revista cultura e extensão usp - Pró

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revista cultura e extensão usp - Pró
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
2011
outubro
VOLUME 6
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor
Prof. Dr. João Grandino Rodas
Vice-Reitor
Prof. Dr. Hélio Nogueira da Cruz
Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária
Profa. Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda
Pró-Reitor de Pesquisa
Prof. Dr. Marco Antonio Zago
Pró-Reitora de Graduação
Profa. Dra. Telma Maria Tenório Zorn
Pró-Reitor de Pós-Graduação
Prof. Dr. Vahan Agopyan
Vice-Reitor Executivo de Administração
Prof. Dr. Antonio Roque Dechen
Vice-Reitor Executivo de Relações Internacionais
Prof. Dr. Adnei Melges de Andrade
Assessora Técnica de Gabinete
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Assessor Técnico de Gabinete
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Assistente Técnico do Gabinete da PRCEU
Cecílio de Souza
Assistente Técnico do Gabinete da PRCEU
Eduardo Alves
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Evania Maria Guilhon e Sá
Chefe da Divisão de Ação Cultural
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Chefe da Divisão Acadêmica
Sandra Lara
Chefe da Divisão Administrativa e Financeira
Valdir Previde
Conselho editorial
PRÓ-REITORIA DE CULTURA
E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Editora responsável
Profa. Dra. Eni de Mesquita Samara (in memoriam)
Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária
Profa. Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda
Pró-Reitor Adjunto de Extensão Universitária
Prof. Dr. José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres
Editores associados
Profa. Dra. Esmeralda Vailati Negrão
Profa. Dra. Marina Mitiyo Yamamoto
Prof. Dr. José Tavares Correia de Lira
Pró-Reitora Adjunta de Cultura
Profa. Dra. Marina Mitiyo Yamamoto
Assistência editorial
Evania Maria Guilhon e Sá
Suplente da Pró-Reitora
Lucas Antônio Moscato
Estagiários
André Alves de Sousa
Rafael Silva Franco
Universidade de São Paulo. Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
Revista Cultura e Extensão — USP. São Paulo
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
Vol. 6 (out/ 2011).
136 p.
Semestral
ISSN 2175-6805
1.Cultura. 2. Extensão. 3. Revista. I. Título
Revista Cultura e Extensão USP
Rua da Praça do Relógio, 109 — Edifício Anexo 1
São Paulo-SP — Cidade Universitária — 05508-050
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www.usp.br/prc — [email protected]
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
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HOMENAGENS
Igor Renato Machado de Lima
Maria Arminda do Nascimento Arruda
Raquel Glezer
Vera Lucia Amaral Ferlini
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ARTIGOS
A USP como Cliente da Própria USP: Relato de Caso do Vídeo Institucional
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Antonio Pazin Filho et al.
25
I Fórum de Integração dos Serviços de Saúde e das Atividades de Ensino,
Pesquisa e Extensão da USP
Namie Okino Sawada et al.
33
Resgate Histórico e Cidadania: Manutenção do Patrimônio Material
e Imaterial da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP
Luciana Barizon Luchesi et al.
43
Paralisia Cerebral: Fundamentos para Pais e Cuidadores
Carlos Bandeira de Mello Monteiro
Talita Dias da Silva
53
Projeto Exercício e Coração: Uma Década a Serviço da Comunidade
Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz et al.
61
Projeto Ginástica Laboral na USP
Patrícia Sakai et al.
71
Prática e Ensino de Canoagem: Uma Modalidade Alternativa e Promissora
Christiano Robles Rodrigues Alves et al.
81
Aprendizagem Participativa de Mães e Familiares Sobre a Saúde
do Recém-Nascido: Relato de Experiência
Luciana Mara Monti Fonseca
91
Ações de Nutrição no Projeto Bandeira Científica: Estudo das Expedições de 2005 a 2010
Jaqueline Lopes Pereira
99
Grupo de Atividades Estruturadas com Estudantes: Identificação
de Violência no Ambiente Escolar
Zeyne Alves Pires Scherer et al.
111
Ocupemba: Promovendo Cidadania com Extensão Universitária
Bruno Azevedo de Andrade Barbosa et al.
INSTRUÇÕES PARA O PREPARO E ENCAMINHAMENTO DOS TRABALHOS
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CONTENTS
FOREWORD
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TRIBUTES
Igor Renato Machado de Lima
Maria Arminda do Nascimento Arruda
Raquel Glezer
Vera Lucia Amaral Ferlini
11
15
19
21
ARTICLES
USP as its own Client: Case Report of the Institutional Video
of Medical School of Ribeirão Preto
Antonio Pazin Filho et al.
25
1st Forum on Integration of Health Services with USP Teaching,
Learning, Research and Community Activities
Namie Okino Sawada et al.
33
Historical Rescue and Social Responsibility: Maintenance of Tangible and Intangible
Heritage of University of São Paulo at Ribeirão Preto College of Nursing
Luciana Barizon Luchesi et al.
43
Cerebral Palsy: Basics for Parents and Caregivers
Carlos Bandeira de Mello Monteiro
Talita Dias da Silva
53
Project Exercise and Heart: Serving the Community for a Decade
Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz et al.
61
Workplace Exercises at University of São Paulo Project
Patrícia Sakai et al.
71
Practice and Teaching of Canoeing: an Alternative and Promising Modality
Christiano Robles Rodrigues Alves et al.
81
Participative Learning of Mothers and Family about Newborn Health: Experience Report
Luciana Mara Monti Fonseca
91
Actions of Nutrition in “Bandeira Científica” Project:
Study of the Expeditions from 2005 to 2010
Jaqueline Lopes Pereira
Group of Structuralized Activities with Students: Identification
of Violence in the School Environment
Zeyne Alves Pires Scherer et al.
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111
Ocupemba: Promoting Citizenship with a Community Based Learning Approach
Bruno Azevedo de Andrade Barbosa et al.
INSTRUCTIONS FOR PREPARING AND FORWARDING OF PAPERS
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APRESENTAÇÃO
Na abertura deste volume há uma singela homenagem à Profa. Eni de Mesquita Samara (19482011), docente do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
FFLCH - USP e editora responsável pela revista até 2010. São depoimentos de Igor Renato Machado
de Lima, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Raquel Glezer e Vera Lucia Amaral Ferlini.
Tendo como foco a Saúde, o Esporte e a Educação, o volume seis da Revista de Cultura
e Extensão relata as experiências realizadas nos diferentes campi da Universidade em que a Extensão faz a diferença no local da prática.
Os três relatos iniciais estão vinculados ao campus de Ribeirão Preto: 1) A USP como Cliente
da Própria USP: Relato de Caso do Vídeo Institucional da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto aponta a importância do trabalho interdisciplinar, ao realizar a construção de um vídeoinstitucional com a ECA (Escola de Comunicações e Artes); 2) I Fórum de Integração dos Serviços
de Saúde e das Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão da USP, com o foco nas discussões das
relações da universidade com os serviços de saúde, as fontes de fomento e programas do Ministério
da Saúde e, 3) Resgate Histórico e Cidadania: Manutenção do Patrimônio Material e Imaterial
da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP, apontando para a história e funcionamento
do Centro de Memória da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e a ampliação das relações com
outros campos além da História da Enfermagem, como: Moda, Gênero, entre outros.
Ainda na área da Saúde o relato no artigo Paralisia Cerebral: Fundamentos para Pais
e Cuidadores mostra como o impacto da paralisia cerebral e a forma como os pais, cuidadores
e membros da família se ajustam num momento crucial para o futuro da criança e das pessoas
envolvidas. O Projeto Exercício e Coração: Uma Década a Serviço da Comunidade relata a
experiência e importância da prática correta, segura e orientada de atividades físicas para freqüentadores de locais públicos que se exercitam sem supervisão.
Ainda no campo da educação e orientação física o Projeto Ginástica Laboral na USP, no
qual os alunos da graduação da Escola de Educação Física e Esportes (campus da Capital) aplicam
seus conhecimentos e saberes no mundo corporativo em geral.
Diante da importância do treinamento físico para a saúde, a canoagem surge como uma
estratégia diferente para despertar o interesse de crianças e adolescentes. Temos, então, a proposta da Prática e Ensino de Canoagem: uma Modalidade Alternativa e Promissora.
Voltamos para o campus de Ribeirão Preto com o relato das atividades educativas do profissional de Enfermagem em: Aprendizagem Participativa de Mães e Familiares Sobre a Saúde
do Recém-Nascido: Relato de Experiência.
Em Ações de Nutrição no Projeto Bandeira Científica: Estudo das Expedições de 2005 a
2010 avalia-se a contribuição da área de Nutrição nas expedições realizadas nas cidades brasileiras com
baixo Índice de Desenvolvimento Humano, a fim de melhorar as condições de saúde da população.
Na Educação, o projeto do Grupo de Atividades Estruturadas com Estudantes: Identificação de Violência no Ambiente Escolar objetiva investir na promoção da saúde física, mental e social do aluno, com atividades estruturadas, para investigar possíveis conflitos existentes
nesses alunos, segundo a tipologia de atos violentos.
Finalizando o volume seis da Revista de Cultura e Extensão um artigo de alunos da
EACH, do curso de Gestão de Políticas Públicas, na idealização e condução de uma atividade de
extensão na região de Sapopemba.
Boa leitura!
APRESENTAÇÃO
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HOMENAGEM À PROFESSORA ENI DE MESQUITA SAMARA
*Igor Renato Machado de Lima
Habitualmente, às terças-feiras, a professora Eni reunia a mim e aos demais orientandos em
sua sala para escrevermos juntos. Discutíamos os temas de pesquisa, ela perguntava a respeito dos dados
levantados e, sempre que possível, trocava informações sobre a bibliografia especializada. Dessa maneira, os alunos conviviam com os trabalhos cotidianos da professora na Universidade de São Paulo.
Na vida acadêmica, a professora articulava as três linhas de atividades: pesquisas, docência
e vida administrativa. Nas pesquisas, enfocava os temas brasileiros, mantendo contato com outros pesquisadores no exterior. Para isso, viajava constantemente para apresentação de textos e,
quando retornava, contava as novidades regadas a um cafezinho e bolo no meio da tarde.
Além disso, a professora constantemente arrumava trabalho de pesquisa para os alunos
de graduação ou pós-graduandos em alguma instituição da universidade, como na Escola Politécnica e na FUVEST. Nesses trabalhos, procurávamos fontes, organizávamos os materiais e
realizávamos entrevistas. Ela nos aconselhava a colocar a mão na massa. Como resultado, eram
escritos livros que tratavam da história dos personagens destas instituições.
As pesquisas no Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina (CEDHAL) e nas instituições da universidade faziam com que os alunos adquirissem interesse e
foco nas atividades acadêmicas e acabassem mantendo um cotidiano de trabalho intenso e, dessa
forma, conseguíssemos sempre entregar os livros dentro do prazo e com tranquilidade. Com
esse cotidiano de estudo, acabávamos também organizando o nosso tempo pessoal.
Na pós-graduação, os cursos sobre projetos eram os prediletos da professora. Ela exigia
sempre objetividade, síntese e clareza nos textos. Explicava que tínhamos que demonstrar aos
pareceristas que o projeto era factível. O curso fazia sucesso, pois fornecia a estrutura e realizava
a crítica aos projetos, aos relatórios e até mesmo às nossas dissertações e teses.
Assim, sempre incentivava a busca por novas pesquisas documentais e bibliográficas. A
professora demonstrava que, na História, a pesquisa não acabava. Os orientandos, de certa forma, continuavam e ainda continuam o seu trabalho, ao pesquisarem nos arquivos, escreverem,
publicarem e até mesmo orientarem como novos professores.
Mas, apesar da necessidade de pesquisar, demonstrou ainda que podemos controlar o
tempo para outras esferas da vida, como exercícios físicos, cuidar da saúde, passeios, viagens,
aulas de ikebana, visitas a lojas. “Na vida há tempo para tudo”, dizia ela com frequência.
No momento certo da orientação, a professora puxava a nossa orelha, elogiava nosso trabalho,
lia em conjunto os nossos textos – mesmo eles não estando lá essas maravilhas – e nos estendia
a mão quando precisávamos de ajuda. Além disso, estimulava-nos a pesquisar e a escrever para
que conseguíssemos caminhar sozinhos.
No CEDHAL, gostava de, todo final de ano, chamar-nos para um lanche de confraternização. Nele, fazia as projeções para o próximo ano, organizava as nossas férias e as dela. Geralmente, gostava de ficar uns dias no Guarujá para recarregar as baterias.
De volta ao trabalho, ficava animada, pois o gosto ao levantamento de dados e à pesquisa, assim como o cuidado com o CEDHAL era constante. “Não sei fazer outra coisa”, afirmou,
* Orientando de iniciação científica, mestrado e doutorado da professora Eni de Mesquita Samara no Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina (CEDHAL) da FFLCH-USP entre 1997 e 2011.
HOMENAGEM À PROFESSORA ENI DE MESQUITA SAMARA
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quando levantou a hipótese de se aposentar. E acabou não se aposentando.
Com relação à pesquisa, a professora organizava, incluindo o tempo, o espaço de trabalho. Não gostava de algo fora do lugar e pedia para arrumarmos a mesa, o armário e estar com
o texto pronto dias antes da data de entrega. Por isso, acostumamo-nos à maior pontualidade
possível nas entregas de artigos, teses e dissertações.
Dentre os temas prediletos da professora, estava a História da Família, sob a influência
de Gilberto Freyre, a História das Mulheres e as relações de gênero. Apesar de orientar na área
de História Econômica, analisando a população, o trabalho escravo e livre pobre, assim como
os patrimônios das mulheres, a professora tinha um carinho especial pela vida religiosa. Desse
último tema, apresentava-nos a Sor Juana Inés de La Cruz. Essa última era uma monja escritora
mexicana do período colonial, que se vestia com lindos adornos para adorar a Deus e a Cristo.
Claro honor de las mujeres
y del hombre docto ultraje,
vos probáis que no es el sexo
de la inteligencia parte.
... de immensas joyas
Compuso mi adorno.
Vistome con ropas
tejidas com oro,
y con corona
me honro como Esposo,
Lo que he deseado
ya lo ven mis ojos,
y lo que esperaba
ya feliz lo gozo.
Si la flor delicada,
si la peña, que altiva no consciente
del tiempo ser hollada,
ambas me imitan, aunque variamente,
ya con fragilidad, ya con dureza,
mi dicha aquélla y ésta mi firmeza.
(Sor Juana Inés de La Cruz)
Desse modo, a professora Eni era apaixonada pelas imagens das monjas, santas e santos
barrocos e incluía no curso, principalmente na graduação, a abordagem das estatuárias das igrejas mineiras do século XVIII.
No cotidiano da vida acadêmica, a professora vivia com intensidade e ânimo. Mesmo nos
momentos mais delicados nos últimos anos, não era de lamentar-se. Pelo contrário, cobrava dos
alunos que enfrentassem as situações adversas da vida com força e dedicação. Certa vez, quando
uma aluna teve um pequeno surto, disse enfaticamente: “Eu não admito você ficar desse jeito.
Eu estou morrendo, mas estou de pé”.
Anos depois, quando tive que ficar de cama por problemas de saúde, lembrei-me da
frase da professora. Estava enfermo quando ela me ligou. Fiquei envergonhado e finalmente
levantei-me. Fui vê-la em sua casa. Ela exigia que continuássemos trabalhando. Foi assim que
consegui terminar o trabalho. Terminamos a conclusão da minha tese no sofá da sua casa: eu,
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REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
meio quebrado; a gata Lili, doente; e a professora, alegre, sem lamentar os problemas da vida.
Mesmo doente, a professora continuava a se arrumar, a exercitar-se e a dirigir. Afirmava
com bom humor: “Vou para a universidade cada dia mais arrumada. Estou doente, mas não vou
ficar em casa esperando o pior”. E não reclamava de dor ou dos problemas físicos. Era uma pessoa
frágil, mas não fraca. “Não sou de vidro”, comentou certa vez. Apesar da fragilidade física, conseguia muitas vezes deixar os alunos e colegas admirados com a sua força de vontade e coragem.
Éramos nós que precisávamos de sua ajuda para resolver alguns dos problemas cotidianos enfrentados na vida acadêmica. Para a professora, as questões mais complexas eram resolvidas das maneiras mais simples e práticas, sem perda de tempo. O tempo lhe era precioso. Ela
não gostava de perdê-lo, pois sempre chegava mais cedo nos encontros.
Assim, organizando o tempo da vida da melhor maneira possível, continuamos o trabalho no CEDHAL e o nosso individual, apesar da saudade que temos da professora Eni. Era
isso que ela desejaria que fizéssemos. Mas o nosso mundo, com a sua ausência, fica mais triste,
menos charmoso e mais desencantado.
HOMENAGEM À PROFESSORA ENI DE MESQUITA SAMARA
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ESBOÇO DE CUMPLICIDADE
*Maria Arminda do Nascimento Arruda
Sou capaz de me lembrar da primeira vez que vi a então professora Eni Samara, depois
minha amiga e colaboradora. Apesar das diferenças de situação, ambas parecíamos viver uma
condição semelhante. Eu era uma jovem socióloga, casada com um historiador eminente, e Eni
era uma jovem professora do Departamento de História da Universidade de São Paulo, instituição que eu conhecia desde o fim da minha adolescência. Encontramo‑nos na casa da professora
Anita Novinski, historiadora celebrada por seus estudos sobre a Inquisição no Brasil, além de
ser uma senhora viva, de aparência marcante, talhada para o papel de excelente anfitriã. Eni e eu
estávamos presentes nas reuniões e nos jantares oferecidos pela elegante hostess. Eu, na condição
de mulher e acompanhante do marido; ela, passando pelo rito de ser admitida na confraria.
Ambas neófitas nos nossos papéis. Sintomaticamente, eu procurava me integrar na conversa dos
convidados, para mim nem sempre atraente. Sentia certo deslocamento, explícito na dificuldade de aceitar, não o ambiente elegante, mas a concordância com posições comumente vistas, por
mim, como ultrapassadas. Naquele momento, eu não conseguia conviver com certa concepção
difundida, sobretudo em meio a uma comunidade de corte mais tradicional, que manifestava
uma visão mais hierárquica e de feitio cristalizado da vida acadêmica. Aquelas ocasiões, percebidas, hoje, em perspectiva, me levam a pensar que algo se passava, de modo semelhante, com Eni.
Se a minha manifestação de estranhamento poderia ser atribuída ao fato de eu não pertencer ao ambiente dos historiadores, como explicar a impressão que a historiadora me criava?
Como entender o fato de que ela ficava, por vezes, afastada do burburinho da conversa, fumando isoladamente o seu cigarro, mas sempre acompanhada da sua sogra? Havia algo de deslocado
nessa figura: a primeira imagem emitia um sinal de mulher independente, elegante, distante e
até um tanto blasé; a segunda, lembrava uma pessoa conservadora, a mais tradicional possível para
o tempo, já que transcorriam os anos 1980: o da mulher que não se apresentaria publicamente
sem um companheiro e, na sua ausência, sem a garantia representada pela figura da sogra, avalista do seu estado civil, cônscia dos deveres familiares. Eni, no entanto, expunha outros vestígios negadores de aquiescência aos valores do passado.
Mulher elegante, de uma elegância evidente, já que cuidadosamente construída para
acentuar a sua condição, a historiadora se vestia em concordância com os símbolos aderidos
às expressões mais atuais da distinção social, expressando uma espécie de disposição para se
diferenciar, relevante, sobretudo, em um contexto, muito ascético em relação às manifestações
mais flagrantes de status. Eni Samara não era, aos meus olhos, uma pessoa simples e a sua complexidade estava exposta na sua imagem. Eu, tampouco, deveria exprimir uma figura pacificada,
uma vez que mal conseguia equilibrar-me em meio a tantas contradições que, diga-se passagem,
pareciam ser percebidas pela dona da casa, presentes nos seus comportamentos de gentileza voltados ao bem-estar dos convidados.
Alguns anos se passaram. Encontrei-me com Eni, novamente, em um seminário promovido pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, no final
do decênio, quando eu tentava me firmar na vida profissional, realizando o meu doutoramento
e Eni, já portadora do título, apresentava o resultado das suas pesquisas no campo da Demografia
* Professora titular junto do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo e Pró-Reitora de Cultura e Extensão Universitária da USP.
ESBOÇO DE CUMPLICIDADE
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Histórica, mas já se encaminhando para as pesquisas sobre gênero que distinguiriam os seus
estudos posteriores. Tivemos uma convivência harmoniosa naquele cenário romântico de Diamantina; ameno, porém, as duas pareciam ter consciência de estarem imersas em um ambiente
que nem sempre as compreendia. Com o recuo do tempo, tenho, hoje, a sensação de que Eni e
eu fomos de certa maneira outsiders na vida acadêmica, não no seu sentido substantivo, daquele
que significa encontrar na vida intelectual a sua principal atração, atração que, inúmeras vezes,
pareciam ausentes por causa da figura que parecíamos representar. Algo de diverso havia, por
certo, entre nós. Eni era mais especializada do que eu, reproduzindo a marca da vivência que
tivera nas universidades americanas, o que não deixava de provocar estranheza de minha parte.
Tínhamos, todavia, uma concordância de fundo, lastreada num tipo de sociabilidade que preservava certos padrões fixados de etiqueta. Eu gostava disso e, penso, que o nosso relacionamento futuro desenvolveu-se na esteira de tal afinidade.
Um outro momento de convivência mais próximo com Eni aconteceu em um seminário
realizado pela Universidade Lusíada, no Porto, já durante o decênio de 1990. Foram bons dias.
Saímos juntas, fomos a museus, apreciamos a moda – mais ela do que eu – caminhamos pela cidade. Não me encontrava bem, ainda perseguida pelo falecimento do meu jovem irmão, evento
que me ocupava integralmente e deixava um lastro de pânico nas minhas apresentações. O meu
desempenho foi sofrível; percebi que ela compreendeu. Naqueles dias vislumbrei outra pessoa:
esmerava-se ainda mais na aparência, denotando esforço para cuidar de si; havia se transformado
numa pesquisadora dedicada à História de Gênero, em especial, às mulheres brasileiras na Época
Colonial. Ocorria, novamente, uma espécie de disjunção entre a adesão a um tema identificado
com a liberação e a imagem construída por ela. Naqueles dias, perguntei-me com qual figura
ficar, qual era, no fundo, a identidade de Eni, mesmo reconhecendo as minhas próprias dificuldades de transmitir uma visão mais coerente da minha personalidade. A já minha amiga rompia
expectativas assentadas. Em outra ocasião, novamente em Portugal, apresentei um trabalho sobre
a trajetória do meu avô açoriano que aportou no Brasil no final do século XIX, considerado, no
debate, um esforço bem sucedido de análise social de biografias. A minha colega das terras lusitanas apreciou o estudo e convidou-me par apresentá-lo para seus orientandos no CEDHAL.
Desde então, selamos uma espécie de pacto, isto é, de companheiras de um caminho assemelhado e pertencente a uma estirpe de mulheres acadêmicas que portavam, contraditoriamente, uma dupla face: aparentemente tradicionais em certas condutas; mas anunciadoras de um
novo tempo, daquele em que se reconhece o direito à diversidade. Imbuídas de tal reconhecimento, ainda que de modo não explícito e mesmo não consciente, apoiamo-nos nas ocasiões em
que ambas pretenderam ascender na carreira acadêmica. Possivelmente, por isso, construímos
uma espécie de cumplicidade. Se Eni me provocava alguma perplexidade, vejo, agora, que era o
espelho do meu próprio estar no mundo, de uma condição de presença afastada, não ausente,
mas tampouco totalmente identificada ao ambiente, uma modalidade de experiência de estar à
margem. Raramente podemos acordar combinações não explícitas, nascidas do reconhecimento
de afinidades que não necessitam de formulações evidentes. Esse era o nosso caso; assim construímos o nosso relacionamento.
Mesmo quando me disse do retorno da sua doença, ela sabia da minha contrariedade, mas
tinha segurança da minha solidariedade, sem que nenhuma palavra tivesse sido dita, além daquelas protocolares em ocasiões dessa ordem. Sinto, agora, o quanto nossas afinidades eram reais.
Eni, na sua aparência composta, até cuidadosamente construída, que passava uma imagem de
estar bem com as circunstâncias, era, no fundo, uma mulher na qual se percebia uma melancolia
dançando no seu olhar. Não haveria naquele olhar vestígio de algo desejado e não realizado?
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REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
UMA PESSOA ESPECIAL
*Raquel Glezer
Escrever sobre Eni de Mesquita Samara é muito difícil. Dentre as múltiplas atividades
que exerceu, qual o aspecto a destacar? O de uma pesquisadora nos estudos de Gênero e Família de destaque internacional? O de militante feminista? O de ativa participante de inúmeras
associações científicas nacionais e internacionais? O de orientadora de tantos trabalhos relevantes, com alunos em todo o país? O de participante ativa em agências financiadoras federais
e estaduais? O de autora de livros que se tornaram clássicos ou de editora de várias publicações
relevantes para o conhecimento histórico? O de ativa participante na gestão acadêmica em diversos níveis? Reproduzir seu Currículo Lattes? Falar sobre sua família, sua vivência familiar,
um espaço tão especial em sua vida?
Teve uma brilhante atuação como docente e pesquisadora, deixando sua marca nos estudos históricos brasileiros, mas destacar qualquer um dos aspectos citados acima não nos consolará da ausência da figura humana, alegre, generosa e corajosa.
Era uma amiga bem humorada e disposta a compartilhar qualquer proposta que considerasse
pertinente. Foi uma ex-aluna do cursinho preparatório para os exames de ingresso na Faculdade,
que se tornou colega no Departamento de História e se transformou em amiga no decorrer dos anos.
Compartilhamos idéias, alunos, bancas examinadoras, gestão acadêmica, eventos científicos, debates acadêmicos, questões profissionais. Trocamos experiências e vivências – enriquecedoras sempre.
Vê-la nos corredores do Departamento sempre nos animava: sua figura se destacava no
espaço meio vazio e meio deprimente do corredor das salas dos professores. Estava, cada vez que
a encontrava, com um novo projeto para apresentar, para discutir, para desenvolver e publicar.
Compartilhamos atividades científicas e algumas viagens. Tivemos experiências simultâneas
na BRASA (Brazilian Studies Association) e na AHILA (Associação de Historiadores Latino-americanistas Europeus). Percorremos quilômetros nos Estados Unidos, em Portugal e na Espanha.
Era uma viajante incansável, disposta a captar e apreender tudo o que pudesse em cada experiência.
Acompanhar o Caminho de Santiago, de Portugal para a Espanha com ela foi experiência indescritível. Comemorar seu aniversário em diversos lugares do mundo foi sempre uma alegria.
No mundo acadêmico é sempre difícil manter a personalidade própria: a comunidade
tende a homogeneizar comportamentos e propostas acadêmicas hegemônicas.
Eni sempre foi uma pessoa especial e corajosa: pesquisou Demografia Histórica quando
o campo era pouco conhecido no país; desenvolveu os estudos de família e de gênero e abriu
caminho para os estudos de sexualidade – mesmo caminhando na contramão do consensual e
conhecido; ampliou relações acadêmicas entre pesquisadores de países latino-americanos quando o isolamento e o olhar para a Europa era a norma; criou grupos de pesquisa em oposição ao
individualismo exacerbado do mundo acadêmico dos historiadores; organizou um centro de documentação de demografia histórica doando seus materiais de pesquisa para que outros pesquisadores não precisassem refazer o mesmo trajeto. A mesma coragem com que lutou por sua vida.
Deixou marca profunda em todos nós que tivemos a alegria e o prazer de compartilhar
alguns momentos de sua vida.
* Professora titular do Departamento de História da FFLCH-USP, vice-diretora do Parque de Ciência e Tecnologia (Parque CienTec-USP) – e-mail: [email protected].
UMA PESSOA ESPECIAL
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ENI DE MESQUITA SAMARA:
PESQUISADORA DE VANGUARDA
*Vera Lucia Amaral Ferlini
Se é dolorosa a ausência da amiga pessoal, da colega atuante e da parceira em tantas empreitadas, ao relembrar Eni de Mesquita Samara e percorrer sua trajetória, sua figura como pesquisadora
de vanguarda, há muito dedicada aos estudos sobre as mulheres, emerge como exemplo e incentivo.
Desde 1971, instrutora voluntária dos cursos de História do Brasil Colonial, em 1977, por
concurso público, tornou-se professora do Departamento de História da FFLCH-USP. Havia defendido, em 1975, um primoroso mestrado, O papel do agregado na região de Itu (1780-1830), que se tornaria obra de referência no estudo do papel das populações livres em economias escravistas.
Já à época destacava-se sua sensibilidade para temas inovadores. O trabalho, publicado
em edição especial dos Anais do Museu Paulista, ainda nos anos de 1970, ganharia versão definitiva,
em edição da Edusp de 2005, sob o título Lavoura Canavieira, Trabalho Livre e Cotidiano: Itu, 1780-1830.
Estudo pioneiro, descortinou a existência dessas populações, no âmbito da florescente produção
açucareira do período, dando concretude às discussões sobre o papel desse grupo e suas relações
com os grandes proprietários.
Em sua pesquisa, vasculhou inventários e testamentos, que delineavam a estrutura familiar
das elites escravistas e sugeriram sua pesquisa de doutorado, defendida em 1980, A família na sociedade
paulista do século XIX, publicada, em 1989 sob o título As mulheres, o poder e a família em São Paulo. Em ambos
os trabalhos, a pesquisadora minuciosa valeu-se do instrumental da Demografia Histórica, para
traçar magníficos painéis da economia e da sociedade de São Paulo.
Nos anos de 1980, dois temas se cruzaram em seus estudos. De um lado, resultado da
análise das estruturas familiares da sociedade paulista no século XIX, as mulheres. De outro, a
América Latina, por sua participação na formação e implantação no CEDHAL (Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina).
A partir de 1991, desenvolveu junto ao Projeto Integrado CNPq Economias exportadoras e formação do mercado de trabalho na América Latina, importante pesquisa comparativa, publicada em periódicos e obras de conjunto, no Brasil, na Espanha e nos Estados Unidos. Esses estudos tiveram
continuidade com Gênero, identidade e representações na América Latina do século XIX, também financiado
pelo CNPq, até 2001.
Com Mulheres proprietárias e chefes de família no Brasil, voltou a estudar as mulheres em várias
partes do Brasil, do Período Colonial ao início do século XX. Além do perfil demográfico dessas
mulheres (idade, estado civil, condição, raça e ocupação) e os tipos de organizações familiares
que lideravam, destacou sua participação no processo de circulação de riquezas e estruturação do
poder local, com base em farta documentação, constituída por: censos, recenseamentos, inventários e testamentos. A pesquisa, que se desenvolveu por seis anos, resultou em base de dados, à
disposição dos pesquisadores, através do CEDHAL.
Em 2007, após ter delineado o perfil de mulheres proprietárias na produção açucareira
paulista dos séculos XVIII e XIX, Eni iniciou novo projeto sobre mulheres na economia cafeeira
do século XIX: Senhoras do Café: gênero, família e riqueza em São Paulo (1836-1872). Nele, dedicou-se ao
* Professora titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade
de São Paulo e diretora do Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos.
ENI DE MESQUITA SAMARA: PESQUISADORA DE VANGUARDA
21
estudo do patrimônio das mulheres paulistas, proprietárias de bens e de negócios no período de
1836 a 1872, procurando entender o processo de circulação da riqueza na cidade com o desenvolvimento propiciado pelo café.
No decorrer da pesquisa, mesmo sob tratamento, seu entusiasmo e sua sensibilidade para
novos temas e novas abordagens não diminuiu. Entrevistada pela Revista de História, da Biblioteca
Nacional, em janeiro de 2010, contava que nesse projeto havia descoberto os preciosos inventários do brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão e de sua esposa, Gertrudes Galvão de Oliveira
Lacerda. O estudo desse caso permitiria entender as relações matrimoniais e patrimoniais em
famílias de elite, já que em suas pesquisas anteriores dera mais ênfase a mulheres trabalhadoras.
Suas palavras retratam a paixão e ousadia intelectual que é seu legado:
Esse é o material das minhas próximas pesquisas. Se der tempo, quero estudar os filhos
para saber o que aconteceu com eles [...]. Preciso contar essa história. [...] O historiador
precisa descobrir temas novos. Por isso fiquei tão feliz quando encontrei essa documentação. [...] Eu precisava desse novo entusiasmo. Eu queria contar outras histórias [1].
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
[1]
22
SAMARA, Eni de Mesquita. Eni de Mesquita Samara: “Não é o gênero que importa, mas a qualificação da pessoa”. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, n. 64, jan. 2011.
Entrevista concedida a Rodrigo Elias e Nelson Cantarino. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/eni-samara-mesquita>. Acesso em: [20 out. 2011?].
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
A USP COMO CLIENTE DA PRÓPRIA USP:
RELATO DE CASO DO VÍDEO INSTITUCIONAL DA
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO
USP AS ITS OWN CLIENT: CASE REPORT OF THE INSTITUTIONAL
VIDEO OF MEDICAL SCHOOL OF RIBEIRÃO PRETO
*Antonio Pazin Filho, **Almir Almas, ***Eduardo Tessari Coutinho, ****Maria de Lourdes Veronese Rodrigues
RESUMO
O objetivo deste artigo é relatar a experiência da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRPUSP) ao contratar alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) para desenvolver um
vídeo para divulgação de informações sobre essa escola médica. A experiência demonstra a possibilidade de se utilizar serviços da própria USP, dando, ao mesmo tempo, oportunidade de estágio
para os seus alunos de graduação, desde que haja aprovação da respectiva Comissão de Graduação.
Os autores sugerem que este tipo de cooperação deva ser estimulado e ampliado.
Palavras-chave: USP. Colaboração. Integração.
ABSTRACT
The aim of this article is to report the experience of FMRP-USP in contracting students from
Communication and Arts School (ECA-USP) to develop an institutional video for divulgation.
This experience demonstrates the possibility of utilization of services between sectors of the
same university, giving, at the same time, opportunities for training of undergraduate students,
when approved for the Committee for Undergraduate Affairs. The authors suggest that this type
of cooperation must be stimulated and expanded.
Key words: USP. Collaboration. Integration.
* Professor associado da Divisão de Emergências Clínicas do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), membro da Comissão de Cultura e Extensão Universitária (CCEx)
da FMRP-USP – Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto - SP – 14048-900 – e-mail: [email protected]. ** Professor doutor
do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP),
membro da CCEx da ECA-USP – e-mail: [email protected]. *** Professor doutor do Departamento de Artes Cênicas da ECA-USP,
presidente da CCEX da ECA‑USP – e-mail: [email protected]. **** Professora titular do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP, presidente da CCEx da FMRP-USP Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – e-mail: [email protected].
A USP COMO CLIENTE DA PRÓPRIA USP
25
INTRODUÇÃO
A Universidade de São Paulo (USP) é constantemente cobrada para ampliar suas vagas em cursos de
graduação de modo a melhorar o aproveitamento dos
altos recursos investidos em sua infraestrutura. Em
que pese o valor do conhecimento gerado pela pesquisa realizada, as modificações recentes da sociedade
têm ampliado a fiscalização da qualidade do produto
final, ou seja, a qualidade de seus egressos. A atenção crescente ao perfil do egresso e de sua inserção no
mercado de trabalho são exemplos dessa preocupação,
que se reverte em pressão sobre o corpo docente dos
diversos cursos.
A inserção profissional é de difícil avaliação por
diversos motivos, sendo um fator contumaz a variabilidade das condições inerentes à profissão. Por exemplo, nas profissões ligadas à saúde, o egresso cada vez
mais se torna funcionário contratado de alguma instituição, modificando a tendência histórica de se tornar
profissional liberal. Do mesmo modo, em outras profissões, a tendência global é que o aluno se torne um
funcionário de um negócio já estabelecido ao invés de
se tornar seu próprio patrão. Essa tendência faz com
que cada vez mais seja exigido do egresso experiência
profissional prévia ou prática profissional supervisionada na forma de estágios relacionados ao produto resultante diretamente da atividade profissional. Assim,
do mesmo modo que o currículo de um pesquisador
deve conter experiência em pesquisa, o do egresso deve
conter experiência profissional na forma de estágios
ou carga horária de atuação profissional. Essa exigência passa a oferecer vantagem competitiva no processo
de absorção pelo mercado de trabalho.
É lógico que todos os cursos oferecidos pela
USP contemplam a prática profissional supervisionada, principalmente nos estágios finais. No entanto, a
inserção profissional exige um diferencial do aluno,
uma experiência extracurricular. A importância disso
pode ser avaliada pelas modificações curriculares que
estão responsabilizando o indivíduo cada vez mais pela
sua formação, à medida que incluem tempo livre para
que desenvolva as atividades necessárias para a atuação
profissional pretendida. Prover experiências dessa ordem não é fácil e muitas vezes os alunos acabam exercendo essas atividades na própria unidade formadora,
ou buscando experiências extramuros, cuja mensuração do efeito é mais qualitativa do que quantitativa.
26
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
Finalmente, quando essas atividades acontecem fora dos
muros da unidade formadora, geralmente se buscam
atividades em unidades semelhantes; assim ocorre, por
exemplo, com os alunos de Medicina da FMRP-USP,
que buscam estágios em outras escolas de Medicina.
Neste artigo, iremos relatar a experiência da
FMRP-USP ao contratar alunos de outra unidade da
universidade, a Escola de Comunicações e Artes (ECA),
para desenvolver um vídeo institucional para divulgação. A experiência abre a possibilidade de se utilizar
serviços da própria USP para que suas necessidades sejam alcançadas, ao mesmo tempo em que abre toda uma
nova oportunidade de estágios para os seus alunos de
graduação, caso essa atividade seja contabilizada como
parte de cumprimento dos requisitos de estágio.
A FMRP é uma das unidades mais tradicionais da
USP, tendo completado 55 anos e já formado mais de 5
mil médicos. Tem projeção internacional e, em 2010,
foi a segunda maior unidade em termos de produtividade em pesquisa de toda a USP, apresentando número
de pós-graduandos superior ao seu número de graduandos. A partir de 2002, passou a oferecer cinco novos
cursos (Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Nutrição e Informática Biomédica), além dos
cursos de Medicina e de Ciências Biomédicas. Essas e
outras mudanças institucionais geraram necessidade de
divulgar informações, atraindo alunos para seus cursos
e propiciando material para que seus docentes divulguem a unidade nos âmbitos nacional e internacional.
Essa necessidade se concretizou na necessidade de
participar da Feira das Profissões, criada pela USP para
divulgar seus cursos frente à enorme taxa de abandono.
Para esse evento, foi solicitado à unidade um vídeo institucional para difundir os seus valores e prover informações sobre as condições de formação que os alunos
de graduação e pós-graduação encontrariam na FMRP.
O vídeo institucional anteriormente utilizado
pela FMRP, assim como o primeiro vídeo desenvolvido
na instituição, foi realizado por profissionais de documentação cientifica, sendo constituído em sua maior
parte por entrevistas do diretor da unidade e dos presidentes de suas comissões. Dessa forma, o vídeo se desatualizou rapidamente, pois, cerca de um ano após a sua
edição, já houve mudança da diretoria e das presidências
das comissões. Além disso, as imagens colhidas foram
restritas a tomadas externas gerais e gravação dos laboratórios nos quais se realizaram as entrevistas. E também,
o vídeo tinha duração excessiva, não sendo possível sua
divulgação pela rede mundial de computadores e sendo
pouco atrativo para o público em geral. Finalmente, o
vídeo era narrado em português, não dispondo de legendas, o que impossibilitava a sua divulgação internacional. Em que pesem essas limitações, sem dúvida esses
vídeos se constituíram em marcos na história da FMRP,
pois alertaram a instituição sobre a necessidade de profissionalizar a divulgação de seus valores.
Preocupada com essa necessidade, a Comissão
de Cultura e Extensão (CCEx) da FMRP solicitou verba à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP para a elaboração e confecção de um novo
vídeo institucional. Na elaboração desse novo vídeo,
a instituição tinha a intenção de solicitar a ajuda de
profissionais da área de comunicação.
MATERIAL E MÉTODOS
Frente à aprovação do projeto, a CCEx-FMRP
deu início aos trabalhos, constituindo uma comissão
de docentes representantes dos seus diversos cursos.
O primeiro passo foi a busca de produtoras locais que
pudessem desenvolver o vídeo, o que se constituiu na
dificuldade maior do projeto, pois a dotação orçamentária disponível era incompatível com os preços
de mercado. Muitas produtoras se negaram a fornecer
cotação de preços e outras apresentaram orçamento
que superava em muito o disponível.
