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HOMEM, ANIMAL DE DUAS CABEÇAS
GALENO PROCÓPIO M. ALVARENGA
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Esse livro faz parte do acervo de publicações do Psiquiatra e Psicólogo
Galeno Alvarenga. Disponibilizamos também a versão impressa, que
pode ser adquirida através do site do autor.
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Publicações do Autor
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Testes Psicológicos
Medicamentos
Galeria de Pinturas de Pacientes
Vídeos / Programas de TV com participação de Galeno Alvarenga
Tags: Cérebro e Mente, Comportamento / Condutas, Desenvolvimento Cognitivo / Cognição, Educação e Conhecimento, Emoções Sentimentos Controle,
Informação Linguagem e comunicação, Livros Neurociência, Livros Online
Grátis, Livros Psicologia, Livros Psiquiatria, Memória e Indivíduo, Neurotransmissores, Percepção Estímulo, Sinapses, Sistema Neural Neurônio, Sistema
Sensorial
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Índice
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Introdução
Introdução
Explicações das explicações
9
Compreendendo os fatos e as pessoas: Nosso Processador de informações
16 O Homem em Ação
22
26
30
35
38
42
48
57
63
71
Organismo e início da vida
Estudando cientificamente o cérebro
As explicações das ciências
O aparecimento dos seres vivos
Organismo: O Homem
Nascimento do Bebê: Primeiros contatos
O Cérebro antigo e a evolução
Interocepção: Constância do Organismo
Ser vivo e Meio Ambiente
Ser vivo: Ruídos e desorganizações
Duas faces: mecanismo interno x externo
78
84
91
94
96
100
106
110
117
Organismo: Evolução e genes
Evolução
Seleção e Evolução: Modos de reagirao Meio
Evolução: Início e Datas
Os grandes primatas africanos: Nasce o homem
A notável mudança
Genética: Genoma, Genes, Transcrição
O Genoma e Genes
Genes: informações e conduta
Gene e conduta: Psicobiologia
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3
126
130
133
138
Sistema neural
Informação Neural: unidade do SNC
O organismo após o nascimento
A viagem dos neurônios iniciais
Por que envelhecemos?
Sistema sensorial
144 Sistema sensorial
151 Operação, diversidade e tipos dos receptores
155 Os Sentidos químicos
166
168
176
183
187
196
199
201
207
210
214
Sinapse e plasticidade
Plasticidade: O papel das sinapses neuronais
Instalação de sinapses
Remodelação do sistema nervoso
Modificações de circuitos encefálicos: neuroplasticidade
Períodos críticos
Plasticidade de sinapses e circuitos maduros
Percepção, estímulo e cognição
Um pouco acerca da percepção
Especulações acerca da percepção
Filtros da mente: A censura interna
Recepção de estímulos
Processos mentais x rotina mental: (Cerebelo, Gânglios Basais e Hipocampo)
Memória
222 Introdução à memória
224 Classificação: Tipos e subtipos de memória
226 Duas grandes classes de memórias: Origem do conhecimento memorizado
227 Categorias qualitativas da memória humana: Declarativa e procedimento
231 Categorias temporais de memória
233 A memória de trabalho
239 Acerca da memória autobiográfica
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246 Memória autobiográfica e outras
250 Objetivos e Memória
256 Memória e Esquecimento: doenças e envelhecimento
Cognição
260 Conhecimento adquirido: Aprendido, secundário
263 Cognição e Córtices Associativos
268 Um espaço especial para os cortices pré-frontrais: Dorsais e Laterais
Adendo
278 Uma síntese dos sistemas neurais
281 Estruturas básicas: funções essenciais (regiões cerebrais importantes)
292 Algumas subdivisões do Sistema Nervoso Central (snc): A MELHOR,
VOCÊ ESCOLHE
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Introdução
Quando estudava Medicina já era um curioso acerca do funcionamento do cérebro. Assim, ao me formar em Medicina e, posteriormente,
em Filosofia, trabalhei nos primeiros anos de minha vida profissional
na área de psiquiatria e neurologia. Estudei como um burro, mas, aos
poucos, notei que pouco ou nada compreendia a respeito do funcionamento de meu cérebro.
Às vezes, deixava, por algum tempo, meus estudos, pois continuava um
ignorante quase-perfeito a respeito dessa área. Teimoso, retornava à
procura desse conhecimento que me atraía. Sempre, depois de esforços prolongados, eu continuava ignorante quanto ao meu (meu principal objetivo) e o seu cérebro.
Muitas vezes pensei em desistir do estudo, mas o desânimo era seguido por impulsos para aprender. Eu insistia. Lia e lia; quase nada era
compreendido acerca do funcionamento de meu cérebro e, evidentemente, do dos meus amigos, familiares e, por que não, de meus inimigos que começavam a aparecer e, aos poucos, foram aumentando.
Depois de muitos anos de idas e vindas interrompi meu estudo desiludido. Entretanto, sem querer e sem notar, a partir da ‘Década do Cérebro’, retornei minhas leituras. Li alguns artigos, ocasionalmente, sérios
e compreensíveis. Esses textos realmente forneciam alguma luz ao desejado. Mais animado, voltei à caça.
A partir da nova safra de conhecimentos notei que todos os que escreviam anteriormente sobre o cérebro pouco ou nada conheciam; davam
palpites, especulavam, pois as opiniões dadas não se assentavam em
pesquisas bem elaboradas. Percebi, ainda, com alguma alegria, que eu
não era o único a não entender nada acerca desse maravilhoso órgão
que nos comanda.
Somente há mais ou menos vinte anos que as principais revistas de
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Medicina e Biologia do mundo começaram a despejar sobre os leitores
curiosos textos acerca de pesquisas mostrando a anatomia e as funções de diversas regiões do encéfalo. Os estudos mais bem elaborados
só começaram a aparecer há quinze anos, a partir do aparecimento
de técnicas bastante diferentes dos chamados “testes psicológicos” e,
também, dos estudos usando pacientes neurológicos, bem como as
observações feitas em animais portadores de lesões cerebrais propositadamente provocadas.
Foi aí então que surgiram as primeiras pesquisas fazendo uso da TEP
(Tomografia por Emissão de Pósitrons), da TFRM (Tomografia Funcional
por Ressonância Magnética), do exame do fluxo sanguíneo em regiões específicas do cérebro e, ao mesmo tempo, tarefas para provocar
medo, alegria, raiva, previsões, felicidade, etc., nos sujeitos examinados.
Esse livro nada mais é que um livro que eu, como leitor, gostaria de ter
encontrado para comprar. Escrevi, para mim, uma série de idéias lidas,
resumidas, reunidas e organizadas de certo modo peculiar. É claro que
dei uma melhorada para publicá-lo.
Li, cuidadosamente, reli e resumi textos diversos sobre esse assunto
durante alguns anos. Foram lidos e relidos algumas dezenas de livros
sobre o assunto e, principalmente, centenas de artigos modernos escritos pelos grandes pesquisadores desse assunto no vasto mundo de
Deus.
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Explicações das explicações
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Compreendendo os fatos e as
pessoas: Nosso Processador de
informações
Muitos imaginam o ser humano (modelo antigo) como dotado de diversos compartimentos psíquicos isolados ou em comunicação: mente, alma, razão, sentimento, consciência, instinto, ego, id, superego e
muitos outros nomes. Isso não foi dado pela natureza. Cada um desses
conceitos mostra uma acentuada tendência explicativa nossa e, ao
mesmo tempo, esconde o caráter especificamente funcional do que
chamamos “psique“, razão, “alma”, “mente” ou qualquer outro nome
semelhante. Esses termos nos levam a pensar em algo em repouso,
uma idéia de substâncias. Não é bem assim; há uma interação constante das partes do organismo e desse com o meio ambiente (outras
pessoas e coisas).
Portanto, a conceituação da informação depende da maneira pela qual
organizamos o universo em nossa mente, do princípio (paradigma) que
usamos ao formular nosso modo de adquirir o conhecimento. Há várias maneiras de olhar e organizar os “fatos” do universo e o princípio
da organização deste varia, portanto, do intérprete e, muitas vezes, do
momento. A organização do universo realizada por intermédio de nossas abstrações (nosso conhecimento) varia de cultura para cultura e de
pessoa para pessoa; o mundo do psiquiatra é diferente do mundo do
matemático.
O modo com que organizamos os fatos torna-se, portanto, o modo
como nós o compreendemos. Nossas construções mentais, nossas teorias, baseia-se em fatos, pois são eles que nós desejamos explicar. Entretanto as construções apresentam uma independência da realidade,
isto é, elas têm uma vida própria; ao propor inter-relações entre pessoas ou objetos, as teorias vão muito além dos fatos. A maneira usada
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para organizar e explicar os dados acabam por criar uma nova “realidade”, e fazer esses modos descritivos tão convincentes que torna, muitas vezes, difícil refutá-los, mesmo quando claramente verificamos que
estamos diante de informações contraditórias; muitas inexistentes.
O homem e suas relações com outros: o meio
ambiente já interpretado
Uma das condições fundamentais da existência humana é a presença
simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas. Isoladamente uma
pessoa seria, na melhor das hipóteses, um animal humano selvagem,
pois poderia crescer fisicamente, mas em sua composição mental e ou
psicológica permaneceria como uma criança de poucos anos de idade.
Nós, os gerados no século XX ou XXI, ao nascer, somos atirados, sem a
nossa escolha, num ambiente social interpretado de certo modo. Uma
vez fazendo parte desse ambiente, o indivíduo começa a se relacionar
com as coisas e pessoas que encontra conforme certos princípios ou
normas ali plantadas há muito tempo. Portanto, querendo ou não, as
interpretações existentes acerca do mundo e relações, com seus princípios implícitos, são impressas em nossa mente, para sempre, segundo
as regras usadas por uma determinada cultura ou comunidade.
Nascida sem nenhum conceito, sem nenhuma regra cultural ou educacional, a criança vai se habituando com as crenças vigentes e, sem
outras para comparar, passa a achá-las corretas. Às vezes, mas nem
sempre, pode acontecer que a crença, antes aceita sem crítica, se torna
problemática; nesse caso aparece a dúvida, a partir da entrada de crenças antagônicas.
A vida: a crença e o pensar
Considerando a crença como uma convicção profunda e que nos fornece grande segurança (sem justificativas racionais), podemos deduzir
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que, enquanto crê, o homem não precisa pensar, pois ele não tem dúvida acerca do que crê. O surgimento da incerteza irá obrigá-lo a isso.
Por conseguinte, quando o homem perde suas crenças, pois elas não
mais conseguem explicar o encontrado, o homem pensa, medita, especula. Nesse momento, diante da incerteza e falta de compreensão dos
fatos, o indivíduo procura, através de nova explicação (novo princípio,
paradigma, modelo), colocar ordem ao ambiente causador do problema surgido.
Desprovida da crença, ao promover um novo arranjo ou ordem na sua
arrumação do ambiente, e ainda, caso a nova composição ou organização dos fatos seja inteligível para a pessoa, esta se acalma; sua mente
retorna ao estado anterior de segurança ou tranquilidade, agora apoiada em novo modelo.
Assim vivemos: dançamos de um estado estável e seguro (organização
e equilíbrio) para um instável (desorganização e desequilíbrio) e retornamos à tranquilidade. Isso ocorre sem parar; caso a pessoa pense
mais e tenha menos fé. O pensar (bem como a fé) seria então um método que o homem usa para tornar efetivo o seu ajuste intelectual com
o meio ambiente externo, ou mesmo interno. Esse processo é, muitas
vezes, não uma “arrumação” concreta do ambiente, mas sim, uma
reorganização mental, cognitiva, isto é, do novo modo de organizar as
coisas. O uso de um modelo pode nos acalmar e nos estacionar; um
outro pode nos excitar e progredir.
Esta adaptação mental (boa ou má, certa ou errada) ao meio é uma
necessidade imperiosa para se poder viver. Desde cedo o homem se
preocupa com o saber quem ele é, como ele deve se situar no meio
das coisas e, principalmente, das pessoas.
Na vida da humanidade e de cada homem em particular, assistimos
períodos de relativa calma, estagnação, com aceitação do modo de
conceber a “realidade”, e outras fases carregadas de questionamentos.
Portanto, as certezas que adquirimos quanto ao arranjo do mundo vaVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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cilam, variando de indivíduo para indivíduo, de época para época.
O modo comum de representar a ligação entre as noções teóricas (nosso mapa mental criado) aos procedimentos observáveis (o território
focalizado) consiste no uso de modelos ou interpretações. O vocábulo
modelo tem sido usado nas ciências conforme a idéia de “configuração”, idealizada para representar, de forma simplificada, algo que tenha
uma estrutura complexa, conservando os aspectos selecionados importantes do que se busca representar. Os modelos simplificam a teoria
configurada, reduzindo-a a seus traços mais notáveis, conforme o desejado. Os modelos podem, mais facilmente, ser submetidos aos testes
empíricos (pesquisas) que a teoria global.
As explicações
Ao explicarmos algo, deixamos de lado vários aspectos do objeto a ser
explicado e, ao mesmo tempo, selecionamos outros por nós escolhidos; jamais daremos uma explicação plena. Portanto, nunca teremos
uma explicação da conduta correta e para sempre. O sonho, ou fé, de
uma descrição correta não existe nas ciências. A ciência é um projeto
em constante desenvolvimento sem jamais atingir a plenitude do conhecimento. Um trabalho científico sempre critica o outro e, fatalmente, será criticado por outros e outros; não haverá nenhum certo para
todo o sempre. Apesar desse conhecimento básico nós continuamos a
explicar, pois esse é um dos objetivos da ciência; assim as explicações
proliferam e morrem.
Sendo função, “ela” (a alma, a consciência ou outro nome qualquer) se
dirige constantemente para outras pessoas e coisas, pois tudo que fazemos (nossa conduta) visa a alguma coisa. De outro modo, os processos no interior do nosso organismo buscam modos de se auto-regular,
isto é, a função básica de todas as partes do organismo sempre inclui a
pessoa (ela mesma, a que atua) em relação a outras pessoas e a outras
coisas. Do mesmo semelhante, o estômago age em relação ao organismo, bem como o coração, pulmão, rins, etc., isto é, todos os órgãos
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do organismo. Também, o que chamamos de instintos ou inconsciente
constituem uma forma específica de auto-regulação em relação a outras pessoas e coisas; existem órgãos e funções que servem para manter e reproduzir (através do acasalamento) o próprio organismo.
O ser humano nasceu de elementos do mundo exterior e é organizado como parte de um mundo exterior maior; relaciona-se com esse
mundo de várias formas, seja diretamente na conduta, como todos os
outros animais, seja de forma simbólica (sua diferenciação mais fundamental das outras espécies). Diferente dos outros animais, ele tem
maior flexibilidade devido ao maior aprendizado armazenado, pronto
para ser usado e, também, passado para outras pessoas, como faço
aqui. As funções psíquicas do homem são construídas, em grande parte, pelo alimento social bem ou mal assimilado.
O homem está mais liberto do controle rígido dos mecanismos dos
genes, isto é, dos caminhos organicamente prescritos. Não devemos
depreciar nem exagerar o poder dos genes (o pangeneticismo) e, também, não dar crédito ou ter fé exagerada no culturalismo (o antigeneticismo). As duas posturas são correntes antagônicas levando à mesma
atitude simplista, exprimindo a realidade de modo singularmente superficial e inadequado.
Pode-se imaginar a mente (geneticamente humana) através das relações entre os indivíduos e os fatos ou situações, entre cada um e seu
ecossistema. Neste, como é bem conhecido, alguns grupos, ou pessoas, conquistam o monopólio da violência; outros da intelectualidade;
outros ainda do poder; da arte; da força física; das armas; da alienação;
das drogas; do “show” (cantores, comediantes, esportes); dos bens e
valores sociais. Vivemos nesse meio complexo; dependemos dele.
Afirma-se que todos os nossos pensamentos e conceitos são evocados
por experiências sensoriais e só têm significado com referência a elas.
Por outro lado, no entanto, os pensamentos ou conceitos são produtos
de atividade espontânea de nossas mentes, isto é, não são sensoriais.
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Assim, nossa fala não mantém relação lógica criteriosa com os conteúdos das experiências sensoriais. Portanto, se quisermos apreender a
essência de um complexo de noções abstratas, nós devemos, por um
lado, investigar as relações mútuas entre os conceitos e as afirmações
feitas a seu respeito e, por outro lado, investigar como essas noções
abstratas se relacionam com as experiências vivenciadas (reais ou sensoriais).
De acordo com essa idéia, percebe-se que os sem-terra, aqui no Brasil,
também têm suas explicações do seu movimento; no século XXI invadem terras e destroem plantações, matam gado; rápidos e felizes por
cumprirem um desígno ou vontade (propósito, intenção) mais alta.
Depois de expulsos de um lugar invadem outros: o INCRA, o Banco de
Brasil, os laboratórios de genética. Eles agem sonhando com o Nirvana:
um mundo utópico onde só existem homens bons, naturais, sem distinção de classes, puros, ainda não corrompidos pela sujeira do homem
das grandes cidades. Suas ações no campo e na cidade são muito mais
simbólicas que reais.
Chegam, quebram e preparam a terra para o plantio; eles sabem que
sairão de lá antes de colher qualquer cereal “plantado” de mentirinha.
Subjacente à realidade agressiva, entre eles habita a paz, a irmandade
unida que “sabe” o que deseja. São todos bons para os irmãos da luta;
vivem para um sonho: salvar os homens desse planeta do pecado da
desigualdade, da injustiça, das contaminações desse mundo de doentes. Tornaram-se os novos deuses. Os sem-terra imaginam realizar um
movimento que mudará o mundo para um outro melhor. Tudo parece
simbólico: a pregação da missão celestial através dos discursos inflamados e os rituais que lembram Jesus no templo investindo bravamente
contra os negociantes. Eles, como Cristo, imaginam poder salvar o homem perdido no inferno e no pecado. Unidos a outros homens santificados como eles, salvarão a humanidade.
Dentro do cosmo geral as pessoas, com seus genes específicos, criam
seu cosmo particular que molda os que aí nascem e crescem. Toda
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sociedade, como cada organismo individual, é muito firme e muito
elástica; no seu interior se abre um espaço para as decisões individuais
(ordem e desordem). Quando os poderes são muito desiguais, grupos
fracos no meio dos fortes, os sem-poder passam a ter uma margem
reduzidíssima de mudança no todo social por absoluta falta de oportunidade e, assim, não podem se desenvolver, ou só podem através de
ações anti-sociais do ponto de vista da estrutura vigente (bandidos ou
chefe deles), se consegue agir significativamente. O resultado indivíduo
x sociedade depende do que vem de fora e do que vem de dentro. Somente assim esse grupo consegue agir significativamente..
O novo mundo imaginado será governado pelos mais fracos, os injustiçados, os pobres e iletrados, isto é, pelos homens simples. Segundo
suas concepções, são esses puros, os que ainda não foram maculados
(poluídos) pela ambição, desonestidade, falsidade e outras mazelas dos
impuros e ricos. Coitados! Não sabem o que dizem; uma vez no poder
todos eles serão picados pela mosca azul. Em pouco tempo, irão apresentar os mesmos sintomas, as mesmas “doenças” que tanto combatem.
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O Homem em Ação
Enquanto vivo o organismo dos animais está sempre ativado; pronto
para receber estímulos e para dar respostas a essas informações. Nós
nos movimentamos continuadamente, caminhando numa ou noutra
direção. Portanto, um animal encontra-se, enquanto estiver vivo e sem
doenças graves, alerta e atuando em alguma coisa e de algum modo.
No homem, sistemas cerebrais, situados na região subcortical do encéfalo (abaixo do córtex), trabalhando em parceria com substâncias
chamadas de neurotransmissores e peptídeos (serotonina, dopamina,
oxitocina, endorfina, etc.), têm um importante papel nesse estado
corporal de vigilância constante. Durante as doenças mais graves geralmente há uma diminuição desse estado tido como ótimo; todo animal
busca aproximar-se do padrão conhecido.
O homem, quando caminha para seus objetivos (aproximar ou fugir),
automaticamente, visa a atingir um retorno ao estado corporal de equilíbrio, de bem-estar, de sossego possuído por ligeira excitação. Portanto, nossas ações (condutas, inclusive as especulativas) visam a reduzir
desarmonias ocorridas no organismo, isto é, eliminar as perturbações
corporais provocadas por problemas externos (uma briga ou um encontro muito esperado) e ou internos (uma dor, a fome, um problema
a resolver). Assim é que uma pessoa, uma vez ativada pela fome, age
procurando, ao se alimentar, retornar ao estado anterior de saciedade
(calmaria).
Os eventos provocadores de desarmonias corporais, internos e externos, são causados por diversos motivos. Entre esses fatores desequilibradores encontram-se os aspectos fisiológicos como o sono, a sede,
sexo, o mal-estar devido ao cansaço físico e os determinantes mentais
e emocionais, por exemplo, problemas para resolver (estresses variados).
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Mas interna e profundamente há ainda outros fatores que podem desarmonizar o organismo, como, por exemplo, as pressões para que nosso “eu dever” (“eu obrigação”; tenho que fazer isso ou aquilo) aja de
modo a ficar de acordo com as regras sociais (preciso ir ao velório; ao
casamento). Por último, existem também as pressões internas (intenções) para se chegar a um ponto ou outro determinado (vou escrever
um livro; farei o vestibular).
O organismo irá restabelecer o equilíbrio (bem-estar) caso ele inicie
uma atividade em direção à meta imaginada e comece a perceber que
tudo indica que o pretendido vai ser alcançado. Assim, uma vez iniciada a caminhada, mesmo antes de conseguir o desejado, como, por
exemplo, passar no vestibular, ou falar com a vizinha adorada, a tranquilidade vai retornando.
De outro modo, as pessoas, periodicamente, percebem ou sentem
– consciente ou inconscientemente -, num certo momento, sinais corporais brandos ou intensos, com respeito ao funcionamento do organismo (intestinos, respiração, batimentos cardíacos, contrações musculares, etc.). Estas pistas aparecem devido a estímulos internos como
sede, sono, frio etc., e, também, emoções como a raiva, o medo, a
alegria, diante de frustrações, perigos, atrações. São esses fatos, monitorizados pelo organismo, que levam o indivíduo a agir; faz parte desse
processo a produção de emoções, positivas ou negativas.
Estamos, a todo o momento, empurrados pelas desarmonias caminhando na direção de uma ou outra meta. Os desequilíbrios iniciais
provocam primeiramente mudanças corporais físicas, químicas e biológicas e, posteriormente, quase instantâneas, no homem, surgem as
desarmonias psicológicas e cognitivas.
As emoções produzidas durante as desarmonias, boas ou ruins, funcionam como “controladores de qualidade” do sistema individual, isto é,
como sinais indicadores da tomada da decisão. A qualidade avaliada do
estado corporal (somática e mental) nos orienta que caminho deverá
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ser escolhido para conseguirmos o desejado (as motivações), isto é,
nada mais que um ponto mais próximo possível do padrão fornecido
pelo sistema de referência do indivíduo. Por exemplo, após agir e retornar a calmaria: “Comi o que queria”; “Falei com ele tudo que necessitava”; “Estudei como imaginei”; “Arrumei a namorada ideal”.
Todas as nossas ações, sejam puramente instintivas e/ou biológicas,
bem como as de níveis mais elevados, como as cognições sofisticadas,
são construídas para minimizar ou, se possível, eliminar as discrepâncias e o mal-estar que as acompanham, conforme o modelo preferido
“eu ideal” da pessoa e das regras do seu “eu dever”.
Mesmo quando procuramos, por exemplo, assistir um filme ou ler um
livro que nos assusta, carregado de cenas tristes, chocantes, de fato
estamos nos desequilibrando em uma área, – as cenas do filme ou livro – e nos re-equilibrando em outra, induzidos por impulsos internos
biológicos de exploração, de esperança, de pequenas auto-excitações,
de identificação com um ou mais personagens. Nesse caso podemos
sentir as emoções vividas pelos personagens (chamadas de emoções
vicariantes), ficarmos mais animados e alertas; em resumo, somos levados a um estado mais agradável que o tédio antes existente. Além
disso, ao assistirmos o filme, acalmamos ao ficarmos ligados a algum
personagem com o qual formamos laços afetivos, também com outras
pessoas que também assistiram ao filme e, talvez, com as quais talvez
discutamos o visto ou lido.
Podemos afirmar que uma pessoa age – movimenta-se – para “ser” o
que ela necessita ser conforme seu organismo biológico e os padrões
do seu “eu ideal” e do “eu dever”: “como estou agora”, “como gostaria
de estar” e “como devo me comportar”. Resumindo, citando uma frase
já transcrita em diversos lugares, de Kierkgaard a Mac Luhman: “Nós
caminhamos para o futuro, orientados pelo nosso espelho retrovisor”.
A mente ajuda o organismo biológico a alcançar o estado desejado. A
escolha da conduta deriva do desenvolvimento da pessoa, principalVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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mente, com a assimilação da cultura e de pressões psicológicas, além
das forças biológicas. Geralmente denominamos de “homem civilizado” aquele que consegue exercer um poderoso domínio sobre seus
impulsos biológicos conforme os padrões culturais.
No início da vida o ser humano recém-nascido funciona munido apenas
da memória genética (inata). Aos poucos ele adquire novos conhecimentos através de experiências singulares vividas no mundo exterior.
Assim, lentamente, vamos aprendendo novos fatos e muitos desses
são armazenados e formam novas memórias, muito diferentes das iniciais. Desse modo, o cérebro inicial da criança ao nascer vai se transformando num outro diferente do anterior (plasticidade neural).
O aprendido é transferido e armazenado para nosso sistema de memória (autobiográfica; que diz respeito a nossa história de vida) e aí
permanece disponível para ser ativada (usada) e, assim, ajudar o “eu”
em ação da pessoa para analisar, avaliar, julgar e comparar as situações
vividas com as experimentadas no momento.
Durante esse aprendizado armazenamos fatos, eventos e teorias acerca
de valores, isto é, o que é importante para a pessoa: profissão, dinheiro, religião, droga, sexo, etc. Esses objetivos possíveis passam a ser
buscados e, naturalmente, deixa-se de lado outros objetivos que se
tornam de menor importância.
Os valores cognitiva e culturalmente aprendidos, uma vez buscados e
ou alcançados, geralmente produzem também emoções. A execução
da meta cognitiva (relacionada ao pensar), anatomicamente, encontra-se ligada às antigas regiões encefálicas produtoras das emoções (subcorticais).
As emoções, subjacentes às cognições, sendo geradas pelas estruturas e circuitos biológicos do organismo, geram energias necessárias
às ações. Se anestesiarmos, ou também no caso de lesões graves em
certas estruturas cerebrais encarregadas de determinadas emoções, o
organismo, sem senti-las, não agirá. Nesses casos o organismo não reVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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ceberá informações (sinais corporais) para provocar a conduta exigida.
Também, o mesmo acontece, em grau menor, caso a pessoa use, exageradamente, ansiolíticos, álcool, etc. O uso dessas drogas, bem como
de outras, pode provocar modificações nas sensações e sentimentos e,
portanto, menos variedade de ações mais sofisticadas.
Parece que a produção de dopamina, que geralmente facilita a liberação de endorfinas, bem como de outros peptídeos e neurotransmissores, nos leva a ficar tranquilos (bem-estar corporal), como, por exemplo, após o término de uma ação esperada (o fim da prova, o término
da ginástica). Pois bem. Relatos mostram que o viciado em heroína ou
morfina, que tem ações semelhantes às endorfinas existentes em nosso organismo, após o uso dessas substâncias, praticamente não se movimenta. Ele passa a não dar respostas aos eventos desorganizadores
do meio interno (isolamento, frio, fome). Sob o efeito dessas drogas, o
indivíduo entra num estado de calma absoluta (Nirvana), sem desejos,
sem ações; ele se torna imune aos eventos possíveis de criarem desarmonias internas.
Pesquisas mostram que a estimulação elétrica de algumas regiões cerebrais desperta o organismo à ação, fazendo com que ele fique eufórico;
a mesma estimulação, feita em outra região cerebral, leva o animal a
tentar fugir das estimulações por serem elas desagradáveis.
Para terminar, procuro nesse livro mostrar como diversos setores
anatômicos do cérebro (gânglios, circuitos, neurotransmissores, hormônios, neurônios, etc.), em conjunto, trabalham para movimentar
o organismo, fugindo do “trombadinha”, indo ao encontro da amada,
realizando a prova do concurso, frequentando a Igreja, vibrando com
uma partida de futebol, chorando a perda do ente querido, bem como
tudo o mais que fazemos até que a morte nos leve.
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Organismo e início da vida
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Estudando cientificamente o
cérebro
Felizmente, apesar dos pesares, a história sinistra do cérebro, com respeito à explicação de seu funcionamento, mudou para melhor. O campo da neurociência, após um longo período de quase-estagnação, novamente abraçou a emoção, entre outras áreas, como uma importante
região para pesquisa. O progresso desse campo foi gerado, em parte,
na área das emoções, após estudos sobre o medo e, especialmente, do
medo condicionado. Essas pesquisas colocaram a amígdala (região do
cérebro relacionado ao medo) como um componente importante; tudo
faz crer que sua importância foi até exagerada. Outros progressos surgiram a partir do conhecimento dos mecanismos celulares e moleculares que estão subjacentes ao condicionamento do medo.
As pesquisas cerebrais
As pesquisas no cérebro, mais recentes, especificamente, de quinze
anos para cá, quando elas se tornaram muito mais ativas e sérias, agora têm sido referidas como parte da neuropsicologia, da ciência cognitiva, da psicobiologia e, principalmente, da neurociência. Os estudos
do cérebro se tornaram muito mais bem elaborados nos últimos anos
em virtude do avanço de novas técnicas de neuro-imagens, tais como
a ressonância magnética (IRM) ou (MRI) em inglês, e a tomografia por
emissão de pósitrons (TEP) ou (PET) como sigla inglesa. Desse modo, os
neurocientistas têm sido mais capazes de localizar funções específicas
envolvendo pensamento, percepção, linguagem, imagem mental, memória e outras habilidades. Muito mais tem sido aprendido, por outro
lado, acerca do papel dos neurotransmissores em nossa vida.
A cada ano, novas técnicas dessas derivadas surgem e melhoram as
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possibilidades da coleta de dados antes impossíveis. Além disso, novas
tarefas são inventadas pelos pesquisadores para ativar uma ou outra
zona cerebral: filmes com cenas eróticas, observações de filmes acerca
de catástrofes ou de cenas leves ou alegres; participação em jogos nos
quais há ganhos e perdas de dinheiro; relatos de casos onde se pede
aos sujeitos para lembrar e descrever casos vividos com emoções alegres, tristes, de medo, raiva, e outras, pedidos para tentar controlar,
através de pensamentos, as emoções que foram anteriormente ativadas; fazer contas simples e complicadas, etc.
Ao mesmo tempo em que se pede ao sujeito “normal” da experiência
(ou a um paciente neurológico ou psiquiátrico) uma ou outra tarefa,
através de técnicas de neuro-imagens sofisticadas, os examinadores
colhem mudanças (disfunções) em diferentes áreas cerebrais.
Outros estudos utilizam técnicas diferentes. Certas regiões do cérebro
humano, as denominadas de subcorticais (localizadas abaixo do córtex), são muito semelhantes às regiões subcorticais de outros mamíferos. Por isso, essa pesquisa pode ser realizada com cérebros de animais
que não o homem: ressecção de uma ou outra área; uso de uma ou
outra droga que pode ativar ou desativar essa ou aquela região (cocaína, cafeína, crack), etc. Também se estuda o funcionamento cerebral
dos animais durante a realização de certas tarefas exigidas pelo experimentador, como, por exemplo, a capacidade para adiar o fim de uma
tarefa para conseguir um alimento de melhor qualidade (uma ração
mais apreciada) e numa quantidade maior.
Desse modo, muitos e muitos enigmas anteriores têm sido decifrados
ou, pelo menos, parcialmente esclarecidos. Assim, não em definitivo,
funções do cérebro normal do homem; dos cérebros “anormais” de
pacientes psiquiátricos (depressão, esquizofrenia etc.); de idosos sadios
e com doenças cerebrais (Alzheimer – demência ou caduquice), Parkinson (dificuldades musculares e depressão, relacionados ao neurotransmissor dopamina), Huntington (um tipo de Coréia devido à mutação
genética), Síndrome de la Tourrete (tiques nervosos) e outros, hoje são
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mais bem conhecidos.
Além disso, tem sido mais bem esclarecido o cérebro dos indivíduos
impulsivos, como de diversos criminosos, dos viciados em drogas,
bem como as lesões e áreas dos usuários dessas drogas, tanto dos que
assim nascem (anti-sociais desde o nascimento), como dos que adquiriram a personalidade anti-social em virtude de acidentes cerebrais,
tumores, alcoolismo, drogas e outros fatores.
Essas pesquisas citadas acima se somam a outras, como, por exemplo,
as que tentam esclarecer como tomamos decisões; como deciframos a
face de nosso interlocutor; porque temos lapso de memória; de onde
vem a “preguiça”; a indiferença aos sofrimentos alheios que levam alguns a matar o próprio pai, mãe.
Mas tem mais. O estudo moderno e sofisticado do cérebro tem permitido localizar funções específicas do cérebro envolvendo o pensamento, a linguagem, a percepção, as emoções, memória e outras habilidades. Muitos desses estudos têm sido esclarecidos através da melhor
compreensão do papel dos neurotransmissores, tais como serotonina,
dopamina e outros.
Tudo isso e muito mais tem produzido na mente dos investigadores
da neurociência uma nova visão acerca do homem. A partir desses estudos, um ser humano mais real e menos mítico começa a aparecer e
vai, aos poucos, deixando para trás o antigo homem formado não por
pesquisas científicas, mas sim por especulações religiosas, filosóficas,
psicológicas e culturais.
Há, por outro lado, críticas a esse novo campo de estudo, de como reconciliar a possível contradição entre a imensa riqueza das experiências
subjetivas do homem, incluindo o autoconhecimento, e as explicações
científicas puras acerca das funções cerebrais baseadas nas novas técnicas e nos estudos com outros animais além do homem.
Mas tudo indica que esse caminho não tem retorno. Essas pesquisas
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têm germinado e produzido novas especulações e progressos. Tudo
isso destrói antigas e duradouras crenças plantadas há muitos anos no
fundo de nosso cérebro plástico.
Parece que as novas idéias em efervescência continuarão a dar frutos.
Por tudo isso, elas deverão mudar a antiga maneira de julgar, comparar
e avaliar os comportamentos dos nossos amigos e inimigos.
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As explicações das ciências
As entidades do mundo provocam padrões de energia que alcançam os
órgãos sensoriais. A informação detectada e captada nesses padrões
pelo sistema nervoso central vai construir um modelo (parcial) dos
fatores ou entidades provocadoras da mensagem que alcançou o organismo. Alguns teóricos acreditam que toda informação que é necessária choca-se contra o sensorial; outros acreditam que a recuperação do
“mundo” depende, em grande parte, do conhecimento à priori, isto é,
anterior a esse estímulo.
A ciência moderna baseia-se em experiências mais estritamente controladas; ela precisa de fatos para construir suas teorias, isto é, sensações para dar origem às abstrações ou simbolismos. A maior parte do
equipamento usado pelos cientistas visa a eliminar fatores estranhos
ao que se deseja observar, focalizando apenas os de interesse da pesquisa.
Ocorre que, distraidamente, a ciência esqueceu que o homem é, ele
próprio, um estranho. Essa “descoberta” recente colocou todos os outros conhecimentos sob suspeita, pois o encarregado da pesquisa, o
cientista, o explicador das explicações, não é bem conhecido. Portanto,
o executor da investigação é um fator estranho à pesquisa; um ruído
importante capaz de prejudicar a informação contida na pesquisa. Assim, a presença, durante a investigação, do cientista fatalmente poderá
falsificar, em parte, os dados observados. Em resumo: a disposição natural (tendência) espúria do pesquisador irá influenciar o que se quer
selecionar, organizar e estudar, contaminando, portanto, o resultado
obtido.
Somente agora, pouco mais de quinze anos, a ciência começou a demonstrar maior respeito pelo homem que executa a ciência, isto é,
pelo que acontece dentro da mente do experimentador realizador da
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pesquisa. Portanto, só recentemente a ciência começou a tentar explicar o realizador e explicador da experiência.
Apesar desse alerta, os olhos da ciência continuam a perscrutar friamente as experiências de laboratório como se essas pertencessem a
Ets, a seres de outro mundo, que não o nosso ou, de outro modo, livres
dos fatores que nos forçam a pensar e a agir conforme somos, isto é,
como seres humanos. O que o cientista observa na pesquisa, como
qualquer homem, sempre será alterado pelo seu modo de pensar e de
emocionar-se durante o desenrolar de seu trabalho.
Somos todos assim. O espírito que está por trás dos olhos, supostamente frio e imparcial, na verdade está nervoso e tenso diante de cada
nova observação. Durante seu trabalho nascem emoções, imagens
mentais e pensamentos: “Penso que estou descobrindo um fato notável! Meu trabalho chamará a atenção de toda a comunidade científica.
Viva!”. Mas os pesquisadores da mente dos pesquisadores ainda pouco
conhecem do autor da pesquisa do homem; dele mesmo.
O físico atual faz coisas mais valiosas que o alquimista “fabricante” do
ouro dos bobos e, também, descobre fatos antes profetizados. Contudo, não vai muito longe; nem mesmo a ciência pode penetrar muito na
natureza. O pesquisador “penetra” apenas nas idéias ou representações produzidas por seu cérebro; só lhe resta trabalhar com a “natureza” observada e imaginada e não com a natureza que existe independente da atividade humana.
As concepções do homem são limitadas ao que lhe é revelado pelos
seus sentidos. A verdade, pragmaticamente considerada, é o que pode
ser provado. Agora, vivendo distante do Iluminismo, percebe-se que o
homem é, por natureza, limitado em demasia. Ele é incapaz de construir uma teoria integral da realidade. Este era seu sonho.
Vivendo na corda bamba, sem terra firme para pisar, os cientistas tendem a considerar a verdade como um conglomerado de coisas (fatos
reais, possíveis de serem observados), sobre as quais podemos ter
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idéias. Mas, se a verdade somente existe no plano material, de onde
vêm nossas idéias que examinam as coisas? Do reino das ilusões? Precisamos explicar a gênese das idéias dos homens e de cada um deles.
Por tudo isso, a neurociência, criada há pouco tempo, tenta buscar
algumas respostas para esse desconcertante e estimulador quebra-cabeça.
Acredita-se que toda a alegria e a finalidade de viver é experimentar a
realidade. Os intelectuais que fogem da realidade têm todo o direito
de criticar essa crença, pois eles são exemplos dos que vivem fora do
mundo real. As crianças, ligadas ao real, sabem muito bem que viver é
conviver e, por isso, talvez, vivam mais alegres e felizes. O sentimento
de uma criança sobre a vida é mais imediato e efêmero – semelhante
aos outros animais – quanto a própria vida; o menino não precisa, e
nem quer, saber que um dia morrerá.
O cérebro: algumas explicações
O estudo do cérebro encontra-se dentro dos erros terríveis (falsa
aprendizagem) realizados pelo homem “cientista” de uma época, das
grandes lideranças das culturas européias e asiáticas. Tudo indica que
ainda continuamos utilizando as explicações das condutas humanas
nos baseando em premissas, paradigmas, crenças falsas e estranhas
passadas de cabeça em cabeça, acerca da conduta humana, principalmente, da função do cérebro e sua relação com a conduta. O comando
de nossas ações já foi colocado, segundo famosos sábios, nos ventrículos cerebrais, na glândula pineal e no coração. Ainda presos a idéias
muito e muito antigas, continuamos a dar explicações mágicas, superficiais, enganadoras e simples acerca da função do encéfalo.
Ao depararmos com um viciado em drogas, nosso filho, irmão, pai,
amigo, sempre nos vem à cabeça a pergunta: “Porque e para que essa
conduta?”, “Que explicação se tem para isso?”
As respostas são muitas, a maioria baseada em deduções de princípios
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falsos, pois são os fundamentos aprendidos cedo que dirigem a aquisição dos posteriores e, como a maioria dos iniciais é equivocada, os
posteriores, neles plantados, serão, também, falsos. Kant, a muitos e
muitos anos, disse, o que repetimos constantemente: “Pau que nasce
torto, torto crescerá”. Logicamente, o resultado será uma tolice assentada numa lógica defeituosa, pois partiu de uma afirmação não comprovada, apenas idealizada.
Num artigo do jornal do Estado de Minas, recolhi parte de um texto,
“Crimes em família”, escrito por um professor de ética e doutor em
comunicação. O artigo, a princípio sério, bem escrito, após descrever
alguns dos crimes em família, principalmente dos pais, quase no seu
final, deu “explicações” acerca dos motivos para isso: “Não quero julgar ninguém. Mas meu “feeling” profissional indica a presença de um
elo que dá unidade a esses dramáticos episódios: a ausência de afeto
verdadeiro. Desequilíbrios e patologias independem da boa vontade de
pais e filhos. A regra no entanto mostra que o crime hediondo costuma
ser o fecho de um silogismo que se fundamenta nas premissas do egoísmo e da ausência. A desestruturação da família está, de fato, na raiz
da tragédia…”
Paro aqui; não vale a pena prosseguir.
Não basta boa vontade e entusiasmo para explicar; é preciso, pelo menos, saber que não conhece, ser mais humilde ao emitir uma opinião
(uma intuição adivinhatória), sem nenhum respaldo científico. As explicações que começaram tímidas, aos poucos, ganharam força devido à
crença do autor sobre suas especulações. De observador neutro, o articulista tornou-se um pregador, conhecedor da verdade e da conduta
certa. Deu no que deu!
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O aparecimento dos seres
vivos
Aparecimento da vida
A Paleontologia, a Antropologia, a Paleoantropologia e a Pré-história,
bem como outras ciências do homem, nos ensinam que a vida nem
sempre existiu, e mais, sabemos que a organização do Universo nem
sempre existiu.
A matéria manifestou-se de um caos primordial e, sem um nome melhor para dar, essa explosão tem sido chamada de “Big Bang”. Muitos
criticam essa idéia e, pior ainda, todos sabem que este é um péssimo
nome, mas acabou por cristalizar-se. Da explosão inicial originou-se,
pouco a pouco, tudo que existe no Universo. A expansão continua com
uma velocidade 15% mais rápida do que a iniciada há quinze bilhões
de anos atrás. Os produtos reconstruídos dessa explosão inicial são
bilhões de corpos celestes: estrelas, planetas, cometas, luas, etc., incluindo aí, naturalmente, nossa galáxia, contendo o planeta Terra entre
milhões de espécies já existentes. A maioria das espécies produzidas
pelo Universo não resistiu ao meio ambiente; entre as que sobreviveram encontra-se o homem, a barata, lagartixa e milhares de outros que
você conhece.
Antes da explosão
Alguns decretam que Deus criou o mundo; outros, que ele não teve
começo e sempre existiu. O bigue-bangue (“big bang” em inglês), há 15
bilhões de anos, foi a explosão primordial claramente detectável hoje,
pois o Universo está ainda hoje se expandindo e encontra-se preenchido por uma incandescência de calor irradiante. Mas porque detonou
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o bigue-bangue? “Deus estava, antes, preparando o Inferno para os
perguntadores”. Agostinho de Hipona. Com o bigue-bangue surgiu também o tempo; não há nenhum antes. Por que o tempo foi, subitamente, ligado?
Há muitos eventos físicos do dia-a-dia que não possuem causas bem
explicadas; são os do ramo da física quântica. Esses eventos ocorrem
principalmente no nível atômico; nós não os percebemos no dia-a-dia. Na escala de átomos e moléculas, não valem as regras habituais
de causa e efeito, que fazem parte do nosso senso comum, de nossas
intuições; assim, como não conseguimos explicar com nossos conhecimentos mínimos, imaginamos que o fato não podia ter existido.
Ele é substituído por um tipo de anarquia ou caos, e as coisas acontecem espontaneamente – sem razão específica. As partículas de matéria
podem pipocar do nada, inesperadamente, e depois sumir de modo
igualmente abrupto. Ou, ainda, uma partícula pode se materializar em
outro local, ou inverter a direção de seus movimentos. Acontece que
essa incerteza não resulta apenas de nossa ignorância das pequenas
forças e influências que atuam para fazer isso ou aquilo; ela inerente à
natureza, um aspecto básico da realidade quântica. Portanto, o melhor
é imaginar que antes do bigue-bangue não existia e nem aconteceu
nada. Estamos conversados.
Após a explosão
No início havia “quarks” (partículas elementares), depois átomos, mais
tarde, compostos físico-químicos. Ainda não haviam sido formados os
vegetais e animais.
A antiga distinção entre a matéria inerte e viva está chegando ao fim.
Na Terra, da matéria inerte existente, por motivos aleatórios e ainda
não esclarecidos, surgiram os seres vivos. Estes foram construídos com
alguns poucos elementos do mundo físico, entretanto, estão organizados de maneira bastante diferente das chamadas substâncias físicas.
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A vida, portanto, nasceu da matéria e todos os seres vivos que existem
ou existiram pertencem a uma só árvore genealógica; sua filiação tem
recebido o nome – de grande parte dos cientistas – de “evolução”. Para
alguns religiosos o mundo foi criado por Deus, por desejos ainda não
claramente conhecidos, daí o nome de “criacionismo”.
Se adotarmos a explicação científica como princípio do Universo, sabemos que a couve, a bananeira, a pulga, a aranha e o homem, bem
como as rochas e as terras (local onde nascem as plantas) são todos
formados por átomos facilmente identificáveis pelos químicos. As moléculas biológicas (diferentes de outras) ou moléculas gigantes, como
as proteínas, agrupam, de certo modo, milhões de átomos (basicamente C, N, O e H).
Um organismo, qualquer que seja ele, uma vez formado, trabalha para
sua manutenção e reprodução. Verificou-se que certos aminoácidos, os
que dão origem às proteínas, podem ser facilmente formados quando
a energia elétrica passa através de uma simples mistura de gases. A
absorção ou a emissão de radiação faz com que os sistemas passem de
um estado a outro.
Os registros fósseis mostram que a Terra deve ter surgido há quatro
bilhões de anos. Os organismos vivos demoraram mais a aparecer.
Após a Terra ter surgido, por mais de três bilhões de anos, ela foi, inicialmente, habitada somente por organismos muito simples, como os
seres unicelulares que se assemelham às bactérias e algas. Portanto,
no início não havia vegetais nem animais; esses últimos começaram
a aparecer milhões ou bilhões de anos após o aparecimento de seres
unicelulares segundo a ordem: árqueo-bactérias e bactérias; aparecimento das algas azuis. Ao surgirem as algas azuis, houve a produção
de oxigênio que transformou a cor cinzenta da atmosfera para a azul
atual. Desse modo houve o aparecimento de diversas outras espécies
que utilizam o oxigênio para viver. Só muito mais tarde apareceram os
mamíferos e, finalmente, os homens.
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Os homens são os caçulas dessa sequência evolutiva. Segundo os estudos, após sucessivas transformações dos seres vivos, apareceram,
possivelmente, diversas espécies diferentes antes do nascimento dos
homens há cerca de quatro ou seis milhões de anos.
Agora, estuda-se em cada organismo como a matéria é composta e organizada de modo a dar origem à bactéria, à laranjeira ou ao homem,
ou a uma única célula.
Os diversos organismos vivos – farinha do
mesmo saco
Os seres vivos contêm informações ao nascer necessárias para realizar
as duas tarefas: conservação da vida e manutenção da espécie. Para
realizar essa tarefa (sobrevivência), os seres vivos dependem de suas
trocas com o meio. Uma vez formado, basicamente, o organismo trabalha para sua manutenção e reprodução.
Para realizar essas duas tarefas as células dos seres vivos contêm informações necessárias para a realização desses dois objetivos básicos que
orientam todas as condutas. Pois bem. Essas instruções estão escritas
através de um alfabeto composto de quatro letras: A, C, G, T (adenina,
citosina, guanina e timina). Cada letra é formada por uma molécula de
quinze átomos denominados nucleotídeos.
O alinhamento dessas quatro letras em uma ordem resulta nas “palavras”, que são os genes. Terminando o raciocínio: no núcleo de cada
célula viva existem várias dezenas de cromossomos (46 no homem),
onde cada um é formado por milhares de genes, ou seja, bilhões de
nucleotídeos, que, no total, englobam trilhões de quarks e de elétrons.
Existe uma sequência própria em cada indivíduo nessa construção.
Olhando por esse prisma (químico), as células vivas não passam de elementos químicos organizados de certa combinação, uma maneira única
de composição das substâncias. Por exemplo: entre os mamíferos há
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cerca de mais de duzentas espécies de células diferentes que, agrupadas de certo modo, originam as “palavras” cães, gatos, elefantes, etc.
Com o acréscimo de algumas variedades suplementares, não muitas,
englobamos todos os seres vivos da Terra: unicelulares, vegetais e animais.
Os seres vivos, para sobreviverem, dependem de suas trocas com o
meio ambiente. Através dessas trocas ocorrem transformações, evoluções e emergências. No começo houve formas de estruturas e comportamentos mais primitivos; esses modos rudimentares se desenvolveram, se enriqueceram e se diversificaram. Entretanto, jamais largaram
ou, se quisermos, livraram-se totalmente de sua origem.
O ser vivo é um ponto de troca; por seus orifícios, moléculas e fótons
penetram o alimento, a respiração, o calor, etc. A vida é um estado
excitado da matéria e sabemos que um átomo excitado transmite sua
energia para outro organismo, células ou átomos.
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Organismo: O Homem
Antes de tudo, para iniciarmos nossa caminhada pela estrada que nos
leva ao conhecimento de nossa mente ou, de outro modo, ao estudo
e compreensão de “nossa burrice”, temos que entender o que é um
organismo vivo qualquer, como o organismo da bactéria, roseira, capim
meloso, lombriga, escorpião, mosca doméstica, peixe, sapo, cobra e,
também, o nosso. O homem é uma mistura complexa de todos esses
seres vivos e mais alguma coisa.
Nossa espécie é uma entre várias, parte da natureza, com parentes e
ancestrais reconhecíveis. A linguagem é possível graças às estruturas
físicas do sistema nervoso humano, o qual nos permite ainda construir
imagens mentais do mundo. Isso ocorre também com os sistemas sensoriais de morcegos, sapos e cascavéis, cada um ligeiramente diferente
do outro.
Muitas vezes é possível descobrir o sentido de um termo procurando
seu antônimo. A natureza é frequentemente entendida como o oposto de cultura ou educação. Ora, como pode existir uma educação não
natural? As características da espécie humana que nos diferencia de
outras também têm sua base na natureza.
A morte de um pardal não parece trágica; ele deve ter vivido sua vida
mais integralmente. As tartarugas, logo que nascem, correm para o
mar onde terão de percorrer muitos mil quilômetros; sabemos que durante o percurso, do nascimento à vida adulta, a maioria delas morrerá.
O instinto leva a tartaruga para botar os ovos numa praia; o instinto,
por sua vez, conduz as crias para o mar longínquo.
