a responsabilidade civil do estado no direito moderno
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a responsabilidade civil do estado no direito moderno
1 A respo n s a bilida de civil do Estado no direito brasileiro Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias Advogado militante em Minas Gerais Professor na Faculdade Mineira de Direito da PUC/Minas Mestre em Direito Civil e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG 1. Introduçã o Em sentido amplo, respon s a bilidade civil é a obrigação causad o impo st a a qualquer a outre m pessoa em decorrência de reparar de seus o dano atos, ou pela ativida de de pessoas ou coisas dela depen de n t e s. 1 Concepção tradicional indica que essa obrigação de reparar o dano é impost a às pessoas que adota m um compo r t a m e n t o contrário ao direito, exteriori zan d o cond u t a antijurídica, idéia inform a d o r a da respon s a bilidade civil. Além das pessoa s evoluíram pessoas para jurídicas tam bé m de naturais, os estudo s atribuíre m direito privado, doutrinários respon s a bilida de vez que, às embora desprovid as de individualida de fisiopsíquica, agem por via das pessoas naturais, seus administr a d o r e s e dirigentes, os quais 1 Cf. SAVATIER, René. Traité de la Responsabilité Civile en Droit Français. Paris: LGDP, 1939, t. I, p. 1. 2 são seus órgãos de atuação. Dentro de tal realidade técnica e jurídica, é possível às pessoas jurídicas de direito privado causare m dano s a terceiros, no exercício das suas atividade s. De forma semelhan t e ao que ocorre com a pessoa jurídica de direito privado, tam bé m o Estado, pessoa jurídica de direito público, pode causar danos às pessoas naturais ou jurídicas, no exercício de suas múltiplas funções, por via de seus órgãos, servidores e agentes, máxime nos dias de hoje, em que se percebe um gigantis m o cada vez mais crescent e do Estado frente aos indivíduo s. 2 Com efeito, o Estado, a mais com plexa form a de organização jurídica do poder na atualidade, que envolve o ser hum a n o na sua teia de laços inflexíveis, da qual o indivíduo não mais consegue livrar - se, exerce poder político de coman d o sobre as pessoa s, como atribut o da soberania, por meio de suas funções jurídicas essenciais, quais sejam a administra tiva ou governa m e n t al, a legislativa e a jurisdicional. Ao exercê - las, os órgãos, servidores, agentes e entidade s personaliza d a s que se lhe vinculam pode m praticar atos que causa m danos a terceiros, quan d o procedere m de modo contrário ao direito ou faltare m aos deveres prescritos no ordena m e n t o jurídico, impon d o ao Estado a obrigação de indeni zá - los. Em CAVACANTI, para imput ável tal sentido, justificar ao Estado, já exem plificava a respon s a bilida de no exercício funções funda m e n t ai s, ao destacar AMARO por danos de quaisquer de suas que “o legislador pode adotar resoluções que violem direitos individuais adquiridos, ou de cuja execução resulte lesão à liberdade ou propriedade, 2 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2 a . ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 136 e 138. 3 garantidas pelo direito funda m e n t al; o governo pode expedir decretos, proferir decisões e despachos, ordenar a execução de obras, a instalação de serviços, ou empregar medidas de saúde ou de segura nça pública, que acarrete m danos inevitáveis às pessoas ou aos haveres dos particulares; o juiz ou tribunal, por culpa ou por simples erro de ofício, pode ordenar medidas ou proferir sentenças contra a verdade dos fatos e o direito expresso, consequente m e n t e, lesivas aos direitos das partes”.3 2. Aspectos evolutivos Na sua obra dada a lume no começo do século XX, AMARO CAVALCANTI suste n t o u que, em nosso país, semp re foi aceita a tese da respon s a bilidade do Estado pelos atos lesivos de seus represe n t a n t e s, “ainda que deixando junta m e n t e largo espaço para freqüentes exceções, em vista dos fins e interesses superiores, que o Estado representa e tem por missão realizar em nome do bem comu m” ,4 repetid o na grande maioria dos textos o que despo n t a doutrinários mais atuais. No entanto, com o respeito devido, enten de m o s que essa posição deve ser aceita com algum a reserva, a começar pelo exame do texto da Constit uição imperial de 25 de março de 1824, que se seguiu à indepen d ê n cia do Brasil, em 1822, prescreven d o justa m e n t e o contrário, pois negava a respo n s a bilidad e do Estado, atribuind o - a “estrita me nte” aos funcionários públicos “pelos abusos e omissões praticados no 3 Responsabilidade civil do Estado . Edição atualizada por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, t. I, p. 142 - 143. 4 Responsabilidade civil do Estado . Ob. cit., t. II, p. 611. 4 exercício de suas funções e por não fazere m efetiva me n t e responsáveis aos seus subalternos” (artigo 179, inciso XXIX). Demais disso, em nítido acata m e n t o ao princípio teocrático da investidur a majestá tica do soberan o, fund a m e n t o básico do Estado absolutist a, o artigo 99 do texto daquela cham a d a escancara d a m e n t e Constituição imperial a irrespo n s a bilida de estabelecia do Imperad o r: “A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade algu m a” . Embora alguns autores digam que o enten di m e n t o doutri nário, à época, trilhava no sentido de se enten d e r a solidaried a d e do Estado em relação aos atos dos funcionários públicos, 5 o constitucio n al, bem às irresp o n s a bilida d e respo n s a bilidad e considera d o s, claras, do pela se certo é ocorrent es, o indicado apegava - se Estado, prática que de à teoria acobert an d o - o atos ilícitos, condu t a s texto da da estes culposas dos funcionários, e, portant o, somen te estes respon s áveis, a título de culpa, em sentido amplo ou sentido estrito, pelos danos causad o s a terceiros. Examinan d o respo n s a bilidad e do a Estado evolução no do sistem a ordena m e n t o da jurídico brasileiro, RUI ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR aponta que, logo após a proclam açã o da República, foram editados dois importa n t e s textos legislativos relaciona d o s com o assunt o, o Decreto nº 451 - B, de 3l de maio de 1890, dispon d o sobre o Registro Torren s, e o Decreto nº 847, de 11 de outubr o de 5 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo . 13 a . ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros: 2000, p. 833. 5 1890, publican d o o novo Código Penal. No primeiro, ficou impost a ao Estado a obrigação de indeniza r os danos que alguém supor t a s s e, em consequê ncia da indevida inscrição de imóvel ou direito real seu em nome ou em favor de outre m (artigo 61). No Código Penal de 1890, ao tratar da reabilitação criminal, foi atribuída ao Estado a respon s a bilidade direta pelos danos decorren t es de erro judiciário reconheci do em sentença de reabilitação (artigo 86, § 2º), norm a que, aliás, está repetida no Código de Processo Penal atualm en t e em vigor, ao cuidar da revisão criminal (artigo 630). Assim, conclui o autor, em ambos os casos despo n t o u a respon s a bilida de direta do Estado pelos dano s causa d o s nas situações ali tipificada s, considera d o legitimad o passivo nos process o s de indenização instaur a d o s pelos lesados. 6 No entant o, de forma paradoxal, apesar dessa clara tendên cia revelada na legislação ordinária em prol da aceitação da respo n s a bilida de do Estado, a Constit uição republican a de 24 de fevereiro de 1891 perma nece u fiel ao princípio da Constituição irresp o n s a bilida de imperial, respo n s a bilidad e funcionários exclusiva públicos são do mante n d o dos Estado em seu funcionários estrita me nte consagrad o texto na a públicos: “os responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrere m no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência, ou negligência em não responsabilizare m efetiva m e n te os seus subalternos” (artigo 82). 