Para se contornar esse problema, surgiu a idéia
de entrar em contato com a ECA‑USP em São Paulo
através do presidente de sua CCEx, o professor doutor Eduardo Coutinho. O que se propunha é que alunos da instituição desenvolvessem o projeto a preço
de custo, repassando-se o orçamento disponível para
aquela instituição para cobrir os gastos com filmagem, produção e transporte. Através desse contato, a
CCEx-ECA repassou o pedido ao Departamento de
Cinema, Rádio e Televisão (CTR) via seu representante na comissão, o professor doutor Almir Almas.
O CTR, por sua vez, promoveu um concurso entre
seus alunos e dentre as oito propostas apresentadas,
foi selecionada uma que atendia as condições necessárias. Ficava claro que os alunos desenvolveriam o
projeto sob supervisão docente, mas o desenvolveriam
como profissionais atuantes no mercado. Um docente
da FMRP (o primeiro autor) seria o interlocutor da
unidade para dirigir e organizar os trabalhos.
O processo foi constituído por várias etapas,
sendo iniciado pela reunião da Comissão de Vídeo
com o professor orientador do vídeo e os alunos que
desenvolveriam o projeto (Richard Dantas, produtor,
roteirista e diretor; Emilio Gonzalez, fotógrafo e editor; e Nicol Alexander, assistente). Ressalta-se que a
primeira reunião foi realizada via conexão às salas de
videoconferência da ECA e a da FMRP, mostrando
também o uso dessa ferramenta tecnológica nas possibilidades de comunicações entre as unidades da universidade. Nessa etapa ficou estabelecido que o vídeo
fosse o mais atemporal possível, focando a instituição
e não o seu corpo docente. Descartaram-se entrevistas com docentes como partes do filme, embora elas
viessem a ser realizadas para se determinar os valores
da FMRP. Também ficou estabelecido que a duração
do vídeo não ultrapassasse oito minutos frente ao orçamento disponível, impossibilitando o desenvolvimento de um vídeo para cada curso de graduação oferecido.
Ao invés disso, optou-se por prover informações sobre
todos os cursos no mesmo vídeo. Finalmente, o foco
do filme deveria ser seu público externo, entendido como egressos do Ensino Médio interessados nos
cursos de graduação oferecidos, em egressos de nível
universitário interessados em pós-graduação e no público em geral, tanto nacional como internacional, que
desejasse informações sobre a FMRP. Para atender esse
último público definiu-se que o vídeo deveria ser bilíngue (português e inglês), disponibilizando também
o conteúdo em legendas, de modo a possibilitar sua
exibição em salas de espera e outros locais com restrição sonora. Posteriormente optou-se por produzir o vídeo em formato trilíngue, ofertando também
o espanhol como idioma. Para suprir as necessidades
não previstas de apresentação trilíngue, a diretoria da
FMRP complementou o custo com verba própria.
Passou-se então à fase de pesquisa, em que os
alunos tiveram acesso à versão anterior do vídeo, ao
material sobre a história da instituição, seus relatórios
gerenciais de produtividade e entrevistaram seus dirigentes. Através desse processo de pesquisa, estabeleceu-se uma primeira versão do roteiro do filme, que
foi analisada pela Comissão de Vídeo e por membros
da CCEx. O roteiro sofreu várias correções (diversos
tratamentos) até que se obteve a versão final. Todas as
versões do roteiro foram também discutidas dentro do
CTR, tendo a orientação dos professores Almir Almas
e Luis Fernando Angerami Ramos.
A USP COMO CLIENTE DA PRÓPRIA USP
27
A fase de filmagem incluiu tomadas externas e
internas de diversos aspectos da FMRP para ilustrar o
roteiro acordado. No total, os alunos se deslocaram
para Ribeirão Preto para quatro seções de filmagem,
sendo três delas para a confecção da versão inicial e
uma última ocasião para a obtenção de uma versão
final. A versão preliminar foi apresentada à Comissão de Vídeo, à CCEx, ao diretor e ao vice-diretor da
FMRP, sendo adaptada de acordo com as críticas realizadas até que se obteve a última versão.
A etapa final foi a produção de versões do vídeo para disponibilização via rede mundial de computadores e para um DVD com créditos adicionais que
permitisse a escolha de idioma e de legendas nas três
línguas selecionadas, o processo de construção do vídeo para resgate histórico, detalhes sobre as atividades
das comissões da FMRP e informações sobre os cursos
em maior profundidade.
Os alunos apresentaram as versões do vídeo aos
professores orientadores, que faziam suas considerações e sugestões. Havia discussões com os alunos a respeito dos pedidos e comentários realizados pela FMRP,
que, dentro desse processo, atuava como um cliente.
O processo de desenvolvimento foi retardado
por prazos do ano letivo tanto dos alunos da FMRP
como dos alunos da ECA que desenvolviam o vídeo.
Também foi difícil concatenar as agendas dos docentes
responsáveis pela elaboração do processo. A transposição da verba entre as unidades e o repasse para os
gastos dos alunos com o projeto sofreram entraves burocráticos, que também implicaram em atrasos. É importante que se tire dessa experiência ensinamentos
de como lidar com esses trâmites burocráticos interunidades, para que futuros projetos em conjunto sejam
realizados de forma mais tranquila.
Finalmente, houve desacordo entre a versão
apresentada pelos alunos e o desejo dos docentes da
comissão. Esse último aspecto merece destaque, pois
os alunos enfrentaram o primeiro atrito profissional,
defendendo pontos metodológicos apreendidos durante seu curso de graduação e aprendendo a adaptálos numa situação concreta de interação com o cliente.
Entendemos isso como um dos pontos fortes desse
processo da parceria entre nossas unidades. Para esses alunos, esse aprendizado ao lidar com um cliente
real ajuda muito na compreensão dos procedimentos
profissionais que eles irão enfrentar ao se formarem.
28
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
RESULTADO
Em que pesem todas essas dificuldades, o vídeo
foi produzido de modo a atender às necessidades da
FMRP. Encontra-se disponível no endereço eletrônico da FMRP e em DVDs para distribuição. Todo
o processo de desenvolvimento foi arquivado junto à
FMRP e ao seu acervo histórico.
DISCUSSÃO
Um dos principais pontos desse projeto encontra-se no fato de uma unidade da USP oferecer
serviços profissionais a outra unidade através de seus
alunos. Esse ponto merece destaque porque o produto
oferecido à FMRP é um exemplo do que os alunos da
ECA são capazes e que, sem dúvida, poderão ofertar à
sociedade. É um atestado da qualidade do egresso da
USP, à medida que a própria universidade confia em
seus alunos para desenvolver produtos de nível profissional. Reforça-se que a acepção da palavra profissional
em uso aqui é aquela do domínio da ferramenta da
profissão escolhida por esses alunos e que a ela se dedicarão ao sair da universidade; e do esmero na qualidade técnica do produto final apresentado.
Também merece destaque o fato de que a própria USP pode oferecer campo de treinamento para os
seus diversos cursos. Isso já é feito de modo informal,
mas o método utilizado nesse projeto de contratar alunos para desenvolvimento de um produto mensurável
pode fornecer oportunidades de trabalho extracurricular remunerado e documentado, de forma a ser
utilizado pelos alunos no seu ingresso no mercado de
trabalho cada vez mais competitivo. A experiência aqui
descrita pode servir como referencial para que se processos dessa natureza sirvam também como requisitos
de estágio para alunos de graduação.
Também merece destaque o envolvimento docente nesse processo, pois a responsabilidade de oferecer um produto à USP é enorme. O compromisso
docente com projetos dessa natureza adquire aspecto de
responsabilidade similar ao que nossos alunos enfrentarão diariamente como profissionais e estreitam a relação
docente-aluno. O processo também é benéfico para a
própria USP, pois, como ressaltado, os recursos que foram destinados à FMRP para a elaboração do vídeo foram repassados para a ECA, ou seja, para a própria USP,
implicando em economia de recursos.
O projeto descrito é relativamente pequeno
frente ao que pode ser atingido. Por exemplo, por que
alunos de Medicina não podem auxiliar no atendimento de Medicina do Trabalho em diversas unidades
da USP, desde que supervisionados, reduzindo os custos da universidade com as exigências cada vez maiores
da legislação trabalhista? A experiência que esses alunos teriam com esse tipo de atividade seria mensurável
pelos indicadores da própria universidade e promoveriam um compromisso do curso de Medicina com
atuação profissional para a própria USP. O custo desse
serviço poderia ser repassado à unidade, fomentando
projetos que se encontram paralisados por falta de recursos. O mesmo pode ser dito de projetos de Arquitetura e Engenharia. Os custos com advocacia trabalhista
são enormes e a USP forma os melhores advogados do
país. As possibilidades são inúmeras, mas irão requerer esforço e preparo da universidade e seus docentes.
Vale ressaltar que os próprios alunos sentem
essa necessidade de desenvolver atividades com maior
responsabilidade. São exemplos dessa necessidade a
formação de Ligas de Assistência, nas profissões ligadas à saúde, e as Empresas Juniores, que surgem em
diversos cursos de ciências exatas. Essas iniciativas estudantis devem ter supervisão obrigatória, pois, por
mais competentes que sejam nossos alunos, ainda não
têm direitos legais de assinar seus próprios projetos ou
de se responsabilizar por seus pacientes. Mas a supervisão dessas entidades recai sobre docentes que o fazem
de modo voluntário ou mesmo por outros profissionais ligados informalmente à universidade. O desinteresse docente se deve em muito à falta de incentivo
da universidade para esse tipo de atividade, que não
pode ser documentada e, portanto, não pode ser valorizada em termos de carreira docente. A regularização
desse tipo de atividade nos moldes do que se observou nesse projeto pode corrigir essas falhas e mesmo
questões controversas como remuneração docente por
projetos poderiam e deveriam ser abordadas. Se a universidade paga por serviços externos que poderiam ser
realizados por profissionais que a compõem, porque
não utilizá-los e repassar o justo valor de seu trabalho?
CONCLUSÕES
Frente a todas essas características, o desenvolvimento do vídeo da FMRP abre novas possibilidades de
atuação para a USP, que devem ser facilitadas e ampliadas.
Sem dúvida, confiar em seus próprios alunos para atender suas necessidades é a maior prova que a USP pode dar
da qualidade dos serviços que oferece à sociedade.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a todos os que colaboraram para a realização do Vídeo Institucional da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto:
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Professor doutor Benedito Carlos Maciel, Diretor
da FMRP-USP
Professor doutor Geraldo Duarte, Vice-Diretor
da FMRP-USP
Equipe da ECA-USP: Richard Dantas (produtor, roteirista e diretor), Emilio Gonzalez (fotógrafo e editor), Nicol Alexander (assistente), e professor doutor
Luis Fernando Angerami Ramos (co-orientador)
Membros da Comissão de Cultura e Extensão
Universitária da FMRP-USP
Professor doutor Fernando de Queiroz Cunha,
Presidente da Comissão de Pesquisa da FMRP-USP
Professor doutor Francisco José Candido dos
Reis, Presidente da Comissão de Graduação da
FMRP-USP
Professor doutor Carlos Gilberto Carlotti Junior,
Presidente da Comissão de Pós-Graduação da
FMRP-USP
Professor doutor Klaus Hartmann Hartfelder,
Presidente da Comissão de Relações Internacionais da FMRP-USP
Maristela Medeiros Santos da Silva, Secretária da
Comissão do Vídeo Institucional
Membros da Comissão Organizadora Pró Vídeo
Institucional da FMRP-USP
Professora doutora Marisa de Cássia Registro
Fonseca, Coordenadora da CoC de Fisioterapia
Professora doutora Marisa Tomoe Hebihara Fukuda, Coordenadora da CoC de Fonoaudiologia
Professor doutor Joaquim Cezar Felipe, Coordenador da CoC de Informática Biomédica
A USP COMO CLIENTE DA PRÓPRIA USP
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Professora doutora Claudia Maria Leite Maffei,
Coordenadora da CoC de Medicina e Ciências
Biológicas – Modalidade Médica
Professora doutora Paula Garcia Chiarello, Coordenadora da CoC de Nutrição e Metabolismo
Professora doutora Regina Yoneko Dakuzaku Carretta, Coordenadora da CoC de Terapia Ocupacional
30
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
I FÓRUM DE INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E
DAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DA USP
1ST FORUM ON INTEGRATION OF HEALTH SERVICES WITH USP
TEACHING, LEARNING, RESEARCH AND COMMUNITY ACTIVITIES
*Namie Okino Sawada, **Vinicius Pedrazzi, ***Maria de Lourdes Veronese Rodrigues
RESUMO
O campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo engloba cinco unidades que prestam
serviços de saúde no município de Ribeirão Preto e região. As crescentes demandas e atividades influenciam na provisão de serviços de acordo com as políticas públicas de saúde e motivaram a idealização e realização do I Fórum de Integração dos Serviços de Saúde e das Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão da USP.
O evento teve a finalidade de discutir as relações da universidade com os serviços de saúde,
as fontes de fomento e programas do Ministério da Saúde. Após receberem informações contidas
nas diversas palestras ministradas no primeiro dia do Fórum, os participantes foram distribuídos
em cinco grupos multidisciplinares e multiprofissionais de discussão sob o tema: “Inserção, infraestrutura, recursos humanos e materiais e interdisciplinaridade nos serviços de saúde”.
Neste artigo, os autores resumem os principais tópicos discutidos e apresentam as sugestões elaboradas pelos grupos de discussão.
Palavras-chave: Serviços de saúde. Universidade. Políticas públicas de saúde.
ABSTRACT
The campus of Ribeirão Preto, University of São Paulo, with its five Health Sciences units, provides health services in the county of Ribeirão Preto and region. The increasing demands and
activities have influence in provision of services according to of public health policies and led
to the idealization and realization of the 1st Forum on Integration of Health Services with USP
Teaching, Learning, Research and Community Activities.
The aim of the meeting was to discuss the relationship between the university and the
health system, the sources of financial support and programs of the Ministry of Health. The
second day, after the first day attending lectures, the participants were distributed into five multidisciplinary and multiprofessional discussion groups about the theme: “Activities, infrastructure, human and materials resources and interdisciplinarity in the provision of health services”.
In this paper, the authors summarize the main topics discussed and report the suggestions
elaborated by the discussion groups.
Key words: Health services. University. Public health policies.
* Docente do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP-USP) e presidente da Comissão de Cultura e Extensão Universitária (CCEx) da EERP-USP. ** Docente do Departamento
de Materiais Dentários e Prótese da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP-USP) e presidente da CCEx da FORP-USP.
*** Docente do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto (FMRP-USP) e presidente da CCEx da FMRP-USP. Comissão de Cultura e Extensão Universitária da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto – USP – Av. Bandeirantes, 3.900 – 14048-900 – Ribeirão Preto - SP – e-mail: [email protected].
I FÓRUM DE INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E DAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DA USP
33
INTRODUÇÃO
As crescentes demandas e atividades que repercutem no cotidiano do funcionamento para o atendimento
das políticas públicas de saúde e que envolvem os alunos
de graduação e pós-graduação (stricto e lato sensu), bem como
os docentes das respectivas unidades, foram fundamentais
para a idealização e realização desse encontro, no campus
de Ribeirão Preto, onde cinco unidades distintas têm envolvimento direto no ensino, pesquisa e extensão, com
práticas de saúde para a população da cidade e da região.
MATERIAL E MÉTODO
O I Fórum de Integração dos Serviços de Saúde e das Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão da USP foi realizado no Bloco
Didático da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
USP nos dias 15 e 16 de março de 2011. O evento foi
aberto pelo diretor da FMRP-USP, o Prof. Dr. Benedito
Carlos Maciel; pela coordenadora, a Profa. Dra. Namie
Okino Sawada; pela diretora da EERP-USP, a Profa.
Dra. Silvia Helena De Bortoli Cassiani e pelo pró-reitor
adjunto de Extensão Universitária, o Prof. Dr. José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres, que deram as boasvindas. Também compôs a mesa diretora o diretor da
FORP-USP, o Prof. Dr. Osvaldo Luiz Bezzon.
A seguir, houve palestras ministradas pelo superintendente do Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto, o Prof. Dr. Marcos Felipe Silva de Sá, pelo secretário municipal de saúde de Ribeirão Preto, o doutor. Stênio José Correia Miranda, e pelo pró-reitor
adjunto de Extensão Universitária, Prof. Dr. José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres.
Esse primeiro fórum teve a finalidade de discutir
as relações da universidade com os serviços de saúde, as
fontes de fomento e programas do Ministério da Saúde.
Foram discutidos os seguintes tópicos: as relações
interinstitucionais, a comunicação acadêmica e da rede
municipal de saúde; as atenções primária, secundária e
terciária à saúde; o papel dos preceptores; os recursos
disponíveis em termos de parque de equipamentos e instrumentos instalados, os serviços oferecidos, os recursos
humanos disponíveis e as carências; o papel da academia
e da municipalidade, bem como dos governos federal e
estadual nos respectivos âmbitos do Ministério da Saúde
e da Secretaria Estadual da Saúde. Discutiu-se inclusive
o papel do ensino, da pesquisa e da extensão, que tem
34
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
diferentes entendimentos entre as partes ouvidas.
A comunicação entre o usuário dos serviços
(cliente), os preceptores, os agentes de saúde disponíveis na rede de atenção, aqueles concursados e estáveis,
os residentes e aprimorandos e seu importantíssimo
papel na atenção secundária e terciária à saúde também foram exaustivamente discutidos.
Após a primeira mesa estabelecida e discutida
na manhã do dia 15, houve nova mesa de apresentação e discussão à tarde, com a exposição do Programa
PET‑Saúde pela Profa. Dra. Maria do Carmo G. G.
Caccia-Bava da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. A professora historiou o programa e apresentou a atuação das unidades de ensino-saúde do campus de
Ribeirão Preto, com a necessária interdisciplinaridade
em harmônico funcionamento, apresentando em vídeo
os resultados concretos e confirmando a importância do
envolvimento dos alunos de graduação em Medicina,
Enfermagem e Odontologia, sob constante orientação
docente, na atenção básica à saúde e na difusão dos princípios que norteiam o SUS. Também sinalizou alguns
problemas levantados quanto à execução do programa,
como a vulnerabilidade social e violência urbana (queixa
e problema a ser enfrentado pelos alunos de graduação);
salientou-se ainda a resistência dos docentes quanto à
mudança da prática acadêmica (deslocamento do habitat
de trabalho para atuar nos locais onde a atenção básica à
saúde é oferecida).
Na apresentação do PET-Saúde Mental pela
Profa. Dra. Lucilene Cardoso da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, destacou-se a importância de se estabelecerem programas especiais
do PET-Saúde para atender necessidades prementes
e com crescente demanda na atenção aos usuários de
álcool e drogas. Por se tratar da primeira versão do
programa, tem como objetivo mapear os locais e as necessidades do serviço de saúde mental, objetivando o
fortalecimento do processo de integração da universidade com o serviço de saúde, bem como proporcionar
educação permanente a partir de um projeto políticopedagógico embasado na ética.
A residência profissional e multiprofissional foi
abordada pelo Prof. Dr. Cássio Edgard Sverzut da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP. O
professor reportou a dificuldade em montar um curso
de residência na FORP, informando inclusive que havia
dois regimentos distintos na unidade tratando da residência odontológica; um dentre eles, feito à imagem
daquele da residência médica, obrigava a percepção de
bolsa devido ao compromisso de atuação em dedicação
integral. A captação de bolsas foi uma árdua batalha,
ainda não resolvida pela falta de editais lançados pelos
governos nas diferentes esferas de atuação pública. Ressaltou a importância do serviço de extensão prestado
pelos residentes (não bolsistas), com alta qualificação, e
que não é suprido na graduação devido à complexidade
dos traumatismos que frequentemente chegam à universidade. Informou que, apesar de os residentes ainda não serem remunerados, há uma crescente procura
pela atividade de residência na unidade, demonstrando
a carência e a importância desse tipo de formação. A
presença dos residentes no serviço de saúde, além de
ser um facilitador da relação ensino e serviço, proporciona atendimento de alta complexidade, atendendo a
uma demanda da sociedade que não encontra similaridade nos serviços públicos de saúde instalados.
Para o segundo dia do fórum, 16 de março, foram
estabelecidos cinco grupos de discussão sob o tema “Inserção, infraestrutura, recursos humanos e materiais e
interdisciplinaridade nos serviços de saúde”. Os grupos,
caracterizados pela multidisciplinaridade de atuação em
saúde, eram constituídos por graduandos, docentes, residentes da USP e servidores da rede municipal de saúde, além de profissionais em saúde da rede privada.
RESULTADOS
GRUPO I
No Grupo I, coordenado pela Profa. Dra. Maria
da Glória Chiarello de Mattos da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP, uma série de pontos
foi levantada, apresentada a seguir.
1) É importante a inserção da universidade no serviço de saúde para a visão da atenção primária, secundária e terciária pelos alunos.
2) O atendimento de pacientes é agendado pelo serviço (regulador) que muitas vezes fica aquém das
necessidades do ensino.
3) A universidade tem mentalidade voltada para o
ensino; o serviço de saúde é direcionado para o
número de atendimentos. Para melhor conciliar
ensino e serviço é necessário aumentar o número
de recursos humanos.
4) A presença do aluno de graduação no serviço é
uma forma de desenvolver o senso crítico e, deste
modo, fazer a diferença na formação do profissional da saúde.
5) O aluno no serviço pode contribuir com a educação continuada do profissional da equipe, pois
acrescenta novas ideias e conhecimentos.
6) É importante que os docentes conheçam a realidade
dos serviços de saúde e busquem interagir na construção da atuação universidade-serviço para melhor
planejamento, evitando assim número excessivo de
alunos de diferentes áreas da saúde, o que dificulta
a atuação e, consequentemente, o aprendizado.
7) É importante o desenvolvimento dos diferentes
níveis do aprendizado, como o aperfeiçoamento e residência junto à pós-graduação em serviços
de saúde, para o atendimento aos diferentes níveis
de complexidade, suprindo uma alta demanda dos
serviços e a qualificação na formação desses profissionais. Ressalta-se que a sua presença se dá para a
integração entre os diferentes profissionais da saúde e não apenas para a substituição de profissionais.
8) É imperativo valorizar o profissional em particular e a equipe em serviço: docente, profissional e
agente de saúde.
9) Há de se ter políticas governamentais de fomento
para recursos humanos e infraestrutura – como,
por exemplo, Pró-Saúde e PET-Saúde – mas que
se tornem programas e não projetos, deixando de
sofrer limitação temporal.
10)É imprescindível educar a população quanto ao
SUS, quanto às profissões e o que as diferentes
áreas da saúde executam. Por exemplo, o Conselho de Fisioterapia divulgará informativo sobre o
papel do fisioterapeuta e as diferentes modalidades ou áreas de atuação, uma vez que há muita desinformação sobre o papel do profissional da área.
11) Educar os agentes comunitários (educação continuada) para melhor formação profissional e melhor atuação como cuidadores atuando na equipe.
12) Promover cada vez mais reuniões (simpósios multiprofissionais) para melhorar a interação entre os
diversos profissionais da saúde e, assim, melhorar
a atuação em equipe.
13) Quanto à infraestrutura, uma pergunta fica no ar:
a quem cabe a responsabilidade por ela? O grupo
discutiu e concluiu que a todos os envolvidos no
processo ensino‑saúde:
I FÓRUM DE INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E DAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DA USP
35
•
•
•
•
Governo Federal – programas SUS.
Governo Estadual – programas SUS.
Governo Municipal – programas SUS.
Universidade – programas SUS.
GRUPO II
O Grupo II, coordenado pelo Prof. Dr. Cássio
Edvard Sverzut da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP, discutiu e ponderou duas subáreas em específico, tal como se segue.
No tocante à graduação:
a) Os alunos deveriam ser inseridos no sistema de saúde
pública, porém com adequados incentivo e avaliação.
b) Constatou-se que existe uma grande resistência de
alguns docentes e alunos em realizar atividades extramuros, por fatores diversos.
Com relação aos problemas da residência multiprofissional:
a) Constatou-se a falta de comunicação e articulação
entre os setores envolvidos (áreas da saúde). Muitas
vezes ocorre um desconhecimento da própria instituição do serviço e do que ele pode oferecer.
b) A universidade precisa disponibilizar meios para
acompanhar, avaliar e auxiliar a inserção do aluno
no programa. Nem todas as áreas têm docentes ou
supervisores.
c) Falta de infraestrutura para acomodar todos os integrantes do programa.
d) É primordial a questão do incentivo financeiro.
O oferecimento de bolsas é importante e deve ser
almejado.
e) O ensino não deve ser compartimentalizado, já que
é um programa multiprofissional. O programa deve
proporcionar uma integração entre os profissionais,
resultando, por exemplo, em discussão conjunta de
casos clínicos. Em ensino multiprofissional deve
necessariamente existir transdisciplinaridade.
f) A atuação dos residentes se faz necessária e essencial não apenas no sentido de viabilizar o serviço,
mas também em propor melhorias, aprimorando,
assim, os trabalhos do grupo e, consequentemente, o atendimento ao cliente.
g) Melhorar a comunicação entre os membros do grupo como, por exemplo, no preenchimento de prontuários clínicos.
h) Há uma preocupação latente com o “dia seguinte” à
36
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
formação, ou seja, o mercado de trabalho. Constitui
preocupação dos residentes em serem absorvidos pelo
mercado de trabalho após o término da residência.
i) A residência multiprofissional é um acontecimento relativamente novo e, portanto, está passando
por um processo de conhecimento dos profissionais da área de saúde, das próprias instituições e
da população em geral. Nesse sentido, é importante que os integrantes deste programa atuem
como agentes multiplicadores de conhecimento,
oferecendo, por exemplo, palestras e simpósios.
Novamente, é fundamental o papel do residente.
GRUPO III
O Grupo III teve como coordenadora a Profa.
Dra. Silvia Matumoto da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da USP e centrou a discussão em três
assuntos principais, a seguir.
Com relação à formação de Equipe Saúde da Família
(ESF) em Ribeirão Preto:
a) Nota-se a falta de abrangência e de investimento
na formação e ampliação do número. No Espírito
Santo, o Programa Saúde da Família (PSF) abrange 100% da população.
b) No âmbito da universidade, é preocupante a disputa de modelos – especialista x generalista –, com
mudanças de estruturas curriculares que nem
sempre são reflexos das necessidades da sociedade.
c) Há uma falta de conhecimento da população a
respeito dos serviços prestados e onde buscá-los.
Sugere-se maior e mais eficaz divulgação.
d) Ainda existe uma dificuldade em aceitar o modelo
da atenção básica. Os clientes solicitam um especialista.
e) O atendimento primário tem que trabalhar muito
bem para filtrar os casos que vão para o secundário e o terciário.
f) Muitas vezes, por conta do pronto atendimento, a
população desconhece os benefícios que os outros
profissionais da área de saúde podem oferecer.
g) Algumas incongruências ainda são notadas, como,
por exemplo, o limite geográfico. São atendidas
somente as famílias que estão na área de abrangência do núcleo, contradizendo o princípio de
universalidade pressuposto pelo próprio SUS.
Para a relação ensino-serviço:
a) Existem dificuldades da formação. O tema saúde
pública – SUS – é abordado de forma pouco atrativa na teoria.
b) Muitos cursos têm o contato com a prática somente no último ano. Como sugestão para a resolução
do problema, talvez haja necessidade de mudanças
da grade curricular.
c) O Programa PET-Saúde é pouco divulgado.
A respeito da residência multiprofissional:
a) Foi gerada uma proposta de maior carga horária
na ESF.
b) Sente-se que houve uma dificuldade no início, a
saber, resistência na recepção da equipe para se
adequar aos horários, além de falha na interlocução entre preceptores e serviços. Como solução
apontada, a resistência seria revertida a partir de
um bom trabalho em equipe.
c) A residência favorece a multidisciplinaridade e a
criação de maior vínculo com a população e com a
equipe (dois anos).
d) Outra dificuldade apontada foi a carga horária,
que desfavorece a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Como sugestão, deverse-ia intentar a criação de um espaço-horário.
e) Foi também sinalizado o atraso no pagamento das
bolsas.
f) Não se deve aceitar que os governos em suas respectivas instâncias entendam a residência como
uma mão de obra barata! O governo deveria investir mais nisso!
GRUPO IV
O Grupo IV, coordenado pelas profas. doutoras Janete Cinira Bregagnolo, da Faculdade de Odontologia
de Ribeirão Preto da USP, e Maria José Bistafa, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, buscou
possíveis soluções para os vários problemas apontados.
1) Todos os docentes da universidade deveriam passar
pelas unidades básicas de saúde para conhecer o que
acontece e o que se passa realmente neste setor diminuindo o preconceito e a falta de diálogo do sistema.
2) Os preceptores e as estruturas deveriam dispor de
instrumentos adequados para os níveis de instrução,
objetivando uma atenção de ótima qualidade.
3) Dever-se-ia criar um fórum para discutir e definir
a hierarquização adequada do sistema de saúde a
fim de saber articular os níveis de atenção à saúde.
4) Uma importante meta a ser atingida é a valorização
das atividades docentes que integram as atividades de
extensão com ensino e pesquisa, bem como daquelas
de outros profissionais que atuam na comunidade.
5) É preciso potencializar a integração multiprofissional a fim de aperfeiçoar o serviço e o atendimento ao público.
6) Também se deve incentivar a continuidade e integração entre os docentes das áreas básicas com as
especializadas.
7) A saúde da comunidade deve ser obrigatória em
todos os cursos, incluindo estágios in loco.
8) Para evitar que o professor que atua na comunidade para Ensino Básico seja desvalorizado, sugerese trabalhar e modificar a forma de pontuação e
avaliação curricular, considerando os anos trabalhados e as atividades de extensão e não somente
valorizar as instituições de fomento à pesquisa.
9) É necessário melhorar a integração com as secretarias municipais e estaduais de saúde para que os
projetos e melhorias sejam resolvidos da melhor
maneira possível, apontando as dificuldades e auxiliando a integração entre serviço e universidade.
10)Os participantes concluíram a discussão com a seguinte assertiva: a comunicação entre educação e informação para o cliente é essencial!
GRUPO V
Coube à Profa. Dra. Marlívia Gonçalves Carvalho Watanabe da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP a coordenação do Grupo V, que
procurou trabalhar a inserção.
1) Criação de comissão intra-campus para melhoria da
inserção de outras especialidades além da Medicina
(tradição). Nesse sentido foi proposta a criação de
um grupo multidisciplinar de gestão no campus.
2) Melhor estruturação da forma de inserção do profissional no serviço de saúde.
3) Contrapartidas pactuadas. Ainda há distorções
entre o que é proposto e o que é oferecido.
4) A falta de profissionais na rede para recepcionar os
alunos ainda é um problema. Como solucionar?
I FÓRUM DE INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E DAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DA USP
37
5) Deve haver um reforço da Comissão junto aos diretores de unidade e pró-reitores sobre a importância da integração entre os serviços de saúde e a
academia no seu tripé de funções precípuas.
6) Melhor discussão com os profissionais do serviço
sobre a entrada de estagiários, residentes, etc., a fim
de orientar melhor os benefícios para o serviço.
7) Deve-se investir muito nos programas de capacitação – educação continuada para os funcionários
(desenvolvimento do lado pedagógico) da instituição (investimento da universidade).
8) Procurar reverter em benefícios como férias, especialização, extensão.
9) Solicitação de verbas para contratação do funcionário (preceptor).
10) A equipe entende o papel dos estagiários e residentes.
11) Com relação ao PET-Saúde, este oferece benefícios para os profissionais que recebem os alunos,
mas não deveria ser apenas para alunos graduados
e não graduados, como também técnicos de Enfermagem, farmácia, assistente social, ou muitas
vezes ficam mais com os alunos que os graduados.
12) Valorizar profissionais que não possuem titulação
em nível superior.
13) Identificar as reais necessidades dos serviços para
inserir alunos.
14) Criação de falsa demanda (continuidade dos serviços).
15) Necessidade de melhor estruturação curricular
dos cursos de graduação.
16) Aproximar pesquisa em serviço e revertê-las em
prol dos serviços (infraestrutura), como exemplo,
buscar apoio em agências estatais de fomento;
17) Redirecionamento de verbas (processos de trabalho, materiais), como exemplo, sabe-se que a
mesma verba que vem para Odontologia, vem para
o Direito, e o curso de saúde tem maior custo.
18) Deve-se incentivar e praticar a interdisciplinaridade desde a graduação:
•
•
promover atendimento integral;
disciplina interunidades (mudança de cultura).
19) A residência multiprofissional (interdisciplinaridade,
supervisão, planejamento, teoria, publicação) possibilita a integração, o planejamento e a cooperação.
20)Valorização das atividades de assistência exercida pelos
docentes (não há publicação Qualis A de experiências)
38
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
e um estímulo à aproximação dos docentes.
21) Reforçar junto à administração da USP sobre a
importância da assistência na formação da área da
saúde (criar parâmetros específicos de avaliação).
DISCUSSÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS) é reconhecido
como o maior plano de saúde do mundo, e é público.
Apesar desse reconhecimento, é sabido que existem
problemas, seja em termos de formação e distribuição
de equipes de saúde, seja na distribuição e repasse de
fomentos (recursos financeiros), o que muitas vezes é
entrave para o bom funcionamento do sistema. O SUS
deve integrar os hospitais universitários e as redes de
saúde, demandando a coordenação conjunta de metas
e serviços, com a necessária integração dos currículos
dos cursos de graduação, atendendo também à LDB,
que prevê a graduação em saúde com atuação interdisciplinar, visando à saúde holística do cliente.
Entretanto, é notório que o ensino de graduação
não consegue suprir as crescentes demandas dos setores
secundário e terciário, e a necessidade de mão de obra
especializada para essas modalidades de atendimento
em saúde. No fórum, o assunto foi discutido com muita
ênfase e sugere-se que essas demandas podem ser supridas perfeitamente com a formação lato sensu de programas de residência, residência multiprofissional e cursos
de especialização, de aperfeiçoamento e outros.
O papel da academia (universidade) nos serviços de saúde, antes visto como meramente de ensino
e pesquisa, hoje necessariamente deve contemplar atividades de extensão com objetivos e compromissos de
transformação social.
Essa nova filosofia requer a valorização das atividades de cultura e extensão nos âmbitos governamentais e acadêmicos. Infelizmente, nota-se ainda
uma dificuldade na interlocução entre as partes, pois
nem sempre a visão e as necessidades de uma são pactuadas com aquelas da outra. Para uma maior eficácia
do atendimento SUS, seria fundamental que o ensino
fosse integrado às necessidades dos serviços de saúde.
Fundamental para que essas metas sejam atingidas seria a universidade valorizar as atividades de cultura e extensão, estimulando o docente a se dedicar
mais profundamente à formação de recursos humanos
qualificados para atender às demandas por serviços de
saúde pela sociedade, uma vez que atualmente lhe é
cobrado maciçamente sua produção intelectual (papers)
em detrimento de outras atividades-fins que compõem o tripé da universidade.
No campus de Ribeirão Preto, a integração acadêmica das unidades nos serviços de saúde se encontra
ainda em diferentes estágios. Enquanto que Medicina e Enfermagem são tradicionalmente integradas aos
serviços de atendimento e gerenciamento de saúde,
Odontologia, Farmácia e Psicologia ainda encontram
dificuldades patentes nessa integração, necessitando de mais e maiores espaços de formação acadêmica
conjunta, integrando disciplinas e recursos humanos
como facilitadores na formação de equipes de saúde.
No âmbito da unidade FMRP, o curso de Medicina, instalado em 1952, e posteriormente com a
fundação da EERP em 1961, houve uma necessária
inserção do trabalho em equipe entre as duas unidades. Mais recentemente, com a criação dos cursos de
Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Nutrição e Metabolismo, Fonoaudiologia e Informática Biomédica na
FMRP, a multidisciplinaridade na atenção ao cliente
foi consolidada. Entretanto, essa inserção ainda carece de aperfeiçoamento.
Uma importante estratégia de integração dos
conteúdos multidisciplinares veste-se na residência
multiprofissional, que agrega ainda a Farmácia e a Psicologia; porém, a captação de recursos para a concessão
de bolsas ainda é difícil e insuficiente. Mesmo no caso
das bolsas concedidas, há relatos recorrentes de atrasos no pagamento e regularidade das bolsas. Algumas
unidades, como a Odontologia, têm programas de residência profissional funcionando há dois anos e não
conseguiram sequer bolsas para os residentes, mesmo a demanda pelo serviço sendo grande e crescente
(traumatismos orofaciais) e a procura pela residência
ser igualmente importante por parte dos profissionais.
Ressalta-se ainda a importância da inserção dos
residentes nos serviços de saúde, oferecendo notável
qualificação no atendimento secundário e terciário,
bem como a manutenção e atualização dos campos de
estágio, o que proporciona um melhor ensino aos alunos de graduação. Assim, nota-se que o residente atua
inclusive como forte e presente elo de união entre os
preceptores e graduandos, oferecendo continuidade na
assistência e contribuindo para a qualidade dos serviços.
COMENTÁRIOS FINAIS E
CONCLUSÕES DO FÓRUM
Frente a todas as discussões desenvolvidas nesse I
Fórum, alguns pontos foram comuns aos grupos, como:
1) Promover integração entre as diferentes áreas de atuação em serviços de saúde, visando à valorização holística da saúde e dos profissionais que a ela se dedicam.
2) Fica evidente a necessidade de formar um grupo
coordenador intra‑campus para discutir as questões de inserção das unidades nos serviços de saúde
bem como, discutir a residência multiprofissional
no âmbito do campus de Ribeirão Preto, esse grupo teria a função de agir como um facilitador dessa
integração entre a academia nos seus três eixos-mãe
(ensino, pesquisa e extensão) e os serviços de saúde.
3) Os participantes foram unânimes quanto à necessidade de serem realizadas novas edições desse
Fórum, para que se possa discutir, com conhecimento de causa, a relação entre as demandas de
atendimento em saúde pelas diversas secretarias
de saúde em níveis governamentais e o que a academia pode e deve oferecer, preparando-se adequadamente para tal, com reais incentivos para os
preceptores, aprimorandos e equipes envolvidas.
EQUIPES PARTICIPANTES
GRUPO I
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João Paulo de Medeiros
Adriana A.B. Murashima
Letícia Oliveira Neri da Silva
Vânia Aguiar
Milena Amorim
Régia Maria G.R. Sobral
Bruna Cristina Carponas
Paula Tapia Gomes Pereira
Cintia Megumi Yagui
Fernanda C. Zanardo Cecília Prado Sales da Silva
Milena Junqueira Reis
Camila Polisello
Telma Kioko Takeshita
Stephanie Robinson
Ana Paula F. Chediek
I FÓRUM DE INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E DAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DA USP
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GRUPO II
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Maurício Serra Ribeiro
Sara Galleni de Oliveira
Rosa Aparecida Oficiati Macedo
Taiuani Marquine Raymundo
Priscila Galo Farnocchi
Paula dos Santos Pereira
Letícia Caroline Doretto
Maria Eugênia Silvestre e Silva
Mariela H. Bisson
Fernanda Bergamini
Lorena Borges
GRUPO III
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Carina Porfírio Miranda
Marília Braz U. Dias
Lívia Pimenta Bonifácio
Daniela dos Santos
Priscila Villa
Mariana Silva Matos
Denise Mayumi Tanaka
GRUPO IV
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Priscila Maria Manzini Ramos
Renata Martins Campos Gramado
Maria de Lourdes V. Rodrigues
Gustavo Santos Mercedes
Fernando Crivelenti Vilar
Hélio Fugishima
Vanessa Wagner
Giovanni Trentin Ferronato
Danielly Oliveira Silva
GRUPO V
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Alessandra Nagano Cavallari
Felipe Dias Carvalho
Fernando Santa Cecília Artuzo
Cristiane Soncino Silva
Alexandre Laguna Terreri
Juliana Maria de Paula
Vanice Soares Lopes
Maria Rita Lerri
Gleice Cristina Colombari
Thais Sêneda de Mecenas
Jaime Augusto Cerveira
Karina Carolina Macedo Alves
40
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
­­­­­RESGATE HISTÓRICO E CIDADANIA: MANUTENÇÃO DO
PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL DA ESCOLA DE
ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO – USP
HISTORICAL RESCUE AND SOCIAL RESPONSIBILITY: MAINTENANCE OF
TANGIBLE AND INTANGIBLE HERITAGE OF UNIVERSITY OF SÃO PAULO
AT RIBEIRÃO PRETO COLLEGE OF NURSING
*Luciana Barizon Luchesi, **Mara Elisa Ferreira Oliva, ***Toyoko Saeki, ****Margarita Antonia Villar Luis,
*****Isabel Amélia Costa Mendes
RESUMO
Descreve-se, aqui, a história e funcionamento do Centro de Memória da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto no âmbito do projeto Resgate Histórico e Cidadania: Manutenção do Patrimônio Material
e Imaterial da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP, traçando os determinantes históricos que o
colocam como centro de rico potencial para a pesquisa em diversas áreas, não apenas no campo
da História da Enfermagem, mas, também, Moda, Gênero, entre outros. Apresentam-se as
estratégias e parcerias desse projeto, que busca não apenas a conservação preventiva de seu patrimônio, mas também o despertar de vocações para a pesquisa em História da Enfermagem e o
incentivo à produção de pesquisadores através de auxílio na busca de fontes pertinentes.