Nossa vida, como é vivida, é trágica, muitas vezes, porque é irreal;
abandonamos nossos instintos, a parte biológica do organismo; não
tomamos conhecimento das pistas fornecidas pelos mapas cerebrais,
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do conhecimento inato e dirigido pelos genes (primeiro cérebro). O
homem possui dois cérebros bem diferenciados. Nós assimilamos, através de nossa natureza, pela aprendizagem, outras metas, bastante diferentes das “naturais” (segundo cérebro). Desprezando as orientações
corporais podemos nos apegar ao aprendido.
Entretanto, é impossível nos descartar inteiramente do natural, apesar
de acreditarmos que é possível estar fora da natureza, isto é, ficarmos
acima das contingências comuns; fugir das realidades naturais como
a doença e a morte. De certo modo, tudo é natural; se não fosse, não
existiria.
A natureza é contraposta, por muitos, com algo fabricado, um artefato. Mas para criar artefatos temos que trabalhar dentro das condições
naturais mesmo na produção de sonhos e fantasias. E, por sua vez,
muitos artefatos são chamados “naturais”, isto é, não influenciados
por atos humanos. Isso é quase impossível, pois as florestas (naturais)
atuais foram, em parte, influenciadas pela mão humana devido às
habitações pelas espécies de aves, insetos e plantas introduzidas pelos homens. A marca humana está em tudo, praticamente. A “comida
natural” é afetada pelo homem, assim como a maioria dos produtos
alimentares foi produzida por cruzamentos seletivos ao longo dos séculos.
A natureza não faz o trabalho para o fazendeiro “orgânico”. Sem a
invenção da agricultura, que substituiu a natureza primitiva, não teríamos o que comer. Da mesma forma, não estaríamos vivos sem as
técnicas médicas, saúde pública, imunizações: tudo isso bastante não-naturais. Também, o “parto natural” é, de fato, artificial, pois teve a
ajuda de técnicas médicas, hospitalares, aparelhagens, enfermagens,
luz, água pura da Copasa, idéias modernas de higiene, treinamento,
retaguarda para emergências, uso do relógio para contar as contrações,
etc. Também não são mais naturais, apesar de falarmos que são, o arroz, alface, tomate e a carne que comemos, e todos os outros nossos
alimentos. Todos esses comestíveis ditos “naturais” foram “cultivados”
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pela técnica humana não-natural (adubos, irrigação, etc.). As técnicas
foram aprendidas e são modificadas, de tempos em tempos, pelo homem através de sua história. Tudo isso é “não natural”, criado conforme a cultura do homem moderno.
O mesmo acontece com nossa casa, com os “remédios naturais” cultivados com técnicas modernas, a praia “natural”, o nudismo natural, o
sexo natural, tudo foi aprendido conforme os ensinamentos da cultura
onde vivemos; tudo foi arrumado, criado, inventado, para agradar os
que não suportam o “natural”, mas, através dos discursos, também
“não-naturais”, defendem o naturalismo. Somos muito engraçados.
O homem, como os outros animais, nasceu preparado para viver na e
para a realidade, para penetrar nesta, para entrelaçar-se a ela. Entretanto, devido ao aprendido através da cultura-educação, ele se recusa
a agir conforme foi preparado. Ele construiu um novo mundo para si,
uma nova natureza, muitas e muitas vezes, estranha ao mundo concreto e natural existente. Esse foi o grande desastre ocorrido com o
ser humano: a sua queda do paraíso (segundo cérebro: conhecimento
aprendido pós-natal).
Estamos aprisionados em duas poderosas vertentes: uma biológica
bastante abandonada, mas, querendo ou não, se constitui num formidável poder assentado há milhões de anos; uma outra constituída por
uma rede de idéias, princípios e deveres, que nos foram impostos durante nossa educação durante o pequeno tempo que passamos aqui na
Terra. Em alguns momentos essas duas forças trabalham em harmonia,
entretanto, em outros, as duas não combinam, uma sobrepuja a outra;
ora uma ganha, ora outra.
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Nascimento do Bebê: Primeiros contatos
Estímulos sensoriais e memória
Durante os últimos meses de sua vida aquática, o feto torna-se assustado quando a mãe fala. O que acontece é que a baixa frequência do som
provocado pela voz da mãe é transmitida através do corpo e do líquido
amniótico, que filtra a alta frequência. Esse som que viaja através do
corpo, e não do ar, vibra contra a boca, mãos e corpo do feto. Esta bem
sentida estimulação tátil – não auditiva – causa uma aceleração do coração e, em seguida, uma resposta exploradora quando o feto agarra o
que está flutuando (cordão umbilical e seu próprio dedo), sugando-os e
provando o fluido amniótico.
No estágio de desenvolvimento embrionário, a duração da memória
biológica não excede a poucos minutos, pois durante esse estágio do
desenvolvimento a memória existente é de curta duração. Portanto,
caso as emoções da mãe provoquem excitação no feto, assim que a
mãe se acalmar, o feto também ficará tranquilo.
O feto não pode armazenar memórias capazes de serem evocadas
através de palavras, pois, nesse período de vida, ainda não se acha
desenvolvida a memória semântica (composição, através de símbolos,
do percebido). Esta inicia seu desenvolvimento a partir dos dois ou
três anos de idade. Nós só lembramos e comentamos, mesmo assim
de forma rudimentar, eventos a partir desse período. A idéia de que
existe uma “memória fetal” capaz de ser recuperada mais tarde através
de palavras não tem nenhum suporte empírico, ou seja, é uma crença
idiota inventada pelo hemisfério esquerdo de alguns desocupados, isto
é, essa afirmação não é sustentada pelos conhecimentos científicos.
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Mais estranho ainda é a vida em outras épocas.
Nascimento
Morre um ser aquático expulso da vida intra-uterina, nasce uma criança desvalida, necessitando de extrema ajuda externa. O recém-nascido
esforça-se para sobreviver na atmosfera terrestre desconhecida: grita,
agita-se, chora, contrai-se, esperneia irado, chuta, agarra, solta, sofre,
parece não ter alegria. Tem fome e frio; busca calor humano. Expele
sobras desnecessárias; inicia, fora da proteção intra-uterina, uma jornada altamente estimulante, mas mais perigosa.
Estruturas neurais selecionadas pela evolução, juntamente com órgãos,
neurotransmissores, hormônios, peptídeos, canais, células, água, muita
água, sais, condutores, eletricidade, energia, tudo impele o recém-nascido para explorar o ambiente, informar-se acerca dele, aproximar-se
ou afastar-se de áreas do mundo onde foi arremessado e abandonado
à sua própria sorte.
É aceita a idéia de que o indivíduo entra no mundo equipado com um
conjunto rudimentar de estruturas genéticas e padrões neurais inatos, juntamente com programas de processamento de informações
rudimentares que, por sua vez, começam a desenvolver a relação com
o meio ambiente, conforme um curso genético controlado. Este programa inicial permite ao recém-nascido lidar, de forma adaptada, com
estimulações fornecidas por grande parte das informações as quais ele
está exposto; assim ele consegue sobreviver.
Primeiras condutas: relação mãe/filho
Para agir é preciso que haja um motor interno impulsionando a pessoa
para explorar ou investigar o ambiente externo e interno. O recém-nascido experimentará e avaliará o que lhe proporciona prazer ou
desprazer. A exploração do ambiente, caso provoque uma ansiedade
ligeira, agrada o organismo, entretanto, diante de grandes perigos, a
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ansiedade se torna desagradável e tende a provocar a fuga.
A criança é ativada internamente por necessidades básicas ou fisiológicas de seu organismo, como fome, sede, contato e segurança, mas,
também, exploração e curiosidade acerca do meio e a expectativa de
que as ações irão obter o desejado. Para isso, a criança movimenta-se
em direção às metas possíveis de produzir alívio às necessidades produtoras de desarmonias e sofrimentos.
Os recém-nascidos são atraídos pelas novidades do meio. Ainda muito
cedo eles começam a “explorar” o ambiente em busca de recompensas; nessa busca são ativadas suas “esperanças” de encontrar algo que
lhes dê satisfação, alegria ou felicidade. Durante suas explorações encontrarão também situações provocadoras de sofrimento; nesse caso,
seus organismos, automaticamente, produzem vocalizações (gritos,
choros, etc.) sinalizando pedido de socorro.
Os sinais que a criança possui ao nascer são poucos para indicar seus
desejos: ela olha, pega, chora, movimenta-se, engole, rejeita e excreta.
Meses após nascer, por não possuir ainda a linguagem simbólica usada
pelos adultos, ela não saberá explicar o que sente ou o que deseja através de palavras. Seu sofrimento é informado ao criador através da linguagem corporal, concreta e no presente, desajeitadamente e em bloco. A mãe, para entendê-la, precisa decodificar as informações usando
seu assimilador mental sem-palavras que pode ser ótimo ou péssimo.
O choro das crianças foi medido após o nascimento. Algumas choram 3
minutos por hora, outras, 20 minutos. A curva de choro cai no segundo
trimestre e torna a subir no terceiro. Os meninos que são mais cuidados e tocados fisicamente (abraços, contato com as mãos) durante as
interações dificilmente aumentam a quantidade de choro no terceiro
trimestre, enquanto os mais isolados choram mais.
A criança começa a mostrar seu modo de ser (temperamento) como
indivíduo diferente logo após o nascimento. Certos recém-nascidos
mostram-se alertas e cheios de emoções e vigor; eles entram facilVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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mente em contato com outras pessoas. Outros, por sua vez, exibem
tranquilidade e ordem, são mais fechados e mostram menos repostas
emocionais para seus criadores. Alguns bebês desistem facilmente
quando não conseguem produzir uma resposta esperada nas pessoas,
outros se esforçam e tentam inúmeras vezes antes de desistir. Os pais
que dominam seus filhos podem produzir crianças ansiosas e submissas, mas, também, filhos desafiantes e antagonistas; isso mostra que
essas diferenças dependerão do próprio estilo da criança ao responder
ao ambiente.
De um lado temos o recém-nascido com suas características inatas,
geradas por genes particulares e diferentes para cada indivíduo; de outro lado, há o externo à criança, a maneira como o mundo existe e vai
tratá-la ou estimulá-la.
Pesquisas modernas constatam que certos indivíduos são mais sensíveis que outros aos estímulos provenientes de uma ou mais fontes.
Assim, alguns são mais propensos a reagir com raiva a fatos insignificantes do meio; outros estão sempre atentos e supersensíveis aos
sorvetes e pudins e, outros, ainda, à presença de pessoas. Um estímulo
interessante e atraente para uma determinada criança pode não ser
um excitante para outra.
O estado do organismo, uma vez estimulado, fará com que ele responda a determinados estímulos sensoriais e não a outros, por estar mais
sensibilizado em virtude das alterações nos sensores capazes de gerarem respostas específicas e apropriadas à nova situação vivida. Se o
sistema receptor da criança estiver estimulado internamente com respeito à fome, seu organismo ficará mais atento à possível presença de
alimento no meio externo: a presença da babá, a geladeira, o barulho,
cheiro peculiar na cozinha. Do mesmo modo, a criança poderá estar
superestimulada com respeito à frustração, ficando desperta e atenta
aos estímulos irritantes. Os seres humanos não são máquinas orgânicas
que dão respostas constantes aos estímulos; eles respondem aos estímulos conforme esses são definidos e interpretados por ele.
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O Cérebro antigo e a evolução
Não podemos esquecer que o cérebro é muito, muito antigo mesmo,
pelo menos parte dele. Podemos pensar que as partes foram depositadas em sequência, como estratos geológicos. Carregamos lá no porão,
profundamente enterrados, abaixo da camada superficial do cérebro (a
que nos permite raciocinar), antigos e poderosos centros automáticos
de defesa: instintivo, motivacional e emocional.
Esses centros, prontos para entrar em ação, agem em paralelo com a
parte mais nova do cérebro (córtex cerebral), ou isoladamente. Em algumas ocasiões, quando somos surpreendidos com um acontecimento
muito desagradável ou agradável, somos pressionados a agir rápido,
portanto, não temos tempo para pensar. Quando tiramos a mão rápido
da chapa quente fazemos uso da parte antiga do cérebro, a parte que
compartilhamos com vários outros animais, como, por exemplo, os
répteis. Estes teriam mais ou menos a mesma conduta diante da chapa
quente.
É a região subcortical que nos comanda quando somos invadidos por
pura raiva ou paixão. Nesses casos, bem como outros nos quais ocorrem fortes emoções, partimos para a agressão violenta, o sexo animalesco, o medo, a esperança ou o pânico da separação, isto é, uma série
de condutas primitivas, ações que a região cortical (a mais nova, a do
pensamento ou raciocínio) não conseguiu exercer controle.
Muitas vezes, depois de um ato animalesco, retorna a calma. Só então
iremos criticar, para nós mesmos, a ação “não pensada” ou impulsiva.
Nesse caso, após o fato indesejado ser efetuado, nós deixamos de usar
a região subcortical e passamos a utilizar a região cortical do cérebro,
isto é, a relacionada às normas sociais, valores e outras regras aprendidas na cultura na qual fomos educados. Geralmente interpretamos
que os atos tomados no momento de grande emoção não pareciam ser
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nossos. Há certa razão nessa interpretação, pois as ações impulsivas
são estranhas à região que raciocina ou que pensa; elas fazem parte do
homem, do felino selvagem que nos habita.
Evolução do cérebro: nascimento do cérebro
selvagem
Os sistemas cerebrais primitivos dos animais foram construídos aos
poucos, não pela experiência ganha por cada organismo particular
durante uma vida. Eles foram mantidos durante a seleção natural em
função do chamado reforço embrionário, isto é, a expressão (a utilização) de condutas que ajudaram os indivíduos de uma mesma espécie a
sobreviverem. Entre as experiências vividas e conservadas pelo reforço
embrionário encontram-se os ataques ofensivos, fugas, vocalizações
(choro nos humanos) expressando sofrimento, a postura e sons indicando conquista ou poder, os jogos grosseiros, as atividades exploratórias em busca de alimento e parceria, o abatimento e a tristeza diante
da dor, a alegria ou esperança em alcançar o cobiçado, etc. Essas ações
permaneceram porque elas se mostraram úteis e necessárias à preservação do indivíduo e da espécie; todas elas são realizadas, fundamentalmente, através de regiões subcorticais, isto é, nosso cérebro antigo
(a nossa cabeça primitiva).
Fazem parte dessa antiga região a produção e liberação de certas substâncias químicas fundamentais para a execução e sensações de nossos
comportamentos (dopamina, serotonina, acetilcolina, adrenalina, etc.).
Essas unidades químicas informativas básicas fazem parte do organismo dos animais, inclusive de alguns vegetais. Elas estão associadas às
transmissões no sistema nervoso (cérebro/espinhal do homem), sendo
que algumas delas estão relacionadas às emoções. Esses neurotransmissores (substâncias químicas informacionais) são muito antigos, nos
reportando ao período cambriano iniciado há 570 milhões de anos.
Alguns acreditam que as moléculas transmissoras clássicas evoluíram
há um bilhão de anos.
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Essas substâncias básicas permaneceram fazendo parte de todos os
organismos atuais descendentes dos antigos; as novas formas de neurotransmissores nascidos através de mutações genéticas conservaram
as propriedades que antes elas já tinham: estimular, excitar ou inibir as
células vizinhas, ou seja, onde se encontram os receptores apropriados.
Animais superiores e inferiores
A classificação de animais em inferiores ou primitivos e superiores ou
modernos tem muito a ver com o desenvolvimento cerebral. Os mais
arcaicos tinham ou têm um cérebro mais simples, com funções muito relacionadas à sobrevivência. As antigas estruturas cerebrais dos
animais mais primitivos continuam a fazer parte do cérebro humano.
Essas regiões arcaicas cumprem as funções existentes nos animais mais
simples, como o equilíbrio homeostático, sexo, emoções, tais como
raiva, medo, expectativa e busca de proximidade com outros da mesma
espécie.
Nós, por sorte ou azar, não sei, somos a única criatura no Universo que
sabe o que o Universo foi, bem como as versões de nossa história; uma
tarefa executada pelo nosso córtex cerebral. Criamos, assim, diferentes
dos outros animais, uma segunda natureza (pensamentos sobre os fatos, ou seja, a nossa segunda cabeça) que é mais visível que a primeira
delas, a subcortical. Esta outra natureza permite à pessoa se tornar
mais diferenciada da outra, pois cada uma viveu num tempo e lugar
diferente, ou seja, receberam estimulações diversas, portanto armazenaram conhecimentos desiguais.
Uma galinha, uma barata, peixe ou percevejo, vivendo no Brasil ou na
China, tendo nascido nesse século ou há dez mil anos atrás, irá se expressar (falará a mesma “língua”) e, também, terá conduta semelhante
– não igual – a todas suas irmãs que vivem e que já viveram. Em resumo, o aprendido, produto de dotações genéticas, faz com que o memorizado e usado possa controlar, em grande parte, a primeira natureza,
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a que compartilhamos com diversos outros animais. Nós, seres humanos, numa época e outra, num país e outro, somos esculpidos por fatos
muito diferentes.
O uso de uma e outra parte do cérebro: subcortical e cortical
Existem duas maneiras, profundamente diferentes, de construir a casinha do João-de-Barro: a maneira seguida pelos Joões-de-Barro e a
humana. As diferenças aqui discutidas não dizem respeito à construção
melhor, isto é, acerca do produto final, mas sim às estruturas cerebrais
envolvidas no controle de um tipo e outro de construção. Um bom e
hábil observador, com um pouco de talento, poderá estudar o modo de
o João-de-Barro construir sua casa. A partir das observações poderá,
ele mesmo, reproduzir uma casa semelhante à construída pelo pássaro. Para isso precisará, além de habilidade, da terra certa e de água
adequada para fazer o barro. Assim, o curioso artista, através das mesmas etapas, fará uma casa semelhante ao modelo; poderá até enganar
o próprio pássaro.
Uma filmagem dos dois processos de construção, ocorrendo paralelamente, poderia nos levar a uma impressão de que estaríamos assistindo o mesmo evento duas vezes. O erro seria atribuir ao pássaro a
utilização de um tipo de processo mental que sabemos, ou que imaginamos estar em operação na mente do adulto construtor. Os processos
mentais para a construção irão variar muito conforme um e outro construtor.
O pássaro é (aparentemente) dotado de um conjunto de sub-rotinas,
numa certa época de sua existência, quando há determinada mudança química no seu organismo com o propósito especial de procurar o
barro adequado e, aos poucos, colocá-lo no lugar correto; todo esse
processo é comandado por instruções genéticas ditadas pela evolução,
até finalizar o projeto instintivo. A estratégia usada pelo homem é muiVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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tíssimo diferente.
Os sistemas de controle concebidos segundo o princípio existente no
cérebro do pássaro podem ser surpreendentemente eficazes – os ninhos do João-de-Barro, sabiá, ou de qualquer outro pássaro, afinal,
provam isso – mas ele será completado desde que sempre o meio for
simples e regular o bastante e, portanto, previsível para favorecer a
rigidez da pré-concepção de todo o sistema. O sistema biológico existente por trás das ações do pássaro trabalha com essa crença, apostando na verdade de que o meio será da maneira que precisa ser para
que o sistema funcione e a casa termine. Cada parte de seu cérebro
executa uma atividade que vai sendo somada até completar o todo que
é a casa.
Entretanto, quando há complexidade dos meios encontrados aparece a
imprevisibilidade, produzindo um problema mais grave. O pássaro esbarra com a dificuldade, geralmente intransponível para ele: é preciso
utilizar um outro comando cerebral que ele não possui; um comando
que concebe o problema de um modo diferente, um outro princípio de
concepção precisa aparecer na mente do construtor, o antigo não mais
serve.
O João-de-Barro não é possuidor de um cérebro que tem um outro
princípio de comando; o cérebro terá que trabalhar com conjuntos e
etapas interligadas, mantidas e disponíveis na mente a todo instante.
O homem, em outras palavras, tem um cérebro onde cada região trabalha associada a outras; ele tem um conhecimento total do projeto, o
quanto possível, para que a mente tenha a chance de agir de maneira
apropriada diante de obstáculos não previstos.
Voltando ao João-de-Barro, ele inicia a construção de casas respondendo a substâncias químicas determinadas injetadas no seu organismo,
independente de acasalamento ou não. Os chimpanzés, que observaram homens esquentando seus corpos diante do fogo, aprenderam
essa conduta e imitaram esses homens, os outros, que nunca viram e
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usufruíram o calor do fogo, temem este. Mas há duas maneiras diferentes de lidar com o fogo: a nossa e a dos chimpanzés.
O nosso cérebro tem o potencial de ser provido por representações
que não só retratam o meio ambiente externo, mas, também, que antecipa o resultado de nossas ações, que nos permite saber, com alguma
precisão, o nosso futuro. O cérebro antigo do João-de-Barro dispõe
apenas de circuitos automáticos, rígidos, utilizando velhas conexões
para resolver problemas práticos e usuais, não os aleatórios ou não
esperados. Eles não possuem meios de escapar do programado há séculos.
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Interocepção: Constância do
Organismo
A constância ou harmonia do organismo
Se por um lado o corpo e o cérebro interagem continuadamente entre
si, por outro, o organismo total (mente e corpo) interage, de forma
continuada, com o ambiente externo próximo. Qualquer ambiente, dependendo de sua importância para o indivíduo, num certo momento,
pode deixar sua marca no sistema nervoso do organismo de diferentes
modos: estimulando a atividade neural dos olhos (dentro dos quais
está a retina); dos ouvidos (onde se encontra a cóclea, órgão sensível
ao som); do vestíbulo (órgão sensível ao equilíbrio) e de milhares de
terminações nervosas da pele, gustativas, da mucosa nasal, da dor, calor, etc.
Os estímulos informativos, uma vez recebidos através dos órgãos
sensoriais, atravessam diversos núcleos do cérebro situados no setor
subcortical. Assim, o estímulo, uma vez captado, como a observação
da chuva que cai ou do sol que se põe no horizonte, viaja por diversas
regiões do sistema nervoso central antes de chegar ao seu ponto final
(não termina num local, pois a informação retorna aos pontos de onde
partiu): a parte alta do cérebro, isto é, os córtices cerebrais.
A informação, durante seu percurso através de diversas regiões do
sistema nervoso, poderá ser ativada, atenuada ou mesmo abolida e,
frequentemente, distribuída para outros núcleos no encéfalo. A informação (pôr do sol), uma vez tendo alcançado outras regiões, irá gerar
nessas outras ativações (informações) que, por sua vez, ativam outros
setores do organismo: centro emocional, sistema cardiovascular, gastrintestinal, urinário, muscular, atentivo e outros mais.
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É assim que a chuva que cai, ou o pôr do sol, atinge não só nossos
olhos, mas muito mais: a informação inicial – chuva – ao irradiar-se
por todo o corpo, pode – não obrigatoriamente – ativar os sistemas
emocionais, vegetativos, hormonais, músculo-esquelético, a cognição
(“Como é acolhedora essa chuva”; “Estou feliz, depois de apreciar o pôr
do Sol”).
Propositalmente, nos exemplos, terminei com a declaração do indivíduo acerca do percebido; uma opinião sua acerca da chuva ou do sol
que presenciou num fim de tarde. Essa ação, especificamente, a idéia
acerca do observado, recruta, como disse, os centros corticais, que,
por sua vez, recebem e enviam informações para as outras áreas do
sistema nervoso (vegetativas, musculares, emotivas, etc.). Portanto, o
trabalho final do recebimento do estímulo geralmente é uma síntese e
a identificação do evento observado, muitas vezes, mas nem sempre,
com a conscientização do fato presenciado.
O estímulo inicial que focalizamos provoca, como todo estímulo captado, inúmeras respostas. Estas podem ser lentas ou rápidas e fazer uso
de diversas estações/passagens apropriadas, cada uma delas capaz de
produzir funções diversas. Todo esse sofisticado mecanismo foi elaborado pela evolução para colocar o organismo preparado para decodificar e reagir aos diferentes estímulos que nos atingem continuamente.
A interpretação do estímulo (“Como é bela a chuva”) – ponto final da
estimulação – é uma atividade dos córtices sensoriais da visão, audição, etc., que utilizam os conhecimentos adquiridos após o nascimento
por cada indivíduo através da educação recebida, da cultura e, mesmo,
do ambiente do momento. É através dessa rede complexa de conhecimentos (inato e aprendido) que o estímulo inicial – a chuva ou o pôr do
sol – recebe seu significado particular: “Chuva! Detesto! Que coisa mais
enjoada”; “Adoro chuva! Ela me acalma e me faz feliz”.
Os estímulos e a transmissão neural são semelhantes para todos os homens. Entretanto, culturas diferentes e situações experimentadas antes
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do evento podem fornecer significados e condutas diferentes para cada
indivíduo diante do mesmo estímulo.
A chuva que cai manhosa será sentida e interpretada, diferentemente,
por exemplo, pelo lavrador que rezava por ela e pelo favelado que não
a desejava, pois sua casa poderia cair caso chegasse.
Deve ser lembrado que o aprendizado dos diversos estímulos, como o
sol nascendo, o rosto conhecido (mãe, pai irmãos), uma face amistosa,
uma face irada, a melhor maneira de sugar o leite materno e milhares de outros aprendizados, associa-se a uma mudança nos circuitos
neurais e, também, nas inter-relações entre eles; em resumo, sempre
haverá uma mudança anatômica do cérebro durante cada uma dessas
aprendizagens. De outro modo: não há aprendizagem sem modificação
das células nervosas (do cérebro de um modo mais amplo).
Relação entre o interior do organismo e o
meio ambiente
As relações entre o organismo e o meio ambiente externo são efetivadas pelos sistemas sensoriais (sensório/motivacional) e através
de ações ou condutas (sistema motor e seus movimentos/respostas)
atuando no meio. Portanto, o organismo não só é informado do que
ocorre (estímulos) no meio interno e externo, como também atua continuadamente no meio ambiente externo e interno do organismo. No
mundo externo o organismo atua através de movimentos resultantes
do seu corpo, como os membros, o aparelho vocal, etc., controlados
pelos córtices motores 1, 2 e 3 com o auxílio de vários núcleos subcorticais motores, isto é, localizados logo abaixo do córtex cerebral.
O recém-nascido, desde cedo, atua no ambiente externo para modificá-lo conforme seu gosto, isto é, orientado pelo seu ambiente interno.
Por exemplo: caso tenha fome (ambiente interno), ele chora ou pede
de alguma forma, pois desse modo poderá receber o alimento que irá
aliviar sua fome. Poderá sorrir (meio interno) para rostos conhecidos
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(meio externo), obtendo desses um tratamento amistoso e agradável
como era desejado. Adianto que nem todas as pessoas são peritas nessa arte de conviver bem com o meio externo influenciando-o ou sendo
influenciado por ele; muitos fracassam.
As informações para o organismo não são somente as relacionadas aos
chamados órgãos sensoriais externos (dos sentidos) e motores. Sem
cessar, diversos setores cerebrais são atingidos por inúmeras informações vindas do interior do corpo propriamente dito, ou seja, dos diversos órgãos do organismo. Esta função é realizada através dos sistemas
interoceptivos (sistemas sensoriais ou percepções internas, tais como
as dores, sensação de sede, fome, frio, movimentos, sensação de prazer e de sofrimento, de energia, de desanimo, tédio, etc.).
Os circuitos neurais antigos do cérebro (os que são comuns a diversos
animais) regulam, sem nosso esforço ou desejo, os mecanismos homeostáticos (um sistema que permite ao organismo manter o estado de
equilíbrio das variáveis essenciais, como a pressão arterial, a temperatura corporal, etc.), sem os quais não haveria sobrevivência. Como
se sabe, sem o funcionamento desse mecanismo complexo, nós não
seríamos capazes de respirar, regular o ritmo cardíaco e a pressão arterial, entre outras, e, portanto, morreríamos. As regiões citadas são importantes para a distribuição apropriada de fluxo sanguíneo no corpo,
ajustamentos da acidez ou da alcalinidade do meio interior (os fluidos
que circulam no sangue e nos espaços entre as células) e o armazenamento e distribuição de proteínas, lipídios e carboidratos necessários
para abastecer o organismo de energia. Caso tudo isso dê certo, o organismo poderá movimentar-se, fabricar outras proteínas para manter e
renovar a estrutura do organismo.
Mas o mecanismo da homeostase não fica só nisso. Os circuitos inatos
antigos têm importante papel no desenvolvimento e na atividade de
estruturas evolutivamente modernas do cérebro. Determinadas regiões cerebrais têm sido chamadas de “alto nível” e estas, para funcionarem adequadamente, precisam estar em harmonia como as regiões
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denominadas de “baixo nível”, ou seja, as que vão do córtex pré-frontal
(alto nível ou cortical) ao tálamo, hipotálamo, tronco cerebral e outros
núcleos (baixo nível ou subcortical). Por conseguinte, os sistemas cerebrais “altos” e “baixos” precisam funcionar adequadamente e juntos,
um complementando o outro, para produzir e facilitar as atividades
necessárias à sobrevivência do organismo diante de problemas nascidos do meio interno e externo.
A palavra “homeostasia” (também chamada de homeostase) tem
sido usada para conceituar tudo isso, ou seja, o processo biológico de
regulação pelo qual um organismo mantém constante seu equilíbrio
interno, ou ainda, o estado de equilíbrio das diversas funções e composições químicas do corpo, como, por exemplo, os batimentos cardíacos,
a taxa de açúcar no sangue, do colesterol, da uréia, etc.
Região subcortical e cortical
Tudo indica que o homem primitivo de quatro milhões de anos atrás
possuía um cérebro contendo praticamente apenas o sistema subcortical e não o atual sistema cortical. O primeiro sistema – subcortical
– que continua a fazer parte de nosso encéfalo, trabalha em conjunto
com o novo cérebro humano, o sistema cortical, a região do cérebro
que nos possibilitou pensar, raciocinar, falar, planejar, etc. A criança
quando nasce, como o homem primitivo, apresenta já pronto o sistema
subcortical que mantém o organismo vivo funcionando adequadamente. Ela ainda não conta com a ajuda do segundo sistema, pois seu
sistema cortical, após o nascimento, ainda não se desenvolveu, pois ele
só se desenvolve em contato com o meio ambiente e, como se sabe, o
meio simples e pobre da placenta produzirá uma estimulação pequeníssima em seus córtices cerebrais. A capacidade de raciocinar e julgar,
por exemplo, só será adquirida muito mais tarde.
É fácil e lógico imaginar que durante o desenvolvimento de uma criança o projeto e a função dos circuitos cerebrais que representam nosso
corpo em evolução e sua interação com o meio ambiente dependerá
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tanto da experiência tida pelo organismo externamente, como da ação
dos circuitos bio-reguladores inatos que estavam prontos ao nascer.
Para que ocorra um desenvolvimento adequado é preciso que não
haja, ao nascer, um “defeito de fabricação” do sistema neural. Além
disso, é necessário que exista um “ninho” acolhedor, tranquilo e, também, ativador, para colocar em ação o sistema nervoso já existente. Só
assim ocorrerá o desenvolvimento pleno do setor secundário e superior do córtex cerebral.
Como os níveis subcorticais (setores antigos) mantêm conexões diretas,
indiretas e recíprocas com todos os setores ou pontos do corpo, eles
criam, desse modo, relações continuadas entre as diversas funções
do organismo; por extensão, também com os setores cognitivos (pensamento, raciocínio, tomadas de decisões, julgamentos, avaliações,
comparações) e ainda mais, como consequência, com a conduta social,
ética e a capacidade criadora . Assim, uma água fria, uma dor de barriga, uma suave massagem, uma comida saborosa, um travesseiro macio e muito mais, através dos circuitos do sistema subcortical, que se
interligam com os corticais, darão tonalidades diferentes nos estados
corporais, nas nossas emoções e nos nossos pensamentos e comportamentos.
Nos porões do cérebro, a região subcortical coordena processos diversos visando a manter o equilíbrio químico não só no interior de cada
célula, como no conjunto total de células que trabalham pelo desempenho global da “fábrica/organismo”. Entre as ações mais básicas da
homeostasia encontram-se as respostas simples, como a excitação (ativação, estimulação) ou a inibição (inativação, entorpecimento).
Nos níveis mais altos da organização encontramos respostas competitivas, comparadoras ou de cooperação entre os seres vivos. Outras
reações reguladoras são respostas a um objeto ou situação interna, isto
é, dentro do organismo, como, por exemplo, a sensação da redução da
quantidade de nutrientes necessários para a produção de energia; essa
percepção do organismo provoca a fome e esta, por sua vez, a procura
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de alimentos. Tanto a detecção do desequilíbrio, como as ações tomadas pelo organismo, buscam fazer com que a economia interna da vida
prossiga com eficiência e prazer. Essa interligação permite que vários
sistemas trabalhem em conjunto e em harmonia e, principalmente, de
modo mais eficiente na solução dos problemas enfrentados por cada
indivíduo.
Circuitos reguladores: sensações e emoções
Os circuitos reguladores inatos têm como função fundamental a sobrevivência do organismo, mesmo antes do nascimento. Por isso, esses circuitos precisam estar bem informados, antes e após o nascimento, do
que está ocorrendo “lá fora” e “lá dentro” do organismo. Esse acesso à
informação irá facilitar uma convivência mais harmoniosa do organismo individual com o meio ambiente exterior. A informação boa ou má
promove internamente mudanças estruturais transitórias (mudança
na estimulação de receptores pelos peptídeos ou neurotransmissores),
mas também permanentes (ativação de genes, produção de proteínas,
etc.). Todo esse processo busca manter ou modificar as ações conforme
as necessidades do organismo particular, ou num momento ou num
tempo maior.
Fica claro que o indivíduo só poderá “crescer” intelectualmente caso
ele seja submetido a situações as quais ele nunca antes tinha enfrentado; uma experiência que “desorganiza”, por momentos, o habitual
ou conhecido. Somente expondo o organismo às dificuldades serão
construídas mudanças anatômicas, nos neurotransmissores, bem como
em outros setores, para que haja uma melhor adaptação ao meio ambiente. A partir dessa interação do organismo, que ao nascer é apenas
biológico, são construídas, de uma forma melhor ou pior, as partes
modernas e moldáveis do cérebro. O conjunto é fabricado harmonicamente no sentido de que as estruturas antigas e inatas trabalhem em
cooperação com as estruturas mais novas – as que irão se desenvolver
a partir do nascimento – visando a, em última análise, sobrevivência do
organismo da maneira mais eficaz e prazerosa possível.
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Não adianta darmos uma boa educação e alimentação a uma barata,
percevejo ou pardal, pois eles continuarão a seguir as orientações
de seus genomas. Não adianta treinarmos o cão mais inteligente: ele
continuará a se comportar conforme a espécie da qual faz parte; o cão
jamais aprenderá a ler ou a falar como o homem, somente irá latir. Do
mesmo modo, não adianta treinar um homem para ser mulher, pois
seu organismo masculino continuará a produzir um corpo, um cérebro
e diversos hormônios próprios do homem.
O mesmo ocorre com a criação e educação de uma mulher comparada
com a do homem; ela será sempre diferente de um gênero e outro.
Também a educação de Pedro e de Paulo, caso eles não sejam gêmeos
iguais e gerados na mesma placenta, sempre formará pessoas diferentes, pois a educação “semelhante” foi aplicada a organismos diferentes.
A nossa cultura, erroneamente, enfatizou em épocas passadas, exageradamente, a variável “educação”, em detrimento da “biologia”.
Uma nova revolução, mais atual, voltou a enfatizar o enorme papel do
biológico, ainda que considere, como muito importante, o processo
educacional. As professoras que alfabetizam meninos e meninas sabem
a diferença de um e outro para aprender a ler, escrever, conversar, dissertar, aprender abstrações, conceitos éticos, etc.
Apesar de estarmos aprisionados para sempre aos genes da espécie, as
experiências singulares enfrentadas por cada um de nós irão estimular,
de modo diferente, os nossos cérebros. Cada cérebro particular será
marcado diferentemente, provocando mudanças distintas, sejam físicas, anatômicas, bioquímicas e micro-estruturais nos circuitos de neurônios (corpos celulares, dendritos, axônios e sinapses). Assim, fazemos
parte de uma mesma espécie, possuímos uma organização corporal
que nos leva a ser classificados como seres humanos. Entretanto, como
construímos durante nossa história particular, que vai do nascimento à
morte, estruturas distintas, frutos das experiências diferentes que temos, somos categorizados como indivíduos não-iguais, ou seja, enxergamos e resolvemos os problemas do dia-a-dia de formas diversas.
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O que é aprendido através das experiências, entre essas, a percepção
de uma pessoa, a fala ouvida numa conversa, a dor da separação, a alegria de um encontro desejado, tudo isso, e muito mais, irá modificar a
estrutura física, química e anatômica do cérebro humano. Essa mudança poderá ser por algum tempo ou por toda a vida, dependendo de sua
importância e do impacto que teve para a pessoa.
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Ser vivo e Meio Ambiente
Podemos afirmar, do ponto de vista neural, não cognitivo, que resolver
um problema, isto é, usar o pensamento ou o raciocínio para solucionar uma dificuldade ou entender um novo fato, significa nada mais
nada menos que pôr em execução o funcionamento de certas representações neurais existentes no cérebro. É impensável ao enfrentar
essa ou aquela questão (perturbação) utilizar-se das representações
– estruturas cerebrais – existentes no cérebro do nosso amigo ou inimigo, mesmo sendo leitor de mentes, adivinho, hipnotizador, etc.
As estruturas existentes no cérebro de cada adulto se desenvolveram
de diferentes modos conforme as experiências vividas exclusivas para
cada pessoa. Estas estruturas, por sua vez, sendo peculiares, produzirão, uma vez estimuladas, a exibição e a composição de imagens internas e, logicamente, raciocínios e comportamentos conforme aquele
indivíduo único num determinado local e tempo.
Além disso, as estruturas formadas para serem postas em ação num
dado momento diante de um problema, por cada um de nós, no dia-a-dia, podem ser eficientes ou não-eficientes, isto é, ter êxito ou falha
para alcançar a solução imaginada.
O termo “representações neurais” – que não deve ser confundido com
“representações psicológicas” – tem sido conceituado como as consequências produzidas no cérebro devido às modificações elétricas,
bioquímicas e anatômicas nele produzidas devido a estímulos diversos.
Por outro lado, as mudanças existentes e observadas externamente,
isto é, do “lado de fora” do organismo, pelo espectador, têm sido popularmente chamadas de condutas, ações ou comportamentos.
Ser vivo e fábrica: sistemas autopoiéticos
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Os seres vivos (vistos sob o prisma da Biologia) são fábricas funcionando dia e noite, que, utilizando-se de substâncias do meio ambiente,
produzem seus componentes. A fábrica viva é uma continuada realização de si mesma, pois incessantemente produz e renova seus componentes. Os organismos-fábricas têm recebido o nome de Sistemas
Autopoiéticos (“autopoiesis” = “autoprodução” ou “auto-renovação”).
Os sistemas autopoiéticos apresentam como característica mais importante a sua capacidade de organização.
Todo organismo trabalha para manter seu estado de equilíbrio; assim,
as reações homeostáticas detectam dificuldades ou oportunidades,
que são resolvidas por meio de ações, para eliminar os problemas ou
aproveitar as oportunidades.
O que diferencia um organismo de outro é a maior ou a menor complexidade percebida (maior estoque de diagnósticos) por ele diante das
perturbações enfrentadas, de suas avaliações e respostas, umas mais
bem ou mais mal elaboradas que outras. Os organismos com maior número de conhecimentos mais bem fundamentados – de complexidade
maior – serão mais capazes de antecipar cognitivamente as consequências possíveis e um fato que ainda não se realizou.
Enquanto o sistema autopoiético produz a si mesmo (roseira, homem,
sociedade, mosquito), o sistema alopoiético, seu oposto, é construído
pelo homem. O sistema alopoiético resulta da produção de algo diferente do produtor, como o computador, a mesa, o avião, a caneta, etc.
Um avião supermoderno, cheio de sensores para todos os lados, tem
alguma semelhança com um organismo, mas há algumas diferenças
fundamentais. O sistema autopoiético, diferente do alopoiético, é autônomo, isto é, ele próprio coordena e subordina as mudanças ocorridas
nele visando a manter a sua organização e evitar sua morte. Por outro
lado, alguns componentes do avião são “animados” como o leme ou
freios, mas nenhum desses componentes é feito de células vivas cuja
integridade depende da presença do oxigênio e de nutrientes. Cada
uma das partes elementares de um organismo, cada uma das células
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de um corpo, tem mais que animação, ela tem vida. Isso é fundamental. Cada uma das células de organismo vivo individual é ela própria um
organismo individual, com um ciclo de vida. Cada célula é um organismo que necessita lutar pela própria vida, e cuja sobrevivência depende
das instruções do seu próprio genoma e das circunstâncias do ambiente no qual ela vive (seu nicho).
Lembro ao leitor que cada organismo começa sua existência como uma
célula e, como tal, tem também certas estruturas iniciais que são o resultado de uma história da espécie da qual ele pertence: roseira ou carrapato. Os dispositivos de regulação da vida estão presentes em todos
os níveis do organismo, sistemas, órgãos, tecidos e células.
A partícula elementar de um organismo vivo é uma célula viva (ainda
que cheia de átomos e quarks); no avião é um átomo; as funções de
um e outro são bem diferentes, pois são constituídos com fins também
diferentes. Os nossos cérebros preocupam-se com a integridade do
nosso corpo vivo total e, por sua vez, cada um dos setores ou pontos
do corpo preocupa-se com a sua própria vida, a vida de cada célula.
Os sensores nervosos que transmitem informações do corpo para o
cérebro e os núcleos e feixes nervosos que mapeiam essa informação
são, eles próprios, feitos de células vivas, sujeitos ao mesmo risco de
vida de qualquer outra célula. Esses precisam também de regulação
homeostática, cuidar deles próprios; como eles vivem num conjunto
precisam cuidar dos outros companheiros e vizinhos, pois, do contrário, cada um deles morrerá.
Pedro (ou Maria) também precisa cuidar de si mesmo, mas como seu
bem-estar depende de outros, ele, inteligentemente, cuida de quem
lhe dá apoio e prazer.
Os neurônios têm algo a realizar conforme os estímulos e o desejado.
As atividades do corpo dão certa forma ao mapa geral e, portanto, às
ações e reações do organismo total e de cada célula. Para a célula, que
olha as vias de comunicação que a constitui, o ruído é negativo; mas
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para o órgão, que olha a célula, o ruído nas vias do interior da célula é
positivo (desde que não mate a célula), pelo fato de aumentar o grau
de variedade e, portanto, os desempenhos reguladores de suas células. Do mesmo modo, para a pessoa, isolada – um tipo do “eu”, o do
momento, que tem apenas uma visão do mundo – o ruído pode ser
visto como ruim (ir à escola para estudar), pois é um estresse, um aborrecimento levantar cedo e ir à escola. Entretanto, para o sujeito total,
(composto por outros “eus” além do que estuda), o ruído (estudar) é
positivo, pois irá aumentar sua capacidade geral e o grau de variabilidade para lidar com as desordens sociais. Um segundo exemplo: para
uma função do sujeito que tem medo do contato com outros, o isolamento na Internet é bom, mas para ele mesmo e seus outros objetivos
e valores este afastamento, ou este “medicamento”, provisório, pode
ser ruim.
Organização e assimilação: perturbação das
estruturas
Portanto, por um lado existe uma espécie de organização – tipo máquina – que é fabricada pelo homem, designada para nos servir e que
produz algo externo a ela mesma (computador, telefone, caneta). Por
outro, existe uma segunda forma de organização, a natural, na qual se
inclui o organismo vivo e, também, os ecossistemas, como as sociedades, que se autoproduzem. As organizações naturais, como o homem,
a sociedade, o mosquito, foram criadas por elas mesmas, através da
evolução e de mudanças continuadas; elas se auto-reproduzem, sendo
sua identidade inseparável de sua história. As substâncias fabricadas
participam, transitoriamente, da renovação dos componentes do organismo impedindo o encerramento da produção que acontece com a
morte.
Se, por qualquer motivo, ocorrer a morte, a produção encerra-se; a fábrica fecha-se, os componentes – matérias-primas – que tornavam possíveis a vida daquele determinado organismo, substâncias como o H,
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N, C, O, Ca, Fe, K e outros, se separam daquelas ligações anteriormente
existentes. As substâncias, uma vez liberadas do habitat anterior, passam a fazer parte de outras organizações; vão habitar e trabalhar em
outra fábrica, reaproveitadas para a constituição de outros seres vivos
(vegetais ou animais) ou fazer parte de outra coisa qualquer.
Tudo o que ocorre em um organismo acontece em função do aparecimento, em cada momento, de determinadas mudanças nas estruturas.
São essas mudanças que originam ou promovem o que percebemos,
visto de fora, como comportamentos observados através dos órgãos
dos sentidos e organizados pela cognição. Desse modo, a conduta
observável do homem, ou da barata, em um contexto determinado,
é, digamos assim, a representação externa, visível para o observador,
originária de mudanças estruturais internas sofridas pelo organismo;
notamos apenas o verniz possível de ser percebido e não os mecanismos internos.
Maria, caminhando junto ao marido, o observa entrando no supermercado. Ali ele pega um pacote de feijão e o leva até o caixa. Paga e volta
para casa. Em resumo, isso foi o observado por Maria. Entretanto, ela
não teve como “observar” o que se passou dentro do organismo (o
mecanismo interno) de seu marido José, isto é, como o organismo dele
foi estimulado e o que determinou as decisões observadas; não se sabe
que forças o “empurraram” até o supermercado para pegar o feijão e
retornar, ou, ainda, se essa conduta foi a melhor, a mais inteligente, ou
o contrário.
Os seres vivos são redes fechadas de produção de seus componentes;
utilizam substâncias retiradas do meio ambiente: ingeridas, inspiradas,
absorvidas pela pele, etc. O homem, além disso, assimila do meio ambiente palavras, idéias, princípios e outras informações importantes
para sua sobrevivência. No caso da auto-observação, o observador é
o próprio agente das ações; ele examina com atenção o resultado das
mudanças estruturais que ocorrem nele próprio.
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Mesmo quando há uma ação do meio externo sobre o meio interno do
organismo, o ocorrido – o produto final – nunca é determinado pelo
meio ambiente. Exemplificando: um cão, isto é, um organismo como
qualquer outro, por mais treinado que seja, nunca aprenderá a ler ou a
falar, pois seu meio interno (estrutura interna) não o capacita a realizar
tal proeza. O organismo do cão, sendo diferente dos homens, não tem
condições de alcançar esse aprendizado próprio dos seres humanos.
Portanto, não adianta a ação do meio externo sobre o organismo; nós
não instruímos um sistema, não especificamos o que vai acontecer
nele. A cadeira funciona como um móvel para assentar; uma casa,
como moradia. De maneira semelhante, se você põe um toca-fitas para
tocar, você não o instrui; você o aciona e ativa o que o toca-fitas é capaz ou foi preparado para fazer; suas funções são as determinadas e
possibilitadas pela sua estrutura.
Se aceitarmos esse princípio, não podemos exigir certas condutas de
certas pessoas, quando sua estrutura o orienta para outro. Não adianta
existir um meio X ou Y caso não haja um acoplamento entre o meio e
o organismo para a produção de certa conduta. Não adianta eu amar
Teresa se ela não tem o menor interesse por mim, um modo que faz
parte de sua estrutura.
João e Maria agem conforme as estruturas existentes (os programas,
roteiros) em cada um deles; não conseguiremos instruí-los para agirem
diferentes do determinado pelas suas estruturas; caso eles mudem,
significa que a estrutura se transformou, tornou-se outra; para mudá-los, necessitamos mudar suas estruturas.
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Ser vivo: Ruídos e desorganizações
A conservação da organização do ser vivo representa a sua constante
fundamental, seu processo básico, isto é, preservar a si próprio, evitar sua morte. O ser vivo é conservador. Quando a coordenação para
sustentar a organização fracassa por algum tempo, ou seja, quando as
disposições e funcionamento das partes passam a trabalhar anormalmente, fora do padrão habitual, surge o que chamamos de doença. E
mais, quando a desorganização atinge um grau elevado, ou seja, essa
passa a ser muito intensa, “sem remédio”, ocorre o que chamamos de
morte do sistema individual.
Os organismos não só resistem aos ruídos (desorganizações, problemas, caos, desordens) como também se utilizam deles a ponto de
transformá-los num fator de organização: “princípio da ordem através
do ruído”. Isso serve para explicar as propriedades mais singulares dos
organismos vivos como os sistemas auto-organizadores, em especial
sua adaptabilidade que se alimenta do não regular (do caos).
Os sistemas auto-organizadores (homem e outros seres vivos) não se
alimentam apenas da ordem; o ruído, como os problemas, estresses,
desorganizações e desordens, também faz parte de seu cardápio. A
criança se desenvolve enfrentando – não sendo protegida em excesso
– os problemas existentes no seu meio ambiente. Assim ela aprende.
O organismo tem certo número de respostas à sua disposição diante
das diferentes perturbações. Perante cada sequência de transtorno há
uma resposta mais adequada, ou seja, o sistema é colocado num estado determinado de prontidão, fuga, ataque, aproximação. Dentre os
estados possíveis apenas alguns são “aceitáveis” do ponto de vista da
finalidade do organismo no momento; pode ser sua simples sobreviVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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vência ou a realização de alguma função, como ir ao cinema ou comer
uma feijoada.
A regulação (o equilíbrio ou a regra) do sistema consiste em escolher,
dentre as respostas possíveis, as que colocam o sistema num estado
aceitável (a resposta de deixar o sangue jorrar não é uma boa resposta
para o organismo diante de um corte). A doença ou o transtorno, nesse ponto de vista, seria viver num estado mais ou menos continuado
de perturbação. De outro modo, na doença estabeleceu-se uma má
escolha do organismo vivo. Na doença ocorreu uma resposta na qual o
organismo foi colocado num estado inaceitável para a sobrevivência ou
finalidade do sistema.
A variedade das respostas disponíveis de um organismo deve ser tanto
maior quanto mais forem as perturbações possíveis e quanto menor
for a de estados aceitáveis. Ora, se qualquer estado passa a ser aceitável, o número de respostas passa a ser enorme. Em outras palavras,
uma grande variedade de respostas disponíveis dentro dessa idéia
torna-se indispensável para assegurar uma regulação de um sistema
que vise a mantê-lo num número limitado de estados, embora ele seja
submetido a uma grande variedade de agressões ou perturbações.
De outro modo, por mais que o organismo seja atingido por diversas
desordens, ele apresenta apenas algumas respostas viáveis (saudáveis),
devido à sua flexibilidade que busca o melhor para si. Nesse caso, o
organismo ignora ou incorpora a perturbação com a finalidade última
de se tornar mais forte, mais capaz e resistente dentro de um número
limitado de estados. Ele se prepara, treina, para sofrer o mínimo possível de perturbações internas diante das mais diversas provocações
externas, mantendo assim sua unidade, seu “eu” o mais íntegro e desejável possível como seu agente e administrador.
O organismo necessita utilizar certa redundância (rigidez, repetição)
para identificar e corrigir eventuais erros na transmissão das mensagens e para ficar mais complexo. Por tudo isso, torna-se necessário um
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equilíbrio entre um bom conservadorismo junto a uma boa variedade
de respostas. Isso não é fácil.
