Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re

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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re
Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery
http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377
Curso de Pedagogia - N. 5, JUL/DEZ 2008
LITURGIA CRISTÃ: Um abrir de olhos para a vida no encontro com o
Ressuscitado (cf. Lc 24.31). 1
Messias Valverde
O convite da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) para
participar deste projeto de homenagem ao Prof. Dr. Juan Antônio Ruiz de Gopegui
foi muito significativo para mim como ex-aluno protestante – pastor metodista –
por dois motivos: primeiro porque o assunto tem sido alvo de meu interesse tanto
nas observações empíricas como nas pesquisas acadêmicas. O segundo, e mais
importante motivo, é que o professor homenageado participou do momento
acadêmico mais significativo, que foi a orientação da tese de doutoramento em
Teologia, defendida em dezembro de 2002.
É importante ressaltar que o olhar aqui exposto sobre a Liturgia Cristã no
Brasil carrega as virtudes e os limites da janela de um autor de cultura protestante,
que, por vias acadêmicas, se esforça para transcender suas fronteiras. Não há
dúvidas, no entanto que o período discente vivenciado na FAJE e a experiência de
orientando do professor Gopegui foram decisivos tanto para um olhar retrospectivo
- enriquecido academicamente - para as experiências anteriores quanto para a
continuidade da carreira docente.2
Na dimensão retrospectiva é interessante retomar as primeiras experiências
litúrgicas vivenciadas em um ambiente de cultura predominantemente metodista e
1
VALVERDE, Messias. In: BARROS, Paulo César (org). A Serviço do Evangelho. Estudos em Homenagem
a J. A .Ruiz de Gopegui, SJ, em seu 80o. aniversário. São Paulo: Loyola, 2008, p. 45 a 60.
2
Entre outros , como docente na Faculdade Metodista Granbery e no Seminário Arquidiocesano
Santo Antônio, em Juiz de Fora-MG.
2
refletir novamente sobre os motivos que levaram os cristãos católicos e os
metodistas de Valverde, na zona rural de Leopoldina, MG3, a celebrarem juntos,
no mesmo espaço físico, as Liturgias natalinas, com co-participação ativa em toda
a programação4, assumindo publicamente, e de forma conjunta, a fé no mistério
do nascimento de Jesus, apesar da consciência, por parte dos católicos, das
intenções implícitas dos metodistas em arrebanhá-los, se possível, para a sua
confissão religiosa,5uma vez que residiam a 9 Km de distância da paróquia
católica mais próxima.
Enquanto isso, foram raríssimos os momentos em que o padre de Tebas e
de Argirita6 e o pastor metodista de Leopoldina7 estiveram juntos, publicamente,
em eventos sociais ou litúrgicos.8Nem mesmo em ocasiões informais do dia-a-dia.
Posturas bastante diferenciadas do povo, que, além de trabalharem juntos nas
atividades rurais, não encontravam dificuldades em celebrar conjuntamente, como
foi dito, os pontos centrais da fé cristã.
Posteriormente, pude verificar que no mundo acadêmico o quadro não se
diferencia muito. Ao ingressar-me no curso de Teologia na Faculdade de Teologia
da Igreja Metodista, em São Bernardo do Campo – SP, tive a grata oportunidade
de perceber que muitos dos textos básicos utilizados em Teologia Bíblica,
Teologia do Antigo Testamento, Teologia do Novo Testamento e Liturgia eram de
autores católicos, em alguns casos, obras conjuntas de Teólogos católicos e
protestantes e, não raro, textos de autores protestantes publicados por editoras
católicas.
Em todas essas situações se tratavam de textos altamente relevantes para
a formação acadêmica e teológica de Pastores(as) metodistas. Percebi ainda que
3
Terra natal do autor de cultura predominante - por muitos anos hegemônica – metodista.
Católicos e protestantes participavam dos cânticos, das poesias natalinas. Ressalta-se ainda que,
na madrugada do domingo pascal, as famílias católicas e metodistas da região eram despertadas
com a alvorada de Páscoa, com cânticos sobre a ressurreição entoados pelos metodistas.
5
Implícita porque não havia nenhuma ação prosélita ostensiva com tal propósito.
6
As duas paróquias católicas mais próximas de Valverde, cerca de 9Km e 20 Km
aproximadamente.
7
Paróquia metodista que atende a localidade de Valverde.
8
Um exemplo de que as dificuldades relacionais maiores situam-se no campo institucional.
4
3
a convivência acadêmica entre os discentes9, bem como entre os docentes de
diferentes tradições teológicas era rica e respeitosa. Cheguei então à constatação
de que também no mundo acadêmico as dimensões relacionais e de debate das
questões litúrgicas e teológicas apresentam um quadro bastante diferenciado do
que foi observado nos clérigos metodistas e católicos que presidem os trabalhos
paroquiais.
