Guia de Estudos - TEMAS 12 – Direitos Humanos

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Guia de Estudos - TEMAS 12 – Direitos Humanos
TEMAS 10 – Democracia
Guia de Estudos
Organização da Conferência Islâmica
Segunda Sessão Extraordinária da Cúpula Islâmica - A Situação no Iraque
(2003)
Daniel Saran Fernandes
Lídia Generoso
Pedro Henrique Marques
Carolina Paim
Mariana Mesquita
SUMÁRIO
1.
Apresentações............................................................................................. 3
2.
Sobre a Organização da Conferência Islâmica ........................................... 5
Estrutura e breves discussões ............................................................... 5
Mediação de conflitos: um breve histórico ............................................. 7
3.
Islã e Política: intercessões existentes e diálogos possíveis ..................... 10
4.
O caso iraquiano ....................................................................................... 17
5.
Ditadura e Democracia: discussões teóricas e o caso iraquiano............... 31
Discussão conceitual: democracia ....................................................... 31
Discussão conceitual: ditadura ............................................................ 33
Ditadura iraquiana?.............................................................................. 35
6.
Outra questão (sempre) pertinente: A Palestina ........................................ 37
7.
Referências ............................................................................................... 40
1. Apresentações
Pedro Henrique Marques, popularmente conhecido como Pê Agá, é
belorizontino de nascimento, carioca de criação e paraguaio de coração. É bacharel em
Direito, sem, contudo, se orgulhar disso. Para preencher esse vazio em sua vida,
começou a estudar História, curso que realmente o agrada. Enquanto não passa no
CACD, dá aulas de idiomas em Brasília, além de trabalhar no bar de sua família nos
fins de semana. É model freak incurável e, apesar de algumas idas e vindas, está
completando 10 anos de Modelândia em 2014. Atleticano em nível de psicopatia, foi
para o Marrocos ver o Galão da Massa. Além do futebol, é apaixonado por rugby,
esporte que pratica há três anos e que pretende jogar até morrer. Apreciador de
cervejas, não abre mão da companhia de seus amigos para tomar uma gelada. Estará
em seu quarto TEMAS – o primeiro como diretor – e tem certeza que conduzirá o
melhor comitê desta edição.
Lídia Generoso é belorizontina nascida e criada nas terras do pão de queijo.
Tem 20 anos de vida, um quarto deles passados entre uma simulação e outra, e ainda
assim é a mais nova dentre os diretores desse comitê. Cursa o 5o período de História
na Universidade Federal de Minas Gerais, e apesar de já ter se aventurado por outros
cursos, não gostou e resignou-se a uma vida com pouco luxo. Tem interesses
acadêmicos demais para o seu próprio bem, que não vai listar aqui, mas pode
mencionar entre um drink e outro. Também gosta de séries de TV de mais para seu
próprio bem. Trabalha como Editora Jr. na Initia Via Editora, e espera já ser sócia na
época da publicação dessa apresentação. Atleticana, mas não tão fanática quanto seus
codiretores. Está se sentindo feliz por trabalhar ao lado dessa equipe maravilhosa em
seu terceiro TEMAS, segundo como diretora; e é a ternura que o comitê jamais pode
perder.
Daniel Saran Fernandes é um mineiro que foi se aventurar em Brasilia. Tendo
tido seu primeiro contato com modelos em 2005, mergulhou de cabeça nesse universo.
Cursava Relações Internacionais quando no 7o período, pois nunca é tarde para
mudar, decidiu que seu futuro estava na capital federal. Não encontrou o João de
Santo Cristo e acabou se apaixonando pelo curso de Ciência Política da UnB.
Corintiano fanático, não teve apoio financeiro para acompanhar o time no Japão.
Grande fã de Star Wars, a ponto de ser membro do Conselho Jedi de Minas Gerais,
também curte filmes e seriados de zumbis, vampiros (de verdade) e apocalipse.
Passou por alguns problemas nos últimos tempos, tendo encontrado nos amigos e
família um apoio como jamais imaginou. Não tem palavras para agradecer a confiança
que lhe foi depositada, tanto pelo Secretariado, como, principalmente, pelos
companheiros
de
comitê.
Carolina Paim, que fica realmente incomodada quando não a chamam de Carol, é
mineira da capital e atleticana de coração. Terminou seu primeiro ano do curso de
Direito, que está gostando bastante, e adora aprender novas línguas, atividade que
preenche seu tempo livre enquanto não consegue um estágio. Além de ser apaixonada
por livros e música, é louca pelo mundo das simulações, que conheceu em 2010 e
nunca mais largou. Agradece imensamente ao Secretariado e aos seus co-diretores
por terem confiado nela para participar da organização do TEMAS 10 e deste comitê
maravilhoso. Espera por todos na OCI em maio de 2014.
Mariana Mesquita: meio metro de paixão por Forrest Gump e Minions, culturas
e arte, escorregadores e bicicletas, beatles e bandauó, cinema e bar, café e açúcar
(nunca juntos!), Mari é de Manaus e sempre sonhou com a Universidade de Brasília,
hoje tem muito orgulho de estudar Ciência Política lá. participa de simulações/modelos
desde o início do ensino médio – e será sempre grata ao professor “malvado” que a
indicou para participar – e tem grande apreço pelas Agências de Comunicação, pelos
comitês jurídicos, legislativos, de direitos humanos, e regionais, principalmente América
Latina, Ásia (Oriente Médio) e África. Louca por simulações, acredita que ser modeleira
deve ser mais interessante do que ser modelo (pelo menos o Coffee Break parece
melhor). Vê nos modelos uma oportunidade rara de exercer várias funções
interessantes, um real exemplo da tão batida frase “ensinar aprendendo”, uma grande
chance de melhorar negociação e oratória e lógico, de conhecer as pessoas!
2. Sobre a Organização da Conferência Islâmica
Estrutura e breves discussões
Após a perda da Guerra dos 6 dias, em 1967, e o incêndio criminoso na
Mesquita Al-Aqsa em Jerusalém em 1969, promovido por um turista australiano,
membro de uma igreja evangélica denominada Worldwide Church of God, que queimou
toda a ala sudeste do templo, foi sediada em Marrocos a primeira reunião dos líderes
do mundo islâmico. Então, em 25 de setembro daquele ano, com 25 membros 1, foi
criada a Organização da Conferência Islâmica em Marrocos.
A OCI é uma organização intergovernamental com delegação permanente
junto às Nações Unidas, que mantem relações de cooperação e de consulta com a
ONU e com outras organizações internacionais2. Dentre seus objetivos estão: a
proteção dos interesses vitais do mundo islâmico, o trabalho para a solução de conflitos
e disputas entre seus membros e a promoção da paz e harmonia internacionais. Sendo
assim, a Organização comporta-se como a voz coletiva do mundo islâmico na
promoção da solidariedade e da cooperação entre os Estados-membro, nos âmbitos
político, econômico, cultural, científico e social3, bem como no esforço em prol da
preservação dos lugares santos do Islã.
Os trabalhos da OCI se direcionam no sentido de salvaguardar os valores do
Islã e dos islâmicos e, para isso, promove várias políticas para transformar as
percepções equivocadas sobre a cultura islâmica e tem advogado a eliminação da
discriminação contra os islâmicos em todas as suas formas e manifestações.
Atualmente, é composta por 57 Estados, que são membros permanentes da
organização e que abrangem quatro continentes: Afeganistão, Argélia, Chade, Egito,
1
Os membros iniciais da OCI eram Afeganistão, Argélia, Chade, Egito, Guiné, Indonésia, Irã,
Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Malásia, Mali, Mauritânia, Marrocos, Níger, Paquistão, Palestina, Iêmen,
Arábia Saudita, Senegal, Sudão, Somália, Tunísia e Turquia.
2
Estão entre essas organizações internacionais com que a OCI mantem relações: a Liga Árabe, o
Movimento dos Países Não-Alinhados, a Organização da Unidade Africana e a Organização da
Cooperação Econômica.
3
http://www.mfa.gov.tr/the-islamic-conference--_oic_.en.mfa. Ministry of Foreign Affairs of the
Republic of Turkey; The Republic of Turkey and the Organization of The Islamic Conference.
Guiné, Indonésia, Irã, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Malásia, Mali, Mauritânia,
Marrocos, Níger, Paquistão, Palestina, Iêmen, Arábia Saudita, Senegal, Sudão,
Somália, Tunísia, Turquia, Bahrein, Omã, Catar, Síria, Emirados Árabes Unidos, Serra
Leoa, Bangladesh, Gabão, Gâmbia, Guiné-Bissau, Uganda, Burkina Faso, Camarões,
Comores, Iraque, Maldivas, Djibouti, Benim, Brunei, Nigéria, Azerbaijão, Albânia,
Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão, Moçambique, Cazaquistão, Uzbequistão,
Suriname, Togo, Guiana e Costa do Marfim.
Além desses, a OCI conta com três
membros observadores associados em 2003: Bósnia e Herzegovina, República CentroAfricana e Tailândia.
A Cúpula Islâmica reúne reis e chefes de Estado e Governo dos Estadosmembro e se comporta como autoridade suprema da Organização da Conferência
Islâmica. Suas reuniões ocorrem numa frequência de três anos, a não ser que
assuntos importantes motivem a convocação de uma reunião em caráter extraordinário.
Com reuniões anuais, o Conselho dos Ministros das Relações Exteriores
adota as decisões e resoluções de questões de interesse comum na implementação
dos objetivos da OCI. Além disso, o Conselho revê o progresso da implementação das
decisões e resoluções adotadas nas reuniões anteriores da Cúpula Islâmica e do
próprio Conselho.
O Secretariado foi criado em 1970, na segunda reunião da Organização, em
Jeddah na Arábia Saudita, e é o órgão executivo da OCI. A ele foi confiada a
implementação das decisões dos dois outros órgãos, a Cúpula e o Conselho. Em 2003,
o Secretário-Geral da Organização da Conferência Islâmica é o marroquino
Abdelouahed Belkeziz, 9º secretário da organização.
Além destes, a OCI fundou diversos comitês a nível ministerial e ínumeros
órgãos secundários e instituições que agem em prol dos objetivos da OCI.
Além das cúpulas de alto nível, a OCI conta com reuniões de ministros das
mais diversas pastas. As sessões mais relevantes são as do Conselho de Ministros de
Relações Exteriores, órgão responsável por avaliar os meios de implementação das
políticas gerais da OCI. Foi nesse âmbito que se adotou, em 1990, a Declaração de
Cairo sobre Direitos Humanos no Islã4, documento fundamental para pautar o
posicionamento dos países islâmicos em termos de direitos humanos em relação à
Sharia (a lei fundamental islâmica).