Na ausência de interação com o ambiente não haverá auto-organização, como ocorre num sistema fechado, onde informações externas
não entram. As únicas mudanças capazes de implicar na organização de
si têm de ser produzidas fora dos sistemas e de não serem simplesmente mudanças de estados do sistema que fazem parte de sua organização constante. Os mesmos fatores responsáveis pela desorganização
progressiva do sistema, que posteriormente conduzem à sua morte,
são os que, antes, alimentam seu desenvolvimento, com uma progressiva complexidade. Por isso a vida corre junto à morte.
Alguns pais são tão bondosos que não ajudam os filhos a crescer. Sendo protetores, eles não permitem que o filho enfrente problemas, corra riscos; esses pais temem expor o filho a uma possível desorganização
temporária, às vezes, à morte. Desse modo, o filho estará impedido de
viver; assimilar os problemas ou estresses. Tudo indica que crescemos
e nos preparamos para enfrentar o mundo real e complexo caso possamos defrontar as desorganizações do meio ambiente: elas são nossos
principais alimentos para desenvolvermos.
Ora, numa aprendizagem nova, adaptativa, não-dirigida, onde o indivíduo adapta-se a uma situação radicalmente nova, não há como
recorrer a um programa preestabelecido. O programa vem de fora, do
meio ambiente (faz parte de outra natureza), modifica-se sem parar,
de maneira aleatória, não pré-estabelecida, sob o efeito dos fatores
imprevisíveis do meio. A lógica de certas classes de organização, entre
elas a dos seres vivos, deve obedecer a uma particularidade; o acaso
deve contribuir de alguma maneira para a organização do sistema.
Automanutenção, desorganização e morte
A meta máxima do organismo vivo é a automanutenção e a auto-renovação de si mesmo. Para que exista a conservação da organização,
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o organismo assimila informações (alimentos, idéias, desorganizações)
produzidas no meio externo e interno devido às desordens resultantes
dessas trocas ou, de modo mais simples, em virtude do sistema estar
vivo.
Um sistema autopoiético perde sua identidade ao perder sua organização; a barata deixa de ser barata ao ser esmagada por um sapato. Nesse caso, sua organização de barata transforma-se, entre outras coisas,
em restos alimentícios para formigas, mosquitos e bactérias. Da mesma forma, o sistema alopoiético (mesa, computador, edifício) também
se mantém como uma unidade apenas enquanto sua organização não
variar; uma cadeira só será cadeira enquanto a sua organização for a de
uma cadeira (assento, encosto, pés). Ela, uma vez quebrada, poderá virar lenha, bengala e porrete, o mesmo acontece com uma casa que se
torna entulho. Nesse caso, elas perderam sua identidade de “cadeira” e
de “residência”. A organização de um sistema é a relação entre os seus
componentes (encosto, assento e pés), os que lhe dão sua identidade
de classe, como as cadeiras, uma fábrica de bonecas, os seres vivos.
O modo particular pelo qual se realiza a organização de um sistema
particular – classe de componentes e as relações concretas que se dão
entre eles – constitui sua estrutura.
Mudanças estruturais e interações
Dois sistemas totalmente iguais – duas baratas ou dois homens – terão
histórias diferentes de interações pessoais e de mudanças estruturais
que foram iniciadas de formas diferentes quando o organismo começou sua existência como uma célula; portanto, cada sistema terá uma
história de vida singular.
Os seres vivos sempre estiveram imersos num meio onde interagem.
Em virtude de sua própria dinâmica interna e, em parte, devido às interações com o meio, o ser vivo sofre constantes mudanças estruturais
(não da organização). Um ser vivo somente conserva sua organização
(não as estruturas) se a sua estrutura e a do meio ambiente estiverem
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em harmonia; do contrário ele morrerá. Seguindo esse raciocínio, não
há liberdade de um e outro sistema para agir independentemente, pois
um está preso e é modificado pelo outro, mais ou menos ao acaso; as
estruturas ficam dependendo das transformações do outro.
De um modo mais prático, se João encontra Maria, os organismos dos
dois se modificarão em função das interações que se estabelecem.
Caso haja o casamento deles, as interações devem aumentar e, consequentemente, as transformações em um e outro, também, aumentarão.
A harmonia existente entre o ser vivo e o meio ambiente se chama
adaptação; a preservação da adaptação é fundamental para a manutenção da organização; a conservação de uma envolve a conservação
de outra. Sendo assim, o equilíbrio e ou as perturbações possíveis num
e noutro sistema – ser vivo e meio ambiente – dependerão das mudanças estruturais ocorridas em um e outro conjunto ou sistema.
Algumas mudanças estruturais ocorridas no organismo são devidas às
interações desse com o meio ambiente (incluindo aqui outro ser humano); outras modificações surgem em virtude de sua própria dinâmica
interna. Isso aconteceu comigo nesse instante: “Agora vou parar: estou
cansado; Irei espichar as pernas”. Nesse caso surgiram mudanças internas e eu as percebi e, em seguida, tomei a decisão. Nossa “inteligência”, a todo instante, é acionada; tentamos nos adaptar às novas exigências que ocorreram no meio ambiente externo e no interno, como
as pernas doendo, a sede, etc.
Portanto, ser vivo e meio ambiente (incluindo os outros seres vivos)
formam sempre uma unidade apropriada ao fim que se propõe, isto é,
a um troca-troca harmônico (muitas vezes há desarmonia). Os componentes da estrutura do organismo e do meio existem se adaptando um
ao outro, de acordo com as transformações surgidas; o que acontece
no sistema depende de como ele foi feito.
As interações sofridas, acionadas externa ou internamente, desencaVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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deiam mudanças conforme uma coincidência de fatores existentes,
num e noutro sistema. Por exemplo: de um lado o organismo tem
fome, de outro, o meio ambiente oferece o alimento. Como as interações são, muitas vezes, aleatórias, dois sistemas iguais terão histórias
diferentes de interações pessoais, consequentemente, de mudanças
estruturais; mesmo nos caso de dois gêmeos idênticos, cada um deles
irá experimentar situações de vida diferentes e, consequentemente,
passam a ter estruturas mentais e mesmo físicas desiguais.
Na relação particular de dois sistemas que têm estruturas diferentes e,
também, independência com respeito à interação, cada um seleciona
no outro o caminho da modificação estrutural respectiva. A conduta
adequada é a que é congruente com as circunstâncias nas quais ela se
realiza. João percebe e procura José para lhe pedir dinheiro emprestado; José empresta, pois tem este de sobra e é bonzinho; Maria está
com fome e vai até a padaria; lá tem o alimento, ela tem o dinheiro e a
padaria quer vender.
Mas pode não haver coerência entre duas estruturas independentes e
diferentes com respeito à interação; um casal pode viver em harmonia
ou em desequilíbrio, isto é, sem coerência entre eles, bem como o professor e seus alunos.
Durante um programa do “Chaves” pude observar exemplos simples de
desarmonia entre os alunos e o professor:
- Como se escreve “bala”? Perguntou o professor. – Com o lápis, respondeu um aluno. – Não! Com esferográfica, respondeu um outro. – A
palavra “bala” se escreve com maiúscula ou minúscula? O professor,
desanimado, fez uma nova pergunta. – Depende da bala, respondeu
um aluno e continuou: – As grandes se escrevem com maiúsculas, as
pequenas, com minúsculas.
Nesse caso, como se observa, não havia um consenso ou concordância
de opiniões entre o perguntado e o respondido, se examinarmos o “diálogo” sob a “estrutura de ensino”. Entretanto, se a olharmos sob a “esVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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trutura de piada”, ela está correta, pois, nesse último caso, as respostas
não seriam “corretas” caso fossem as esperadas para o “bom aluno”.
No caso do programa “Chaves” o professor especificou de um modo
o que ele imaginava ser uma interação com os alunos; os alunos imaginaram outra forma de interação. Nas situações não-cômicas cada
participante de um diálogo especifica o que ele admite ou imagina ser
uma interação; mas isso nem sempre se consegue e pode-se repetir o
existente no programa “Chaves”.
A estrutura e o meio ambiente que lhe faz o
papel de nicho
Todo sistema determinado por sua estrutura existe em um meio; nasce
e cresce num local. Esse contato implica numa condição de complementaridade estrutural entre a organização do sistema e a que funciona como meio ambiente. As interações, num e noutro sistema, são
nada mais nada menos que perturbações nos dois sistemas envolvidos;
seus repousos ou equilíbrios, momentaneamente, são alterados.
O chamado acoplamento estrutural (junção, união, influência recíproca que exercem dois sistemas, intercâmbio, conexão) é a condição
fundamental para a existência de qualquer sistema. Caso desapareça
a complementaridade estrutural, ou ela é anômala (ocorra uma interação destrutiva), o sistema poderá ficar perturbado em suas funções,
ou mesmo se desintegrar, deixar de existir. A parte do meio ambiente
que é complementar ao ser vivo tem recebido o nome de “nicho”. Os
exemplos dos defeitos dos intercâmbios (acoplamentos) são diversos:
uma companhia ruim, um mau casamento ou emprego, um ambiente
físico poluente, as drogas, um trabalho exagerado, um lazer tedioso,
uma mãe ou pai perverso, uma escola dogmática, etc. Inúmeros estudos têm sido realizados descrevendo os bons e maus nichos existentes
na relação mãe/filho. Há concordância de que uma relação defeituosa
do criador/criatura produz sérios problemas comportamentais (emoVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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cionais e cognitivos) no futuro.
As mudanças ocorridas nas estruturas de um sistema vivo durante seu
contato com o meio ambiente (mãe, escola e tudo o mais), isto é, a ontogenia de um sistema vivo (desenvolvimento de um indivíduo desde a
concepção até a idade adulta), constitui seu desvio do repouso anterior
(junção do óvulo com o espermatozóide), quando se inicia sua mudança estrutural. Para ser categorizado de um sistema organizado X ou Y
(homem, ou cavalo), ele sempre deve manter a conservação de sua
organização e adaptação.
As mudanças estruturais ocorrem sem parar (repouso/mudança e novo
repouso/mudança). Exemplificando: Estou bem, senti sede, levantei-me, tomei água; retorno ao estado de equilíbrio. O sol entra na janela
e me perturba ao escrever no computador; levanto-me, fecho a janela
e tranquilizo-me. Toca o telefone, atendo, termina a conversa…
Enquanto vivo, o ser vivo jamais poderá estar fora de seu lugar, ou seja,
fora de seu ninho. Viver é uma continuada caminhada à procura de um
nicho para nele se abrigar. O homem, bem como outros animais, sempre sonhou em habitar ou acomodar-se num confortável paraíso. Lá
no paraíso, possivelmente, não mais precisaria atender tantos e tantos
telefonemas chatos e inúteis; ir a tantos aniversários sem graça ou a
velórios para se despedir de um morto que mal conhecia; ouvir conversas repetitivas e sem graça; escutar lições de vida idiotas e ingênuas;
receber elogios desnecessários e já sabidos. Tudo isso desequilibra e
interrompe as ações desejadas, as que nos fornecem o equilíbrio, que
agradam, isto é, as que fazem parte do ninho que sonhamos. Para um
observador de fora, muitas dessas interações podem parecer harmoniosas, ser interpretadas como se o indivíduo, José ou Maria, estivesse
bem adaptado a esse meio ambiente.
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Duas faces: mecanismo interno x externo
As mudanças de estado de um organismo, como sua fome e, consequentemente, sua conduta – ir ao restaurante comer – ocorrem em
domínios fenomênicos distintos (fome e ida ao restaurante) que não se
intersectam (cruzam). A conduta de um indivíduo não é um aspecto da
operação motora que está em andamento no seu sistema nervoso.
A rede neuronal, por permanecer fechada – interna – gera apenas
mudanças internas no organismo, relações de uma atividade interna
com a outra. Entretanto, há uma conjunção (acoplamento, conexão) do
sistema nervoso com o restante do organismo; entre a estrutura sensorial e a motora (a realizadora, executora) e os setores encarregados da
tomada de decisões.
A ligação do sistema nervoso com a via sensorial e a motora (executora) produzirá, necessariamente, uma conexão entre as mudanças estruturais internas do organismo (mecanismos subjacentes envolvidos)
para provocar o comportamento observado do lado de fora. Desse
modo, os comportamentos mostrados pelo organismo, visíveis para
um observador (João sai à procura de água), são determinados, basicamente, em virtude das perturbações internas que estão ocorrendo no
organismo (sede) e, em parte, devido ao meio ambiente (presença de
água).
Existimos dominados (presos) por nossas interações e relações. Estas
são vistas por um observador como condutas humanas (como decisões
livres; de vontade livre), mas toda conduta decorre do que se passa
no interior do organismo em virtude de mudanças estruturais. Somos
governados por essas mudanças internas, independentes de nossos
ideais; são essas modificações que nos forçam (levam) a fazer isso ou
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aquilo: ir ao cinema, tomar um café, estudar para a prova ou namorar.
Os dois aspectos (duas faces da moeda), o primeiro o da existência
de trocas internas ou biológicas ocorridas nas estruturas (desequilíbrios provocados por situações internas ou externas ao organismo); o
segundo, o comportamento observado de fora, a vida psicológica ou
social exibida (possível de ser observada) pelo organismo que, uma vez
desorganizado ou desequilibrado, busca o equilíbrio temporariamente
perdido, isto é, a conduta. Nós descrevemos geralmente o visível do
lado de fora, a superfície ou verniz percebido.
Os atributos, ou faces, são distintos. Cada uma pertence a um conjunto
de atividades diferentes e, também, utiliza conceitos e leis diferentes.
Além disso, o que é de um não pertence ao outro. Daí discussões intermináveis que jamais se encontram.
Postado em um lado está a biologia ou sua fisiologia. Ela é a que coordena o ser vivo, dando, como resultado, a constituição dele como totalidade. De outro lado, encontra-se a outra totalidade, a outra face. Esta
se caracteriza (contém) pela relação observada percebida pelo observador, ou seja, a conduta, o modo de vida deste ou daquele indivíduo.
A fisiologia não só faz nascer, como dá origem ao comportamento observado ou percebido exteriormente. Além disso, ela torna possível e,
ao mesmo tempo, limita a vida de relação do ser vivo com seu meio
ambiente. Entretanto, a fisiologia não determina, não provoca, nem
contém a conduta visível. Está confuso leitor? Vou tentar explicar o desejado de outra forma.
Devido ao determinismo estrutural, aspecto ou face biológica do organismo, qualquer mudança estrutural ocorrida no interior do ser vivo
resultará ou provocará alguma mudança na sua vida de relação (no seu
comportamento), isto é, com o meio ambiente. Portanto, a mudança
estrutural irá modificar o que chamamos de “conduta” (sua totalidade),
na sua busca de realização de seu modo de viver (reorganizar-se, retornar a harmonia) devido ao que está ocorrendo no interior de seu orVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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ganismo biológico. Um exemplo simples é a fome. Esta, internamente,
perturba o organismo devido a transtornos em alguns pontos do corpo,
mas a totalidade do organismo acaba sendo alterada no seu conjunto
(pensamento sobre alimentos, focalização das percepções, emoções de
mal-estar, movimentos para procurar alimento, etc.). Esta é a segunda
face, a que sai à procura do alimento para providenciar o retorno ao
equilíbrio anterior: extinguir a fome. Uma vez alimentando-se, se fecha
o mecanismo interno e termina a conduta externa. Estamos submetidos a esse vai-e-vem o dia todo; sem parar nós nos desequilibramos e
nos reequilibramos.
A vida de relação ocorre nos atos (comportamentos); nesses são encontrados os meios necessários à obtenção de determinados resultados nas ações do ser vivo como totalidade, segundo as propriedades
ou as características do organismo. Resumindo: existem dois aspectos
ou domínios: o fisiológico e o comportamental.
Quando dois ou mais organismos interagem, José e Maria, atuando
como sistemas moldáveis ou plásticos, cada um deles se torna o meio
necessário (o nicho) para a realização da autopoiese do outro. O resultado é um acoplamento (conexão, ligação) estrutural mútuo que recebe o nome de domínios consensuais (os dois estão casados; ou, um é
patrão, o outro, empregado, etc.). Nesse caso qualquer um dos membros pode ser substituído por um sistema novo, desde que tenha uma
estrutura semelhante à do sistema anterior (trocar uma mulher ou um
homem por outro; arrumar um novo patrão ou empregado).
Entretanto, se considerarmos o sistema sob o ponto de vista determinista (a face fisiológica do sistema humano, comandada pelo sistema
subcortical e que não depende de nossa vontade) a escolha está fora
de cogitação, como exemplificado nos exemplos: “Tenho fome”; “Estou
furioso”; “Estou com sono”; “Meu estomago dói”, etc. Nesses casos
não há o que substituir por um semelhante.
Criatividade e interações
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Criatividade é uma característica difundida entre os sistemas vivos;
o ser vivo “escolhe” mesmo havendo, por trás dele, o determinismo
interno. Exemplo: Se tenho fome, posso comer uma feijoada para matar minha fome, mas posso ainda comer um pastel. Diante de minha
“fúria” posso agredir fisicamente meu inimigo, ou, ainda, agredi-lo por
palavras, matá-lo, contar até dez e esquecer, rezar e pedir a Deus que
o perdoe, entender melhor o acontecido, tomar um remédio para me
tranquilizar, etc.
Os sistemas políticos/ideológicos, religiosos e familiares são coercitivos. Eles procuram limitar, reduzir ou acabar com a criatividade e
a liberdade de escolhas diante de inúmeras situações existentes no
“menu” do meio ambiente. Essas várias forças do poder especificam
para as crianças e os mais humildes os nichos “apropriados” e “corretos”, os que devem (têm de usar) ser escolhidos, sendo, muitas vezes,
um somente. As ideologias não permitem outras escolhas segundo
nosso interesse ou desejo, mas sim, segundo a “sabedoria” dos mais
“importantes”.
A mente do indivíduo, desde cedo, é preparada para aceitar as decisões advindas do poder que se apresentam como “mais sábias”, das
mudanças que ocorrem no organismo dos detentores do poder (rei,
presidente, ministro, padre, pastor, papa, etc.). Em resumo, os “superiores” obrigam os “inferiores” a “escolher”, dogmaticamente, as
interações sociais oferecidas como sendo as melhores e ideais do meio
ambiente para solucionar os problemas da vida de cada um: o que
fazer no domingo, que livro devo ler e que livro não posso ler, o filme
indicado para assistir, o dia de comer carne e o dia do bacalhau, etc.
Parece que tudo isso busca tornar as pessoas mais parecidas e, consequentemente, mais fáceis de serem domesticadas.
A política e a religião oferecem e pressionam, para a maioria da população, a busca de um meio ambiente mágico e solucionador de tudo
para o ingênuo seguidor do político ou do religioso. Essa panacéia,
receitada pelo líder – não escolhida pelo indivíduo – vai provocar
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uma limitação da ação da pessoa no seu meio ambiente, uma menor
liberdade e, portanto, um impedimento para a diversificação do crescimento através do “alimento” possível de desorganizar o comum ou a
mesmice.
A estrutura de um sistema se identifica com seus componentes reais
e com as efetivas relações entre estes (as normas aceitas como adequadas à relação); isso mantém um sistema. Se os jogadores de um
time de futebol, em vez de jogar com os pés, começarem a correr com
a bola nas mãos, desorganizou-se o futebol; ele deixa de existir. Nesse
caso houve a produção de mudança de estrutura, uma perda da organização anterior; desintegrou-se o que havia e nasceu uma nova organização, talvez um novo jogo (as regras ou normas estabelecidas foram
modificadas). Se o patrão casa com a secretária, o primeiro sistema se
findou e formou-se um novo sistema, com outras regras, outros direitos e obrigações.
Do mesmo modo, Luiz um dia é eleitor e, como tal, critica e combate
o governo. No outro dia é Presidente da República e, portanto, chefe
do governo. Nesse caso sua estrutura mudou (sua fisiologia) e, consequentemente, ocorreu também uma mudança na sua conduta. O ninho
escolhido era um que se modificou conforme o resultado da eleição.
Também pudera, ninguém é de ferro!
Na relação particular de dois sistemas que têm estruturas diferentes
e independência com respeito à interação, cada sistema seleciona no
outro o caminho da modificação estrutural respectiva. Nesse caso a
conduta adequada é a congruente com as circunstâncias nas quais ela
se realiza. Um bom exemplo disso é o comportamento denominado
“amor”. Ele é a fonte da socialização humana e, ao mesmo tempo, um
simples, humilde e desprestigiado fenômeno biológico. A competição,
por outro lado, nega o amor e a aceitação do outro sem exigências. As
diferentes emoções, como o amor, se distinguem precisamente porque
especificam domínios de ações distintas.
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Toda ação é determinada por uma emoção agradável ou desagradável,
intensa ou fraca; isso ocorre inclusive quando raciocinamos, levando-nos a correr de medo, bater de raiva, abraçar por amor, etc.
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Organismo: Evolução e genes
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Evolução
A evolução pode ser pensada em termos de alteração do programa
de desenvolvimento, de maneira que estruturas sejam modificadas e
novas estruturas formadas. São apenas os genes que mudam na evolução; portanto, compreender como eles controlam o desenvolvimento é
fundamental para compreender a evolução dos animais e plantas.
A chave do desenvolvimento é a célula. Desde que as proteínas essencialmente determinam o comportamento celular, o desenvolvimento
pode ser imaginado como o controle de quais proteínas serão produzidas e onde, ou seja, o controle da atividade dos genes que as codificam.
Quantos genes estão envolvidos no controle de quais proteínas do desenvolvimento e não na manutenção das funções normais da célula?
Não sabemos a resposta, mas podemos conjeturar. Estimativas do número de genes são de 4 mil para a Escherichia coli, 7 mil para levedura
e 15 mil para o verme nematódeo. Não é absurdo pensar que dos 60
mil (falava-se em 100.000) do homem cerca de 30 mil podem estar
relacionados com o desenvolvimento. Sabemos que a embriologia dos
insetos sugere que apenas cerca de 100 genes estão envolvidos no
controle dos padrões; no nematódeo, 50 genes controlam o desenvolvimento da vulva.
Nos humanos existem aproximadamente 250 tipos diferentes de células, e se cada célula é caracterizada por dez proteínas diferentes, e
cada proteína precisa de dez genes para a sua especificação, sendo estes valores bem modestos, então chegamos ao número de 25 mil genes
para o desenvolvimento. Um pressuposto central é o de que o estado
de uma célula é determinado pelos genes ativados e, portanto, pelas
proteínas presentes. Desenvolvimento significa, em grande parte, células tornando-se diferentes da maneira ordenada.
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Ativar um gene é um acionamento que pode resultar na produção de
uma nova proteína, a qual, por sua vez, pode alterar totalmente o comportamento da célula. Uma nova proteína produzida pela ativação de
um gene pode modificar e interagir com outras proteínas e assim gerar
uma cascata de eventos, os quais, junto com a proteína inicial, podem
modificar o comportamento celular que leva ao próximo estado.
Evolução: esclarecimentos
A evolução não é uma lei, ela é um fenômeno ocorrido. Ao contrário da
crença de muitos, o privilégio dos seres vivos não é o de evoluir, mas
sim o de se conservar, isto é, possuir uma estrutura e um mecanismo
que lhes asseguram duas coisas: reprodução fiel ao tipo da própria estrutura (continuar a ser homem, gato, pulga) e reprodução, igualmente
fiel, ao tipo de qualquer acidente ocorrido na estrutura (formação de
outra espécie ou um indivíduo modificado, mais eficiente ou menos
capacitado).
A “teoria” da evolução de Darwin é uma teoria de segunda ordem, por
ser uma teoria cujo objetivo é o de explicar um fenômeno que nunca
foi e nem jamais será observado, a saber, o da própria evolução. Podemos observar no laboratório situações criadas que nos permitem
isolar mutações numa dada linhagem de bactérias – um fato isolado,
concreto – mas isso não é o mesmo que observar a evolução – uma
generalidade que inclui todos os organismos vivos e milhões de outros
desaparecidos, uma grande parte antes do aparecimento do homem.
Os livros sobre evolução partem sempre de certos dados reais: a estrutura, o comportamento e a anatomia de determinado animal, passando em seguida a examinar o registro fóssil e daí as considerações clássicas da anatomia comparada; assim se infere filiações desta ou daquela
característica. Essa reconstrução não pode ser provada e nem refutada;
mas uma teoria precisa, segundo Karl Popper, ter uma estrutura tal que
torne possível a refutação. Esse não é o caso da teoria da evolução; ela
não tem como ser provada e nem negada, portanto, não se encaixa
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nessa prisão de Karl Popper. Não fiquem tristes; isso não a invalida. Ela
é uma “teoria” especulativa importantíssima que mudou a maneira de
perceber os seres vivos, entre eles,
Quando Darwin publicou a primeira edição da “A Origem das Espécies”,
ele jamais podia imaginar o grande conteúdo preditivo de sua teoria.
Após a publicação surgiram críticas pesadas e destrutivas. Lord Kelvin,
religioso e cientista da época, o refutou alegando que a vida não podia exceder a 25 milhões de anos como se imaginou. Darwin, confuso,
aceitou as críticas como certas. Isso o obrigou a reexplicar suas suposições, pois, segundo sua teoria, era preciso muito mais tempo para que
ocorressem as
Muitos criticaram a teoria por desconhecerem as idéias mendelianas
(o religioso das ervilhas), descritas num estudo quase completamente
ignorado quando Darwin publicou seus próprios princípios. As críticas
foram tão violentas que Darwin chegou a voltar atrás; estranhamente
defendeu as idéias de Lamarck acerca da transmissão dos caracteres
adquiridos. Mas com as novas descobertas no campo da genética,
surgiram novas teorias da evolução afirmando que a unidade de transmissão, conservação em hereditariedade e a unidade de mutação é a
mesma: o gene. E, ainda, que a unidade de seleção é o indivíduo, e
As idéias acima são diferentes das descritas ingenuamente por Darwin
e pelo seu grande defensor, Spencer, quando esses utilizaram o conceito simplificado – que se vulgarizou – da luta pela vida, pelo poder, ou o
da sobrevivência do mais apto. O que importa não é a sobrevivência do
indivíduo, que em si mesmo não tem interesse para a seleção; importa
a manutenção do gene para que esse tenha a oportunidade de estar
presente na primeira, segunda e enésima geração. Isto é o que precisamos para ter a evolução, ou seja, pressões seletivas modulando a probabilidade dos genes, provenientes desse ou daquele indivíduo, serem
encontrados na geração ulterior, depois de uma, duas, três ou “n”
gerações. A unidade de evolução não é o gene, nem o indivíduo, mas a
população, não qualquer uma, a que partilha de certo genoma, a saber,
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a “mendeliana”, com recombinação sexual conduzindo a contínua produção de novos genomas, através de recombinação; esta é capaz de
A teoria da evolução e associações de outras
ideologias
A resistência à Teoria da Evolução tem surgido em virtude de crenças
de que “tudo quanto existe e, em particular, o homem, tem boa razão
para estar aí ou permanecer no genoma”. Ora, se aceitarmos a teoria
da evolução, somos forçados a concluir que o surgimento de vida na
Terra foi, provavelmente, imprevisível, antes de ter ocorrido. Os defensores dessa teoria (grande maioria dos biólogos) aceitam a idéia de
que a existência de qualquer espécie particular decorreu de um evento
singular, um evento que se manifestou apenas uma vez em todo o Universo. Consequentemente, um acontecimento que é, ainda, fundamental e inteiramente imprevisível; essa afirmação inclui a espécie a que
pertencemos, ou seja, o homem, bem como qualquer outra espécie faz
parte desse conglomerado.
Somos uma espécie singular, um acontecimento único, e, como todas
as espécies, éramos imprevisíveis antes de aparecermos; “Pequenas
diferenças levam as grandes diferenças”, como afirmou Darwin. Somos
inteiramente contingentes com respeito não apenas ao resto do Universo, mas também com respeito aos demais seres vivos. Poderíamos
não estar aqui, não ter aparecido, não ter escrito o acima, nem você
lido.
Entretanto, devemos nos precaver. A evolução, bem como qualquer
área de ciência, não é capaz de sondar certas questões, como a das
origens fundamentais ou a dos significados éticos. A ciência busca explicar fenômenos e regularidades do universo empírico (não do imaterial, do mundo fantástico), sob o pressuposto de que leis naturais são
uniformes no espaço e no tempo. Desse modo, a evolução não deve
ser olhada como visando o aparecimento do homem, sendo essa sua
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função principal. Para a teoria da evolução não existem motivos para
isso ou aquilo e nem acerca de que uma espécie é mais importante que
as outras. Essas e muitas outras questões escapam da área científica,
pois são problemas filosóficos (metafísicos) e ou teológicos.
Além disso, como toda idéia espalhada entre os povos, na qual se inclui a científica, a evolução também invadiu a mente popular. Nesta,
as idéias evolucionistas foram misturadas por idéias espúrias (falsas) já
existentes. Desse modo, na mente popular – nós todos fazemos parte
– se infiltraram, como é frequente, ideologias simples, versões de fácil
digestão, que serviram de fundo para o entendimento e as explicações
populares; uma série de conceitos e significados que representam antigos preconceitos sociais e crenças psicológicas das diversas culturas.
Entre essas idéias está a de que a evolução associa-se ao progresso.
Assentada na crença do progresso apareceu a noção de que a evolução possui uma motivação, ou manifesta uma poderosa tendência, de
caminhar em direção à maior complexidade, ao projeto biomecânico
mais eficiente, a cérebros maiores, ao maior poder ou alguma outra
definição paroquial como forma de maior desenvolvimento usada na
nossa cultura. Essas intromissões na teoria da evolução (comum em
qualquer teoria científica) mostram a contaminação do nosso desejo,
intenção, principalmente na sociedade ocidental, de nos colocar sempre no ápice do mundo natural, pois, segundo a crença, “somos os
mais importantes” ou “os mais inteligentes”.
Resumindo: evolução para Darwin é a adaptação dos seres vivos a
ambientes que mudam, não de “progresso” universal. Um exemplo é
o de elefantes que evoluíram para adquirir uma pelagem mais densa
à medida que se esfriou o tempo, até que eles se tornaram mamutes
peludos, uma espécie classificada com outro nome. Nesse exemplo,
os mamutes não são superiores nem inferiores aos elefantes, mas sim,
animais melhor adaptados às condições locais, isto é, um frio muito intenso. De modo semelhante, a cor branca da pele do homem “branco”
foi uma adaptação ao clima frio (menor quantidade de melanina, pois
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esta dificulta a penetração dos raios solares no organismo). A região
mais fria, com menos Sol, exigia uma adaptação que facilitasse a penetração dos raios solares.
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Seleção e Evolução: Modos de
reagir ao Meio
Introdução: Surgem novos organismos: Plasticidade
Podemos conjeturar que no começo havia a evolução “selvagem” ou
natural, ditada pela seleção das espécies. Imagina-se que, no início
do Universo, um número enorme de organismos/candidatos foram
gerados a torto e a direito, em virtude de processos mais ou menos
aleatórios de recombinação e mutação de genes. Esses organismos,
uma vez produzidos, foram testados pelo meio ambiente aconchegante ou hostil, conforme a formação aleatória de cada um. Sabe-se que
apenas alguns poucos, os mais bem adaptados, os que encontraram
um meio apropriado à sua estrutura ou, de outro modo, tiveram mais
sorte, sobreviveram. Esse processo ocorreu ao longo de milhões de
ciclos, produzindo várias formas, inicialmente de seres microscópicos,
como diversas bactérias; bilhões de anos depois, vegetais e animais.
Esse é o nível térreo da evolução, de criaturas primitivas. Houve, antes
disso, um subsolo ou palco onde deveriam tentar a vida os organismos
recém-formados.
Entre os novos organismos gerados ao acaso, vagarosamente, foram
aparecendo criaturas um pouco diferentes das anteriores; essas possuíam uma nova característica importante e ainda não existente: a
plasticidade fenotípica. Explicando melhor: surgiram alguns organismos
que não foram moldados totalmente no nascimento, isto é, neles havia
elementos em seu projeto que poderiam ser ajustados após o nascimento conforme o meio ambiente enfrentado. Esses organismos estavam preparados para viver e se modificar durante suas vidas conforme
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os eventos ocorridos durante suas experiências ou confrontos com o
mundo externo.
Animais condicionados
Muitos dos antigos organismos/candidatos, largados a sua própria sorte, não possuíam equipamentos ou estruturas capazes de facilitar, e
muito menos selecionar as opções comportamentais para “competir”;
internamente eles eram incapazes de perceberem recompensas ou
punições para, através dessas, aprenderem a procurar ou fugir do meio
atraente ou perigoso. Outros organismos foram mais felizes, como os
possuidores de plasticidade (modificações durante a vida), pois tinham
<strong class=”tag”>estruturas neurais</strong> capazes de produzir
aprendizagens, de possuírem “reforços” que favoreciam ações mais
adequadas para sua sobrevivência e sucesso; eram capazes de perceber quais condutas davam melhores resultados para eles. Esses indivíduos enfrentavam o meio do tipo “ensaio e erro”, isto é, gerando as
mais variadas ações que eram testadas, uma a uma, até encontrarem
aquela que “funcionava” melhor para aproximar ou fugir.
Podemos inferir que entre essas criaturas havia algumas cuja informação produtora da conduta herdada (comandada pelo seu genoma
puro) era mais fraca, isto é, ela não dominava o indivíduo totalmente; permitia certa modificação da pressão do herdado. Essas novas
estruturas, fazendo parte de certos organismos, permitiram nascer a
conduta condicionada (aprendida conforme prazer ou sofrimento).
A conduta, antes de ser realizada, era examinada segundo a previsão
de que um fato precede o outro, tanto para ser punido como para ser
gratificado (um cheiro de leão; a possibilidade de ser comido; um canto indicando possibilidade de se acasalar). O condicionamento é uma
forma ótima de crescer e desenvolver; o grande risco era que a criatura
poderia ser morta em razão de erros antes de aprender no encontro
inicial, o produtor de aprendizagem. Mas surgiram outras criaturas capazes de fazer previsões antes de entrar “numa fria”.
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Animais capazes de conjeturar (inferir)
Surgiram, na evolução, indivíduos carregando sistemas com equipamentos mais sofisticados que os condicionados, capazes de, antes dos
testes ou experiências diretas, fazer uma pré-seleção delas entre várias
condutas ou ações possíveis. Assim, nessas criaturas, antes da ação
direta com o estímulo, pode ocorrer crítica e eliminação de possíveis
opções, pois a conduta poderia ser estúpida. Nesses indivíduos há possibilidade de evitar o risco, imaginando o que poderá ocorrer: chover,
diante de certas nuvens e ventos, antes de se molhar.
Nós, seres humanos, somos criaturas capazes desse terceiro refinamento, mas provavelmente não sozinhos. Podemos chamar os beneficiários dessa terceira história de criaturas dotadas de hipóteses ou
de conjeturas; não de certezas. Os seus possuidores estão capacitados
para que suas hipóteses morram em lugar deles ou, de outro modo:
antes de molhar-me, prevejo e abro o guarda-chuva ou não saio de
casa. Nem todos os seres humanos possuem, eficientemente, essa capacidade. Certos indivíduos se entusiasmam com ganhos fantásticos,
que quase sempre falham; a psiquiatria tem chamado esses indivíduos
de portadores do Transtorno de Personalidade Anti-social.
As criaturas capazes de fazer previsões adequadas (hipotéticas) são
bem diferentes das criaturas apenas condicionadas, as que sobrevivem
porque têm sorte, isto é, têm que tomar chuva para aprender que não
era o que queriam, e, se a chuva for muito forte, podem morrer na enchente junto com o aprendizado. Nós, criaturas capazes de criar hipóteses, temos mais chances de escapar porque temos mais informações;
é claro que temos sorte de termos a capacidade de ficar mais bem
informados, muitas vezes antes de ter a experiência. Mas como se deve
realizar essa previsão, essa pré-seleção dos nossos atos? De onde vem
a previsão do que poderá acontecer, o retorno?
Ela vem de um ambiente íntimo, interno, de memórias estruturadas
junto com emoções e consciência de si mesmo e do mundo externo
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que permite que percebamos antes de simbolizarmos a experiência,
ou seja, uma percepção sensorial, sem palavras. Nosso cérebro tem
estruturas permitindo, devido ao seu projeto, que, em lugar de partir
concretamente para realizar a ação diretamente, e só depois saber o
que acontecerá, saber se ela será ou não prazerosa antes de realizá-la.
O cérebro, diante de representações formadas por uma tarefa futura
imaginada, produzirá internamente sentimentos e emoções agradáveis
ou desagradáveis antes da ação ventilada. Portanto, antes da realização
da ação concreta, temos consciência se ela será benéfica ou maléfica
para nós ao representar a ação em nossa mente. Desse modo, as ações
substitutas, ou seja, puramente imagéticas (virtuais) e emocionais,
favorecidas pelo nosso cérebro, passam a ser mais frequentes que as
próprias ações concretas, pois muitas dessas são imaginadas como indesejáveis: “Tudo indica que seria um desastre caso casasse com Adelaide; vou terminar o noivado”.
Assim, o ambiente interno, para ser eficiente, qualquer que seja ele,
precisa conter muita informação a respeito do ambiente externo, bem
como do interno. Somente assim poderemos ter uma boa pré-seleção,
a não ser fazendo uso de diversas magias que estão por aí, mas, mesmo no uso destas, precisamos ter uma boa pré-seleção delas.
Diversos fatores podem prejudicar essas estruturas: uma má-formação
neural hereditária, problemas diversos durante a gravidez, parto e nos
primeiros meses de vida e, também, acidentes, uso de drogas, etc.
Não devemos pensar que o ambiente interno é uma mera réplica do
mundo externo, com reproduções de todas as suas contingências físicas. Nada disso. É claro que a informação sobre o mundo tem de
estar presente, (presente e disponível, pois ela de nada servirá se nós
não nos lembrarmos dela no momento preciso), mas essa informação
também tem de estar estruturada de tal forma que permita uma explicação – não milagrosa – de como chegou e se formou, como se estabeleceu e se manteve e, também, como ela trabalha para realizar efetivamente a previsão, que efeito terá essa ou outra conduta; isso tem sido,
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exaustivamente, estudado pela neurociência.
Animais capazes de associar eventos
Chegamos agora, uma vez que já conhecemos as criaturas conjeturais, cujos cérebros têm o potencial de ser moldados em ambientes
internos com habilidade pré-seletiva, a uma pergunta: O que vem em
seguida? Como a nova informação sobre o ambiente externo pode ser
incorporada nesse cérebro de modo a ser mais bem utilizada, como é o
caso das associações entre os eventos?
Foram surgindo conexões entre regiões mais desenvolvidas, que permitem um controle preventivo mais bem adaptado e sofisticado. São
esses altos níveis de controle que possuem o potencial para grandes
aumentos de versatilidade. É nesse nível, em particular, que deveríamos procurar o papel ocupado pela linguagem (quando ela finalmente
entra em cena há mais ou menos 50.000 anos), transformando nossos
cérebros em hábeis pré-seletores. Temos nossa parte de comportamentos rotineiros e estúpidos, mas temos também alguns atos inteligentes. Nesses, frequentemente, nossa intervenção no mundo se faz
com inacreditável acuidade, compondo projetos primorosamente concebidos sob a influência de vastos conjuntos de informações a respeito
do mundo e de nós, mas como isso é difícil e trabalhoso…
As ações instintivas, que compartilhamos com alguns animais superiores, podem mostrar os benefícios da informação recolhida não apenas
por nossos ancestrais, mas também por nossos grupos sociais ao longo
das gerações, transmitidas de maneira não genética por uma “tradição” de imitação. Porém, nossos atos mais deliberadamente planejados mostram os benefícios da informação recolhida e transmitida por
membros de nossa própria espécie em cada cultura, incluindo, além
disso, itens de informação que nenhum indivíduo isolado foi capaz de
aprender ou compreender em qualquer sentido que seja. E, enquanto
uma boa parte dessa informação pode ser de aquisição bem antiga,
boa parte dela é nova em folha.
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Os sucessores mais desenvolvidos das criaturas hipotéticas são aqueles
cujos ambientes internos são informados pelas partes escolhidas do
ambiente externo. Podemos chamar a esse sub-sub-subconjunto de
seres hipotéticos de criaturas inteligentes, que alguns chamam de inteligência potencial – na criação de movimentos inteligentes ou, ainda,
inteligência cinética. Observe uma chave de fenda, como um artefato
bem concebido; ela não é o mero resultado da inteligência, mas um
provedor de inteligência (inteligência potencial externa), em um sentido bem direto e intuitivo. Quando alguém dá a outro uma chave de
fenda, ele aumenta o potencial do recebedor para realizar, de modo
mais seguro e tranquilo, movimentos inteligentes e complexos, muito
difíceis, ou impossíveis, de serem realizados sem sua ajuda.
Entre as ferramentas mais importantes, a usada em todo esse livro,
está o que tem sido chamado de ferramenta mental, que nada mais é
do que o uso das palavras. O que acontece ao cérebro humano quando
ele se torna equipado com palavras? As palavras, bem como o martelo,
a faca e o serrote podem ser mal-usadas. Quando isso acontece há geração de disfunções e de condutas não-eficientes: marteladas na cabeça e cortes na língua.
Encéfalo em desenvolvimento: inteligência
O organismo, à medida que se desenvolve e dá origem à produção de
comportamentos mais complicados, forçosamente necessitará, também, de um processador de informações intermediário (uma rede de
neurônios interposta entre a entrada e a saída da informação) mais
bem desenvolvido e sofisticado. Para processar (entender e explicar
para si ou para outro) informações complexas, formadas em grupos ou
áreas separadas do encéfalo, é necessário contar com um grande número de interconexões (ligações) entre as diferentes áreas estimuladas
e as respostas possíveis de serem efetuadas conforme os problemas
enfrentados.
Alguns teóricos acreditam que certos indivíduos nascem mais “inteliVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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gentes” que outros. Segundo essa explicação, eles teriam, já ao nascer,
seus cérebros diferenciados (mais capacitados) para notar as características sutis e não semelhantes entre um fato e outro, isto é, tais sortudos apresentariam uma maior sensibilidade à percepção de diferentes
aspectos das situações; não enxergam tudo igual.
Para essa especulação, os encéfalos desses indivíduos nasceram com
uma rede neuronal mais rica em circuitos e associações entre eles, isto
é, eles teriam, ao nascer, um cérebro potencialmente mais bem equipado para dar origem a uma nova rede neural mais sofisticada, a que é
construída após o nascimento.
De outro modo: parece que alguns cérebros, desde o nascimento,
estão melhor preparados ou equipados para serem mais sensíveis às
filigranas dos acontecimentos. O organismo virtualmente mais bem dotado, quanto ao seu sistema neural, deverá formar do nascimento até
próximo dos dezesseis anos mais conexões entre as diferentes células
nervosas (neurônios), desde que submetido a um meio ambiente rico
em diferentes situações. Portanto, trilhões de novas formações nervosas intermediárias podem ser produzidas entre os pólos de entradas e
de saídas, ou seja, entre os estímulos e as respostas, havendo um bom
substrato inicial e uma boa escola do mundo para ativar os neurônios,
isto é, a rede final e adulta dependerá do arranjo inicial e da experiência posterior.
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Os grandes primatas africanos:
Nasce o homem Evolução: Início e Datas
A paleontologia refuta o pressuposto histórico de que a inteligência
tem valor. Prova disto é que as espécies animais, realmente bem-sucedidas na Terra, como os besouros e ratos, encontraram melhores
caminhos para chegar à dominância atual gastando pouca energia em
seus cérebros.
Durante a história da vida na Terra, um enorme número de espécies
apareceu e desapareceu. Seus organismos não suportaram as condições do meio ambiente, isto é, suas estruturas biológicas foram incapazes de tolerar ou adaptarem-se às condições desse ambiente hostil.
Há milhões de anos, éramos menores que agora; também, nosso cérebro era muito pequeno e primitivo. O homem não falava, guinchava.
Os cientistas deram o nome de Tupaiídeo, isto é, uma família de mamíferos da ordem dos escandêntias, que compreende as tupaias (semelhantes aos esquilos), de focinhos longos, encontradas no Sudeste asiático. Esse grupo tem sido frequentemente incluído entre os primatas
ou entre os insetívoros, os que se alimentam de insetos. O Tupaiídeo,
nosso ancestral, existiu há setenta milhões de anos; o homem primitivo apareceu há quatro ou seis milhões de anos. O Tupaiídeo era uma
criatura trepadora, vivia comendo insetos; tinha o tamanho de um
rato. Devagar fomos mudando e adquirindo outros substratos cerebrais
(núcleos, circuitos, córtex), um novo organismo: bem mais sofisticado e
eficiente que o do nosso ancestral mais afastado dos homens.
Aparecimento dos primatas
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Sabemos que há um hiato entre os homens e os macacos. O ancestral
comum do homem ou macaco não foi humano ou macaco. Os primatas
fazem parte de uma ordem de mamíferos que compreende o homem,
os macacos, os lêmures e formas relacionadas, especialmente arborícolas e onívoros. Eles são dotados de cérebro grande e diferenciado,
olhos bem desenvolvidos e voltados para a frente, permitindo a visão
binocular, e membros com cinco dedos, o primeiro geralmente oponível aos demais.
Um primata fóssil, que viveu há 10 a 14 milhões de anos, chamado de
Ramapithecus, parece ser o ancestral direto dos homens. Ele existiu
antes de as linhagens dos grandes macacos terem se separado umas
das outras. Concluindo: os humanos formam um grupo irmão de todos
os grandes macacos; não descendemos deles, somos irmãos. A surpresa dos estudos foi a descoberta de que a espécie irmã para os humanos
não é o grupo de grandes macacos, como a taxonomia sugeriu, mas
sim apenas o chimpanzé (99,5 do nosso genoma) é nosso irmão; os
outros, como os gorilas e orangotangos, são primos.
Há muito tempo na África…
Era uma vez na África: a terra se abriu provocando uma imensa fenda
de milhares de quilômetros. De um lado e outro, uma imensa cordilheira foi formada; ela separava uma região da outra e, em cada lado, habitava uma população de macacos. Como a chuva vinha mais do Oceano
Atlântico, os macacos de um lado da montanha não sentiram muito o
acontecimento: a floresta manteve-se como estava. Entretanto, a região da outra parte teve sua floresta cada vez menos irrigada. Aos poucos ela foi se acabando.
Como se pode imaginar, os macacos que moravam na região seca tiveram que mudar seus hábitos para sobreviver. Foi nesse novo ambiente
hostil que nasceram os primeiros hominídeos. Em resumo: o homem
não viveu sempre aqui. Antes dele, milhões de outras espécies o precederam e a presença de algumas famílias foi fundamental para o nosso
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aparecimento. Inferindo de outro modo: se certas espécies tivessem
desaparecido numa época – ou se não tivessem existido -, eu não estaria agora escrevendo essas idéias, nem você estaria lendo-as.
Assim é que nos quatro ou seis bilhões de anos da história da vida em
nosso planeta, o homem foi precedido por moluscos flutuantes, estranhas florestas de samambaias, imensos dinossauros, lagartos voadores,
mamíferos gigantes e milhões de outros animais cujos ossos de muitos
jazem sob as pedras caídas de placas de gelo continentais desaparecidas.
Portanto, todos os seres vivos, sem exceção, como os unicelulares,
vegetais, animais, e, logicamente, todos os homens (brancos, negros,
amarelos) que existem ou existiram, pertencem a uma única árvore
genealógica. Cada espécie ocupa nessa árvore ramos francamente diferentes, por vezes, muito afastados uns dos outros, mas todos partilham
da mesma origem; somos parentes de todos; fomos fabricados pelos
mesmos ingredientes, ou seja, pós da natureza (elementos químicos);
são pequenas as variações entre um organismo e outro com respeito
aos componentes. Em resumo: somos farinha do mesmo saco.
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Os grandes primatas africanos:
Nasce o homem
Podemos nos considerar um dos grandes símios africanos. Temos as
mesmas partes anatômicas que eles e as mesmas (ou quase) proteínas.
Das proteínas até hoje sequenciadas em símios africanos e em humanos – cinco cadeias de hemoglobinas, mioglobina, citocromo C, anidrase carbônica e fibrinopeptídeos A e B – a maioria não exibe sequer uma
diferença de aminoácidos entre espécies, e o número total de substituição de aminoácidos é de apenas cinco em um total de 1.271.
Com base na evidência fóssil e molecular, percebemos agora que nossos ancestrais divergiam dos ancestrais dos símios africanos atuais há
apenas sete milhões de anos. Isso não passa de um piscar de olhos na
escala de tempo evolutiva, bem menos que 1% da história da vida na
Terra. Consequentemente, nosso DNA é hoje 98,4% (ou 99,5 %) idêntico ao das outras espécies de chimpanzés, o comum e o pigmeu. Se
aqui viesse um extraterrestre, para classificar os animais, ele nos colocaria junto com os chimpanzés. Na verdade, nossos atributos únicos,
a nossa diferença para com os chimpanzés, é muito menor do que os
1,6%.
Cerca de 90% do nosso DNA é sucata não-codificante, ou seja, uma
parte de pouquíssima importância no nosso comportamento. Assim
sendo, para muitos cientistas, apenas a minúscula fração de 0,1do nosso DNA poderia explicar por que agora estou discutindo evolução na
linguagem de “O Alienista” de Machado de Assis, em vez de estar catando folhagens e frutos, sem pronunciar uma só palavra, pulando de
galho em galho na selva e tirando pulgas dos irmãos chimpanzés.
A pergunta é: Como é que esses poucos genes causam uma diferença
de comportamento tão imensa? Esse é um problema interessante da
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biologia moderna.
Uma primeira resposta seria: os genes são os responsáveis pelo nosso cérebro grande, quatro vezes maior que o do chimpanzé, e muito
maior em proporção ao resto do corpo. Também nossa bacia foi modificada para a postura ereta, levando à liberação das mãos para outros
usos; além disso, as características sexuais, como menopausa, ovulação
não-evidente e a formação de casais, rara entre os mamíferos, facilitaram a criação de nossas indefesas crianças.
Mas a postura ereta tem quatro milhões de anos e o aumento do nosso
cérebro dois milhões de anos, entretanto, só há 500.000 (quinhentos
mil) anos alcançamos a arcaica categoria do Homo sapiens. O homem
de Neandertal, mais moderno, tinha o cérebro um pouco maior que o
nosso atual, mas ele continuou a produzir ferramentas de pedras rudimentares; depois foi dizimado. Portanto, o cérebro grande é antigo. O
homem, nesta época, caçava pequenos animais, apenas os que podiam
ser mortos de perto: antílopes, animais muito novos ou muitos velhos,
isto é, fracos. Os animais mais perigosos, porcos selvagens ou rinocerontes, não eram visados, pois o caçador poderia ser caçado antes de
agarrar a caça. Assim também acontecia com os peixes e aves, pois as
armas modernas e anzóis não haviam sido inventados em todas as regiões onde o homem antigo viveu, apesar do grande cérebro, pois suas
ferramentas ainda eram semelhantes.
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A notável mudança
Somente nos últimos 10.000 (dez mil) anos se produziram diferenças
culturais extraordinárias. Entretanto, antes disso, há 100.000 (cem mil)
anos, geneticamente, 99,9% do cérebro antigo era semelhante ao nosso atual. Faltava algo.
