 12h30 – Missa, na
Capelinha.
O acolhimento aos peregrinos de maior idade não é uma iniciativa inédita
na instituição, uma vez que, desde há vários anos a esta parte, pelos serviços
de Associações (SEAS) e de Doentes (SEAD) do Santuário, numa organização a cargo do Movimento da Mensagem de Fátima, vários grupos de idosos,
de todas as dioceses de Portugal, vêm participando num programa para eles
organizado. São as chamadas “Peregrinações de Idosos ao Santuário de Fátima”, que começam na terça-feira às 10h00 e terminam com o almoço de
quarta-feira, incluindo momentos de oração, visitas guiadas e convívio.
Um outro momento particularmente dedicado aos mais velhos, mais em
específico para os avós e para o qual os netos também são convidados, é o
Dia dos Avós, celebrado anualmente por ocasião da Festa Litúrgica de S.
Joaquim e Santa Ana (26 de Julho), pais de Nossa Senhora e avós de Jesus.
Exposição no aniversário da morte do Francisco
No dia em que se assinalou a morte do Beato Francisco Marto, 4 de Abril,
foi inaugurada no Santuário de Fátima, a exposição “Francisco Marto: candeia que Deus acendeu”. Trata-se de mais uma iniciativa inserida no programa celebrativo do Centenário do Nascimento do Pastorinho, organizada pelo
Departamento de Arte e Património (DAP) do Santuário. Patente no vestíbulo
do Convivum Santo Agostinho, no complexo da Igreja da Santíssima Trindade, até 30 de Junho, a exposição integrou diversas peças, como obras de
pintura, de escultura, algumas relíquias e vários objectos ligados à família do
pastorinho. Para além de uma componente bibliográfica sobre a produção de
livros sobre o vidente, estiveram também integrados documentos contemporâneos das Aparições, entre os quais um com a assinatura do próprio vidente.
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. Santuário de Fátima .
Fátima recebeu, de 4 a 6 de Junho, no Centro Pastoral Paulo VI, a segunda
edição do Congresso Ibero-Americano de Destinos Religiosos, em simultâneo
com a quinta edição do Congresso Internacional das Cidades Santuário. Oscilando em torno dos eixos do ordenamento urbano em cidades de recepção
de peregrinos e de turismo religioso e das especificidades da promoção dos
destinos religiosos, o congresso destinou-se tanto a investigadores da área,
como a empresários, entidades religiosas, autarquias e operadores turísticos.
A iniciativa foi Câmara Municipal de Ourém, com apoio do Santuário de
Fátima, da Entidade Regional de Turismo Leiria-Fátima, da ACISO – Associação Empresarial Ourém-Fátima e do Centro de Investigação Identidades e Diversidades do Instituto Politécnico de Leiria. Com oradores como
Xosé Santos Solla, da Universidade de Santiago de Compostela, Cristina Teresa Carballo, da Universidade Nacional de Luján (Argentina), Paul Claval
(França) e Dallen J. Timothy (EUA), contou com cerca de três centenas de
participantes oriundos de 24 nacionalidades, maioritariamente, da Europa e
da América Latina. A maior representação foi a portuguesa, com 67% dos
inscritos, seguida da Espanha e da Colômbia com 9% dos participantes. Receberam-se ainda delegações importantes do Brasil e Guatemala e de países
tão díspares como Israel, Sérvia ou África do Sul.
Os objectivos deste evento foram “estabelecer relações de intercâmbio e de
cooperação, num quadro internacional alargado, entre cidades-santuário; criar
plataformas de diálogo entre os responsáveis de destinos de peregrinação e
turismo religioso, europeus e ibero-americanos; perspectivar as virtualidades
do estabelecimento de redes entre destinos religiosos; debater a importância da
peregrinação e do turismo religioso na actualidade; analisar as potencialidades
do turismo religioso no desenvolvimento dos territórios (a nível local, regional
ou nacional); e reflectir sobre a gestão e o ordenamento destes lugares de acolhimento e partilhar conhecimentos acerca das melhores formas de promoção
dos destinos religiosos nas sociedades contemporâneas”.
O evento foi antecedido pela realização de um encontro de trabalho da
associação “Shrines of Europe”, no dia 3 de Junho. O projecto europeu das
cidades-santuário, intitulado “Shrines of Europe”, congrega as cidades de Fátima (Portugal), Czestochowa (Polónia), Loretto (Itália), Lourdes (França) e
Mariazell (Áustria) e as respectivas organizações de promoção turística. O
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Vida Eclesial
II Congresso Ibero-Americano de Destinos Religiosos
e V Congresso Internacional de Cidades-Santuário
. Santuário de Fátima .
principal tema deste encontro de trabalho foi “o estabelecimento de geminações como forma de alcançar uma cooperação efectiva entre Municípios
Cidades-Santuário”, procurando dar especial ênfase às questões relacionadas
com as especificidades destas geminações ao nível cultural e tendo em vista
o seu desenvolvimento sustentável.
Crianças celebram e cantam com o Francisco
No encerramento do Ano do Centenário do Nascimento do Beato Francisco Marto (11 de Junho de 1908), o Santuário de Fátima apresentou um
conjunto de iniciativas em que a criança vidente é motivo de louvor a Deus e
objecto de reflexão. Em especial destaque esteve a Peregrinação Nacional das
Crianças, a 9 e 10 de Junho, onde os mais novos foram o centro das atenções.
A peregrinação reflectiu sobre o tema do ano do Santuário “Os puros de
coração verão a Deus”, este ano baseado no 9º Mandamento: “Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos”. Este mandamento interpela a manter a
pureza de coração, pois só assim nascerão as boas obras, já que todas as acções nascem no coração do Homem, o que nesta peregrinação foi sintetizado
no lema: “Quero ter um coração bonito”.
A peregrinação foi também uma grande festa de aniversário, para a qual
o pastorinho Francisco convidou todos os seus amigos e amigas a estarem
presentes. Lançou-se aos colégios católicos e catequeses o desafio de preparar a festa, propondo algumas actividades sobre o Francisco, como leituras,
debates, elaboração de brinquedos, jogos, instrumentos musicais ou até peças
de roupa do tempo do Francisco ou típicos da região de cada um, etc.
Foi ainda realizado o 1.º Encontro Nacional de Coros Infantis, no dia 14
de Junho, pelas 15h00, na igreja da Santíssima Trindade. Com o objectivo
de “estimular o envolvimento das crianças na animação musical na liturgia
e procurar uma prática musical mais qualitativa nas celebrações com e para
crianças”, o encontro contou com a participação de várias dezenas de pequenos cantores de coros vindos de todo o país.
Imagem Peregrina visitou o Vaticano
No dia 20 de Junho, festa do Imaculado Coração da Virgem Santa Maria,
uma das imagens peregrinas de Nossa Senhora de Fátima visitou o Vaticano,
onde foi colocada à veneração dos fiéis na Basílica de S. Pedro. O Papa Bento
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. Santuário de Fátima .
Vida Eclesial
XVI marcou presença no final das celebrações, para a bênção apostólica.
Esta visita integrou-se na peregrinação nacional que a imagem realizou
por Itália, desde Abril e até ao próximo mês de Setembro, motivada pela
comemoração do 50.º aniversário da consagração do país ao Imaculado Coração de Maria.
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. serviços e movimentos .
Campanha de Angariação de Fundos
Obras no Seminário Diocesano
Inaugurado há 40 anos, o Seminário diocesano de Leiria é um edifício de
grandes dimensões, cerca de 20.000 m2, construído para acolher os candidatos ao sacerdócio na igreja diocesana. O Conceito da construção foi proporcionar as melhores condições para a formação integral dos alunos, religiosa,
científica, artística e desportiva, e a sua dimensão adequava-se ao tempo em
que os alunos ingressavam, numerosos, no Seminário, logo após o ensino
primário.
Com a alteração do sistema nacional de ensino (escolaridade até ao 9º
ano), o seminário passou a albergar menos alunos, quase só imediatamente
antes dos estudos superiores. Por este facto e com a diminuição dos candidatos que começou a verificar-se, o espaço foi sobrando.
Mas, sem deixar esta sua primeira missão, o “coração da Diocese”, assim
designado por nele se formarem os candidatos ao sacerdócio, continuaria a
bater, aberto também à formação dos fiéis leigos e aos demais serviços diocesanos, num verdadeiro projecto-âncora da Diocese!
Durante mais de dois anos, pessoas competentes e empresas especializadas vinham a estudar a melhor forma de executar um plano de obras já
aprovado pela autoridade competente. Antes ainda da conclusão deste estudo,
tiveram lugar duas intervenções importantes, na biblioteca e na igreja.
A biblioteca foi ampliada de modo a poder integrar as últimas doações
de instituições e pessoas, e a reunir obras até aí dispersas pelo edifício, e
ficou preparada para acondicionar documentos de conservação mais exigente. Além de libertar os espaços para as obras, a intervenção permitiu iniciar
uma reorganização geral, sob a orientação de um técnico e com a ajuda de
voluntários, que permite melhor acesso aos leitores, alunos, padres, leigos e
público em geral.
Os trabalhos na igreja e torre incluíram o isolamento térmico exterior, a
reparação e adaptação do adro, a colocação de uma cobertura sobre a entrada
principal e a colocação de vitrais evocativos do mistério da redenção e de
episódios da vida nossa Senhora.
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Finalmente, em Outubro passado, a primeira fase das obras arrancou nos
espaços reservados aos alunos e às pessoas que vierem para retiros e formações. Com apenas 7.000 metros quadrados, num total de 20.000, esta será,
mesmo assim, a parte mais dispendiosa por ser residencial e exigir, desde já, a
instalação de estruturas que servirão também às áreas de intervenção ulterior.
No seu todo, o edifício passará a comportar quatro áreas funcionais: comunidade do Seminário para alunos, formadores e respectivos serviços, casa
de formação e retiros, centro pastoral da diocese e residência de sacerdotes. A
primeira remodelação contempla a comunidade do Seminário, com 22 quartos para alunos e 3 para formadores (se necessário podem ser afectados mais
quartos até ao máximo de 66), e a casa de retiros e formação, com 44 quartos,
5 salas de trabalho e 2 espaços de culto (área que poderá expandir-se se o
Seminário não necessitar de todo o espaço atribuído). Ao todo, 120 quartos,
uma dúzia de salas de trabalho, três espaços de culto e uma rede de instalações técnicas antes quase inexistentes.
Por força dos seus objectivos, a intervenção na zona do Seminário e da
formação laical, mesmo que material, sintoniza-nos com o apelo do nosso
Bispo, neste ano pastoral, para irmos ao coração da fé e sermos testemunhas
da ternura de Deus.
Para esta fase estima-se um investimento um pouco acima dos 3 milhões
de euros.
Dar a todos a alegria de participar!
Há cinquenta anos decorria em toda a Diocese a angariação de fundos
a favor da construção do actual edifício, com o objectivo de acolher a comunidade do Seminário. Agora, quase meio século depois, urge conservar e
melhorar os espaços que, por força das mudanças sociais e eclesiais operadas,
além se servirem ao Seminário, irão abrir-se também aos serviços centrais da
Diocese e à dinamização da pastoral diocesana.
Vendo como as paróquias, com os respectivos centros de culto, se têm
unido em torno de projectos às vezes de impressionante dimensão, acreditamos que, com o mesmo empenho e dedicação, quererão oferecer à Diocese
um edifício renovado que responda às suas necessidades.
Conscientes de que, na Igreja, as obras materiais são sempre meios para
a realização da sua missão, entendemos que a verdadeira causa ultrapassa a
simples construção material. Unindo os corações e congregando as vontades
Deus edifica-nos como comunidade. A promoção das vocações na Igreja é
indissociável da fidelidade de cada um à sua própria vocação. O que parecia
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Vida Eclesial
. serviços e movimentos .
. serviços e movimentos .
longe de nós entrará no nosso coração e nos nossos próprios projectos.
O Seminário precisa da ajuda das comunidades cristãs e estas precisam do
Seminário. Propomos a todos uma iniciativa anual, em cada centro de culto,
que contemple um momento de oração pelas vocações e outro de convívio e
angariação de fundos.
Até Junho de 2009, foram recebidos 184.306,40 euros, que a reitoria do
Seminário muito agradece.
Para ajudar na sensibilização, está disponível uma apresentação das obras
em suporte digital (PDF), que pode ser pedida a [email protected].
Algumas iniciativas
Tarde de convívio
A 18 de Abril, a comunidade que se reúne aos domingos, de forma habitual, na Igreja do Seminário, realizou um convívio para angariação de fundos.
O Reitor acolheu os convivas no anfiteatro com um resumo da história do
Seminário e alguns dados sobre os jovens que nele se foram formando, muitos dos quais, não tendo seguido o caminho do sacerdócio, se valorizaram,
mesmo assim, para o serviço da Igreja e da sociedade. Hoje, explicou, o Seminário é um espaço de formação também para os leigos que vêm aprofundar
a sua fé e sede dos principais serviços e movimentos diocesanos. Depois, em
imagens, apresentou as diversas fases das obras e o destino previsto para de
cada área.
Seguiram-se um breve momento de oração, uma visita guiada às obras e
uma merenda a que não faltaram a alegria e a música. Segundo Fernando Manuel Almeida, um dos organizadores, “cada um partiu para a sua casa levando
uma nova missão: transmitir aos amigos e a todos, em geral, a responsabilidade de olhar por esta casa/coração da Diocese, e ajudar a que ela possa servir
melhor a Igreja e a sociedade”.
A 14 de Junho, a mesma comunidade da missa dominical no Seminário
organizou mais um convívio. Desta vez, aos de perto juntaram algumas dezenas de pessoas da Vieira, acompanhadas pelo seu pároco, que trouxeram
as famosas sardinhas da sua praia. No final, guiados pelo Reitor, visitaram as
obras já concluídas.
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. serviços e movimentos .
Almoço na Bajouca
Também a paróquia da Bajouca decidiu realizar, no dia 24 de Maio, um
almoço no salão paroquial para angariação de fundos para as obras do Seminário. O dia começou com a celebração da Missa presidida pelo Reitor, padre
Armindo Janeiro, que falou sobre o Seminário e as obras em curso. Seguiuse o almoço no salão, com cerca de 300 pessoas. As receitas cifraram-se em
2.300 euros.
Convívio de antigos alunos do Seminário
A Associação dos Antigos Alunos do Seminário Diocesano de Leiria organizou um convívio, a 20 de Junho, que reuniu uma centena de antigos
alunos, leigos e sacerdotes, e outros amigos. Além do reencontro dos antigos
colegas, a iniciativa visou a recolha de fundos e incluiu uma visita às obras,
a celebração da Eucaristia, um arraial com sardinhada e um concerto de João
Junqueira que quis lançar o seu novo disco na casa onde deu os primeiros
passos artísticos.
Na aula magna, durante cerca de duas horas, desfilaram as canções, cantadas e contadas ao som de violas, violoncelos, violinos, cavaquinhos, piano
e guitarra clássica. Além de João Junqueira, que escreveu todas as músicas,
João Maria André, também filho da casa, declamou quatro recentes poemas
da sua autoria. Entre os músicos e executantes, Carlos Carneiro escreveu todos os arranjos. Ao mesmo tempo, foram desfilando outras memórias e ritmos, com sons cabo-verdianos, do Martinho Nunes de Brito e recordações
musicais pelo Luís Matias. Parte da venda dos discos será oferecida para a
renovação do edifício do Seminário.
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Vida Eclesial
“Encontro com o Fado”
Promovido pelo Movimento dos Cursilhos de Cristandade (MCC) da
Diocese, decorreu no anfiteatro do Seminário, a 9 de Maio, uma noite de
fados, com a participação de Acácio Norte, Ilídia Pedrosa e Mónica Batista,
acompanhados por Joaquim Domingues e Eduardo Carvalho.
Cerca de 200 pessoas corresponderam ao apelo do MCC e deram o seu
contributo para as obras do Seminário que sempre abriu as suas portas aos
cursistas e demais movimentos da Diocese.
Ao intervalo, não faltaram chá e diversas iguarias que prolongaram e
enriqueceram o momento, e, no final, algumas vozes amadoras, da plateia,
acrescentaram ainda mais brilho a essa noite memorável.
. serviços e movimentos .
Centro de Formação e Cultura
Curso de Teologia
O calendário para o 2.º semestre do Curso de Teologia no Centro de Formação e Cultura é o seguinte:
Mistério de Deus - das 19h00 às 20h30, durante os seguintes dias: Fevereiro 12, 19; Março 5, 12, 19, 26; Abril 2, 23, 27, 30; Maio 7, 14, 18, 21 e
28 (avaliação).
Teologia Fundamental - das 21h00 às 22h30, nos seguintes dias: Fevereiro 12, 19, 26; Março 5, 12, 19, 26; Abril 2, 23, 27, 30; Maio 7, 14, 18;
Junho 4 (avaliação).
Formação Complementar, “7 Olhares sobre a morte” - à segundafeira, 19h00-20h15 e 21h00-22h30, com o coordenador Dr. Adelino Guarda;
9 de Fevereiro, “A morte na Filosofia” (Dra. Maria Helena Carvalhão); 16 de
Fevereiro, “A morte na Literatura Portuguesa” (Dra. Susana Couceiro Vieira
Santos); 2 de Março, “A morte: perspectivas psicológicas e médicas” (Dra.
Ângela Coelho Pereira da Silva); 9 de Março, “A morte na Teologia” (Dr.
Adelino Filipe Guarda); 16 de Março, “A morte na Bíblia” (Dr. Gonçalo Teixeira Diniz); 23 de Março, “Ética da morte e do morrer” (Dr. Vítor Manuel
Leitão Coutinho); 30 de Março, “Os que ficam: morte e luto” (Dr. Adelino
Filipe Guarda); 20 de Abril – Avaliação final.
Escola Diocesana Razões da Esperança
A Escola Diocesana Razões da Esperança iniciou o 2.º semestre no dia
3 de Fevereiro, no Seminário Diocesano. As aulas estão agendadas para os
seguintes dias: 3 e 17 de Fevereiro; 3, 17 e 31 de Março; 21 de Abril; 5 e 19
de Maio; 2 de Junho (celebração de encerramento e convívio). O horário é
das 21h00 às 21h50 para as seguintes cadeiras: “Ler o Antigo Testamento
hoje” (padre Gonçalo Diniz) e “Igreja e Missão” (padre Adelino Guarda).
Das 22h00 às 23h00 serão as seguintes formações: Formação específica,
Curso de Iniciação para Catequistas, Curso Geral de Catequistas, Estágio de
Catequistas, Cursistas, Animação Vocacional, S. Paulo (CNE), Lectio Divina
do Evangelho Dominical, Canto Litúrgico, Escola de Leitores e 4X4 – Formação de Animadores de Jovens (SDPJ).
118 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. serviços e movimentos .
Vida Eclesial
Já se encontra definido o calendário para o próximo ano pastoral 2009/10,
cuja sessão de abertura será no dia 29 de Setembro, presidida pelo senhor
Bispo, D. António Marto.
As aulas do primeiro semestre estão programadas para os seguintes dias:
6 e 20 de Outubro; 3 e 17 Novembro; 1 e 15 de Dezembro; 5 e 19 de Janeiro.
As aulas do segundo semestre serão nos dias: 2 e 23 de Fevereiro; 9 e
23 de Março; 13 e 27 de Abril; 11 e 25 de Maio. No dia 1 de Junho de 2010
realizar-se-á a sessão de encerramento.
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. serviços e movimentos .
Comissão Diocesana Justiça e Paz
Direitos humanos e Realidades actuais
5º Colóquio
Crise económica e social
A 19 de Fevereiro, no auditório do Seminário de Leiria, a Comissão Diocesana Justiça e Paz (CDJP) organizou o 5º colóquio do ciclo “Direitos Humanos e realidades actuais”, dedicado à análise da “crise económico-social”.
O assunto não estava previsto na programação inicial mas, referiu o Presidente da CDJP, Tomás Oliveira Dias, “impôs-se de tal forma na nossa vida
que não pudemos deixar de nos debruçar sobre ele”. “É que, adiantou, a crise
arrasta consigo pobreza e injustiças, à escala nacional e à escala internacional, pelo que há que ter em conta, nas decisões a tomar para a sua resolução,
a defesa dos direitos humanos, desde o direito à vida ao direito ao trabalho,
sem esquecer todas as outras disposições, da maior transcendência, nesta matéria como as que constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos
e da nossa própria Constituição”. E conclui: “Trata-se, afinal, de defender a
dignidade da pessoa humana e de apoiar em especial os mais desfavorecidos,
como tantas vezes tem recomendado a Doutrina Social da Igreja”.
Foi convidado a expor o tema e a responder no respectivo debate o Dr.
Francisco Sarsfield Cabral, reputado especialista na matéria, que, além da
conferência proferida, concedeu uma entrevista sobre o mesmo tema, que foi
publicada nos jornais diocesanos e que reproduzimos mais abaixo.
6º Colóquio
“Direitos humanos e criminalidade: entre a liberdade e a segurança”
O 6.º colóquio do ciclo “Direitos Humanos e Realidades Actuais” decorreu no dia 18 de Junho, dedicado ao tema “Direitos Humanos e Criminalidade, entre a liberdade e a segurança”. Foi conferencista convidado, o Dr. Álvaro Laborinho Lúcio, detentor de um “curriculum” notável, nomeadamente
como magistrado, político e professor.
O Direito à Segurança está inscrito na nossa Constituição, a par do Direito à Liberdade. Todavia, o aumento da criminalidade em Portugal está na
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. serviços e movimentos .
Entrevista a Francisco Sarsfield Cabral
Crise económica e social
- causas, consequências e previsões
Licenciado em Direito e observador competente e interessado da vida
nacional, sobretudo nos âmbitos económico e social, Francisco Sarsfield Cabral pertenceu aos quadros técnicos da Presidência do Conselho e da Associação Industrial Portuguesa, foi jornalista do Diário Popular e do semanário
O Jornal, e subdirector para a informação na RTP. Além de comentador de
assuntos económicos e da integração europeia noutros canais televisivos, jornais e semanários, desempenhou cargos de relevo no Ministro dos Negócios
Estrangeiros, na assessoria do Primeiro-Ministro e do Gabinete em Portugal
da Comissão Europeia. Actualmente colabora na Rádio Renascença da qual
foi director de informação e é colunista do Público e comentador da SIC.
Em seu entender, quais as causas da presente crise?
A causa próxima desta crise económico-social é de ordem financeira. Não
é uma crise desencadeada por uma euforia bolsista seguida do afundamento
das cotações, como aconteceu em 1929 (tendo, depois, falido muitos bancos).
Desta vez, o problema foi o crédito. Crédito barato (juro baixo), concedido
sem prudência, na convicção de que tudo correria bem (por exemplo, que o
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Vida Eclesial
ordem do dia. Como harmonizar estes direitos e todas as situações conexas,
em prol da defesa dos cidadãos, sem esquecer que os delinquentes também
são pessoas humanas com a sua dignidade? O desafio será que a prevenção
e as próprias penas tenham em vista, fundamentalmente, a recuperação dos
criminosos e sua reinserção na sociedade.
A par deste problema surgem outras situações concretas, realidades que
devemos analisar e enfrentar. Por exemplo: a prevenção do crime e acção das
polícias; a actuação dos tribunais e celeridade da justiça; a reforma da legislação aplicável; a corrupção e o crime; o funcionamento das prisões e o seu
papel na recuperação dos criminosos.
Estes e muitos outros problemas preocupam e muitas vezes escandalizam
as pessoas, ouvindo-se até sugestões como as da reposição da prisão perpétua
e, mesmo, pena de morte, totalmente inaceitáveis. Mas todos sentimos que
alguma coisa vai mal.
. serviços e movimentos .
preço das casas hipotecadas nos Estados Unidos continuaria a subir) e crédito
transformado em títulos, eliminando a relação pessoal entre devedor e credor.
Mas as causas profundas são de ordem ética. Em parte porque o comunismo deixou de ser uma ameaça, muitos capitalistas convenceram-se que tudo
seria possível, incluindo procedimentos de duvidosa moralidade. Daí a falta
de cuidado na concessão de crédito e a irresponsabilidade com que gestores bancários e financeiros (principescamente pagos) aconselharam aos seus
clientes aplicações que se revelaram de alto risco. Muitos dos novos e sofisticados produtos financeiros são hoje chamados “tóxicos”: pouco ou nada
valem. Daí prejuízos enormes nos bancos e outras instituições financeiras,
provocando uma súbita contracção do crédito – o que leva ao atrofiamento da
actividade económica.
O excesso de crédito foi facilitado pelo acesso de grandes quantidades
de poupanças aos Estados Unidos (vindas sobretudo da China), enquanto os
americanos deixaram praticamente de poupar, aumentando o seu consumo
com base em empréstimos.
E quais as suas principais consequências na sociedade portuguesa, designadamente no campo social?
A mais grave consequência é o aumento do desemprego e a falta de dinheiro do Estado para ajudar quem precisa. Também vejo uma consequência
negativa, a prazo, que tem a ver com a forte (e necessária) intervenção do
Estado no sistema bancário e em sectores económicos e empresas. Isto irá
aumentar a nossa secular dependência em relação ao Estado.
Para quando se pode esperar a inversão da crise e retoma da economia?
Ninguém sabe quanto tempo vai durar a crise e qual a sua gravidade. Mas
parece claro que esta é a crise mais séria pelo menos desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado.
Ainda assim, que medidas podemos tomar para que seja possível essa
retoma?
Reina uma grande insegurança quanto à própria natureza da crise (porque
ela é inédita) e quanto aos remédios a aplicar. Mas pensa-se ser indispensável,
antes de mais, evitar o colapso do sistema financeiro (que levaria ao total desastre económico). Ainda não é certo que se tenha evitado tal colapso.
Por outro lado, são necessárias políticas para espevitar a procura – investimentos públicos e/ou baixa de impostos. O importante é que essas medidas
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. serviços e movimentos .
produzam efeitos tão imediatos quanto possível, o que aconselha os investimentos públicos geradores de emprego.
Também é indispensável reforçar os apoios sociais, até por motivos económicos: quem tem menos dinheiro, se recebe uma ajuda vai gastá-lo – o que
já poderá não acontecer com quem tem rendimentos mais altos, pois poderá
preferir poupar em vez de consumir.
Os reflexos visíveis da crise
A Caritas Diocesana e o Centro de acolhimento de Leiria são duas instituições da Diocese, que se deparam diariamente com a relação sempre tensa
entre a crise e os direitos humanos. Graças à disponibilidade dos seus responsáveis mais directos, tomamos maior consciência da gravidade e número
crescente dos problemas humanos.
Cáritas Diocesana - A situação de dia para dia
Por Ambrósio Jorge dos Santos, Presidente da Cáritas Diocesana
Compreende-se que a comunicação social deseje dispor de elementos
necessários para informar os leitores ou ouvintes acerca do modo como a
actual crise, financeira, económica e social se manifesta nas instituições que
prestam algum tipo de apoio social, e que respostas cada uma pode oferecer
para resolver ou minorar as dificuldades com que se defrontam as famílias
neste contexto.
A Cáritas não foge à regra e também ela é, com muita frequência solicitada a transmitir o seu conhecimento e sensibilidade nesta matéria, no que
respeita ao perfil das pessoas que a procuram, ao seu número e evolução nos
últimos meses, e também quanto às respostas que estão ao seu alcance.
Está fora de propósito trazer aqui tudo o que são as actividades e preocu| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 123
Vida Eclesial
Em que medida a retoma nacional depende da retoma internacional?
A nossa retoma depende em larguíssima medida da retoma internacional,
sobretudo na Europa. Mas tal não invalida, por um lado, que as autoridades
portuguesas possam e devam agir no combate à crise; e, por outro, que seja
preciso muita cautela em não deixar derrapar demasiado o défice das contas
do Estado português. É que, se tal acontecer, o crédito que temos de angariar
no estrangeiro será mais caro e difícil. E nós somos um país onde toda a gente
está endividada: Estado, empresas, famílias, bancos…
. serviços e movimentos .
pações da Cáritas, mas é gostosamente que trazemos aos leitores as nossas
impressões sobre o modo como a situação social actual é sentida na Cáritas.
Temos fugido sempre da dramatização inútil, que só contribuiria para o
agravamento dos problemas mas não podemos também iludir as questões.
Desde há mais de um ano que se vem registando um crescimento contínuo
no número de pessoas que demandam a Cáritas no sentido de obterem algum
tipo de ajuda.
Quanto a proveniências, elas vêm sobretudo da zona urbana e suburbana de Leiria; compreensivelmente, aliás, pois não custa reconhecer que em
tempos de crise, é nas cidades que se encontram as pessoas mais indefesas
e com menor capacidade de resistência às alterações económicas graves e
inesperadas, como a crise actual, que nenhum profeta ou adivinho sabe onde
irá parar. As situações são diversas, mas prevalecem as situações de doença,
de desemprego e, sobretudo, de desagregação familiar; mas também muitos
imigrantes, com predomínio de nacionalidade brasileira e de países de leste
procuram na Cáritas todo o género de auxílio.
Além de um atendimento que desejamos sempre humano e compreensivo, é no banco de bens móveis que as pessoas encontram a resposta a muitas das suas necessidades. Em vestuário e agasalho, roupa de cama, calçado,
móveis e equipamentos domésticos, material escolar, brinquedos e outros,
ascendeu a cerca de 34000 o número dos bens entregues a 400 pessoas, no
ano que findou.
Mas é principalmente no domínio dos bens alimentares que se vem registando um aumento maior de procura. A título de exemplo, a quantidade
apreciável de bens alimentares entregues, por ocasião de Natal, por três paróquias da diocese, por alguns particulares e pelos jovens do Leo Clube de
Leiria, encontra-se quase esgotada: só no mês agora a findar, foram 30 as
pessoas que vieram pedir bens de alimentação, algumas encaminhadas por
serviços oficiais. Também significativa, neste âmbito, é a necessidade sentida
ultimamente pela Cáritas, de dispor sempre de alguns bens alimentares para
as necessidades mais urgentes, que adquire periodicamente no mercado local.
A Cáritas presta também pequenas ajudas financeiras, maioritariamente dirigidas às dificuldades sentidas com os custos fixos da vida na cidade, como a
renda de casa ou do quarto, as despesas com água, luz, gás, e medicamentos,
entre outros. Privilegiamos sempre, mas sobretudo em caso de ajudas financeiras, a interacção com organismos oficiais e grupos sócio-caritativos locais que,
por motivos profissionais ou por razões de vizinhança e proximidade, estão em
melhores condições para avaliar da urgência e necessidade de cada situação.
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. serviços e movimentos .
Centro de Acolhimento de Leiria
- Agravamento e aumento dos casos
Por Edite Tojeira, Coordenadora do CAL
A coordenadora do Centro de Acolhimento de Leiria (CAL) faz um ponto
da situação sobre o modo como a actual crise se tem manifestado no trabalho
da instituição: “É notório o agravamento das condições económicas para um
maior número de pessoas”.
O CAL acolhe todos os que se encontram em situação de exclusão social:
vítimas de alcoolismo, toxicodependência, doenças incapacitantes, problemas de psiquiatria, violência doméstica, desemprego, ex-reclusão, sem-abrigo, ou simples isolamento. O número varia de ano para ano, mas “sente-se
que, devido à actual crise económica, o desemprego tem maior relevância”.
Prova disso, recorrerem ao CAL “pessoas e famílias que nunca apareceriam
se não fosse a carência de bens de primeira necessidade”, afirma Edite Tojeira, considerando que, ainda assim, “estes casos são os menos difíceis de resolver, pois as pessoas vêm com hábitos de trabalho e de vida em sociedade,
só não têm meios económicos para se sustentarem ou sustentar a família”. O
papel do Centro, nestes casos, acaba por ser temporário, de “ajudar a procurar
meios para um reequilíbrio”.
Para isto, o CAL conta com a ajuda da Cáritas Diocesana, que doa metade
do seu peditório anual a esta instituição, bem como da paróquia de Leiria, que
assume a totalidade das despesas.
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Vida Eclesial
Costumamos dizer que a Cáritas é um lugar de exercício da gratuidade
e de voluntariado. Lugar de exercício da diversidade de bens que podemos
partilhar, sejam eles o tempo, as capacidades ou os bens materiais. Porque o
que a Cáritas tem para distribuir é o que cada um lhe confia.
A partilha vai para além das sobras, do supérfluo, do que já não serve.
Partilhar é um modo de ser e de estar, no dia a dia, próprio de quem não
deposita as suas esperanças nos bens deste mundo, mas reconhece como dádiva de Deus, todos os bens, dons e talentos que possui, para o serviço de
todos. É um imperativo cristão, mas também um dever de cidadania. Cada
um reconhece-se responsável pelo bem de todos, segundo a sua capacidade.
A Cáritas não substitui o dever de cada cristão, cada cidadão, cada comunidade, de participar activamente na resolução dos problemas sociais, quaisquer
que eles sejam.
. serviços e movimentos .
Os Samaritanos
Natal nas prisões…
A época de Natal ganha especial importância para todos os que se encontram privados de liberdade, longe das festas com a família e da euforia das
compras e prendas.
No final da tarde do dia 24 de Dezembro, o Grupo de Visitadores dos
Estabelecimentos Prisionais de Leiria “Os Samaritanos” em conjunto com
alguns jovens do Grupo Missionário “Ondjoyetu”, deslocaram-se à antiga
Prisão-escola para, cela a cela, distribuírem uma vela para os reclusos acenderem durante a noite, um marcador de livros “10 milhões de velas pela Paz”
e um saquinho com bombons oferecidos pela Pastelaria Haiti e por mais alguns particulares.
No domingo, dia 4, jovens de várias associações, entre elas, Caminheiros
da Região de Leiria, Grupo Missionário Ondjoyetu e grupo de visitadores
“Os Samaritanos”, reuniram-se com os reclusos, de manhã na Prisão-escola
e à tarde na Cadeia Regional.
O dia iniciou-se com a celebração da Eucaristia animada pelos jovens
presentes, e o convite da Palavra proclamada a renascer à semelhança do
Menino Jesus.
Seguiu-se um momento de convívio nos diversos pavilhões. Numa dinâmica baseada no texto “Caixa de Brinquedos”, todos foram convidados
a oferecer a Deus o que tinham de melhor. Ao som da “Estrela Polar” cada
recluso escreveu a sua oferta e, reunidos os pedaços escritos, chegou-se à
grande estrela onde brilhavam todas as coisas boas oferecidas. Em ambiente
de música e alegria foi possível manifestar sentimentos de gratidão pelo tempo disponibilizado, e viver de modo especial o espírito Natal.
Da tarde, repetiram-se a mesma dinâmica e programa na zona feminina
da Cadeia Regional, com grande correspondência das reclusas. A terminar,
de cela a cela, distribuíram-se um postal ilustrado, uma estrela com o Menino
Jesus e um saco com algumas outras lembranças.
No emaranhado do quotidiano é possível despender um pouco do nosso
tempo com os outros, principalmente com aqueles que são mais facilmente
esquecidos pela sociedade. E esta diferença nota-se nos sorrisos, no brilho
dos olhos e no voltar a acreditar neles próprios, afinal é sempre altura de
recomeçar um caminho de esperança.
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. serviços e movimentos .
Para que o sorriso voltasse, os olhos voltassem a brilhar e os mais esquecidos da sociedade voltassem a creditar em si mesmos, bastou romper com
a monotonia do emaranhado quotidiano, motivar patrocínios de entidades
como a Pastelaria Trigo e Centeio, Análises Beatriz Godinho e Missionários
do Verbo Divino, e recolher generosidades de Milagres, Bairro das Almuinhas, Batalha, Marinha Grande e Comunidade Franciscana de Leiria. Um
agradecimento a todos, que se estende ao pessoal dos Estabelecimentos Prisionais de Leiria pelo acolhimento e gentil colaboração.
Páscoa… Ressurreição de Jesus… Ressurgem a alegria e a vontade de
ser feliz.
Porque a grande mensagem que Jesus nos deixou deve ser partilhada por
todos, no passado dia 19 de Abril, o grupo dos “Samaritanos”, com diversos
jovens do grupo missionário “Ondjoyetu” e dos Escuteiros da nossa região,
foram celebrar a Páscoa nos Estabelecimentos Prisionais de Leiria.
Depois da Eucaristia, os visitadores dividiram-se em grupos para visitarem os pavilhões e levarem a alegria de Jesus Ressuscitado a todos os reclusos. O relato evangélico da conversão de Zaqueu, o cobrador de impostos,
inspirou a partilha. É ao nosso encontro que o Senhor vem, hoje, fazendo
questão de “ficar em nossa casa”. Queiramos nós vê-Lo e escutar o que diz e
suscita como vida nova…
No final foi entregue uma caixinha com um pequeno “tesouro”: o convite
a deixar Jesus ficar connosco, uma pequena cruz a assinalar a sua entrega por
cada um de nós, uma folha de oliveira alusiva à árvore a que subiu Zaqueu,
o ovo de chocolate, símbolo da Páscoa, e uma imagem de Jesus lançando o
desafio: “Vem e segue-me”.
A Páscoa foi a notícia levada: Jesus ressuscitou. A Páscoa foi o irmão que
nos enriqueceu com a abertura da vida que está nele, pronta a desabrochar,
apenas esperando quem a acolha.
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Vida Eclesial
Páscoa nas prisões...
. serviços e movimentos .
Semana Nacional da Cáritas – 8 a 15 de Março
Juntos, daremos vida à esperança
Submergidos uns pelos outros, pode questionar-se o alcance prático dos
sucessivos dias ou semanas de uma qualquer causa, que na sua maior parte
passam despercebidos não deixando atrás de si qualquer rasto perceptível.
Pode não constituir excepção e não escapar à indiferença comum a existência
de uma Semana Nacional da Cáritas. No entanto, as circunstâncias do tempo
presente marcadas pela grave crise social em desenvolvimento, trouxeram
para a actualidade um interesse redobrado, não apenas pela acção da Cáritas em todo o espaço nacional para aliviar as dificuldades de um crescente
número de famílias, mas também pelos valores, ideário e motivações que a
inspiram. É legítimo esperar, por isso, que as propostas e acções preparadas
para esta Semana Nacional pela Cáritas de Leiria-Fátima encontrem também
redobrado eco e envolvente participação, tanto da parte dos crentes como de
todas as pessoas que se identificam com os seus propósitos e com a sua acção
concreta.
A interpelação a uma forma de viver caracterizada pela atenção às necessidades dos outros, sobretudo os mais pobres e fracos, que caracteriza a
Cáritas, poderão e deverão uns colhê-la no nexo radical do amor a Deus e
do amor ao próximo, que perpassa, de forma inequívoca, por toda a tradição
evangélica. Outros, porém, a partir da condição de cidadãos da mesma cidade
e membros da mesma família humana, farão dos gestos de descentramento
dos interesses pessoais, um exercício de cidadania consequente e de solidariedade activa, mostrando de igual modo que o próximo em dificuldade não
lhes é indiferente. A Cáritas de Leiria, tendo embora nas comunidades cristãs
da diocese o seu suporte mais significativo, pode testemunhar aqui, também
com grato reconhecimento, essa pluralidade de contributos na vivência da
solidariedade.
Deste modo, por caminhos diferentes mas igualmente nobres, podemos
todos, políticos e governantes, empresários e trabalhadores, associações religiosas ou civis, abrir-nos à aceitação recíproca, ajudando os mais fracos,
superando barreiras e indiferenças, contribuindo para o fortalecimento dos
laços da solidariedade humana e estabelecendo os alicerces de uma convivência fraterna e pacífica. Sobretudo nos dias difíceis como os que atravessamos,
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nenhum contributo, nenhuma boa vontade está a mais, como não pode estar a
menos, para promover uma verdadeira humanização das estruturas políticas,
económicas e de desenvolvimento. Só juntos, venceremos pessimismos e daremos vida à esperança.
De entre as iniciativas preparadas para esta semana, é o chamado “peditório” público a que tem maior visibilidade. Ainda que, e sobretudo na hora
actual, as carências materiais estejam na primeira linha das preocupações da
Cáritas, ela propõe-se ser também escola de solidariedade, agente transformador da sociedade, no despertar das consciências para os problemas sociais
mais graves e suscitar para a comum responsabilidade na sua resolução.
As outras acções que preparámos, como a participação na dádiva de sangue, o desenvolvimento de competências das pessoas cuidadoras de doentes
de Alzheimer e a formação de agentes/colaboradores da Cáritas, indo ao encontro de necessidades concretas de muitas famílias e da sociedade em geral,
reflectem também a largueza das preocupações da Cáritas e dos horizontes
que se abrem à sua intervenção. Mas exprimem ainda a sua disponibilidade
para continuar a dar o seu decidido contributo para o compromisso comum
de edificação de uma cidade renovada, justa e solidária, onde prevaleça o
reconhecimento da primazia do bem comum e da igual e absoluta dignidade
de cada pessoa humana.
Ambrósio Santos, presidente da Cáritas Diocesana de Leiria
Abertura da Semana Nacional da Cáritas em Leiria
“É bom saber a doutrina, mas muito melhor praticá-la”
“É bom saber a doutrina, mas muito melhor praticá-la”, afirmou José Dias
da Silva aos mais de cem colaboradores da Cáritas que participaram, no passado dia 8 de Março, em Leiria, no seu XII Encontro anual.
A reunião, convocada pela Cáritas Diocesana para ser espaço de formação, intercâmbio de experiências, formação, oração e convívio, foi presidida
por D. António Marto, e contou com a participação de numerosos grupos e
voluntários vindos de muitas paróquias da diocese.
A intervenção de fundo esteve a cargo daquele perito nas áreas da pastoral social e doutrina social da Igreja, que centrou a sua conferência em torno
da conhecida expressão de S: Paulo” Se não tiver caridade, nada sou”, que
constitui também o lema da Cáritas Portuguesa para a sua Semana Nacional
que decorre até ao dia 15.
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Vida Eclesial
. serviços e movimentos .
. serviços e movimentos .
Com uma linguagem coloquial e muito próxima das realidades que bem
conhece, o Dr. José Dias prendeu a atenção da numerosa assembleia, percorrendo o tema do amor cristão nos seus fundamentos humanos e teológicos,
à luz da tradição bíblica e dos documentos da Igreja; mas também nas exigências concretas para um modelo diferente de organizar a vida pessoal e a
sociedade.
“Temos muita experiência em pôr remendos, mas muita dificuldade em
atacar as raízes”, disse. Sem subestimar o amor cristão nas suas práticas mais
comuns e assistenciais, apontou, sobretudo, para o amor cristão que promove a autodeterminação e que conduz a pessoa assistida à descoberta da sua
dignidade; que leva à transformação das estruturas socio-políticas e não se
fica pela integração no sistema; que não pensa apenas no tempo presente mas
também nas gerações futuras; que é libertador das amarras da dependência,
e não apenas protector ou assistencial; que obriga a um modo diferente de
ver os pobres, sujeitos da história e não fardos importunos; que é generoso,
desinteresseiro e ilimitado, um exercício permanente que não pode ficar-se
pelas palavras: “é bom saber a doutrina; mas muito melhor praticá-la”.
Nas palavras que dirigiu também aos participantes, D. António Marto
referiu-se à actual situação de emergência social, dizendo que os cristãos são
chamados a dar suporte às necessidades básicas da vida, pelo que se torna
mais premente e mais urgente o apelo da Cáritas para mobilizar e despertar
as consciências para poder repartir.
O bispo da diocese exortou a uma convergência de acção não apenas
dentro da Igreja, mas também em cooperação com outras instituições civis,
para um amor activo, inteligente, atencioso e eficiente. Feito com alegria e
generosidade do coração, porventura no silêncio, sem ruído nem espectáculo,
porque não procura a gratificação imediata, mas é feito de gratuidade generosa e silenciosa.
