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NOVAS TECNOLOGIAS E A COLISÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS Bárbara SLAVOV Mestranda em Direitos Humanos na UNIFIEO - Centro Universitário FIEO. Ricardo SLAVOV Faculdade de Tecnologia de Indaiatuba RESUMO A proteção fundamental dada à intimidade e à vida privada advém positivamente da Constituição da República Federativa do Brasil. No entanto, esses institutos estão sofrendo grandes influências das novas tecnologias, que disseminam informações às pessoas em todo o mundo, por interesses de indivíduos que lucram com informações privilegiadas ou simplesmente as tornam públicas para satisfazer a sua curiosidade e de outras pessoas. Contudo, as pessoas fascinadas pelos avanços tecnológicos, não percebem que seu direito fundamental à intimidade e à vida privada são sendo violados. Nosso Direito não está totalmente preparado para tratar dessas situações de forma rápida e eficaz, pois as muitas vezes esbarram no desconhecimento acerca do indivíduo que disponibilizou na Internet as informações e no avanço das novas tecnologias. intimidade – vida privada – novas tecnologias – curiosidade. ABSTRACT The given basic protection to the privacy and of the private life happens positively by the Constitution of the Federative Republic of Brazil. However these institutes are suffering great influences from the new technologies, that waste information in question of minutes for people in the whole world, by people who sell privileged information or simply they become public to satisfy its curiosity and of other people. However, people fascinated by technological advances do not realize that their fundamental right to intimacy and privacy are being violated. Our Right is not totality prepared to deal with these situations in fast and efficient form, therefore many times stop in the unfamiliarity of the individual that launched in the Internet the information innocently. privacy – private life – news technology – curiosity. Introdução O avanço da informática é um dos destaques, nos últimos anos de descobertas científicas, não só por ter acelerado o processo de comunicação, mas, também, por ter aberto espaço para que novas condutas culturais surgissem nos campos específicos dos negócios e das comunicações. Reconhece-se que atualmente a tecnologia oferece grandes benefícios às pessoas. Entretanto, ela também pode proporcionar muitos outros malefícios trazidos pela “cultura” de que o conteúdo de sites, blogs e outras páginas que estão na rede mundial de computadores não têm dono, sendo possível a apropriação de informações por vezes privilegiadas. O presente trabalho visa à aplicação dos direitos e garantias fundamentais positivados na Constituição Federal, frente às novas tecnologias, que ameaçam a cada dia à intimidade e á vida privada dos indivíduos. Procurou-se abordar aspectos que demonstram que esses direitos são violados pelas tecnologias existentes, sem que a sociedade em geral tenha noção da real situação. As modernas tecnologias da informação e comunicações permitem a descoberta de informações privadas sobre a vida de uma pessoa por um individuo que possa estar a quilômetros de distância, sem que a parte invadida tenha nenhuma indicação do ato criminoso. Estudos demonstram que basta um pouco de conhecimento de informática para que um indivíduo possa acessar informações de pessoas alheias, muitas vezes sem perceber que assim, está infringindo a intimidade do outro. A seguir, apresentam-se conceitos de intimidade e de vida privada, que alguns doutrinadores tratam como sinônimos, para em seguida analisar o direito fundamental da proteção jurídica das informações. Posteriormente, analisa-se o tema objeto central do presente trabalho, ou seja, a colisão dos direitos fundamentais frente às novas tecnologias. No mundo virtual as informações viraram objeto de comércio e diversão desmedida, na qual tudo tem o seu preço, dependendo do grau de invasão. A violação da intimidade em ambiente virtual ocorre quando informações pessoais do usuário e a publicidade de sua vida íntima passam a ser do conhecimento de pessoas não autorizadas. Analisaremos também o caso dos spams, que é considerado uma forma de abuso à intimidade da pessoa, eis que eles são enviados indesejadamente, contrariando os desejos e as expectativas dos internautas. Por fim, analisaremos conseqüências de quando a informação pode ou não ser divulgada pela Internet, sem ferir os direitos