a responsabilidade civil do estado no direito moderno

Transcrição

a responsabilidade civil do estado no direito moderno
1
A respo n s a bilida de civil do Estado no direito brasileiro
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
Advogado militante em Minas Gerais
Professor na Faculdade Mineira de Direito da PUC/Minas
Mestre em Direito Civil e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG
1. Introduçã o
Em sentido amplo, respon s a bilidade civil é a
obrigação
causad o
impo st a
a qualquer
a outre m
pessoa
em decorrência
de reparar
de seus
o dano
atos, ou pela
ativida de de pessoas ou coisas dela depen de n t e s. 1
Concepção
tradicional
indica
que
essa
obrigação de reparar o dano é impost a às pessoas que adota m
um
compo r t a m e n t o
contrário
ao
direito,
exteriori zan d o
cond u t a antijurídica, idéia inform a d o r a da respon s a bilidade
civil. Além das pessoa s
evoluíram
pessoas
para
jurídicas
tam bé m
de
naturais, os estudo s
atribuíre m
direito
privado,
doutrinários
respon s a bilida de
vez
que,
às
embora
desprovid as de individualida de fisiopsíquica, agem por via das
pessoas naturais, seus administr a d o r e s e dirigentes, os quais
1
Cf. SAVATIER, René. Traité de la Responsabilité Civile en Droit Français. Paris: LGDP,
1939, t. I, p. 1.
2
são seus órgãos de atuação. Dentro de tal realidade técnica e
jurídica, é possível às pessoas jurídicas de direito privado
causare m dano s a terceiros, no exercício das suas atividade s.
De forma semelhan t e ao que ocorre com a pessoa jurídica de
direito privado, tam bé m o Estado, pessoa jurídica de direito
público, pode causar danos às pessoas naturais ou jurídicas,
no exercício de suas múltiplas funções, por via de seus órgãos,
servidores e agentes, máxime nos dias de hoje, em que se
percebe um gigantis m o cada vez mais crescent e do Estado
frente aos indivíduo s. 2
Com efeito, o Estado, a mais com plexa form a
de organização jurídica do poder na atualidade, que envolve o
ser hum a n o na sua teia de laços inflexíveis, da qual o indivíduo
não mais consegue livrar - se, exerce poder político de coman d o
sobre as pessoa s, como atribut o da soberania, por meio de
suas funções jurídicas essenciais, quais sejam a administra tiva
ou governa m e n t al, a legislativa e a jurisdicional. Ao exercê - las,
os órgãos, servidores, agentes e entidade s personaliza d a s que
se lhe vinculam pode m praticar atos que causa m danos a
terceiros, quan d o procedere m de modo contrário ao direito ou
faltare m
aos
deveres
prescritos
no ordena m e n t o
jurídico,
impon d o ao Estado a obrigação de indeni zá - los.
Em
CAVACANTI, para
imput ável
tal
sentido,
justificar
ao Estado,
já
exem plificava
a respon s a bilida de
no exercício
funções funda m e n t ai s, ao destacar
AMARO
por danos
de quaisquer
de suas
que “o legislador pode
adotar resoluções que violem direitos individuais adquiridos, ou
de cuja execução resulte lesão à liberdade ou propriedade,
2
Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2 a . ed. Rio de Janeiro: Forense,
1990, p. 136 e 138.
3
garantidas pelo direito funda m e n t al; o governo pode expedir
decretos, proferir decisões e despachos, ordenar a execução de
obras, a instalação de serviços, ou empregar medidas de saúde
ou de segura nça pública, que acarrete m danos inevitáveis às
pessoas ou aos haveres dos particulares; o juiz ou tribunal, por
culpa ou por simples erro de ofício, pode ordenar medidas ou
proferir sentenças contra a verdade
dos fatos e o direito
expresso, consequente m e n t e, lesivas aos direitos das partes”.3
2. Aspectos evolutivos
Na sua obra dada a lume no começo do
século XX, AMARO CAVALCANTI suste n t o u
que, em nosso
país, semp re foi aceita a tese da respon s a bilidade do Estado
pelos atos lesivos de seus represe n t a n t e s, “ainda que deixando
junta m e n t e largo espaço para freqüentes exceções, em vista dos
fins e interesses superiores, que o Estado representa e tem por
missão realizar em nome do bem comu m” ,4
repetid o
na grande
maioria
dos
textos
o que despo n t a
doutrinários
mais
atuais.
No entanto, com o respeito devido, enten de m o s
que essa posição
deve ser aceita com algum a
reserva, a
começar pelo exame do texto da Constit uição imperial de 25
de março de 1824, que se seguiu à indepen d ê n cia do Brasil, em
1822, prescreven d o
justa m e n t e
o contrário, pois negava a
respo n s a bilidad e do Estado, atribuind o - a “estrita me nte” aos
funcionários públicos “pelos abusos e omissões praticados no
3
Responsabilidade civil do Estado . Edição atualizada por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1956, t. I, p. 142 - 143.
4 Responsabilidade civil do Estado . Ob. cit., t. II, p. 611.
4
exercício de suas funções e por não fazere m
efetiva me n t e
responsáveis aos seus subalternos” (artigo 179, inciso XXIX).
Demais disso, em nítido acata m e n t o ao
princípio teocrático da investidur a majestá tica do soberan o,
fund a m e n t o básico do Estado absolutist a, o artigo 99 do texto
daquela
cham a d a
escancara d a m e n t e
Constituição
imperial
a irrespo n s a bilida de
estabelecia
do Imperad o r: “A
pessoa do Imperador é inviolável e sagrada:
ele não está
sujeito a responsabilidade algu m a” .
Embora
alguns
autores
digam
que
o
enten di m e n t o doutri nário, à época, trilhava no sentido de se
enten d e r a solidaried a d e do Estado em relação aos atos dos
funcionários
públicos, 5 o
constitucio n al,
bem
às
irresp o n s a bilida d e
respo n s a bilidad e
considera d o s,
claras,
do
pela
se
certo
é
ocorrent es,
o
indicado
apegava - se
Estado,
prática
que
de
à
teoria
acobert an d o - o
atos
ilícitos,
condu t a s
texto
da
da
estes
culposas
dos
funcionários, e, portant o, somen te estes respon s áveis, a título
de culpa, em sentido amplo ou sentido estrito, pelos danos
causad o s a terceiros.
Examinan d o
respo n s a bilidad e
do
a
Estado
evolução
no
do
sistem a
ordena m e n t o
da
jurídico
brasileiro, RUI ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR aponta que, logo
após
a
proclam açã o
da
República,
foram
editados
dois
importa n t e s textos legislativos relaciona d o s com o assunt o, o
Decreto nº 451 - B, de 3l de maio de 1890, dispon d o sobre o
Registro Torren s, e o Decreto nº 847, de 11 de outubr o de
5
Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo . 13 a . ed. rev.
atual. ampl. São Paulo: Malheiros: 2000, p. 833.
5
1890, publican d o o novo Código Penal. No
primeiro, ficou
impost a ao Estado a obrigação de indeniza r os danos que
alguém supor t a s s e, em consequê ncia da indevida inscrição de
imóvel ou direito real seu em nome ou em favor de outre m
(artigo 61). No Código Penal de 1890, ao tratar da reabilitação
criminal, foi atribuída ao Estado a respon s a bilidade direta
pelos danos decorren t es de erro judiciário reconheci do em
sentença de reabilitação (artigo 86, § 2º), norm a que, aliás, está
repetida no Código de Processo Penal atualm en t e em vigor, ao
cuidar da revisão criminal (artigo 630). Assim, conclui o autor,
em ambos os casos despo n t o u a respon s a bilida de direta do
Estado pelos dano s causa d o s
nas situações ali tipificada s,
considera d o legitimad o passivo nos process o s de indenização
instaur a d o s pelos lesados. 6
No entant o, de forma paradoxal, apesar dessa
clara tendên cia revelada na legislação ordinária em prol da
aceitação
da
respo n s a bilida de
do
Estado,
a
Constit uição
republican a de 24 de fevereiro de 1891 perma nece u fiel ao
princípio
da
Constituição
irresp o n s a bilida de
imperial,
respo n s a bilidad e
funcionários
exclusiva
públicos
são
do
mante n d o
dos
Estado
em
seu
funcionários
estrita me nte
consagrad o
texto
na
a
públicos: “os
responsáveis
pelos
abusos e omissões em que incorrere m no exercício de seus
cargos, assim como pela indulgência, ou negligência em não
responsabilizare m efetiva m e n te os seus subalternos”
(artigo
82).
6
A respon s abilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil.
Revista da Associação dos Juízes no Rio Grande do Sul v. 59, p. 5- 48, Porto Alegre,
novembr o 1993, p. 7.
