Ludwig Wittgenstein - Círculo Católico de Pernambuco

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Ludwig Wittgenstein - Círculo Católico de Pernambuco
 Ludwig Wittgenstein
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Ludwig Wittgenstein
Wittgenstein em foto de 1910.
Nascimento
26 de Abril de 1889
Viena, Áustria
Morte
29 de Abril de 1951
Cambridge, Inglaterra
Escola/tradição
Filosofia Analítica
Principais
interesses
Lógica, Filosofia da Linguagem, Filosofia da
Matemática, Filosofia da Mente
Influências
Influências[Expandir]
Influenciados
Influenciados[Expandir]
Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (Viena, 26 de Abril de 1889 —
Cambridge, 29 de Abril de 1951), filósofo austríaco, naturalizado britânico, foi um dos
principais atores da "virada linguística" na filosofia do século XX. Suas principais
contribuições foram feitas nos campos da lógica, filosofia da linguagem, filosofia da
matemática e filosofia da mente.
Muitos o consideram o filósofo mais importante do século passado.[1] O único
livro de filosofia que publicou em vida, o Tractatus Logico-Philosophicus, de 1922,
exerceu profunda influência no desenvolvimento do positivismo lógico. Mais tarde, as
idéias por ele formuladas a partir de 1930 e difundidas em Cambridge e Oxford
1
impulsionaram ainda outro movimento filosófico, a chamada "Filosofia da Linguagem
Comum".[2]
Seu pensamento é geralmente dividido em duas fases. Para identificá-las, muitos
autores recorrem ao artifício de atribuir os escritos da juventude ao Primeiro
Wittgenstein e a obra posterior ao Segundo Wittgenstein, como se designassem autores
distintos. A cada um desses períodos corresponde uma obra central na história da
filosofia do século XX. À primeira fase, pertence o Tractatus Logico-Philosophicus,
livro em que Wittgenstein procura esclarecer as condições lógicas que o pensamento e a
linguagem devem atender para poder representar o mundo. À segunda fase, pertencem
as Investigações Filosóficas, publicadas postumamente em 1953. Nesse livro,
Wittgenstein trata de tópicos similares ao do Tractatus (embora sob uma perspectiva
radicalmente diferente) e avança sobre temas da filosofia da mente ao analisar conceitos
como o de compreensão, intenção, dor e vontade.
Índice
[esconder]

1 Vida
1.1 Juventude
1.2 Primeira Guerra Mundial
 1.2.1 Desenvolvendo o Tractatus
o 1.3 Os “anos perdidos” após o Tractatus
o 1.4 O retorno a Cambridge
o 1.5 Os últimos anos
2 Obra
o 2.1 O Tractatus Logico-Philosophicus
o 2.2 As Investigações Filosóficas
3 Referências
4 Bibliografia
o 4.1 Obras de Wittgenstein em português
o 4.2 Sugestão de leituras em português
o 4.3 Sugestão de leituras em inglês
5 Ver também
6 Ligações externas
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Vida
Ludwig Wittgenstein nasceu em Viena aos 26 de abril de 1889. Filho de Karl e
Leopoldine Wittgenstein, era o caçula dos oito filhos do casal. Os seus avós paternos,
Hermann Christian e Fanny Wittgenstein, eram de família judaica, mas, quando se
mudaram da Saxônia para Viena em meados do século XIX, converteram-se ao
protestantismo e integraram-se plenamente à comunidade protestante de Viena. O pai de
Ludwig, Karl Wittgenstein, foi um empreendedor de sucesso. Seus negócios na
indústria de ferro e aço alçaram-no à condição de um dos homens mais ricos do império
Habsburgo. A mãe de Ludwig, Leopoldine, também era de ascendência judia pelo lado
paterno da família, mas foi educada segundo as práticas da Igreja Católica. Ludwig,
assim como todos os seus irmãos, foi batizado como católico.[3]
2
Juventude
Ludwig cresceu em um ambiente propício ao desenvolvimento intelectual e
artístico. Seu pai, Karl Wittgenstein, foi colecionador de obras de arte e patrocinador de
músicos e pintores. Apoiou financeiramente vários artistas de vanguarda e a construção
do Edifício Secessão em Viena. A mãe de Ludwig era excepcionalmente musical e,
consequentemente, fez questão de proporcionar aos filhos uma educação musical
primorosa. Além do interesse pelas artes, os pais de Ludwig organizavam com
frequência apresentações de peças musicais nos luxuosos salões de sua casa. Entre os
frequentadores da casa dos Wittgenstein estavam artistas como Johannes Brahms,
Gustav Mahler e Richard Strauss. Em sintonia com esse ambiente, os filhos de Karl e
Leopoldine respondiam com a revelação de talentos incomuns, em especial para a
música. Hans, o mais velho entre os filhos homens, começou a compor aos quatro anos
de idade[4]. Paul Wittgenstein tornou-se um habilidoso pianista de renome internacional,
mesmo após perder a mão direita na 1ª Guerra Mundial.[5] O próprio Ludwig, embora
não tenha escolhido a música como profissão, manifestou talentos musicais acima da
média. Tocava clarinete e tinha ouvido apurado. Especialmente notável teria sido sua
capacidade de reproduzir em assovios um movimento inteiro de uma sinfonia ou
concerto.[6] A música também esteve presente em seu trabalho filosófico: em seus
escritos, usou-a frequentemente para construir exemplos e símiles.