6 A respon s abilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil. Revista da Associação dos Juízes no Rio Grande do Sul v. 59, p. 5- 48, Porto Alegre, novembr o 1993, p. 7. 6 Embora a Constituição contin u as s e ferren h a m e n t e republicana apega da à tese de 1891 retrógrad a da irresp o n s a bilida d e do Estado, ainda durant e a vigência de seu texto, na data de 1º de janeiro de 1917, entrava em vigor o Código Civil brasileiro, toman d o rum o diametr al m e n t e opost o, porque seu artigo 15, albergan d o as teorias da culpa e da represe n t aç ão do Estado pelo seu funcionário, prescrevia a respo n s a bilidad e direta das pessoas jurídicas de direito público funda d a no ato culposo e causa do r de dano praticado por seus funcionários, qualificados, no texto, como representa n tes : “as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representa ntes que nessa qualidade cause m danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”. Em escólio ao referido artigo do Código Civil de 1916, verdad eiro convictos, CLÓVIS monu m e n t o legislativo, que, estam o s deixará sauda d e s junto aos práticos do direito, BEVILAQUA, seu autor intelectual, apontava os fund a m e n t o s jurídicos da respon s a bilida de primária ou direta do Estado, os quais infor m ava m fixada, excerto a merecer científico: “Todo dano o enunciado da regra ali transcrição, pelo seu conteú d o deve ser reparado, por que m, injusta me n te, o praticou. Nos danos causados por atos da administração pública, a responsabilidade não pode ser desviada, porque ela age por inter médio dos seus órgãos. Entre o funcionário e o Estado ou Município há uma relação mais íntima do que na representação comu m man d a t ário; e, procurador, com se o comitente razão mais do manda n te pelo responde forte deve pelos atos do responder a 7 administração pelos atos de seus órgãos”. Prossegui nd o em seus comen t ários, concluía o mes m o autor que “o funda m e n t o dessa responsabilidade é o princípio jurídico, em virtude do qual, toda lesão de direito deve ser reparada, todo dano ressarcido, e que o Estado, tendo por função principal realizar o direito, não pode cham ar a si o privilégio de contrariar, no seu interesse, esse princípio de justiça”.7 Na realidade, essa regra do Código Civil de 1916 resu mia pensa m e n t o tendência da doutrinário e legislação ordinária jurispr u d e n cial e do sobre a respo n s a bilidad e do Estado, existent es antes de seu advent o, como esclarece SEABRA FAGUNDES: “Anterior me nt e ao Código Civil já se admitia, em princípio, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas públicas, pelos atos lesivos de direitos, como observa João Luís Alves (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil, 4 a . ed., 2 a . tir., v. 1, p. 58). A Lei federal nº 221, de 30 de nove m bro de 1894, no art. 13, § 10, tratando da competência do Judiciário para julgar ‘as causas provenientes de compensações, reivindicações, indenização de prejuízos ou quaisquer outras propostas pelo governo da União contra particulares e vice- versa’, admitiu, implicita me nt e, a obrigação, para o Estado, de indenizar os prejuízos causados pelos atos dos seus agentes. Outra lei, após essa, a de nº 1.939, de 28 de agosto de 1908, també m dispôs sobre a matéria (arts. 1º, 2º, 6º, 7º, 8º e 9º). A jurisprudê ncia també m aceitava, em princípio, a responsabilidade jurisprudê ncia civil do Estado.[...]. Síntese antecedente ao Código expressiva da Civil é o seguinte acórdão do Supre mo Tribunal Federal, de 29 de agosto de 1914: ‘É doutrina já firmada em nossa jurisprudê ncia, copiosa 7 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica. 7 a . tir. Rio de Janeiro: Editora Rio, [s.d], v. 1, p. 214 - 215. 8 e persistente, a responsabilidade civil do Estado pelo dano causado ao direito de particulares pelos funcionários, órgãos ou prepostos da Ad ministração Pública, responsabilidade que se resolve na indenização por perdas e danos’ (Revista do Supre mo, 3:72).”8 Em virtude de movime n t o s revolucionários que eclodira m no país ao longo dos anos de 1930 e de 1932, foi pro m ulgad a nova Constituição no dia 16 de julho de 1934, cujo texto passo u a admitir a respon s a bilida de direta e solidária do Estado pelos atos lesivos provoca do s por seus funcionários: “os funcionários públicos são responsáveis solidaria m e n t e com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos” (artigo 171, caput ). Aos 10 de novembr o de 1937, foi prom ulgad a nova Constit uição, que instituiu no Brasil o regime totalitário conhecid o historicam e n t e como Estado Novo . Porém, este novo texto constit ucion al, em seu artigo 158, litteris repro d u zi u ipsis o texto do artigo 171 da Constituição revogada, nada alteran d o o então vigente regime jurídico da respo ns a bilidade direta e solidária do Estado. Mas o notável avanço na evolução do tema registro u - se com a Constit uição prom ulga d a a 18 de setem br o de 1946, marco da chama d a redem ocra ti z açã o do Brasil, porque pôs fim ao ciclo histórico do intitulado Estado Novo . A Constituição de 1946, em seu artigo 194, caput , consagro u no direito brasileiro, em definitivo, a moder n a teoria 8 publicista O Controle dos Atos Ad ministrativos pelo Poder Judiciário. 6 a . ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 152 - 153. 9 da respo n s a bilida d e objetiva do Estado infor m a d a pelo risco criado ou pelo risco administr ativo, quando prescreveu que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, cause m a terceiros”. No parágrafo único daquele artigo, concedeu - se às pessoa s de direito público o direito de “ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quan do tiver havido culpa destes”. Seguiu - se a Constituição 1967, cujo artigo 105 repetiu a regra de 24 de janeiro de do artigo 194 da Constituição de 1946, acrescent a n d o, porém, no seu único parágrafo, que a intitulada ação regressiva em face dos funcionários causad o r e s do dano caberia às pessoas jurídicas de direito público em caso de culpa ou dolo , notan d o - se que a Constituição culpa, de 1946 enunciad o s some n t e norm a tivos considerava que a hipótese restara m de mantido s inalterad o s na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, em seu artigo 107. Por fim, a Constit uição atual m en t e em vigor, pro m ulgad a em 5 de outubr o de 1988, manten d o o princípio geral da respo n s a bilida de administ r ativo, intro d u zi d o objetiva no do direito Estado brasileiro pelo risco desde a Constituição de 1946, ao deter mi nar que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causare m a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (artigo 37, § 6º). 10 3. Sentido e alcance da norm a do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal Ao nosso enten di m e n t o, a interpre t açã o desse preceito constit ucio nal, que impõe a respon s a bilidade do Estado pelos dano s causa d o s aos particulares, leva à conclusão de que, em primeiro lugar, consagra a respon s a bilida de objetiva e direta de todas as pessoa s jurídicas de Direito Público, ancorad a na atual teoria publicista do risco criado ou teoria do risco administ r ativo. Logo, dispens a a necessida d e de se perquirir a culpa do serviço público, bastan d o a comp r ovação do dano causado ao particular, em decorrência da prestação de um serviço público qualquer (nexo de causa e efeito, ou seja, liame de causalidade). Evidente m e n t e, alcança as três funda m e n t ai s funções exercidas pelo Estado, a administ r ativa, a legislativa e a jurisdicional, não havendo razão jurídica, lógica ou razoável para se excluir qualquer delas da sua abrangência, daí a possibilida de de se susten t a r a tese de uma respo n s a bilida de unitária do Estado. Por fim, referido preceito constitucional tem incidência em quaisquer situações de danos causado s pelo Estado, indepe n d e n t e m e n t e de sua origem ou da nature z a da atividade lesiva. 