6
Embora a Constituição
contin u as s e
ferren h a m e n t e
republicana
apega da
à tese
de 1891
retrógrad a
da
irresp o n s a bilida d e do Estado, ainda durant e a vigência de seu
texto, na data de 1º de janeiro de 1917, entrava em vigor
o
Código Civil brasileiro, toman d o rum o diametr al m e n t e opost o,
porque seu artigo 15, albergan d o as teorias da culpa e da
represe n t aç ão do Estado pelo seu funcionário, prescrevia a
respo n s a bilidad e
direta
das
pessoas
jurídicas
de
direito
público funda d a no ato culposo e causa do r de dano praticado
por
seus
funcionários,
qualificados,
no
texto,
como
representa n tes : “as pessoas jurídicas de direito público são
civilmente responsáveis por atos dos seus representa ntes que
nessa qualidade cause m danos a terceiros, procedendo de modo
contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo
o direito regressivo contra os causadores do dano”.
Em escólio ao referido artigo do Código Civil de
1916,
verdad eiro
convictos,
CLÓVIS
monu m e n t o
legislativo,
que,
estam o s
deixará sauda d e s junto aos práticos do direito,
BEVILAQUA,
seu
autor
intelectual,
apontava
os
fund a m e n t o s jurídicos da respon s a bilida de primária ou direta
do Estado, os quais infor m ava m
fixada, excerto a merecer
científico:
“Todo
dano
o enunciado da regra ali
transcrição, pelo seu conteú d o
deve
ser
reparado,
por
que m,
injusta me n te, o praticou. Nos danos causados por atos da
administração
pública,
a
responsabilidade
não
pode
ser
desviada, porque ela age por inter médio dos seus órgãos. Entre
o funcionário e o Estado ou Município há uma relação mais
íntima do que na representação comu m
man d a t ário;
e,
procurador,
com
se
o
comitente
razão
mais
do manda n te pelo
responde
forte
deve
pelos
atos
do
responder
a
7
administração pelos atos de seus órgãos”. Prossegui nd o em
seus comen t ários, concluía o mes m o autor que “o funda m e n t o
dessa responsabilidade é o princípio jurídico, em virtude do
qual, toda lesão de direito deve ser reparada, todo dano
ressarcido, e que o Estado, tendo por função principal realizar o
direito, não pode cham ar a si o privilégio de contrariar, no seu
interesse, esse princípio de justiça”.7
Na realidade, essa regra do Código Civil de
1916
resu mia
pensa m e n t o
tendência
da
doutrinário
e
legislação
ordinária
jurispr u d e n cial
e
do
sobre
a
respo n s a bilidad e do Estado, existent es antes de seu advent o,
como esclarece SEABRA FAGUNDES: “Anterior me nt e ao Código
Civil já se admitia, em princípio, a responsabilidade civil das
pessoas jurídicas públicas, pelos atos lesivos de direitos, como
observa João Luís Alves (Código Civil da República dos Estados
Unidos do Brasil, 4 a . ed., 2 a . tir., v. 1, p. 58). A Lei federal nº
221, de 30 de nove m bro de 1894, no art. 13, § 10, tratando da
competência do Judiciário para julgar ‘as causas provenientes
de compensações, reivindicações, indenização de prejuízos ou
quaisquer
outras propostas pelo governo
da União contra
particulares e vice- versa’, admitiu, implicita me nt e, a obrigação,
para o Estado, de indenizar os prejuízos causados pelos atos
dos seus agentes. Outra lei, após essa, a de nº 1.939, de 28 de
agosto de 1908, també m dispôs sobre a matéria (arts. 1º, 2º, 6º,
7º, 8º e 9º). A jurisprudê ncia també m aceitava, em princípio, a
responsabilidade
jurisprudê ncia
civil do Estado.[...]. Síntese
antecedente
ao
Código
expressiva
da
Civil é o seguinte
acórdão do Supre mo Tribunal Federal, de 29 de agosto de
1914: ‘É doutrina já firmada em nossa jurisprudê ncia, copiosa
7
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica. 7 a . tir. Rio de Janeiro: Editora
Rio, [s.d], v. 1, p. 214 - 215.
8
e persistente, a responsabilidade civil do Estado pelo dano
causado ao direito de particulares pelos funcionários, órgãos ou
prepostos da Ad ministração Pública, responsabilidade que se
resolve
na
indenização
por
perdas
e danos’ (Revista
do
Supre mo, 3:72).”8
Em virtude de movime n t o s revolucionários que
eclodira m no país ao longo dos anos de 1930 e de 1932, foi
pro m ulgad a nova Constituição no dia 16 de julho de 1934,
cujo
texto
passo u
a admitir
a respon s a bilida de
direta
e
solidária do Estado pelos atos lesivos provoca do s por seus
funcionários:
“os
funcionários
públicos
são
responsáveis
solidaria m e n t e com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal,
por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou
abuso no exercício de seus cargos” (artigo 171, caput ).
Aos 10 de novembr o de 1937, foi prom ulgad a
nova Constit uição, que instituiu no Brasil o regime totalitário
conhecid o historicam e n t e como Estado Novo . Porém, este novo
texto constit ucion al, em seu artigo 158,
litteris
repro d u zi u ipsis
o texto do artigo 171 da Constituição revogada, nada
alteran d o o então vigente regime jurídico da respo ns a bilidade
direta e solidária do Estado.
Mas o notável avanço na evolução do tema
registro u - se com a Constit uição prom ulga d a a 18 de setem br o
de 1946, marco
da chama d a
redem ocra ti z açã o
do Brasil,
porque pôs fim ao ciclo histórico do intitulado Estado Novo . A
Constituição de 1946, em seu artigo 194, caput , consagro u no
direito brasileiro, em definitivo, a moder n a teoria
8
publicista
O Controle dos Atos Ad ministrativos pelo Poder Judiciário. 6 a . ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 1984, p. 152 - 153.
9
da respo n s a bilida d e objetiva do Estado infor m a d a pelo risco
criado ou pelo risco administr ativo, quando prescreveu que
“as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis
pelos danos
que
os seus
funcionários, nessa
qualidade, cause m a terceiros”. No parágrafo único daquele
artigo, concedeu - se às pessoa s de direito público o direito de
“ação regressiva contra os funcionários causadores do dano,
quan do tiver havido culpa destes”.
Seguiu - se a Constituição
1967, cujo artigo
105 repetiu
a regra
de 24 de janeiro de
do artigo
194 da
Constituição de 1946, acrescent a n d o, porém, no seu único
parágrafo,
que
a intitulada
ação
regressiva
em
face dos
funcionários causad o r e s do dano caberia às pessoas jurídicas
de direito público em caso de culpa ou dolo , notan d o - se que a
Constituição
culpa,
de 1946
enunciad o s
some n t e
norm a tivos
considerava
que
a hipótese
restara m
de
mantido s
inalterad o s na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, em seu
artigo 107.
Por fim, a Constit uição atual m en t e em vigor,
pro m ulgad a em 5 de outubr o de 1988, manten d o o princípio
geral
da
respo n s a bilida de
administ r ativo,
intro d u zi d o
objetiva
no
do
direito
Estado
brasileiro
pelo
risco
desde
a
Constituição de 1946, ao deter mi nar que “as pessoas jurídicas
de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causare m a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”
(artigo 37, § 6º).
10
3. Sentido e alcance da norm a do artigo 37, § 6º, da
Constituição Federal
Ao nosso enten di m e n t o, a interpre t açã o desse
preceito
constit ucio nal,
que
impõe
a respon s a bilidade
do
Estado pelos dano s causa d o s aos particulares, leva à conclusão
de
que,
em
primeiro
lugar,
consagra
a respon s a bilida de
objetiva e direta de todas as pessoa s jurídicas de Direito
Público, ancorad a na atual teoria publicista do risco criado ou
teoria do risco administ r ativo. Logo, dispens a a necessida d e de
se
perquirir
a
culpa
do
serviço
público,
bastan d o
a
comp r ovação do dano causado ao particular, em decorrência
da prestação de um serviço público qualquer (nexo de causa e
efeito, ou seja, liame de causalidade). Evidente m e n t e, alcança
as
três
funda m e n t ai s
funções
exercidas
pelo
Estado,
a
administ r ativa, a legislativa e a jurisdicional, não havendo
razão jurídica, lógica ou razoável para se excluir qualquer
delas da sua abrangência, daí a possibilida de de se susten t a r a
tese de uma respo n s a bilida de unitária do Estado. Por fim,
referido preceito constitucional tem incidência em quaisquer
situações de danos causado s pelo Estado, indepe n d e n t e m e n t e
de sua origem ou da nature z a da atividade lesiva.
