Out, 2011 - ECOS DE VIENA

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Out, 2011 - ECOS DE VIENA
ECOS DE VIENA
Ubiratan J. Iorio
Entre os dias 19 e 23 de setembro passado, o Mises Institute realizou o
Supporters Summit 2011, em Viena, em que economistas, acadêmicos, intelectuais,
empreendedores e estudantes de todo o mundo tiveram a oportunidade de se reunirem
na Akademie der Wissenschaften – em português, Academia de Ciências - para
palestras, discussões, refreshments e trocas de idéias e de experiências sobre o estado
atual da tradição da Escola Austríaca, oficialmente “fundada” por Carl Menger naquela
cidade, mas cujas origens remontam a São Tomás de Aquino e aos pós-escolásticos. Em
29 de setembro, Fernando Chiocca publicou neste mesmo site o excelente artigo “Os
austríacos voltam à Áustria”, em que relata, concisa e brilhantemente, diversos aspectos
do auspicioso acontecimento, especialmente os temas apresentados pelos palestrantes.
Por isso, vou limitar-me apenas a comentários adicionais, de natureza não técnica, mas
simplesmente – não tenho o menor pejo em afirmar – emocional.
Tive o privilégio, como membro do IMB, de participar do evento, ao lado de
dois outros brasileiros, Helio Beltrão e o próprio Fernando e, portanto, não posso deixar
de registrar, embora com certo atraso (já que “estiquei” minha permanência na Europa
por mais duas semanas), a importância daquele Summit.
As melhores palavras para descrevê-lo são: deslumbrante e atávico! Em todos os
sentidos: intelectual, cultural, acadêmico, histórico, de tradição e, sobretudo, o da
incrível atualidade da Escola Austríaca de Economia face aos problemas que a
economia mundial vem enfrentando. Sim, deslumbrante, suntuoso, ofuscante e luxuoso
em termos físicos; e atávico, pois tudo ali sugeria a presença, em pessoas do século
XXI, de um caráter não presente em seus ascendentes imediatos (influenciados pela
ilusão da social-democracia), mas, sim, em ascendentes remotos, como Menger, Wieser,
Böhm-Bawerk, Mises, Hayek e outros, em uma como que transmissão hereditária de
habilidades, comportamentos e maneira de enxergar a economia e o mundo!
O deslumbramento começou já no hotel em que ficamos hospedados, o König
von Ungarn, o mais antigo de Viena, que já teve como hóspede ninguém mais ninguém
menos do que Wolfgang Amadeus Mozart... O mais antigo, mas impecável em termos
de conservação e de adaptação à tecnologia hoteleira dos dias atuais.
E aumentou com o local em que os debates foram realizados, um enorme e
suntuoso salão da academia que foi presidida por Böhm-Bawerk, onde Menger
defendeu a sua tese de doutoramento e Mises, Wieser, Hayek e outros se encontraram
inúmeras vezes em reuniões debates... A atmosfera ali parecia nos remeter em um túnel
do tempo para cem anos atrás e o sentimento era o de que, durante as apresentações dos
palestrantes, a qualquer momento poderia adentrar no recinto uma daquelas
personalidades defuntas e, ressuscitadas, começassem a participar dos debates, mesmo
sem saber como utilizar os recursos do powerpoint...
Na tarde de terça, dia 20, houve um walking tour por lugares que remetem à vida
dos grandes economistas daqueles tempos, como a casa onde Mises nasceu, o colégio
em que estudou, a Universidade de Viena, os restaurantes que ele e seus colegas e
alunos costumavam freqüentar e até uma apresentação, com piano e voz, das músicas
que eram cantadas por Mises e seus seguidores, compostas pelo filósofo Felix Kaufman,
interpretadas surpreendentemente bem por Jeffrey Tucker , o vice-presidente editorial
do Mises Institute.