Ambrósio Santos, presidente da Cáritas
Conferência da Cáritas sobre doença de Alzheimer
O “afecto” e o “humano” no centro das terapias
Decorreu no dia 5 de Março, no auditório municipal da Batalha, uma
jornada de trabalho sobre a doença de Alzheimer, iniciativa promovida pela
Cáritas Diocesana de Leiria (CDL) em parceria com a Delegação Centro da
Alzheimer Portugal (AP) e com o apoio do Município da Batalha. Sob o
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lema “Alzheimer - conhecer para bem cuidar”, teve como principal objectivo
“promover a preparação das pessoas que prestam cuidados aos doentes de
Alzheimer, de forma a conseguir que o façam com o máximo de eficácia para
o bem-estar daqueles e com o mínimo de desgaste para si próprios”.
Na sessão de abertura, Ambrósio Santos, presidente da CDL, agradeceu
a colaboração das entidades participantes e da autarquia, salientando a importância desta temática no contexto social actual, em que cada vez mais
pessoas sofrem as consequências de tão grave enfermidade, não só os doentes
como os seus familiares e amigos mais próximos. Agradeceu igualmente a
boa adesão de técnicos e público em geral a esta proposta, numa sala cheia
com mais de duzentos participantes. Também Rosária Cabral, presidente da
Delegação Centro da AP, frisou a pertinência desta abordagem, “sobretudo
a partir da experiência prática de quem lida com esta ‘tortura’ diariamente”.
No mesmo sentido interveio Carlos Henriques, vice-presidente da Câmara da
Batalha, considerando que “a autarquia acolheu de bom grado esta iniciativa
da Cáritas, convicta de que será cada vez mais prioritária a acção social dos
executivos municipais, em detrimento das infra-estruturas, já que é aí que se
concentra a principal fonte de bem-estar e qualidade de vida das populações”.
Com moderação de Alda Moreira, directora técnica do Centro Paroquial
de Seiça, os trabalhos começaram com a abordagem do papel do médico de
família em relação a esta doença, um tema orientado por Célia Mendes, médica do Centro de Saúde de Figueiró dos Vinhos. Enunciou as características
fundamentais a ter em conta num doente com Alzheimer; referiu formas de
atenuar o avanço da doença, bem como algumas técnicas para evitar conflitos com os portadores, pois “a agressividade vai levar a agressividade”,
acentuou. Nesse sentido, alertou para o papel da família no envolvimento em
todo o processo da doença e apresentou tratamentos alternativos da medicina
complementar.
Depois, Carla Pereira, assistente social da AP, falou do apoio social prestado ao doente, sobretudo em resposta à “instabilidade familiar” suscitada
pela situação. “O cuidador é o pilar de sustentação do afectado”, afirmou esta
técnica, referindo os vários apoios governamentais que estão ao dispor das
famílias e que possibilitam o acesso a uma rede de técnicos especializados.
E, resumindo, afirmou: “Cuidar é criar afectos”.
Ainda no primeiro painel, seguiu-se a intervenção da enfermeira Suse
Simões, do Centro Hospitalar de Coimbra, na linha dos cuidados de enfermagem necessários ao doente de Alzheimer, onde é fundamental a articulação
entre comunicação verbal e não verbal. A acção abarca as medidas de segu| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 131
Vida Eclesial
. serviços e movimentos .
. serviços e movimentos .
rança para o bem-estar do doente, a higiene pessoal, o vestuário, a alimentação, os exercícios físicos e as actividades regulares, mas também o papel
motivador do cuidador, que “não deve esquecer-se de si próprio”. Quanto
às dificuldades inerentes, finalizou com uma citação de Fernando Pessoa:
“Pedras no caminho? Levando-as todas, um dia vou construir um castelo!”.
Da parte da tarde, um novo painel abriu com a intervenção de Carla Lemos, fisioterapeuta do Centro de Saúde Pombal, centrada no papel da fisioterapia na recuperação das capacidades físicas perdidas ao longo da doença.
“Quando se intervém precocemente, é possível atenuar o avanço da doença
a nível da mobilidade, postura e coordenação física”, afirmou a especialista,
fornecendo algumas indicações quanto a exercícios físicos, posicionamento
dos doentes e materiais a utilizar para auxiliar o doente e o cuidador no diaa-dia.
Na linha das terapias complementares, Elisabete Pereira, terapeuta ocupacional, salientou a importância desta acção de acompanhamento continuado,
com avaliação progressiva e criação de um plano de intervenção que tenha
em conta a história de vida do doente, “através da abordagem da pessoa como
um todo, englobando todos os factores envolventes ao seu meio”. Numa frase, concluiu, “o terapeuta humaniza a relação: fala, toca e olha”.
Voltando um pouco o discurso para tónica do testemunho, a última parte
da sessão contou com a partilha de alguns cuidadores de familiares com Alzheimer, organizados em “Grupos de Auto-Ajuda”, que revelaram episódios
reveladores do processo da doença, desde o diagnóstico ao seu desenvolvimento gradual. Também a presidente da Delegação Centro da AP testemunhou a vivência desta doença “no seio da família”, pelo seu caso pessoal de
acompanhamento do marido, numa altura em que a doença era ainda pouco
conhecida. Uma exposição enriquecida com imagens demonstrativas do percurso de vida de um doente e com a força de quem sentiu na primeira pessoa
essa realidade.
A terminar, num pequeno debate, muitos outros testemunhos emocionados surgiram, bem como agradecimentos a quem se dedica a tratar e a ajudar
os que sofrem com esta terrível doença. Nas palavras da moderadora Alda
Moreira, “foi um dia de esperança, em que os cuidadores sentiram que não
estão sós, que podem solicitar ajuda e dar uma melhor qualidade de vida a
estes doentes”.
Vera Lúcia Lino Ferreira | LMF
132 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. serviços e movimentos .
Muitas estrelas na festa da Missão
Antes da realização de mais um espectáculo solidário com a Missão do
Gungo, misturavam-se sentimentos de ansiedade, receio e expectativa mas,
acima de tudo, de esperança. De facto, um turbilhão de sentimentos acompanhou o desenvolvimento desta iniciativa.
Ao longo dos últimos anos, os espectáculos têm constituído um forte contributo, ajudando no pagamento das viagens dos voluntários e na realização
dos projectos que temos vindo a desenvolver. Ao início tudo parecia difícil,
mas, graças à ajuda preciosa de todos, os objectivos foram cumpridos. Ficamos
muito emocionados porque, ao longo destes árduos dias de trabalho, o grupo
pôde contar com a colaboração de muitos, aos quais agradecemos, em nome
do grupo missionário e, sobretudo, do povo do Gungo: “Twapandula” (muito
obrigado, no dialecto do Gungo)!
Há quem diga que a união faz a força e isso confirmou-se no dia da Festa. Por isso, o grupo agradece aos padres diocesanos, leigos, professores de
moral, pessoas do grupo missionário, patrocinadores e apoiantes em geral. De
forma especial, às cerca de 1200 pessoas que vieram participar. Foram muitos
os principais elos do sucesso deste ano; temos de acreditar que todos juntos,
caminhando lado a lado, conseguimos construir coisas belas.
Agradecemos ao Coro Ninfas do Lis, que de forma gratuita ajudou o nosso
projecto e que nos brindou com uma maravilhosa actuação: um coro de alegria,
cor, simpatia e talento. Agradecemos ao Ricardo Azevedo e à sua equipa, pela
belíssima actuação e forma como interagiram com o público e com o projecto
missionário. As músicas e as palavras com que foi comunicando formaram um
todo harmonioso, numa noite de festa e muita alegria, mas também de solidariedade e carinho para com os que mais precisam de uma mão amiga.
Por falar nisso, não podia esquecer o momento especial em que tivemos
o privilégio de ouvir, por breves minutos, os sons de alegria dos missionários
que estão no Gungo, depois de vermos algumas imagens deliciosas dessa terra
de missão. Obrigada, padre Vítor, pelo filme fantástico com que nos deliciou e
pela forma tão pura como retratou a vida e o trabalho dos missionários.
É graças a todos vós que, hoje, depois do evento, podemos acreditar e continuar a sonhar. No dia 14 de Fevereiro, não foi só mais uma iniciativa do Grupo Missionário Diocesano – Ondjoyetu. Foi sobretudo uma união de irmãos em amor e
amizade. Resumo tudo isto numa frase bela e profunda: “Amor, Fonte da Missão”.
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Vida Eclesial
Ondjoyetu promove espectáculo solidário
. serviços e movimentos .
Serviço Diocesano de Animação Vocacional
Formação missionária “Chama que chama”
A animação e o acompanhamento vocacional vão continuar na programação da Escola diocesana “Razões da Esperança”, no ano pastoral que se está
a iniciar. Será uma das ofertas para a segunda hora, orientada pelo Serviço
Diocesano de Animação Vocacional, para apoio da animação vocacional. Dirige-se a catequistas, animadores da liturgia, qualquer animador vocacional,
mesmo não integrado num grupo organizado e outras pessoas que venham a
interessar-se. As inscrições far-se-ão nas modalidades e condições da Escola.
O programa, o mesmo do ano passado mas revisto, inclui, no primeiro
semestre, aspectos práticos da ajuda ao despertar das vocações nos grupos e
comunidades, e, no segundo semestre, o processo de acompanhamento pessoal e em grupo, para a descoberta e amadurecimento da própria vocação.
Destinatários
- Membros dos grupos paroquiais e vicariais da animação vocacional.
- Catequistas e animadores de grupos de jovens e de adultos.
- Padres, religiosos e leigos interessados na animação vocacional.
Objectivos
- Possibilitar a tomada de consciência e o apreço pela própria vocação.
- Promover a disponibilidade para ajudar outros na descoberta e resposta
à própria vocação.
- Preparar para o ministério de animador vocacional, oferecendo conhecimentos e instrumentos.
Programa
Primeiro semestre – Vocação e animação vocacional
Tema 1: Conceitos, objectivos e programa.
MÓDULO I: VOCAÇÃO E PROJECTO PESSOAL DE VIDA
Tema 2: Vocação pessoal.
Tema 3: Itinerário e projecto de vida.
Tema 4: Oração e maturidade espiritual.
Tema 5: As mediações na vocação (pessoal, familiar e comunitária).
134 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. serviços e movimentos .
Segundo semestre – O acompanhamento no caminho vocacional
MODULO I: CONCEITO E MODELO
Tema 1. O que é o acompanhamento vocacional (pessoal e em grupo).
Tema 2. Ícones bíblicos do acompanhamento: Emaús e Paulo.
Tema 3. O início do caminho vocacional: do despertar à decisão pessoal.
MÓDULO II: O ACOMPANHANTE
Tema 4. Quem acompanha e como (pais, catequistas, pároco, religioso/a...).
Tema 5. Características da relação de ajuda e suas condições.
Tema 6. Acompanhamento pessoal e de grupo: semelhanças e diferenças.
MÓDULO III. O ACOMPANHADO
Tema 7. Criança, adolescente e jovem: aspectos psicológicos e espirituais.
Tema 8. Identificação do chamamento de Deus e resposta pessoal.
Enquadramento e calendário
- Formação integrada na Escola “Razões da Esperança”.
- De Outubro a Maio, quinzenalmente, às terças-feiras, no Seminário de
Leiria: das 21h. às 21h50, formação teológica geral; das 22h às 23h30, formação sobre animação vocacional.
- Datas: Outubro, 6 e 20; Novembro, 3 e 17; Dezembro, 1 e 15; Janeiro, 5
e 19; Fevereiro, 2 e 23; Março, 9 e 23; Abril, 13 e 27; Maio, 11 e 25; Junho,
1 (encerramento).
Orientadores
- Equipa do Serviço de Animação Vocacional: padre Jorge Guarda, padre André Batista, padre Pedro Viva, padre Vítor Pinto, irmã Goreti Roda,
irmã Maricélia Galindo, Filomena Carvalho, Sónia Repolho, Célia Morouço
e Paulo Henriques.
Certificado de participação
- No final do percurso, a quem participou em 2/3 das sessões será entregue
um certificado de participação.
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Vida Eclesial
MÓDULO II: DA VOCAÇÃO À PRO-VOCAÇÃO
Tema 6: O papel dos animadores.
Tema 7: Como ajudar a despertar e amadurecer a vocação.
Tema 8: Desafios e propostas.
. serviços e movimentos .
CPM – Leiria-Fátima
Encontros de Noivos 2008/2009
2008
Novembro, 29/30 Cruz da Areia
2009
Janeiro, 31/Fev., 1 Cruz da Areia
Fevereiro, 7/8 Monte Real
Fevereiro 7/8 Caxarias
Fevereiro, 28/Março, 1 M. Grande
Março, 7/8 Caranguejeira
Março, 7/8 Albergaria dos Doze
Março, 14/15 Cruz da Areia
Maio, 9/10 Cruz da Areia
Maio, 9/10 Burinhosa
Maio, 30/31 Caxarias
Maio, 30/31 Santa Eufémia
Junho, 6/7 Ortigosa
Junho, 20/21 Cruz da Areia
Junho, 27/28 Marinha Grande
Setembro, 26/27 Cruz da Areia
Para melhor aproveitamento, os noivos devem ir antes a uma “reunião
zero”. Informar-se na paróquia.
Os noivos não participarão sem terem preenchido as fichas nas paróquias
e estas devem enviá-las à Equipa CPM, a tempo de se organizar o encontro.
Não se podem aceitar fichas de última hora.
136 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. entrevistas .
Congresso no centenário do Pastorinho
Francisco Marto – Crescer para o Dom
Padre Vítor Coutinho, presidente da Comissão Organizadora
“Olhar para a figura do Pastorinho Francisco
e a realidade que ele representa”
Qual a perspectiva que o congresso vai assumir?
Será uma perspectiva abrangente e multidisciplinar. Tentaremos conhecer melhor a pessoa do
Francisco, aprofundando sobretudo a dimensão da
sua vida interior. Os conferencistas são de áreas
muito diversificadas: da espiritualidade e da teologia, da literatura e do direito, da pedagogia e da
ética, da pastoral e da catequética, da história, da
música, etc. Os temas, que corresponderão a uma
gama muito grande de interesses, olharão não só
para a figura do pastorinho Francisco Marto, mas
também para a realidade das crianças que ele representa, e para alguns desafios que estas colocam à Igreja e à sociedade.
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Vida Eclesial
Decorreu entre 18 e 20 de Junho o congresso “Francisco Marto – Crescer
para o Dom”, que estudou a figura e o testemunho do vidente de Fátima bem
como alguns aspectos da espiritualidade infantil. Integrado nas comemorações do centenário do nascimento do Pastorinho de Fátima, a iniciativa do
Santuário integrou grande variedade de temas e a participação de personalidades com diferentes formações.
Publicamos uma série de entrevistas dadas, na ocasião, por alguns intervenientes a Luís Miguel Ferraz e Rui Ribeiro (O Mensageiro) e a Leopoldina
Reis Simões (Santuário de Fátima).
. entrevistas .
A que pessoas poderá interessar?
Antes de mais, a qualquer cristão que queira conhecer melhor a mensagem de Fátima, mas também a todos os que se interessem pela espiritualidade
cristã nas suas diversas formas, e queiram reflectir sobre a educação religiosa
e espiritual das crianças, designadamente, pais, educadores, catequistas, professores de religião e moral… Interessará ainda a quem se questionar sobre
a forma como a sociedade e a Igreja se deixam desafiar pela presença das
crianças.
De diversos níveis de aprofundamento, umas mais acessíveis e práticas,
outras mais teóricas e exigentes, as conferências responderão a uma grande
diversidade de expectativas.
Arnaldo de Pinho, presidente da Comissão Científica
“Fátima não é assunto de criancinhas”
Do que a Comissão Organizadora já revelou,
depreende-se que o Congresso irá ao encontro
de um vasto leque de aspectos relacionados
com a infância. É uma reflexão premente?
Efectivamente. É a primeira vez que se aborda
uma revelação, embora privada, mas no sentido
de Rahner uma revelação privada é um carisma
para toda a igreja, feita a crianças. Por outro lado,
desde o séc. XIX – lembremos sobretudo o nome
de Maria Montessori – a criança não é vista como
um adulto pequeno, mas como um paradigma do
humano. Será também uma figura da graça e um lugar teológico?
Para antecipar um pouco: infância e santidade são realidades inerentes,
inseparáveis?
A teologia, sobretudo a partir do carisma de Santa Teresinha do Menino
Jesus tem alguma reflexão sobre a infância espiritual como caminho de santidade. Todavia, essa reflexão não se aplica cabalmente às crianças de Fátima,
porque Teresa de Lisieux, ou Teresa Martin, não era criança. Não há uma
inerência entre a infância e a graça. Mas há que explorar a infância como
naturalmente apta para a graça.
138 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. entrevistas .
A ordenação da temática responde às expectativas do Congresso. Reparese como se privilegiam os aspectos antropológicos, isto é, a natureza específica da infância, como aptidão (S. Tomás e K. Rahner diriam potência obediencial) para a graça.
Quais as suas expectativas para este congresso?
Espero que as pessoas que participarem e vierem a ler as Actas reparem
no fenómeno Fátima não como um assunto de criancinhas, mas, diferentemente, como o que devemos às crianças numa perspectiva de educação integral que comporta crescer para o dom, isto é, para a transcendência.
Irmã Ângela Coelho, moderadora num dos painéis
Em primeiro lugar… justifica-se um congresso
sobre uma criança, Francisco Marto?
Ao longo destes 90 anos tem-se falado muito
na mensagem de Fátima e a vida dos pastorinhos
começou a ganhar maior relevo a partir da sua beatificação, no ano 2000. O congresso justifica-se,
antes de mais, porque a personalidade do Francisco ainda não é muito conhecida nem foi aprofundada. Poderá ser um bom ponto de partida agora
que muito mais informação começa a estar ao
nosso dispor. Até aqui havia uma concentração nas
Memórias da Irmã Lúcia e nalguns livros de espiritualidade, actualmente temos uma informação muito mais vasta, reunida na Documentação crítica de
Fátima.
O que torna a personalidade do Francisco Marto tão especial?
A Mensagem de Fátima assenta no que Nossa Senhora pediu e foi posto
em prática pelas três crianças, Francisco, Jacinta e Lúcia, no seu conjunto, e
também por cada um deles de uma forma pessoal. Cada um contribuiu com
algo especial. Lembro uma passagem do Antigo Testamento que pode ser
inspiradora, quando Elias sobe ao monte Horeb para se encontrar com Deus:
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 139
Vida Eclesial
“O Francisco é um talento
que Deus confiou ao nosso mundo!”
. entrevistas .
primeiro há um trovão, um vento muito impetuoso, que faz lembrar a Lúcia,
que vê, que fala e fica com a missão de anunciar; depois surge o fogo, que faz
lembrar a Jacinta, que tinha no peito aquele ardor pelo Coração Imaculado de
Maria e pelo Santo Padre; finalmente, vem a brisa suave onde estava Deus,
que me lembra o Francisco, uma criança contemplativa que encontra Deus
no silêncio. Por ser uma alma silenciosa é capaz de captar, de uma forma
especial, aquilo que é, por exemplo, o Coração eucarístico de Jesus. O Francisco tem também isso de especial: encontra a sua missão muito cedo, é uma
criança que se retira para o “deserto” da Serra de Aire, onde desenvolve a sua
dimensão contemplativa.
É essa a principal característica que o distingue das outras duas videntes
de Fátima?
Sim, mas há muitas outras coisas que o distinguem. O Francisco era mais
introvertido e pacífico, um menino calmo que perdia os jogos mas não levava a mal nem amuava, ao passo que a Jacinta amuava logo. Depois das
aparições, o Francisco vai mudar mas a partir da sua natureza: gosta de estar
sozinho, mas tem um sentido para esta solidão: estar com Deus.
Também era muito sensível. Dos três, é o mais perto da natureza, gosta
muito de animais e vive apaixonado pela música e pelo seu pífaro. É ainda
muito corajoso. Na prisão, é ele que dá força à irmã quando ela chora, a encoraja e anima.
Outra característica sua é a capacidade de discernimento. Quando vê a
Lúcia em apuros, por não saber o que responder às pessoas, ou por não querer
ir às aparições, em Julho, com medo que seja o demónio, é o Francisco que
lhe dá coragem e lhe mostra que está enganada: como pode ser o demónio “se
Nossa Senhora é tão bonita e o demónio é tão feio”?
Que podem ver de interessante as crianças de hoje neste menino nascido
há 100 anos?
Podem olhar para ele como criança absolutamente normal. Os que hoje
brincam com playstation e computadores podem rever-se no Francisco porque ele não é uma criança extraordinária. Mas viveu um acontecimento especial que o levou a desenvolver virtudes e características que me parecem
fundamentais para as crianças de hoje.
Por exemplo, o sentido da obediência. O Francisco era muito obediente
aos pais e obedeceu prontamente aos pedidos de Nossa Senhora. Ela pediulhe que rezasse muitos terços a fim de ir para o Céu, e o Francisco não per140 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
gunta porquê, não resmunga, não faz birra, apenas reza.
Outro aspecto é o sentido da pureza. Ser puro é ver as coisas como Deus
as vê, ver as pessoas e os acontecimentos como Deus os vê, com o olhar de
Deus. O Francisco desenvolveu muito este sentido da pureza, por exemplo,
na forma como aconselhava a prima a não andar com certo grupo de colegas,
para não aprender a dizer palavras feias, pois “Jesus fica triste”. As nossas
crianças têm muito a aprender com ele, por exemplo, no uso da internet, que
é uma coisa maravilhosa mas com alguns perigos, onde tantas imagens, deformando o nosso olhar, podem levar-nos a ver a vida com malícia.
Outra característica fundamental do Francisco é a humildade. Nas aparições, a Lúcia via, ouvia e falava, a Jacinta via e ouvia, e o Francisco só via.
Ele nunca se queixou, nunca se sentiu diminuído, nunca disse “coitadinho de
mim, porque só vejo”, assumiu o que era, assumiu os seus limites. No nosso
tempo de competitividade, em que cada criança tem que ser melhor que a
outra, mais inteligente, mais bonita, mais rica, mais poderosa, sem direito a
medos ou fraquezas… o Francisco, com o seu jeito humilde, ensina muito às
crianças de hoje.
Sendo uma criança absolutamente normal, o Francisco transformou-se
numa criança especial que todas as crianças normais, deste tempo, podem
perfeitamente imitar.
Dadas essas características, o Francisco pode também inspirar os adultos?
Muito. Era criança mas tinha uma infância madura. Com a vivência da
mensagem de Fátima, não deixou de ser criança. Apreciava a companhia da
prima e da irmã, gostava do carinho do pai e da mãe.
Com o Francisco, os adultos podem, desde logo, aprender a prudência e a
sensibilidade que ele demonstra. Recordo o conselho à Lúcia para não voltar
da escola com certos amigos, ir um “bocadinho para o pé de Jesus escondido
e depois vir sozinha para casa”. Quantos pais, na educação dos filhos, podem
aprender com esta prudência do Francisco!
Há outras características inspiradoras para os adultos: a sua lucidez, a sua
consciência recta, o seu amor à verdade, que o seu pai, “Ti Marto”, frequentemente confirmava. A rectidão da consciência é importantíssima, num mundo
que relativiza a verdade e tudo.
No pequeno Francisco salientava-se o sentido de responsabilidade e a insistência na fidelidade aos compromissos. Tinha-lhe sido confiada, de forma
especial, a missão de rezar muitos terços, num apelo à sua dimensão con| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 141
Vida Eclesial
. entrevistas .
. entrevistas .
templativa. Nunca abriu mão daquilo a que se tinha comprometido. Num
sociedade light, em que as pessoas se comprometem tão pouco, ao nível da
profissão, do trabalho, das relações familiares, o Francisco pode ajudar muito
no sentido da responsabilidade e do compromisso.
Normalmente, associa-se ao Francisco a imagem do contemplativo. Pelo
que diz, ele poderá ser modelo não apenas para pessoas com o gosto da
contemplação. Sê-lo-á também para quem tem uma vocação mais “activa” na Igreja e no mundo…
Claro que sim. Como diz a Sacrossantum Concilium, a Igreja é simultaneamente missionária e contemplativa. Tem as duas dimensões, como cada
um de nós, a activa e a contemplativa. Mas a contemplação é, de facto, o fim
da nossa vida, a união com Deus. O Francisco, vivendo esta dimensão contemplativa de uma forma especial, é um alerta para nós e lembra que isto da
contemplação e da dimensão espiritual da vida é para todos. É um apelo a não
esquecermos esta dimensão de união com Deus, do fim da nossa vida para o
qual existimos, que é o estar com Cristo.
Em relação à mensagem de Fátima, qual o conteúdo que o Francisco
encarnou mais intensamente?
Antes de mais, o Francisco era um apaixonado pela beleza. Ele tem uma
frase muito interessante a este propósito: “Gostei muito de ver o Anjo, mas
gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso
Senhor naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito”. O Francisco
consegue perceber esta gradação: o Anjo é bonito, Nossa Senhora é mais,
mas mesmo mais bonito é Nosso Senhor.
Depois, vive uma espiritualidade reparadora: manifesta uma vontade intensa de consolar a Deus, o “Jesus Escondido”. Tem um grande sentido de
compaixão. Como viveu tudo isto? Pela adoração eucarística. Passava horas
diante de “Jesus Escondido”. Nunca saberemos a que grau de intimidade com
Jesus o Francisco acedeu. Há o caso de uma senhora que pede uma graça
para um filho acusado de um crime falso. O Francisco vai rezar e no fim diz
à Lúcia: “Diz à tua Teresa que daqui a poucos dias ele vem para casa”. Como
é que uma criança passa uma manhã com Jesus escondido e tem a certeza
absoluta de conseguir uma graça?
Também não podemos esquecer o seu amor ao Rosário. Nossa Senhora
disse-lhe que tinha de rezar muitos terços, e ele diz: “Ó minha Nossa Senhora, terços rezo tantos quantos tu quiseres”.
142 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. entrevistas .
Como médica e trabalhando com pessoas que sofrem, acha que o modo
como o Francisco encarou a doença e a dor também é modelo para nós?
O que me chama a atenção nos doentes é a forma como cada um vive a
sua doença. A atitude do Francisco não é tanto o “porquê a mim?”, mas o
“para quê?”, o “que posso fazer, com esta circunstância?”
O Francisco conseguiu encontrar um sentido que enchia de alegria a sua
doença. Vivia para consolar a Deus e Nossa Senhora, para converter os pecadores. Desta forma, fez da fase final da sua vida um dom, incluindo a sua
doença. Encarando a doença de um modo ajustado, sofrendo com paciência
e “resignação activa”, não como “coitadinho de mim”, integrou a doença na
sua vida, com todo o seu carácter e as suas capacidades. Há quem sofra de
forma zangada e revoltada, e há quem sofra de forma paciente, sem se deixar dominar e escravizar pela doença, assumindo-a com decisão, vivendo-a
como um acontecimento da vida.
Essa maturidade e até austeridade do Francisco são normais numa
criança? Hoje não será visto como sintoma de patologia?
Não! Há crianças que sofrem com muito amor, com muito sentido de
entrega. Não serão comparáveis ao sentido do Francisco, que teve uma experiência única. Mas também ele cumpriu tudo o que havia a cumprir, não
fazendo nada de extraordinário mesmo durante a doença.
Quais as suas expectativas para este Congresso?
Estou muito entusiasmada e muito expectante. Será uma excelente oportunidade para reflectirmos sobre a personalidade humana do Francisco, sobre
a transformação que a vivência da mensagem de Fátima operou nele como
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Vida Eclesial
Em que medida a experiência e o testemunho do Francisco Marto podem
ser estímulo para a fé cristã?
O que é pedido aos Pastorinhos insere-os na tradição e vida da Igreja. A
sua experiência mostra que até uma criança, num curto espaço de tempo, dois
ou três anos, consegue viver de modo intenso e profundo o mistério da Eucaristia. No caso do Francisco, é especialmente visível o amor aos pecadores,
com os quais se sentia solidário e unido oferecendo sacrifícios por eles.
É para nós um estímulo. Se uma criança o fez, também eu o posso fazer. São coisas simples e conhecidas. Se fosse algo de extraordinário poderia
desculpar-me dizendo “não sou capaz, não é para mim”.
. entrevistas .
menino e, depois, como morreu. Pode ser um momento excelente de enriquecimento para todos nós e espero que muitos possam aproveitar. Ao falar
desta criança, o congresso recordará um modelo que tanto pode ensinar. O
Francisco é um talento que Deus confiou ao nosso mundo!
P. Emanuel Silva, moderador num dos painéis
“Todos podemos ser crianças”
Justifica-se um congresso sobre o Pastorinho
Francisco Marto?
Francisco Marto é uma figura extremamente
rica que, por isso mesmo, desperta interrogações
e desafios nos mais diversos quadrantes. É impossível seguir de perto a sua história sem se deixar
interrogar. Desde o contexto existencial dos seus
nove anos à sua personalidade e temperamento, e
admirando a sua fé, deixamo-nos cativar pelas expressões do seu amor e total entrega a Deus pelas
mãos de Maria. É impossível acompanhar o seu percurso sem que, da sua
infância feita “oferta agradável a Deus”, surjam interrogações e implicações
em todos os tempos e a muitos níveis.
Essa multiplicidade das interrogações e implicações que o Francisco desperta, justifica inteiramente um Congresso. O diálogo entre os diversos âmbitos do saber permitirá maior aprofundamento da riqueza interior daquele
que alguém disse ter “um ar desempenado quando respondia às perguntas”.
Efectivamente, o Francisco deixa-se “interrogar” e o seu ar “desempenado”
acaba por levantar interrogações sobre a sua pessoa e as demais crianças.
Que nos diz Francisco Marto sobre a espiritualidade das crianças?
Diz-nos “espontaneidade”, “autenticidade” e “confiança”! Se colocarmos
uma criança e um adulto diante de uma casa grande, esteticamente impressionante, colheremos reacções diferentes. O adulto olhará ao preço - “É muito
cara!”- e a criança, por seu lado, referirá a sua beleza - “Que bonita!”. Talvez
porque os adultos, diz um poeta, já não têm tempo para dar de comer aos
pássaros. A simples observação demonstra que as crianças têm uma incrível
facilidade em passar do mundo material e físico à “experiência” do Sobrena144 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
tural. Mais do que isso, falam-nos dessa experiência com uma proximidade
desconcertante e uma convicção e desenvoltura cativantes.
É evidente que se torna necessário, e a educação, para o bem e para o
mal, também o promove, passar da “metafísica apenas pessoal” para a “física
universal”. Mas a passagem não deve ser tão rápida que impeça de reparar no
essencial, já que, à priori, não tem de existir contradição nem oposição entre
a metafísica pessoal e a física universal. A espiritualidade radica no mais
profundo do ser e é, quase podíamos dizer, como o “rir” e a “linguagem”, um
dado humano fundamental.
Sobre a espiritualidade das crianças, Francisco dir-nos-á seguramente
que é necessário crescer (“fazer-se um homem” como costuma dizer-se em
linguagem de “adultos”) sem perder o que dá sentido à vida. A história das
aparições e a vida de Francisco falam-nos de uma criança pacífica, dócil,
bondosa, condescendente, com sentido de humor, brincalhão, de fácil relação
e amizade, atento e perspicaz, reservado, destemido, contemplativo, sincero, transparente, delicado, paciente. Tantas coisas boas que, naturalmente,
podem ser alvo de pedagogias de forma a fazerem-se realidade existencial.
Nessas atitudes estão todas as linhas com que se “desenha” e faz um Homem.
Esta criança pode inspirar uma espiritualidade cristã adulta?
Se não vos tornardes crianças não entrareis no Reino … (Mc 10, 15). As
palavras de Jesus não deixam lugar a dúvidas. Mas não são, de todo, um convite ao infantilismo ou à imaturidade. A possibilidade de inspiração de uma
espiritualidade cristã adulta na criança que é o Francisco, surge precisamente
das qualidades da infância de Francisco e de todas as crianças. A maturidade
cristã faz do adulto não apenas uma “pessoa grande” mas sobretudo uma
“pessoa crescida e a crescer”, sem significar acrescentar anos à vida, mas,
antes, acrescentar vida aos anos. Espontaneidade, autenticidade e confiança
são notas, entre muitas outras, que testemunham em Francisco marcos incontornáveis de uma espiritualidade cristã adulta.
Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre. Mas, porque o homem muda e
a história se altera, é necessário transfigurar a infância para se ser cristão
adulto. Para além de todas as mudanças e alterações, o desafio permanece o
mesmo – amar a Deus e aos irmãos – desafio a passar permanentemente para
Aquele que não passa. Isso é possível em todas as culturas e enquadramentos.
“Ser criança”, no apelo de Jesus, é experiência de plenitude e maturidade
cristã, expressão do homem “à estatura de Cristo”, confiante, autêntico e espontâneo. Não se trata, portanto, de construir “homens infantis”, mas de re| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 145
Vida Eclesial
. entrevistas .
. entrevistas .
parar nos dinamismos da maturidade cristã como expressões de uma infância
transfigurada que se manifesta e age na base da simplicidade, da alegria, da
espontaneidade e, sobretudo, da confiança filial.
Que aspectos da experiência de Francisco Marto parecem mais interessantes para um aprofundamento teológico?
O amor a Deus e a confiança nos caminhos que nos indica para chegarmos até Ele. A história do Francisco fala-nos de uma criança pacífica, dócil,
bondosa, condescendente, com sentido de humor, brincalhão, de fácil relação
e amizade, atento e perspicaz, reservado, destemido, contemplativo, sincero,
transparente, delicado, paciente.
Nas Memórias em que é narrada a sua vida, que mereceram já um estudo
crítico superiormente elaborado, nunca deixarão de impressionar a confiança
absoluta do Francisco em Deus e a sua capacidade de relativizar o que considerava “coisas sem importância”. O seu amor e entrega a “Jesus escondido”
são impressionantes. Como se torna assim uma criança de nove anos, ao ponto de ser verdadeira “oferenda agradável a Deus”? O amor e a dispersão são
experiências de sentido contrário. O amor unifica sempre e, embora não limite a extensão, valoriza sobretudo a intensidade (não muitas coisas ao mesmo
tempo, mas as mais importantes). O amor a Deus e o amor de Deus, nas suas
possibilidades e caminhos, parecem-me aspectos teológicos a desenvolver,
juntamente com o facto de se aprender a amar a Deus deixando que Deus
nos ame.
A partir do Francisco podemos falar das crianças na Igreja. Em que medida poderão constituir um desafio à vida eclesial?
Na medida da sua capacidade de optimismo metafísico e, ao mesmo tempo, de pungente realismo histórico.
A vida eclesial necessita de se refontalizar constantemente em Jesus Cristo e na comunidade apostólica. Se não o faz deixa-se cair no “politicamente
correcto” e acaba sempre limitada na sua missão. A espontaneidade da criança é uma constante. Faz lembrar a história da mãe que, saindo com o filho
pequeno para visitar a tia, o preveniu para não dizer que a tia estava gorda.
Mas, em casa da tia, o miúdo só podia ser espontâneo: “Tia, a mãe disse que
eu não dissesse que estás gorda!”.
Esta espontaneidade, usada não para proveito próprio mas como acesso
à realidade, evoca a vida da Igreja, na sua identidade e missão, como serviço
da salvação aos homens de hoje, experiência e expressão de comunhão, e
146 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. entrevistas .
Porquê o conceito de “dom” para falar de uma criança e da sua experiência religiosa?
Dom é o que melhor traduz a gratuidade, o prazer (mesmo que exija esforço) e a liberdade que a criança coloca como “exigência” em tudo o que faz.
Aquilo que resistir às exigências de gratuidade, prazer (ser feito com prazer
que é diferente de ser feito para dar prazer) e liberdade obtém da criança a
colaboração e o empenho.
A experiência religiosa também é de gratuidade total, na relação pessoal
com o Mistério de Deus que não possuímos, que nos relativiza e que, ao mesmo tempo, nos sustenta.
Só existe autêntico amor quando a pessoa se dispõe à abertura aos outros,
como Cristo. Amar é dar a vida em gratuidade, querendo que o outro seja por
si mesmo e não por dependência do que pensamos ou determinamos. O Cristianismo parte precisamente da experiência de que “Deus ama” cada homem
e cada mulher. E o amor é o que há de mais real em Deus. Aliás, a mensagem
fundamental de Jesus é que Deus é amor. É decisivo para o homem sabê-lo
para também poder amar a Deus: quem não faz a experiência de ser amado
não sabe nem aprende a amar.
Falar do conhecimento de Deus como Amor é, portanto, reflectir um conhecimento que só se realiza por relação e no horizonte de uma liberdade interpelada. De facto, a História da Salvação pode ser lida à luz desta gramática
do amor para dizer Deus. Amar é viver para o outro (dom) e é viver do outro
e pelo outro (acolhimento). O amor supõe a alteridade. Francisco descobriu
Deus e entregou-se-Lhe totalmente. Nada melhor que o conceito de “dom”
para expressar essa entrega! Na sua vida, com a descoberta de Deus, o amor
torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, como
diz o Santo Padre, Bento XVI, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto
ao sacrifício, procura-o até (DCE 6). É dom.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 147
Vida Eclesial
anúncio de Cristo para toda a humanidade. A Igreja é, por definição, um Povo
novo. Dizê-lo com desvelo e naturalidade, sem se render a ambientes e modas, é dom do Espírito que nos amadurece e cativa outros para comungarem
connosco. Estes foram sempre os caminhos da Igreja. É enquanto anuncia
que denuncia. Pode falar da sua missão com alegria e entusiasmo porque,
sabendo em Quem põe a sua confiança, tem muito para dar ao mundo.
. entrevistas .
Entrevista a D. Anacleto Gonçalves Oliveira
“S. Paulo tornar-se-á
uma figura mais popular”
A Agência ECCLESIA foi
ao encontro de D. Anacleto
Oliveira, Bispo Auxiliar de
Lisboa e responsável pelo itinerário catequético proposto
pela Conferência Episcopal
Portuguesa, para falar do balanço das 52 semanas e das
perspectivas que se abrem
após a celebração do Ano
Paulino.
Este ano, S. Paulo foi o guia
espiritual da Igreja?
Para muitos cristãos foi e
para a Igreja, em geral, também. Fizeram-se muitas coisas e tenho a impressão que
foi um ano marcado por esta
figura da Igreja.
Que pontos destacaria neste Ano Paulino?
É muito difícil dizer, porque não temos nenhum levantamento de tudo
o que se fez. Sabemos que se realizaram muitas iniciativas e actividades:
a nível internacional, nacional, diocesano, paroquial e pessoal. No entanto,
destacaria, a nível nacional, a peregrinação ao Santuário Fátima, na Festa da
conversão de S. Paulo. Apesar das condições climatéricas, teve uma afluência
muito grande, sobretudo da diocese de Lisboa. Nas dioceses realizaram-se
também imensas actividades e alguns movimentos, nomeadamente o Escutis148 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. entrevistas .
mo e os Cursos de Cristandade, também concretizaram diversas iniciativas.
Alguns destes têm como patrono S. Paulo. O Secretariado Nacional da Educação Cristã também promoveu catequeses.
Neste Ano Paulino suponho que o mais proveitoso foi o confronto pessoal e em pequenos grupos que muitos cristãos fizeram com os escritos de S.
Paulo. Esta figura da Igreja oferece-nos caminhos únicos para o encontro com
Cristo. Por isso, a dimensão pessoal é fundamental.
Depois deste Ano Paulino, S. Paulo tornar-se-á padroeiro de paróquias
nascentes?
Acredito. Não só de igrejas, mas também de outras casas e instituições.
Este acontecimento provocou descobertas. Lentamente, S. Paulo tornar-se-á
uma figura mais popular.
Com a celebração dos 2000 anos do nascimento de Paulo, os cristãos
ficaram também mais ricos geograficamente com as peregrinações aos locais
Paulinos. Esta actividade foi muito «explorada» e com resultados interessantes. Mais do que os lugares que as pessoas visitam - participei em duas
peregrinações aos lugares Paulinos - foi a ocasião que tiveram para ir lendo e
ouvindo textos de S. Paulo ou sobre S. Paulo. Notei interesse nas pessoas de
conhecer o que S. Paulo nos deixou. Quanto mais conheciam, mais queriam
conhecer.
Depois de um ano dedicado a S. Paulo, Bento XVI proclamou o Ano Sacerdotal. S. Paulo é o modelo de sacerdote?
Paulo foi um apóstolo. Ele próprio, uma vez ou outra, se apresenta com
«essa roupa» de sacerdote. Recordo a Carta aos Romanos, no capítulo 15,
que fala da sua actividade junto dos gentios com uma linguagem tipicamente
sacerdotal. Ele continua a ser um modelo para todos os homens.
1 GPS: Global positioning system: Sistema de Navegação pró Satélite.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 149
Vida Eclesial
Se S. Paulo foi um autêntico GPS1, o livro «Um ano a caminhar com S.
Paulo» da sua autoria foi um excelente auxílio?
Penso que sim, mas não tenho números. Não sei qual foi a tiragem e muito
menos a quantidade de livros vendidos e, o mais importante, aqueles que se
leram. Os ecos que me chegaram de diversos pontos do país são muito positivos. Pude partilhar os conhecimentos sobre S. Paulo que fui adquirindo ao
longo da minha vida.
. entrevistas .
Mas S. Paulo é muito diferente do Santo Cura d´Ars. (João Maria Vianney) que era um simples padre da aldeia. Duas formas diferentes de
evangelizar?
Claro, mas complementares. Não podemos esquecer que S. Paulo andava
pelo mundo, mas procurou manter sempre um contacto pessoal nas comunidades. A missão que ele recebeu de Jesus Cristo obrigava-o a caminhar.
Segundo os «Actos dos Apóstolos», ele passou 18 meses em Corinto e três
anos em Éfeso. Nesses sítios, S. Paulo dedicava-se totalmente àquilo que,
na linguagem de hoje, é específico de um sacerdote. Neste sentido há uma
afinidade muito grande com S. João Maria Vianney. Sem esquecer o amor
profundo por Jesus Cristo.
A luz paulina deixou marcas na Igreja portuguesa?
Veremos, mas confesso que houve um interesse redobrado. Fiquei impressionado com o grande número de pessoas que têm participado, na região
Oeste do Patriarcado, em encontros periódicos. Noto que S. Paulo está a iluminar muita gente. Quando nos deixamos envolver por ele, já não conseguimos largá-lo.
Nota-se que tem uma paixão paulina. Irá sentir saudades depois do encerramento deste ano Paulino?
Não ficarei com saudades porque irei continuar a aprofundar os textos
de S. Paulo. Mais do que saudades, ficarei com maior entusiasmo para me
dedicar ao estudo daquilo que nos deixou.
150 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. entrevistas .
Entrevista ao padre Gonçalo Diniz
Aulas de Educação Moral e Religiosa
Católica: Uma opção cheia de sentido!
Por Rui Ribeiro
Vida Eclesial
Prestes a terminar um ano escolar
e em período de matrículas para o próximo, é ocasião para reflectir sobre as
políticas governativas que influenciam
em muito as áreas de “escolha” dos alunos. No caso da disciplina de Educação
Moral e Religiosa Católica (EMRC),
reparamos em algumas situações de
desvantagem nos programas escolares,
nas dificuldades levantadas a alunos e
professores, e na forma como é apresentada. Recordando a preocupação
manifestada pelos bispos, procurámos
o responsável diocesano por este sector,
padre Gonçalo Diniz, e registámos as
suas respostas.
Qual a situação da disciplina de EMRC na nossa diocese? Há alunos?
Há Professores?
Não é fácil apresentar uma visão sintética e objectiva. Nos últimos anos,
tem-se registado diminuição de alunos em algumas escolas, mas noutras tem
havido aumento.
Infelizmente, não há, na nossa diocese, grande tradição da disciplina no Iº
Ciclo (do 1º ao 4º ano). A isto juntaram-se, nos últimos anos, alterações curriculares que quase impossibilitaram a existência desta disciplina nessa etapa.