Ao lado dos penderes artísticos, no entanto, a família Wittgenstein apresentava
também traços de intensa autocrítica, pessimismo, depressão e mesmo de tendências
suicidas. Três dos quatro irmãos homens de Wittgenstein cometeram suicídio.[2]
Até 1903, Ludwig foi educado em casa; após este período, estudou por três anos
na Realschule em Linz, uma escola que dava ênfase a disciplinas técnicas. Durante um
dos anos letivos, Wittgenstein foi contemporâneo de Adolf Hitler na Realschule.
Embora tivessem a mesma idade, não foram colegas de classe – Hitler estava dois anos
atrasado. Não há informação segura de que tenham se conhecido.[7]
Em 1906, Wittgenstein inicia seus estudos de Engenharia Mecânica em Berlim,
e em 1908 ingressa na Universidade de Manchester. À época, Wittgenstein pretendia
tomar parte nas pesquisas pioneiras em aeronáutica. Registrou-se como estudante
pesquisador em um laboratório de engenharia, onde conduziu pesquisas com pipas de
observação atmosférica e, mais tarde, dedicou-se à construção de um motor a jato.
Durante suas pesquisas em Manchester, interessou-se por problemas de fundamentação
da matemática e começou a estudar o The principles of mathematics [Os princípios da
matemática], de Bertrand Russell, e o Grundgesetze der Arithmetik [Leis básicas da
aritmética], de Gottlob Frege. No verão de 1911, Wittgenstein visitou Frege, depois de
ter se correspondido com ele por algum tempo, e Frege recomendou que ele fosse à
Universidade de Cambridge estudar com Russell.[8]
Em Outubro de 1911, Wittgenstein chega - sem qualquer aviso - à sala de Russel
no Trinity College e manifesta seu interesse de assistir a suas aulas de lógica.[9] Russell
recebe-o em suas aulas de lógica matemática e, diante das incertezas de Wittgenstein
quanto a continuar na engenharia ou dedicar-se à filosofia, pede-lhe que escreva um
ensaio filosófico durante as férias de fim de ano. Em janeiro de 1912, Wittgenstein
entrega-lhe o ensaio solicitado. Russell fica profundamente impressionado e convence
seu novo aluno a deixar de vez a engenharia.[10] A partir de então, inicia-se uma intensa
colaboração entre os dois, cujo foco eram as questões filosóficas suscitadas pela lógica.
3
Apesar de estar extremamente envolvido nos estudos e nas discussões com
Russell, Wittgenstein sentia que não podia chegar à raiz dos problemas que o ocupavam
enquanto estivesse em Cambridge. Em 1913, partiu para a remota Skjolden, na
Noruega, em busca do sossego que julgava necessário.[11] O isolamento permitiu-lhe
dedicação integral a seu trabalho. Posteriormente, ele escreveria sobre esse período na
Noruega: "Tenho a impressão de ter conseguido trazer à luz as ondas de pensamento
que estavam confinadas dentro de mim".[11] Enquanto esteva lá, escreveu um texto ao
qual deu o nome de Logik e no qual já se anunciavam várias idéias que, mais tarde,
fariam parte do Tractatus Logico-Philosophicus.[12]
Primeira Guerra Mundial
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Wittgenstein alista-se como
voluntário no exército austro-húngaro. Serve primeiro em um navio e depois numa
oficina de artilharia. Em 1916, é enviado, como membro de um regimento de artilharia,
ao front russo. Recebe, por seu desempenho nas batalhas, várias condecorações por
bravura.[8]
Durante a guerra, Wittgenstein manteve anotações de cunho filosófico e
religioso, além de anotações pessoais. Esses cadernos de anotações mostram uma
profunda mudança em sua vida espiritual. Parte dessa mudança deveu-se à leitura de O
evangelho explicado, de Liev Tolstói. Wittgenstein carregava esse livro para onde quer
que fosse, e recomendava-o a todos (a ponto de ser conhecido pelos outros soldados
como "o homem com os evangelhos").[13]
Desenvolvendo o Tractatus
Manuscritos de Wittgenstein de 1914
Durante a guerra, Wittgenstein passa a atribuir ao seu trabalho em lógica um
significado ético e religioso. As preocupações cada vez maiores com questões éticas,
combinadas com seu interesse por análise lógica e com os pensamentos fundamentais
desenvolvidos durante a guerra, transformaram os trabalhos desenvolvidos em
Cambridge e na Noruega no material que viria a ser a base do Tractatus. Em 1918, já no
fim da guerra, Wittgenstein foi promovido a tenente e enviado ao norte da Itália como
parte de um regimento de artilharia. No verão de 1918, durante sua licença das
obrigações militares, Wittgenstein hospeda-se na casa de seu tio Paul Wittgenstein, em
Hallein, perto de Salzburgo. Nessa ocasião, conclui o manuscrito do Tractatus e
encaminha-o a editores de Viena na esperança de que estes se interessassem em publicálo. A resposta, no entanto, é negativa.[11]
4
Em Outubro, Wittgenstein retorna ao front italiano; e nos primeiros dias de
novembro é feito prisioneiro. Por meio de seus conhecidos em Cambridge, Wittgenstein
conseguiu ter acesso a livros, preparou cópias de seus manuscritos, e enviou-as à
Inglaterra. Na cópia que recebeu, Russell reconheceu uma obra de grande valor
filosófico, e depois que Wittgenstein foi libertado em 1919, trabalhou com ele para que
o livro fosse publicado. Uma tradução para a língua inglesa foi preparada, primeiro por
Frank P. Ramsey e depois por C. K. Ogden, com a participação de Wittgenstein. Após
algumas discussões acerca de qual seria a melhor tradução para o título, G. E. Moore
sugeriu Tractatus Logico-Philosophicus em alusão ao Tractatus Theologico-Politicus
de Spinoza. Russell escreveu uma introdução, emprestando ao livro sua reputação de
um dos filósofos mais importantes da época.