Um segundo exemplo de observações empíricas ocorreu na congregação
metodista de Alto Jequitibá10, da Igreja Metodista de Manhuaçu – MG, onde iniciei
minha carreira pastoral. Impressionante como os trabalhadores metodistas,
presbiterianos, católicos e a liderança espírita local conviviam de forma respeitosa
e fraterna, levando-os a se reunirem periodicamente, em espaços protestantes ou
não, para a oração e a reflexão bíblica, com a justificativa de que se trabalhavam
juntos e compartilhavam os diversos momentos de dor e de alegria, podiam
também se reunir para a oração.
Nessa alternância entre observações empíricas e participações em
programas acadêmicos de natureza dialogal ecumênica, tive a oportunidade de
ingressar, em 1989, no programa ecumênico de Mestrado em Ciências da Religião
da Universidade Metodista de São Paulo, que me proporcionou a oportunidade de,
literalmente, assentar-me a uma mesa que reunia alunos de diversas tradições
cristãs, entre eles, alguns representantes de segmentos de tradição sabática e de
tradição pentecostal. Assim, de forma mais intensa, pude ver
no campo
acadêmico o que tinha observado no meio popular.
O desfecho dessa experiência ocorreu com a oportunidade de, em 1998,
iniciar o doutorado em uma instituição católica (FAJE), na época, como único
aluno protestante, experiência que me permitiu novas hermenêuticas dos estágios
anteriores, entre elas a de ter, em classe, como professores, autores de livros que
tinha lido em período de graduação e pós-graduação como João Batista Libânio,
Ulpiano, entre outros.
9
Alguns deles de procedência não-metodista que faziam disciplinas isoladas para a atuação nos
ministérios em Pastorais Específicas.
10
Mais especificamente no ponto de trabalho da fazenda Werner.
4
Um dos momentos relevantes desse período foi a elaboração da tese
intitulada: A Prática Litúrgica Pentecostal e sua Influência nas Igrejas Cristãs
Históricas, sob a orientação do professor Gopegui. Suas orientações mescladas
por construções e desconstruções acadêmicas e teológicas possibilitaram-me
perceber as presenças do cristão, do sacerdote, do pastor, do teólogo, do crítico,
do sábio e do amigo, reunidas na mesma pessoa.
No processo de orientação, Professor Gopegui
manteve, em todos os
momentos, os distanciamentos e as aproximações necessárias para a construção
de uma trajetória acadêmica capaz de
reunir
elementos sócio-teológicos e
litúrgicos que nos permitissem refletir sobre a caminhada cíclica da Liturgia Cristã
no Brasil, das Igrejas Cristãs Históricas às Igrejas Neopentecostais, com os seus
encontros e desencontros.
Não foi uma tarefa simples pois o campo da Liturgia envolve, ao mesmo
tempo, os espaços mais sagrados e os mais pecaminosos das dimensões Santa e
Pecadora da Igreja Cristã. Trabalho que tem me motivado a dar continuidade à
pesquisa em busca de uma ação docente que considere a
expressões
Litúrgicas no cristianismo
diversidade de
brasileiro e suas repercussões na
formação cultural do povo, entre outros, os motivos que facilitam e os que
dificultam o diálogo ecumênico.
Embora priorizássemos os elementos comuns que sustentam a fé cristã e
que são infinitamente maiores que as diferenças, é inegável que a postura
hegemônica do cristianismo católico, por exemplo, a partir do período colonial
estabeleceu marcas litúrgicas e culturais praticamente indeléveis na consciência
coletiva da sociedade brasileira. Marcas só entendidas em profundidade se
analisadas a partir da ideologia da “vocação missionária portuguesa” que
respaldava as ações dos colonizadores.11
Com as expressões protestantes também não foi diferente, pois, o
Protestantismo Histórico, nas modalidades “imigração” e “missão”12, foram
11
Cf. AZZI, Riolando. A Teologia Católica na Formação da Sociedade Colonial Brasileira.
Petrópolis: Vozes, 2005.
12
REILY, Duncan. A. História Documental do Protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1984,
p.9ss.
5
portadores de novas versões ideológicas vocacionais, também de caráter
hegemônico. Desta feita, a idéia de “chamado divino para missão de cunho
universal” atinge os protestantes, especialmente de “missão”, convencidos da
vocação salvífica mundial dos Estados Unidos e, conseqüentemente, certos de
que tinham que proclamar por todo o mundo o Evangelho de Cristo nos moldes
norte-americanos.13
A diversificação das matrizes teológicas e litúrgicas se complementa com a
chegada dos pentecostalismos protestantes “clássico”14, “neoclássico”15 e
“neopentecostal”16, que a partir de 1910, também por influências diretas de
correntes teológicas surgidas em solo norte-americano, vão se estabelecendo no
Brasil, convencidos de serem os portadores da ação pneumatológica que, a partir
do “Batismo com o Espírito Santo”, concede-lhes dons extraordinários como
“línguas estranhas; profecias; dons de cura; quebra de maldições.”17
É a partir desse contexto que propusemos trabalhar na tese de
doutoramento A Prática Litúrgica pentecostal e sua influência nas Igrejas Cristãs
Históricas, como um instrumento de busca de uma compreensão mais abrangente
da diversidade litúrgica que envolve o cristianismo brasileiro, especialmente nas
últimas décadas, com a expansão do neopentecostalismo. Ao mesmo tempo,
estabelecemos os anos 60 como elemento de inspiração para o trato com as
Igrejas Cristãs Históricas, por entendermos que eles representam um tempo de
conversão da Igreja, à “causa dos pobres do mundo”,18 especialmente da América
13
MESQUIDA, Peri. Hegemonia Norte-Americana e Educação Protestante no Brasil. Juiz de
Fora/São Paulo: EDUFJF/EDITEO, 1994.