4. Dualidade de sistem a s jurídicos no direito brasileiro
Entretan t o, se assim
é, em princípio, causa
certa perplexida d e a circuns t â ncia de a mes m a Constit uição de
1988,
no
artigo
21, inciso
XXIII, alínea
c, ao
tratar
da
compet ên cia da União, ressalvar que “a responsabilidade civil
11
[da União] por danos nucleares independe da existência de
culpa”. Obviamen t e, ainda que não existisse esse preceito, por
força da norm a geral do artigo 37, § 6º, da Constituição
Federal, a respo n s a bilidade da União, pessoa jurídica de direito
público
intern o,
nas
hipótese s
de
danos
decorrent es
de
serviços e instalações nucleares, estaria configurad a e seria
objetiva. Para ilustrar a assertiva, supon h a - se a ocorrência de
lesões radioativas fatais em pessoa s resident es próximas ao
local do evento, oriunda s de vazam e n t o em central nuclear
instalad a e controla da pela União, cujo equipa m e n t o protet or
tivesse sido destr uí d o por avalanche ou abalo sísmico. Embora
a ação lesiva não fosse efetuad a por agente da pessoa jurídica
de direito público, teria sido ela quem prod u zi u a situação da
qual o dano decorre u. No caso, aquela pessoa jurídica de
direito público teria criado, por ato comissivo seu, os fatores
que, potencial e decisivam en t e, causara m o dano. Na hipótese,
a lesão estaria ligada de forma indireta a uma atividad e de
enor m e risco, desenvolvida e controlada pelo Estado, cuja
atuação
foi
o
termo
inicial
de
uma
seqüê ncia
de
aconteci men t o s dos quais resultou o dano, este inseparável
dos antecede n t e s criados pelo próprio Estado. 9 Sendo assim,
em face do preceito geral existent e na Constituição (artigo 37,
§ 6º), a regra da alínea c, do inciso XXIII, do artigo 21, pareceria
uma
superfet ação.
Em razão
disso,
é necessário
esforço
interp ret ativo, a fim de se afastar as possíveis falhas da falta
de precisão técnica e da aparent e superfet ação sugerida. Isto
porque, bem ressalva JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO,
“os problem as da interpretação constitucional são mais amplos
do que aqueles da lei comu m, pois repercute m
ordena m e n to
9
jurídico”,
explicando
o
autor
em todo o
que
“a
Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p.
823 - 824.
12
her me n ê u tica constitucional tem princípios próprios do Direito
Constitucional, entretanto não abandona os funda m e n tos da
interpretação da lei, utilizados pela teoria geral do direito”, de
sorte que, arrem a t a, a interpret ação
constitucional “não é
diferente das doutrinas aplicadas no direito, em geral, da
mes m a ma neira que os métodos de interpretação são quase os
mes mos: literal, lógico, histórico e sistemático”.10
Present es
primeiro
lugar,
ao
essas
ressalvar
considerações,
a
Constit uição
em
que
a
respo n s a bilidad e da União por danos nucleares indepe n d e de
culpa, a interp ret ação adequa d a a se extrair daquela norm a
todo o seu conteú d o só poderia levar ao enten di m e n t o de que
a culpa ali mencio na d a
é a culpa administra tiva, a culpa
anôni m a
público,
do
serviço
evidenciada
pelo
mau
funciona m e n t o do serviço presta d o pelo Estado. Em segun do
lugar, se há, na Constit uição, um preceito geral impon d o a
respo n s a bilidad e
de todas
as pessoas
jurídicas
de direito
público pelo simples nexo causal entre qualquer atividade por
elas exercida e o dano daí resultan t e, vale dizer, dispens a n d o
pesq uisa da culpa administr ativa (artigo 37, § 6º), e se há outro
preceito,
na
mes m a
Constituição,
tratan d o
de
atividade
específica e deter min a n d o a respon s a bilidade de apenas uma
das
pessoas
ressalvan d o
jurídicas
que
de
direito
público
tal respo n s a bilida de
que
indepe n d e
a
exerce,
da culpa
administ r ativa (artigo 21, inciso XXIII, alínea c), parece - nos que
a interp re t ação lógico - sistem á tica per mite a conclusão de que
seu texto está a admitir possa m existir situações nas quais a
respo n s a bilidad e do Estado some n t e surgirá pela verificação
da culpa do serviço público.
10
Hermenê utica constitucional. Revista de Direito Público v 59- 60, p. 49, 51- 52, São
Paulo, jul./ de z. 1981.
13
Em
assim
sendo,
entende m o s
que
a
Constituição brasileira está a permitir coexistência, no direito
intern o, de dois sistem a s jurídicos de respo ns a bilidade do
Estado, um funda d o no risco administ r ativo (respon s a bilidade
objetiva), outro apoiado na culpa anônim a do serviço público
ou
culpa
administ r ativa
(respon s a bilida de
subjetiva),
à
semelha nça do que sucede na França.
Com isso, o sistem a jurídico - constit ucional
brasileiro permite o exame de casos particulares verificado s na
multifária vida social e a análise das circunst â ncias específicas
de cada um, concede n d o atendi m e n t o às variadas condições
em que se verifica a respon s a bilida de do Estado, notada m e n t e
nas
situações
de
atos
comissivos
e
de
atos
omissivos
causad o r e s de danos.
A tal conclusão acertada, segun d o avaliam os, já
chegara
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (o moço) ,
embora
não
o fosse
pelos
funda m e n t o s
ora
expendi do s,
louvan d o - se em posição defendida “há muitos lustros” por
OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO (o pai), segun d o a
ressalva
feita
pelo
primeiro
autor,
para
afirmar
que “a
doutrina correta, perante as disposições nor mativas do país”, é
aquela que sufraga a tese de que “a responsabilidade do Estado
é objetiva no caso de comporta m e n to
danoso comissivo e
subjetiva no caso de comporta m e n t o omissivo ”.11
Dessa form a, por exem plo, se agentes
policiais
11
militares,
em
desast r a d a
ação
Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 822 e 837 - 838.
de
perseguição
a
14
meliantes, almejan d o prendê - los, efetua m dispar os de arma
de fogo na via pública, atingindo terceiros, há compor t a m e n t o
comissivo do Estado, gerand o sua respo n s a bilidade objetiva,
em razão da teoria do risco criado ou risco administr a tivo. De
outra parte, ainda exem plifican d o, se um juiz deixa de apreciar
pedido
de
concessão
de
tutela
antecipa da
de
mérito,
formulad o pela parte, perfeita m e n t e demo n s t r a d o pelo autor
seus requisitos legais (Código de Processo Civil, artigos 273 e
461, e Código de Defesa do Consu mi d o r, artigo 84), no prazo
de dez dias que lhe é impost o na lei (Código de Processo Civil,
artigo 189, II), ou, então, deferindo o pedido, mas tardia me n t e,
disto
resultan d o
prejuízo s
à parte
requere n te,
há
nítida
ativida de omissiva do Estado, gerando sua respo ns a bilida de
subjetiva, funda d a na culpa anôni m a do serviço público, ao se
caracteri zar
o serviço
público
jurisdicional
defeituos o
ou
imperfeito. 12
5. Respo n s abilida de do Estado e do agente público
O novo Código Civil brasileiro, instituído pela
Lei nº 10.406, de 10/ 1 / 2 0 0 2, que entrou em vigor no dia
11/ 1 / 2 0 0 3,
no
assun t o,
segue
fielment e
a
matriz
constitucio n al constr uí da no preceito geral do artigo 37, § 6º,
denot an d o acata m e n t o à teoria da respon s a bilidade objetiva
do Estado, consagra da no direito moder n o, ao preceituar que
“as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
12
LÚCIA VALLE FIGUEIREDO entende caracteriza da a respons a bilidade do Estado em
situação similar: “Se negada, por exemplo, liminar em manda do de segurança, embora
presentes seus pressupostos, se de tal negativa ocorrer dano, haverá responsabilidade de
quem, desbordando de seus limites, tê- la- ia negado. O mes mo se diga de concessões
indevidas de liminares. Nosso posicioname n to é, pois, no sentido de que o Estado responde,
e sobretudo pela prestação jurisdicional retardada, que acaba por configurar denegação
de justiça”. (Curso de Direito Administrativo . 2 a . ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros,
1994, p. 186).
15
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade
causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra
os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou
dolo” (artigo 43).