Entretanto, surgiram dificuldades. As relações de Wittgenstein e Russell ficaram
estremecidas, principalmente porque Wittgenstein achava que a introdução feita por
Russell ao Tractatus evidenciava uma notória falta de compreensão de teses
fundamentais do livro. Wittgenstein começou a ficar cada vez mais frustrado, já que não
apareciam editores dispostos a publicar seu trabalho. Os poucos que se manifestavam,
pareciam mais interessados na introdução de Russell do que no próprio livro. Por fim,
Wilhelm Ostwald aceitou publicá-lo no seu periódico Annalen der Naturphilosophie. O
texto vem a público pela primeira vez em 1921 com o título de Logisch-philosophische
Abhandlung. Em 1922, sai a edição bilíngue editada pela Routledge & Kegan Paul, com
o título sugerido por Moore, a introdução de Russell e a tradução de Ramsey-Ogden.
Os “anos perdidos” após o Tractatus
Por essa época, Wittgenstein já havia mudado bastante. Aparentemente, as
experiências da Primeira Guerra deixaram marcas indeléveis. Assim como ocorreu a
vários outros ex-combatentes, Wittgenstein enfrentou dificuldades em se readaptar à
vida civil. Além disso, a elaboração do Tractatus havia sido extremamente desgastante,
tanto intelectual como emocionalmente. Essa obra havia transfigurado todo o seu
trabalho anterior em lógica numa estrutura completamente nova que, em parte, refletia
uma profunda preocupação espiritual. O resultado prático foi a busca de um novo estilo
de vida, mais simples e austero. Uma das expressões mais dramáticas dessa mudança foi
a sua decisão de abdicar a herança deixada por seu pai. A parte que lhe cabia foi
dividida entre os irmãos.
Wittgenstein achava, sem considerações de modéstia, que o seu Tractatus havia
resolvido todos os problemas filosóficos que existiam ou que viessem a existir. Não
havendo mais nada a ser feito em filosofia, só lhe restava procurar outra ocupação.
Resolveu tornar-se, então, professor da escola primária e iniciou o respectivo curso de
formação. Nesse curso, recebeu treinamento nos métodos do Movimento de Reforma da
Escola Austríaca, que defendia que a escola, em vez de impor a simples memorização,
deveria estimular a curiosidade natural da criança e a formação de pensadores
independentes.[8] Durante todo o tempo em que foi professor primário, Wittgenstein
procurou colocação em áreas rurais da Áustria; mas o trabalho nessas áreas afastadas
sempre esteve acompanhado de problemas e conflitos. Ele até obteve bons resultados
com algumas crianças que conseguiram acompanhar os seus interesses e seu estilo de
ensino, mas suas expectativas em relação às crianças da escola rural eram
absolutamente irrealistas. Seus métodos de ensino eram extremamente intensos e
rigorosos, e ele tinha pouca paciência com as crianças que não mostravam aptidão ao
que era ensinado. Suas medidas disciplinares (que envolviam punições físicas) – bem
como a suspeita disseminada entre os camponeses de que ele fosse meio maluco –
5
levaram a uma série de desentendimentos entre Wittgenstein e os pais dos alunos. A
situação tornou-se insustentável quando, em abril de 1926, um garoto de onze anos
desmaiou ao levar um par de cascudos. O pai de um dos alunos queria que Wittgenstein
fosse preso; e Wittgenstein, embora não tenha sofrido nenhuma condenação formal,
acabou por renunciar ao cargo de professor e retornar a Viena, convencido de ter
fracassado como professor.[14]
Durante esse período em que foi professor, Wittgenstein escreveu um dicionário
de ortografia para uso em escolas primárias. Esse dicionário teve relativa aceitação entre
os professores (embora Wittgenstein não tenha visto em vida a sua reimpressão). Esse
seria o único livro, além do Tractatus, que Wittgenstein publicaria durante a sua vida.
Retrato de Margaret Stonborough-Wittgenstein feito por Klimt em 1905.