4. Dualidade de sistem a s jurídicos no direito brasileiro Entretan t o, se assim é, em princípio, causa certa perplexida d e a circuns t â ncia de a mes m a Constit uição de 1988, no artigo 21, inciso XXIII, alínea c, ao tratar da compet ên cia da União, ressalvar que “a responsabilidade civil 11 [da União] por danos nucleares independe da existência de culpa”. Obviamen t e, ainda que não existisse esse preceito, por força da norm a geral do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, a respo n s a bilidade da União, pessoa jurídica de direito público intern o, nas hipótese s de danos decorrent es de serviços e instalações nucleares, estaria configurad a e seria objetiva. Para ilustrar a assertiva, supon h a - se a ocorrência de lesões radioativas fatais em pessoa s resident es próximas ao local do evento, oriunda s de vazam e n t o em central nuclear instalad a e controla da pela União, cujo equipa m e n t o protet or tivesse sido destr uí d o por avalanche ou abalo sísmico. Embora a ação lesiva não fosse efetuad a por agente da pessoa jurídica de direito público, teria sido ela quem prod u zi u a situação da qual o dano decorre u. No caso, aquela pessoa jurídica de direito público teria criado, por ato comissivo seu, os fatores que, potencial e decisivam en t e, causara m o dano. Na hipótese, a lesão estaria ligada de forma indireta a uma atividad e de enor m e risco, desenvolvida e controlada pelo Estado, cuja atuação foi o termo inicial de uma seqüê ncia de aconteci men t o s dos quais resultou o dano, este inseparável dos antecede n t e s criados pelo próprio Estado. 9 Sendo assim, em face do preceito geral existent e na Constituição (artigo 37, § 6º), a regra da alínea c, do inciso XXIII, do artigo 21, pareceria uma superfet ação. Em razão disso, é necessário esforço interp ret ativo, a fim de se afastar as possíveis falhas da falta de precisão técnica e da aparent e superfet ação sugerida. Isto porque, bem ressalva JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, “os problem as da interpretação constitucional são mais amplos do que aqueles da lei comu m, pois repercute m ordena m e n to 9 jurídico”, explicando o autor em todo o que “a Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 823 - 824. 12 her me n ê u tica constitucional tem princípios próprios do Direito Constitucional, entretanto não abandona os funda m e n tos da interpretação da lei, utilizados pela teoria geral do direito”, de sorte que, arrem a t a, a interpret ação constitucional “não é diferente das doutrinas aplicadas no direito, em geral, da mes m a ma neira que os métodos de interpretação são quase os mes mos: literal, lógico, histórico e sistemático”.10 Present es primeiro lugar, ao essas ressalvar considerações, a Constit uição em que a respo n s a bilidad e da União por danos nucleares indepe n d e de culpa, a interp ret ação adequa d a a se extrair daquela norm a todo o seu conteú d o só poderia levar ao enten di m e n t o de que a culpa ali mencio na d a é a culpa administra tiva, a culpa anôni m a público, do serviço evidenciada pelo mau funciona m e n t o do serviço presta d o pelo Estado. Em segun do lugar, se há, na Constit uição, um preceito geral impon d o a respo n s a bilidad e de todas as pessoas jurídicas de direito público pelo simples nexo causal entre qualquer atividade por elas exercida e o dano daí resultan t e, vale dizer, dispens a n d o pesq uisa da culpa administr ativa (artigo 37, § 6º), e se há outro preceito, na mes m a Constituição, tratan d o de atividade específica e deter min a n d o a respon s a bilidade de apenas uma das pessoas ressalvan d o jurídicas que de direito público tal respo n s a bilida de que indepe n d e a exerce, da culpa administ r ativa (artigo 21, inciso XXIII, alínea c), parece - nos que a interp re t ação lógico - sistem á tica per mite a conclusão de que seu texto está a admitir possa m existir situações nas quais a respo n s a bilidad e do Estado some n t e surgirá pela verificação da culpa do serviço público. 10 Hermenê utica constitucional. Revista de Direito Público v 59- 60, p. 49, 51- 52, São Paulo, jul./ de z. 1981. 13 Em assim sendo, entende m o s que a Constituição brasileira está a permitir coexistência, no direito intern o, de dois sistem a s jurídicos de respo ns a bilidade do Estado, um funda d o no risco administ r ativo (respon s a bilidade objetiva), outro apoiado na culpa anônim a do serviço público ou culpa administ r ativa (respon s a bilida de subjetiva), à semelha nça do que sucede na França. Com isso, o sistem a jurídico - constit ucional brasileiro permite o exame de casos particulares verificado s na multifária vida social e a análise das circunst â ncias específicas de cada um, concede n d o atendi m e n t o às variadas condições em que se verifica a respon s a bilida de do Estado, notada m e n t e nas situações de atos comissivos e de atos omissivos causad o r e s de danos. A tal conclusão acertada, segun d o avaliam os, já chegara CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (o moço) , embora não o fosse pelos funda m e n t o s ora expendi do s, louvan d o - se em posição defendida “há muitos lustros” por OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO (o pai), segun d o a ressalva feita pelo primeiro autor, para afirmar que “a doutrina correta, perante as disposições nor mativas do país”, é aquela que sufraga a tese de que “a responsabilidade do Estado é objetiva no caso de comporta m e n to danoso comissivo e subjetiva no caso de comporta m e n t o omissivo ”.11 Dessa form a, por exem plo, se agentes policiais 11 militares, em desast r a d a ação Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 822 e 837 - 838. de perseguição a 14 meliantes, almejan d o prendê - los, efetua m dispar os de arma de fogo na via pública, atingindo terceiros, há compor t a m e n t o comissivo do Estado, gerand o sua respo n s a bilidade objetiva, em razão da teoria do risco criado ou risco administr a tivo. De outra parte, ainda exem plifican d o, se um juiz deixa de apreciar pedido de concessão de tutela antecipa da de mérito, formulad o pela parte, perfeita m e n t e demo n s t r a d o pelo autor seus requisitos legais (Código de Processo Civil, artigos 273 e 461, e Código de Defesa do Consu mi d o r, artigo 84), no prazo de dez dias que lhe é impost o na lei (Código de Processo Civil, artigo 189, II), ou, então, deferindo o pedido, mas tardia me n t e, disto resultan d o prejuízo s à parte requere n te, há nítida ativida de omissiva do Estado, gerando sua respo ns a bilida de subjetiva, funda d a na culpa anôni m a do serviço público, ao se caracteri zar o serviço público jurisdicional defeituos o ou imperfeito. 12 5. Respo n s abilida de do Estado e do agente público O novo Código Civil brasileiro, instituído pela Lei nº 10.406, de 10/ 1 / 2 0 0 2, que entrou em vigor no dia 11/ 1 / 2 0 0 3, no assun t o, segue fielment e a matriz constitucio n al constr uí da no preceito geral do artigo 37, § 6º, denot an d o acata m e n t o à teoria da respon s a bilidade objetiva do Estado, consagra da no direito moder n o, ao preceituar que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente 12 LÚCIA VALLE FIGUEIREDO entende caracteriza da a respons a bilidade do Estado em situação similar: “Se negada, por exemplo, liminar em manda do de segurança, embora presentes seus pressupostos, se de tal negativa ocorrer dano, haverá responsabilidade de quem, desbordando de seus limites, tê- la- ia negado. O mes mo se diga de concessões indevidas de liminares. Nosso posicioname n to é, pois, no sentido de que o Estado responde, e sobretudo pela prestação jurisdicional retardada, que acaba por configurar denegação de justiça”. (Curso de Direito Administrativo . 