14
Termo utilizado para se referir às primeiras expressões do Pentecostalismo no Brasil como a
Igreja Assembléia de Deus e a Congregação Cristã no Brasil com ênfase em Línguas estranhas e
profecias.
15
Igrejas Pentecostais que se desenvolvem de 1950 a 1970, com ênfase na Cura Divina.
16
Igrejas Pentecostais que se desenvolveram no Brasil a partir do final da década de 70 com
ênfase na Teologia da Prosperidade na confissão positiva Veja: VALVERDE, Messias. A Prática
Litúrgica Pentecostal e sua Influência nas Igrejas Cristãs Históricas . Belo Horizonte: FAJE, 2002,
tese de doutoramento em teologia, p. 50 -101.
17
Ênfases desenvolvidas, respectivamente, pelo pentecostalismo clássico, neoclássico e
neopentecostal. Sobre maldições ver. BROW, Rebecca & YODER, Daniel. Maldições não
Quebradas. Rio de Janeiro: DANPREWAN Editora, 2006.
18
BOFF, C. e PIXLEY, J. Opção pelos Pobres. Coleção Teologia da Libertação, série I, n. 5.
Petrópolis: Vozes, 1987.
6
Latina, sob a influência do Concílio Vaticano II19 e da Teologia da Libertação20,
resultando num avanço reflexivo e de produção documental bastante rica no
cristianismo católico21 e no cristianismo protestante histórico22.
Ao comentar sobre as novas possibilidades litúrgicas e teológicas,
bem como as conseqüências dialogais que poderiam advir, Carmine Di Sante
afirma:
O Concílio Vaticano II (1962-1965) representa, sem sombra
de dúvida, o acontecimento eclesial mais importante do
nosso século. As suas Constituições, os seus Decretos e as
suas declarações são o ponto de chegada e de partida do
novo modo de compreensão da Igreja, seja na sua
dimensão ad intra (a Igreja vista em si mesma, em seus
componentes teológicos fundamentais), seja na dimensão
ad extra (vista em relação com o mundo, tomado no seu
sentido lato). Este processo de nova compreensão só foi
possível, sobretudo, graças ao movimento bíblico litúrgico e
teológico, cujas solicitações foram acolhidas e inseridas em
três grandes constituições conciliares, a saber: a da Liturgia,
a da Igreja e a da Revelação.23
Além do destaque da constituição Litúrgica, Sante ressalta ainda o
papel do documento Nostra Aetate 4 nessa busca eclesial por um novo jeito de ser
Igreja:
Nenhuma renovação pode acontecer senão através da
descoberta das raízes, daquele húmus histórico, espiritual e
cultural, no qual ele se destacou pela lógica da diferenciação
e da individualização. Isto é válido também para a Igreja
que, nascida do judaísmo e vivenciada durante vários
decênios dentro do judaísmo – embora em posição dialética
e às vezes enfrentando grandes conflitos – ela pode
19
Concílio Vaticano II. Sobre a Sagrada Liturgia. Constituição Sacrosanctum Concílium.
Documentos Pontifícios 144. Petrópolis: Vozes, 1963.
20
SOBRINO, J. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo:
Loyola, s/d.
21
22
CNBB. Animação da Vida Litúrgica no Brasil. Documentos n. 43. São Paulo: Paulinas, 1989
MARASCHIN, Jaci. A libertação da liturgia. In: Tempo e Presença. Centro Ecumênico de
Documentação e Informação (CEDI), n. 184, julho de 1983.
23
SANTE, Carmine Di. Liturgia Judaica Fontes, Estrutura, orações e Festas.São Paulo: PAULUS,
2004, p.11.
7
encontrar sua identidade vital somente à luz do hebraísmo.