fundamentais do indivíduo. No ano de 2006 ocorreram dois fatos muito comentados a respeito da invasão de intimidade alheia: o enforcamento de Saddam Hussein e a cena de sexo na praia de Daniela Cicarelli. Suas aparições na Internet foram amplamente divulgadas e dividem opiniões até os dias de hoje, a respeito de quem tem o direito de gravar e disponibilizar as imagens para o público. O enforcamento de Saddam foi filmado com um celular, invadindo sua intimidade no momento de sua própria morte. São imagens carregadas de tensão, e angustia por parte de um dos maiores ditadores da história do mundo em leito de morte. Ouvimos insultos, súplicas, segundos antes de cair no cadafalso, à tela escurece, até a aparição do ditador morto. A cena de Cicarelli com o namorado na praia é mais comentada, pelo fato de ter sido efetuada em local público. Depois de beijos e carícias na areia, o casal vai para a água e é filmado em movimentos que indicam uma relação sexual. Com a posse de uma câmera um paparazzo filma a todo o momento, a aparição do casal em uma praia pública, na qual se encontrava outras pessoas circulando. O vídeo foi disponibilizado na Internet a acessado por centenas de pessoas que a todo instante julgavam o casal pelas aparições em local público. A Internet se transforma em uma encruzilhada de discursos e de sujeitos que, paradoxalmente, tem como principal traço o anonimato. Terra de todos e de ninguém, imagens desautorizadas: captadas sem autorização, não possuem autor, não responsabilizam ninguém, funcionam autonomamente. Surge então uma questão jurídica importante. As leis existentes são suficientes para coibir esses abusos da invasão da intimidade e da vida privada das pessoas? As tecnologias existentes são culpadas por esses abusos? Quem se interessa por esse tipo de notícias deveriam ser punidas também? È que tentamos responder nesse singelo artigo. As Novas Tecnologias As origens da Internet podem ser encontradas na Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) em setembro de 1969, a qual tinha a missão de mobilizar recursos de pesquisa, com o objetivo de alcançar superioridade tecnológica militar em relação à União Soviética. O próximo passo foi tornar possível a conexão da Arpanet com outras redes de computadores, introduzindo um novo conceito: uma rede de redes. Segundo o autor Gustavo Testa Correa, em sua obra jurídica: “A Internet teve sua origem nos Estados Unidos, onde uma rede de computadores de uso exclusivamente militar foi desenvolvida nos anos 60 como importante arma na guerra fria. Seus princípios de funcionamento eram, e ainda são, a procura de vários caminhos para alcançar determinado ponto, ou seja, na hipótese de um dos troncos (caminho pelo qual trafega o sinal eletrônico) estar obstruído, procuraria ela, automaticamente, um outro caminho que o substituísse”. 1 Em fevereiro de 1990, a Arpanet, já tecnologicamente obsoleta, foi retirada de operação, tendo libertado a Internet do seu ambiente militar, o governo dos EUA reservou sua administração à National Science Foundation - NSF. Mas o controle da NSF sobre a Internet durou pouco. Com a tecnologia de redes de computadores no domínio público, e as telecomunicações plenamente desreguladas, a NSF tratou logo de encaminhar a privatização da Internet. No inicio da década de 1990 muitos provedores de serviços da Internet montaram suas próprias redes e estabeleceram suas próprias portas de comunicação em bases comerciais. A partir de então, a Internet cresceu rapidamente como uma rede global de redes de computadores. O que tornou isso possível foi o projeto original da Arpanet, baseado numa arquitetura em múltiplas camadas, descentralizada, e protocolos de comunicação abertos. Nessas condições a Internet pôde se expandir pela adição de novos nós e a reconfiguração infinita da rede para acomodar necessidades de comunicação. A sorte na história da Arpanet foi que o Departamento de Defesa, num caso de inteligência organizacional, instituiu a ARPA como uma agência financiadora e orientadora de pesquisas dotada de considerável autonomia. A ARPA veio a se tornar um das mais inovadoras instituições de política tecnologia do mundo, e de fato o principal ator na política tecnológica dos EUA não apenas em torno da interconexão de computadores, mas em vários campos decisivos de desenvolvimento tecnológico. o quadro da agencia era formado por cientistas acadêmicos, seus amigos e os alunos de seus amigos, e ela teve sucesso na montagem de uma rede de contatos confiáveis no mundo universitário, bem como nas organizações de pesquisa que brotavam da academia para trabalhar para o governo. A compreensão de como o processo de pesquisa funciona levou a ARPA a conceder considerável autonomia aos pesquisadores contratados ou financiados pela agencia, condição necessária para que pesquisadores verdadeiramente inovadores aceitem se envolver num 1 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. 