Temos também assistido a uma diminuição das turmas em algumas escolas
do ensino secundário público, sobretudo por a disciplina ter passado a dois
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 151
. entrevistas .
blocos semanais seguidos. É certo que esta alteração permite desenvolver
outro tipo de projectos e abre para novas possibilidades pedagógicas, mas,
por outro, complica a participação dos alunos. Por tudo isto, a grande maioria
dos alunos são do IIº e IIIº Ciclos (do 5º ao 9º ano). Dentro desta faixa etária,
enquanto numas escolas o contexto social e outros factores ligados ao nível
da vivência eclesial têm levado à redução do número de turmas, noutras,
tradicionalmente com menos inscritos, esse número tem aumentado. Neste
caso, é notório o contributo empenhado dos professores da disciplina, muitas
vezes desenvolvendo um papel quase heróico, no meio de dificuldades institucionais, sociais, etc.
Temos actualmente 61 professores de EMRC, distribuídos pelas escolas
do ensino público, privado e cooperativo e pelos colégios católicos, com cargas horárias distintas, todos fazendo grande esforço de adaptação da disciplina aos desafios actuais, apostando na formação pessoal, imprescindível a uma
acção educativa eficaz.
No início deste ano lectivo entrou em vigor um novo programa para a
disciplina, com novos manuais, por ora para o 1º, 5º e 7º anos e Secundário,
e, no próximo ano, para o 2º, 6º e 8º anos. A introdução destes novos manuais
tem sido muito apreciada pelos alunos e pelos professores, pois têm, de facto,
muito bom nível. Muitos professores doutras disciplinas têm louvado a sua
qualidade. Esperamos que também este facto se trará novo entusiasmo.
Qual o enquadramento legal actual das aulas da EMRC?
No ensino público, a EMRC integra o currículo dos alunos do básico e
secundário, como disciplina facultativa. Os estabelecimentos são obrigados
a oferecer a disciplina e devem facilitar para que todos os alunos a possam
frequentar. Nos colégios católicos, é de carácter obrigatório, assim como na
maioria das escolas do ensino privado ou cooperativo, embora aqui haja algumas excepções.
Qual o papel das aulas de EMRC no quadro do ensino publico?
Na nossa opinião, a disciplina de EMRC tem um papel fundamental na
educação integral. A educação das crianças, adolescentes e jovens não se
pode considerar completa e integral sem a dimensão religiosa, transcendental, e a educação para os valores. As diferentes dimensões do ser humano têm
que ser contempladas e integradas no processo educativo. É, pois, essencial
um espaço onde seja trabalhada a dimensão transcendente, o sentido religioso
e sagrado, ao mesmo tempo que se desenvolve a capacidade moral da pessoa.
152 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
Até numa perspectiva de compreensão da nossa cultura e da sociedade actual,
é fundamental perceber a dimensão religiosa como parte integrante e decisiva
do nosso património cultural e identidade nacional.
O programa concretizado nos novos manuais desenvolve muito a interdisciplinaridade, em trabalho coordenado e até conjunto com outras disciplinas
curriculares. Deste modo, desenvolvendo a integração dos diferentes âmbitos
educacionais inter-relacionados, ajudam-se os alunos a crescerem com uma
visão mais integral das realidades e valoriza-se o contributo da disciplina de
EMRC como uma peça absolutamente fundamental.
Gostava de realçar ainda o papel que, em muitos casos, os nossos professores assumem no interior das escolas. Com muita frequência, os professores
de EMRC, devido à sua formação, ao seu modo de estar e à especificidade
da disciplina, assumem a coordenação de vários projectos e iniciativas escolares, como verdadeiros dinamizadores da vida da escola. A eles recorrem
muitos colegas de outras áreas, em vários âmbitos. Deste modo, prestam um
serviço que vai muito para além da sala de aula. Este é também um dos aspectos importantes do papel da disciplina de EMRC nas escolas.
Quais os motivos da pouca adesão dos alunos?
Não considero que a adesão seja tão pouca como a pergunta pode sugerir.
Há dificuldades e temos que ter em conta que nem sempre encontramos a boa
vontade que seria de desejar por parte das escolas, o que leva a dificuldades
de inscrição na disciplina ou a horários que penalizam quem tem Religião e
Moral, etc. Às vezes também há ignorância sobre o que é a disciplina. Nesse
campo, há muito trabalho a fazer, que requer um contributo muito importante dos outros agentes eclesiais (Sacerdotes, catequistas, animadores juvenis,
etc.).
Afinal, quais os procedimentos necessários para uma a inscrição?
No momento das matrículas, a pessoa tem que assinalar o desejo de se
inscrever na disciplina. Não é muito frequente os serviços administrativos
tentarem demover os encarregados de educação, alegando que, inscrevendose, o aluno terá um horário pior, etc., mas, infelizmente, há registo de alguns
casos. Por isso, é importante que os pais, ou encarregados de educação, afirmem o desejo de que o filho, ou o educando, tenha a disciplina, e saibam
que não será prejudicado por isso. Se forem confrontados com as situações
mencionadas, devem denunciá-las e não desistir da matrícula.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 153
Vida Eclesial
. entrevistas .
. entrevistas .
Há algum acompanhamento proposto pela diocese para os jovens que se
inscrevem nesta disciplina?
O acompanhamento dos alunos é feito, regra geral, pelos professores que
estão colocados em cada escola. Para qualquer coisa que precisem, podem
sempre entrar em contacto com o Serviço Diocesano para o Ensino da Igreja
nas Escola ([email protected]), que os atenderá o melhor possível. Além
disso, estamos a pensar na organização de um encontro entre os alunos, diocesano ou por zonas, com o objectivo principal de se conhecerem e poderem
partilhar experiências no âmbito da disciplina.
Dados estatísticos da matrícula
em EMRC na Diocese
Ensino público - 2009/2010
Ano Alunos matriculados
Alunos em EMRC
%
5º ano 6º ano
Total 2º ciclo
2072
2272
4344
1708 82%
1823 80%
3531 81%
7º ano
8º ano
9º ano
Total 3º ciclo
2263
2095
1767
6125
1435
1277
928
3640
Total E. basico
10469
7171 68%
10º ano
11º ano
12º ano
1846
1472
1701
203 11%
60 4%
61 4%
T. Secundário
5019
Total geral
15488
154 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
324
63%
61%
53%
59%
6%
7495 48%
. entrevistas .
Entrevista ao Reitor, padre Manuel Armindo Janeiro
O Seminário em Obras
Entre os maiores investimentos estruturais da diocese de Leiria-Fátima
nos últimos anos, as obras do Seminário Diocesano são um projecto que visa
uma adaptação em funcionalidade e
conforto para os seminaristas e padres
residentes, e a adequação do espaço às
muitas funções pastorais que há muito
ali se vêm desenvolvendo. Ao mesmo
tempo, possibilitará acções de formação
e espiritualidade – retiros, seminários,
congressos… com a possibilidade de
oferecer uma estadia de qualidade.
Numa entrevista a O Mensageiro, o
Reitor do Seminário, padre Manuel Armindo Janeiro, referiu alguns detalhes do projecto e, sobretudo, sublinhou os
objectivos do mesmo e as perspectivas de financiamento e rendibilidade tanto
económica como pastoral. Tratando-se de um Seminário, não pôde deixar de
relacionar este investimento com os esforços e orientações da pastoral vocacional diocesana.
Quais as principais razões para a realização das obras?
Podemos falar de duas ordens de razões: uma que diz respeito ao próprio
edifício – conservação e introdução de melhorias – e outra às suas funções
futuras de Seminário, Casa de Retiros/Formação, Centro Pastoral e Residência Sacerdotal. Mesmo que algumas destas valências já funcionem agora,
todas elas requerem melhores condições. Para além da vida normal da casa,
por mês realizam-se dezenas de actividades e passam, em formação e outras
iniciativas, mais de mil pessoas. Quase meio século após a sua construção,
sem que se tenham registado grandes intervenções, impõe-se uma adaptação.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 155
Vida Eclesial
Entrevista de Rui Ribeiro
. entrevistas .
E de que forma será rentabilizado o investimento?
Tendo em conta a missão da Igreja, na qual se integram os serviços que
hão-de funcionar neste edifício, o investimento não pode ser visto apenas em
termos economicistas, ainda que tenhamos que pensar no problema da sustentabilidade. É a pensar nesta que estamos a considerar as mais-valias das
energias renováveis, a racionalização de consumos através da gestão centralizada e a abertura dos espaços a iniciativas não apenas eclesiais mas também
civis, sociais e culturais, desde que não contradigam os fins da Instituição. E
não esqueceremos os ofertórios diocesanos e os donativos de pessoas e instituições que em muito ajudam o difícil equilíbrio financeiro do Seminário.
Em traços gerais, que alterações contempla o projecto?
No exterior do edifício, as obras visam a conservação – mudança de telhados e janelas, e pintura. Quanto ao interior, juntamente com a necessária
substituição das redes de águas, esgotos, telefones e electricidade, melhoramse as condições de habitabilidade – climatização, segurança, acessibilidades,
rede de dados – e procura-se apurar a linha estética do edifício.
Embora não possamos fazer de uma assentada tudo o que é necessário,
dada a dimensão do edifício –cerca de 20.000 m2 – e os nossos limites financeiros, queremos dotar o edifício dos meios indispensáveis para responder às
exigências da vida da Diocese nas próximas décadas.
Os custos são financiadas por que entidades?
Pelo Seminário, pela Diocese, pelas Comunidades paroquiais e pelos donativos de instituições e pessoas de boa vontade. Nem o Seminário nem a
Diocese estão em condições de suportar sozinhos tais encargos. Como dizia
o Senhor D. António Marto na sua nota pastoral, “O nosso Seminário precisa
de ajuda!”. Já começámos a sensibilizar as comunidades cristãs e pessoas de
boa vontade para a importância deste projecto. A motivação, como referia o
nosso Bispo, está no facto de o Seminário ser uma “casa no coração da Diocese e ao serviço de toda a Diocese”. Por isso, está ao serviço de todos e por
todos deve ser ajudado.
Que propostas e desafios estão a ser lançados à Diocese para que se sinta
envolvida?
Em primeiro lugar, importa levar o apelo do Senhor Bispo a toda a Diocese e, em especial, aos párocos para que “sensibilizem e dinamizem as comunidades e os centros de culto para uma causa que é de todos”. Na sequência
156 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. entrevistas .
O nosso bispo tem alertado para os tempos que se adivinham difíceis em
termos de ordenações. Até que ponto as obras podem ajudar a ultrapassar esta crise?
Podem ajudar directa e indirectamente. Permitem falar da vocação sacerdotal, razão pela qual se construiu esta casa. Embora sem os números do
passado, é preciso continuar a acreditar que Deus continua a chamar para
o sacerdócio e que continua a haver jovens generosos. Por outro lado, as
obras permitirão criar nas comunidades cristãs um ambiente favorável, com
oportunidades para rezar pelas vocações e partilhar expectativas. Às gerações
mais jovens não deixaremos de dizer que Deus tem para cada ser humano um
projecto belíssimo e que, com Ele, a vida humana tem sentido e futuro!
Poderá cada diocese continuar a ter o seu próprio espaço de formação
sacerdotal? Que se projecta, neste aspecto, para a nossa Diocese?
No percurso da formação sacerdotal há etapas que devem ser vividas na
Diocese e outras que deverão ser assumidas em projectos inter-diocesanos.
No primeiro caso estão o Pré-Seminário e o Seminário Menor (do 10.º ao
12º anos). No âmbito do Pré-Seminário, no ano passado, fizeram-se encontros com 45 adolescentes e jovens. Quanto ao Seminário Menor, ainda não
reabriu na nossa Diocese porque o número de interessados ainda tem sido
insuficiente.
No segundo caso estão as etapas do Ano Propedêutico, a funcionar no
nosso Seminário, e do Seminário Maior. Pelas suas exigências, as Dioceses
decidiram investir em projectos comuns e a tendência vai no sentido do reforço dessa cooperação.
Com o realismo dos tempos difíceis que atravessamos, acredita que é
possível seguir em frente? E que desafios ou propostas lança para conseguir isso?
Os tempos são muito difíceis, é certo, mas como acreditamos que este
projecto é necessário à vida da Diocese – é mesmo o seu projecto-âncora! –
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 157
Vida Eclesial
deste apelo, já está em curso uma campanha de angariação de fundos em toda
a Diocese. Elaborámos e distribuímos pelas paróquias cartazes e desdobráveis com o referido apelo e com uma explicação sobre o futuro do edifício e
uma proposta para angariação de fundos designada “Uma iniciativa em cada
centro de culto”. Estamos também a estudar formas de contactar e interessar
neste projecto todos os meios económicos da área geográfica da Diocese.
. entrevistas .
só nos resta procurar uma estratégia adequada aos tempos em que vivemos.
Como propõe o nosso Bispo, esta consiste em envolver, na medida do possível, as comunidades cristãs e todas as pessoas de boa vontade, neste caso
na angariação de fundos. O pouco de muitos há-de permitir chegar a bom
porto. Para isso, contamos com o empenhamento dos párocos, a criatividade
e iniciativa das Comissões das igrejas e capelas da Diocese e a boa vontade
de todos. Se não pudermos ir mais depressa, abrandaremos o ritmo, mas não
vamos parar... Assim Deus nos ajude!
Um último apelo...
O esforço financeiro do Seminário e da Diocese vai ser muito grande mas
não chega. Precisamos da ajuda de todas as comunidades cristãs e de cada um
dos seus membros. Sugerimos que, em cada comunidade, enquanto durarem
as obras, se organize, anualmente, uma festa de angariação de fundos. Para
esta festa propomos: um tempo de oração pelas vocações, em especial para
o sacerdócio, e um convívio cuja receita reverta a favor das obras do nosso
Seminário.
158 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
Reflexões
. teologia / pastoral . história .
. teologia / pastoral .
26 de Abril de 2009
O Consistório do dia 21 de Fevereiro de 2009, no Vaticano, aprovou a
canonização de dez novos Santos da Igreja Católica, entre os quais D. Nuno
Álvares Pereira. Este é um acto formal em que o Papa pede o parecer de um
conjunto de Cardeais sobre as causas, sendo que os mesmos já responderam
antes do Consistório se concordam ou não com a canonização.
A data de 26 de Abril do mesmo ano foi a escolhida para celebração do
novo Santo português, bem como para Arcangelo Tadini (Itália), Bernardo Tolomei (Itália), Gertrude Comensoli (Itália) e Caterina Volpicelli (Itália). Os outros cinco serão canonizados a 11 de Outubro: Jozef Damian de Veuster (Bélgica), Francisco Coll y Guitart (Espanha), Rafael Arnáiz Baron (Espanha),
Zygmunt Szczesny Felinski (Polónia) e Marie de la Croix Jugan (França).
O homem que conduziu este processo no Vaticano, Cardeal José Saraiva
Martins, adiantou à Agência Ecclesia que “depois de tanto tempo e tantos
anos chegou ao seu termo a causa de canonização desta grande figura da hagiografia portuguesa, um dia histórico”. O prefeito emérito da Congregação
para as Causas dos Santos revelou “um sentimento de
gratidão a Deus pelo privilégio que me deu por poder
concluir praticamente o processo de canonização do
Beato Nuno Alvares Pereira, um dom de Deus à
Igreja portuguesa, que todos os portugueses devemos agradecer”.
Assim, com a Praça de S. Pedro, no Vaticano, completamente cheia, depois da apresentação de uma breve biografia dos novos
santos pelo Prefeito da Congregação
para as Causas dos Santos, D. Angelo Amato, acompanhado pelos
postuladores das causas, pediu que
os cinco beatos sejam inscritos no
“álbum dos Santos” e “como tal
sejam invocados por todos os cristãos”. Após a ladainha, Bento XVI
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 161
Reflexões
Canonização de Nuno Álvares Pereira
. teologia / pastoral .
canonizou os cinco beatos, cujas relíquias foram levadas para junto do altar,
enquanto os presentes batiam palmas e acenavam bandeiras.
O prefeito da Congregação para as Causas dos Santos pediu também que
seja redigida a Carta Apostólica a respeito das canonizações, ao que Bento
XVI respondeu: “Decernimus”, ou seja, “ordenamo-lo”.
Na homilia da cerimónia, Bento XVI destacou algumas características de
S. Nuno de Santa Maria, como “uma intensa vida de oração e absoluta confiança no auxílio divino”. E adiantou: “Embora fosse um óptimo militar e um
grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à acção suprema
que vem de Deus. São Nuno esforçava-se por não pôr obstáculos à acção de
Deus na sua vida, imitando Nossa Senhora, de Quem era devotíssimo e a
Quem atribuía publicamente as suas vitórias”.
No final da sua vida, o «Santo Condestável» retirou-se para o convento do
Carmo, em Lisboa, mandado construir por ele. “Sinto-me feliz por apontar à
Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de
fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a
prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélica, é possível actuar e realizar os valores e princípios da vida cristã” – disse o Papa.
No final da celebração, Bento XVI agradeceu à comunidade portuguesa
presente na praça de S. Pedro: “Dirijo a minha saudação grata e deferente
à delegação oficial de Portugal e aos Bispos vindos para a canonização de
Frei Nuno de Santa Maria, com todos os seus compatriotas que guardam no
coração o testemunho do «Santo Condestável»: deste modo lhe chamavam já
os pobres do seu tempo, vendo o sentido de compaixão e o despojamento de
quem deu os seus bens aos mais desfavorecidos. (...) Deixou-nos assim uma
nobre lição de renúncia e partilha, sem as quais será impossível chegar àquela
igualdade fraterna característica duma sociedade moderna, que reconhece e
trata a todos como membros da mesma e única família humana. Em particular
saúdo os Carmelitas, a quem um dia se prendeu o olhar e o coração deste militar crente, vendo neles o hábito da Santíssima Virgem e no qual depois ele
próprio se amortalhou. Ao desejar a abundância dos dons do Céu para todos
os peregrinos e devotos de São Nuno, deixo-lhes este apelo: «Considerai o
êxito da sua carreira e imitai a sua fé» (Heb 13, 7)”.
Biografia
Nuno Alvares Pereira nasceu em 1360 e faleceu em 1431. Filho de D.
Álvaro Gonçalves Pereira, entrou aos 13 anos na corte de D. Fernando (rei
de 1367 a 1383) como pajem da rainha D. Leonor de Teles. Destacando-se
162 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
logo em jovem num ataque dos castelhanos a Lisboa, foi armado cavaleiro.
Aspirava à vida virginal, mas as necessidades do mundo impuseram-lhe que
se casasse a 15 de Agosto de 1376 com uma viúva, D. Leonor de Alvim, de
quem teve a sua filha D. Beatriz. A morte do rei criou a perigosa crise dinástica, com a possibilidade da coroação de D. João de Castela (rei de 1379
a 1390) como rei de Portugal. Um partido nacionalista reuniu-se à volta do
mestre da Ordem de Avis, D. João, irmão do rei D. Fernando, que o povo
de Lisboa elevou a Regedor e Defensor do Reino. D. Nuno é chamado pelo
Mestre para o Conselho de Governo.
Em breve lhe foi entregue o perigoso cargo de fronteiro de entre Tejo e
Guadiana, por onde passariam as operações militares decisivas. Usando tácticas inspiradas nas britânicas da Guerra dos Cem Anos, o fronteiro venceu
os Castelhanos a 6 de Abril de 1384, em Atoleiros. Na batalha, Nuno Álvares
Pereira conseguiu, com um bando de camponeses, derrotar um forte corpo de
cavalaria castelhana. Esse facto influiu no desfecho da guerra, porque mostrou a possibilidade de uma resistência apoiada nas forças populares. A partir
da vitória dos Atoleiros, Nuno Álvares, que tinha sido recebido com grande
desconfiança pelos Alentejanos, transformou-se num herói popular e conseguiu mobilizar toda a força da revolta camponesa para a defesa da causa do
Mestre de Avis. Precisamente um ano depois, este foi aclamado rei D. João I
(rei de 1385 a 1433) em Coimbra e no dia seguinte D. Nuno foi nomeado o
Condestável do Reino. Conquistou o Minho para a causa e, depois da vitória
de Trancoso em Maio ou Junho, cortou a arrojada avançada castelhana com
a memorável Batalha de Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1385. As forças portuguesas, dispostas em quadrado, aguentaram com firmeza o assalto da cavalaria feudal e infligiram-lhe uma derrota que teve consequências políticas
definitivas. A realeza do Mestre e a independência portuguesa foram a partir
de então factos irreversíveis. A guerra arrastou-se por alguns anos, limitada a
campanhas fronteiriças de pequena envergadura; o mais conhecido episódio
é o do combate de Valverde, vencido por Nuno Álvares na região de Mérida.
A paz veio a ser assinada em 1411.
A seguir à crise de 1383-85, o Condestável ficara dono de quase meio
país. Quando se estabeleceu a paz, quis entregar uma parte do que recebera
aos que mais o tinham ajudado, fazendo-os seus vassalos. O rei não o permitiu e fez recolher ao património da coroa as terras doadas. Depois negociou
o casamento de um seu filho bastardo com a filha única de Nuno Álvares; a
imensa fortuna do herói voltou assim ao controlo da coroa e foi origem da
Casa de Bragança.
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Reflexões
. teologia / pastoral.
. teologia / pastoral .
Assegurado o reino, Nuno Álvares começou a dedicar-se a outras obras.
Mandou construir a Capela de São Jorge de Aljubarrota em Outubro de 1388
e o Convento do Carmo em Lisboa, terminado em Julho de 1389, onde entraram em 1397 os Frades Carmelitas. Dedicou em Vila Viçosa uma capela à
Virgem para a qual mandou vir de Inglaterra uma imagem de Nossa Senhora
da Conceição que, 250 anos depois, seria proclamada Rainha de Portugal.
A morte da filha, D. Beatriz, em 1414, cortou o último laço com o mundo, e
abriu o desejo da clausura. Ainda participou na expedição a Ceuta de 1415,
primeiro passo da gesta ultramarina portuguesa, onde o seu valor ficou de
novo marcado. Mas em breve olharia para outras fronteiras. Em 1422, distribuiu os títulos e propriedades pelos netos, e a 15 de Agosto de 1423, festa da
Assunção, aniversário do seu casamento e dia seguinte ao da Batalha de Aljubarrota, professou no Convento do Carmo. Frei Nuno de Santa Maria foi um
humilde frade, que viveu em oração, penitência e caridade, pedindo esmola
pelas casas durante mais de sete anos. Morreu na sua pobre cela, rodeado do
rei e dos príncipes.
Trabalhos levados a cabo pelos Cardeais Patriarcas de Lisboa D. José III
(1883-1907) e D. António I (1907-1929), secundados pela Ordem do Carmo,
culminaram com o Decreto de Beatificação da Congregação dos Ritos “Clementissimus Deus” de 15 de Janeiro de 1918, ratificado e aprovado pelo Papa
Bento XV em 23 do mesmo mês e ano. Padroeiro secundário do Patriarcado
de Lisboa, a sua Memória (Festa na Ordem Carmelita, na Ordem dos Carmelitas Descalços e na Sociedade Missionária da Boa Nova) é liturgicamente
assinalada a 6 de Novembro.
O processo de canonização foi reaberto no dia 13 de Julho de 2004, nas
ruínas do Convento do Carmo, em Lisboa, com a sessão solene presidida por
D. José Policarpo. A cura milagrosa reconhecida pelo Vaticano foi relatada
por Guilhermina de Jesus, uma sexagenária natural de Vila Franca de Xira,
que sofreu lesões no olho esquerdo por ter sido atingida com salpicos de óleo
a ferver quando estava a fritar peixe. A cura de Guilhermina de Jesus, depois
de ter pedido a intervenção do Santo Condestável, foi observada por diversos
médicos em Portugal e foi analisada por uma equipa de cinco médicos e teólogos em Roma, que a consideraram miraculosa.
A história deste processo já poderia ter conhecido o seu epílogo quando,
em 1947, o papa Pio XII se manifestou interessado em canonizar o Beato português por decreto. O estado de uma Europa destruída pela II Guerra Mundial
fez, porém, com que a Igreja portuguesa recusasse este motivo de festa.
164 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. teologia / pastoral.
Por que D. Nuno escolheu os Carmelitas?
Durante mais de um século, o convento de Moura continuou a ser o único
que os Carmelitas possuíam em terras lusitanas, até à intervenção do imortal
Condestável D. Nuno Álvares Pereira, o instrumento por Deus escolhido para
dar nova vida a Portugal e ao Carmo português.
As glórias e grandezas conquistadas nos campos de Aljubarrota e Valverde, realizando a libertação da sua Pátria estremecida, Nuno as depôs humildemente aos pés da Virgem, orando pelo desapego a libertação da sua própria
alma. Num poema de pedra e granito externou a sua gratidão para com Nossa
Senhora, construindo em sua honra uma magnífica igreja gótica e um mosteiro para os religiosos que seriam chamados para o culto divino. A igreja devia
ser a mais bela e espaçosa de toda a Corte. E Nuno conseguiu realizar o seu
piedoso sonho.
A primeira pedra foi lançada em 1389, no mês de Julho, e alguns anos
mais tarde as obras estavam tão adiantadas que o Condestável podia revelar
a segunda parte do seu grandioso projecto: a escolha dos religiosos que haviam de cantar os louvores da Virgem Maria em tão monumental igreja: os
Carmelitas de Moura.
Nos meados do último decénio do século XIV, dirige uma carta, “encantadora de forma, de estilo e de espírito português”, ao Vigário Geral Dr. Frei
Afonso de Alfama, então Prior de Moura, comunicando-lhe a sua resolução
de inaugurar a igreja e o mosteiro e, referindo-se a entendimentos anteriores,
pede que sejam agora enviados os frades que haviam de morar no novo convento. Eis o teor da carta, transmitida por Pereira e na nossa acomodação:
“Ao mui honrado Frei Afonso de Alfama, Vigário Geral do Mosteiro de
Santa Maria de Moura; Salvé Deus!
Antes de tudo beijo o vosso santo escapulário, dom extremado da Mãe de
Deus, que o trouxe do Céu, para a defesa dos seus frades, pela muita afeição
que lhes devia desde sua vida; e desde então aprouve-lhe que não fosseis
mais ofendidos pelos maus nas terras onde estáveis. Tudo isto merecestes
pela vossa vida exemplar que agrada à bendita Mãe do Carmo. Sabei que
por ora vos rogo e peço aquilo de que vos já falei e que é de grande serviço
para Deus e sua santa Mãe, que me fizeram grandes graças e favores. E por
tudo que recebi estou fazendo este mosteiro para Maria Santíssima, o qual,
graças a Deus, vai bem adiantado, com os bens que o mesmo Senhor me deu.
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Reflexões
Por Manuel Maria Wermers, Escapulário do Carmo
. teologia / pastoral .
E como quer que desde o começo determinei que nele estivessem frades, ou
freiras do meu agrado, o que, segundo creio, já vos contei, agora vos peço e
rogo, como mercê, que venhais para maior serviço de Deus e de sua Mãe, que
do alto estarão olhando para tudo que em sua glória fizerdes. Além disso vos
rogo que o Dr. Frei Gomes, que boa e merecida fama tem, venha como prior
dos outros frades, pois que assim agrada a meu Rei e Senhor, que me falou
de sua vontade de, quanto a este mosteiro, combinar em tudo comigo e de
auxiliar-me conforme a minha intenção.
E podereis trazer os frades, até ao número que antes vos disse, e que sejam
bons, portugueses fiéis à Pátria, do modo que vos parecer melhor, pois sois o
Superior deles na Religião.
E como, segundo a vossa lei, não comeis carnes e tendes jejuns muito
prolongados, não achareis aqui falta de provisão, porque ficará aos meus cuidados dar-vos comida e roupa suficientes, pois do que é meu, e do que Deus
e o Rei meu Senhor me deram, posso fazer mercê, e isto é tornar a ele o que
antes me concedeu.
E por circunstância alguma deixai de vir imediatamente depois de meu
pedido, para fazerdes todos os serviços sacerdotais para o tempo que estiverdes aqui neste mosteiro encarregados da sua cura espiritual, pois haverá
bastante lugar para fazerdes a vossa oração e onde podeis viver retirados no
silêncio da vossa regra, que vos como corre a fama, deram tão grandes merecimentos diante de Deus. E por ora não tenho mais que dizer.”
Poucos dias depois, no início do mês de Agosto, Nuno Álvares Pereira fez
mais outra doação, a última que podia fazer: a doação de si mesmo, entrando
para a Ordem, como humilde Irmão leigo ou semi-frater, a fim de consumar a
sua obra principal: a santificação da sua própria alma. Durante pouco menos
de 8 anos havia de edificar a todos por sua profunda humildade e piedade.
Faleceu no 1º de Abril, provavelmente de 1431, no meio de seus irmãos desolados, e pranteado por todo o Portugal. (Escapulário do Carmo, Outubro,
1956, pp. 10-12).
166 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. teologia / pastoral.
D. Nuno Álvares Pereira: Glória, Honra e Exemplo
Grande mistério é a história que só no tempo longo e secular se confirma
como sucede, nos dias felizes em que nos é dado viver, com a vida e a memória de D. Nuno Álvares Pereira, Condestável do exércitos portugueses que,
nos campos dentre Aljubarrota e Porto de Mós, no distante dia 14 de Agosto
de 1385, destroçaram o orgulho castelhano e asseguraram novo rei, nova dinastia e uma nova Era nos destinos de Portugal no Mundo.
D. Nuno Álvares Pereira nasceu, segundo asseveram velhas crónicas, em
24 de Junho de 1360, dia de S. João Baptista. No nascimento certo astrólogo, profissão benquista nesses séculos, prognosticou ao recém-nascido um
destino de excepção. Nuno fez-se notar desde cedo pela sua argúcia e comportamento. Seu pai, Dom Prior do Crato, levou-o com o irmão mais velho à
intimidade da cúria régia de D. Fernando.
Não foi o Condestável, nos dias da sua vida militar e de grande cortesão
e senhor, homem de humildades. Pelo contrário. Os historiadores sabem bem
que o herói da Real Batalha de Aljubarrota não conhecia limites em matéria de património, de benefícios e de privilégios. Exigia-os mesmo do seu
soberano rei e fê-lo, até, em determinado momento, no extremo da ameaça
presente a D. João I de se desnaturalizar da pátria que tanto servira.
Mas não é o senhor de guerras e de grandes e faustosos palácios e invejáveis mordomias que, agora, tantos séculos passados sobre a sua morte e vida,
a Igreja Católica confirma no altar dos mais veneráveis exemplos de santidade. É antes o de Fr. Nuno de Santa Maria, o fiel que, na recepção do hábito do
Carmelo, assumiu uma nova aliança com o Deus em que tanto confiara e que
tão profeticamente lhe marcara a vida e o poupara de perigos e da iminência
da morte nos campos de batalha.
Aos 62 anos de idade, no ano de Cristo de 1422, de facto, recolheu-se
D. Nuno Álvares Pereira ao Convento do Carmo de Lisboa, que ele mesmo
erguera anos antes, para, renunciando às glórias e às honras temporais com
que o destino tanto o brindara tão generosamente, se entregar às asceses mais
rigorosas do convívio espiritual dos pobres frades carmelitas. Na renúncia
às riquezas do mundo, Fr. Nuno traçava para ele próprio a batalha última da
sua vida, procurando, pelo preço da renúncia radical ao Mundo e ao conforto
dos bens materiais, a Verdade última que a morte de todo o homem encerra.
A 1 de Abril de 1431, justamente em Domingo de Páscoa, Fr. Nuno de
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Reflexões
Por Saul António Gomes
. teologia / pastoral .
Santa Maria, com 71 anos incompletos, fechava os olhos para os dias e os
trabalhos mundanos e abria-os, à luz da Fé e da doutrina eclesial, para os
verdes prados do Bom-Pastor e para a ceia eterna com o Filho do Homem.
A sua biografia de general dos exércitos e de senhor feudal não esconde uma
personalidade indómita e irascível, homem que era de excepcional carisma e
capacidade de mando, frequentemente, até, capaz de destratar família e criadagem de modo humilhante e sem pingo de ternura.
Dele bem poderemos escrever, como o proclamaram os profetas dos reis
de Israel, que o Senhor o coroou de glória e de honra. Fr. Nuno de Santa
Maria faleceu em odor de santidade. Teve, entre os filhos de D. João I, os
seus mais fervorosos admiradores a começar por D. Duarte, que imaginamos, na distância virtual de tanto tempo passado, presente nas exéquias de
Fr. Nuno, lá na igreja quase batalhina do Convento do Carmo, nela escutando
a pregação de Mestre Francisco, para cujo sermão, aliás, lhe dera os temas
que desejava ver proclamados do púlpito. Em 21 de Abril de 1437, o Rei
Eloquente escrevia ao influente Abade D. Gomes, de Florença, falando-lhe
da canonização do “Santo Condestável”, sendo que o Papa Eugénio IV, por
esses dias, mandara organizar o respectivo processo.
Também o Infante D. Pedro, caído em Alfarrobeira (†1449), mostrou
grande devoção por S. Nuno, atribuindo-se-lhe a responsabilidade da redacção da oração litúrgica própria: “Norma principum, exemplar dominorum,
speculum anachoretarum es, beate Nune. Tu securus et fortis in proelio, tu
humilis et pius in victoria, tu justus et misericors in pace, tu oboediens et
devotus in claustro…” (“Esteio dos príncipes, exemplo dos senhores, espelho de monges és tu S. Nuno. Tu, seguro e forte no combate, tu, humilde e
piedoso na vitória, tu, justo e misericordioso na paz, tu, obediente e devoto
no claustro”).
Nos anos imediatos ao seu passamento, os frades carmelitas de Lisboa coligiram várias centenas de milagres, tendo cabido ao famoso cronista Gomes
Eanes de Zurara (†1474) redigir uma narrativa de 221 deles, na maior parte
ocorridos no reinado de D. Afonso V (†1481). Nalguns Breviários carmelitas
do Século XV regista-se a festa, a 1 de Abril, de “Nonii comitis confessoris”
(Do Confessor Conde Nuno), sinal de que, dentro da Ordem, colhia devoções
e culto. Dessa mesma Centúria é o testemunho do Chantre de Évora, Martim
Vasques, que fora criado da casa de D. Nuno e protegido da Casa de Bragança, chamando-lhe, em testamento de 22 de Maio de 1470, “Conde Santo”.
A veneração ao Santo Condestável manter-se-á entre os Portugueses desde então, posto que nem sempre com a visibilidade pública e o reconheci168 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. teologia / pastoral.
mento canónico desejáveis. Mas esta é matéria que aguarda ainda uma ingente investigação histórica, assim como seria desejável que se promovesse uma
nova biografia, com amplo rigor histórico, sobre D. Nuno Álvares Pereira.
A 15 de Janeiro de 1918, o Papa Bento XV, pelo decreto Clementissimus
Deus, reconheceu o Beato Nuno e consentiu-lhe culto oficial, assim incrementando a devoção católica ao Santo Condestável. Agora, é o novo Sumo
Pontífice, Bento XVI, que fecha o círculo do processo, declarando-o canonicamente digno de culto em todo o orbe católico. Grandes, intemporais e
misteriosos são, na verdade, os desígnios do Senhor, para os que crêem, ou
do destino, para os que duvidam, todavia, sempre o tempo e o seu devir sem
tempo tecendo as malhas de uma vida exemplar que em 1385, há precisamente 624 anos, pisando campos próximos de Aljubarrota, se consagrou herói de
uma Nação e senhor das terras alto-estremenhas de Ourém e de Porto de Mós.
Grupo de Leiria na canonização de D. Nuno, no Vaticano
“Um dia memorável!”
A expectativa foi muita, mas às 04h00 da madrugada do dia 25 de Abril
o encontro estava marcado: todos ao aeroporto da Portela para partirmos em
direcção a Roma.
Logo ali começou a festa de conhecer ou reencontrar tantos outros irmãos
escutas. Devo acrescentar que a nossa Região de Leiria, era uma das mais representadas, graças aos 24 elementos do Agrupamento em formação de Nossa Senhora das Misericórdias (Ourém) e à equipa de caminheiros do Agrupamento 762 - Maceira, vencedores do concurso lançado pela Junta Central.
A viagem até Roma, para alguns a primeira vez de avião, foi um momento de partilha de sentimentos por estarmos todos juntos prestes a assistir a
um momento histórico em que celebramos o nosso Patrono: Nuno de Santa
Maria.
A chegada a Roma foi marcada por um momento simbólico – paragem,
oração e visita da Basílica de S. Paulo – momento de celebrar o ano Paulino
que vivemos.
Podíamos aqui falar da nossa visita por Roma nessa tarde, mas foram
tantas as imagens que ficaram que é difícil – é sem dúvida a Cidade Eterna
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Reflexões
Por Ana Isabel Lopes
. teologia / pastoral .
que merece uma visita mais demorada; nem esquecemos a moeda na fonte di
Trevi, para desejarmos lá voltar.
À noite fomos todos à vigília presidida pelo Cardeal Patriarca de Lisboa
na igreja de Santo António dos Portugueses. Mais um momento de partilha,
numa igreja cheia por dentro e á volta; partilha com outros portugueses que
questionavam a presença de tantos escuteiros, porque desconheciam que S.
Nuno era o nosso patrono. Mais um passeio pelas praças iluminadas da noite
romana antes de voltar até ao albergue dos Escuteiros.
A noite foi curta, mas o momento que se aproximava era o mais importante, aquele que nos tinha levado até Roma. Fomos até à Praça de S. Pedro,
entrámos para os nossos lugares e… começou a celebração da canonização.
Agora já era S. Nuno de Santa Maria, cuja vida tão bem nos serve de exemplo, como modelo de virtudes, de fidelidade a Deus, mas também à Pátria.
Este momento solene em que o nosso Patrono viu reconhecida a sua vida e as
suas virtudes valeu a presença, as poucas horas de sono e o cansaço no resto
da semana. São momentos únicos na vida que queremos partilhar com quem
não pôde ir connosco.
À saída, a foto de grupo, que nos mostra no local mais importante no dia
26 de Abril de 2009. Depois, foi correr para ver mais algumas coisas e fazer
as últimas compras de lembranças.
Foram menos de 48 horas, mas tão vividas e com tantas experiências, que
alguém dizia, na viagem de volta: “não parece que só viemos ontem!”
Quisemos partilhar com todos a alegria de ter participado neste momento
solene que reconheceu o valor do Homem, agora São Nuno de Santa Maria,
que é um dos guias no CNE.
170 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. teologia / pastoral.
I Congresso Nacional de Antigos Seminaristas
Decorreu de 24 a 26 de Abril de 2009, no Centro Pastoral Paulo VI, em
Fátima, o I Congresso de Antigos Alunos dos Seminários de Portugal. Participaram 312 antigos seminaristas e seus familiares, tendo estado representados
18 seminários diocesanos e 20 institutos religiosos. Dois dos participantes
frequentaram o Seminário de Praia/Cabo Verde, um o Seminário de Badajoz/
Espanha e outro o Seminário Nova Lisboa/Guiné.
A Comissão Organizadora foi constituída pelo Santuário de Fátima, as
associações de antigos alunos dos seminários de Braga/Viana do Castelo,
Leiria-Fátima e Vila Real, as associações dos antigos alunos dos seminários
Espiritanos, Franciscanos, Maristas e Salesianos, a Confederação Portuguesa
dos Alunos do Ensino Católico (COPAAEC), com a colaboração de todos os
seminários de Portugal.
D. António Marto disse, no decorrer do Congresso, que esta foi uma
oportunidade para homenagear uma instituição que “contribuiu para formar
pastores para o Povo de Deus” e ofereceu à sociedade “gente com as mais
diversas competências”, em diversos âmbitos.
Para este responsável, o seminário não falha quando não forma padres,
porque “forma homens, cidadãos, forma padres”. Quem por ali passa leva
consigo um importante “capital humano e espiritual”.
Números
No âmbito do programa do I Congresso de Antigos Alunos dos Seminários de Portugal, foram apresentados os resultados de um inquérito levado a
cabo pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica.
De 2000 a 2006, o número de sacerdotes diocesanos baixou de 3159 para
2894 (menos 8,4%), enquanto que o clero religioso manteve praticamente o
mesmo número. A situação de 2006 mostrava ainda que por cada dois padres
que morrem (nesse ano foram 80), apenas um é ordenado (37 novos sacer| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 171
Reflexões
Mais de 67 mil portugueses
devem formação aos seminários
. teologia / pastoral .
dotes). Os seminaristas de filosofia e teologia também são menos, segundo
os últimos dados disponíveis: de 547, entre diocesanos e religiosos, em 2000
passou-se para 475 em 2006.
Apesar desta quebra no número de padres, a maioria das 4366 paróquias
estão confiadas à administração sacerdotal e apenas 20 paróquias são administradas pastoralmente por diáconos, religiosas e leigos.
Importa perceber se, à falta de padres para todas as paróquias, se deve
responder um aumento das “outras vocações”, com redefinições do papel a
desempenhar, por exemplo, pelas mulheres ou pelos homens casados na liderança das comunidades católicas. Uma figura recuperada pelo II Concílio
do Vaticano, a do diácono permanente, ainda está por definir de forma conveniente, em muitos casos, junto das próprias comunidades a cujo serviço se
destina.
Números revelados neste congresso mostram que cerca de 19% dos candidatos ao sacerdócio que entram nos seminários chegam efectivamente até
ao final do percurso, no caso das várias dioceses, e 11% no caso das congregações religiosas consultadas.
Sobre o papel dos seminários na vida da sociedade actual, 78% dos padres
e 44% dos leigos sublinham a importância do trabalho que desenvolvem estas
instituições para o discernimento vocacional dos seminaristas, e, em segundos níveis, é também reconhecido como factor de relevo o facto de os seminários proporcionarem a descoberta do sentido do outro e da missão da Igreja
e possibilitarem o desenvolvimento crítico e a capacidade de realização.
Em relação aos inquiridos que seguiram o sacerdócio, 81% realçam como
aspectos positivos da sua experiência no seminário a camaradagem, a amizade e a vida em comunidade e também possibilidade de discernimento e
crescimento da fé e da vocação. Como aspectos negativos 32% falam da disciplina, da austeridade e do rigor.
Quanto aos leigos, e em relação aos aspectos negativos, 21% falam do
isolamento, 18% da disciplina e austeridade, e de forma positiva sublinha a
qualidade de estudo e do ensino.
Os leigos antigos seminaristas inquiridos são professores (19%), gestores
ou empresários (13%), advogados, juízes, magistrados, procuradores (total
de 10% nesta profissões na área do Direito) e, entre outras profissões menos
representadas, bancários (9%).
Chamados a reflectir sobre aquilo que pensam da actual organização da
Igreja, 47% dos leigos e 32% dos padres consideram-na “demasiado centralista” e 36% inadequada às realidades do mundo contemporâneo.
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. teologia / pastoral.
Conclusões
1 – Este Congresso teve grande participação e interesse. Conseguiu um
êxito assinalável que a todos desafiou e interpelou.
2 – Para os participantes, o resultado mais palpável e imediato foi o enriquecimento pessoal que proporcionou, pelas vivências humanas e espirituais
e, sobretudo, pela relação interpessoal.
3 – Muitos antigos alunos dos seminários são detentores de formação e
capacidades que poderão contribuir para dar resposta ao desafio premente da
nova evangelização.
4 – Mais de 67 mil cidadãos deste país devem a sua formação básica aos
Seminários. Através dos Seminários, a Igreja deu um contributo significativo
à formação cívica e cristã de muitos jovens.
5 – O Inquérito realizado pela UCP e os numerosos testemunhos apresentados evidenciaram, de modo eloquente, que os Seminários desempenharam
um papel relevante na instrução e formação cívica e cristã.
7 - Foram dados contributos para definir os modelos de Seminário que
dêem resposta à necessidade de formar sacerdotes com uma nova cultura de
vocação, realmente missionários e evangelizadores, preparados para, nesta
cultura pós moderna, se reencontrarem consigo mesmos e se abrirem ao seu
semelhante e ao Amor de Deus.