Aí é que se encontra a força e a novidade da Nostra Aetate
4, que passados vinte anos do Concílio, aparecem sempre
com maior clareza.24
O reencontro com as raízes judaicas do cristianismo e com o povo
judeu, significa, na verdade, reencontrar o próprio Cristo que, pelas mais diversas
circunstâncias, teve a essência de sua pregação e ensino obscurecidos pelas
conturbações históricas da Cristandade. Importante para os cristãos católicos e
protestantes as advertências de Sante:
Repensar a teologia só pode significar uma coisa:
redescobrir as categorias hebraicas, aquelas em cujo o seio
nasceu a experiência cristã, e onde suas teses foram
desenvolvidas e depois transmitidas. Significa que Jesus foi
um “rabi” e não um “padre”, como L. Swilder escreveu, um
“mestre” e não um “reverendo”, que foi um judeu e não um
cristão, que freqüentou a sinagoga e não uma igreja; que
celebrou o sábado e não o domingo; que pregou em
aramaico e não em grego nem latim, que leu o Antigo
Testamento e não o Novo; que recitou os salmos e não o
rosário; que festejou o pesah (a Páscoa hebraica); shavu`ot
(o pentecoste judeu); e sukkot (tabernáculos) e não o Natal
ou a Quaresma.25
O distanciamento do cristianismo de suas raízes ressaltado por Sante, à luz
de um documento conciliar, demonstra a intrepidez do Concílio Vaticano II
ocorrido há quase meio século. Isso demonstra que as gerações das décadas
pós-conciliares não ficariam impunes à sua influência. Nesse sentido, reafirmo
aqui a minha tese de que os efeitos do Vaticano II transcenderam as divisas do
cristianismo católico e atingiram também, positivamente, uma geração de
docentes e discentes de teologia do Protestantismo Histórico em atividade nas
últimas décadas.
Em termos de produção documental, para citar um exemplo protestante,
temos o documento Vida e Missão26 produzido por uma geração de metodistas
totalmente envolvida com as questões da Igreja Cristã na América Latina e com as
24
Idem.
L. Swildler, in : SANTE, Carmine Di. op. cit. p.12.
26
Igreja Metodista. Vida e Missão. Decisões do XIII Concílio Geral da Igreja Metodista. Piracicaba:
Editora UNIMEP, 1982.
25
8
suas propostas pastorais, teológicas e litúrgicas. Esse documento aprovado no
XIII Concílio Geral da Igreja Metodista, em 1982, ainda apresenta traços de
atualização tanto para uma reflexão interna da igreja como para o seu
envolvimento com a sociedade em perspectivas sacerdotais e proféticas:
A Igreja participa na missão e cresce em santificação, o que
acontece quando produz atos de piedade e obras de
misericórdia. Os atos de piedade são principalmente o culto
e o cultivo da piedade pessoal e comunitária e as obras de
misericórdia são preferencialmente o trabalho que valoriza e
realiza a pessoa enquanto constrói em amor e justiça, a
nova comunidade e o Reino de Deus.27
Na
proposta
Litúrgica
desse
documento
encontramos,
claramente
explicitadas, as dimensões da “piedade e da misericórdia”:
O culto deve:
- ser amplamente participativo, onde a comunidade tenha
vez e voz;
- Ser inserido no dia-a-dia da comunidade onde a Igreja está
localizada;
- Expressar as angústias, lutas, alegrias e esperanças do
povo, ofertando-as a Deus.28
Ora, uma proposta litúrgica que considere as recomendações de
participação do povo, que leve em conta as questões da comunidade externa e
que esteja sintonizada com a realidade vivencial das pessoas é perfeitamente
compatível, a meu ver, com a essência de renovação litúrgica, pastoral e teológica
presente nas Igrejas Históricas a partir dos anos 60.
O binômio “glorificação a Deus e Santificação da humanidade”29 previsto
nas Diretrizes da CNBB interage perfeitamente com as propostas mencionadas
no documento Metodista30e é instrumento de reflexão teológica sobre os
fundamentos da Igreja Cristã bem como a dimensão dialogal e de serviço
27
Idem, p.14.
Vida e Missão, p.15.
29
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil. doc. n.28. São Paulo: Paulinas,
1983, p.78.
28
30
IGREJA METODISTA. Plano para a Vida e Missão. São Paulo: Editora UNIMEP, 1982.
9
presentes em suas celebrações litúrgicas.31 Nelas, os espaços para a adoração,
para a confissão, para o louvor, para a Liturgia da Palavra e para a Comunhão
Eucarística,32 transcendem, em muito, as dimensões rituais. 33
É por esse mesmo olhar hermenêutico, ou seja, pela tríplice dimensão
Deus – pessoas - vida que analiso a ilustração que o teólogo Luterano Nelson
Kirst utiliza para definir liturgia e situar o lugar das celebrações litúrgicas na vida
dos celebrantes. Ele fala de um “rancho”34 construído pelos camponeses em um
canto da área das atividades rurais como o local onde se amola as ferramentas,
mata-se a sede, fazem-se as refeições e renovam-se as forças para a
continuidade dos serviços, ou seja, “a família vai da enxada para o rancho e sai
fortalecida do rancho para a enxada.”35
As afirmações de Kirst alertam-nos para o fato de que a construção física
do espaço para as celebrações litúrgicas pode ser reservada exclusivamente para
esse fim, mas não pode estar acima ou à margem dos labores e alegrias da vida.