2 a . ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 186). 15 responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo” (artigo 43). No atual siste m a jurídico brasileiro, suste n t a MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, tem - se que, “a partir da Constituição de responsabilidade 1946 , ficou objetiva do consagrada Estado”, a isto teoria porque, da bem esclarece, “parte - se da idéia de que, se o dispositivo só exige culpa ou dolo para o direito de regresso contra o funcionário, é porque não quis fazer a mes m a exigência para as pessoas jurídicas”, argu m e n t o que continua a prevalecer, ao exame do texto da Constituição de 1988. Daí observar referida autora, com razão, que, no artigo 37, § 6º, da Constit uição atual me n t e em vigor, estão compree n di d a s duas norm a s de direito, a da respo n s a bilidad e objetiva do Estado frente ao particular lesado e a da respo n s a bilida de subjetiva do agente público para com o Estado. 13 sem p re Como a respon s a bilidade do agente público é subjetiva, exige - se, para sua configuração, a demo n s t r a çã o da culpa em sentido estrito (assent a d a no tripé impru d ê n cia, imperícia ou negligência) ou do dolo (culpa em sentido amplo). Entende m o s que o ajuiza m e n t o da ação regressiva em face do agente público, para obter ressarci men t o do que pagou à vítima a título de indeni zação, é dever do Estado, e não faculda de. Esclareça - se, porém, que esse direito de ação regressiva do Estado em face do agente público poderá ser exercido em processo autôno m o ou no próprio process o iniciado pela vítima lesada em face do Estado, por meio da 13 Direito Admi nistrativo . 5 a . ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 414. 16 den u n ciação da lide, figura proces s ual de intervenção de terceiro (Código de Processo Civil, artigo 70, inciso III). Sobre a denu nciação da lide, em obra notável, que esgota o tema, AROLDO PLÍNIO GONÇALVES dilucida: “Regulada no Código de Processo Civil brasileiro, de 1973, nos artigos 70 a 76, a denunciação da lide implica na propositura antecipada de uma ação de regresso em face do denu nciado, embora de forma condicionada à sucu m bê ncia do denu ncia nte na ação originária, havendo, se for o caso, duplo pronu ncia m e n to em uma única sentença”. 14 Isto significa dizer que, na hipótese de denu nciação da lide ao agente público, requerid a pelo Estado réu, há cúmulo sucessivo de ações, porque, à ação de indenização originária, propos t a pela vítima em face do Estado, adiciona - se a ação de regresso ajuiza d a pelo Estado denu ncian t e em face do agente público den u n ciad o, a fim de que, no mes m o process o, a sentença decida, simultan ea m e n t e, as duas pretens õe s dedu zi d a s em juízo, quais sejam: 1 a .)- a pretens ão indeni zat ó ria post a pela vítima contra o Estado; 2 a .)- a pretens ã o de ressarcim en t o formalizad a pelo Estado denu ncian t e contra o agente público den u n ciad o. No entanto, apesar de algum a s divergências em torno susten t a m do assun t o, alinha m o - nos não ser obrigatória entre a denunciação aqueles que da lide na hipótese em comen t o, ao contrário do que prevê a regra do caput do artigo 70 do Código de Processo Civil e aí, mais uma vez, seguimo s a segura orientação doutrinária de AROLDO PLÍNIO 14 GONÇALVES, quand o analisa o Da denunciação da lide. 2 a . ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 134. sentido da 17 obrigatoried a d e da denunciação da lide, segun d o a regra do artigo 70 do Código de Processo Civil: “a tendência que se nota, porém, entre os doutrinadores, é a de fazer com que – jogando com os três itens do referido artigo 70 – fique cada vez menos ‘obrigatória’ a denunciação da lide que o Código de Processo Civil, de 1973, decerto embasado em sólidos princípios, categorica m e n t e quis que guardasse explícito caráter de ponto em obrigatoriedade” .15 Prosseguin d o sua análise, no questão, relativo à obrigação indeniza t ó ria discutida na ação de regress o, funda d a na respon s a bilidade, o mes m o autor é categórico em afastar a obrigat orieda d e da denu nciação da lide: “O item III, do artigo 70 – ‘A denunciação da lide é obrigatória: àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a dema n d a’ – merece especial atenção, exata me n t e, pelo fato de enfeixar, a um tempo, casos de garantia própria (formal) e de garantia imprópria (responsabilidade civil). Ou com palavras diversas, aí a denunciação é obrigatória (necessária) em certas circunstâncias e, facultativa, em outras. Eis uma louvável inovação. Obrigatória, se o caso for de garantia própria (formal). Facultativa, se de garantia imprópria (responsabilidade civil).”16 Logo, pode - se afirmar, em suma, que a den u n ciação da lide ao agente público, no process o iniciado pela vítima em face do Estado, não é obrigatória. 17 Porém, se o 15 Da denunciação da lide. Ob. cit., p. 185. Da denunciação da lide. Ob. cit., p. 230 - 231. 17 Essa é a orientação jurispr u de ncial do Suprem o Tribunal Federal: “A ação de indenização, fundada em responsabilidade objetiva do Estado, por ato de funcionário (Constituição, artigo 107 e parágrafo único), não comporta obrigatória denunciação a este, na forma do artigo 70, III, do Código de Processo Civil, para apuração de culpa, desnecessária à satisfação do prejudicado”. Recorrente: Estado do Rio de Janeiro. Recorrida: Marva Administ ra do r a de Imóveis Ltda. Acórdão lavrado no julgament o do Recurso Extraordinário nº 95.091 - RJ, Relator Ministro Cordeiro Guerra, em 3/2 / 1 9 8 3. Revista Trimestral de Jurisprudência v. 106, p. 1.054 - 1.057, Brasília, deze m b r o 1983. 16 18 Estado réu não instaur a d o requerer a denunciação da lide no process o pela vítima, terá o dever jurídico de ajuizar posterior ação de ressarci me n t o em face do agente público, utilizan d o proces so autôno m o, se for acolhida a pretens ão indeniza t ó ria situações da vítima. A tese tem aplicação lógica em concretas. Suponha - se, para ilustração, process o com preten s ã o indeni zat ó ria da vítima contra o Estado, cuja defesa consistisse na ocorrência da força maior ou do fato da vítima (causas excludent es da respo n s a bilidade), ou seja, inexistência de liame de causalida de entre a atividade estatal e o dano supor t a d o pela vítima. Em tal hipótese, não haveria sentido considera r estivesse o Estado réu obrigado a requerer a denu n ciação da lide ao agente público, porqua n t o a tese da defesa consistiria, precisa me n t e, em que não foi ele, o Estado, o causad o r da lesão sofrida pela vítima, ou seja, o agente público não praticou qualquer ato causa d or do dano. Até mes m o, a denu nciação da lide, se requerida, revelaria estar conflitan t e com a própria tese da defesa aprese nt a d a pelo Estado no proces so. Aspecto outro a merecer exame, pela sua repercu s s ã o no desenvolviment o ulterior do tema central deste trabalh o, ao que nos parece, em exame compara tivo dos textos das Constituições de 1946, de 1967, da Emenda Constit ucional de 1969 e da Constituição Constituição de 1988, reside em que a de 1988, no seu artigo 37, § 6º, afastou o vocábulo “funcionários”, contido nos textos anteriores, em seu lugar intro d u zi n d o a expressão “agentes”, no que foi seguida pelo novo Código Civil