Palavras-chave: História da Enfermagem. Acervo de biblioteca. Museu.
ABSTRACT
It describes the history and work on the Memory Center Museum of University od São Paulo
College of Nursing at Ribeirão Preto, in the context of the project Historical Rescue and Social Responsibility: Maintenance of Tangible and Intangible Heritage of University of São Paulo at Ribeirão Preto College of Nursing,
tracing the historical determinants that place as a rich potential center for research in several
areas, not only in the field of History of Nursing, but also Fashion, Gender, among others. Presents the strategies and partnerships that this project that seeks not only preventive conservation
of its heritage, but also the awakening of talents to the History of Nursing research and encourage the studies of researchers, through assistance in finding relevant sources.
Key words: History of Nursing. Library materials. Museum.
* Enfermeira, professora doutora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto (EERP-USP), diretora de Assuntos Científico-Culturais da Academia Brasileira de História da Enfermagem (ABRADHENF), líder do Laboratório de Estudos em História da Enfermagem (LAESHE), integrante do Laboratório de Abordagens
Científicas na História da Enfermagem (LACENF). Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Avenida Bandeirantes, 3900 –
14048-900 – Ribeirão Preto - SP – e-mail: [email protected]. ** Pedagoga, especialista em História, responsável pelo Centro
de Memória da EERP‑USP – e-mail: [email protected]. *** Enfermeira, professora doutora do Departamento de Enfermagem
Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP-USP – e-mail: [email protected]. **** Enfermeira, professora titular do Departamento
de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP-USP, membro do LAESHE – e-mail: [email protected]. ***** Enfermeira, professora titular do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP – e-mail: [email protected].
RESGATE HISTÓRICO E CIDADANIA
43
INTRODUÇÃO
BREVE HISTÓRICO DA ESCOLA DE ENFERMAGEM
DE RIBEIRÃO PRETO
As atividades desenvolvidas através do Projeto
Resgate Histórico e Cidadania: Manutenção do Patrimônio Material
e Imaterial da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP não
são pioneiras. Trata-se da continuidade de projetos
iniciados em 2003, com o objetivo de preservar o patrimônio material e imaterial da EERP-USP.
A importância desse arquivo para a História da Enfermagem apenas pode ser compreendida observando-se
a trajetória da instituição e do próprio arquivo histórico.
A EERP-USP foi criada em 26 de dezembro de
1951 pela Lei Estadual nº 1.467 [3]. Contudo, as aulas
tiveram início em 10 de agosto de 1953. Pode-se dizer,
até o momento atual, que a história da EERP não deve
ser contada sem a história de sua primeira diretora, a
professora Glete de Alcântara. Para isso, é necessário
voltar um pouco mais no tempo.
A professora Glete de Alcântara, nascida aos 24 de
junho de 1910, realizou curso de educadora sanitária pelo
Instituto de Higiene de São Paulo em 1930 [1]. Fato que
possibilitou, através de contato com a educadora sanitária
Maria Rosa de Sousa Pinheiro, sua diplomação em Enfermagem pela Universidade de Toronto, Canadá, como
bolsista da Fundação Rockefeller, em um acordo que tinha como um de seus objetivos a implementação e estruturação da Escola de Enfermagem da USP (EE-USP) [9].
As bolsas concedidas nesse convênio tinham
como demanda que, retornando ao Brasil, as bolsistas seriam contratadas como docentes da EE-USP. Em
seu retorno, em 1944, após a diplomação, a professora Glete de Alcântara confirmou as exigências referidas, passando a lecionar Técnica de Enfermagem e
Enfermagem Médica na EE-USP [1,9].
Em 1947, a professora inicia o curso de licenciatura
em Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo, curso interrompido
em 1950 por um ano, quando vai a estudos ao Teachers
College, na Universidade de Columbia, EUA, onde obteve o título de Master of Arts. Ao retornar, finaliza o curso
de licenciatura, graduando-se em 1952 [1].
Ainda na década de 1940, um grande movimento na USP inicia as discussões sobre a necessidade de
uma nova Faculdade de Medicina e que essa deveria ser
implementada no interior paulista, visto a alta procura pelo curso e dificuldades de absorção de estudantes
44
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
com boas notas no vestibular. A Comissão de Ensino
e Regimento da Universidade de São Paulo, comissão
responsável por estudar a viabilidade da proposta, presidida por Prof. Dr. Zeferino Vaz, conclui pela viabilidade da mesma, decidindo a USP, posteriormente, por
sua implementação na cidade de Ribeirão Preto [8].
A mesma comissão relatora destaca a importância da anexação de uma escola de Enfermagem à nova
escola de Medicina, pois isso seria primordial para o
funcionamento do Hospital das Clínicas e para o desenvolvimento da saúde na região, onde a escola de
Enfermagem seria instalada† [11].
Com a criação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em 1948 - e sua efetiva estruturação, em
dezembro de 1951, documento que traz em seu bojo,
no art. 13, a criação da EERP-USP, anexa -, foi convidada a professora Glete de Alcântara para a direção
daquela escola de Enfermagem, que terá destaque em
nível nacional e internacional [3]. Desde 1947, foi
galgando espaço dentro da Associação Brasileira de
Enfermagem, chegando à diretora dessa importante
associação nacional por duas ocasiões [1, 15].
Outra de suas colaborações foi o pioneirismo
na pós-graduação, ao defender, em 1963, a primeira
tese de cátedra de um enfermeiro latino-americano,
A enfermagem moderna como categoria profissional: obstáculos à sua
expansão na sociedade brasileira, fato que registrou seu nome
nas páginas da História da Enfermagem Brasileira [2].
Muito dessa história pode ser analisada através
de um rico acervo histórico, mas a falta de funcionários especializados deixou o arquivo, de 1991-1999,
pouco utilizado e com organização em papel, o que
dificultava o acesso rápido às informações.
UM ARQUIVO PIONEIRO?
A criação do Centro de Memória da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP (Cemeerp) deu-se em
1988, durante a comemoração dos 35 anos da instituição
[13]. Em maio do ano seguinte, a Portaria D/EERP-18/89
estabelece uma comissão responsável por esse centro,
composta por Nadyr Viana Lomônaco (coordenadora),
Profa. Dra.. Daisy Leslie Steagall Gomes, prof. Francisco
de Assis Correia e a sra. Maria José Cesarino Fram.
† UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Processo nº 3.320, referente ao relatório apresentado pela Comissão de Ensino e Regimento da Universidade de São Paulo ao Conselho Universitário da Universidade de São Paulo,
sobre a instalação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, 1951.
A referida comissão realizou uma série de treinamentos junto ao Instituto de Estudos Brasileiros
da USP, o Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro, em SP, e o Centro de Memória
da Unicamp, cujo docente, prof. Fernando Antônio
Abrahão, que também visitou o acervo, ajudou na elaboração dos objetivos do mesmo [21].
O grupo, inicialmente, empenhou-se em reunir objetos e construir fontes orais, acerca dos primórdios da EERP-USP, conservando adequadamente
os registros do processo de sua criação e estruturação.
Para o arquivo de fontes orais, o grupo contou com
assessoria do prof. Carlos Humberto P. Corrêa, da
Universidade Federal de Santa Catarina. Ao término
dos trabalhos, houve a inauguração do espaço em 5 de
março de 1990 [13]. Entretanto, dois meses depois, a
Portaria D/EERP-27/90 extinguiu a Portaria que estabelecia a comissão para atuação na Memória Histórica.
Em 1991, a então diretora, a Profa. Dra. Vera
Heloísa Pileggi Vinha, emitiu a Portaria D/EERP 49/90, em 14 de agosto, estabelecendo novamente a
Comissão de Memória Histórica, cujo objetivo principal era dar continuidade à organização do Cemeerp.
A comissão contava com o professor Francisco de Assis
Correia (presidente), a Profa. Dra. Daisy Leslie Steagall Gomes, os professores Zaíra Benedini, Nadyr
Viana Lomônaco, Francisco José Barroso Vessi, Maria
José Cesarino Fram, a aluna de pós-graduação Eliana
Faria de Angelice Biffi e as alunas de graduação Marisa
Júlio Ragoso e Andréia Pádua Pereira.
O processo de criação do Centro de Memória não
difere do ocorrido em outras importantes instituições.
Aparentemente, o jubileu de uma instituição instiga nos
profissionais busca pela identidade institucional e pelos
avanços, que não podem ser entendidos sem a compreensão histórica de cada momento, fato que demanda debruçar-se sobre as fontes documentais e criar novas fontes:
orais, iconográficas, audiovisuais, entre outros.
Para surpresa de muitas instituições, esse é o
momento do balanço da história perdida, pois anos
ou décadas sem uma prática de conservação ou catalogação adequada levaram muito da história documental
para o lixo por desconhecimento, ou por excesso de
infestações, causados por mau acondicionamento.
Para Sauthier [19], a prática de “desobstrução”
de espaços liquidou com muito da memória profissional da Enfermagem e ainda se carece de diagnóstico
geral dos arquivos de Enfermagem no país. No ano de
2000, a autora já chamava a atenção para a necessidade de políticas nacionais de preservação para os acervos históricos da Enfermagem.
Dessa forma, ao realizar busca por literatura a
respeito da criação de acervos para a História da Enfermagem, vê-se que alguns deles, dos mais importantes do
país, têm data de criação após o ano de 1990. Poder-se-ia,
então, pensar no título de arquivo pioneiro da Enfermagem no Brasil para o Cemeerp? Depende do referencial
que se toma para essa medida. Se for a data de criação
oficial, para arquivos dentro de instituições de Enfermagem, parece que a resposta seria sim. Caso contar-se os
esforços para manutenção de fontes e preocupação com
a história da instituição, talvez a resposta seja negativa.
O Centro Histórico-Cultural da Enfermagem Ibero-Americana foi fundado em 20 de outubro
1992, nas comemorações do jubileu de ouro da Escola
de Enfermagem da USP, localizado na capital paulista.
A ampliação do nome deveu-se a convênios internacionais, em vigência na época, que facilitariam o intercâmbio de pesquisadores [17].
Apesar de o Centro de Documentação da Escola
de Enfermagem Anna Nery ter sido inaugurado em
8 de dezembro de 1993, comemorando a criação do
Centro, a primeira tese da instituição, na linha de pesquisa
histórica, e a criação do Núcleo de Pesquisa de História
da Enfermagem Brasileira (Nuphebras), a organização
do acervo para fins de pesquisa estava em andamento desde a década de 1960 [19]. O referido núcleo de
pesquisa imprimiu ritmo acelerado na pesquisa em
História da Enfermagem na sua primeira década de
existência, promovendo pesquisas importantes em nível de pós-graduação stricto sensu e eventos internacionais importantes, como o Colóquio Latino-americano
de História da Enfermagem, nos anos 2000 e 2005.
Para Barreira e Baptista [6], a Casa de Oswaldo
Cruz, criada em 1986 no Rio de Janeiro, apesar de não
estar alocada em uma escola de Enfermagem, também se
trata de rico acervo para a História da Enfermagem Brasileira. Possui documentos sobre os primórdios da Escola
de Enfermagem Anna Nery, sobre a Fundação Rockefeller e o antigo Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp).
O Centro de Memória Dra. Nalva Pereira Caldas, da Faculdade de Enfermagem da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ foi criado em 18 de
junho de 1998, nas comemorações do jubileu de ouro
da faculdade. Entretanto, um dos subprojetos que deram origem à sua organização é de 1995 [7].
RESGATE HISTÓRICO E CIDADANIA
45
Em 2005, a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
(EEAP - Unirio) inicia a implantação do Arquivo Setorial Enfermeira Maria de Castro Pamphiro que, apesar de
sua organização recente, possui fontes que datam de 1890
a 2005, constituindo um dos acervos mais importantes
do país para a pesquisa em História da Enfermagem. O
Laboratório de Pesquisa em História da Enfermagem
(LAPHE), da EEAP, criado em 2000, já possui ampla
visibilidade no cenário da pesquisa nacional [20].
Em pleno funcionamento também está o Centro de Memória da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, desde sua criação, em
22 de fevereiro de 2006. Entretanto, os responsáveis
afirmam que sua organização teve início em 1994 [10].
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), brasileiro, tem nomenclaturas
para dois tipos de patrimônio: imaterial e material. O
patrimônio imaterial refere-se a “práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas, instrumentos,
objetos, artefatos e lugares, são reconhecidos por comunidades como parte integrante de seu patrimônio cultural”. Sua transmissão é feita de uma geração
para outra e adaptado para cada ambiente e contexto
histórico [4]. Nesse sentido, pode-se referir como
exemplos de patrimônio imaterial as cerimônias de
formatura na Enfermagem, o rito de passagem da lâmpada, o uniforme e touca da enfermeira, e uma série
de outros ritos, próprios da Enfermagem brasileira.
Para o IPHAN, o patrimônio material é classificado
segundo a natureza dos bens culturais. Podem ser divididos em bens imóveis e móveis, onde se incluem “acervos
museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos” [4].
Rico conjunto de fontes que representam o patrimônio material e imaterial da EERP‑USP foi organizado e catalogado em papel e fazem parte do acervo:
Portarias; Decretos que tratam da documentação administrativa da Escola de Enfermagem; arquivo iconográfico estimado em mais de 15 mil itens; negativos
de fotos de várias épocas da EERP-USP; arquivos de
alunos; arquivos de eventos; fontes orais em suporte de fita cassete, com registro oral de funcionários,
alunos e professores; arquivos de fitas de vídeo VHS,
com informações sobre eventos científicos e culturais;
arquivos de CDs e discos de vinil; arquivos de condecorações, como troféus, placas, medalhas de menções honrosas e souvenirs. Possui, também, mobiliários,
vestimentas, quadros e diversas peças de instrumental
46
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
cirúrgicos, entre muitos outros. Entretanto, apesar
dos muitos esforços da instituição, o Cemeerp manteve-se pouco ativo até 1999.
Em 1999, o Grupo de Estudo e Pesquisas em
Comunicação no Processo em Enfermagem (GEPECOPEn), liderado pela Profa. Dra. Isabel Amélia
Costa Mendes, organizou o fórum Memória e história
institucional, que buscou sensibilizar todos os setores da EERP-USP para a preservação e organização
documental da instituição. No mesmo ano, houve a
aprovação de uma Bolsa Trabalho por um ano, o que
colaborou para a abertura do arquivo ao público, mas
que não foi renovada [14].
Em 2002, um trabalho voluntário, da então
enfermeira Luciana Barizon Luchesi (pesquisadora na
área de História da Enfermagem) e de uma aluna de
graduação, Lia Mara da Silva, com assessoria de docentes e amplo apoio da direção da EERP-USP, iniciou
processo de apoio permanente do acervo, com o objetivo de preservá-lo, auxiliar na busca de fontes para
os projetos da comunidade científica e ampliação do
acesso público, despertando vocações para a pesquisa em História da Enfermagem e contribuindo para a
formação acadêmica, ensino, pesquisa e extensão [14].
ESTRATÉGIAS PARA OBTENÇÃO DE
FOMENTO: HISTÓRICO DOS PROJETOS
DE EXTENSÃO DO GRUPO
Algumas estratégias foram realizadas no sentido
de promover a manutenção dos trabalhos, visto que a
organização e o acondicionamento adequado dos documentos era condição sine qua non para disponibilizar
ao público geral. Através de parcerias com a direção
da EERP-USP, projetos foram encaminhados à Petrobras e ao BNDES, mas sem sucesso.
A necessidade de organização do arquivo dificultava o início das pesquisas, impossibilitando a solicitação de verbas através de projetos de grande porte junto a
órgãos de fomento. Nesse sentido, o Fundo de Cultura
e Extensão Universitária da USP foi muito importante
para que os trabalhos de conservação preventiva e organização do arquivo recebessem o impulso adequado e o
arquivo fosse colocado em condições de pesquisa.
Dessa forma, são mostrados, a seguir, os projetos desenvolvidos através de diferentes facetas do arquivo, nesse percurso.
O Projeto Revitalização do Centro de Memória da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP, financiado pelo Fundo de
Cultura e Extensão Universitária da USP, de julho de
2003 a julho de 2004, teve como responsáveis as profas.
doutoras Isabel Amélia Costa Mendes, Margarita Antonia Villar Luis e Toyoko Saeki, e colaboração de Luciana
Barizon Luchesi. A renovação do projeto foi aprovada
para o período de abril de 2006 a abril 2007. As mesmas
docentes receberam a aprovação do projeto Cultura e Memória: ampliando a visibilidade e impacto cultural do Centro de Memória
da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP para trabalhos de
maio a 2008 a maio de 2009, passando, também, a contar com a colaboração de Mara Elisa Oliva Ferreira, funcionária específica para o acervo, designada em 2006,
que agilizou muito o processo de organização do acervo.
Em fins de 2008, com a contratação de Luciana
Barizon Luchesi como docente da EERP - USP, a coordenação dos projetos voltados à busca de fomento para o
arquivo passou para a profas. doutoras. Luciana Barizon
Luchesi e Toyoko Saeki. Ambas foram igualmente responsáveis pelo projeto Resgate Histórico e Cidadania: Manutenção do Patrimônio Material e Imaterial da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
- USP, com vigência de março de 2010 a março de 2011. De
forma geral, esses projetos autorizavam a compra de material para conservação preventiva e pagamento de bolsistas.
Bolsistas, voluntários e docentes buscaram o desenvolvimento de estratégias para que fossem desenvolvidas várias facetas no Cemeerp. Dentre elas, destacam-se:
•
•
•
•
Conservação preventiva: treinamentos em grandes institutos para a realização de higienização, organização e acondicionamento adequados.
Extensão: abertura do acervo ao público e promoção
de eventos voltados para o assunto História da Enfermagem e Museus.
Pesquisa e ensino: incentivo à pesquisa na disciplina História da Enfermagem, que muito avançou. Hoje, a
EERP-USP possui um grupo de pesquisa específico,
o Laboratório de Estudos em História da Enfermagem (LAESHE), que tem sido o principal veículo de
produção de pesquisa, usando fontes do acervo.
Financiamento: busca por recursos que subsidiem a
compra de material específico para conservação
preventiva e manutenção de bolsistas.
Dessa forma, o amplo arquivo do Cemeerp,
estimado em mais de 25 mil itens – sendo, em sua
maioria, suporte iconográfico – possibilita a revisão da
história sob nova perspectiva, olhando para história de
vencedores e vencidos.
Além disso, as concepções da História Nova clamam pelo resgate das vozes que foram caladas ou deixaram de ser ouvidas no processo histórico documental,
que, em grande parte, relata a história dos vencedores.
A IMPORTÂNCIA DE SE PRESERVAR A
MEMÓRIA COLETIVA DA ENFERMAGEM
O movimento francês da História Nova, na Escola
dos Annales, ocorreu no final da década de 1920, com
grande influência no Brasil na década de 1970 [19]. O
novo modelo buscava dar voz a grupos excluídos da história oficial ou rever a história sob novas perspectivas.
O que se observa na literatura e nos documentos é que ao longo da trajetória da EERP‑USP, assim
como de muitas outras instituições, os grandes feitos
e conquistas são atribuídos, algumas vezes, aos grandes nomes e vultos. Hoje, após pesquisas de História Oral, realizadas pelo Laboratório de Estudos em
História da Enfermagem (LAESHE), observou-se que
alguns avanços da EERP-USP foram construídos também por anônimos, sem desconsiderar a importância
dos grandes vultos, mas começam a emergir pessoas à
margem da história oficial, que possuem voz importante na trajetória histórica da EERP-USP.
A valorização da história de uma profissão não deixa de ser importante instrumento de poder, pois alicerça
a identidade social e imprime prestígio ao grupo [5].
Nesse sentido, a preservação e o estudo da memória coletiva da Enfermagem vêm ao encontro dos
objetivos propostos para o período de 2006-2015
(Década de Recursos Humanos em Saúde), apresentados em 2005, durante a Reunião Regional dos
Observatórios de Recursos Humanos em Saúde, que
aconteceu em Toronto, no Canadá. Dentre as resoluções, destaca-se a necessidade de fortalecimento dos
profissionais de saúde nas Américas [16, 18].
O desenvolvimento das pesquisas que evocam a
memória coletiva, portanto, colaboram não apenas para
o fortalecimento dos profissionais de Enfermagem, mas
podem, também, constituir importante instrumento de
melhora da autoestima profissional e aumento das taxas
de recrutamento nas faculdades de Enfermagem.
RESGATE HISTÓRICO E CIDADANIA
47
OBJETIVOS
O projeto Resgate Histórico e Cidadania: Manutenção do
Patrimônio Material e Imaterial da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP, aprovado em 2010 pela Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária da USP, apresenta os
seguintes objetivos:
•
•
•
•
•
Promover a informatização do Centro de Memória da EERP-USP.
Promover a conservação preventiva do material
do acervo.
Disponibilizar um laboratório prático para os
cursos do campus da USP que trabalham na área de
arquivos e bibliotecas.
Promoção de eventos voltados para a História
da Enfermagem, procurando despertar vocações
para pesquisa na área.
Propiciar suporte técnico para pesquisadores realizem estudos científicos no acervo.
conservação do arquivo, identificando-se, assim, aqueles que apresentam maior risco de deterioração e perda
da informação.
Houve aquisição de materiais de proteção, tais
como luvas, máscaras, óculos de proteção e aventais para
os trabalhos de higienização documental. Os documentos
são corretamente armazenados em papel com pH neutro
e folha de poliéster. Além disso, o processo de digitalização do acervo fotográfico, com uso de scanner, promove a redução drástica da manipulação dos originais pelos
usuários, garantindo a longevidade dos documentos. Para
o material audiovisual é realizado trabalho de rebobinamento e passagem para DVD, uma vez que é importante
atualizar o suporte da fonte para sua longevidade, assim
como a gravação digital de fitas cassete através de aparelhos
de gravação digital. As entrevistas que retratam períodos
importantes da história da instituição passaram por processo de transcrição e as famílias ou o(s) entrevistado(s)
estão sendo localizados, a fim de solicitar permissão de
uso e transferência de direitos autorais [14].
•
MATERIAIS E MÉTODOS
•
Disponibilizar um laboratório prático para os
cursos do campus da USP que trabalham na área
de arquivos e bibliotecas
Informatização do Cemeerp
Desde 2009, o software Personal Home Library (PHL),
que trata da aplicação web voltada para a gestão de coleções e bibliotecas [12], vem sendo utilizado em parceria
com o Núcleo de Apoio Bibliográfico da EERP-USP. O
objetivo inicial do Cemeerp foi divulgar a coleção bibliográfica pertencente à prof. Glete de Alcântara. Até
o início do presente projeto, foram cadastrados 405
livros, alguns raros e que podem ser pesquisados através do site‡ Além disso, um banco de dados em formato MySQL, para catalogação de fotografias, mostra‑se
eficiente, promovendo o acesso rápido à informação e
evitando a manipulação desnecessária das fotografias.
Até o momento, 13.439 fotografias foram digitalizadas.
O curso de Ciências da Informação e Documentação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, desde 2006, tem utilizado o espaço do
Cemeerp como campo de estágio curricular e extracurricular, fato que muito colabora para o avanço do conhecimento em gestão arquivística no acervo, contando, em
alguns momentos, com assessoria de docentes desse curso.
Além disso, o Cemeerp continua a ser espaço
de capacitação de profissionais para a realização de
conservação preventiva e gestão de arquivo histórico. Durante o tempo de vigência desse projeto, foram
realizados cursos nos meses de abril de 2010, abril,
agosto e setembro de 2011 e durante a semana de aniversário da EERP-USP, totalizando 64 participantes.
•
•
Conservação preventiva do material do acervo
Constantemente, é realizado diagnóstico de identificação do acervo, para higienização e manutenção da
‡ http://www2.eerp.usp.br:8080/cgi-bin/wxis.exe?IsisScript=phl.
xis&cipar=phl8.cip&lang=por.
48
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
Promoção de eventos voltados para a História
da Enfermagem, procurando despertar vocações
para pesquisa na área
O principal evento científico, atualmente organizado pelo Cemeerp em parceria com outros colegiados, é
a Semana Professora Glete de Alcântara, que surgiu em 2004 para
homenagear a passagem dos trinta anos de falecimento
da professora Glete de Alcântara§, discutindo a pesquisa
em História da Enfermagem. A semana foi idealizada pelos voluntários do Centro de Memória daquele ano, com
o apoio da direção da EERP-USP e da Comissão de Cultura e Extensão Universitária desde sua primeira edição.
Em 2008, o Departamento de Enfermagem Psiquiátrica
e Ciências Humanas da EERP-USP uniu-se ao projeto.
Desde então, foram sete edições da Semana Professora Glete
de Alcântara e quatro Mostras Científicas de História da Enfermagem,
atingindo impacto nacional em 2009.
O evento de 2009 foi o ponto crucial para a criação
do Laboratório de Estudos em História da Enfermagem
(LAESHE), fruto de parceria, desde 2006, entre pesquisadores do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e
Ciências Humanas da EERP-USP e Laboratório de Pesquisa em História da Enfermagem (LAPHE), da Escola
de Enfermagem Alfredo Pinto, Unirio. Hoje, o LAESHE
congrega docentes de ambas as instituições, além de docentes da Escola de Enfermagem de São Paulo e Universidade de Alberta, Canadá, com o total de 9 pesquisadores e
quinze pesquisadores em formação. O LAESHE responde, hoje, por mais de 90% da pesquisa científica realizada
em fontes do Cemeerp e, desde 2011, participa da comissão executiva da Semana Professora Glete de Alcântara.
O projeto atual, junto à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, promove várias assessorias técnicas
para pesquisadores, desde ajuda na busca de fontes em
banco de dados, até orientação e disponibilização de
equipamento de proteção para manuseio, se necessário. A disponibilidade da informação digital é feita
mediante aprovação em Comitê de Ética pertinente.
No período de vigência do atual projeto, além
das ações de catalogação e conservação, houve 357 visitas ao acervo, sendo 55 alunos de ensino médio, 286
de público em geral, dos Estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas Gerais, e 16 visitantes estrangeiros
provenientes dos seguintes países: México, Canadá,
Nicarágua, Costa Rica, Guatemala e outros. Foram
promovidos eventos culturais, de extensão e científicos que mobilizaram mais de 104 pessoas.
A atualização do site do Cemeerp, realizada em
2011, também colabora para a divulgação das atividades do acervo¶.
Estudo realizado em parceria com o LAESHE
localizou 98% das egressas das turmas de 1957-1961,
trabalho de dois anos que envolveu muita investigação. Hoje, todos os eventos promovidos pelo Cemeerp ou LAESHE são encaminhados para essas egressas.
Nesse momento, as turmas da década de 1960 estão
sob investigação. Boa parte da produção do LAESHE
pode ser acessada gratuitamente por meio do site**.
CONCLUSÕES
O Cemeerp constitui espaço privilegiado não apenas pelo seu acervo, mas pela potencialidade de agregar
formação cultural e científica, lazer, valorização profissional, além de capacitação para estudantes das áreas de Biblioteconomia, História, Moda, Ciências da Informação
e Documentação, entre outros. Trata-se, também, de importante recorte da história da Universidade de São Paulo.
A valorização da memória coletiva é primordial
no campo da Enfermagem. Espaços como o Centro de
Memória possibilitam olhar crítico acerca dos movimentos históricos da construção profissional, ajudando no entendimento do presente, de modo reflexivo,
e na elaboração de alternativas possíveis e desejáveis
para o avanço da Enfermagem com responsabilidade
social e humanismo, valorizando a integralidade do
ser humano que é cuidado e que de si mesmo cuida.
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PARALISIA CEREBRAL: FUNDAMENTOS
PARA PAIS E CUIDADORES
CEREBRAL PALSY: BASICS FOR PARENTS AND CAREGIVERS
*Carlos Bandeira de Mello Monteiro, **Talita Dias da Silva
RESUMO
Um aspecto que não pode ser ignorado é o impacto da paralisia cerebral na dinâmica interna da
família, devido ao fato de que seus membros são confrontados com uma realidade diferente que
exige adaptações e modificações diárias. A forma como os pais, cuidadores e membros da família
se ajustam é crucial para o futuro da criança e das pessoas envolvidas. Devido às dificuldades dos
pais e cuidadores de crianças com paralisia cerebral em adquirir conhecimentos sobre as definições, classificações e diferenças causadas pela deficiência, este trabalho tem como objetivo apresentar esclarecimentos teóricos e práticos sobre paralisia cerebral. Para tanto, organizou-se um
texto explicativo dos principais motivos que causam as alterações na postura e movimento das
crianças com deficiência, pois é sabido que o conhecimento dos pais pode interferir no cuidado
e na educação, considerando que os pais desempenham um papel essencial como educadores de
seus filhos, especialmente durante os primeiros anos de formação, e que isso proporcionará a
todos oportunidades de participação, aprendizado e crescimento.
Palavras-chave: Paralisia cerebral. Atividade motora. Relações familiares.
ABSTRACT
One aspect that cannot be ignored is the impact of cerebral palsy in the internal dynamics of the
family, due to the fact that its members are confronted with a different reality which requires
adaptations and changes daily. The way parents, caregivers and family members adjust is crucial
for the future of the child and of the people involved. Due to the difficulties of parents and
caregivers of children with cerebral palsy in acquiring knowledge about the definitions, classifications and differences caused by disability, this work aims to present theoretical and practical
explanations about cerebral palsy. Therefore, an explanatory text was organized with the main
reasons that cause changes in posture and movement of children with disabilities, because it is
known that the knowledge of parents can interfere in the care and education, whereas parents
play an essential role as educators of their children, especially during the early formative years,
and that this will provide all opportunities for participation, learning and growth.
Key words: Cerebral palsy. Motor activity. Family relations.
* Professor doutor do curso de Ciências da Atividade Física na área de Atividade Física e Esporte Adaptado e Comportamento
Motor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) – Av. Arlindo Béttio, 1000
– Ermelino Matarazzo – São Paulo - SP – 03828-000 – e-mail: [email protected]. ** Fisioterapeuta, participante da organização e implementação de Atividade Física e Esporte Adaptado na EACH-USP, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Capacidades e Habilidades Motoras (GEPCHAM).
PARALISIA CEREBRAL: FUNDAMENTOS PARA PAIS E CUIDADORES
53
INTRODUÇÃO
MÉTODO
Existem diferentes definições para paralisia cerebral [14, 7, 3], mas atualmente é importante citar o
trabalho de Bax [4] e a revisão deste por Rosenbaum
[17], que apresentaram a seguinte definição: “Paralisia cerebral é um grupo de desordem permanente do
desenvolvimento da postura e movimento, causando
limitação em atividades, que são atribuídas a um distúrbio não progressivo que ocorre no desenvolvimento
encefálico fetal ou na infância. A desordem motora na
paralisia cerebral é frequentemente acompanhada por
distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamental, por epilepsia e por problemas musculoesqueléticos secundários” [2, 10, 15, 18].
Percebe-se pela definição que a paralisia cerebral
é uma entidade clínica complexa, com níveis de alta incidência, vários níveis de gravidade e complicações diversas, muitas vezes necessitando de cuidados especiais.
Porém, os pais e cuidadores de indivíduos com paralisia cerebral relatam muita dificuldade em conceituar
a doença e compreender suas causas e repercussões.
Esta dificuldade em compreender as características e
dificuldades da criança causa um impacto negativo na
família e nos cuidadores, aumenta os questionamentos, gera angústia e ansiedade [16]. O conhecimento limitado e uma visão pessimista quanto à potencialidade
da criança repercute na dinâmica familiar e diminui os
investimentos no tratamento e na educação [16].
Desta forma, é fundamental o desenvolvimento
de projetos que possibilitem informar pais e cuidadores de crianças sobre as principais características da
paralisia cerebral, viabilizando uma fundamentação
teórica e prática que possibilite a interpretação da paralisia cerebral pela família.
Para tanto, optou-se em desenvolver um texto explicativo para pais e cuidadores de crianças com
paralisia cerebral que apresente a definição, classificação, diferença na realização de movimento e características motoras. O texto completo organizado para
pais e cuidadores será apresentado nos resultados.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é diminuir a insegurança e a falta de conhecimento por parte dos pais e
cuidadores de crianças com paralisia cerebral, oferecendo uma fundamentação teórica prática de forma
coerente e simplificada.
54
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
RESULTADOS
É difícil falar em paralisia cerebral sem explicar
como funciona o desenvolvimento motor normal do
ser humano. Após o nascimento, a criança se movimenta, principalmente, devido a atos involuntários
chamados de reflexo, que pode ser definido como: “Ato
ou fenômeno, motor ou secretor, desencadeado pelo
sistema nervoso fora da intervenção da vontade, em
resposta a uma estimulação das terminações nervosas sensitivas” [9]. Conforme a criança adquire novas
vivências, como o conhecimento do próprio corpo e
a integração deste com o meio ambiente, seu sistema
nervoso como um todo, inclusive o cérebro, é estimulado e evolui. Desta forma, a criança começa a controlar seus movimentos e, ao invés de realizar, na maioria,
atos involuntários, inicia atos voluntários e atos motores automáticos, ou seja, respostas motoras mais refinadas e que necessitam de vivências anteriores.
A função do cérebro, a respeito da nossa conduta motora, é fundamentalmente a de receber, interpretar os estímulos sensoriais e nos oferecer a
habilidade de nos movimentar e realizar atividades específicas, mantendo sempre uma postura e equilíbrio
que nos possibilite executar tarefas especializadas [12].
Cada movimento que fazemos é o resultado de
um acúmulo de informações sensoriais e motoras que
o cérebro adquiriu durante sua fase de maturação e
das modificações que ocorrem devido a aprendizagens
diárias. Todas essas informações recebidas são interpretadas e armazenadas, estando prontas para serem
usadas quando necessário.
Nós andamos, corremos e executamos diferentes tipos de movimentos; no entanto, quando nos
deparamos com uma movimentação diferente, percebemos a dificuldade que temos de nos adaptarmos.
Por exemplo: quem já tentou iniciar um curso de
dança de salão ou uma ginástica aeróbica? São todos
movimentos e ritmos diferentes dos que empregamos
em nosso dia a dia. Nosso cérebro não está acostumado; por isso, precisamos de várias repetições e tempo
para poder nos adaptar a essas novas atividades.
Precisamos nos concentrar passo a passo para depois juntarmos os movimentos e executá-los perfeitamente. O mais interessante é que, apesar do movimento
ser igual, cada um irá realizá-lo de uma forma diferenciada. Esta individualidade ocorre devido a diferentes vivências que cada um de nós tem durante a vida e a forma
como nosso cérebro interpreta determinado estímulo.
O mais importante é que podemos aprender novos movimentos e modificá-los durante qualquer fase da vida.
Vamos analisar o que ocorre nas crianças com
paralisia cerebral. Existem casos de bebês que, ao nascerem, não conseguem nem mesmo se alimentar, e,
nesses casos, é mais fácil o diagnóstico. No entanto,
vários recém-nascidos com paralisia cerebral apresentam os mesmos reflexos que qualquer criança; por isso,
conseguem mamar e movimentar-se involuntariamente. Assim, passam por todas as avaliações médicas sem
revelar problemas que irão se apresentar mais tarde,
quando o bebê começa a reagir aos estímulos impostos
pelo meio ambiente, vivenciar seu corpo no espaço e se
movimentar automaticamente [11, 8]. Esses controles
automáticos são todos realizados pelo cérebro, que por
algum motivo foi lesado na paralisia cerebral e não responde normalmente aos estímulos oferecidos.
Esta dificuldade de movimento que a criança
começa a apresentar influenciará na perda de oportunidades de vivenciar posições diferentes e variedades
de movimentos, o que irá representar um atraso na sua
maturação cerebral e com certeza uma maior dificuldade
em seu desenvolvimento sensorial e motor futuramente.
No desenvolvimento da criança com paralisia
cerebral, é necessária uma quantidade e variedade de
estímulos adequados para ajudar a criança a desenvolver todas as suas potencialidades, não só estímulos
físicos, mas também cognitivos. Acredita-se, cada vez
mais, que tanto o corpo como a mente devem ser trabalhados em harmonia, para que possamos oferecer à
criança possibilidades de atingir todo o seu potencial.
Diante disso, percebe-se a necessidade de uma equipe
multidisciplinar onde fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos especializados,
psicólogos e vários outros profissionais envolvidos
oferecerão à criança possibilidades de conhecimentos
e movimentos que ela não conseguiria realizar sozinha.
COMO OCORRE O MOVIMENTO
Quando falamos em estimular uma criança com
paralisia cerebral, estamos objetivando melhorar sua
postura e movimento. Mas como o cérebro controla
os movimentos?
O movimento ocorre por dois fatores importantes: a existência dos ossos, que são responsáveis
pela sustentação do corpo; e os músculos, que se responsabilizam pelo movimento desses ossos e, consequentemente, pelos nossos movimentos. O que mais
nos interessa quando falamos em movimento é analisar como o cérebro controla essa ação muscular.
O cérebro não entende nada de músculos, mas sim, de movimento. Quando aprendemos um determinado movimento, seja quando bebê ou adulto, o cérebro
armazena o ato motor propriamente dito, independente de qual músculo deve ser contraído. Mesmo voluntariamente, nós não conseguimos contrair apenas
um músculo; todas as ordens do cérebro serão feitas
pensando no movimento. Ao tentar mover apenas um
dedo, com certeza você estará contraindo músculos do
braço, ombro e várias partes do corpo que você nem
imagina participar do movimento pretendido, tudo
isso para poder executar a ação, teoricamente simples,
de mover um dedo.
Desta forma, não há nenhum músculo no corpo que possamos colocar em ação separada e independente do efeito colateral de outros. Não podemos
fazer isso nem voluntária nem involuntariamente.
Quando você está fazendo uma atividade física
– por exemplo, um exercício abdominal – os músculos
das pernas, braços e outros também estão contraídos
para estabilizar o movimento; ao mesmo tempo, os
músculos das costas estão relaxados para não se oporem
ao movimento e permitirem a execução do abdominal.
Nem você e nem mesmo o cérebro sozinho conseguem
controlar individualmente os músculos; no entanto,
conseguem realizar perfeitamente o movimento.
Imagine quantas adaptações são necessárias
para um simples movimento de andar! Todos os
músculos participam simultaneamente e em perfeita
harmonia, contraindo em algumas vezes e relaxando
a seguir, pois qualquer falha significa uma desestruturação do movimento. Podemos concluir, após estas
observações, que os músculos individuais perdem sua
identidade, sendo que aumenta a importância de um
trabalho muscular em conjunto.
PARALISIA CEREBRAL: FUNDAMENTOS PARA PAIS E CUIDADORES
55
Para o ser humano se movimentar, de tantas
formas variadas e complexas, existe um mecanismo
automático chamado de mecanismo postural normal.
Este mecanismo, que nos oferece pré-requisitos para uma atividade funcional normal, é influenciado e depende da harmonia de dois fatores: o tônus
postural normal e a inervação recíproca.
O tônus postural normal é um estado de semicontração da musculatura. Mesmo quando o músculo está
em repouso, certa quantidade de tensão permanece,
É um estado de alerta do músculo. Este grau residual
de contração do músculo esquelético denomina-se tônus muscular. Tônus [9] é o estado de tensão permanente e involuntário dos tecidos vivos, especialmente,
do tecido muscular esquelético sob a dependência do
Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Nervoso
Periférico (SNP).