Mediação de conflitos: um breve histórico
Um aspecto particularmente importante da OCI a ser mencionado é a
importante função do órgão na mediação de conflitos, presenciados pela instituição
desde sua criação. Abdullah al-Ahsan retoma o papel significativo da organização na
solução de conflitos prévios, em especial os conflitos entre a Organização de
Libertação da Palestina (OLP) e o Reino Hashemita da Jordânia e nos conflitos entre
Bangladesh e Paquistão, que abordaremos a seguir. Eles nos permitem perceber como
o órgão lida com a mediação de conflitos de maneira mais específica, ainda que a OCI
tenha tido significativa dificuldade para resolver conflitos que envolveram o Iraque,
anteriormente, como se percebe no caso da guerra entre Irã e Iraque e da Primeira
Guerra do Golfo (AL-AHSAN, 2004).
De acordo com al-Ahsan, a tradição de resolução de conflitos pela OCI é
legado de dois aspectos: as orientações do Corão para solução de conflitos e a
tradição de resolução de conflitos forjada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Quanto as orientações do Alcorão, citamos
E quando dois grupos de fiéis combaterem entre si, reconciliai-os, então. E se
um grupo provocar outro, combatei o provocador, até que se cumpram os
desígnios de Deus. Se porém, se cumprirem (os desígnios), então reconciliaios eqüitativamente e sede equânimes, porque Deus aprecia os equânimes.5
Para al-Ahsan, a OCI promove as orientações do Alcorão utilizando-se de
métodos forjados pela tradição ocidental das relações internacionais, especialmente
aquelas utilizadas pela ONU.
Em 1970, pouco após a criação da OCI, emerge o conflito armado entre a
Jordânia e a OLP, em função de divergências quanto ao tratamento dado a Israel.
4
CONSELHO ISLÂMICO. Universal Islamic Declaration of Human Rights. Disponível em:
<http://www.alhewar.com>. Acesso em: 20 de março de 2014.
5
49ª Surata do Alcorão, 9 e 10.
Historicamente, a Jordânia se opôs em 1948 à criação do Estado da Palestina,
proposta da Liga dos Estados Árabes (LEA), à época, proclamando a criação do Reino
Hashemita da Jordânia um ano depois, em 1949. Do ponto de vista das relações
internacionais estabeleceu-se um conflito de interesses, que eclodiu em 1970. Muitos
palestinos se refugiaram na Jordânia, especialmente após a guerra de 1967, e
pretendiam continuar uma luta armada contra o recém-criado Estado de Israel6, através
da recém criada Organização de Libertação da Palestina. Por outro lado, a Jordânia
assumia uma postura consideravelmente permissiva em relação a Israel, e intolerante
para com o uso palestino de seu território como base a ser usada contra Israel. Em
1970 o exército Jordaniano atacou e destruiu boa parte das forças da OLP em seu
território (AL-AHSAN, 2004)
Após esses eventos, Egito e Arábia Saudita, membros da OCI, tiveram
importante papel reconciliatório. Seus esforços se focaram em delimitar quais seriam
as funções de Jordânia e OLP quanto à causa Palestina, ainda que a presença da OLP
na Jordânia tenha sido, de fato, eliminada. Esses esforços foram reconhecidos pela
Organização em sua Resolução 1/3 (AL-AHSAN, 2004).
O segundo conflito a ser mencionado aqui, no qual a OCI teve importante
papel de mediação, foi a guerra civil no Paquistão, em 1971, que culminaria na criação
de Bangladesh. Esse conflito se origina de divergências que existiram desde 1947,
entre Paquistaneses do Leste e do Oeste de as disputas por poder entre esses,
especialmente durante a Assembleia Constituinte do Paquistão, em 1948. Os conflitos
giraram, especialmente, na mal resolvida questão linguística. A declaração de apenas o
urdu, língua mais compreendida no país, como língua oficial do país, sem incluir o
bengali, língua majoritariamente falada no Leste do Paquistão, e o uso da força para
solução dessa divergência, culminou posteriormente em um conflito armado em 1971
(AL-AHSAN, 2004).
Nesse contexto, a atuação da OCI foi consideravelmente mais marcante. O
então Secretário-Geral da organização viajou e buscou estar em contato direto com
ambas as partes. Entretanto, a missão falhou quando sua comitiva tentou entrar em
6
Perante a ONU, pelo menos, já que no período Israel não era reconhecido como Estado por
muitos dos Estados Membros da OCI.
contato com os líderes da Bangladesh de fato, refugiados na India, e foram impedidos
de entrar nesse país, já que a Índia havia sido expulsa da Primeira Conferência
Islâmica em 1969 (AL-AHSAN, 2004).
Os esforços de mediação continuaram após o fim da guerra civil, com vitória
militar de Bangladesh e proclamação desse como um Estado Independente. Nesse
contexto, a OCI assumiu uma postura que valorizava a democracia e o respeito mútuo
entre Estados-Membros, e, principalmente, Estados Islâmicos em irmandade. A reunião
marcada contou com a presença de líderes Paquistaneses e de Bangladesh com uma
delegação de seis membros da Conferência Islâmica de Ministros de Relações
Exteriores, consistindo em Argélia, Irã, Malásia, Marrocos, Somália e Tunísia
a fim de estabelecer concordânicas, conciliação e irmandade entre os dois
líderes eleitos, em uma atmosfera de irmandade islâmica, liberdade e
dignidade, bem como a fim de estudar formas e meios para prestar assistência
a ambos líderes na solução de problemas. 7
O processo, entretanto, foi conflituoso, e o líder eleito em Bangladesh, se
negou a sentar-se com o líder paquistanês até que esse reconhecesse a
independência de Bangladesh. Esse reconhecimento por parte do Paquistão se deu,
aliás, na Segunda Conferência Islâmica, em Lahore, em 1974, que havia sido
convocada para debater a guerra do Yom Kippur e seus resultados. Após esse,
Bangladesh foi oficialmente convidado a se juntar à Conferência, selando a
participação de ambos Estados na OCI. Ambos são, atualmente, membros atuantes da
organização.
Por outro lado, a OCI nunca se preocupou com a solução de conflitos entre
outros de seus Estados-Membros nos anos 70: nem nas disputas entre Líbia e Egito;
nem nas disputas entre Líbia e Sudão; nem nas questões do Leste do Saara; nem nas
questões concernentes ao povo curdo (AL-AHSAN, 2004). Nesse sentido, uma série de
omissões são percebidas, talvez por causa do caráter extremamente consensual da
tomada de decisões da OCI.
7
Tradução nossa de: “to bring about agreement, conciliation and brotherhood between the two
elected leaders in an atmosphere of Islamic brotherhood, freedom and dignity, as well as to study ways
and means of assisting both leaders to solve the problems”. Apud al-Ahsan, 2004, p 142.
Essa dificuldade de atuação ficou extremamente evidente em dois casos
específicos, como já mencionamos: a Guerra entre Irã e Iraque, e a Primeira Guerra do
Golfo.
3. Islã e Política: intercessões existentes e diálogos possíveis
É impossível falar sobre as intercessões entre Islamismo e Política, sem
começarmos traçando um conceito claro, que guia fortemente a forma como islâmicos
se reconhecem como uma comunidade. Islâmicos de todo o mundo se reconhecem
como parte de uma só comunidade; a Ummah, ou ainda ummat al-Islamiyah. Seu
significado traduzido é comunidade, ou ainda, Nação islâmica, ainda que pouquíssimos
a resgatem para fins de unificação política de fato, e a maioria dos islâmicos a pensem
como uma comunidade supra-nacional que congrega todos aqueles que acreditam na
fé islâmica (AYOOB, 2008; SHADID, 2002; MILTON-EDWARDS, 2004).
A origem do termo remete aos primeiros anos do Islamismo, uma espécie de Era
de Ouro utilizada como inspiração por muitos daqueles que se propõe a pensar as
intercessões entre Islã e Política. O conceito surge quando Maomé e seus seguidores
começam a pensar o Islamismo fora de seus clãs ou tribos e passam a enxergarem-se
como islâmicos, apesar das diferenças que os separavam. O termo, ainda nos dias
atuais, tem seu valor e ressonância, mesmo dentro de uma cacofonia de interpretações
e recuperações sobre a qual explicaremos mais ao longo desse capítulo (AYOOB,
2008).
Uma vez definido o conceito de Ummah, faz-se necessário pensar alguns
pontos, levantados por Mohammed Ayoob em sua obra “The Many Faces of Political
Islam”, que nos ajudarão a compreender a Islã e as formas como ele se manifesta tanto
como religião quanto como ideologia política em alguns casos, segundo o autor, de
maneiras profundamente distintas em vários lugares do mundo (AYOOB, 2008).
Traçar relações entre Islã e Política, nesse contexto, é pensar que para muitos
desses atores políticos a fé é capaz de traçar objetivos a serem alcançados pelas
nações
que
se
professam
islâmicas.
Ainda,
é
reconhecer
que
existe
a
instrumentalização dessa fé por indivíduos ou grupos, para usos que almejam
transformar a sociedade contemporânea. Em muitos casos, essa instrumentalização
perpassa a busca por um uso a-histórico dos primeiros anos do Islã, a fim de promover
de maneira satisfatória a invenção de uma tradição8. (AYOOB, 2008).
O primeiro ponto fundamental dessa análise é pensar que o Islã, assim como a
maioria das religiões professadas por um grande número de pessoas na
contemporaneidade, não é nem nunca foi um bloco monolítico. Pelo contrário;
discordâncias internas no Islã foram muito comuns desde os primeiros anos após a
morte do Profeta, e essas divergências permanecem até hoje, em muitos casos. Não
se pode falar em uma autoridade religiosa reconhecida por todos islâmicos de forma
unânime, e portanto também não de pode falar em uma interpretação aceita por todos
(AYOOB, 2008).
O segundo ponto fundamental a se ressaltar é que as intercessões entre Islã e
Política não implicam necessariamente em um resultado violento; muito pelo contrário.
Ayoob afirma, e tendemos a concordar com ele, que a maioria dos movimentos
políticos que trazem o Islã como ideologia, ou ainda, como instrumento teórico para
pensar a realidade e as transformações políticas, não são violentos. Pelo contrário.
Nesse sentido, as maiores manifestações do Islã dentro da política não são aquelas
professadas por vídeos da Al Qaeda, mas aquelas que fazem parte do dia a dia da
maioria dos muçulmanos, em diversas experiências política, em diferentes Estados
(AYOOB, 2008; SHADID, 2002; MILTON-EDWARDS, 2004). Reiterar essa perspectiva,
ainda que ela pareça simples, é fundamental para que pensemos a Ummah, e a própria
Organização da Conferência Islâmica sob uma ótica livre de preconceitos e equívocos,
e ainda, para que possamos buscar compreender as formas como o mundo Islâmico se
articula de maneira ampla e complexa.
Por fim, um ponto importante a ser considerado é que as relações intrínsecas
entre política e religião no mundo islâmico que, em função de uma mídia
preconceituosa e sensacionalista provocam receio a nós ocidentais, não são e também
8
Invenção de tradição é um termo cunhado por Eric Hobsbawn para falar sobre as formas como
uma sociedade recupera elementos de seu passado comum e transforma esses elementos em tradições
que buscam fortalecer os elos que a constituem. Nenhuma invenção de tradição surge a partir do vazio.