4ª ed.São Paulo: Saraiva 2008; p. 15. projeto. A esperança da ARPA era que, a partir de recursos substanciais e inventividade cientifica, fosse produzido algo de bom, de que os militares, mas também a economia dos EUA pudessem se beneficiar. A Internet não teve origem no mundo dos negócios, pois era uma tecnologia ousada demais, um projeto caro demais e uma iniciativa muito arriscada para ser assumida por organizações voltadas para o lucro. Com tudo isso, a Internet introduziu uma tecnologia que propõe novos desafios à proteção da privacidade. A informação enviada por meio dessa vasta rede de redes passa por muitos sistemas de computadores diferentes antes de chegar ao destino final. Cada um desses sistemas é capaz de monitorar, capturar e armazenar as comunicações que passa por eles. É possível registrar muitas atividades on-line, inclusive quais grupos de discussão ou arquivos uma pessoa acessou, quais sites e páginas visitaram que itens pesquisaram ou comprou. E grande parte dessa atividade de monitoração ocorre sem o conhecimento do usuário. A utilização da Internet cresce assustadoramente, constituindo um verdadeiro fenômeno mundial. Isso se deve ao grande número de venda de computadores e a exigência do mercado profissional, que a cada dia exige pessoas que saibam operar as tecnologias novas. Esther Dyson resume a sua importância: “Ela tem importância porque as pessoas a usam como um lugar para se comunicar, fazer negócios e compartilhar idéias, e não como uma entidade mística em si mesma. Ela é uma poderosa ferramenta para integrar economias locais na economia global e estabelecer sua presença no mundo”2 O “Orkut” é um site de relacionamentos muito conhecido, no qual cada pessoa possui um perfil, podendo adicionar amigos, conhecidos, e construir uma rede social virtual. Essa á a idéia principal do Orkut, mas, além disso, o site dispõe de várias ferramentas que o tornam tão atrativo. Os problemas que ocorrem envolvendo o Orkut giram em torno não do site em si, mas dos usuários mal-intencionados, como perfis falsos (fakes), comunidades polêmicas e difamatórias, conteúdos pedófilos, preconceituosos, etc. Entretanto, mesmo com o conhecimento desses problemas, muitas pessoas afirmam que o uso do Orkut é muito gratificante, pois permite encontrar amigos do passado, reencontrar pessoas, além de ampliar o círculo social. Muito conhecido também, o “YouTube” é um site na Internet no qual permite que seus usuários carreguem, assistam e compartilhem vídeos em formato digital. É o mais popular site do tipo devido à sua possibilidade de 2 DYSON, Esther. Release 2.0: a nova sociedade digital. Trad. Sônia T. Mendes Costa. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p. 156. hospedar quaisquer vídeos, sendo em sua maioria grande variedade de filmes, videoclipes e materiais caseiros. O site do “YouTube” ganhou grande repercussão após uma determinação judicial, em que o acesso aos serviços e seus conteúdos foram bloqueados no Brasil, a fim de cumprir a ordem de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, para bloquear um vídeo em que a modelo e apresentadora de TV Daniella Cicarelli e seu namorado trocam carícias no mar em uma praia espanhola. O bloqueio do vídeo, descoberto no site e divulgado pela mídia em setembro de 2006, foi feito a pedido do namorado da apresentadora. O “Second Life” é um ambiente virtual e tridimensional que simula em alguns aspectos a vida real e social do ser humano. Foi desenvolvido em 2003 e dependendo de como é pode ser utilizado como um jogo, um simples simulador que imita alguns aspectos da vida social do ser humano, um comércio virtual, eis que muitas empresas estão aproveitando para explorar suas marcas dentro do ambiente virtual ou uma rede social. O seu nome "second life" significa em inglês "segunda vida", o qual pode ser interpretado como uma "vida paralela", uma segunda vida além da vida "real". Com o grande avanço da Internet e sua imensidade de informações, surgiu à necessidade de ferramentas