Cada espécie aprende certas coisas mais facilmente que outras. Há cerca de trinta e oito mil anos, apareceram na Europa os primeiros Homo
sapiens anatomicamente modernos. Fabricados por esse novo grupo
surgiram os primeiros instrumentos musicais, pinturas rupestres, pequenas estátuas e outros objetos nunca antes criados. Há também evidência de que o enterro intencional dos mortos, antes não existente,
apareceu, sugerindo a possibilidade, nesse período, da emergência da
religião, da idéia de Deus, antes inexistente.
As ferramentas, antes mal feitas, tornaram-se mais eficientes e delicadas. Nessa época surgiram os anzóis, as agulhas e instrumentos para
polir pedras e furar couro. Também a corda foi criada e meios de navegação foram inventados.
Mas nem tudo são flores. Houve um avanço sinistro da nova conduta
humana (inteligente) e, consequentemente, de maior poder. Ocorreu a
extinção de 90% das espécies de grandes animais da Austrália e Nova
Guiné após a colonização dessas regiões. Uma extinção semelhante
apareceu na Europa e África. Finalmente, o homem de cérebro grande
de Neandertal foi exterminado com o uso de novas técnicas e armas
pelo novo grupo, os mais inteligentes e criativos. Os homens de Neandertal foram expulsos ou mortos. Não há nenhum homem atual que
descende do homem de Neandertal, indicando que não sobrou nenhum para semente.
Mas o novo homem, mais apto e sempre criativo e, ao mesmo tempo,
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destruidor, não tinha uma anatomia moderna quando comparado com
a de milhares de anos atrás; todos eram parecidos. Portanto os 0.1dos
genes não atuaram na anatomia. Tudo indica que os 0.1 dos genes
responsáveis pela mudança mais importante ocorrida diz respeito ao
aperfeiçoamento da linguagem. A fala, nesse grupo, tornou-se muito
mais rica do que era antes em todos os grupos de homens descritos:
combinamos algumas unidades de vogais e consoantes para formar
unidades maiores de milhares de palavras, que são reorganizadas em
orações e, finalmente, em períodos.
Um fato interessante: o homem atual, após o nascimento, nós todos,
repetimos o estágio ontogeneticamente existente nos antigos mamíferos. Inicialmente temos apenas ações dominadas pelo cérebro antigo,
o subcortical (emoções, funções corporais); engatinhamos e depois andamos em pé. Ao nascer, nada falamos. Aprendemos primeiro a soltar
alguns sons; depois aprendemos alguns termos para designar a mãe, a
comida, etc., até conseguirmos, em torno dos três anos, formar frases
e períodos, do mesmo modo que o homem primitivo de 50.000 (cinquenta mil) anos atrás aprendeu.
Atualmente, mesmos os povos tecnologicamente mais primitivos possuem linguagens semelhantes à nossa. Existem várias línguas inventadas pelos homens. Em certas regiões, onde se fala uma língua, alguns
utilizam outra, que é uma língua simplificada que permite a expressão
e a compreensão razoável. Os primeiros escritos sumerianos apareceram nos anos 3.000 a C; os egípcios, também, 3.000 a. C.
Um resumo das datas após a separação dos
primatas-irmãos
O aparecimento e evolução do homem, a partir de sua separação dos
chimpanzés, podem ser resumidos da seguinte maneira:
1. 6 a 4 milhões de anos: separação dos chimpanzés;
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2. Surge o Australopiteco – o mais primário hominídeo relatado – há
cerca de 4 a 1.5 milhões de anos (postura ereta; alimento compartilhado; divisão de trabalho; estrutura da família nuclear; maior número de crianças; maior período de inatividade);
3. Há 2 milhões de anos surge o Homo habilis, mas este era ainda parecido com os australopitecos: ferramentas de pedras para cortar sem
cuidado; cérebro variável e maior;
4. Homo erectus, surgiu de 1.5 milhão a 300.000 anos (cérebro cresceu,
uso de ferramentas mais elaboradas, migração da África; campos sazonais, uso de fogo e divisão de funções elementares);
5. Homo Sapiens Arcaico, nosso imediato ancestral, cerca de 250.000
anos (segundo maior aumento do cérebro; mudança na anatomia da
corda vocal; início para assumir a forma moderna);
6. 50.000, homem moderno;
7. 38.000, primeiros Homo sapiens sapiens anatomicamente modernos
na Europa;
8. 10.000, produção de diferenças culturais marcantes.
Concluindo: pode-se afirmar que a origem do homem tanto é a origem
do Universo há 15 bilhões de anos; como da Terra há 5 bilhões; da vida
há 4 bilhões; do aparecimento dos primeiros animais com coluna vertebral há 500 milhões de anos; dos mamíferos, que surgiram há 200
milhões de anos; da nossa família (de nossos parentes mais próximos),
isto é, dos primeiros primatas, há 70 milhões de anos e, finalmente,
dos nossos ascendentes mais diretos ou avós, que apareceram há 35
milhões de anos.
O gênero humano não apareceu em diversos sítios do planeta, modelou-se, pouco a pouco, num único lugar ocupado atualmente pela
Etiópia, Quênia e Tanzânia. Todos os homens, ao que tudo indica, vieram do leste da África. Nosso ramo mais próximo há 10 milhões; nosso
gênero há 6 ou 4 milhões de anos.
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A capacidade do ser humano para aprender é muitas vezes maior que
a existente nos outros animais. Não devemos nos esquecer que a capacidade para aprender foi selecionada, como todos os outros traços; os
nossos genes permitiram esse aprendizado do homem diferente do dos
outros animais.
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Genética: Genoma, Genes,
Transcrição
Uma célula-ovo fertilizada pesa cerca de cinco centilmilionésimos de
uma onça (uma onça equivale a, aproximadamente, 28,349 g. Faça as
contas). Assim, o peso de uma célula-ovo fertilizada pesa em torno de
cinquenta bilhões de vezes menos que o peso de um adulto. Você, leitor especial, que não é tão burro como os outros, deduz que esse peso
restante do adulto é adquirido através do meio externo, isto é, dos alimentos.
Um óvulo, uma vez fertilizado, origina uma multidão de células – bilhões nos seres humanos. Devemos observar células e genes. O comportamento celular é controlado pelos genes. As células são as unidades básicas do embrião em desenvolvimento. Nosso corpo possui 250
tipos de células diferentes que se submetem à morfogênese, padrão
corporal, conforme uma organização especial, cada uma no seu lugar. É
essa organização na formação corporal e consequentemente na organização espacial que nos distingue de outros vertebrados. Não há em
nosso cérebro nenhum tipo de célula que os chimpanzés não possuem.
Todas as células possuem a mesma informação genética recebida do
ovo. Portanto, as diferenças entre elas resultam de diferentes genes
serem ligados e desligados. As diferenças entre certos genes da mosca
e do homem são sutis: os da asa da mosca e os membros de um vertebrado são semelhantes.
Gene é o que de fato transmitimos aos nossos filhos. Mas o gene,
por si só, é incapaz de agir; não engordamos apenas devido ao gene.
Aceita-se, com muita facilidade, a equivalência entre noção de “gene”
e a de “programa”. Mas o gene não é mais que uma reunião passiva de
moléculas químicas que poderá reagir frente a outros produtos químiVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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cos provenientes do meio ambiente externo. É um erro “personalizar”
o gene atribuindo a esse um destino e uma vontade própria (fantasma,
homúnculo, alma). Também, erra-se ao acreditar que o gene impõe,
através do programa que carrega consigo, este ou aquele comportamento complexo. Essa idéia está errada.
Ovos são estruturas biológicas pouco complicadas, comparados com
o que sai deles, como o cérebro ou o rim, por exemplo. Como pode
a complexidade surgir da simplicidade? Há um princípio de vida, um
princípio organizador. Este é formado por moléculas imensamente
compridas, ao longo das quais há uma enorme quantidade de informação, escrita numa língua de quatro letras (que são os nucleotídeos)
presentes no núcleo de cada célula. Essa molécula, supostamente, diz
ao organismo em desenvolvimento, a mosca, o pintinho, você, como se
construir. O organismo então é a informação de DNA transformada em
carne e osso.
Mas na verdade não é assim que o DNA atua no desenvolvimento. O
DNA não faz a mosca, e não basta um pouco de DNA de dinossauro
para fazê-lo, assim como estrogonofe não é feito do papel e da tinta
do livro de receita. O DNA da bactéria é repleto de ferramentas químicas; algumas lêem a fita de DNA; outras fazem novas ferramentas em
função do que foi lido na fita, inclusive as próprias ferramentas para
ler a fita. Outras são estruturais, ou bombas químicas, ou lidam com a
comida e energia. A pequena oficina produz novas peças para ela mesma, como máquinas e tijolos para suas paredes; ela cresce. Algumas
ferramentas duplicam o DNA; em certo momento algumas ferramentas
realizam uma divisão.
A maior parte do que acontece na formação da mosca é igual ao que
acontece para formar você e eu. Por que os organismos são diferentes? Não são devido a grandes mudanças no DNA. É o controle inicial
onde os caminhos se divergem – moscas e galinhas poderiam usar o
mesmo DNA – um kit de DNA não nos indicará que organismo será
formado. O DNA do ovo não consegue iniciar o desenvolvimento por
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conta própria; as ferramentas para ler e trabalhar o DNA devem estar
disponíveis e funcionando perfeitamente – fornecidas pelas regiões do
ovo ao redor do núcleo original. O desenvolvimento de quase todos os
animais começa no ovário da mãe, quando as células são construídas,
não requerendo mensagens do seu próprio DNA até que a estrutura
do ovo tenha moldado a arquitetura básica do futuro animal. Só então
os genes homeobox – homeóticos, que controlam o desenvolvimento,
sabem onde estão e o que devem fazer.
A fertilização ocorre tardiamente no desenvolvimento; o ovo estava
preparado para começar a construção do animal e o espermatozóide
serviu apenas para dar um cutucão, além de sua contribuição de DNA,
que difere pouco da do ovo. O ovo é como uma arma carregada. O
DNA é a fita, o ovo o toca-fitas. É preciso que a fita seja colocada no
local certo para ser tocada, ajustar o volume, escolher quais trechos
serão ouvidos e em que ordem; então, aperta-se a tecla. O DNA de dinossauros obtido de sangue de dinossauro preservado num carrapato
em âmbar não faz um dinossauro. Para tocar a fita de DNA de um dinossauro você precisa de um ovo dele da mesma espécie: o toca-fitas
adequado. O DNA é a metade do caminho.
De onde vem a espantosa diversidade dos homens? Dos dois fatores
gerais: hereditariedade e meio ambiente. Herdamos os genes que as
células sexuais contêm. Mas os genes não são as granulações pigmentares da pele, nem a essência da inteligência; os genes condicionam ou
permitem o aparecimento desses e de outros aspectos que exibimos.
Eles forçam (obrigam) o desenvolvimento que deverá ser seguido de
um determinado caminho (a pele poder ser um pouco mais clara, ou
mais escura; podemos ter um grau maior, ou menor, de inteligência).
Os genes são bastante estáveis, resistentes à mudança do ambiente
e mesmo independente deste, isto é, são conservadores. Eles constroem seus próprios “edifícios” fazendo uso de substâncias que não
são genes, em última análise, do alimento. Os genes estão entre os
constituintes celulares mais quimicamente ativos; eles trabalham para
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transformar as partes suscetíveis do ambiente – o alimento – em reproduções suas.
Ocasionalmente o processo dessa reprodução sai errado; há um erro
de montagem. Na maioria das reproduções imperfeitas dos genes ocorre, também, a incapacidade de se reproduzir, como uma mercadoria
fabricada com defeito que não tem saída, não é vendida; é jogada no
lixo. Por isso, no caso de erro de fabricação, eles se tornam não-genes.
Passando a não ser mais genes essas substâncias se tornam produtos
imprestáveis e, desse modo, esses são abortados espontaneamente.
Entretanto, uma minoria dos genes alterados se reproduz; é comprada
pelo mercado. Sendo os genes mutáveis, alguns deles, numa população
(grande número de compradores), fornecem a matéria-prima para o
processo evolutivo (mudança do gene, reprodução, novo indivíduo, de
nova espécie, etc.). O desenvolvimento do organismo é efetuado através da atividade de uma constelação de genes. Estes se acham integrados, formando um todo coerente.
O desenvolvimento do indivíduo, ao contrário da estrutura dos genes,
é, de certo modo, facilmente modificado pela influência do ambiente:
alimentação, doença sofrida, criação, educação, relação com outras
pessoas. Tudo isso afetará o desenvolvimento final. Além disso, o efeito
do ambiente sobre uma pessoa é cumulativo. Os genes que você tem
no corpo são reproduções dos que você nasceu com eles, mas sua personalidade e seu modo de ser podem continuar sendo transformados
continuamente.
Genótipo, fenótipo e patogênese
O genótipo é a composição genética de um indivíduo; mais frequentemente usado a respeito de um gene ou grupo de genes. O fenótipo é
a aparência do organismo em um dado momento ou fase da evolução;
uma projeção dos ambientes que você viveu até a medida realizada e
julgada.
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As características pessoais são tanto herdadas como devidas ao ambiente, como, por exemplo, um resfriado. Uma pessoa precisa expor-se
a um ambiente que contém o vírus para adquirir a infecção, mas ela
precisa ter genes humanos para ser invadida pelo vírus. O vírus de nossa gripe não atinge gatos e ratos, como também o vírus da gripe aviária
não atingia o homem; agora, alguns mutantes começaram a invadir o
organismo de alguns homens. O que ocorrerá é uma incógnita, pois
alguns homens são, provavelmente, mais sujeitos a se resfriarem que
outros (grupos de risco). Haveria outra peste (gripe aviária) negra? Ninguém sabe.
Há certa proibição implícita das relações incestuosas (por exemplo,
com filhos) entre as culturas diversas e também entre alguns primatas.
Isso impede, em parte, os nascimentos de crias portadoras de mutações perniciosas à espécie. Ao mesmo tempo, devido à ação da cultura
(governo, religião), há também uma rejeição para o comportamento
dos diferentes dos normais. O desviante (transviado, divergente) não é
aceito pela sociedade, pois sua conduta peculiar põe em risco a saúde
e recursos da comunidade ordeira e homogênea. Tudo isso visa à preservação ou conservação da espécie como ela é.
A depressão está relacionada à diminuição dos neurotransmissores,
serotonina e noradrenalina (mecanismo), mas não revela o processo
subjacente (causa ou etiologia). A alteração biológica, diminuição da
utilização dos neurotransmissores, pode ser um produto final comum
refletindo uma etiologia do meio ambiente ou genética, ou de ambos.
Por exemplo: sabe-se que há mais mulheres deprimidas que homens;
sabe-se ainda que as depressões estão associadas a um menor poder
social. Concluindo: as mulheres, historicamente, desfrutaram e ainda
desfrutam de menos poder político. Assim, estudos mostram que a
serotonina (associada à depressão) está alterada devido a mudanças
no status social (diminui com a submissão). Por outro lado, os níveis de
testosterona e cortisol sobem em resposta a uma variedade de eventos
sociais. Essas mudanças químicas, por sua vez, alteram a probabilidade
de comportamentos, tais como a vigilância e as respostas a outros.
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Certas interações sociais são essenciais para a homeostase fisiológica
e psicológica dos adultos e das crianças. As pessoas vulneráveis às doenças mentais tendem a ter capacidade reduzida para manipular seu
meio ambiente para produzir homeostase (equilíbrio interno) e uma
maior probabilidade de desenvolver um transtorno; parece que essas
dificuldades associam-se a genes mutantes. Tudo isso são especulações
que começam a ser estudadas.
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O Genoma e Genes
O genoma (conjunto de todos os genes de uma espécie de ser vivo; de
todas as moléculas de DNA presentes em uma célula de determinada
espécie de ser vivo) exerce duas funções básicas. A primeira é replicar-se, mantendo fidelidade ao tipo e, segundo, transferir suas informações e suas “ordens” à célula e ao indivíduo. De outro modo, numa
função ele replica mantendo iguais os genes; numa outra, ordena ou
informa mensagens que podem ser ou não desenvolvidas conforme as
ações do indivíduo; uma informação do que fazer e do que deixar de
fazer.
Os genomas de uma população, que partilhem determinados genes,
podem sofrer mutações (mudanças, transformações, alterações, modificações súbitas no genótipo de um indivíduo, sem relação com os ascendentes, mas passível de ser herdada pelos descendentes) de genes
individuais, alterando, de maneira descontínua, a informação contida
no genoma original.
No genoma há um evento chamado de transcrição, por meio do qual o
genoma se transcreve (escrever novamente – um determinado conteúdo – em outro lugar; traslada, copia, reproduz) em uma sequência de
ácido nucléico. Depois a sequência de ácido nucléico se converte numa
sequência correspondente em molécula de proteína; um processo chamado de tradução (translação).
As proteínas apresentam várias, na verdade, todas as atividades funcionais básicas necessárias para compreender como atuam e se desenvolvem os seres vivos. Algumas têm função catalítica (modificações
da velocidade de uma reação química provocada por uma substância
que está presente em pequenas quantidades e pode ser recuperada ao
final), outras reguladora, outras, ainda, ambas as funções, e algumas
morfogênica (forma, estrutura).
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É somente devido às funções reguladoras das proteínas que a pessoa
torna-se um sistema de totalidade coerente, trabalhando dentro de
si mesma, para si mesma, em virtude de grande número de realimentação (feedback) entre as proteínas e outras funções celulares, outras
remontam ao gene; de outro modo, sem esse processo não haveria o
indivíduo organizado.
Em resumo, a evolução pode ser pensada em termos de alteração do
programa de desenvolvimento, de maneira que determinadas estruturas sejam modificadas, formando novas estruturas. São apenas os
genes que mudam na evolução; portanto, compreender como eles controlam o desenvolvimento é fundamental para compreender a evolução dos animais e plantas. Um pressuposto central é o de que o estado
de uma célula é determinado pelos genes ativados e, portanto, pelas
proteínas presentes.
É importante notar que a maquinaria básica é a mesma nos diversos
seres vivos, desde que o código genético e o aparelhamento químico
da herança operam conforme os mesmos princípios fundamentais, da
bactéria ao homem. O que distingue uma espécie da outra, ou um indivíduo do outro, deve ser referido à informação existente no genoma.
Esta é a única informação sobre a qual a seleção pode ser feita.
Os genes sofrem recombinações (nova estruturação), de modo que as
novidades aparecidas sob forma de mutações podem ser contrapostas
umas às outras, ou seja, as novidades que aparecem em diferentes
indivíduos da população podem passar a ser recombinadas, desfeitas
e submetidas a testes, sob a forma de novos genótipos; o número de
combinações possíveis é enorme.
As mutações que ocorrem ao nível de moléculas isoladas não podem,
por sua própria natureza, ser previstas e não podem ser individualmente controladas; as mutações físicas são irreversíveis. Assim, se nós
temos isso ou aquilo novo e não o antigo, haverá evolução, pois há a
conservação dos acidentes (mutações). Os acidentes surgidos podem
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ser recombinados e expostos à seleção natural; testados à realidade do
meio ambiente. Nesses casos os novos organismos produzidos pelas
mutações são desafiados pelo meio ambiente. O meio, interno e externo, colocará o organismo modificado (novo) sob teste, investigando se
nova forma resistirá ou fracassará no ambiente onde ele se encontra. A
imprensa popular frequentemente relata casos de indivíduos formados
de modo diferente (mal-formados) do esperado; alguns resistem, outros não. A experiência mostra que uma grande quantidade de mutações desaparece por não resistir ao ambiente inadequado.
A capacidade do ser humano para aprender é muitas vezes maior que
a existente nos outros animais. Não devemos nos esquecer que a capacidade para aprender foi selecionada, como todos os outros traços,
pelo nosso genoma; os genes que possuímos permitiram esse tipo de
aprendizado diferente de outros animais. Sabemos que cada espécie
aprende certas coisas mais facilmente que outras. O cientista questiona: como essa resposta particular, não outra, pode ser facilmente
aprendida? Por exemplo: qualquer criança aprende, sem esforço (naturalmente), a falar, em todos os lugares. Mas nenhuma criança aprende
“naturalmente” a tocar piano, ou mesmo aprender a ler, escrever, ser
um bom cantor, um craque de futebol, etc.
A capacidade para absorver a cultura também é um traço da evolução.
A maneira de criar filhos (os sapos e cobras não criam os filhos), bem
como certos padrões estáveis de sexualidade (os outros mamíferos,
com exceção do homem – raramente em chimpanzés – não têm relações sexuais como nós, isto é, um de frente para o outro) e outros, são
comportamentos, em grande parte, culturais, mas sempre formados
e possíveis de serem desenvolvidos por existir uma determinada base
biológica. Daí ser um erro ver a biologia e a cultura como opostos.
Nossa espécie, como as outras, é uma espécie singular. Entre suas características, talvez a mais notável e que provocou a “grande mudança”
é sua capacidade exclusiva da linguagem simbólica falada e escrita. O
homem é capaz de abstrair, deixar de lado o concreto imediato e peVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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netrar no mundo de idéias, no abstrato mundo da lógica, das teorias
científicas e da matemática.
Mas fica a pergunta: De que modo esse “Terceiro Mundo” mostra-se
adequado para descrever o mundo real? Esta é uma questão difícil de
ser respondida, pois não temos como escapar do uso do nosso binóculo humano: sempre percebemos e descrevemos o mundo com a estrutura biológica que possuímos conforme uma determinada época.
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Genes: informações e conduta
Os cientistas diziam que tínhamos cerca de cem mil genes. Nos últimos
anos esse número caiu para bem menos, talvez cerca de sessenta mil;
pouco mais que os genes existentes na frágil e pequeninha drosófila,
nossa querida e conhecida mosca das frutas (bananas, laranjas e outras).
O genoma estabelece a estrutura exata ou próxima da exata de determinados sistemas e circuitos importantes nos setores evolutivamente
antigos do cérebro humano: tronco cerebral, hipotálamo, o prosencéfalo basal e, provavelmente, a amígdala e a região do cíngulo. O principal papel dessas estruturas cerebrais é o de regular os processos vitais
básicos (respiração, batimentos cardíacos, sexo, fome, etc.) sem ser
necessário recorrer à mente ou à razão. Este é o comando mais simples
e capaz de realizar condutas rápidas e intuitivas (nosso primeiro cérebro ou cabeça). Portanto, muitas especificações estruturais são determinadas pelos genes, isto é, nascemos com esse potencial.
Por outro lado, temos cerca de dez trilhões de sinapses (conexões ou
associações de neurônios formadas após o nascimento) determinadas
pela atividade do organismo vivo – aprendizado – à medida que este se
desenvolve em interação com o meio ambiente (nosso segundo cérebro ou cabeça). As sinapses podem ser modificadas (evolução temporal
individual) ao longo do tempo. Não se deve esquecer que todo esse
segundo processo (o aprendido) é ajudado, formado ou regulado pelos
circuitos inatos e mais antigos. Concluindo: os genes propiciam também a possibilidade do desenvolvimento de outros circuitos ainda não
formados no nascimento (as sinapses); para que isso ocorra o organismo precisa ser estimulado ou ativado à medida que a pessoa interage
com determinados ambientes físicos e sociais e, ainda, ser um organismo normal ou padrão. Todos sabem que a musculatura do bíceps irá
aumentar somente se seu possuidor a usar, exercitando esse ou aquele
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músculo; que a fala, no homem, só aparecerá caso ele seja estimulado
pelas conversas de seus criadores (a criança surda não aprende a falar
como a não-surda); aprenderá a ler se esse hábito for incentivado.
Em resumo, os genes especificam e dirigem os circuitos inatos (coordenadores das funções vitais) a exercer uma poderosa influência sobre, virtualmente, todos os outros sistemas que sofrem modificações
continuadas em virtude das experiências. Essa influência avaliadora e
reguladora sofre modificações em virtude das interações do organismo
total com o meio ambiente. Esse processo é realizado com a ajuda da
produção de diversos neurotransmissores e peptídeos como a dopamina, noradrenalina, serotonina, acetilcolina, endorfinas e outros liberados em regiões do córtex cerebral e dos núcleos subcorticais.
Genes e meio ambiente
O córtex sensorial primário pode ser a parte do cérebro que é mais
dependente dos estímulos (entradas, experiências) para um desenvolvimento adequado.
Para que o fêmur adquira a forma apropriada para um bom funcionamento, torna-se necessário que a cabeça deste se articule, durante
a gestação, com o acetábulo no quadril (cavidade do osso do quadril
onde se articula o fêmur) que é moldado por outros genes diferentes
dos que lhe dão certa forma. Portanto, a plasticidade (mudança devido
ao contato) do fêmur permite a ele adquirir a forma que tem; ela não é
especificada de maneira exata através dos genes; precisa relacionar-se
com o acetábulo. Assim, a cabeça do fêmur e o acetábulo ajustam suas
formas conforme fazem rotação, um contra o outro, quando o bebê se
esperneia no útero de sua mãe. Num laboratório, se o animal, experimentalmente, for paralisado no útero, ele nascerá, muitas vezes, com
as articulações deformadas; muitas outras situações são semelhantes.
Os mecanismos que possuímos geneticamente não são projetados
para permitir que ambientes variáveis moldem órgãos variáveis. Fazem
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o oposto; os genes asseguram que apesar dos ambientes variáveis
desenvolva-se um órgão que seja capaz de fazer seu trabalho corretamente. Assim como o fêmur e o cristalino e todo o restante do corpo,
o cérebro, também, tem de usar circuitos de retorno (“feedback”) para
moldar-se e tornar-se um sistema que funcione efetivamente, e isso se
aplica especialmente às áreas sensoriais que precisam lidar com os órgãos sensoriais (dos sentidos) em crescimento.
O comportamento não provém diretamente da cultura ou da sociedade. A flexibilidade dos humanos existe por eles serem programados
(determinados, sem escolha) para serem flexíveis; a estrutura dos
programas não muda com as culturas. O comportamento inteligente
é aprendido com êxito porque temos sistemas inatos que promovem
esse aprendizado.
Todas as pessoas podem ter motivos bons ou maus para agirem de um
modo ou de outro, mas nem todas irão converter seus pensamentos ou
intenções em comportamentos da mesma maneira; nem todos matam
o inimigo asqueroso, ainda que, muitas vezes, tal idéia nos venha à cabeça.
Hoje se pode afirmar que a atividade de processamento de informações do cérebro dá origem à mente que exibimos; nossa vida mental
depende inteiramente de eventos fisiológicos existentes nos tecidos
do cérebro. Todo aprendizado decorre de mudanças em algum lugar
do cérebro, isto é, da sua estrutura inicial (ao nascer) e das mudanças
ocorridas nessa estrutura original desenvolvida conforme as experiências ocorridas. Todo o potencial para pensar, aprender e sentir, que
distingue os humanos dos irmãos chimpanzés, ou primos em primeiro,
segundo e terceiro graus, dos outros animais, reside nas informações
contidas no DNA do óvulo fertilizado. O cérebro monta a si mesmo sob
orientação dos genes, antes de o córtex ser formado, isto é, ainda na
vida intra-uterina. Nesta formação os neurônios destinados a compor
diferentes áreas organizam-se em um “protomapa” (modelo primário,
anterior); os axônios são atraídos e repelidos.
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A comunicação emocional “genética” social
entre os indivíduos
As características grupais da comunicação evoluem pela seleção de características individuais através da evolução da comunicação. A comunicação emocional origina-se, ou funda-se, pela exibição inata e pré-ajustada, por parte do emissor (produtor e exibidor da informação), e
pré-afinada (em harmonia) com o receptor (o que recebe e decodifica
a mensagem). De outro modo: sinais inatos e fixos emitidos por um
possuidor de determinada emoção (raiva, medo), pré-ajustados nos
seus genes onde estão codificados, são exibidos, expostos, para um
receptor ou destinatário. Assim, se José ficar irritado com algo que ele
desejava e não conseguiu, ele deverá ficar com raiva e seu organismo
informará para ele e para João, seu inimigo, seu estado emocional. Por
outro lado, João já nasce, também, com dispositivos corporais capazes
de notar que José está com raiva. Este último está também pré-afinado
geneticamente para perceber a mensagem e decodificá-la (entender).
Sendo tanto o emissor da mensagem, quanto o receptor, da mesma
espécie, cultura e meio ambiente, eles expressam e compreendem a
mesma linguagem emocional: raiva, medo, vergonha, etc. Traços dessa linguagem estão armazenados nos genes da espécie; há também
aspectos das emoções aprendidos conforme a cultura vivida, inclusive
ocultar ou dissimular o sentimento. Portanto, nós automaticamente
expressamos pela face nossas emoções e, também, sabemos ler as
emoções a nós transmitidas pela face do outro.
Embora a comunicação emocional seja geneticamente estabelecida
nos indivíduos de cada espécie, para que essa funcione são necessários grupos, especificamente, troca de informação ou comunicação.
Vamos a exemplos: diante de ameaça, na submissão, no acasalamento
(namoro, corte) e na advertência, tanto o emissor como o destinatário precisam estar dispostos e atentos à comunicação para que sejam
envolvidos nessa troca de informações. Na seleção da informação teremos, simultaneamente, tanto a exatidão e a clareza do emissor para exVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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pressar a informação com seus diversos veículos, como a habilidade do
destinatário para recebê-la sensorialmente e interpretá-la adequadamente. Podemos afirmar, mais especificamente, que quando o animal
ameaça (intimida), corteja (namora) ou adverte um outro animal, este,
por sua vez, precisa decodificar, ou seja, interpretar acertadamente a
mensagem dada: sentir-se ameaçado, aceitar o namoro ou a advertência; caso contrário, não houve informação.
Assim, para que a informação inata, existente e trocada entre indivíduos da mesma espécie, seja conservada é preciso que ela funcione produzindo o que é esperado dela pelo emissor e pelo receptor, conforme
os impulsos ou motivações/emoções de um e de outro. Só assim haverá seleção da informação e o resultado da troca de informações será
relevante para a sobrevivência dos genes de ambos os indivíduos. O
que é selecionado, o enviado e o recebido são características dos indivíduos envolvidos (exibição e pré-ajustamento, respectivamente), mas
a seleção ocorre no nível da relação de ambos ou de mais indivíduos.
As características do grupo, relação comunicativa entre o emissor e o
destinatário, são mantidas na espécie através da seleção dos mecanismos individuais de enviar (codificar) e de receber (decodificar). De
outro modo, é preciso codificar para expressar certos sinais e decodificar ao interpretar esses sinais; agir conforme a existência das diversas
posturas possíveis existentes na relação entre os indivíduos. Ocorrendo
esses relacionamentos continuados, em todos os tempos e lugares, tais
como as relações de dominância (pais com filhos; do leão da receita
federal com o fraco contribuinte) e de namoro (olhares, tom de voz,
gestos e aproximação), os papéis são mantidos dentro do grupo, os
quais, como os genes, são mantidos através das gerações (o aprendido
culturalmente tem sido chamado por alguns de “memes”.)
Exemplos extraordinários (muito bem estudados) da manutenção rígida dessa codificação e decodificação (da expressão de sinais e de recebimento desses) incluem as sociedades de insetos (formigas, abelhas,
cupins). Nesses insetos os papéis de um e de outro dentro do grupo
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têm sido mantidos por dez milhões de anos através de comportamentos fixos nas relações de comunicação entre indivíduos diferentes: rainha, operárias, zangões. Na realidade, as relações de comunicação e os
papéis determinados são cópias ou réplicas que estão sendo mantidos
virtualmente intactos nos genes, há milhões de anos, nas espécies, de
geração em geração.
Nós temos alguma semelhança com esses insetos. Desse modo, o elemento de comunicação espontânea (não-aprendida) é, geneticamente,
a qualidade codificada nos indivíduos emissores e recebedores, que
funcionam no nível de inter-relação. Quando isso ocorre, a unidade da
seleção natural não é o indivíduo, mas a relação de comunicação, um
fenômeno grupal, baseado na comunicação.
Filhotes de lobos, de ninhadas separadas, uma vez criados e crescendo juntos, sem um tutor adulto, desenvolvem, com naturalidade, os
papéis sociais de uma matilha natural selvagem através de sua própria
e solitária interação. A ninhada de lobo é, com efeito, uma unidade
sócio-genética organizada pela comunicação. Portanto, o gene armazena, podendo promover, se estimulado para ser expresso, certa conduta
que só tem sentido e função quando realizada no contato entre dois
ou mais organismos. A produção e expressão de uma conduta, emitida
por um e recebida por outro, mantém o gene selecionado para aquela
conduta que está sendo atualizada e realizada com sucesso. De outro
modo, uma conduta, emitida e recebida conforme o organismo de ambos os envolvidos, dando nascimento à resposta pretendida durante
o contato, tende a ser preservada, como, por exemplo, a expressão de
raiva e fuga, de poder e submissão, namoro e aceitação deste, cuidados de um lado e concordância em recebê-los de outro.
Em resumo: As emoções inatas podem ser analisadas como maneiras
pelas quais os genes influenciam ou persuadem o indivíduo para que
ele se comporte de uma maneira conforme seu comando (do gene)
para que a espécie seja preservada e, logicamente, o indivíduo possuidor do gene. O gene “passa a conversa” no indivíduo para que este o
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obedeça, pois só assim ele, o gene, seu possuidor poderão sobreviver.
Nesse sentido, os afetos são vozes dos genes nos organismos. A conduta, nos animais ditos superiores, é flexível e modificável pela aprendizagem, mas, de fato, os organismos complexos, como os nossos, são
pré-fixados pelos genes para serem flexíveis. Assim, nós apresentamos
uma escolha “livre” que é, biologicamente, pré-fixada (não-livre),
determinada pelos genes. Não temos como escapar desse poderoso
domínio genético. Onde está nossa liberdade? Talvez nos detalhes de
menor importância: “Gosto de comer caviar”; “Eu prefiro saborear um
mexidão”.
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Gene e conduta: Psicobiologia
Todo processo mental, mesmo o mais complexo, deriva de operações
no cérebro. Nós geralmente chamamos de mente uma série de funções
ocorridas no cérebro: essa é a afirmação primordial. As ações do cérebro incluem não só as funções motoras, como caminhar ou escrever,
mas também as complexas ações cognitivas, conscientes ou inconscientes, que associamos com o comportamento específico do homem,
tais como pensar, falar, criar trabalho literário, música, arte. Podemos
então afirmar que os transtornos da conduta que caracterizam as doenças psiquiátricas são distúrbios das funções do cérebro, mesmo nos
casos (existem muitos) onde os transtornos se originam das relações
com o meio ambiente.
Os genes e seus produtos protéicos são determinantes importantes do
padrão de interconexões entre neurônios no cérebro e os detalhes de
seu funcionamento. Genes, e especificamente combinações de genes,
portanto, exercem um controle significativo sobre a conduta. Como
corolário, a genética é um componente importante para o desenvolvimento da normalidade e das doenças mentais.
Os genes alterados, não por eles próprios, explicam todas as variações
de uma dada doença mental; os fatores sociais ou do desenvolvimento
contribuem de modo importante. Como combinações de genes contribuem para o comportamento, incluindo a conduta social, também podem os fatores sociais e comportamentais exercerem ações no cérebro
instigando-o (nutrindo-o) e estimulando-o para modificar a expressão
dos genes e assim a função das células nervosas. A aprendizagem, incluindo a aprendizagem que resulta no comportamento disfuncional,
produz alteração na expressão dos genes – a “nurture” (educação, criação) é expressa como “nature” (natureza, inato).
As alterações na expressão dos genes induzidas pela aprendizagem dão
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origem às mudanças nos padrões de conexões neuronais. Essas modificações nas células nervosas não somente contribuem para a base
biológica da individualidade, mas, presumivelmente, são responsáveis
para iniciação e manutenção de anormalidades da conduta que são
induzidas pelas contingências sociais.
Quando a psicoterapia (ou aconselhamento da mãe, amigo, etc.) é
efetiva e produz alterações a longo termo na conduta, essa é, presumivelmente, feita através de aprendizagem, produzida pelas mudanças
na expressão de genes. Por sua vez, a mudança na expressão de genes
altera a potência das conexões sinápticas e mudanças estruturais que
também vão alterar os padrões anatômicos de interconexões entre as
células nervosas e o cérebro. De modo simples: podemos observar modificações provocadas pela psicoterapia através das imagens cerebrais
ao mostrar mais ou menos modificações.
Toda função da mente reflete funções do cérebro
Lesões específicas no cérebro produzem alterações específicas na conduta e vice-versa. Toda sociologia deve ser, em algum grau, sociobiologia; o processo social deve, em algum modo, refletir as funções biológicas. Toda ação social está interligada à biologia.
Eu, pessoalmente, mesmo sendo médico, vivi por muitos anos junto a
sociólogos, antropólogos, filósofos, pedagogos e psicólogos (que também sou) na Faculdade de Filosofia, onde estudei e lecionei. Todos eles
muito simpáticos, amáveis e civilizados. Entretanto, a maioria deles –
uma inquietação dos cientistas sociais – deixava transparecer certa ojeriza quanto ao biológico. Tudo indica que essa postura julgadora, para
mim, deriva em parte de duas interpretações equivocadas, uma crença
não existente apenas nos cientistas sociais. Primeiro: que os biólogos
pensam que todos os processos biológicos são estritamente determinados pelos genes. Segundo: que a única função dos genes é a inexoráVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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vel transmissão de informação hereditária de uma geração à outra.
Essas idéias profundamente erradas conduzem à noção da não variação dos genes; uma conclusão equivocada. De fato os genes sofrem
modificações conforme as condições ambientais, que, por sua vez,
exercem uma influência inevitável na conduta dos indivíduos e na sua
descendência. Nessa visão errada, as forças sociais exerceriam pouca
ou nenhuma influência na conduta humana; entretanto, elas são importantíssimas. Para essas crenças as forças sociais seriam impotentes
diante das ações predeterminadas inexoráveis e fortes dos genes. Essa
visão fatalista e mítica está por trás dos movimentos eugênicos dos
anos 1920 a 1930; ela decorre de falsas crenças de como o gene trabalha na sua função dupla: cópia igual e transcrição.
Funções duplas dos genes: cópia igual e transcrição
Primeiro: os genes servem como formas (códigos – cópia igual) estáveis
que replicam com confiabilidade. A função de cópia igual é exercida
por cada gene, em cada célula do corpo, incluindo os gametas (replicam ou reproduzem a si mesmos de forma igual, sempre a mesma, a
não ser quando ocorrem as mutações). É essa função que produz gerações sucessivas com cópias de cada gene. A fidelidade da replicação da
cópia é alta. Deve ser lembrado e enfatizado que as cópias iguais não
são reguladas por experiências sociais de qualquer espécie. A replicação diferente ou genes alterados – mutações – são raros e ocorrem ao
acaso. Esta função dos genes, suas cópias (função de transmissão), está
fora do nosso controle social ou individual. Este é um aspecto.
Segundo: os genes determinam também os fenótipos, ou seja, eles determinam ou são responsáveis pela estrutura, funções e outras características das células nas quais eles são expressos. Essa segunda função
dos genes é referida como sua função de transcrição.
Embora quase todas as células do corpo tenham todos os genes que
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estão presentes nas outras células, em qualquer dada célula (do fígado ou do cérebro) somente uma fração dos genes, talvez 10 – 20%, é
expressa ( genes são transcritos).Todos os outros genes estão reprimidos, efetivamente, isto é, não são expressos. Uma célula do fígado
é uma célula do fígado porque cada célula tipo expressa somente um
subconjunto particular da população total de genes. Quando um gene
é expresso em uma célula ele dirige (administra, controla, governa) o
fenótipo de toda a célula; a manufatura (fabricação, produção) das proteínas singulares que especificam a característica (gravam, inscrevem,
caracterizam) daquela célula (os melhores conceitos você escolhe para
seu melhor entendimento).
A função de cópias iguais, a sequência de um gene – e a capacidade do
organismo replicar essa sequência – não é afetada pelas experiências
do meio ambiente. Entretanto, a função de transcrição de um gene – a
capacidade de um dado gene para administrar ou fabricar uma determinada proteína de certa célula – é altamente regulada por fatores
externos, ou seja, essa regulação é sensível (responde) aos fatores do
meio ambiente.
Estímulos internos do organismo, bem como os externos do meio
ambiente: hormônios, estresses, remédios (talidomida; um exemplo
trágico), aprendizagem e interações sociais, alteram as ligações da regulação das transcrições. Dessa maneira, diferentes combinações de
regulações de possíveis transcrições podem ser recrutadas ou utilizadas.
De um modo mais simples: a regulação da expressão de um gene pelos fatores sociais é exercida em todas as funções corporais, incluindo,
como não podia ser diferente, a cerebral. Essas influências sociais (e
outras físicas e químicas) serão incorporadas biologicamente no organismo através de alterações na expressão de genes específicos em células nervosas específicas de regiões diferentes do cérebro.
Essas alterações genéticas, aqui apenas as socialmente influenciadoras,
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são transmitidas pela cultura onde mora o indivíduo (os memes). Mas
elas não são incorporadas ao esperma e ao óvulo, portanto, não são
transmitidas geneticamente para os descendentes.
No ser humano a modificação na expressão dos genes através da
aprendizagem (numa maneira não transmissível biologicamente) é particularmente importante e efetiva. Essa conduziu a uma nova espécie
de evolução: a evolução cultural, diferente para cada cultura, como as
orientais, ocidentais, latinas; para cada subgrupo como o Brasil, Argentina ou Bolívia; para cada sub-subgrupo como os mineiros, os cariocas,
os paulistas, baianos, etc., para cada sub-sub-subgrupo como os itabiranos, campinenses, porto-alegrenses, etc., ou ainda para sub-sub-sub-subgrupos da família dos filhos de José da Silva e de Maria de Souza.
Por fim, a transcrição genética será ainda diferente para o José, João,
Tereza e Maria, ou seja, pessoas particulares e diferentes de cada outra
existente.
A capacidade para aprender é tão desenvolvida nos seres humanos que
nós nos modificamos muito pela cultura, controlando muito do biológico. O tamanho do cérebro humano não mudou nos últimos 50.000
anos, mas a cultura se transformou dramaticamente, como sabemos, e
o homem tornou-se outro, bem diferente do de 50.000 anos atrás.
Genes: contribuição às funções mentais
Vamos considerar a função da cópia exata do DNA; o aspecto hereditário da ação do gene. Este não codifica o comportamento de um modo
direto. Um gene simples codifica uma proteína simples; ele não pode
por si só codificar uma conduta.
As condutas são geradas por circuitos que envolvem muitas células,
cada uma das quais expressa genes específicos que dirigem a produção de proteínas específicas. Os genes expressos no cérebro codificam
proteínas que são importantes em um e em outro estágio do desenvolvimento, manutenção e regulação dos circuitos neurais subjacente ao
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comportamento. Uma ampla variedade de proteínas, estruturais, reguladoras e catalíticas, é requerida para a diferenciação de uma simples
célula nervosa; muitas células e muito mais genes são requeridos para
o desenvolvimento e a função de um circuito neural.
Estudos em gêmeos iguais têm esclarecido os aspectos genéticos da
conduta: gostos, preferências religiosas, interesses vocacionais, isto é,
considerados como culturalmente determinados. Mas os gêmeos podem variar muito um do outro.
Há evidência dos aspectos hereditários em alguns dos transtornos
mentais, como esquizofrenias, depressões graves, etc., mas também
dependem muito do meio, não bastam apenas os aspectos herdados
da família, pois outros aspectos têm sua importância: pobreza ou não;
hábitos; valores; nutrição; etc. Um gêmeo pode herdar um conjunto
de disposições genéticas para o crescimento físico, mas sem uma boa
nutrição isso não será possível. Também, nas doenças em que atuam
vários genes – poligênicas – como a hipertensão, diabetes, a maioria
das formas de esquizofrenias, nessas são necessários não só a acumulação dos defeitos genéticos, mas também a ação de fatores do meio
ambiente e do desenvolvimento. É preciso conhecer como os diversos
genes combinam para tornar o organismo predisposto à doença e determinar como o meio ambiente influencia a expressão desses genes
defeituosos.
Deve ser lembrado que a própria conduta, ela mesma, pode modificar
a expressão do gene. Não existem mudanças na conduta que não são
reflexos de mudanças no sistema nervoso. Também, não há mudanças
persistentes no sistema nervoso que não refletem mudanças estruturais em algum nível de resolução de problemas. Toda experiência
sensorial, privação sensorial e aprendizagem pode, provavelmente,
conduzir a um enfraquecimento das conexões sinápticas em algumas
circunstâncias e num fortalecimento das conexões em outras. Por
exemplo: ficará mais difícil para você lembrar de um nome caso você
pare de usá-lo por um longo tempo. Nesse caso, suas sinapses enfraVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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queceram, foram desaparecendo; o contrário é verdade.
O modelo da psiquiatria afirma que todo processo mental é biológico,
portanto, qualquer alteração nesse processo é, necessariamente, orgânica. O orgânico não é detectado por observações anatômicas e histológicas grosseiras, mas sim por técnicas de imagens como a tomografia
por emissão de pósitrons, imagens por ressonância magnética, bem
como outros processos não-invasivos (sem lesar tecidos) que permitem
essa exploração.
Relação entre doença mental herdada e
aprendida
A esquizofrenia e o Transtorno Bipolar (maníaco-depressiva) têm forte
componente hereditário. Refletem alterações na função da “forma”
do gene – depende menos do meio – na sequência de nucleotídeos de
um número de genes diferentes conduzindo a um mRNA anormal e a
proteínas anormais. É tentador pensar que as doenças psiquiátricas,
como Estresse Pós-Traumático, sejam adquiridas pelas experiências
que envolvem alterações na função de transcrição dos genes, isto é,
regulação da expressão do gene, não obstante alguns indivíduos sejam
muito mais propensos ou suscetíveis de padecer essa doença que outros, ou seja, a doença é devida a uma combinação de genes herdados
(já defeituosos) e a fatores do meio ambiente. O desenvolvimento, as
experiências sociais diversas, os estresses são todos fatores que podem
alterar a expressão dos genes pela modificação das ligações da regulação da transcrição para cada outro e para as regiões reguladoras dos
genes.
O principal mecanismo que leva a uma alteração estável no processo
mental por alteração na expressão do gene é o crescimento das conexões sinápticas. Certos hábitos podem levar a regressão e diminuição
das conexões sinápticas, outros determinam o contrário. A distribuição
dessas conexões pode expandir e contrair, dependendo do uso particuVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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lar ou atividade das vias periféricas sensoriais. Como cada um de nós
viveu num meio diferente, exposto às diferentes combinações de estímulos, e nós desenvolvemos habilidades motoras de modos diferentes,
cada cérebro é modificado de um modo único. Isso constitui a base
biológica para a individualidade.
Se a memória de longa duração conduziu a modificações anatômicas,
implica que nosso cérebro está, anatomicamente, mudando quando
aprendemos e, também, quando esquecemos. As experiências indicam que sim. O mapa cortical está sujeito a constantes modificações
baseado no uso das vias sensoriais. Como todos nós somos criados em
ambientes diferentes, somos expostos a combinações diversas de estímulos e, provavelmente, a exercitar nosso sensório e habilidades motoras de modos também variados, a arquitetura de cada um de nossos
cérebros será modificada e se torna diferente de algum modo.
Macacos treinados para usar apenas três dedos médios da mão para
ativar pontos num disco em rotação tiveram um crescimento da região
do córtex devotado aos dedos usados e uma diminuição das áreas corticais antes usadas para os dedos que ficaram impedidos de serem usados. O cérebro dos macacos tornou-se, portanto, diferente do anterior.
A psicoterapia e farmacoterapia podem induzir alterações semelhantes
na expressão dos genes e mudanças estruturais no cérebro. Um meio
ou outro tem sido mostrado como sucesso dependendo do paciente,
medicamento e terapia. Talvez, o uso de um, somado ao outro, devido
ao seu sinergismo, tenha mais efeito. A psicofarmacologia pode ajudar
a consolidar as mudanças biológicas causadas pela psicoterapia.
A memória não é uma função unitária da mente; ela tem pelo menos
duas formas: explícita e implícita. A memória explícita (episódica) codifica a informação consciente acerca dos acontecimentos autobiográficos (história de vida de cada pessoa) e do conhecimento factual; ela é a
memória acerca de pessoas, lugares, fatos e objetos, exigindo para sua
expressão o hipocampo e o lobo temporal médio.
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Já a memória implícita envolve para sua lembrança uma memória inconsciente para estratégias motoras e perceptuais (de processo), como
pegar numa bola, andar e, talvez, julgamentos morais automáticos ou
intuitivos. Esta depende de sistemas motores e sensoriais específicos,
bem como do cerebelo e dos gânglios basais.
Uma lesão no hipocampo ou no lobo temporal médio leva o paciente
a não mais adquirir novas memórias explícitas para pessoas, lugares e
objetos, mas pode aprender habilidades motoras e melhorar sua performance nas tarefas perceptuais. A memória implícita não é somente
para tarefas simples, pois inclui as sofisticadas, como o “priming” (impressão), reconhecimento de palavras e objetos (eventos também para
fazer julgamentos e interpretações) sendo facilitada pela exposição
anterior aos fatos.
Sistema neural
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Informação Neural: unidade
do SNC
Importância dos circuitos cerebrais íntegros
Espera-se de um bom cérebro estar bem informado, avaliar adequadamente os fatos internos, que se passam no interior do organismo, e,
também, os externos, que ocorrem no meio ambiente sócio-cultural,
principalmente, as relações com as pessoas próximas e, por fim, tomar
decisões conforme tudo isso. Toda essa tarefa do sistema nervoso do
animal, homem ou outro, visa a beneficiar a sobrevivência e a satisfação de cada organismo particular. Através dessas informações o animal
ou a pessoa poderá obter, da melhor maneira possível para ele, os
suprimentos necessários à sua sobrevivência e, também, da espécie,
ou, de modo mais simples, obter os frutos do meio e escapar dos sofrimentos.
Logo após o nascimento, o recém-nascido é possuidor de padrões
neurais iniciais ou inatos, importantes e essenciais para sua sobrevida.
O sistema nervoso, já preparado ao nascer, tem como função principal atuar na regulação das diversas partes do organismo para evitar
que o recém-nascido morra. Os circuitos cerebrais iniciais, como uma
fiação elétrica de uma residência pronta para ser usada ao terminar a
construção, permitem organizar e manter diversos comportamentos
gerados pela ativação dos vários setores existentes (ações motoras,
autônomas, hormonais) que vão se ajustando diante dos desafios da
vida comum e da história evolucionária de cada espécie. Além do mais,
principalmente no caso do ser humano, os circuitos iniciais podem
também se desenvolver para realizar outras ações, antes não existentes; modos de pensar e de agir aprendidos durante a história de vida
particular de cada indivíduo.
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A rede elétrica e química observada no organismo recém-nascido do
homem foi construída durante a gestação no útero da mãe, seguindo a
orientação de uma planta, projeto e roteiro desenhado pela evolução
de nossa espécie durante milhares de anos. Desse modo, após o nascimento, o organismo animal não está ajustado para enfrentar satisfatoriamente fenômenos não-usuais da espécie, como a queda de um
avião, a guerra do Iraque ou uma luta de gangues. Entretanto, ele estará preparado para se alimentar, dormir, chorar e sentir-se mal diante de
certas situações e bem e relaxado diante de outras.