Entretanto, a forma como se dão os resgates correspondem, em muitos casos, aos interesses de um
grupo específico de pessoas que lideram esse processo.
nunca
foram
exclusividade
do
mundo
islâmico.
Também
os
cristãos
se
autodenominaram de maneira comunitária, religiosa e supranacional, durante o início
da idade média. Eram ecclesia9, uma conformação de caráter religioso que se
mostrava em muitos casos mais relevante que a própria civitas10. Nesse sentido, as
contraposições entre o conceito de ecclesia e o conceito de civitas mostra que as
relações entre política e religião foram bastante intrincadas (ETIENNE, 1998; GEARY,
2005).
O termo ecclesia recebe essa conotação até hoje em diversos templos cristãos.
Nesse sentido, pensar as relações entre política e religião de uma maneira complexa e
repleta de intercessões permanece relevante para pensarmos essas relações em
muitos países do Mundo Ocidental até os dias atuais. A existência de religiosos
ocupando cargos públicos não implica necessariamente na inexistência de separação
entre Estado e religião no caso Brasileiro, por exemplo; a mesma premissa é válida
para muitas nações islâmicas. Nesse sentido, reforçamos, as intercessões entre
política e religião são parte das relações de poder constituídas em mais partes do
mundo que estamos dispostos a assumir, e que essas relações se dão de forma muito
mais complexa do que o que a mídia tem a dizer sobre o mundo Islâmico (AYOOB,
2008).
Nesse sentido, vale agora buscar esclarecer mais um equívoco comum
praticado por aqueles que falam sobre o Islã, que deriva da grande complexidade do
tema, e abordar a diferença entre Sunitas e Xiitas. Primeiramente, é um equívoco
associar inocentemente xiitas ao extremismo. Moderação e radicalismo são partes de
ambas
correntes
teológicas
islâmicas;
Al-Qaeda
e
Taliban
são
compostos
majoritariamente por sunitas; xiitas são liderança política o Irã desde a Revolução de
1979. Nacionalmente, no Iraque, são oposição ao regime de Saddam Hussein, bem
como à interferência norte-americana. Não existe, portanto, uma regra simples que
9
Do romano, Igreja. Para além do espaço físico ocupado, esse conceito remete a existência de
uma comunidade de caráter divino, mais importante, nesse momento, que as formações políticas. Vale
citar um trecho da Carta Diogeneta, que nos permite compreender melhor: “os cristãos habitam no
mundo, mas não são do mundo.” - CARTA Diogneta. Trecho In: GILSON, Etienne. “Igreja e sociedade”.
In: A filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 195.
10
Do romano, Cidade.
determine o comportamento político, ou mesmo religioso, como moderado ou radical,
com base no cisma entre xiitas e sunitas (AYOOB, 2008; ARANTES, 2005).
Ainda, antes de abordarmos a origem do cisma histórico, citaremos algumas
informações importantes e que podem ser úteis: 90% do mundo islâmico se declara
sunita. Xiitas são maioria no Irã (93%), Emirados Árabes Unidos (80%), Azerbaijão
(61%), Bahrein (75%), e Iraque (55%); minoria expressiva em Yemen (36%), Kuwait
(30%), Paquistão (19%), Síria (17%), Qatar (16%) e Turquia (15%)11.
Passaremos agora a uma abordagem simplificada do processo histórico que
culminou no cisma entre sunitas e xiitas que perdura até os dias atuais e deriva de uma
querela que perpassou tanto a política quanto a religião, imediatamente após a morte
de Maomé, em uma disputa que consistia em definir quem teria o direito de liderar a
Ummah. O grupo majoritário defendeu que o líder fosse Abu Bakr, sogro de Maomé e
pai de Asha, que havia por muito tempo acompanhado Maomé, mas não representava
uma sucessão interior ao clã do qual esse participava, e muito menos uma sucessão
dinástica. Por outro lado, expressiva minoria defendeu que a liderança fosse passada
para Ali, esposo de sua única filha sobrevivente, Fátima (AYOOB, 2008; ARANTES,
2005).
Do termo Shiat-i-Ali, traduzido como Partidários de Ali, origina-se a denominação
xiita; do termo ahl AL-sunna wa’l-jama’a, que significa fiéis seguidores das tradições do
profeta e defensores da unidade da comunidade islâmica, origina-se o nome sunitas.
No momento da morte de Maomé, estima-se que mais de 100 mil pessoas na
Península Arábica já se denominavam muçulmanas e professavam a religião do
profeta; nesse sentido, fica claro que liderar a Ummah foi, naquele período, e seria,
ainda hoje, muito mais que um desígnio puramente religioso (AYOOB, 2008;
ARANTES, 2005).
O cisma entre xiitas e sunitas apenas se aprofundou ao longo do tempo; após
considerar-se vencido, Ali aceita prestar lealdade a Abu Bakr. Entretanto, antes de sua
11
Dados aproximados, fornecidos por Arantes em seu livro “O maior perigo do Islã: não conhecêlo”, p44, de 2005; e Maria João Barata em seu artigo “A oposição sunismo/xiismo enquanto fonte de
tensão e conflito no médio oriente contemporâneo”, de 2007. Optamos por utilizar esses dois, por
apresentarem muitos números semelhantes, apesar de alguns poucos conflitantes.
morte, Bakr nomeia Umar bn Al-Katthab; Umar, antes de sua morte, nomeia Uthman. A
reivindicação de Ali é, portanto, preterida mais uma vez. Quando Uthman é
assassinado no Egito por opositores, Ali finalmente conclama o poder para si. Os dois
grupos, dos Partidários de Ali e dos apoiadores do então Governador da Síria que o
opunha, Muawiya, entram em conflitos armados pelo poder, que só cessam quando
ambos concordam em buscar arbitragem externa para a querela. Uma vez firmado o
acordo, Ali é assassinado (AYOOB, 2008; ARANTES, 2005).
O cisma é demarcado de maneira irreversível quando Yazid, filho de Muawiya,
assume o poder, e é combatido por Hussein, filho de Ali. Hussein é derrotado em
batalha e martirizado, tendo sua cabeça decepada e entregue a Yazid. Sua morte é o
marco central do cisma entre sunitas e xiitas, que divide a Ummah do ponto de vista da
liderança política e religiosa, especialmente sob a perspectiva xiita; seu túmulo em
Karbala é local sagrado de peregrinação; sua morte rememorada até os dias atuais
através da autoflagelação. É importante notar que a guerra pelo trono do Califado foi
um acontecimento profundamente político, ainda que muitos de seus atores tenham de
embasado ou amparado em princípios ou discursos religiosos (AYOOB, 2008;
ARANTES, 2005).
Xiitas atribuíram aos seus 12 primeiros líderes após Hussein um caráter político
e religioso relativamente iluminado e próximo de Allah e dos profetas; o último dos 12
primeiros Imans (denominação dada a esses líderes) foi chamado Iman oculto, já que
seu desaparecimento é atribuído a uma ocultação proposital e religiosa. Ainda nos dias
atuais, grandes divergências entre xiitas permanecem, e a liderança dos aiatolás se
circunscreve cada vez mais aos limites nacionais; no caso iraniano, por exemplo, o
Aiatolá Khomeini. Inclusive, quando esse e seu grupo de ulama12 intentou falar por
todos islâmicos xiitas, gerou desconforto e ressentimento entre outros líderes xiitas
(AYOOB, 2008; ARANTES, 2005).
A autoridade religiosa entre os sunitas se tornou profundamente fragmentada ao
longo do tempo, especialmente já que esse grupo foi, na verdade, um enorme
agrupamento de todos aqueles que a) não foram partidários de Ali e b) prezavam pela
12
líderes religiosos, estudiosos da religião ou membros de escolas de jurisprudência islâmica;
detentores da autoridade de falar sobre o Islã.
união da comunidade islâmica. Era necessário, portanto, manter a unidade, apesar de
divergências interpretativas, que passam a ser toleradas (AYOOB, 2008; ARANTES,
2005).
Conseguiram, por outro lado, manterem-se como maioria, em função de seu
apoio político claro ao longo do primeiro Califado e do Império Turco-Otomano. Esse
apoio político resultou em uma configuração política em que, a exceção do caso
Iraniano relativamente recente, sunitas estão sempre a frente do poder político, e xiitas
estão predominantemente submetidos a esses. Nesse sentido, o xiismo é
constantemente associado a espaços de resistência política; a justificativa sunita para
isso é, em alguns casos, fundamentada em razões religiosos já que aqueles não são
“muçulmanos de verdade” (AYOOB, 2008; BARATA, 2007).
Nos primeiros anos do Califado, são fundadas pelos sunitas nos quatro escolas
de jurisprudência, fundamentadas a partir das deliberações dos ulama, e nomeadas em
homenagem a quatro dos mais influentes. Essas escolas são, para os Sunitas, Maliki,
Hanbali, Shaki’i e Hanali; essas assumiam prerrogativas consideravelmente regionais.
Por que é importante saber isso? Pois mesmo dentro de uma mesma escola de
jurisprudência, haviam vários casos de julgamentos diferentes para infrações
semelhantes; e essas diferenças se aprofundavam ainda mais entre escolas diferentes.
Nesse sentido, a liderança sunita era ainda mais fragmentada que a xiita, e suas
manifestações religiosas ainda mais diversas. Havia, entretanto, consenso sobre quem
tinha o direito e a autoridade para falar sobre a religião: líderes religiosos, estudiosos
da religião, membros das escolas de jurisprudência; os ulama (AYOOB, 2008).
Até a primeira metade do século XIX, segundo Ayoob, essa forma de lidar com a
religião se mantém. Os ulama são aqueles autorizados a falar sobre a religião. O
advento da modernidade no mundo islâmico, provocado principalmente pelo
colonialismo europeu, traz dois novos elementos: o acesso à leitura e a impressão de
livros em larga escala. O problema da cacofonia entre islâmicos, que retomam
tradições comuns e trechos dos livros sagrados, mas os aplicam de maneiras
diferentes, se aprofunda quando o Alcorão passa a ser a) traduzido para línguas
vernáculas e b) amplamente disseminado para leitura pelos fiéis (AYOOB, 2008).
Algo semelhante ao que conhecemos no cristianismo como período da Reforma,
se dá também entre os islâmicos, nesse sentido. O amplo acesso aos livros sagrados
provoca um movimento de reinterpretação amplo que transforma a forma como os
indivíduos enxergam e se relacionam com a religião; leigos passam a interpretar o
Alcorão, assim como os líderes religiosos. Entretanto, não existe uma referência como
o Papa, à qual os fiéis possam se voltar. Pelo contrário. E nesse sentido, a
multiplicidade de discursos religiosos que apresentam, no mínimo, verossimilhança, é
gigantesca (AYOOB, 2008).