brasileiro (artigo 43), este també m contraria m e n t e ao Código Civil revogado, de 1916, que se referia aos “representantes” das pessoas jurídicas de direito 19 público. Entende m o s que tais substit uições se revelam significativas e de extrem a importâ ncia, eis que a palavra agentes , na acepção jurídica, é forma simplificada da expressã o agentes públicos e tem maior amplitu de. Assim, deve - se enten der como agentes públicos todas as pessoa s naturais que prest a m serviços ao Estado e as pessoa s jurídicas que compõe m a chama d a administ r ação pública indireta, entidades personaliza d a s a ele vinculada s. A expressão agentes públicos , porta n t o, abrange quaisq u er categorias de agentes políticos e administ rativos, os servidores presta m públicos serviços de modo em geral e os particulares colaboração com o Estado, que pouco importa n d o, para o fim de se deter mi nar a respon s a bilidade do Estado, o título sob o qual o serviço é presta d o. 18 Trata - se de pont o relevante, porque, já o dissem o s na intro d uçã o do presente trabalho, o Estado, pessoa jurídica de direito público, ao contrário das pessoas naturais, não possui individualida de fisiopsíquica, agindo, então, por meio dos agentes públicos, como tais, entendi das excelsas autorida d e s ou humildes servidores, sempre que estivere m no exercício de cargos, funções ou atribuições em quaisquer escalões da cada vez mais densa e complexa organi zação estatal, nela atuan d o sob qualquer categoria ou título jurídico, toman d o decisões, desenvolven d o atribuí da s ao Estado ou serviços 18 públicos atividades legalmen t e relaciona d a s com a prestação de recome n d a d o s em lei, controlado s, Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ob. cit., p. 353 e 414. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5 a . ed. rev. ampl. São Paulo: RT, 1989, p. 570. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Admi nistrativo . Ob. cit, p. 177. ARAÚJO, Edmir Netto de. Responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. São Paulo: RT, 1981, p. 16. 20 concedid o s ou mono p oliza d o s pelo próprio e gigantesco Estado. Sob a égide dessas consideraçõe s, é despicien d o saber, para efeito de configuração da respo n s a bilidad e do Estado, se o dano ocorrido decorreu de atuação desenvolvida, por exem plo, pelo Coordena d o r da arrecad ação tribut ária, pelo Chefe do serviço de coleta do lixo, pelo Juiz, pelo Desem barga d o r, pelo Ministro, pelo Represen t a n t e do Ministério Público, pelo Oficial de Justiça, pelo Professor da Universida de Forças Armad as em serviço, Pública, 19 pelo Oficial das pelo motorista do Suprem o Tribu n al Federal, pelo porteiro do edifício sede da Assembléia Legislativa ou pelo faxineiro do palácio onde reside o Presiden te da República. Sem dúvida, na concepção hodierna do Estado de Direito, o funda m e n t o dessa respo ns a bilida de unitária é a exigência de ser repara d o o dano causa do, desde que demo n s t r a d o o nexo causal entre a ativida de do agente público e a lesão verificada, de nenhu m a valia indagar - se sobre a qualida de do agente ou a nature z a da atividade estatal lesiva desenvolvida. Nesse sentido, são prestan t e s as lições de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ao dissertar: “Como 19 Há registro de interes sa n t e caso forense, narrado por LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, em que uma pessoa jurídica de direito público (autarquia) foi condena da a pagar indenização por danos morais, em ação ajuizada pelo profess or, tendo como causa de pedir o empecilho criado pela direção da autarquia (Faculdade), em relação ao seu concurs o de dout ora m e n t o. As objeções então opostas ao concurs o em nada se relacionava m com a aptidão técnico - científica do profess or, apenas tinha m origem no seu relaciona m e n t o com os demais profess ores titulares. O pedido indenizat ó rio foi julgado procedente e a sentença, aliás prolatada pela própria autora, no exercício da judicatura, foi confirm a da no duplo grau de jurisdição, passan d o em julgado (Curso de Direito Admi nistrativo . Ob. cit., p. 182). 21 pessoa jurídica que é, o Estado, entidade real, porém abstrata (ser de razão), não tem vontade nem ação, no sentido de manifestação psicológica e vida anímica próprias. Estas, só os seres físicos as possue m. Tal fato não significa, entretanto, que lhe falte m vontade e ação, juridicame nte falando. Dado que o Estado não possui, nem pode possuir, um querer e um agir psíquico e físico, por si próprio, como entidade lógica que é, sua vontade e sua ação se constitue m na e pela atuação dos seres físicos prepostos à condição de seus agentes, na medida em que se apresente m revestidos desta qualidade. Assim como o Direito constrói a realidade (jurídica) ‘pessoa jurídica’, també m constrói para ela as realidades (jurídicas) vontade e ação, imputa n do o querer e o agir dos agentes à pessoa do Estado”.20 Esclarece o mes m o autor que “a relação entre a vontade e a ação do Estado e de seus agentes é uma relação de imputação direta dos atos dos agentes ao Estado”, traço característico da chama d a relação orgânica que existe entre o Estado e o agente público, isto significando, prossegue no seu raciocínio, “o que o agente queira, em qualidade funcional – pouco importa se bem ou mal desem pe n h a d a – entende - se que o Estado quis, ainda que haja querido mal”. Logo, resu m e, “o que o agente nestas condições faça é o que o Estado fez”,21 em outras palavras, para efeito da não se bipartind o Estado e agente público, respo ns a bilização do primeiro, posto que amalga m a d o s em verdadeira unida de. 6. Crítica à doutrin a que susten t a uma teoria do risco integral 20 21 Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 813 - 814. Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 814. 22 Na pesquisa do tema respon s a bilidade do Estado, observa - se uma acent ua d a influência da concepção doutrinária de HELY LOPES MEIRELLES sobre a doutrina e a jurispr u d ê n cia brasileiras, estas perfilhan d o ponto de vista daquele autor a respeito. Com efeito, grande parte dos textos doutrinário s e dos reposit órios jurispr u d e n ciais passara m a se louvar nas seguintes considerações do referido doutrina d o r, colhidas de sua principal obra: “A doutrina do direito público se propôs resolver a questão da responsabilidade civil da Ad ministração por princípios objetivos, expressos na teoria da responsabilidade sem culpa, ou fundados nu ma culpa especial do serviço público quando lesivo de terceiros. Nessa tentativa surgira m as teses da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, todas elas identificadas no tronco comu m da responsabilidade objetiva da Administração Pública, mas com variantes nos seus funda m e n t os e na sua aplicação, sem se falar nas submodalidades em que repartira m essas três correntes.[...]. A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano, só do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração.[...]. Advirta - se, contudo, que a teoria do risco administrativo embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demo nstre a culpa da vítima, para excluir ou atenuar a indenização. Isto, porque o risco administrativo não se confu n de com o risco integral [...]. A teoria do risco integral é a modalidade da doutrina do risco administrativo, abandona d a, na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Por essa fórmula radical a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima”.22 22 Direito Admi nistrativo Brasileiro. 15 a . ed. São Paulo: RT, 1990, p. 546 - 548. 