8 – Na sociedade fragmentada, sem consensos éticos básicos, minada pela
cultura do vazio de ideais e de valores, os Seminários devem ser escolas onde
se aprende com rigor e profundidade, com vista a poder servir com dedicação, perseverança e mostrar os valores do humanismo cristão.
9 - Neste Congresso fizemos memória das nossas origens e identidade
para nos apoiarmos naquilo que vivemos e podermos continuar a avançar
com esperança.
Fátima, lugar onde nos reunimos, aproximou-nos do Beato Francisco
Marto e de N.ª S.ª do Rosário, faróis de esperança.
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Reflexões
6- Foi sugerido que as Universidades públicas e a Universidade Católica
incentivassem a realização de trabalhos de investigação para aferir o papel
dos antigos alunos na cultura em geral e, sobretudo na literatura, música,
história e acção social.
. teologia / pastoral .
10 – O Seminário proporcionou-nos formação sólida e aptidões em muitas áreas do saber. Comparável a um ‘sistema operativo’ informático que activa muitas ferramentas. Marca quem por lá passou e ajuda a ‘estar em rede’.
Esta preparação deu-nos competências em variados contextos profissionais e sociais: capacidade de cultivar o pensamento, expressar opiniões e de
viver em grupo.
11 – A missão de ser fermento implica ser activo, comprometido, formação cuidada e espírito de iniciativa.
12 – A vocação é a razão sublime que nos leva à união com Deus. Redescobre-se todos os dias, com ânimo e perseverança. Realiza-se através da
busca contínua, da acção atenta ao amor criador de Deus e à vivência da
fraternidade universal.
13 - Existe um sentimento generalizado para que seja dada alguma sequência ao Congresso através de acções que se venham a organizar no futuro.
14 – Valores cristãos…
Vivemos numa sociedade com assinalável progresso material e tecnológico, mas com aridez espiritual e marcado relativismo ético…
Quatro aspectos da vivência cristã, como fermento nesta sociedade: Conjugar adequadamente o ser e o ter; Viver, com sentido de serviço, a caridade;
Comprometer-se na exemplaridade; Ser faróis de esperança.
15 – Foi expresso um voto de congratulação pela canonização do Beato
Nuno Álvares Pereira.
16 – Os congressistas manifestaram viva gratidão ao Santuário de Fátima
por todo o apoio a este I Congresso Nacional de Antigos Alunos dos Seminários.
Fátima, 26 de Abril de 2009
174 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. teologia / pastoral.
O papel dos mosteiros de vida consagrada
Uma presença orante no ano sacerdotal
Os Mosteiros de Vida Contemplativa oferecem-se-nos como “oásis” nos
quais o homem, peregrino sobre a terra, pode atingir melhor as nascentes do
Espírito e repousar ao longo do caminho (Bento XVI).
No dia 19 de Junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, iniciou-se
o ANO SACERDOTAL. Toda a Igreja está em festa, porque os seus ministros, os Sacerdotes, vivem este “Ano da Graça” que lhes é oferecida.
Também nós, Irmãs Clarissas, Religiosas de Vida Contemplativa, como “sentinelas vigilantes no alto do monte” (VC. 59), queremos tomar parte nesta profunda e íntima alegria espiritual que invade o coração e a vida de cada Sacerdote,
viver intensamente este momento de graça e “alegrarmo-nos com aqueles que
se alegram”. Ao sentirmo-nos pedras vivas da Igreja, pela nossa forma de vida,
estamos atentas e empenhadas em oferecer cada dia no altar da consagração da
nossa vida, orações e sacrifícios pelos nossos Irmãos, os Sacerdotes.
À nossa memória ainda ecoa o apelo veemente do Cardeal Cláudio Hummes, Prefeito da Congregação para o Clero, lançado a toda a Igreja:
“São deveras muitas as coisas a fazer pelo verdadeiro bem do Clero e pela
fecundidade do ministério pastoral no mundo de hoje. A consciência de que o
agir realiza o ser e de que a alma de cada apostolado é a intimidade divina nos
levou a promover, com urgência, precisamente uma grande adoração eucarística, se possível perpétua. (…) Propusemos aos Bispos que promovam nas
dioceses autênticos “cenáculos eucarísticos”, nos quais consagrados e leigos
se dediquem, unidos entre si e em espírito de verdadeira comunhão, à oração
sob forma de adoração eucarística continuada”.
Nós, Irmãs Clarissas do Desagravo, temos esperança de que esta chama
viva “cenáculos eucarísticos” incendeie os corações dos fiéis e se torne realidade nas nossas comunidades cristãs. Como tudo seria diferente se o Santíssimo Sacramento tivesse primazia no dia-a-dia dos cristãos. Cumprir-se-ia
a profecia de Isaías: “Toda a ravina será preenchida; todo o monte e colina
serão abatidos; os caminhos tortuosos ficarão direitos e os escabrosos tornarse-ão planos” (Is, 3-5). “Cenáculos eucarísticos”! Uma realidade que nos é
tão querida, tão familiar! Ela constitui para nós o “Tesouro escondido”, a
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Reflexões
Pela Irmãs Clarissas de Monte Real
. teologia / pastoral .
“Pérola” mais preciosa. É o centro da nossa vida quotidiana, a razão do nosso
ser Clarissas do Desagravo.
Desde o seu nascimento em 1965, o nosso Mosteiro é um verdadeiro “cenáculo eucarístico”, onde a chama da oração pelos Sacerdotes arde incessantemente diante do Santíssimo Sacramento, solenemente exposto dia e noite.
Sim, dia e noite uma Irmã permanece diante do Santíssimo em adoração e
oração por todo o mundo, mas especialmente pedindo pelos Sacerdotes. Poderá parecer uma loucura para muitos, mas motivo de grande felicidade e
plena realização para quem o experimenta, para quem um dia sentiu o forte
apelo à radicalidade por amor a Cristo e ao seu Evangelho. De facto o amor
não se explica, o amor vive-se. E “não há maior prova de amor do que dar a
vida pelos seus amigos”.
A Fundadora deste Mosteiro, a Madre Maria Teresa do Menino Jesus, tinha grande amor, estima, respeito e carinho especial pelos Sacerdotes, que ela
denominava “fiéis administradores dos Mistérios de Deus”. Por eles, diária e
comunitariamente, elevava a Deus uma oração especial. Por isso as Irmãs deste
Mosteiro “orgulham-se” de tão nobre e sublime herança, recebida desta grande
mulher profundamente eucarística e profundamente sacerdotal, e continuamna ainda hoje. Quando as Irmãs se substituem, de hora em hora na adoração,
durante a noite, rezam uma oração especial pelos Sacerdotes. Verdadeiramente
grandiosa é a sua vocação! Só eles nos podem dar o Pão Vivo descido do Céu,
missão que nem os próprios Anjos podem desempenhar.
Desde há 800 anos que sentimos o clamoroso apelo da nossa Fundadora,
Santa Clara de Assis, a Santa Inês de Praga: “Considero-te colaboradora do
próprio Deus e um suporte dos membros mais débeis dos Seu Corpo”.
Este grande amor eclesial continua a invadir, hoje, os nossos corações
e as nossas vidas. Na retaguarda do silêncio do nosso Mosteiro, na loucura
e aparente inutilidade das nossas vidas, queremos ser seiva viva, fecunda e
abundante da grandiosa “Árvore”, por Jesus plantada, no meio dos homens,
que é a sua Igreja.
Em qualquer corpo que tem vida, os órgãos mais importantes são também
os mais frágeis. Porém são vitais para o bom funcionamento de todo o organismo. O mesmo acontece com este Corpo tão belo, tão nobre, tão santo, mas
também tão delicado que é a Igreja de Cristo. Os seus ministros, os Sacerdotes,
são as colunas firmes, mas ao mesmo tempo frágeis, desta Igreja viva. Eles trazem o sagrado tesouro do seu ministério em “vasos de argila”, para que o poder
de Deus neles se revele. De grande beleza é esta expressão que Jesus dedica aos
Seus Sacerdotes: “Eles estão no mundo mas não são do mundo”.
176 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
Conscientes desta realidade, como Clarissas do Desagravo, queremos
continuar a ser um suporte dos delicados e imprescindíveis membros da nossa Mãe, a Santa Igreja, que são os Sacerdotes – não nós mas a graça de Deus
que nos habita. Reafirmamos, portanto o nosso compromisso de, escondidas
com Cristo, elevarmos para Deus no silêncio deste “cenáculo eucarístico”,
que é o claustro, a nossa oração pelo nosso Bispo, pelos seus mais directos
colaboradores, os Sacerdotes, os seminaristas e seus formadores. Suplicamos,
assim, a fecundidade e bênçãos divinas para todas as actividades pastorais
dos Sacerdotes que, com tanto heroísmo, dedicação e entrega desenvolvem
nas respectivas paróquias ou em outros sectores da vida diocesana.
Sentimo-nos pequeníssimas ante a grandeza e o valor inestimável deste
maravilhoso dom que é a vocação sacerdotal concedida por Deus à sua Igreja.
Mas, como o amor é mais forte do que a morte e não tem fronteiras, temos à
nossa disposição a fonte inesgotável da graça e do amor que é a presença de
Jesus na Eucaristia, Manancial de todas as graças, Fonte inesgotável, Verdadeiro Pão do Céu. D’Ele podemos colher os maiores dons e oferecer-Lhos a
favor dos Sacerdotes do mundo inteiro.
Queremos sentir, caminhar e viver na fidelidade à nossa vocação sempre
ao ritmo e em sintonia com o pulsar da nossa Mãe a Santa Igreja. Sob a acção
e a graça de Deus queremos dizer aos Sacerdotes: Contem com a nossa oração, com a nossa presença orante, dia e noite.
Para melhor vivermos este feliz evento, no próximo dia 2 de Julho, primeira Quinta-feira do mês, teremos aqui, na igreja do Mosteiro, às 21h00,
uma Vigília de Oração pelos Sacerdotes para a qual convidamos todas as pessoas que puderem e queiram associar-se ao louvor, súplica e acção de graças
pelos mesmos Sacerdotes.
Tudo é graça!
Na nossa vida tudo é graça! Verdadeiramente “em Deus vivemos, nos movemos e existimos” como afirma o Apóstolo S. Paulo no areópago de Atenas.
Verdadeiramente Deus não se cansa de cumular os seus filhos com a abundância dos seus dons. Para ver esta realidade basta não andarmos distraídos.
Acabámos de viver uma forte experiência de amor, fé e esperança, sob o
olhar atento do grande apóstolo, S. Paulo. Um caminho de vida iniciado há
2000 anos e que se vai abrindo e prolongando, dia após dia, em cada página
da história da humanidade. A profunda experiência de amor a Cristo e à causa
do Evangelho vivida por Paulo continua a contagiar corações jovens e menos
jovens que hoje se lançam corajosa e ousadamente na divina aventura de
anunciar Cristo e “Cristo Crucificado”.
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Reflexões
. teologia / pastoral.
. teologia / pastoral .
S. Paulo surge na primitiva Igreja como figura singular de grande beleza espiritual: verdadeiro apaixonado por Cristo, ousado profeta das gentes, ardoroso
apóstolo do Evangelho, destemido soldado, pioneiro da caridade. Esta mesma herança, este mesmo desafio nos é lançado a nós, cristãos do 3º milénio, pela santa
Igreja, nossa Mãe, sempre solícita pelo bem dos seus filhos. Por isso antes de
terminar o Ano Paulino abriu-nos as portas para um outro grande acontecimento:
o Ano da Graça, inteiramente dedicado aos Sacerdotes. Dois acontecimentos, duas
realidades tão intimamente unidas na mesma origem, origem que tem um rosto,
um nome, uma presença viva e vivificadora, Jesus Cristo!
Apesar de tantos “contra” na sociedade em que reina o individualismo, o consumismo, o niilismo, o ateísmo, o hedonismo e tantos outros “ismos”, que teimam
ocultar o rosto de Deus e asfixiar a sua presença no coração e nas consciências, o
mesmo Deus, que escreve sempre direito nas curvas dos caminhos dos homens,
tem sempre a última palavra como Senhor da história. E Ele, mais uma vez, aí está
como eterna novidade a convidar os fiéis e também a nós, Irmãs de vida claustral,
a redescobrir o valor inestimável do Sacerdote e o dom inefável da sua vocação.
Em cada sacerdote vive um Paulo de Tarso que, dia após dia, vai dando a
vida pela causa do Evangelho no meio do povo de Deus. Como “grão de trigo
que cai à terra e morre” o Sacerdote vai produzindo frutos de vida eterna.
O grande Apóstolo não só quis oferecer a sua vida por Cristo e ser um
exemplo vivo para todos os Sacerdotes mas também quis dirigir-lhes 12 cartas,
cartas que, desde há 2000 anos, vêm forjando plêiades de santos. Cartas que há
2000 anos tinham um destinatário colectivo mas hoje, e neste ano em especial,
são dirigidas a uma pessoa singular com um rosto e um nome: o Sacerdote. De
grande beleza e profundidade espiritual são estas palavras que, afinal, se vão
repetindo nas diversas cartas e epístolas: “Paulo, por vontade de Deus (…) a
todos os Sacerdotes da Igreja de Jesus Cristo espalhada por todo o mundo, a
vós graça e paz. Bendito seja Deus que do alto dos Céus vos abençoou com
toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. Foi assim que Ele vos escolheu
antes da criação do mundo para serdes irrepreensíveis e imaculados diante dos
seus olhos” (Ef.1,1-4). E assim poderá ser lida e meditada esta exortação de
forma muito pessoal. Nesta perspectiva S. Paulo continua a ser para todos um
caminho-luz, caminho de vida. Paulo não morreu, continua vivo, ardoroso e
ousado em cada Sacerdote que vive com fidelidade e amor a sua vocação.
Ano Paulino e Ano Sacerdotal, dois acontecimentos de grande riqueza
para toda a Igreja e forte desafio para nós Irmãs de vida contemplativa a continuarmos a ser no silêncio do Mosteiro uma presença orante, um apoio ao
Sacerdote em favor de cada cristão, no Coração da Igreja nossa Mãe.
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. teologia / pastoral.
Padre Carlos da Silva
Adeus ao Mestre de todos nós
Foi com tristeza que fomos surpreendidos pelo falecimento o Cónego
Carlos da Silva, ao final da tarde de segunda-feira, dia 16 de Fevereiro. Encontrava-se na Casa do Clero da Diocese de Leiria, em Fátima, desde 2004,
ano em que o agravamento do seu estado de saúde fez que deixasse o Seminário de Leiria onde viveu praticamente toda a sua vida e se dedicou à formação
de centenas de jovens seminaristas e à música, uma das suas grandes paixões.
O seu corpo veio para a Igreja do Seminário, no dia seguinte, onde ficou em
câmara ardente. Na manhã de quarta-feira celebrou-se a missa exequial na Sé
de Leiria e os seus restos mortais seguiram para Minde, sua terra natal, como
era seu desejo.
O Sr. Dr. Carlos, como era conhecido,
nasceu a 5 de Março de 1928 na Vila de
Minde. Desde cedo, na sua casa, onde se
respirava música, mostrava-se promissor na
arte musical. Inspiração não lhe faltaria, no
meio da beleza da Serra d’Aire. O seu pai,
alfaiate de profissão, foi músico e regente da
Banda Filarmónica de Minde. Aos oito anos,
o pequeno “Carlitos” experimentava o flautim na Escola de Música da Filarmónica e
ensaiava os primeiros trechos compostos por
si: «Músicas que dedicava à minha mãe, à
minha irmã, à minha família. No fundo já
nessa altura tentava expressar o Amor que
tinha pelos outros através da música, refere
anos mais tarde numa entrevista ao Jornal de
Leiria.
Em 1939, com onze anos, entra no Seminário de Leiria para os estudos que viria
a concluir em 1950. Nos anos seguintes, de
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Reflexões
Por Padre Pedro Viva
. teologia / pastoral .
50 a 54, o Sr. Bispo, D. José Alves Correia da Silva, que lhe notou o talento,
envia-o, juntamente com o P. António de Oliveira Gregório, para a Cidade
Eterna, para frequentar o Instituto Pontifício de Música Sacra, onde viria a
licenciar-se em Canto Gregoriano e a fazer especializações de Órgão e Piano.
Foi ordenado sacerdote, em Leiria, a 7 de Outubro de 1951. Quando se preparava para iniciar o Mestrado, em Roma, foi chamado a regressar à Diocese
para assumir o ensino da música no Seminário, devido à nomeação do Sr.
Padre João Venâncio para Bispo Auxiliar do Bispo de Leiria.
Dedicou toda a sua vida, ao longo de mais de quatro décadas, à formação
de padres e leigos no campo da liturgia e desenvolveu um trabalho notável na
composição e educação para a música litúrgica, disciplina que ajudou a renovar em Portugal, com mais de 500 peças da sua autoria, muitas delas cantadas
por todo o país e no estrangeiro. Publicadas quase todas na colectânea “Orar
Cantando”, de melodia simples, as suas músicas têm como horizonte Jesus
Cristo e sua Mãe, Nossa Senhora do Rosário de Fátima, de quem era devoto.
Era nas assembleias do Santuário de Fátima que encontrava, muitas vezes, a
sua inspiração.
A sua preocupação era rezar e pôr o Povo de Deus a rezar: “sempre que
componho cânticos religiosos, quer por iniciativa própria quer por encomenda, tenho a intenção primordial de fazer rezar quem os cante, procurando
valorizar cristãmente os textos, tornando-os mais expressivos e penetrantes,
facilitando deste modo a minha oração pessoal e a oração dos outros, mesmo
das pessoas mais simples e dos coros e das comunidades menos preparadas
musicalmente”. Compunha de forma simples para ajudar o povo a “alimentar a fé, a esperança e o amor divino, ajudando-o a entrar em contacto mais
íntimo e feliz com Deus”, como escreveu na introdução à obra já citada. O
Padre Carlos soube colocar o seu talento ao serviço da qualidade e beleza da
oração do Povo de Deus, em plena e criativa sintonia com as determinações
emanadas do II Concílio Vaticano.
O seu ministério dedicou-o quase em exclusivo ao Seminário, onde foi
professor de Música e outras disciplinas como História e Liturgia. Durante
anos, desde 1957, foi ainda responsável pelo Serviço de Música do Santuário
de Fátima e das suas Celebrações Aniversarias. É nesta altura que começa o
seu período mais criativo. De 1955 a 2004 foi Director do Coro da Catedral
da Sé de Leiria. Foi também Director diocesano da Obra Pontifícia da Propagação da Fé, professor de Religião e Moral no Liceu de Leiria, professor
de música e canto coral na Escola de Formação Social Rural, encarregado do
Movimento de Casais e capelão em três comunidades (Janardo, Pinheiros e
180 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. teologia / pastoral.
Quinta da Matinha) da Paróquia dos Marrazes. Em 13 de Maio de 1976 foi
nomeado Cónego Capitular da Sé de Leiria.
Juntamente com o Sr. Cónego Rosa, amigo fiel de uma vida inteira e seu
professor, o Dr. Carlos foi grande impulsionador da compra do grande órgão
de tubos da Sé. Para marcar a ocasião solene de inauguração do novo órgão,
o padre Carlos Silva compôs a música para o «Salmo Responsorial» que em
boa parte resume a força que o faz amar a música: «Cantai ao Senhor um
cântico novo, cantai ao Senhor porque é bom cantar! Cantai ao Senhor com
arte e com alma, é digno e justo celebrar o Seu louvor!».
Por ocasião do seu Jubileu Sacerdotal, em 2001, foi justamente homenageado, entre outras entidades, pela Diocese, a Rádio 94FM e o Secretariado
Nacional de Liturgia na Semana Nacional de Liturgia.
Homem grande em corpo pequeno, muito vivo e expressivo, voz sonora
e entusiasta, rara sensibilidade em captar a alma do povo, sacerdote íntegro e
dedicado, mestre de centenas de jovens que o tiveram como referência, abraçou com fé os seus últimos anos marcados pelo sofrimento de não poder fazer
uma das coisas de que mais gostava: cantar. No céu, juntando a sua voz à dos
anjos e santos, canta agora eternamente as maravilhas de Deus.
Homens como o Dr. Carlos, não morrem. A sua vida foi fecunda, foi semente que deu fruto. É luzeiro no firmamento e a sua memória perdurará
naqueles que louvarão a Deus com a sua oração e a sua música. Que junto de
Deus descanse e interceda pela nossa Diocese e pelo seu querido Seminário.
Em Outubro de 2001, por ocasião dos seus 50 anos de sacerdócio, o padre
Carlos Silva concedeu uma entrevista a O Mensageiro, publicada em 18 de
Outubro de 2001, da qual transcrevemos as seguintes passagens.
“Os momentos que recordo com mais intensidade estão relacionados
com as grandes celebrações litúrgicas, por exemplo, nas peregrinações
em Fátima ou nas ordenações sacerdotais e festas do Corpo de Deus, em
Leiria. A própria Eucaristia é, por si só, suficiente para encher e justificar a minha vocação sacerdotal. E não há nada mais entusiasmante para
mim que uma grande assembleia a cantar e a louvar a Deus. Por exemplo, na celebração de Sexta-Feira Santa, na Sé, quando se canta o meu
cântico “O Senhor salvou-me”, raramente consigo evitar as lágrimas de
emoção”.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 181
Reflexões
Em discurso directo...
. teologia / pastoral .
“Quando componho exprimo os meus sentimentos religiosos, de
oração, amor e acção de graças. Num segundo momento, ofereço os
meus cânticos para dar resposta à necessidade de fazer o Povo de Deus
cantar, com arte e beleza, de uma forma enriquecedora para a sua fé.”
“A Igreja está aberta a todos os tipos de música, desde que seja expressão de oração e não apenas de festa”. Não há nenhum ritmo nem
nenhum instrumento excluídos, mas há que evitar ritmos ou instrumentos que evoquem mais o profano do que o sagrado. Misturar a liturgia
com expressões como o fado ou folclore, por exemplo, não dignifica a
celebração nem ajuda as pessoas a rezar”.
“Para que a celebração litúrgica se renove é necessário apostar na
preparação do presidente da assembleia, dos leitores, dos acólitos, dos
cantores. Para tal, é essencial uma catequização mais profunda sobre os
sacramentos, em especial a eucaristia”.
“Tenho pena de não ter conseguido ajudar a criar uma escola diocesana de ministérios laicais, entre eles, de solistas, coristas e regentes de
coros. Mas eu voltaria sempre a enveredar por este caminho de entrega
à Igreja, pela promoção do canto dos louvores divinos entre o Povo de
Deus”.
“Procurei sempre levar a Cristo todos aqueles a quem Ele me enviou,
como Seu representante e ministro; ajudá-los a adorar e louvar, a agradecer e reparar, e a invocar e imitar, comigo”.
182 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. teologia / pastoral.
A Igreja da Misericórdia – Que futuro?
A igreja da Misericórdia de Leiria, iniciada no séc. XVII e melhorada nos
seguintes, é parte integrante do núcleo designado por “centro histórico da cidade”. Foi lugar de culto não só para os doentes que demandavam o hospital
que lhe estava anexo, como também para a população que a envolvia, especialmente para quem, pelos horários do culto ali em vigor, podia harmonizar
o ritmo da vida cristã com as obrigações domésticas ou profissionais.
Ao longo de mais de dois séculos o vetusto templo serviu também de igreja funerária para a celebração de exéquias pelos irmãos da confraria e pelos
que faleciam no hospital.
Com a construção da capela mortuária, junto a Santo Agostinho, a igreja
da Misericórdia deixou de estar aberta ao culto, atendendo a que as outras
igrejas bastavam para a população citadina e a capela do lar de Nossa Senhora da Encarnação era suficiente para satisfazer as obrigações espirituais a
que a Irmandade, por força dos
estatutos, está obrigada.
Na tentativa de evitar a deterioração que o encerramento
do templo estava a provocar,
e com o intuito de o recuperar para fins compatíveis com
a dignidade da sua história,
a Mesa Administrativa mandou elaborar um projecto de
restauro para se candidatar a
subsídios comunitários. Não
obstante o interesse histórico
e os pareceres favoráveis das
entidades chamadas a depor, a
candidatura não foi aceite.
A Administração da Santa
Casa da Misericórdia saída das
eleições de 1999, preocupada
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 183
Reflexões
Por Padre João Trindade
. teologia / pastoral .
com a situação e consciente da inevitável degradação, celebrou com a Câmara Municipal um protocolo através do qual cedeu aquele espaço para fins
culturais, de acordo com as condições no mesmo consignadas. Com o aparecimento de outros equipamentos sociais em melhores condições e a ponderação dos encargos para a manutenção do imóvel, a Autarquia deixou de estar
interessada e o templo regressou ao seu silêncio.
Não dispondo a Mesa Administrativa dos meios financeiros que permitam assumir o restauro da igreja – o que é compreensível tendo em conta os
elevados encargos assumidos com o conjunto de obras de vulto realizadas
– resta-nos esperar que surja alguma oportunidade digna e satisfatória que
permita evitar que a cidade venha a perder mais este elemento do seu já tão
pobre património arquitectónico.
Ninguém está interessado que se repita o que aconteceu ao convento dos
Capuchos ou o que esteve para acontecer à secular igreja de São Francisco.
Estamos certos que a instituição proprietária e a Diocese não deixarão
de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar a derrocada do templo.
Confiamos, outrossim, que a reabilitação do centro histórico e da beira-rio
em curso, que, no que está realizado, já tanto contribuíram para melhorar a
vida na cidade e embelezar os espaços públicos, estimule a Autarquia a tudo
fazer para apoiar todas as iniciativas válidas que venham a surgir para salvar
e restaurar a centenária igreja da Misericórdia.
184 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
D. Frei Brás de Barros:
elementos documentais
sobre o seu episcopado leiriense
Saul António Gomes
1 A data do fim do episcopado de D. Frei Brás de Barros é geralmente apontada ao ano de 1556.
Mas segundo Afonso Zúquete e também José Pedro Paiva, o fim do episcopado leiriense deste
prelado caiu no ano de 1553. Vd. PAIVA, José Pedro – Os Bispos de Portugal e do Império.
1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006, p. 581.
2 Sobre a história da Diocese de Leiria, em geral, veja-se: SOUTOMAIOR, Caetano José da
Silva – “Catálogo dos bispos de Leiria”, in Colleçam dos documentos, estatutos e memorias
da Academia Real da Historia Portugueza, Lisboa, Oficina de Poascoal da Silva, 1722, cap. I;
CRISTINO, Luciano Coelho – “A Diocese de Leiria-Fátima”, in Catedral de Leiria. História
e Arte (Coord. Virgolino Ferreira Jorge), Leiria, Diocese de Leiria-Fátima, 2005, pp. 47-82.
GOMES, S. A. - “Leiria (Diocese de)”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal, vol.
3, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 74-81; ZÚQUETE, Afonso – Leiria. Subsídios para
a História da sua Diocese, Leiria, Gráfica de Leiria, 1943. De registar os vários contributos
para a história diocesana leiriense recolhidos no número especial do Boletim Leiria-Fátima, 3
(8), Maio-Agosto, 1995.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 185
Reflexões
Tanto a criação da Diocese de Leiria, em 1545, quanto a nomeação para
seu primeiro antistite de D. Frei Brás de Barros, que presidiu aos destinos do
Bispado desde então e até ao momento em que renunciará1 — posto que a
sua renúncia à mitra leiriense não tenha significado perda de interesse pelos
destinos futuros mais imediatos do mesmo —, constituem actos de relevante
significado na história da Igreja em Portugal2.
Em primeiro, porque a institucionalização da nova Diocese, desde logo
pela sua área geográfica muito modesta, que fazia dela a mais pequena do
país, introduzia uma mudança nos consagrados paradigmas institucionais das
velhas dioceses que se caracterizavam por termos espacialmente muito extensos. Assumia, também, ineditismo ao reconfigurar em mitra episcopal um
priorado de jurisdição monástica, no caso crúzia, abrangido pelo estatuto de
. história .
nullius dioecesis3.
Em segundo lugar, porque o prelado provido em Leiria, D. Frei Brás de
Barros, era uma figura de prestígio intelectual, professo da austera e rigorosa
Ordem de S. Jerónimo, doutor por Lovaina, reformador do Mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra4, tradutor e autor de obras de espiritualidade5, epistológrafo
de excepção6, muito próximo e benquisto de D. João III e, ao que se julga,
confessor real ou, pelo menos, da rainha D. Catarina.Trata-se, assim, de uma
figura de intelectual católico, e de homem da Igreja pré-tridentina portuguesa,
que, mau grado as suas origens familiares no seio da modesta nobreza bracarense7, atinge o episcopado sobretudo por mérito e não por razões de favor
3 Veja-se, sobre este mesmo Priorado de Santa Maria de Leiria, também chamado, no ocaso da
Idade Média, de Vigararia de Leiria e das vilas da Vitória e de Paredes, alguns dos meus estudos
nomeadamente: “Organização Paroquial e Jurisdição Eclesiástica no Priorado de Leiria nos
Séculos XII a XV”, in Lusitania Sacra, Revista do Centro de Estudos de História Religiosa da
Universidade Católica Portuguesa, Tomo IV, 2ª Série, Lisboa, 1992, pp. 163-310; IDEM - “A
População e o Povoamento de Leiria do Século XII ao XVI”, in Leiria-Fátima, Órgão Oficial
da Diocese, Ano III, Nº 8, Número especial - 450º Aniversário da Diocese e Cidade de Leiria,
Maio-Agosto 1995, pp. 225-317; IDEM - “O Priorado Crúzio de Santa Maria de Leiria do
Século XII à Criação da Diocese”, in Catedral de Leiria. História e Arte (Coord. Virgolino
Ferreira Jorge), Leiria, Diocese de Leiria-Fátima, 2005, pp. 13-38; IDEM - Introdução à História do Castelo de Leiria, (2ª edição revista e ampliada), Leiria, Câmara Municipal de Leiria,
2004, pp. 151 e seguintes; IDEM - “ ‘O ano do trigo sujo’: as rendas do Mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra no Priorado de Leiria nas vésperas da criação do Bispado (1541-1545)”, in
Leiria - Fátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano XII, Nº 34, Janeiro-Abril 2004, pp. 115-159;
IDEM - “A Capela de S. Simão de Leiria”, in Leiria-Fátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano
XV, Nº 43, Janeiro/ de 2007, pp. 125-160; IDEM - “O Património Crúzio em Leiria nos inícios
do Século XV — Elementos para o seu estudo”, in Leiria-Fátima. Órgão Oficial da Diocese,
Ano XV, Nº 44, Julho-Dezembro 2007, Leiria, pp. 309-344.
4 SANTOS, Cândido dos – “De reformador dos estudos a bispo de Leiria ou o itinerário de um
contemplativo: D. Frei Brás de Barros”, in Revista da Universidad e de Coimbra, Vol. XXXVI
(1991), pp. 317-326.
5 Deve-se-lhe a tradução da obra latina do franciscano alemão Fr. Henrique Hárphio, saída em
português com o título Espelho da perfeiçam em lingoa portuguesa, Coimbra, 1533. Pertencelhe, também, a responsabilidade intelectual pelo Livro das Constituiçõens e costumes que se
guardam em o Mosteiro de Sancta Cruz dos Conegos regrantes da Ordem de Nosso Padre
Sancto ória da sua Diocese, Leiria, Gráfica de Leiria, 1943, p. 133).
6 BRANDÃO, Mário – Cartas de Frei Brás de Braga para os priores do Mosteiro de Santa Cruz
de Coimbra, Coimbra, Imprensa Académica, 1937.
7 Pequena fidalguia minhota mas, nem por isso, deixou Brás de Barros de seguir um eprcurso
cortesão quando jovem. Segundo D. Gabriel de Santa Maria, memorialista crúzio do século
XVI, que lhe traça uma breve biografia, D. Brás de Barros foi criado na corte régia, servindo
na casa da rainha D. Leonor, mulher del-rei D. João II. Lutou em África antes de ingressar na
vida religiosa. (Vd. Doc., 15 deste artigo).
186 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
“Senhor. Per Amtonio Cordovil recebi a carta (…) todo o mais
que per palavra me disse (…) a soma da portaria he que vossa alteza
me faz mercê do Bispado de Leirea que ora novamente hordenou (…)
pemsões, por ho que beijo as mãos de vossa alteza. Me (…) por essa
mercee a qual tamto a mim he mais graciosa porque he vontade e
comtemtamemto com que vossa alteza (…) que ma faz. E porem porque em este neguocio (…) vai muito a alem de interesse, nom posso
deixar de comfessar a infelicidade de minha miséria porque, senhor,
lhe diguo em verdade que se me esta mercê sem estas pemssões me
alcançara há coatro ou cimquo anos, e eu a emgeitasse, tivera sempre
que ofemdia a Nosso Senhor gramdememte, e tambem a vossa alteza,
mas aguora que me acho já velho e muito doemte e mais em cousa
tam nova e careguado de obriguaçam tenho por certo que offemderia
muito mais a Deus e a vossa alteza em aceitar, por ho que peço prostrado aos pees de vossa alteza aja por bem escusar me deste t[rabalho
8 D. Frei Brás de Barros nasceu de pai e mãe solteiros, pelo que, antes de ordenado sacerdote,
recebeu dispensa super defectum natalis. Vd. C. EUBEL – Hierarchia Catholica Medii et
recentioris Aevi…, Vol. III. Saeculum XVI ab anno 1503 complectens, Munster, 1923, p. 224;
PAIVA, José Pedro – Os Bispos de Portugal e do Império. 1495-1777, cit., p. 312; SANTOS,
Cândido dos – “De reformador dos estudos a bispo de Leiria ou o itinerário de um contemplativo: D. Frei Brás de Barros”, cit., pp. 317-326; ZÚQUETE, Afonso – Leiria…, pp. 125-134;
MATOS, Alfredo de – D. Frei Brás de Barros, D. João III e a construção da Sé de Leiria,
Leiria, Gráfica de Leiria, 1957; CARDOSO, A. Brito – “Barros, D. Fr. Brás de”, in Dicionário
de História da Igreja em Portugal, Vol. 2, Lisboa, 1983, pp. 221-223.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 187
Reflexões
de nascimento8.
Na cátedra da Sé leiriense, aliás, sentar-se-ão durante toda a restante Centúria quinhentista bispos de elevada craveira intelectual. Desde logo o sucessor de D. Frei Brás de Barros, o eremita agostiniano D. Frei Gaspar do Casal
(1557 a 1579) e D. António Pinheiro (1579-1582), pregadores e confessores
reais e autores de obra espiritual, eclesiológica e teológica. E não menos relevante foi, não tanto no campo das Letras, mas no do exercício do poder político, o último bispo leiriense desse século, D. Pedro de Castilho (1583-1604).
Não desejou D. Frei Brás de Barros, de início, as responsabilidades episcopais posto que as tenha acabado por aceitar. Em carta dirigida ao rei D.
João III, que lhe devemos atribuir, e que nos chega fragmentada, encontramos testemunhado, justamente, esse primeiro sentido de recusa da sua proposição para bispo leiriense:
. história .
(?)] e jumtamente com isto dar me a sua graça pera de (…) este em
que estou e em que já acabei o tempo que (…) me ordenou e em que
há dezoito anos que sirvo (…) e roguarei por vida e saude de vossa
alteza. De (…) em tres dias de Janeiro.”9
D. Frei Brás de Barros, contudo, aceitou o sólio episcopal da cidade do
Lis. Data de 31 de Maio de 1545 a bula do papa Paulo III nomeando-o prelado de Leiria (Doc. 1 - C). No dia 28 de Julho de 1545, o ex-reformador dos
cónegos regulares de Santa Cruz de Coimbra toma posse do Bispado e recebe
o juramento de obediência dos curas das igrejas locais (Doc. 1 – A e D). Nos
meses mais imediatos, procedeu-se ao apuramento das contas e dívidas dos
rendeiros do extinto Priorado10 e delineou-se, ao longo do ano de 1546, o
projecto de renovação urbanística da praça de S. Martinho11.
No dia 24 de Outubro de 1546, de Santarém, D. João III, usando dos
poderes que lhe eram próprios, assinou a carta de instituição do cabido leiriense. Só um ano depois, a 14 de Outubro de 1547, é que esta carta viria a ser
expedida da chancelaria real. Aguardara todo esse tempo que fosse levantada.
As razões desta delonga não são claras, mas talvez se prendam, por hipótese,
com eventuais problemas de administração diocesana. O entusiasmo dos momentos iniciais da criação do Bispado parece ter esmorecido durante quase
dois anos. Na verdade, só após a expedição da carta real citada, depois de 14
de Outubro de 1547, como vimos, é que, de novo, se assistirá a uma actividade quase febril de legislação e institucionalização da hierarquia própria da
clerezia diocesana.
Datam de 1548 e 1549 as primeiras composições ou acordos legais estabelecidos entre o bispo e o cabido leiriense com vista à organização institucional
da vida diocesana. A 11 de Junho de 1548, prelado e cabido acertavam-se
quanto à (re)distribuição e colecta de rendas no Bispado (Doc. 2), matéria
que exigiu a anuência e ratificação particulares, com data de 21 de Junho e 2
9 Direcção Geral de Arquivos – Torre do Tombo (doravante citado por TT) – Fragmentos, Caixa
1, Maço 2, Nº 59. Este documento, como a maioria dos diplomas que aqui publicamos, foramme disponibilizados pelo Dr. Pedro Pinto, investigador do Centro de Estudos Históricos da
Universidade Nova de Lisboa, ao qual prestamos o preito da nossa gratidão. A carta fragmentada
aqui citada foi, aliás, por ele inicialmente transcrita.
10 TT — Corpo Cronológico, Parte 2, Maço 210, Doc. 65.
11 GOMES, S. A. - “A Praça de S. Martinho de Leiria do Século XII a 1546”, in Mundo da Arte,
II Série, nº14, Janeiro - Março, 1990, pp. 57-78.
188 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
“Senhor. Eu parti de Sancta Cruz segunda feira depois da festa da
Trindade e cheguei a esta cidade, onde ao presente estou, fazendo em
este officio que me Vossa Alteza tem encomendado o que posso. E ja tenho
entregue ao cabido as rendas que foram applicadas pera as dignidades
e as outras que se aviam de apartar pera comprimento do que am d’aver
os coneguos e as mais pesoas que servirem a Igreja. E aguora, prazendo
a Nosso Senhor, queria entender em a visitaçam geral desta cidade que
inda nom fiz por alguuns boons respeitos que vossa alteza saberá em seu
tempo. Queria tambem se a Deos aprouvese fundar esta See e pera ello
estou ja aparelhado com quatro ou cinquo fornadas de cal, o que nom
posso fazer sem aver reposta de vossa alteza, do que lhe tenho scrito sobre estes sitios. Porque vossa alteza me screveo que mandaria caa huum
official pera os ver como lhe tenho pedido. Aguora, senhor, depois de
isto screver me tenho mais informado e practicado com as pessoas da
terra e com outras. E todavia mais se afirmam ja ou quasi todos que sera
milhor a See no sitio de baixo onde a vossa alteza tem enligida. E a my
mo parece aguora. Vossa alteza, por amor de Nosso Senhor, me mande
dizer o que há por seu serviço que faça porque se vai muito o tempo. E se
nom principiar os fundamentos desta igreja este Verão, será necessario
esperar o outro.”12
As despesas efectuadas por D. Frei Brás de Barros, entre 28 de Julho de
1545 e 27 de Julho de 1548, demonstram os investimentos efectuados em
“cousas do pontifical e em as casas do nosso apousento”, e ainda na fábrica
da Sé, como, aspecto da maior relevância, em “esmolas e charidades que se
fizeram asy a parentes pobres como a outros pobres alem do pão que se deu
em grão”13. O financiamento da construção da nova catedral, “que se ora haa
de fazer”, foi alvo de acordo entre o prelado e o cabido lavrado a 1 de Setem12 TT — Corpo Cronológico, Parte 1, Maço 80, Doc. 124.
13 TT — Corpo Cronológico, Parte 2, Maço 240, Doc. 35.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 189
Reflexões
de Julho desse ano, respectivamente, dos cónegos Licenciado Luís Machado,
tesoureiro da Sé (Doc. 3), e Lopo de Barros, deão da mesma catedral (Doc. 4).
Data de 12 de Junho deste ano de 1548 uma carta do bispo, endereçada a
el-rei, na qual lhe refere os progressos alcançados em matéria de organização
do cabido, o seu desejo de proceder a visitação geral da cidade e a urgência
da construção de uma nova catedral:
. história .
bro de 154814. Enquanto isso, D. Frei Brás de Barros obtinha, de D. João III,
e certamente com o fito de proceder a melhoramentos arquitectónicos nesse
espaço, a confirmação da propriedade sobre as casas anexas à igreja de Santa
Maria da Pena, no castelo, a qual, então, servia de Sé15.
Em Agosto de 1548, D. Brás de Barros aprovou, com o assentimento da
clerezia diocesana, os primeiros estatutos capitulares, sobre a forma de juramento das dignidades e cónegos, o primeiro, e sobre as condições de formação prévia dos candidatos a lugares no cabido (Doc. 5). Depois, a 26 de Janeiro de 1549, aprovaram-se alguns novos capítulos estatutários que obrigavam
os clérigos da Sé a saberem ao menos Gramática, reiteravam o número das
dignidades, dos cónegos, meios cónegos, quartanários e beneficiados, no máximo de 30, as suas precedências e ordenação a seguir na administração dos
sacramentos aos diocesanos leirienses. São particularmente minuciosos os
capítulos relativos ao silêncio que se havia de guardar no coro da catedral,
aquando da celebração dos ofícios, e ao apontador das faltas e das ausências
dos eclesiásticos com lugar no mesmo (Doc. 5).
Data de 21 de Maio de 1549, a confirmação, pelo núncio apostólico, o
arcebispo D. João do Monte Policiano, dos Estatutos da Sé (Doc. 7 – E)16.
Desse mesmo ano data a impressão das Constituições do Bispado de Leiria,
de que D. Frei Brás de Barros trazia um exemplar consigo, autenticado pela
sua própria assinatura (Doc. 7 – F)17.
A correspondência mantida por D. Frei Brás de Barros com os priores
do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ainda pelos anos de 1548 e 1549,
demonstra que o antistite leiriense nunca se alheou verdadeiramente dos destinos deste instituto monástico em cuja reforma, aliás, ocupara largos anos
da sua vida18. Em 24 de Junho de 1548, D. Frei Brás, então em Leiria, diligenciava a impressão de um livro nos prelos crúzios19, mostrando-se, nas
semanas seguintes, preocupado com a recepção a prestar ao Cardeal Infante,
14 TT — Corpo Cronológico, Parte 1, Maço 81, Doc. 33.
15 TT — Chancelaria de D. João III, Livro 60, fls. 88v-89.
16 Um manuscrito com os Estatutos da See de Leiria, de 1549, encontra-se no Arquivo do Paço
Espiscopal de Leiria. Vem referido e citado por CRISTINO, Luciano Coelho - “A Diocese de
Leiria-Fátima”, in Catedral de Leiria. História e Arte (Coord. Virgolino Ferreira Jorge), Leiria,
Diocese de Leiria-Fátima, 2005, pp. 47-82, nota 25.
17 Um exemplar desta edição pode consultar-se na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra - R-11-2.
18 BRANDÃO, Mário – Cartas…, pp. 110 e seguintes.
19 BRANDÃO, Mário – Cartas…, Doc. LX.
190 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
que deveria passar por Leiria em viagem para Coimbra20. A 12 de Agosto
seguinte, o bispo referia estar “aguora muito occupado em a visitaçam geral
desta cidade”21.