Depois de abandonar o trabalho como professor, Wittgenstein trabalhou como
assistente de jardineiro em um monastério nas proximidades de Viena. Chegou a cogitar
a possibilidade de se tornar monge, mas não levou a idéia adiante. Dois acontecimentos
importantes ajudaram Wittgenstein a sair da situação desesperadora em que se
encontrava. O primeiro deles foi o convite feito por sua irmã Margaret (“Gretl”)
Stonborough (de quem Gustav Klimt fez um retrato em 1905) de trabalhar, junto com o
arquiteto Paul Engelmann, no planejamento e construção de sua nova casa. Wittgenstein
e Engelmann desenharam uma casa modernista no estilo antidecorativo de Adolf Loos
(a quem ambos admiravam). Wittgenstein dedicou atenção obsessiva a cada detalhe das
dobradiças, das torneiras da cozinha, dos chuveiros, dos sanitários e dos aquecedores.
No desenho das maçanetas das portas, por exemplo, Wittgenstein despendeu um ano
inteiro até chegar a um resultado que lhe parecesse satisfatório. Contudo, toda essa
atenção aos detalhes estava subordinada ao intento de construir um conjunto de simetria
perfeita.[15] A casa, na qualidade de obra arquitetônica modernista, foi bem recebida e
despertou elogios. G. H. von Wright afirmou que “[s]ua beleza tem o mesmo caráter
simples e estático das sentenças do Tractatus”[16]. Hermine, a irmã mais velha,
escreveu: “(...)embora eu admire muito a casa, sempre soube que eu mesma jamais
quereria nem poderia viver nela. Ela parece ser muito mais uma habitação para os
deuses (...)”.[17]
6
7
A casa que Wittgenstein ajudou a construir.
Um segundo episódio importante ocorreu quando os trabalhos na casa ainda
estavam em andamento. Wittgenstein foi procurado por Moritz Schlick, uma das figuras
proeminentes do recém-formado Círculo de Viena. O Tractatus havia se tornado muito
influente no desenvolvimento do positivismo vienense e, embora Schlick não tenha
conseguido levar Wittgenstein às reuniões do próprio Círculo de Viena, ele e alguns de
seus companheiros do Círculo, especialmente Friedrich Waismann, encontravam-se
ocasionalmente com Wittgenstein para discutir tópicos filosóficos. Wittgenstein
geralmente achava esses encontros frustrantes – para ele, Schlick e seus colegas não
conseguiam entender pontos fundamentais do Tractatus. Boa parte das desavenças
girava em torno da importância da vida religiosa e da dimensão mística; Wittgenstein
considerava esses assuntos como uma espécie de fé sem palavras, ao passo que os
positivistas os descartavam como coisas inúteis. Em algumas ocasiões, Wittgenstein
recusava-se a discutir o livro e ficava a ler em voz alta os poemas de Rabindranath
Tagore com as costas voltadas para os convidados estupefatos. No entanto, o contato
com o Círculo de Viena estimulou Wittgenstein intelectualmente e reacendeu seu
interesse pela filosofia. Igualmente importante foi o seu contato com Frank P. Ramsey,
um jovem estudioso da filosofia da matemática, que viajou algumas vezes de
Cambridge até a Áustria para se encontrar com Wittgenstein. No curso de suas
discussões com o Círculo de Viena e com Ramsey, Wittgenstein começou a achar que
poderia haver “graves erros” em seu trabalho tal como apresentado no Tractatus[8] – a
partir daí, tem início uma segunda fase de pesquisa filosófica, que iria ocupá-lo até o
fim da vida.
O retorno a Cambridge
Em 1929, Wittgenstein voltou a Cambridge na condição de estudante avançado.
A princípio, realizaria estudos preparatórios para a obtenção do grau de doutor sob a
supervisão de Ramsey. Como os seus estudos anteriores em Cambridge podiam ser
aproveitados, Wittgenstein apresentou o Tractatus, publicado sete anos antes, como tese
de doutorado, e a defesa foi realizada em junho de 1929. Russell e Moore foram os
examinadores. A defesa, na verdade, cumpria uma mera formalidade, e esteve longe de
ser uma arguição rigorosa da tese apresentada. Ao fim do ritual, Wittgenstein bateu nos
ombros de Russell e de Moore e acrescentou: “Não se preocupem; eu sei que vocês
nunca vão entender”. Moore comentou em seu relatório sobre o exame: “É minha
opinião pessoal que a tese do sr. Wittgenstein é uma obra de gênio. Assim sendo,
certamente está perfeitamente à altura dos padrões exigidos para receber o grau de
doutor em filosofia”.[18] No ano seguinte, Wittgenstein tornou-se Fellow do Trinity
College.
Durante o seu primeiro ano em Cambridge, Wittgenstein dedicou-se
intensamente a rever aquelas idéias do Tractatus que julgava problemáticas. São dessa
época o artigo “Some remarks on logical form” e os textos postumamente publicados
como Philosophische Bemerkungen [Observações Filosóficas]. No entanto, já em 1930,
chega à conclusão de que os problemas do Tractatus estavam além de qualquer reparo.
Nessa época, concebe uma nova forma de abordar os problemas filosóficos – um novo
método – e começa a desenvolver uma filosofia completamente diferente da que havia
inspirado seus trabalhos anteriores.