Os ulama são, nesse momento, denominados por alguns islâmicos como
conservadores e retrógados, incapazes de responder às demandas da Ummah,
principalmente frente aos graves problemas que essa enfrenta na segunda metade do
século XIX: o enfrentamento com o colonizador. Ser colonizado, para os muçulmanos,
infringe não só seus direitos políticos como também religiosos. Ser governado por um
infiel é percebido como uma clara afronta (AYOOB, 2008).
No século 20, a crítica aos ulama se aprofunda, em função da criação dos
Estados-Nação no Oriente Médio. As interpretações da religião passam a ser, a partir
de então, em muitos casos, circunscritas a cenários e necessidades que interagem
com o nacionalismo e as demandas do Estado. Além disso, a autoridade dos ulama
passa a ter caráter bastante nacional, e limitado dentro das fronteiras do Estado Nação,
portanto (AYOOB, 2008).
Por retomarem os mesmos textos, os discursos islâmicos no mundo
contemporâneo podem parecer iguais. Entretanto, é importante buscar depreender
desses discursos como, em muitos casos, a retórica e a estratégia se apropriam de
elementos da religião a fim de defender objetivos políticos nacionais, e não religiosos.
Além disso, as múltiplas vozes que buscam falar pelo Islã defendem visões diferentes
sobre a essência da fé, e também sobre a forma como fé e política interagem em
limites cada vez mais nacionais (AYOOB, 2008).
A criação dos Estados-Nação, por outro lado, nos leva a um problema claro:
como pensar uma comunidade islâmica fundamentada com base na irmandade, em um
mundo fragmentado por interesses nacionais? Nesse sentido, pensar a Ummah, a nível
internacional, é o mesmo que pensar a OCI? É possível a uma organização no âmbito
das relações internacionais suprir um anseio que se apresenta como um dos pilares da
religião islâmica? Como cada país articula as relações entre xiitas e sunitas,
internamente e no âmbito da OCI? É importante que os delegados reflitam sobre essas
questões.
4. O caso iraquiano
Saddam Hussein Abd al-Majid al-Tikriti, ou apenas Saddam Hussein, chegou
à presidência do Iraque em 16 de julho de 1979. Para entender como Saddam se
manteve no poder por tantos anos é preciso, contudo, compreender as dinâmicas do
Partido Ba'ath, estrutura política responsável pela condução do governo no Iraque
desde 1968. O Partido Árabe Socialista Ba'ath (em outras possíveis grafias, Baath,
Ba'th, Ba'at ou Baas) foi fundado em 194713, na Síria, por Michel Aflaq, Salah al-Din alBitar e associados de Zakī al-Arsūzī. Tratava-se de uma união de dois movimentos – o
primeiro liderado por Aflaq e Al-Bitar, o segundo comandado por al-Arsūzī – que
defendiam o baathismo, ideologia política multifacetada, defensora do nacionalismo
árabe. Mais precisamente:
In the writings of its cofounder, Michel Aflaq, the Ba'th Party was defined in
romantic and stirring language. It was to be an instrument for social justice and
a vanguard organization with the eternal mission of bringing about Arab unity.
The Ba'th's platform offered an appealing vision of an Arab renaissance, and
the party attracted young Arabs of the post-independence era eager for a cause
and for the restorarion of Arab dignity. However, Aflaq's intentions for the party
were thwarted as it divided into regional groupings and quarreling factions. This
was most evident in Syria and Iraq, where the Ba'th came under the control of
ambitious men who used its apparatus and ideology to serve their own ends. 14
O Partido Ba'ath rapidamente se expandiu pelos países árabes, mas só
detinha o poder na Síria e no Iraque. Nos dois países, a situação política era bastante
instável. No Iraque, vários golpes de estado ocorreram: um em 1958, que derrubou a
monarquia; dois em 1963, o primeiro em fevereiro, em que o Ba'ath derrubou o primeiro
ministro Abd al-Karim Qasim, e o segundo em novembro, quando oficiais pro13
Em 1947, fora criado o Partido Árabe Ba'ath. Em 1952, o partido adquiriu sua feição socialista
com a fusão do Partido Árabe Ba'ath com o Partido Árabe Socialista, liderado por Akram al-Hawrani.
14
BURTON, Martin; CLEVELAND, William L. A history of the modern Middle East. 4. ed. Boulder:
Westview Press, 2009. p. 420
nasseristas tiraram o Ba'ath do poder. Nesse meio tempo, na Síria, o Ba'ath patrocinou
a criação da República Árabe Unida (junção entre Síria e Egito), que existiu de 1958 a
1961 e que foi dissolvida por um golpe de estado. Em 1963 e 1966, outros dois golpes
ocorreriam na Síria. Esse último, em 1966, foi o responsável pela cisão no Partido
Ba'ath. A facção liderada por Michel Aflaq fora deposta e, como consequência, dois
partidos passaram a existir, cada um defendendo ser o partido original. Aflaq passou a
ser a principal influência filosófica do Ba'ath iraquiano, enquanto o Ba'ath sírio tinha alArsūzī como mentor.
A partir de 1963, quando o Ba'ath fora derrubado, o ambiente político no
Iraque era, portanto, extremamente conturbado. A conjuntura internacional favorecia a
sequência de golpes de estado verificada. O Ba'ath iraquiano voltaria ao poder em
1968, dessa vez para se manter no governo por décadas. Esse segundo golpe dado
pelo Partido Ba'ath
[...] colocou o veterano Ahmad Hasan al-Bakr no cargo de presidente e, seu
jovem parente, Saddam Hussein, no posto de vice. A base de sustentação de
Bakr, embora fosse o secretário geral do Partido Baath do Iraque, estava no
Exército. O poder de Saddam, que já planejava, secretamente, tornar absoluto,
residia no seu papel como membro do Partido Baath, conspirador experiente, e
como membro de uma extensa rede de componentes de clã e de núcleos
tribais.15
A ascensão de Saddam nos quadros do Ba'ath foi, portanto, meteórica. O
jovem estudante de Direito ingressou no partido ao vinte anos, em 1957, um ano antes
da deposição da monarquia. No ano seguinte, já era o principal responsável pela
operação de assassinato de Qasim, primeiro ministro do governo que depôs a
monarquia, mas a ação, marcada para 1959, deu terrivelmente errado e Saddam teve
que fugir do país, buscando refúgio na Síria, sob os auspícios de Michel Aflaq. Em
seguida, foi para o Egito e lá viveu até 1963. Voltou ao Iraque mas, por já ser membro
influente do Ba'ath, foi preso, em 1964, pelo governo nasserista que havia derrubado
os baathistas. A partir daí, o cenário se configurava de uma forma que permitira a
Saddam governar o partido e o Iraque. Com efeito,
15
KEEGAN, John. A Guerra do Iraque. Tradução de Laís Andrade. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 2005. p. 46
From 1964 to 1968, Husayn's experiences as political prisoner, party organizer
and conspirational plotter shaped his attitude toward political conduct. Because
the Ba'th was a banned oposition party, Husayn's duties had to be carried
underground. As a result, he developed a secretive decisionmaking style and a
tendency to be suspicious and distrustful of those around him. 16
O fracasso da primeira tentativa dos baathistas de tomar o poder levou
Saddam e al-Bakr a direcionar as ações do partido. Eles planejaram tomar
novamente o poder, evitando os erros cometidos em 1963. […] O golpe ocorreu
em 17 de julho de 1968 e, contrastando com o que acontecera cinco anos
antes, dessa vez os oficiais não baathistas é que foram expulsos, decorridos
treze dias da tomada do poder.17
O golpe de 1968, capitaneado por al-Bakr, pôs o Ba'ath definitivamente no
comando da política iraquiana. Al-Bakr, tio de Saddam Hussein, era quem governava
oficialmente o país, mas Saddam Hussein já despontava como a verdadeira força por
trás do regime. Enquanto era vice de Al-Bakr, Saddam via sua fama de político
progressista crescer bastante, cultivando grande respeito entre os afiliados ao Ba'ath.
Sua grande habilidade política e sua presença decisiva (nem sempre pacífica) na
condução de assuntos chave para a estabilidade iraquiana, como a relação entre
sunitas e xiitas, bem como no trato com as populações curdas, pavimentaram o
caminho para a chefia do partido. Era fundamental, a qualquer pessoa que desejasse
manter o poder no Iraque, conseguir harmonizar os interesses dos grupos de poder
conflitantes. De acordo com A. Cockburn e P. Cockburn:
Anteriormente, regime algum do Iraque tinha sido estável porque o exército, o
partido, a tribo e os serviços de segurança competiam pelo poder. Entre 1968 e
1979, Saddam conseguiu impor-se a esses quatro centros de poder, o que
tornou quase impossível derrubá-lo.18
Em meados da década de 1970, com al-Bakr incapacitado de exercer muitas
de suas obrigações como presidente, em função de sua já debilitada saúde, Saddam
Hussein já era o governante de facto do Iraque. Em 1979, al-Bakr negociava com o
presidente sírio, Hafez al-Assad, uma união entre os dois países (lembrando a
fracassada tentativa da República Árabe Unida), com al-Bakr como presidente e al-
16
BURTON, Martin; CLEVELAND, William L. A history of the modern Middle East. 4. ed. Boulder:
Westview Press, 2009. pp. 408-409
17
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria, 1999. p. 88
18
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria. p. 89
Assad como vice. Saddam Hussein, temendo perder a influência que tinha em seu
país, forçou al-Bakr a renunciar e, em 16 de julho de 1979, assumiu oficialmente a
presidência do Iraque. Em seguida, tomou providências para consolidar completamente
seu poder, realizando um expurgo no seio de seu partido que acabou com qualquer
possibilidade de competição pelo domínio do Ba'ath.