A 5 de Setembro imediato, D. Brás de Barros revela estar de partida para
Lisboa, cidade onde o encontraremos ainda em Outubro e Novembro22. A 21
de Dezembro desse ano de 1548, contudo, de novo em Leiria, escreve carta
ao prior de Santa Cruz de Coimbra, registando a passagem pela cidade do
cónego regular D. Teotónio, lamentando-se, ainda, das suas indisposições e
do “mal tratado do ouvido”. Doença, ao que sabemos, efectivamente grave,
porquanto, ainda a 9 de Janeiro de 1549, se lhe refere, dizendo andar “em
meãa disposição inda que ando entouquado como soya do ouvido”23. Nesta
mesma carta, o prelado leiriense recomenda aos crúzios o cónego leiriense,
Gonçalo de Sea, capelão do Duque, “homem discreto e muito de bem”, o qual
deveria recolher-se algum tempo entre aqueles conventuais24.
Há pouca informação acerca da actuação e presença de D. Frei Brás de
Barros, em Leiria, nos meses seguintes. Em 15 de Julho de 1551, em carta
que dirigiu ao rei, assinala a chegada a Leiria de Afonso Álvares, o arquitecto
que virá a assinar a traça da nova catedral. O bispo queixa-se de se “nom ver
com idade e forças” para, ele mesmo, “andar com a padiola e cesto servindo
a Deus e a vossa alteza em esta obra”25.
O entusiasmo do primeiro bispo de Leiria, contudo, esmorecerá. É possível, como se referiu, que tenha renunciado ao Bispado em 1553. A aceitação
da renúncia pela Santa Sé, contudo, demorará. A 13 de Julho de 1556, o rei
expediu carta missiva a D. Frei Brás de Barros, dando-lhe notícia da aceitação, pelo consistório pontifício, da sua renúncia ao Bispado, bem como da
morte do bispo que estava proposto para lhe suceder, D. Sancho de Noronha,
pelo que a Sé de Leiria voltava a entrar em vacância26.
Ainda em Julho de 1556, D. João III incumbiu Álvaro Botelho do ofício
de recebedor das rendas do Bispado de Leiria27, ao mesmo tempo em que
apresentou, para provedor da Diocese, ao Doutor Manuel de Almada, do De20 BRANDÃO, Mário – Cartas…, Doc. LXI a LXIII. (Cartas de 6, 11 e 15 de Julho de 1548).
21 BRANDÃO, Mário – Cartas…, Doc. LXV.
22 BRANDÃO, Mário – Cartas…, Docs. LXVII a LXIX.
23 BRANDÃO, Mário – Cartas…, Docs. LXX e LXXI.
24 BRANDÃO, Mário – Cartas…, Doc. LXXI.
25 TT — Corpo Cronológico, Parte 1, Maço 86, Doc. 90.
26 TT — Colecção de S. Vicente, Livro 9, fl. 243.
27 TT — Colecção de S. Vicente, Livro 9, fl. 140.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 191
Reflexões
. história .
. história .
sembargo Régio28. Uma carta régia de 21 de Setembro de 1556, manifesta o
desagrado de D. João III pelas “diferenças” do cabido leiriense com o seu
ex-prelado29, situação que se resolverá somente em 1558, em momento, pois,
posterior ao falecimento do monarca Piedoso, assim se demonstrando que o
velho prelado leiriense mantinha, na corte da rainha viúva D. Catarina elevado valimento e eficaz protecção real. Data de 30 de Agosto deste ano de 1558,
efectivamente, nova carta régia, dirigida a D. Frei Brás de Barros, na qual se
garantia estarem sanadas todas as inquietações e demandas, entretanto renovadas contra ele, pelos capitulares de Leiria30.
Por uma bula de 20 de Dezembro de 1557, o papa Paulo IV, confirmando
a aceitação da renúncia ao Bispado que D. Frei Brás de Barros fizera anos
antes, e a nomeação para o mesmo do novo prelado, D. Frei Gaspar do Casal,
determina que D. Brás continuasse a poder usar e a subscrever-se com o título
de “bispo de Leiria”, estabelecendo-lhe, ainda, uma pensão anual vitalícia,
nas rendas da mesa episcopal leiriense, no valor de 500 ducados de ouro31.
A cobrança desta pensão não terá sido pacífica. Em 1558, D. Frei Brás
de Barros rodeava-se de cautelas forenses, mandando fazer cópias autênticas
da documentação por ele subscrita e ratificada enquanto prelado de Leiria32.
Acautelados os seus direitos e interesses33, D. Brás de Barros passa a fundar
uma série de capelas de missas, por alma dos reis de Portugal, D. João III, D.
Catarina e D. Sebastião, e dos que sucedessem a este, bem como por intenção
sua e das almas de seu pai e de sua mãe, nos principais mosteiros hieronomitas da Estremadura portuguesa34. Nestas fundações pias, fica bem patente não
só a quase exclusiva devoção do primeiro bispo leiriense a Cristo, como o seu
grato reconhecimento aos mencionados monarcas que, de forma incansável,
D. Frei Brás de Barros louva nesses actos.
Dele nos chega, ainda, o testamento, redigido em 22 de Março de 156135,
residindo então no Mosteiro de Nossa Senhora da Pena, em Sintra, onde,
aliás, faleceria uma semana mais tarde36. Transparece na última vontade tes28 TT — Colecção de S. Vicente, Livro 9, fl. 154.
29 TT — Colecção de S. Vicente, Livro 9, fls. 71-72.
30 TT — Colecção de S. Vicente, Livro 10, fl. 397.
31 Veja-se o Doc. 7, deste artigo.
32 Vd. Doc. 9, em apêndice.
33 Vd. Doc. 8, em apêndice.
34 Docs. 6, 10, 11, 12 e 13, em apêndice.
35 Doc. 14, em apêndice.
36 Doc. 15, em apêndice.
192 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
37 GOMES, S. A. – “Algumas Empreitadas Artísticas na Sé de Leiria de Setecentos”, in LeiriaFátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano III, Nº 7, Janº-Abril 1995, pp. 61-76; IDEM - “Oficinas
Artísticas no Bispado de Leiria nos Séculos XV a XVIII”, in Actas do VI Simpósio LusoEspanhol de História da Arte - Oficinas Regionais, Viseu - 1991, Tomar, Escola Superior de
Tecnologia e Gestão de Tomar, 1996, pp. 237-330; IDEM - “Elementos para a História do
Bispado de Leiria nos Séculos XVII e XVIII”, in Leiria-Fátima. Órgão Oficial da Diocese,
Ano XII, Nº 36, Setembro-Dezembro 2004, pp. 333-360; IDEM - Notícias e Memórias Paroquiais Setecentistas. 8. Leiria, Viseu, Palimage e Centro de História da Sociedade e da Cultura
da Universidade de Coimbra, 2009; IDEM - “Capelas e Ermidas na Paróquia da Batalha em
Setecentos”, in Leiria-Fátima. Órgão Oficial da Diocese, Ano XVI, Nº 45, Janeiro-Junho
2008, pp. 153-172.
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Reflexões
tamentária do prelado um sentimento religioso próprio de um frade ascético
e de vocação eminentemente mística, preocupado em garantir todos os meios
para que os encargos piedosos que instituíra fossem efectivamente concretizados. Dos legados que deixou, registemos a doação de 30 cruzados de esmola ao Mosteiro da Madre de Deus, onde se encontrava professa a sua irmã
Soror Inês da Ressurreição, dando nota, uma vez mais, da adesão da sua família aos modelos espirituais marcadamente mendicantes e contemplativos.
Publicamos, aqui, e no seguimento de um labor que vimos prosseguindo
de divulgação e edição das fontes documentais mais antigas relativas à Diocese de Leiria-Fátima37, um conjunto de documentos que pertenceram, na sua
maior parte, ao arquivo pessoal de D. Frei Brás de Barros. Acompanharamno até à hora da morte e permaneceriam durante séculos no arcaz do Mosteiro
de Nossa Senhora da Pena, de Sintra, até que, no século XIX, foram depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Outros documentos há, neste
fundo arquivístico, que interessam à história leiriense e à acção daquele que
foi o primeiro bispo de Leiria nesta veneranda Diocese. A sua publicação,
contudo, aguardará novo e mais oportuno momento.
. história .
DOCUMENTOS38
Doc. 1
1545 AGOSTO, 1, Leiria — Pública-forma do auto da tomada de posse do Bispado de Leiria, por parte de D. Frei Brás de Barros, nela se inserindo os seguintes
actos:
A) 1545 JULHO, 28, Leiria — Auto de posse do Bispado pelo mencionado Bispo.
B) 1545 JUNHO, 13, Évora — Carta de D. João III concedendo o estatuto de
cidade a Leiria.
C) 1545 MAIO, 31, Roma — Breve do papa Paulo III designando D. Fr. Brás de
Barros para primeiro bispo de Leiria.
D) 1545 JULHO, 28, Leiria — Obediência dos curas de S. Miguel de Colmeias,
S. Cristóvão da Caranguejeira, S. Simão de Vila Galega (Litém), Santa Maria de
Vermoil e S. João de Espite ao novo Prelado.
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, 7, documento com as numerações antigas: “M.º 5, Doc. 84” e “Nº 637”.
Jhesus.
Instrumento da posse do Bispado desta nobre cidade de Leiria o qual eu Diogo
Ferrnandez cleriguo de misa e beneficiado na Igreja cathedral de Sancta Maria da
Pena da dita cidade e notayro appostolico pasey ao muito reverendo e muyto magnifico senhor o senhor Dom Frey Brras de Barros bispo della.
38
Principais critérios de transcrição e de edição seguidos:
1) Transcrição do documento em linha contínua.
2) Respeito pela ortografia do texto original, mas normalizando o emprego de maiúsculas e
minúsculas, separando as palavras indevidamente unidas no original e reunindo as sílabas
ou letras de uma mesma palavra que se encontrassem separadas. Estabeleceu-se, para maior
inteligibilidade do texto, alguma pontuação nomeadamente períodos e parágrafos.
3) Desenvolvem-se as abreviaturas, sem assinalar as letras restituídas, mantendo-se a forma
dos numerais.
4) Colocação entre parênteses rectos de tudo o que tenha sido interpretado ou acrescentado ao
texto original, e da palavra [sic ] a seguir aos erros do próprio texto.
5) Colocou-se entre < > palavras ou linhas sobrescritas ou entrelinhadas.
6) Remete-se para nota de rodapé todas as indicações pertinentes que ajudem à leitura do
documento.
7) As dúvidas de leitura assinalam-se por (?).
Quanto a critérios de edição, optou-se por fazer sumários concisos dos teores documentais,
introduzidos por data crónica (ano, mês e dia) e tópica (local). No fim assinala-se a cota documental. Quando útil, introduzem-se observações pertinentes ao quadro da tradição diplomática.
194 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
[B]
Dom Joham per graça de Deus Rey de Portugual e dos Algarves daquem e dalem
mar em Afriqua, Sennhor de Guine e da conquista, naveguação e comercio de Ethiopia, Arabia, Persia e da Indea ctª
A quantos esta minha carta virem faço saber que eu pedi ao Santo Padre que quisese criar e alevantar em See catheral a igreja de Nosa Sennhora da villa de Leiria e
apartar a dita villa de Leiria e seu termo da jurdição do Priorado moor do Mosteiro de
Sancta Cruz de Coimbra que na dita villa e seu termo tinha jurdição episcopal e asi do
Bispado de Coimbra e fazer da dita villa e seu termo bispado. Por me asi parecer ser
serviço de Deus e que convinha ao bom governo da clerizia e povo da dita villa e seu
termo. E a sua sanctidade aprouve de ho asi comceder e de criar e alevantar em see
cathedral a dita igreja de Leiria e fazer o dito bispado como per mim lhe foy pedido.
E querendo eu fazer graça e mercee ha dita villa de Leiria asi pelos ditos respectos
como por seus mericimentos e serviços que a mym e aos Reis meus antecessores tem
feitos e espero que ao diante fação, de meu propio moto e livre vontade me apraz de
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 195
Reflexões
[A]
In nomine Dei nostri Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen.
Saibam quantos este publico instrumento virem que no anno do Nascimento de
Noso Sennhor Jhesu Christo de mil e quinhemtos e corenta e cinquo annos, aos xxbiijº
dias do mes de Julho do sobredito anno em esta cidade de Leiria na igreja de Nosa
Sennhora da Pena matriz della que ora polo Sancto Padre he erguida em cathedral,
sendo em ella presente o muito reverendo e muito magnifico sennhor o Sennhor Dom
Frey Bras de Barros da Ordem do bem aventurado Sam Jeronimo electo em bispo
da dita cidade. E sendo outrosy presente o muito virtuoso padre Dom Dioguo Diãz
coneguo professo do Mosteiro de Sancta Cruz da cidade de Coimbra vigairo geral no
spiritual e temporal da dita cidade e sua jurdiçam pello dito Mosteiro conegos e convento delle vagante do prior ct. E bem asy sendo presentes os beneficiados e cabido da
dita igreja e toda a outra clerezia das igrejas da dita cidade. E sendo outrosi presentes
os muito honrados sennhores o Bacharel Andre Pirez juiz de fora da dita cidade com
alçada por el Rey noso sennhor, e bem asi Ruy Leytam e Alvaro Botelho Caldeira e
Ruy Lopez Sea vereadores e Gaspar Diaz Amo procurador da dita cidade. E sendo
presentes Diogo Botelho fidalguo da casa del Rey noso Sennhor e Dioguo Botelho
Caldeira e Alvaro da Silva e Gualiote Pereira e Dioguo Ferrnandez Neto e Dioguo
Lopez Sea e outros muitos cavaleiros escudeiros e homens bons que soem andar nos
pelouros e governamça da dita cidade e gram parte do outro povo todos chamados e
juntos pera ho auto abaixo declarado.
Loguo ahi por mandado do dito Sennhor Electo foy dado huuã carta del Rey noso
sennhor a Mestre Fernamdo // [Fl. 1vº] tabaliam do judicial na dita cidade e lhe foy
requerido que a lese em alta e inteligivel voz aos sobreditos clerizia e fidalgos e cavaleiros e escudeiros e povo. E elle a leo cujo theor he o seguinte.
Dioguo Fernandez cleriguo de misa e beneficiado na dita igreja de Nosa Senhora
da Pena da dita cidade e notairo appostollico que esto escprivy:
. história .
acrecentar e alevantar a dita villa de Leiria em dignidade e honra e a faço cidade e lhe
comcedo todas as honrras privilegios e liberdades que per direito ella como cidade
deve ter e tem as outras cidades de meus regnos e sennhorios. E por esta mando a
todas minhas justiças que daqui por diante a tenham e ajam por cidade e por tal a nomeem e lhe // [Fl. 2] aguardem todalas honras privilegios e liberdades que as cidades
per direito e minhas ordenações tem asi e do modo que lhe pertemçem e as tem as
outras cidades de meus Regnos e Senhorios.
Dada em a cidade d’Evora a xiijº dias do mes de Junho. Antonio Ferraz a fez.
Anno do Nascimento de Noso Senhor Jhesu Christo de mil e quinhentos e corenta e
cinquo.
A qual trazia huma sobescprição que diz asy:
Carta per que Vossa Alteza faz cidade a villa de Leiria.
A quall carta era escprita em purgaminho e asignada segundo parecia por el Rey
noso sennhor e a treladey da propia e comcertey. Diogo Fernandez notairo appostolico
que ho escprivy.
E lida e pobricada a dita carta per o dito tabalião como dito he foy outrosy per
mandado do dito sennhor dado a mym notairo appostolico abaixo nomeado hum breve
do noso muy Sancto Padre papa Paulo terceiro ora na Igreja de Deus presidente e me
foy outrosi requerido que o lese aos sobreditos clerizia e povo. E eu notayro o ly em
alta e inteligivel voz e seu theor he o seguinte.
Dioguo Fernandez notairo appostolico que ho escprivy:
[C]
Paulus papa tertius. Dilecte fili salutem et appostolicam benedictionem.
Cum nos super oppidum de Leiria olim Colimbriensis diocesis in ciuitatem et ecclesiam beate Marie dicti oppidi in cathedralem sub inuocatione eiusdem beate Marie
certis tunc expressis modo et forma de factum nostrorum consilio appostolica auctoritate erexerimus et instituerimus ac illi sic erecte et institute tunc a primeua erectione
huiusmodi vaccanti de persona tui et tunc fratris sancti Hieronimi secundum instituta
sancti Augustini ordinem predictum expresse professi nobis et eisdem fratribus obtuorum exigentiam meritorum accepta de simili consilio dicta auctoritate prouiderimus.
Teque proquo charissimus in Christo filius noster Joannes // [Fl. 2vº] Portugaliae et
Algarbiorum rex ilustris nobis super hoc per suas literas humiliter supplicauit illi in
episcopum prefecerimus et pastorem curam et administrationem ipsius ecclesie Leirenensis tibi in spiritualibus et temporalibus plenarie committendo. Nos ne interim dum
litere appostolice super erectione et institutione ac prouissione et prefectione predictis
expediuntur dicta eccllesia Liriensis39 in eisdem spiritualibus uel temporalibus aliqua
detrimenta subtineat prouidere ac commoditatibus tuis impremissis consulere uolentes tibi ut vigore presentium possessionem seu quasi regiminis et administrationis ecclesie Leiriensis apprehendere ac illius mense episcopalis fructus reditus et prouentus
39
Sic.
196 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
E lido asy per mim o dito breve logo pello dito sennhor foy dito aos sobreditos que
elle vinha a tomar posse da administração do Bispado da dita cidade da maneira que se
continha no dito breve e que portanto lhes requeria da parte do dito Santo Padre e del
Rey noso sennhor que lha desem segundo continemçia do dito breve e que requeria a
mim notayro e ao sobredito tabalião que de todo o que pasase acerqua do auto da dita
pose lhe desemos cada hum seu instrumento publico e os que mais lhe comprisem de
hum theor.
E logo o dito sennhor electo se sayo fora da dita igreja e os sobreditos vigairo e
clerizia com sua cruz alevantada em procisão e forão receber a porta della e o levaram asi em procisão cantando o cantico do Te Deum laudamus, ate ho altar moor da
dita igreja. E acabado o dito cantico e dita a oraçam pello vigairo foy levado ao altar
<mor> e lhe foy pollo dito vigairo dado hum turibulo com lume e incensso pera oferecer e incenssar o dito altar e cruz em signal da entregua da posse.
E logo o levarão ha sentar em huã cadeira que se ahi pos no meyo da dita capela
coberta e ornamentada como convem ha dignidade episcopal cuja posse tomava e
asentado se pos em giolhos diante delle o dito vigairo e lhe entregou as chaves da dita
igreja e asi avara e, signal da entregua da jurisdição eclesiastica no spiritual e temporal
que tinha do prior moor do mosteiro de Sancta Cruz de Coimbra a que dantes pertemcia dizendo: — Que obedecendo elle aos mandados appostolicos elle lhe entregava
e dava posse da dita igreja e jurisdição sobredita e lhe prometia obediemcia asy e da
maneira que a elle prometera ao prior moor do dito mosteiro de Sancta Cruz quando
o provera da ditã vigairaria e lhe cometera a dita juris // [Fl. 3vº] diçam como elle de
direito pode e deve prometer e manter.
E o dito Sennhor tomou a ditã vara e chaves e de sua mão lhas tornou a entreguar
e cometer a jurisdição como a seu vigario geral no bispado da dita cidade pera a ter
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Reflexões
exigere libere et licite valeas in omnibus et per omnia perinde ac si super erectione
institutione prouissione et prefectione huiusmodi litere appostolice predicte expedite fuissent eadem auctoritate tenore presentium de speciali gratia indulgemus. Mandantes dilectis filis capitulo et vassalis eiusdem ecclesie Liriensis ac clero et populo
ciuitatis et diocesis Liriensis ut tibi tanque patri et pastori animarum suarum humiliter
intendant et tua salubria mandata suscipiant et eficaciter adimpleant. Ipsique vassali
consueta seruitia et iura tibi ab eis debita integre exhibeat. Alioquin sententiam siue
penam quam rite tuleris seu statueris in rebelles ratam habebimus et faciemus auctore
Domino usque ad satisfactionem condignam inuiolabiliter obseruari non obstantibus
felicis recordationis Bonifacii pape octaui predecessoris nostri que incipit In uincte
ac aliis constitutionibus et ordinationibus appostolicis eceterisque contraris quibuscumque uolumus autem pro infra sex menses a data presentium conputando literas
appostolicas super erectione institutione prouissione et prefectione predutis sub plumbo in totum expedire et iura camere appostolice ac aliis sex mensibus // [Fl. 3] elapsis
erectio institutio prouisio et prefectio prefacte nulle sint et cetª censeatur eo ipso.
Datum Rome apud Sanctum Petrum sub annullo piscatoris die ultima Maii. D.
XXXV. Pontificatus nostri anno undecimo.
. história .
como a tinha emquanto elle nom ordenasse outra cousa. E loguo todolos curas beneficiados e cleriguos vierão hum e hum a dar lhe a obediemcia em giolhos beyjando lhe a
mão com a seu prelado e supperior e outro tanto fezerão os oficiães, scilicet, Francisco
Ferreira meyrinho e prometor e procurador do ecclesiastico, o qual lhe entregou a
vara e pella semelhante maneira a tornou a receber da sua mão. E bem asy Pedre Anes
notairo e Francisco Caçapo escprivães do auditorio ecclesiastico. E Alvaro Fernandez
contador e emqueredor do dito auditorio.
E dada a obediencia polos sobreditos como dito he se vierão ha dita capela o juiz
e vereadores e procurador do concelho acima nomeados e per Ruy Leytão vereador
mais velho foy dito que elle em nome do juiz e vereadores que eram da dita cidade
e em nome do povo dela em comprimento do mandado do Sancto Padre e del Rey
noso senhor como obedientes filhos e vassalos recebiam sua senhoria por seu prelado
e prometião de o conhecer e reconhecer por tal daquy em diante asy e da maneira que
ate o presente Reconhecerão o prior moor do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra de
cuja jurdição o Santo Padre os ora desobrigou e absolveo.
E pellos auctos acima ditos ouverão huns e outros por dada inteiramente a posse
do dito bispado novamente erguydo e criado ao dito sennhor e de toda sua jurisdição
e direitos asi e da maneira que se conthem no breve do Sancto Padre cuja substamcia
depois de lido lhe foy declarado em lingoagem pera os que não entendião latim. E
o dito senhor electo se ouve por envestido na dita posse pellos sobredictos auctos e
Requereo a mym notairo appostolico e ao dito tabeliam que lhe passasse // [Fl. 4] mos
cada hum seu instrumento.
Testimunhas que ao todo forão presentes roguados e requeridos: Dioguo Botelho
fidalguo e Dioguo Fernandez Neto e Gualiote Pereira e Alvaro da Silva fidalgos moradores na dita cidade.
E eu Diogo Fernandez notairo appostolico que ho scprivy.
[D]
E loguo no dito dia xxbiijº dias de Julho do dito anno de mil e bc e corenta e cinquo
annos nesta cidade de Leiria na cerqua della nas pousadas onde pousa Sua Senhoria
perante elle logo hi forão presentes Joham Alvarez de Lemos conego dos antigos do
Mosteiro de Santa Cruz e cura que he das Colmeas da igreja de Sam Miguel. E bem
asi Sistus da Cunha capelão de Sam Christovão da Cranguegeira. E Dioguo Alvarez
cura da igreja de Sancta Maria da Vermoil. E Antonio Gonçalvez cura da igreja de
Sam Simão de Villa Gualegua. E Gaspar Doayros cura de Sam Joham d’Espite, todo
termo da dita cidade. E per todos elles e cada hum per sy foy dito que eles eram
curas das sobreditas igrejas que ate o presente forão do Bispado de Coimbra e estavão
postos ao presente pollo Cabido a see vagante, que ora vinhão prometer obediemçia
a Sua Senhoria como curas das ditas igrejas e se asentarão diante delle em giolhos e
lhes entregarão suas cartas de cura em signal de pose das ditas igrejas. E diseram que
elles prometião ao dito sennhor obediemcia asy e da maneira que a tinhão prometida
ao bispo da dita cidade de Coimbra e ao seu cabido, ora a see vagante. E o dito senhor
lhe tomou as ditas cartas e lhes tornou a cometer a cada hum a cura da igreja que tinha
198 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
emquanto elle nom mandase outra cousa. E por estas cousas ouve por tomada a posse
das ditas igrejas e as ouve por emcorporadas e unidas ao Bispado desta dita cidade
a que o Santo Padre as emcorporara e unira e requereo a mym notayro que dello lhe
passasse este instrumento com o mais acima contheudo.
O qual instrumento eu Dioguo Fernandez cleriguo de misa e beneficiado na igreja
cathedral de Nosa Senhora da Pena desta dicta cidade e notayro appostolico Auctoritate appostolica pasey a sua Reverendissima Sennhoria a seu requirimento. O qual
vay // [Fl. 4] escrito em sete laudas todas de huma letra escriptas per mym por a todas
estas cousas ser presente, roguado e requerido pera fazer este auto da posse donde tirey este instrumento por ho auto propio ficar em meu poder. O qual vay sem borradura
nem vicio sospeitoso antes carecente de todo vicio que sospeita faça. O qual pasey e
acabey ao dito Sennhor o primeiro dia do mes d’Agosto do dito anno de 1545. E vay
comcertado com o proprio com o padre vigairo. Em o qual meu publico signal fiz que
tal he (sinal).
Pagou nichil.
Doc. 2
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, documento com as
numerações antigas: “Mº 5, Nº 75” e “Nº 620”.
Saibham quantos este instromento d’escambo e entregua e consentimento virem
que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jhesuu Christo de mil e quinhentos e
quarenta e oito em os onze dias do mes de Junho do ditõ anno em a cidade de Leiria
e egreja de Sam Pedro da cerqua dela, onde ora he a residencia do cabido da ditã
cidade, estando ahi presentes o muito reverendo e catholico senhor o senhor Dom
Bras de Barros per merce de Deos e da Sancta Igreja de Roma bispo da ditã cidade e
do conselho del Rei nosso senhor e os muito egregios e religiosos padres dignidades
coneguos e cabido da ditã See, scilicet, Christovão Pereira arcediaguo em ella e Yoão
Lopez e Dioguo d’Azambuja, Guaspar Neto, Vicente Leitam e Eitor Rodriguez e Sebastiam Ferreyra coneguos em a ditã See, e bem assi Pedre Anes Cerqua e Yoão Diaz
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Reflexões
1548 JUNHO, 11, Leiria, Igreja de S. Pedro — D. Frei Brás de Barros e o cabido da Sé de Leiria estabelecem entre si acordo de troca das rendas das ermidas e
igrejas curadas do Bispado, ficando ao cabido metade das ofertas da mesa episcopal
em todas as ermidas, excepto a de Nossa Senhora do Fetal, reservada ao prelado,
recebendo, o dito bispo, por seu lado, a metade das ofertas capitulares nas igrejas
curadas fora da cidade. Mais se concordaram, para cumprimento das 46 rações estabelecidas na instituição do Bispado, a que faltavam três, em obtê-las das rendas da
terça episcopal de S. Simão de Espite e outras mais, da mesma mesa, nomeadamente
metade da renda dos aniversários, falhas e portas das igrejas do corpo de cidade. Todas estas rações só seriam pagas desde que os beneficiados servissem efectivamente
os seus ofícios.
. história .
e Miguel Luis, Guaspar Antunez, Yoam Alvarez, Joam d’Evora, Dioguo Rodriguez,
Sebastiam Gonçalvez, Pero Fernandez, Francisco Pirez, Guaspar Rodriguez, Joam
Pirez d’Amor, Gregorio Couceiro, Fernam de Leirea, Alvaro Lopez, Dioguo Diãz,
Christovão Jorge, todos beneficiados antiguos da igreja de Nossa Senhora da Pena
da ditã cidade, em cabido e cabido fazendo per som de campãa tangida segundo seu
boom custume.
E loguo per elles juntamente foi ditõ em presença de mym notairo e das testemunhas abaixo nomeadas que querendo elles por serviço de Nosso Senhor paz e concordia de todos evitar a desordem que se faz per os rendeiros em arrequadação das offertas que se partem per meo entre elle senhor bispo e o dicto cabido e beneficiados em as
hermidas e igrejas curadas deste bispado am por bem d’escambar como de feito loguo
escambaram de dia de Sam Joam Baptista que ora vem este presente anno pera todo
sempre as ditas ofertas per a maneira seguynte, scilicet, que o dito senhor bispo solta e
da como de feito soltou e deu ao ditõ cabido e beneficiados a metade das offertas que
elle tem e pertencem a sua mesa episcopal em todas as hermidas que estam fundadas
e ao diante se fundarem em esta cidade e limite em que o prior moor de Sancta Cruz
da cidade de Coimbra tinha jurisdição epicopal, escepto Nossa Senhora do // [Fl. 1v]
Fetal que ha de fiquar toda com o ditõ senhor bispo e seus socessores. A qual metade
das ditas ofertas com a outra metade que elle cabido e beneficiados ja levavam em as
ditãs hermidas se applicara deste ditõ dia de Sam Joam Baptista que em boa ora vira
em diante pera sempre a sua mesa capitular e beneficiados em sua vida.
As quaes offertas lhe assi deu e scambou per outra metade das offertas que elle
cabido e beneficiados tem em todas as igrejas curadas que ora sam fundadas e ao
diante se fundarem fora da dita cidade em o ditõ limite. As quaes com outra ametade
que o ditõ senhor bispo tem nas ditas igrejas curadas que ora sam fundadas e ao diante
se fundarem elle ditõ senhor bispo e seus successores levem do ditõ dia de Sam Joam
pera sempre e mandem arrequadar inteiramente pera a sua mesa pontifical, sem elles
cabido e beneficiados entenderem em ellas nem em pouquo nem em muyto.
E elles ditõ cabido e beneficiados levem inteiramente do ditõ dia de Sam Joam em
diante pera sempre toda a renda de todas as hermidas fundadas e que ao diante se fundarem 40 em o ditõ limite como ditõ he, sem elle ditõ senhor bispo e seus socessores
nem seus officiães entenderem em ellas nem em pouquo nem em muyto.
O que todos ouveram por bem, afirmaram e consentiram, aprovaram e ouveram
por feito o ditõ scambo do ditõ dia pera sempre. E o ditõ senhor bispo ouve o ditõ
cabido e beneficiados por a parte que lhe cabe em sua vida por metidos em posse
das offertas das ditas hermidas inteiramente. E os ditõs cabido e beneficiados outrosi
ouveram o ditõ senhor bispo e seus socessores por metidos em posse das offertas das
ditas igrejas curadas que ora sam fundadas e ao diante se fundarem asy e da maneira
que acima he ditõ. E porque de todo a huuns e outros aprouve e acceptaram este scambo cada huum por a parte que lhe cabia se obrigaram a o fazer sempre boom e valioso
como em elle he contheudo.
40
Riscou: “como ditõ he”.
200 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
E alem desto per o ditõ senhor bispo foi dito que em a instituição que per comissão do Sancto Padre per elle // [Fl. 2v] fora feita com comselho del Rei nosso senhor
sobre as cousas toquantes ao cabido da ditã See, entre outras fora provido que pera se
encherem as quarenta e seis reções com as duas dos priostes que neste numero entram
de que se ha de fazer repartição das rendas do cabido entre as trinta e seis pesoas que
estam instituidas pera o serviço da ditã See per vacação dos beneficiados, elle, por
faltarem tres reções, as entreguase pera renda da terça de Sam Simão que foi do bispo
de Coimbra, e per outra renda de sua mesa episcopal.
Por a qual razão elle ora dava e apartava como de feito deu e apartou pera comprimento das ditãs tres reções de dia de Sam Joam Baptista que ora vem em este presente anno pera todo sempre a renda da ditã terça de Sam Simão sem custos alguuns,
excepto os de sua arrequadaçam e carretos 41 mais toda a metade que elle bispo tem e
pertence a sua mesa pontifical da renda dos anniversarios e falhas e portas das igrejas
do corpo da ditã cidade, scilicet, da See ou doutra qualquer igreja onde residir da
maneira que as elle e seus amtecessores tee ora possuiram. Com tal entendimento
porem que o cura da See ou da igreja em que residir o cabido e beneficiados em as
distribuições que se fizerem entre o cabido e beneficiados de todas as offertas que
vierem a ditã See ou a igreja onde residir o cabido em que for presente com o defunto
soomente aja sempre huuã reção como cada huum dos beneficiados, alem do vinho e
obrada que ora levam os curas.
As quaes rendas per a avaliação que foi feita per louvados se acharam que mui
bem podiam suprir as ditãs tres reções, as quaes o ditõ senhor bispo ouve por entregues per as ditãs rendas ao dito cabido e beneficiados. E per vertude deste instrumento
os ouve por metidos em posse delas do dito dia de Sam Joam pera sempre como dito
he. E o dito cabido e beneficiados consentiram em o sobredito e foram de todo contentes e acceptaram assy // [Fl. 2v] as ditãs rendas por as ditas tres reções, e prometeram
que des o ditõ dia de Sam Joam Baptista primeiro que em boa ora vem fazerem a
repartição de quarenta e seis reções com as duas dos priorstes per a guisa que em a
dita instituição se contem.
E asy prometeram de dar do ditõ dia em diante huma reçam a cada coneguo que
foi beneficiado. E a cada huum dos beneficiados antigos outra asi e da maneira que
a sempre ouveram. E depois assy das ditãs tres reções acrescentadas e das vacantes
como dos coneguos e beneficiados e dignidades absentes, dar as dignidades que foram presentes e interressentes duas reções. E deshi aos moços do choro e officiães da
igreja e quartenarios o que lhes vem per a ditã instituição.
E ultimo aos coneguos dar outra reçam que em a ditã instituição lhe he dada,
depois de os sobreditos dignidades, moços do choro, officiães da igreja e quartenarios serem cheos, nom prejudicando em esta repartyição aos fructos dos beneficiados
antiguos, nem ao que entre elles cabido e beneficiados antiguos esta determinado per
huum contracto e amigavel composição que entre elles he feito.
41
Sublinhou as linhas que se seguem até “scilicet”. Na margem esquerda da página lê-se: “Renda
que o bispo apartou da sua mesa para o cabido.”
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Reflexões
. história .
. história .
Porem as ditas repartições nom se faram entre os ditõs dignidades, coneguos,
beneficiados, quartenarios, moços de choro e officiães salvo per os presentes e interessentes e que cumprirem suas obriguações, porque os que nom forem presentes e
interessentes seram multados pro rata em os fructos de seus beneficios ou em a valia
deles, pera o que se fará honesta avaliação de cinquo em cinquo annos per aqueles
que o cabido e beneficiados o commeterem per seu juramento, como per huã provisão
sinada per o ditõ senhor bispo esta sentado.
42
E bem assi ouve o ditõ senhor por entregues aas dignidades e cabido soomente
as rendas das terças das igrejas de Spite, Cranguejeira e Colmeas que soya levar o
bispo de Coimbra e Sua Sanctidade appostolica a mesa do ditõ cabido, e aguora per
elle senhor bispo com conselho del Rei nosso senhor, a que sua sanctidade o cometeo,
foram applicadas com nome de prestemos as cinquo dignidades soomente, as quaes
remdas // [Fl. 3] que eles ham de ganhar como os conegos e beneficiados tambem am
de ganhar toda sua renda sendo presentes e interessentes como acima ditõ he.
As quães rendas das ditãs tres terças assi applicadas as ditãs cinquo dignidades
elles ditõs dignidades am de levar sendo presentes e interessentes como ditõ he, alem
das duas reções que lhes am de ser satisfeitas per as sobreditãs reções que se ora
acrescentaram ou per as que vaguarem ou per os que forem absentes como acima he
delarado.
E estes tee todo o numero das trinta e seis pessoas que am de servir em a Igreja ser
cheo como mais compridamente em a instituição se conthem. E cheo o ditõ numero
o que remanecer dos absentes e nom interessentes, 43provido que a Igreja nom padeça
detrimento das pesoas que a am de servir como se conthem em a instituição, se repartiraa pro rata per os dignidades, coneguos, meos conegos, quartenarios, moços de
choro e officiães interessentes.
As quães rendas as ditãs dignidades e cabido acceptaram em si e consentiram em
esta entregua e em o contheudo acima. E se ouveram por entreges e empossados delas
do ditõ dia de Sam Joam pera sempre. E o ditõ senhor bispo e dignidades e cabido e
asy beneficiados prometeram de todo em este escambo entregua e consentimento ter,
manter e cumprir segundo que a cada huum toqua e em a parte que a cada huum cabe
sob obrigaçam de seus beens rendas e fasenda que pera ello cada huum per si e todos
juntamente obriguaram.
44
E assy o ditõ senhor bispo por si e seus socessores como os ditos dignidades coneguos e cabido juraram aos Sanctos Evangelhos per suas mãos toquados em presença
de my[m] notairo e testemunhas de todo cumprirem como aqui he declarado dito e
consentido per elles segundo o que a cada huum toqua. E de nom serem em dito nem
feito nem em consentimento nem conselhos de se quebrar o acima dito e consentido
sob pena de fiquarem infames e perjuros e pagarem duzentos // [Fl. 3v] cruzados
d’ouro a metade pera a camara apostolica e a outra pera quem os acusar. E por tanto
Na margem esquerda: “Nota”.
Linhas sublinhadas desde aqui e até: “conthem em a instituição”.
44
Na margem esquerda: “Nota”.
42
43
202 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
mandaram e outorgaram ser feito este instrumento em esta nota e dela dar huum e
quantos forem necessarios e as partes a que toquar quiserem.
Testemunhas que eram presentes: Yoam de Figueiró clerigo de missa morador em
a ditã cidade, e o Bacharel Antonio Fernandez cappellão do ditõ senhor bispo, e Yoam
Monteiro clerigo de missa outrosi morador em a ditã cidade.
E eu Fernam Danta cleriguo de myssa natural da dita cidade notairo apostolico
apostolica auctoritate que a todo com as ditas testemunhas presente fuy e em minha
nota tomei, donde estre transunto <pera o senhor bispo> bem e fielmente tirei com o
riscado que dizia como dito he, e aqui de meu publico sinal sinei que tal he, em ho ditõ
dia, mes e anno ut supra. Roguado e requerido. (Sinal).
(Assinatura)
Ferdinandus Danta notarius apostolicus.
Nom duvidem na entrelinha que diz pera o senhor bispo que eu notairo a fiz e
portanto sinei aqui de meu sinal raso.
(Assinatura)
Fernam Danta.
Doc. 3
1548 JUNHO, 20, Leiria, Casa Episcopal — O Licenciado Luís Machado, tesoureiro da Sé de Leiria, aprova e ratifica o contrato estabelecido por D. Frei Brás de
Barros com o Cabido da Sé de Leiria sobre a repartição das rendas das ofertas das
ermidas e igrejas do Bispado.
Saibham quantos este instrumento de aprovação, outorgua e ratefiquação de contracto d’escambo entrega e consentimento virem como no anno do nascimento de
Nosso Senhor Jhesuu Christo de mil e quinhentos e quarenta e oito em os xx dias
do mes de Junho do ditõ anno em a cidade de Leiria e casas do muito reverendo e
catholico senhor, o senhor Dom Bras de Barros bispo da dita cidade, estando presente
o ditõ senhor e outrosi o Licenciado Luis Machado, thesoureiro na See da ditã cidade,
em presença de mym notairo e das testemunhas ao diante nomeadas per o ditõ Luis
Machado foi ditõ ao senhor bispo que a sua noticia viera que em os onze dias do ditõ
mes se fizera huum contracto de scambo, entregua e consentimento entre sua senhoria
e seu cabido sobre certas cousas que em o ditõ contracto atras proxime scrito mais
largamente se contem. E por elle ao ditõ tempo ser absente ao fazer do ditõ contracto
pedira a sua senhoria lho mandase mostrar e ler. E loguo o ditõ senhor bispo mandou
a my notairo que lho lesse e lho li de verbo ad verbum em presença das testemunhas
abaixo scriptas. E lido por elle Luis Machado foi ditõ que elle como parte que he em
o ditõ cabido por ser thesoureyro na ditã See, por sentir o ditõ contracta ser feito em
proveito da ditã See e cabido elle por sua parte o aprovava, outorguava e ratefiquava
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Reflexões
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, documento com as
numerações antigas: “Mº 5, Nº 76” e “Nº 631”.
. história .
e em todo e per todo o avia por firme e valioso, rato, grato deste dia pera todo sempre.
E consentia em todo o em elle contheudo. E jurou aos Sanctos Evangelhos per sua
mão toquados de em todo cumprir e manter o ditõ contracto sob as penas em elle contheudas pera o que obrigou seus beens, rendas e fazenda. // [Fl. 1v] Em testemunho do
qual mandou fazer este presente instrumento nesta nota e della pasar os instrumentos
necessarios.
Testemunhas que eram presentes: Francisco de Sam Migel e Yoam de Figueiro
capellaes do dito senhor e quartanarios em a ditã See. E eu Fernam Danta clerigo de
missa, natural da ditã cidade, notairo apostolico apostolica auctoritate que a tudo com
as ditãs testemunhas presente fuy e em minha nota tomey donde este transunto bem e
fielmente tirei e em elle de meu publico sinal sinei que tal he. (Sinal). Dia, mes e anno
ut supra. Rogado e requerido.
(Assinatura)
Ferdinandus Danta notarius apostolicus.
Doc. 4
1548 JULHO, 21, Leiria, Casa Episcopal — Lopo de Barros, deão da Sé de Leiria, aprova e ratifica o contrato estabelecido por D. Frei Brás de Barros com o Cabido da Sé de Leiria sobre a repartição das rendas das ofertas das ermidas e igrejas
do Bispado.
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, documento com a
numeração antiga: “Mº 5, Nº 77”.
Saibham quantos este intrumento de aprovação, outorgua e rateficaçam de huum
contracto de scambo entregua e consentimento virem que no anno do nascimento de
Nosso senhor Jhesuu Christo de mil e quinhentos e quarenta e oito em os xxj dias do
mes de Julho do dito anno em a cidade de Leiria e casas do muito reverendo e catolico senhor o senhor Dom Bras de Barros bispo da ditã cidade e do conselho del Rei
nosso senhor hi era presente // [Fl. 2] o Licenciado Lopo de Baros dayam em a See da
dita cidade e disse perante my notairo e testemunhas abaixo scritas que a sua noticia
viera que em os xj dias do mes de Junho passado deste presente anno se fizera huum
contracto de scambo, entregua e consentimento entre o ditõ senhor bispo e seu cabido
sobre certas cousas que em o dito contracto atras proxime scrito se contem. O qual
contracto o dito senhor bispo ja lhe mostrara e elle per si lera de verbo ad verbum e por
sentir ser proveito do dito cabido e See, elle como cabeça que era dele por ser dayam
avia o dito contracto por bom, firme e valioso, rato, grato deste dia pera todo sempre e
o outorguava, approvava e ratifiquava e consentia em todo o em elle conteudo. E jurou
aos Sanctos Evangelhos per suas maos tomados em presença de my notairo e testemunhas de em todo manter e cumprir o dito contracto sob as penas em ello conteudas
pera o que obrigou seu beens, rendas e fazenda. Em testemunho do qual mandou fazer
este instrumento em esta nota e dela dar huum e quantos fossem necessarios.
204 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
Testemunhas que eram presentes: Christovão Pereira, arcediaguo em a dita See
e Afonso Barroso, criado do dito senhor bispo. E eu Fernam Danta clerigo leiriensis
notairo apostolico apostolica auctoritate que a todo com as ditas testemunhas presente
fuy e ouvy e em a ditã nota tomey donde este instrumento bem e fielmente tyrei e
em elle de meu pubrico sinal screvi que tal he. Dia mes e anno ut supra. Roguado e
requerido. // [Fl. 2v]
E cabido, em que concedeo sua senhoria a metade das offertas e dotou os frutos
das tres rações que faltavam e do modo como se ham de repartir.
Doc. 5
1548 AGOSTO, 19, Leiria -1549 JANEIRO, 26, Leiria, Casa Episcopal — Estatutos do Cabido da Sé de Leiria aprovados pelo bispo D. Brás de Barros e pelas
dignidades e cónegos capitulares da mesma Sé.
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, documento com as
numerações antigas: “M. 5. Nº 85” e “Nº 628”.