Esse é o risco atual dos Templos Cristãos que nos foram mandados pelo
cristianismo português de um lado, e pelo cristianismo Alemão, Inglês e norteamericano, de outro. Com isso perdemos a simplicidade da casa (Mt 26.18) e da
mesa (Lc 24.30) como locais de diálogo com Deus, com o próximo e com as
outras expressões de vida existentes.
É preciso que o cristianismo, em suas diversas expressões, se conscientize
cada vez mais de que vivemos um tempo de abundância de celebrações, mas a
liturgia cristã, em sua essência, só acontece quando os elementos que a envolvem
possibilitam uma reedição de Hb 1.1-4:
Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de
muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos
31
CONGAR, Y. A Palavra e o Espírito. São Paulo: Loyola, 1989, p.41.
VALVERDE, A Prática Litúrgica...op. cit, p.15ss.
33
BECKHAUSER, Frei Alberto. Os Fundamentos da Sagrada Liturgia. Petrópolis; Vozes, 2004,
p.110s.
34
KIRST, Nelson. O Culto rancho na roça da comunidade cristã. In: HARPPRECHT, Christoph
Schneider. Teologia Prática no Contexto da América Latina..São Leopoldo: ASTE/SINODAL, 1998,
p.119.
35
Idem.
32
10
nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de
tudo, por quem fez também o mundo.36
Talvez resida aqui a raiz de tanta ansiedade por parte de cristãos católicos,
protestantes e pentecostais, na busca pelo falar de Deus de forma extraordinária,
como ocorre, com certa freqüência, entre as pessoas de tendência “avivada”.37
O que caracteriza uma liturgia cristã é o diálogo com Deus, ou seja, o ato
de dirigir-se a Deus e ouvir o seu falar. O ato de ouvir precisa ocorrer de forma
mais específica na ‘Liturgia da Palavra’38. Para isso, basta que a Bíblia seja lida,
como Palavra de Deus. Não estou excluindo, com essa afirmação, nenhum dos
seus elementos históricos, geográficos ou culturais. As perguntas: Quem escreveu
o texto? Quando? Com que objetivo? A quem foi dirigido? Continuam sendo
imprescindíveis numa celebração litúrgica onde Deus dialoga com as pessoas na
realidade vivencial delas.
Talvez a interpolação que devemos fazer ao texto de Hebreus seja:
“Havendo Deus outrora falado, muitas vezes, e, de muitas maneiras...[Na última
celebração litúrgica] falou-nos...”, pois na “Liturgia da Palavra”39 as leituras bíblicas
do Antigo Testamento, do Evangelho e das cartas ou dos Atos dos Apóstolos,
integradas e desfechadas com a pregação, proporcionam à comunidade de fé
ouvir o falar de Deus nos diversos tempos salvíficos, 40ou seja, ir ao mundo bíblico
com as questões da vida, ouvir a sua voz e retornar à
realidade com uma
orientação nova para enfrentar os desafios vivenciais.
Nessa perspectiva, uma das maiores aulas de liturgia apresentadas na
Bíblia encontra-se no capítulo 24 do Evangelho de Lucas. Trata-se, na verdade,
de uma seqüência ritual iniciada em Lc 23.40-56, a partir do cortejo de um
pequeno grupo de fiéis – entre eles algumas mulheres – que cuidavam do
36
Hb 1.1-4. Sobre o assunto ver ainda VALVERDE, Messias. Liturgia & Pregação. São Paulo:
Editora Cedro, 2006, p.24s.
37
Termo utilizado geralmente para se referir a pessoas ou grupos que ressaltam o emocional nas
atividades litúrgicas.
38
KONINGS, J. Espírito e Mensagem da Liturgia Dominical. Subsídios para a Liturgia, Pregação e
Catequese (anos A, B e C). Petrópolis: Vozes, 1991, p.29s.
39
Termo litúrgico utilizado para designar as leituras bíblicas do Antigo Testamento; do Evangelho e
das Cartas ou Atos dos Apóstolos que, com a homilia ou pregação concretiza, na celebração
litúrgica cristã, o falar de Deus nos diversos tempos da História.
40
VALVERDE, 2006, op. cit. p.80 a 91.
11
sepultamento de Jesus.
Impedidas, pelos preceitos sabáticos, de prestarem
homenagens póstumas a Jesus, as mulheres observam o descanso semanal e
retomam, na madrugada do domingo, o caminho do túmulo de Jesus (Lc 23.55 –
24.2).
Essas mulheres passam então a serem portadoras da maior novidade
litúrgica do cristianismo em todos os tempos: o Cristo Ressurreto (cf. (Lc 24.9;4647 I Co 15.12-15). Impossível também, com esse acontecimento, que o domingo
não passasse para o memorial litúrgico cristão, uma vez que tal novidade fora
revelada na madrugada do primeiro dia da semana e passou a ser o centro do
culto e da pregação cristã.
A pedagogia divina se ocupou primeiro de aula de homilética na madrugada
do domingo pascal (cf Lc 24.1-9). Na tarde do mesmo domingo, os demais
momentos litúrgicos foram desenvolvidos sob a presidência litúrgica do próprio
Jesus, o Cristo Ressurreto (Lc 24.13-35).