O tônus está diretamente relacionado com o
movimento, pois o aumento e a diminuição do tônus
de um determinado músculo irão influenciar diretamente na movimentação. O tônus muscular normal é
difícil de ser medido, pois varia de pessoa para pessoa
e até mesmo de momento para momento. Assim, em
uma pessoa nós podemos, durante o dia, observar um
tônus muscular mais elevado, dependendo do seu estado de alerta, preocupação e o próprio stress, que é tão
estudado hoje em dia.
Podemos, ainda, observar um tônus muscular
mais baixo, por esta pessoa estar mais relaxada e despreocupada. Todos esses são fatores que podem influenciar no nosso tônus muscular. O importante não
é ter um tônus mais alto ou mais baixo, e sim um tônus
normal, que nos propicie condições de controlar nossos movimentos coordenadamente. Podemos classificar
um tônus normal como aquele que é alto o suficiente
para vencer a ação da gravidade e baixo o suficiente para
não se opor ao movimento pretendido. Ou seja, se alguém tiver um tônus muito baixo, não terá força suficiente para vencer a gravidade e, como consequência,
não conseguirá mover-se por falta de tonicidade muscular. Por outro lado, se tiver o tônus muito alto, as
articulações desses músculos alterados ficarão tão fixas
que não conseguirão executar o movimento.
É importante ressaltar que o cérebro é que controla em que momento este ou aquele grupo muscular
deve estar com o tônus mais alto ou mais baixo para
uma harmonia nos movimentos.
No caso da paralisia cerebral, um dos maiores
56
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
problemas é justamente o tônus muscular. Isto quer
dizer que, por algum motivo, o cérebro não consegue
controlar a contração dos músculos envolvidos em um
determinado movimento ou mesmo em uma determinada postura.
Sem um controle organizado do cérebro, este
tônus pode variar de alto para baixo. Alguns têm o tônus tão baixo (hipotônicos) que não conseguem vencer a gravidade em nenhum movimento, nem mesmo
para levantar a cabeça [6,8]. Outros têm o tônus tão
alto (hipertônicos ou espásticos) que não conseguem
realizar nenhum movimento, pois um músculo não
relaxa para permitir a contração de outro e/ou músculos que exercem funções contrárias em um determinado movimento se contraem ao mesmo tempo, não
ocorrendo movimento algum [5, 9, 12].
A inervação recíproca é outro mecanismo importante para uma atividade funcional normal. Apesar
do nome complicado, isso nada mais é do que uma
perfeita integração entre todos os músculos do corpo
quando executamos um movimento. O cérebro tem o
perfeito controle de qual músculo deve ser relaxado, e
qual deve ser contraído para que o movimento ocorra
com perfeição.
É justamente o exemplo do exercício abdominal. Assim que realizamos um exercício, o cérebro
tem que controlar qual grupo muscular contrai, qual
relaxa e quais irão auxiliar o movimento. E o mais importante, qual a intensidade de participação de cada
grupo muscular. Sem este controle, o movimento não
será harmonioso.
Esta interação deve ocorrer em qualquer tipo de
movimento, seja com amplitude grande ou pequena,
seja um movimento próximo do tronco, como elevar
os braços, ou movimento distante do tronco, como os
de abrir e fechar as mãos. Imagine o cérebro controlando todos os músculos das mãos, dedos, braços, ombros e todos os músculos do corpo que são necessários
para executar tarefas como tricotar, usar uma tesoura
ou até cumprimentar outra pessoa.
Além dos problemas de tônus muscular, na paralisia cerebral também ocorre a falta de inervação recíproca. Se o cérebro estiver lesado, como cada músculo
será informado para se contrair ou relaxar para que possa ou não ocorrer determinado movimento? Ou melhor, em qual momento um músculo que flexiona deve
relaxar para que o outro estenda e, desta forma, ocorra o movimento harmônico? Devido à lesão cerebral,
essa coordenação central não existe ou pelo menos está
desordenada. É justamente por isso que surgem os
movimentos anormais. A intenção e a vontade do movimento existem, mas a perfeita coordenação para que
surja um movimento produtivo não ocorre [1].
Percebemos isso quando observamos uma criança com paralisia cerebral se movimentar. A intenção do
movimento existe, ela quer rolar, sentar e andar. No
entanto, o cérebro, que é o responsável por coordenar
e organizar esses movimentos, está alterado. Assim, ao
tentar executar um movimento qualquer, não existirá controle dos músculos, aparecendo um movimento
com menos coordenação e funcionalidade [4, 17].
As dificuldades motoras apresentadas serão definidas dependendo de quanto, como e onde o cérebro foi afetado. Cada criança com paralisia cerebral
apresentará um problema motor específico e diferente
dos outros, com seus limites e potenciais individuais.
DISCUSSÃO
Mesmo com o avanço da Tecnologia e da Medicina, os pais e cuidadores de crianças com paralisia
cerebral ainda têm pouco acesso às informações como
definição, quadro clínico e evolução do estado de saúde. Este conhecimento limitado leva os pais a terem uma
visão pessimista sobre o potencial de seus filhos, dificultando também a transferência das habilidades adquiridas
nas sessões de reabilitação para o dia a dia das crianças.
Pouco se tem descrito sobre paralisia cerebral voltada para pais e cuidadores. Porém, o esclarecimento sobre a deficiência é responsabilidade dos
profissionais envolvidos no processo de habilitação e
que têm contato direto com os pais. Ribeiro [16] descreve que os profissionais da saúde admitem oferecer
poucas informações aos pacientes com deficiência
e seus familiares. Entre os itens mencionados como
insuficientes, estão: necessidade de discutir os questionamentos; promover troca de experiências entre as
famílias; e oferecer informações em relação às preocupações dos pais com o cuidado de seus filhos.
Segundo Prudente [15], um aspecto que não
pode ser ignorado é o impacto da paralisia cerebral na
dinâmica interna da família, devido ao fato de que seus
membros são confrontados com uma realidade diferente que exige adaptações e modificações diárias. A
forma como os pais, cuidadores e membros da família
se ajustam é crucial para o futuro da criança e das pessoas envolvidas diretamente. Cada família é única e
irá processar esta experiência de maneiras diferentes.
Muitas famílias são sobrecarregadas, considerando
aspectos finaceiros e emocionais, o que pode causar
uma ruptura familiar; por outro lado, existem famílias que são fortalecidas, e a criança deficiente agrega
fatores de união. Corroborando com esta afirmativa,
Lima [13] mostra a importância do envolvimento familiar no processo de habilitação, citando que os profissionais que assistem a criança desempenham papel
fundamental na transformação do olhar dos pais em
relação ao filho. Considera ainda que esse olhar socialmente moldado pela desinformação, preconceito e
carga histórica negativa pode ser transformado com o
conhecimento e o apoio adequado.
Enfatizando a importância para pais e cuidadores
de crianças com paralisia cerebral conhecerem as características da deficiência para a melhora do desenvolvimento das crianças, Ribeiro [16] afirma que os pais de
crianças que não apresentam nenhuma alteração motora e que possuem melhor conhecimento em relação às
etapas da evolução da criança, por meio de revistas e livros disponíveis, conseguem executar com mais eficiência as práticas de cuidado com o filho, e isto interfere de
forma positiva no desenvolvimento da criança. Pode-se
supor, então, que o conhecimento dos pais de crianças
com deficiência também pode interferir no cuidado e
na educação prestados a elas, considerando que os pais
desempenham um papel essencial como educadores de
seus filhos, especialmente durante os primeiros anos de
formação, e que isso proporcionará a todos oportunidades de participação, aprendizado e crescimento.
Ribeiro [16] também mostra que a insatisfação
dos familiares em relação às informações recebidas da
equipe de saúde (médico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional) inclui: desejo ser esclarecido sobre as opções de tratamento; ter informações
a respeito dos progressos da criança; obter informações a respeito da condição de deficiência da criança
(causas, evolução e previsões).
CONCLUSÃO
Por todos os fatores apresentados, concluímos que o pouco conhecimento a respeito da paralisia cerebral influencia negativamente o processo de
PARALISIA CEREBRAL: FUNDAMENTOS PARA PAIS E CUIDADORES
57
orientação familiar, dificultando a intervenção e diminuindo a adesão no processo de habilitação adequado.
Consideramos este artigo interessante para os pais e cuidadores de crianças com paralisia cerebral, de modo a
eliminar dúvidas sobre a definição da deficiência e para
que se tornem mais seguros e envolvidos, permitindolhes dar maior assistência ao filho, aderir ao tratamento fornecido pelos profissionais de saúde e transferir o
aprendizado à vida cotidiana.
[12]
[13]
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PROJETO EXERCÍCIO E CORAÇÃO:
UMA DÉCADA A SERVIÇO DA COMUNIDADE
PROJECT EXERCISE AND HEART:
SERVING THE COMMUNITY FOR A DECADE
*Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz, **Bruno Temoteo Modesto, ***Teresa Bartholomeu,
****Luiz Augusto Riani Costa, *****Taís Tinucci
RESUMO
O sedentarismo é um fator de risco para as doenças crônicas e, portanto, a prática regular de atividades
físicas auxilia na prevenção e combate dessas doenças. Diversas campanhas públicas têm incentivado
as pessoas a praticarem exercícios em locais públicos. No entanto, a prática muitas vezes é executada
sem a orientação de um profissional, o que pode representar um risco à saúde, principalmente para
pessoas com doenças cardiovasculares. Diante dessa problemática, há dez anos, o Projeto Exercício
e Coração foi criado para orientar/prescrever a prática segura de atividade física para frequentadores
de locais públicos que se exercitam sem supervisão. O projeto atua de forma contínua no parque
Fernando Costa e no Hospital Universitário da USP, além de participar de campanhas públicas de
saúde. Nesses dez anos, o projeto avaliou mais de 1.431 pessoas no parque, ministrou mais de 2.109
aulas de alongamento, participou de mais de 28 eventos, treinou mais de 150 monitores e publicou
quarenta resumos e nove artigos científicos completos relacionados aos seus dados. Assim, o Projeto
Exercício e Coração é uma atividade de extensão que tem a preocupação de levar à comunidade os
conhecimentos acadêmicos produzidos pela universidade, integrando pesquisa, ensino e extensão.
Palavras-chave: Atividade física não supervisionada. Risco cardiovascular. Parques públicos.
ABSTRACT
Sedentary lifestyle is a risk factor for chronic disease development, and consequently regular
physical activity can help to prevent and control these diseases. Thus, many public campaigns
have been created to motivate people to become active, and many subjects are practicing exercises in public facilities. However, at these sites, physical practice is frequently performed
without any professional advice, which increases its cardiovascular risks especially in people with
cardiovascular diseases. To deal with this problem, the Exercise and Heart Project was created 10
years ago to prescribe secure physical activity to people who exercise in public facilities without
supervision. The project has continuous activities in Fernando Costa park and in the USP University Hospital, and it also participates at public health campaigns. Throughout the years, the
project evaluated more than 1,431 persons in the park, gave more than 2,109 stretching class,
participated in more than 28 health events, trained more than 150 monitors, and published
forty abstracts and nine complete scientific articles based on its data. In conclusion, the Exercise and Heart Project is a community extension activity of the university that takes the academic
knowledge to the community, and also integrates extension, teaching and research.
Key words: Unsupervised physical activity. Cardiovascular risk. Public facilities.
* Professora doutora e livre docente do Laboratório de Hemodinâmica da Atividade Motora (LAHAM) da Escola de Educação
Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP) – Av. Prof. Mello Moraes, 65 – 05508-030 – Cidade Universitária –
São Paulo - SP – e-mail: [email protected]. ** Bacharel em Esporte pela EEFE-USP. *** Professora especialista da EEFE-USP. ****
Médico especialista da EEFE-USP. ***** Professora doutora e docente da EEFE-USP.
PROJETO EXERCÍCIO E CORAÇÃO
61
INTRODUÇÃO
O combate às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) é uma preocupação mundial. Das 57
milhões de mortes no mundo em 2008, 36 milhões
ocorreram em razão dessas doenças. No Brasil, elas
são responsáveis por 72% das mortes, com destaque
para as doenças do aparelho circulatório (31,3%) [4].
As DCNT são, em sua maioria, causadas por fatores de risco ligados às modificações nos hábitos de
vida, principalmente às dietas calóricas e ricas em sal e
gorduras e ao aumento expressivo do sedentarismo. De
fato, o número de sedentários tem aumentado no Brasil. Em 2006, 13,2% dos entrevistados num inquérito
populacional relataram não praticar nenhuma atividade física e, em 2008, este índice foi de 17,4% [5].
É sabido que pessoas sedentárias têm risco entre
20% e 30% maior de mortalidade por todas as causas e,
principalmente, por doenças cardiovasculares [18]. A atividade física regular reduz o risco de diabetes, obesidade,
dislipidemia, câncer de mama e de cólon, osteoporose
[19] e promove benefícios cardiovasculares já bem estabelecidos [15,16]. Desta forma, a atividade física é uma
importante estratégia para a prevenção e o controle das
DCNT. De fato, o recém-lançado Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNT 2011‑2012 no
Brasil estabelece o aumento da prática de atividades físicas
como um dos principais alicerces das intervenções de saúde [4]. Entretanto, apesar de o plano ser novo, o incentivo à prática de atividade física já ocorre há vários anos em
nosso país, por exemplo, com o Programa Agita São Paulo [10]. Como resultado desse incentivo, muitas pessoas
começaram a se exercitar. De fato, o número de sujeitos
ativos no estado de São Paulo, onde esse programa se desenvolve, aumentou cerca de 20% de 2002 a 2008 [11].
Para se tornarem mais ativas, várias pessoas optam
por realizar exercícios físicos planejados, como caminhar,
correr ou fazer ginástica, em locais públicos, como praças e parques. Porém, nestes locais, a prática é frequentemente realizada sem a orientação de um profissional [8].
Ainda que do ponto de vista populacional os
benefícios da prática de exercícios físicos sem supervisão suplantem os possíveis riscos [15], do ponto de
vista individual, a execução de atividades inadequadas
pode deflagrar eventos cardiovasculares agudos, como
parada cardíaca ou infarto. Dessa forma, para maximizar os benefícios e minimizar os riscos individuais, é
importante que os praticantes façam uma avaliação para
62
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
identificar seu risco [8,15] e recebam uma prescrição
ou, no mínimo, uma orientação sobre a prática adequada. Estes procedimentos são especialmente importantes para quem vai se exercitar sem acompanhamento.
Diante desse quadro, o Projeto Exercício e Coração foi
criado, visando a estimular e a orientar a prática segura
de atividades físicas em locais públicos [9].
O projeto teve início em 2000, no parque Fernando Costa (Água Branca), e continua lá até hoje.
Em 2002, o projeto começou a realizar ações pontuais, atuando em outros sete parques de São Paulo;
realizando atividades no Projeto Estação USP de 2003
a 2006, e participando de campanhas de saúde pública desde 2006. Além disso, em 2008, as atividades
contínuas do projeto se estenderam para o Hospital
Universitário da USP (HU-USP).
Por estar na universidade, além do cunho assistencial, o projeto tem envolvimento com o ensino, através
do treinamento de alunos que atuam como monitores de
suas atividades, e também tem produzido conhecimentos
científicos vinculados à sua atuação. No presente artigo
pretendemos descrever as atividades desenvolvidas pelo
projeto nesses três âmbitos (extensão, ensino e pesquisa), demonstrando os resultados obtidos até o momento.
OBJETIVOS
No aspecto extensão, o Projeto Exercício e Coração objetiva estimular e dar subsídios para a prática
segura de atividades físicas visando à melhora e manutenção da saúde e da qualidade de vida da população.
Como objetivos específicos, ele pretende:
•
divulgar a importância da prática regular de atividades físicas;
• estimular a população a essa prática;
• levantar o risco individual para essa prática;
• sugerir condutas anteriores à prática, se necessárias;
• fornecer orientação/prescrição individualizada
das atividades a serem executadas;
• fornecer subsídios para a execução correta dessas
atividades.
No aspecto do ensino, o projeto visa a preparar
alunos de graduação e pós-graduação em Educação Física para atuarem como profissionais competentes na
área do exercício físico para a saúde, complementando
os conhecimentos teóricos obtidos em sala de aula e,
principalmente, fornecendo-lhes a experiência prática supervisionada para essa atuação.
No âmbito da pesquisa, o projeto tem por objetivo produzir conhecimento aplicado sobre a forma
eficaz de propor e executar a prática segura e benéfica
de atividade física para populações que se exercitam
em locais públicos sem supervisão direta.
MÉTODOS
O projeto possui atualmente três vertentes
de atuação:
avaliações físicas; prescrição de exercício; sessões supervisionadas de treinamento; reavaliações; aulas especiais; e eventos pontuais.
As aulas de alongamento envolvem exercícios de
alongamento passivo para os principais músculos, visando
à preparação musculoesquelética para a atividade física.
As avaliações físicas são compostas por um
questionário sobre saúde e atividade física, pela execução de medidas clínicas e por testes físicos. Ao final é solicitada a permissão para a utilização dos dados
para pesquisa científica (protocolo aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Educação Física e Esporte
da USP). O questionário levanta os dados:
•
•
•
•
uma contínua, no parque Fernando Costa;
uma contínua, no Hospital Universitário da USP;
atuações pontuais junto a outros projetos, eventos
ou campanhas de saúde. Todas as atividades têm embasamento teórico
nas Diretrizes do Colégio Americano de Medicina
Esportiva (ACSM) [1] e nas Diretrizes Brasileiras das
diversas Sociedades Médicas [2, 3,14-17]. As atuações
são desenvolvidas por monitores, que são supervisionados por uma equipe multidisciplinar.
•
•
As medidas realizadas são:
•
•
•
PARTICIPANTES
O público alvo do projeto são os frequentadores
adultos dos locais de atuação. O projeto é gratuito e
aberto a qualquer pessoa que tenha interesse e disponibilidade para participar de todas ou apenas de parte das
atividades. Nos últimos anos, a população atendida foi
formada, principalmente, por homens e mulheres com
mais de 50 anos e de diferentes classes sociais. Grande parte da população atendida apresenta doenças e/ou
fatores de risco cardiovasculares e já pratica algum tipo
de atividade física sem orientação em locais públicos.
ATUAÇÕES DE EXTENSÃO
ATUAÇÃO CONTÍNUA JUNTO AO PARQUE
FERNANDO COSTA
A atuação do Projeto Exercício e Coração no
parque Fernando Costa inclui: aulas de alongamento;
pessoais (sexo, idade, endereço, escolaridade, entre outros);
clínicos (sintomas, doenças, fatores de risco e medicamentos);
de atividade física (se faz, o que faz, quantas vezes
por semana e onde).
hemodinâmicas (frequência cardíaca e pressão arterial) [16];
metabólicas (glicemia e colesterolemia total de jejum por punção digital) [2,17];
antropométricas (massa corporal, estatura e circunferências de cintura e quadril) [3].
Para a avaliação da normalidade das medidas são
utilizados os critérios das Diretrizes Médicas Brasileiras [2, 3, 14-17]. Os testes físicos avaliam a aptidão cardiovascular, força de membros superiores, resistência
abdominal, força de membros inferiores, flexibilidade
de ombros e flexibilidade lombar, através, respectivamente, dos testes de marcha estacionária [12,13] ou
Cooper [7], flexão de cotovelo [12,13], abdominais
[6], impulsão vertical [13], flexibilidade de ombros
[12,13] e sentar e alcançar [6]. A partir dessa avaliação, o risco cardiovascular para a prática do exercício
é analisado [1]. Se necessário, a pessoa é encaminhada ao médico, que será responsável por uma avaliação
mais detalhada, executando um teste ergométrico e/ou
obtendo um atestado para prática não supervisionada.
A prescrição de exercício é feita de forma individualizada visando à saúde geral e, principalmente, a cardiovascular; mas considerando também as
PROJETO EXERCÍCIO E CORAÇÃO
63
limitações, os objetivos e a disponibilidade individual.
Essa prescrição inclui atividades aeróbicas, que devem
ser realizadas pelo menos três vezes por semana, por
30 minutos, em intensidade moderada.
As sessões supervisionadas de treinamento incluem
as três primeiras sessões e visam ensinar a execução correta dos exercícios para que a pessoa se torne autônoma.
As reavaliações físicas são idealmente feitas após
três a seis meses da avaliação e avaliam a efetividade da
prescrição feita. Essa reavaliação consta dos mesmos procedimentos da avaliação e verifica as modificações ocorridas. Se a evolução for adequada, os sujeitos recebem
nova prescrição de exercícios aeróbicos e uma orientação para a prática também de exercícios resistidos, que
visam uma melhora da saúde musculoesquelética.
As aulas temáticas são oferecidas esporadicamente e
constam de atividades lúdicas e diferentes, tendo o objetivo de motivar os participantes e trazer novas experiências.
Os eventos especiais são realizados nos fins de
semana e têm o objetivo de incentivar a prática física
e apresentar o projeto aos usuários do parque que não
o conhecem.
ATUAÇÃO CONTÍNUA JUNTO
AO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
Esta atuação ocorre junto a dois grupos distintos, o de Combate às Doenças Metabólicas e o de Prevenção de Quedas de Idosos. No primeiro grupo, a
atuação inclui encontros semestrais com os pacientes,
nos quais são ministradas palestras sobre a importância da atividade física e, em seguida, é realizada uma
atividade prática para motivação. Na atuação junto
ao grupo de quedas, são atendidos idosos que caíram
pelo menos duas vezes no último ano. Esses pacientes
fazem uma avaliação física e recebem uma orientação
sobre exercícios de alongamento, equilíbrio e fortalecimento muscular, visando reduzir a probabilidade de
novas quedas. O acompanhamento é feito com maior
frequência no início, mas as sessões se espaçam com o
tempo, tornando o idoso autônomo para esta prática.
ATUAÇÕES PONTUAIS
Ao longo de sua existência, o projeto atuou em várias campanhas públicas de saúde, estimulando a prática de
atividade física, fazendo avaliações de risco cardiovascular
e orientando uma prática segura. Essas atuações incluíram
palestras, avaliações individualizadas, aulas práticas, entre outras, e contaram com diversos parceiros, como a
64
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
Secretaria Municipal do Meio Ambiente, a Sociedade
Brasileira de Hipertensão (SBH), a Associação Nacional
de Assistência ao Diabético (ANAD), o Serviço Social do
Comércio (SESC) e o próprio Hospital Universitário da
USP. Atualmente, o projeto desenvolve anualmente atividades no Dia de Prevenção e Combate à Hipertensão
Arterial, no Dia de Prevenção e Combate ao Diabetes, no
Dia do Desafio e no Dia Mundial da Atividade Física.
ATUAÇÕES DE ENSINO
Para a execução das atividades do projeto, alunos
- principalmente de graduação em Educação Física e Esporte, mas também de pós-graduação - são treinados em
relação ao conhecimento sobre os benefícios da atividade física regular para a saúde, sobre como avaliar o risco
cardiovascular para a prática, como prescrever uma prática segura, como ministrar essa prática e como avaliar se
ela tem os resultados esperados. Esse treinamento é feito
de forma teórica, em cursos específicos e em reuniões,
mas inclui, principalmente, a atuação prática desses monitores nas atividades do projeto, onde inicialmente observam, depois auxiliam e, finalmente, atuam; sempre
com a supervisão próxima de um profissional formado.
Assim, o projeto complementa a formação acadêmica do
estudante. Esses monitores atuam de forma voluntária
ou recebendo bolsas (Bolsa Trabalho da COSEAS, bolsa
da Associação de Ambientes e Amigos do Parque da Água
Branca – ASSAMAPAB – e, atualmente, bolsas do programa Aprender com Cultura e Extensão).
ATUAÇÕES DE PESQUISA
Com a finalidade de obter conhecimentos científicos sobre o risco cardiovascular e a prática de atividades
físicas em locais públicos, bem como sobre os efeitos do
projeto, os dados coletados nas avaliações e reavaliações
dos sujeitos que assinaram o termo de consentimento são
tabulados e analisados. Essa análise permite a adequação
do próprio projeto e gera conhecimento científico sobre
a atividade física e a saúde em locais públicos, dando subsídios para outros grupos que pretendam montar programas como esse. Os resultados científicos são publicados
na forma de resumos de congressos e artigos completos.
RESULTADOS
Ao longo desses mais de dez anos de atuação, as atividades do Projeto Exercício e Coração, assim como sua
possibilidade de atendimento, foram se ampliando. Obviamente, como o projeto ocorre em locais públicos, sua
capacidade de atuação oscila em função de questões exteriores ao projeto, como a ocorrência de outros eventos no
parque, mudanças climáticas, verbas para campanhas, etc.
Em sua atuação pontual junto ao parque Fernando Costa, nesses mais de dez anos, o projeto realizou
mais de 1.431 avaliações físicas. Nos últimos quatro anos
(2007 a 2010), após sua ampliação, a média foi de 150
avaliações por ano. As reavaliações começaram em 2002
e foram realizadas mais de 414, sendo a média de 2007
a 2010 de 59 reavaliações anuais (ver Anexo, Figura 1).
As aulas de alongamento se iniciaram em 2004.
No início eram ministradas apenas duas aulas semanais, mas desde 2006 esse número foi ampliado para
nove aulas por semana, totalizando nos últimos anos
cerca de 390 aulas por ano e 14.263 atendimentos
anuais (ver Anexo, Figura 2).
Considerando-se as sessões de supervisão de
treinamento, elas passaram a ser executadas no projeto
a partir de 2006 e, a partir daí, já foram realizadas 1.818
sessões, numa média de 355 sessões por ano nos últimos
quatro anos – 2007 a 2010 (ver Anexo, Figura 3).
Na atuação junto ao HU-USP iniciou em 2008
e, nesse período, o projeto realizou 189 atendimentos, sendo 45 junto ao Grupo de Quedas e o restante
no de Doenças Metabólicas.
Considerando-se a participação em campanhas
e eventos públicos de saúde, o projeto participou ao
longo de sua existência de 28 eventos, atendendo mais
de 10.382 pessoas (ver Anexo, Figura 4).
Em relação à sua vertente de ensino, 47 alunos
de graduação foram monitores no parque Fernando
Costa, com uma oscilação de 2 a 4 monitores bolsistas
por ano. Além disso, nas atividades pontuais em campanhas públicas, uma média de 10 a 15 monitores atuam por evento, de modo que ao longo dos anos, mais
de 150 alunos foram treinados nessa atuação.
Considerando-se a produção científica, os dados
do Projeto deram origem a 11 monografias de graduação,
40 resumos apresentados em congressos científicos e 11
artigos completos publicados em revistas científicas.
a assistência à população, ele também atua em duas
outras vertentes relacionadas à formação profissional
e à pesquisa científica.
A respeito da assistência à comunidade, o principal elemento do projeto, este tem atingido seus objetivos com excelência, atendendo um grande número
de pessoas por ano em suas várias atuações. De fato, a
grande gama de atuações do projeto permite atingir o
objetivo de incentivar a prática segura de atividades físicas visando à saúde cardiovascular em diferentes níveis,
desde pessoas que vão a campanhas públicas e ainda não
têm consciência da necessidade de atividade física para
sua saúde – incluindo pessoas que reconhecem essa importância, mas ainda não sabem o que fazer – até aquelas
que já praticam atividades físicas, mas precisam de uma
orientação para maximizar os benefícios dessa prática.
Considerando-se a formação profissional, o projeto também tem atingindo seus objetivos, ajudando na
formação de profissionais mais competentes e com uma
experiência prática rica e única para a atuação na prevenção e reabilitação de doenças crônico‑degenerativas.
Do ponto de vista científico, o projeto caracteriza-se como um dos poucos projetos de pesquisa que
avalia os efeitos e as limitações da prática de atividade
física para a saúde em condições reais, ou seja, sem o
controle excessivo de variáveis intervenientes, o que faz
com que os dados obtidos com essa pesquisa tenham
grande validade externa e, portanto, sirvam de embasamento e, talvez, modelo, para a elaboração de outras
propostas de intervenção pública no mesmo sentido.
Assim, o Projeto Exercício e Coração atua fortemente como um projeto de extensão dentro de uma
universidade pública, preocupando-se também com o
ensino e a pesquisa.
REFERÊNCIAS
[1]
[2]
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Diante do exposto, observa-se que embora o
enfoque principal do Projeto Exercício e Coração seja
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ACSM’s guidelines for exercise testing and prescription. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000.
AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Diagnosis and classification of diabetes Mellitus. Diabetes
Care, v. 27, Supplement 1, S5-S10, 2004.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA
OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA.
PROJETO EXERCÍCIO E CORAÇÃO
65
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ed. Itapevi: AC Farmacêutica, 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para
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Ministério da Saúde, 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2009: vigilância de fatores de
risco e proteção para doenças crônicas por inquérito
telefônico. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
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COOPER, K. H. Capacidade Aeróbica. Rio de Janeiro: Forum. 1972.
FORJAZ, C. L. et al. Assessment of the cardiovascular risk and physical activity of individuals exercising
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2009, p.123-148.
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MATSUDO, V. et al. Time Trends in Physical Activity in the State of São Paulo, Brazil: 2002-2008.
Medicine and Science in Sports and Exercise, v. 42,
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Activity, v. 7, n. 2, p. 129‑61, 1999.
RILKI, R. E.; JONES, C. J. Functional fitness
normative scores for community‑residing older
adults, ages 60-94. Journal of Aging and Physical
Activity, v. 7, n. 2, p. 162-81, 1999.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA.
III diretrizes brasileiras sobre dislipidemias e diretriz de prevenção da aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
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Cardiologia. Arq. Bras. Cardiol., v. 77, suppl. 3, p.
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA.
I Brazilian guidelines on diagnosis and treatment
of metabolic syndrome. Arq. Bras. Cardiol., v. 84,
suppl. 1, p. 1-28, 2005.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO.
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Revista Brasileira de Hipertensão, vol. 17, n. 1, p.
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SPOSITO A. C. et al. IV Brazilian guideline for
dyslipidemia and atherosclerosis prevention: Department of Atherosclerosis of Brazilian Society of
Cardiology. Arq. Bras. Cardiol., vol. 88, suppl. 1, p.
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WORLD HEALTH ORGANIZATION. World Health Day 2002. Sedentary lifestyle: a global health problem. Genebra: World Health Organization, 2002.
Disponível em: <http://www.who.int/world-heathyday>. Atualizado em 2002, consultado em 2008.
AGRADECIMENTOS
O projeto contou ao longo dos anos com vários
parceiros: administração do Parque Fernando Costa, ASSAMAPAB, Centro de Atendimento Psicossocial de Perdizes (CAPS-Perdizes), Secretaria do Meio
Ambiente da Prefeitura de São Paulo, Coordenadoria
de Comunicação Social da USP (CCS-USP), Empresa
Junior da EEFE-USP, COSEAS-USP, Pró-Reitoria
de Cultura e Extensão da USP, SBH, ANAD, HUUSP, SESC e Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo. Além disso, o projeto agradece aos
seus monitores, coordenadores e usuários.
ANEXO
FIGURA 1
Painel A
Painel B
Número de avaliações (painel A) e reavaliações (painel B) realizadas pelo Projeto Exercício e Coração no parque Fernando Costa de 2000
a 2011. Nota: os dados de 2011 referem-se ao período de janeiro a junho.
PROJETO EXERCÍCIO E CORAÇÃO
67
FIGURA 2
Painel A
Painel B
Número de aulas (painel A) e de atendimentos (painel B) de alongamento realizados no parque Fernando Costa pelo Projeto Exercício e
Coração de 2000 a 2011. Nota: os dados de 2011 referem-se ao período de janeiro a junho.
FIGURA 3
Número de sessões de supervisão de treinamento realizadas por ano pelo Projeto Exercício e Coração no parque Fernando Costa de 2006
a 2011. Nota: os dados de 2011 referem-se ao período de janeiro a junho.
68
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
FIGURA 4
Painel A
Painel B
Número total de eventos de saúde (painel A) e de atendimentos nesses eventos (painel B) realizados pelo Projeto Exercício e Coração de
2003 a 2011. Nota: os dados de 2011 referem-se ao período de janeiro a junho.
PROJETO EXERCÍCIO E CORAÇÃO
69
PROJETO GINÁSTICA LABORAL NA USP
WORKPLACE EXERCISES AT UNIVERSITY OF SÃO PAULO PROJECT
*Patrícia Sakai, **Márcia Maria Matsubara Silva Pinto, ***Rafael Mistura Fernandes,
****Anita de Cássia Melinski
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar as vicissitudes, a miríade de conceitos, idéias e a compreensão
do que é a Ginástica Laboral. Posteriormente, em uma ordem cronológica, a Ginástica Laboral é
estudada, desde sua gênese, em termos históricos, seguindo então esta diversidade de conceitos e o
que se infere disto.
A análise que se segue, realizada através de um olhar crítico, é a da Ginástica Laboral contemporânea, majoritariamente considerada uma prestação de serviços, tendo como clientes (e não
alunos) o mundo corporativo em geral. Dessa forma, apresenta-se um quadro atual da Ginástica
Laboral no mercado de trabalho, observando as suas formas de apresentação, questionando acerca
da validade dos objetivos usualmente apresentados. Destas interrogações, provém o corpo principal deste estudo: a Ginástica Laboral na USP. O compromisso é com a aplicação dos conhecimentos e saberes da graduação em Educação Física da USP, cujos alunos são selecionados para realizar
os atendimentos. Neste item, disserta‑se sobre como cada atendimento de Ginástica Laboral, no
campus São Paulo da USP, é planejado, analisado e discutido por todos os integrantes do grupo de
Ginástica Laboral. Cada atendimento tem os seus objetivos, suas estratégias e conteúdos, os quais
são explicados pontual e pormenorizadamente, justificando suas escolhas e inclusões nas aulas.
Palavras-chave: Ginástica Laboral. Educação Física. Conceitos.
* Licenciada em Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP) e educadora
de Práticas Esportivas do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo – Praça 2, Prof. Rubião Meira, 61 – Cidade
Universitária – São Paulo - SP – 05508-110 – e-mail: [email protected]. ** Licenciada em Educação Física pela EEFE-USP e educadora
de Práticas Esportivas do CEPEUSP. *** Bacharelando em Educação Física da EEFE-USP e bolsista do Programa Aprender com
Cultura e Extensão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. **** Bacharelanda em Educação Física da EEFEUSP e bolsista do Programa Aprender com Cultura e Extensão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP.
PROJETO GINÁSTICA LABORAL NA USP
71
ABSTRACT
This article’s purpose is to present the events, a whole of concepts, ideas and the understanding
of�������������������������������������������������������������������������������������������
what��������������������������������������������������������������������������������������
does Workplace�����������������������������������������������������������������������
Exercises exactly mean������������������������������������������������
.�����������������������������������������������
Afterwards������������������������������������
,�����������������������������������
the�������������������������������
Workplace���������������������
Exercises�����������
is��������
chronologically seen since its beginning then followed by all these many meanings and what it infers.
The proceed analysis, made through a critical vision, is from the Contemporary Workplace
Exercises, in most cases considered a matter of provided services to its clients (not learners) are in
general the business world people. Then a current Workplace Exercises scene shows up in the job
market, under many ways and it can be introduce and argue about the goals validation those are
often applied. These questions are the main body of The Workplace Exercise at USP Project. In
this project the main commitment is with the applied knowledge and guidelines belonging to the
Physical Education graduation, whose students are choosen in order to provide the sessions. In this
part, there is a dissertation about how each Workplace Exercises session is conducted here in the
São Paulo campus of USP: planning, analysing and discussing by all members of Workplace Exercises
Group. Each session has its own aims, its own strategies and contents, which are explained very specifically and with every little detail, justifying theirs choices and why they were added to the sessions.
Key words: Workplace exercise. Physical Education. Concepts.
72
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
INTRODUÇÃO
A temática sobre qualidade de vida no trabalho
vem ganhando cada vez mais relevância nas organizações, que vêm se preocupando em propiciar melhores
condições ao trabalhador [3]. Nessa perspectiva, a Ginástica Laboral (GL) desponta como um serviço capaz
de satisfazer parte dessa necessidade, através de exercícios voltados à promoção da saúde dos funcionários [8,
10]. Não obstante a adoção de estratégias envolvendo tal
temática estar em ascensão, os programas desenvolvidos pelas empresas parecem estar abarcados sutilmente
pela perspectiva filantrópica e, mormente, por aquela
própria do capitalismo, haja vista as benesses contraídas
também por elas, aderindo a tais programas.
Muito embora o mercado da GL esteja ainda em
expansão, ela não é uma prática eminentemente contemporânea, sendo os primeiros relatos de sua aplicação datados do final da década de 1920 na Polônia,
expandindo-se logo a outros países da Europa [21]. Porém, a vertente da GL que desembarcou no Brasil foi
oriunda do Japão, em 1969 [16]. Hoje, a GL, em sua
grande maioria, é amplamente difundida principalmente como um meio profilático às LER/DORTs, para
o quais são dedicados aproximadamente quinze minutos de exercícios compensatórios aos grupos musculares
mais solicitados na função do trabalhador. Porém, ainda existem algumas inconsistências relacionadas à GL, o
que torna confusa a sua real compreensão. Também por
essa falta de fundamentação, Maciel et alli [9] relacionaram os resultados da GL como sendo frutos do efeito
Hawthorne, conforme interpretação de Elton George
Mayo (1933), apud Macefield [7].
Distintamente, o Projeto Ginástica Laboral na USP,
desenvolvido pelo CEPEUSP, se vale, hoje, de uma
perspectiva mais holística do ser humano – viés biopsicossocial –, fundamentado em bases epistemológicas da
Educação Física, tal qual Biomecânica dos Tecidos, Fisiologia do Exercício, Aprendizagem Motora, Psicologia
do Esporte, bem como de outros campos de conhecimento, como Sociologia, Antropologia e Pedagogia.
GINÁSTICA LABORAL:
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
A preocupação com a saúde do trabalhador
no seu ambiente laboral parece ter início bastante
pronunciado após a Revolução Industrial, pois, de
uma maioria de trabalhadores artesãos que possuíam
maior movimentação global do corpo no desempenho
de suas funções, passou-se a predominar funcionários
especializados em uma determinada função na linha
de montagem das indústrias, o que reduziu consideravelmente a variabilidade de movimentos [16].
Porém, apesar de a Inglaterra ser a grande potência econômica após a Revolução Industrial [5] – o
que sugeriria a existência de um maior número de funcionários trabalhando no setor industrial –, o primeiro
registro de atividades físicas realizadas no ambiente de
trabalho advém da Polônia, datando de 1925 [14]. Nesse
período, também foi identificada a prática da Ginástica
de Pausa, como era chamada, tanto em países geograficamente próximos, como Alemanha e Holanda, quanto
naqueles sem tanta proximidade, como Bulgária e Rússia [16]. Além disso, apenas três anos após o primeiro
registro, a GL foi desenvolvida também no Japão [4].
Tal surgimento e expansão pode ser justificada
pelo fato de a década de 1920 ser marcada pela rápida
e ampla industrialização da Europa e do Japão, juntamente com os EUA. No entanto, dois fatos curiosos
podem ser apontados. Muito embora os EUA também
tenham passado por esse processo de industrialização
no mesmo período que os países da Europa e o Japão,
nos quais surgiu a Ginástica Laboral, essa prática em
solo americano só é datada de 1968 [21]. O segundo
aspecto é que não se sabe se houve alguma ligação e
influência entre as diferentes localidades que, aparentemente, foram pioneiras nessa atividade – Polônia,
Alemanha, Holanda, Bulgária e Rússia.
Embora exista relato sobre atividades físicas entre
funcionários em 1901, a GL propriamente dita chegou
ao Brasil, através de executivos japoneses que desembarcaram no Rio de Janeiro, em 1969 [16]. Curiosamente, tal fato pareceu não exercer grande influência
na forma como a GL é aplicada hoje no Brasil.
No Japão, a difusão da GL deve-se principalmente à transmissão de uma gravação pela Rádio Taissô, que consiste em uma forma de ginástica rítmica,
calistênica, com exercícios específicos e acompanhados por música própria. Realiza-se essa atividade todas
as manhãs, não apenas em empresas ou ambientes de
trabalho, mas também em ruas e residências, além de
o programa ser acompanhado de palestras curtas relacionadas à saúde [16]. Cabe ainda acrescentar que, até
meados da década de 1990, a Rádio Taissô encerrava
PROJETO GINÁSTICA LABORAL NA USP
73
em si valores que transcendiam a prática física, onde
todos os funcionários, indistintamente, realizavam a
GL ao mesmo tempo, sendo considerado desrespeitoso aquele que não a fizesse.