Informação e unidade do sistema nervoso
O propósito fundamental do encéfalo é adquirir, propagar, coordenar
e distribuir informação sobre o corpo e seu ambiente. O cérebro, além
de controlar muitas funções importantes, fornece, além disso, um significado para as coisas que ocorrem no mundo que nos circunda. As
células dos nervos sensoriais enviam (abastecem) informação ao cérebro de todas as partes do corpo, internas e externas. O cérebro, após
avaliar informações, envia orientações através das células dos nervos
motores para os músculos e glândulas, produzindo alguma ação apropriada para ser efetivada, seja interna e ou externa. Ao mesmo tempo,
alternativamente, o cérebro inibe ações, aquelas que a pessoa tenta
não exibir, como um movimento de braço ou perna que nada tem a ver
com a conduta desejada, um riso ou um choro num lugar onde tal ação
não seria adequada, etc.
Tanto as informações que chegam (sensoriais), como as respostas (as
enviadas, motoras ou ações) viajam através do cérebro e do resto do
sistema nervoso sob a forma de impulsos eletroquímicos. O corpo contém 30.000 nervos, os quais são divididos em sensoriais, motores e de
conexões. Temos 100 bilhões de neurônios (células nervosas) interligados com inúmeras extensões que têm duas importantes propriedades: excitação e condutividade, isto é, elas respondem à estimulação e
propagam a atividade elétrica gerada pelo estímulo – impulso nervoso.
Os dendritos recebem mensagens de outros neurônios e passam essas
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para o corpo da célula e o axônio transmite o impulso nervoso do corpo celular para outros neurônios.
O neurônio, a unidade sinalizadora do sistema nervoso, é uma célula
especializada, possuidora, por um lado, de vários prolongamentos usados para a recepção de sinais e, por outro lado, de um único prolongamento para a emissão de sinais. Sua estrutura interna é semelhante à
das demais células animais, com algumas peculiaridades próprias de
sua natureza sinalizadora.
Essa interligação de fibras nervosas e junções permite ao impulso nervoso seguir um número, virtualmente, ilimitado de vias. O efeito é fornecer aos seres humanos uma variedade infinita de respostas em virtude dos impulsos sensoriais recebidos, cada uma delas de uma maneira.
O estoque de respostas dependerá da experiência particular vivida por
cada indivíduo, do humor e da situação do momento, ou de qualquer
um dos numerosos fatores que governam ou dominam cada pessoa em
particular.
A natureza integradora do neurônio é conferida por sua membrana
plasmática. Esta é uma estrutura especializada na produção e na propagação de impulsos elétricos, tendo como característica mais importante a presença de diferentes tipos de canais iônicos, macromoléculas
embutidas na membrana capazes de filtrar seletivamente a passagem
de íons para dentro e para fora da célula (neurônio).
Para realizar essa tarefa a evolução dotou os neurônios de sofisticados
meios de gerar sinais elétricos e químicos. As células nervosas geram
sinais elétricos que transmitem informação. Apesar dos neurônios não
serem intrinsecamente bons condutores de eletricidade, eles desenvolveram mecanismos elaborados para a geração de sinais elétricos baseados nos fluxos de íons através de suas membranas plasmáticas.
Numa situação hipotética de “repouso funcional”, o neurônio gera um
potencial negativo chamado de “potencial de membrana de repouso”.
Este pode ser medido registrando-se a voltagem entre o interior e o
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exterior da célula nervosa. O potencial de ação, uma vez iniciado, anula
o potencial de repouso negativo anterior, tornando o potencial transitoriamente positivo; assim se produz a informação.
Como em todas as células, o interior do neurônio é negativo em relação ao exterior, uma diferença de potencial mantida constante pelo
contínuo fluxo de íons através da membrana. Os potenciais de ação são
propagados ao longo da extensão dos axônios, sendo que esses sinais
fundamentais carregam a informação de um lugar a outro no sistema
nervoso.
A geração tanto do potencial de repouso, como do potencial de ação,
pode ser compreendida e explicada com base na permeabilidade seletiva da célula nervosa a diferentes íons, bem como na distribuição normal destes íons através da membrana celular. Em resumo: as células
nervosas geram sinais elétricos que transmitem informação.
O sinal elétrico que o neurônio utiliza como unidade de informação –
impulso nervoso ou potencial de ação – é um episódio muito rápido de
inversão da polaridade da membrana, produzido pela abertura seletiva
e consecutiva de canais de Na+ (sódio) e K+ (potássio), causando um
caudaloso fluxo iônico através da membrana que provoca a inversão de
sua polaridade elétrica. O potencial de ação é propagável ao longo do
axônio e, portanto, conduzido de uma extremidade a outra do neurônio.
O sistema nervoso não é constituído apenas de neurônios, mas também de uma outra família de células chamadas coletivamente de neuróglia. A neuróglia é um conjunto polivalente de células não neuronais,
cujas funções permitem garantir a infra-estrutura para o funcionamento dos neurônios. A função dos gliócitos é a nutrição dos neurônios, a
absorção de substâncias do meio externo vizinho ao neurônio e transformação desses resíduos (lixos) em substâncias úteis ao sistema, entre
eles, o isolamento da membrana dos axônios, a defesa imunitária do
sistema nervoso e outras ações.
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O organismo após o nascimento
Ao nascer, o organismo encontra-se apto para procurar fontes de energia, incorporar e transformar energia (alimentar-se, respirar); manter
no interior do organismo uma harmonia química compatível com a
vida; substituir os subcomponentes que envelhecem e morrem, de forma a manter a organização e a defender o organismo dos processos de
doença e de lesões físicas.
Todos os organismos vivos, desde os constituídos por uma única célula até os pluricelulares, como o ser humano, nascem geneticamente
prefixados com organizações apropriadas para responderem incondicionalmente. Assim, nosso organismo, sem experiência alguma (sem
aprender), de modo automático e sem fazer uso de qualquer raciocínio, reage a alguns estímulos provocados por diversas circunstâncias de
mudanças do meio ambiente externo (um corte, uma forte luz, o cheiro
da criadora) e do próprio organismo (sensação de fome, frio, cólica).
Ao nascer, esse organismo já possui uma central coordenadora do que
acontece no interior do corpo, bem como diversos pontos emissores
e receptores de informações (sinais) distribuídos em todas as células,
tecidos e órgãos. Apesar desse sistema nervoso inicial ser eficiente
quanto ao equilíbrio do organismo interno, o recém-nascido tem pouquíssima capacidade para conviver de forma adaptada com o mundo
externo (como os mamíferos e aves) e, caso não tenha um criador, fatalmente não sobreviverá.
Uma parte desse conjunto de circuitos está relacionada aos nervos motores e sensoriais periféricos. São essas vias que enviam sinais de todas
as partes do corpo para o cérebro e deste para o corpo. Outras vias são
as informações transmitidas pela corrente sanguínea (sinais químicos,
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como os hormônios). Outras informações são transmitidas pelos neurotransmissores, ou seja, substâncias químicas liberadas difusamente
de alguns neurônios transmitindo informações para diversos outros
pontos, entre eles a dopamina, noradrenalina, acetilcolina, serotonina,
etc.; entre os peptídeos encontram-se as endorfinas (relacionadas à
dor e relaxamento) e a oxitocina (relacionada às paixões).
Sabe-se que os sinais captados e enviados pelo sistema nervoso autônomo originaram-se de regiões evolutivamente mais antigas (amígdala,
cíngulo, hipotálamo e tronco cerebral), enquanto que os sinais para o
sistema músculo/esquelético, mais recentes, originaram-se nos córtices motores e núcleos motores subcorticais.
Cada um desses “pontos” (centros, estações) encontra-se interligado e
em comunicação, uns com os outros, através de uma extensa rede neural (circuitos) e química, permitindo a emissão e a recepção de sinais
originários dos mais variados elementos e pontos do organismo. Cada
grupo de células semelhante dá origem a tecidos, órgãos ou estruturas
típicas. Esse conjunto interligado irá formar um organismo particular
que recebe o nome de homem, abelha, peixe ou cobra. Todas as partes
de um organismo interligadas, mesmo antes do nascimento, trabalham
para a sobrevivência do organismo total, coordenador do conjunto.
Entretanto, essa estrutura pronta para viver, logo ao nascer, durante
a sua história aqui na Terra, desenvolve e adquire outras habilidades,
todas elas assentadas ou presas às células e ao funcionamento das
iniciais. De outro modo, utilizando-se da rede elétrica, dos pontos já
existentes, poderemos, caso formos estimulados para isso, criar extensões, colocar uma ou outra iluminação, ligar aparelhos de TV, DVD, etc.
Nesses casos, há necessidade de se fazer alguns “arranjos” na fiação
original, pois sem estes o organismo não seria capaz de assentar uma
cerca elétrica, o chuveiro elétrico, o telefone e outros aparelhos.
Caso o sistema do recém-nascido estiver lesado no início da vida, o animal terá dificuldade em sobreviver de forma natural e, nesse caso, preVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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cisará receber cuidados especiais de seus criadores. No caso de lesões
ao nascer, as reações da criança ao meio, bem como suas expressões
para o criador, serão diferentes das esperadas para os possuidores de
circuitos íntegros do sistema nervoso.
O sistema existente no nascimento continua a operar no adulto, mesmo quando outros mecanismos, ditos superiores – os aprendidos – se
desenvolvem e passam a funcionar.
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A viagem dos neurônios iniciais
O sistema nervoso do homem surge de umas poucas células do embrião e chega a atingir cerca de centenas de bilhões de células na vida
adulta, formando muitos trilhões de circuitos de alta precisão. Depois
que o espermatozóide penetra no óvulo, o zigoto adquire sua plena
carga genética e inicia as transformações que darão origem ao embrião
e depois ao indivíduo adulto.
As transformações morfogenéticas do SNC (sistema nervoso central),
resultantes de intensa proliferação e deslocamento celular na estrutura
embrionária precursora, ocorrem durantes os primeiros quatro meses
de gestação na espécie humana; essas etapas iniciais são muito semelhantes entre todos os vertebrados.
Com oito semanas de vida intra-uterina o cérebro do bebê já desenvolveu suas três partes, época de tremenda produção de células, 250.000
neuroblastos (células nervosas primitivas) a cada minuto. Durante e
após esse período os neurônios se diferenciam para executar ações
distintas; primeiro deslocando-se para áreas específicas e, depois, se
ligando a neurônios da vizinhança; pequenas colônias começam a se
desenvolver por conta própria e depois se alongam para entrarem em
contato com outras comunidades migratórias. A maioria dos neurônios
migra com o propósito deliberado de alcançar e incorporar-se ao córtex
em desenvolvimento.
No embrião humano de quatro a cinco meses as principais estruturas
anatômicas estão já constituídas. O córtex cerebral (pensamento, etc.)
e o córtex cerebelar (equilíbrio, etc.), nessa fase, ainda estão lisos,
pois não se desenvolveram. Seu crescimento posterior adquire uma
velocidade maior que o da caixa craniana, o que leva à formação das
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dobraduras que constituem os giros e folhas e os sulco e fissuras, respectivamente. Enquanto se processa a morfogênese do SNC tem lugar
também a do sistema nervoso periférico; células proliferam e migram
ativamente afastando-se do tubo neural central.
Ao longo do caminho algumas se fixam em uma determinada região
e formam gânglios (ou núcleos), enquanto as outras continuam sua
migração. Assim são formados os gânglios espinhais e os gânglios autonômicos, cujas células, logo em seguida, emitem axônios compactados
em fascículos, que constituem os nervos. As células da glia (tecido de
sustentação) formam a bainha de mielina dos nervos periféricos.
Logo que a célula precursora de um neurônio pára de se dividir, inicia-se um movimento migratório que leva o neurônio juvenil ao local definitivo onde se estabelecerá. Isso ocorre tanto para as células do tubo
neural, que formarão as estruturas do SNC (sistema nervoso central),
como para as células da crista neural, que formarão as estruturas do
SNP (sistema nervoso periférico).
A migração ainda é desconhecida em todas as suas etapas, parece que
diversos fatores (drogas, medicamentos, por exemplo) podem atrapalhar esse caminho natural. A migração pode significar a diferença entre
função normal e deficiente. A própria migração afeta o modo como os
neurônios adquirem sua identidade; os neurônios visuais tornam-se
neurônios visuais não inteiramente porque nasceram para isso, mas
porque migraram para uma parte do cérebro aonde chega a informação visual. Portanto, a migração correta de neurônios é importante
para o desenvolvimento da função cerebral normal.
Há uma lista cada vez mais extensa de distúrbios, incluindo autismo,
dislexia, epilepsia e esquizofrenia que podem ter sido causados, pelo
menos em parte, por um problema (defeito) no sistema migratório;
possivelmente, conforme a situação, um grande número de neurônios
“erra” o caminho durante a viagem.
Outras células com que os neurônios entram em contato durante o
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percurso e os genes específicos no interior delas – que são ativados ou
inibidos em resposta ao ambiente fetal – contribuem para possibilitar
a futura forma e função que os neurônios irão assumir. Os hormônios,
fatores do crescimento, moléculas de adesão celular que fazem com
que os neurônios se conservem unidos, outros sinais entre células que
ainda não são bem explicados e substâncias do sangue da mãe, todos
têm um efeito sobre a determinação dos locais onde os neurônios irão
ficar e das tarefas que lhes tocarão executar. Portanto, o meio interno
guia os genes para construírem o cérebro.
Durante a viagem os neurônios são alimentados e guiados por células
gliais que, agindo como zeladoras, formam invólucros ao longo dos
quais os neurônios migram. Uma vez chegando ao seu lugar predeterminado, as células gliais são mantidas, embora mudem de formato e
propriedades moleculares a fim de desempenharem funções diferentes. Aparecem então dois tipos de glia: uma que controla o metabolismo e a função dos neurônios; a outra reveste os axônios com uma
substância gordurosa chamada de mielina, que controla a rapidez com
que os axônios conduzem a informação. Os dois principais tipos de
células, neurônios e glias, compõem o cérebro, o qual está completamente formado no oitavo mês de gravidez. Nesse ponto o número de
neurônios é o dobro do cérebro adulto.
À medida que o cérebro envelhece, os neurônios que são fracos, não
usados ou simplesmente não ajustados à tarefa que precisa ser feita,
são suprimidos a fim de deixar conexões mais eficientes para os que
estão executando o trabalho cerebral. Começa a vigorar o princípio de
“ou trabalhe ou desapareça”, com o definhamento e a eliminação das
células sem trabalho, ao passo que as que estão em atividade ficam
mais fortes e desenvolvem mais conexões.
Milhões de neurônios ajudam a determinar nosso temperamento,
talentos, fraquezas, espertezas individuais, assim como a qualidade
dos nossos processos de pensamento. Se os neurônios se desencaminham durante suas longas caminhadas, podem resultar em distúrbios
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e anomalias do desenvolvimento, razão pela qual é importante que
uma mulher grávida não ingira substâncias nocivas. Uma determinada
substância química no cérebro, num momento crítico, poderá levar os
neurônios pelo caminho errado da bifurcação ou, simplesmente, deterá o processo e causará o caos: álcool, nicotina, drogas e toxinas, infecções como a rubéola e a falta de certos nutrientes como o ácido fólico
podem interromper a migração normal programada por um organismo
sadio.
Geração de neurônios no encéfalo adulto
Há muito é sabido que neurônios diferenciados, maduros, não se dividem. Isso não significa, no entanto, que todos os neurônios que constituem o encéfalo adulto sejam produzidos apenas durante o desenvolvimento embrionário, embora essa interpretação tenha sido muitas
vezes presumida.
Os méritos dessa interpretação foram questionados desde a década de
1980. Foi mostrado que precursores marcados de DNA injetados em
pássaros adultos podiam ser encontrados posteriormente em neurônios completamente diferenciados, indicando que esses neurônios haviam sofrido o último ciclo da divisão celular após o precursor marcado
ter sido injetado. Além disso, os novos neurônios eram capazes de estender dendritos e projetar longos axônios para estabelecer conexões
apropriadas com outros núcleos encefálicos.
A produção de novos neurônios no encéfalo adulto foi até hoje examinada em camundongos, ratos, macacos e, finalmente, em humanos,
mas somente em duas regiões restritas do encéfalo: camada de células
granulares do bulbo olfatório e giro dentado do hipocampo. Foi descoberto que a zona subventricular que produz neurônios durante o desenvolvimento ainda possui algumas células-tronco neurais no adulto.
O termo “célula-tronco” refere-se à população de células que se auto-renovam. Cada célula pode dividir-se simetricamente para produzir
mais células como ela própria, mas também pode dividir-se assimeVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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tricamente produzindo uma nova célula-tronco e uma ou mais células
diferenciadas. Certos vertebrados “inferiores”, como lampreias, peixes
e rãs, por exemplo, podem regenerar uma medula espinhal ou nervo
óptico seccionados.
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Por que envelhecemos?
Nem todos os organismos envelhecem e morrem num final de certo
tempo. A morte não estava presente no início da vida, sinalizando dispersão e desintegração. Muitos permanecem jovens, pois não têm a
morte programada: as bactérias, a maioria dos seres nucleados microscópicos, os protoctistas menores, os fungos, como o mofo, e as leveduras se reproduzem sem parceiro sexual.
Uns dois bilhões de anos atrás, esses ancestrais desenvolveram o sexo
por fertilização e a morte programada. Não são animais ou plantas,
nem mesmo fungos ou bactérias. Formam um grupo diverso, obscuro,
de seres aquáticos, incluindo as amebas, euglenas, ciliados, diatomáceias, algas vermelhas, e algas em geral, fungos limosos e fungos
aquáticos. Assim, em algum momento da evolução os micróbios ancestrais produziram células germinativas que freneticamente buscaram e
encontraram-se umas às outras. Fundindo-se, restauram a juventude.
Todos os animais herdaram esse mecanismo dos micróbios – meiose –
divisão celular que reduz pela metade o número de cromossomos – e
sexo – pela fertilização dobra o número de cromossomos.
Todos sabem e notam que a morte programada ocorre em vários níveis: nas mulheres, mensalmente, onde células mortas são vertidas na
menstruação; nossa pele continuamente morre e nasce outra; do mesmo modo nossas papilas gustativas morrem e nascem outras; as folhas
das árvores caem e outras nascem, etc.
A morte nada mais significa que a perda das fronteiras nítidas de um
indivíduo. Com a morte o ser se dissolve; entretanto, a vida prossegue
sob outras formas – como as bactérias ou fungos decompositores ou
com um filho ou neto que permanece, ou, quem sabe, com alguma
idéia válida que ficou.
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Envelhecimento do SNC
O sistema nervoso, após atingir a maturidade, vai aos poucos envelhecendo; um processo que se acentua com o passar da idade resultando
na morte simultânea do indivíduo e do seu cérebro. A sobrevida maior
ou menor do indivíduo está associada a diversos fatores, sendo um
deles a espécie a que pertence, pois, como se sabe, a tartaruga pode
alcançar mais de duzentos anos. Um segundo fator seria a possível
existência de genes para cada fenótipo; o envelhecimento começaria
com o esgotamento dos genes redundantes causado por sucessivas
mutações espontâneas ou provocadas ao longo da vida, resultando na
degeneração funcional e morfológica típica da velhice.
De qualquer maneira, o sistema nervoso, bem como a pele, a medula
espinhal e o resto do corpo, é também atingido pelo envelhecimento e
a morte. Assim, o organismo, como um todo, vai aos poucos se transformando com o passar do tempo. Por isso, o desenvolvimento embrionário, a maturidade, o envelhecimento e a morte são fenômenos
sequenciais da existência do sistema nervoso, totalmente previsíveis e
impossíveis de serem evitados.
O cérebro do idoso apresenta diferenças morfológicas em relação ao
jovem quanto ao tamanho e, naturalmente, ao peso. Alguns giros situados no córtex tornam-se mais finos e separados por sulcos mais
abertos e profundos. Os ventrículos cerebrais ficam, com a velhice,
mais largos e, por seu lado, os córtices cerebrais apresentam menor
espessura.
Todos esses dados têm sido obtidos através de análises feitas através
de tomografia computadorizada e ressonância magnética e, também,
após a morte, pela inspeção direta do cérebro. Além disso, a contagem
do número de neurônios em diferentes regiões cerebrais mostra pronunciada queda, sendo menor também o número de sinapses formadas.
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Como tem sido estudado, o sistema nervoso surge muito cedo no embrião como uma placa de células ectodérmicas que se prolifera e se
transforma em uma estrutura composta de vesículas que são precursoras das grandes regiões do sistema nervoso.
As células nervosas se dividem várias vezes, mas em certo momento
interrompem o ciclo celular, migram para seus locais de destino, adquirem suas características morfológicas, funcionais e químicas, emitem
axônios que crescem em locais distantes do corpo e lá emitem sinapses. A finalização do desenvolvimento consiste na eliminação seletiva
de neurônios, axônios e sinapses excedentes, e, finalmente, na mielinização dos feixes.
Pois bem. O envelhecimento representa uma sequência de etapas degenerativas que resultam na morte do sistema nervoso e do indivíduo.
Uma análise mais refinada quanto ao nível bioquímico indica queda
na quantidade de proteínas cerebrais, especialmente de enzimas que
sintetizam e que degradam os neurotransmissores, resultando numa
deficiência dessas substâncias importantes para a transmissão de mensagens ao cérebro. Para piorar a baixa produção aparecem ainda placas
senis, com deposição de proteínas anômalas (inúteis e perniciosas) que
possivelmente resultarão na quebra (destruição) de moléculas precursoras normais. A principal proteína anômala recebe o nome de beta-amilóide e vai se acentuando com a idade, variando muito com indivíduos de mesma idade. Seu excesso e gravidade configuram os quadros
de doença de Alzheimer e ou demência senil.
Acredita-se que com o avançar da idade o indivíduo passa a apresentar
deficiências no controle genético da produção de proteínas estruturais,
de enzimas e de fatores tróficos. Esse déficit, por sua vez, repercute
na função das células nervosas e da neuróglia (tecido de sustentação),
tornando mais difícil a gênese, a condução e transmissão de impulsos
nervosos e, muitas vezes, impedindo a transmissão sináptica entre os
neurônios.
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Deficitárias de proteínas essenciais e depositárias de substâncias anômalas, as células se degeneram, acumulando fragmentos de organelas
de novelos intracelulares de neurofibrilas e, finalmente, rompendo-se
essas, há geração de detritos que se aglomeram nas placas senis. O
processo se acentua porque tanto o sistema imunológico como a neuróglia – ambos atingidos pelo envelhecimento – tornam-se incapazes
de remover os detritos (lixo) da degeneração. É esse o conjunto de alterações que resulta na diminuição observada do número de neurônios
em várias regiões do sistema nervoso, e possivelmente também na
queda generalizada do volume cerebral.
Alguns sintomas, como as alterações da memória, devem-se ao fato de
que certos circuitos cerebrais encontram-se particularmente atingidos
por esse processo e doença, e esses são reconhecidamente participantes dos mecanismos da memória, como é o caso dos neurônios
colinérgicos centrais, isto é, aqueles cujo neurotransmissor principal é
a acetilcolina.
Com o aumento da idade, maior a probabilidade do idoso apresentar
pequenos lapsos de memória, que pioram com o tempo, menor velocidade do raciocínio e, por fim, começam a ter episódios passageiros de
confusão mental que, muitas vezes, não são percebidos pelos familiares e são tolerados socialmente. Essa deficiência do sistema nervoso e
da totalidade do corpo pode provocar o aparecimento de dificuldade
na locomoção e do equilíbrio, tremores nas mãos, insônia noturna com
sonolência diurna e outras manifestações observadas entre os idosos.
Além desses sinais e sintomas, não são raras as alterações motoras
(Doença de Parkinson) e também falta de coordenação, movimentos
anormais e a degeneração de neurônios dopaminérgicos localizados
em regiões do cérebro que participam do controle da motricidade,
bem como em outras regiões, uma delas, a relacionada à atenção e,
consequentemente, à memória. O quadro de saúde do indivíduo se
agrava aos poucos, levando-o à incapacidade de se locomover; com o
tempo surgem dificuldades circulatórias, respiratórias, digestivas, dos
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órgãos do sentido, como a visão, audição, gosto, equilíbrio, etc. O resultado final é a morte.
Portanto, o cérebro envelhece por uma crescente dificuldade em sintetizar substâncias essenciais à função neuronal e pela síntese de substâncias anômalas (prejudiciais e tóxicas) que se depositam no tecido.
Como consequência, o indivíduo apresenta sintomas cada vez mais
acentuados de deficiências sensoriais, motoras e psicológicas.
Não se espante com tudo isso. Todas as estruturas biológicas do nosso
corpo, incluindo o sistema nervoso, se modificam ao longo do tempo
de vida de um indivíduo. A vida, que surge a partir de uma única célula-ovo, sofre um crescimento explosivo que modifica inteiramente sua
forma e sua função durante a vida embrionária, parece estável após o
nascimento e durante a vida adulta (sem sê-lo realmente, pois muita
coisa muda na microestrutura e no funcionamento dos circuitos cerebrais) e, lentamente, o organismo degenera e morre.
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Sistema sensorial
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Sistema sensorial
A sensibilidade corporal (sentir o meio ambiente externo e interno) é
possivelmente a modalidade sensorial mais antiga entre todos os animais. Originou-se da sensibilidade da própria célula, como nos protozoários (ameba, por exemplo), capazes de modificar o trajeto de seus
movimentos quando são atingidos por estímulos físicos ou químicos do
meio ambiente.
Os organismos multicelulares, como as formigas, os lagartos, as aves e
os mamíferos, entre outros, desenvolveram um sistema nervoso mais
complexo para realizar essa tarefa. A característica dos receptores da
sensibilidade corporal é a variedade e a distribuição dispersa no organismo. Alguns deles são simples terminações livres de fibras nervosas
ramificadas, outros, entretanto, são mais complexos, associados às
células não-neurais e compondo pequenos órgãos receptores, como os
da visão e da audição.
As sensações envolvem a capacidade de transduzir (conversão de um
sinal externo à célula, geralmente químico, em um sinal interno), codificar e, por fim, perceber as informações geradas por estímulos oriundos do meio externo ou interno do organismo. Uma grande parte do
encéfalo está devotada a essa tarefa.
Embora os sentidos básicos – sensação somática, visão, audição, sensação vestibular e os sentidos químicos – sejam muito diferentes uns dos
outros, umas poucas regras fundamentais determinam a forma como o
sistema nervoso lida com essas diferentes modalidades.
As células nervosas altamente especializadas, denominadas receptores, convertem a energia associada com forças mecânicas, luzes, ondas
de som, moléculas odoríferas ou substâncias químicas ingeridas em
sinais neurais sensoriais aferentes que, por sua vez, ativam neurônios
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centrais capazes de representar tanto os aspectos qualitativos como
quantitativos do estímulo – sensação somática, visão, audição – e a localização do estímulo no espaço (onde ele se encontra).
A sensibilidade corporal: a percepção da realidade
A percepção começa quando uma forma qualquer de energia incide
sobre as interfaces (elementos, recursos, informações capazes de proporcionar uma ligação entre dois sistemas) entre o corpo e o ambiente,
sejam elas externas ou internas. Nessas interfaces se localizam células
especiais capazes de traduzir a linguagem do ambiente para a linguagem do sistema nervoso: os receptores sensoriais. São essas células
especiais que definem o que comumente chamamos de sentidos: visão, audição, sensibilidade corporal, olfação e gustação.
Mas nosso cérebro é capaz de sentir mais (consciente ou inconscientemente) do que esses cinco sentidos clássicos permitem supor. O
cérebro detecta também alterações sutis da posição do corpo quando
nem nos damos conta disso, mudanças da pressão, da composição e
temperatura do sangue que jamais chegam à nossa consciência e de
diversos movimentos viscerais imperceptíveis (alguns são perceptíveis).
Além disso, em cada um dos grandes sentidos percebemos diferentes
aspectos (subtipos sensoriais), como, por exemplo, a visão de cores, de
movimento, etc.; nos sons distinguimos a intensidade, o timbre, a suavidade e assim por diante.
Os receptores são específicos (não podemos ativar com luzes os nossos
ouvidos), isto é, eles são especializados para detectar somente algumas
formas de energia. Os sensores captam, conforme a região, determinada espécie de energia específica (estímulo, mensagem ou informação):
energia mecânica (mecanorreceptores), luminosa (fotorreceptores),
térmica (termorreceptores) e química (quimiorreceptores).
Cada tipo se subdivide em subtipos ainda mais específicos: há mecaVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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norreceptores que detectam sons (o feto no útero da mãe quando esta
fala), há os que detectam estímulos sobre a pele, há os que detectam
alongamentos dos músculos e vários outros. Também há fotorreceptores especializados em detectar radiação próxima do azul, outros mais
sensíveis à radiação próxima do verde e assim por diante.
Todos eles, uma vez estimulados (ativados), são capazes de produzir
potenciais receptores. Nesses casos ocorrem alterações lentas da voltagem da membrana, proporcionais à potência do estímulo. As alterações, posteriormente, podem se transformar em potenciais de ação
(unidade digital do código do sistema nervoso) enviando a informação
para outras regiões do encéfalo. A tradução (transformação) da energia
incidente (luz, som) em potenciais receptores é chamada transdução
na linguagem da neurociência.
A transdução consiste na absorção da energia incidente por certas proteínas da membrana plasmática dos receptores (local apropriado onde
incide o estímulo), seguida do emprego dessa energia na abertura de
canais iônicos, gerando assim o potencial receptor. Esse se irradia ao
longo da membrana e ativa outros canais iônicos que produzem novos
potenciais de ação, ou então provocam a liberação de neurotransmissores que ativam outras células nervosas da cadeia sensorial.
Portanto, não há como “ouvir”, “ver” ou “sentir” algo que não seja
transmitido pelas energias: luminosa, sonora, gustativa, odorífera, etc.
Caso você tenha lido nos jornais que alguém viu, ouviu, conversou com
algum ser, sem que houvesse contato com o corpo físico emissor dessa
energia, você pode ter certeza que o “felizardo”, relator de visões ou
sons sem objeto, ou estava mentindo, ou acreditando nos seus próprios pensamentos (representações mentais), ou, ainda, apresentando
um sintoma psiquiátrico chamado de alucinações e ou idéias delirantes. Sem a presença de estimulação adequada, cientificamente pensando, é impossível a transmissão de informações. Entretanto a fé, como
se sabe, “remove montanhas”.
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Logo não há som sem a presença de um estímulo sonoro de um lado e
uma pessoa de outro para escutar o possível ruído; não há gosto sem
ninguém para provar algo; não há cores sem que alguém as veja. Isso
parece esquisito, eu sei, mas existem explicações. As coisas do mundo
existem independentemente umas das outras; todo mundo sabe disso.
Não é?
Sabe-se que existem atributos físicos e químicos que são próprios de
objetos físicos. A água da torneira da pia da cozinha emite vibrações
que se propagam pelos meios materiais circundantes até se dissiparem
à distância. Mas essas vibrações só se transformam em sons se houver
nas proximidades algum ser vivo dotado de um sistema nervoso com
capacidade de senti-las e percebê-las como tal. Esta é a definição de
som: é preciso alguém que escute algo. Do mesmo modo ocorre com o
paladar, o cheiro da terra molhada, etc.
Os atributos dos “sentidos” (sensoriais)
Os sentidos correspondem à tradução para a linguagem neural das
diversas formas de energia contidas no ambiente, o que torna possível classificá-los de acordo com essas formas de energias. Eles têm
sido chamados de modalidades sensoriais, aceitando-se geralmente
a existência de cinco tipos: visão, audição, somestesia (vulgarmente
chamado de tato), gustação ou paladar e olfação ou olfato: essas são as
modalidades que atingem a percepção, excluindo as que não atingem
a consciência. O espectro audível, visual e outros variam com as espécies: cães, morcegos, beija-flores, águia, etc., cada um tem sua maior
sensibilidade a um ou outro estímulo.
A somestesia (sensações provenientes da estimulação da superfície e
do interior do corpo) é uma modalidade sensorial ativada por diferentes formas de energia: mecânica, térmica e química. Uma importante
parcela dessa ação é realizada pelo sistema nervoso autônomo (SNA),
que, de fato, não é totalmente autônomo, pois suas ações são coordenadas por regiões superiores do sistema nervoso central (SNC). Desse
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modo, o termo “sistema nervoso autônomo” é um termo inadequado,
mas consagrado. O organismo é uma máquina que funciona continuamente sob forte influência do ambiente externo.
Sistema nervoso autônomo
O SNA apresenta duas divisões clássicas e uma ainda controvertida. As
duas divisões clássicas são a simpática e a parassimpática; a controvertida é a divisão gastroentérica. Esta última é constituída por uma
intrincada rede de neurônios situados nas paredes das vísceras, que
participam do controle da função digestiva.
A divisão simpática difere da parassimpática em vários aspectos, entre
os quais sua organização anatômica: a simpática ocupa a medula toracolombar, enquanto a parassimpática tem uma parte no tronco encefálico e outra na medula sacra.
Ambas as divisões apresentam uma sinapse entre o neurônio central e
o alvo periférico, dando origem à sinapse ganglionar, mas seus círculos
diferem: a simpática apresenta um neurônio pré-ganglionar curto e um
pós-ganglionar longo, enquanto a parassimpática apresenta um pré-ganglionar longo e um pós-ganglionar curto. O neurotransmissor da
sinapse ganglionar é geralmente a acetilcolina nas duas divisões, mas,
no alvo, a divisão simpática libera geralmente a noradrenalina, enquanto a parassimpática libera a acetilcolina.
Funcionalmente, a divisão simpática atua fortemente em situações de
emergências, embora participe também do controle orgânico do dia-a-dia. A divisão parassimpática faz o oposto: atua destacadamente na
contínua regulação dos órgãos e sistemas, mas participa também das
situações estressantes que aparecem.
O SNA exerce o seu controle sobre os órgãos ativando fibras musculares (lisas na maioria das vísceras, estriadas no coração) e células glandulares. No sistema digestório, o SNA regula a secreção das glândulas
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que dissolvem o bolo alimentar e lubrificam a sua passagem pelo trato
gastrintestinal, além de produzir os movimentos peristálticos que propelem o bolo adiante.
No sistema cardiovascular, o SNA regula a frequência e a força dos batimentos cardíacos, bem como o diâmetro dos vasos sanguíneos, controlando com isso a pressão arterial e a irrigação dos vários tecidos de
acordo com as necessidades de cada momento.
O SNA participa também do controle da função respiratória; neste
caso, os movimentos ventilatórios dependem muito dos músculos
estriados comandados por outras regiões neurais, mas a ativação das
glândulas mucosas das vias aéreas e principalmente de suas variações
de diâmetro são controladas pelo SNA.
No sistema urinário, a principal participação do SNA é na micção: a
contração da bexiga e o relaxamento de um dos seus esfíncteres são
provocados no momento de urinar, e o oposto quando é o momento
de armazenar a urina produzida pelos rins.
Finalmente, o ato sexual conta também com a participação do SNA, o
responsável pela ereção da genitália masculina e o ingurgitamento da
feminina, bem como da produção do esperma e das secreções vaginais.
Plano geral dos sistemas sensoriais
Todo sistema sensorial, como qualquer parte do sistema nervoso, é
composto de neurônios interligados formando circuitos neurais que
processam a informação que chega do ambiente. Os estímulos sensoriais se originam no ambiente externo ou interno em relação ao organismo. Os estímulos geralmente incidem sobre uma superfície onde
se localizam células especialmente adaptadas para captar cada tipo de
energia acontecida; essas células são os primeiros elementos dos sistemas sensoriais, recebendo o nome de receptores sensoriais (denominadas também de células primárias ou de primeira ordem dos sistemas
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sensoriais).
Essas células nem sempre são neurônios, como, por exemplo, os receptores visuais, bem como os auditivos, os gustativos e os vestibulares
(encarregados de avaliar a posição da cabeça) que são células epiteliais
modificadas. Sendo neurônios, ou não, todas essas células se ligam
através de sinapses com neurônios secundários ou de segunda ordem;
estes, por sua vez, se ligam aos neurônios terciários ou de terceira
ordem e assim por diante. Esses circuitos, em cadeia, levam a informação, de estação em estação, de lugar em lugar, traduzida do ambiente
pelos receptores a regiões progressivamente mais complexas do encéfalo.
Os receptores devem estar intactos e bem localizados no organismo:
os que detectam a pressão sanguínea, por exemplo, estão nas paredes
dos vasos. Enquanto os receptores estão posicionados em diferentes
tecidos e órgãos, nervosos ou não, os neurônios subsequentes estão
sempre localizados dentro do sistema nervoso, seja no periférico (SNP),
seja no central (SNC).
O ponto final desse caminho informativo sensorial é o córtex cerebral.
Nessa região serão realizadas as operações que resultarão na percepção e identificação do estímulo, ou respostas necessárias às funções
de controle motor ou controle orgânico. “O cheiro é de café. Vou até a
cozinha tomar uma xicrinha”; uma tomada de decisão para os córtices
cerebrais.
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Operação, diversidade e tipos
dos receptores
A função primordial dos sistemas sensoriais é realizar a tradução da informação contida nos estímulos ambientais (externos e internos) para
a linguagem do sistema nervoso (sentir calor, enxergar um rosto, detectar a carne podre, etc.). Esse mecanismo possibilita ao indivíduo utilizar
essa informação codificada nas operações perceptuais. Em seguida
podem ser provocados potenciais de ação na mesma célula, ou de outros potenciais no neurônio de segunda ordem, mediante transmissão
sináptica. Daí em diante, os potenciais são conduzidos aos terminais
sinápticos subsequentes e ocorre uma nova transmissão sináptica da
informação aos neurônios de ordem superior. Ao longo dessa cadeia de
transmissão entram em ação diferentes mecanismos de integrações sinápticas que possibilitam a análise dos diversos atributos dos estímulos
e depois a sua utilização em outros processos fisiológicos ou na reconstrução mental de objetos, características da percepção.
Os diversos tipos de sistemas sensoriais
Os mecanorreceptores são sensíveis a estímulos mecânicos contínuos ou vibratórios (um aperto de mão, uma massagem corporal); os
quimiorreceptores são sensíveis a estímulos químicos, ou seja, à ação
específica de certas substâncias com as quais entram em contato direto (sal na boca, a queimadura pela soda cáustica); os fotorreceptores
são sensíveis a estímulos luminosos (luz, cor), e geralmente ligados à
modalidade visual, embora eles participem, também, da regulação dos
níveis hormonais que oscilam sincronizados com o ciclo dia-noite (luz
solar ou outra); os termorreceptores são aqueles sensíveis à variação
térmica em torno da temperatura corporal (na maioria dos mamíferos em torno dos 37º); os nociceptores são sensíveis a estímulos de
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diferentes formas de energia, mas que têm em comum sua extrema
intensidade, que põem em risco a integridade do organismo causando
lesões nos tecidos e nas células (cortar o dedo com a faca).
Receptores somatossensoriais
O sistema sensorial somático ou somatossensorial apresenta dois componentes principais: um subsistema para a detecção de estímulos mecânicos (por exemplo, vibração, pressão e tensão cutânea) e um subsistema para a detecção de estímulos dolorosos e da temperatura. Juntos,
esses dois subsistemas conferem aos humanos, e a outros animais, a
capacidade de identificar formas e texturas de objetos, de monitorar
forças internas e externas atuando sobre o corpo a cada momento e de
detectar circunstâncias potencialmente nocivas.
O processamento mecanossensorial de estímulos externos inicia-se
pela ativação de um conjunto diversificado de mecanorreceptores
cutâneos e subcutâneos na superfície do corpo, que retransmite a informação para o sistema nervoso central para interpretação e, por fim,
para a ação. Receptores adicionais localizados nos músculos, articulações e estruturas profundas monitoram forças mecânicas geradas pelo
sistema muscular esquelético, que recebem o nome de proprioceptores.
Receptores somatossensoriais cutâneos e subcutâneos
Os receptores sensoriais especializados nos tecidos cutâneos e subcutâneos são espantosamente diversos. Eles incluem terminais nervosos
livres na pele, terminais nervosos associados com especializações que
atuam como amplificadores ou filtros e terminais sensoriais associados
com células transdutoras especializadas (que influenciam os terminais
em virtude de contatos com as sinapses).
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Os receptores somatossensoriais trabalham, de modo geral, da mesma
maneira: estímulos aplicados à pele deformam ou alteram os terminais
nervosos, o que por sua vez afeta a permeabilidade iônica da membrana do receptor. Alterações na permeabilidade geram uma corrente
despolarizante no terminal nervoso, assim produzindo um potencial
(ou gerador) de receptor que dispara potenciais de ação, como descrito
anteriormente.
Todo esse processo, no qual a energia de um estímulo é convertida em
um sinal elétrico no neurônio sensorial, é o primeiro passo decisivo em
todo o processamento sensorial; não existe outro modo.
A qualidade de um estímulo mecanossensorial (ou de qualquer outro),
isto é, o que ele representa ou onde se localiza, é determinada pelas
propriedades dos receptores relevantes e pela localização de seus alvos
centrais. A quantidade ou força do estímulo é transmitida pela taxa de
descarga de potenciais de ação disparados pelo potencial de receptor
(embora essa relação não seja linear e seja frequentemente bastante
complexa). Alguns receptores disparam rapidamente quando um estímulo é inicialmente apresentado e, a seguir, silenciam na presença de
estimulação continuada (o que significa dizer que eles se “adaptam” ao
estímulo; um exemplo é um toque no corpo), enquanto outros geram
uma descarga sustentada na presença do estímulo que é mantido (uma
luz). Assim, os receptores somatossensoriais e os neurônios que os
apresentam são normalmente classificados em tipos de adaptação rápida ou lenta. Receptores de adaptação rápida, ou fásicos, respondem
com intensidade máxima, porém breve, ao estímulo; suas respostas
diminuem se o estímulo for mantido. Por sua vez, receptores de adaptação lenta (ou tônicos) continuam disparando enquanto o estímulo
estiver presente.
Mecanorreceptores especializados em receber
informação tátil
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Quatro tipos principais de mecanorreceptores encapsulados são especializados em transmitir ao sistema nervoso central informações
relacionadas a tato, pressão, vibração e tensão cutânea: os corpúsculos
de Meissner, os corpúsculos de Pacini, os discos de Merkel e os corpúsculos de Ruffini. Esses receptores são coletivamente denominados
mecanorreceptores de baixo limiar (ou alta sensibilidade), pois mesmo
a estimulação mecânica fraca da pele induz a produzirem potenciais de
ação.
Mecanorreceptores especializados na propriocepção
Propriocepção significa a sensibilidade própria aos ossos, músculos,
tendões e articulações, que fornece informações sobre a estática, o
equilíbrio, o deslocamento do corpo no espaço, etc. Essa classe de receptores mecanorreceptores fornece informação acerca de forças mecânicas que são originárias do próprio corpo, em especial do sistema
músculo esquelético. O propósito dos proprioceptores é principalmente fornecer informação detalhada e contínua acerca da posição dos
membros e de outras partes no espaço. Os receptores “mecanorreceptores” existem também no coração e nos principais vasos para fornecer
informação acerca da pressão sanguínea, mas esses neurônios são considerados parte do sistema motor visceral.
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Os Sentidos químicos
Os três sentidos sensoriais, associados com o nariz e a boca (olfato
e gustação) e o sistema quimiossensorial, dedicam-se à detecção de
substâncias químicas do ambiente. O sistema olfatório detecta moléculas presentes no ar denominadas odores. Para os humanos os odores
fornecem informações sobre alimentos, sobre si próprio, outras pessoas, animais, plantas e muitos outros aspectos do meio ambiente. A
informação olfatória pode influenciar o comportamento alimentar, as
interações sociais e, para muitos animais, a reprodução.
O sistema gustativo (ou da gustação) detecta principalmente moléculas
hidrossolúveis ingeridas denominadas sabores. Os sabores fornecem
informações adicionais sobre a qualidade, a quantidade, o prazer e a
segurança acerca do alimento ingerido.
O sistema quimiossensorial oferece informação sobre moléculas irritantes ou nocivas que entram em contato com a pele ou com as mucosas dos olhos, boca e nariz (amônia, por exemplo).
Todos os três sistemas quimiossensoriais dependem de receptores presentes na cavidade nasal, na boca ou sobre a face que interagem com
as moléculas apropriadas e geram potenciais de ação, transmitindo,
desse modo, os efeitos da estimulação química até as regiões pertinentes do sistema nervoso.
A organização do sistema olfatório
De um ponto de vista evolutivo, os sentidos químicos – em especial o
olfato – são considerados os mais antigos sistemas sensoriais. Todavia,
apesar de ser o olfato o mais estudado entre a tríade quimiossensorial,
permanece sendo a modalidade sensorial menos compreendida. Ele
processa informações sobre identidade, concentração e qualidade de
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uma ampla gama de estímulos químicos. Estes estímulos, chamados
de odorantes, interagem com neurônios receptores olfatórios em uma
camada epitelial – o epitélio olfativo – que reveste o interior do nariz.
Os axônios que saem dos receptores celulares projetam-se diretamente aos neurônios no bulbo olfatório, os quais, por sua vez, projetam-se
no córtex piriforme no lobo temporal.
Apesar de sua idade filogenética e trajetória incomum até o córtex
cerebral, o sistema olfatório cumpre o mesmo princípio básico que governa outras modalidades sensoriais: interações de estímulos químicos
com receptores periféricos são transduzidas (convertidas de um sinal
externo à célula) e codificadas em sinais elétricos, os quais são transmitidos para os centros superiores.
Percepção olfativa em humanos
O olfato é frequentemente considerado o menos acurado dos sentidos
e vários animais são claramente superiores aos humanos em suas habilidades olfatórias. Essa diferença pode possivelmente ser explicada em
função do maior número de neurônios receptores olfatórios (e moléculas receptores de odores) no epitélio olfativo de muitas espécies e por
uma área cortical relativamente maior dedicada ao olfato. O homem
tem uma área da superfície do epitélio olfativo muito menor que a do
gato, cão, lobo, etc. O limiar de concentração para detecção e identificação de odorantes varia amplamente. O etanol (um tipo de álcool)
não pode ser identificado se sua concentração não atingir certo ponto.
Uma complicação na percepção é a de que as qualidades percebidas
podem mudar com a concentração. Assim, baixas concentrações de
indol têm odor floral, enquanto em altas concentrações, odor pútrido.
Além disso, a maioria dos odores naturais por nós percebidos é, de
fato, uma mistura de vários odores singulares: violetas, pepinos, pimentas, mesmo quando nos parece ter um único cheiro (o buquê do
vinho).
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Embora a maioria das pessoas seja capaz de identificar adequadamente uma ampla faixa de odores testados, algumas falham em identificar
um ou mais odores comuns. Tais deficiências quimiossensoriais, denominadas anosmias, são frequentemente restritas a um odor. Esse achado sugere que um elemento específico de receptor no sistema olfatório
esteja ausente. Por exemplo: alguns felizardos, 1 pessoa em 1.000, são
insensíveis ao butil-mercaptano, o forte odor liberado pelos gambás.
Por outro lado, alguns azarados apresentam uma inabilidade de detectar gás cianeto (1 em 10 pessoas) que pode ser letal; outros são incapazes de perceber o etil-mercaptano, a substância química adicionada ao
gás natural para permitir a detecção de vazamentos.
A capacidade de identificar odores normalmente diminui com a idade.
Se de alguma maneira indivíduos são desafiados a identificarem uma
grande bateria de odores, as pessoas entre 20 e 40 anos de idade podem comumente identificar cerca de 50 a 75% dos odores, enquanto
aqueles entre os 50 e 70 anos só vão identificar corretamente cerca de
30 a 45%. Uma diminuição mais extrema, ou uma distorção do sentido
olfatório, acompanha distúrbios alimentares, transtornos psicóticos,
diabetes, uso de certos medicamentos e a doença de Alzheimer; as razões ainda não são bem conhecidas.
Embora a perda da sensibilidade olfatória em humanos não seja um
motivo maior de preocupação, ela pode diminuir o prazer pela comida
e, caso seja grave, afetar a capacidade de identificar e responder adequadamente a odores de perigos potenciais, tais como comida estragada, fumaça, vazamentos de gás, etc.
As respostas fisiológicas e comportamentais
dos odores
Além da percepção olfatória, os odores podem evocar uma variedade
de outras respostas fisiológicas; os exemplos, os mais diversos, são respostas motoras viscerais ao aroma de uma comida apetitosa (salivação
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e aumento da motilidade gástrica) e cheiros nocivos (causando náuseas
e, em casos extremos, vômitos e, às vezes, raiva).
O olfato pode influenciar o comportamento reprodutivo e as funções
endócrinas; as mulheres que compartilham leitos em dormitórios femininos, por exemplo, tendem a sincronizar seus ciclos menstruais. Este
fato parece ser mediado pela olfação. O olfato também influencia as
interações mãe/filho; os neonatos reconhecem suas mães pelo cheiro
já nas primeiras horas após o nascimento, preferencialmente orientados pelo seio materno, e exibem aumento na amamentação quando
alimentados pela própria mãe em comparação com a resposta a outras
mulheres lactantes. Por sinal, as mães podem discriminar o cheiro dos
próprios filhos entre os cheiros de crianças da mesma idade.
Em outros animais, incluindo muitos mamíferos, odores específicos da
espécie, denominados feromônios, exercem importantes papéis, afetando o comportamento social, reprodutivo e paternal. Embora haja
muitas tentativas de identificar feromônios em humanos, há pouca
evidência deles, apesar de que 8% dos humanos apresentam o órgão
vomeronasal (OVN), um órgão existente em ratos e camundongos, encarregado de agir como receptor para os feromônios.
A transdução de sinais olfatórios
A maquinaria celular e molecular da transdução olfatória está localizada nos cílios olfatórios. A transdução dos odores começa com a ligação
da molécula odorante em receptores específicos na superfície externa
dos cílios; vários passos adicionais geram, então, o potencial do receptor mediante a abertura de canais iônicos. Por fim, como outros receptores sensoriais, os receptores olfatórios se adaptam com a presença
continuada de um estímulo. Subjetivamente, a adaptação manifesta-se
como uma diminuição da capacidade de identificação ou discriminação dos odores durante uma exposição prolongada (por exemplo, a
redução na percepção consciente de que se está em um ambiente com
vários fumantes à medida que o tempo passa). Fisiologicamente, os
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neurônios receptores olfatórios indicam estarem adaptados pela redução da taxa de potenciais de ação em resposta à presença continuada
de um odorante.
A organização do sistema gustativo
O sistema gustativo, atuando em harmonia com o sistema olfatório,
indica se o alimento deve ou não ser ingerido. Uma vez na boca, os
constituintes do alimento se interagem com receptores nas células
gustativas da língua. As células gustativas transduzem estes estímulos
e provêm informações adicionais sobre a identidade, a concentração
e a qualidade (se é agradável ou não) da substância. Essa informação
também prepara o sistema gastrintestinal para receber o alimento,
promovendo a salivação e a deglutição (ou causando náuseas e regurgitação se a substância for nociva). A informação sobre a temperatura
e a textura do alimento é transduzida e transmitida da boca por meio
de receptores somatossensoriais do trigêmeo e de outros nervos cranianos ao tálamo e ao córtex somatossensorial produzindo prazer ou
desprazer.