Primeiramente statuimos e ordenamos que daqui em diamte aja esta See e igreja
cathedrall de Nosa Senhora da Pena desta cidade de Leiria dous livros emcadernados
com as folhas comtadas e hem hum delles estarão escritos todos os statutos della, e em
outro os juramentos. E quallquer dignidade, coneguo, meo coneguo e quartanayro que
de novo em esta igreja for provido dallguum beneficio e novamente a ella vier pera o
servir antes que seja escryto no livro das taboas do cabido pera poder ser comtado, vemcer e receber os fructos, reditos, provemtus das destribuições cotidianas e quaequer
emollomentos de seu benefficio seraa obriguado a veer e leer todos os estatutos da
igreja imffra escrytos pera que tenha delles noticia e saiba as cousas a que he theudo
e obrigado e nom posa pretemder ignoramcia.
E depois que asi tiver vistos e lidos os ditos estatutos seraa obriguado jurar tocamdo co[r]porallmente os Samtos Avangelhos nas mãos do dayão, ou de quallquer
presidemte que emtão for no cabido, de ter, comprir e guardar os ditos estatutos asi
e da maneira que se nelles comtem e na forma abaixo scripta segumdo os presemtes
outrosy jurarão. O quall juramento se tomara e fara na casa do cabido e em dia que se
fizer cabido e não em outro lugar nem em outro dia.
E este[s] estatutos com todos os que ao diamte se fizerem que forem asinados por
o cabido foram feytos d’acordo e comsemtimento delle cabido e per o muyto catholico senhor Dom Bras de Barros noso prellado e primeiro bispo desta See de Nosa Se| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 205
Reflexões
Estatuto prymeiro de como deve jurar, veer e ler todos os estatutos todo o dignidade coneguo ou beneficiado que novamente começar servir seu beneficio e a forma
do juramento.
. história .
nhora da Pena. E porem todos os estatutos que asi forem feitos se elle vir que compre
serão emmendados 45 em comselho dell Rey noso senhor per elle ditõ senhor bispo
alias os ditos estatutos não terão vigor e serão nullius momenti.
Doc. 5, fl. 1v: pormenor das assinaturas autografas.
E per a dita maneira se obrigarão a o comprir como ditõ hee sub pena prestiti juramenti comtheudo em suas comffirmações e sob // [Fl. 1v] as mais penas comtheudas
em o comtrato que com ho dito bispo tem feyto.
Fernam Danta cleriguo leiriensis notairo apostolico apostolica auctoritate que a
tudo fuy presente e este estatuto fiz screver com o riscado que diz comfirmados e sobesprevi. E o dito senhor bispo ouve 46 por confirmado e mandou que daqui em diante
se cumprisse e afirmou que sua alteza o averia asy por bem.
E sinaram todos em os 19 dias do mes de Agosto der 1548.
Nom duvidem em o riscado que diz este statuto. Fernam Danta o screvy.
(Assinaturas)
O Bispo de Leirea.
Luis Machado.
Yoam Lopez.
Dioguo d’Azambuja.
Gaspar Nepto da Costa.
Eitor Rodriguez.
45
46
Riscado: “e comffirmados”.
Riscado: “este statuto”.
206 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
Christovam Pereira, Arcediago de Leirea.
Sebastiam Ferreira.
Estatuto segundo que nenhuum beneficiado em esta See que não for de ordens
sacras e souber camtar seja comtado em mais de metade da remda de seu beneficyo.
Item por serviço de Noso Senhor e proveito desta Igreja e See de Leiria e por
evitar as desordeens e escandallos que saem de alguns beneficiados em muitas igrejas
por causa de se não hordenarem de ordeens sacras nem saberem camtar, hordenamos
e statuimos que o custume que de amtiguo se guardou em esta Igreja tee o presemte
acerqua das ditas hordeens sacras e camtar se guarde daqui em diamte pera sempre,
scilicet, que nenhuma dignidade, coneguo ou beneficiado que em o collego [sic] desta
Igreja for provido tee seer ordenado d’ordeens sacras e saber camtar não seja comtado
em mais que em a metade da remda de seu beneficio. E semdo de ordees sacras // [Fl.
2v] e achado por o prellado suficiemte em o camto avera todo por imteiro.
E porem quanto ao camto não havera lugar em os letrados que estudarem em
a Universidade de Coimbra em teeologia e canones e que for certo que em as ditãs
faculldades tem homze ou doze annos annos [sic] d’estudo em a ditã Universidade
porque aos taes basta saberem dizer mysa cantada e vamgelho e epistolla e psallmear
das cadeiras com os outros. E posto que as dignidades que ao presente são ajão comprido parte do ditõ tempo em outros estudos guozarão da ditã liberdade como se todo
ho comprirão em a dita Universidade de Coimbra. E todo ho sobredito estatuto 47 feito
por o senhor bispo d’acordo e comsemtimento do cabido e prometerão elle cabido de
guardar e comprir sob pena prestiti juramenti em suas comfirmaçoes comtheudo como
em o stauto atras dito hee.
Fernam Danta clerigo leiriensis notairo apostolico apostolica auctoritate que a
tudo foy presente e este estatuto fiz escrever e sobescrivy.
E o ditõ senhor bispo o ouve por confirmado e mandou que se comprise sob as
penas em o statuto atras e em este contheudas e todos sinaram aqui. Oje xix dias do
mes d’Agosto de 1548.
47
Riscao: “foi”.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 207
Reflexões
† Forma do juramento.
Em os tamtos dias de tall mêes de tal anno dise e declarou foam dinidade tall
coneguo meo coneguo ou quartanario desta See de Leiria que elle vira, lera e emtemdera os statutos della, a quall ora novamente era vimdo. E polo juramento dos Samtos
Avamgelhos, que por sua mão toquou em mãos do dayão ou de foam presidemte, prometeo de guardar e cumprir os estatutos asy e da maneira que se nelles e cada huum
delles comthem. E prometeo de os dar a sua devida execução. Testemunhas que erão
presemtes, foam.
O quall juramento que cada huum fizer se escrevera por huum escryvão do cabido
em o dito livro dos juramentos e asinarão em elle aquelle que jurar e quem der o tall
juramento e asi as testemunhas que em elle se nomearem.
. história .
(Assinaturas)
O Bispo de Leirea.
Luis Machado.
Yoam Lopez.
Dioguo d’Azambuja.
Gaspar Nepto da Costa.
Sebastiam Ferreira.
Eitor Rodriguez. // [Fl. 3]
Doc. 5, fl. 2v: pormenor das assinaturas autografas.
Que nenhuum beneficiado seja comtado em mais de metade ate saber ao menos
gramatiqua, estatuto terceiro.
Item emademdo ao estatuto sobredito, constiuiçoes e ordenaçoes d’acordo e comsemtimento do ditõ cabido que nenhuum beneficiado em esta Igreja de qualquer calidade e preminencia que seja se comtem em mais de metade da remda de seu beneficio
salvo depois que per certidão do prelado for notoryo ao cabido e priostes como o tall
(precedendo o exame necesario) foy achado suficiente em emtemder latim em modo
que ao menos <saiba> gramaticalmente construir ho que se lee em a Igreja.
Do numero das dignidades, conegos, meos conegos, quartanarios e da maneira
de preceder e não ter dous beneficios e dos que tem voz em cabido, estatuto quarto.
Item porque em esta instituição que autoritate apostolica de comselho dell Rey
noso senhor fezemos em o principio de nossa pormoção que esta aceptada per 48 o
cabido foy provido que em a dytã Igreja ouvesse trymta beneficiados, scilicet, cimquo
dignidades, dez conegos, dez meos conegos e cinquo quartanarios e aas dignidades
soomente forão asynadas precedemcias emtre huuns e os outros estatuimos e ordenamos d’acordo e comsemtimento do ditõ cabido que emtre os conegos precedão as
48
Na margem esquerda: “Aqui esta a primeira constituição”.
208 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
Da hordem por que am de administrar os sanctos sacramentos.
Item posto que em a instituição desta Igreja seja cauto que o cura acompanhado
dos meos coneguos e quartanarios administraram 49 os samtos sacramentos da cumunhão e unção aos emffermos, e as dinidades conegos e meos conegos cumffesarão
per ordenamça do bispo, nos d’acordo e comsemtimento do ditõ cabido, declaramdo
e emademdo mais em favor da ditã instituiçam, hordenamos e instituimos que quando
os taes sacramentos, scilicet, da samta comunhão e unção se levarem aos emfermos
que esteverem em a cidade ou 50 <em lugares contiguos a ella> que sejão os curas que
os levarem acompanhados ao menos de quatro beneficiados e de huum moço do coro.
E a metade destes quatro seram das dinidades e conegos. E a outra metade sera dos
meos conegos e quartanarios. E pera esto serão todos asy ordenados per somana que
jamais posa aver falta.
E queremos e mandamos que quando os taes sacramentos se houverem // [Fl. 4] de
administrar aos freigeses sejão feitos per mandado do cura dous synaes com ho syno
aos quães se ajumtarão os ditõs menistros e não vimdo elles com deligemcia a igreja
domde os tais sacramentos houverem de sair ou não enviando outros por sy (temdo alguma ocupação) comdenamo los e avemo los por comdenados em duzentos reais pera
as obras da See e meirynho. E alem diso serão os taes ou cada huum delles apomtados
toda huma somana que forem imteresemtes como se não o fosem. 51
E quanto aos que per a instituição são hordenados pera comfesar per hordenamça
do prellado e que forem achados negligentes serão penados a alvidrio do ditõ prelado.
E a este serviço de Deus emquanto hy não houver meos coneguos suprirão os beneficiados amtigos em seu lugar e se casso for que o emfermo não este em a cidade ou 52
<em os lugares contiguos> a villa como acima dito he em tal casso os ditos sacramentos serão acompanhados e se fara como ao prellado ou ao que seu poder tiver parecer
que se comodamente pode bem fazer.
Na margem esquerda: “Constituição”.
Riscado: “perto della”.
51
Escrito na margem esquerda: “Ordenação”.
52
Riscado: “perto”.
49
50
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 209
Reflexões
hordeens humas as outras, os presbiteros aos diaconos e os diaconos aos subdiaconos
e os subdiaconos aos clerigos. E porem emtre os de huma mesma hordem precederão
os mais amtigos em a Igreja e per o ditõ modo se guardarão as precedemcias emtre os
meos conegos e quartanarios.
E bem asy porquanto a Igreja he pobre de menistros ordenamos de comselho //
[Fl. 3v] de sua alteza e acordo e comsemtimento do dito cabido que nemhuma dignidade, coneguo ou quallquer outro beneficiado possa ter dous beneficios em a ditã
Igreja mas com huum soo tão somente se comtemtarão como ora tem.
E as ditas dinidades e conegos terão tão somente voz em cabido e porem desfalecemdo alguum coneguo ou conegos emtrarão e terão voz em cabido outros tamtos
mais coneguos quantos forem os que em elle falecerem
. história .
Do silemcio que se ha de guardar em o coro.
Item perque em o choro segumdo colhemos da doutrina dos samtos padres he
lugar onde se não deve fazer outra coussa salvo aquelo pera que foi feito hordenamos
e estaballecemos d’acordo e comsemtimento do cabido que em todo tempo em o dito
coro se guarde sumo silemcio exceito ho presidemte hou aqueles // [Fl. 4v] que por
rezão de seus officios mandão fazer alguma coussa necesaria ao officio devino e que
se não pode escusar.
E o mesmo se emtemdera em os que pedem licemça ao apomtador pera dizer misa
em a propia igreja ou pera as necesidades corporaes ho que todo se dira com pouquas
palavras e a baixa voz. E os que o comtrairo fizerem serão apomtados per o apomtador
e perderão por cada vez dous reais pera as obras do ditõ coro.
E porem se alguum em huum dia lhe forem postos mais de dous pomtos pagarão mais alem do sobreditõ dez reais. E o apomtador cada vez que apomtar sem dizer coussa alguma fara synall com a mão em as cadeiras ou estamte que amte ellas
esta de guissa que possa ser ouvido dos que falam. E emcaregamos as comciencias
dos apomtadores que pospoemdo todo odio amor e temor sejão muyto solicitos em
apomtar aos quebrantadores deste estatuto.
Dos apomtadores do coro, estatuto.
Item porquanto as remdas aplicadas ao cabido desta Igreja todas se hão de ganhar
dos imteresemtes per destribuições cotidianas, hordenamos e constituimos d’acordo
e comsemtymento de todo o cabido que cada anno, em a fim de Junho, sejão feitos
dous apomtadores per o cabido, comfirmados 53do prellado. Dos quaes apomtadores
ho primeiro se diz // [Fl. 5] apomtador e o segumdo sobreapomtador do prymeiro.
He apomtar geralmente asy todos os que faltarem as oras e aos que se vão dellas
amte que se acabem, como todo os interesemtes e bem asi apomtar aos que não guardam silemcio em o coro per o modo que em seu estatuto se diz.
He bem asy apomtar aos que o 54 prellado ou presidemte ou quallquer estatuto
mandar multar das quães multas, aimda que sejão postas per o apomtador ou mandadas poer por os presidemtes, ningem podera conhecer dellas nem rellaxa las (quando
algum se semtir agravado) salvo o prelado ou quem seu 55 <poder> tiver pera o qual
conhecimento ho apomtador de quatro em quatro meses, como ora se custuma, apresemtara a multa ao ditõ prelado ou em sua ausemcia a quem seu 56 <poder> tiver.
Do segumdo apomtador he apomtar por o ditõ modo ao apomtador.
Os quães apomtadores ambos serão elleitos dos mais abilles, scilicet, dignidades
conegos ou meos conegos e de boas comciemcias e dos mais comtinos em o coro, aos
quaes em presemça do prelado sera dado juramento que bem e fiellmente fação seu
oficio e cada dia, amte de se lamçarem, escreverem em seu livro declaradamente as
Palavra corrigida aparentemente de “acordo”.
Riscadas, em entrelinha, algumas letras.
55
Riscado: “lugar”.
56
Riscado: “lugar”.
53
54
210 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
multas e penas e averão ambos por seu trabalho cimquo cruzados cada anno dos quaes
quatro avera ho apomtador e huum o sobreapomtador.
E os ditõs apomtadores serão avisados que jamais o coro fique // [Fl. 6] sem
apomtadores e quando elles tiverem alguma necesidade que não posão ser presemtes
cometerão suas vezes allgumas que estem em ho coro aos quaes sub pena instituti
juramenti mandamos que fiellemente apomtem como se fosem propios apomtadores.
E queremos que se alguum ou alguuns refertarem aos apomtadores hou lhes derem alguma torvação sobre seus officios que pagem por cada vez dozemtos reais pera
as obras da See e meirynho, mas os que alguum agravo semtyrem pode lo am aleguar
amte o prellado como ditõ hee.
E pera as mesmas obras e meirynho serão as penas que forem postas pello prelado ou presidente ou que se ouverem de pagar per virtude de qualquer estatuto. E se,
como acima dito he, o apomtator tendo alguuma occupação per que nom possa estar
presente em o choro nom deixar encomendado o livro ou taboa dos pontos a outrem
pagara pera as obras da See e meirinho duzentos reais.
E eu Fernam Danta clerigo lieiriensis notairo apostolico apostolica auctoritate
que a tudo fuy presemte e estes cinquo estatutos atras fis screver com as emtrelinhas e
corregidos que dizem, em modo que ao menos saiba, e nos dous riscados que deziam
perto dela, e por cima em lugares contiguos a ella. E onde dizia lugar, lugar, e por
cima em ambas as partes poder, poder. E os sobrescrevi e sinarão aqui <com o senhor
bispo> os senhroes dayam, conegos e cabido.
Em cabido e cabido fazemdo em casa do senhor bispo, em os xxbj dias do mes de
Janeiro de 1549.
E os sobreditos dayam e conegos juraram aos Sanctos Evangelhos per suas mãos
toquados de guardar os sobreditõs estatutos.
E eu sobredito Fernam // [Fl. 5v] Danta notairo apostolico o sobscrevi com a entrelinha que diz com o senhor bispo, rogado e requerido.
Reflexões
(Assinaturas)
O Bispo de Leirea.
Lopo de Barros, daião.
Christovão Pereira, Arcediago de Leirea.
Yoam Lopez.
Guaspar Nepto da Costa.
Eitor Rodriguez.
Sebastiam Ferreira.
Dioguo d’Azambuja. // [Fl. 6]
Estatutos da See da cidade de Leiria feytos per o muyto chatolico senhor Dom
Bras de Barros, primeiro bispo em ella e de acordo e comsemtimento de todo seu
cabydo.
Estatutos, Madeira. Começo dos estatutos que se fizerão deradeiro.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 211
. história .
Doc. 5, fl. 5v: pormenor das assinaturas autógrafas.
Doc. 6
1557 FEVEREIRO, 6, Alenquer (Mosteiro do Mato) – D. Frei Brás de Barros
estabelece, no Mosteiro de Nossa Senhora de Vale Benfeito (Óbidos), uma capela de
seis missas em cada semana, por intenção dos monarcas D. João III e sua mulher, D.
Catarina, e do príncipe D. Sebastião, bem como por ele instituidor e seus pais, para
cuja satisfação entrega ao Mosteiro 241 mil reais. Por declaração de 8 de Fevereiro
de 1560, os padres conventuais de Vale Benfeito rectificam o valor do dinheiro efectivamente entregue para sustento da capela, somando, na verdade, 250 mil reais.
TT – Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, documento com a numeração antiga: “Nº 664”. Igual documento com as numerações antigas: “Mº 5, Nº
31” e “Nº 662”.
Em nome de Deus, amem.
Saibhão quantos este pubriquuo instromemto de instituyção de misas e capella
virem quue no anno do Nacimento de Nosso Sennhor Jhesu Christo de mill e quinhemtos e cimcoenta e sete annos aos seis dias do mes de Fevereiro quue em ho Mosteiro
do Mato situado no termo da villã d’Allemquuer Diocexis do Arcebispado de Lixboa
da Ordem do glorioso padre Sam Jeronimo em a cassa hou cella homde hora poussa
ho sennhor bispo Dom Bras de Barros frade da ditã Ordem primeiro quue foy da cidade de Leiria, estamdo elle ahi presemte e asy ho Padre Frey Sabastiam prior do Mos212 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
teiro de Nossa Sennhora da Comceição de Vall Bemfeito da ditã Hordem e Diocixis.
E loguo pellõ ditõ bispo foy ditõ em presença de mym tabeliam e testemunhas ao
diamte nomeadas quue elle em louvor e por serviço de Nosso Sennhor instituya hora
em ho ditõ Mosteiro de Vall Bemfeyto como de feytõ loguo instituyo huma capella de
missas pera sempre comvem a saber cada dia huma missa da festa ou feria corremte.
E porem porquue he cousa grave e onerosa aver hum sacerdote ou aquelles que
has ditãs missas diserem de dizer // [Fl. 1v] missa cada dia, queria quue por ho ditõ
capellã[o] e missas cotidianas não se disesem mais de seis misas cada somana por
hum sacerdote hou por aquelles a quuem forem emcomemdadas.
E porquue ho ditõ bispo constituinte se acha ser em muyta obriguaçam a el rey
Dom Joam terceiro deste nome noso sennhor e a rainha Dona Caterina suua molher
nossa sennhora, e isto pellas homrras e merces quue delles tem recebydo e pello bem
quue fazem as casas do nosso padre Sam Jeronymo, dise quue das ditãs seis missas
quue se em ho ditõ Mosteiro ham de dizer cada somana pera sempre ha primeira se
digua pelo ditõ rey nosso sennhor, a segumda pela raynha nossa sennhora e a terceyra
pelo primcepe Dom Sabastiam seu neto e por todos hos reis seus sobcesores em este
reyno de Purtuguall.
E as outras tres missas se diram por elle bispo e por seu pay e may que jazem na
sua capellã da imvocaçãm de Nossa Sennhora do Rossayro quue estaa em a crasta da
See de Bragua // [Fl. 2] e por aquuelles quue elle bispo he teudo e obriguado.
E porque he necesario quue aquuelles que servem ao alltar vivam delle disse quue
fazia esmola ha ditã cassa e Mosteiro de Vall Bemffeito de dozemtos e coremta e
hum mill reais, os quuais emtreguouu loguuo em dinheiro de comtado peramte mym
tabeliam e testemunhas ao ditõ Padre Frei Sabastiam prior do ditõ Mosteyro de Vall
Bemfeytõ pera comprar em fazemda. Hos quuais dinheiros deyxa em allma e comciemcia delle e padres do ditõ Mosteiro comvem a saber de todos jumtos e cada hum
por sy pera quue se não possam guastar nem tomar emprestados somemte estarem em
ha arquua dos ditõ convemto hou em a arquua do comvemto do Mosteyro de Bellem
ate se comprar ha ditã fazemda hou allgum juro de sua allteza pera sostemtação da
ditã capellã, o quue avera efeytõ deste mes de Janeyro quue hora passou ha hum
anno sallvo se elle bispo der mais allgum tempo. E não se fazemdo como ditõ he se
emtreguara toda // [Fl. 2v] ha ditã fazemda hou dinheiro a elle ditõ bispo semdo vivo
e semdo defumto se emtreguara ha Mysericordia de Lixboa pelo modo que abayxo
vay declarado com sua obrigação.
E allem do sobreditõ dise ho ditõ bispo quue porquamto suua temçam hera quue
por rezam da ditã capellã e misas ho ditõ Mosteiro e comvemto delle não recebese
allguma torvaçam hou menoscabo asy hem ho stpritual como temporall quue a elle
aprazia como de feytõ aprouve que quamdo quuer quue ao sobreditõ comvemto prouver possa deixar ha ditã capellã. E quuamto aos dozemtos e coremta e hum mil reais
hos emtreguarão ha Mysericordia de Lixboa comvem a saber ao provedor e irmãos
hou has propiadades quue pello ditõ dinheiro forem compradas com as stprituras das
compras. E por este instromemto pede por amor de Nosso Sennhor ao ditõ provedor e
irmãos da Samta Mysericordia quue tomando primeiro cem cruzados pera hos // [Fl.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 213
Reflexões
. história .
. história .
3] guastos da ditã casa lhe mandem dizer o mais por quue se vemderem has ditãs propiadades he ho mais quue remanecer dos ditõs dozemtos e coremta e hum mill reais
em missas rezadas por hos Mosteyros quue lhes bem parecer e isto pellas pessoas e
imtemção acima declaradas.
E loguuo elle bispo constituimte pidio ao ditõ prior de Vall Bemfeytõ quue elle
em seu nome e do ditõ Comvemto como seu procurador quue he abastamte segundo
loguuo mostrou por sua procuração que ao diamte vay trelladada quue avemdo respeyto ha ditã instituiçam ser feytã em louvor de Nosso Sennhor e tamta parte destes
sacreficios serem oferecidos pellas vidas, saude e sallvação dos Reis de Purtugual
ouvese por bem em seu nome e dos padres do ditõ comvemto ausemtes de a aceytar.
E por sy e pellõ ditõ comvemto e padres quue hora sam e ao diamte forem prometer
pera sempre de ha guardar asy e da maneyra quue em ella he comtheudo.
E loguo o ditõ padre // [Fl. 3v] prior e procurador em seu nome e padres capitolares do ditõ Mosteiro de Vall Bemfeytõ por vertude de suua procuração, disse quue elle
via e ouvia ha ditã instituyção quue lhe por mym tabeliam hem presemça das testemunhas foy lida e declarada e quue elle em nome do ditõ comvemto ha haceytava asi e
da maneira quue se em ella comtinha e prometia como de feytõ loguo prometeo por sy
e por todos hos padres do ditõ Mosteyro quue hora sam e quue ao diamte forem de se
dizerem as ditãs missas e se comprir ho mais acima ditõ hobriguamdo pera ello todos
hos beens do ditõ Mosteyro. E quue avia por renunciadas todas e quaisquuer graças
hou privylegios jerais hou espiciais que comtra ho sobreditõ fosem hou se posam
alleguar em seu favor e de seu Mosteyro.
E asy em seu nome e do ditõ comvemto avia por bem quue ho ditõ bispo possa
por letreiro em pedra hou em ho luguar quue bem parcer do Mosteyro em quue se
comtenha // [Fl. 4] ho sumario desta insttiuição e mais quee semdo caso quue elle
bispo se quueyra sepultar no ditõ Mosteyro de Vall Bemfeytõ quue ho posa fazer em
ha crausta como elle pede e em testemunho de verdade mandaram aquy trelladar a
procuração que he a seguinte:
¶ Sejam certos hos quue esta carta de procuração virem em como nos hos rellegiosos abayxo nomeados e asynados comvemtuais do Mosteyro de Nossa Sennhora da
Comceyçam de Vall Bemfeytõ da Ordem do bemavemturado padre noso Sam Jeronymo da Diocixis de Lixboa fazemos he instituimos por nosso suficiemte e avomdoso
procurador ao Padre Frey Sabastião prior nosso do ditõ Mosteiro quue elle em nome
seu e nosso e de toda ha casa possa aceytar huma capella de missas que ho sennhor
bispo Dom Bras quue foy de Leyria quer hora instytuir e ordenar no ditõ Mosteiro
da maneyra e com has comdiçois doutra semelhamte capellã quue ho ditõ bispo fez
no Mosteiro do Mato da ditã Ordem e Diocixis e com quaisquuer outras quue ao ditõ
padre prior bem parecer pera ho quall possa obriguar ha ditã casa e Mosteiro de Val
Bemfeitõ // [Fl. 4v] e aos rellegiosos delle presemtes e futuros a dizerem a ditã capela
pera sempre, o quue prometemos de ter todo por bom, firme e vallioso, e de asy ho
comprirmos e mantermos pera sempre todo ho quue ho ditõ padre prior he procurador
asi fezer e asemtar com ho ditõ sennhor bispo. E queremos e nos praz quee se pera ho
sobreditõ poder vir [a] melhor aefeitõ aquy forem necesarias de se porem allguumas
214 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
crausullas comforme a dereyto nos has avemos aquy por postas e supridas tais e quuamtas forem necesarias. E iso mesmo quueremos e nos apraz quue a esta seja dada
tamta fee e autorydade e seja de tamto vallor como se fose feitã por mão de notairo
pubriquo e por verdade asynamos aquuy todos e ha asellamos com ho sello comvemtuall do ditõ Mosteiro.
Feitã a tres dias de Fevereyro de mill e quynhemtos e cimcoenta e sete annos. Frey
Fernamdo viguairo, Frey Joam d’Evora, Frey Bras, Frey Dioguo.
E em testemunho de asy tudo passar // [Fl. 5] na vedrade ho ditõ sennhor bispo
he prior mandarão fazer esta nota e dar della has partes hum e quantos instrumentos
pidirem. Testemunhas que ha ello forão presemtes hos Padres Frei Balltesar e Frey
Ambrosio comvemtuais do ditõ Mosteyro do Mato e ho Padre Frey Bras da Costa
comvemtuall do Mosteiro da Costa da ditã Hordem que todos asynarão com hos ditõs
sennhor bispo e prior.
E eu Pero Fernandez tabeliam que ho stprevy.
Este estromento de imstytuiçam eu sobreditõ Pero Fernandez publico tabeliam
das notas nesta ditã vylla d’Allamquer e seu termo por el Rey noso senhor bem e
fyellmente fiz tyrar pera o ditõ senhor bispo e concertey e sobesprevy por autoridade
do ditõ senhor que pera yso tenho e asyney e com a nota que em meu poder fyqua
concertey e aquy de meu publico synall asyney que tall he.
(Sinal do notário). Pagou com nota, caminho e estrebuyção dozentos e cimquenta
reais. // [Fl. 5v]
† O Padre Frei Pedro Barbudo prior do Mosteiro de Nosa Senhora da Comceição
de Val Bemfeito da Ordem de Noso Padre Sam Jeronimo e o Padre Frei Damião vigairo e o Padre Frei Sebastião e o Padre Frei Joam d’Evora e os outros padres e convento
aos que a presente declaração virem saude em Noso Senhor Jesu Cristo.
Fazemos saber que vimos a instituição atras escrita e por acharmos estar errada
enquanto diz que o bispo Dom Bras de Barros deu dozentos e corenta e hum mil reais
pera se dizer a capela como en a dita instituição atras 57 escrita esta dito, nos declaramos e dizemos que a verdade he que o dito bispo noso irmão deu pera a dita capela
dozentos e cimcoenta mil reais de que se comprou os vimte mil reais de juro cada
ano. E outros tantos deu pela primeira capela que antes desta segunda en a dita casa
tinha instituida. E por todo ser verdade fizemos aqui em as costas desta instituição esta
declaração e asinamos de nosos sinais.
Em oito dias de Fevereiro de mil e quinhentos e sesenta annos.
E eu Frei Fillippe professo do dito Mosteiro que esto escrevi e asiney.
(Assinaturas)
Frey Pedro Barbudo prior.
Frey Damyão de Guymarães.
Frei Joam d’Evora.
Frey Sebatsiam.
Frei Dioguo.
57
Riscada a palavra: “estaa”.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 215
Reflexões
. história .
. história .
Doc. 7
1557 DEZEMBRO, 20, Roma — Bula do papa Paulo IV, dirigido a D. Brás de
Barros, pela qual, verificada a renúncia que este fizera ao Bispado de Leiria e a sua
condição de professo da Ordem de S. Jerónimo, lhe permite que continue a designarse e subscrever-se como“Bispo de Leiria”, e estabelecendo-lhe, ainda, uma pensão
anua vitalícial, nas rendas da mesa episcopal de Leiria, no valor de 500 ducados de
ouro.
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, documento com as
numerações antigas: “Mº 5, Nº 73”, “Mº 5, Nº 40” e “Nº 633”. Com bula de chumbo
pendente.
Obs.: documento delido nalgumas linhas.
Paulus episcopus servus servorum Dei. Venerabili fratri Blasio Episcopo Leiriensi. Salutem et apostolicam benedictionem.
Per partem tuam nobis et apostolice sedi devotam tuis exigentibus meritie paterna
benevolentia prosequentes illa tibi favorabiliter concedimus que tuis commoditatibus
fore conspicimus opportuna. Cum itaque horis tu regimini et administrationi ecclesie
Leiriensis cum tunc preeras in manibus nostris sponte et libere cesseris nosque cessionem huiusmodi admittentis eidem ecclesie tunc per cessionem eandem pastoris
solatio destitute de persona venerabilis fratris nostri Gaspario episcopi Leriensi nobis
et fratribus nostris ob suorum existemtiam meritorum accepta de fratrum eorundem
consilio apostolica auctoritate duxerimus providendum proficiendo eum illi in episcopum et pastorem prout in nostris inde confectis litteris plenius continetur. Nos tibi qui
ordinem sancti Hieronimi expresse professus existis ne excessione huiusmodi nimium
dispendia patiaris sed ut statum tuum iuxta pontificalis dignitatis exigentiam decernis
tenere valeas de alicuius subventionis auxilio providere ac premissorum meritorum
tuorum intuitum specialem gratiam facere volentes teque a quibusvis excomunionis
suspensionis et interdicto aliique ecclesiasticis sententiis censuris et penis a iure vel ab
homine quavis occasione vel causa latis siquibus quomodolibet tunc datus existis ad
effectum presentium dumtaxat consequentem harum serie absolventes et absolutam
fore censentes.
Motu proprio non ad tuam vel alterius nobis pro te super hoc oblate petitionis
instantiam sed de nostra mera liberalitate tibi nomen et denominationem episcopi Leiriensi ita ut quoad vixeris te episcopum Leiriensem denominare et inscribere
ac ab aliis denominari et inscribi possis. Necnom pensionem anuam quingentorum
ducatorum auri cruciatorum nuncupatorum monete in regno Portugallie cursum habentis super mense episcopalis Leriensis fructibus redditibus et proventibus quorum
medietatem ipsa et alia etiam annuam centum et quinquaginta ducatorum similium
quam officio inquisitionis heretice pravitatis in dicto et Algarbiorum regnis ad certum
tempus ac aliis certis moro et feura tunc expressis necnon alioque subsidio munera (?)
pensiones aliorum quingentium ducatorum etiam similium super fructibus et proventibus predictis quem ex certis causis etiam tunc expressis fabrice dicte ecclesie etiam
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Reflexões
. história .
Doc. 7
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. história .
ad certum tempus tunc expressum etiam hodie de simili consilio eadem auctoritate
reservauimus concessimus et assignauimus et accepimus non excedunt tibi quoad vixeris vel procuratori tuo ad hoc a te speciale mandatum habenti per dictum Gasparem
episcopum cuius ad hoc expressus accedit assensus et successores suos dicte ecclesie
presules seu administratores pro tempore existentes annis singulis pro una videlicet in
domini nostri Jesu Christi et altera medietatibus pensionis huiusmodi in beati Joannis
Baptiste nativitatum festivitatibus in civitate Ulixbonense integre persolvendam et per
te quoad vixeris percipiendam exigendam et levandam prefata auctoritate tenore presentium reservamus concedimus ac constituimus et assignamus, decernentes Gasparem episcopum et successores prefatos ad integram solutionem dictam pensionis tibi
reservate tibi faciendam iuxta reservationis constitutionis et assignationis predictarum
tenorem fore efficaciter obligatos.
Ac volentes et eadem auctoritatem predictam per eum tunc debitam non persolverit cum effectu lapsis diebus eosdem ingressus ecclesie interdictus existat et donec
tibi vel dicto procuratori de pensione huiusmodi per eum tunc debita integre satisffactum aut aliis tecum vel cum dicto procuratori desuper amicabiliter concordatum fuerit
preterquam in mortis articulis constitutus interdicti huiusmodi relaxationis beneficium
nequeat obtinere. Si vero per sex menses dictos triginta dies immediate sequentes vel
huiusmodi interdicto animo quod absit permanserit indurato ex tunc effluxis mensibus
eisdem a regimine et administratione dicte ecclesie suspensus existat eo ipso. Non
obstantibus institutionibus et ordinationibus apostolicas ac ipsius ecclesie iuramento confirmatione apostolica vel quamvis firmitatem alia roboratum etiam aduxis et
consuetudinibus contrariis quibuscumque vel ut si Gaspari episcopo et successoribus
prefatis vel quibusuis aliis communiter vel divisim a predicta sit sede indultum quod
ad prestationem vel solutionem pensionis alicuius minime teneantur et ad id compelli
non possint per litteras apostolicas non facientes plenam et expressam ac de verbo
ad verbum de indulto huiusmodi mentionem. Et qualibet alia dicte sedis indulgentia
generali vel speciali cuiuscumque tenoris existat per quam presentibus non expressam
vel totaliter non insertam effectus huiusmodi gratie impendium valeat quomodolibet
vel differim et de qua cuiusque toto tenore habenda sit in nostris litteris incutis specialis. Nulli ergo omnino hominum liceat hanc paginam nostre absolutionis reseruationis
concessionis constitutionis assignationis decreti voluntatis et statuti infringere vel ei
ausu temerario contraire. Si quis autem hoc attemptare presumpserit indignationem
omnipotentis Dei ac beatorum Petri et Pauli apostolorum eius se nouerit incursurum.
Datum Rome apud Sanctum Petrum. Anno Incarnationis Dominice millesimo
quingentesimo quinquagesimo septimo. Terciodecimo kalendas januarum. Pontificatus nostri anno tercio.
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. história .
Doc. 8
1558 AGOSTO, 30, Lisboa – Notícia do mandado real para que se informasse D.
Brás de Barros, bispo de Leiria, de que estavam sanadas as inquietações e demandas
levantadas pelo Cabido da Sé de Leiria contra ele.
TT – Colecção de S. Vicente, Livro 10, fl. 397
Manda el Rey nosso senhor que se faça carta pera Dom Bras de Barros, bispo
de Leiria, em que lhe sua alteza escreva que vio sua carta sobre a inquietação que o
cabido de Leiria lhe dava na renovação das demandas e duvidas que lhe moveram. E
porque em tudo deseja sua quietação e folgua de elle estar consolado, o mandou estranhar ao dito cabido. O qual se lhe mandou desculpar por nam capitullar e lhe escrever
que em tudo se conformaria com o que lhe sua alteza encomendace e que não fallaria
mays em as ditas duvidas. O que lhe sua alteza por outra sua carta agardeceo e assi lho
tornou a encomendar. E tem por certo que se lhe não dará mays sobre as ditas dividas
desconsolação nem inquietação alguma. E que lho quis a elle escrever pera que visse
a vontade com que sua alteza a isso acudio e pera que estivesse o dito caso quieto e
seguro e se podesse milhor encomendar a Deus e olhar por sua saúde.
Em Lixboa a 30 d’Agosto de 1558.
(Assinatura) António Pinheiro.
1558 NOVEMBRO, 22, Óbidos, igreja de Santa Maria — Traslado autêntico,
pelo notário apostólico António Fernandes, de Óbidos, dos seguitnes documentos:
A) Petição apresentada, pelo procurador de D. Brás de Barros, ao vigário de
Óbidos, e despacho deste, de 22 de Novembro de 1558, Óbidos, para que lhe mandasse dar cópia autêntica de documentos em posse do dito bispo e relativos à instituição
do Bispado de Leiria.
B) Procuração de D. Brás de Barros feita a Fr. Paulo, prior do Convento de Vale
Benfeito, de Óbidos, para o representar na recolha das rendas ou pensão a que tinha
direito no Bispado de Leiria, em 16 de Agosto de 1558, sem local.
C) Carta do rei D. João III formalizando a instituição do Bispado de Leiria e estabelecendo-lhe o respectivo quadro de dignidades, cónegos e demais corpo capitular,
datada de 24 de Outubro de 1546, Santarém, com novo despacho real, remetendo-a à
Chancelaria, datado de 14 de Outubro de 1547, Lisboa.
D) Traslado de verbas e capítulos dos estatutos da Sé de Leiria.
E) Confirmação, por D. João [do Monte Policiano], núncio apostólico, dos estatutos da Sé de Leiria, lavrada em 21 de Maio de 1549, Lisboa.
F) Traslado da constituição oitava das Constituições do Bispado de Leiria, já
então impressas em livro de letra de forma.
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, Documento com a
numeração antiga: “Mº 5, Nº 86. Nº 629” e, no fl. 12v: “Mº 5, Nº 92. 1557”.
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Reflexões
Doc. 9
. história .
Trelado da instytuição e ereyção do bispado da cidade de Leiria, See dela que foy
feita per el Rey Dom Joham terceyro que santa gloria ajaa.
Anno do Nacimento do Noso Senhor Jhesu Christo de mill e quynhentos e cynquoenta e oyto annos, aos vynte e dous dyas do mes de Novembro, na villa d’Obidos,
na igreja de Santa Maria, sendo hy presente ho muito honrado Jorge Soarez beneficiado nas igrejas da ditã vyla e vigairo nela e seu aciprestado pello ilustre e muito reverendissimo senhor ho senhor Dom Fernando, arcebispo de Lixbõa, do conselho del
Rey noso senhor. Em presença do ditõ vigairo e de mym Antonio Ferrnandez esprivão
e notayro apostolyco loguo hy pareceo o Padre Frey Paulo prior do Mosteyro de Valle
Bemfeito da Ordem de Sam Jheronymo, termo da ditã villa, e apresentou ao ditõ
vigairo huma pytyção per esprito da qual ho treslado de verbo a verbo he o seguynte:
[A]
Senhor. Dyz o pryor do Moesteiro de Valle Bemfeyto da Ordem do Padre Sam
Jeronimo, termo desta vila, que ele como procurador que he de Dom Brãs de Barros,
bispo de Leyria, como consta pela procuração que apresenta, tem necesydade pera
arrequadação de suas dividas e fazenda do trelado em pubrico da instituyção e ordenança da See do ditõ bispado feyta per elle primeyro bispo, com conselho dell Rey
que santa // [Fl. 1v] gloria aja. E asy de certas verbas e capytollos dos estatutos e das
constituyções da ditã See a qual instytuyção e estatutos e constytuyções aquy apresenta por estarem ainda em poder do ditõ bispo.
Pede a vosa merce que queyra mandar a hum esprivão dante sy ou notayro apostolyco que lhe dee o trelado da ditã instytuyção e dos estatutos e constituyções as
verbas que na ditã instytuyção falão. E bem asy de o trelado da comysão que pera emprazar foy feita ao vigairo Dioguo Diãz e dos prazos que com ela fez. E do prazo que
foy feito a Rodriguo Anes morador no Reguenguo da Mageuija do casal do Perulhal
que he treladado per elle vigairo em o livro dos prazos e foy feito pelo convento de
Santa Cruz ante de a igreja de Nosa Senhora da Pena ser alevantada em See catredal e
ser a vila de Leyria feyta bispado. E asy dee fee da confyrmaçao do nuncio dos ditos
estatutos como neles se contem no que recebera merce e justiça.
E apresentada asy a ditã pytição como ditõ he e vista pello ditõ Jorge Soãrez vigairo pos nela o despacho seguynte:
Mando ha Antonio Fernandez notayro apostolyco e esprivão dante mym que pase
todos os trellados dos purgamynhos e papes que o sopricante em esta pytição atras
requere, em maneyra que fação imteyra fee. E isto com brevidade.
Oje vinte e dous de Novembro de 1558. Jorge Soãrez.
Ho qual despacho loguo foy pobricado pello dito vygairo e mandou a mym esprivão e notairo apostolyco que asy ho comprise e treladase todos os ditos papes
interpoendo pera ello sua autoridade ordinarya quanto com dirreito devia. E os ditos
treslados fosem concertados com elle vygairo. // [Fl. 2] E o dito Frey Paulo prior deu
loguo e entreguou a mim ditõ Antonio Fernandez esprivão e notairo os ditos papes que
avyam de ser treladados e os treladey e sam os seguyntes.
Antonio Fernandez esprivão e notairo que ho esprevy.
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[B]
Trelado da procuração.
Dom Bras de Barros bispo de Leyria. Aos que a presente procuração virem saude
em Noso Senhor Jhesu Christo. Fazemos saber que devendo nos o senhor bispo de
Leyria, Dom Guaspar do Casal, certa divida como consta per seu conhecimento e
asy tendo nos duzentos mil reais cada anno de pensão em as rendas e fruytos do dito
bispado que o ditõ senhor nos he obriguado a paguar e corem este ano de Natal pasado pera diante como consta pella bulla e faculdade que delo temos do Santo Padre.
E alem do sobredyto outras dividas que nos devem, scilicet, o Lecenceado Alvoro
Rodryguez morador em Lixbõa e seu praceyro e outros rendeyros rameyros que este
anno que se acabou per Sam Joham este pasado de mil e quynhentos e cynquoenta e
oyto forão rendeyros do bispado e nos sam obriguados a paguar parte da ditã renda ate
Nossa Senhora de Setembro que em boa vira.
Por a qual rezão confyando nos da virtude do Padre Frey Paullo e de suas letras
prior deste Mosteyro de Val Bemfeyto da Ordem de noso padre Sam Jheronymo pera
todo ho que toca a recadação das ditãs dividas ho fazemos noso procurador abastante
em ho milhor modo e maneyra que o nos podemos fazer e o elle pode ser, pera que
ele posa // [Fl. 2v] requerer as ditas dividas aos ditõs devedores e estar com elles a
conta se necesario for, e receber todo o dinheyro e dar quytações ou conhecimentos
do que asy receber.
E bem asy ho fazemos noso procurador e lhe damos poder pera que em noso nome
posa pedir a quaesquer juyzes e justiças asy eclesyasticas como seculares o trelado
de quaesquer esprituras ou estatutos ou instytuyção do Bispado de Leyria ou outras
quaesquer verbas deles. E isto em pubrica forma pera milhor arecadação das nosas
dividas ou pera ho mays que nos for necesario. E fazer todo ho mays que comprir pera
a recadação da ditã fazenda. E queremos que se aquy falta alguma clasula ou clausulas
que se requeyrão de dirreito, nollas [sic] avemos aquy por expresas como se de verbo
a verbum fosem expresas e insertas. E pedimos por merce a quaesquer justiças asy
eclesyasticas como seculares que ajaam por noso procurador ao padre sobredito.