23 Essa concepção, sem embargo do respeito e admiração dedicado s ao precita do doutri na d o r, não pode ser totalmen t e acolhida, suscitan d o pont os discutíveis. Primeira m e n t e, referido autor labora em equívoco, ao que nos parece, com a devida vênia, quand o afirma que as teorias da culpa administr a tiva e do risco administr a tivo se identifica m no tronco comu m da respon s a bilidade objetiva. Muito pelo contrário, a resp o n s a bilida de funda d a na culpa administ ra tiva (culpa anônim a do serviço público) é respon s a bilidade subjetiva. Apenas a teoria do risco revela respon s a bilida de objetiva, desvencilhad a administ r ativa. tecnica m e n t e Em correta respo n s a bilidad e da do element o segun d o a menção lugar, feita Administração ou subjetivo não no nos texto da culpa parece quanto à Administração Pública , eis que esta é desprovida de personalida de jurídica. A respo n s a bilidad e será sempre do Estado, pessoa jurídica de direito público, e não se restringe apenas aos atos praticado s no exercício da função administr a tiva, como a expressã o utilizad a no texto em exame parece sugerir, mas abrangen d o os atos decorren t e s das demais funções jurídicas estatais, a legislativa e a jurisdicional. Por último, e aí reside nossa maior divergência, o autor engendr o u teoria nova, tecnica me n t e atabalh o a d a, ao conceber o que chamo u de teoria do risco integral , em contra p o sição à teoria do risco administrativo , enten d e n d o aquela modalidade desta, distinção e referências não encon tr a d a s na doutri na e jurispr u d ê n cia francesas, onde a teoria do risco se desenvolveu com reconhecida intensi da d e. Nesse aspecto, endos s a m o s por inteiro a pertinen t e observação de YUSSEF SAID CAHALI, ao acoimar a 24 distinção feita por HELY LOPES MEIRELLES - entre risco administ r ativo e risco integral - de “artificiosa e carente de fund a m e n t a ção científica”, justifican d o aquele autor as razões de sua crítica: “a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual entre as duas modalidades de risco pretendidas, mas simples me n te em função das consequências atribuídas a uma ou outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de per mitir a contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que seria inad missível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou naturez a da distinção.”23 Como se vê, não se pode considerar correta a afirmaçã o simplista e precipitada de que a teoria do risco administ r ativo suscita obrigação indeniza t ó ria “só do ato lesivo e injusto causado à vítima”. Bem diversos são os funda m e n t o s dessa teoria. A respon sa bilidade objetiva pela teoria do risco administ r ativo exige a ocorrência do nexo de causalida de entre Estado a atividade do e o dano causad o como conseq u ê n cia. Se não houver esse nexo, eximir - se - á o Estado de qualque r doutrinária respo ns a bilida de. da teoria do risco, Porém, jamais na se concepção preconiz o u a respo n s a bilidad e do Estado em todo e qualquer caso de dano supor t a d o pelo particular ou se cogitou da impossibilidad e de se investigar a causa do evento danos o. Assim, nas situações em que há doutrina d o r e s) 23 o fato (ou da vítima culpa, como ou a força querem maior, alguns reconhecidas Respons a bilidade civil do Estado. In: CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 365. Acompan h a n d o a crítica feita no texto, sobre a distinção feita entre risco administ ra tivo e risco integral, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, ao assinalar que “a maior parte da doutrina não faz distinção.” (Direito Administrativo. Ob. cit., p. 412). 25 pacificame n t e pela respo n s a bilidad e doutrina como ou situações causas excluden t e s pert ur ba d o r a s da do liame de causalida d e, sob rigor lógico, não foi o Estado quem deu causa ao resulta d o lesivo, inexistindo liame de causalidade entre a ativida de estatal e o dano verificado, portan t o, exonera d o o Estado do dever indeniza t ó rio, sendo estes os funda m e n t o s científicos da moder n a respon s a bilida de objetiva do Estado apoiad a na teoria publicista do risco administ r ativo. Por essas razões, outra vez rogand o - se vênia, a consideração de que uma qualificada teoria do risco integral seria modalidade da teoria do risco administrativo , como exsurge da doutri n a de HELY LOPES MEIRELLES, se nos afigura inconsiste n t e sob o pont o de vista científico ou artificiosa, na crítica proced en t e mínim a feita por YUSSEF SAID CAHALI, sem susten t ação na gênese da teoria do a risco administ r ativo, cunha d a originaria m e n t e pela jurispr u d ê n cia e doutrina francesas. 7. Respon s a bilidad e do Estado pela ineficiência dos serviços públicos É oportu n o registrar import a n t e inovação surgida no direito brasileiro, no assun t o, trazi da pela Lei nº 8.078, de 11 de setem b r o de 1990, dispon d o sobre a proteção do consu mi d o r, norm ativo embora, tratad a de com u m e n t e Código algum a vezes, ou cogitada de deno mi na d o Defesa do a considera d a pelos autores respo n s a bilidad e do Estado. aquele texto Consu mi d o r, muito inovação que discorre m não seja sobre a 26 Com efeito, as regras do artigo 22 e de seu parágrafo único Consu mi d o r do impõe m alcunha d o a Código obrigação de de Defesa reparar os do danos causad o s pelos “órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra form a de empreen di me n t o” , nos casos em que deixare m de fornecer “serviços adequa dos, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”, não import a n d o que o descu m p ri m e n t o do dever de fornecim en t o de serviços públicos de boa qualida de ali impos to seja total ou parcial. Os danos que devem ser repara d o s ou indeniza d o s, na dicção das referidas norm as, são os “danos materiais e morais, individuais, coletivos ou difusos ” (artigo 6º, inciso VII). A lei se vale da expressã o “serviços” fornecidos, “contínuos” ou não, devendo se enten d e r, como tais, quaisquer serviços públicos presta d o s pelo Estado, direta ou indireta m e n t e, para a satisfação das necessi da d e s públicas, ao exercer suas funções funda m e n t ais, a administ r ativa, a legislativa e a jurisdicional. Algumas observações merece m ser feitas a respeito. Por primeira, face aos termos da regra legal ora examinad a, deve - se enten de r descu m p ri m e n t o do dever que a respon s a bilidade jurídico de pelo fornecim en t o de serviços públicos de boa qualida de é das pessoas jurídicas de direito público que os órgãos presta d o r es de serviços públicos integra m, já que estes são partes daquelas. Serão també m respo n s áveis prestare m as pessoas serviço público jurídicas por de direito delegação, privado sob as que forma s jurídicas de concessã o, de permiss ão ou de autorização, se as pessoas jurídicas delegada s descu m p ri re m aquele dever 27 jurídico. 24 Em segun d o lugar, o texto legislativo sob análise segue a diretriz maior da Constit uição Federal, já que esta recome n d a ao Estado seja obedecido o princípio da eficiência (artigo 37, caput) e lhe impõe a obrigação de manter adequ a d o s os serviços públicos presta d o s direta m e n t e ou sob o regime de concessão ou permiss ão (artigo 175, parágrafo único, inciso II). Em terceiro, serviço público adequado abrange a idéia de serviço público eficiente e atual , sob interpre t açã o autên tica, porq u a n t o assim revelado no conceito norm a tivo express o nos §§ 1º e 2º, do artigo 6º, da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permis sã o de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal, verbis : “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segura nça, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (§ 1º); “a atualidade compreende a modernida de das técnicas, do equipa me n t o e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço” (§ 2º). Por último, cabe a observação, eficiência é conceito juridica me n t e indeter mi n a d o, enten de n d o - se, como tal, conceito cujo conteú d o e extensão, na seara do direito, em larga medida, é incerto. 