Contraditoriamente no Brasil, não se observa o
desenvolvimento da GL dessa mesma forma – ginástica
rítmica matinal, realizada por todos os funcionários
por intermédio de um programa de rádio, seguida de
informações sobre saúde. A Ginástica Laboral, como
é praticada hoje no Brasil, parece ter sido mais amplamente influenciada pela experiência desenvolvida
pela Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo (FEEVALE), Rio Grande do
Sul, em parceria com o SESI [16]. Esse projeto tinha
por objetivo elaborar exercícios baseados na análise
biomecânica, para relaxar os músculos agonistas através da contração dos antagonistas, frente às exigências
funcionais. Visava, ainda, a combater a tenossinovite,
patologia de grande ocorrência entre digitadores [16].
De forma curiosa, tal modelo de intervenção é o mesmo existente na Alemanha, Holanda e Polônia.
UM OLHAR CRÍTICO DA GL ATUAL
Nos últimos anos, com o crescente aumento do
interesse por parte das empresas em investir em programas de qualidade de vida no trabalho, houve um
incremento do número de profissionais oferecendo o
serviço de GL [8].
O caráter incipiente desta prática profissional
– muito embora não o seja, como visto anteriormente
– pode ser exemplificado pela fundação relativamente
recente de uma entidade específica, a Associação Brasileira de Ginástica Laboral, ocorrida em 2007 [2].
Talvez, por isso, existam várias definições para a
o termo GL [8, 10, 13, 14,16]. Apesar disso, parece ser
consenso que ela consiste na prática de exercícios no
ambiente de trabalho – como o próprio nome sugere –
e, ainda, a maioria dessas definições relaciona o exercício da GL principalmente à profilaxia de LER/DORTs.
Na obra de Polito e Bergamaschi [17] são citados
vários conceitos, de diferentes autores, para a definição da GL. Nesse trabalho, alguns mencionam a prática de exercícios com finalidade terapêutica e preventiva
de LER/DORTs e do estresse; outros, complementam
essa assertiva, relacionando-a com a normalização das
capacidades funcionais; e outros ainda definem a GL
74
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
como uma pausa ativa do trabalho para a realização de
exercícios de fortalecimento aos músculos antagonistas
e de relaxamento àqueles agonistas na função laboral.
No entanto, nessa mesma obra de Polito e Bergamaschi [16] é citada uma conceituação da GL com outro
viés, relatando que seu objetivo, através de exercícios
e outras atividades, é estimular o autoconhecimento e,
assim, ampliar a autoestima, melhorando as capacidades intra e interpessoais. Complementando essa definição, Mendes e Leite [13] acrescentam que a GL é uma
atividade “que trabalha o cérebro, a mente, o corpo”.
A prevalência de conceitos com ênfase nas ações
preventivas de LER/DORTs da GL acaba gerando certa
confusão de qual profissional, o de Educação Física ou
o de Fisioterapia, é habilitado para a sua aplicação. Martins [10] alega que o campo da GL é destinado aos profissionais de Educação Física, cabendo aos fisioterapeutas
a Cinesioterapia Laboral ou Fisioterapia do Trabalho.
Porém, Spinelli e Sales [23] colocam que a Cinesioterapia Laboral, tal qual mencionado à GL, consiste em atividades físicas realizadas no local de trabalho, sendo um
programa de prevenção e compensação visando à saúde
dos trabalhadores. Ainda, Souza e Júnior [22] colocam
que a Cinesioterapia Laboral nada mais é que, tal qual a
Ginástica de Pausa, outra terminologia para GL. Além
disso, no que tange ao conteúdo das aulas, percebe-se a
predominância de exercícios de alongamento ou massagem tanto nos relatos de GL quanto naqueles de Cinesioterapia Laboral [11, 17, 22, 23].
Sob tal perspectiva, a GL pode ser classificada
conforme horário e objetivo de execução [13]:
•
•
•
•
•
GL preparatória: aquela ministrada no início do expediente do turno (matinal, vespertino ou noturno) com a finalidade de preparar o funcionário às
atividades que serão desempenhadas no trabalho;
GL compensatória: aquela ministrada no meio do expediente de trabalho – pausa ativa após três ou quatro
horas do início do turno –, com o objetivo de impedir
a instalação de vícios posturais, trabalhar a musculatura antagonista e relaxar a agonista à função laboral;
GL relaxante: aquela ministrada no final do expediente, iniciada cerca de dez a quinze minutos antes do término do turno de trabalho;
Ginástica corretiva: aquela ministrada tanto durante
quanto fora do horário de expediente, e tem por objetivo restabelecer o equilíbrio muscular e articular;
GL de manutenção: aquela ministrada antes do início,
durante o horário de almoço ou no final do expediente de trabalho, e objetiva o equilíbrio
fisiomorfológico do indivíduo através de um programa de condicionamento físico, realizado continuamente durante trinta minutos ou de forma
fracionada em duas a três sessões de dez, quinze
ou vinte minutos.
A falta de consistência sobre a definição da GL,
bem como da área profissional em que está contida,
pode também ser potencializada pelas várias classificações, gerando confusão quanto ao seu emprego.
Por exemplo, Mendes e Leite [13] colocam que o termo “GL compensatória” também é conhecido como
“Ginástica de Pausa”, e é popular e academicamente
empregado à GL como um todo, independente do horário e do objetivo.
Além disso, sem uma fundamentação teórica
consistente, os benefícios da GL podem ser confundidos como sendo resultantes do efeito Hawthorne, conforme interpretação de Mayo, apud Macefield, ou seja,
a melhora na motivação, na saúde e no desempenho do
funcionário ocorre pelo sentimento positivo de maior
atenção da gerência para com eles, e não como resultado das atividades desenvolvidas na GL per se [9].
Assim, muito embora a GL venha conquistando
maior espaço entre os programas de qualidade de vida
no trabalho em empresas, instituições e organizações,
ainda não está muito bem consolidada quanto aos seus
conceitos, mas principalmente quanto ao campo profissional do qual faz parte. É preciso, dentre outras,
maior fundamentação teórica para o desenvolvimento
e o crescimento sadio e eficaz da Ginástica Laboral.
GINÁSTICA LABORAL NA USP
O Projeto de Ginástica Laboral foi elaborado
por professores do Centro de Práticas Esportivas da
Universidade de São Paulo (CEPEUSP) em 2003, com
a finalidade de orientar os funcionários da USP sobre a
importância da atividade física realizada no ambiente de
trabalho e, cientes dos benefícios do exercício físico e
de sua contribuição biopsicossocial, estimulá-los à mudança para um estilo de vida mais ativo [20].
Desde o seu o início até a atualidade, o projeto já conseguiu atender 23 unidades de toda a USP
que requereram, por meio de ofícios, o serviço ao
CEPEUSP. Hoje realizamos 27 atendimentos em seções distribuídas em oito unidades do campus, e existem quatro unidades na lista de espera interessadas em
aderir ao programa de Ginástica Laboral. Para a viabilização do projeto, conta-se com a participação de
graduandos da Escola de Educação Física e Esporte da
USP, geralmente vinculados a alguma bolsa; até hoje,
24 alunos já passaram pelo projeto.
Atualmente, o Projeto de GL é vinculado e incentivado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão
Universitária da USP, como sendo um dos 900 projetos do Programa
, que são oferecidos aos alunos
de graduação como bolsa de incentivo à permanência
e formação estudantil na universidade.
Já foram frutos do Projeto de Ginástica Laboral trabalhos de cunho acadêmico, mormente relacionados aos seus efeitos benéficos nos aspectos
biopsicossociais dos funcionários participantes das
aulas. Trabalhos esses que valeram participação e apresentação em simpósios e congressos. O último deles
foi desenvolvido pelos bolsistas Jaime Teles da Silva
e Henrique Arthur Siqueira Pires, e teve por objetivo verificar o impacto agudo de diferentes estratégias
de GL sobre a ansiedade. Concluíram que, de fato,
estratégias de meditação sentada ou em movimento,
e exercícios de alongamento são efetivos na redução
aguda da ansiedade, e que a meditação em movimento
parece resultar em uma maior redução.
Assim como quaisquer projetos implantados
em instituições, ao longo desses oito anos de existência, o Projeto de Ginástica Laboral do CEPEUSP passou por um processo natural de desenvolvimento. Sob
a orientação dos professores do CEPEUSP – coordenadores do projeto –, os bolsistas, de forma conjunta,
são sempre instigados a discutir e trazer novas propostas, criando uma ambiente favorável tanto ao aprendizado dos bolsistas quanto às inovações nas aulas e, por
conseguinte, no programa.
Conforme supracitado, entendemos a necessidade de um enfoque biopsicossocial à GL para propiciar uma intervenção mais holística, não considerando
apenas os aspectos miotendíneos como norteadores
das atividades desenvolvidas, mas também aqueles articulares, sensoriais, cognitivos, psicológicos e sociais.
Hoje a estrutura da aula, muito embora haja
apenas quinze minutos, está dividida em três partes,
as quais são realizadas aproximadamente entre quatro a cinco minutos cada. A primeira é reservada para
PROJETO GINÁSTICA LABORAL NA USP
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uma movimentação articular, geralmente envolvendo
também exercícios de coordenação intersegmentar; a
segunda é a parte principal visando a uma maior consciência corporal, através de exercícios temáticos envolvendo postura, força, ritmo, equilíbrio, e outros;
e a última, abrange exercícios de relaxamento e alongamento, tanto dos grupos musculares mais utilizados
na aula, quanto daqueles com maior demanda laboral.
A movimentação articular é importante para
possibilitar o relaxamento de estresse da cartilagem
articular, alcançado após aplicação de força compressiva, proporcionada pela contração muscular – a proposta é “lubrificar” as articulações e aperfeiçoar sua
funcionalidade. Atingir tal estado é importante para
a manutenção salubre dessa estrutura no que diz respeito às suas funções biomecânicas, especialmente a
resposta à aplicação de carga. Sem essa preparação a
cartilagem articular pode sofrer grande estresse e ter
comprometimento funcional em longo prazo.
Além disso, devido à característica tecidual dos
músculos esqueléticos, esses movimentos articulares
iniciais tem por finalidade o aumento da temperatura corporal, o qual favorece o relaxamento muscular
frente à redução da rigidez natural do músculo [19].
Tal relaxamento inicial potencializa o alongamento e
relaxamento posteriores. Ainda, ao exercitar-se, há
uma redistribuição do fluxo sanguíneo para os músculos ativos, favorecendo a oferta de oxigênio e suas
funções – o que acontece mesmo em exercícios relativamente leves [12].
É importante salientar que tanto o relaxamento
de estresse quanto a redistribuição do fluxo sanguíneo
são específicos, ou seja, alcançar-se-á o equilíbrio no
relaxamento de estresse aquela cartilagem articular que
for submetida à aplicação progressiva de carga compressiva, e o fluxo sanguíneo será redirecionado apenas aos
músculos cuja demanda metabólica está aumentada. Assim, deve-se priorizar movimentos em articulações que
serão majoritariamente utilizadas pelos funcionários.
O trabalho de coordenação envolve principalmente o domínio cognitivo. A proposta é explorar a
plasticidade neural no processo de aprendizagem de
habilidades motoras, pois sabemos que através do
aprendizado se é possível aumentar o número de sinapses, a densidade dendrítica e a área do mapa motor, no córtex motor localizado no lobo frontal do
cérebro [15]. A prática variada de habilidades favorece o desenvolvimento de um esquema motor mais
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VOLUME 6
flexível, adaptável, de modo que facilite a execução de
outros [24]. O benefício dessa melhor adaptabilidade é percebido no engajamento em um programa de
exercícios físicos, contribuindo com maior potencial
de adesão e aprendizagem. Além disso, um córtex cerebral com maior densidade dendrítica, e, por conseguinte, maior número de conexões nervosas, pode
contribuir para uma melhor função cognitiva, haja
vista a formação de diversificada circuitaria neural.
Os temas das atividades principais da aula têm
como finalidade propiciar uma vivência motora diferenciada, desenvolver a propriocepção e promover
uma maior consciência corporal nos alunos. Para isso,
são propostos exercícios que exigem diferentes componentes da aptidão física com força, flexibilidade,
velocidade, tempo de reação, ritmo e equilíbrio [1].
Os exercícios de força realizados são principalmente os dinâmicos, envolvendo tanto os grandes grupos musculares, geralmente multiarticulares, quanto
os pequenos grupos musculares, em geral monoarticulares. Haja vista o ambiente de trabalho e as vestes
dos funcionários, geralmente são propostos exercícios
passíveis de serem realizados nas posições em pé ou
sentada. A sobrecarga é gerada pela tração de elásticos,
levados pelos professores, ou pelo próprio peso corporal – o primeiro em geral para membros superiores,
e o segundo principalmente para membros inferiores.
A velocidade e o tempo de reação em geral são
realizados conjuntamente com o ritmo. Temas com
Step e Aeroboxe envolvem movimentos ritmados e, algumas vezes, demandam maior velocidade de alguns dos
membros – superiores ou inferiores –, além desta ser
ditada pela própria temporalidade musical. Além disso,
na realização da sequência dos movimentos, são apenas
curtas dicas verbais que precedem a mudança dos mesmos, exigindo menor tempo de reação para a pré-programação motora e realização do movimento seguinte.
Com a temática do Equilíbrio é possível chamar
a atenção dos funcionários sobre os músculos atuando como estabilizadores, principalmente aqueles do
tronco. Por conseguinte, através da instrução direcionando a atenção a determinados aspectos como o
alinhamento da coluna (posição neutra), pode-se desenvolver maior consciência postural – importante no
dia a dia de qualquer pessoa.
A propriocepção é potencializada sempre que se
direciona a atenção e se instiga o feedback aumentado
intrínseco dos funcionários. Isso é feito geralmente
em atividades mais estáticas, como as de equilíbrio,
mas também, e principalmente, nos exercícios de
alongamento. Nesses exercícios, em geral, atenta-se
para o seu propósito, ou seja, solicita-se que o funcionário tente perceber qual é o grupo muscular que está
sendo alongado, de modo que possam entender a finalidade daquele determinado movimento – evitando
a realização do exercício com fim em si próprio.
O enfoque na questão da propriocepção e da
significação das atividades desenvolvidas é importante para a aprendizagem dos exercícios por parte dos
funcionários, principalmente no que tange ao desenvolvimento da autonomia dos mesmos para realizar
tais movimentos em quaisquer períodos da jornada de
trabalho, potencializando o efeito da GL.
Quanto aos exercícios de alongamento, eles são
pensados tanto para os grupos musculares trabalhados
nas etapas anteriores, quanto para aqueles mormente
solicitados na função laboral do funcionário. São feitos alongamentos ativos estáticos e com duração entre
vinte a trinta segundos cada exercício.
No domínio afetivo, dentro dessa abordagem,
a proposta é estimular a capacidade motora percebida positiva, indo de encontro com aquela real. Através
disso é possível desenvolver reflexos positivos na autoconfiança, na autoestima e no autoconceito do aluno
[6]. Como forma de desenvolver e promover esta capacidade motora percebida positiva, são pensados exercícios com nível de complexidade progressivo, de modo
que os alunos sempre consigam realizar ao menos parte
das atividades – percebendo suas próprias capacidades
–, ao mesmo tempo em que são estimulados a realizar
movimentos com maior nível de dificuldade.
Ao serem propostos os níveis de complexidade dos
exercícios, toma-se emprestada a lente da Antropologia
para compreender a existência de certa heterogeneidade entre os alunos e grupos de alunos, principalmente
no que diz respeito ao background cultural concernente ao
repertório motor, de modo que se possa contemplá-los
adequadamente, além de disseminar conhecimentos,
principalmente práticos, sobre o movimento humano.
Ainda em relação principalmente às habilidades
e novos movimentos propostos aos alunos, sob uma
ótica da psicologia do esporte, prioriza-se a criação
de um ambiente em que se prevaleça um clima motivacional de domínio, com o intuito de desenvolver
uma motivação orientada à tarefa nos participantes – a
qual possui efeitos mais positivos quando comparada
à motivação orientada ao ego – evitando qualquer tipo
de comparação entre as pessoas e tentando direcionar
a atenção ao próprio desempenho [18]. Para pessoas
que estão aprendendo uma nova habilidade, a motivação orientada à tarefa pode ser de grande importância
para facilitar a percepção de competência [18].
Por fim, também são propostas atividades em
duplas e em trios com a finalidade de promover maior
interação social entre os funcionários, estimular a confiança e a amizade, propiciando que tais aspectos saudáveis à convivência possam ser transferidos ao próprio
ambiente de trabalho. É importante salientar que tais
atividades não são propostas objetivando primariamente a recreação ou descontração, mas sim os aspectos supracitados – tais outros podem ou não ser consequência.
Dessa forma, é possível diferenciar a GL desenvolvida pelo CEPEUSP daquelas que predominam
em demais programas. Além de objetivos claros para
todas as atividades desenvolvidas em aula, ela está intimamente relacionada ao campo de estudo da educação física, preocupando-se com aspectos biológicos
– respostas e adaptações biomecânicas, fisiológicas e
neurofisiológicas ao exercício – e com aspectos psicossociais – motivação, aprendizagem, autoconhecimento
e relacionamento interpessoal – conseguindo de fato
realizar uma abordagem biopsicossocial.
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PRÁTICA E ENSINO DE CANOAGEM: UMA MODALIDADE
ALTERNATIVA E PROMISSORA
PRACTICE AND TEACHING OF CANOEING: AN ALTERNATIVE
AND PROMISING MODALITY
*Christiano Robles Rodrigues Alves, **Christian Klausener, ***Eduardo Fonseca do Nascimento,
****Maria Tereza Silveira Böhme
RESUMO
Diante da importância do treinamento físico para a saúde, a canoagem surge como uma estratégia
diferente para despertar o interesse de crianças e adolescentes. Apresentamos aqui um trabalho de
extensão universitária que implantou e desenvolveu um programa de canoagem, incluindo o caiaque pólo, no Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo, para atender não apenas
os jovens da própria universidade, mas também da comunidade externa. A adesão dos alunos aos
cursos foi alta. Além disso, desenvolvemos duas importantes ferramentas teóricas durante esse
projeto: as tabelas de periodização de treinos e uma apostila sobre caiaque pólo. Ambas serviram
como elementos facilitadores na gestão das aulas e poderão ser utilizadas por outros profissionais
da área. A canoagem é uma modalidade esportiva que apresenta potencial de crescimento no Brasil. Portanto, trabalhos de extensão como esse são essenciais para o seu desenvolvimento no país.
Palavras-chave: Canoagem. Exercício físico. Saúde.
ABSTRACT
Given the importance of physical training for health, canoeing emerges as a different strategy
to attract the interest of children and adolescents. Here, we present a research on the nature of
culture and extension activities that has introduced and developed a program of canoeing, including the canoe pole, at Center of Sports Practice of University of São Paulo to meet university
students and external community. The adherence of subjects on courses was high. Additionally,
we developed two important academic tools during this project: tables of training periodization
and a manuscript about the canoe polo. Both served in the management of classes and can be
used by other professionals. Canoeing is a sport that has growth potential in Brazil. Thus, extension works, such as this work, are essential for their development in the country.
Key words: Canoeing. Physical exercise. Health.
* Bacharelando em Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP), aluno
de iniciação científica do Laboratório de Nutrição e Metabolismo Aplicado à Atividade Motora da EEFE-USP – Av. Prof. Mello
Moraes, 65 – 05508-030 – São Paulo - SP – e-mail: [email protected]. ** Professor de Canoagem do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP). *** Bacharel em Educação Física pela EEFE-USP. **** Doutora em Ciências
do Esporte, livre docente em Treinamento Esportivo pela USP e professora titular do Departamento de Esporte da EEFE-USP.
PRÁTICA E ENSINO DE CANOAGEM: UMA MODALIDADE ALTERNATIVA E PROMISSORA
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INTRODUÇÃO
A literatura tem demonstrado constantemente
que a prática regular de exercícios físicos é capaz de
causar benéficas adaptações morfológicas [5; 6], hemodinâmicas [10] e cognitivas [7, 3] no organismo
humano, podendo até mesmo atenuar uma série de
doenças crônico-degenerativas – por exemplo, diabetes e hipertensão arterial – e, consequentemente,
melhorar a qualidade de vida [12]. Corroborando
com esses dados, a carência de atividade física é uma
das principais causas do alarmante aumento da obesidade mundial, inclusive em crianças e adolescentes
[11]. Além disso, o treinamento físico é considerado
um componente fundamental para o desenvolvimento
motor, social e cognitivo de crianças [4].
Diante do exposto, é notável o amplo surgimento de grupos de treinamento físico e de programas
educacionais que objetivam conscientizar a população
da importância do treinamento físico para a saúde.
Contudo, tais grupos e programas parecem não atingir os mais jovens, sendo a falta de motivação para
realizar exercícios um dos relatos comumente observados. Para tanto, fazem-se necessárias estratégias que
despertem o interesse de crianças e adolescentes pelo
treinamento físico e, de preferência, realizado em
contato com a natureza.
No que diz respeito à mesmice das academias ou
grupos de corridas, a canoagem surge como uma modalidade alternativa, uma vez que sua prática proporciona estímulos para melhorar todos os componentes
físicos que são considerados pelo American College of Medicine and Science in Sports [1] essenciais para a saúde, tais
como capacidade cardiorrespiratória, força e resistência muscular, flexibilidade e a composição corporal.
Adicionalmente, essa modalidade pode ser interessante para abordar diferentes públicos e gostos, visto
que oferece uma variedade de atividades que abrangem
desde a canoagem em águas calmas, onde barcos que
exigem muita concentração e equilíbrio são utilizados,
até o caiaque pólo, que apresenta muitas manobras e
competição entre equipes.
A respeito do caiaque pólo, é uma atividade
atrativa com bola que surgiu há mais de 35 anos na
Inglaterra e foi difundida pelo continente europeu,
além de outros países pelo mundo [2]. Segundo a International Canoe Federation [8], uma partida oficial é disputada entre duas equipes de cinco jogadores em uma
82
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
quadra na água durante dois tempos de dez minutos.
O objetivo é arremessar a bola dentro do gol adversário que fica suspenso a 2 metros de altura da água. No
Brasil ele ainda foi pouco disseminado e, portanto,
apresenta grande potencial de crescimento.
Considerando todos os dados acima descritos,
o objetivo desse trabalho de extensão universitária foi
implantar e desenvolver um programa de canoagem, incluindo o caiaque pólo, na Raia Olímpica do Centro de
Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP) para atender não apenas os jovens da própria
universidade, mas também da comunidade externa.
MATERIAIS E MÉTODOS
LOCAL, EQUIPE PEDAGÓGICA, DURAÇÃO E
ESTRUTURA DOS CURSOS
O estudo foi integralmente conduzido nas dependências da Raia Olímpica do CEPEUSP entre os
anos de 2008 e 2010. A equipe pedagógica foi composta por um coordenador docente da Escola de Educação Física e Esporte, um professor e técnico em
canoagem do CEPEUSP e por dois estagiários, sendo
esses últimos graduandos em bacharelado em Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte da
Universidade de São Paulo (EEFE-USP) e bolsistas do
programa Aprender com Cultura e Extensão da PróReitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP
durante o período de estágio.
No decorrer desse estudo foram realizados 14
cursos de canoagem, sendo seis de iniciação em caiaque pólo para alunos com mais de 16 anos de idade (incluindo universitários), seis de iniciação em canoagem
para crianças e adolescentes entre 8 e 16 anos de idade
e dois de aperfeiçoamento em canoagem para crianças e adolescentes entre 8 e 16 anos de idade. Foram
realizados cursos semestrais com duas aulas semanais
de uma hora cada e cursos intensivos durante as férias escolares de verão (janeiro) e de inverno (julho)
com quatro aulas semanais de uma hora e meia cada.
A “Figura 1” (ver Anexo) demonstra a distribuição dos
cursos durante esse período de três anos.
As primeiras aulas de cada curso foram teóricas, ministradas com auxílio de vídeos e imagens
e compostas pela apresentação do histórico, das diferentes modalidades e da atual prática de canoagem
no mundo. Apresentamos o local e os materiais – por
exemplo, caiaques, remos e coletes – para cada turma,
ressaltando os cuidados necessários para a utilização
desses e, antes de qualquer aula prática na raia, foram
realizados testes de natação (nadar 100 metros sem
parar) para avaliar se os alunos de fato conseguiam
nadar, sendo tal habilidade pré-requisito para realizar
qualquer um dos cursos. Posteriormente, ocorreram
as diversas aulas práticas de cada curso específico com
os mais diversos objetivos como, por exemplo, desenvolver equilíbrio nos caiaques e adquirir novas técnicas de manobras e controle de embarcações.
IMPLANTAÇÃO DO CAIAQUE PÓLO NA RAIA OLÍMPICA
A fim de viabilizar parte da aplicação do projeto, realizamos uma parceria com a seleção paulista de
caiaque pólo. Com o auxílio dos funcionários do CEPEUSP, construímos na Raia Olímpica uma quadra
de caiaque pólo com medidas oficiais que passou a ser
utilizada para os treinamentos da seleção paulista dessa
modalidade. Em contrapartida, os atletas auxiliaram
nesses cursos, transmitindo para o professor e os estagiários os conhecimentos técnico-táticos específicos
da modalidade. Além disso, no período que antecedia
o Campeonato Mundial de Caiaque Pólo de 2010, que
ocorreu em Milão, na Itália, a seleção brasileira passou
uma semana treinando na Raia Olímpica, permitindo
que nossa equipe observasse e filmasse tais treinos para
posterior análise das técnicas e táticas do jogo.
DESENVOLVIMENTO DE MATERIAIS TEÓRICOS
Tendo em vista a escassez de material didático,
foi necessário planejar mais amplamente as aulas, além
de sintetizar todo o conhecimento adquirido para o
aprimoramento dos próximos cursos. Portanto, para o
planejamento e periodização das aulas, utilizamos planilhas desenvolvidas pela própria equipe com auxílio
de um programa de planilha eletrônica. Além disso,
diante da escassez de materiais teóricos sobre caiaque
pólo no Brasil, elaboramos uma apostila contendo
desde o histórico e as regras básicas de uma partida até
a aplicação de treinamentos para os alunos e atletas.
RESULTADOS
Os dados quantitativos dos cursos práticos ministrados durante os três anos estão expressos na “Tabela
1” (ver Anexo). A aderência dos alunos a cada curso foi
alta e, mesmo que um número limite de inscrições não
tenha sido divulgado, em alguns cursos de iniciação ficamos perto de um limite de alunos (~10) que permitisse
ao professor ministrar a aula com qualidade e segurança.
A “Figura 2” (Ver Anexo) demonstra os alunos dos cursos de férias de verão.
A quadra de caiaque pólo construída na Raia
Olímpica e utilizada nos treinos da seleção paulista de
caiaque pólo, bem como nas aulas de iniciação à modalidade, está ilustrada na “Figura 3” (ver Anexo).
A apostila sobre caiaque pólo construída pelo
nosso grupo pode ser acessada através da página eletrônica do CEPEUSP, <www.cepe.usp.br>.
DISCUSSÃO
O objetivo desse trabalho de extensão universitária foi desenvolver um programa de canoagem na
Raia Olímpica do CEPEUSP para motivar jovens a
praticarem exercícios físicos regularmente. Buscando
mais do que as aulas de canoagem já oferecidas regularmente pelo CEPEUSP para alunos da USP, o propósito do nosso programa foi atingir também jovens
da comunidade externa à USP, além de implantar uma
atividade nova no local, o caiaque pólo.
A canoagem é uma modalidade muito antiga, a
qual diversos países apresentam uma tradição em sua
prática. Entretanto, importantes fatores contribuem
para isso como, por exemplo, infraestrutura adequada, apoio das autoridades e trabalhos de extensão da
modalidade [9]. De acordo com Nascimento (2010),
essas atitudes ajudam a criar prestígio, melhorar a qualidade do esporte e a consciência dos praticantes. Aqui
no Brasil não vemos essa tradição, provavelmente pela
ausência dos fatores citados acima. Contudo, ao utilizar
o espaço da Raia Olímpica da USP, como a “infraestrutura adequada”, o programa Aprender com Cultura e Extensão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão
Universitária da USP como “apoio das autoridades” e o
oferecimento de cursos à comunidade como “trabalhos
de extensão da modalidade”, obtivemos uma grande
procura e adesão de alunos. Isso sugere que esses pilares
necessitam de fortalecimento para que a modalidade de
fato consiga ser desenvolvida. Embora o nosso programa tenha apresentado ímpeto para tal, ainda estamos
muito longe da massificação da canoagem no país.
Embora não avaliado por nosso grupo, é possível
PRÁTICA E ENSINO DE CANOAGEM: UMA MODALIDADE ALTERNATIVA E PROMISSORA
83
especular também que os cursos conduzidos nesse trabalho tenham contribuído significativamente para o
desenvolvimento de domínios físicos, motores e sociais.
Além disso, as aulas serviam como estratégia importante na formação de um cidadão devido à necessidade de
cuidar dos materiais, de cooperar com os outros alunos
e, principalmente, pelo contato e respeito à natureza.
Além das aulas práticas, ocorreram duas importantes produções teóricas durante o desenvolvimento
desse projeto, sendo elas as tabelas de periodização e a
apostila sobre caiaque pólo. Ambas serviram como elementos facilitadores na gestão das aulas. No entanto, o
mais interessante é que esse material pode ser utilizado
novamente por outros profissionais da área, facilitando a aplicação de futuras aulas e/ou treinamentos.
Como limitação, nosso trabalho não foi capaz de
se expandir a ponto de permitir que os alunos continuassem livremente a prática. Ou seja, embora tenhamos estrutura física e potencial para tal, maiores divulgações da
modalidade e investimento em materiais e profissionais
seriam necessários. É necessário extrapolar o programa
para ambientes externos à universidade – por exemplo,
lagos ou represas. Entretanto, é inegável que isso demanda processos burocráticos e de segurança maiores do
que os enfrentados pelo nosso grupo.
Em suma, a canoagem, incluindo o caiaque
pólo, é uma modalidade esportiva que apresenta grande potencial de crescimento no Brasil. Portanto, trabalhos de extensão como esse são essenciais para o seu
desenvolvimento e firmamento no país. Além disso,
elaborar diferentes materiais teóricos é fundamental
para que futuras intervenções práticas possam se basear
e usufruir de experiências prévias.
CONCLUSÃO
Considerando os diversos benefícios do treinamento físico e baseados na necessidade de motivação
para sua prática, acreditamos que nosso programa tenha sido efetivo ao servir como possibilidade de esporte alternativo dentro da cidade de São Paulo.
84
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
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do exercício: do atleta ao cardiopata. 3. ed. Barueri:
Manole, 2010.
[11] STYNE, D. M. Obesity in childhood: what’s activity
got to do with it? The American Journal of Clinical
Nutrition, v. 81, n. 2, p. 337-338, 2005.
[12] VAISBERG, M.; ROSA, L. F. B. P. C.; MELLO, M.
T. O exercício como terapia na prática médica. 1.
ed. São Paulo: Artes Médicas, 2005.
AGRADECIMENTOS
A todos os alunos e amigos que contribuíram
ou contribuem para o desenvolvimento da canoagem
na Raia Olímpica da Universidade de São Paulo.
PRÁTICA E ENSINO DE CANOAGEM: UMA MODALIDADE ALTERNATIVA E PROMISSORA
85
ANEXO
TABELA 1
CURSOS
Iniciação em CP (n = 6)
Média para cada curso de CP
Iniciação em canoagem (n = 6)
Média para cada curso de canoagem
Aperfeiçoamento (n = 2)
Média para cada curso de aperfeiçoamento
Total (n = 14)
Média total por curso
N. DE ALUNOS
MATRICULADOS
N. DE
DESISTÊNCIAS
N. DE AULAS
MINISTRADAS
49,0
7,0
88,0
8,1 ± 2,5
1,6 ± 0,9
14,6 ± 6,2
34,0
5,0
96,0
5,6 ± 1,8
0,8 ± 0,9
16,0 ± 7,5
6,0
0,0
48,0
3,0 ± 0,0
0,0 ± 0,0
24,0 ± 0,0
89,0
12,0
232,0
6,3 ± 2,7
0,7 ± 0,9
16,5 ± 7,1
Dados quantitativos dos cursos. Dados das médias expressos em média ± desvio padrão. CP = caiaque pólo
FIGURA 1
Linha do tempo dos cursos oferecidos
86
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
FIGURA 2
Alunos dos cursos de férias de verão
PRÁTICA E ENSINO DE CANOAGEM: UMA MODALIDADE ALTERNATIVA E PROMISSORA
87
FIGURA 3
Quadra de caiaque pólo na Raia Olímpica
88
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
APRENDIZAGEM PARTICIPATIVA DE MÃES
E FAMILIARES SOBRE A SAÚDE DO RECÉM-NASCIDO:
RELATO DE EXPERIÊNCIA
PARTICIPATIVE LEARNING OF MOTHERS AND FAMILY ABOUT
NEWBORN HEALTH: EXPERIENCE REPORT
*Luciana Mara Monti Fonseca, **Natália Del’Angelo, ***Fernanda Salim Ferreira de Castro,
****Carmen Gracinda Silvan Scochi
RESUMO
A educação em saúde é aspecto fundamental no processo saúde-doença, contribuindo na prevenção e reabilitação. O papel de educador na saúde geralmente cabe ao profissional de Enfermagem. Essa prática tem se dado, não raro, de forma tradicional, pela simples transmissão de
conteúdos. Uma nova vertente da educação em saúde busca a autonomia dos sujeitos, utilizando
metodologias ativas de aprendizagem e práticas participativas. Este trabalho relata a vivência
de grupo formado com o intuito de potencializar a emancipação das famílias nos cuidados aos
recém-nascidos, prematuros ou não, e construir o conhecimento através de colaboração e participação. As atividades educativas em grupo foram realizadas em dois hospitais de Ribeirão
Preto, conduzidos por alunos de graduação e pós-graduação em Enfermagem sob orientação do
pesquisador. As estratégias utilizadas nos grupos foram: jogos de tabuleiro e de cartas, cartilha e
distribuição de figuras para discussão. Conclui-se, após participação dos envolvidos, que as atividades de educação em saúde contribuíram com o processo de construção e integração do saber
de familiares e equipe de saúde neonatal e para a construção de uma assistência mais integral e
humanizada, auxiliando na busca da emancipação das famílias dos bebês.
Palavras-chave: Enfermagem neonatal. Educação em saúde. Família.
* Professora doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP) – R. Doutor Hortêncio Mendonça Ribeiro, 1.265. – 14026-090 – Jd. Califórnia – Ribeirão Preto - SP – e-mail: [email protected]. ** Enfermeira e mestranda do Departamento de Enfermagem MaternoInfantil e Saúde Pública da EERP-USP. *** Enfermeira e mestranda do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde
Pública da EERP-USP. **** Professora titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da EERP-USP
– e-mail: [email protected].
APRENDIZAGEM PARTICIPATIVA DE MÃES E FAMILIARES SOBRE A SAÚDE DO RECÉM-NASCIDO
91
ABSTRACT
The health education is a crucial issue in health-disease process, contributing in prevention and
rehab. The educator role in health usually behooves to nursing professional. This practice has
been occurred in a traditional way, simply through content transmission. There is a new health
education side that aims people’ autonomy and participative practices. This study report the
experiences of a group formed to potentiate family’s emancipation in newborn care, preterm or
not, and to build knowledge through collaboration and participation. Educative activities were
realized in two hospitals of Ribeirão Preto, conducted by undergraduate and graduate students
in nursing under supervisor orientation. The strategies used on groups were: board games, card
game, educational guideline and distribution of pictures to discussion. After participation of
involved people, it can be concluded that the educational activities contributed with build and
integration process of know-how by families and neonatal health team, and for a more integral
and humanized assistance helping to emancipate babies’ families.
Key words: Neonatal nursing. Health education. Family.
92
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
INTRODUÇÃO
A educação em saúde constitui aspecto fundamental no processo saúde-doença, atuando, sobretudo, na prevenção e reabilitação. Ela tem sido alvo de
reflexão e busca de aperfeiçoamento no que tange à
construção do conhecimento; acredita-se na mudança
de ótica pela qual se analisa tal educação, avançando
da simples transmissão de informações para a troca de
experiências e saberes. Assim, confere melhores práticas educacionais aos profissionais de saúde que lidam
diariamente com clientes destes serviços.
Toledo, Rodrigues e Chiesa [11] verificaram,
em um trabalho de revisão de literatura, que a educação em saúde geralmente é atribuída ao profissional
de enfermagem e tem sido realizada por simples transmissão de conteúdos. Tal forma de educação, denominada tradicional e criticada por Freire [6] pelo caráter
unilateral de depósito de conhecimentos no aprendiz
sem oportunidade de troca e compartilhamento de experiências, persiste na estrutura de muitas equipes de
saúde, devido a uma formação majoritariamente biologicista e construída na hierarquia do saber.
Em contraposição aos estudos que descrevem a
educação realizada de forma tradicional, Pereira [10]
afirma que educação em saúde consiste em mais que
transmissão de informações; constitui-se de uma combinação de oportunidades que favorecem para a manutenção e promoção da saúde, ao utilizar práticas
educativas que buscam a autonomia dos sujeitos na condução de sua própria vida. Essa afirmação corrobora
com a elaboração de metodologias ativas de aprendizagem que, por dispor de recursos dinâmicos e valorizar
a colaboração entre indivíduos, promove a educação
em saúde de forma participativa, a partir do pressuposto que o profissional de saúde aprende também com o
usuário do serviço enquanto compartilha com ele seus
conhecimentos acerca dos temas abordados.
Machado et alli [8] ressaltam a importância de se
estabelecer estratégias de aprendizagem que favoreçam
o diálogo, a troca e a transdisciplinaridade entre saberes
formais e informais, envolvendo diversos profissionais
e o cliente. Em concordância com os autores, destacamos que, desta forma, é estabelecido um alicerce eficaz
na busca da concretização da integralidade em saúde.
Portanto, é de fundamental importância a percepção das metodologias ativas de aprendizagem pelos profissionais de saúde, considerando que estes são
membros ativos na orientação e educação em saúde
de seus pacientes e que necessitam de aprimoramento
nesta relação educativa, com o intuito de torná-la mais
significativa, dinâmica e eficaz.
Um estudo realizado em 2005 com grupos de
pacientes em educação em saúde alimentar aponta a
deficiência de adesão dos pacientes em muitas orientações oferecidas no dia a dia, dada a superficialidade
da comunicação entre profissionais da saúde e usuários do serviço de saúde, geralmente identificada na
assistência, segundo Mafficiolli [9].
A realização de atividades em grupo permite maior interação entre os membros participantes,
confrontando e aproximando suas realidades e permitindo a troca de experiências. Mafficiolli [9] ainda afirma que este recurso favoreceu os profissionais
participantes em seu estudo, permitindo ampliar o
olhar no que tange ao cotidiano dos pacientes. Isto se
faz fundamental para a qualidade da assistência e da
educação em saúde, uma vez que motiva o profissional
a refletir sobre as mais diversas situações que influenciam e permeiam a execução de tarefas requeridas na
prevenção em saúde.
É conhecido que a educação em saúde tem potencial para promover autonomia da família do recém-nascido, visando à alta hospitalar. A atuação dos
profissionais junto ao preparo dos pais e familiares do
bebê para que estes assumam os cuidados de seu filho
recém-nascido no contexto familiar é crucial, uma vez
que, através da educação em saúde, é conferido aos
pais empoderamento do saber cuidar de seu bebê.
Espera-se que estas atividades de educação em
saúde auxiliem na autonomia e emancipação de familiares para o cuidado hospitalar e domiciliar dos
bebês, vislumbrando o cuidado centrado na família,
integral e humanizado a esta clientela.
OBJETIVO
•
Descrever o desenvolvimento de atividades educativas junto às famílias sobre os cuidados ao recémnascidos a termo e pré-termo.
APRENDIZAGEM PARTICIPATIVA DE MÃES E FAMILIARES SOBRE A SAÚDE DO RECÉM-NASCIDO
93
AS ATIVIDADES DE EDUCAÇÃO EM
SAÚDE JUNTO À CLIENTELA
As atividades de educação em saúde foram realizadas por quatro estudantes de graduação em Enfermagem
e dois pós-graduandos do Programa de Pós-Graduação
Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(EERP-USP), com grupos de puérperas, gestantes e
suas famílias, em dois hospitais de Ribeirão Preto-SP,
o Centro Estadual de Referência à Saúde da Mulher
(Mater) e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(HCFMRP-USP).