No atual siste m a jurídico brasileiro, suste n t a
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, tem - se que, “a partir da
Constituição
de
responsabilidade
1946 ,
ficou
objetiva
do
consagrada
Estado”,
a
isto
teoria
porque,
da
bem
esclarece, “parte - se da idéia de que, se o dispositivo só exige
culpa ou dolo para o direito de regresso contra o funcionário, é
porque não quis fazer a mes m a exigência para as pessoas
jurídicas”, argu m e n t o que continua a prevalecer, ao exame do
texto da Constituição de 1988. Daí observar referida autora,
com razão, que, no artigo 37, § 6º, da Constit uição atual me n t e
em vigor,
estão compree n di d a s duas norm a s de direito, a da
respo n s a bilidad e objetiva do Estado frente ao particular lesado
e a da respo n s a bilida de subjetiva do agente público para com
o Estado. 13
sem p re
Como a respon s a bilidade do agente público é
subjetiva,
exige - se,
para
sua
configuração,
a
demo n s t r a çã o da culpa em sentido estrito (assent a d a no tripé
impru d ê n cia, imperícia ou negligência) ou do dolo (culpa em
sentido
amplo). Entende m o s
que
o ajuiza m e n t o
da
ação
regressiva em face do agente público, para obter ressarci men t o
do que pagou à vítima a título de indeni zação, é dever do
Estado, e não faculda de. Esclareça - se, porém, que esse direito
de ação regressiva do Estado em face do agente público poderá
ser exercido em processo autôno m o ou no próprio process o
iniciado pela vítima lesada em face do Estado, por meio da
13
Direito Admi nistrativo . 5 a . ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 414.
16
den u n ciação
da lide, figura
proces s ual
de intervenção
de
terceiro (Código de Processo Civil, artigo 70, inciso III).
Sobre a denu nciação da lide, em obra
notável, que esgota
o tema, AROLDO PLÍNIO GONÇALVES
dilucida: “Regulada no Código de Processo Civil brasileiro, de
1973, nos artigos 70 a 76, a denunciação da lide implica na
propositura antecipada de uma ação de regresso em face do
denu nciado, embora de forma condicionada à sucu m bê ncia do
denu ncia nte na ação originária, havendo, se for o caso, duplo
pronu ncia m e n to em uma única sentença”. 14 Isto significa dizer
que, na hipótese de denu nciação da lide ao agente público,
requerid a pelo Estado réu, há cúmulo sucessivo de ações,
porque, à ação de indenização originária, propos t a pela vítima
em face do Estado, adiciona - se a ação de regresso ajuiza d a
pelo
Estado
denu ncian t e
em
face
do
agente
público
den u n ciad o, a fim de que, no mes m o process o, a sentença
decida, simultan ea m e n t e, as duas pretens õe s dedu zi d a s em
juízo, quais sejam: 1 a .)- a pretens ão indeni zat ó ria post a pela
vítima contra o Estado; 2 a .)- a pretens ã o de ressarcim en t o
formalizad a pelo Estado denu ncian t e contra o agente público
den u n ciad o.
No entanto, apesar de algum a s divergências
em
torno
susten t a m
do
assun t o,
alinha m o - nos
não
ser obrigatória
entre
a denunciação
aqueles
que
da lide na
hipótese em comen t o, ao contrário do que prevê a regra do
caput do artigo 70 do Código de Processo Civil e aí, mais uma
vez, seguimo s a segura orientação doutrinária de AROLDO
PLÍNIO
14
GONÇALVES,
quand o
analisa
o
Da denunciação da lide. 2 a . ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 134.
sentido
da
17
obrigatoried a d e da denunciação da lide, segun d o a regra do
artigo 70 do Código de Processo Civil: “a tendência que se
nota, porém, entre os doutrinadores, é a de fazer com que –
jogando com os três itens do referido artigo 70 – fique cada vez
menos ‘obrigatória’ a denunciação da lide que o Código de
Processo Civil, de 1973, decerto embasado em sólidos princípios,
categorica m e n t e
quis
que
guardasse
explícito
caráter
de
ponto
em
obrigatoriedade” .15
Prosseguin d o
sua
análise,
no
questão, relativo à obrigação indeniza t ó ria discutida na ação
de regress o, funda d a na respon s a bilidade, o mes m o autor é
categórico em afastar a obrigat orieda d e da denu nciação da
lide: “O item III, do artigo 70 – ‘A denunciação da lide é
obrigatória:
àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo
contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que
perder a dema n d a’ –
merece especial atenção, exata me n t e,
pelo fato de enfeixar, a um tempo, casos de garantia própria
(formal) e de garantia imprópria (responsabilidade civil). Ou
com
palavras
diversas,
aí
a
denunciação
é
obrigatória
(necessária) em certas circunstâncias e, facultativa, em outras.
Eis uma
louvável inovação. Obrigatória, se o caso for de
garantia própria (formal). Facultativa, se de garantia imprópria
(responsabilidade civil).”16 Logo, pode - se afirmar, em suma, que
a den u n ciação da lide ao agente público, no process o iniciado
pela vítima em face do Estado, não é obrigatória. 17 Porém, se o
15
Da denunciação da lide. Ob. cit., p. 185.
Da denunciação da lide. Ob. cit., p. 230 - 231.
17 Essa
é a orientação jurispr u de ncial do Suprem o Tribunal Federal: “A ação de
indenização, fundada em responsabilidade objetiva do Estado, por ato de funcionário
(Constituição, artigo 107 e parágrafo único), não comporta obrigatória denunciação a
este, na forma do artigo 70, III, do Código de Processo Civil, para apuração de culpa,
desnecessária à satisfação do prejudicado”. Recorrente: Estado do Rio de Janeiro.
Recorrida: Marva Administ ra do r a de Imóveis Ltda. Acórdão lavrado no julgament o do
Recurso Extraordinário nº 95.091 - RJ, Relator Ministro Cordeiro Guerra, em 3/2 / 1 9 8 3.
Revista Trimestral de Jurisprudência v. 106, p. 1.054 - 1.057, Brasília, deze m b r o 1983.
16
18
Estado réu não
instaur a d o
requerer a denunciação da lide no process o
pela
vítima,
terá
o dever
jurídico
de
ajuizar
posterior ação de ressarci me n t o em face do agente público,
utilizan d o proces so autôno m o, se for acolhida a pretens ão
indeniza t ó ria
situações
da vítima.
A tese
tem
aplicação
lógica em
concretas. Suponha - se, para ilustração, process o
com preten s ã o indeni zat ó ria da vítima contra o Estado, cuja
defesa consistisse na ocorrência da força maior ou do fato da
vítima
(causas
excludent es
da
respo n s a bilidade),
ou
seja,
inexistência de liame de causalida de entre a atividade estatal e
o dano supor t a d o pela vítima. Em tal hipótese, não haveria
sentido considera r estivesse o Estado réu obrigado a requerer
a denu n ciação da lide ao agente público, porqua n t o a tese da
defesa consistiria, precisa me n t e, em que não foi ele, o Estado,
o causad o r da lesão sofrida pela vítima, ou seja, o agente
público não praticou qualquer ato causa d or
do dano. Até
mes m o, a denu nciação da lide, se requerida, revelaria estar
conflitan t e com a própria tese da defesa aprese nt a d a pelo
Estado no proces so.
Aspecto
outro
a merecer
exame,
pela
sua
repercu s s ã o no desenvolviment o ulterior do tema central deste
trabalh o, ao que nos parece, em exame compara tivo dos textos
das Constituições de 1946, de 1967, da Emenda Constit ucional
de 1969
e da Constituição
Constituição
de 1988,
reside
em
que
a
de 1988, no seu artigo 37, § 6º, afastou
o
vocábulo “funcionários”, contido nos textos anteriores, em seu
lugar intro d u zi n d o a expressão “agentes”, no que foi seguida
pelo novo Código Civil brasileiro (artigo 43), este també m
contraria m e n t e ao Código Civil revogado, de 1916, que se
referia aos “representantes” das pessoas jurídicas de direito
19
público.
Entende m o s
que
tais
substit uições
se
revelam
significativas e de extrem a importâ ncia, eis que a palavra
agentes ,
na
acepção
jurídica,
é
forma
simplificada
da
expressã o agentes públicos e tem maior amplitu de.
Assim,
deve - se
enten der
como
agentes
públicos todas as pessoa s naturais que prest a m serviços ao
Estado
e as pessoa s
jurídicas
que
compõe m
a chama d a
administ r ação pública indireta, entidades personaliza d a s a ele
vinculada s. A expressão agentes públicos , porta n t o, abrange
quaisq u er categorias de agentes políticos e administ rativos, os
servidores
presta m
públicos
serviços
de modo
em
geral e os particulares
colaboração
com
o
Estado,
que
pouco
importa n d o, para o fim de se deter mi nar a respon s a bilidade
do Estado, o título sob o qual o serviço é presta d o. 18
Trata - se
de
pont o
relevante,
porque,
já o
dissem o s na intro d uçã o do presente trabalho, o Estado, pessoa
jurídica de direito público, ao contrário das pessoas naturais,
não possui individualida de fisiopsíquica, agindo, então, por
meio dos agentes públicos, como tais, entendi das excelsas
autorida d e s ou humildes servidores, sempre que estivere m no
exercício de cargos, funções
ou atribuições
em quaisquer
escalões da cada vez mais densa e complexa organi zação
estatal, nela atuan d o sob qualquer categoria ou título jurídico,
toman d o
decisões,
desenvolven d o
atribuí da s ao Estado ou
serviços
18
públicos
atividades
legalmen t e
relaciona d a s com a prestação de
recome n d a d o s
em
lei,
controlado s,
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ob. cit., p. 353 e 414.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5 a . ed. rev. ampl. São
Paulo: RT, 1989, p. 570. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Admi nistrativo . Ob. cit,
p. 177. ARAÚJO, Edmir Netto de. Responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. São
Paulo: RT, 1981, p. 16.