Também em 1930, começa a lecionar em Cambridge. As aulas ministradas por
Wittgenstein eram pouco convencionais. Não costumava prepará-las nem usar
anotações. Segundo relatos, às vezes parecia simplesmente estar expondo o que pensava
naquele momento; outras vezes, ficava calado por longos períodos, e sua expressão e
comportamento eram o de quem estava às voltas com problemas extremamente difíceis
e buscava solucioná-los ali mesmo, diante dos alunos. Freqüentemente esses encontros
assumiam a forma de diálogos: Wittgenstein fazia uma pergunta, aguardava uma
resposta de algum dos presentes e a partir dessa resposta tecia considerações e propunha
novas questões. Às vezes, como conta Malcolm, Wittgenstein perdia a paciência
consigo mesmo e dizia coisas como “Sou um estúpido!”, “Este vosso professor é
lamentável!”, “Hoje estou muito burro!”.[19]
No ano letivo de 1933/4, Wittgenstein ditou a um grupo de alunos uma série de
comentários filosóficos. O intuito era o de que cópias desse texto fossem distribuídas
aos demais alunos que freqüentavam um de seus cursos, mas, dada a curiosidade geral
da comunidade acadêmica acerca das novas idéias em que trabalhava Wittgenstein, o
número de cópias proliferou até chegar à Universidade de Oxford. Como o texto
datilografado apresentava uma capa azul, acabou recebendo o nome pelo qual hoje é
conhecido: O Livro Azul. Pouco depois, no ano letivo de 1934/5, Wittgenstein dita a
dois de seus alunos um novo conjunto de observações filosóficas. Esse texto, ao
contrário do outro, estaria voltado para uso próprio, como esboço de uma futura
publicação; mas, novamente, cópias foram feitas e repassadas a terceiros. Tal como no
caso anterior, o nome recebido, O Livro Marrom, derivou da coloração da capa.[20]
Em 1934 Wittgenstein começa a acalentar a idéia de emigrar para a União
Soviética. Teve aulas de russo, e em setembro de 1935 viajou para Leningrado e
Moscou com a intenção de conseguir um emprego. Ele pretendia conseguir uma vaga de
trabalhador braçal, mas só lhe ofereceram postos de professor. Sem conseguir o que
queria, voltou três semanas depois. Em 1936, expirou a bolsa que o Trinity College
havia lhe dado em 1930. Wittgenstein parte, então, para a Noruega, a fim de se dedicar
integralmente à elaboração de seu livro. Lá ele permanece até dezembro de 1937 após
concluir parte dos textos que irão compor as Philosophische Untersuchungen
[Investigações Filosóficas].
Em fevereiro de 1938, viaja à Irlanda para encontrar-se com o amigo e ex-aluno
Maurice Drury. Nessa época, Wittgenstein não sabia ao certo o que faria dali em diante.
Pensou em se dedicar à medicina, tal como Drury fizera; mas as circunstâncias
forçaram-no a retornar a Cambridge. No mês seguinte ao de sua chegada à Irlanda,
ocorreu o Anschluss – a anexação da Áustria pela Alemanha – e um problema urgente
se impôs: os Wittgenstein vienenses eram agora judeus submetidos às Leis de
Nuremberg. Orientado por Piero Sraffa, Wittgenstein voltou a Cambridge em busca de
uma colocação como professor. O fato de ser um professor de Cambridge favoreceria
uma solicitação de naturalização e, de posse de um passaporte britânico, Wittgenstein
8
poderia ir para a Áustria sem correr o risco de ser mantido no país pelas autoridades
locais. Enquanto isso, a família de Wittgenstein tentava uma Befreiung, isto é, uma
reclassificação racial, de judeus para Mischlinge (descendentes da miscigenação de
arianos com judeus).[21] Evidentemente, a imensa fortuna dos Wittgenstein ajudou
bastante a superar a resistência nazista de conceder a Befreiung. As negociações
resumiram-se a uma troca da reclassificação racial pela imensa quantidade de divisas
que os Wittgenstein mantinham na Suíça.
Em 1939, G. E. Moore aposenta-se, e Wittgenstein é designado para a cátedra de
filosofia em Cambridge. Logo em seguida, recebe o passaporte britânico e, em julho de
1939, viaja a Viena para ajudar suas irmãs. Nessa ocasião, passa um dia em Berlim, a
fim de negociar com autoridades do Reichsbank. A Befreiung é concedida em agosto de
1939.[22]
Nesse mesmo ano, Wittgenstein ministrou um curso em que se discutiram
questões de filosofia da matemática. Esse tema já havia sido discutido em alguns de
seus cursos anteriores. O curso de 1939 chama a atenção porque os alunos que o
frequentaram tiveram a oportunidade de testemunhar os embates entre Wittgenstein e
Alan Turing, um dos matemáticos mais brilhantes do século XX.[23] Wittgenstein
defendia em suas preleções, entre outras coisas, que as contradições lógicas não seriam
um problema tão nefasto quanto julgavam os matemáticos. Turing, por sua vez,
defendia que a preocupação de evitar contradições num sistema formal atendia a uma
questão prática: se um engenheiro empregasse um sistema formal contaminado por
contradições na construção de uma ponte, a ponte cairia![24] Desnecessário dizer que
nenhum dos dois conseguiu convencer o outro do contrário.