O deslumbramento e o atavismo tiveram encerramento de ouro com uma
recepção-jantar de despedida, no espetacular Kursalon Hubner, em um salão majestoso,
ponteado por pinturas, orlado por esplêndidos lustres de puro cristal e com uma imensa
varanda que conduzia a um parque impecavelmente bem cuidado, em que o verde
predominava. Ao chegarmos ao local, minha mulher, eu e Fernando, paramos em um
sinal para atravessar a rua e o que vimos? Simplesmente, Hans-Hermann Hoppe e sua
esposa dirigindo-se ao mesmo local, sentados em uma carruagem puxada por quatro
cavalos vienenses negros. Ele, trajado de sobretudo e ela também elegantemente
vestida.
Ao entrarmos, um pequeno grupo de músicos, todos excelentes, tocava valsas de
Strauss (pai e filho), enquanto os convidados bebiam drinks, desfrutavam de um
cardápio muito bem selecionado e trocavam ideias. Nessa ocasião, eu e minha mulher
tivemos a honra de nos sentarmos à mesa de Joseph Salerno e sua simpaticíssima
esposa. Sentíamos todos como se estivéssemos na segunda década do século XX e pude
experimentar a mesma sensação que senti no salão da Akademie der Wissenschaften:
algo como se, repentinamente, a música parasse e trombetas anunciassem a entrada no
salão do imperador da Haus von Habsburg da época, Carlos I da Áustria e IV da
Hungria ou Carlos I de Habsburgo-Lorena, com todo o seu séquito, e todos nos
curvássemos à sua entrada...
Para mim, que venho, há muitos anos, enfrentando diversos obstáculos para
defender as idéias austríacas em um mundo acadêmico em que predominam o
keynesianismo, o marxismo e, na melhor das hipóteses, o monetarismo, o Summit
representou uma grande ducha de revigoramento. De um lado, porque percebi,
especialmente no painel Mises Around the World: a Panel of Global Mises Institute,
formado pelos presidentes dos Institutos Mises dos Estados Unidos (Douglas French),
do Brasil (Helio Beltrão), da Romênia (Mihai-Vladimir Topan) e da República Tcheca
(Joseph Sima) o quanto a Escola Austríaca vem renascendo, qual uma Fênix, em todos
os cantos do mundo. E, de outro, porque vi muitos jovens na platéia, o que me fez sentir
com emoção que tudo o que venho tentando fazer nos últimos vinte anos não tem sido e
nem será em vão.
“Posar” ao lado desses expoentes, na Universidade de Viena, foi uma experiência
indescritível. Não sabemos a razão de não terem colocado ainda uma estátua de Mises e
outra de Hayek no saguão onde estão as demais.
Mas deslumbramento e emoções, embora importantes, só são úteis quando servem
para ações efetivas. É tempo de trabalharmos ainda mais para que a Escola Austríaca
possa alcançar, não só na academia brasileira, mas na nossa sociedade, o lugar que lhe
cabe.
Nesse sentido, o IMB iniciará no próximo dia 18 o I Curso de Iniciação à Escola
Austríaca de Economia, um curso de 60 horas/aula, que será realizado na Faculdade de
Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com certificado de
conclusão assinado pela universidade. O curso será ministrado por Helio Beltrão, pelo
professor André de Azevedo Alves, da Universidade de Aveiro (Portugal), por Alex
Catharino (do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista – Cieep) e por
mim (UERJ e IMB) e está dividido em quatro módulos, a saber: Módulo I - Conceitos
básicos da Escola Austríaca (10 horas); Módulo II - Epistemologia das Ciências Sociais
(10 horas); Módulo III - Filosofia Política (10 horas) e Módulo IV - Economia (30
horas).
O Instituto Mises do Brasil ficará muito feliz se o curso obtiver sucesso e se for o
primeiro de uma série que se espalhe por todo o Brasil. E que possa servir de base para
futuros cursos on line. Se isso acontecer, os ecos de deslumbramento e atavismo que
todos vivemos em Viena não terão sido apenas emoções que o tempo apaga. E estamos
convictos de que vai acontecer!