Estas atividades educativas estão vinculadas ao
projeto de extensão universitária O cuidado ao bebê prematuro: utilização de metodologias ativas e objeto de aprendizagem
na educação em saúde da família na unidade neonatal. A proposta
da extensão consiste em oferecer às famílias de bebês
prematuros uma forma de orientação mais inclusiva
do ponto de vista da participação dos pais e familiares, com características didáticas baseadas no lúdico,
no uso de materiais de ensino, como jogos educativos
e na cartilha Cuidados com o bebê prematuro: orientações para
a família, de Fonseca e Scochi [4], que utiliza figuras
coloridas, linguagem adequada, fácil entendimento e
que a família pode levar para consulta em casa. Além
do estímulo à participação, o projeto tem o intuito de
auxiliar as famílias no processo de empoderamento e
autonomia do cuidado de seu bebê.
Foram realizadas ações de educação em saúde lúdico-pedagógicas semanais junto aos familiares de bebês
prematuros e de risco assistidos no HCFMRP-USP, tanto no alojamento conjunto neonatal como nas unidades
de cuidados intensivos e intermediários neonatais. Na
Mater, os encontros ocorreram na sala de cursos do ambulatório, com as puérperas que aguardavam a alta hospitalar após avaliações clínicas do binômio pela equipe
de saúde, e com gestantes, mães e familiares que se faziam presentes na unidade para acompanhamento prénatal. Inicialmente, o projeto foi pensado apenas para
a família do bebê pré-termo. Porém, por solicitação da
equipe de saúde dos hospitais e da própria clientela, e
entendendo que as discussões não englobam apenas as
especificidades do nascimento prematuro, mas que as
famílias expressavam suas dúvidas, muitas vezes sobre os
cuidados simples do cotidiano, as atividades foram expandidas para as famílias dos bebês a termo.
94
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
É importante relatar que houve diminuta participação de familiares como pai, avó e avô e tios nos
encontros de ambos os cenários de desenvolvimento
do projeto de extensão. A presença das mães foi mais
expressiva devido à relação mais próxima entre mãe e
bebê nos processos conjuntos de cuidar e amamentar e pelo papel comumente assumido pela mulher em
relação ao seu filho. Muitos familiares expressaram
o desejo de participação nas atividades educacionais
propostas, mas estavam trabalhando nestes períodos.
A mulher é considerada a principal responsável
pelo cuidado da família, sendo ela, na maioria das vezes, a cuidadora cotidiana dos filhos. A criança, após o
nascimento, é totalmente dependente; embora possua
todas as potencialidades para sobreviver, precisa de cuidados que não pode prestar a si mesma, sendo geralmente a mãe a cuidadora, segundo Zanatta e Motta [13].
Optamos por não realizar as atividades educativas
em horário próximo ao de visita devido à ansiedade das
mulheres que aguardavam seus familiares e consequente comprometimento na participação nas atividades.
Com o objetivo de aperfeiçoar a estratégia de
intervenção, foram realizados previamente, e durante
as atividades, estudos teóricos sobre a temática educação em saúde, autonomia dos usuários dos serviços de
saúde, metodologias ativas e desenvolvimento e uso de
materiais educacionais.
Os materiais de ensino utilizados variaram a
cada encontro, sendo mais utilizados os jogos de tabuleiro, jogo de cartas, cartilha, figuras de situações
do cotidiano para discussão e folders. No início das
reuniões era sempre realizada a apresentação dos participantes, com dinâmicas e, ao final das atividades,
eram distribuídos exemplares da cartilha educativa.
O uso e posterior distribuição da cartilha educativa são justificados pela necessidade, relatada pelas
famílias no contato em serviços de saúde, de ter um
material em mãos que pudessem ler mais calmamente
e quando a dúvida surgisse em casa.
Acreditamos que as dinâmicas ativas, auxiliadas
pelo uso dos materiais de ensino acima citados, favoreceram a interação entre as participantes que foram
pró-ativas nas discussões, uma vez que as atividades
permearam a troca de experiências e manifestação de
dúvidas, crenças e preocupações. Os jogos de tabuleiro
foram desenvolvidos por Fonseca e Scochi [2] e se intitulam Mamãe e o bebê e Mamãe e o pequeno bebê, voltados para
recém-nascidos a termo e pré-termo, respectivamente.
Para a sua execução, os participantes eram divididos em
grupos, identificados com crachás coloridos preparados
manualmente, e eram explicadas as regras da atividade,
destacando que não se tratava de uma aula tradicional
e que a participação de todos era muito importante, de
modo que qualquer dúvida ou opinião deveria ser manifestada para uma maior troca de experiências.
O jogo de cartas foi criado pelas estudantes
de graduação especificamente para as atividades de
educação em saúde, contendo figuras que eram distribuídas para fomentar as discussões da roda, como
disparador. As figuras foram extraídas da própria cartilha, de modo que a mãe, ao ler a cartilha posteriormente, pudesse associar a figura já manuseada com o
conhecimento construído no grupo.
Além disso, foram distribuídos folders de
orientação sobre o cuidado do bebê, sua saúde e hospitalização nas atividades no HCFMRP. O público, em
roda, era estimulado à discussão e ao esclarecimento
de questões relevantes à saúde da criança.
As atividades educativas embasadas nas metodologias ativas permitiram a participação ativa dos
envolvidos, contribuindo muito com as discussões e
construção dos seus próprios conhecimentos. De diferentes formas, cada participante cooperou com as
discussões, afirmando temas com base em crenças e informações anteriormente obtidas, relatando experiências prévias, suas dúvidas, que desconhecia informações
ou que nunca havia refletido sobre o assunto antes.
As metodologias ativas estão alicerçadas em um
princípio teórico significativo: a autonomia, segundo
Freire [7]. A busca da autonomia pode ser potencializada pela interação com o outro.
A interação entre os envolvidos foi estimulada
não somente pelos estudantes, mas também pelos próprios participantes, de modo que a troca de experiências e as respostas às dúvidas saíram dos seus pares; os
estudantes interferiram apenas nas colocações que representariam riscos à saúde das crianças.
As principais demandas de discussão permearam conteúdos referentes aos cuidados do cotidiano:
banho e higiene do recém-nascido; segurança; ordenha mamária; amamentação e outros alimentos; cólica
e choro do bebê; sinais de risco; uso de mamadeiras e
chupetas; banho de sol e outros temas.
No estudo de Fonseca et alli [3], os participantes das atividades educativas trouxeram, através
de círculos de discussão, os assuntos de interesse para
o processo ensino-aprendizagem sobre seus bebês,
agrupados em: cuidados diários; alimentação; higiene; cuidados especiais e relacionamento familiar. Estes assuntos são voltados para as práticas cotidianas, de
cuidados simplificados.
As crenças e os costumes, há muito desmistificados, ainda foram manifestados pelos participantes,
demonstrando que as informações consideradas adequadas, muitas vezes, se restringem a determinada população, ou que as opiniões que constituem o senso comum
acerca da saúde do binômio mãe-bebê ainda são muito
fortes, mesmo na era da comunicação e informação.
Por outro lado, destacamos as manifestações de
participantes que se basearam em informações adquiridas em sites on-line de saúde do bebê voltados para
apoio de pais. Isto demonstra autonomia e interesse
relativo à busca de conhecimentos em saúde, além da
utilização de meios tecnológicos para o aprendizado
desta natureza. Muitos também relataram informações
adquiridas por meio de programas de televisão e telejornais. Orientamos aos participantes que, quando
navegassem pela internet à procura de informações sobre saúde, dessem preferência aos sites governamentais e artigos científicos.
A partir disso, podemos refletir que a atitude
dos pais em procurar respostas aos seus questionamentos auxilia no empoderamento da família no cuidado ao seu bebê e na tomada de decisão para preservar
sua saúde e prevenir agravos. Contraditoriamente, a
família está mais exposta às informações inadequadas
disponíveis na internet; demonstrando a importância
do papel educativo do profissional de saúde.
O período pós-parto é carregado de mitos,
crenças e costumes que necessitam de atenção do profissional, que deve respeitar as crenças e as práticas
culturais de cada família, na medida em que não prejudiquem a saúde do filho. O cuidado, permeado por
práticas culturais, vem através das gerações; a equipe,
muitas vezes, não as valoriza, e até despreza essas crenças, gerando conflitos com as famílias, segundo Tomeleri e Marcon [12].
Cabe ressaltar que os envolvidos nas atividades
de educação em saúde expressaram que se sentiram satisfeitos e felizes por poder tirar dúvidas sem medo e
constrangimento, por colaborar com o grupo através
de experiências próprias e que ainda se divertiram em
aprender jogando, esquecendo que estavam no hospital.
Além da efetiva participação das famílias, em
APRENDIZAGEM PARTICIPATIVA DE MÃES E FAMILIARES SOBRE A SAÚDE DO RECÉM-NASCIDO
95
alguns encontros realizados na Mater contamos com a
presença de diferentes profissionais da área da saúde,
como nutricionista, enfermeira, psicóloga e assistente
social. Não foi possível a manutenção fixa deste grupo multiprofissional em todos os encontros devido às
várias demandas de atendimentos realizados por ele.
Todavia, ressaltamos a riqueza das discussões quando
incorporados tais profissionais ao grupo. Esta possibilidade de participação já foi sugerida em estudo anterior por Delfino et alli [1], bem como foi sugerida
elaboração de mais estudos, com metodologia participante e colaboração interdisciplinar em saúde, para
fins de produção de novos conhecimentos com atenção às múltiplas dimensões e conexões manifestadas
mediante este tipo de integração.
Pela alta precoce, para a maioria das famílias
participantes das atividades, foi realizado apenas um
encontro de cerca de uma hora. Isto gerou ansiedade
nas estudantes por terem pouco tempo para a discussão de tantos assuntos. As estudantes entenderam que
os assuntos levantados durantes as discussões eram as
principais dúvidas e que este momento de encontro estimulou as famílias a repensar outros. Reconhecemos a
importância da alta precoce e a continuidade da assistência na atenção primária à saúde, acreditando que seria uma estratégia interessante a implantação de grupos
de educação e apoio no continuum da assistência. Em
2000, Frederico, Fonseca e Nicodemo [5] sugeriram a
articulação entre o serviço de atendimento domiciliar
e o hospitalar onde foi realizada intervenção educacional, através da qual seria possível verificar a aplicabilidade dos conhecimentos apreendidos e auxiliar as
famílias em outras dúvidas e necessidades de saúde.
Cabe salientar que, eventualmente, algumas gestantes que acompanham o pré-natal na Mater compareceram mais de uma vez nos encontros. Elas puderam
contribuir com o grupo com base em conhecimentos
construídos anteriormente, sentindo-se mais confiantes com a informação e satisfeitas por poder colaborar
com outras famílias; estas relataram a importância destes momentos de troca de informações e experiências.
Examinando atentamente as atividades educacionais em grupo, é importante considerar a possibilidade de conflitos e choque de opiniões entre os
participantes e a necessidade de preparo do facilitador
frente a tais situações. O tema saúde contém assuntos
permeados por saberes científicos e de senso comum,
sendo que este último ainda apresenta variações que
96
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
dependem da cultura familiar e das experiências de
vida, o que pode gerar pluralidade de pontos de vista a
respeito de um mesmo aspecto e, mesmo que implicitamente, conflitos.
Este fato foi relatado por Mafficioli e Lopes [9]
em sua intervenção; também destacamos raras ocorrências de tal situação em nossas atividades. É fundamental que o assunto seja retomado e os demais
participantes sejam encorajados a contribuir com novas informações e experiências, no intuito de socializar a questão, com o cuidado de evitar o subjugo de
qualquer pessoa envolvida na interação grupal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ponderando a respeito da relevância do papel
de educador do enfermeiro no serviço de saúde, acreditamos que a iniciativa do projeto tem estimulado os
profissionais de saúde dos dois hospitais na ampliação
das atividades e a investirem na eficácia e na qualidade
das orientações oferecidas no cotidiano.
Acreditamos que as metodologias ativas de
aprendizagem dinamizam as atividades e potencializam
as discussões e a construção pró‑ativa dos conhecimentos. As atividades educativas tornaram-se mais atrativas
e inclusivas por valorizar o conhecimento do outro e
considerar suas experiências prévias. Estas características estimularam a atenção e a motivação para aprender e ensinar não somente por parte da clientela, mas
também dos profissionais, que se sentiram instigados a
ousar nas inovações educacionais e dar voz à clientela.
As atividades de educação em saúde realizadas
neste projeto de extensão universitária contribuíram
com o processo de construção e integração do saber de
familiares e equipe de saúde neonatal. Contribuíram
para a construção de uma assistência mais integral e
humanizada, bem como auxiliaram na busca da autonomia e emancipação das famílias dos bebês, inclusive de risco, no tocante aos cuidados com seus filhos e
promoção de saúde.
Os encontros de educação em saúde contribuíram com a formação dos estudantes a partir da inserção em projeto de extensão de serviços à comunidade e
em reuniões técnico-científicas, instigando-os a pensar novas formas de assistir participativamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1]
DELFINO, M. R. R. et al. O processo de cuidar
participante com um grupo de gestantes: repercussões na saúde integral individual-coletiva. Ciência &
Saúde Coletiva, v. 9, n. 4, p. 1057-1066, 2004.
[2] FONSECA, L. M. M.; SCOCHI, C. G. S. Inovando
a assistência de enfermagem ao binômio mãe-filho
em alojamento conjunto neonatal através da criação
de um jogo educativo. Revista Latino-Americana
de Enfermagem, v. 8, n. 5, p. 106-108, 2000.
[3] FONSECA, L. M. M. et al. Cartilha educativa para
orientação materna sobre os cuidados com o bebê
prematuro. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 12, n. 1, p. 65-75, 2004.
[4] FONSECA, L. M. M.; SCOCHI, C. G. S. Cuidados
com o bebê prematuro: orientações para a família.
Ribeirão Preto: FIERP, 2009. 64 p.
[5] FREDERICO, P.; FONSECA, L. M. M.; NICODEMO, A. M. C. Atividade educativa no alojamento
conjunto: relato de experiência. Revista Latino‑Americana de Enfermagem, v. 8, n. 4, p. 38-44, 2000.
[6] FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 45. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2006a.
[7] FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33. ed. São Paulo: Paz e
Terra; 2006b.
[8] MACHADO, M. F. A. S. et al. Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas
do SUS - uma revisão conceitual. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 12, n. 2, p. 335-342, 2007.
[9] MAFFACCIOLLI, R.; LOPES, M. J. M. Educação
em saúde: a orientação alimentar através de atividades em grupo. Acta Paulista de Enfermagem, v. 18,
n. 4, p. 439-445, 2005.
[10] PEREIRA, A. L. Educação em saúde. In: FIGUEIREDO, N. M. A. (org.). Práticas de enfermagem:
ensinando a cuidar em saúde pública. São Paulo: Difusão, 2003. p. 25-46.
[11] TOLEDO, M. M.; RODRIGUES, S. C.; CHIESA, A. M. Educação em saúde no enfrentamento da
hipertensão arterial: uma nova ótica para um velho
problema. Texto & Contexto Enfermagem, v. 16, n.
2, p. 233-238, 2007.
[12] TOMELERI, K. R.; MARCON, S. S. Práticas populares de mães adolescentes no cuidado aos filhos.
Acta Paulista de Enfermagem, v. 22, n. 3, p. 272280, 2009.
[13] ZANATTA, E. A.; MOTTA, M. G. C. Saberes e práticas de mães no cuidado à criança de zero a seis meses. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 28, n. 4, p.
556-563, 2007.
APRENDIZAGEM PARTICIPATIVA DE MÃES E FAMILIARES SOBRE A SAÚDE DO RECÉM-NASCIDO
97
AÇÕES DE NUTRIÇÃO NO PROJETO BANDEIRA CIENTÍFICA:
ESTUDO DAS EXPEDIÇÕES DE 2005 A 2010
ACTIONS OF NUTRITION IN “BANDEIRA CIENTÍFICA” PROJECT:
STUDY OF THE EXPEDITIONS FROM 2005 TO 2010
*Jaqueline Lopes Pereira, **Viviane Laudelino Vieira, ***Luiz Fernando Ferraz da Silva,
****Patricia Constante Jaime
RESUMO
Bandeira Científica é um projeto de extensão universitária da Universidade de São Paulo, que
consiste em expedições para cidades brasileiras com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, a fim de melhorar as condições de saúde da população. Diversas áreas integram o Bandeira
Científica, dentre elas, a Nutrição. Este artigo visa descrever e avaliar a participação da equipe de
Nutrição no projeto Bandeira Científica. Foi realizada pesquisa do tipo avaliativa, desenvolvida
por meio de análise de relatórios de cada expedição e entrevistas com ex-participantes da equipe
de Nutrição do Bandeira Científica. As atividades realizadas em cada expedição em que houve
participação da Nutrição (2005 a 2010) são descritas e comparadas com as ações preconizadas
pelo Ministério da Saúde. A participação da equipe de Nutrição vem se ampliando e estabilizando no Bandeira Científica. As experiências obtidas a cada ano de participação no projeto permitiram que as ações de Nutrição no Bandeira Científica buscassem, de maneira convergente ao
preconizado pelo Ministério da Saúde, melhorar a saúde da população das cidades em que atua e
desenvolver os participantes do projeto tanto no âmbito profissional quanto humano.
Palavras-chave: Extensão universitária. Nutrição. Atenção básica em saúde.
ABSTRACT
Bandeira Científica is a university extension project of São Paulo University, which consists in
expeditions to Brazilian cities with low Human Development Index, intending to improve health
conditions in the cities visited. Several undergraduate courses take part in the Bandeira Científica
project, among them, Nutrition. This article aims to describe and evaluate the participation of
the Nutrition team in the Bandeira Científica project. It was made an evaluative research, using documentary analysis and interviews with former members of Nutrition team in Bandeira
Científica project. The nutrition activities developed in the expeditions from 2005 until 2010
were described and compared to the food and nutrition actions in primary care preconized by
Brazilian Ministry of Health. The participation of Nutrition team has been amplifying and settling. The experiences accumulated during the project expeditions converge with the preconized
food and nutrition actions on primary care, resulting in activities that might improve the health
condition of the population of the visited cities. These experiences also help to develop professional and human skills and competencies among the students who are members of the project.
Key words: University extension. Nutrition. Basic health care.
* Graduanda em Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e participante do projeto
Bandeira Científica – e-mail: [email protected]. ** Nutricionista, doutoranda em Nutrição em Saúde Pública da FSP-USP e
discutidora do Projeto Bandeira Científica. *** Médico, professor doutor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e coordenador do projeto Bandeira Científica. **** Nutricionista, professora doutora da FSP-USP e coordenadora
geral de Alimentação e Nutrição da CGAN.
AÇÕES DE NUTRIÇÃO NO PROJETO BANDEIRA CIENTÍFICA: ESTUDO DAS EXPEDIÇÕES DE 2005 A 2010
99
INTRODUÇÃO
Criado em 1957 pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenado
pelo Departamento de Patologia da FMUSP, o Bandeira
Científica (BC) é um projeto de extensão universitária
que consiste em expedições para cidades brasileiras com
baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), envolvendo, atualmente, acadêmicos de múltiplas unidades da Universidade de São Paulo, tais como Medicina,
Fisioterapia, Nutrição, Fonoaudiologia, Engenharia
Civil e Ambiental, Audiovisual, entre outras.
Segundo informações oficiais do projeto [1],
no período de 1957 a 1969, os focos eram a pesquisa
científica e a educação. Devido a problemas políticos
que ocorriam no Brasil nessa época, o projeto precisou ser interrompido e foi retomado apenas em 1998.
Desde então, o BC se propõe a alinhar atividades educacionais, científicas e assistenciais às necessidades das
cidades que visita, procurando cumprir seu papel de
projeto universitário, com atuação efetiva na formação dos alunos de graduação, não apenas focalizando
preceitos técnicos, mas também valorizando o desenvolvimento da cidadania ao futuro profissional.
O projeto busca atuar de forma a garantir o
desenvolvimento da saúde das regiões em que atua,
compreendido como o “completo estado de bem-estar
bio-psico-social” [14], que inclui não apenas a abordagem das doenças, mas também dos aspectos ambientais e sociais a elas relacionadas. Devido a esse objetivo,
foram incorporadas outras áreas além da Medicina,
iniciando pela Fisioterapia, em 2002; a Nutrição, por
sua vez, aderiu ao BC em 2005. Atualmente, diversos outros cursos integram o projeto, tais como Psicologia, Odontologia, Fonoaudiologia, Engenharia e
Agronomia.
Com o objetivo de melhorar as condições de
saúde da população da cidade visitada, percebeu-se que
as emergentes e crescentes demandas de atenção à saúde
decorrem, principalmente, dos agravos que acompanham as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)
e as deficiências nutricionais, ambas associadas a uma
alimentação e a modos de vida não saudáveis [5].
Vários estudos mostram que o Brasil convive com a transição nutricional, determinada frequentemente pela má alimentação [2, 9]. Algumas
de suas consequências, as DCNT, são associadas às
causas de morte mais comuns atualmente. Segundo
100
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
a Organização Mundial da Saúde, a hipertensão arterial e a obesidade correspondem aos dois principais
fatores de risco responsáveis pela maioria das mortes
e doenças no mundo [15]. No Brasil, as doenças cardiovasculares correspondem à primeira causa de morte há mais de 40 anos, acompanhada de um aumento
expressivo da mortalidade por diabetes [7]. Além disso, esse crescimento da obesidade e suas complicações
vêm ocorrendo de maneira significativa também na
população de baixa renda do país [8].
Nesse contexto, a instituição da Política Nacional de Promoção da Saúde pelo Ministério da Saúde
em 2006, com o objetivo de promover a qualidade de
vida e reduzir a vulnerabilidade e os riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes,
tem como um dos seus eixos estratégicos a promoção
da alimentação saudável [4].
De acordo com Burlandy, citado por Vasconcelos
(2008), constatam-se distintas possibilidades de intervenção em nutrição no âmbito da saúde coletiva, sendo a
atenção básica em saúde, representada, sobretudo, pelo
Programa de Saúde da Família (PSF), um espaço privilegiado para se avançar na promoção da alimentação
saudável e na conquista da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), para a qual a integralidade e a intersetorialidade representam princípios fundamentais [12].
Portanto, as ações de alimentação e nutrição na
atenção básica tanto contribuirão para a qualificação
como para a garantia da integralidade da atenção à
saúde prestada à população [5]. Por essas razões, este
trabalho tem como objetivo descrever e avaliar a participação da equipe de Nutrição no projeto de extensão
universitária Bandeira Científica.
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente trabalho consiste em pesquisa do
tipo avaliativa, desenvolvido de agosto de 2010 a julho de 2011 por meio de análise de relatórios de cada
expedição, disponíveis na página eletrônica do projeto, e em entrevistas com ex‑participantes da equipe de
Nutrição do BC.
Foram entrevistados 20 participantes, alguns
presentes em mais de uma expedição. Foram obtidos
dados de 14 alunos que fizeram parte do projeto durante a graduação, denominados bandeirantes, 7 alunos
da graduação que desempenhavam, prioritariamente
funções de gestão do projeto, nomeados diretores e de
11 nutricionistas, cujo papel era o de supervisionar as
atividades desenvolvidas pelos alunos, chamados discutidores. A “Tabela 1” (ver Anexo) descreve o número de
participantes entrevistados e as cidades em que ocorreu
o projeto desde o início da participação da Nutrição.
Os membros da equipe de Nutrição foram convidados a participar da pesquisa via e-mail e aqueles que
aceitaram foram entrevistados pessoalmente. Foram
realizadas entrevistas semiestruturadas, abordando
os seguintes temas: caracterização do participante do
projeto; preparação, treinamentos, atividades e características da expedição a qual participou e opiniões
sobre o projeto e a participação da nutrição. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas.
Para realização deste trabalho, houve análise e
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo,
pelo Protocolo de Pesquisa n. 2.161.
Nutrição no desenvolvimento das atividades propostas, como padronização em antropometria, aulas de
dietoterapia e conduta em atendimento, entre outros,
de acordo com as características de cada grupo e com o
tipo de atividade.
Quanto ao planejamento e preparo das atividades, em 2005, este foi organizado pela nutricionista
responsável pela pesquisa realizada. Nos anos posteriores, os diretores coordenavam o grupo de bandeirantes que, em conjunto, determinavam e elaboravam
as ações a serem feitas na cidade, sob orientação dos
discutidores.
Outra característica comum a todos os anos em
que a Nutrição participou foi o levantamento de dados
epidemiológicos e nutricionais, para possibilitar o conhecimento da população atendida, subsidiando relatórios fornecidos aos gestores da cidade, com propostas
de soluções para os principais problemas encontrados.
EXPEDIÇÃO DE 2005, JOÃO CÂMARA (RN)
RESULTADOS
Em todos os anos, é realizado um complexo processo de preparo, com treinamentos e extenso planejamento da viagem. Sempre ocorre uma pré‑visita, na
qual alguns diretores vão até a cidade meses antes da
expedição para averiguar as necessidades da mesma, e a
infraestrutura necessária para que seja possível receber
o projeto. O auge do BC ocorre durante a expedição,
que é o período em que todos os integrantes vão para
a cidade escolhida e realizam as atividades planejadas,
durante cerca de dez dias. Aproximadamente seis meses após a expedição, alguns diretores retornam à cidade a fim de expor os resultados obtidos com os dados
coletados e propor debates e soluções entre representantes da cidade, gestores e profissionais de saúde.
Porém, apesar de possuir uma estrutura previamente organizada, cada expedição tem características
próprias; as atividades se adaptam às peculiaridades de
cada município e, também, às dos participantes, que
são responsáveis por elaborar tudo o que será realizado. A “Tabela 2” (ver Anexo) apresenta a caracterização geral de cada expedição, e a “Tabela 3” (ver
Anexo), uma síntese das atividades realizadas pela
equipe de Nutrição nesse período.
Em todas as expedições foram realizados treinamentos técnicos para preparar os estudantes de
Esta expedição apresentou um único objetivo:
coletar dados para realização de pesquisa científica que,
por sua vez, visava à avaliação do estado nutricional dos
moradores das diversas casas visitadas pelo projeto por
meio de questionários e antropometria (peso e estatura). Tais informações subsidiaram, posteriormente,
orientações nutricionais de acordo com a realidade e
as possibilidades de cada região ou sub-região do município. Participaram da expedição 5 acadêmicos da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (FSP-USP) e 4 da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), faculdade local convidada
a participar, além de 1 nutricionista que supervisionava o trabalho dos estudantes. Com os dados coletados nessa pesquisa, foi produzido um artigo científico
[11], como mostra a “Tabela 4” (ver Anexo).
EXPEDIÇÃO DE 2006, MACHADINHO D’OESTE (RR)
Este foi o primeiro ano que a Nutrição incorporou a figura do diretor. A equipe foi formada por
7 acadêmicos da FSP-USP, 5 de uma instituição de
ensino local (Faculdade São Lucas) e 1 discutidora. A
partir desse ano, os objetivos da Nutrição no PBC começaram a mudar.
O foco principal da expedição de 2006 foram
os atendimentos nutricionais individualizados (ANI),
que ocorreram em postos de atendimento improvisados em escolas, para indivíduos com distúrbios ou
AÇÕES DE NUTRIÇÃO NO PROJETO BANDEIRA CIENTÍFICA: ESTUDO DAS EXPEDIÇÕES DE 2005 A 2010
101
doenças cujo controle dietético contribui ao tratamento, com avaliação nutricional seguida de orientações práticas em relação aos alimentos e dietas.
Também ocorreram atividades de capacitação
junto aos agentes comunitários de saúde (ACS), com
temas como Higiene e Cuidados com Alimentos, Dietoterapia e Utilização do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN). A escolha dos temas, em
todos os anos, sempre é pautada pela alta prevalência
das doenças e/ou suas complicações na comunidade, e
pelo importante papel que os ACS desempenham no
controle e prevenção destas afecções. O objetivo dessa
atividade é consolidar conceitos sobre esses assuntos,
compreender o contexto em que os ACS estão inseridos e construir, em conjunto, estratégias de ação.
Além das atividades planejadas, durante a expedição, surgiram oportunidades para atuar em outras
atividades, tais como a participação nas Visitas Domiciliares (VD), em que os participantes do projeto
formavam equipes que atendiam indivíduos com algum tipo de dificuldade de locomoção em sua própria
casa, e em uma atividade multidisciplinar num assentamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST), na qual bandeirantes de Nutrição informavam
a população local sobre como ter uma alimentação
saudável. Outra atividade não planejada consistiu no
desenvolvimento de oficinas de alimentação saudável
para aqueles que se encontravam na fila de espera dos
postos de atendimento. Essa ação surgiu a partir de
observação pelos alunos da Nutrição das pessoas que
permaneciam por longos períodos esperando pelo
atendimento, sem participar de nenhuma atividade, e
viram uma oportunidade de atuar nessa situação.
postos de atendimento, dado que muitas não podiam
esperar por muito tempo para serem atendidos.
Outras atividades que merecem destaque são a
oficina de alimentação saudável e aproveitamento integral de alimentos com merendeiras nas escolas, com
elaboração de receitas para ilustrar o conteúdo; e o desenvolvimento do projeto Horta na Escola em conjunto
com a equipe da Escola Superior de Agricultura “Luiz
de Queiroz” da USP (ESALQ), cujo objetivo era construir hortas em espaços nas escolas a fim de reduzir o
custo da merenda escolar e estimular o consumo de frutas, verduras e legumes dos alunos e suas famílias.
Também se perspectivou o levantamento de
dados sobre as condições higiênico-sanitárias dos
distribuidores de alimentos da cidade (por exemplo,
abatedouro e mercado local) a fim de avaliar riscos e
sugerir melhorias para esses estabelecimentos, mas a
ação foi inviabilizada por questões políticas e de aceitação dos proprietários dos locais a serem visitados.
Este foi o primeiro ano em que a Nutrição realizou a administração das refeições para todos os
integrantes do projeto, associada ao treinamento de
higiene e manipulação de alimentos para as merendeiras responsáveis por preparar essas refeições.
Por outro lado, durante a expedição, surgiram
oportunidades de realizar outras atividades. A antropometria da população atendida nos postos, realizada
até aquele momento pelos alunos de Medicina, contou
com o apoio da equipe de Nutrição. Também se desenvolveram atividades educativas com pescadores da
região, que foram orientados sobre alimentação saudável e modo de preparo dos alimentos, e com professores, sobre a importância da alimentação adequada
para as crianças.
EXPEDIÇÃO DE 2007, PENALVA (MA)
As experiências de 2006 tornaram possível o
desenvolvimento de outras atividades para a expedição de 2007. Houve ampliação da equipe, com 8 graduandos da FSP-USP, 4 nutricionistas de São Paulo,
7 bandeirantes e 1 nutricionista da universidade local convidada, a Faculdade Santa Terezinha (CEST).
Também houve ampliação das ações em Nutrição.
Dentre as atividades planejadas, destaca-se o
atendimento nutricional em grupo (ANG) destinado a
indivíduos com características semelhantes, que podem
debater suas dúvidas e encontrar, em conjunto, soluções para problemas em comum. Porém, esta não ocorreu devido à dificuldade em agrupar estas pessoas nos
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REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
EXPEDIÇÃO DE 2008, ITAOBIM (MG)
A equipe foi formada por 6 acadêmicos da FSPUSP, 4 da universidade local convidada (Universidade
Federal de Minas Gerais), 3 nutricionistas de São Paulo e outra atuante na rede pública do município visitado. Diversas atividades que foram bem sucedidas no
ano anterior se repetiram neste ano, porém adaptadas
às especificidades da região. A antropometria realizada nos postos de atendimento tornou-se atividade exclusiva da equipe de Nutrição. Surgiu, também, uma
nova atividade: a oficina educativa com crianças, que
ocorria nas escolas, em conjunto com a Odontologia,
nas quais foram trabalhadas a questão da alimentação
saudável e prevenção de cáries com este público.
Todas as atividades propostas nesse ano ocorreram; porém, algumas delas tiveram que ser reduzidas
em número de atuações, tais como as ações educativas em escolas, devido à indisponibilidade do próprio
município.
Outra atividade prejudicada foi a VD, devido à
ausência do paciente a ser visitado no momento em
que a equipe chega a sua residência.
EXPEDIÇÃO DE 2009, IVINHEMA (MS)
A expedição contou com 11 graduandos em Nutrição da FSP-USP, 1 da universidade local convidada,
a Universidade para o Desenvolvimento do Estado e
da Região do Pantanal (Uniderp), e 5 discutidores.
Dentre as atividades planejadas, foi proposta consultoria para uma cooperativa da cidade que produzia doces caseiros, para elaboração de rótulos dos produtos,
avaliação das condições higiênico-sanitárias do local
de preparo e treinamento de higiene e manipulação
de alimentos para os responsáveis pela elaboração dos
doces. A consultoria para a cooperativa de doces não
ocorreu, pois os dados solicitados no período anterior
à expedição - como, por exemplo, as receitas elaboradas - não foram fornecidos, e o representante da
cooperativa com quem era feito contato parou de responder às solicitações da equipe do projeto BC.
Também se planejou e desenvolveu atividade com
pedagogas com o tema de alimentação e o desenvolvimento neuropsicomotor de crianças, em conjunto com
a Fonoaudiologia, com a proposta de esclarecer dúvidas
sobre o tema e ressaltar a importância da alimentação
adequada para o desenvolvimento infantil.
Foi planejada uma pesquisa com os beneficiários do Bolsa Família, para avaliação do cumprimento
das condicionalidades do Programa, mas não se concretizou por dificuldades de encaminhamento da população para entrevista nos postos de atendimento.
Mais uma vez, surgiram novas atividades para
o período da expedição: uma atividade com pais na
Pastoral da Criança e uma gincana com crianças sobre alimentação num evento que ocorria na cidade no
mesmo período.
Dados coletados nessa expedição geraram um trabalho [13], apresentado no Congresso Mundial de Nutrição e Saúde Pública de 2010 (ver Anexo, Tabela 4).
EXPEDIÇÃO DE 2010, INHAMBUPE (BA)
Participaram 13 acadêmicos da FSP-USP, 2 da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), 3 nutricionistas da USP e 1 da UFBA. Novamente, algumas atividades de anos anteriores foram realizadas, de acordo
com a realidade do município. Além destas, uma nova
proposta de reuniões interdisciplinares ao longo do
ano, anteriormente à expedição, possibilitou a realização de diversas atividades com determinados grupos
populacionais, com participação de diferentes áreas,
enriquecendo os debates e a visão de cada uma delas.
Ocorreram atividades sobre saúde com jovens,
gestante e nutrizes, idosos, professores, entre outros,
e a participação da Nutrição, em conjunto com a Fisioterapia, num grupo de atendimento a hipertensos
que já existia na cidade, o Hiperdia. A Fonoaudiologia se integrou à oficina com crianças – que ocorria
somente com a Odontologia e a Nutrição – e agregou
novos conhecimentos a essa atividade.
Na atividade com os professores, o objetivo do
encontro foi conhecer o cotidiano de trabalho dos
professores da rede municipal, os desafios enfrentados
e as soluções encontradas. Foram apresentadas técnicas que podem ser utilizadas como atividades didáticas, para familiarizar as crianças sobre a importância
de consumo de alimentos com alto valor nutricional.
Com os jovens, foram abordados temas considerados importantes a partir de questões que emergiram
no momento da pré-visita, tais como os seus anseios,
projetos de vida e suas perspectivas profissionais, o
corpo e a sexualidade, o consumo de álcool e drogas,
alimentação e as relações familiares e de amizade.
Na atividade direcionada a gestantes e nutrizes,
as áreas participantes sortearam diversas perguntas com
temas centrais do pré-natal e puerpério, com a finalidade de promover uma discussão sobre o tema, com
trocas de experiências e resolução de possíveis dúvidas.
Com os ACS foram abordados temas de dietoterapia na hipertensão, diabetes, dislipidemias e
tabagismo, e também o tema de saneamento básico e
higiene de alimentos.
Ocorreram atividades em conjunto com a Engenharia sobre utilização do hipoclorito de sódio e
higienização de alimentos para homens e mulheres
responsáveis pelo tratamento da água da família e também para o público infantil, com o foco em educação
ambiental associada à higiene pessoal e de alimentos.
Em 2010, a proposta de ANG foi executada
AÇÕES DE NUTRIÇÃO NO PROJETO BANDEIRA CIENTÍFICA: ESTUDO DAS EXPEDIÇÕES DE 2005 A 2010
103
com sucesso, sendo que nos postos de atendimento foi
possível reunir pessoas com características em comum
e realizar o atendimento. Nesses momentos, os indivíduos podem compartilhar dificuldades e encontrar,
em conjunto, soluções para problemas semelhantes.
Além disso, a nutrição foi novamente responsável pela administração das refeições e treinamento de
manipulação de alimentos com os funcionários que as
preparavam, que eram, em sua maioria, merendeiras
das escolas. Devido à demanda dos mesmos, no último
dia da expedição foi realizada uma atividade com todos
esses funcionários sobre alimentação saudável.
A experiência dessa expedição possibilitou a
elaboração de um trabalho apresentado no X Congresso de Nutrição e Alimentação [10], conforme descrito na “Tabela 4” (ver Anexo).
DISCUSSÃO
A atual situação epidemiológica brasileira, representada pelo aumento da incidência de doenças
crônicas não transmissíveis e ainda com a presença relevante de deficiências nutricionais, justifica a importância de alunos e profissionais da área da Nutrição
em uma equipe multidisciplinar que busca atender às
necessidades em saúde da população do município visitado de maneira integral. Compete ao nutricionista, dentre suas atribuições na área de Saúde Coletiva,
prestar assistência e desenvolver atividades educativas
a coletividades ou indivíduos por meio de ações, programas, pesquisas e eventos, direta ou indiretamente
relacionados à alimentação e nutrição, visando à prevenção de doenças, promoção, manutenção e recuperação da saúde [3]. Com base nestes preceitos, a equipe
de Nutrição vem buscando aprimorar sua atuação
a cada ano que participa do projeto BC, contribuindo
para o desenvolvimento de ações integradas às demais
áreas, tal como expõe a Matriz de Ações de Alimentação e Nutrição na Atenção Básica de Saúde do Ministério da Saúde [5], que propõe que as ações do
nutricionista ocorram em conjunto com equipe multiprofissional, com profissionais com conhecimentos,
habilidades e atitudes que possibilitem o trabalho em
equipe, competências compartilhadas e humanização
no atendimento.
As ações de alimentação e nutrição no projeto
têm ocorrido de maneira convergente e complementar
104
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
às demais atividades que vêm sendo realizadas nos
municípios visitados, procurando, por meio de comunicação com gestores e nutricionistas, atender às
necessidades do município sem ultrapassar as barreiras
existentes entre um projeto de extensão universitária e
o governo de cada cidade. Esse é um dos motivos pelo
qual, algumas vezes, nem todas as atividades planejadas no período anterior à expedição são executadas.
É possível notar que as atividades propostas pela
Nutrição no BC buscam se aproximar ao máximo do
preconizado na atenção básica em saúde, visto que se
sabe que a baixa oferta de ações primárias de alimentação e nutrição na rede de unidades de saúde, ou sua
baixa incorporação pelas equipes de saúde, implica em
limitar o cumprimento dos princípios da integralidade,
universalidade e resolubilidade de atenção à saúde [5].
Atualmente, vem sendo sistematizadas e organizadas as ações de alimentação e nutrição e o cuidado
nutricional de acordo com os sujeitos das ações [5].
O BC, neste contexto, apresenta algumas atividades
com o foco no indivíduo, como os ANI, outras, a família,
como as VD, e também, a comunidade, como nas ações
educativas nas escolas, para fomentar hábitos alimentares adequados. Assim, as atividades conseguem trabalhar assuntos importantes com todos os sujeitos,
utilizando uma abordagem adequada para cada um.
Ao comparar os níveis de intervenção propostos pela Matriz [5] com o projeto, nota-se que as atividades da BC buscam englobar todos eles. O diagnóstico,
importante para caracterização da população a ser
estudada, é realizado por meio da coleta de variáveis
socioeconômicas, culturais e de saúde e avaliação nutricional no período da expedição e apresentado no
momento da pós-visita, gerando discussões e propostas de ação para gestores e representantes da população
da cidade, que possibilita desenvolvimento de ações
no nível de gestão das ações de alimentação e nutrição. A promoção da saúde e a prevenção de doenças e distúrbios nutricionais
são abordadas na realização de ações educativas para
diversos públicos, com dinâmica e linguagem específicas para cada um. Já a assistência, tratamento ou cuidado
ocorrem em atendimentos individuais, em grupo ou
na VD, mediante as necessidades de cada indivíduo.