Cabia a Saddam, a partir desse momento, pôr em prática os planos que
havia elaborado para alçar o Iraque à posição de grande potência regional, líder do
mundo árabe. No mesmo ano em que Saddam chegava ao poder, o Aiatolá Ruhollah
Khomeini derrubava o Xá Reza Pahlavi no vizinho Irã e fazia triunfar a Revolução
Iraniana. A implantação de uma teocracia xiita no Irã era uma séria ameaça às
pretensões de Saddam, mas não era o único problema:
The issues that divided the two countries ranged from the long-standing cultural
rivalry between Arab and Persian civilization to immediate disputes over
frontiers and navigation rights, to conflicting interpretations of the role of
nationalism and religion in public life. One of the most sensitive questions for
Iraq was the northern border.19
But to the Iraqi regime, the most alarming challenge posed by Khomeini was his
direct appeal to the Shi'a of Iraq to overthrow Husayn. This was not only a
political threat to the existence of the regime, it was also an ideological threat
that pitted the universalist principles of Islam against the Ba'th secular
nationalism.20
O pretexto para o início do conflito entre Irã e Iraque foi Shatt al-Arab
(Arvand Rud para os iranianos), canal que, em sua porção meridional, marca a fronteira
dos dois países. A importância geopolítica de Shatt al-Arab para o Iraque é gigantesca:
é a única saída fluvial para o Golfo Pérsico, o que, conjugado ao fato de que a costa do
Iraque se estende por apenas 58km, torna fundamental o controle do rio pelos
iraquianos. Em 1975, Irã e Iraque haviam assinado o Acordo de Algiers, regulamento
que definia as linhas fronteiriças ao longo de Shatt al-Arab, mas que, na verdade, era
apenas mais um na sequência de vários pactos entre os dois países na tentativa de
resolver a contenda. Com o triunfo da Revolução Iraniana e a ascensão de Saddam ao
comando do Iraque, conflitos na fronteira entre os dois países passaram a se tornar
19
BURTON, Martin; CLEVELAND, William L. A history of the modern Middle East. 4. ed. Boulder:
Westview Press, 2009. p. 415
20
Idem. p. 416
mais intensos, até que Saddam se manifestou contrário ao Acordo de Algiers e a
qualquer influência iraniana sobre a foz de Shatt al-Arab:
The frequent and blatant Iranian violations of Iraqi sovereignty... have rendered
the 1975 Algiers Agreement null and void... This river... must have its Iraqi-Arab
identity restored as it was throughout history in name and in reality with all the
disposal rights emanating from full sovereignty over the river...We in no way
wish to launch war against Iran.21
O discurso acima, em que Saddam afirma a soberania iraquiana sobre o
disputado rio, traz também a clara mensagem de que, de forma alguma, Saddam
pretendia atacar o país vizinho. Proferido no parlamento iraquiano em 17 de setembro
de 1980, o discurso logo seria contradito: em 22 de setembro de 1980 – cinco dias
depois, portanto – as tropas iraquianas invadiam o Irã por terra, enquanto bombardeios
visando à destruição da força aérea iraniana eram feitos. Iniciava-se, assim, a Guerra
Irã-Iraque, sangrento conflito que se estenderia por quase oito anos e causaria cerca
de um milhão de mortes entres combatentes e civis dos dois lados, além outros tantos
milhares de feridos.
Apesar de esperar uma guerra rápida, pois contava com um efetivo militar
superior e mais bem equipado, Saddam logo viu que a vitória não seria tão facilmente
conseguida, uma vez que as tropas iranianas demonstravam fantástica capacidade de
resistência e, em certos momentos, até mesmo de reação às ofensivas lançadas.
Assim, a guerra logo entraria num estado de equilíbrio, que perduraria por anos. Ainda
assim, “[a]poiado pelos EUA e a URSS, pela Europa Ocidental e Oriental, bem como
pela maioria do mundo árabe, Saddam acreditava que poderia sustentar uma guerra
prolongada”22. O plano era subjugar o inimigo persa, tomar-lhe muitas de suas valiosas
reservas de petróleo e, consequentemente, tornar-se a potência hegemônica do Golfo
Pérsico, bem como o líder do mundo árabe que, eventualmente, conduziria o processo
de unidade da “Grande Nação Árabe” sob os princípios e ideais de seu partido, o
Ba'ath iraquiano.
21
HUSSEIN, Saddam, apud FARROKH, Kaveh. Iran at War: 1500–1988. Oxford: Osprey
Publishing, 2011.
22
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria, 1999. p. 94
Em 1982, o Ba'ath sírio, adversário de seu gêmeo iraquiano e um dos
poucos aliados do Irã, decidiu fechar um dos oleodutos mais importantes para o Iraque,
que o permitia escoar sua produção de petróleo pelo Mar Mediterrâneo. O estrago
econômico dessa decisão foi acachapante e poderia ter decidido a guerra em favor dos
iranianos, não fosse o apoio internacional que o regime de Saddam Hussein recebia.
Para a maioria dos países árabes, bem como para as potências ocidentais, a ameaça
que a teocracia xiita iraniana representava era muito mais significativa que qualquer
hostilidade proveniente do Iraque. Assim, enquanto os ricos países árabes
sustentavam economicamente os iraquianos, os países do Ocidente, especialmente os
Estados Unidos, davam apoio militar e logístico que se mostraria fundamental para que
o Iraque não fosse derrotado.
A partir de 1982 e pelos próximos quatro anos, o cenário da guerra seria
mais favorável ao Irã, que lançava frequentes ofensivas e obrigava o Iraque a limitar-se
à defesa. Nesse período, os iraquianos buscaram aumentar consideravelmente o
efetivo militar, de forma que, por volta de 1986, tinham o dobro de militares que seu
adversário, bem como veículos e equipamentos em quantidade bastante superior.
Nesse momento, o Iraque voltou a lançar ofensivas, no entanto, sem que obtivessem
vitórias expressivas. Após tanto tempo de um conflito atroz, sem que qualquer das
partes conseguisse dominar a outra, protestos pelo fim da guerra se tornariam comuns
nos dos países, especialmente no Irã. O esforço de guerra afetava significativamente a
vida da população e a incerta perspectiva de vitória pesava contra a manutenção do
embate.
Em julho de 1988, um acontecimento levou o Irã a desistir do confronto e
aceitar um acordo de cessar-fogo patrocinado pela Organização das Nações Unidas.
Apesar de geralmente estar do lado dos iraquianos desde o início do conflito, os
Estados Unidos não se envolviam tão diretamente a ponto de serem considerados
como uma das partes beligerantes. O apoio se limitava, quase sempre, ao plano
estratégico e ao fornecimento de armas e suprimentos. Tensões maiores e conflitos
diretos entre Estados Unidos e Irã começariam por conta das minas colocados pelos
iranianos em águas internacionais, o que os norte-americanos entendiam como ofensa
à liberdade de navegação. O evento decisivo se deu em 3 de julho de 1988, quando o
cruzador USS Vincennes derrubou um avião comercial iraniano, matando todas as 290
pessoas a bordo. Então,
[o] presidente iraniano Akbar Hashemi Rafsanjani acreditou que esse fato
demonstrava que os EUA haviam entrado na guerra e do lado iraquiano.
Convenceu o aiatolá Khomeini que agora as desvantagens contra o Irã eram
grandes demais. […] Havia um segundo motivo, não declarado, para o Irã
terminar a guerra. A partir de 1984, o Iraque vinha fazendo uso intensivo de
gás venenoso nos campos de batalha.23
Em agosto de 1988, a Resolução 598 do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, prevendo o cessar-fogo entre os dois países, entrou em efeito e,
poucos dias depois, um acordo de paz foi assinado. “A guerra contra o Irã tornou o
Iraque uma potência regional e o mais forte dos sete países situados nas bordas do
Golfo”24, mas a situação econômica do país era caótica e, em função disso, não
tardaria a Saddam Hussein levar o país a novo confronto internacional contra outro de
seus vizinhos.
Com efeito, o regime iraquiano devia muito dinheiro a seus vizinhos árabes,
que garantiram o apoio financeiro vital para que o Irã não vencesse a guerra. Um dos
credores iraquianos, era o Kuwait, minúsculo emirado localizado ao sul do Iraque.
Saddam pressionara seus vizinhos a perdoarem a dívida que havia contraído, mas a
resposta negativa. Com a corda do estrangulamento econômico apertando cada vez
mais, Saddam precisava encontrar uma saída e viu, no pequeno vizinho, o caminho.
Como pretexto, acusou o Kuwait de consistentemente ignorar a quota de venda de
petróleo estabelecida pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
como forma de manter estável o preço do barril no mercado mundial. Além disso, havia
também o fato de que o Iraque sempre considerou o Kuwait uma criação artificial, pois
entendia que este deveria ser parte de seu território, como sempre fora na época do
Império Otomano.
O estopim foi a negociação sobre as perdas que a exploração do campo de
petróleo de Rumaila (localizado no Iraque) por parte do Kuwait causava. Saddam exigia
uma compensação de cerca de 10 bilhões de dólares, mas o Kuwait se mostrava
23
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria, 1999. p. 95
24
Ibid.
disposto a pagar apenas 9 bilhões. A resposta iraquiana à oferta kuwaitiana foi
imediata:
A invasão do Kuwait foi uma ideia inteiramente sua [de Saddam]. De início
pareceu ser um brilhante sucesso. As divisões de elite de Saddam
apoderaram-se do país em horas, expulsando a família real do Kuwait através
das fronteiras do sul, indo ela se refugiar na Arábia Saudita. Os Estados Unidos
e o mundo foram pegos inteiramente de surpresa.25
Subjugar o Kuwait era tarefa muito fácil para as forças armadas iraquianas.
Ao final da guerra contra o Irã, o Iraque possuía um dos maiores exércitos do mundo,
contando com um número elevado de tanques e aeronaves. Do outro lado, o Kuwait
contava com um efetivo diminuto, até porque o próprio país, de tamanho reduzido, não
requeria muitos homens em armas. Saddam invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1990
e, seis dias depois, fundava um governo provisional sob o comando de Ali Hassan alMajid, seu primo.
Evidentemente, as potências ocidentais, em especial os Estados Unidos,
condenaram a invasão do Kuwait e clamaram pela retirada imediata das tropas por
parte do Iraque. Algumas negociações foram feitas ao longo do final de 1990, mas não
houve qualquer sucesso, pois o Iraque aproveitava a questão para condicionar sua
saída do Kuwait a uma solução no conflito entre Israel e Palestina, coisa que ,de
maneira alguma, interessava aos estadunidenses.
Paralelamente, os Estados Unidos temiam que o próximo alvo de Saddam
Hussein pudesse ser a Arábia Saudita. Assim como o Kuwait, a Arábia Saudita também
era credora do Iraque por conta dos empréstimos concedidos durante a guerra deste
contra o Irã e não havia aceitado perdoar a dívida. Temia-se, portanto, que Saddam
Hussein buscava solucionar este problema também pela via armada. O temor se
mostrava justificável, tendo em vista o discurso hostil em relação aos sauditas adotado
pelo regime iraquiano a partir de então. Além da questão do empréstimo, nunca é
demais lembrar que a Arábia Saudita detém reservas enormes de petróleo, o que
sempre interessou a Saddam Hussein.
25
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria, 1999. p. 17
Fracassada a tentativa de solução do problema por vias diplomáticas, os
Estados Unidos buscaram apoio internacional numa eventual campanha militar contra o
Iraque. Uma enorme coalizão26, liderada pelos norte-americanos, foi montada, cujo
comando das tropas foi entregue ao general estadunidense Norman Schwarzkopf, Jr. O
Conselho de Segurança da ONU havia aprovado a Resolução 678, estabelecendo 15
de janeiro de 1991 como prazo para a retirada iraquiana. Não tendo sido cumprida, no
dia seguinte a coalizão iniciou a ofensiva contra as forças de Saddam.