Após a eclosão da Segunda Guerra, Wittgenstein procura de alguma forma
engajar-se no esforço de guerra. Sua intenção inicial era alistar-se na brigada de
ambulâncias. Mas sua origem germânica despertava desconfianças, e isso impediu que
fosse aceito em qualquer atividade mais diretamente relacionada à guerra. Procurou,
então, uma alternativa que não representasse ficar enclausurado numa universidade em
tempos tão dramáticos, e acabou por conseguir emprego como servente de dispensário
no Guy’s Hospital de Londres.
Depois da guerra, Wittgenstein voltou a lecionar em Cambridge, mas
permaneceu aí apenas por dois anos letivos. Por seus comentários e pelos relatos dos
que com ele conviveram, Wittgenstein nunca gostou do trabalho acadêmico nem do
convívio com os profissionais da academia. Em 1947, resolve deixar Cambridge
definitivamente.
Os últimos anos
9
Lápide do túmulo de Wittgenstein em Cambridge
10
Em seus últimos anos na Universidade de Cambridge, Wittgenstein dedicou-se à
conclusão do tão aguardado livro em que condensaria as idéias desenvolvidas desde
1930. Embora tenha chegado a fazer um prefácio com a data de janeiro de 1945,
Wittgenstein resolveu adiar a publicação e fazer novas revisões em seu texto. Em busca
da tranquilidade necessária para concluir o livro, muda-se para a Irlanda e se estabelece,
primeiro, numa fazenda em Red Cross; depois, na casa de veraneio do irmão de Drury,
na costa oeste.
A convite de Norman Malcolm, ex-aluno e professor de filosofia na
Universidade Cornell, Wittgenstein vai para os Estados Unidos em julho de 1949 e fica
hospedado na casa de Malcolm até outubro do mesmo ano. As discussões com o seu exaluno estimularam Wittgenstein a desenvolver uma série de reflexões sobre as
afirmações do senso comum. Essa reflexões seriam mais tarde reunidas e publicadas
postumamente no livro Über Gewissheit [Sobre a Certeza].
Desde os tempos em que esteve na Irlanda, Wittgenstein já enfrentava sérios
problemas de saúde. Ao retornar dos Estados Unidos, submete-se a exames médicos e
descobre estar com câncer de próstata. Logo após o diagnóstico, vai para Viena passar
uma temporada com a família. Embora doente, inicia nesse período as anotações
inspiradas na teoria das cores de Goethe, mais tarde denominadas de Observações sobre
as cores.
De volta à Inglaterra, Wittgenstein passa períodos nas casas de ex-alunos e
amigos; e faz sua última viagem à Noruega no final de 1950. Ao retornar dessa viagem
seu estado piora bastante. Seu médico em Cambridge, o Dr. Edward Bevan, hospeda-o
em sua casa. Em 28 de abril de 1951, pouco antes de perder a consciência, ele pede à
esposa do dr. Bevan que dê um recado a seus amigos: "Diga-lhes que tive uma vida
maravilhosa".[25] No dia seguinte é constatada a morte de Wittgenstein.
Obra
Em vida, os únicos trabalhos filosóficos publicados por Wittgenstein foram o
Tractatus Logico-Philosophicus e o artigo "Some Remarks on Logical Form". O
primeiro é a obra-prima do jovem Wittgenstein; o segundo, uma tentativa de reparar
alguns do problemas do Tractatus. A vasta produção que caracteriza a segunda fase de
sua filosofia só veio a público após sua morte por meio de livros organizados,
traduzidos e editados pelos herdeiros de seu espólio literário. O livro Investigações
Filosóficas, publicado em 1953, é o mais importante dessa segunda fase.
O Tractatus Logico-Philosophicus
O objetivo imediato do Tractatus Logico-Philosophicus (TLP) é explicar como a
linguagem consegue representar o mundo. Mais especificamente, Wittgenstein pretende
mostrar como uma proposição é capaz de representar um estado de coisas real ou
possível. A resposta de Wittgenstein a esse problema ficou conhecida como "teoria
pictórica do significado", pois estabelece que uma proposição é uma representação
figurativa dos fatos, assim como uma maquete é uma representação figurativa de um
edifício (TLP 4.01). A princípio, pode parecer estranha essa sugestão, pois há
similaridades nítidas entre a maquete e o prédio que essa representa, ao passo que não
11
há similaridade evidente entre a frase "A neve é branca" e o estado de coisas que essa
frase representa (TLP 4.011). É nesse ponto que intervém a análise lógica. A
semelhança entre a maquete e o prédio é assegurada por uma isomorfia espacial - as
relações espaciais entre os diversos elementos que constituem a maquete são as
mesmas, se convertidas conforme as escalas empregadas, que as vigentes entre os
elementos constitutivos do prédio. Do mesmo modo, segundo Wittgenstein, as relações
entre os elementos básicos de uma proposição - os nomes próprios lógicos - guardariam
entre si, segundo um método de projeção adequado, as mesmas relações lógicas
vigentes entre os objetos simples que constituem o estado de coisas representado (TLP
4.01; 4.0311). Sendo assim, se reduzíssemos a frase "A neve é branca" aos termos de
uma notação lógica perfeita (TLP 3.325), obteríamos um estrutura simbólica cuja forma
lógica seria igual à forma lógica do estado de coisas que a frase representa (TLP 2.18).