que facilitassem o trabalho de pesquisa, foram assim que surgiram as ferramentas de buscas que hoje não se restringem apenas a páginas, mas imagens, vídeos, grupos de discussão, notícias, produtos e a cada dia surgem mais funcionalidades. Os conhecidos blogs são páginas da Web, cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos de tamanho variável, chamados artigos, ou "posts”. Sua organização dar-se de forma cronologicamente de forma inversa (como um diário), no qual os seus autores costumam abordar a temática do blog, e podem ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog. A criação de Blogs se popularizou rapidamente, quando muitos blogueiros começaram a construir blogs para tratar sobre diversos assuntos, alguns para fazer um “diário virtual”, outros para fazer humor, política, e assim por diante. Outra grande tecnologia existente é a 3G (Terceira Geração) da telefonia móvel que hoje encontra-se disponível apenas nas principais capitais. Com a tecnologia 3G, o usuário pode fazer chamadas com vídeo, conversar com a pessoa e vê-la ao mesmo tempo pela tela do aparelho, pode fazer vídeos e transmiti-los em tempo real. Outra vantagem é a mobilidade, isto é, permite acesso à Internet em alta velocidade de qualquer lugar. Spam – uma violação digital O Spam, conceituado como correspondência eletrônica não solicitada, é a mais indesejável de todas as correspondências eletrônicas, sendo uma das formas de invasão de intimidade ocorridas via Internet. Dada a facilidade e o custo inexistente do envio de mensagens eletrônicas, é comum um spammer (aquele que envia spams) ter milhares de internautas destinatários. Nossos endereços de e-mails são constantemente capturados e armazenados por pessoas inescrupulosas, que os vende para empresas realizaram propagandas sem ao menos nos consultar. Alguma vez já pensamos em como uma determinada propaganda foi para em nossa caixa-postal, indagando de onde conseguiram nosso e-mail particular. Os spams além de ferir a nossa intimidade, nos causam prejuízos financeiros, eis que abalam a confiança da rede, transmitem vírus para o computador, contribuindo para causar uma repudia em todos que o recebem. Spams ocupam espaço na caixa de entrada nas contas de e-mail. Algumas vezes eles impedem que e-mails realmente importantes cheguem até o usuário, isso porque alguns provedores têm espaço limitado para a caixa postal. O internauta gasta tempo apagando as mensagens, diminuindo a produtividade no trabalho, por exemplo. Além disso, spams degradam o desempenho de sistemas e redes. Os Spams são facilmente identificados pelos seus cabeçalhos incompletos com assuntos suspeitos, com frases como “Sua senha está inválida”, “Parabéns para você”, “A informação que você pediu” tornando-se uma armadilha para os usuários. Apresentam-se também em formas de textos pedindo ajuda financeira e lendas urbanas. A principal forma de proteção dessa ameaça virtual é a instalação de um anti-spam que auxilia, mas não elimina o problema, que pode ser amenizado com a preservação das informações pessoais e ter critério na hora de navegar na rede. Considerações sobre o direito à intimidade e a vida privada Temos a noção do que diz respeito à nossa intimidade. No entanto, dificuldades quase insuperáveis se apresentam para a definição do direito e precisão do seu conteúdo. A intimidade integra a vida privada, porém de uma forma muito mais dinâmica do que comumente apresentada; cuida-se de sua projeção no âmbito das informações pessoais. O direito à intimidade é o direito do indivíduo de não deixar que certos aspectos de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros. Tem por característica a não exposição dos elementos da vida íntima. Na Constituição Nacional é tratada como previsão de que "são invioláveis a intimidade e a vida privada", no artigo 5º, inciso X. Segundo Elimar Szaniawski, o direito a intimidade: “é o direito de se resguardar dos sentidos alheios, principalmente da vista e ouvidos dos outros”.3 A intimidade tem a ver com o sentimento das pessoas, a respeito das questões que elas não se incomodam de participar aos outros e daquelas outras que preferem manter sob certa reserva, os seus segredos. A intimidade, pensamentos íntimos das pessoas, e vida privada, direitos de excluir de terceiros que não se deseja tornar público, compreende os pensamentos, emoções, sentimentos, conversas, aparência, comportamento e horários. O direito a intimidade e a vida privada são garantidas