Saddam prontamente lançou uma estratégia que entendia ser capaz de
desmontar a coalizão e equilibrar o confronto: atacar Israel. Ao disparar uma série de
mísseis contra Israel, Saddam tinha certeza que sofreria uma resposta rápida e
pretendia usar isso como trunfo. Pensava que isso tiraria os países árabes da coalizão
e traria os demais neutros para o seu lado, em mais um conflito entres árabes e
israelenses. A resposta de Israel viria, como previsto, mas os norte-americanos
pressionaram os israelenses a desistir do contra-ataque, garantindo que a coalizão se
encarregaria de defendê-los. Apesar de alguns problemas, a coalizão conseguiu conter
o bombardeio iraquiano e Israel não entrou na guerra. Assim, a estratégia de Saddam
fracassou e, então, o Iraque teria de enfrentar sozinho a guerra contra uma enorme
coalizão, muito mais avançada do ponto de vista tecnológico. Iniciava-se a Guerra do
Golfo27.
Em pouco mais de um mês, a coalizão logrou libertar o Kuwait do domínio
iraquiano, fazendo as tropas de Saddam se retirarem para seu país. Nesse momento, o
objetivo já não era apenas libertar o Kuwait. A ideia dos norte-americanos era, agora,
dizimar o exército iraquiano. Imediatamente, invadiram o território iraquiano e
continuaram o confronto, destruindo dezenas de blindados iraquianos. “Durante a
guerra, o alto comando dos Estados Unidos pregou uma abordagem direta à política
26
Trinta e quatro países fizeram parte da coalizão, vista como a maior desde a Segunda Guerra
Mundial. Destes, oito eram países árabes próximos ao Iraque: Arábia Saudita, Bahrein, Egito, Emirados
Árabes, Kuwait, Omã, Qatar e Síria
27
Por alguns, chamada de Primeira Guerra do Golfo, para diferenciá-la da invasão ao Iraque em
2003, que seria a segunda; por outros, chamada de Segunda Guerra do Golfo, pois a primeira teria sido
a Guerra Irã-Iraque.
iraquiana: matem o presidente do Iraque.”28 Pouco tempo depois, porém, a coalizão
suspendeu os ataques e um acordo de cessar-fogo foi negociado. A mudança de
postura seria entendida, mais tarde, como a visão dos norte-americanos que os custos
políticos, humanos e mesmo econômicos de derrubar Saddam Hussein naquele
momento seriam grandes demais.
Resumidamente, a entrada da coalizão na campanha do Golfo e sua rápida
vitória podem ser assim compreendidas:
Saddam teria se dado bem caso se apoderasse de apenas duas ilhas
desoladas, mas não de todo o emirado. Os Estados Unidos e a Inglaterra
jamais entregariam a hegemonia do Golfo ao Iraque. Ao tomar o Kuwait inteiro,
Saddam facilitou a tarefas desses dois países no sentido de unir o resto do
mundo contra ele. Foi, talvez, um dos maiores erros de cálculo, no plano
político, cometido por um líder desde que Hitler invadiu a URSS em 1941. 29
Saddam subestimou completamente a força da coalizão que estava a ponto de
o atacar. Pouco antes da guerra, apelou à solidariedade árabe a muçulmana e,
entre outras medidas, redesenhou a bandeira iraquiana, para nela incluir o
brado de união dos árabes: Allah Akbar – 'Deus é grande'. O Iraque gozava da
simpatia popular no mundo árabe, mas não contava com amigos poderosos. 30
Como resultado da rápida vitória da coalizão sobre as forças iraquianas,
protestos pelo Iraque logo estouraram. Curdos ao norte, xiitas ao sul, protestavam
contra o regime de Saddam Hussein. Isso porque,
[d]entro de algumas horas, o férreo controle de Saddam e do Partido Baath
tinha sido violentamente rejeitado. Para os milhões de iraquiano que
reencontram subitamente suas vozes, após anos de um silêncio aterrorizado,
era a 'intifada' – a insurgência.31
Os Estados Unidos optaram por não intervir no assunto, uma vez que os
protestos eram vistos como positivos pelos norte-americanos, que entendiam ser
melhor Saddam ser derrubado por rebeliões internas que pela força militar estrangeira.
Entretanto, Saddam Hussein prontamente tratou de reprimir as revoltas valendo-se de
extrema violência, em muitos casos, usando armas químicas para debelar as
28
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria, 1999. p. 44
29
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria, 1999. p. 98-99
30
Id., p. 19
31
Id., p. 26
hostilidades, como já havia feito anos antes contra os curdos e mesmo na guerra
contra o Irã. A partir de então, a questão das armas químicas seria o tema central do
conturbado relacionamento entre Estados Unidos e Iraque:
Na época da Guerra do Golfo, o mundo exterior tinha apenas uma vaga ideia
do objeto e sucesso do programa biológico de Saddam, o mesmo acontecendo
em relação aos esforços nucleares. […] Saddam jamais ousou empregar armas
químicas contra os aliados durante a guerra, possivelmente devido ao temor de
um retaliação na mesma moeda por parte dos EUA. 32
Com a vitória no campo de batalha, os EUA estavam decididos a impedir
Saddam de jamais voltar a ter condições de ameaçar a quem quer que fosse
com a destruição em massa, provocada por armas químicas, biológicas ou
nucleares.33
O Iraque foi alvo de sanções econômicas impostas pelo Conselho de
Segurança da ONU a partir da invasão do Kuwait. Essas sanções são importante parte
da relação entre Estados Unidos e Iraque desde o fim da Guerra do Golfo. Se, por um
lado, havia a suspeita sempre presente de desenvolvimento de programas de produção
de armas de destruição em massa, pelo outro, usavam-se as sanções econômicas
para pressionar o regime de Saddam. Essa dinâmica de imposição de sanções e
ameaças de uso de armas químicas ou biológicas mantiveram o relacionamento entre
Estados Unidos e Iraque tenso, porém relativamente estável durante a década de
1990.
Em 2000, George W. Bush foi eleito presidente dos Estados Unidos. Seu pai
havia sido presidente do país nos anos da Guerra do Golfo. O cenário de conflito com o
Iraque não era, portanto, novidade para Bush. O novo capítulo da história da relação
entre os dois países começou após os atentados de 11 de setembro de 2001. Como
consequência, Bush lançou a conhecida campanha da “Guerra Contra o Terror”. O
mote da campanha era derrubar governos hostis que apoiassem o terrorismo. Logo o
governo norte-americano divulgaria que a Al-Qaeda, organização militante islâmica
responsável pelos eventos de 11 de setembro, tinha conexões com o regime da
Saddam Hussein. Essa suposta ligação entre Saddam e grupos terroristas seria
suficiente para que George Bush tornasse o Iraque seu alvo prioritário.
32
COCKBURN, Andrew; COCKBURN, Patrick. Saddam Hussein: Renascido das cinzas. São
Paulo, Nova Alexandria, 1999. p. 107
33
Id., p. 108
Em 12 de setembro de 2002, George Bush, em discurso perante à
Assembleia Geral da ONU34, estabeleceu formalmente a derrubada de Saddam
Hussein do governo no Iraque como seu objetivo prioritário, caso este não abdicasse
de ações definidas pelos americanos como ameaças à paz. Um dos momentos mais
relevantes do discurso de George Bush é o seguinte:
We know that Saddam Hussein pursued weapons of mass murder even when
inspectors were in his country. Are we to assume that he stopped when they
left? The history, the logic, and the facts lead to one conclusion: Saddam
Hussein's regime is a grave and gathering danger. To suggest otherwise is to
hope against the evidence. To assume this regime's good faith is to bet the lives
of millions and the peace of the world in a reckless gamble. And this is a risk we
must not take.
Delegates to the General Assembly, we have been more than patient. We've
tried sanctions. We've tried the carrot of oil for food, and the stick of coalition
military strikes. But Saddam Hussein has defied all these efforts and continues
to develop weapons of mass destruction. The first time we may be completely
certain he has a -- nuclear weapons is when, God forbids, he uses one. We
owe it to all our citizens to do everything in our power to prevent that day from
coming.
The conduct of the Iraqi regime is a threat to the authority of the United Nations,
and a threat to peace. Iraq has answered a decade of U.N. demands with a
decade of defiance. All the world now faces a test, and the United Nations a
difficult and defining moment.
É com esse fundo histórico que chegamos hoje, em março de 2003. Os
Estados Unidos levam o mundo a crer que Saddam Hussein é um ditador cruel, que
busca desenvolver armas de destruição em massa como o objetivo de aterrorizar o
mundo. As tensões entre Iraque e Estados Unidos vêm crescendo bastante e o mundo
teme que uma nova Guerra do Golfo deve começar em breve. A única solução
enxergada por George Bush e seus aliados é derrubar o regime ditatorial de Saddam
Hussein e destruir o suposto arsenal químico e biológico nas mãos do presidente
iraquiano. Por outro lado, o cenário do regime iraquiano em 2003, conforme Tareq Aziz,
atual vice primeiro-ministro do Iraque, é o seguinte:
Saddam Hussein foi eleito pelo partido. A organização do partido é
democrática. Existem eleições com sufrágio secreto. Em todos os escalões do
34
O
inteiro
teor
do
discurso
pode
ser
encontrado
em
<http://georgewbushwhitehouse.archives.gov/news/releases/2002/09/20020912-1.html>. Acesso em 12 jan. 2014
partido até a liderança, a direção é oligárquica, que examina todas as questões
do estado. É essa direção que elegeu para seu comando Saddam Hussein.35
Não se pode falar de uma ditadura sem refletir nos bastidores históricos. A meu
ver, só há regime ditatorial nos casos em que a ordem democrática é destruída
por uma força que impõe o seu poder em todo lugar e sobre todos […]. Falar
do regime atual como sendo uma ditadura é uma perversão da verdade,
principalmente uma análise tendenciosa da evolução política e social do
país.”36
Os iraquianos amam Saddam Hussein porque ele é um líder justo e corajoso.