Obviamente, o alimento não é ingerido apenas por seu valor nutritivo;
o “gosto” também depende de fatores culturais e psicológicos (além
do prazer dele próprio e incondicionado); produz também prazer condicionado que dependerá do local (certo restaurante; a luz de vela; a
mulher cheirosa ao lado, etc.)
Assim como o sistema olfatório, o sistema gustativo inclui receptores
periféricos e diversas vias centrais. As células gustativas (os receptores
periféricos) são encontradas em botões gustativos distribuídos na superfície dorsal da língua, palato mole, faringe e parte superior do esôfago.
A percepção gustativa nos humanos
A maioria dos estímulos gustativos constitui-se de moléculas nãoVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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-voláteis e hidrófilas – solúveis na saliva – como o cloreto de sódio (sal
de cozinha), necessário ao balanço eletrolítico; aminoácidos, como o
glutamato, necessário para a síntese de proteínas; açucares, como a
glicose, necessária como fonte de energia; ácidos, como o cítrico, que
indica a palatabilidade de vários alimentos (por exemplo, o citrato na
laranja). Moléculas de sabor amargo incluem plantas alcalóides, como
a atropina, o quinino e a estricnina, que podem ser venenosas. O contato de compostos amargos com a boca geralmente detém (impede)
sua ingestão, a menos que a pessoa “adquira um gosto”, isto é, se habitue à substância (como eu e companheiros), como com o quinino da
água tônica.
O sistema gustativo codifica a informação sobre quantidade, bem como
identidade dos estímulos. Em geral, quanto maior a concentração do
estímulo maior será a percepção da intensidade do gosto. Entretanto,
os limiares de concentração para a maioria dos estímulos gustativos
são bastante altos; já os limiares para as substâncias perigosas (as
amargas) são baixos, ou seja, as nutritivas e não perigosas são altas,
por isso as ingerimos em grande quantidade; as outras baixas, por isso
as evitamos.
Há uma idéia errada de que o sabor doce é percebido na ponta da
língua, o salgado nas margens posteriores laterais, o sabor azedo (ou
ácido) nas margens médio-laterais e o sabor amargo no fundo da língua. De fato, todos esses sabores podem ser detectados sobre toda
a superfície da língua, entretanto, diferentes regiões têm diferentes
limiares. A ponta da língua é mais sensível ao doce e, como esse sabor
nos provoca sensações agradáveis, as informações desta região ativam
comportamentos alimentares como movimentos da boca, secreção
salivar, liberação de insulina e deglutição. Em contraste, as respostas a
compostos amargos são mais acentuadas no fundo da língua. A ativação desta região por substâncias com sabor amargo causa protrusão
(saída, expulsão) da língua e outras reações protetoras que visam impedir a ingestão (fácil de observar em crianças e em animais). Os compostos com sabor azedo provocam “caretas”, enrugamento facial e uma
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intensa secreção salivar para diluir o estímulo gustativo.
Uma segunda concepção errada é a de que há apenas quatro tipos de
sabores “primários”: salgado, doce, azedo e amargo. Embora esses
quatro sabores representem percepções distintas, esta classificação é
limitada; as pessoas experimentam uma variedade de sabores adicionais, incluindo adstringência (certa uvas, caqui verde, etc.), pungência (pimenta forte e gengibre), gorduroso, amiláceo, e vários sabores
metálicos, e, como se sabe, nenhum deles se encaixa na categoria dos
quatro citados acima.
Por fim, as misturas de várias substâncias químicas podem causar sensações inteiramente novas de sabor. O bom cozinheiro ou cozinheira
sabe disso. Ainda que seja possível estimar-se o número de odores
perceptíveis (cerca de 10 mil), tais incertezas tornam difícil estimar o
número de sabores. Nem na gustação, nem no olfato, há uma relação
clara entre classes perceptivas “primárias” e a maquinaria celular e molecular da transdução sensorial.
A organização do sistema gustativo periférico
Do mesmo modo que os neurônios receptores olfatórios (e aparentemente pelas mesmas razões), as células gustativas têm um tempo de
vida; apenas cerca de duas semanas. Não se assuste! Elas são normalmente regeneradas a partir das células basais (um tipo de célula-tronco
que produz outras células gustativas).
Respostas idiossincrásicas aos vários sabores
A resposta aos sabores varia com os indivíduos. Segundo estudos, 30
a 40% da população norte-americana não é capaz de sentir o sabor
amargo do composto feniltiocarbamida (PTC), mas podem sentir o sabor de moléculas como o quinino e a cafeína, que também produzem
sensações amargas. De fato, os seres humanos podem ser divididos
em dois grandes grupos quanto ao limiar de sensação de compostos
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amargos encontrados no PTC. A diferença desse grupo está num único
gene autossômico dos que sentem sabor e outro recessivo dos que não
sentem sabor. As pessoas que são extremamente sensíveis ao PTC, ou a
seus análogos, denominadas “supersensíveis”, têm mais botões gustativos que o normal e tendem a evitar certos alimentos como a toranja
(grapefruit), o chá verde e os brócolis, todos contendo compostos de
sabor amargo. Portanto, a composição genética individual com relação
aos receptores de sabor tem implicações na dieta e até mesmo na saúde, ou seja, pode não ser apenas uma “frescura” da pessoa.
No mesmo sentido, um grande número de compostos bastante diferentes apresentam um sabor doce para os seres humanos: sacarídeos
(glicose, sacarose e frutose), ânions orgânicos (sacarina), aminoácidos
(aspartame), metil éster de L-fenilalanina, e proteínas (monelina e taumatina). As pessoas são capazes de distinguir entre os diferentes adoçantes e algumas detectam um componente amargo na sacarina. Uma
razão para tal discriminação é que alguns desses compostos ativam
distintos receptores. Assim, a experiência perceptiva de sabor “doce”
envolve mais que o sabor da sacarose, podendo ser causado por vários
mecanismos sensoriais de transdução e podendo gerar qualidades sensoriais diferentes daquelas geradas pela sacarose.
A sensibilidade do sabor salgado também envolve um grande número
de mecanismos; nem todos os sais ativam as mesmas vias. Bebês com
até quatro meses de idade são capazes de distinguir entre água e sacarose (e lactose), água e ácido, e água e compostos amargos, mas não
podem distinguir entre água e solução de cloreto de sódio a 0.2 M (sal
de cozinha). Portanto, o receptor para o sódio ainda não foi expresso
nessa idade, ou não é funcional ainda.
O sabor azedo é produzido por concentrações relativamente altas de
ácidos, provocando diferentes sabores de azedo. Em resumo, o sistema
gustativo utiliza muitos mecanismos para distinguir entre várias substâncias químicas colocadas na boca.
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Quimiorrecepção trigeminal
O terceiro dos maiores sistemas sensoriais, o sistema quimiossensorial trigeminal, tem seus terminais ativados por substâncias químicas
classificadas como irritantes, incluindo poluentes aéreos (dióxido de
enxofre), sais de amônia, etanol, ácido acético, dióxido de carbono (de
refrigerantes), mentol (em vários inalantes) e capsaicina (um componente nas pimentas picantes que provocam a característica sensação
de queimação). Uma grande quantidade de respostas fisiológicas mediadas pelo sistema quimiossensorial é disparada (detonada) pela exposição a substâncias irritantes. Elas incluem: salivação, vasodilatação,
lacrimejamento, secreção nasal, suor, decréscimo da taxa respiratória e
broncoconstrição.
Uma curiosidade do paladar: o gelado e a pimenta
As cervejas supergeladas escondem seu verdadeiro gosto, pois o gelo,
ou frio intenso, entorpece temporariamente os brotamentos gustativos (papilas gustativas). Assim, não estamos provando a cerveja e sim
o frio. Todos nós sabemos que beber uma cerveja morna ou quente
é insuportável. Os alimentos picantes, talvez por irritação das papilas
– queimação de amônia – levam a pessoa a se deliciar com qualquer
outro gosto comum: arroz e feijão, e daí a ocorrência da produção de
endorfinas pelo prazer, ou para transpirar do calor dos trópicos. Não se
sabe bem porque ela atrai a metade da população mundial.
Nota-se que, quando alguns estímulos são apresentados durante um
período significativo, os receptores passam por um processo de adaptação e o paladar dissipar-se-á. Para escapar à adaptação, a técnica
ensina a comer diferentes alimentos durante a refeição: carne, arroz,
batata, legumes, etc., pois, tal como o resto do cérebro, o sentido do
paladar está sempre em busca de novidade. O impacto do novo desperta e excita o nosso instinto de sobrevivência.
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Uma palavra final
Citei diversos nomes de regiões do SN que você não precisa decorar.
Desejo mostrar os diversos caminhos seguidos por um estímulo, desde
sua entrada no organismo até sua chegada final no córtex cerebral. Os
estímulos, entre eles, uma fincada no estômago, uma pontada no coração, um desequilíbrio ao caminhar, o gosto ruim da comida estragada,
o cheiro da amada e/ou milhares de sinais produzidos no organismo
seguem caminhos semelhantes. Todo esse processo visa a, quando
possível, levar a pessoa a agir e tomar consciência do acontecido.
Tento mostrar que existe por trás de tudo isso um sistema nervoso altamente complexo, além de substâncias químicas, sinais elétricos para
decidir fazer um gesto simples como pegar uma caneta e anotar um
número de telefone que poderá ser usado algum dia.
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Sinapse e plasticidade
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Plasticidade: O papel das sinapses neuronais
Logo que a vida começou, diferentes estruturas primitivas surgiram
na Terra. Inúmeras construções se desenvolveram e se diversificaram.
Como os seres humanos foram uns dos últimos organismos produzidos pela fábrica natural, somos levados a conjeturar que o homem foi
construído com retalhos (ou sobras) de vários organismos que surgiram
antes. Nós, de fato, carregamos em nosso organismo peças e funções
antigas; genes (sistemas orgânicos) que povoaram e ainda habitam
outros organismos antes do nosso e que resistiram às adversidades do
meio ambiente incerto e, muitas vezes, hostil.
Tudo faz crer que genes diferentes, vivendo num e noutro organismo,
formando pequenos conjuntos, foram se reunindo aleatoriamente para
dar origem a organismos mais complexos: cupim, rato, barata e o homem, bem como milho, laranja, couve, carnaúba, etc.
A maioria dos novos organismos gerados não sobreviveu; provavelmente porque eles foram fabricados com genes defeituosos ou antagônicos (não cooperativos), ou seja, não adequados ou adaptados àquele
organismo. Para ilustrar: não seria uma boa construção genética, capaz
de resistir aos problemas do meio ambiente, um organismo que tivesse, por um lado, genes geradores de patas de elefante e, por outro,
genes que formariam um intestino de minhoca; esse par não formaria
um organismo funcional. Do mesmo modo, deve ter desaparecido um
animal formado por genes produtores de um intestino para digerir carne e genes formadores de dentes para pastar capim do chão (intestino
de leão e dentes de boi). Essas minhas especulações não são tão esquisitas como você talvez imagine; as patas de elefante, o intestino de minhoca, os dentes para pastar capim e o intestino para digerir carne são
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construídos através das orientações (prescrições) de genes, mas cada
um desses órgãos irá se desenvolver até sua plenitude caso haja, de
um lado, alimento para propiciar o crescimento e, de outro, harmonia
entre os componentes do corpo. Nesses casos inventados, esses organismos “monstros” morreriam muitíssimo antes das patas, intestinos e
tudo mais serem formados, pois não houve harmonia entre eles.
Ainda hoje, inúmeros embriões humanos gerados nos úteros de suas
mães, por serem mal estruturados, são abortados (com genes defeituosos ou, ainda, formando conjuntos que não combinam entre si). O
novo organismo mal-formado, pelas mais diversas razões, não consegue sobreviver já nas primeiras semanas de vida intra-uterina. Segundo
minha cansada memória, as estatísticas narram que cerca de 80% dos
embriões gerados são perdidos devido às más-formações. A mãe produtora do embrião, nesses casos, geralmente nem percebe que estava
grávida; possivelmente examinará e explicará o aborto espontâneo
como sendo uma menstruação como todas as outras.
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Instalação de sinapses
Uma vez instalados em seu lar final, os neurônios desenvolvem dendritos e axônios para se comunicarem com outros dendritos e axônios. Os
tentáculos alastram-se na direção uns dos outros, mas não se tocam,
pois estão separados por um pequeno intervalo chamado de fenda
sináptica. Portanto, os axônios e dendritos comunicam-se enviando
mensageiros químicos – neurotransmissores – de um lado para outro
através das sinapses. Um único neurônio pode estar se comunicando
por meio de dezenas de milhares de sinapses. Certos sinais químicos,
chamados fatores tróficos, indicam aos axônios onde e como eles devem se conectar.
Tem sido descrito que os axônios lutam pela posse de lugares especiais
e limitados; os que perdem essa competição atrofiam-se e morrem. A
competição se faz, ou é estimulada, pelos fatores externos; cada elemento em questão (receptor, sinapse, etc.) tem sua importância conforme é ou não usado. Por conseguinte, seu poder e sua sobrevivência
decorrem do uso e, por outro lado, sua morte, devido ao desuso.
No começo da vida a atividade que determina a sobrevivência é aleatória e espontânea, mas torna-se mais organizada quando o feto e depois
o bebê começam a receber e responder à informação do meio ambiente. À medida que o cérebro se desenvolve (amadurece), as conexões
sinápticas podem ser continuadamente modificadas pelo uso.
Ocorre um período de morte de células neuronais durante as últimas
fases de gravidez; quase a metade dos neurônios existentes é varrida
do encéfalo; de 200 bilhões eles caem para 100 bilhões. Essas células
nervosas são provavelmente fagocitadas (ingeridas e destruídas) pelas
células de apoio do cérebro e pelas moléculas localmente recicladas.
Para que os neurônios possam sobreviver é preciso que eles se interVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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liguem, isto é, promovam conexões. Quando nasce a criança sadia ela
tem milhões de boas conexões aguardando a designação para exercer
uma tarefa específica num e noutro lugar. À medida que o meio externo faz seus apelos ou exigências por um olhar ou contato, muitas conexões são recrutadas e orientadas para executar serviços específicos:
olhar, balbuciar, recordar, arremessar uma bola e muito mais. As conexões não usadas tendem a ser destruídas.
Enquanto a ausência da estimulação apropriada leva a célula cerebral
a desaparecer, por outro lado, um rico cardápio de experiências complexas e bem temperadas cria sinapses neurais resistentes, bem como
novos ramos e conexões que irão germinar. Tudo isso torna as ligações
mais complexas, produzindo, consequentemente, maior habilidade ou
conhecimento relacionado à área estimulada. Quanto maior for a potência excitatória ocorrida por meio de uma conexão específica, mais
forte ou potente se torna o caminho marcado no cérebro para lidar
com as trilhas. Algumas conexões transmitem e recebem sinais com
muita frequência, outras só ocasionalmente.
As sinapses neuronais
Nos estágios iniciais do desenvolvimento os neurônios se deslocam
livremente, embora guiados para percursos gerais por instruções genéticas. Enquanto certos neurônios ficam perambulando, alguns se dividem em mais neurônios, outros morrem e outros ainda se instalam em
seus assentos permanentes. Nesse local já definitivo, eles estabelecem
relações com os vizinhos e assim constroem uma complexa rede de
circuitos.
Sempre os genes fornecem as diretrizes básicas que controlam o modo
como os neurônios irão estabelecer redes funcionais, mas o meio químico onde eles habitam é crucial para influenciar que neurônios irão se
conectar com quais.
Os novos arranjos (as novas conexões) dos neurônios gerados pelo orVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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ganismo estimulado diante de experiências importantes para ele são
chamados de sinapses neuronais. As sinapses formadas, ao interligarem as áreas de “entrada” de estímulos e as de “saída” das respostas,
localizadas em diversas regiões em desenvolvimento do encéfalo, irão
facilitar as relações entre estímulos complexos, paralelos e convergentes, produzidos pelas ações da pessoa no meio ambiente em constante
transformação.
O organismo, diante das informações existentes nas entradas entre si
(o vento, o barulho das janelas batendo, o céu escuro), bem como nas
de entradas com as saídas (levantar-se, correr, fechar as janelas), utiliza-se de uma série complexa de sistemas intermediários, conectando
uns aos outros conforme as ações que estão sendo realizadas.
Esse desenho extraordinário permite ligar ou reunir o que antes estava
separado (associar a idéia “mulher” à avaliação “bonita” ou “mulher”
de um lado e “histérica” de outro; também, “homem machista” ou
“homem fraco”); uma ligação mais ou menos precisa, conforme o produtor das interligações.
Quanto mais informações internas a pessoa construir e armazenar,
mais ela prontamente será capaz de relacioná-las para compreendê-las
e avaliá-las, e mais eficiente ela será para produzir conclusões do focalizado ou observado num certo instante. Para realizar essa função complexa o organismo possui diversas estruturas (centros, setores, áreas)
prontas para entrarem em ação uma vez acionadas. Esses setores estão
localizados entre as regiões dos estímulos (luzes, sons, movimentos,
percepções de eventos) e das respostas (sensoriais e motoras).
O meio ambiente que nos cerca (o que nos atinge, inalamos, o tipo de
luz e som) altera, com efeito, a interligação física das sinapses no cérebro, dotando-nos assim com circuitos mais eficientes e permitindo que
cada um de nós desenvolva um cérebro exclusivo, ajustado às nossas
necessidades particulares, dando origem à identidade singular que
cada ser humano possui.
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As sinapses, que se encontram entre os dois pólos das estruturas,
crescem em número e em precisão conforme seu possuidor perceba
e aprenda soluções para as situações vividas. Assim, quanto mais sinapses forem produzidas, mais seu possuidor terá ligações entre os
fatos ou eventos, a respeito de um assunto ou outro; resumindo: ele
terá maior domínio (competência) numa determinada área: um bom
professor, um ótimo jogador de futebol ou pai, ou, ainda, um excelente
conquistador.
Você, leitor, deve ser craque em alguma atividade (um esporte, uma
profissão, uma arte, etc.) e, por outro lado, ser um idiota com respeito
a outras. Não fique triste e nem se aborreça, pois isto acontece com
todos nós. Examine, comparando, suas habilidades em um setor e sua
inabilidade em outro. Há um enorme fosso separando o conhecimento
numa e noutra área. De outro modo, num campo você tem uma riqueza de interligações neuronais (circuitos e sinapses em grande número),
no outro, o não explorado, há uma escassez dessas interligações.
Resumindo: o nosso cérebro é plástico, ou seja, é capaz de mudar
quando o nosso meio ambiente e as nossas experiências mudam. É por
isso que podemos aprender, mas, também, desaprender o aprendido
quando ele pára de ser estimulado. Os neurônios que se excitam juntos
permanecem juntos, significando que quanto mais vezes repetimos as
mesmas ações e pensamentos, mais encorajamos a formação de certas
conexões e estas ficam mais fixadas e disponíveis para serem utilizadas;
podemos, para nos agradar, dizer que estamos mais “inteligentes” com
respeito a certa área.
Se não excitamos os circuitos cerebrais, as conexões não serão formadas (ou serão formadas de modo rudimentar) e tendem a debilitar-se
lentamente, podendo desaparecer (o inglês aprendido durante um
curso na Inglaterra, caso não seja mais falado, é esquecido; o antigo
jogador de futebol que há muito não bate uma bola, se torna “perna-de-pau”, etc.).
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O indivíduo que nós chamamos de “perito” (“expert” na língua inglesa)
é aquele que apresenta uma habilidade especial num campo do conhecimento, do esporte, da arte, da ciência, etc. Através dessa capacidade
maior o indivíduo dominará mais facilmente um determinado saber ou
fazer. Do ponto de vista do cérebro (neural), essa competência, adquirida pelo treinamento (acertos e erros), permitiu a construção de inúmeras conexões no sistema neuronal e sináptico numa determinada área
de trabalho (médica, atletismo, direito, mecânica, literária).
Ainda sobre a plasticidade: o papel básico das
sinapses
O encéfalo humano, após se reajustar, contém 100 bilhões de neurônios, cada um com capacidade para influenciar diversas outras células.
Para realizar essa influência são necessários mecanismos sofisticados e
eficientes para permitir a comunicação entre este número astronômico
de elementos.
A sinapse é a unidade processadora de sinais do sistema nervoso.
Trata-se de uma estrutura microscópica que permite o contato (interligação) entre um neurônio e outra célula, através da qual se dá a
transmissão de mensagens entre as duas. Ao serem transmitidas, as
mensagens iniciais, de certo modo, podem (muitas vezes acontece)
ser modificadas no processo de passagem de uma célula à outra. É justamente nisso que reside a grande flexibilidade funcional do sistema
nervoso: alteração da informação inicial na sua passagem pela sinapse.
Esse aspecto é superimportante.
Quanto à função, as sinapses podem ser excitadoras ou inibidoras. No
primeiro caso, o resultado da transmissão é um potencial de ação pós-sináptico despolarizante, que tende a aproximar do limiar do potencial
de repouso da zona de disparo do neurônio. Nesse caso, a ocorrência
de potenciais de ação no neurônio fica mais fácil no neurônio pós-sináptico; por isso falamos que ele foi excitado. No caso das sinapses
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inibidoras acontece o contrário, há hiper polarização que irá afastar do
limiar o potencial de repouso da zona de disparo do neurônio, ficando
mais difícil o neurônio pós-sináptico produzir potenciais de ação.
Há dois tipos básicos de sinapses: as químicas e as elétricas. As sinapses elétricas, chamadas de junções comunicantes, transferem correntes
iônicas e até mesmo pequenas moléculas entre células acopladas. A
transmissão é rápida e de alta fidelidade, por isso as sinapses elétricas
são sincronizadoras da atividade neuronal. Por outro lado têm baixa
capacidade de modulação (não produzem variações, aumento ou diminuição da informação).
Nos animais invertebrados, cujo comportamento é mais simples e
estereotipado, as sinapses elétricas são mais numerosas e desempenham papel nos reflexos e ações motoras desses organismos. Nos
vertebrados predominam as sinapses químicas, cuja capacidade de
processamento de informação permitiu maior complexidade funcional
ao sistema nervoso. Parece que as sinapses elétricas surgiram antes no
processo evolutivo.
As sinapses químicas são verdadeiros “chips” biológicos porque (daí
sua grande importância) podem modificar as mensagens que transmitem de acordo com inúmeras circunstâncias. Sua estrutura é especializada no armazenamento de substâncias neurotransmissoras e
neuromoduladoras. Estas substâncias, já bem conhecidas do público
(serotonina, dopamina, adrenalina, endorfina, etc.), liberadas no exíguo espaço entre a membrana “pré” e a pós-sináptica, provocam, nesta
última (no receptor), alterações no potencial elétrico, podendo influenciar o disparo (desencadeamento) de potenciais de ação do neurônio
pós-sináptico. Nas sinapses entre os neurônios, na maioria das vezes, o
que se quer é aumentar, diminuir, ou, até mesmo, bloquear a atividade
do neurônio pós-sináptico (o que recebe a informação do neurônio
pré-sináptico).
Os potenciais de ação que chegam ao terminal pré-sináptico nem semVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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pre provocam a liberação de neurotransmissor em quantidade capaz
de provocar exatamente a mesma atividade no neurônio pós-sináptico.
Esse é exatamente o grande passo adaptativo possibilitado pela sinapse química, em relação à sinapse elétrica: a capacidade de alterar
(modular) a informação transmitida entre as células nervosas, como
um verdadeiro microcomputador biológico. Desse modo, o neurotransmissor ou o neuromodulador liberado na fenda sináptica difunde-se
até a membrana pós-sináptica. Na membrana pós-sináptica irá ocorrer
a reconversão (mudança) da informação química para a informação
de natureza elétrica. Finalmente, a ação inicial do neurotransmissor
resulta num potencial pós-sináptico na membrana da segunda célula.
A ação inicial poderá produzir na segunda célula um outro potencial de
ação (informação elétrica) que será conduzido pelo axônio correspondente até uma terceira célula, onde o processo se repetirá em diversas
regiões.
Uma sinapse isolada teria pouca utilidade, pois o processamento da
informação do sistema nervoso provém da integração de milhares de
sinapses existentes em cada neurônio. Todas elas interagem. Os efeitos
excitatórios (ativadores) e inibidores de cada uma delas sobre o potencial da membrana do neurônio pós-sináptico somam-se algebricamente. O resultado final dessa interação é que caracterizará a mensagem
que emerge através do axônio do segundo neurônio, em direção a outras células.
Assim, as etapas da transmissão sináptica podem então ser resumidas
do seguinte modo:
1. síntese, transporte e armazenamento do neurotransmissor ou neuromodulador;
2. deflagração e controle da liberação do neurotransmissor na fenda
sináptica;
3. difusão e reconhecimento do neurotransmissor pelo receptor pós-sináptico;
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4. deflagração do potencial pós-sináptico;
5. desativação do neurotransmissor.
Essas etapas, obviamente, dizem respeito a uma sinapse individual,
mas é preciso considerar que cada célula recebe em sua superfície
dezenas de milhares de sinapses. O resultado final, em termos de atividade do neurônio pós-sináptico, depende da interação dos potenciais
produzidos por todas as sinapses envolvidas; um processo conhecido
por integração sináptica.
Um ponto importante e atual. Acreditava-se que um neurônio possuía
um, e apenas um neurotransmissor e que o efeito obtido dependeria
da célula pós-sináptica. Passou-se a usar um sufixo próprio para o neurônio de acordo com o seu (imaginado único) neurotransmissor, por
exemplo: colinérgico, dopaminérgico, serotoninérgico, etc., para os que
empregam a acetilcolina, a dopamina e a serotonina, respectivamente.
Essa antiga “lei” foi derrubada. Descobriu-se que um mesmo neurônio
pode alojar diversas substâncias que atuam na transmissão sináptica.
Manteve-se o nome de “neurotransmissor” para a substância cuja ação
se exerce diretamente sobre a membrana pós-sináptica, produzindo
nela um potencial pós-sináptico (excitatório ou inibitório). Manteve-se também o sufixo “érgico”. No entanto, criou-se o termo modulador para um tipo de substância atuante na sinapse, não apenas na
membrana pós-sináptica, mas também na pré-sináptica e mesmo nas
vesículas. O modulador influencia a ação do neurotransmissor sem
modificá-la essencialmente, modula a transmissão.
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Remodelação do sistema nervoso
Sempre temos competência para remodelar nossos cérebros. Para isso
há necessidade da pessoa dedicar-se a alguma atividade que não lhe é
familiar, ou seja, sair da rotina, pois a rotina ela já conhece e domina.
Repetir simplesmente a mesma atividade só mantém as conexões já
estabelecidas; não há desenvolvimento de outra. Conheço médicos
que clinicam e tocam instrumentos musicais, outros são excelentes
cozinheiros, outros, ainda, esportistas, escritores, etc., ou seja, estimularam outras áreas cerebrais, além da de médico.
Podemos, portanto, para fortalecer conexões sinápticas, escrever para
estimular a área da linguagem, debater para ajudar as redes de raciocínio e centenas de outras atividades que atuam de modo diverso do
nosso trabalho diário e repetitivo. A interação com outras pessoas inteligentes e interessantes é um bom método para manter nossas redes
em expansão, no cérebro e na sociedade. Por outro lado, a interação
com pessoas burras e desinteressantes é excelente treinamento para
ficar cada vez mais idiota e repetitivo.
Quando tarefas motoras complexas tornam-se rotina (dirigir um veículo, andar de bicicleta, digitar o computador, pronunciar as palavras,
tocar piano, etc.), elas são empurradas do córtex (onde há esforço e
cansaço) para as áreas subcorticais do cérebro, onde habitam os programas espontâneos ou sem esforço. Uma vez armazenado nessa moradia mais baixa, o procedimento adquire solidez e durabilidade. É por
isso que podemos montar na bicicleta e sair pedalando após dez ou
mais anos sem treino. Se essas habilidades tivessem permanecido no
córtex superior sem serem usadas, como uma conferência ou aula que
ouvimos, as conexões teriam definhado, até se perderem. Ainda bem!
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Graças a Deus! Quanta porcaria nós ouvimos e esquecemos.
Lamentavelmente, outros conhecimentos trágicos (princípios falsos,
idéias mágicas, maus-tratos sofridos, etc.) também se dirigem para o
subsolo e lá se fincam e se fortalecem e nunca mais são esquecidos.
Por isso, do nascimento à morte, pensamos à maneira antiga, muitas
vezes inadequada para a vida atual da pessoa. Pior ainda, agimos dominados por esses antiquados princípios, conforme as idiotices que moram nos porões do cérebro e não se submetem às críticas dos andares
de cima. Muitas idéias infantis são exibidas escancaradamente, mostrando nossa bobice, com muito orgulho, para todos. Tudo de modo
natural. Quanto mais praticarmos rotineiramente uma habilidade, por
exemplo, examinar um cliente da mesma maneira, mais nossa atividade se torna automática e simples, isto é, livre de crítica e, por isso, mais
fácil de ser executada.
A rotina que é fácil não provoca estimulações em novas áreas do encéfalo. As atuais rotinas, quando foram estabelecidas – ainda não eram
rotinas – exigiram um esforço mental, ou seja, a formação de novas e
diferentes estimulações e, logicamente, sinapses e conexões para as
estruturas mentais. Os neurônios inicialmente recrutados, uma vez
automatizados para o processo de aprendizagem, foram liberados para
realizar outras tarefas; essa é a natureza fundamental da aprendizagem
no cérebro.
Se os pais regularmente responderem ao seu bebê com grande prazer
e alegria, os circuitos da criança para emoções positivas serão reforçados, entretanto, se os pais reagirem repetidamente com horror e raiva,
a criança fechará esses circuitos e reforçará, em seu lugar, os circuitos
do medo e susto. Tudo isso, aos poucos, vai se tornando rotina, automatizada. Também, a depressão prolongada da mãe condiciona o bebê
para enxergar o mundo negro e perverso. Não escapamos disso.
Piorando o padrão do pensamento
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Foi proposta uma teoria que os neurônios contêm minúsculos campos
eletromagnéticos que se desorganizam (ou ficam “travados”) durante
o tempo de uma doença ou distúrbio (uso de cocaína ou “crack”, por
exemplo, durante algum tempo). Nesses casos os neurônios ficam bloqueados e ou presos numa rotina de padrões anormais de atividade,
tornando-se subativos ou superativos, ou simplesmente inativos.
Quando isso acontece os padrões normais que funcionavam (eram
obedecidos) se modificam e ficam emperrados num outro padrão. Acima citei, como fatores precipitantes dessa disfunção, o uso da cocaína
e do crack, mas podemos encaixar nesse grupo de desajustados, também, diversos indivíduos que, obcecados por um objetivo altamente
valorizado, deixam de lado outras metas que antes da disfunção eram
procuradas por ser agradáveis, como, por exemplo: envolvimento exagerado à profissão; fanatismo religioso; devotamento ao dinheiro; uma
continuada paixão por uma pessoa; devoção extrema aos filhos, sexo
ou ao alimento. Em todos os casos citados ocorre uma supremacia
exagerada e anormal, uma supervalorização de um sistema, em detrimento dos outros importantes para o indivíduo. Depois de certo tempo
esse sistema domina os outros e a pessoa passa a não enxergar mais
nada; fica emperrada, girando em torno do mesmo círculo.
Sinapse, neurotransmissores: armazenamento-transmissão
Para que a sinapse funcione normalmente, ambos os neurônios (pré e
pós-sinápticos) devem manter um complexo sistema de síntese e armazenamento das substâncias relevantes à transmissão sináptica. O neurônio pré-sináptico deve ser capaz de sintetizar seu neurotransmissor
e os neuromoduladores. Essa síntese é feita geralmente por sistemas
enzimáticos existentes no corpo celular, ou então no próprio terminal.
Potencial de ação e libertação de neurotransVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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missores
O fenômeno que se observa na liberação dos neurotransmissores é um
aumento da concentração de Ca++ (cálcio), chamado de “exocitose”.
Esta consiste na fusão da membrana das vesículas com a face interna
da membrana do terminal sináptico. Tanto maior será o número de
vesículas e grânulos que sofrerão exocitose quanto mais prolongada
a despolarização provocada pelos potenciais de ação, isto é, quanto
maior a frequência dos potenciais que chegam ao terminal (O processo
de liberação iniciado com a chegada dos potenciais que demoram uma
fração de segundos). O resultado final da ação dos neurotransmissores
é o aparecimento de uma alteração no potencial da membrana pós-sináptica, chamada potencial pós-sináptico, ou simplesmente potencial
sináptico.
Durante uma grande atividade no terminal sináptico, ao se esgotarem
as vesículas existentes nas proximidades da zona ativa, o terminal mobiliza aquelas que existem como uma espécie de “reserva”. Se mesmo
assim prosseguir a fase de alta atividade e se esgotarem também as
vesículas de reserva, o terminal atravessa uma fase de fadiga. Nesse
caso a transmissão diminui ou se interrompe, até que sejam recompostas as reservas de neurotransmissores e das vesículas sinápticas. Tais
casos ocorrem, por exemplo, quando o indivíduo tem uma atividade
física extenuante; uma atividade cerebral continuada (prestar atenção
por muito tempo em um assunto estudado); quando faz uso de drogas
que liberam grandes quantidades dessas substâncias, etc.
A transmissão sináptica iniciada precisa ser desligada ou desativada,
pois, do contrário, continuaria a agir. Esse processo é realizado pela a
recaptação (nova captação do neurotransmissor), somada a sua degradação enzimática. Muitos medicamentos usados na clínica psiquiátrica,
como o Prozac (cloridrato de fluoxetina), e diversos outros, recebem o
nome de IRSS. Essa sigla indica que o medicamento é um inibidor seletivo da recaptação da serotonina. Traduzindo: seu uso dificulta (inibe
– inibidor) para certos neurônios (da serotonina) a recaptura (levar a
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serotonina – liberada para agir – seja impedida de retornar ao interior
da célula), pois nesse caso, dentro da célula, ela não tem nenhuma
ação. De outro modo, o medicamento facilita a disponibilidade do neurotransmissor serotonina. O déficit de serotonina no cérebro, segundo
hipóteses, provocaria a depressão, a impulsividade, maior sensibilidade
à dor, etc. Entendeu? Espero que sim. Mas o fato verdadeiro não parece ser tão simples assim. Tudo indica que o aumento (ou diminuição)
de um neurotransmissor influencia outros.
Natureza da transmissão sináptica
Pode-se concluir que o trabalho dos neurotransmissores consiste na
reconversão da mensagem química em mensagem elétrica. A visão da
sinapse como um “chip” biológico, e não como um cabo de transmissão, surgiu há muito tempo. Conclui-se que as mensagens transmitidas
no SNC devem envolver muitas sinapses sobre um mesmo neurônio,
para que sejam convertidas em novas mensagens conduzidas por esse
neurônio. A interação entre as muitas sinapses que incidem sobre um
mesmo neurônio é a essência do desempenho do sistema nervoso
como um sistema inteligente.
Integração sináptica
Visto que cada neurônio recebe sinapses de inúmeras regiões diferentes do cérebro, o neurônio aparece como um verdadeiro computador.
Este é capaz de reunir potenciais sinápticos diferentes, com origens e
tipos variados e associá-los. Depois de toda essa complicada atividade
nascerá (será elaborada) uma resposta, um “pacote” de informações,
que será enviada pelo axônio.
Denominamos de “integração sináptica” a essa computação de múltiplos sinais sinápticos. Podemos imaginar a complexidade do trabalho
do neurônio se pensar que a cada momento entram em ação simultaneamente milhares de sinapses. Algumas dessas sinapses são inibidoras, outras, excitadoras. Em cada pequena região da membrana de
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dendritos e do soma do neurônio estarão ocorrendo processos integrativos e o resultado final da computação efetuada a cada momento leva
o segmento inicial do axônio a “decidir” os parâmetros de sua atividade.
Neurotransmissores e depressão de longa duração
A transmissão sináptica pode também ser diminuída após atividade
sináptica repetida. Exemplos de depressão sináptica ocorrem quando
muitos potenciais de ação ocorrem em rápida sucessão e dependem da
quantidade de neurotransmissor liberada. A depressão surge devido ao
esgotamento progressivo do conjunto de vesículas sinápticas disponíveis para fusão nessas circunstâncias. Durante a depressão sináptica, a
eficácia da sinapse declina até que esse conjunto de vesículas possa ser
reposto por meio de mecanismos envolvidos na reciclagem de vesículas sinápticas.
Durante a atividade sináptica repetitiva esses vários tipos de plasticidade podem interagir de forma complexa. Por exemplo, na sinapse neuromuscular, a atividade repetitiva inicialmente facilita a transmissão
sináptica; então, o esgotamento das vesículas sinápticas permite que
a depressão domine, e a sinapse fica enfraquecida. Após os estímulos
terminarem, a invasão do terminal por um outro potencial de ação determina um aumento da liberação de transmissores.
Tipos de neurotransmissores e neuromoduladores das sinapses
Os neurotransmissores são de três tipos químicos: aminoácidos, aminas e purinas. Os neuromoduladores são peptídeos e gases. Mas essa
diferença não é absoluta, pois há peptídeos que atuam como verdadeiros neurotransmissores e aminoácidos e aminas como neuromoduladores.
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Neurotransmissores:
1. Aminoácidos: Ácido gama aminobutírico; Glutamato; Glicina; Aspartato;
2. Aminas: Acetilcolina; Adrenalina ou Epinefrina; Dopamina; Histamina;
Noradrenalina ou Norepinefrina; Serotonina;
3. Purinas: Adenosinas; Trifosfato de adenosinas (ATP);
Neuromoduladores:
1. Peptídeos: Gastrinas: gastrina, colecistocinina; Hormônios da neuro-hipófise: Vasopressina, ocitocina (oxitocina); Insulina; Opióides:
encefalinas e beta-endorfinas; Secretinas: secretina, glucagon, peptídeos intestinal vasoativo; Somatostatinas; Taquicninas: substância P,
substância k;
2. Gases: Óxido nítrico; Monóxido de carbono;
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Modificações de circuitos encefálicos: neuroplasticidade
A capacidade de adaptação do sistema nervoso, em especial dos
neurônios, às mudanças nas condições do ambiente que ocorrem no
dia-a-dia da vida dos indivíduos chama-se neuroplasticidade ou, simplesmente, plasticidade. Toda vez que alguma forma de energia proveniente do ambiente de algum modo incide sobre o sistema nervoso,
esta deixa alguma marca, isto é, modifica o neurônio de alguma maneira. Como essa mudança ocorre continuadamente, a neuroplasticidade
é uma característica marcante e constante da função neural (escuto um
número de um telefone; guardo-o e disco; vejo uma batida de veículos
e, depois, lembro-me dela; arrumo a primeira namorada e nunca mais
me esqueço do fato).
Foi constatado que em alguns casos é possível identificar mudanças
morfológicas (modificações na anatomia cerebral) resultantes das mudanças ambientais (uma explicação importante que alguém me disse;
uma agressão sofrida, etc.). Nesses casos, quando ocorre uma plasticidade morfológica, novos circuitos neurais podem ser formados; altera-se o trajeto de algumas fibras nervosas; configura-se uma nova árvore
dendrítica do neurônio; altera-se o número de células nervosas de uma
determinada região cerebral, etc.
Em outros casos, apesar da existência da plasticidade, só se conseguem
detectar correlatos funcionais (mudança da função, como: aprendi o
nome do meu cobrador), sem mostras de alterações morfológicas evidentes. Quando assim ocorre fala-se que houve uma “plasticidade funcional”, não “morfológica”, geralmente ligada à atividade sináptica de
um determinado circuito ou um determinado grupo de neurônios.
A rica variedade das personalidades, das capacidades e dos comporVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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tamentos humanos é, sem dúvida, produzida pela singularidade de
eventos vividos por cada encéfalo humano, dando origem a cérebros
diferentes. Essas fascinantes variedades neurobiológicas entre humanos originam-se de influências tanto herdadas como ambientais. A variedade possível é tão grande que desde o aparecimento das primeiras
comunidades humanas – que antes não existiam – houve, por parte
dos primeiros governantes, um esforço brutal de impedir essa enorme
diferença entre os indivíduos. Com conhecimentos mais sofisticados, o
Estado e a Igreja, unidos, impuseram formas de pensar uniformes para
o bom cidadão e o bom religioso.
Homogeneizando a maneira de pensar entre os homens possíveis de
se tornar cidadãos diferentes, os diversos governos conseguem impedir formas de pensar e agir extravagantes, as que se afastam muito do
normal, do recomendado e imposto. O que sai da “norma correta” é
preso, morto, internado em hospícios ou ignorado. Por outro lado, o
que age conforme o estabelecido (instituído) ganha elogios, aplausos e,
logicamente, poder, e, às vezes, dinheiro.
Vamos deixar a comunidade, o Estado e a Igreja de lado. Vamos pensar
na família da qual você faz parte. Ela tem suas regras, normas e imposições. As antigas famílias do Brasil, formadas por ricos fazendeiros,
exigiam que um filho fosse doutor (médico), um outro, padre, as mulheres professoras ou freiras. Essas prescrições, desde cedo, eram quase sempre seguidas, pois o tratamento era dócil e gratificante caso o
filho fosse obediente. Essa é a palavra mágica: um seguidor das normas
impostas. As mulheres deviam ser, como as mães, “donas de casa”, ou,
no máximo, professoras primárias ou obedientes irmãs de caridade. Os
homens deviam procurar prostitutas logo que se tornassem “homens”;
enquanto as mulheres jamais podiam ter relações sexuais antes do casamento e, mesmo depois, elas não deviam ter orgasmos.
Pois bem, tudo isso foi impresso, isso mesmo, seus cérebros foram modelados (esculpidos, gravados) através da plasticidade neuronal. Uma
vez plastificados, eles, docilmente, seguiram as normas impressas, ou
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seus “desejos”, como se fossem escolhas suas; um modo de pensar e
agir que na realidade foram impostos anos antes.
Ai de quem ousasse ir contra as regras; a filha que copulasse com o
namorado era classificada de prostituta e, algumas vezes, tornava-se
mesmo uma, acreditando que não era mais digna de constituir uma família. Por outro lado, se o filho fosse homossexual, seria (homossexual
é homossexual; não se torna homossexual) expulso da família ou renegado. Também, o indivíduo que não segue os preceitos da religião e ou
do Estado, o filho ou a filha que não seguem os desejos da família são
rejeitados, pois eles não fazem parte do grupo dos “normais”. Portanto,
todos, na família ou na escola, que não vestiram a mesma camisa dos
outros, não serviam como exemplares ou protótipos do bom menino,
rapaz ou homem digno de confiança.
É mais fácil lidar ou governar os que pensam da mesma maneira dos
outros, dos educados cordeiros. Somos marcados para seguir a correnteza desde o nosso nascimento à custa de elogios; somos criticados
caso nadamos contra a correnteza.
O padrão básico de conexões encefálicas está estabelecido ao nascer,
entretanto a atividade neuronal produzida com instruções (estímulos, informações) vindas do mundo externo durante a vida pós-natal
(principalmente da família e da vizinhança mais próxima) fornece o
mecanismo, através do qual o ambiente irá influenciar a estrutura
(morfologia, forma) e, por conseguinte, a função do encéfalo (conduta
do indivíduo).
Um exemplo simples de plasticidades diversas. Um carro em disparada perde a direção e explode num poste. O motorista sofre fratura do
crânio e vai para o hospital. Ele não morreu, mas tem uma restauração
incompleta das funções atingidas. Um segundo indivíduo presencia o
acidente; tem uma visão do ocorrido e este o impressiona fortemente e nunca mais esquece o observado. Um terceiro lê no jornal o fato
acontecido; lembra do evento lido por um pequeno tempo. Nos três
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casos o ambiente externo influi sobre o sistema nervoso de diferentes
maneiras e com diferentes intensidades. No motorista acidentado houve lesão do cérebro. Na testemunha, a visão do acidente provocou uma
forte impressão emocional, mas nenhum dano físico imediato. O leitor
do jornal teve modificado seu comportamento por um curto período,
através das informações obtidas pela leitura. Os três cérebros responderam ao ambiente e se modificaram; houve, nos três, plasticidades
diferentes.
Assim, os neurônios podem se transformar por um pequeno período
(guardar o número do telefone e esquecê-lo), de modo permanente,
ou pelo menos prolongado, quanto a sua função e, também, sua forma, em resposta à ação do ambiente externo.
Quando um insulto ambiental incide sobre o tecido nervoso, pode
atingir muitas células, mas não necessariamente todas. Dentre as atingidas, as que tiveram o corpo celular lesado provavelmente morrerão,
mas as que tiveram apenas os prolongamentos danificados podem
regenerar-se. A regeneração neural deve ser vista com uma capacidade
própria de população de neurônios cujos prolongamentos são atingidos
por um insulto ambiental. A história de sucesso da plasticidade regenerativa das fibras nervosas periféricas não se repete no caso dos axônios
centrais, e essa diferença marcante constitui um grande enigma.
Os terminais sinápticos reforçados por atividade correlacionada (muito
usados ou de enorme importância) serão mantidos ou formarão mais
ramificações; aqueles que são persistentemente enfraquecidos (pouco
ou não mais usados) por não experimentarem atividade correlacionada
irão, consequentemente, perder suas conexões com a célula pós-sináptica.
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Períodos críticos
Os mecanismos celulares e moleculares constroem um sistema nervoso de impressionante complexidade anatômica. Essas instruções são
também suficientes para criar alguns comportamentos, derivados dos
inatos e ou “instintivos”, notavelmente complexos. Para a maioria dos
animais, o repertório comportamental, incluindo a busca por alimentos, a luta e a estratégia para o acasalamento, baseia-se em padrões
de conectividade estabelecidos por mecanismos de desenvolvimento
intrínsecos, existentes no nascimento, preservados pela evolução.
Os sistemas nervosos de animais complexos ou “superiores”, entretanto, incluindo os humanos, claramente se adaptam e são influenciáveis
por circunstâncias particulares do ambiente individual, fatores ambientais especialmente influentes nos períodos iniciais da vida, chamados
de “janelas” ou “períodos críticos”.
Foi observado que durante o desenvolvimento há uma fase de grande
plasticidade, ou seja, um período onde há uma maior facilidade de o
encéfalo ser modificado (aprender as normas familiares, do Estado e
da Igreja, por exemplo). Esta etapa é denominada de período crítico
(como ocorre no aprendizado da leitura, o sotaque da língua nativa,
etc.), fase na qual o sistema nervoso da pessoa é mais suscetível às
transformações provocadas pelo ambiente externo. Passado o período
crítico (seu término), que aparece geralmente na infância, ao entrar na
idade adulta, a capacidade plástica diminui, ou, no mínimo, se modifica. O efeito produzido por estimulações do encéfalo é maior durante
certas “janelas” temporais do desenvolvimento.
Percebe-se que, à medida que os animais amadurecem, o encéfalo torna-se progressivamente mais refratário às lições da experiência; fica-se
mais rígido ou resistente para o aprendizado, pois os mecanismos celulares intermediários que produzem as alterações nas conexões neurais
se tornam menos efetivos. Esse fato tem sido bem notado por todas as
pessoas: é mais difícil aprender a dirigir um veículo, falar uma língua
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estrangeira, tocar um instrumento, dançar ou exercer uma atividade
esportiva a partir de certa idade.
O sistema visual é um bom exemplo para o afirmado acima. Os circuitos de visão binoculares do gato são possíveis de ser estimulados a partir do nascimento; essa sensibilidade à aprendizagem permanece até
o quarto mês de vida, depois termina. Para o macaco, para o mesmo
processo (visual) o período vai do nascimento até o segundo ano de
vida do animal. A estimulação visual, e consequente aprendizado, para
o homem ocorre até os 10 anos de idade.
Para que haja a assimilação dos valores morais de uma pessoa, parece
haver necessidade que ela assimile a cultura do meio ambiente entre
os 9 e 17 anos, nem antes nem depois. Uma criança vivendo num país
estrangeiro aprenderá (assimilará) os valores desse local caso resida
nesse meio durante seus 9 e 17 anos. Caso resida somente antes dos
9 anos, ou somente depois dos 17 anos não adquirirá os valores da comunidade.
A “impressão” (marca do cérebro) do criador do pinto (pode ser a galinha, um galo, um homem ou outro animal) ocorre das 10 às 19 horas
após o nascimento; esse sutil mecanismo parece estar relacionado à
produção do neurotransmissor acetilcolina nessa “janela” do desenvolvimento do cérebro do pinto.
Em alguns casos, como na aquisição da linguagem, as influências instrutivas do ambiente são obviamente necessárias (não nascemos falando, nem lendo ou escrevendo) para o desenvolvimento normal do
comportamento (isto é, exposição à língua nativa do indivíduo). Há no
cérebro um módulo (área, região) relacionado à leitura. Pois bem. Essa
área se atrofia caso a pessoa não seja exposta à aprendizagem da leitura durante sua infância e ou adolescência. A louvável alfabetização do
adulto/idoso, lamentavelmente, pouco produz. O idoso, ao ser “alfabetizado”, não mais conseguirá produzir uma mente capaz de ler e entender o que está sendo lido. Ele poderá soletrar; ler nomes separados
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(padaria; Casa Vermelha etc.). Entretanto, esse indivíduo terá imensa
dificuldade para reter um trecho de um parágrafo inicial e, depois, ligá-lo a outras frases lidas e, assim, inferir ou tirar uma compreensão ou
conclusão do todo. A região do cérebro do idoso, não estimulada na
idade apropriada, é incapaz de realizar esse trabalho, pois já se atrofiou. Não adianta tentar, se esforçar; a janela já foi fechada. De qualquer forma ele poderá usar sua “leitura” defeituosa para ler o nome de
um lugar e outro, assinar seu nome, soletrar outro; infelizmente não
vai além disso.
Situações semelhantes são comuns: conheço inúmeras pessoas que
foram alfabetizadas na idade correta. Entretanto, não mais exercitaram
a leitura ou nunca a estimularam. Essas pessoas também, por desuso
da leitura, tornaram-se incapazes de entender (inferir, deduzir, ligar
um fato ao outro) o que são capazes de ler. Entretanto, são capazes de
compreender a linguagem falada.
Concluindo: alguns comportamentos, como o “imprinting” (a fase de
impressão parental) nas aves, expressam-se apenas se os animais passarem por certas experiências específicas durante um período bastante
restrito no início do desenvolvimento pós-natal (ou pós-eclosão do
ovo). Por outro lado, períodos críticos para habilidades sensoriais e motoras ou comportamentos complexos, tais como a fala em humanos,
têm uma maior duração, sendo muito menos delimitados.
O período crítico
Apesar do fato de os períodos críticos variarem amplamente, tanto
com relação aos comportamentos afetados como à sua duração, todos
eles compartilham algumas propriedades básicas. Um período crítico
é definido como o tempo durante o qual um dado comportamento é
especialmente susceptível a – e de fato requer – influências ambientais
específicas para se desenvolver normalmente.
A falha na exposição a estímulos apropriados durante o período crítico
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é difícil ou impossível de ser remediada posteriormente (como o aprendizado da leitura e a compreensão desta, isto é, sua decodificação). Por
outro lado, uma vez concluído esse período, com respeito a condutas
motoras, o comportamento dificilmente pode ser afetado por experiências subsequentes (pela completa ausência da experiência relevante
no caso). Não vamos nos esquecer deles, como, por exemplo, andar de
bicicleta, de patins ou jogar futebol; mas com o desuso, iremos nos tornar mais incapazes em tudo isso.