por lei nas constituições de quase todos os países do globo terrestre. Sentimos a necessidade de preservar a nossa intimidade pela vergonha de expor aos outros as nossas fraquezas, as nossas imperfeições, pelo receio de assumir publicamente o que fazemos, falamos ou pensamos reservadamente de um juízo negativo a nosso respeito, porque preferimos não nos expor a nenhuma forma de reprovação, ou simplesmente pelo fato de sermos reservados. Por isso é importante tutelar a intimidade, especialmente porque a revelação de certos aspectos das vidas das pessoas pode por vezes causar prejuízos, dor e muito sofrimento. O direito à intimidade é intransmissível, pois não podemos separar a honra e a intimidade de seu titular. O direito a intimidade e a vida privada integram a categoria dos direitos da personalidade, consistindo um atributo da personalidade de cada individuo. Também há de ser considerado que a intimidade é partilhada com amigos sem que isso seja tido como violação desse direito. Em nosso direito as expressões intimidade e privacidade quase se confundem e se tornam sinônimos, em parte, graças à terminologia do direito anglo-americano que utiliza a expressão rigth of privacy para todos os casos, muito embora a constituição tenha feito distinção. 3 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; p. 59. A violação da intimidade em ambiente da Internet ocorre quando informações pessoais do usuário e a publicidade de sua vida íntima passam a ser do conhecimento de pessoas não autorizadas. É muito difícil estabelecer o conteúdo de aspectos da vida das pessoas que deva ser evitado ao conhecimento público, de acordo com um senso comum, detectável em cada época e lugar. No entanto, é indispensável que tais aspectos da vida privada sejam pelo menos determináveis por cada indivíduo, em cada situação, de acordo com os valores sociais vigentes. Evidente que ninguém está obrigado a expor aspecto algum da sua vida privada. No entanto, é necessário estabelecer em que medida a intrusão alheia, quando não consentida, fere o direito à intimidade. É o direito que tem cada indivíduo de excluir do conhecimento público fatos que denotem preferências e outros dados que a pessoa julgue devam ser subtraídos dessa esfera de informação. O novo Código Civil determina a proteção da vida privada no seu artigo 21, in verbis: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, contém proteções à vida privada em seu artigo 12: Artigo 12. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Todas as pessoas possuem o direito de ter a sua vida privada reservada, inclusive as famosas, que, pelo fato se serem altamente conhecidas, não perdem o direito de terem sua vida respeitada. Alcançar a fama não implica na perca dos seus direitos fundamentais, ocorre apenas que elas se expõem mais às críticas, a curiosidade das pessoas, a um maior interesse por parte dos seus ídolos. O público interessa-se por tudo que diga respeito aos seus ídolos, e também pelas ocorrências de suas vidas privadas, e fazem qualquer coisa para atingir seus objetivos, mesmo que isso resulte em violação ao direito do mesmo. Colisão de direitos fundamentais de com as novas tecnologias Os princípios fundamentais estão previstos inicialmente no art. 1º da Constituição Federal, em seu título I. Surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições existentes nas diversas civilizações, até a reunião dos pensamentos filosófico-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural. A constitucionalização dos direitos humanos fundamentais não significou mera enunciação dos princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário. Como ressaltado por Afonso Arinos de Mello Franco: “(...) não se pode separar o reconhecimento dos direitos individuais da verdadeira democracia. Com efeito, a idéia democrática não pode ser desvinculada das suas origens cristãs e dos princípios que o Cristianismo legou à cultura política humana: o valor transcendente da criatura, a limitação do poder pelo Direito e a limitação do Direito pela justiça. Sem respeito à pessoa humana, não há justiça e sem justiça não há Direito”4 O respeito aos direitos humanos fundamentais pela sociedade, é pilastra-mestra na construção de um verdadeiro Estado de direito democrático, de forma que as atitudes de um indivíduo não comprometam o convívio pacifico na sociedade. O conceito de direitos humanos fundamentais é muito bem tratado por Alexandre de Moraes: “O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais”.5 É importante ressaltar que os direitos humanos relacionam-se diretamente com a garantia e a consagração da dignidade humana, sendo reconhecido em nível constitucional e infraconstitucional pela maioria dos Estados. Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um escudo para práticas de atividades ilícitas, nem como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos. Entretanto, as novas tecnologias são utilizadas para ferir alguns dos nossos direitos fundamentais, principalmente os direitos à intimidade e o da vida privada. 4 FRANCO, Afonso Arinos de Mello. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p.188. 5 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais; comentários aos art.s 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007; p. 39. A área da ciência e da tecnologia foi marcada por um progresso sem precedentes na história da humanidade, principalmente no século passado, em virtude de novas descobertas científicas e do surgimento de inovações tecnológicas, todas destinadas a proporcionar, mais satisfação e qualidade de vida ao ser humano. O desenvolvimento tecnológico foi desenvolvido por meio de duas características, a disponibilidade e a complexidade. A disponibilidade de tecnologia é um fator importante porque permite que todos, tenham acesso a mais avançada tecnologia disponível, o que não era viável até a década de 80, quando apenas empresas de certo porte ou avançadas tinham condições de utilizar a Internet. Esse progresso, no entanto, proporcionou um mundo cada vez mais dinâmico, no qual as relações comerciais se desenvolvem de modo rápido e em tempo real. E com esse avanço, nossa vida privada está cada mais sendo invadida por qualquer indivíduo, pois com apenas algum conhecimento de Internet, podemos investigar a vida de alguém. Sem ao menos darmos a chance que defesa, eis que muitas vezes, a vítima não sabe da invasão, podemos localizar suas informações pessoais com muita facilidade. A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X é clara; “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. A colisão dos direitos fundamentais pode suceder de duas maneiras: (1) o exercício de um direito fundamental colide com o exercício de outro direito fundamental (colisão entre os próprios direitos fundamentais); (2) o exercício de um direito fundamental colide com a necessidade de preservação de um bem coletivo ou do Estado protegido constitucionalmente (colisão entre direitos fundamentais e outros valores constitucionais). Formas de Solucionar a Colisão de Direitos Fundamentais A solução dos conflitos entre os direitos fundamentais e a tecnologia é confiada ao legislador, que realiza a ponderação dos bens envolvidos, visando resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo. Constantemente lemos jurisprudências a respeito de casos de violação da intimidade e da vida privada ocorrida pela Internet, e que trouxeram prejuízos as vítimas. A liberdade de expressão e informação é entendida como um direito fundamental assegurado a todo cidadão, entretanto, esse direito de manifestar livremente seus pensamentos não podem sobrepor aos direitos de intimidade e da vida privada de outro indivíduo. O direito fundamental à informação abrange tanto os atos de comunicar quando os de receber informações, mas sempre visando o bem estar de todos, não sendo permitido a publicações de informações sigilosas, ou que comprometam a vida de alguém, com o intuito de prejudicá-la. Quem cometer o ilícito de invadir a intimidade ou a vida privada de alguém será penalizado pelo dano causado. A democratização no acesso á Internet foi um importante fator para a retomada da utilização de formas de comunicação por escrito, sobretudo o correio eletrônico, que hoje operam numa velocidade em tempo real. Mas a conscientização das pessoas dessa importante ferramenta não progrediu juntamente com a tecnologia, eis que precisam saber dos riscos que correm ao divulgar uma mensagem com conteúdo invasivo. Demócrito Reinaldo nos traz uma grande contribuição sentido: “Por fim, no julgamento de conflito de normas constitucionais o julgador deve estar atento à realidade do seu tempo. O controle de massas de informações pessoais cada vez maiores por terceiros, quer sejam do setor público ou privado, é uma precondição da vida moderna, onde as condições sociais se modificaram e o grau de privacidade diminuiu. Tem-se que ter a percepção dos riscos, mas também