25 Por tal razão, ao se referir ao princípio da eficiência, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO o qualifica como “juridicament e tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao artigo 37 [da Constituição] ou o extravasa me n to de uma aspiração dos que bulira m no texto”, apesar de o referido doutri na d o r vislum br ar íntima conexão do princípio da eficiência com o princípio da legalidade, porque, 24 ARRUDA ALVIM, José Manoel et alii. Código do Consu mi dor Coment a do. São Paulo: RT, 1991, p. 62. 25 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensa m e nto jurídico . Trad. J. Baptista Machado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian , l996, p. 208. 28 bem justifica, “jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência”.26 Embora sejam absolut a m e n t e corretas essas afirmações, o certo é que serviço público eficiente é o serviço público adequa d o, qualidades que se contrap õe m à idéia de serviço público negligente ou defeituos o, isto é, aquele que revelou mau funciona m e n t o (culpa in com miten do ), insuficien te funciona m e n t o (falta de funciona m e n t o diligente) ou falta absolut a de funciona m e n t o (culpa in omittendo ), idéias inform a d o r a s da culpa administr a tiva. A eficiência do fornecim en t o do serviço público é dever jurídico do Estado e press u p õ e, por parte das pessoas jurídicas de direito público e de seus órgãos e agentes públicos, obediência à lei e utilização de meios racionais e técnicas moder n a s, que per mita m produ zir o efeito desejado, ou seja, serviço público bem aparelha d o, prest ad o a tempo e mod o, preench en d o sua finalidade legal, apto a atingir dificuldade s são resulta d o que se revele útil ou eficaz ao povo. Entretan t o, extensa s apon ta d a s pela doutri na para se definir, com precisão, o que seja serviço público. Os autores não têm critério unifor m e, algun s form ulan d o conceito amplo, abarcan d o todas as ativida de s exercidas pelo Estado, decorre n t e s de quaisquer de suas funda m e n t ai s funções, com os quais nos enfileiram o s, outros elaboran d o conceito restrito, envolvendo apenas a ativida de do Estado relaciona da à função administ r ativa, com 26 Curso de Direito Administrativo . Ob. cit., p. 92. 29 exclusão daquelas que decorre m das funções legislativa e jurisdicional. Escrevendo a respeito, JOSÉ CRETELLA JÚNIOR qualifica a expres sã o serviço público como “flutuante, polêmica, controvertida ”, objeto de infindas discussõe s e muito esforço empreen di d o s pelos doutri na d o r e s, mas sem qualquer resulta d o satisfat ório, a pont o de a doutrina francesa, diante da multiplicida d e de opiniões conflitant es, concluir pela existência de verdadeira “crise da noção jurídica do serviço público”. Contu d o, após inventariar vasta doutrina nacional e estrangeira, esboça o mes m o autor o que entende ser uma noção de serviço público, com clareza e objetivida de, visando a simplificar o complexo proble m a, ao considerar serviço público toda atividade exercida pelo Estado para atingir seus fins, assinalan d o que a nota característica do serviço público é a sua execução pelo Estado, direta ou indireta m e n t e. Sob essa ótica, serviço público consistiria em qualquer atividade estatal tende n t e à satisfação de necessida d es coletivas. Nessas condições, afirma: “serviço público é gênero de que serviço administrativo é espécie e a função de administrar a justiça que é feita pelo Poder Público para atender a uma necessidade coletiva não pode deixar de ser serviço público, motivo por que distingui mos o serviço público administrativo e o serviço público judiciário”. Ao final de extensas entrecort a d a s por consta n t e s e eruditas considerações, citações doutrinárias, conclui mencion a d o autor: “Serviço público é, portanto, toda atividade que o Estado exerce, direta ou indireta m e nt e, para a satisfação das necessidades públicas, mediante procedi mento peculiar ao direito público, derrogatório e exorbitante do direito comu m”. 27 27 Comentários à Constituição de 1988 . 1 a . ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, v. VIII, p. 4.078 - 4.081, 4.090 - 4.092, 4.098 e 4.103 - 4.104. 30 Impõe - se notar que, na França, també m há susten t açã o doutrinária semelha nt e, como se vê na festejad a obra de ANDRÉ DE LAUBADÈRE, quand o, ao discorrer sobre “o direito ad ministrativo ligado público”, apresen t a a seguinte noção: à noção de serviço “chama - se serviço público toda atividade de uma coletividade pública visando a satisfazer uma necessidade de interesse geral”.28 Entende m o s correta, atual e satisfatória essa noção ampla, tende nt e a considerar serviço público todo aquele destina d o ao cumpri m e n t o dos fins do Estado e à realização dos interesses individuais e coletivos, ao exercer suas funções funda m e n t ai s, a administ r ativa, a legislativa e a jurisdicional, send o esta, a nosso ver, a interpret ação que deve ser dada à express ão serviço público , inserida no cogno mi na d o Código de Defesa do Consu mi d o r, em seu artigo 22, caput . Feitas essas considerações, como já se disse, certo é que o Código de Defesa do Consu mi d o r trouxe importa n t e inovação, impon d o às pessoa s jurídicas de direito público, expressa m e n t e, o dever jurídico do fornecimen t o de serviços públicos de boa qualidade técnica, com a conseqüe n t e respo n s a bilidad e serviços do Estado públicos, quaisquer pelo mau que funciona m e n t o sejam, dos administr a tivos, legislativos ou jurisdicionais. Sendo respo n s a bilidad e 28 é assim, subjetiva, resta com saber funda m e n t o se essa na culpa Traité de droit administratif . 15 ème. éd. amplifiée par Jean- Claude Venezia et Ives Gaudeme t. Paris: LGDJ, 1999, p. 42. Texto no original: “Le droit administratif lié à la notion de service public. La notion de service public. – On apelle service public toute activité d’une collectivité publique visant à satisfaire un besoin d‘íntérêt général...”. 31 anôni m a do serviço público (culpa administ r ativa) ou objetiva, fund a d a no risco administr ativo, até porque, como esta m o s a susten t a r, o direito brasileiro aceita a coexistência dos dois aludidos sistem as jurídicos de respon s a bilidade do Estado (vide item 4, retro). Há certa omissão dos autores a respeito, ecoan d o, poré m, na dout rina, vozes de merecido e grande prestígio científico, respo n s a bilidad e sufragan d o do Estado a pelo mau tese de que funciona m e n t o a dos serviços públicos, com o advento do Código de Defesa do Consu mi d o r, não decorre da falta (culpa administr a tiva), mas do fato do serviço público (risco administ r a tivo), 29 gerando, então, por conseq ü ê ncia, respon s a bilidade objetiva. Com todo o respeito, divergim os desse enten di m e n t o, porq ue, se o Estado deixar de fornecer serviços públicos de boa qualidade, aos quais se obrigou, porque não foram adequ a d o s ou não foram eficientes, nas situações concreta s em que postulad o s, disto resultan d o prejuízo s ao particular, estará ocorren d o compor t a m e n t o estatal comissivo, suscitan d o resp o n s a bilida de subjetiva, decorrent e do mau funciona m e n t o dos serviços públicos, evidenciado pela culpa anôni m a do serviço público, na configuração constr uí da pela doutrina insu pera d a de PAUL DUEZ, sem pre repetida nos textos doutrin ário s franceses e brasileiros: o serviço público não funciono u, o serviço público funcionou mal ou o serviço 29 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código brasileiro de defesa do consu midor comentado pelos autores do anteprojeto . 