Quanto ao caráter das ações, vislumbrado como
universais e específicas [5], a realização de atividades educativas em espaços comunitários contemplam a primeira
característica, enquanto que os grupos de atendimento para gestantes e nutrizes atendem à segunda.
Apesar de ter conseguido englobar ações tão amplas, dificuldades para a execução do projeto são encontradas a cada ano. Porém, estas vêm sendo contornadas
por meio de discussão e avaliação de cada expedição, contribuindo para o amadurecimento das ações planejadas.
Um ponto crítico para a realização do trabalho é
a comunicação com a cidade onde ocorre a expedição.
Algumas atividades tiveram que ser remanejadas ou,
até mesmo, não puderam ocorrer devido à dificuldade
de contato com a população, o que ocasionou falta de
público, como, por exemplo, a atividade com os cuidadores na expedição de 2010. Esse é um processo difícil, que demanda tempo para que haja sensibilização
das lideranças comunitárias para direcionamento da
população que possa se beneficiar das ações que ocorrerão durante a expedição.
Outra questão complexa do projeto é o trabalho
interdisciplinar. No início da participação da Nutrição no projeto BC, ele ocorria de maneira pontual.
Entretanto, com o decorrer dos anos e o amadurecimento dos novos cursos que passaram a integrar o projeto, a interdisciplinaridade passou a ser uma questão
muito trabalhada e valorizada, pois se percebeu a riqueza de olhares diferentes sobre uma mesma situação. As discussões geradas possibilitam que alunos e
profissionais aprendam ainda mais e os resultados obtidos sejam melhores [6]. O papel da diretoria do BC
nessa questão é de essencial importância, ao facilitar
e estabelecer comunicação entre pessoas de diferentes cursos no período anterior à expedição e propor
que trabalhem em conjunto; porém, a visão de cada
participante do projeto interfere no resultado final.
É interessante observar que, no início da expedição, o
trabalho conjunto é mais difícil; contudo, com o passar dos dias, a interdisciplinaridade ocorre de maneira
mais natural, pois as pessoas passam a se conhecer melhor e têm maior facilidade para se comunicar.
Também é importante que exista preocupação
com a continuidade do projeto depois do final de
cada expedição. Por esse motivo, o BC propõe ações
para que as atividades realizadas no período em que
o projeto está na cidade não se percam, como, por
exemplo: o encaminhamento adequado dos pacientes
atendidos ao serviço de saúde da cidade; a capacitação
de multiplicadores, como as crianças, os professores
e os ACS; a parceria com a Universidade local, para
que possa existir um acompanhamento mais próximo e a utilização de tecnologia, como a Telemedicina,
possibilitando a troca de informações e discussão de
casos. Dessa maneira, é possível que ações realizadas
durante o período em que o projeto permaneceu na
cidade se perpetuem e não desapareçam.
CONCLUSÕES
A participação da equipe de Nutrição vem se ampliando e estabilizando no projeto BC. As experiências
obtidas a cada ano de participação no projeto permitiram
que as ações de nutrição no BC buscassem, de maneira
convergente ao preconizado pelo Ministério da Saúde,
melhorar a saúde da população das cidades em que atua
e desenvolver os alunos e profissionais participantes do
projeto tanto no âmbito profissional quanto humano.
Porém, é importante que exista um arquivo que
detalhe as experiências da Nutrição em cada ano de atuação, pois como a diretoria muda a cada expedição, apesar
de fornecer os conhecimentos necessários para seus sucessores, dados muito anteriores podem acabar se perdendo e deixando de enriquecer as expedições seguintes.
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[8] MONTEIRO, C. A.; CONDE, W. L. A. Tendência secular da obesidade segundo estratos sociais: Nordeste e
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[9] MONTEIRO, C. A. et al. Da desnutrição para a obesidade: A transição nutricional no Brasil. In: MONTEIRO, C. A. (Org.). Velhos e novos males da saúde
no Brasil, 2. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2000,
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[10] PEREIRA, J. L.; SILVA, G. M.; GIUDICI, K. V. Projeto de extensão interdisciplinar como parte da formação pessoal e profissional de estudantes de Nutrição
em universidade pública brasileira. In: X CONGRESSO DE NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO & II CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE NUTRIÇÃO,
2011, Lisboa. Anais do X Congresso de Nutrição e
Alimentação & II Congresso Ibero-Americano de
Nutrição. Lisboa: Associação Portuguesa de Nutricionistas, 2011. Não paginado.
[11] SALDIVA, S. R. D. M.; SILVA, L. F. F.; SALDIVA, P. H. N. Avaliação antropométrica e consumo
alimentar em crianças menores de cinco anos residentes em um município da região do semiárido
nordestino com cobertura parcial do programa bolsa
família. Revista de Nutrição, Campinas, v. 23, n. 1,
p. 211-229, mar.-abr. 2010.
[12] VASCONCELOS, A. C. C. P.; PEREIRA, I. D. F.;
CRUZ, P J. S. C. Práticas educativas em nutrição
106
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uma experiência de extensão popular em João Pessoa - Paraíba. Revista de APS, Juiz de Fora, v. 11,
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[13] VIEIRA, V. L. et al. Health profile of the Family
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[14] WHO - World Health Organization. Constitution of
the World Health Organization. Basic Documents.
Geneva: World Health Organization, 1946.
[15] WHO - World Health Organization. The World Health
Report 2002: reducing risks, promoting healthy life.
Geneva: World Health Organization, 2002.
AGRADECIMENTOS
À Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária pelo apoio financeiro à bolsista e aos patrocinadores do projeto Bandeira Científica.
ANEXO
TABELA 1
Número de ex-participantes da equipe de Nutrição do projeto BC entrevistados,
de acordo com a expedição. São Paulo, 2011.
ANO
CIDADE DA EXPEDIÇÃO
BANDEIRANTES
DIRETORES
DISCUTIDORES
TOTAL
2005
João Câmara, Jandaíra
e Bento Fernandes (RN)
1
0
0
1
2006
Machadinho D’Oeste (RO)
3
1
1
5
2007
Penalva (MA)
3
1
2
6
2008
Itaobim (MG)
3
2
3
8
2009
Ivinhema (MS)
4
2
5
11
2010
Inhambupe (BA)
0
1
0
1
Total
14
7
11
32
TABELA 2
Número de acadêmicos participantes e de atendimentos no projeto BC no período de 2005 a 2010. São Paulo, 2011.
2005
2006
2007
2008
2009
2010
MÉDIA
118
143
236
154
166
175
165
Estudantes de Nutrição Participantes
9
12
15
10
12
15
12
Atendimentos Totais (Todas as áreas)
3.659
4.425
4.592
3.935
3.302
4.304
4.036
Atendimentos Individuais de Nutrição
504
359
458
284
413
331
392
-
13
35
26
28
22
25
Estudantes participantes (Todas as áreas)
Visitas Domiciliares
AÇÕES DE NUTRIÇÃO NO PROJETO BANDEIRA CIENTÍFICA: ESTUDO DAS EXPEDIÇÕES DE 2005 A 2010
107
TABELA 3
Síntese das atividades planejadas e realizadas pela equipe de Nutrição no período de 2005 a 2010. São Paulo, 2011.
CIDADE E ANO
ATIVIDADES PLANEJADAS
ATIVIDADES REALIZADAS
Antropometria
Avaliação Nutricional de Crianças
Antropometria
Avaliação Nutricional de Crianças
Machadinho D’Oeste
(RO) / 2006
ANI
Capacitação de ACS
ANI
Capacitação de ACS
Orientação Nutricional em assentamento
VD
Oficina em postos de atendimento
Penalva
(MA) / 2007
ANI e ANG
VD
Capacitação de ACS
Oficina com Merendeiras
Horta nas Escolas
Consultoria Sanitária
Investigação sobre anemia
Administração de refeições
Antropometria
ANI
VD
Capacitação de ACS
Oficina com Merendeiras
Horta nas Escolas
Administração de refeições
Orientação Nutricional com Pescadores
Oficina com Professores
Itaobim
(MG) / 2008
Antropometria
ANI
VD
Capacitação de ACS
Oficina com Merendeiras e Pais
Horta nas Escolas
Educação Nutricional com Crianças
Administração de refeições
Antropometria
ANI
VD
Capacitação de ACS
Oficina com Merendeiras e Pais
Horta nas Escolas
Educação Nutricional com Crianças
Administração de Refeições
Ivinhema
(MS) / 2009
Antropometria
ANI e ANG
VD
Capacitação de ACS
Educação Nutricional com Crianças
Consultoria para desenvolvimento de rótulos
para doces caseiros
Orientação Nutricional com Pedagogas
Avaliação Nutricional de Escolares
Pesquisa PBF
Administração de refeições
Antropometria
ANI
VD
Capacitação de ACS
Educação Nutricional com Crianças
Orientação Nutricional com Pedagogas
Administração de refeições
Atividade Pastoral da Criança
Atividades lúdicas sobre Nutrição com
Crianças
DA EXPEDIÇÃO
João Câmara, Jandaíra
e Bento Fernandes
(RN) / 2005
108
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
Inhambupe
(BA) / 2010
Antropometria
ANI e ANG
VD
Atividade com ACS
Educação Nutricional com Crianças
Orientações sobre saúde com jovens, professores, gestantes/nutrizes, idosos e cuidadores
Higiene de alimentos com Crianças e Adultos
Orientação Nutricional com Hipertensos
Composteira
Administração de refeições
Antropometria
ANI e ANG
VD
Atividade com ACS
Educação Nutricional com Crianças
Orientações sobre saúde com jovens, professores, gestantes/nutrizes e idosos
Higiene de alimentos com Crianças e
Adultos
Orientação Nutricional com Hipertensos
Capacitação com Merendeiras
Administração de refeições
ACS: Agentes Comunitários de Saúde
ANG: Atendimento Nutricional em Grupo
ANI: Atendimento Nutricional Individual
PBF: Programa Bolsa Família
VD: Visita Domiciliar
TABELA 4
Produção Científica da equipe de Nutrição do projeto BC, de acordo com a expedição. São Paulo, 2011.
CIDADE DA
EXPEDIÇÃO
TIPO DE
PRODUÇÃO
TÍTULO
PUBLICAÇÃO
João Câmara, Jandaíra
e Bento Fernandes
(RN)
Artigo Científico
Avaliação antropométrica e consumo
alimentar em crianças menores de cinco
anos residentes em um município da região do semiárido nordestino com cobertura parcial do programa bolsa família.
Rev. Nutr., Campinas,
23(2):211-229, mar./abr.,
2010
Ivinhema (MS)
Apresentação em
Congresso
Health profile of the Family Grant
Program (FGP) beneficiaries in the
Municipality of Ivinhema, Mato Grosso
do Sul, Brazil.
II World Congress of Public
Health Nutrition, 2010,
Porto.
Inhambupe (BA)
Apresentação em
Congresso
Projeto de extensão interdisciplinar
como parte da formação pessoal e profissional de estudantes de Nutrição em
universidade pública brasileira.
X Congresso de Nutrição e
Alimentação & II Congresso
Ibero-Americano de Nutrição, 2011, Lisboa.
AÇÕES DE NUTRIÇÃO NO PROJETO BANDEIRA CIENTÍFICA: ESTUDO DAS EXPEDIÇÕES DE 2005 A 2010
109
GRUPO DE ATIVIDADES ESTRUTURADAS COM
ESTUDANTES: IDENTIFICAÇÃO DE VIOLÊNCIA
NO AMBIENTE ESCOLAR
GROUP OF STRUCTURALIZED ACTIVITIES WITH STUDENTS:
IDENTIFICATION OF VIOLENCE IN THE SCHOOL ENVIRONMENT
*Zeyne Alves Pires Scherer, **Edson Arthur Scherer, ***Silvia Antunes Cocenas, ****Amanda Secco Gregorio
RESUMO
Na Escola Estadual Professora Glete de Alcântra é desenvolvido um projeto de extensão que
objetiva investir na promoção da saúde física, mental e social discente. São oferecidas atividades estruturadas: jogos, dinâmicas e vivências grupais. Neste estudo apresentamos os resultados
de três encontros grupais realizados com vinte alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Os
objetivos foram: verificar a opinião dos estudantes sobre a escola e os papéis de pessoas significativas; identificar conflitos existentes nestes alunos, segundo a tipologia dos atos violentos. A
pesquisa qualitativa foi do tipo observação participante. A percepção dos alunos sobre a escola
e os profissionais que fazem parte dela foi divergente. Consideraram os familiares como pessoas importantes, cuidadoras, que impõem limites, xingam e batem. Tiveram dificuldades em
estabelecer seu papel e o dos colegas na escola; os colegas são amigos para brincar. Os tipos de
violência identificados foram física, psicológica e negligência. Trabalhar autoestima, tolerância
e cooperação; aliviar conflitos com atitudes afetuosas que expressem respeito; oferecer espaços
educativos onde os jovens possam se posicionar, facilitar seu entrosamento e exercitar sua criatividade e reflexão colaboram preventivamente com a diminuição da violência na escola. Assim,
facilita-se a construção de modelos de convivência pacíficos em outros ambientes sociais.
Palavras-chave: Estudantes. Escolas. Violência.
* Enfermeira, professora doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), líder
do Grupo de Estudos Interdisciplinar Sobre Violência (GREIVI), Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem – Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto - SP – 14040-902 – e-mail: [email protected]. ** Médico
psiquiatra, professor doutor do Centro Universitário Barão de Mauá, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (HC-FMRP-USP), líder do GREIVI – e-mail: [email protected]. *** Terapeuta ocupacional, aluna do Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica, HC-FMRP-USP, integrante do GREIVI – e‑mail: [email protected].
**** Graduanda do curso de bacharelado em Enfermagem da EERP-USP, bolsista do programa Aprender com Cultura e Extensão, integrante do GREIVI – e-mail: [email protected].
GRUPO DE ATIVIDADES ESTRUTURADAS COM ESTUDANTES
111
ABSTRACT
In the State School Professora Glete de Alcântra is developed an Extension’ Project that objective to invest in the physical, mental and social health promotion of the pupils. Structuralized
activities are offered: games, dynamic and group experiences. In this study we present the results
of three group meeting carried through with twenty pupils of 6º year of Basic Education. The
objectives had been: to verify the opinion of the students on the school and the papers of significant people; and to identify existing conflicts in these pupils, according to the violent acts
typology. Qualitative research, participant observation form. The perception of the pupils on the
school and the professionals who were part of it had been divergent. They had considered family
as important people, caregivers that impose limits, scold and beat. They had difficulties in establishing its paper and of the colleagues in the school. The colleagues are friends to play. Types of
violence identified: physics, psychological and carelessness. To work self-esteem, tolerance and
cooperation; to relieve conflicts with affectionate attitudes that express respect; to offer educative
spaces where the youngest can talk, to facilitate its integration and to exercise their creativity and
reflection collaborate preventively with the reduction of the violence in the school. Therefore,
the construction of pacific models of together living in other social environments is facilitated.
Key words: Students. Schools. Violence.
112
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
INTRODUÇÃO
A escola como uma instituição social, possuidora de objetivos e metas determinadas, é um espaço capaz de reelaborar conhecimentos socialmente
produzidos e de permitir o exercício da ética e da razão. Portanto, é esperado que seja um local saudável,
propício ao aprendizado, um ambiente solidário que
garanta o direito à educação, independentemente das
diferenças individuais [3, 11]. Entretanto, esta mesma instituição, vista como um espaço multicultural,
que abrange laços afetivos e prepara o indivíduo para a
inserção na sociedade, reúne também diversos conhecimentos, atividades, regras e valores que são permeados por conflitos, brigas, invasões, depredações e, até
mesmo, morte [11]. A diferente interação, contínua e
complexa, que podemos encontrar no meio acadêmico pode ser reflexo da grande quantidade de pessoas
com diferentes características que ali convivem.
Um dos problemas encontrados, portanto,
nas instituições de ensino é a violência. Esta violência é categorizada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) como interpessoal comunitária [9]. É entendida como toda ação de maus-tratos praticada, isolada
ou em grupo, dentro destes estabelecimentos ou em
suas redondezas. São protagonizadas pelos jovens com
o envolvimento direto de alunos e outros atores como
professores, funcionários, pais, entre outros [1].
No Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da OMS [9]
a violência foi classificada, quanto à natureza dos atos
violentos, em física, sexual, psicológica e envolvendo
privação ou negligência. Conhecer a natureza dos atos
violentos, a relevância dos ambientes onde estes ocorrem, a relação entre o perpetrador e a vítima e as possíveis
motivações, mostram-se como ferramentas para melhor
compreender a complexidade do fenômeno violência.
O tipo de violência mais registrado ou praticado pelos jovens é a física, caracterizada pelo uso de
força ou atos visíveis (brigas, agressões físicas, depredações) praticados entre alunos, ou membros da escola portando facas, revólveres ou outros objetos. Outra
forma comumente encontrada nas escolas é a violência verbal, manifestada sob a forma de xingamentos e
uso de palavras de baixo calão entre os próprios alunos dentro e fora da instituição. A violência simbólica, discriminação praticada por alunos e/ou membros
da escola e o bullying, manifestado por ofensas verbais, apelidos ofensivos e depreciativos, humilhação,
exclusão e discriminação, completam a lista de violências presentes nas escolas [4, 5, 11,13].
Estas manifestações de violência podem ser reflexo de fatores externos e, como consequência, têm
gerado conflitos dentro do ambiente escolar, comprometendo o aprendizado e as relações interpessoais
entre educadores e educandos. Os relacionamentos
ou vínculos são construídos entre as pessoas na convivência grupal. O grupo pode ser considerado como
um espaço de trocas interativas, importante para o desenvolvimento psicológico do ser humano. Favorece a
exploração da subjetividade ao atuar como um “laboratório social” no qual os participantes reproduzem os
papéis que ocupam no seu cotidiano [6,16].
Por conseguinte, tendo constatado que as relações estabelecidas dentro da escola se dão por meio
de grupo, iniciamos em 2009 o projeto de extensão
Grupos de atividades estruturados com alunos do ensino fundamental: promoção de saúde. Este projeto faz parte das múltiplas ações de cultura e extensão da Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária da Universidade de
São Paulo. O objetivo do projeto é oferecer conjuntos de atividades estruturadas (pintura, desenhos, esculturas, música, teatro, jogos, dinâmicas e vivências
grupais) para trabalhar a autoestima, a tolerância e a
cooperação entre estudantes do ensino fundamental;
instrumentalizar os alunos de enfermagem para que
se tornem agentes transformadores na implementação
de estratégias educativas promotoras de aprendizagem, saúde, socialização e cidadania.
O referido projeto é desenvolvido na Escola Estadual Professora Glete de Alcântra (EEPGA), localizada no distrito oeste do município de Ribeirão Preto
(SP). Esta instituição foi escolhida com base nos critérios
a ela atribuídos pela Diretoria de Ensino, a saber: alta
frequência de incidentes de violência; dificuldades na
condução do processo de ensino-aprendizagem; grau de
abertura da direção; disponibilidade e interesse dos professores para o desenvolvimento de pesquisas; coordenadores ou assistentes de direção atuantes, empenhados
em promover ações de cidadania e cultura, além de organizar o vínculo da universidade com os professores [8].
Os sujeitos do projeto são alunos matriculados
no 6º ano do Ensino Fundamental da EEPGA. De um
total de 230, distribuídos em sete salas, participam até
100 estudantes ao longo de um ano, distribuídos em
cinco grupos compostos cada um de até vinte integrantes (alunos). O critério para a seleção e participação
GRUPO DE ATIVIDADES ESTRUTURADAS COM ESTUDANTES
113
nestes grupos é aleatório. Para tanto, a partir da lista
de frequência de cada turma é utilizada a progressão
aritmética de razão três, contada a partir do primeiro nome desta lista. Quando algum dos selecionados
não aceita participar do estudo são selecionados os
estudantes em posição imediatamente posterior ou
anterior da lista, respectivamente. São realizados oito
encontros com duração de dois meses para cada grupo,
com frequência semanal, duração de uma hora, em sala
reservada e organizada para as atividades. Por sugestão
da coordenação pedagógica da escola e para garantir
a participação dos alunos neste projeto, os encontros
grupais ocorrem de forma concomitante à segunda
aula, sendo os participantes liberados para tal.
Estes grupos de atividades estruturadas são coordenados por duas estudantes de graduação em enfermagem
da EERP-USP, uma voluntária e outra bolsista do Programa Aprender com Cultura e Extensão, com supervisão de
uma terapeuta ocupacional, aluna de Pós-Graduação do
Programa Enfermagem Psiquiátrica, e da coordenadora
do projeto. No primeiro encontro grupal, os participantes são informados sobre o objetivo do grupo e é estabelecido o contrato ou o conjunto de regras que sustentarão o
desenvolvimento do trabalho.
O objetivo das atividades grupais é oferecer um
espaço onde os estudantes possam expressar sua criatividade e espontaneidade, experimentando novos ou
antigos papéis de formas diferentes; resgatar sua autoconfiança, autoestima e percepção do seu próprio
potencial; organizar visual e verbalmente suas experiências; fazer escolhas, e, com isso, tornarem-se sujeitos ativos da própria história e menos vítimas das
circunstâncias externas. As regras de funcionamento
são: a frequência ao grupo não será obrigatória; os
participantes com 75% ou mais de presença receberão
um certificado de “participação”; caso, por algum motivo, os estudantes não possam realizar um encontro,
seus frequentadores serão avisados com antecedência;
a data para o término do grupo é preestabelecida e será
informada no primeiro encontro; cada encontro tem a
duração de uma hora, com o horário predeterminado.
A cada encontro grupal é desenvolvida uma técnica estruturada de trabalho específica, escolhendose o tema relacionado com o grupo e com base em
suas necessidades naquele momento. A utilização de
diferentes estratégias e materiais justifica-se na possibilidade de explorar as diversas formas de criar, desenvolver e manifestar sentimentos, pensamentos e
114
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
fantasias. O uso de atividades expressivas serve como
recurso para estimular o diálogo entre os participantes, propiciando trocas e aprendizados significativos.
No decorrer do desenvolvimento deste projeto
de extensão foram surgindo questionamentos como:
•
•
•
•
Qual experiência, expectativa e/ou motivação este
aluno tem para realizar uma atividade em grupo?
Como cada aluno percebe o colega, o professor,
o coordenador, o diretor, outros profissionais da
escola e a si mesmo?
Como o aluno lida com as diferenças que surgem
no grupo?
Como o aluno se comunica no grupo e fora deste
(ambiente da escola, na família)?
Diante destas questões surgiu o interesse em
aprofundar o estudo de conflitos que podem emergir
em um grupo de estudantes que participam de atividades estruturadas.
OBJETIVO
•
•
Verificar a opinião dos estudantes sobre a instituição escolar e os papéis de pessoas significativas na
escola e na família.
Identificar conflitos existentes em alunos do ensino fundamental participantes de atividades grupais, segundo a tipologia dos atos violentos.
MÉTODO
Pesquisa qualitativa na qual foi utilizada a observação participante para absorver a realidade do
local do estudo por meio das anotações no diário de
campo que buscou compreender aquilo que o sujeito
não consegue expressar [14].
Neste estudo foram apresentados os resultados referentes a três dos encontros grupais: o primeiro, o terceiro e o sétimo. Estes três grupos foram selecionados por
contemplarem momentos diferentes do processo grupal
(fase inicial, fase operacional e fase de término) desenvolvido junto aos estudantes, sujeitos desta pesquisa [10].
Fizeram parte do estudo vinte alunos do 6º ano,
matriculados no ensino fundamental do ano letivo de
2010 que aceitaram participar do grupo de atividades
do projeto de extensão. A faixa etária foi de 10 a 13 anos.
Para coleta e acompanhamento das atividades foi
criado um “Protocolo de Acompanhamento das Atividades Realizadas”, preenchido por uma das pesquisadoras
após cada encontro grupal. Este material serviu como
instrumento para a supervisão do trabalho desenvolvido
e como material de pesquisa. Foi utilizada a técnica de
análise de conteúdo temática [14] para analisar as três
atividades grupais selecionadas para o estudo. Os nomes
dos sujeitos apresentados nos resultados são fictícios.
O projeto de pesquisa foi analisado e aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP, mediante Protocolo n. 1144/2010. Os pais ou responsáveis
pelas crianças que participaram do grupo de extensão assinaram termo de consentimento livre e esclarecido concordando com a participação dos mesmos na pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No trabalho com grupos, o próprio grupo se torna um modelo de abstração da realidade e fonte de dados
para análise e estudo. Contudo, o grupo como modelo
é uma simplificação da realidade e dificilmente incluirá
todas as variáveis dessa realidade [15]. Nesta pesquisa, foi
possível estabelecer uma analogia entre a realidade dos
sujeitos e as atividades e interações propiciadas nos encontros grupais. Isto permitiu a compreensão de uma
situação relativamente complexa que é a experimentada
por estes alunos, que sofrem influências dos meios social, familiar e cultural nos quais se encontram inseridos.
Diante disto, o que encontramos foi um recorte
de duas dessas representações.
OPINIÕES SOBRE A ESCOLA E OS PAPÉIS
DE PESSOAS SIGNIFICATIVAS
Uma das atividades previstas no projeto tem
como temática “como os alunos veem a escola”. Nesta, os alunos deste estudo mostraram receio para se
expressarem, preocupados com o destino de suas informações ou queixas. Para facilitar a realização da
tarefa foi lembrado pelas coordenadoras do grupo
que os encontros eram sigilosos (conforme contrato
do grupo). A opinião de cada aluno sobre a escola e
sobre aqueles que faziam parte dela, tanto no âmbito da administração quanto dentro das salas de aulas,
foram divergentes. Ao mesmo tempo em que alguns
participantes sabiam a importância da escola, outros a
definiam como ruim. Isto foi evidenciado em atividade na qual deveriam definir a escola em uma palavra:
- “Legal.” (Lais).
- “Importante.” (Mario).
- “Queria que todos trabalhassem juntos.”
(Carolina).
- “Interessante.” (Maria).
- “Porcaria.” (Carla).
- “Estúpida.” (Kátia).
- “Chata.” (Rosa).
- “Ruim.” (José).
- “Horrível.” (Carlos).
- “Insuportável.” (João).
Quando foi solicitado que definissem os papéis de cada pessoa, considerada importante para eles,
tanto da escola como da família, as definições foram
variadas. A inspetora foi lembrada como uma figura
de autoridade que repreende (verbal e fisicamente) e
controla (entrada e saída, distribuição de merenda).
Estes papéis atribuídos à profissional em questão podem gerar sentimentos de descontentamento, às vezes
expressos de forma indireta como visto no comentário
pejorativo de uma aluna:
- “Abre o portão.” (Maria).
- “A pessoa que dá bronca, que dá suspensão.”
(Carlos).
- “Aquela que dá tapa na orelha.” (Kátia).
- “A pessoa que olha os alunos durante o intervalo.” (Carla).
- “A que organiza a distribuição da merenda,
é aquela que tem uma função importante na
escola.” (João).
- “A que tem cara de porca.” (Rosa).
O professor recebeu definições relacionadas ao
papel de educador e figura de autoridade na sala de aula:
- “A pessoa que ensina.” (Carolina).
- “A pessoa que não deixa sair da sala.” (Luisa).
- “A que educa.” (Lais).
Em relação à diretora da escola, chamou a atenção
o fato de que a maioria dos alunos disse que não a conhecia. Apenas um dos participantes a descreveu como
aquela que é responsável por aplicar medida disciplinar:
GRUPO DE ATIVIDADES ESTRUTURADAS COM ESTUDANTES
115
- “É ela quem dá suspensão.” (Carlos).
A coordenadora foi identificada como a pessoa
que define o que os professores fazem, aquela que estabelece contato com os pais e que, de fato, administra
a escola:
- “Liga na casa dos alunos.” (José).
- “Falam o que o professor tem que fazer.” (Rosa).
- “É quem manda fazer a comida.” (Mario).
- “Fica no lugar da diretora, organiza a escola.”
(Carla).
Relacionaram seus familiares como pessoas importantes e presentes em suas vidas, que os cuidam,
que são amigos, mas que também são responsáveis por
impor limites ou mesmo xingar e bater quando não
são obedecidos:
- “Mãe é aquela pessoa que te dá cintada quando você desobedece.” (Rosa).
- “Pai é a pessoa que bate em você, trabalha
para te cuidar, pra te dar comida.” (Luisa).
- “Pai é aquele que não permite que namore.”
(Carolina).
- “Os irmãos são aqueles que batem em você
todo dia, podem ser seus amigos ou inimigos,
mas estão sempre perto de você.” (Carlos).
Demonstraram, no entanto, dificuldades em
estabelecer o papel deles, enquanto alunos, e o dos colegas dentro do contexto escolar. Percebem os colegas
como amigos que estavam ali para brincar e se divertir:
- “Amigo é quem está com você todo dia.”
(Lais).
- “Aquele que brinca com você.” (Mario).
Ao definir o que é um amigo uma das participantes relatou uma experiência que teve com uma das
colegas fora da escola:
- “Eu e a Kátia fazemos parte de um núcleo
e fomos para uma chácara apresentar um trabalho, quando voltamos pegamos carona com
um moço que a gente não conhecia e a gente
mexia com todo mundo na rua.” (Carla).
116
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
Atitudes provocativas de pronunciar xingamentos, como a descrita acima, apareceram também ao longo do desenvolvimento das atividades realizadas, entre
os participantes. Em alguns momentos, estudantes que
não estavam participando do grupo atrapalhavam a atividade, pronunciando xingamentos e chutando a porta
da sala. Estes comportamentos configuram atos de violência dos tipos psicológico (verbal) e físico.
A mudança de papéis sociais no contexto familiar levou à perda gradual da autoridade paterna e ao
distanciamento da figura materna do núcleo familiar.
Isto gerou uma ruptura do equilíbrio entre disciplina e
afeto em relação aos filhos, consideradas funções fundamentais dos papéis parentais para a autodeterminação futura. Esta ruptura precoce pode criar carências
que dificilmente serão compensadas na vida. A convivência com atos agressivos e com a competitividade,
a rivalidade nos relacionamentos e o individualismo
– resultante das sensações de abandono e rejeição – vão
sendo assimilados pelos jovens e se configurando na
representação social da violência – doméstica ou não –
como uma atitude de fuga e defesa [2].
Os resultados que se referem à observação de
conflitos (violências) nos grupos objetos desta pesquisa estão apresentados na categoria a seguir.
TIPOLOGIA DOS ATOS VIOLENTOS
No início das atividades, mais especificamente
no primeiro encontro, os alunos participantes trouxeram questionamentos referentes ao grupo e seu
funcionamento. Perguntaram como seriam realizadas
as atividades, por quanto tempo durariam os encontros e solicitaram aumento de frequência e duração de
cada encontro:
- “Poderia ser todo dia?” (Rosa).
- “O que vamos fazer hoje? E semana que
vem?” (Leila).
- “A gente poderia ficar mais tempo?” (Pedro).
Os questionamentos relativos à duração, frequência e funcionamento da atividade são esperados
no início de qualquer trabalho em grupo com pessoas,
independente de sua faixa etária. A solicitação de aumento de tempo de duração de cada encontro e da frequência dos mesmos pode ter sido influenciada pelo
fato destes grupos ocorrerem em horário concorrente
com o da grade escolar. Os alunos eram, como descrito no método, dispensados de um horário de aula
para participarem desta atividade. A demonstração de
interesse, curiosidade e expectativa pode sugerir, por
outro lado, que o novo pode ser recebido como algo
bom. A inquietação e a esperança, presentes em todos
os momentos do trabalho com este grupo, foram percebidas como algo inusitado no ambiente escolar.
Em grupos estruturados podem ser observadas
condições variáveis de “calor humano, tensão, movimentos, equilíbrio, restrições, alegria, insegurança e
crises”. Estas condições, em conjunto, formam a “atmosfera” grupal, responsável pelo que os participantes
do grupo sentem a seu respeito [15].
No grupo onde os estudantes emitiram suas opiniões acerca da EEPGA, foram encontradas as seguintes manifestações: que os alunos eram dispensados das
aulas, tanto devido à reforma da estrutura física que
estava sendo realizada, quanto pela falta de professores; que não são submetidos às avaliações escritas, com
exceção de um simulado no final do semestre; que tem
colegas que não sabem ler; que presenciam brigas nos
intervalos e recreio; que alunos fumam na escola.
- “A escola está uma bagunça, muito ruim.”
(Carlos).
- “Faltam professores.” (Laís).
- “Tem muita violência entre os alunos. Vou
mudar de escola no próximo ano.” (José).
- “Ele”, referindo-se ao professor, “fica gritando com a gente, mandando a gente calar a
boca, e até xingou minha mãe.” (Maria).
- “Muito bagunçada, todos fumam.” (Luisa).
- “Todos sabem de tudo o que se faz.” (Pedro).
Estas falas são exemplos de formas de violência
comuns e enraizadas na prática educativa. A omissão
em prover as necessidades básicas para o desenvolvimento de uma pessoa, neste caso, a educação, caracteriza uma violência definida como privação ou
negligência. Este é considerado um dos tipos mais sutis e de menor visibilidade dos atos violentos, mas não
menos importante. Faz parte do dia a dia das escolas,
caracterizando desde o poder coercitivo de imposição
de conteúdos distantes do interesse e sem significado
na vida dos alunos, a precariedade dos mesmos, a coação do poder de conferir notas, a desconsideração em
relação às dificuldades dos estudantes, até tratamentos
pejorativos e ações de exposição do aluno ao ridículo
quando este não compreende o conteúdo ensinado,
passando pela falta de professores [7]. Outros tipos
de violência referidos pelos participantes deste estudo foram a verbal e a psicológica, praticados, também,
pelos professores. Exemplo disto está na fala anterior,
que mostra queixa do aluno de que um professor utilizou este “artifício” para disciplinar a sala de aula.
Nos três encontros, objetos deste estudo, os
alunos participantes trocaram agressões de tipo físico (empurrões, jogar objetos uns nos outros) e verbal
(xingamentos). Expressões como “cala a boca” e “idiota” eram frequentemente proferidos pelos alunos.
- “Carla”, em tom bravo, “você molhou minha argila que eu ia levar”. Em seguida, agrediu Carla com tapas e a xingou. “Sua chata e
idiota!” (Katia).
- “Não quero mais participar do grupo”, brava
e jogando a argila em José, que a acusara de ter
pegado sua argila. (Luiza).
- “O José está zoando da Carla por que ela não
sabe escrever direito. Agora ela não quer mais
fazer a atividade.” (Carolina).
Durante os grupos foi perceptível a dificuldade
de comunicação entre alguns participantes. Esta pode
ser explicada, por exemplo, pela falta de simpatia entre os estudantes. Em quase todas as atividades, havia
conflitos verbais decorrentes da deficiência de comunicação efetiva. O material solicitado por um não era
cedido pelo outro, o qual justificou não ter escutado
tal pedido. As dificuldades de comunicação em casa podem, por sua vez, influenciar as dificuldades apresentadas no ambiente escolar. Quando alguns alunos eram
questionados sobre o porquê de não pedirem o material
emprestado, ou por que gritavam, justificavam dizendo
que, em suas casas, era este o tratamento que recebiam.
Estas atitudes agressivas necessitaram da intervenção direta das coordenadoras do grupo no sentido
de contê-las. Por terem ocorrido dentro do ambiente do grupo foi aberto um espaço para os estudantes
conversarem sobre as mesmas, sua provável origem e
consequências. Os participantes concordaram com o
incômodo que tais atitudes trazem para o convívio,
atrapalhando o desenvolvimento da própria atividade.
Fizeram alusões a outras situações em que aparecem
comportamentos violentos no contexto escolar e fora
GRUPO DE ATIVIDADES ESTRUTURADAS COM ESTUDANTES
117
deste. Lembraram situação extrema de colega participante do grupo que acabou por abandonar a escola em
função de ameaça séria de agressão feita por colega:
- “O Bruno, aquele que vinha no grupo, saiu
da escola porque ele brigou com um menino
e esse menino ameaçou o Bruno na hora do
recreio com uma tesoura. Aí a mãe dele o tirou
da escola.” (Carolina).
No transcorrer das atividades grupais deste projeto de extensão, exemplificados na apresentação dos
resultados de três destes encontros, tem sido possível
perceber a existência de relacionamentos conflituosos
na escola. Uma das formas de manifestação destes é o
bullying, que evidencia a repercussão negativa da violência nas relações estabelecidas no ambiente escolar
[11]. Jovens vítimas do bullying são geralmente indivíduos com dificuldades para suportar situações agressivas, retraindo-se, o que pode contribuir para a evasão
escolar, já que, muitas vezes, não conseguem reagir à
pressão a que são submetidos. Os pais e a escola, por
sua vez, parecem não saber lidar com este tipo de violência, demonstrado nas dificuldades de agir frente a
estas situações e em gerir a vida escolar.
Resultados de estudo comparativo entre alunos
considerados agressivos e não agressivos de duas escolas identificaram em ambas a existência de relação entre
agressividade na adolescência e ser vítima de punição
física doméstica. Os jovens considerados agressivos na
escola eram mais punidos do que os não agressivos [12].
No nosso estudo, uma aluna agressiva relatou situações
em que era vítima de violência em sua casa. Em um dos
encontros estudados, fez o relato a seguir:
- “Vou apanhar da minha mãe se chegar com a
roupa desse jeito, suja de argila.” (Kátia).
Não houve situação ou relato de violência sexual
durante as atividades grupais objeto deste estudo.
A vulnerabilidade social refletida na vivência escolar, como a vista neste estudo, pode reduzir a força
socializadora da escola, interferindo no ambiente relacional e permitindo que os alunos construam a violência como uma forma habitual de experiência escolar [3].
118
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
CONCLUSÃO
O fenômeno da violência que se expressa em
instituições de ensino é resultante de modelos sociais e
culturais, tanto do núcleo familiar primário, quanto do
ambiente comunitário externo. Alguns tipos de violência
são corriqueiros, até mesmo, aceitos na vida e comuns
no contexto educacional. As instituições escolares convivem, portanto, com esta influência interna e externa
de estressores e repressores sociais, representados pelos
atos violentos. Os estudantes que participaram do nosso
estudo identificaram a presença de violências do tipo física, psicológica e negligência no ambiente da EEPGA.
As ações desenvolvidas na e pela escola acabam,
por vezes, contribuindo com a banalização ou legitimação da violência como mecanismo para resolver
conflitos. Diante disto, é esperado que os estabelecimentos de ensino encontrem mecanismos para se configurarem como instituições de referência no combate
a este fenômeno. Isto pode ser alcançado mediante a
construção de um trabalho com ênfase em abordagens
preventivas e que busquem preparar os jovens para o
convívio em uma sociedade menos violenta.
Estratégias que objetivem trabalhar a autoestima,
a tolerância e a cooperação entre estudantes do ensino
fundamental podem ter efeito positivo. Os conflitos comuns a esta fase de vida (adolescência) podem ser aliviados com atitudes afetuosas que expressem respeito. A
oferta de espaços educativos nos quais os jovens possam
se posicionar, facilitar seu entrosamento com os colegas
e exercitar sua criatividade e capacidade de reflexão colabora de forma preventiva com a diminuição da violência
dentro do ambiente escolar. Desta forma, mediante a
inserção e participação dos alunos na resolução de conflitos é facilitada a construção de modelos de convivência
pacíficos reprodutíveis em outros ambientes sociais.
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GRUPO DE ATIVIDADES ESTRUTURADAS COM ESTUDANTES
119
OCUPEMBA: PROMOVENDO CIDADANIA
COM EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
OCUPEMBA: PROMOTING CITIZENSHIP WITH
A COMMUNITY BASED‑LEARNING APPROACH
*Bruno Azevedo de Andrade Barbosa, *Letícia Rigotti Li Puma, *Lucas Bruxellas Parra, *Talita Correa Santos,
**Marta Maria Assumpção Rodrigues
RESUMO
Este artigo relata a experiência de um grupo de alunos de Gestão de Políticas Públicas da Escola
de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo na idealização e condução de
atividade de extensão na região de Sapopemba, zona leste do município de São Paulo. Descreve
as principais dificuldades enfrentadas nas etapas de formulação e implementação do Projeto
OCUPEMBA – Oficinas Culturais de Sapopemba, assim como nas fases de monitoramento e
avaliação de seus resultados. O objetivo das oficinas, ainda em curso, é oferecer educação complementar para crianças e adolescentes entre cinco e doze anos em situação de risco que residem
no bairro Pró-Morar. O projeto busca ser um vetor de incentivos para que o público alvo se
reconheça como potencial agente transformador de seu ambiente.