No Ocidente, quando uma personalidade é carismática, ela é eleita diversas
vezes.”37
Não há nenhum país na região que deseje uma agressão contra o Iraque,
mesmo aqueles que nos detestam. A Turquia e o Irã não desejam a agressão
americana, não mais que a Jordânia, aliás. Quanto aos kuwaitianos, não sei,
penso que a psicologia kuwaitiana é confusa.”38
Acerca dos embargos que são impostos contra o Iraque desde 1990, o cenário
é este:
O país ainda está sob o embargo. A partir de um recente relatório da UNICEF,
a mortalidade mais do que dobrou, fazendo pelo menos meio milhão de
vítimas. Desde a resolução 'petróleo por comida', o Iraque tem o direito de
exportar 5,2 bilhões de dólares por semestre. Esta soma foi elevada a 8
bilhões. No início de outubro de 1999, a alta do preço do petróleo bruto obrigou
a isso. Desta soma, 94% são imediatamente remetidos à ONU, para as
compensações da guerra para o Kuwait e o financiamento das missões da
ONU no Iraque.39
O povo iraquiano está habituado agora a viver sob o embargo, após um longo
período de adaptação e de dificuldades, o estado de choque foi atenuado. Há
uma estabilidade hoje e um crescimento contínuo, não em taxas muito
elevadas mas em ritmos regulares.”40
Convém ressaltar que, por mais que Aziz considere que o povo iraquiano já
está adaptado à vida sob embargo, como se vê acima, acabar com estes é,
claramente, objetivo chave da política externa iraquiana:
O fim do embargo é nossa missão prioritária. Ela está acima de tudo, determina
nossas relações internacionais e nossa ação interior. O embargo atinge nosso
35
AZIZ, Tareq, apud DENAUD, Patrick. Iraque, a guerra permanente: a posição do regime
iraquiano. Tradução de Maria Inés Menéndez. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003 p. 49
36
Id., p. 16
37
AZIZ, Tareq, apud DENAUD, Patrick. Iraque, a guerra permanente: a posição do regime
iraquiano. Tradução de Maria Inés Menéndez. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003. p. 51
38
Id., p. 153
39
DENAUD, Patrick. op. cit., p. 89
40
AZIZ, Tareq, apud DENAUD, Patrick. op. cit., p. 121
povo, em todos os aspectos de sua vida. Nenhum ocidental poderia viver como
vivemos.41
Quanto ao motivo da guerra, Bush deixou claro em seu discurso perante a
AGNU que se trata de acabar com a produção de armas de destruição em massa por
parte do Iraque. Essa visão não é, contudo, compartilhada por observadores árabes,
como se depreende dos seguintes trechos:
O Iraque possui a segunda reserva potencial de petróleo do mundo. A potência
americana quer explorar esse clima tenso para dominar o Iraque. É por isso
que se prega a mudança do regime. O regime iraquiano não tem nada a ver
com os atentados de 11 de setembro. Por que eles querem mudar nosso
regime? Para implantar um regime às suas ordens, um regime servil, satélite,
que lhes dará a oportunidade de impor o seu domínio econômico e político
sobre o Iraque.42
Segundo opiniões dos especialistas, estes gastos serão compensados pela
exploração e receita do tão almejado petróleo. Aí está a grande motivação da
guerra! É mundialmente sabido que os americanos são os maiores
consumidores desse mineral, e suas reservas em breve estarão esgotadas. Em
nome da democracia e com o intuito de libertar o Iraque, resolvem criar esta
nova ofensiva, apesar dos protestos mundiais.43
Nos últimos meses, o mundo assiste, apavorado, à escalada das
animosidades entre Iraque e Estados Unidos. Os países árabes, em especial, buscam
encontrar uma solução que impeça nova guerra na região do Golfo Pérsico, com mais
derramamento de sangue. Ultimamente, líderes dos países árabes estiveram reunidos
em Sharm el-Sheik (Egito), em cúpula da Liga dos Estados Árabes, para discutir uma
proposta do presidente dos Emirados Árabes no sentido de que Saddam Hussein fosse
para o exílio, como forma de tentar evitar a iminente guerra. Agora, poucos dias depois,
líderes dos países islâmicos (portanto, não apenas de países árabes) se reunirão em
Doha (Qatar), para novas discussões acerca da situação iraquiana, na esperança de
que uma solução pacífica seja encontrada.
41
Id., p. 87
42 AZIZ, Tareq, apud DENAUD, Patrick. Iraque, a guerra permanente: a posição do regime iraquiano.
Tradução de Maria Inés Menéndez. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003. p. 135
43 MOHAMED, Saidul Rahman. Apresentação. In: DENAUD, Patrick. Iraque, a guerra permanente: a
posição do regime iraquiano. Tradução de Maria Inés Menéndez. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003 p. X
5. Ditadura e Democracia: discussões teóricas e o caso iraquiano
Discussão conceitual: democracia
Ao se tratar de um conceito reconhecidamente polissêmico e subjetivo, não se
pretende aqui apresentar uma definição do que venha a ser “democracia”. Como tão
divulgado, o vocábulo surgiu na Grécia Antiga, e consiste na justaposição de “demo”
(povo) e “cracia” (poder), portanto: “poder do povo”, para os gregos, que com a filosofia
e o dito ‘início’ do pensamento racional ocidental deixaram um legado de reflexões
sobre formas de governo, um pontapé inicial no que ficou conhecido como “teoria
política clássica”. Traçando um panorama temporal, destacam-se tradicionalmente três
vertentes teóricas: a clássica, a medieval e a moderna.44
A Teoria Clássica - ou Teoria Aristotélica - define ‘democracia’ como forma de
governo baseada no exercício do poder a partir de todos os cidadãos. Apesar da
cidadania se expressar de maneira censitária nesse contexto, chama-se essa primeira
vertente de caráter democrático de “democracia direta”, essa se manifesta sem a
delegação de poder a outros, por meio de qualquer mecanismo legitimador, isso é,
todos se fazem presentes por si próprios em espaços de deliberação, sem a nomeação
de representantes.
A Teoria Medieval tem sua origem na Roma antiga, expressa como valor
fundamental a soberania. Há aqui duas concepções de entender essa soberania: a
primeira, concepção ascendente, afirma a soberania emerge do povo e se torna
representativo; enquanto a segunda, concepção descendente, afirma, por sua vez, que
o poder soberano deriva da figura representativa e por sucessão, chega a todos.
A Teoria Moderna tem como expoente fundador o pensamento de Nicolau
Maquiavel, principalmente em seus escritos na obra “Comentários sobre a primeira
década de Tito Lívio”45, livro no qual o autor esboça características de uma organização
social republicana que tem como referência episódios da história romana. Essa
44 BOBBIO, Norberto, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino; Dicionário de política tradução Carmen C.
Varriale [et al.] – 5ª Ed./ Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1993 [1983]. Pp: 319 – 323.
45 MAQUIAVEL, Nicolau. “Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio”. Tradução de Sérgio Bath
– 5ª Ed./ Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 2008 [1513].
vertente teórica tem origem com o nascimento do Estado Moderno, em que são
possíveis duas formas de governo, monarquias e repúblicas. A democracia seria uma
forma de república – em oposição à aristocracia – em que o Governo seria
“genuinamente popular” (BOBBIO, Norberto. 1993 [1983]. Ed.UnB; p. 320).
Conferindo a esse recorte um teor mais contemporâneo, apresenta-se o
“esboço de mapeamento das teorias democráticas atuais”
46
do professor Luis Felipe
Miguel, em estudo publicado na Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais (BIB) número 59, em 2005. Nesse artigo, o autor traça um panorama
das teorias da/sobre democracias utilizadas para explicar contextos políticos
atualmente.
Primeiramente, destaca-se a teoria liberal-pluralista, dentre toda a mais citada.
Essa corrente teórica expressa o que se passa nos sistemas políticos ocidentais, em
sua maioria. Os valores políticos que regem a democracia liberal pluralista são o zelo
pelas liberdades dos cidadãos – herança nítida do liberalismo; eleições livres e
existência de múltiplos grupos de pressão, o autor nota que esses, comumente se
organizam em coalizões, prevalecendo assim, a política na esfera institucional.
Em oposição ao liberal-pluralismo, existem algumas teorias que reproduzem
valores políticos bastante distintos. Como exemplo, apresentam-se as teorias
democráticas “racionais”, assim denominadas por Giovanni Sartori.
A teoria da democracia deliberativa, apresentada por Habermas, tem por ideal
que decisões políticas sejam tomadas mediante o consenso alcançado a partir de
discussão entre os cidadãos, pautado na igualdade do direito de participar. Já o
republicanismo cívico, teoria que visa “a revalorização da ação na polis e do sentimento
de comunidade” (MIGUEL, Luis Felipe. 2005; p.8), valores fortemente influenciados
pelos escritos de Hannah Arendt. Em contraposição à corrente liberal-pluralista, que vê
a ação política (participação) do cidadão como um instrumento para alcançar
interesses trazidos da esfera privada, o republicanismo cívico ‘revaloriza’ a participação
por entende-la como algo que dá sentido à vida do cidadão.
46 MIGUEL, Luis Felipe. “Teoria Democrática Atual: Esboço de Mapeamento” Revista Brasileira de
Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 59, 1.º semestre de 2005. Pp. 5-42
A democracia participativa tem por objetivo ampliar as esferas de participação
dos cidadãos na vida política da sociedade, para essa corrente, não basta a
participação política esporádica (como períodos de eleição programada). Para a
democracia participativa, é preciso que a ação política esteja presente cotidianamente
na vida dos cidadãos. Isso seria alcançado por meio da combinação de elementos
representativos presentes em contextos atuais.
Discussão conceitual: ditadura
Atualmente, a grande elasticidade do conceito de democracia dificulta a
definição de seus limites em relação ao de regimes ditatoriais, mas, majoritariamente,
entende-se que uma ditadura se configura quando, além de participação popular
ausente ou mínima, as funções legislativas e executivas se confundem na mesma
pessoa ou poder, sendo acompanhadas, às vezes, das judiciárias. Segundo Luís
Salgado de Matos, “[d]itadura seria, então, qualquer situação política que não
respeitasse a separação dos poderes da democracia parlamentar ou, mais
genericamente, da democracia representativa”.
As origens do conceito de ditadura remontam ao período clássico com o regime
de Péricles em Atenas e de César em Roma. O termo “ditadura” vem de dictator, que
provém, por sua vez, de dicere, que significa dizer com autoridade. Nesse sentido, o
ditador seria aquele com a função de levar determinada ordem política durante um
período de turbulência. Já se percebe, então, um caráter de excepcionalidade no
conceito de ditadura. Na Roma Antiga, o dictator era uma situação prevista e
organizada constitucionalmente como um Estado de Necessidade em que, frente a
urgência de se enfrentar uma ameaça externa, sacrificavam-se liberdades e garantias
individuais.
Jean Bodin, consagrado filósófo da Doutrina do Direito Divino dos Reis, já
desenvolvia a ideia do ditador em oposição à do soberano: enquanto o segundo traz
consigo a ideia de permanência, o primeiro é temporário. A ideia de personalização nos
regimes ditatoriais veio, principalmente, com o governo de 100 dias de Napoleão
Bonaparte, figura comparada pelos estudiosos aos ditadores romanos.
No século XIX, Augusto Comte soma ao conceito já consolidado a noção de
tecnicismo, formando a concepção de tecnocracia. Esse nova consideração, justificada
pela especialização do conhecimento daqueles que detém o poder, remete à ideia
platônica de Sofocracia, que significa governo dos sábios. Posteriormente, Karl Marx,
exímio sociólogo e intelectual, desenvolveu a ideia de Ditadura do Proletariado, que se
pretendeu concretizada no século XX com a tomada de poder na Rússia pelos
bolcheviques com a Revolução de 1917 e consolidada na União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas47.
Carl Schmitt, considerado um controverso filósofo e cientista político pelas suas
ligações com o regime nacional-socialista alemão, entendia que é no Estado de
Exceção que há a manifestação mais clara do Direito, pela sua capacidade de se
manter durante esse contexto de instabilidade. Nesse sentido, para Schmitt, Adolf Hitler
seria um dictator, já que, em tese, seu regime era legitimado pela Constituição de
Weimar.