20
concedid o s
ou
mono p oliza d o s
pelo
próprio
e gigantesco
Estado.
Sob a égide dessas consideraçõe s, é
despicien d o
saber,
para
efeito
de
configuração
da
respo n s a bilidad e do Estado, se o dano ocorrido decorreu de
atuação
desenvolvida,
por
exem plo,
pelo
Coordena d o r
da
arrecad ação tribut ária, pelo Chefe do serviço de coleta do lixo,
pelo
Juiz,
pelo
Desem barga d o r,
pelo
Ministro,
pelo
Represen t a n t e do Ministério Público, pelo Oficial de Justiça,
pelo Professor
da Universida de
Forças Armad as
em serviço,
Pública, 19 pelo Oficial das
pelo motorista
do Suprem o
Tribu n al Federal, pelo porteiro do edifício sede da Assembléia
Legislativa
ou
pelo
faxineiro
do
palácio
onde
reside
o
Presiden te da República.
Sem dúvida, na concepção hodierna do Estado
de Direito, o funda m e n t o dessa respo ns a bilida de unitária é a
exigência
de
ser
repara d o
o
dano
causa do,
desde
que
demo n s t r a d o o nexo causal entre a ativida de do agente público
e a lesão verificada, de nenhu m a valia indagar - se sobre a
qualida de do agente
ou a nature z a da atividade estatal lesiva
desenvolvida.
Nesse
sentido,
são
prestan t e s
as lições
de
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ao dissertar: “Como
19
Há registro de interes sa n t e caso forense, narrado por LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, em
que uma pessoa jurídica de direito público (autarquia) foi condena da a pagar indenização
por danos morais, em ação ajuizada pelo profess or, tendo como causa de pedir o
empecilho criado pela direção da autarquia (Faculdade), em relação ao seu concurs o de
dout ora m e n t o. As objeções então opostas ao concurs o em nada se relacionava m com a
aptidão técnico - científica do profess or, apenas tinha m origem no seu relaciona m e n t o
com os demais profess ores titulares. O pedido indenizat ó rio foi julgado procedente e a
sentença, aliás prolatada pela própria autora, no exercício da judicatura, foi confirm a da
no duplo grau de jurisdição, passan d o em julgado (Curso de Direito Admi nistrativo . Ob.
cit., p. 182).
21
pessoa jurídica que é, o Estado, entidade real, porém abstrata
(ser de razão), não tem vontade nem ação, no sentido de
manifestação psicológica e vida anímica próprias. Estas, só os
seres físicos as possue m. Tal fato não significa, entretanto, que
lhe falte m vontade e ação, juridicame nte falando. Dado que o
Estado não possui, nem pode possuir, um querer e um agir
psíquico e físico, por si próprio, como entidade lógica que é, sua
vontade e sua ação se constitue m na e pela atuação dos seres
físicos prepostos à condição de seus agentes, na medida em que
se apresente m revestidos desta qualidade. Assim como o Direito
constrói
a
realidade
(jurídica)
‘pessoa
jurídica’,
també m
constrói para ela as realidades (jurídicas) vontade e ação,
imputa n do o querer e o agir dos agentes à pessoa do Estado”.20
Esclarece o mes m o autor que “a relação entre a
vontade e a ação do Estado e de seus agentes é uma relação de
imputação
direta
dos atos dos agentes
ao Estado”, traço
característico da chama d a relação orgânica que existe entre o
Estado e o agente público, isto significando, prossegue no seu
raciocínio, “o que o agente queira, em qualidade funcional –
pouco importa se bem ou mal desem pe n h a d a – entende - se que
o Estado quis, ainda que haja querido mal”. Logo, resu m e, “o
que o agente nestas condições faça é o que o Estado fez”,21 em
outras palavras,
para
efeito
da
não se bipartind o Estado e agente público,
respo ns a bilização
do
primeiro,
posto
que
amalga m a d o s em verdadeira unida de.
6. Crítica à doutrin a que susten t a uma teoria do risco integral
20
21
Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 813 - 814.
Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 814.
22
Na
pesquisa
do
tema
respon s a bilidade
do
Estado, observa - se uma acent ua d a influência da concepção
doutrinária de HELY LOPES MEIRELLES sobre a doutrina e a
jurispr u d ê n cia brasileiras, estas perfilhan d o ponto de vista
daquele autor a respeito. Com efeito, grande parte dos textos
doutrinário s e dos reposit órios jurispr u d e n ciais passara m a se
louvar nas seguintes considerações do referido doutrina d o r,
colhidas de sua principal obra: “A doutrina do direito público
se propôs resolver a questão da responsabilidade civil da
Ad ministração por princípios objetivos, expressos na teoria da
responsabilidade sem culpa, ou fundados nu ma culpa especial
do serviço público quando lesivo de terceiros. Nessa tentativa
surgira m
as
teses
da
culpa
administrativa,
do
risco
administrativo e do risco integral, todas elas identificadas no
tronco comu m da responsabilidade objetiva da Administração
Pública, mas com variantes nos seus funda m e n t os e na sua
aplicação, sem se falar nas submodalidades em que repartira m
essas três correntes.[...]. A teoria do risco administrativo faz
surgir a obrigação de indenizar o dano, só do ato lesivo e
injusto causado à vítima pela Administração.[...]. Advirta - se,
contudo, que a teoria do risco administrativo embora dispense
a prova da culpa da Administração, permite que o Poder
Público demo nstre a culpa da vítima, para excluir ou atenuar a
indenização.
Isto,
porque
o
risco
administrativo
não
se
confu n de com o risco integral [...]. A teoria do risco integral é a
modalidade da doutrina do risco administrativo, abandona d a,
na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Por
essa
fórmula
radical
a Administração
ficaria
obrigada
a
indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda
que resultante de culpa ou dolo da vítima”.22
22
Direito Admi nistrativo Brasileiro. 15 a . ed. São Paulo: RT, 1990, p. 546 - 548.
23
Essa concepção, sem embargo do respeito e
admiração dedicado s ao precita do doutri na d o r, não pode ser
totalmen t e
acolhida,
suscitan d o
pont os
discutíveis.
Primeira m e n t e, referido autor labora em equívoco, ao que nos
parece, com a devida vênia, quand o afirma que as teorias da
culpa administr a tiva e do risco administr a tivo se identifica m
no tronco comu m da respon s a bilidade objetiva. Muito pelo
contrário, a resp o n s a bilida de funda d a na culpa administ ra tiva
(culpa
anônim a
do
serviço
público)
é
respon s a bilidade
subjetiva. Apenas a teoria do risco revela respon s a bilida de
objetiva,
desvencilhad a
administ r ativa.
tecnica m e n t e
Em
correta
respo n s a bilidad e
da
do
element o
segun d o
a menção
lugar,
feita
Administração
ou
subjetivo
não
no
nos
texto
da
culpa
parece
quanto
à
Administração
Pública , eis que esta é desprovida de personalida de jurídica. A
respo n s a bilidad e será sempre do Estado, pessoa jurídica de
direito público, e não se restringe apenas aos atos praticado s
no exercício da função
administr a tiva, como
a expressã o
utilizad a no texto em exame parece sugerir, mas abrangen d o
os atos decorren t e s das demais funções jurídicas estatais, a
legislativa e a jurisdicional. Por último, e aí reside nossa maior
divergência, o autor
engendr o u
teoria
nova, tecnica me n t e
atabalh o a d a, ao conceber o que chamo u de teoria do risco
integral , em contra p o sição à teoria do risco administrativo ,
enten d e n d o aquela modalidade desta, distinção e referências
não encon tr a d a s na doutri na e jurispr u d ê n cia francesas, onde
a teoria do risco se desenvolveu com reconhecida intensi da d e.