Com respeito aos valores morais, por exemplo, aprendidos dos 9 aos
17 anos, não há o problema do desuso, pois, sem querer, automaticamente, em todos os nossos raciocínios fazemos uso deles. Além disso,
se continuamos a viver na mesma comunidade, recebemos “feedback”
de outras pessoas.
Mas pode ser ruim não mais esquecermos de uma série de princípios,
que são inteiramente inadequados ao mundo em que estamos vivemos
quando adultos. Ao utilizá-los podemos ser altamente prejudicados, e
esses princípios tendem a nos habitar e perseguir até a sepultura ou o
crematório.
Uma criança vivendo num ambiente hostil, ou, também, mal-cuidada
(desamparada, abandonada), formará um encéfalo (de redes neurais) marcado por uma percepção negativa acerca dos seres humanos
(medo, raiva, desconfiança, impotência). Essa “impressão” no cérebro,
formada cedo, contém um marca ou modelo que influenciará o indivíduo para enfrentar o tipo de mundo (hostil ou indiferente; o mundo
vivenciado). Possuidora de circuitos cerebrais contendo uma gravação
(cópia) marcada com informações (mensagens), a pessoa só poderá
repetir essa conduta diante de outras pessoas, inclusive as que têm
uma conduta oposta a anterior vivenciada. O meio ambiente, principalmente, os seres humanos, serão decodificados com o processador
mental construído inadequadamente, (o existente em sua cabeça); este
marcará a pessoa geralmente até sua morte.
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Enquanto psicólogos e etologistas (isto é, biólogos que estudam o comportamento natural dos animais) reconhecem há muito tempo que o
início da vida pós-natal ou pós-eclosão do ovo é um período especialmente sensível a influências ambientais, seus estudos sobre períodos
críticos têm enfocado o comportamento.
Atualmente os trabalhos realizados mais para o final do século XX e
início do XXI estudaram em profundidade, cada vez maior, as mudanças
nos circuitos encefálicos relevantes formadores da base dessas alterações de condutas e seus mecanismos. Entre esses estudos estão os
relacionados às mudanças cerebrais ocorridas aos insultos físicos, alimentares, drogas durante a gestação e, também, da educação recebida
dos familiares, da escola, principalmente dos companheiros um pouco
mais velhos e experientes. Parece que a influência de diversos valores
não é aprendida dos pais, mas sim do amigo um pouco mais experimentado e usado como modelo (protótipo) a ser seguido.
O desenvolvimento dos sons da linguagem:
um período crítico nos humanos
Muitos animais comunicam-se através do som, e alguns (homens e
pássaros canoros são exemplos) aprendem essas vocalizações. Existem
semelhanças no desenvolvimento da linguagem humana e do canto
dos pássaros. Muitas das vocalizações de animais, chamados de alarme
em mamíferos e em pássaros, são inatas e não requerem experiência
para serem produzidas corretamente. Por exemplo: as codornas criadas isoladamente ou surdas desde o nascimento, de forma a nunca terem ouvido seus congêneres, ainda assim produzem todo o repertório
de vocalizações específicas de sua espécie; as crianças choram e gritam
diante de sofrimentos logo ao nascer, isto é, não aprenderam.
Por outro lado, os humanos necessitam de extensa influência pós-natal
para produzir e decodificar sons complexos da fala que são a base da
linguagem. Essa experiência linguística, para ser efetiva, precisa não
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só existir, mas, também, ser ouvida e praticada durante um período
crítico, um fato evidenciado nos estudos de aquisição de linguagem em
crianças nascidas surdas.
A maior parte dos bebês congenitamente surdos mostra déficit óbvio
em suas vocalizações iniciais; tais indivíduos falham no desenvolvimento da linguagem (como um todo) se não lhes for oferecida uma forma
alternativa de expressão simbólica (linguagem dos sinais). Se, no entanto, essas crianças surdas forem expostas à linguagem dos sinais desde
muito cedo (dos seis meses em diante, aproximadamente), elas começam a “balbuciar” com suas mãos, assim como um bebê que ouve e
balbucia audivelmente. Tais resultados sugerem que as experiências
precoces produzem o comportamento de linguagem, independentemente da modalidade (falada ou gestual).
As crianças que adquiriam a capacidade de falar, mas subsequentemente perderam a audição antes da puberdade, também apresentam
um declínio substancial na linguagem falada, possivelmente porque
são incapazes de ouvir a si próprias falando (como também os outros)
e, assim, perdem a oportunidade de refinar seu discurso pela retroalimentação (“feedback”) auditiva; houve o desuso.
Há um famoso caso da descrição de uma menina de 13 anos que foi
criada por pais mentalmente perturbados, sob condições de quase
total privação de linguagem. Essa menina, apesar de intenso treino
subsequente, não chegou a aprender além de um nível rudimentar de
comunicação. Um caso clássico também foi descrito na literatura, os
chamados “meninos lobos”, encontrados há dezenas de anos atrás (se
não me engano na Índia). As crianças foram chamadas pelos tutores de
Amala e Kamala. O menino morreu pouco depois de ser encontrado; a
menina, apesar dos cuidados recebidos, faleceu cerca de um ano depois. A suposição acerca de suas origens foi a de que os dois tenham
sido criados e amamentados por animais, talvez lobos. Nenhum deles
foi capaz de usar sons para se expressar. A menina, sobrevivente por
um período maior, jamais se adaptou aos humanos e a seus costumes,
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como, por exemplo, preferia ficar escondida durante o dia e sair à noite
para fora do local que habitava.
Em um nível mais sutil: a estrutura fonética que um indivíduo ouve durante o início da vida define tanto a percepção quanto a produção da
fala. Milhares de linguagens e dialetos humanos utilizam elementos de
fala denominados “fonemas”. Esses são notavelmente diferentes para
produzir as palavras faladas (exemplos são os fonemas ‘ba’ e ‘pa’ em
português).
Os bebês humanos não apresentam uma tendência inata para os fonemas característicos de uma língua determinada (de sua língua nativa);
uma tendência ou gosto que não persiste; ela se transforma com a
aprendizagem. Os bebês, devido ao treino com uma linguagem, muito
cedo, podem perceber e discriminar diferenças entre todos os sons
falados humanos. Por exemplo: indivíduos adultos que sempre falaram
japonês não conseguem distinguir claramente entre os sons do (r) e
do (l) do português ou do inglês, possivelmente porque essa distinção
fonética não está presente no japonês. Ainda assim, bebês japoneses
de quatro meses conseguem fazer essa discriminação tão bem como
bebês de quatro meses criados em ambientes onde se fala inglês (indicado pelo aumento da frequência de sucção ou de movimentos da
cabeça na presença de estímulo novo). Aos seis meses de idade, entretanto, os bebês mostram preferência por fonemas de suas linguagens
nativas com relação às de línguas estrangeiras e, ao final do primeiro
ano de vida, não mais respondem a elementos fonéticos peculiares a
linguagens não-nativas.
O indivíduo que fala uma determinada língua fica intrigado, pela “burrice” do outro (japonês, russo, inglês), por não conseguir “repetir de
modo certo” fonemas usados por ele. Por mais que sejam repetidos,
inúmeras vezes, a pronúncia nunca é a correta para determinada língua. Na verdade, esses “imbecis” não discriminam claramente, como
os usuários da língua desde o nascimento, alguns sons de outros.
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A capacidade de perceber esses contrastes fonéticos evidentemente
persiste por muitos anos mais, como demonstrado pelo fato de que
crianças podem aprender a falar uma segunda língua sem sotaque e
com gramática fluente até aproximadamente a idade de 7 a 8 anos.
Após essa idade, no entanto, o desempenho declina gradualmente, independente da intensidade de prática ou de exposição à outra língua;
sempre haverá sotaque (acento, pronúncia do lugar).
Diversas mudanças no encéfalo em desenvolvimento poderiam explicar essas observações. Uma possibilidade é que a experiência atua
seletivamente para preservar os circuitos encefálicos que percebem
fonemas e distinções fonéticas. A ausência de exposição a fonemas
não-nativos resultaria, então, em uma atrofia gradual das conexões representando esses sons, acompanhada de um declínio na capacidade
de distinguir entre eles (“use-o ou morre”). Nessa formulação, os circuitos que são utilizados são mantidos, enquanto os que não são utilizados tornam-se fracos, podendo, eventualmente, desaparecer. Alternativamente, a experiência pode promover o crescimento de circuitos
rudimentares pertinentes aos sons experimentados.
Um postulado aceito pelos estudiosos implica que terminais sinápticos
reforçados por atividade correlacionada serão mantidos ou formarão
mais ramificações, enquanto aqueles que são persistentemente enfraquecidos por não experimentarem atividade correlacionada irão, consequentemente, perder suas conexões com a célula pós-sináptica. De
outro modo, se você deixa de usar uma determinada palavra nas suas
conversas e escritas, ela vai ficando cada vez mais difícil de ser fisgada
no seu estoque de termos, até não mais aparecer.
Uma pesquisadora demonstrou que à medida que uma segunda língua
é adquirida, o encéfalo gradualmente agrupa os sons de acordo com
suas semelhanças com os fonemas da língua nativa. É interessante notar que o balbuciar dos bebês, ou o “balbuciar dos adultos”, utilizado
por esses para falar com as crianças pequenas, na verdade, enfatiza
essas distinções fonéticas em comparação com a fala normal entre os
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adultos.
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Plasticidade de sinapses e circuitos maduros
A capacidade do sistema nervoso de mudar (plasticidade neural) é
evidente durante o desenvolvimento dos circuitos neurais. Entretanto,
o encéfalo adulto também deve possuir pelo menos alguma plasticidade para aprender novas tarefas, para estabelecer novas memórias
e para reagir a lesões ao longo da vida. Embora os mecanismos responsáveis pelas alterações que ocorrem no encéfalo adulto não sejam
completamente compreendidos, modificações nas conexões neurais na
maturidade parecem basear-se primariamente em mudanças cuidadosamente reguladas na eficácia de sinapses pré-existentes e menos na
formação de novos circuitos.
Experimentos realizados em vários animais, de moluscos marinhos a
primatas, têm demonstrado que a eficácia sináptica pode ser alterada
em períodos que vão de milissegundos a meses. Os mecanismos moleculares em que essas mudanças se baseiam são modificações pós-tradução (transdução) de proteínas pré-existentes e, no caso de efeito
de longa duração, alterações na expressão dos genes, formando novas
proteínas.
Mudanças apreciáveis na representação cortical podem ocorrer em
resposta à experiência com alterações sensoriais ou motoras. Por
exemplo: se um macaco é treinado para utilizar um dedo específico
para uma determinada tarefa que foi repetida muitas vezes, a representação funcional desse dedo, determinada por mapeamento eletrofisiológico, pode expandir-se à custa daqueles outros dedos que foram
inativados. Embora essas alterações ocorram em todo o encéfalo,
formas de plasticidade de curta duração, que duram por minutos ou
menos, têm sido estudadas em maior detalhe em sinapses neuromusVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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culares periféricas (caso de grandes atletas e mesmo toda atividade
muscular que aprendemos e melhoramos – fisioterapia). A ativação
repetida da junção neuromuscular dispara diversos tipos de alterações.
A plasticidade comportamental requer alterações sinápticas dependente de atividade em um conjunto de neurônios interconectados. Essas
mudanças em circuitos são as bases, não apenas do aprendizado, da
memória e de outras formas de plasticidade, mas, também, de algumas
patologias (daí ser preciso “deprimir” certas condutas). Assim, padrões
anormais de atividades neuronais, tais como aqueles que ocorrem na
epilepsia, podem estimular alterações anormais em conexões sinápticas que podem causar um maior aumento na frequência e na gravidade das crises.
Mudanças mais extensas ocorrem quando o sistema nervoso adulto é
lesionado por trauma ou doença, embora a regeneração de conexões
no encéfalo e na medula espinhal apresente limites bastante precisos.
Tem ocorrido certo otimismo com relação a essa situação clínica, que
advém da recente descoberta de que novos neurônios podem ser gerados ao longo da vida em diversas regiões encefálicas, fornecendo o material básico para circuitos inteiramente novos, a partir das chamadas
“células-troncos”.
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Percepção, estímulo e
cognição
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Um pouco acerca da percepção
Percepção é a capacidade de associar informações sensoriais à memória e à cognição de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre
nós mesmos e orientar o nosso comportamento. Os primeiros estágios
da percepção consistem no processamento analítico realizado pelos
sistemas sensoriais destinados a extrair de cada objeto suas características, que na verdade consistem nas submodalidades sensoriais: cor,
movimentos, formas, localização espacial, timbre, temperatura, etc.
Combinações dessas características passam então por vias paralelas
cooperativas no SNC, que gradativamente reconstroem (reunião das
peças do quebra-cabeça) o objeto como um todo, para que ele possa
ser memorizado ou reconhecido, e para que possamos orientar nosso
comportamento em relação a ele.
A modalidade visual é a que está mais bem estudada a esse respeito,
conhecendo-se uma via cortical dorsal, destinada à identificação das
relações espaciais do objeto com o observador e com o mundo, e uma
via ventral, cuja função é reconhecer o objeto, dando-lhe um nome e
identificando a sua função e sua história. A via dorsal envolve regiões
do lobo parietal, enquanto a via ventral envolve regiões do lobo temporal.
Atenção e Percepção
Para que os mecanismos da percepção possam ser otimizados, é preciso selecionar dentre os inúmeros estímulos provenientes do ambiente
aqueles que são mais relevantes para o observador. Para isso o SNC
conta com a atenção, um mecanismo de focalização dos canais sensoriais capaz de facilitar a ativação de certas vias, certas regiões e até
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mesmo certos neurônios, de modo a colocar em primeiro plano sua
operação, e em segundo plano a de outras regiões que processam aspectos irrelevantes para cada situação.
A atenção tem dois aspectos principais: 1) a criação de um estado geral
de sensibilização, conhecido como alerta e 2) a focalização desse estado de sensibilização sobre certos processos mentais e neurobiológicos
– a atenção propriamente dita.
Constância perceptual
Um dos aspectos mais importantes da percepção e que a diferencia das
sensações é a chamada “constância perceptual”. Para os sentidos, cada
posição de um objeto produz uma imagem visual diferente, mas para a
percepção trata-se do mesmo objeto. Sabemos a quem pertence uma
voz familiar, e ela parece-nos provir da mesma pessoa, quer esteja rouca, após uma gripe, sussurrando num ambiente silencioso, etc.; no entanto, nessas diferentes condições os sons que ouvimos foram diferentes. Identificamos uma pessoa de lado, de cima, com mais ou menos
luz, parada ou movimentando-se e, por fim, com diferentes idades.
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Especulações acerca da percepção
Tudo o que conhecemos sobre o mundo interno e externo nos chega
através de células nervosas que vibram devido aos impulsos, uma série de disparos que variam conforme o ritmo de chegada. A tarefa dos
órgãos dos sentidos é decompor os estímulos recebidos, ao passo que
a função do cérebro total (diversos núcleos e circuitos) é construir um
modelo interno, uma representação (mapa), do conjunto de estímulos
geralmente com um significado (agradável ou desagradável; alimento
ou predador, etc.), do fato ou da situação focalizada.
O reconhecimento de um rosto familiar, a observação de um nome,
sempre produz ativação de células receptoras e, ao mesmo tempo,
inibição de outros receptores que não estão envolvidos, pois não têm
interesse na tarefa determinada. O termo “filtro” tem sido usado para
indicar a seletividade da percepção, isto é, deixar entrar alguns estímulos e impedir a entrada de outros. Através do “filtro”, o organismo
impede ou dificulta a ação e efeito de outros estímulos não importantes para serem focalizados no momento. A essência de reagir a um
determinado fato ou situação é não responder aos demais. Alguns
autores acreditam que em certos pacientes esquizofrênicos haveria um
“defeito” no filtro, permitindo a entrada, de uma só vez, de inúmeros
estímulos diferentes e sem importância; isso causaria transtornos no
julgamento e na conduta.
Há uma hipótese que os sistemas nervosos exploram o já conhecido, o
repetido nas informações sensoriais, pois o organismo não possui tanta
célula para ser disparada para cada imagem que nos atinge. A informação é o valor novidade, o não-esperado, portanto, as mensagens já
conhecidas, ou partes delas, não são informativas porque o receptor,
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de alguma forma, já “sabe” o que irá perceber, ou, de outro modo, a
informação já se encontra armazenada, é velha conhecida.
Uma grande parte da língua falada e escrita é conhecida, repetida e,
por isso mesmo, possível e fácil de ser “adivinhada” antes do interlocutor terminar a palavra. Sem querer, informamos aos nossos ouvintes,
através de mensagens de poucas palavras, explicando pouco, pois esperamos que o interlocutor possua as outras informações necessárias
para compreender a nova informação que está sendo enviada no instante. Nada mais chato que uma pessoa que nos conta um acontecimento e nos relata tudo, isto é, os pormenores desnecessários, os que
todos nós já sabemos: “Quando o assaltante tirou o revólver, apontando para sua cabeça, ele tremeu de medo. Você sabe, todos nós temos
medo de um revólver em nossa cabeça; ainda mais de um mal-encarado. Nesses casos a gente morre de medo…”.
Quando o processador do interlocutor é pobre de “nutrientes”, isto é,
tem pouco conhecimento estocado acerca de um determinado assunto
que está sendo ventilado (ouvido, lido, observado) ou esses são de baixa qualidade, o processamento e entendimento da mensagem tornam-se impossíveis.
Um exemplo pessoal. Durante minha bolsa de estudos nos Estados
Unidos, um amável professor convidou-me para assistir uma partida do
futebol americano. Fui, então, ver o filho do professor jogar o tal futebol. Entretanto, por mais que tentasse, não conseguia decifrar o enigma do jogo, que nada tem a ver com o nosso futebol; não percebia a
razão de uma e outra jogada, da contagem de pontos, dos movimentos
dos jogadores. Eu não percebia nada; enxerguei as cores das camisas,
os rapazes correndo e gritando, mas, em nenhum momento, essa série
de partes (elementos isolados) formou, em minha ingênua mente, um
todo compreensível para mim. Eu não possuía – ainda não possuo –
um assimilador apropriado para aquele esporte.
Um outro exemplo: há muitos e muitos anos, ouvi uma piada de um
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judeuzinho que, convidado por um amigo, assistiu uma missa. Chegando em casa o judeuzinho contou para seu pai o ocorrido, isto é, o que
ele observou durante a missa. Sua narração, como piada, se assemelha
à minha com relação ao futebol americano. Todo seu enredo versa
sobre um padre que parece que, segundo o judeuzinho, perdera o chapéu. Ao abaixar a cabeça ele procurava mostrar ao público que ele não
tinha mais o chapéu. Assim vai indo a história, é uma piada sofisticada
e de longa duração; no final, sai um homem angariando dinheiro para
comprar um novo chapéu para o padre. O fio invisível que serviu para
compor a história contada (o chapéu perdido) nada tem a ver com o fio
invisível da verdadeira história (razão) da missa. Mas o judeuzinho, sem
um assimilador adequado para o conjunto de informações conforme o
modelo religioso, enxergou a missa conforme uma nova construção, a
perda do chapéu, utilizando-se do seu microcomputador assimilador
não apropriado ao que estava assistindo.
Do mesmo modo que a temperatura do meio ambiente geralmente
permanece a mesma por longos períodos, também nossa emoção varia
pouco em intensidade durante um dia. Portanto, não há necessidade
do organismo ficar alerta para perceber e reagir à temperatura ou à
emoção quando esses dois estados permaneceram quase inalterados.
Também não há razão para, ao encontrar um amigo, dizer: “Hoje não
tive grandes emoções”, pois seria desnecessário e cômico. O organismo
trabalha com as mudanças importantes: “Hoje esfriou muito; acho que
vou usar um agasalho”.; “Estou tenso; nem dormi direito. Vou tentar
descobrir a causa do meu mal-estar”. O comum não atrai, pois não provoca emoções que nos despertam e motivam. O organismo, economizando energia, não se “preocupa”, nem dá bola, para mesmices; não é
estimulado com o “feijão com arroz” de todo dia.
As células nervosas permitem a percepção da mudança de temperatura, da sede, fome, interesse sexual, medo, raiva, sono, dor, ou seja,
de tudo o que perturba a harmonia ou estabilidade do organismo. As
emoções produzidas pelos estímulos eficientes levam o animal a detectar os perigos dos quais ele precisa escapar, bem como o que parece
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ser uma fonte de prazer ou crescimento. Essas mudanças são sentidas
pelo organismo como perturbadoras ou desestabilizadoras, levando
esse a agir interna ou externamente visando a provocar os reajustes
necessários e, assim, retornar a harmonia anterior, ou seja, a chamada
homeostase.
Observo através da janela o pôr do sol; sinto-me calmo. Em seguida
sou despertado por um som desagradável: é a freada de um carro.
Depois ouço um barulho seco. Assustado, giro o pescoço e olho para
o carro batido; foi-se embora minha calma; não mais focalizo a bela e
tranquilizadora paisagem. Percebo que dois carros se chocaram; agora
traduzo minha nova emoção: “Será que alguém foi ferido?”
O cérebro de cada espécie de animal, através de seus genes, armazena
imagens do passado ancestral da espécie. Os genes, também, propiciam o armazenamento de novas memórias relacionadas à história de
vida do indivíduo, ou seja, o que foi aprendido após o nascimento.
Para representar o mundo real existente (o percebido) utilizamos elementos nem sempre úteis; inúmeras vezes usamos representações
construídas a partir de peças inúteis ou falsas. O ser humano adora
faces; ele as enxerga nos borrões de tinta, nas nuvens, nos vidros das
janelas, nas pedras, nas fumaças, nos tetos, panos manchados, principalmente diante de pouca luz. Mas para isso é preciso possuir olhos
bem abertos para toda espécie de crenças fantástico-mágicas.
Nós homens, como muitos animais, somos dotados de uma habilidade
notável, denominada de “teoria da mente”, ou seja, uma capacidade
para ler os estados afetivos e planos das pessoas com quem falamos.
Através dessa habilidade nós somos capazes de decifrar a face do nosso interlocutor quanto às emoções expressas: raiva, trapaça, honestidade, amor, etc. Podemos ainda perceber, muitas vezes, as possíveis
intenções da pessoa que não foram verbalizadas. As intenções subjacentes à conversa e não explicitadas com frequência são encobertas
(mascaradas) por palavras que expressam seu oposto, como fazem os
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que passam o “conto do paco” ou do “vigário”.
Nesses casos, como é conhecido, o embusteiro procura dar à distraída vítima a impressão de que ele próprio é um ingênuo e, além disso,
pretende recompensar a pessoa caso esta o ajude a receber o bilhete
de loteria premiado. Mas há muitos outros enganadores populares, os
que trocam uma falsa honestidade por dinheiro; os que são lobos, mas
se cobrem com a pele do cordeiro. Nesse enorme grupo estão, talvez,
20% da população de insinuantes políticos, pregadores, juízes, advogados, médicos, comerciantes; não há nenhuma profissão livre desse
enorme grupo de embusteiros, exibidores de uma face e conduta aparentes de anjo, sendo, na verdade, demônios.
Não é difícil concluir que precisamos ter um cérebro funcionando bem
para se ter uma boa “teoria de mente”, ou seja, é essencial ter um bom
cérebro para se ter uma boa adaptação social: aproximar de quem é
honesto; fugir de quem prepara um golpe contra o indivíduo.
Entretanto, o homem, apesar de imaginar estar vivendo no mundo
real, só tem acesso direto ao mundo virtual. O mundo “real” acessado
internamente na mente, o que lidamos diretamente, nada mais é que
representações construídas por cada um de nós. O mundo “real” é
sempre indireto, percebido pelos sistemas próprios de cada espécie.
Habituamos a viver em nosso mundo ilusório, o mundo das cavernas,
como disse Platão, criado em parte pela evolução e em parte pela nossa cultura. Acreditamos nele e achamos que ele é o certo e verdadeiro.
Ficamos tranquilos quando o mundo virtual que se encontra internamente em nossa mente parece estar, aparentemente, em harmonia
com o real inatingível.
Muito do que acreditamos busca uma paz espiritual sonhada que não
existe na realidade vivida; os problemas, às vezes graves e sérios, são
deixados de lado, encobertos pelos sons que nos impedem de enxergar
a triste e temida realidade.
Mas, de qualquer modo, aos trancos e barrancos, nós vamos vivendo
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assim mesmo; a maioria não percebe que o mundo imaginado é um
simulacro, o representado, formado conforme o aprendido por um determinado organismo inserido numa certa cultura. Alguns vêem todos
como “japoneses”, tudo parecido, sem diferenças.
Construímos o mundo com o corpo e o cérebro do homem atual vivendo numa certa cultura. O mundo, se fosse descrito pelos cães, cobras,
marimbondos ou peixes, seria bem diferente do nosso e, além disso, o
mundo descrito pelo cãozinho de estimação, criado no apartamento,
seria muito diferente do descrito por um cão vira-lata, morador de rua
e sem-teto.
O mundo do lado de fora, o “real”, jamais será alcançado. A “realidade”
que observamos é a construída por nosso cérebro em cada instante,
como exemplifiquei acima: um mundo é o do pôr do sol; um outro,
de repente, a batida dos carros. A “realidade” observada pela águia
ou pela minhoca é outra, pois os órgãos desses animais que captam
estímulos do meio ambiente externo são diferentes dos existentes no
homem e, além disso, o selecionado pela percepção de cada um irá
integrar os estímulos conforme modelos que não os nossos; a pulga,
a barata, o gato, o sapo e mesmo a bactéria perceberão e construirão
mundos diferentes dos nossos. Qual é o real? Qual é o verdadeiro ou
certo? Cada macaco, no seu galho, vivencia seu mundinho como se ele
fosse o único, o “verdadeiro”, que ninguém sabe ou saberá o que é.
As relações entre o organismo e o meio ambiente externo são efetivadas pelos sistemas sensoriais (sensório/motivacional) e através de
ações ou condutas (sistema motor e seus movimentos/respostas) atuando no meio. O organismo não só recebe estímulos oriundos do meio
interno e externo, como, também, atua nesse ambiente através de
ações resultantes do seu corpo, como os membros, o aparelho vocal,
exercícios físicos, etc. Esse processo é realizado pelo córtex cerebral
interligado a vários núcleos subcorticais, que, por sua vez, se ligam a
outras vias neuronais em comunicação com todas as células do corpo,
uma ação que tem recebido o nome de “tomada de decisão”.
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Filtros da mente: A censura interna
Um aspecto da memória do trabalho pode ser retratado ao ouvirmos
uma frase qualquer, conforme o exemplo a seguir: “Cheg…(cheguei) em
cas… (casa) e encont…(encontrei) Mar…(Maria)”, etc. Coloquei entre
parênteses a palavra completa, sendo que a meia-palavra foi seguida
de reticência, para ilustrar que nós não chegamos a ouvir todo o som,
e, também, não lemos toda a palavra no caso da leitura. Nosso cérebro, que já viu a palavra escrita diversas vezes, ou já a ouviu milhares
de vezes, ao ser provocado por ela, estimula instantaneamente regiões
cerebrais onde antigas percepções estão estocadas (memorizadas).
Com esse processo – utilização de estoques antigos – nosso organismo
economiza tempo, esforço e lugar no cérebro para estocar novas informações. Não há uma impressão de cada estímulo, uma nova marca
para a toda informação recebida; o cérebro usa a impressão (cópia) já
guardada e estimula a antiga. De outro modo, sempre que há “esquemas” ou redundâncias – repetição de padrões já conhecidos, onde se
inclui percepção de retas, sons, conhecimentos, etc., nosso cérebro,
em lugar de gastar seus neurônios com esses estímulos conhecidos,
adianta-se e utiliza-se do já conhecido e existente no seu estoque. Daí
a dificuldade que temos de fazer revisões do que escrevemos, pois nosso cérebro impede que percebamos os erros, ou seja, ele “não vê” a
palavra errada, pois guarda em sua memória a certa e antiga.
Deve-se ter em mente que um novo estímulo precisa ser examinado e
avaliado e, também, a ação a ser tomada deve ser decidida, num curtíssimo tempo após sua percepção; conforme o estímulo percebido,
pode ser fatal para o organismo uma decisão lenta. Este primeiro processo ocorre no nível talâmico; nesta região, o estímulo – ou a informaVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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ção – é registrado conforme seu conteúdo, importância e novidade. No
local estimulado, inicialmente, há uma espécie de “filtro”; este impede
que estímulos pouco intensos ou continuados e já conhecidos atinjam,
ou melhor, disparem reações sensoriais sem necessidade. De modo
mais simples: os estímulos são separados em relevantes e irrelevantes,
para tomar tempo ou não do organismo.
O cérebro humano está exposto, continuadamente, a um fluxo constante de milhares de estímulos que surgem simultaneamente; experimente sair à rua e examinar o ambiente (ver, ouvir, sentir odores,
etc.). É impossível você focalizar o barulho da motocicleta que passou
e compará-la com o barulho do ônibus que veio do outro lado. Mas
tem também a claridade do Sol; o homem que passou e a cor escura
de suas calças, ligeiramente amarrotadas; uma idosa andando com dificuldade e uma mocinha de cabelos loiros, empertigada, até bonita…
Ficaria aqui, talvez por horas, descrevendo estímulos e mais estímulos
da rua caso nos detivéssemos em subestímulos, como a cor dos lábios
da mocinha, o formato do muro e a cor do granito, o toco de cigarro jogado no passeio, etc., etc. Portanto, para encerrar: ficaríamos malucos
caso não tivéssemos um selecionador de informações para nos orientar
em quê prestar atenção; talvez na mocinha dengosa.
Um processo constante de distinção entre os estímulos importantes e
sem importância deve, portanto, ocorrer a fim de capacitar o cérebro
para ajustar-se a esse enorme fluxo de miríades de fatos e eventos.
Para isso é necessário um controle da quantidade e da qualidade dos
estímulos que podem e devem ser aceitos e processados simultaneamente, pois só assim haverá possibilidade do indivíduo atuar eficientemente.
Parece que uma grande parte do trabalho da atenção da mente seja
dirigida visando a conseguir precocemente uma boa estratégia para impedir a entrada na mente de estímulos irrelevantes, para que estes não
sejam posteriormente processados. Enquanto um trabalho da mente,
através da atenção, seja focalizar certas informações (aspectos da reaVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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lidade), uma outra atividade é a de impedir que nosso cérebro focalize
e gaste tempo com estímulos irrelevantes ou perturbadores para a
execução da tarefa desejada. Quando estou escrevendo esse texto não
devo dirigir minha atenção ao latido do cachorro do vizinho, ao barulho
do ônibus que passou ou à luz do Sol que entra pela janela, a não ser
quando, como aconteceu agora, para citar como exemplo, escrevi voltando minha atenção para eles.
Se o filtro for eficiente, a área mais nobre do cérebro (córtex) fica mais
desimpedida para funcionar e trabalhar com alguns poucos estímulos,
rigorosamente selecionados, possivelmente de modo inconsciente no
sistema talâmico. Caso alguns dos estímulos sejam muito complexos ou
novos – como um assunto nunca estudado – nesse caso, não podendo
ser assimilado, ele, excedendo a capacidade cerebral, não mais seria
processado pela maneira automática. Seu processamento só poderá
ser feito através de um adiamento e depois um esforço maior através
de um processamento adicional sob controle da atenção, isto é, de forma não-automática.
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Recepção de estímulos
O conhecimento necessário para ser utilizado num momento, em virtude do modo como o cérebro foi construído, dependerá das estimulações que estão sendo efetuadas ao mesmo tempo, isto é, resultado final das ativações de diversos sistemas localizados em regiões cerebrais
separadas espacialmente, mas interligadas por meios de conexões ou
circuitos (pontes) neurais. Vamos dar um exemplo do relatado acima
através da tomada de café.
Ao tomar o café existente numa xícara a pessoa recebe do meio ambiente várias sensações (estímulos sensoriais) ao mesmo tempo: visuais, olfativas, gustativas, tácteis, etc. Cada estímulo captado pelo
organismo só poderá ser representado, a cada instante, na memória
de trabalho da pessoa num determinado circuito cerebral. Assim, o indivíduo sentirá numa região do cérebro o bom ou mau cheiro do café;
em outra área, perceberá a quentura deste, bem como a pressão dos
dedos na alça da xícara e o movimento da mão ao segurar e virá-la para
engolir o café. Sentirá ainda a cor branca da xícara, o desenho desta e o
vapor que sobe no ar. Somado a tudo isso, a pessoa sentirá também o
sabor ou gosto do café, as emoções prazerosas ao ingerí-lo, a contração
de parte dos lábios e os movimentos da língua e da garganta no ato
de engolir; tudo isso provoca sensações e, geralmente, prazer. Além
de todos esses estímulos, quase ao mesmo tempo, possivelmente o
tomador de café se lembrará de outros cafés já tomados e até mesmo
de alguns lugares especiais onde tomou cafés semelhantes, das companhias nessas ocasiões e muito mais.
De outro modo: as sensações, bem como os pensamentos recuperados
na memória, foram, conforme o exemplo, estimulados pelos diversos
aspectos da tomada do café: a xícara, o café, o ambiente, as pessoas
em volta, etc. Todo esse conjunto de informação enviado através dos
estímulos foi, primeiramente, captado pelos nossos órgãos (receptoVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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res) sensoriais. Uma vez captadas, as informações apreendidas são
distribuídas para diferentes regiões cerebrais, ativando algumas áreas
e, ao mesmo tempo, desativando outras. Por fim, as informações em
determinados locais dão origem à liberação de substâncias químicas
(neurotransmissores, peptídeos, etc.) diversas de acordo com as emoções detonadas durante a estimulação e pelos possíveis pensamentos
associados ao fato vivenciado.
As sensações, motivações, emoções e pensamentos gerados em conjunto, após serem reunidos (associados) ou compostos pela mente
do tomador de café, irão dar origem a uma imagem mental que pode
ser única e organizada: o café sendo ingerido, as idéias produzidas e a
emoção sentida. Para finalizar esse processo complexo, a tomada do
café poderá ser traduzida em palavras. De outro modo, as sensações,
captadas e reunidas pelo hemisfério direito, podem ser enviadas para
o hemisfério esquerdo; este, por sua vez, transformará as mensagens
sensoriais numa frase, como, por exemplo: “O café está delicioso!”.
Nesse caso, após ingerí-lo, talvez, a pessoa tome uma outra xícara, pois
além de sentir o prazer das diversas sensações, construiu uma frase
favorável, que, por sua vez, tende a reforçar o fato anteriormente sentido pelo corpo.
Algumas vezes, as imagens separadas e sem-palavras sentidas pelo
nosso cérebro, uma vez reunidas ou reconstruídas pela mente, ou, de
outro modo, traduzidas ou transformadas numa linguagem com palavras, formam a frase seguinte: “O café hoje está frio, fraco e fedorento,
horrível! Esperava um melhor!”. Rapidamente, vai até o lavabo e dá
uma cuspida, evitando ingerir o que lhe resta na boca.
O que desejo aqui é enfatizar que cada estímulo sensorial isolado percebido será sem-palavras; entretanto, muitas vezes as sensações são
traduzidas. Posteriormente às sensações, condensadas no relato fazendo uso de palavras, podem ser utilizadas ou convocadas para descrever
o evento total percebido e sentido ao relembrar a impressão fisiológica
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sentida anteriormente.
O conhecimento final exige a contribuição de peças anatômicas isoladas e interligadas, localizadas em circuitos existentes em pontos diferentes do cérebro. Assim, a nossa percepção e, consequentemente, o
raciocínio acerca das diversas percepções, exigirá, durante o processo
da informação (a tomada do café), a retenção ativa e continuada da
representação de diversos fatos, todos reunidos e ao mesmo tempo: a
quentura do café; o cheiro; o sabor doce ou amargo; a cor e o tamanho
da xícara; o movimento da mão e outros detalhes mais.
Se a manutenção do retido na memória que está trabalhando – tomando o café – não for fixada para se ligar às outras, não poderemos ter a
imagem final ou a idéia completa ou próxima do todo. Essa atividade
complexa, manutenção, ao mesmo tempo, de diversas imagens inter-relacionadas, é executada pela “memória de trabalho”, que é a memória que está sendo utilizada no momento da ação visando a ajudar
o entendimento de uma conversa, leitura, observação de situações ou
fatos.
Deve ser lembrado que a disponibilidade atentiva no momento necessária para que formemos uma idéia total das partes percebidas, como
no caso do café, dependerá, em grande parte, da boa condição física
dos circuitos cerebrais, que não podem estar lesados, e também da
produção e liberação de quantidades adequadas de neurotransmissores e peptídeos, particularmente do neurotransmissor dopamina. No
caso de existir uma lesão em alguma parte do circuito que detecta e
conduz a mensagem, desde sua origem (receptores sensoriais químicos, calor, mecânicos, etc.) até a geração da identidade (isso é um café),
bem como da nomeação do percebido, especificamente, que atingiu a
parte relacionada ao odor, sabor etc., haverá problemas quanto às sensações e nomeação do fato ocorrido.
Assim, a pessoa não sentirá o sabor comum do café caso, antes de
tomá-lo, tenha escovado os dentes ou teve sua boca anestesiada pelo
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dentista. Em todos esses casos, e outros mais, a pessoa terá dificuldade
para perceber os estímulos sensoriais, movimentar lábios e língua e
engolir o café, pois os estímulos sensoriais existentes não conseguirão
estimular, como antes, as papilas gustativas, os movimentos dos lábios,
língua e, possivelmente, a percepção do odor, que, por sua vez, afetará a sensação do gosto. Outros fatores, também, como a temperatura
(quente demais; ou gelado em excesso), nos impedirão de sentir o gosto genuíno ou “normal”. Em todos esses exemplos a tomador de café
ficará prejudicado de sentir e relatar o fato vivido como de costume.
Caso o indivíduo tiver lesionado apenas a região relacionada à formação de palavras para descrever o processo, ele sentirá todos os estímulos de forma normal, mas não poderá comentar o ocorrido, narrando-o
ou comentando-o.
Resumindo: tem sido mostrado que caso haja lesões num ou outro
circuito cerebral, ou quando há diminuição de dopamina, a pessoa se
torna incapaz de manter, ao mesmo tempo, várias imagens, palavras
e estímulos na memória que trabalha para agrupar os diversos componentes num conjunto compreensível, conduzindo, portanto, à dificuldade ou impossibilidade da formação eficiente dessas imagens que
precisam estar presentes para que se faça uso do raciocínio.
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Processos mentais x rotina
mental: (Cerebelo, Gânglios
Basais e Hipocampo)
A percepção da tomada de um café apóia-se numa série de sinais, atividade composta de numerosos mapeamentos de regiões do cérebro
dedicadas à percepção sensorial. Os muitos mapas que são criados são
inventariados pelo cerebelo, gânglios basais e hipocampo. Essas três
áreas, em conjunto, formam uma espécie de supermapa que abrange
múltiplos mapas locais.
Através do supermapa se cria um sistema de conexões para categorias
inteiras de informações, bem como de padrões de atividade motora,
dando como resultado uma infinita variedade de pensamentos e comportamentos da pessoa.
Cada região do cérebro contribui para o reconhecimento de uma área:
a xícara branca, o cheiro do café, o sabor, a quentura, etc., e, também,
a avaliação se está gostoso (agradando) ou ruim (desagradando). Assim, o reconhecimento final, do rosto de uma pessoa ou da casa que
estamos procurando numa rua X ou Y, pode aparecer repentinamente
na mente devido a um ou mais elementos sensoriais diferentes: os cabelos grisalhos, uma voz rouca metálica típica de quem fumou muito, o
cheiro de seu perfume dos anos trinta, etc.; tudo isso nos leva a formar
a imagem total daquela mulher de cinquenta anos atrás, a oradora da
casa ao lado, a que tocava piano.
Isso cria um sistema de conexões para nomear categorias inteiras de
informações, bem como padrões de atividades motoras. Cada região
cerebral contribui para o reconhecimento de um aspecto da região proVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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curada de uma pessoa, o que explica por que o reconhecimento pode
ser desencadeado por qualquer quantidade de diferentes elementos
sensoriais.
Assisti a um programa de TV no qual os candidatos-observadores tentavam adivinhar o rosto de um artista conhecido através de pequenos
detalhes de sua face que eram mostrados parte por parte. Alguns descobriam de quem era o rosto observando uma pequena parte deste,
como, por exemplo, os olhos ou o nariz.
Para nós, os fora do palco, e não convidados para participar do programa, é possível identificar nosso interlocutor pelo cheiro, o tipo de voz,
o modo de andar, de tossir, coçar a cabeça quando nervoso, o fungar
do nariz e muito mais. Assim, captamos alguns estímulos do ambiente
ou da pessoa que conversa conosco, ajudados por nossa memória do
trabalho, que, por sua vez, busca dados na memória episódica (autobiográfica). Os dados, muitas vezes, simples, fornecidos pelo ambiente
ou pela pessoa, se enriquecem pelo nosso conhecimento anterior armazenado na memória a respeito do observado.
O produto final é formado por um conjunto constituído por diversos
subconjuntos, ou seja, dos sinais percebidos ou escutados mais os dados existentes em nossa memória conforme nosso conhecimento anterior. Esse conjunto global formado vai dar origem a um modelo mais
rico, pois ele contém as informações captadas num momento mais as
já existentes e armazenadas.
Um exemplo vivido por mim recentemente. Fui procurado para examinar e opinar acerca de uma paciente. Esta, segundo a médica que a
enviou e encarregada de seu tratamento, tinha brigas frequentes com
o marido que, além de beber, não trabalhava. Segundo a médica, há
cerca de três meses, a paciente foi ficando “esquisita” (lerda, dando
respostas diferentes das usuais, custava para entender o discutido ou
explicar os acontecimentos).
Para resumir, durante a entrevista, muitas vezes normal, observei que a
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paciente mantinha com pouco vigor mental (atenção focalizada) o que
era perguntado e, também, tinha dificuldade de organizar em sua mente as respostas. Fiz perguntas a respeito de sua idade e dia e ano do
nascimento. Ela não se lembrou do ano em que nasceu. Depois pedi a
ela que diminuísse quatro de cinquenta e, do resultado, ela continuasse a diminuir quatro até zerar. Estranhamente, ela não conseguiu obter
o resultado da primeira operação, isto é, cinquenta menos quatro igual
a quarenta e seis. Lembro ao leitor que ela comprava e vendia roupas.
Apelei para uma conta mais direta: alguém comprando um lenço de
quatro reais e dando a ela uma nota de cinquenta reais. Nesse caso,
quanto de troco ela daria? Ela não conseguia manter sua atenção no
perguntado; repetia sem chegar à conclusão alguma: “Cinquenta menos quatro… cinquenta menos quatro… É… não consigo não.”
Para finalizar: a consulta não foi tão simples como resumi. Vários outros detalhes não falados foram percebidos por mim por ter vivenciado, devido a minha formação, clientes semelhantes. Orientei a família
a procurar, com urgência, um bom neurologista, pois imaginava, além
dos fatos presenciados pelos meus órgãos dos sentidos, outros fatos,
conforme teorias acerca do funcionamento da atenção e memória. Em
seguida, formei um conjunto maior composto do percebido e mais o
que já possuía a respeito de alguns problemas neurológicos. O conjunto final, fruto do observado e do pensado fazendo uso de minha
memória, possibilitou um diagnóstico mais amplo e produtivo do que
“a paciente está esquisita”. Imaginei a possibilidade da paciente apresentar algum problema cerebral, possivelmente um tumor fazendo
pressão no lobo frontal: o encarregado de sintetizar os dados, manter a
atenção e, por fim, tomar decisões.
Poucos dias depois tive notícias que ela começou a ter convulsões e
foi levada para o Hospital João XXIII. Examinada, através de neuro-imagens, constataram um imenso tumor localizado numa região inoperável. Morreu dias depois.
Resumindo o que deu origem a essa história dolorosa: o que eu obtive
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da família, da médica e da própria cliente serviu de indício para que eu
recuperasse conhecimentos fora do exame, isto é, do reservatório de
minha memória. A reunião de um com o outro deu origem à hipótese.
Portanto, enquanto um novo dado está sendo identificado e memorizado, um trabalho realizado pelos neurônios de associação do córtex
frontal, neurônios vizinhos põem de lado o que estavam fazendo e
começam a ajudar o processo em andamento. Nesse caso, o território
focalizado onde se instala a nova aprendizagem é ampliado a fim de
proporcionar o espaço suficiente para o contínuo influxo de informações.
Uma vez a tarefa dominada sendo executada um número razoável de
vezes, os padrões de ativação adquirem estabilidade e, consequentemente, o comportamento se torna automático, isto é, ele deixa de
exigir atenção consciente. Lembre-se de como você aprendeu a chutar
uma bola, digitar o computador, dirigir o automóvel e, talvez, tocar piano, flauta ou violão. Compare sua eficiência atual, bem como sua facilidade para executar essas tarefas, com o período inicial, quando você
estava aprendendo essas atividades.
Existem tarefas que aprendemos durante muito cedo e continuamos a
usá-las, como, por exemplo, falar escolhendo a palavra indicada a cada
instante; reconhecer um rosto, um ambiente, uma cidade ou o caráter
bom ou mau do vendedor de imóvel e de computador. Geralmente,
devido ao treino, tudo isso nós fazemos automaticamente, quase
sem prestarmos atenção ao que estamos realizando. Entretanto, nem
sempre nossas ações dão certo. A lâmpada que íamos trocar emperra.
Quando isso ocorre somos obrigados a voltar a utilizar o trabalho da
atenção, dos córtices associativos, das avaliações, isto é, reformular o
aprendido.
Os programas automatizados – não os corticais – existentes em nossa
mente parecem fazer uso do cerebelo e dos gânglios basais, quase sem
fazer muito uso do córtex frontal. Adquirir numerosos repertórios de
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ações automáticas é essencial à sobrevivência. Ninguém aguentaria
passar o dia fazendo uma reflexão atrás de outra, ou mesmo pensando
em algo muito simples, como que roupa vou vestir hoje, pois esfriou
bastante. Se tivéssemos de prestar conscientemente atenção a todas as
nossas ações, o tempo todo, os córtices ficariam exaustos e ocupados
com fatos de menor importância e, portanto, deixariam de fazer outras
ações. Isso ocorre quando entramos numa disputa, por exemplo. Nesse
caso, ficamos pensando, grande parte do tempo, no modo de destruir
ou fugir do perverso inimigo. Algumas pessoas passam o dia olhando a
poeira dos móveis ou pensando que roupa fica melhor para ir à padaria
da esquina comprar o pãozinho francês.
O mesmo acontece com nossa dinâmica cognitiva. Processos cognitivos
semelhantes ocorrem ao lermos o jornal da manhã; nós não lembramos como aprendemos a leitura. Não nos esforçamos para conversar
e encontrar as palavras desejadas na maioria de nossos “bate-papos”.
Todas essas ações, atualmente simples para quem as automatizou, foram convertidas em rotinas fixas, instintivas, inconscientes (atitudes,
reações) e, ao mesmo tempo, processa funções motoras e mentais em
paralelo. Lembre-se, prezado leitor, de um semi-analfabeto tentando
compreender um texto lido num jornal. Por não possuir um automatismo, devido à falta de treino, ele terá que realizar um enorme trabalho
intelectual para “entender” cada termo lido e, ainda, relacioná-lo aos
já lidos.
Portanto, à medida que vamos nos familiarizando com uma atividade
(descascar uma laranja, amarrar o cordão do sapato, encontrar a palavra para escrevê-la ou pronunciá-la, dirigir o automóvel, digitar, etc.),
deixamos de lado o penoso trabalho de prestar a atenção em cada
detalhe ou etapa da atividade. De modo simples, as atividades se automatizam, se realizam por si mesmas, sem esforço ou deliberações de
nossa vontade.
Assim, felizmente para nós, processos fundamentais e cujo entendimento e manejo (manuseio) foram dominados pela prática, se armazeVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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nam no cérebro inferior (região subcortical) e passam a ser executados
sob o domínio de regiões do tronco cerebral.
Existem (faça um ligeiro esforço com seus córtices cerebrais para evocá-los) inúmeras rotinas cognitivas usadas a cada momento por nós.
Uma vez aprendido e repetido, o, às vezes, doloroso e cansativo processo cognitivo, é convertido em rotina e torna-se fácil, até divertido;
processando funções motoras e mentais em paralelo, tudo ao mesmo
tempo. Por isso completei essa frase com facilidade, pois meus dedos,
automaticamente, obedeceram minhas idéias, à medida que elas foram sendo geradas. Todo processo, cujo entendimento foi dominado,
é armazenado no cérebro inferior (subcortical) e ali se mantém pronto
para ser ativado contando com a participação de áreas do tronco cerebral, gânglios basais e cerebelo.
As ações e cognições que são mais complexas, bem como as ações ou
conhecimentos novos, precisam ou exigem a administração das regiões
do cérebro situadas mais acima (córtices cerebrais), principalmente
as áreas situadas na parte frontal (córtices frontais). Assim, ao longo
do percurso das diversas informações existentes (memória, emoção,
lógica, avaliações) empregam-se mais regiões cerebrais ao mesmo tempo, propiciando ao setor decisório do organismo, não somente mais
informações, mas também, mais tempo para reflexões. Todo esse complicado mecanismo permitirá que mais neurônios sejam envolvidos no
reajuste e modelagem de uma ação final ou de um processo cognitivo
mais preciso, confiável e efetivo.
Duas áreas são ativadas quase ao mesmo tempo, sendo que o processo
de uma detona o processo da outra: a função cognitiva (constatação
de um problema e possíveis soluções virtuais) e a função motora (movimentos dos músculos, efetivação do imaginado, conduta). À medida
que o organismo põe em ação a parte motora (comportamento), a sua
realização vai fornecendo informações aos córtices (tomada de decisão) do andamento da solução do problema: “Agora parece que a lâmpada começou a girar; não, enganei-me. Vou usar uma chave inglesa”.
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As novas informações podem fazer com que as decisões sejam mantidas, ou, também, que elas sejam reformuladas, caso o desejado não
esteja sendo alcançado. Nesse caso, há um retorno da informação para
pontos onde ela já tinha sido examinada e arquivada.
Quando temos dificuldades com a organização e ou planejamento de
um ato cognitivo, muitas vezes, a utilização de um ato físico (andar de
um lado a outro) pode nos ajudar a superar o problema. Experimente
dar uma caminhada para facilitar as dificuldades de como fechar o mês
sem dívida; romper ou não aquele namoro que parece estar trazendo
mais sofrimento que prazer; concentrar-se nos estudos para o vestibular. O mecanismo subjacente ao explicado acima é simples: embora
diferentes áreas do cérebro estejam envolvidas no movimento, algumas dessas conexões estão extremamente próximas das regiões que
determinam nossa atividade, entre elas, partes da região emocional.
Em cada nível do nosso cérebro existem diferentes mecanismos para
manter ativado e executar certas funções e, também, deixar de lado,
eliminar as não desejáveis no momento, muitas delas, até tentadoras.