E tambem lhe damos poder pera sostaballecer outro procurador ou procuradores
com o poder limitado pera procurar a ditã fazenda ou parte dela se necesario for e os
revocar quando comprir fycando senpre acerqua delle o oficio de nosso procurador
como ditõ he. E asy lhe damos poder pera sostabelecer por nosso procurador ao lecenciado Alvoro Rodryguez, morador em Lyxbõa, pera arrecadar dos ditõs rendeyros
rameyros todo ho que nos devem. E por o trabalho do ditõ lecenceado e seu sostabelecido procurador pera o que lhe damos poder pera sostabelecer se comprir lhe damos
doze mill reais. E o ditõ lecenceado fara obriguação de nos entreguar toda a divida
que hos ditos rendeyros rameyros devem // [Fl. 3] ate o primeyro dua de Natal que
em bora vinra.
E em fee e testemunho de verdade mandamos fazer esta procuração per nos asynada e aselada com o sello que serve ante nos, em dezaseys dias do mes d’Aguosto.
Antonio Almeyda o fez per noso mandado. Anno de mil e quynhentos e cynquoenta
e oyto.
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Reflexões
. história .
. história .
A qual procuração ao pee he asynada de hum synal que diz Dom Bras de Barros,
bispo de Leyria, e aselada com hum selo de cera vermelha com suas armas.
[C]
Trellado da instytuyção e ereyção do bispado da cidade de Leyria.
Dom Joham per graça de Deus rey de Portugual e dos Algarves, daaquem e dalem
maar em Africa, senhor de Guyne e da conquysta, naveguação e comercio de Ethiopia,
Arabia, Persya e da India. A quantos esta mynha carta virem faço saber que eu por
serviço de Deus e bem da clerizia e povo da cidade e Bispado que ora he de Leyria,
supliquey ao Santo Padre Paullo terceyro ora na Igreja de Deus presydente que quysese desmembrar e apartar a dita cidade de Leyria com seu termo e com suas igrejas,
moesteyros, clerizia e povo e com hos dereytos, rendas e jurdição epyscopal do Priorado moor do Moesteyro de Santa Cruz de Coinbra da Ordem dos coneguos regulares
de Santo Aguostinho que o ditõ Priorado moor na ditã cidade e seu termo tynha.
E asy quysese isemtar e apartar do Bispado de Coinbra //[Fl. 3v] has igrejas do
termo da ditã cidade de Leyria em que ho Bispado da ditã cidade de Coinbra tynha
jurdição epyscopal e levava as colheytas por rezão da vysytação. E asy as terças das
igrejas de Sam Miguel das Colmeas, Sam Joham d’Ispite, Sam Christovão da Cranguejeyra e de Sam Symão que ao ditõ bispado de Coinbra pertenciam.
E asy lhe sopliquey que alevantase e criase em Igreja cathedral e epyscopal a
igreja de Nosa Senhora da Pena da ditã cidade de Leyria e lhe dese por bispado e
diocese a ditã cidade com seu termo e com suas igrejas, moesteyros e clerizia e povo.
E aplicase ao 58bispo que dela fose a jurisdição diocesyma [sic] e epyscopal, dereytos
e rendas que no ditõ Priorado e Moesteyro de Santa Cruz de Coinbra na ditã cidade
de Leyria e seu termo pertenciam. E asy a jurisdição epyscopal que ao ditõ bispo de
Coinbra pertencia nas ditãs igrejas.
E o Santo Padre a minha instancia e suplicação ouve por bem de criar e alevantar a dita igreja de Santa Maria da Pena da cidade de Leyria em Igreja cathedral e
epyscopal e lhe deu por diocesy e bispado a ditã cidade e seu termo com suas igrejas,
moesteyros, clerizia e povo. E desmembrou e apartou a ditã cidade e seu termo com
todas has igrejas, moesteyros, clerizia e povo e as suprimio e isentou da superioritate
e jurdição quanto aa ley diocesana que nelas tinhão o prior moor de Santa Cruz e o
bispo de Coinbra.
E asy quanto aa ley metropolytana da jurisdição que em alguma igrejas // [Fl. 4]
do ditõ termo tinha o arcebispo de Bragua e someteo o ditõ Bispado de Leyria a ditã
ley metropolytana ao Arcebispado de Lixbõa.
E concedeo e aplycou ao bispo que pelo tenpo fose da ditã cidade e bispado de
Leyria e jurisdição diocesana e epyscopal que na ditã cidade e seu termo e luguares,
igrejas, moesteyros, clerizia e povo deles tinhão o prior moor de Santa Cruiiz, ho bispo de Coinbra. E asy lhe aplicou e concedeo todas as rendas que na ditã cidade e seu
termo e igrejas, clerizia e povo tinha o ditõ prior moor de Santa Cruz.
58
Corrigidas as palavras: “bispo que”.
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E suprimio e extinguyo a viguararia e todos os beneficios que na dita igreja de
Nosa Senhora da Pena avia sem prejuyzo das pesoas que os ora tynhão como mays
larguamente nas bullas e provisões apostolycas he conteudo.
E a minha apresentação proveo o Santo Padre novamente do ditõ Bispado de
Leyria a Dom Frey Bras de Barros.
E instituyo sua santidade que na ditã Igreja cathedral de Leyria ouvese pera senpre duas dinidades e quatro conesyas e outras tantas prebendas que se chamasem dos
graduados convem, a saber huma dinydade e duas conesyas com duas prebendas pera
mestres ou alias graduados em teologya e outra dinidade e duas conezyas e outras
tantas prebendas pera doutores ou alias graduados em dirreito canoniquo que pelo
tempo se promoverem e graduarem nos ditõs graos na Universydade jeral de Coinbra.
E nam avendo theologuos graduados na ditã Universydade pera mestres em artes em
ela graduados.
Os quaes dinydades e conisyas com suas prebendas ho // [Fl. 4v] Santo Padre
ordena e manda que se dem aos ditõs graduados e nam a outras pesoas por autoridade
ordinaria do ditõ bispo de Leyria, que ora he e pello tenpo for, com meu conselho e
dos reys de Portugual que pello tenpo forem, nos modos e formas que com meu conselho por o ditõ bispo for instituydo e ordenado. E que se nom posão prover per outra
autoridade posto que seja apostolyca.
E asy concedeo e deu poder ao ditõ bispo que com meu conselho e consentymento
criase e instituyse outras dinydades, conesyas, prebendas e beneficios eclesyasticos
com cura e sem cura que lhe parecesem necesarias e convinientes pera o culto divino
e serviço da dita igreja cathredal de Leyria pera os modernos viguayro e beneficiados
que hos ora tem e pera has mays pesoas que ao ditõ bispo parecer.
E aplicou e anexou o Santo Padre pera senpre a mesa capitolar da ditã Igreja de
Leyria as rendas e frutos da viguayraria perpetua da ditã igreja de Nosa Senhora da
Pena e asy dos outros beneficios dela. E asy aplicou e anexou a ditã mesa capitular
os frutos e rendas das terças de Sam Miguel das Colmeas, Sam Joham d’Ispite, Sam
Christovão da Crangueyjeyra e Sam Symão que soya levar o bispo de Coinbra. E iso
mesmo aplicou ha ditã mesa capitular as colheytas que soya levar o ditõ bispo de
Coinbra na cidade de Leyria e nas igrejas do termo da ditã cidade que eram da sua
visytação como mays larguamente nas ditãs bulas apostolycas he ordenado e declarado. // [Fl. 5]
Per vertude e autoridade das quaes ho ditõ bispo de meu conselho e consentimento
criou, instituyo, ordenou novamente na ditã Igreja cathredal de Leyria as dinydades,
conysyas, prebendas, beneficios e oficios seguyntes convem a saber:
Hum adayado e este sera a dinydade que o samto padre instytuyo e ordenou pera
os graduados em dirreito canonyquo e se dara por ele bispo e pellos bispos que pello
tempo forem por autoridade ordinaria com meu conselho e de meus socesores reys de
Portugual. E nam em outra maneyra segundo forma da bula.
Item hum chantrado.
Item huma tesouraria.
Item hum mestre escolado e este sera pera senpre a dinidade pera hum dos gradu| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 223
Reflexões
. história .
. história .
ados em theologya ou em artes graduados na ditã Universydade de Coinbra. E nam se
podera dar a outras pesoas e see provera per o ditõ bispo e seus socesores por autoridade ordinaria de meu conselho e dos reys meus socesores como na ditã bulla se contem.
Item hum arcediaguado o qual se chamara da cidade e nam tera jurisdição alguma
posto que de direito a tenha avendo respeyto ao custume doutras Igrejas cathedraes
do Reyno.
Item foy mays declarado pelo ditõ bispo com meu conselho e consentymento que
criava e instituya dez coneguos e dez meos coneguos e cynquo quartenayros, quatro
moços do coro e hum porteiro da maça e hum guarda da igreja.
Item as dinydades averam duas reções em a repartição comum e mays de // [Fl.
5v] prestimos o que lhe vier igualmente das tres terças das igrejas de Sam Miguel das
Colmeas e Sam Joham d’Ispite e Sam Christovão da Crangueyjeyra que soya levar ho
bispo de Coinbra que sua santidade aplicou a mesa capytular de Leyria. E na repartição destas tres terças nam entrarão senão has dinydades.
Os dez coneguos averão duas reções cada hum na repartição comum.
Os meos coneguos huma reção cada hum como ora tynhão os beneficiados.
Os cynquo quartenayros averão mea reção cada hum.
Os quatro moços do coro averão cada hum a metade do que leva hum quartenario.
O porteyro da maça outro tanto como hum moço do coro.
E o guarda da igreja levara outro tanto.
E avera dous priostes que levarão duas reções como te quy levarão cada hum sua
salvo querendo o cabido meter has ditãs duas reções em sua repartição e arrecadar a
ditã renda per outra via.
E porque as reções que fazem os beneficiados ao presente nam sam mays de corenta e tres e pela repartição acima feita se requerem corenta e seys, as tres que fallecem se farão da terça de Sam Symão que iso mesmo soya levar o bispo de Coinbra
e sua santidade aplicou a mesa capitullar de Leyria. E o que mays faltar quer o ditõ
prelado perfazer doutra renda de sua mesa.
Item porque sua santidade, posto que extyngua os beneficios de Nosa Senhora da
Pena, a por bem que dos beneficiados da dita igreja se // [Fl. 6] provejam aquelles que
a mym e ao bispo parecerem mays idonios das conisyas que se novamente criarem,
e aos que nam forem providos em coneguos se nam faça59 prejuyzo em os frutos dos
beneficios que ora tem, se não poderiam ao presente criar as quatro conisyas com suas
prebendas pera os graduados por hos ditõs beneficiados serem corenta e nam aver com
que as satysfazer, senão com has ditãs conesyas que se novamente criarão, e com hos
que nam forem providos lhe ficarem os fruytos de seus beneficios.
E porem ordenou ele bispo de meu conselho e consentimento que as primeyras
conesyas que vaguarem sejão pera os ditõs graduados. E tanto que alguma vaguar ele
bispo mo fara saber pera de meu conselho a prover a algum dos ditos graduados ate se
proverem as ditãs quatro conesyas. E despoys que huma vez forem providas aos ditõs
graduados vaguando polo tenpo as ditãs conesyas senpre serão providas pollo dito
59
Palavra corrigida de: “façam”.
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bispo de meu conselho a graduados theologuos ou canonistas sem se porem prover
outras pesoas conforme a bula.
Item se ordenou por ho ditõ bispo de meu conselho e consentymento que soo as
dinidades e coneguos que se ora novamente proverem e polo tenpo forem fação // [Fl.
6v] cabido e nam os meos coneguos nem quartenarios nem beneficiados que ora sam.
E porem os ditos beneficiados que ora sam e nam forem providos de conesyas
averão suas reções em suas vidas como as ora tem enquanto os ditõs beneficios que
asy tem nam vaguarem porque vaguando em quallquer modo ficão extintos e supresos
segundo forma da bulla.
E porem elles beneficiados serviram na igreja como e da maneyra que ate quy
serviram.
Item porque ao presente nam aver donde se provejam as dinydades que se novamente criarão das duas reções que ham d’aver e os prestemos que lhe vem das tres
terças he cousa pouca ordenou ho ditõ bispo de meu conselho que asy como forem
vaguando as reções se aplicem as rendas delas as dinidades e se repartam antre elas
igualmente sem se aplicar mays a huma que a outra tee serem cada huma dynidade as
duas reções que ha d’aver. Iso mesmo as reções dos absentes cederam em favor das
dynidades tee averem has ditãs duas reções cada hum.
E despoys de as dinidades terem ha ditã renda inteyramente se aplicara a renda das
reções que primeyro vaguarem aos dous oficiaes, scilciet, porteiro e guarda e moços
do coro. E des hy aos quartenarios. E tanto que os oficiaes moços do coro e quartenarios teverem a renda que ham d’aver per esta instituyção todas has mays rações que
vaguarem cederam // [Fl. 7] em favor dos coneguos e se repartirão entre elles igualmente tee aver cada huum suas duas reções.
E cheos os coneguos as dez reções que ficarem se constytuyrão em meas conesyas
e desta maneyra fica cheo o numero de trinta e seys pesoas que a d’aver na ditã Igreja
segundo consta pola creação que acima fica feyta. E ficão repartidas por estas trinta
e seys pesoas as corenta e seys reções que se ham de fazer de toda a renda do cabido
com aver cada hum o que a d’aver.
E porem vaguando alguma conesya loguo se provera com a mesma reção que tever sem ceder a tall reção em favor das dinidades ainda que estem por encher. E porem
o coneguo que asy for provido esperara pela outra reção que ha d’aver como esperaria
o coneguo em cujo luguar socedeo.
E porque o terço que levavão os beneficiados de Nosa Senhor[a] da Pena das rendas de Leyria e seus termos e que ora ham de levar as dinidades e coneguos foy dado
aos ditõs beneficiados por servirem a Igreja no espritual e eram obriguados a confesar
e administrar os sacramentos se ordenou per o ditõ bispo, com meu conselho, que as
dinidades e coneguos e meos coneguos serão obriguados a curar convem a saber a
confesar na Coresma e nos outros tenpos quando lhe for mandado per o bispo ou seu
vigairo. E quanto aos mays sacramentos da unção, dar e levar o Santisymo Sacramento e fazer casamentos e bautizar, o cura os administrara. E os meos coneguos e quarte
// [Fl. 7v] narios o acompanharão. E iso mesmo os meos coneguos e quartenarios irão
pellos defuntos e os trarão a porta da igreja e os receberão as dinidades e coneguos.
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Reflexões
. história .
. história .
Item o mestre escola ensynara aos cleriguos e pobres gramatica e isto por ordenança do bispo e em os tenpos e oras que lhe ele ordenar. E ensynando por sy nam sera
obriguado ao coro senão aos domynguos e dias santos que nam ensynar.
E iso mesmo as dinidades ou coneguos que preguarem per ordenança do ditõ bispo nam serão obriguados ao coro a somana que estudarem pera preguar.
Item os absentes nam vencerão cousa alguma antes seram descontados em as
rendas de seus beneficios sem porem poer iconomos. E das rendas e suas reções se
soprirão as dinidades ou os que esteverem por satysfazer conforme ao modo que acima fica declarado.
E sendo tudo cheo no numero que a d’aver na ditã igreja se partirão por os presentes ou se poerão por o bispo pesoas que suprão a falta dos absentes se a Igreja
padecer detrimento no serviço do culto divino conforme ao que parecer ao ditõ bispo.
E aos que asy ho ditõ bispo poser em luguar dos absentes dara o salayro que lhe bem
parecer dos ditõs beneficios dos absentes e se alguma cousa remanecer se partira pelos
presentes.
E porque ate ora as rendas dos beneficios da ditã Igreja senpre foram aplicadas a
destribuyções // [Fl. 8] cotidianas por o que os presentes que nam foram interesentes
serão descontados em toda a renda de seus beneficios conforme a constituyção de
Dom Pedro bispo da Guarda que foy comendatario de Santa Cruz. E este desconto se
fara per oras no que for ordenado que se vença em cada huma das ditãs oras. E os que
nam forem a algumas oras nam deyxarão de ser contados nas outras oras a que forem
presentes nem nos beneses em que iso mesmo forem presentes senão soomente nas
oras em que nam foram presentes serão descontados.
Item na dita bula e letras da criação e ereyção se contem que a viguayria da ditã
Igreja era pequena e se aplicão as rendas e beneses dela a mesa do cabido, o que
foy por ao Santo Padre nam ser dada informação do que era verdade. He porque os
viguayros sempre forão postos e removiveis assuptum do prior moor do Mosteyro de
Santa Cruz e os beneses e rendas de que se sostentavão pertenciam ao ditõ Priorado
pollo que por o Santo Padre conceder e aplicar a mesa epyscopal do Bispado de Leyria
todos os beneses e rendas e dereytos que pertenciam ao ditõ Priorado de Santa Cruz
os beneses e rendas que os viguayros tee ora traziam e levavão pertencem a mesa
epyscopal do ditõ bispo de Leyria e nam podem pertencer a mesa do cabido posto que
na bula venhão a ditã mesa do cabido aplicados per não boa enformação. E por o ditõ
bispo poder levar os ditõs beneses e rendas por lhe pertenserem como ditõ he por tyrar
duvidas mandey fazer esta declaração.
Item porque // [Fl. 8v] entre os beneses que sua santidade aplica ao ditõ cabido
de Leyria sam as colheytas que o bispo de Coinbra tynha em Leyria por fazer os
oficios pontificaes nas cynquo igrejas que soyam ser do Bispado e Coinbra, as quaes
colheytas levava por as visytar, e o prior moor de Santa Cruz as paguava por ser prior
das ditãs cynquo igrejas. E porque o bispo de Leyria fiqua prelado em Leyria e nas
ditãs cynquo igrejas e a de servir os encarguos de visytar como visytava o bispo de
Coinbra. E iso mesmo fiqua prior e prelado asy em Leyria como nas cynquo igrejas
parece grande inconveniente que como bispo visyte e mays pague as colheytas que
226 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
soya a paguar o prior moor ao seu mesmo cabido sendo a colheyta dirreito que se ha
de dar ao visytador, o que he contra dirreito e rezão. E parece que sua santidade não
teve delo inteyra enformação e sobre o caso lhe tenho suplicado que asy o queyra
conceder como acima ditõ he. E portanto o cabido nam avera has ditãs colheytas.
Item porque a igreja de Nosa Senhora da Pena, que he a cabeça, esta em huma
rocha muy alta honde esta o castello rocheyro da cidade e o povo não pode hyr comodamente a ela como por experiencia se vee. E tambem por ser pequena não he
capaz de todo o povo poder ouvyr nela os oficios divynos he necesario fazer se igreja
convinyente e em luguar onde comodamente e com menos opresam posa hyr ouvyr o
povo os oficios devinos. Consyradas bem todas as rezões e inconvynientes se ordenar
que ajaa huma // [Fl. 9] soo freguesya e pera iso se faça huma igreja grande e nobre, a
qual se fara em bayxo onde chamão a Ordem em meo danbas as povoações pera que
asy os da Varzea como os da Ponte posam hyr a ella.
E porque ha ditã See, por ser edeficio nobre, se posa fazer com muyta perfeyção
e ao diante asy ela como has outras igrejas a que o bispo he obriguado a fabriqua
posam ser bem repayradas, de meu conselho e consentymento o ditõ bispo ordenou
que pera a ditã fabriqua ouvese renda apartada e que pera o feitõ do sobreditõ queria
dar e apartar da See rendas de sua mesa epyscopal. Rendas que pouco mays ou menos
valesem duzentos mil reais.
A qual renda ele nomearia e asynaria as propyedades em que asy lha dava e apartava com tal intendimento que a ditã renda que asy for apartada se empraze e arrende
per o bispo e duas dinidades abayxo ditas e se meta em huma arqua com tres fechaduras, das quaes huma chave tera o bispo ou quem ele manda. E outra tera o chantre
e outra o tesoureyro e dahy em presença das tres poesoas que estas chaves ham de ter
per mandado do bispo se paguarão os oficiaes e acheguas ou todas as outras cousas
de ornamentos que forem necesarios a fabriqua da ditã See e igrejas sobreditãs. E sua
santidade ho confyrmou asy como ditõ he, coo as penas que poera ao bispo e dinydades // [Fl. 9v] sobreditas que o contrayro fyzerem.
E porque todo ho acima ditõ foy feito, ordenado e instytuydo pollo ditõ bispo
Dom Frey Bras de Barros, com meu conselho e consentimento, segundo forma da ditã
bulla do Santo Padre, mandey pasar esta minha carta asynada per mim e aselada do
meu sello de chumbo.
Dada em a villa de Santarem, a vinte e quatro dias do mes de Outubro. Joham de
Seyxas a fez. Anno do Nacimento de Noso Senhor Jhesu Christo de mill e quynhentos
e quorenta e seys. Manuell da Costa a fez esprever.
A qual carta ao pee he asynada de hum synal que dyz ell Rey e loguo tem abayxo
huma sobescrição que dyz asy:
Ey por bem que esta carta pase pella chancellaria posto que seja pasado o tenpo
em que avia de pasar e paguara a chancellaria syngela soomente.
Em Lixbõa, a xiiij d’Outubro de j— bc Rbij.
E ao pee asynada com as guardas do synal sobreditõ dell Rey.
A qual instituyção he esprita em purgaminho e sam, sem ter nenhuma cousa que
faça duvida e com huum sello de chumbo pendente per cordão branquo e azull diguo
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Reflexões
. história .
. história .
verde de seda de retroz, no qual sello pendente de chumbo estão fixas as armas e synais dell Rey. E nas costas asyllada e pasada pella chancellaria e diz que pasou a vinte
dias de Outubro de mill e quynhentos e quorenta e sete annos. E hum synal que dyz:
Pero Guomez. E mays abayxo diz: E aos oficiaes setecentos e vinte reais. E do cordão
sesenta reais. E outra postilha dyz: Recebida na chancellaria. E mays abayxo hum synall que diz: Petrus. E era pasada e autorizada e asynada pellas pesoas da chancellaria
segundo se todo nella contynha. E tudo eu ditõ Antonio Ferrnandez esprivão e notairo
apostolyco trelladey da ditã propia instituyção que pera iso me foy dada, // [Fl. 10]
[D]
Trelado das verbas e capytollos dos estatutos da ditã See e Bispado de Leyria que
o ditõ prior pedio.
Verba do primeyro capytolo.
Loguo per o ditõ senhor bispo e o ditõ cabido foy ditõ que era verdade que por
a Igreja da ditã cidade ser ora novamente levantada em cathedral por o Santo Padre
Paulo papa terceyro noso senhor e ser feito bispo dela, dignidades, coneguos he outros
beneficiados como mays larguamente constava per a instytuyção que per o ditõ bispo
com conselho dell Rey noso senhor a quem sua santidade o cometeo he feita e por
aver necesidade pera boom regymento da dita igreja e cabido de se fazerem novos
estatutos como tem todas as sees cathedraes ele ditõ senhor bispo d’acordo e consentimento do dito cabido fyzera os estatutos infra espritos.
Verba do segundo capitolo.
Item porque em a instytuyção que authoritate apostolyca de conselho dell Rey
meu senhor fyzemos em o principyo de nosa promoção que esta aceytada por o cabido
foy provido que em a dita igreja ouvese trinta beneficiados, scilicet, cynquo dinidades,
dez coneguos, dez meos coneguos e cynquo quartenayros. E as dinydades soomente
foram synadas precedencias entre huns e outros, estatuymos e ordenamos d’acordo e
consentymento do ditõ cabido que entre os coneguos precedão as ordeens humas as
outras, scilicet, os presbiteros aos diaconos e os diaconos aos subdiaconos e os subdiaconos aos cleriguo. E porem entre os de huma mesma ordem precederão os mays
antiguos em // [Fl. 10v] a igreja. E per o ditõ modo se guardaram as precedencias entre
os meos coneguos e quartanayros.
Verba do nono capitolo.
Item posto que em a instytuyção desta Igreja seja cauto que o cura acompanhado
dos meos coneguos e quartanayros administrara os sanctos sacramentos da comunhão
e hunçam dos enfermos. E as dinidades coneguos e meos conegos confesarão per ordenança do bispo, nos d’acordo e consentimento do ditõ cabido declarando e emadendo
mays em favor da ditã intytuyção ordenamos e instituymos que quando os taes sacramentos, scilicet, da sancta cumunhão e hunção se levarem aos enfermos que estiverem
em a cidade ou em luguares contiguos a ela sejam os curas que os levarem acompanhados ao menos de quatro beneficiados e de hum moço do coro. E a metade destes quatro
228 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
serão das dinidades e coneguos e a outra metade sera dos meos coneguos e quartanayros
e pera esto serão todos asy ordenados per somanas que jaamays posa aver falta.
[E]
Trelado da confirmação do nuncio.
Johannes Dei et apostolice sedis gratia archiepiscopis Sipontinus. In Regno Portugalie eiusdem sedis cum pietate legati de latere nuntius. Ad perpetuam rei memoriam.
Exposcit debitum nobis, ab apostolica sede iniunctum, ut ea que pro administratione regimen et guberno cathedralium ecclesiarum intra limites nostre legationis consistentium facta fuisse dicuntur cum de nobis petitur apostolico munimine fulciamus,
exhibita siquydem nobis nuper pro parte infrascriptorum reverendi in Christo patris
moderni episcopi, et dilectorum in Christo capituli leirensi, petitio continebat quod
alias pro bono regimine ecclesie Leirienses et allius capituli ipsi in unum congregati
quedam statuta et seu ordinationes ediderunt quorum tenor requiritur et est tallis. Cum
autem eadem petitio subingebat ea formis subsistant que apostolico munimine roborantur, pro parte eorundem episcopi et capituli nobis humiliter supplicatum extetit ut
sibi in premissis opportune prouidere de benignitate apostolica dignaremur.
Nos igitur qui ad infra scripta sufficienti facultate suffulti sumus huiusmodi supplicationibus inclinati premissa omnia et singula statuta et seu ordinationes et alia in
prescripto et inserto instrumento contenta sacris canonibus non contraria apostolica
auctoritate qua fungimur in hac parte tenorem presentium approbamus et confirmamus, supplentes omnes et singulas tam iuris quam facti defectus, siqui forsam interuenerint in easdem; non obstantibus premissis ac constitutionibus et ordinationibus, tam
sinodalibus quam apostolicis, necnon dicte ecclesie etiam iuramento confirmationis
apostolica uel quauis firmitatem alia roboratis statutis et consuetudinibus ceterisque
contrariis quibuscumque.
In quorum fidem has presentes literas manu nostra propria subscriptas fieri nostrique sigilli quod in talibus utimur impressione communiri iussimus.
Datum in edibus nostre solite presidentie prope et extra muros Ulixbonensis.
Anno Incarnatione Domini millesimo quingentesimo quadragesimo nono. Kalendas
Junii. Pontificatus santissimi domini nostri Pauli diuina prouidentia pape tercii anno
quintodecimo.
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Reflexões
Verba do capitolo xbiij.
E loguo per elles dinidades e coneguos foy ditõ que elles consentiam e aceptavam
a instytuyção que autoritate apostolyca per o ditõ senhor bispo seu prelado fora feyta
com conselho dell Rey noso senhor.
As quaes verbas e capitolos que asy foram asynados e nomeados pello ditõ Frey
Paulo prior do ditõ Moesteyro de Val Bemfeito procurador do ditõ senhor Dom Bras
de Barros bispo. Eu ditõ Antonio Ferrnandez esprivão e notairo apostolyco trelladey
do propio livro dos estatutos da dita See e bispado que me foy dado ho quall era autorizado e feito em pubrico em hum livro em purguaminho e nele era ha confyrmação
do nuncio que se adiante segue. // [Fl. 11]
. história .
A qual confir // [Fl. 11v] mação esta esprita da maneira que ditõ he no ditõ livro
dos estatutos da ditã See de Leyria, e ao pee asynada de hum synal que diz Joannes
archiepiscopus Sipontinus nuncius apostolycus. E outro synal mays que diz Joanis
Quyncius abbreviator. E sellada de hum selete de cera vermelha empreso nelle suas
armas do dito nuncio.
[F]
Trelado da constytuyção oytava que outrosy pedirão o ditõ procurador do ditõ
senhor bispo que he a seguynte.
Quando se podera usar das constituyções do metropolitano, constituyção biij.
Estabelecemos e mandamos que aquellas cousas que per estas constytuyções nam
forem providas asy quomo ao procesar dos feitos aa ordem de juyzo como em o mays
ho noso provysor e vygairo usem e julguem pellas constituyções do muito ilustre e
reverendisymo senhor arcebispo de Lixbõa nosso metropolytano.
E bem asy mandamos que se acontecer em alguma parte estas constituyções nam
conformarem com hos estatutos e instituyção de nosa Igreja que em tal caso se guardem os ditõs estatutos e instytuyção.
A qual constituyção e capytolo esta no Livro das Constituyções do ditõ Bispado de
Leyria, o qual livro he em letra de forma encadernado e autorizado e asynado pelo ditõ
senhor Dom Bras de Baros, bispo que as fez e foram pobricadas no cabido e casa em que
se fez, na ditã Se de Leyria, e aceytadas pellas dinidades e coneguos e clerezia segundo
no fim dellas esta, per termos, dizendo que antes que fosem emprimidas o dito senhor
bispo as praticara e mostrara e as aceytarão então e as aceytavão como ditõ tynhão.
A qual instituyção e procuração e verbas de capitollos dos estatutos e confirmação
do nuncio e capitolo de constituyção todo acima conteudo eu Antonio Fernandez, cleriguo notairo apos // [Fl. 12] tolyquo autoritate apostolyca e esprivão ante o vygairo
em esta villa d’Obidos e seu aciprestado pello ilustre e muito reverendissimo senhor
ho senhor Dom Fernando arcebispo de Lixbõa, treladey bem e fyellmente da propia
instytuyção e Livro d’Estatutos em o qual esta a ditã propia confirmação do nuncio
e do propio Livro das Constituyções tudo do ditõ Bispado e See da ditã cidade de
Leyria. E da propia procuração que tudo me foy dado pera por elas pasar este treslado
que com hos ditõs propios concertey e com ho ditõ Jorge Soãrez vigairo da vara na
dita vila pelo ditõ senhor arcebispo de Lixbõa.
E vay este treslado esprito em doze meas folhas de papel com esta em que asynou
ho ditõ vigairo. E eu ditõ notairo de meu synall pubrico que tal he, roguado e requerido. E diguo eu notairo e dou minha fee os estatutos conteudos no ditõ livro da ditã
See e Bispado de Leyria sam confirmados pello ditõ Nuncio que sinou, jurados pellos
ditõs dinidades e coneguos e clerizia da ditã See de Leyria segundo nelles se contem
em no ditõ livro que he em pubriquo.
(Assinatura)
Concertado comiguo: Jorge Soarez.
230 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
(Sinal do notário com a inscrição em filactério: A(ntonius). Fer(nandi). N(otarius).
Ap(ostolica). Aut(oritate) ) . // [Fl. 12v]
Trellado da instituição e ereição do Bispado de Leirea e See della que foy feito per
el Rey Dom Joam terceiro que aja gloria.
Do senhor bispo de Leiria.
Doc. 10
1558 NOVEMBRO, 24, Óbidos, Convento de Vale Benfeito – D. Frei Brás de
Barros institui uma capela de seis missas semanais, no Mosteiro de Penalonga, da
Ordem de S. Jerónimo, para a qual faz dotação de 250 mil reais. Três dessas missas
seriam celebradas por intenção de D. João III, D. Catarina e D. Sebastião, e as restantes pelo instituidor e seus pais.
Em nome de Deus amen.
Saibhão quantos este intromento de instituição de misas e capella virem que no
anno do Nacimento de Nosso Senhor Jhesuu Christo de mill e quynhemtos e cimcoenta e oito annos aos vimte e quoatro dias do mês de Novembro demtro no Mosteiro
da Ordem de Sam Geronimo da vocação de Nosa Senhora da Comceição setuado em
Vall Bemffeito termo da nobre villa d’Obidos, de Dioxesis do Arcebispado de Lixbõa,
em a cassa ou cella homde ora poussa ho senhor bispo Dom Bras de Barros frade da
dita Ordem primeiro bispo que foy da cidade de Leiria ct, estamdo elle hy presente e
asy ho Padre Frey Manoell do Castello de Vide prior do Mosteiro da Penallomga da
dita Ordim e Dioxesis.
E loguo pello dito bispo foy dito em presença de mim taballiam e testemunhas ao
diamte nomeadas que elle em louvor e por serviço de Nosso Senhor institoira ora em
ho dito Mosteiro da Penallomga, como de feito loguo institoio, huma capella de misas
pera sempra, scilicet, cada dia huma misa da festa ou feria correntes ou de que ho
sacerdote que a diser mães devação tever. E porem porque he cousa grave e onerosa
haver hum sacerdote ou aquelles que as ditas misas // [Fl. 1v] diserem de dizer misa
cada dia queria que pella dita capella e misas cotedianas não se disesem mais de seis
misas cada somana por hum sacerdote ou por aquelles a quem forem emcomendadas.
E porque o dito bispo constetoimte se acha ser em muita obrigação a el rey Dom
Joam terceiro deste nome, que samta glloria aja, e a rainha Dona Caterina sua molher
nosa senhora, e isto pellas honras e mercês que delles tem recebido, e por ho bem que
fazem as cassas de nosso padre Sam Geronimo, dise que das ditas seis misas que se
em ho dito Mosteiro am de dizer cada somana pera sempre ha primeira diga pello dito
rey Dom Joam e a segumda pella dita rainha Dona Catarina nosa senhora e a terceira
por ell rey nosso senhor Dom Sabastiam seu neto. E asi por cada hum dos reis seus
subcesores que neste reino de Portugall reinarem.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 231
Reflexões
TT – Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, documento com as numerações antigas: “Mº 5, Nº 95” e “Nº 659”.
. história .
E as outras tres misas se dirão por elle bispo e por seu pay e mãy que jazem em a
sua capella da imvocação de Nosa Senhora do Rosairo que esta em a crasta da See da
cidade de Bragua. E por aquelles que elle bispo he teudo e obrygado.
E porque he necesario que aquelles que servem ao // [Fl. 2] alltar vivão delle, dise
que fazia esmolla a dita <casa> e Mosteiro de Penallonga de duzemtos e cimcoenta
mill reais60, os quais emtregou loguo em dinheiro de contado peramte mim taballião
e testemunhas ao dito Padre Frei Manoell prior do dito Mosteiro de Penallonga pera
comprar em fazemda ou juro. Os quais dinheiros deixa em alma e comciencia delle e
padres do dito Mosteiro, scilicet, de todos juntos e cada hum per sy pera que se não
posão gaastar nem tomar emprestados somente estarem em arqua do ditõ comvemto
ou em arqua do comvemto do Mosteiro de Bellem ate se comprar a dita fazemda ou
juro de Sua Allteza pera sostemtação da dita capella, ho que avera iffeito deste mês
de Janeiro que em bora vira a hum anno salvo se elle bispo der mais allgum tempo.
E não se fazemdo como ditõ he se emtregue toda a ditã fazemda ou dinheiro a elle
dito bispo semdo vivo e semdo deffumto se emtregue ha Misericordia de Lixboa pello
modo que abaixo vai decllarado com sua obrigação.
E allem do sobredito dise ho dito bispo que porquoanto sua temção era que por
rezão da dita capella e misas ho dito Mosteiro e comvemto delle // [Fl. 2v] não recebese allguma torvação ou menoscabo asi em ho esprituall como temporall que a
elle lhe aprazia como de feito aprouve que quoando quer que ao sobredito comvemto
aprouver posa deixar a dita capella. E quoamto aos duzemtos e cimcoenta mill reais os
entregaram a Misericordia de Lixboa, scilicet, ao provedor e irmãos. Ou as propriadades que pello dito dinheiro forem compradas ou ho padram de juro com as escrituras
ou ho padrão de juro das compras.
E por este instromento pede por amor de Nosso Senhor ao dito provedor e irmãos
da dita Misericordia que tomando primeiro cem cruzados pera os gastos da dita casa
lhe mandem dizer ho mais por que se vemderem as ditas propiadades ou juro e o mais
que remanecer dos ditos duzemtos e cimcoenta mill reais em misas rezadas pellos
mosteiros que lhes bem parecer. E isto pellas pesoas e temção acima declaradas.
E loguo elle bispo constetoimte pedio ao dito prior de Penallongua que elle em
seu nome e do dito comvemto como seu procurador que he abastamte segumdo loguo
mostrou per sua procuração que ao diamte vai trelladada que avemdo respeito a dita
insti // [Fl. 3] toição ser feita em louvor de Nosso Senhor e tamta parte destes sacrafficios serem hofferecidos por as vidas, saude e sallvaçam dos Reis de Purtuguall ouvese
por bem em seu nome e dos padres do dito comvemto ausentes lhe aceitar e por si e
pello dito comvemto e padres que ora sam e ao diamte forem prometer pera sempre de
a goardar asy e da maneira que em ella he comtiudo.
E loguo ho dito prior e procurador em seu nome e padres capitollares do ditõ
Mosteiro de Penallomga per vertude de sua procuração dise que elle 61via e ouvia a
dita institoição que lhe per mim tabeliam em presemça das testemunhas foy lida e de60
61
Na margem esquerda da página: “25000”.
Corrigido de “avia”.
232 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
cllarada. E que elle em nome do dito comvemto haceitava asy e da maneyra que nella
se comtinha e prometia como de feito loguo prometeo por sy e por todos os padres
do dito Mosteiro que ora sam e que ao diamte forem de se dizerem as ditãs misas e se
comprir ho mais acima dito, hobrigamdo pera ello todos os beens do dito Mosteiro. E
que avia por arrenunciados todas e quoaisquer graças ou pervillegios gerais ou especiais que comtra ho sobredito fose ou se posa allegar em seu favor e de seu Mosteiro
asy em // [Fl. 3v] seu nome e do dito comnvemto.
[E] avia por bem que ho dito bispo posa por letereyro em pedra em ho luguar que
bem parecer do Mosteiro em que se comtenha ho sumario desta institoição e mais que
semdo caso que elle bispo se queira sepulltar no ditõ Mosteiro de Penallongua que ho
posa fazer em ha cllaustralla como elle pede.
E em testemunho de verdade mandaram aqui trelladar a procuração que he a seguimte:
¶ Sejam certos os que esta procuração virem em como nos os rellegiosos comvemtuãis do Mosteiro de Penallongua da Ordem do bemavemturado nosso padre Sam
Geronimo, da Dioxesis de Lixboa, fazemos e institoimos por nosso soficiente e
avomdoso procurador ao Padre Frei Manoell de Castello da Vide prior noso do dito
Mosteiro que elle sem eu nome e nosso e de toda a casa posa aceitar huma capella
de misas que ho senhor bispo Dom Bras primeiro bispo que foi de Leiria nosso frade
quer ora instetoir e ordenar no dito Mosteiro da maneira e com as comdições doutra
semelhamte capella que ho dito bispo fez em ho Mosteiro de Vall Bemffeito, da Ordem e Dioxesis sobredita, e com quoaisquer // [Fl. 4] outras que ao dito padre prior
bem parecer pera a quoall posa obriguar a dita casa e Mosteiro de Penallomgua e aos
rellegiosos delle presemtes e futuros a dizerem a dita capella pera sempre. Ho que
prometemos de ter todo por bem, firme e vallioso e asi comprirmos e mantermos pera
sempre todo ho que ho dito padre prior e procurador asi fezer e asemtar com ho senhor
bispo. E queremos e nos apraz que se pera ho sobredito poder vir a melhor iffeito aqui
forem neceçarias de se porem allgumas cllausollas conffforme a direito nos as avemos
aqui por postas e sopridas tais e quoantas forem necesarias. E isso mesmo queremos
e nos apraz que a esta seja dada tamta fee e autoridade e seja de tamto vallor como
se fose feita per mão de tabeliam publico e notairo. E por verdade asinamos aqui e
asellamos com ho sello comvemtuall do dito Mosteiro.
Feito oje quoatro dias do mes de Novembro da era de mill e quinhemtos e cimoemta e oito annos.
A quoall estaa ao pee asinada, scilicet, por Frei Bernalldo de Lixboa e Frei Fernando d’Ollivença e Frei Roque e estava asellada com ho dito sello do dito comvemto
segundo // [Fl. 4v] parecia ct.
Por vertude da quoall procuração ho dito padre prior e procurador em seu nome
e dos ditos padres dise que aceitava a dita capella como dito he. E em testemunho de
tudo asy pasar na verdade ho dito senhor bispo e o dito prior mandaram fazer esta nota
e dar della as partes hum e quoantos estromentos pedisem.
Que foi feita e outorgada no dito Mosteiro aos dia, mes era sobredita. Testemunhas
que rpesemtes forão Joam Ferrnandez barbeiro na dita villa d’Obidos morador e Dioguo
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 233
Reflexões
. história .
. história .
Ortis familliar do dito Mosteiro de Penallomgua e Christovão Cubia familliar do dito
Mosteiro de Valle Bemffeito. E asi o Padre Frei Paullo prior do dito Mosteiro ct.
O quoall dinheiro decllaro que recebeo ho dito prior de Penallomgua em ouro cimcoenta mill reais em moedas de Sam Visemtes e em tostões cemto e trimta mill reais
e de quoatro vimteens quorenta, vimteens trimta que fez soma dos ditos duzemtos e
cimcoenta mill reais ct.
O quoall instromento de instituição eu Joam da Pena publico taballiam do judeciall e notas por ell Rei nosso senhor na dita villa d’Obidos e seus termos dou fee62 fazer em minha nota honde jaz outorgado e della tirei este pera ho dito senhor bispo por
mo pedir pera sua goarda e quoantos mais // [Fl. 5] lhe comprisem bem e fiellmente e
escrevi de meu publico sinall que tal lhe, aos vimte de Dezembro de mill e quinhemtos
e cincoenta e oito annos.
Com amtrellinha que diz casa e coregido que diz fee que se fez todo por verdade.
(Sinal do notário). Pagou deste oitemta reais – lxxx reais.
Doc. 11
1559 MARÇO, 31, Óbidos, Convento de Vale Benfeito — D. Fr. Brás de Barros,
bispo de Leiria, institui, no Mosteiro de Nossa Senhora da Pena, de Sintra, uma capela em que se celebrem missas por alma de D. João III, D. Catarina e D. Sebastião,
e demais reis que lhe sucederem, bem como por alma de seus pais e sua. Contrata,
ainda, a sua sepultura junto ao capítulo do dito Mosteiro.
TT — Gaveta 10, Mº 5, Doc. 15.
Em nome de Deus amen. Saybhão quantos este instromento de instituição de misas e capella virem que no anno do Nacimento de Noso Senhor Jhesu Christo de mil
e quynhentos e cyncoenta e nove annos aos trinta e hum dias do mes de Março em ho
Mosteiro de Nosa Senhora da Comceyção de Vale Bemffeito situado no termo da nobre villa d’Obidos, Diocesis do Arcebispado de Lixboa, da Ordem do grorioso padre
Sam Geronimo em a cassa ou cella63 honde ora poussa ho senhor bispo Dom Bras de
Barros, frade da ditã Ordem, primeiro bispo que foi da cidade de Leiria, estamte elle
presente e asy ho Padre Frei Geronimo prior do Mosteiro de Nosa Senhora da Pena da
dita Ordem e Diocesis, loguo pello ditõ bispo foi dito em presença de mim taballiam
e testemunhas ao diante nomeadas que elle em louvor e por serviço de Noso Senhor
instituira em ho dito Mosteiro de Nosa Senhora da Pena, como de feito loguo instituio,
huma capella de misas pera sempre, misa de festa ou feriam coremte ou de que ho
sacerdote que a diser mais devação tever. E porem porque he coussa grave e onerosa
aver hum sacerdote ou aquelles que as ditas misas diserem de dizerem misa cada diã
que //[Fl. 1v] riã que pella ditã capella e misas cotedianas não se disese mais de seis
62
63
Corrigido.