1 a . ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 111. 32 público funciono u, poré m tardiam e n t e, em quaisquer das três situações, geran d o prejuízo s ao particular. 30 Comprovan d o a tese, se há incêndio iniciado em proprie d a d e privada, provocado por raio, acionan d o rapida m e n t e o proprietário serviço público estatal presta d o pelo corpo de bombeiros, este não compa rece n d o ao local para debelar o incên dio, ou com parecen d o, some nt e depois que tudo ficou redu zi d o a cinzas, ou, ainda, compa rece n d o, mas sem equipa m e n t o s adequa d o s, defeituos o s os hidrant es instalad o s pelo próprio Estado nas proximida d e s do lugar onde o evento surgiu, daí advindo prejuíz os ao particular, estar - se- á cogitan d o, comp o r t a m e n t o no caso toma d o como exem plo, de comissivo do Estado. À evidência, não foi agente público que m deu causa ao incêndio. Porém, omitiu - se o Estado de prestar serviços públicos de boa qualidade, por meio do órgão público legal e tecnica m e n t e incum bido de comb ater o incêndio provocado pelo raio, órgão aciona do a tem p o e mod o. No caso, os serviços públicos se revelara m inadeq u a d o s e ineficientes, pondo à mostra culpa anôni m a do serviço público (culpa administr a tiva), o que significa dizer, sob o pont o de vista jurídico, respon s a bilida de subjetiva do Estado. 8. Jurispr u d ê ncia do Supre m o Tribunal Federal Para encerrar a pesquisa sobre o assun t o, colaciona m o s quatro acórdãos do Supre m o Tribunal Federal, eis que órgão jurisdicional incum bi do 30 de zelar pelo bom La responsabilité de la puissance publique (en dehors du contract). 2 ème. éd. Paris: Dalloz, 1938, p. 16- 28 33 funciona m e n t o do siste m a constit ucional brasileiro, revelando a tendência jurispr u d e ncial sobre o tema e resumi n d o as consideraçõe s até agora desenvolvidas, em relação ao direito brasileiro, notad a m e n t e o reconheci me n t o da coexistência dos dois sistem a s jurídicos de respon s a bilida de do Estado, um fund a d o na culpa (respo n s a bilidad e anôni m a do subjetiva), outro serviço público no risco administra tivo (respo n s a bilidad e objetiva). O primeiro acórdão, lavrado na vigência da Constituição de 1946, respo n s a bilidad e administ r ativo, que inaugur o u, no direito brasileiro, a objetiva do Estado fixando o acórdão, infor m a d a contu d o, pelo risco o princípio jurídico da respo n s a bilida de subjetiva do Estado pelo mau funciona m e n t o dos serviços públicos, vale dizer, pela ineficiência de tais serviços: “Responde o Estado pelos danos decorrentes da negligência ou do mau aparelha m e n to do serviço público”.31 O segund o, lavrado na vigência da Constit uição de 1967 e da pelo excerto Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Vê- se, a seguir transcrito, que o acórdão, embora recon h ece n d o a respo ns a bilidade objetiva do Estado calcada no risco e fazen d o distinção entre risco integral e risco tem per a d o (sem substr at o científico, como apont a m o s no item 6, retro ), considero u existente a culpa da vítima julgamen t o, concedid a, para assim reduzir o decidindo: valor da no caso sob indenização “A responsabilidade a ela objetiva, insculpida no artigo 194 e seu parágrafo, da Constituição 31 Estado de Minas Gerais versus Empresa Cine Teatro Santa Helena e outros. Acórdão lavrado no julgament o do Recurso Extraordinário nº 20.372, Relator Ministro Orosimbo Nonato, em 25/ 4 / 1 9 5 8. Revista de Direito Administrativo v. 55, p. 261 - 272, Rio de Janeiro, jan.- mar. 1959. 34 Federal de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, artigos 105 - 107, respectiva me nt e, não importa no reconheci me n to do risco integral, mas temperado. Invocada pela ré a culpa da vítima e provado que contribuiu para o dano, autoriza seja mitigado o valor da reparação”.32 O terceiro aresto, tam bé m proferido na vigência da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, embora adotan d o a tese da respon s a bilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, mas fazend o referência, no seu texto, à considera d a “teoria do risco integral ”, que, como susten t a m o s linhas atrás, é artificiosa e carente de base científica (vide item 6, retro ), estabelecen d o sua ementa: “A responsabilidade objetiva de pessoa jurídica de direito público, prevista na Constituição Federal, não significa seja o Estado responsável, sempre, por dano causado a terceiro por seus órgãos presentativos. Não se adotou, no sistema jurídico brasileiro, em tema de responsabilidade civil, a teoria do risco integral .” 33 Já o derra deiro lavrado pelo Supre mo acórdão Tribunal Federal que se colaciona, na vigência da Constituição de 1988, pode ser consider a do modelar e síntese jurispr u d e n cial conclusiva do que foi dito até agora sobre o tema, por fixar, na sua ement a, as seguinte s e escorreitas teses jurídicas, que foram analisadas no present e trabalho: “I A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público 32 Catharina Pugliese versus União. Acórdão lavrado no julgament o do Recurso Extraordinário nº 68.107 - SP, Relator Ministro Thom ps o n Flores, em 4/5 / 1 9 7 0. Revista Trimestral de Jurisprudência v. 55, p. 50- 54, Brasília, janeiro 1971. 33 Josefa Figueiredo de Jesus, por si e represent a n d o suas filhas menores, versus Estado do Paraná. Acórdão lavrado no julgament o do Recurso Extraordinário nº 78.569 - PR, Relator Ministro Firmino Paz, em 15/ 9 / 1 9 8 1. Revista LEX- Jurisprudência do Supre mo Tribunal Federal v. 36, p. 49- 54, São Paulo, deze m b r o de 1981. 35 e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrand a r ou mes mo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III - Tratando - se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, nu m a de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá - la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses”. 34 9. Conclusão Onde houver exercício de poder pelo Estado, no desem p e n h o de quaisquer de suas funções considera d a s jurídicas e essenciais, a administ r ativa (ou governa m e n t al), a legislativa e a jurisdicional, haverá, conseque n t e m e n t e, respo n s a bilidad e pelos atos lesivos causa do s em razão do poder 34 exercido, sem pre disciplina do s – poder e Analia Vieira dos Santos versus Estado de São Paulo. Acórdão lavrado no julgament o do Recurso Extraordinário nº 179.147, originário de São Paulo, Relator Ministro Carlos Velloso, em 12 / 1 2 / 1 9 9 7. Súmula do acórdão publicada no Diário Judiciário da União, p. 18, Brasília, edição de 27 / 2 / 1 9 9 8. Ementário do Suprem o Tribunal Federal nº 1.900 - 03, p. 589. O acórdão julgou proceden te pedido de indenização por dano moral contra o Estado de São Paulo, form ulado pela mãe do presidiário que foi mort o por outro interno, na cadeia pública de Guarujá, Estado de São Paulo. Reconheceu o acórdão que o dano resultou de ato praticado não por agente público, mas causado mediante ato comissivo de terceiro, percebendo - se, então, na espécie em julgament o, ato omissivo do Estado, gerando sua respon s a bilidade subjetiva, funda da na culpa anônima do serviço público. 36 respo n s a bilidad e - constitucio n ais, que por regras com põe m e o princípios, sobret u d o ordena m e n t o jurídico brasileiro, cuja inobservâ ncia acarreta o óbvio resultad o da obrigação estatal de indenizar os prejuízo s causado s aos particulares. Bibliografia . AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. 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