A proposição dotada de sentido constrói um modelo da realidade (cf. TLP 2.12;
4.01). A realidade pode ou não corresponder a esse modelo (TLP 4.023). Em outras
palavras, a proposição dotada de sentido tem a propriedade intrínseca da bipolaridade em princípio, tanto pode ser verdadeira como falsa. Como corolário dessa propriedade,
qualquer afirmação sobre fatos do mundo é necessariamente contingente.
No Tractatus, todas as proposições necessariamente verdadeiras - aquelas que
não precisam ser confrontadas com a realidade para que se saiba se são verdadeiras são tautologias, isto é, são combinações de proposições elementares cujo valor de
verdade depende apenas das possíveis combinações de valores de verdade dessas
mesmas proposições elementares. Assim, por exemplo, a proposição disjuntiva "p ou
não-p" sempre será verdadeira, uma vez que para ser falsa é necessário que as duas
proposições sejam falsas, mas quando p é falsa, não-p é necessariamente verdadeira, e
vice-versa. Essa proposição, assim como é o caso de todas as tautologias, é construída
de tal forma que independentemente dos valores assumidos pelas proposições
elementares a proposição complexa sempre será verdadeira. Contudo, o custo da
necessidade lógica é a vacuidade descritiva, ou seja, uma proposição necessariamente
verdadeira não diz nada sobre a realidade.
No quadro geral desenhado pelo Tractatus, temos, portanto, as seguintes proposições:
1) As proposições factuais: proposições contingentes que figuram os fatos; seus
valores de verdade (verdadeiro ou falso) dependem de uma confrontação com a
realidade;
2) As tautologias: proposições complexas, necessariamente verdadeiras, mas
destituídas de conteúdo descritivo;
3) As contradições: proposições complexas, necessariamente falsas, e também
destituídas de qualquer conteúdo descritivo.
Wittgenstein deixa esse quadro um pouco mais complexo ao introduzir a
distinção entre dizer e mostrar. Ele defende que, apesar de não veicular um conteúdo
descritivo, isto é, de não poderem dizer nada sobre o mundo, as proposições lógicas
mostram algo a seu respeito. Do mesmo modo, as proposições da metafísica tradicional
(como, por exemplo, "O ser sempre é") seriam tentativas malogradas de dizer algo que
só pode ser mostrado.
12
A distinção entre dizer e mostrar abre um campo para os valores e para o
místico. Do lado discursivo, as proposições da ética ou são contrassensos, absurdos,
construções sem sentido ou são meras convenções comportamentais. Em ambos os
casos, tais proposições não conseguem alcançar o que haveria de fundamental na ética.
Isso porque, na perspectiva do Tractatus, o que é fundamental à ética só pode ser
mostrado, não pode ser dito.
O Tractatus delimita os limites da linguagem. Tenta explicitar as condições de
possibilidade da própria figuração proposicional. Simultaneamente, tenta levar o leitor a
vislumbrar algo que está além desses limites. Se a proposta é confrontada com os
próprios aforismos do livro, fica evidente que as proposições do Tractatus também
transgridem as regras impostas às proposições signiticativas. Também elas seriam
contrassensos:
6.54 Minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por
reconhecê-las como contrassensos, após ter escalado através delas – por elas – para
além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.)
Deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente.
Ao decretar que as proposições sobre o místico, sobre Deus, sobre a ética e sobre
a estética são todas absurdas do ponto de vista dos requisitos lógicos para a construção
de proposições significativas, Wittgentein não está descartando os "objetos" dessas
proposições como coisas grotescas ou sem importância. Ao contrário, está sugerindo
que a ética, a estética e a dimensão mística são transcendentes - não estão ao alcance de
nossa linguagem. Desse modo, a melhor atitude em relação a essas coisas
transcendentes seria a de manter um respeitoso silêncio.
7 Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.
As Investigações Filosóficas
Enquanto, no Tractatus, Wittgenstein esforçava-se por desvelar a essência da
linguagem, nas Investigações Filosóficas (IF) ele afirma que essa tentativa está fadada
ao fracasso, simplesmente porque não há qualquer essência a ser descoberta. O segundo
Wittgenstein defende que a linguagem não seria um todo homogêneo, mas sim um
aglomerado de "linguagens" (IF §65).[26]
Para esclarecer esse ponto, Wittgenstein traça uma analogia entre a noção de
linguagem e a noção de jogo. Há diversos tipos de jogos: jogos de tabuleiro, jogos de
cartas, competições esportivas, etc. Mas não há uma essência dos jogos. Um jogo de
cartas apresenta semelhanças com os jogos de tabuleiros, mas também muitas
diferenças; se compararmos esses últimos com os jogos de bola, surgirão outras
semelhanças e outras se perderão (IF §66).
O que há é uma sobreposição de traços que Wittgenstein chama de semelhança
de família. Numa família, alguns partilham a mesma cor do cabelo, outros partilham a
mesma estatura, outros o tom de voz, etc. Mas geralmente não há característica que
esteja presente em todos os membros da família. O mesmo ocorre com o conceito de
13
“jogo”. Chamamos práticas muito diferentes de “jogo” não porque haja uma definição
exata que esteja implícita em todas as aplicações do termo, mas porque essas diversas
práticas manifestam semelhança de família (IF §67).