Nesse
aspecto,
endos s a m o s
por
inteiro
a
pertinen t e observação de YUSSEF SAID CAHALI, ao acoimar a
24
distinção feita por HELY LOPES MEIRELLES -
entre risco
administ r ativo e risco integral - de “artificiosa e carente de
fund a m e n t a ção científica”, justifican d o aquele autor as razões
de sua crítica: “a distinção entre risco administrativo e risco
integral não é ali estabelecida em função de uma distinção
conceitual entre as duas modalidades de risco pretendidas, mas
simples me n te em função das consequências atribuídas a uma
ou outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo
seu
efeito
de
per mitir
a
contraprova
de
excludente
de
responsabilidade, efeito que seria inad missível se qualificado
como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à
base ou naturez a da distinção.”23
Como se vê, não se pode considerar correta a
afirmaçã o simplista e precipitada de que a teoria do risco
administ r ativo suscita obrigação indeniza t ó ria “só do ato lesivo
e injusto causado à vítima”. Bem diversos são os funda m e n t o s
dessa teoria. A respon sa bilidade objetiva pela teoria do risco
administ r ativo exige a
ocorrência do nexo de causalida de
entre
Estado
a
atividade
do
e
o
dano
causad o
como
conseq u ê n cia. Se não houver esse nexo, eximir - se - á o Estado
de
qualque r
doutrinária
respo ns a bilida de.
da
teoria
do
risco,
Porém,
jamais
na
se
concepção
preconiz o u
a
respo n s a bilidad e do Estado em todo e qualquer caso de dano
supor t a d o pelo particular ou se cogitou da impossibilidad e de
se investigar a causa do evento danos o. Assim, nas situações
em
que
há
doutrina d o r e s)
23
o
fato
(ou
da vítima
culpa,
como
ou a força
querem
maior,
alguns
reconhecidas
Respons a bilidade civil do Estado. In: CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 365. Acompan h a n d o a crítica feita no texto, sobre a distinção
feita entre risco administ ra tivo e risco integral, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, ao
assinalar que “a maior parte da doutrina não faz distinção.” (Direito Administrativo. Ob.
cit., p. 412).
25
pacificame n t e
pela
respo n s a bilidad e
doutrina
como
ou situações
causas
excluden t e s
pert ur ba d o r a s
da
do liame
de
causalida d e, sob rigor lógico, não foi o Estado quem deu causa
ao resulta d o lesivo, inexistindo liame de causalidade entre a
ativida de estatal e o dano verificado, portan t o, exonera d o o
Estado do dever indeniza t ó rio, sendo estes os funda m e n t o s
científicos da moder n a respon s a bilida de objetiva do Estado
apoiad a na teoria publicista do risco administ r ativo.
Por essas razões, outra vez rogand o - se vênia, a
consideração de que uma qualificada teoria do risco integral
seria modalidade
da teoria do risco administrativo , como
exsurge da doutri n a de HELY LOPES MEIRELLES, se nos afigura
inconsiste n t e sob o pont o de vista científico ou artificiosa, na
crítica proced en t e
mínim a
feita por YUSSEF SAID CAHALI, sem
susten t ação
na
gênese
da
teoria
do
a
risco
administ r ativo, cunha d a originaria m e n t e pela jurispr u d ê n cia e
doutrina francesas.
7. Respon s a bilidad e do Estado pela ineficiência dos serviços
públicos
É
oportu n o
registrar
import a n t e
inovação
surgida no direito brasileiro, no assun t o, trazi da pela Lei nº
8.078, de 11 de setem b r o de 1990, dispon d o sobre a proteção
do
consu mi d o r,
norm ativo
embora,
tratad a
de
com u m e n t e
Código
algum a
vezes,
ou cogitada
de
deno mi na d o
Defesa
do
a considera d a
pelos autores
respo n s a bilidad e do Estado.
aquele
texto
Consu mi d o r,
muito
inovação
que discorre m
não
seja
sobre a
26
Com efeito, as regras do artigo 22 e de seu
parágrafo
único
Consu mi d o r
do
impõe m
alcunha d o
a
Código
obrigação
de
de
Defesa
reparar
os
do
danos
causad o s pelos “órgãos públicos, por si ou suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra form a
de empreen di me n t o” , nos casos em que deixare m de fornecer
“serviços
adequa dos,
eficientes,
seguros
e,
quanto
aos
essenciais, contínuos”, não import a n d o que o descu m p ri m e n t o
do dever
de
fornecim en t o
de serviços
públicos
de boa
qualida de ali impos to seja total ou parcial. Os danos que
devem ser repara d o s ou indeniza d o s, na dicção das referidas
norm as,
são
os “danos
materiais
e morais, individuais,
coletivos ou difusos ” (artigo 6º, inciso VII). A lei se vale da
expressã o “serviços” fornecidos, “contínuos” ou não, devendo se enten d e r, como tais, quaisquer serviços públicos presta d o s
pelo Estado, direta ou indireta m e n t e, para a satisfação das
necessi da d e s públicas, ao exercer suas funções funda m e n t ais,
a administ r ativa, a legislativa e a jurisdicional.
Algumas
observações
merece m
ser
feitas
a
respeito. Por primeira, face aos termos da regra legal ora
examinad a,
deve - se enten de r
descu m p ri m e n t o
do
dever
que a respon s a bilidade
jurídico
de
pelo
fornecim en t o
de
serviços públicos de boa qualida de é das pessoas jurídicas de
direito público que os órgãos presta d o r es de serviços públicos
integra m, já que estes são partes daquelas. Serão també m
respo n s áveis
prestare m
as pessoas
serviço
público
jurídicas
por
de direito
delegação,
privado
sob
as
que
forma s
jurídicas de concessã o, de permiss ão ou de autorização, se as
pessoas
jurídicas
delegada s
descu m p ri re m
aquele
dever
27
jurídico. 24 Em segun d o lugar, o texto legislativo sob análise
segue a diretriz maior da Constit uição Federal, já que esta
recome n d a ao Estado seja obedecido o princípio da eficiência
(artigo
37, caput)
e lhe impõe
a obrigação
de
manter
adequ a d o s os serviços públicos presta d o s direta m e n t e ou sob
o regime de concessão ou permiss ão (artigo 175, parágrafo
único, inciso II). Em terceiro, serviço público adequado abrange
a idéia de serviço público eficiente e atual , sob interpre t açã o
autên tica, porq u a n t o assim revelado no conceito norm a tivo
express o nos §§ 1º e 2º, do artigo 6º, da Lei nº 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e
permis sã o
de serviços públicos previsto no artigo 175 da
Constituição Federal, verbis : “serviço adequado é o que satisfaz
as
condições
de
regularidade,
continuidade,
eficiência,
segura nça, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação
e modicidade das tarifas” (§ 1º); “a atualidade compreende a
modernida de das técnicas, do equipa me n t o e das instalações e
a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do
serviço” (§ 2º). Por último, cabe a observação, eficiência é
conceito juridica me n t e indeter mi n a d o, enten de n d o - se, como
tal, conceito cujo conteú d o e extensão, na seara do direito, em
larga medida, é incerto. 25 Por tal razão, ao se referir ao
princípio da eficiência, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO
o qualifica como “juridicament e tão fluido e de tão difícil
controle ao lume do Direito, que mais parece um simples
adorno
agregado
ao
artigo
37
[da
Constituição]
ou
o
extravasa me n to de uma aspiração dos que bulira m no texto”,
apesar de o referido doutri na d o r vislum br ar íntima conexão do
princípio da eficiência com o princípio da legalidade, porque,
24
ARRUDA ALVIM, José Manoel et alii. Código do Consu mi dor Coment a do. São Paulo: RT,
1991, p. 62.
25
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensa m e nto jurídico . Trad. J. Baptista Machado. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian , l996, p. 208.
28
bem
justifica,
“jamais
uma
suposta
busca
de
eficiência
justificaria postergação daquele que é o dever administrativo
por excelência”.26
Embora
sejam
absolut a m e n t e
corretas
essas afirmações, o certo é que serviço público eficiente é o
serviço público adequa d o, qualidades que se contrap õe m à
idéia de serviço público negligente ou defeituos o, isto é, aquele
que
revelou
mau
funciona m e n t o
(culpa
in
com miten do ),
insuficien te funciona m e n t o (falta de funciona m e n t o diligente)
ou falta absolut a de funciona m e n t o (culpa in omittendo ), idéias
inform a d o r a s da culpa administr a tiva.
A eficiência do fornecim en t o do serviço
público é dever jurídico do Estado e press u p õ e, por parte das
pessoas jurídicas de direito público e de seus órgãos e agentes
públicos, obediência à lei e utilização de meios racionais e
técnicas moder n a s, que per mita m produ zir o efeito desejado,
ou seja, serviço público bem aparelha d o, prest ad o a tempo e
mod o,
preench en d o
sua
finalidade
legal,
apto
a
atingir
dificuldade s
são
resulta d o que se revele útil ou eficaz ao povo.