A celebração começa na estrada, lugar de partilha das questões reais e,
naquele momento, entristecedoras e carregadas de desesperanças (v13-14).
Surge o terceiro caminhante e a estrada agora passa a assumir o lugar do
“rancho” trabalhado por Kirst, já citado anteriormente (v15-16). As questões
existenciais dos celebrantes são valorizadas e desenvolvidas na perspectiva de
uma construção conjunta de alternativas litúrgicas que os possibilitem encontrar
novos sentidos para a vida e para a situação que os afligiam (v17-19).
A fé dos celebrantes é confrontada com a retomada do anúncio da
ressurreição, elemento de fé de que já eram portadores, mas, de forma ainda um
tanto nebulosa, e, por isso mesmo, insuficiente para renovar-lhes o sentido da
caminhada (v22-26).
O Presidente da Liturgia recorre então à “Liturgia da Palavra”41, ou seja, vai
às Escrituras em busca de esclarecimentos para a fé e vida dos celebrantes: “E,
começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se
achava em todas as Escrituras” (v.27). Esse gesto litúrgico de Jesus não só lança
41
KONINGS, J, op. cit. P.29s.
12
novas luzes sobre as questões vivenciais debatidas, mas também proporciona
uma maior aproximação entre os celebrantes e o próprio Cristo.
Não é sem motivo que eles o convidam para permanecer um pouco mais
com eles, para a continuidade do diálogo sob o mesmo teto (v.28-29). À mesa, no
partilhar do pão, o encontro litúrgico chega ao seu ápice com o “abrir dos olhos”
para o reconhecimento do Cristo (v.30-31), para a reflexão sobre toda a
caminhada (v32), desfechando-se com a decisão dos dois em retornar à
Jerusalém, para a confirmação, com os outros discípulos, da fé na ressurreição
(v.33-35).42
Em síntese, a Liturgia Cristã como um encontro com o Cristo Ressurreto
nos caminhos da vida é um espaço teológico que tem como principais
responsáveis as Igrejas Cristãs Históricas. Nelas, especialmente na “Liturgia da
Palavra”43 e na prática sacramental, é possível reviver e atualizar os desafios dos
caminheiros de Emaús dos tempos atuais.
Nessa perspectiva, a consciência de que o “Deus que cria pela Palavra”44 (cf
Gn 1.1s) é a fonte primeira não só de toda a expressão de vida existente, mas
também da própria Igreja45 (cf Mt 16.16-18) que se reúne sob a convocação
divina, 46tendo a Fé no “Cristo, Filho do Deus vivo” como instrumento dialogal com
Deus e com o outro (cf Mt 18.20), precisa ser assumida e renovada a cada
celebração.
A pergunta sobre “quem é o meu próximo?” (Lc 10.29) pode ser importante
nesse processo, pois, as controvérsias histórico-teológicas no campo eclesial não
deveriam ser obstáculos para o diálogo cristão em suas expressões católica,
protestante histórica de missão e imigração, pentecostais e neopentecostais, que
42
Esse texto é trabalhado em Fundamentos teológico-pastorais do culto cristão. In VALVERDE,
Messias. Liturgia & Pregação. São Paulo: Cedro, 2006, p.56s.
43
KONINGS, p.29s.
44
CONGAR, Y. A Palavra e o Espírito. São Paulo: Loyola, 1989.
45
46
Idem.
Idem.
13
têm na Cristologia excelente ponto de partida como fundamento central e comum
de fé.47
É preciso que reflitamos criticamente sobre a:
confusão milenar que geralmente se faz entre Reino de
Deus e Igreja. Nessa perspectiva, não seria exagero afirmar
que estamos vivendo a Era do Reino das Igrejas e com o
conseqüente enfraquecimento da essência da proposta do
Reino de Deus.48
O “axioma teológico”49 Salus extra eclesiam non est50 (fora da Igreja não há
salvação), presente por vários séculos na tradição católica, assume também no
protestantismo, em percentual bastante elevado, a idéia de que fora do
protestantismo não há salvação. Ambos precisavam ser substituídos pela tese de
que “fora de Cristo não há salvação”, por se tratar de um princípio de fé comum a
todas as tradições cristãs, ainda que tal procedimento não libertasse totalmente de
seu caráter excludente51, mas já seria um avanço no diálogo cristão.
Os documentos ecumênicos sobre as bases comuns de fé produzidos nas
últimas décadas já apontam para as afirmações comuns de fé entre católicos e
protestantes históricos, envolvendo a questão da “justificação pela fé52”, prova
incontestável de que o diálogo teológico e maduro aproxima os cristãos. Soma-se
a isso, o fato de que os pentecostais não se configuram como assinantes desses
documentos, mas professam os mesmos princípios.