Percebe-se, claramente, a polissemia dos termos ditadura e ditador, uma vez
que no rol de exemplos citados anteriormente estão governos e políticos
profundamente diferentes, da democracia ateniense ao totalitarismo nazifascista.
Contemporaneamente, compreende-se, além do já exposto, que a ditadura
configura-se pela imposição de um elemento permanente sobre os elementos
flutuantes da sociedade48. Consideraremos a ordem política como um triângulo
institucional49, sendo seus vértices as Forças Armadas, a Igreja e o Estado enquanto
instituições independentes. A Igreja tem, nesse sentido, um papel simbólico em sua
interação com a sociedade, construindo, nela, uma identidade. Por outro lado, as
Forças Armadas configuram-se sobre a ideia de segurança, sendo elas denominadas,
como explica Matos, como a instituição castrense do triângulo. O Estado é, por fim, a
ordem de reprodução econômica e biológica. Num golpe, vemos, nesse sentido, a
sobreposição de um dos lados do triângulo sobre os demais. Percebe-se, então, que a
47 O debate sobre o sucesso (ou falta dele) no projeto de implementação da Ditadura do Proletariado na
URSS é bastante complexo, e por isso não será abordado com profundidade nesse guia de Estudos.
48 MATOS, Luís
49 MATOS, Luís. Formas de Estado e Forças Armadas: presidente, chefe de governo, assembleia e
instituição castrense.
instituição que direciona a ruptura da ordem alinha as outras duas de modo que não se
configure um desequilíbrio no triângulo. Mantendo os três vértices em harmonia, há
espaço para a estabilização da ordem política instaurada.
Observa-se, então, um profundo déficit de legitimidade, já que a harmonia
instalada é artificialmente criada, e esse aspecto tenta ser acobertado pelo grupo
dominante no poder. A restrição à alteração da representação política também se torna
evidente.
Guillermo O’Donnel, Juan J. Linz e Alfred Stepan desenvolveram seus estudos
sobre regimes ditatoriais e os organizaram em subclassificações50: o regime totalitário,
o regime autoritário, o regime pós-totalitário e o regime sultanístico. No primeiro, não se
tolera o convívio de bandeiras ideológicas diferentes e, muito menos, divergentes,
havendo, então uma dissolução do pluralismo político. Além disso, existe uma teoria
holística emanada pelo Estado e as instituições a ele aliadas e associações que são de
caráter compulsório aos cidadãos. O regime autoritário, por outro lado, suporta uma
oposição controlada, existindo um pluralismo (extremamente) limitado, com ideologias
setorizadas. A mobilização política ainda, no entanto, é repreendida pelo grupo
soberano.
No sistema pós-totalitário a questão da oposição funciona da seguinte maneira:
há a tolerância a ideologias diferentes, sendo que a ideologia dos que detém o poder
tem uma menor adesão popular, mas o Estado tenta conservar um partido único. Já se
percebe a existência de associações privadas, ao contrário dos outros dois tipos de
regime e a liderança é mais burocratizada que carismática.
Por fim, em regimes sultanísticos, o chefe de Estado – sultão – decide se
haverá ou não pluralismo político e, nesse mesmo sentido, a ideologia dominante se
confunde com a pessoa do sultão. É observada uma baixa mobilização popular e a
liderança central é extremamente personalista e autoritária.
Ditadura iraquiana?
50 INZ, Juan J; STEPAN, Alfred C. Problems of democratic transition and consolidation: southern
Europe, South America, and post-communist Europe. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1996.
Do Ditador, essa é a principal alcunha que pode ser atribuída a Saddam
Hussein. Entretanto, cabe ressaltar que a ditadura atribuída a Saddam Hussein não foi
fundada por ele. Ele simplesmente se fez valer de todo um sistema político e social que
já propiciava certa centralização de poder. Coube a Hussein simplesmente se apropriar
de um sistema já existente para se perpetuar no governo.
Internamente Saddam se fez ser temido, combatendo com pulso firme seus
inimigos e, até mesmo, aliados, sempre em busca de mais poder. Ele se usava de toda
uma estrutura social que favorecia o combate entre clãs, tribos, e grupos religiosos
distintos. Durante um longo processo ele minou sistematicamente a oposição, e se fez
valer do aparelho estatal para se consolidar como líder único.
Além desse sistema, Hussein também contou com fatores que o ajudaram a se
manter no poder por tanto tempo. Um dos mais importantes desses fatores foi,
ironicamente, o apoio dos Estados Unidos. Em 1979 muitos acontecimentos mudaram
o cenário no Oriente Médio. Foi o ano de ascensão de Saddam Hussein ao poder do
Iraque, entretanto, sua influencia já era basilar para a maioria das decisões do governo
iraquiano. Foi basicamente uma formalização de seu poder. Houve a Revolução
Iraniana, que derrubou o Xá Reza Pahlevi, importantíssimo aliado norte-americano na
região, e ascendeu em seu lugar o Aiatolá Khomeini. O posicionamento iraquiano, já
conduzido por Hussein, de crítica da forma como se deu o processo, bem como a
condenação do ataque à embaixada norte-americana em Teerã, fez com que os
Estados Unidos voltassem seus olhos ao Iraque, onde encontraram um forte novo
aliado. Além disso, o posicionamento também contrário em relação à ocupação do
Afeganistão por parte da União Soviética fortaleceu ainda mais a aliança entre Iraque e
Estados Unidos.
Essa aliança se estendeu por anos, e ajudou o Iraque na guerra que foi travada
contra o Irã, entre 1980 e 1988. Aqui cabe ressaltar outro fator fundamental, e principal
para alguns, para a manutenção do Saddam Hussein no poder: o dinheiro do petróleo.
A enorme quantidade de petróleo existente serviu para financiar diversas ações
internas e externas, bem como a guerra Irã-Iraque. E esse recurso foi utilizado
exaustivamente, até a uma gota.
Após a guerra Irã-Iraque, Saddam voltou-se contra países que o haviam feito
empréstimos, uma vez que os recursos provenientes do petróleo não foram suficientes,
por si só, para pagar os custos materiais. Com essa impossibilidade de quitar suas
dividas, o Iraque se envolveu em mais um conflito armado, dessa vez contra o Kuwait.
A pesada derrota sofrida na Guerra do Golfo, uma vez que potências ocidentais
entraram no conflito no lado do Kuwait, desestabilizou internamente o governo de
Saddam, que nunca estivera tão perto de cair desde sua ascensão. Movimentos
internos passaram a combater as forças governamentais e, chegaram perto de obter
algum sucesso. Entretanto, as potencias externas, que combatiam Saddam no Kuwait,
se eximiram de intervir no conflito interno, e a repressão estatal foi desproporcional,
desmantelando qualquer suspiro revolucionário.
Apesar de derrotado na guerra, internamente Saddam continuava firme e forte,
principalmente depois da demonstração por parte das potencias ocidentais de que não
interfeririam na política interna iraquiana. Mas o país que antes conseguia se
desenvolver baseado no dinheiro proveniente do petróleo saiu muito enfraquecido
internacionalmente.
Ainda assim, houve força o bastante para a manutenção do governo, ou
melhor, da ditadura no Iraque.
6. Outra questão (sempre) pertinente: A Palestina
Desde 1948, quando da imposição do Estado de Israel no território da
Palestina, a população árabe vem sofrendo violências de todos os tipos em sua própria
região. O território da Palestina era mantido sob tutela do Reino Unido até que, com o
fim da 2ª Guerra Mundial, os britânicos saíram da região, passando a tutela do território
para a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). Através de seus órgãos,
em 1947 a ONU decidiu pela instalação de dois países no território: o Estado de Israel
e o Estado da Palestina. A posição dos países árabes da região, contrários à imposição
de um estado israelense que estava sendo feita, foi descartada.
Judeus de diversas regiões do mundo, por conta da perseguição sofrida
durante a 2ª Guerra, e ajudados financeiramente por seus iguais ricos, passaram a
ocupar o território que lhes foi cedido. Houve apoio maciço de potências ocidentais,
sensibilizados com a situação israelense, bem como com seus volumosos
investimentos ao redor do mundo.
A história que vem depois serve para mostrar o quão danosa foi essa
imposição para os países árabes da região. Diversos conflitos foram travados e,
sempre contando com o apoio irrestrito de Estados Unidos e Reino Unido, o Estado de
Israel passou a, sistematicamente, desrespeitar tratados que eram firmados, além de
invadir e tomar territórios que não lhes pertencem, assim como feito em 1948.
A superioridade militar e econômica, visto que toda e qualquer sansão aplicada
contra os israelenses era simplesmente ignorada, bem como a interferência externa,
quase sempre em favor do lado mais forte, gerou essa desproporcionalidade de Israel
com os demais países da região.
Os países mais próximos, geograficamente, do território da Palestina, são os
que mais têm sofrido, ao longo dos anos, com a presença israelense na região. Síria,
Egito, Líbano e Jordânia, além, claro, do povo Palestino, conhecem a real faceta do
Estado de Israel.
Nos últimos anos tem sido observados avanços nos processos de negociação
de paz na região. Entretanto, cabe ressaltar que são avanços de soma zero. Enquanto
o Estado de Israel desempenha, midiaticamente, um papel de moderado, com
propostas para as negociações de paz, o povo palestino, ainda sem um Estado próprio,
continua sofrendo com as atrocidades que são cometidas. A presença de
acampamentos judeus dentro de territórios do futuro Estado da Palestina mostra o
descaso israelense para com a questão. Ou pior, visto que não se trata de descaso, e
sim de uma forma racional de ação, que visa à constante desestabilização dos árabes
na região.
Acordos de paz como os Acordos de Oslo, bem como o de Camp David II,
ambos descumpridos pelos israelenses, são grandes ofensas a toda a população
árabe, e a toda população muçulmana. Grande parte dos conflitos hoje existentes na
região foram gerados, ou agravados, com a criação do estado israelense
Com o fracasso anunciado dessas negociações de paz que visam favorecer
somente um lado, o Estado de Israel voltou a mostrar sua real natureza. No ano
passado foi anunciada a construção de um Muro separando Israel e o território da
Cisjordânia. Absurdo semelhante já foi realizado na fronteira de Israel com a Faixa de
Gaza, e sabemos qual lado mais perdeu nisso. A construção desse muro fere tratados
internacionais em quase todas as áreas, e demonstram que, quando não alcançam
seus objetivos, o uso desproporcional da força é sempre o primeiro recurso a ser
utilizado pelo lado israelense.
O contexto de hostilidade é tão absurdo que Estados Unidos, Rússia, União
Européia e ONU vem trabalhando na tentativa de construir mais uma proposta para
negociação da paz na região, enquanto o Muro continua sendo construído. Além de
separar Cisjordânia de Israel, ainda há a pretensão de cercar a cidade de Jerusalém,
importante para diversas religiões Ainda não há maiores informações, mas elas podem
chegar a qualquer momento.
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