Entretan t o,
extensa s
apon ta d a s pela doutri na para se definir, com precisão, o que
seja serviço público. Os autores não têm critério unifor m e,
algun s
form ulan d o
conceito
amplo,
abarcan d o
todas
as
ativida de s exercidas pelo Estado, decorre n t e s de quaisquer de
suas funda m e n t ai s funções, com os quais nos enfileiram o s,
outros
elaboran d o
conceito
restrito,
envolvendo
apenas
a
ativida de do Estado relaciona da à função administ r ativa, com
26
Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 92.
29
exclusão daquelas
que decorre m
das funções legislativa e
jurisdicional.
Escrevendo a respeito, JOSÉ CRETELLA JÚNIOR
qualifica
a
expres sã o
serviço
público
como
“flutuante,
polêmica, controvertida ”, objeto de infindas discussõe s e muito
esforço empreen di d o s pelos doutri na d o r e s, mas sem qualquer
resulta d o satisfat ório, a pont o de a doutrina francesa, diante
da
multiplicida d e
de
opiniões
conflitant es,
concluir
pela
existência de verdadeira “crise da noção jurídica do serviço
público”. Contu d o, após inventariar vasta doutrina nacional e
estrangeira, esboça o mes m o autor o que entende ser uma
noção de serviço público, com clareza e objetivida de, visando a
simplificar
o
complexo
proble m a,
ao
considerar
serviço
público toda atividade exercida pelo Estado para atingir seus
fins, assinalan d o que a nota característica do serviço público é
a sua execução pelo Estado, direta ou indireta m e n t e. Sob essa
ótica, serviço público consistiria em qualquer atividade estatal
tende n t e
à
satisfação
de
necessida d es
coletivas.
Nessas
condições, afirma: “serviço público é gênero de que serviço
administrativo é espécie e a função de administrar a justiça que
é feita pelo Poder Público para atender a uma necessidade
coletiva não pode deixar de ser serviço público, motivo por que
distingui mos o serviço público administrativo e o serviço público
judiciário”. Ao final de extensas
entrecort a d a s
por consta n t e s
e eruditas
considerações,
citações doutrinárias, conclui
mencion a d o autor: “Serviço público é, portanto, toda atividade
que o Estado exerce, direta ou indireta m e nt e, para a satisfação
das necessidades públicas, mediante procedi mento peculiar ao
direito público, derrogatório e exorbitante do direito comu m”. 27
27
Comentários à Constituição de 1988 . 1 a . ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993,
v. VIII, p. 4.078 - 4.081, 4.090 - 4.092, 4.098 e 4.103 - 4.104.
30
Impõe - se notar que, na França, també m
há
susten t açã o
doutrinária
semelha nt e,
como
se
vê
na
festejad a obra de ANDRÉ DE LAUBADÈRE, quand o, ao discorrer
sobre “o direito ad ministrativo ligado
público”, apresen t a
a
seguinte
noção:
à noção de serviço
“chama - se
serviço
público toda atividade de uma coletividade pública visando a
satisfazer uma necessidade de interesse geral”.28
Entende m o s
correta, atual e satisfatória
essa noção ampla, tende nt e a considerar serviço público todo
aquele destina d o ao cumpri m e n t o
dos fins do Estado e à
realização dos interesses individuais e coletivos, ao exercer
suas funções funda m e n t ai s, a administ r ativa, a legislativa e a
jurisdicional, send o esta, a nosso ver, a interpret ação que deve
ser dada à express ão serviço público , inserida no cogno mi na d o
Código de Defesa do Consu mi d o r, em seu artigo 22, caput .
Feitas essas considerações, como já se disse,
certo
é que
o Código
de Defesa
do Consu mi d o r
trouxe
importa n t e inovação, impon d o às pessoa s jurídicas de direito
público, expressa m e n t e, o dever jurídico do fornecimen t o de
serviços públicos de boa qualidade técnica, com a conseqüe n t e
respo n s a bilidad e
serviços
do Estado
públicos,
quaisquer
pelo mau
que
funciona m e n t o
sejam,
dos
administr a tivos,
legislativos ou jurisdicionais.
Sendo
respo n s a bilidad e
28
é
assim,
subjetiva,
resta
com
saber
funda m e n t o
se
essa
na
culpa
Traité de droit administratif . 15 ème. éd. amplifiée par Jean- Claude Venezia et Ives
Gaudeme t. Paris: LGDJ, 1999, p. 42. Texto no original: “Le droit administratif lié à la
notion de service public. La notion de service public. – On apelle service public toute
activité d’une collectivité publique visant à satisfaire un besoin d‘íntérêt général...”.
31
anôni m a do serviço público (culpa administ r ativa) ou objetiva,
fund a d a no risco administr ativo, até porque, como esta m o s a
susten t a r, o direito brasileiro aceita a coexistência dos dois
aludidos
sistem as
jurídicos de respon s a bilidade
do Estado
(vide item 4, retro).
Há
certa
omissão
dos
autores
a
respeito,
ecoan d o, poré m, na dout rina, vozes de merecido e grande
prestígio
científico,
respo n s a bilidad e
sufragan d o
do Estado
a
pelo mau
tese
de
que
funciona m e n t o
a
dos
serviços públicos, com o advento do Código de Defesa do
Consu mi d o r, não decorre da falta (culpa administr a tiva), mas
do fato do serviço público (risco administ r a tivo), 29 gerando,
então, por conseq ü ê ncia, respon s a bilidade objetiva.
Com
todo
o
respeito,
divergim os
desse
enten di m e n t o, porq ue, se o Estado deixar de fornecer serviços
públicos de boa qualidade, aos quais se obrigou, porque não
foram
adequ a d o s
ou não
foram
eficientes,
nas
situações
concreta s em que postulad o s, disto resultan d o prejuízo s ao
particular, estará ocorren d o compor t a m e n t o estatal comissivo,
suscitan d o
resp o n s a bilida de
subjetiva, decorrent e
do
mau
funciona m e n t o dos serviços públicos, evidenciado pela culpa
anôni m a do serviço público, na configuração constr uí da pela
doutrina
insu pera d a
de PAUL DUEZ, sem pre
repetida
nos
textos doutrin ário s franceses e brasileiros: o serviço público
não funciono u, o serviço público funcionou mal ou o serviço
29
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código brasileiro de defesa do consu midor
comentado pelos autores do anteprojeto . 1 a . ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1991, p. 111.
32
público funciono u, poré m tardiam e n t e, em quaisquer das três
situações, geran d o prejuízo s ao particular. 30
Comprovan d o a tese, se há incêndio iniciado
em
proprie d a d e
privada,
provocado
por
raio,
acionan d o
rapida m e n t e o proprietário serviço público estatal presta d o
pelo corpo de bombeiros, este não compa rece n d o ao local para
debelar o incên dio, ou com parecen d o, some nt e depois que
tudo ficou redu zi d o a cinzas, ou, ainda, compa rece n d o, mas
sem
equipa m e n t o s
adequa d o s,
defeituos o s
os
hidrant es
instalad o s pelo próprio Estado nas proximida d e s
do lugar
onde o evento surgiu, daí advindo prejuíz os ao particular,
estar - se- á cogitan d o,
comp o r t a m e n t o
no caso toma d o
como
exem plo, de
comissivo do Estado. À evidência, não foi
agente público que m deu causa ao incêndio. Porém, omitiu - se
o Estado de prestar serviços públicos de boa qualidade, por
meio do órgão público legal e tecnica m e n t e incum bido de
comb ater o incêndio provocado pelo raio, órgão aciona do a
tem p o e mod o. No caso, os serviços públicos se revelara m
inadeq u a d o s e ineficientes, pondo à mostra culpa anôni m a do
serviço público (culpa administr a tiva), o que significa dizer,
sob o pont o de vista jurídico,
respon s a bilida de subjetiva do
Estado.
8. Jurispr u d ê ncia do Supre m o Tribunal Federal
Para
encerrar
a pesquisa
sobre
o assun t o,
colaciona m o s quatro acórdãos do Supre m o Tribunal Federal,
eis que órgão jurisdicional incum bi do
30
de zelar pelo bom
La responsabilité de la puissance publique (en dehors du contract). 2 ème. éd. Paris:
Dalloz, 1938, p. 16- 28
33
funciona m e n t o do siste m a constit ucional brasileiro, revelando
a tendência jurispr u d e ncial sobre o tema e resumi n d o
as
consideraçõe s até agora desenvolvidas, em relação ao direito
brasileiro, notad a m e n t e o reconheci me n t o da coexistência dos
dois sistem a s jurídicos de respon s a bilida de do Estado, um
fund a d o
na
culpa
(respo n s a bilidad e
anôni m a
do
subjetiva), outro
serviço
público
no risco administra tivo
(respo n s a bilidad e objetiva).