Nesse contexto, não há dúvidas de que:
A divisão entre os cristãos no Brasil é herança das
contendas teológicas e pastorais das Igrejas na Europa e na
América do Norte. As convicções diferentes das gerações
47
WOLFF, Elias. Caminhos do Ecumenismo no Brasil. São Paulo: PAULUS, 2002. O autor trabalha
com riqueza de detalhes, a trajetória ecumênica no Brasil, bem como os elementos que
proporcionam aproximações e conflitos entre as tradições protestante e católica. Importante
ressaltar que Cristãos católicos, protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais,
professam a fé no mistério do nascimento de Cristo e no ministério de sua morte e ressurreição.
48
VALVERDE, Messias, 2006. Op cit. P117.
49
WOLFF, Elias, p. 34
50
CIPRIANO, in: WOLFF, p.33.
51
Porque mesmo nessas circunstâncias as ações salvíficas de Cristo ficariam restritas ao
cristianismo e à cristandade, situação hoje bastante questionada nos meios acadêmicos.
52
LORSCHEIDER A. Declaração conjunta da Federção Luterana Mundial e da Igreja Católica
Romana sobre a doutrina da justificação. In: COMISSÃO NACIONAL CATÓLICO LUTERANA.
Doutrina da Justificação. EDIPUCRS/Sinodal, 1996, p.25s.
14
cristãs que se encontraram em terras brasileiras
alimentaram preconceitos recíprocos e rejeições mútuas.
Esse fato influencia até os dias de hoje a configuração do
cristianismo brasileiro..pode-se constatar também a
existência de significativas iniciativas de aproximação,
diálogo e cooperação entre cristãos de diferentes tradições
eclesiais...Isso só pode ser compreendido como obra e dom
do Espírito Santo.53
A liturgia cristã pode assumir dois papéis importantes nesse momento
histórico: recuperar a identidade das Igrejas Cristãs Históricas e ser espaço de
diálogo do cristianismo histórico entre si e entre eles e os segmentos pentecostais
e neopentecostais protestantes. Aliás, o cristianismo católico tem feito esse
exercício em níveis internos ao acolher, em uma mesma estrutura eclesial,
cristãos de tendência clássica, de tendência progressista e de tendência
pentecostalizada. Todas elas com fortes repercussões nas celebrações litúrgicas.
No entanto, não se tem dúvidas sobre os elementos de fé que os reúnem.
Quando me refiro à recuperação da identidade no cristianismo histórico,
penso na sua herança pós-vaticano II, tanto na dimensão litúrgica como no
compromisso social de serviço ao povo. Soma-se a isso, a revisão das
importações litúrgicas acríticas feitas nas últimas décadas, dos segmentos
pentecostais e neopentecostais na hinologia
e até mesmo na pregação, com
fortes influências da Teologia da Prosperidade, o que compromete o diálogo
teológico e litúrgico.
No campo dialogal com os setores pentecostais e neopentecostais, refirome à necessidade de conhecer mais de perto o jeito pentecostal de ser cristão,
sua liturgia e, especialmente, a sua pneumatologia. É preciso lembrar de que no
campo litúrgico as distâncias entre católicos, protestantes históricos e pentecostais
já não são tão grandes. Valores como: “línguas estranhas, revelação e profecia”54,
até pouco tempo tidos como marcas pentecostais protestantes, hoje são vistos em
algumas
missas,
programas
televisivos
católicos
e
também
em
comunidades do cristianismo protestante histórico.
53
SCHIMIT, Pr. Ervino & MARCHIORI, Dom João Oneres. In: WOLFF, p.11.
Refiro-me aos chamados “dons extraordinários” presentes em larga escala nos cultos
pentecostais e em alguns setores do cristianismo histórico católico e protestante.
54
várias
15
Por outro lado, a maturidade dialogal nos ensina que precisamos assumir
as importantes aproximações em termos de valores de fé e também as grandes
distâncias existentes entre as diversas formas de ser cristão, sem que haja
necessidade de nos distanciarmos uns dos outros.
Para caminharmos em diálogo, não é necessário que o cristianismo
protestante adote a veneração aos santos, por exemplo, nem que as Igrejas
Históricas assimilem a pregação da Prosperidade do neopentecostalismo, e nem
tenha a mesma ótica pneumatológica dos pentecostais.
É preciso ter consciência de que cristãos históricos e pentecostais dividem
acertos e desacertos no trato com Deus e com o povo, sem menosprezarmos os
aspectos positivos de parte à parte, e também a criticidade necessária sobres os
exageros cometidos.
A afirmação comum da fé em Cristo defendida como principal motivo de
diálogo precisa ser acompanhada da certeza de que nem Cristo, nem o
cristianismo, em sua essência, estão aprisionados em nossas estruturas e
tradições religiosas.
Um pouco mais de ousadia nos levaria a admitir que a essência da
proposta cristã transcende o cristianismo e a cristandade. Vimos nas afirmativas
de Sante, trabalhadas anteriormente, que, para recuperarmos alguns aspectos da
religiosidade vivenciada por Jesus, em seu tempo, os espaços litúrgicos mais
indicados não seriam os Templos Cristãos de quaisquer tipos, com suas
estruturas e calendários religiosos, mas as Sinagogas judaicas.