Palavra emendada.
234 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
misas cada somana por hum sacerdote ou por aquelles a quem forem comendadas.
E porque ho ditõ bispo constituinte se achasse em muita hobrigação a ell Rei Dom
Joam terceiro deste nome, que santa gloria aja, e a rainha Dona Catarina sua molher
nosa senhora, isto pellas honras e merces que delles tem recebido por ho bem que
fazem as casas do Padre Sam Geronimo, dise que das ditãs seis misas que se em ho
ditõ Mosteiro am de dizer cada somana pera sempre a primeira se digua pello ditõ rei
Dom Joam, a segunda pella ditã rainha Dona Catarina nosa senhora e a terceira por ell
rei Dom Sabastiam noso senhor seu neto. E desi por cada hum dos reis seus sucesores
de maneira que sempre a ditã misa terceira se dira pello rei vivo que em estes reynos
de Purtugall reinarem.
E as outras tres misas se dirão por elle bispo e por seu pay e may que fazem em a
sua capella da imvocação de Nosa Senhora do Rosairo que esta em a crasta da See de
Braga. E por aquelles que elle bispo he teudo e ho // [Fl. 2] brigado.
E porque he necesario que aquelles que servem ao alltar vivão delle, dise que fazia
esmolla a ditã casa e Mosteiro de Nosa Senhora da Pena de duzemtos e cimquenta mill
reais, os quoais emtregou loguo em dinheiro de comtado peramte mim taballiam e testemunhas ao Padre Frey Giro Gironimo [sic] prior do ditõ Mosteiro de Nosa Senhora
da Penha pera comprar fazemdas. Os quais da e deyxa em sua allma e comciencia
delle prior ou priores e padres do ditõ Mosteiro sendo todos juntos e cada hum per
sy pera que se nunca possão gastar nem tomar emprestados sobmente estarem em [a]
arqua do ditõ comvemto ou em ha arqua do comvemto do Mosteiro de Bellem ate se
comprar a dyta fazemda ou algum juro a Sua Alteza para substentação da ditã capella.
Ho que avera effeito deste mes de Janeiro pasado a hum anno salvo se elle bispo
der mais allgum tempo e não se fazendo como ditõ he emtregar se ha toda a ditã
fazenda ou dinheiro a elle ditõ bispo sendo vivo e semdo deffumto se emtreguara a
Misericordia de Lixboa pello modo que ao diamte vay decla // [Fl. 2v] decllarado.
E allem do sobreditõ dise ho ditõ bispo que porquanto sua temção era que por
rezão da ditã capella e misas ho ditõ Mosteiro e comvemto delle não recebese allguma torvação ou menoscabo asy ho esprituall como temporall que a elle lhe aprazia
como de feito aprouve que quando quer que ao sobreditõ comvemto aprouver posão
deixar a dita capella. E quanto aos duzentos e cymcoenta mil reais os emtregarão a
Misericordia de Lixboa, scilicet, ao provedor e irmãos com as propiadades que pello
ditõ dinheiro forem compradas ou ho padrão de juro com as escrituras ou ho padrão
de juro das compras.
E por este instromento pede por amor de Noso Senhor ao ditõ provedor e irmãos
da ditã Misericordia que, tomando primeiro cem cruzados pera os gastos da dita, loguo
lhe mandem dizer ho mais por que se vemderem as ditãs propiedades ou juro ou64 ho
mais que remanecer dos ditõs duzentos e cincoenta mil reais em misas rezadas pellos
mosteiros que lhes bem parecer. E esto pellas pesoas e temção acima decllaradas.
E loguo elle bispo constitointe pedio ao ditõ // [Fl. 3] prior de Nosa Senhora da
Pena que elle em seu nome e do dytõ comvemto como seu procurador que he abastan64
Traçado “ou”.
| 47 • LEIRIA-FÁTIMA | 235
Reflexões
. história .
. história .
te segumdo loguo mostrou por sua procuração, que ao diamte vai treslladada, que avemdo respeito a ditã instituição ser feita em louvor de Noso Senhor e tamta parte destes
sacrafficios serem hofferecidos por as vidas, saude e sallvaçam dos reis de Purtugall,
ouvese por bem em seu nome e dos padres do ditõ comvemto ausemtes de aceitar e
por sy e pello ditõ comvemto e padres que ora sam e ao diamte forem prometer pera
sempre de logo a dar asy e da maneira que em elle he comteudo.
E logo ho ditõ padre prior e procurador dise em nome dos padres capitollares do
ditõ Mosteiro de Nosa Senhora da Pena per vertude de sua procuração dise que elle
viu e ouviu a ditã instituição que lhe per mim taballiam em presemça das testemunhas
foy lida e decllarada. E que elle em nome do ditõ comvemto aceitava asy e da maneira
que em ella se comtem e prometia como de feito loguo prometeo por sy e por todos
os padres do ditõ Mosteiro que ora sam e ao diamte forem de se dizerem // [Fl. 3v] as
ditãs misas e se cumprir ho mais acima ditõ hobriguando pera ello todos os beens do
ditõ Mosteiro. E que avia por arrenunciadas todas e quoaisquer graças ou previllegios
gerães ou especiães que comtra ho sobreditõ fosem ou se possão alleguar em seu favor
e de seu Mosteiro. E asy em seu nome e do ditõ comvemto aver por bem ate ho ditõ
bispo posa mandar por litereiro em que se comtenha ho sumario desta instituição ho
quoall litreiro he ho seguimte:
¶ Por allma dell rei Dom Joam terceiro deste nome que samta gloria aja se diz pera
sempre em este Mosteiro huma misa cada somana e pella raynha Dona Catarina sua
molher nosa senhroa se diz outra e outra por ell rei Dom Sabastiam seu neto nosso
senhor e por todos os reis destes reinos com tall imtemdimento que esta se dira sempre por ho rei que em elles reynar. E tudo ho sobreditõ em ho rotolo acima mandou
dizer e instituiu ho primeyro bispo de Leyria Dom Bras de Barros frade desta Ordem
e profeso desta casa que aquy jaz. E outras tres mandou dizer por sy e por seu pay e
may e por os que he teudo e hobriguado. E asy serão seis cada somana pera // [Fl. 4]
sempre. 65 E deixou ha casa per hum padrão de juro vinte mill reais cada anno. 1559.
E porque ho ditõ litireiro da primeyra fegura da estrella ate a segumda fegura de
que falla das misas e dos reis sera a custa delle bispo em pedra sobre ho arquo do
capitollo. E a outra parte que falla em ho bispo e seu pay e may porem em pedra rasa
com ho ladrilho que elle mandar lamçar sobre sua sepultura. A quall sepulltura ha
por bem ho ditõ padre prior da Pena em seu nome e dos ditõs padres que sam em a
casa deffromte do alltar de Nosa Senhora que esta asim ho ditõ capitollo e sera a ditã
sepulltura pera sempre pera elle bispo soo sem outra pessoa nella se emterrar.
E em testemunho de verdade mandarão aquy trelladar a ditã procuraçam que he
a seguinte:
¶ Sejão certos os que esta carta de procuraçam virem como nos os padres relligiosos abayxo nomeados e asinados convemtuais do Mosteiro de Nosa Senhora da Pena
da Ordem do bem avemturado padre nosso Sam Geronymo da Diocesis de Lixboa
fazemos e instituimos por nosso sofficiente e avomdoso procurador ao Padre Frey
Gironimo prior noso do ditõ Mosteiro que // [Fl. 4v] que elle em nome seu e noso e
65
Riscado: “e dei”.
236 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
dito comvemto possa aceitar huma capella de misas que ho senhor bispo Dom Bras,
que foi de Leyria, quiser ou instituir e ordenar no ditõ Mosteiro da maneira e com as
condiçõis doutra semelhante capella66 que ho ditõ bispo fez em ho Mosteiro do Mato
da ditã Ordem e Diocesis Ulixbonensis. E quaisquer outras que ao ditõ padre prior
bem parecer pera ho que elle posa hobriguar a ditã casa e Mosteiro de Nosa Senhora
da Pena e aos relligiosos presemtes e futuros a dizerem a ditã capella pera sempre.
Ho que prometeram de aver todo por bom e firme vallyoso e de asy ho comprirmos
e mantermos pera sempre todo ho que ho ditõ padre prior e procurador asy fizer e
asemtar com ho ditõ senhor bispo. E queremos e nos apraz que se pera ho sobredito
poder valer a mylhor aqui som necesarias de se poerem allgumas clasullas confforme
ao direito nos as avemos aqui por postas e sopridas tais e quoantas forem necesarias.
E iso mesmo queremos e nos praz que a esta seja dada tamta fee e autoridade e sera de
tamto valor como se fose feita per mão de notario publico. E por verdade asynamos
aquy todos, scilicet, ho Padre Frey Ge // [Fl. 5] ronimo prior e procurador que ora he
do ditõ Mosteiro e o Padre Frey Joam de Penamacor vigairo e o Padre Frey Joam de
Coimbra e o Padre Frey Amdre e o Padre Frey Bernabe e Frey Amtonio e Frey Joam
de Ribaffria e Frey Amdre da Povoa e Frey Dioguo e Frey Jacobo e Frey Allvaro
comselliarios. E com ho sello conventuall do dito Mosteiro, em vimte e outo dias de
Março de mill e quynhentos e cincoenta e nove annos.
A quall procuração estava asynada ao pee segundo parecia pellos ditõs padres nomeados nella e asellada. E por vertude da quoall ho ditõ padre prior aceitou a ditã capella como ditõ he. E em testemunho e fee de verdade ho ditõ senhor [bispo] mandou
e outorgou asy ser feito este instrumento de instituyçam e pedio desta nota quantos
desta nota lhe cumpryrem que foy feito e outorgado no ditõ Mosteiro de Vall Bemffeito e asi da maneira sobreditã.
Testemunhas que presemtes forão ho Padre Frey Paullo prior do ditõ Mosteiro e
o Padre Frey Damiam vigairo nelle. O quoall dinheiro recebeo ho ditõ padre prior em
tostões, meos e moedas de quoatro vymteis, vimteis meos, pardaos d’ouro todo da
moeda ora corremte d’ouro e prata que fez a ditã soma dos ditõs duzemtos e // [Fl. 5v]
cynqoenta mill reais. Testemunhas ho Padre Frey Amtonio da Merceana. E asinaram
todos com ho ditõ bispo.
Em o quaoal instrumento de instituyção eu Joam de Pena publico taballião do
judiciall e notas por ell Rei noso senhor na ditã villa d’Obidos e seus termos dou fee a
notar em minha nota homde jaaz outorgado e delle tirey este pera ho ditõ Mosteiro da
Pena per mandado do ditõ bispo bem e fiellmente e asynei de meu publico synall que
tall he. E com os riscados que dizem como e amtrellinha que diz fiz e coregido que diz
todo e este riscado que se fez todo por verdade.
(Sinal do notário). Pagou com nota duzentos e quarenta reais. - ijc R reais.
[Sobrescrito]
† Instituiçam do senhor bispo de Leyria Dom Bras da capella que fez no Mosteiro
de Nosa Senhora da Pena.
66
Corrigido de: “doutras semelhantes capellas”.
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Reflexões
. história .
. história .
Doc. 12
1559 JUNHO, 14, Sintra (Mosteiro de Nossa Senhora da Pena) — D. Frei Brás de
Barros institui uma segunda capela de seis missas por semana, no Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Vale Benfeito (Óbidos), por sua alma, dotando-a com
241 mil reais. Deste dote comprou-se fazenda de rendimento na Ribeira de Peniche.
Por declaração dos frades covnentuais desse Mosteiro, de 8 de Fevereiro de 1560,
declara-se que a soma de dinheiro efectivamente entregue se cifrou em 250 mil reais.
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, documento com as
numerações antigas: “Mº 5, Nº 93” e “Nº 663”. Documento igual, destinado ao bispo
D. Brás de Barros, no mesmo maço, com as numerações antigas: “Mº 5, Nº 94” e “Nº
661”.
Em nome de Deus amem.
Saybhão os que este estromento de instituyção de misas e capella vyrem que no
anno do Nascymento de Noso Senhor Jhesuu Christo de mil bc e cymquoemta e nove
annos xiiij dias do mes de Junho em o Moesteiro de Nossa Senhora da Pena sytuado
em o termo da villa de Symtra, Diocesys do Arcebispado de Lixboa, da Ordem do glorioso padre São Geronymo em a casa da enfermarya do ditõ Moesteiro estamdo ahy
presemte o senhor bispo Dom Bras de Barros frade da ditã Ordem, primeiro que foy
da cidade de Leyrya, e asy estando presente o Padre Frey Demeyão vigairo do Moesteiro de Nossa Senhora da Comcepção de Vall Bemfecto da ditã Ordem e Diocesys.
E loguo pelo ditõ bispo foy ditõ em presemça de mym tabalyão e testemunhas ao
diamte nomeadas que elle em louvor e por serviço de Noso Senhor instituye ora em o
ditõ Moesteyro de Vall Benfecto como de fecto loguo instituyo huma capella de misas
pera sempre, scilicet, cada dia huma mysa da festa ou ferea corrente. E porem porque
he cousa grave e onerosa aver huum sacerdote ou aquelles que as ditãs // [Fl.1v] mysas diserem de dyzer misa cada dia, querya que, por a ditã capella e misas cotydyanas,
nom se disesem mais de seys misas cada somana per hum sacerdote ou por aquelles a
quem forem emcomendadas. As quaes mysas se dyrom por sua senhorya e por todos
aquelles que ele hee obrigado encomendar a Deus.
E porque he necesaryo que aquelles que servem ao alltar vivam delle disse que fazya esmolla a ditã casa e Moesteiro de Vall Bemfecto de duzemtos e quorenta e huum
mil reais, os quaes entreguou ao Padre Frey Paullo prioll do ditõ Moesteiro de Vall
Bemfecto segundo pelo ditõ Frey Demeyam vigairo do ditõ Mosteiro de Vall Bemfecto foy ditõ e comfesado que os recebera pera comprarem em fazenda que remdese ao
ditõ Moesteiro como de fecto comprarom e juro del Rey noso senhor vymte mill reais
de herdade e juro pera sempre na Ribeyra de Peniche, segundo loguo hy constou. E
apresentarom huum padrão da ditã temça e juro de sua allteza sprito em purgamynho
com seu sello pendemte de chumbo em cordão de retroz verde e branco. O quall juro
o ditõ senhor bispo disse que dava e de fecto deu pera sostemtação da // [Fl. 2] ditã capella, a qual capella e misas se começarão a dyzer do primeyro dia do mes de Janeyro
este passado da presemte era por dyamte.
238 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
E alem do sobreditõ dise o ditõ senhor bispo que porquamto sua tenção era que
por rezão da ditã capella e misa ho ditõ Moesteiro e comvemto delle nom recebese
alguma trovação ou menoscabo asy em o esprituall como temporall que a ele aprazya
como de fecto aprouve que quamdo quer que ao ditõ comvento aprover posa deyxar a
ditã capella. E quamto aos duzemtos e quoremta e huum myll reais os emtreguarom a
Misericordia de Lixboa, scilicet, ao provedor e irmãos ou a ditã temça de juro que pelo
ditõ dinheiro foy comprada como ditõ hee com a espritura e padrão da ditã compra.
E por este estromento pede por amor de Noso Senhor ao ditõ provedor e irmãos
da ditã Mysericordia que tomando primeiro cem cruzados pera os guastos da67 ditã
casa lhe mandem dyzer o mays por que se vemder a ditã tença ou juro ou o mays que
remanecer dos ditõs duzentos e corenta e huum myl reais em misas rezadas pelos
moesteiros que lhes bem parecer. E isto pella emtemção asyma decrarada.
E loguo elle senhor bispo constituymte pedio ao ditõ // [Fl. 2v] viguayro de Vall
Bemfecto que elle em seu nome e do ditõ comvemto como seu procurador que he
abastamte seguundo loguo ahy amostrou por sua procuraçom que ao diamte vay
trelladada, que avendo respecto a ditã instituyção ser fecta em louvor de Noso Senhor
e proll do ditõ comvemto ouvese por bem em seu nome e dos padres 68 do ditõ comvemto absemtes de aceptar por sy e pelo ditõ comvemto e padres que ora são e ao diante
forem prometer pera sempre de aguardar asy e da maneira que em elle he comteudo.
E loguo ho ditõ padre vigayro e procurador em seu nome e dos padres capytollares
do ditõ Moesteiro de Vall Bemfecto por vyrtude de sua procuraçam dise que elle avya
e ouvya a dytã instituyção que lhe por mym tabalyão em presemça das testemunhas
foy lyda e decrarada. E que elle em nome do ditõ comvemto ha aceptava asy e da
maneira que em ella se comtynha. E prometya como de fecto loguo prometeo por sy
e por todos os padres do ditõ Moesteiro que ora são e ao diamte forem de se dyzerem
as dytas misas e se comprir o mays asyma ditõ obryguando pera ello todos os bens do
ditõ Moesteyro. E que avya por renucyadas todas e quaesquer graças ou previlegios
gerais ou especyais // [Fl. 3] que comtra o sobredytõ fosem ou se posão aleguar em
seu favor e de seu Moesteyro.
E asy em seu nome e do ditõ comvemto avya por bem que ho ditõ senhor bispo
possa poor lytereyro em pedra em luguar que bem parecer do Moesteiro em que se
comtenha o sumaryo da ditã instituyção. O quall lytyreyro ja esta fecto e asemtado na
cllaustra primcipall do ditõ Moesteiro omde por sua senhorya foy ordenado e mandado que se posese. E mais que sendo caso que elle senhor bispo se queyra sepulltar
no ditõ Moesteiro de Vall Bemfecto que ho posa fazer em a claustra como elle pede.
E em testemunho de verdade mandarom aquy trelladar a procuraçam que he a
seguymte:
Seyão sertos os que esta carta de procuração vyrem como nos o Padre Frey Paullo
prioll e os relegiosos abayxo nomeados e asignados comvemtoais do Moesteiro de
67
68
Emendou: “da”.
Riscado: “comv”.
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Reflexões
. história .
. história .
Nosa Senhora da Comcepção de Vall Bemfecto da Ordem do bemavemturado padre
noso São Geronymo, da Dyocesys de Lixboa, fazemos e instituimos por noso sobfecyemte e avomdoso procurador ao Padre Frey Demeyão vigairo do ditõ Moesteiro
que elle em nome seu e noso e de toda a casa posa aceptar huuã capella de mysas que
o senhor bispo Dom Bras asi ora [quer] // [Fl. 3v] instituyr e ordenar no ditõ Moesteiro
da maneyra e com as comdições doutra semelhante capella que ho ditõ bispo fez em
o Moesteiro do Mato da ditã Ordem e Diocesys e com quaesquer outras que ao ditõ
padre vyguayro bem parecerem pera o quall posa obryguar a ditã casa e Moesteyro
de Vall Bemfecto e aos relligiosos presemtes e futuros a dyzerem a dytã capella pera
sempre. E que prometemos de ter todo por boom e fyrme e vallyoso e de asy ho comprirmos e mamtermos pera sempre todo ho que ho ditõ padre vyguayro e procurador
asy fyzer e asemtar com ho ditõ senhor bispo.
E queremos e nos apraz que se pera ho sobreditõ poder vyr a mylhor efectõ aquy
forem necesaryos de se poerem allguumas crausollas comforme ao dyreyto nos as
avemos aquy por postas e sobpridas taes e quamtas forem necesaryas. E iso mesmo
queremos e nos apraz que a esta seya dado tamto vallor como se fose feyta por mãao
de notayro publico e por verdade asy // [Fl. 4] asynamos aquy todos e asellamos com
ho sello comvemtuall do ditõ Moesteyro, aos vymte e seys dias do mes de Mayo de
myll e quynhemtos e cymquemta e nove annos.
Frey Paillo prioll, Frey Demeyão vygairo, Frey Yoam d’Evora, Frey Dioguo, Frey
Bernaldo d’Allcobaça.
Em testemunho de todo asy pasar na verdade, o ditõ senhor bispo e procurador
mandarom fazer esta nota e daar della as partes huum e quamtos estromentos pedyrem. Testemunhas que a ello forom presemtes o Padre Frey Francysco de Barcellos
viguayro do dytõ Moesteiro de Nosa Senhora da Pena e Frey Amtonyo de Guymarães
profeso do Moesteiro da Costa da ditã Ordem e Frey Dioguo convymtuall do ditõ
Moesteiro de Nosa Senhora da Pena.
E alem do sobreditõ disse o senhor bispo que em o ditõ Moesteiro lhe dezyam
outra capella pellas pessoas comteudas na instituição da mesma capella e por esta
maneyrã são duas capellas que pera sempre lhe ham de dyzer. Testemunhas as sobredytas. // [Fl. 4v] Guaspar Borralho tabalyão o esprevy.
Dom Bras de Barros bispo de Leyrea, Frey Franncysco de Barcellos, Frey Demeyão vygairo, Frey Dioguo, Frey Amtonyo.
69
Eu Gaspar Boralho moso da camara dell Rey noso senhor publico tabeliam das
notas e judicyall por sual allteza em a dita villa de Syntra e seu termo que este estormento de instituiçom em meu lyvro de notas notey e nele bem he fyellmente asim
esprevy fyz trelladar e da nota tyrar per a casa da Misericordia por o pedyr o senhor
bispo pera iso e com o proprio consertey e coregy no mall esprito que diz da dita,
costituinte, e o riscado que dizia, comv., que se fez por verdade e sobesprevy e aquy
meu publico synal fiz que tal he.
(Sinal do notário) Pagou deste Lxxx reais. // [Fl. 5]
69
Por letra diferente.
240 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
† O Padre Frei Pedro Barbudo prior do Moesteiro de Nosa Senhora da Conceição de Val Benfeito da Ordem de noso padre São Hieronimo e o Padre Frei Damião
vigairo e o Padre Frey Sebastiam e o Padre Frei Joam d’Evora e os outros padres e
convento aos que a presente declaração virem, saude em Noso Senhor Jesu Christo.
Fazemos saber que vimos a instituição atras escrita e por acharmos estar errada
enquanto diz que o bispo Dom Bras de Barros deu duzentos e corenta e hum mil reais
pera se dizer a capela como en a dita instituição atras escrita esta dito, nos declaramos
e dizemos que a verdade he que o dito bispo noso irmão deu pera a dita capela duzentos 70 <e cinquoenta> mil reais de que se conprarão os vinte mil reais de juro cada
ano. E outros tantos deu pela primeira capela que antes desta segunda en’a dita casa
tinha instituida. E por todo ser verdade fizemos aqui en as costas desta instituição esta
declaração e asinamos de nosos sinaes.
Em oito dias de Fevereiro de mil e quinhentos e sesenta anos.
E eu Frey Filippe professo do dito Mosteiro que esto escrevi e asiney.
(Assinaturas)
Frey Pedro Barbudo prior.
Frey Damyão de Guymarães.
Frei Joam d’Evora.
Frey Sebastiam.
Frei Dioguo. // [Fl. 5v]
Pera a Misericordia da cydade de Lyxboa.
Estromento da capella de Vall Bemfeito. Segunda.
Doc. 13
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, Documento com a
numeração antiga: “Mº 5, Nº 88. Nº 657”. Instrumento igual, mas do Mosteiro, no
mesmo maço, com a numeração antiga: “Mº 5, Nº 89. — Nº 658” .
Em nome de Deus, amen. Saibhão os que este estromento de instituição de mysas
e capella vyrem que no anno do Nasymento de Noso Senhor Jhesuu Christo de myll
e quynhemtos e cymquoemta e nove annos vymte e huum dias do mes de Aguosto
em ho Moesteiro de Nosa Senhora da Pena sytuado em o termo da villa de Symtra,
Diocesys do Arcebispado de Lixboa, da Ordem do glorioso padre Sam Geronymo em
a casa da emfermarya do dito Moesteiro, estamdo ahy presemte o senhor bispo Dom
70
Riscado: “e corenta”.
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Reflexões
1559 AGOSTO, 21, Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra — D. Frei Brás
de Barros, primeiro bispo de Leiria, institui, no Mosteiro de Nossa Senhora da Pena,
de Sintra, uma capela de seis missas em cada semana, por sua alma e em louvor de
Nosso Senhor, para o que lhe faz dotação de 250 mil reais.
. história .
Bras de Barros frade da dita Ordem, primeiro bispo que foy da cydade de Leyrea, e
asy estando presemtes o padre 71 prioll e os padres capitullares do dito Moesteiro, scilicet, Frey Geronymo de São Yoão prioll e o Padre Frey Amdre de Symtra e o Padre
Frey Bernabe e o Padre Frey Antonyo da Merceana e o Padre Frey Pedro de Ribafrya
e Frey Amdre da Pomte e Frey Dieguo e Frey Allvaro, loguo por o dito senhor bispo
foi dito em presemça de mym tabalyão e testemunhas ao diamte nomeadas que elle,
por serviço e em louvor de Noso Senhor, instituya ora em o dito Moesteiro de Nosa
Senhora como de feito loguo instituyo pera sempre huuma capella // [Fl. 1v] de mysas,
as quaes se dyrão da festa ou ferya ocorrente ou se dyrom de quem o sacerdote que as
dyser mays devação tyver.
E porem que era cousa grave e onerosa aver huum sacerdote de ser obryguado de
dyzer mysa cada dya e querya que por a ditã capella nom se dissesem mais de seys
mysas cada somana por huum sacerdote ou por aqueles a quem forem emcomendadas.
As quais mysas se dyrom pera sempre em louvor de Noso Senhor e por a alma do dito
bispo.
E porque era necesaryo que aquelles que servem no alltar vyvam delle dyse que
fazya esmolla ao dito Moesteiro de Nossa Senhora de duzemtos e cynquoemta mill reais pera mercarem fazenda que rendese ao dito Moesteiro ou temça de juro e herdade
dell Rey noso senhor, que rendese pera sempre. Per a qual fazenda ou juro comprando-se o dito bispo disse que dava e de fecto deu ao dito Moestreiro pera sostemtação
da ditã capella pera sempre.
As quaes misas se começarão a dyzer tamto que se emtreguar os ditos duzemtos e
duzentos [sic] e cymquoenta mill reais ao officyall de sua allteza pera el hordenado. E
alem do sobredito dise ho dito bispo que porquamto sua temção era que por rezom //
[Fl. 2] da dita capella e misas o ditõ Moesteiro e comvento delle nom recebesem allguuma torvação ou meoscabo asy em o esprituall como temporall que a elle aprazya
como de fecto aprouve que quando quer que ao ditõ convemto aprouver posa deyxar
a ditã capella. E quamto aos duzemtos e cymquoemta myll reais os emtreguaria a Mysericordia de Lixboa, scilicet, ao provedor e irmãos ou a dita tença de juro ou fazenda
que pelo ditõ dinheirro for comprada como ditõ he e com todas as esprituras e padrão
da ditã compra. E por este estromento pede ho ditõ bispo por amor de Nosso Senhor
ao ditõ provedor e irmãos da ditã Mysericordia que tomamdo primeiro cem cruzados
pera os guastos da ditã casa lhe mandem dyzer o mais por que se vemder a ditã tença
ou juro ou o mais que remanecer dos duzemtos e cymquoemta mill reais em mysas
rezadas pelos moesteiros que lhes bem parecer e isto pela tenção acyma decrarada.
E loguo elle bispo constituymte pedio ao dyto prioll e comvemto do dito Moesteiro que avemdo respecto a ditã instituyção ser fecta em louvor e serviço de Nosso
Senhor e prol do // [Fl. 2v] comvemto ouvesem por bem em seu nome e dos religiosos
futuros de aceptar per sy e pellos que ao dyante forem prometer de aguardar pera
sempre asy e da maneira que em ella he comteudo. E loguo ho ditõ prioll e comvemto
em seu nome e dos futuros dyserom que elles vyam e ouvyão a ditã instituyção que
71
Riscou: “frey”.
242 | LEIRIA-FÁTIMA • 47 |
. história .
lhe per mym tabalyão em presemça das testemunhas foy lyda e decrarada e que elles
aceptavão a ditã capella asy e da maneira que nesta instituyção se comtinha. E prometião como de fecto logo prometerom per sy e per todos os padres do dytõ Moesteiro
que ora são e ao dyamte forem de se dyzerem as dytas mysas e comprir o mays acyma
dyto, hobryguamdo pera ello os beens do dytõ Moesteiro.
E que avyão por arrenuncyadas todas e quaesquer graças geraes ou especyães
presemtes ou futuras que comtra ho sobreditõ fosem ou se posam aleguar em seu favor
e de seu Moesteiro. E asy avyam por beem que ho ditõ bispo posa enader lytereyro
ao da outra capella que ja tem instituyda em ho ditõ Moesteiro em que se comtenha o
sumaryo da instituição desta segunda capella.
E logo em presença de mym // [Fl. 2v] de mym taballyão e testemunhas o dito
bispo mandou entreguar ao ditõ prioll e comvemto em ouro e em prata os ditos duzemtos e cymquoenta myll reais em dinheiro de comtado. E em testemunho de verdade
o dito bispo e padre prioll e convemto do ditõ Moesteiro mandarom fazer esta nota e
dar della as partes huum e quamtos estromemtos pedyrem.
Testemunhas que presemtes forom: Frey Manoell e Frey Domynguos padres do
ditõ Moesteyro e Pedro Afonsso homem de casa e eu Guaspar Borralho tabalyão em
a dita villa a esprevy.
72
Eu Guaspar Boralho moso da camara del Rey noso senhor e publico tabeliam
das notas e judicyal por sua alteza em ha dita vylla de Syntra e seu termo que este
estromento de instituiçom em meu lyvro de notas notey e delle bem he fyellmente a
fiz trelladar pera o dito senhor bispo e o consertey com o ryscado que dizia frey e nom
faça duvyda onde diz duas vezes duzentos porque ha verdade diz duzentos e Lta mill
reais e o sobesprevy e aquy meu publico synall fiz que tal he. (Sinal).
Pago desta com nota e ida duzentos e vinte reais. // [Fl. 3]
Doc. 14
1561 MARÇO, 22, Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra — Testamento
de D. Fr. Brás de Barros, bispo de Leiria. Com aprovação e validação, do mesmo,
datadas de 24 de Março e 1 de Abril do mesmo ano.
TT — Mosteiro de Nossa Senhora da Pena de Sintra, Mº 7, doc. com a cota antiga:
“Mº 5, Nº 87. — Nº 656.”
B) Cópia quinhentista só do testamento: BNP — Manuscritos, Cod. 28, Nº 99,
fls. 91-93.
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Desde aqui, o assento foi lançado por mão do próprio Gaspar Borralho.
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Reflexões
Pera o senhor bispo.
† Instituição da capella de Nossa Senhora da Penma, polla alma do bispo somente.
Outra como esta anda no cartorio. 1559.
. história .
In nomine sancte et indiuiduae Trinitatis, Patris et Filii et Spiritus Sancti, amen.
Frei Bras de Barros, frade da Ordem de nosso padre São Hieronimo, per merce de
Deus, e da Sancta Madre Igreja de Roma, bispo da cidade de Leiria, <e do conselho
del rei nosso senhor>, estando em todo meu entendimento e rezão que ho Senhor
Deus me deu, e temendo a ora da morte, declaro minha ultima vontade e faço meu
testamento, per a maneira seguinte:
Item primeiramente porque a fee he fundamento de todas as vertudes, e sem fee
imposivel he aprazer a Deus, diguo que eu creo em Deus todo poderoso, Padre, Filho
e Spiritu Sancto, trino em pressoas, e hum em essencia, assi em tam inteiramente
como se contem em os tres simbolos, scilicet, em ho dos apostolos, e em ho do concilio de Nicena, e de Atanasio. E em esta sancta fé, assi como a sancta madre igreja
catholica cre e confessa, vivo, e protesto de viver em mãos deste Senhor. E peço a
gloriosa Virgem Maria sua madre, e a nosso Padre São Hieronimo, e a toda a corte
celestial rogue por mim peccador.
Item mando que quando Nosso Senhor for servido que eu passe da vida presente,
meu corpo seja enterrado em a claustra deste Mosteiro, que se diz de Nossa Senhora
da Pena, em o luguar que os padres me tem dado, ante o capitolo. Em o qual mosteiro
ora estou recolhido, porque tenho renunciado o Bispado por minha fraqueza e velhice
e outras enfermidades.
Item mando que em o dia de minha sepultura, me diguam conventualmente huma
missa rezada, e assi me dirão ho officio dos finados, e enterramento, tudo rezado. E ha
oferta offereceram somente huma tocha acesa. E alem do sobredito, me dirão mais no
dito dia da sepultura, ou quanto mais em breve poder ser, doze missas rezadas. // [Fl.
1v] E por a sobredita maneira, me farão com a mesma offerta ao septimo dia, e mes e
anno. E quanto ao tanger dos sinos, não me tangerão mais, nem farão mais sinais com
elles, do que acustumão fazer por qualquer religioso defunto. E o mesmo se fara em
a mais pompa funeral.
Item mando que ao dito Mosteiro onde meu corpo sera sepultado, que por trabalho
dos ditos officios, assi como da sepultura e dos outros tres, se de d’esmola por cada
hum officio, com as tochas, dez cruzados.
Item deixo por meus testamenteiros ao Reverendo Padre Frei Bras d’Olivença,
provincial que ora he desta Ordem de nosso Padre Sam Hieronimo, estando o dito
padre em estas tres casas, scilicet, Bethlem, Penalongua e Nossa Senhora da Pena. E
sendo ausente destas tres casas ficara por meu testamenteiro ho padre que em esta casa
de Nossa Senhora da Pena for prior. E a elles peço por amor de Nosso Senhor queirão
aceitar ho dito trabalho, como em suas reverencias confio, e eu tenho que faria se per
elles (salva a obediencia de todos) me fosse encomendado, porque pera o poderem fazer e aceitar, eu tenho licença do padre provincial, e padres do capitolo privado, como
se vera por seu despacho que esta em as costas de nossa petição, a qual se achara em
o nosso scritorio e almario, que esta fechado, ha mão esquerda, abrindo-se o scritorio.
Item declaro que tenho pago a todos meus criados e a todos aqueles que me ajudarão em o dito officio de bispo. E a Antonio d’Almeida que comiguo rezava deixo
os corenta mil reais que lhe tenho dado, e apartado ha dias em ha arca do convento
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deste Moesteiro de Nossa Senhora da Pena. E se os que tenho por soldada não forem
paguos, mando que se paguem.
Item as dinidades e cabido da Sé de Leiria, a quem // [Fl. 2] eu procurei tanto bem,
me demandarão ha certos annos, por certas rendas contiudas em ha instituição da Igreja, que por mandado do Sancto Padre com conselho e parecer de el Rei Dom João meu
senhor que sancta gloria aja, mandou que fizese, diguo que se caso for, que depois de
minha morte elles ou alguns delles, quiserem tornar ha demanda ou mover outra demanda, por me auxar, porque a verdade he e assi ho certeficio por a ora em que ei-de
estar em aquelle dia ultimo, e por todo o mais que eu posso como religioso e bispo,
que assi por o que esta manifesto em direito, e por conselho de bons letrados, que eu
não lhes devo nada, como todo se vera por os passes que estão em ho nosso scritorio.
E porem em tal caso diguo, que se caso for, as dinidades, ou cabido ou qualquer deles
particular da dita Sé, ou outra alguma pessoa quiser fazer demanda que toque ou possa
tocar, ou ser em perjuizo das capelas que tenho feitas e instituidas em os moesteiros
desta Ordem de nosso Padre São Hieronimo, ou doutras esmolas, que peço por amor
de Nosso Senhor ao padre provincial e padres priores da dita Ordem, que a custa das
ditas capellas, deixando de dizer as missas que lhe bem parecer, defendam as instituições das ditas capellas. E do mais quanto direito poder ser, porque eu nunqua desejei
tomar ho do cabido, mas fazer-lhe bem. E todo o sobredito se fara, tambem se alguum
ou alguuns quiserem demandar alguum serviço, porque a todos tenho paguo, salvo se
fosse alguum que tivesse por soldada.
Item declaro que eu tenho bula do Sancto Padre que me passou o seu nuncio Pomponio Zambicario, per o poder que pera ello tinham pera testar ate mil e quinhentos
cruzados. A qual bula se achara em o dito nosso scritorio // [Fl. 2v] em o dito almario.
E com ella se achara ho trelado em pubrico do breve, por onde o Sancto Padre concedeo ao dito nuncio a sobredita faculdade. E por tanto essa pobreza de fato que me
for achada, per qualquer modo que seja, deixo toda ao Mosteiro de Nossa Senhora da
Pena, donde são professo.
Item deixo ao Moesteiro da Madre de Deus onde está minha irmam Soror Ines da
Resurreição, trinta cruzados d’esmola.
Item mando que o dinheiro que se achar, e assi o que por boa conta me for devido
da minha pensão, que tirados os legados que mando paguar, se guaste em o cerco da
dita casa de Nossa Senhora da Pena, se ainda não for acabado, ou em as ermidas, que
dentro nelle ham de estar. E se tudo for acabado, deixo qualquer cousa que me for
achado em dinheiro, ao dito Mosteiro de Nossa Senhora da Pena, de esmola.
Item porque depois dos testamentos feitos e cerrados, lembrão algumas cousas,
diguo que meus testamenteiros paguarão qualquer cousa que acharem que mando
paguar, ou fazer, ou dar em esmola, por meu mandado e asinado per mim, ho qual
asinado tera tanto viguor e força como se fosse clausula inserta e posta em este meu
testamento, sem embarguo de ser contrairo ha alguma clausula, ou clausulas do dito
testamento, ou as deroguar, porque assi quero e he minha ultima vontade que valha.
E todo o sobredito se comprira, e fara, e neguoceara a custa da fazenda que me for
achada por meu falecimento, sem embarguo do sobredito.
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Reflexões
. história .
. história .
Item por o sobredito ei por findo e acabado este meu testamento, e deroguado outro qualquer que ante este aja // [Fl. 3] feito. E peço por amor de Nosso Senhor a meus
testamenteiros que assi ho cumpram. E por certeza de todo assinei este de minha mão,
e aselei com ho sello que serve ante mim.
Em vinte e dous dias de Março. Testemunhas que presentes forão o Padre Frei
Jeronimo de Lixboa, e o Padre Frei Barnabe e o Padre Frei Andre da Ponte. Frei Cosmo de Lixboa o fez escrever por mandado do dito Bispo, anno de mil e quinhentos e
sesenta e huum.
Não faça duvida a antrelinha que diz e do conselho del Rei nosso senhor.
Item ao assinar deste testamento não se achou presente ho Padre Frei Hieronimo
de Lixbõa, por ser ausente e não assinou, mas assinou o Padre Frei Antonio da Merceana, sãocristão da dita casa.
(Assinaturas)
Dom Bras de Barros, bispo de Leiria.
Frei Barnbabe.
Frei Andre da Ponte.
Frei Cosmo de Lixboa.
(Vestígios do sinete)
Saybam quamtos este estromento d’aprovaçam vyrem que no ano do nasymento
de Nosso Senhor Jhesu Christo de myll e quynhemtos e sesemta e huum anos, haos
vymte quatro dias // [Fl. 3v] do mes de Marso em ho Moesteyro de Nosa Senhora da
Pena, junto da vyla de Syntra, em has quasas do dito Moesteyro, jazemdo deytado
doemte em huma cama Dom Bras de Barros, byspo de Leyria, do conselho del Rey
noso senhor, logo por ele da sua mão ha mynha, presemtes testemunhas ao dyamte,
nomeadas deu ha mym tabeliam hesta cedola de testamento hatras espryta feyta por
ho Padre Frey Cosmo, frade profeso da dita casa, espryta em duas laudas digo em
quatro laudas de papel e meia hasynada por ho dito byspo e ao pe haselada do seu
sello que serve peramte elle. E tambem estava asynada por ho Padre Frey Bernabe e
Frey Amtonyo samcrystam e Frey Amdre da Pomte e Frey Cosmo todos padres da
dita casa. E digo que esta asynada e feyta por hos ditos padres segumdo ao pareser de
mym tabeliam. E ho tido byspo estava em todo seu syso e emtemdymento segumdo ao
pareser de mym tabeliam e das testemunhas ao diamte no // [Fl. 4] meadas. E logo por
elle foy dyto que havya ha dita sedola de testamento por firme e valyosa. E queria e
mandava que em todo se compryse e goardase como se nella continha porque esta era
ha sua hulltima e deradeyra vomtade. E que ha havya por seu verdadeyro testamento.
E por ela quebrava todos outros testamentos, sedolas, quoudesylhos que amtes della
tyvese feytos. E que esta so valha. E em testemunho de verdade hasym ho outorgou e
mandou ser feito este estromento de haprovasam.
Testemunhas que forão presentes: Frey Amdre da Pomte, e Frey Diogo de Lysboa,
e Frey Alvoro d’Olivemsa, e Frey Diogo proffeso da dita casa, e Frey Cosmo, e Frey
Hylario, e Frey Joam de Syqueyra prior da dita casa, a que ho dito bispo rogou que
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. história .
por ele asynase por não poder hasinar e como testemunha. E eu Belchior Alvarez publico tabeliam das notas e judysyall por ell Rey noso // [Fl. 4v] senhor em esta vylla
de Symtra e seu termo que este estromento de testamento esprevy dygo d’aprovasam
escrevy e aquy meu publico synall fyz que tal he como se segue. (Sinal). Pagou nihil.
(Assinaturas)
Frey Joam de Sequeira, prior.
Frei Andre da Ponte.
Frey Alvaro d’Olivença
Frey Diogo.
Frey Diogo de Lysboa.
Frei Yllario.
Frei Cosmo de Lixboa.
Cumpra-se – Giraldo D’Almeida. // [Fl. 5]
Reflexões
Ano do Nasymento de Noso Senhor Jhseu Christo de myll e quynhenmtos e sesemta e hum anos, ao prymeyro dya do mes d’Abril, em ha vylla de Symtra, em has
pousadas do Lesemseado Gyralldo d’Almeyda juiz de fora com alsada por el Rey
noso senhor em ha dita vyla e seu termo peramte ele pareseo Frey Amtonio samcristão
do Moesteyro de Nosa Senhora da Pena. E logo por ele foy dado ao dito juiz ho testamento hatras conteudo, ho qual vinha serado e aselado com os synais do dito byspo
testador que eu tabeliam vy. E logo ele juiz abryo e leo e visto e aberto mandou que se
compryse como se nele contynha segumdo logo por por seu despacho que hatras fyqa.
E eu Belchyor Alvarez tabeliam que hesto esprevy.
Pagou nihil.
Doc. 14: Pormenor das assinaturas do fólio 3.
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. história .
Doc. 15
[1561 MARÇO, 31, Coimbra] – Registo da morte de D. Frei Brás de Barros, da
autoria de D. Frei Gabriel de Santa Maria, cónego do Mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra.
TT – Santa Cruz de Coimbra, Maço de Livros Nº 3, Livro 8, fl. não numerado.
Publ.: AZEVEDO, Pedro de – “Rol dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho
de D. Gabriel de S. Maria”, in Boletim da 2ª Classe da Academia das Sciencias de
Lisboa, Vol. XI, 1916-1917, pp. 105 e seguintes.
1561 – Março, 31. D. Brás de Barros.
Fidalgo dos Barros de Braga, criado na corte e sabia muito bem a policia cortesã
daquelle tempo, que foi a mais perfeita que se podia, como se uzava na casa da rainha Dona Lianor <a quem servia>, molher que foi del rei Dom João 2º. Tambem foi
exercitado em as armas em Africa, e sabia muito bem o uso soldadesco, e tudo isto
pos de parte, e se entregou a Deus. E soube a disciplina monástica religiosa que como
digo em toda a sua Ordem foi escolhido e achado idóneo pera esta tam grande obra,
e aperfeiçoou tanto. Foi o 1º bispo de Leyrea que até então era deste Mosteiro com
suas rendas.
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