O primeiro acórdão, lavrado na vigência da
Constituição de 1946,
respo n s a bilidad e
administ r ativo,
que inaugur o u, no direito brasileiro, a
objetiva do Estado
fixando
o
acórdão,
infor m a d a
contu d o,
pelo risco
o
princípio
jurídico da respo n s a bilida de subjetiva do Estado pelo mau
funciona m e n t o
dos
serviços
públicos,
vale
dizer,
pela
ineficiência de tais serviços: “Responde o Estado pelos danos
decorrentes
da negligência
ou do mau
aparelha m e n to
do
serviço público”.31
O segund o, lavrado na vigência da Constit uição
de 1967 e da
pelo
excerto
Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Vê- se,
a seguir
transcrito,
que
o acórdão,
embora
recon h ece n d o a respo ns a bilidade objetiva do Estado calcada
no risco e
fazen d o
distinção entre risco integral e risco
tem per a d o (sem substr at o científico, como apont a m o s no item
6, retro ), considero u existente a culpa da vítima
julgamen t o,
concedid a,
para
assim
reduzir
o
decidindo:
valor
da
no caso sob
indenização
“A responsabilidade
a
ela
objetiva,
insculpida no artigo 194 e seu parágrafo, da Constituição
31
Estado de Minas Gerais versus Empresa Cine Teatro Santa Helena e outros. Acórdão
lavrado no julgament o do Recurso Extraordinário nº 20.372, Relator Ministro Orosimbo
Nonato, em 25/ 4 / 1 9 5 8. Revista de Direito Administrativo v. 55, p. 261 - 272, Rio de
Janeiro, jan.- mar. 1959.
34
Federal de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e
1969,
artigos
105 - 107,
respectiva me nt e,
não
importa
no
reconheci me n to do risco integral, mas temperado. Invocada
pela ré a culpa da vítima
e provado que contribuiu para o
dano, autoriza seja mitigado o valor da reparação”.32
O
terceiro
aresto,
tam bé m
proferido
na
vigência da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, embora
adotan d o a tese
da respon s a bilidade objetiva das pessoas
jurídicas de direito público, mas fazend o referência, no seu
texto, à
considera d a “teoria do risco integral ”, que, como
susten t a m o s
linhas
atrás, é artificiosa
e carente
de base
científica (vide item 6, retro ), estabelecen d o sua ementa: “A
responsabilidade objetiva de pessoa jurídica de direito público,
prevista na Constituição Federal, não significa seja o Estado
responsável, sempre, por dano causado a terceiro por seus
órgãos
presentativos.
Não
se adotou,
no
sistema
jurídico
brasileiro, em tema de responsabilidade civil, a teoria do risco
integral .” 33
Já o derra deiro
lavrado
pelo
Supre mo
acórdão
Tribunal
Federal
que
se colaciona,
na
vigência
da
Constituição de 1988, pode ser consider a do modelar e síntese
jurispr u d e n cial conclusiva do que foi dito até agora sobre o
tema, por fixar, na sua ement a, as seguinte s e
escorreitas
teses jurídicas, que foram analisadas no present e trabalho: “I A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público
32
Catharina Pugliese versus União. Acórdão lavrado no julgament o do Recurso
Extraordinário nº 68.107 - SP, Relator Ministro Thom ps o n Flores, em 4/5 / 1 9 7 0. Revista
Trimestral de Jurisprudência v. 55, p. 50- 54, Brasília, janeiro 1971.
33 Josefa Figueiredo de Jesus, por si e represent a n d o suas filhas menores, versus Estado
do Paraná. Acórdão lavrado no julgament o do Recurso Extraordinário nº 78.569 - PR,
Relator Ministro Firmino Paz, em 15/ 9 / 1 9 8 1. Revista LEX- Jurisprudência do Supre mo
Tribunal Federal v. 36, p. 49- 54, São Paulo, deze m b r o de 1981.
35
e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço
público,
responsabilidade
objetiva,
com
base
no
risco
administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do
dano;
b) da ação administrativa;
c) e desde que haja nexo
causal entre o dano e a ação administrativa.
II
- Essa
responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo,
admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de
abrand a r
ou mes mo
excluir a responsabilidade
da pessoa
jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviço público.
III -
Tratando - se de
ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal
ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, nu m a de suas três
vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo,
entretanto, necessário individualizá - la, dado que pode ser
atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de
service dos franceses”. 34
9. Conclusão
Onde houver exercício de poder pelo Estado, no
desem p e n h o
de
quaisquer
de
suas
funções
considera d a s
jurídicas e essenciais, a administ r ativa (ou governa m e n t al), a
legislativa
e
a
jurisdicional,
haverá,
conseque n t e m e n t e,
respo n s a bilidad e pelos atos lesivos causa do s em razão do
poder
34
exercido,
sem pre
disciplina do s
–
poder
e
Analia Vieira dos Santos versus Estado de São Paulo. Acórdão lavrado no julgament o do
Recurso Extraordinário nº 179.147, originário de São Paulo, Relator Ministro Carlos
Velloso, em 12 / 1 2 / 1 9 9 7. Súmula do acórdão publicada no Diário Judiciário da União, p.
18, Brasília, edição de 27 / 2 / 1 9 9 8. Ementário do Suprem o Tribunal Federal nº 1.900 - 03,
p. 589. O acórdão julgou proceden te pedido de indenização por dano moral contra o
Estado de São Paulo, form ulado pela mãe do presidiário que foi mort o por outro interno,
na cadeia pública de Guarujá, Estado de São Paulo. Reconheceu o acórdão que o dano
resultou de ato praticado não por agente público, mas causado mediante ato comissivo
de terceiro, percebendo - se, então, na espécie em julgament o, ato omissivo do Estado,
gerando sua respon s a bilidade subjetiva, funda da na culpa anônima do serviço público.
36
respo n s a bilidad e
-
constitucio n ais,
que
por
regras
com põe m
e
o
princípios,
sobret u d o
ordena m e n t o
jurídico
brasileiro, cuja inobservâ ncia acarreta o óbvio resultad o da
obrigação
estatal de indenizar
os prejuízo s
causado s
aos
particulares.
Bibliografia .
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A respon s a bilida de civil do
Estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil. Revista
da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul v. 59, p. 5- 48,
Porto Alegre, nov. 1993.
ARAÚJO, Edmir Netto de. Responsabilidade do Estado por ato
jurisdicional. São Paulo: RT, 1981.
ARRUDA ALVIM, José Manoel et alii. Código do Consu midor
Comenta do . São Paulo: RT, 1991.
BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio.
Curso
de
Direito
Ad ministrativo . 13 a . ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros,
2000.
BARACHO,
José
Alfredo
de
Oliveira.
Hermenê u tica
Constitucion al. Revista de Direito Público. V. 59 - 60, p. 46 - 71,
São Paulo, jul./ d e z. 1981.
BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.
Edição histórica. 7 a . tir. Rio de Janeiro: Editora Rio, [s.d.]. v.1.
37
CAHALI, Yussef Said. Respons a bilidade civil do Estado. In:
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva,
1984.
CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade civil do Estado. Ed. rev.
e atual. por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, t.
I, II.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988.
1 a . ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, v. VIII.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo . 5 a . ed.
São Paulo: Atlas, 1995.
DUEZ, Paul. La responsabilité de la puissance publique (en
dehors du contract) . 2ème. éd. Paris: Dalloz, 1938.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo . 2 a .
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1994.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Da denunciação da lide . 2 a . ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1987.
GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código brasileiro de defesa do
consu midor comenta do pelos autores do projeto . 1 a . ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1991.
LAUBADÈRE, André de. Traité de droit administratif . 15 ème.
éd. amplifiée par Jean - Claude Venezia et Yves Gaude m et.
Paris: LGDJ, 1999, t. 1.
38
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro . 15 a .
ed. São Paulo: RT, 1990.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2 a . ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1990.
SAVATIER, René. Traité de la Responsabilité Civile en Droit
Français . Paris: LGDJ, 1939, t. I.
SEABRA
FAGUNDES,
Miguel.
O
Controle
dos
Atos
Ad ministrativos pelo Poder Judiciário . 6 a . ed. rev. atual. São
Paulo: Saraiva, 1984.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.
5 a . ed. rev. ampl. São Paulo: RT, 1989.

Documentos relacionados

Novas Tendências da Responsabilidade Civil Brasileira

Novas Tendências da Responsabilidade Civil Brasileira O fenômeno é explicado por José Fernando de Castro Farias, A Origem do Direito de Solidariedade, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 135: “A teoria tradicional condicionava a responsabilidade civil à...

Leia mais