Analogamente, as diversas práticas linguísticas são reunidas sob a denominação
de “linguagem” em virtude de suas semelhanças de família. Em linha com o símile entre
linguagem e jogo, Wittgenstein chama os segmentos heterogêneos da linguagem, com
suas regras, convenções e finalidades próprias, de jogos de linguagem (IF §7).
O jogos de linguagem são múltiplos e variados, e atendem a finalidades diversas:
às vezes empregamos a linguagem para dar ordens, às vezes para pedir desculpas, outras
vezes para fazer piadas, etc (IF §23). Supor que a função primordial da linguagem seja a
de descrever ou representar os fatos é uma generalização precipitada, provocada pelo
equívoco de se tomar um jogo de linguagem particular como paradigma de todos os
demais.
Para o Wittgenstein das Investigações, o significado de uma palavra é
estabelecido pelo uso que se lhe dá num determinado jogo de linguagem (IF §43). Para
saber o que significa essa palavra, nesse jogo de linguagem, a melhor estratégia é
descrever os traços mais destacados desse jogo e revelar qual é o papel desempenhado
pela palavra em questão.
A concepção do significado como uso afasta a proposta de Wittgenstein de duas
idéias tradicionais a respeito da linguagem. Uma delas é a de que o significado de um
termo é dado por um objeto, substituído nas frases pela palavra que lhe é associada. A
outra é a de que um conceito ou um significado seriam entidades mentais que
acompanham a pronúncia ou audição de uma expressão linguística. Para Wittgenstein,
as ocorrências mentais ou psicológicas que acompanham, antecedem ou sucedem o
proferimento de uma expressão linguística são irrelevantes para a constituição do seu
significado. O que interessa saber é o que o falante ou ouvinte faz com essa expressão.
Desse modo, Wittgenstein também argumenta que a idéia de uma linguagem
privada é incoerente, pois a linguagem é antes de tudo uma prática pública, e suas
regras e convenções devem estar à disposição de qualquer falante. Se um indivíduo
tentasse elaborar uma linguagem privada – suponhamos que ele tentasse, por exemplo,
associar sinais a ocorrências mentais privadas, às quais ninguém mais teria acesso – esse
conjunto de sinais, de acordo com as Investigações, não chegariam a constituir uma
linguagem propriamente dita. O que diferencia um sinal linguístico de um mero ruído
ou de um simples rabisco é a sua sujeição a um padrão de correção; mas não se pode
construir padrões de correção para sinais associados a 'objetos' a que, supostamente, só
o falante de uma linguagem privada teria acesso. (cf. IF §§258-260).[27]
Um termo assume significado à medida que encontra um lugar numa
determinada prática e seu emprego passa a ser controlado por regras públicas de
correção. O jogo do qual faz parte está inserido na realidade prática e social da
comunidade dos falantes. Segundo Wittgenstein, os problemas filosóficos surgem
quando a linguagem "sai de férias" (IF §38), ou seja, quando a linguagem é
artificialmente separada do seu ambiente próprio e de seus usuários. "A linguagem é
uma parte (...) de uma forma de vida", diz Wittgenstein (IF §23). A linguagem, tal como
apresentada nas Investigações, deixa de ser um mero veículo de informações para
converter-se numa atividade profundamente enraizada no contexto social e nas
necessidades e aspirações humanas.
Referências
14
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O livro azul. Lisboa: Edições 70, 1992.
O livro castanho. Lisboa: Edições 70, 1992.
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Cultura e valor. Lisboa: Edições 70, 1996.
Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2005.
Fichas [Zettel]. Lisboa: Edições 70, 1989.
Da certeza. Lisboa: Edições 70, 2000.
Anotações sobre as cores. Lisboa: Edições 70, 2000. Campinas: Unicamp, 2009.
Sugestão de leituras em português
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CONDÉ, Mauro. As teias da razão: Wittgenstein e a crise da racionalidade
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EDMONDS, David; EIDINOW, John. O atiçador de Wittgenstein: a história de
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Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: DIFEL, 2003.
FAUSTINO, Silvia. Wittgenstein, o eu e sua gramática. São Paulo: Ática, 1995.
GIANNOTTI, J. A. Apresentação do mundo: considerações sobre o pensamento
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GLOCK, Hans-Johann. Dicionário Wittgenstein. Tradução: Helena Martins;
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GRAYLING, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
MONK, Ray. Wittgenstein: o dever do gênio. Traduzido por C. A. Malferrari.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MORENO, A. R. Wittgenstein - através das imagens. Campinas: Edunicamp,
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MORENO, A. R. Wittgenstein: os labirintos da linguagem - ensaio introdutório.
São Paulo: Moderna; Campinas: Edunicamp, 2000.
PINTO, P. R. Margutti. Iniciação ao silêncio: análise do Tractatus de
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SPANIOL, Werner. Filosofia e método no segundo Wittgenstein. São Paulo:
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THORNTON, Tim. Wittgenstein sobre linguagem e pensamento. Tradução de
Rogério Bettoni e Alessandra Siedschlag. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
VALLE, Bortolo. Wittgenstein: a forma do silêncio e a forma da palavra.
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