O mesmo pode-se dizer do compromisso com o ser humano na linha do
‘próximo’ defendida no Evangelho (Lc 10.29). O encontro com o “outro” exige de
nós a transposição das fronteiras confessionais sem perdermos a identidade
religiosa que nos situa socialmente e dá sentido à vida. Aliás, diálogo ecumênico
só pode existir entre pessoas bem identificadas com o seu grupo confessional,
mas que não fazem de sua confissão verdade universal, nem a utilizam para
afastar-se do outro.
Não podemos nos esquecer de que precisamos carregar as marcas do
nosso tempo e irmos além delas. Para citar alguns exemplos da cidade de Juiz de
16
Fora, é importante ressaltar a diversidade religiosa que a compõe55, onde se
percebe pessoas de diferentes tradições religiosas trabalhando juntas em muitos
projetos de defesa da vida. O Seminário Teológico Arquidiocesano Santo Antônio
tem em seu quadro docentes protestantes e católicos, e cursos teológicos abertos
a não católicos. O núcleo ecumênico do CONIC (Conselho Nacional das Igrejas
Cristãs), atua como espaço de atividades comuns entre representantes cristãos
católicos e protestantes, num ambiente de amizade e fraternidade.
É preciso ter consciência de que esses exemplos são apenas sinais, ainda
distantes da oração Sacerdotal de Jesus:
Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim
como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao
mundo. E por eles me santifico a mim mesmo, para que
também eles sejam santificados na verdade. E não rogo
somente por estes, mas também por aqueles que pela sua
palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um,
como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles
sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me
enviaste..56
A crença de que Jesus Cristo não está aprisionado a alguma instituição
humana, religiosa ou não, deve ser acompanhada da convicção de que o desafio
à unidade
não remete os seguidores de Jesus a uma única estrutura
organizacional, mas sim a uma vivência dialogal em Cristo nos moldes do Reino
de Deus.
Nesse sentido, é que a convivência fraterna entre os membros do núcleo do
CONIC é tida ainda como sinal, pois é prazerosa e não exige nenhum sacrifício,
pelo contrário, proporciona grandes realizações. No entanto, os desafios do
Evangelho de Mateus transcendem, em muito, as fronteiras confessionais e da
amizade:
Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás
o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos,
bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos
odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem;
55
TAVARES, Fátima Regina Gomes e CAMURÇA, Marcelo Ayres(org). Minas das Devoções
Diversidade Religiosa em Juiz de Fora. Juiz de Fora: UFJF/PPCIR, 2003.
56
Bíblia Sagrada, Novo Testamento, Jo 17.17-21.
17
para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus,
porque faz com que o sol se levante sobre maus e bons, e a
chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes
somente os que vos amam, que galardão havereis? Não
fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes
unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não
fazem os publicanos também o mesmo? 57
Até aqui temos enfatizado o diálogo teológico, fraterno e respeitoso entre
cristãos de diferentes tradições, mas com uma base de fé comum. O desafio
proposto no Evangelho de Mateus é que os cristãos assumam posturas de “amor
e oração” até para com os que os ‘maltratam’ e os perseguem.58
Numa época em que termos como: ‘guerras’, ‘batalhas’, ‘bombardeios’,
‘inimigo’ e ‘sacrifício’ passaram a ocupar largos espaços nas liturgias cristãs,
somos desafiados a retomarmos a “cruzada incorporada por Francisco de Assis
no século XII”:
Foi ao oriente para dissuadir os cristãos de lutarem contra
os irmãos mulçumanos. Ele ultrapassou as trincheiras e foi
dialogar com o sultão que o tratou com extrema
hospitalidade. Eles se entenderam na base da oração e do
sentido humanitário das relações entre cristãos e
mulçumanos, a ponto de o sultão entregar alguns lugares
sagrados à guarda dos frades franciscanos, coisa que
perdura até os dias atuais.59
Outro exemplo digno de registro é o esforço dos cristãos protestantes
históricos no Brasil, que iniciaram em 1903 a busca por um diálogo e atuação
conjunta entre os cristãos de origem reformada, fato que culminou, na década de
60, com a abertura de diálogo também com os cristãos católicos.60
Todos esses esforços estão vinculados, sem sombra de dúvidas, aos
valores, em grande parte, apreendidos e vivenciados nas práticas litúrgicas, pois
sendo a “Liturgia Cristã um abrir de olhos para a vida no encontro com o
Ressuscitado”, é difícil admitir que o diálogo litúrgico com Deus em Cristo, não nos
leve à renovação do encontro com o outro.
57
Idem, Mt 5.43-48.
Idem.
59
BOFFO, Leonardo. Virtudes para um outro mundo Possível Hospitalidade: Direito & Dever de todos.
Petrópolis: Vozes, 2005, p.128.
60
WOLFF, Elias, op, cit. p77ss.
58
18
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