Palavras-chave: Projeto de extensão. Cidadania. Política pública.
ABSTRACT
This article describes the experience of a group of students of Public Policy Management, School of
Arts, Sciences and Humanities, University of São Paulo, in creating and conducting educational activities in Sapopemba, a region located at the East Side of São Paulo SP. It presents the main difficulties
found not only to design and implement the Project OCUPEMBA – Cultural Workshops in Sapopemba, but also to monitor and evaluate its results. The aim of this project, which is still taking place,
is to offer complementary education for children and teens from five to twelve years old who reside
in the Pró-Morar district, and live at risk. The objective of this project is to become an array of incentives, so as the audience may recognize itself as potential transforming agents in its environment.
Key words: Community based-learning project. Citizenship. Public policy.
* Alunos do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo
(EACH-USP). ** Cientista política, professora doutora da EACH-USP. Av. Arlindo Béttio, 1000 – Ermelino Matarazzo – São
Paulo - SP – 02838-080 – e-mail: [email protected].
OCUPEMBA
121
INTRODUÇÃO
O QUE É O OCUPEMBA
O OCUPEMBA – Oficinas Culturais de Sapopemba é um
projeto sociocultural voltado para crianças e adolescentes de cinco a doze anos que residem no bairro Pró‑Morar, localizado próximo ao Jardim São Rafael, na região
de Sapopemba, zona leste de São Paulo. O projeto recebe fomento da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da
Universidade de São Paulo e é executado desde setembro
de 2010 por alunos do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP, em local cedido por uma organização não governamental (ONG), situada no Ministério Restauração†.
O objetivo principal deste projeto de extensão é
fomentar externalidades positivas no seu público alvo
através da oferta de educação complementar. Para isso,
busca estimular o desenvolvimento de uma consciência
coletiva nos participantes, esclarecendo alguns aspectos básicos referentes aos direitos de cidadania. Desta
forma, o OCUPEMBA procura ser um vetor de incentivos para que seus participantes se reconheçam como
agentes transformadores potenciais em seu ambiente.
Durante as fases de formulação e realização do
projeto ocorreram vários imprevistos. Para contorná-los, os alunos elaboraram diversas ações, que serão apresentadas ao longo do artigo. No momento, a
proposta é desenvolvida por meio de duas atividades
principais, as Oficinas de Cidadania e as Oficinas
de Inglês, que acontecem uma vez por semana. Nelas, busca-se promover a participação ativa do público
alvo através da interatividade e socialização em grupo.
Para estimular o senso crítico e o desenvolvimento
cognitivo dos participantes, diversas atividades lúdicas
(brincadeiras, teatrinhos, música, vídeos, produção
de artesanato) e jogos cooperativos foram criados.
Este artigo‡ descreve o surgimento do Projeto
OCUPEMBA – Oficinas Culturais de Sapopemba e
† Ministério Restauração é uma organização evangélica mundial, cujo
público-alvo é constituído por crianças carentes e suas comunidades. A
entidade oferece cursos de música, capoeira, computação, dança, inglês,
entre outros, e busca desenvolver o autossustento através de parcerias e
trabalho em rede com igrejas, missões e ministérios similares. Disponível em <http://restaura.wordpress.com>. Acesso em: 4 set. 2011.
‡ O mesmo foi escrito durante a estada da docente no Kellogg Institute for
International Studies, University of Notre Dame (Guest Scholar Program).
122
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
analisa alguns resultados preliminares tanto com relação à percepção que essas crianças e adolescentes têm
adquirido sobre noções de cidadania quanto no que
diz respeito ao aprimoramento educacional daqueles
que têm participado do trabalho. Em função da originalidade e sucesso do Clubinho Fala‑Matraca (que
integra as Oficinas de Cidadania), o artigo dará ênfase
aos resultados obtidos a partir dessa atividade.
OCUPEMBA: SURGIMENTO E DESDOBRAMENTO
A idéia de criar o Projeto OCUPEMBA surgiu
durante visita que um grupo de alunos do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP realizou, em outubro
de 2009, ao 70° Distrito Policial da Vila Ema, região
de Sapopemba, localizado à Rua Otávio Alves Dundas
Ciriaco Cardoso, 390, durante a Semana de Visitas às
Delegacias de Polícia, promovida por um pool de ONGs
denominado Altus Global Alliance§. Naquela oportunidade, os discentes foram recebidos pelo então chefe
dos investigadores, o doutor Carlos Roberto da Silva
Vilanova, conhecido como dr. Vila, que, além de apresentar a repartição, expôs suas idéias para humanizar os
espaços e serviços prestados pelo 70° DP à população
da região, lamentando o fato de que, num ambiente tão
carente de equipamentos de lazer, o espaço do deck e
das quadras fosse subutilizado pela comunidade.
Conjuntamente aos ambientes padrões de uma
delegacia de polícia, o 70° DP possui duas quadras
esportivas, um pequeno deck e duas salas, onde funcionava um Telecentro Comunitário e onde aulas de
artesanato e ginástica eram oferecidas para a comunidade local. As quadras e o deck eram frequentados
esporadicamente por crianças para jogar bola; as atividades promovidas nas duas salas eram desenvolvidas
em parceria com a ONG Ministério Restauração.
A partir do diálogo estabelecido entre os alunos
e o chefe dos investigadores surgiu a ideia do Projeto OCUPEMBA, cuja intenção era suprir a demanda
por atividades culturais para crianças em situação de
risco, colocando à disposição os espaços do 70º DP.
§ A Semana de Visitas a Delegacias de Polícia (Polícia Semana) é um evento
global anual que é organizado pela Altus Global Alliance, um conjunto de
seis ONGs que atua em diversos países para melhorar o sistema de justiça criminal, avaliar a qualidade de serviços prestados por departamentos
de polícia à comunidade, identificar boas práticas policiais, fortalecer a
prestação de contas pela polícia, além de promover os direitos humanos.
Disponível em <http://www.altus.org>. Acesso em: 4 set. 2011.
A expectativa era que essas ações pudessem gerar não
apenas uma aproximação maior entre a comunidade e a
Polícia Civil, mas principalmente uma diminuição dos
índices de criminalidade local. A proposta foi bem recebida pelo dr. Vila, que autorizou prontamente a atuação
dos universitários junto aos espaços da delegacia.
Com a ideia semiestruturada, alunos de Gestão de
Políticas Públicas da USP formaram um grupo, o qual
foi responsável pela redação do projeto de extensão.
Iniciou‑se, então, a busca pelo entendimento dos procedimentos burocráticos necessários para a sua apresentação; primeiro, pelo site da USP e, em seguida, por visitas
à Comissão de Cultura e Extensão (CCEx) da EACH.
Funcionários da comissão disponibilizaram o formulário a ser preenchido com dados do projeto (objetivos,
público alvo, metodologia, cronograma, orçamento,
etc.) e esclareceram a respeito da necessidade de o grupo ter um professor responsável pelas atividades a serem
desenvolvidas. A professora Marta Maria Assumpção Rodrigues aceitou o convite e orientou o grupo a realizar
um diagnóstico da região e do público alvo, além de obter a autorização formal para uso do espaço da delegacia.
Contudo, já na fase de formulação do projeto, os
alunos enfrentaram duas dificuldades principais. A primeira relacionou-se ao, talvez, frágil canal de comunicação que os alunos da EACH mantêm com a Comissão de
Cultura e Extensão¶. A segunda dificuldade enfrentada
deveu-se a um motivo de outra natureza. Entre o processo de elaboração e aprovação do projeto, o chefe dos
investigadores do 70° Distrito Policial da região da Sapopemba, o dr. Vila, depois de ser transferido para o 73° DP
(Jaçanã), foi a assassinado em 17 de fevereiro de 2010 [3].
Sua morte causou tal consternação no grupo que
alguns membros decidiram pela desistência da empreitada. Essa perda acarretou também a inviabilidade de
utilização do espaço da delegacia para realização das
¶ A expectativa dos alunos era que as atividades de extensão fossem iniciadas em meados de 2010. Para isso, entregaram o projeto à CCEx em
janeiro de 2010, que recebeu parecer favorável do Comitê Executivo
de Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão e foi aprovado pela
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo em
22 de abril daquele ano. Entretanto, nem os discentes envolvidos no
OCUPEMBA nem a professora responsável pelo projeto foram notificados. Só em junho de 2010, quando um dos membros da equipe foi
à CCEx da EACH buscar informações sobre o edital ProExt e mencionou o nome OCUPEMBA, um funcionário se lembrou do projeto e
averiguou que ele já havia sido aprovado há quase dois meses. Esse fato
resultou na alteração do cronograma inicial estabelecido pela equipe.
atividades planejadas. Essas dificuldades, somadas a
não aprovação de bolsas de extensão para os integrantes do projeto**, desmotivaram alguns componentes do
grupo, que acabaram se envolvendo em outras atividades universitárias com remuneração (estágios, iniciação
científica). Assim, apenas três discentes que iniciaram
o projeto permaneceram na fase de sua realização.
Todavia, a ONG sediada no Ministério Restauração, conhecendo a proposta do OCUPEMBA, apresentou
convite para que o projeto fosse desenvolvido numa das
cinco comunidades que a ONG atua (bairro Pró-Morar).
Diante dessa nova situação, os objetivos, as atividades e a
metodologia da pesquisa precisaram ser repensados.
REDESENHO DA PESQUISA,
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E
MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES
A versão original do projeto, em função da
quantidade inicial de membros da equipe e do local
acordado, previa que seriam desenvolvidas atividades
de lazer e recreação nas quadras, além das Oficinas de
Inglês e Espanhol na sala multiuso. O deck seria utilizado para a realização das Oficinas de Cidadania e das
Rodas de Leitura. As atividades ocorreriam três vezes
por semana, e todos os membros da equipe seriam oficineiros. No novo contexto, os objetivos da pesquisa
tiveram de ser redesenhados e um novo diagnóstico foi
elaborado. Essas atividades tomaram dois meses. Assim, a implementação do projeto, prevista para março
de 2010, aconteceu em setembro do mesmo ano.
As atividades dessa primeira etapa do OCUPEMBA versaram sobre Oficinas de Cidadania e Inglês. A
Oficina de Cidadania foi denominada para as crianças
de Clubinho Fala-Matraca. Essa atividade, implementada entre setembro e dezembro de 2010, consistiu,
basicamente, em ouvir o que o público alvo teria a dizer sobre o seu cotidiano, vida escolar e familiar, entre outros temas. Durante o período, as oficinas foram
**Vale enfatizar que funcionários da CCEx orientaram os alunos que inserissem no orçamento do projeto apenas os gastos referentes ao material a ser
utilizado nas atividades e ao transporte, e assim foi elaborada a proposta orçamentária do OCUPEMBA. Posteriormente à aprovação, os funcionários
esclareceram que as bolsas de auxílio também deveriam ter sido incluídas
no orçamento. Não é preciso dizer que a informação inadequada acarretou
prejuízo para que o projeto fosse implementado como planejado.
OCUPEMBA
123
desenvolvidas por três extensionistas, que haviam participado do projeto desde sua formulação preliminar.
Nos meses iniciais de 2011, o projeto foi retomado (segunda etapa) com algumas reformulações,
inclusive nas atividades do Clubinho. Os debates (ou
conversas) em sala passaram a ser direcionados para
questões como respeito mútuo, cooperação, cuidado
de si, autoestima, meio ambiente, ética e cidadania.
No período, duas extensionistas se desligaram do grupo e quatro novos membros foram incorporados, perfazendo um total de cinco oficineiros.
O Clubinho Fala-Matraca ocorre uma vez por
semana com crianças entre cinco e doze anos e tem
carga horária de duas horas. Todas as atividades do
clubinho têm sido desenvolvidas através de ações lúdicas, jogos cooperativos, atividades musicais e artísticas. Mais recentemente (segundo semestre de 2011),
novos temas foram incorporados às conversas, como
racismo, relações de gênero, diversidade cultural e religiosa, além de educação ecológica e ambiental. Sobre
o tema educação ambiental, por exemplo, trabalhamos
questões como o ciclo da água, a importância de tratar
o lixo, de reduzir o consumo desnecessário, de reutilizar e reciclar materiais orgânicos e não orgânicos etc.
Contudo, a Oficina de Cidadania preserva a
meta original do projeto: proporcionar um espaço de
aprendizado, onde as crianças possam se expressar livremente, discutir seus problemas e compartilhar suas
experiências. As Oficinas de Inglês, por sua vez, são
realizadas uma vez por semana com carga horária de
uma hora. As aulas de Inglês são ministradas através
de músicas e brincadeiras. Desta forma, as oficinas são
organizadas da seguinte forma: conversa inicial e relatos da semana; recapitulação da temática trabalhada
anteriormente; breve explicação sobre a temática do
dia; abordagem lúdica do tema; considerações finais e
recados sobre a próxima oficina.
PROCEDIMENTOS E RESULTADOS
A metodologia adotada no Projeto OCUPEMBA tem como base os modelos dos ciclos das políticas
públicas [6] e o incrementalista, que também é conhecido como método das ramas [4, 5]. O modelo dos ciclos
das políticas públicas apresenta uma forma simples de
compreender o processo (complexo) de produção das
políticas e pode ser utilizado em qualquer situação.
124
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
Segundo Assumpção Rodrigues, “trata-se de uma interpretação que se serve muito mais como um recurso
para fins de análise do que como referência a um fato
real” [1]. Nessa ótica, as políticas públicas são concebidas como um processo que se compõe de um conjunto
de atividades (“etapas” ou “estágios”): agenda, formulação, implementação e avaliação.
Já o modelo das ramas entende que, devido à
complexidade de determinadas situações e às inúmeras
restrições – de tempo, recursos financeiros e de capacidades humanas– envolvidas em uma política pública,
o sucesso desta ocorrerá apenas de forma paulatina, a
partir de uma ação inicial, seguida de aproximações
sucessivas. Essas aproximações, por sua vez, contemplarão valores não percebidos anteriormente e possibilitarão a adequação entre meios e técnicas necessárias
ao enfrentamento de situações problemáticas. Nestes
termos, ações incrementais, contínuas e permanentes
constituem ingredientes fundamentais para nos aproximarmos das melhores soluções possíveis.
O Projeto OCUPEMBA iniciou suas atividades
em condições e ambientes inesperados. Para suprir
estes incidentes foram necessárias diversas adaptações.
Assim, parte do trabalho de planejamento inicial foi
perdida. Passou-se, então, a construir uma nova base
de procedimentos que viabilizasse o desenvolvimento
das atividades (oficinas) propostas. Todas essas informações permitiram a modificação paulatina e segura
do projeto, no momento de sua implementação.
A coleta de dados ocorreu por meio de diversos instrumentos: lista de presença; lista de tarefas de
casa (realizadas pelos alunos); reuniões com registro
em ata; relatórios semanais dos oficineiros; pesquisas bibliográficas; e entrevista com os participantes,
orientada por roteiro.
LISTAS DE PRESENÇA
A partir de maio de 2011 passamos a contabilizar a presença das crianças nas oficinas. Esse procedimento nos mostrou quem participa com maior (ou
menor) frequência e qual o grau de rotatividade das
crianças que ali comparecem. Esse procedimento possibilitou não apenas o redirecionamento da temática (e
metodologia) utilizada, na medida em que adquirimos
maior conhecimento sobre o perfil dos participantes,
mas também a descoberta de que há um número de
crianças que invariavelmente estão presentes em todas
as oficinas. A atenção dedicada a esses alunos ajudou
o grupo a constatar que crianças mais presentes captam melhor as mensagens das oficinas, aprendendo e
se divertindo mais do que as que menos participam
(Tabela 1, ver Anexo).
A média aritmética de crianças presentes nas
oficinas durante o primeiro semestre de 2011 é 7,71
(desvio padrão 2,4997††). A frequência de meninas e
meninos foi calculada separadamente. No período, a
média de meninas presentes nas oficinas foi 5,7; a dos
meninos foi 1,8 (Tabela 2, ver Anexo).
Já a média de crianças presentes nas oficinas
no segundo semestre de 2011 é 14,66 (desvio padrão
4,04‡‡). A média de participação das meninas em
agosto foi de 10,33; dos meninos, 4,6. A média total das crianças presentes nas oficinas foi 11,19 (desvio
padrão 4,34). Separando os sexos, observa-se a média
total de 7,1 meninas e 2,7 meninos. Estamos realizando esforços para que essa discrepância de gênero
seja eliminada ou bastante minimizada. Vale ressaltar,
entretanto, que a média da presença dos meninos no
segundo semestre aumentou.
e a 4ª oficinas à falta de experiência dos oficineiros e/
ou motivos externos (como dias chuvosos ou festas na
região). Após a quinta oficina o número de crianças
aumentou significativamente, chegando a 18 crianças
na penúltima Oficina contabilizada e a 17, na última.
A média de crianças presentes nas oficinas no primeiro
semestre era 7,71. No segundo semestre, este número
saltou para 14,66. O aumento de comparecimento nas
oficinas sinaliza uma satisfação por parte das crianças e
uma conseqüente divulgação por parte delas§§.
LISTA DE TAREFAS
Junto à lista de presença, foi anexado o controle
das atividades de casa. Essas tarefas procuram despertar o
interesse sobre os assuntos trabalhados em sala e auxiliar
na fixação do conteúdo. De forma prática, esses procedimentos exemplificam como os conhecimentos aprendidos nas oficinas podem ser utilizados na vida cotidiana.
Sobre as tarefas de casa, vale observar:
•
GRÁFICO 1
Número de crianças presentes nas oficinas
•
a dificuldade que algumas crianças têm para ler e
escrever; por isso, evita‑se pedir tarefas que necessitem de relatos escritos;
no caso da criança não realizar a tarefa, os oficineiros reforçam a importância de fazê-la, mostrando sua relevância para a fixação do conteúdo.
REUNIÕES E RELATÓRIOS
0
A partir do gráfico acima, nota-se, no geral, que
o número de crianças presentes nas oficinas aumentou. Mas atribuímos o decréscimo registrado entre a 1ª
A partir de 2011, passamos a adotar a prática de relatórios semanais sobre as atividades ministradas. Desde
o início do projeto, o grupo realiza reuniões sistemáticas
para discutir o andamento dos trabalhos. Essas reuniões,
semanais e presenciais, são registradas em ata. A pauta,
geralmente, segue o seguinte formato: leitura da ata anterior; troca de impressões sobre a última oficina e debate sobre as melhorias que podem ser incorporadas nas
atividades; discussão do tema e das atividades da próxima
oficina; e responsabilidades de cada membro da equipe
em relação às tarefas práticas e de gerência do projeto.
A criação de um modelo de ata facilitou consideravelmente a organização das reuniões, a divisão de
tarefas, além de gerar um maior comprometimento
da equipe. Além das atas de reuniões, também é feito,
††O desvio padrão revela a variação de crianças nas oficinas.
‡‡A partir do desvio padrão apresentado nas etapas 1 e 2 do projeto, verificou-se que no primeiro semestre (etapa 1), apesar de registrar uma
média menor de crianças presentes do que no segundo semestre (etapa
2), a variação média de frequência dessas crianças era menor.
§§ A entrevista com a menina Emile, por exemplo, indica a eficácia da
divulgação (boca a boca), entre as crianças. Ao responder a pergunta:
“O que te trouxe aqui?”, Emile disse que uma amiga havia lhe contado
sobre as atividades do Clubinho.
OCUPEMBA
125
semanalmente, um relatório sobre a última oficina, para
registro das dificuldades, melhor compreensão da realidade local e aprimoramento do projeto. Os relatórios
são lidos em reunião e enviados por e-mail aos extensionistas. Para cada oficina é elaborado um relatório contando sobre o desenvolvimento das atividades do dia.
PESQUISAS BIBLIOGRÁFICAS
As pesquisas bibliográficas, por sua vez, têm como
objetivo subsidiar os temas abordados com suporte
científico e auxiliar na melhoria das técnicas pedagógicas adotadas. Alguns dos oficineiros possuem experiência no desenvolvimento de atividades socioeducativas e
recreativas, o que auxilia no processo de planejamento.
ENTREVISTA
No mês de agosto de 2011, elaboramos um
questionário sintético, com perguntas muito simples
e que foram dirigidas às crianças. Esse procedimento
(entrevista) buscou descobrir o conteúdo adquirido
durante as oficinas e como ele é relacionado e utilizado no cotidiano do público focado. Procurou-se verificar também o(s) motivo(s) que leva(m) as crianças a
participarem das oficinas (suas preferências sobre assuntos específicos, conhecimentos adquiridos e o grau
de acolhimento do ambiente ofertado). As perguntas
que compunham o roteiro de entrevista eram:
•
•
•
•
•
O que você acha do Clubinho? E das aulas de Inglês?
O que lhe trouxe aqui?
O que você aprendeu até agora?
Você usou o que aprendeu aqui? O que você
usou? Como você usou?
Qual a sua oficina preferida? Por que?
A pergunta “O que lhe trouxe aqui?” procurou descobrir os motivos das crianças participarem
das oficinas. As respostas eram abertas e nem sempre
foram claras. Há, no entanto, alguns elementos comuns que podem mostrar os motivos da participação.
Classificamos estes elementos como diversão; simpatia com os oficineiros; aprendizado; inexistência de
atividades mais atrativas no local; questões religiosas;
e falta de um responsável para cuidar da criança em
casa. Porém, a grande maioria respondeu que vai ao
OCUPEMBA porque as atividades oferecidas são divertidas. Alguns disseram que comparecem porque
os “tios” – oficineiros – são “legais”; outros, porque
126
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
“aprendem coisas”. Cinco disseram que vão, pois “não
têm nada para fazer”. Duas crianças disseram que vão
por questões religiosas; as mais novas (duas crianças)
disseram que vão porque não têm com quem ficar
em casa. Podemos observar que as influências de fatores de afinidade com o projeto são mais relevantes
do que as pressões externas.As questões “O que você
aprendeu até agora?” e “Você usou o que aprendeu no
Clubinho? O que você usou? Como você usou?” procuravam descobrir o conteúdo absorvido pelas crianças e como elas se relacionaram, de forma prática, com
esses conhecimentos. Verificou-se que sete das nove
crianças que responderam a essas questões conseguiram identificar conteúdos aprendidos. A criança mais
nova (seis anos) não conseguiu relatar seu aprendizado, mas afirmou que aprendeu brincadeiras e músicas. As crianças com idades entre nove e onze anos
relacionaram o aprendizado sobre o meio ambiente
com a interação humana e deram exemplos de como
podem e como estão agindo para preservar o ambiente
em que vivem e mantê-lo mais saudável. Diversos participantes mencionaram que aprenderam a não jogar
lixo no chão/na rua, que a reciclagem pode ajudar a
deter o consumo desnecessário e a poluição ambiental
e ainda ser divertida (utiliza-se material reciclado nas
aulas de artesanato). Alguns participantes mencionaram as aulas de pintura do Clubinho Fala‑Matraca.
Essas falas demonstram que os resultados obtidos pelo
OCUPEMBA são positivos e têm contribuído com a
complementação educacional dessas crianças, pois
estão vinculados ao desenvolvimento de habilidades
cognitivas e coordenação fina.
As respostas às questões “Qual a sua oficina preferida? Por que?” esclareceram não só a preferência das
crianças, mas nos ajudaram também a verificar a assimilação e apreensão de conteúdo e o desenvolvimento
de pensamentos complexos dos participantes. De sete
crianças que responderam essa pergunta, seis tinham
preferências pelas oficinas que tratavam de temas referentes à educação ecológica e ambiental; uma preferiu a
oficina sobre respeito; outra, as aulas de inglês e a oficina em que houve brincadeiras de mímica. É interessante notar o modo pelo qual as crianças fazem referência
às oficinas que mais gostaram: algumas se referem à temática tratada, outras as brincadeiras e atividades e outras ainda fazem relações entre temáticas e brincadeiras.
Além desses procedimentos, as conversas com
as crianças - que ocorrem no início de cada oficina
- ajudam-nos a compreender melhor o ambiente em
que essas crianças estão inseridas. A partir do diálogo, é possível perceber a realidade local e as diversas
necessidades e dificuldades que essas crianças enfrentam no dia a dia, como violência familiar e social, dificuldades de aprendizado, relações (tensas) entre as
crianças, ausência na oferta de atividades de lazer e de
um responsável em casa, entre outas. Os relatos nos
oferecem também algumas indicações sobre os efeitos
das ações do projeto na vida cotidiana dessas crianças.
Além desses mecanismos descritos aqui, estão
previstos ainda o desenvolvimento de outros para a coleta e avaliação de dados, como registro do desempenho
escolar, entrevistas com pais ou responsáveis e nova entrevista com as crianças. Estas ações procurarão registrar
a influência do projeto no desenvolvimento dos participantes e seus impactos na comunidade onde eles se inserem. Entretanto, como as consequências dessa empresa
dizem respeito à formação educacional e geração de externalidades positivas – variáveis medidas no longo prazo
–, sua mensuração só poderá ocorrer pela continuidade
do projeto e por comparações constantes e sequenciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exame dos relatórios dos oficineiros e das
entrevistas com as crianças aguça a percepção de que
o Projeto OCUPEMBA tem contribuído não apenas
com a complementação educacional do público-alvo,
mas também com um novo aprendizado que está sendo
adquirido pelos próprios universitários. Nesse sentido,
vale mencionar que a organização interna da equipe
progrediu gradualmente na medida em que as oficinas foram se consolidando. Isso significa dizer também
que, na medida em que o planejamento tornou-se mais
bem estruturado, as oficinas foram ministradas de forma mais segura.
Em outras palavras, a produtividade das reuniões e a qualidade das atividades propostas melhoraram
significativamente, na medida em que:
•
•
•
o planejamento foi se tornando mais adequado;
a identidade do Clubinho Fala-Matraca (que fora
construída em conjunto com as crianças) foi se
fortalecendo;
as dificuldades, necessidades e demandas do público-alvo foram melhor compreendidas;
•
a linguagem e os instrumentos utilizados pelos
oficineiros foram aprimorados, o que possibilitou, inclusive, uma melhor comunicação entre os
participantes.
Vale notar também que o próprio grupo foi
adquirindo uma dinâmica nova, na medida em que
a afinidade entre os seus integrantes aprofundou-se
progressivamente. Isto permitiu a cada participante
do grupo conhecer melhor seus limites e capacidades.
A conclusão que extraímos a partir das experiências relatadas neste artigo é muito simples. O exercício
da cidadania depende da oferta de educação de qualidade que permita, inclusive, relacionar o impacto que
atitudes individuais têm no âmbito da coletividade. Em
outras palavras, o exercício da cidadania depende da
oferta de políticas públicas eficazes que, no contexto do
bairro Pró-Morar, significa mais escolas, mais creches,
saneamento básico, lazer, saúde pública e mais programas sociais de combate à pobreza.
Notamos uma grande dificuldade que as crianças têm com relação à leitura, o que torna a situação do
projeto mais delicada. O grupo procura ser extremamente cuidadoso com a programação das atividades,
para não tornar essa situação um empecilho a algumas
crianças que participam das oficinas. Neste sentido,
o grupo está programando expandir o projeto para a
área pedagógica, auxiliando as crianças no desenvolvimento de suas habilidades escolares.
Pelo que foi dito aqui, podemos concluir que o
objetivo do Projeto OCUPEMBA – levar à comunidade do entorno da USP Leste educação complementar –
está sendo atingido; do mesmo modo, o princípio que
rege todo e qualquer projeto de extensão – o de contribuir para a aplicação de políticas públicas com ênfase na inclusão social – também está sendo atingido.
O Programa de Extensão Universitária tem o
objetivo de apoiar as instituições públicas de
ensino superior no desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a implementação de políticas públicas.
Criado em 2003, o ProExt abrange a extensão
universitária com ênfase na inclusão social. [2]
Afinal, ao mesmo tempo em que levamos conhecimento (ou, no nosso caso, educação complementar) para o bairro Pró-Morar, estamos incrementando
OCUPEMBA
127
nosso conhecimento sobre essa comunidade.
Fazer parte da vida dessas crianças representa
para os integrantes grupo uma oportunidade ímpar tanto sob a perspectiva profissional quanto emocional. Os
momentos vividos com elas mostra-nos uma face da realidade do país que futuros profissionais de Gestão de
Políticas Públicas terão de enfrentar em seu cotidiano,
sempre vislumbrando a diminuição, mesmo que paulatina, da desigualdade socioeconômica do país. A esperança
de que os trabalhos descritos aqui estejam contribuindo
para consolidar o caminho para uma sociedade mais justa explica, em parte, a alegria que sentimos quando realizamos as oficinas, e a serenidade que nos guiou quando
enfrentamos o desestímulo para prosseguir.
Está claro para nós que os oficineiros se tornaram um exemplo (modelo) para as crianças da comunidade. Por isso, temos o cuidado permanente de
pensar com cautela extrema cada atitude a ser tomada,
pois elas podem nortear as crianças em sua maneira de agir no futuro. Mais do que para falar, o grupo
está ali para ouvir o que essas crianças têm a nos dizer,
sem fazer julgamentos, apenas compreendendo as necessidades de cada uma delas. Essa atitude transmite
uma intimidade às crianças para dizerem o que pensam e sentem. Por isso, o Clubinho também oferece
um momento de desabafo e um lugar onde as crianças
percebem que, nele, elas têm voz. Nesse ambiente, vamos exercitando, em conjunto, a cidadania.
Com relação às ações futuras, vale observar que o
grupo aspira ter maior atuação no bairro, fazendo a diferença em questões como a coleta seletiva, na tentativa
de sair do campo das ideias para ingressar no campo da
ação coletiva mais ampla. Sob a perspectiva universitária, o objetivo é transformar a experiência agregada pelo
OCUPEMBA na formatação de uma proposta que possa
ser replicada por outros extensionistas da EACH-USP
para outros bairros pobres da zona leste de São Paulo.
Nessa direção, nossa proposição é finalizar este projeto
– que permanece em curso –, com a sistematização das
experiências adquiridas (gestão de conhecimento) sob a
forma de um “manual” que possa facilitar outras intervenções semelhantes no entorno da USP Leste.
128
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
ASSUMPÇÃO RODRIGUES, Marta M. Políticas
Públicas. São Paulo: Publifolha, 2010. p.47.
BRASIL. Ministério da Educação. ProExt. Apresentação do PROEXT 2011: MEC/SESu. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=12241&Itemid=488>.
Acesso em: 5 set. 2011.
INVESTIGADOR do 73º DP é assassinado no Limão. Jornal da Tarde, São Paulo, 18 fev. 2010.
Cidade. Disponível em <http://www.jt.com.br/editorias/2010/02/18/ger-1.94.4.20100218.15.1.xml>.
Acesso em: 10 set. 2011.
LINDBLOM, C.E. The Science of Muddling Through.
Public Administration Review, 19. p.78-88. 1959.
LINDBLOM, C.E. Still Muddling, Not Yet Through.
Public Administration Review, 39. p.317-336. 1979.
RIPLEY, R.B. Stages of the Policy Process. In: McCOOL, D.C., ed., Public Policy Theories, Models,
and Concepts: an anthology. New Jersey: Prentice
Hall, 1995.
DEDICATÓRIA
Dedicamos o artigo à memória de Carlos Roberto da Silva Vilanova, o dr. Vila.
ANEXO
TABELA 1
Presenças Registradas – Maio-Julho, 2011
SEXO
Meninos
6/MAIO
3
13/MAIO
20/MAIO
1
27/MAIO
3
Meninas
9
7
5
Total
12
8
8
3/JUN
2
Não
houve
10/JUN
1
17/JUN
24/JUN
1/JUL
0
5
4
7
7
5
7
3
Não
houve
5
8
TABELA 2
Presenças Registradas – Agosto, 2011
SEXO
Meninos
5/AGO
3
12/AGO
19/AGO
5
Meninas
7
13
Total
10
18
26/AGO
6
Não
houve
11
17
OCUPEMBA
129
INSTRUÇÕES PARA O PREPARO E ENCAMINHAMENTO
DOS TRABALHOS
PREPARAÇÃO
Os trabalhos devem ter no mínimo 10 e no máximo 15 páginas, incluindo a referência bibliográfica. Se no trabalho houver a inclusão de imagem(s), esta (s) deverá (ão) ser enviada (s) em
outro arquivo e com resolução de, no mínimo, 400 dpis.
TÍTULO DO TRABALHO
Deve ser breve e indicativo da finalidade do trabalho. O título deverá ser apresentado em português e em inglês.
AUTOR (ES)
Por extenso, indicando a (s) instituição (ões) à (s) qual (ais) pertence (m). O autor para correspondência deve ser indicado com asterisco, fornecendo endereço completo, incluindo o eletrônico.
RESUMO EM PORTUGUÊS
Deve apresentar, de maneira resumida, o conteúdo, a metodologia, os resultados e as conclusões
do trabalho, não excedendo a 200 palavras.
PALAVRAS-CHAVE
Observar o limite máximo de 3 (três). As palavras-chave em inglês (key words) devem acompanhar as em português.
RESUMO EM INGLÊS
Deve conter o título do trabalho e acompanhar o conteúdo do resumo em português. No caso de
trabalhos escritos em língua inglesa, deverá ser apresentado um resumo em português.
INTRODUÇÃO
Deve estabelecer com clareza o objetivo do trabalho. Extensas revisões de literatura devem ser
substituídas por referências aos trabalhos bibliográficos mais recentes, onde tais revisões tenham
sido apresentadas.
MATERIAIS E MÉTODOS
A descrição dos métodos usados deve ser breve, porém suficientemente clara para possibilitar
a perfeita compreensão e repetição do trabalho. Estudos em humanos devem fazer referência à
aprovação do Comitê de Ética correspondente.
INSTRUÇÕES PARA O PREPARO E ENCAMINHAMENTO DOS TRABALHOS
131
RESULTADOS
Deverão ser acompanhados de tabelas e material ilustrativo adequado.
DISCUSSÃO
Deve ser restrita ao significado dos dados e resultados alcançados.
CONCLUSÕES
Quando pertinentes, devem ser fundamentadas no texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A exatidão das referências bibliográficas é de responsabilidade dos autores. Elas devem ser organizadas de acordo com as instruções da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR6023 e ordenadas alfabeticamente no fim do artigo, incluindo os nomes de todos os autores.
CITAÇÕES NO TEXTO
As citações bibliográficas inseridas no texto devem ser indicadas por numerais arábicos entre
colchetes. Quando for necessário mencionar o(s) nome(s) do(s) autor (es) no texto, a seguinte
deverá ser obedecida:
•
•
•
Até 3 (três) autores: citam-se os sobrenomes dos autores;
Mais que 3 (três) autores, cita-se o sobrenome do primeiro autor, seguido da expressão latina et al.;
Caso o nome do autor não seja conhecido, a entrada é feita pelo título.
CITAÇÕES NA LISTA DE REFERÊNCIAS
A literatura citada no texto deverá ser listada em ordem alfabética e numerada de forma sequencial, usando numerais arábicos entre colchetes. A lista de referências deve seguir os padrões mínimos estabelecidos pela ABNT NBR-6023, de agosto de 2002, resumidos a seguir:
LIVRO NO TODO
Autor (es), título em negrito, edição, local, editora e ano de publicação.
Exemplo: BACCAN, N.; ALEIXO, L. M.; STEIN, E.; GODINHO, O. E. S. Introdução à semimicroanálise qualitativa. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
LIVRO EM PARTE
Autor (es) e título da parte, acompanhados da expressão in:, da referência completa do livro, do
capítulo e da paginação.
Exemplo: SGARBIERI, V. C. Composição e valor nutritivo do feijão Phaseolus vulgaris L. In:
BULISANI, E. A. (Ed.). Feijão: fatores de produção e qualidade. Campinas: Fundação Cargill,
1987. cap. 5, p. 257-326.
132
REVISTA CULTURA E EXTENSÃO USP
VOLUME 6
ARTIGO EM PUBLICAÇÃO PERIÓDICA
Autor (es) e título da parte, título da publicação em negrito, volume, fascículo, paginação, data
de publicação.
Exemplo: KINTER, P. K.; van BUREN, J. P. Carbohydrate interference and its correction in
pectin analysis using the m-hydroxydiphenyl method. Journal Food Science, v. 47, n. 3, p.
756-764, 1982.
ARTIGO APRESENTADO EM EVENTO
Autor (es), título da parte, seguido da expressão in:, título do evento, numeração do evento (se
houver), local (cidade) e ano de realização, título da publicação em negrito, local, editora, data
de publicação e paginação.
Exemplo: BRAGA, A. L.; ZENI, G.; MARTINS, T. L.; STEFANI, H. A. Síntese de calcogenoeninos. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 18, Caxambu, 1995.
Resumos. São Paulo: Sociedade Brasileira de Química, 1995. res. QO-056.
DISSERTAÇÃO, TESE E MONOGRAFIA
Autor, título em negrito, ano da defesa, número de páginas, descrição do trabalho acadêmico,
grau e área de conhecimento, a vinculação acadêmica, local e ano de aprovação.
Exemplo: CAMPOS, A. C. Efeito do uso combinado de ácido láctico com diferentes proporções de fermento láctico mesófilo no rendimento, proteólise, qualidade microbiológica e propriedades mecânicas do queijo minas frescal. 2000. 80p. Dissertação (Mestre em
Tecnologia de Alimentos) - Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2000.
TRABALHO EM MEIO ELETRÔNICO
As referências devem obedecer aos padrões indicados, acrescidas das informações relativas à
descrição física do meio eletrônico (disquete, CD-ROM, on-line etc.), de sua localização (em
caso de páginas eletrônicas) e data de acesso.
Exemplo: SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Tratados e organizações ambientais em matéria de meio ambiente. In: _______. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA, 1999. p. 7-14. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual.htm>.
Acesso em: 8 mar. 1999.
LEGISLAÇÃO
Jurisdição e órgão judiciário competente, título, numeração, data e dados da publicação.
Exemplo: BRASIL. Portaria nº. 451, de 19 de setembro de 1997. Regulamento técnico princípios gerais para o estabelecimento de critérios e padrões microbiológicos para alimentos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 set. 1997,
Seção 1, n. 182, p. 21005-21011.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos e outras formas de reconhecimento devem ser mencionados após a lista de
referências.
INSTRUÇÕES PARA O PREPARO E ENCAMINHAMENTO DOS TRABALHOS
133
Manuscritos devem ser enviados para:
Revista Cultura e Extensão USP
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP
Rua da Praça do Relógio, 109 – Edifício Anexo I
Cidade Universitária – São Paulo - SP – 05508-900
[email protected] – www.usp.br/prc
TERMO DE CONCORDÂNCIA E CESSÃO DE DIREITOS DE REPRODUÇÃO
O (s) abaixo assinado (s) _______________________________, autor (es) do artigo intitulado ___________
____________________________, declaram tê-lo lido e, aprovando-o na sua totalidade, concordam em
submetê-lo à Revista Cultura e Extensão USP para avaliação e possível publicação como resultado original. Esta declaração implica que o artigo, independente do idioma, não foi submetido a
outros periódicos ou revistas com a mesma finalidade.
Declaro (amos) que aceito (amos) ceder os direitos de reprodução gráfica para a Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária da USP (PRCEU-USP), no caso do artigo com o título descrito acima, ou com o título que posteriormente venha a ser adotado para atender às sugestões de
editores e revisores, venha a ser publicado pela Revista de Cultura e Extensão USP ou quaisquer
periódicos e meios de comunicação e divulgação da PRCEU-USP. Em adição (necessário se
existir mais que um autor), concordamos em nomear _______________ como o autor a quem toda
a correspondência e separatas deverão ser enviadas.
Cidade:
Endereço:
Data:
Nome(s) e assinatura(s):
134
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VOLUME 6
Título
Revisão de texto
Revisão dos
resumos em inglês
Projeto gráfico
Coordenação de
produção gráfica
Editoração eletrônica
Formato
Fonte
Papel
Número de Páginas
Tiragem
CTP, Impressão
e Acabamento
Revista Cultura e Extensão USP
José Antonio Capellari
Luize Rocha
Homem de Melo & Troia Design
Vitor Borysow
Luana Farias
205 x 265 mm
Blair e Mrs. Eaves
Alta Alvura 90 g/m2
136
1.000 exemplares
Rettec Artes Gráficas Ltda.

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