dos benefícios que as novas tecnologias da informação estão trazendo. O que não pode é se valer ou buscar em esquemas jurídicos tradicionais respostas para os problemas mas trazidos com a modernidade” E continua: “na tarefa de balancear direitos constitucionais em conflito, o julgador deve ter a percepção ou procurar identificar aquele que mais se aproxima de uma aceitação majoritária da sociedade. Em relação à atividade questionada, deve, ainda, se basear pelos critérios da razoabilidade e da “severidade”, deve estar especialmente atendo para as transformações nas relações sociais da nova “sociedade da informação”, avaliando a “razoabilidade” da atividade com a visão voltada aos benefícios e riscos trazidos pelas novas tecnologias”.6 Entretanto não é a tecnologia em si que ameaça a intimidade e a vida privada dos usuários, mas sim as pessoas que se utilizam da tecnologia e as 6 REINALDO FILHO, Demócrito. A privacidade na “Sociedade da Informação”. In: REINALDO FILHO, Demócrito. Direito da Informática: temas polêmicos. Bauru: Edipro, 2002; p. 40. condutas que elas adotam que criam as violações. Para resolver esses conflitos é necessário que os usuários tenham discernimento de suas atitudes, avaliando se a sua informação não irá ferir o direito de outrem. Considerações Finais A grande verdade é que o mundo não mudou. Somos os mesmos, apesar da maior mudança social dos tempos atuais: o fim da intimidade e da vida privada. Resta demonstrado que, com o progresso tecnológico, social e econômica da sociedade, os muros protetores da intimidade se estreitaram, permitindo o vazamento de informações privilegiadas. Os vídeos de Cicarelli e do enforcamento de Saddam Hussein são uma espécie de atualização para o universo da Internet dos escândalos provocados pelas lentes indiscretas e inconvenientes das pessoas curiosas e que não respeitam o próximo, numa atitude clara de egoísmo e desprezo pelo sentimento alheio. Em contrapartida, o uso do computador faz-se necessário em todos os segmentos da vida humana, sendo uma fonte quase inesgotável de informação e pesquisa. A informação é o bem mais valioso que existe na sociedade, e deve-se ter consciência para preservá-la, não a dissipando indiscretamente, e que a Internet é o melhor meio para sermos espionados. A invasão à nossa intimidade vem de todos os cantos, nas ruas, nos estabelecimentos comerciais, nos locais públicos, em nossa própria casa estamos sendo espionados pelas novas tecnologias, que surgiram com o intuito de agregar à nossa vida informação e comodidade. A tecnologia é benéfica para as pessoas de bem, e não para as desonestas que ganham a vida invadindo sites e adquirindo informações privilegiadas, repassando-as a outras, em transações comercias ou com o simples intuito de torná-las públicas. Deve-se ter sempre em mente que com o auxilio da tecnologia, nunca mais estaremos sós, estamos perdendo esse direito, pois a todo o momento podemos recebemos informações que nem sempre temos o prazer de saber. O avanço da informática e o advento da Internet foram os grandes contribuintes para a dispersão e a democratização de informações, dada a velocidade em que estes meios são capazes de propagá-las. Agrega-se á problemática da dimensão da Internet, a gama de pessoas a que atinge e da velocidade com que propaga arquivos e informações. O processo de corrosão das fronteiras da intimidade, o devassamento da vida privada, tornou-se mais agudo e inquietante com o advento da tecnologia. . No entanto, a legislação não consegue avançar no mesmo ritmo que as tecnologias, o que torna muito difícil coibir esses abusos. A descoberta do autor dessas invasões também se tem dificuldade em conhecer, mesmo com todos os avanços. Percebe-se que o mundo virtual é muito mais amplo do que se imagina, e as informações estão sempre soltas, prontas para serem inseridas na Internet. Mas ao contrário do que alguns pensam a Internet não é um faroeste, um mundo sem lei, ao contrário, as informações possuem donos que devem ser respeitados, autorizando ou não sua divulgação. Referências Bibliográficas BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. BLUM, Renato M. S. Opice. Manual de Direito Eletrônico. São Paulo: Lex Editora, 2006. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Ed. Coimbra, 1991. CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. CASTRO, Mônica Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 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