Lembre-se de seu plano para emagrecer e o delicioso sorvete existente
no congelador; o plano de saborear o sorvete irá tirar de sua mente o
plano para emagrecer. Ativa-se o plano: “quero dar prazer às papilas
gustativas da minha língua”. Um outro exemplo é a luta do plano que
está demorando a ser efetivado – fazer exercícios físicos – de um lado,
e, de outro, convidativo estofado macio, confortável, encosto para a
cabeça, pudim, vendo a TV exibindo seu programa favorito, a novela da
Globo. A tentação é grande, nos faz lembrar da sofrida por Cristo.
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Memória
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Introdução à memória
Uma das mais intrigantes funções complexas do encéfalo é a capacidade de armazenar informação oriunda da experiência e evocar grande
parte dessa informação conforme nosso desejo; sem essa capacidade
muitas das funções cognitivas não funcionariam, portanto, seríamos,
caso existíssemos, muito diferentes do que somos.
Enquanto o termo “aprendizado” é usado para designar o processo
pelo qual uma nova informação é adquirida, o termo “memória” é
utilizado para indicar a capacidade que tem o homem e os animais de
armazenar informações que possam ser recuperadas (lembradas) e utilizadas posteriormente. Por outro lado, um fato igualmente importante
é a capacidade normal que temos de esquecer muitas informações.
São vários os processos da memória; esses começam com a aquisição
ou aprendizagem do fato, coisa ou evento. Em seguida pode ocorrer a
retenção do experimentado durante tempos variáveis. As nossas memórias acerca de pessoas, lugares e eventos definem quem somos nós.
Essas gravações dos fatos e eventos experimentados não são formadas
instantaneamente. Cada nova memória, possível de ser gravada, é gradualmente transformada de um estado inicial lábil (instável), quando
elas ainda são mais vulneráveis à disrupção (interrupção do curso normal de um processo), para um estado mais permanente (quando elas
se tornam resistentes à interrupção); só assim elas se tornam estabilizadas ou consolidadas.
A consolidação sináptica se inicia e se completa após horas de treino;
ela envolve a estabilização das mudanças sinápticas nas junções entre
neurônios (ligações dos circuitos), o crescimento de novas conexões e
a reestruturação dos já existentes; portanto, envolve a reorganização
gradual de regiões do cérebro que sustenta a memória.
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Nos seres humanos, as memórias de todos os dias dependem inicialmente do sistema do lobo temporal medial, incluindo o hipocampo.
Quando essas memórias se fixam por tempo mais prolongado, elas ficam cada vez mais dependentes de outras regiões do córtex.
Estudos recentes começaram a mostrar mais claramente como as memórias antigas estão organizadas no córtex e os eventos moleculares
e celulares que são subjacentes a essa consolidação. Os estudos mostram que o hipocampo tem um papel tempo-limitado no armazenamento e lembrança (recuperação) de algumas formas de memórias (é
ativado durante o início do processo).
Essa idéia forma o dogma central das opiniões contemporâneas do
sistema de consolidação: a função do hipocampo como sendo uma
estocagem para novas informações, mas o armazenamento permanente depende largamente da rede cortical. Embora se tenha um bom
conhecimento do mecanismo subjacente à formação de memórias dependente do hipocampo, pouco se sabe acerca de como essas memórias são transformadas nas de longa-vida (memórias remotas da rede
cortical).
O oposto à memória, isto é, o esquecimento patológico, ou amnésia,
tem sido especificamente instrutivo acerca das bases neurológicas da
memória. A amnésia é definida como a incapacidade de aprender novas informações ou de evocar (lembrar, recuperar) as informações que
tinham sido adquiridas.
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Classificação: Tipos e subtipos
de memória
Os mecanismos neurais da memória não são completamente conhecidos. Considera-se que as informações transitórias e duradouras são
armazenadas em diversas áreas corticais, de acordo com a sua função:
memórias motoras no córtex motor, memórias visuais no córtex visual
e assim por diante.
Dessas regiões elas podem ser mobilizadas como memória operacional
pelas áreas pré-frontais, em ligação com áreas do córtex parietal e occitotemporal. Além disso, as memórias explícitas (conscientes) podem
ser consolidadas pelo hipocampo e áreas corticais adjacentes do lobo
temporal medial, em conexão com núcleos do tálamo e do hipotálamo.
Finalmente, o processo de consolidação pode ser fortemente influenciado por sistemas moduladores, especialmente aqueles envolvidos
com o processamento emocional, como o complexo amigdalóide (amidalóide) do lobo temporal.
Vários mecanismos celulares e moleculares foram propostos como bases biológicas da memória, entre eles, os mecanismos da plasticidade
sináptica e outros fenômenos de modificação dinâmica da função e da
forma do sistema nervoso, em resposta às alterações do ambiente.
Exemplos da transferência continuada de informação de memória de
curta duração para a de longa duração são observados no fenômeno
do “priming” (gravação). O “priming” é tipicamente demonstrado apresentando-se aos sujeitos submetidos a um experimento um conjunto
de itens onde eles são expostos sob falsos pretextos. Por exemplo: uma
lista de palavras pode ser fornecida com a instrução de que os sujeitos
devem identificar alguma característica que seja na verdade estranha
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ao experimento (por exemplo, dizer se as palavras são verbos, adjetivos
ou substantivos). Mais tarde – em geral no dia seguinte – os mesmos
indivíduos recebem um teste diferente do anterior; pede-se a eles que
preencham com letras que faltam e que vierem à cabeça.
A lista que funciona como teste na verdade inclui fragmentos de palavras que foram apresentadas no dia anterior, misturados com fragmentos de palavras que não haviam sido apresentadas.
Os sujeitos colocam as letras para completar as palavras que foram
apresentadas no dia anterior em uma velocidade muito maior do que
seria esperado pelo acaso, mesmo que não tenham memória específica
das palavras vistas anteriormente. Além disso, são mais rápidos para
preencher com letras que formam as palavras previamente vistas do
que palavras novas.
O “priming” mostra que uma informação previamente conhecida tem
influência no conhecimento e ou detecção de outra, embora possamos
estar completamente inconscientes de seu efeito no comportamento
subsequente. O significado do “priming” é bem conhecido – pelo menos intuitivamente – de anunciantes, de professores, de cônjuges e de
outros que tenham motivos para influenciar o modo como pensamos e
agimos (criar intenções; criar um motivo para que uma idéia defendida
pareça mais verossímil).
As memórias, mesmo aquelas sobre as quais estamos bastante seguros, são frequentemente falsas. Um teste de memória coloca numa primeira lista as palavras: bala, acre, açúcar, amargo, bom, sabor, dente,
amável, mel, refrigerante, chocolate, coração, bolo, comer e torta; na
segunda lista: sabor, ponto.
No dia seguinte uma nova lista é apresentada. Pede-se aos sujeitos
para identificarem as que existiam na lista do dia anterior. Um grande
número de erros foi verificado. Por exemplo: a palavra “doce” que não
existia na primeira lista era imaginada como tendo existido, devido à
palavra bolo, torta, etc.
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Duas grandes classes de memórias: Origem do conhecimento memorizado
As memórias podem ser divididas em duas grandes classes quanto à
origem do conhecimento memorizado:
1. Uma memória fruto dos acontecimentos que se sucederam na vida
particular do indivíduo; esta é uma memória instável, confusa, desorganizada, mistura de ruídos falsos e verdadeiros; esta é o que popularmente chamamos de “memória”.
2. Uma outra memória nascida dos genes; esta é inata, estável, abastecida pelos acontecimentos organizadores de um passado anterior ao
indivíduo, bem protegida contra o “ruído” e a informação circulante.
As duas memórias trabalham juntas: a dos genes possibilita a aquisição das memórias ocorridas após o nascimento.
Deve ser lembrado que cada espécie apresenta potencialidades diferentes para aprender conforme as facilidades e limitações fornecidas
pelos genes do indivíduo. Por outro lado, dentro da mesma espécie,
alguns indivíduos possuem cérebros que são arrumados de forma
melhor, capazes de adaptarem-se mais facilmente às estimulações do
meio ambiente desde a infância; podendo aprender mais, podem se
tornar mais “inteligentes”.
A memória disponível para cada pessoa numa certa idade estabelece a
individualidade de cada um. Somos quem somos porque nos lembramos, não só de quem somos, mas, também, como nós fomos e onde
queremos chegar.
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Categorias qualitativas da memória humana: Declarativa e
procedimento
Inicialmente, deve ser lembrado que nenhuma das memórias estudadas localiza-se num só lugar; todas envolvem circuitos complexos. A
memória tem sido dividida em vários tipos e, frequentemente, autores
diferentes dão nomes diversos para o mesmo tipo de memória, provocando, muitas vezes, confusão no leitor.
Os humanos possuem pelo menos dois sistemas qualitativamente
diferentes de armazenamento de informação, que são normalmente
designados como: 1) memória de procedimento (também chamada de
memória de processo, não-consciente, implícita, de atividade); 2) memória declarativa (recebendo ainda os nomes de episódica, consciente,
de eventos, explícita e do trabalho). Uma terceira memória, muitas
vezes descrita, a memória de trabalho, foi considerada aqui como um
ramo ou subtipo da memória declarativa.
Os pesquisadores concordam que o uso dos dois sistemas de memórias é uma regra mais do que uma exceção; as duas se sobrepõem,
são usadas conjuntamente; assim, ambas são resgatadas (recordadas,
lembradas) nas experiências de aprendizagem. Na verdade, uma repetição constante de uma ação pode transformar a memória declarativa
(explícita) numa de procedimento ou implícita, como pode ser observado na experiência de aprender a dirigir um veículo. Nesse caso, há,
inicialmente, um envolvimento de um processo consciente, depois,
automático ou inconsciente – o motorista perito não fica pensando, ao
dirigir, como ele aprendeu e cada detalhe do aprendizado, simplesmente age automaticamente. Também, conscientemente podemos pensar
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acerca das etapas envolvidas em desatar um sapato – uma memória
semântica – e talvez lembrar a primeira vez que você fez isso (memória
episódica) e então ir para frente passo a passo, ir desatando usando a
memória de processos.
Quando a informação é codificada ela se converte numa forma de
estímulo que pode ser armazenada no cérebro. Os códigos apresentam três formas principais: código acústico (informações baseadas em
sons); visual (imagens ou outras características visuais) e semântico
(lembranças baseada na significação).
Memória de Procedimento (Processo mental
inconsciente)
A memória de procedimento, por sua vez, não está disponível à percepção consciente, pelo menos não de forma detalhada. Tais memórias
envolvem habilidades e associações que são, em geral, adquiridas e
evocadas em um nível inconsciente. Lembrar como movimentar os
dedos para discar ou digitar o telefone, como cantar a canção, pegar
ou chutar uma bola, vestir uma roupa, andar de bicicleta, trancar uma
porta, ligar o computador ou aparelho de som, dirigir o automóvel; esses são alguns exemplos de memórias que pertencem a essa categoria.
É difícil, ou mesmo impossível, dizer como fazemos essas coisas, e não
estamos conscientes de qualquer memória em particular enquanto
executamos essas tarefas. De fato, pensar acerca de tais atividades
pode até mesmo inibir a capacidade de desempenhá-las de modo tranquilo e eficiente. Geralmente, é mais fácil escrevermos um nome “sem
pensar” (automaticamente) que pensarmos cuidadosamente se usamos “z”, “s”, ou, ainda, “ç” numa ou noutra palavra.
Esta memória é aprendida lentamente, armazenada através de atos
repetitivos, após diversas tentativas, envolvendo associações de estímulos um após o outro, isto é, numa ordem (não posso sair com meu
carro, antes de abrir a porta, usar a chave de ignição, girá-la, etc.). Esta
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memória permite o armazenamento de informações acerca de relações entre acontecimentos, que são expressas, primariamente, pela
melhoria dos processos de atuação, sem que o sujeito seja capaz de
descrever exatamente o que e como foi aprendido. Envolve, portanto,
sistema de memória que não tem acesso ao conteúdo do conhecimento geral do indivíduo. Por isso é chamada de memória de processos e
não-consciente.
Esta memória relaciona-se, anatomicamente, a ativação de sistemas
sensoriais e motores comprometidos na tarefa da aprendizagem (digitar, por exemplo); adquirida e retida devido à plasticidade do sistema
nervoso, que varia de indivíduo para indivíduo como um bom e mau
jogador de futebol, vôlei, tênis, etc.
A memória de procedimento (inconsciente) inclui vários processos e
estes envolvem diversas áreas cerebrais:
1. O reconhecimento do estímulo encontrado é uma função dos córtices
sensoriais (órgãos dos sentidos);
2. A aquisição de várias pistas dos estados afetivos sentidos envolve o
sistema límbico (região do cérebro relacionada à emoção);
3. A formação de novos hábitos motores e, talvez, hábitos cognitivos,
exige o neo-estriado;
4. A aprendizagem de ações motoras novas ou a coordenação de novas
atividades irá depender do cerebelo.
Diante de diferentes situações vividas o cérebro é estimulado colocando em ação diferentes subconjuntos de áreas cerebrais, essas, por sua
vez, agem em combinação com os sistemas de memória explícita (ou
consciente).
Tem sido aceita por alguns teóricos a idéia de que o desenvolvimento da conduta moral também seria adquirido através da memória de
procedimento e, portanto, inconscientemente. Para seus defensores, a
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pessoa geralmente não se lembra de forma consciente como e diante
de quais circunstâncias ela assimilou as regras morais que governam
suas avaliações e a conduta moral ou ética. Tudo indica que essas informações foram adquiridas quase automaticamente, como as regras
da gramática que usamos sem pensar e que governam cada linguagem
nativa, durante certo período da vida.
Memória Declarativa (O Processo mental
consciente)
A memória declarativa é o armazenamento (e a evocação ou recordação do armazenado) do material que está disponível para a consciência
e pode, portanto, ser expresso mediante a linguagem (por isso é “declarativa”). Exemplos da memória declarativa são a capacidade de se
recordar de um número de telefone, de uma canção ou das imagens de
algum evento passado.
A memória declarativa ou memória consciente, semântica, episódica,
de evento, de conhecimento, de lugares e outros nomes, envolve associações de estímulos simultâneos, permitindo o armazenamento de informação acerca de um acontecimento simples ocorrido num tempo e
lugar particular. Este tipo de memória pode ser aprendido e, posteriormente, usado, após uma única experiência (estimulação), como ocorre
na primeira vez que frequentamos a escola; o trote do vestibular ou
o primeiro namoro. Uma vez de posse dessa memória, possuímos um
sentido de familiaridade com o fato lembrado, seja pessoa, lugar, etc.,
daí o nome de memória episódica (o primeiro sutiã) que se encontra
relacionada ao episódio.
Portanto, a memória episódica é a informação relacionada a eventos
específicos. Ela pode ser dividida como “memória autobiográfica”, a
que descreve nossas experiências pessoais, e a “memória semântica”,
a que se refere à memória factual ou conceitual; nesse caso você pode
adquirir a informação, mas não se lembra quando ou como você a adVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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quiriu (o alfabeto, o número de um telefone etc.)
Categorias temporais de memória
Além dos tipos de memória definidos pela natureza daquilo que é
lembrado, a memória pode também ser categorizada de acordo com o
tempo durante o qual ela é efetiva (que ela funciona). Embora os detalhes dessa divisão ainda sejam bastante debatidos tanto por psicólogos
como por neurobiólogos, três classes temporais de memória são geralmente aceitas.
1-A primeira delas é a memória imediata: por definição a capacidade
rotineira de manter na consciência, durante alguns segundos, as experiências em andamento. A capacidade desse registro é muito ampla,
envolvendo todas as modalidades (visual, verbal, táctil e assim por
diante), e está na base de um sentido contínuo de “presente”.
2-A segunda categoria temporal é a memória de curta duração: esta é a
capacidade de manter informações na consciência durante segundos a
minutos, passado o momento presente. Uma maneira convencional de
se testar a integridade da memória (declarativa) de curta duração junto
ao leito de um paciente, por exemplo, é apresentar-lhe uma lista de
dígitos ordenados ao acaso e lê-los em voz alta, pedindo que os repita;
surpreendentemente, o “span” (extensão) de dígitos normais é de apenas 7 a 9 números.
Um tipo especial de memória (de procedimento) de curta duração
é denominado memória de trabalho, que se refere à capacidade de
manter as informações na consciência durante tempo suficiente para
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que se desempenhe ações sequenciais. Um exemplo disso é a procura
por um objeto perdido (o comprimido ou a agulha que caiu da mão);
a memória de trabalho permite que a busca proceda eficientemente,
evitando lugares já inspecionados. Uma vantagem em especial da memória de trabalho é que ela pode ser estudada facilmente em animais
experimentais.
3- A terceira categoria temporal de memória é a memória de longa duração e compreende a retenção de informação de forma mais permanente, durante dias, semanas ou mesmo durante toda a vida. A maioria
dos pesquisadores concorda em considerar o assim chamado engrama
(isto é, o substrato físico da memória de longa duração na maquinaria
neuronal) como dependente de alterações de longa duração na eficácia
da transmissão em conexões sinápticas relevantes, e ou no crescimento real e na reordenação de tais conexões.
A memória declarativa é adquirida através de circuitos que ligam diversas regiões do córtex, principalmente os circuitos envolvidos com a
memória de trabalho e com o hipocampo. Assim é que lesões de certa
gravidade na região do lobo temporal não impedem o aprendizado da
memória de procedimento, apesar de dificultar ou impedir o da memória declarativa, (episódica). De outro modo, essa região do lobo temporal, principalmente o hipocampo, é responsável apenas pelo tipo de
memória declarativa e não a de procedimento.
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A memória de trabalho
Durante o processamento de informações, como ocorre durante uma
conversa ou leitura, a memória de trabalho encarrega-se de focalizar as
informações que estão sendo utilizadas, automática e eventualmente
e, além disso, ela poderá ou não utilizar lembranças evocadas de outras memórias já armazenadas. Eis um exemplo simples de memória
de trabalho: lemos ou ouvimos um número de telefone; memorizamos
este no momento para discá-lo; depois, na maioria das vezes, o esquecemos para sempre. Podemos também, ao lermos o número do telefone, lembrar dos vários encontros e da antiga amizade que tivemos
com o possuidor do telefone focalizado. Junto com essas recordações,
chegamos a “enxergar” a pessoa em diversos contextos e épocas, e, em
cada focalização, sentimos emoções diversas. Esse é o trabalho da memória do trabalho.
A memória de trabalho pode ajudar-nos, também, no momento do seu
uso, para examinarmos ou reexaminarmos eventos, fatos e cognições
passadas. Percebemos com nitidez a utilidade desse mecanismo mental precioso, diante de sua falta, ao observarmos pacientes portadores
de demências, como os com a Doença de Alzheimer e outras. Esses pacientes, além de outros sintomas, têm enorme dificuldade, conforme a
gravidade da doença, de trabalhar diante de um problema apresentado
com outros dados que ele já vivenciou; esses dados não se ligam ao
problema enfrentado.
A memória de trabalho, portanto, tem sido usada para descrever as
ações do “eu”, ou da memória, envolvendo processamento de informações no momento em que essas estão sendo percebidas, exibidas na
consciência e usadas. Durante essa ação e, ao mesmo tempo, nós comparamos as informações recebidas com as preexistentes no nosso estoque de memórias; as que foram ativadas para ajudar a compreensão e
a produção do pensamento.
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A memória de trabalho tem sido compreendida também como a “tomada de consciência”, momento a momento, juntamente com a recuperação de informações armazenadas. Essa é talvez a aquisição mais
significativa da evolução humana; a utilização de lembranças de experiências passadas para auxiliar a avaliação e a tomada de decisões presentes e futuras, assentada nas situações vividas no presente, ou seja,
no aqui e agora. O que chamamos de “inteligência” é, muitas vezes, a
solução de uma dificuldade, usando conhecimentos diversos arquivados na memória autobiográfica, ao mesmo tempo em que focalizamos
o problema atual, até descobrirmos uma saída para ele.
Determinadas memórias preexistentes (autobiográficas) que foram ativadas ou recuperadas no momento da conversa ou leitura despontam
ou surgem na consciência do indivíduo. Para que o leitor tenha uma
melhor compreensão do descrito, devo dizer que estou considerando a
memória de trabalho como fazendo parte, ou subtipo, aspecto, da memória declarativa.
Num bate-papo comum, discutindo futebol, política ou religião, entrelaçamos, sem parar, os dados sensoriais observados ou escutados a
outras diversas imagens mentais que aparecem em nossa consciência
e que são ou não expressas durante a conversa. São inúmeros conhecimentos estocados que emergem em nossa mente, sem nossa vontade
e que ocupam, por momentos, um espaço privilegiado em nossa consciência tornando-se disponíveis para se transformarem em estímulos
para nós ou, se desejarmos, expressando-os para os ouvintes que
assim ficam cientes deles. Essas imagens mentais particulares podem
passar para o mundo externo e entrar no bate-papo dando a este um
colorido especial, pessoal e revelador do seu proprietário.
Nos “papos” solitários e reservados, os que temos com nós mesmos, a
memória de trabalho requisita também os dados da memória autobiográfica, e assim torna seu proprietário mais capacitado para resolver o
problema surgido no momento e, muitas vezes, jamais visto ou mesmo
pensado. A memória de trabalho, de mãos dadas à memória autobioVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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gráfica, planeja o caminho futuro a tomar; reúne os pensamentos diversos, ordena-os e classifica-os para melhor lidar com eles, ajuntando
tudo o possível no “quadro negro da mente”.
De outro modo, nosso sistema de automemória adquire constantemente imagens de fatos e eventos junto com as emoções que eles
despertaram e os guardam no “arquivo” ou no “armazém” da mente.
Ali elas ficam prontas para serem usadas desde que fisgadas pela memória de trabalho. Uma vez apanhadas, isto é, tornando-se acessíveis
à consciência, elas irão influenciar e colaborar com as imagens dos
fatos ou eventos capturados pela memória sensorial do momento visando a executar alguma ação. A memória de trabalho, portanto, utiliza diversas lembranças ativadas e, assim, permite a manipulação de
informações complexas como acontece ao jogar uma peça de xadrez
ou planejar a construção de uma frase; portanto, sua ação complexa se
distancia muito das ações puramente instintivas do “sentiu/agiu” automático.
A memória do trabalho, juntamente com a memória autobiográfica, é
fundamental na compreensão da linguagem falada e escrita, pois elas
têm um papel crítico no armazenamento do produto intermediário
e final de um leitor ou ouvinte durante a computação que ele faz da
informação recebida pela leitura ou no bate-papo. Através dessa memória ele constrói e integra as idéias surgidas da corrente de palavras
sucessivas, de um texto ou de um discurso falado.
A memória de trabalho, anteriormente, foi estudada apenas como uma
memória de curta ou de longa duração. Uma memória é de curta duração quando ela é usada por poucos minutos e esquecida em seguida,
como escutar um nome para usá-lo ou escrevê-lo. Mas, por outro lado,
esta mesma memória pode servir de base para a formação da memória
de longa duração. A informação inicial processada, nesse caso, o nome
de alguém, pode ser arquivada, até para sempre, por motivos diversos.
Uma idéia mais moderna acerca da memória de trabalho não enfatiza
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apenas o arquivamento de itens para serem posteriormente usados,
mas, também, o armazenamento de consequências parciais obtidas
numa sequência complexa, como a conseguida na execução de cálculo,
avaliação, comparação e inferência (computações), tais como as usadas
na compreensão da linguagem.
Eis um exemplo: um leitor, para entender o que está lendo, precisa ser
capaz de extrair e reter em sua mente as informações contidas no que
ele lê num instante, bem como de algo lido um pouco antes, ou seja,
manter acesas diversas informações interligadas e importantes para a
compreensão, representações de palavras e de frases anteriores e atuais numa sentença. Mas não basta só isso. Ele precisa ir além do que as
palavras literalmente afirmam; é necessário relacionar tudo isso numa
compreensão global. Se eu leio: “Maria comprou no supermercado um
presente para sua filha”, para entender a frase, eu preciso manter na
minha mente diferentes idéias: Maria, uma pessoa do sexo feminino,
que tem uma filha; comprou – ativar o conceito de compra, troca, dinheiro, etc. relacionado a esse ato; supermercado ativa a idéia de um
lugar grande que expõe e vende diversas mercadorias, etc.; presente,
um objeto dado de graça, geralmente para alguém com o qual temos
laços afetivos, etc.; filha, sexo feminino, mais nova que Maria, etc. Simplifiquei muito as imagens ativadas com uma simples frase como esta.
Muito do descrito não estava escrito, mas sim, armazenado em nossa
mente, aprendido pela memória de trabalho de curta duração e, posteriormente, arquivado na memória de longa duração.
O armazenamento exige diversos níveis de processamentos: o leitor
deve compreender e guardar o tema do texto; a representação da
situação a qual ele se refere; o tempo decorrido durante as ações; as
pessoas envolvidas; o status ou posição de cada uma; as principais proposições das sentenças precedentes e o curso, criando em sua mente
uma representação multi-nível das sentenças que estão sendo lidas
atualmente.
A essência ou o fundamento do pensamento é a manipulação simbóVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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lica de várias imagens mentais. Entre as diversas operações simbólicas, incluem-se: a comparação, a recuperação, as operações lógicas,
numéricas e outras. A capacidade de computação de uma pessoa é a
quantidade máxima de ativação disponível e possível existente na sua
memória de trabalho capaz de manter excitadas – acessas – as funções
de processamento de informações e, também, o uso do conhecimento
anteriormente armazenamento.
Cada elemento acessado num momento representa coisas diferentes: uma palavra, uma frase, estrutura gramatical, estrutura temática,
objeto do mundo externo, etc. Tão logo o nível de ativação atinja um
limiar no elemento, este passa a fazer parte da memória de trabalho,
a que está ativada e funcionando necessária à compreensão e, nesse
caso, prestamos atenção a ele, ou seja, ele penetra na mente para ser
manipulado. Caso a quantidade de ativação disponível for pequena –
menor que a quantidade exigida para que o intencionado permaneça
estimulado e possível de ser usado para a tarefa compreensiva, outros
elementos antigos, ao azar, conquistam o lugar, dominando a consciência e, logicamente, deslocando os que estavam sendo mantidos ativados, produzindo-se um esquecimento do que estava sendo pensado. A
pessoa que estava lendo e compreendendo a leitura pára num ponto
do último trecho lido e não continua a assimilação do texto. Alguns,
“gaguejam” na leitura; ficam parados, retornam, voltam para uma parte por um longo período para depois continuar.
Podem ser ativados, repetidamente, ciclos sucessivos, aumentando ou
modificando o nível de ativação do elemento alvo, geralmente até que
possa alcançar algum limiar. Assim, ao encontrar um sujeito espera-se
certo verbo. Ao mesmo tempo que o ouvinte ou leitor desenvolve a
expectativa de encontrar certo verbo, a pessoa está também imaginando outros aspectos da sentença como os sintáticos, os semânticos e os
pragmáticos. Todos eles ocorrem simultaneamente e geram produtos
parciais concorrentes, se o número de processos for compatível com o
nível de ativação.
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Há diferenças individuais como ocorre com a energia elétrica de uma
casa. Um proprietário tem mais amperagem na sua fonte permitindo
mais usos de sua eletricidade, mais frio, por exemplo. Além disso, cada
proprietário pode ter maior eficiência na sua instalação permitindo
fazer mais com a corrente que possui, ou seja, produzir mais unidades;
em resumo: capacidade e eficiência. Geralmente, a maioria das pessoas com mais de 65 anos apresentam dificuldades para fazer inferências
que exigem integração de informação através de sentenças. Ao se fazer
uma inferência exige-se o armazenamento de informações de sentenças prévias ao mesmo tempo, com o processamento da sentença, exigindo um grande trabalho da memória. Esse déficit dos maiores de 65
anos não é geral.
Para termos uma idéia da importância da memória de trabalho, basta
imaginarmos a ausência deste mecanismo. Se isso ocorresse, ao ouvirmos uma palavra, a esqueceríamos, e, assim, ela não seria ligada a nenhuma outra que viria a seguir, nem a outro acontecimento de nossas
vidas. Ao ouvirmos uma segunda palavra – ou som – esta, além de não
ligar-se à anterior – que já fora esquecida – (baila sozinha no espaço)
seria, em seguida, esquecida também. Assim, o máximo que a linguagem faria seria uma excitação da mente no momento, sem a produção
de nenhuma idéia e, muito menos, de sua associação com outras.
Acredito, talvez somente eu, que certas “letras de músicas”, ouvidas
agora do vizinho, e certos “versos” atuais, não produzem imagens ou
idéias, e, portanto, não relacionam o escutado com nada vivido; excitam apenas durante alguns momentos da percepção, sons desconexos,
inúteis que agitam algumas pessoas e aborrecem muitos outros, como
me importunou nesse momento.
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Acerca da memória autobiográfica
O sistema de automemória – a memória que caracteriza um indivíduo
particular – engloba o conhecimento autobiográfico (CAB) básico a
cada instante. A memória autobiográfica é ativada, junto com a memória de trabalho, conforme os objetivos do “eu em ação” da pessoa num
certo momento. A memória autobiográfica é formada por estruturas da
memória lembradas (recordadas, recuperadas, utilizadas, resgatadas)
num certo momento, existentes no sistema da automemória (SAM) do
indivíduo. Você compreenderá melhor essas definições em seguida.
Cada pessoa possui seu sistema próprio de automemória geral; esse
sistema contém a memória autobiográfica e a memória relacionada
aos objetivos do momento do “eu em ação”, que é chamada memória de trabalho. No sistema de automemória geral processos mentais
controlam ou modulam o acesso ou não a determinado conhecimento
autobiográfico básico.
Vamos a um exemplo abstrato: numa conversa com alguém, ou durante uma leitura ou reflexão, diversas informações são ouvidas, lidas ou
refletidas formadas pelos mais variados estímulos. Estas, por sua vez,
ativam certas estruturas de conhecimento existentes no estoque de
memórias autobiográficas da pessoa. Desse modo, essas memórias recordadas são colocadas em ação: “A Sonata ao Luar de Beethoven, que
estou ouvindo agora, me fez lembrar dos primeiros discos de vinil que
comprei com meu dinheirinho suado”.
Um exemplo mais espichado: Enquanto escrevia esse texto (minha
ação do momento), escutava também músicas de um CD. Num certo
instante, focalizei minha atenção, que estava voltada para o texto a
ser escrito, para a melodia tocada: o Concerto nº. 2, para piano, de
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Mozart. Esta melodia, por sua vez (um estímulo diferente do texto
que escrevia), ativou minhas memórias para quando eu era estudante de Medicina. Nessa época, todas as quintas-feiras às 20h30min eu
frequentava a Cultura Artística onde assistia diversos concertistas de
renome. Deixei de lado o texto e, pouco a pouco, brotaram-se outras
memórias: “lembrei-me do lugar, do pianista num certo concerto, da
quase total falta de dinheiro para pagar a mensalidade – meu grande
problema da época – de uma moça por quem eu era apaixonado e que,
não sei se felizmente ou não, não deu em nada…”
Nos dois exemplos, sons determinados (a melodia tocada) deram
origem a uma série de lembranças recuperadas da minha memória
autobiográfica, entre essas lembranças, resíduos de emoções sentidas
naquele tempo distante pelo entusiasmado do jovem estudante de
Medicina.
As lembranças e as emoções produzidas são particularmente minhas;
elas diferem das lembranças das outras pessoas, pois fui eu quem as
vivi de certo modo peculiar, bem como toda a série continuada de
imagens que, por instantes, voltaram a habitar minha consciência logo
após ouvir o concerto de Mozart ou a Sonata de Beethoven.
Entretanto, o concerto de Mozart (ou a Sonata de Beethoven), que é
público, comum, poderá ser ouvido por quem assim o desejar; minhas
lembranças e as representações produzidas por elas, por outro lado,
só pertencem a mim, elas são privadas; eu as descrevi (relatei-as), mas
vocês jamais as possuirão, pois não há como transferi-las de minha
mente para suas, apenas estão lendo minhas descrições do observado
e sentido.
Aproveitei um leve de descuido na minha elucubração acerca do tempo
de estudante e, com algum esforço, retornei-me ao texto. Em dúvida
quanto ao voltar ou não àquele longínquo tempo, decidi retornar ao
tempo presente. Não foi fácil.
Deve ser lembrado que a ativação das metas a serem alcançadas por
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nós e, constantemente, realizadas pelo “eu” em ação no tempo presente, é influenciada, em parte, pelo conhecimento autobiográfico básico armazenado e, por outro lado, pelos estímulos externos à pessoa
num momento; como a música escutada por mim. De outro modo, o
conhecimento autobiográfico básico prepara o terreno para gerar os
objetivos do eu em ação. Por outro lado, o eu em ação ao agir, muitas
vezes, produz novos conhecimentos que são, posteriormente, também
armazenados no sistema autobiográfico.
Assim, a música de Mozart despertou-me para outras memórias autobiográficas do tempo da Cultura Artística, de minha juventude, etc.,
mas o que eu reuni daquelas vivências para escrever aqui, pode, se tiver importância para mim, gerar outras emoções de valor que poderão
também ser armazenadas agora, na minha memória autobiográfica,
aumentando o estoque do guardado. Conclui-se que a memória autobiográfica é de importância significativa para a idéia que fazemos de
nós mesmos, ou seja, do eu de cada um e, também, para as emoções e
experiências da pessoa vivendo numa cultura determinada.
O SMAB (sistema de memória autobiográfica), sendo altamente complexo, forçosamente apresentará diferentes tipos de problemas: 1) o
neuropsicologista irá se preocupar com respeito à neuranatomia subjacente e outros aspectos da neurobiologia; 2) os teóricos da personalidade terão seus interesses voltados para os vários estilos de personalidade e as memórias autobiográficas, e das ligações, facilitando ou
dificultando o acesso aos conjuntos ou feixes de memórias estocadas;
3) os psicólogos do desenvolvimento irão focalizar a natureza da memória infantil, da do jovem, os lapsos de memória e amnésia do adulto
e idoso.
O sistema de memória autobiográfica é uma construção transitória
da mente, nascido do conhecimento básico subjacente a este. Ele, a
cada instante, por ser estimulado por sinais diversos, dependendo de
sua maior ou menor sensibilidade a essas informações facilitadoras do
desencadeamento. Alguns padrões de ativação são endógenos; estes
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podem não alcançar a consciência; outras ativações são exógenas (do
meio exterior e da cognição, geralmente, mas nem sempre, alcançam
a consciência). Tudo faz crer que há um controle central que modula a
entrada da memória ativada, faz com que esta alcance a consciência e,
em seguida, se incorpore a essa. São esses processos de controles executivos, ou centrais, que implementam, a todo instante, os planos para
a conduta em cada momento. Esses processos controladores derivam
de metas mais importantes e preponderantes do eu em ação. Um outro exemplo vivido por mim e que serve para ilustrar o descrito.
Eu estava escrevendo essas idéias. Num certo instante, uma mosca
começou a pousar na minha testa. Nesse ponto, larguei o que estava
fazendo para espantar a mosca. Afastei-a, por instantes. Irritado, retornei, com alguma dificuldade, ao trabalho anterior, pois a mosca havia
invadido não só minha face, mas, também, minha consciência e a estratégia do meu eu em ação que era escrever determinadas idéias; devido
a sua presença, meu eu em ação parou de fazer o planejado e passou,
naquele instante, a realizar outra atividade, julgada por ele (meu eu em
ação) mais importante, que era espantar a mosca chata e poderosa. Algumas vezes, ironicamente, uma das principais funções dos processos
de controle central do eu em ação é justamente inibir, constantemente,
a penetração e domínio de certos padrões de ativação que forçam e
tentam penetrar e dominar a consciência. Este é o caso dramático dos
pensamentos obsessivos e, também, da visualização, meio sem querer,
de cenas desagradáveis como as observadas num acidente ou em qualquer fato doloroso etc. (Transtornos de ansiedade pós-estresse: TAPE).
Nesse caso, e em inúmeros outros, o objetivo do controle central é o
de não interromper a sequência do processamento desejado que tinha
sido ativado anteriormente e não permitir a entrada do outro, do intruso, que não estava nos planos do “eu” em ação.
Vou lhes dar um exemplo mais complexo para elucidar a explicação
acima. Encontro-me no consultório atendendo a um cliente. Nesse
instante minha memória trabalha para recuperar lembranças de conhecimento psiquiátrico importante, pois será através dele que farei obserVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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vações, perguntas e irei compreender ou interpretar os fatos reunidos
do cliente.
Como quase sempre ocorre: os relatos do paciente não são ordenados.
O profissional é quem deve e precisa reuni-los e ordená-los conforme
as teorias e a lógica existente. Durante a consulta eu tento selecionar
os fatos ouvidos, os sinais percebidos, valorizar um e outro, descartar
os sem importância para o desejado, enfatizar um ou outro possíveis
de serem mais importantes.
Assim, coloco os dados obtidos e mais as deduções criadas numa certa
ordem temporal e causal, ligada também a certos aspectos do contexto
onde os sintomas mais apareceram e onde eles não são produzidos e,
também, fatos relatados de importância para compreender os eventos
atuais. Tudo ordenado e armazenado na minha memória, pronta para
ser usada.
Assim vou construindo modelos mentais compreensíveis para mim,
compostos de teorias e experiências já vividas, que vão surgindo em
minha memória. Entretanto, num certo momento, o cliente responde
pouco às indagações. Minha memória muda de rumo: imagino, formulando uma hipótese, que o cliente pode estar fornecendo, propositadamente, descrições e dados falsos e, pouco depois, mais me certifico de
que parece que tenho razão. Ao mesmo tempo, lembro que eu posso
estar errado. Fico com raiva do cliente…
A cada momento, conforme o ativado, as representações que ocupam
minha consciência são modificadas. Num instante estou imerso no
mundo da Medicina, voltado para conhecer e ajudar o cliente; num
outro, largo essa atitude ao desconfiar-me dele, abandono o papel de
médico e, automaticamente, torno-me um homem como qualquer um,
pois sou gente como a gente.
Quando percebi que ele, por desejo próprio, estava me enganando
com os fatos relatados, mudei o cenário de minha consciência, ou seja,
recuperei ou relembrei outro tipo de memória, de desejos de mostrar
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para o cliente que sei que ele está me enganando. A raiva continua;
tento controlá-la. O interrogatório que estava correndo bem e harmônico, numa só direção, ou seja, conhecer o paciente e ajudá-lo, desvia-se.
Começam a aparecer na minha consciência, ajudadas pela memória de
trabalho e a autobiográfica, outras lembranças: clientes de muitos anos
atrás, um e outro aparecem, tomam conta do meu foco de atenção e,
com estes, emoções diversas relacionadas ao recordado, dos que agiram do mesmo modo, que me tomaram tempo, não me respeitaram,
etc.
Mas, esforçando-me, controlo-me e retorno ao exame do paciente e
não de crítico de pessoas e dono da verdade e do certo. Assim consigo
focalizar em minha consciência, com algum esforço, que ele é um paciente e eu estou ali para tratar dele; esse comportamento faz parte da
conduta de clientes.
Nesse caso, minha tarefa, realizar uma consulta, foi prejudicada por
uma “raiva” do cliente. Ora surgia uma, ora outra imagem diferente,
há conflito de lembranças – antigas e atuais; os dados da anamnese, os
sinais desse cliente e também outras lembranças invasoras, dominadoras que nada tinham a ver com o problema que agora enfrentava; eram
dois eus meus em ação; um para ajudar o cliente, outro para me ver livre dele, um ligado ao amor a ele, o outro de desprezo, um comandado
por um eu (cérebro) mais primitivo, selvagem, um outro mais educado
e civilizado que incorporou as regras do bom médico, este recrimina o
outro eu, e espanta diante do que “ele” pensa e imagina (luta das duas
cabeças).
Esse turbilhão de imagens vai se sucedendo, aparece e desaparece;
forma uma fileira enorme de outras memórias recuperadas, muitas
geradas pelas imagens indesejáveis; a maioria inútil para o plano original: examinar o cliente e ajudá-lo. Forço minha mente, obrigo-me a
focalizar o desejado. Também aparece o indesejado, ficar livre dele;
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preciso ainda resolver o problema do paciente e, principalmente, meu
problema, eliminar o meu conflito.
Retorno ao presente. Foi como acordar depois de um pesadelo e verificar que a realidade é outra. Assim, mais calmo, pois me livrei da dúvida
quanto à decisão a tomar, decidi interromper minha narração, levantar-me, ir até a cozinha, abrir a geladeira e pegar um pedaço de abacaxi
para comer. Em seguida, fazer um pipi e tomar um banho. Foi assim
que encerrei a “consulta e o conflito” imaginado.
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Memória autobiográfica e outras
Um surpreendente aspecto da memória autobiográfica (AB) é que ela
sempre contém conhecimentos de níveis de especificidade diferentes,
como por exemplo: períodos de vida, eventos gerais e conhecimentos
de eventos específicos.
Para ilustrar relato, mais uma vez, minha própria experiência (é essa
que mais conheço), diante com um acidente automobilístico com um
familiar que residia comigo e havia saído cedo para ir a um clube. O
telefone, às 14h30min – eu acabara de almoçar – tocou inúmeras vezes
antes que eu fosse atendê-lo; ele estava ligado na secretária eletrônica.
Eu usava apenas um short naquela tarde de 18 de novembro, quando
recebi a notícia. Angustiado com a noticia assustadora contada pelo
informante, imediatamente, relacionei o fato atual, através de minha
automemória, com a morte do meu pai que havia morrido exatamente
nesse mesmo dia: 18 de novembro.
A tarde estava muito quente. Eu me vesti em três ou quatro minutos.
Desci as escadas em direção à garagem para dirigir-me ao Pronto Socorro. Quando ia sair fui interceptado pela faxineira do prédio; esta começou a contar-me, pausadamente, alguma coisa que não me lembro.
Rápida e bruscamente, a descartei sem contar aonde ia e para quê.
Perdi-me um pouco no trânsito, atravessei sinais fechados e passei em
lugares não permitidos. Por fim, estacionei meu carro no Pronto Socorro. Vejo um policial avisar-me, educadamente, que lá era o lugar das
ambulâncias. Prontamente arrumou-me um lugar apropriado…
Poderia continuar contando muitas e muitas outras imagens que me
ocorrem; mas vou parar, pois elas não me agradam..
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No exemplo, há fatos específicos: “era um domingo, estava quente, dia
18 de novembro, etc.” associados com outras características do período (a faxineira, o militar, o lugar que estacionei, etc.) O evento central
lembrado e relatado foi o acidente. Em torno dele vários conhecimentos de eventos específicos, os detalhes citados e o sofrimento e incerteza quanto ao prognóstico. Na realidade os conhecimentos específicos
– detalhes – estão contextualizados, ou seja, encerrados numa rede
maior, dentro do acontecimento mais geral. Este, por sua vez, associou-se a um período da minha vida, quando eu era criança e meu pai
morreu quando ainda focalizei outros conhecimentos específicos dessa
época (casa onde residia, o modo como ele morreu, etc.) existente na
memória autobiográfica como um todo.
a) Período da Vida (Existência) PV ou PE
Os períodos da vida tais como: “domingo, à tarde, eu tinha acabado
de almoçar; o acidentado residia comigo, etc.” representam o conhecimento geral acerca dos outros significantes; localizações comuns;
ações; atividades; planos e metas; características do período. Os períodos da vida também indicam períodos distintos do tempo com início
e término identificáveis, embora estes possam ser indistintos e não
separados.
O conteúdo de um período da existência ou da vida representa um conhecimento acerca de aspectos comuns daquele período, assim como
um conhecimento da duração do período.
Para qualquer período cronológico dado, pode haver, contudo, um número de períodos de vida, como, por exemplo: quando eu vivia com Y,
pode ser sobreposto num tempo quando eu trabalhava no X; mas o conhecimento dos temas relacionados aos dois períodos descritos pode
revelar diferentes partes do conhecimento autobiográfico (CAB). Entretanto, os períodos da vida podem, eles mesmos, ligarem-se, formando
temas de ordens mais elevadas como os relacionados ao trabalho, ao
namoro, relações com amigos, etc.
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Um ponto interessante é que nós formamos atitudes – positivas ou negativas – para os períodos de nossa vida, como nos exemplos: “este foi
o período quando as coisas não estavam bem para mim”; “esse período estava animado com o curso que fazia”. Esta auto-avaliação emotiva
da lembrança de um período de vida pode ser importante na construção da memória; pode tornar-se o centro do relato, a partir do qual os
outros fatos se prendem.
O conhecimento da passagem do tempo, incluídos nos períodos da
vida, podem ter a forma de esquemas temporais pessoais, os quais podem demarcar os limites do período e também conter outros conhecimentos de eventos marcantes do qual a ordem temporal pode ser inferida ou construída posteriormente: “Dos 28 aos 31 anos, quando fiz um
segundo curso superior, fui expulso de um emprego e arrumei outro,
muito melhor que o primeiro, dois meses depois; comprei um carro e,
além disso, arrumei uma linda namorada, que, infelizmente, sem quê
nem pra quê, me trocou por outro.”
b) Acontecimentos Gerais
Os acontecimentos gerais circundam tanto os eventos repetidos (caminhava pelo bosque) quanto os eventos simples (minha viagem a
Itabira). Podem também representar conjuntos de eventos associados
e, assim, englobar uma série de memórias ligadas por um tema. Todos
nós temos exemplos de nossas “mini-histórias”, quando realizamos
atividades tais como a primeira vez que dirigimos um carro; a primeira namorada, etc. Nesses casos os fatos são organizados ao redor de
memórias individuais representando conhecimentos de aspectos de
um objetivo alcançado (tanto positivo como negativo) que aparecem
para organizar e compor as informações significativas para o eu. Uma
composição acerca de como, facilmente ou não, uma habilidade foi adquirida; acerca do sucesso ou fracasso nas relações interpessoais com
Maria ou com José.
A memória da “primeira vez”, chamada de explícita ou episódica, é
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nítida e fulgurante. Ela constitui uma categoria importante dos acontecimentos gerais; servindo para determinar a natureza do eu particular.
As memórias episódicas podem dar origem a uma organização maior,
dentro da classe de eventos gerais; assim, grupos pequenos de memória se relacionam: “Tudo que fiz deu errado; sou um azarado”. Obviamente outros tipos de eventos podem também formar organizações,
por exemplo: o feriado de 7 de setembro; quando elaborei a construção de minha casa; quando quebrei a perna, etc. Assim, uma lembrança é usada para provocar outras lembranças.
c) Conhecimento Evento-Específico -CEE
Estudos recentes sugeriram que as memórias intrusas, as que ocorrem
sem nosso desejo ou sem nossa vontade, comuns nos Transtornos de
Ansiedade Pós-Estresse (TAPE), aparecem geralmente em seguida a um
trauma simples. Essas memórias, inicialmente, tomam a forma de um
conjunto não relacionado de detalhes sensos-perceptuais, podendo,
com o tempo, ligarem-se aos eventos gerais e mais abstratos, ou a períodos de conhecimento de vida. Nesse transtorno, após um acidente
grave, como um incêndio, um estupro, por exemplo, a pessoa, depois
do fato, sem o desejar, apresenta lembranças e representações mentais
nítidas e repetitivas do fato desagradável vivido. Esta representação
desorganizada (não está inserida num contexto maior) do conhecimento evento-específico contrasta com a organização de eventos de detalhes típicos do dia-a-dia, da memória não-traumática ou saudável. Por
isso essa representação anômala, surgida ao acaso, vagueia em busca
de um ninho conceitual acolhedor; um local que ainda não havia sido
criado naquela mente.
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Objetivos e Memória
Todos nós já experimentamos situações que nos provocaram grandes
emoções, por isso mesmo nunca mais as esquecemos. Entretanto, os
mesmos fatos que nos emocionaram e foram arquivados em nossa memória para sempre poderiam não causar nenhuma emoção no nosso
amigo, familiar ou inimigo, pois cada pessoa tem obrigações éticas ou
morais, objetivos e ideais diferentes.
Os pesquisadores afirmam que a memória autobiográfica (reservatório
de lembranças) é, basicamente, o conjunto de acontecimentos armazenados e capazes de serem recuperados acerca do sucesso ou do fracasso que tivemos com respeito às nossas metas passadas. O memorizado
é arquivado em feixes ou porções em torno de um acontecimento
marcante e provocador de emoções poderosas para a pessoa, isto é,
as “reviravoltas ou viradas da vida”; um grande sucesso ou um terrível
fracasso. Em resumo: retemos e armazenamos, mais facilmente em
nossa memória autobiográfica, as situações enfrentadas contaminadas
com carga emocional grande, principalmente as que nos levaram para
outros caminhos, nos transformaram.
A organização das memórias e as metas pretendidas
Hoje há evidência substancial mostrando que as memórias estão relacionadas e orientadas às metas mais concretas e, também, a subgrupos
de amplas metas mais gerais e abstratas.
Os objetivos mais gerais podem, seletivamente, fazer aparecer em nossa consciência conjuntos de memórias relacionadas à meta pretendida,
tornando-as acessíveis. Exemplificando: uma pessoa que sempre deu
muita importância à aquisição de conhecimento irá enfatizar e lembrar
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mais do vestibular, do curso superior, da formatura e dos primeiros
passos na profissão, etc.. Por outro lado, a pessoa que enfatiza os contatos humanos, provavelmente se lembrará mais facilmente (ficará
mais na superfície) dos primeiros amigos, da primeira namorada, transa, esposa, etc.
Nos exemplos acima, um fator geral enfatizado, conhecimento, no primeiro caso, e relações pessoais, no segundo, serviu de lanterna para
iluminar um tipo e não outro de lembranças passadas. Vejamos um
outro exemplo: as memórias de pessoas com um modelo de si mesmo
relacionado aos aspectos de dependência/independência, apresentam
uma tendência a pescar ou atrair, preferencialmente, as memórias relacionadas às experiências mostrando situações onde elas tinham se
comportado de modo dependente ou independente. Por outro lado, as
pessoas com tipos diferentes de esquemas pessoais, não especialmente marcados pelo auto-esquema dependente/independente, não irão
apresentar essa tendência em sua memória, e, muitas vezes, nem percebem a existência dessa característica numa certa cena observada.
Esse exemplo pode ser estendido para qualquer tipo de esquema formado e que serve de guia para percepções futuras e, logicamente, para
futuras condutas. Conforme essa idéia, nós percebemos e descrevemos
os fatos ou eventos, como a observação de uma discussão, um acidente, um crime, conforme nossos auto-esquemas; são eles que irão
determinar nossas tendências perceptivas; “cada macaco observa seu
galho conhecido e acolhedor”.
Num estudo realizado com o TAT (Teste de Apercepção Temática), hoje
pouco usado no Brasil, pesquisadores examinaram aspectos não-conscientes das pessoas, entre esses, suas motivações, principalmente as
relacionadas ao poder e às intimidades. Em cada um dos grupos estudados, cenas diversas (do TAT) serviram de estímulos para que a pessoa
inventasse histórias acerca do que está percebendo.
As pessoas normalmente inventam histórias usando como roteiros
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temas relacionados às suas motivações/emoções básicas. Um aspecto
interessante foi que nenhum grupo mostrou tendência em recuperar
memórias (detectar lembranças) para temas mais comuns, mundanos
e sem emoções, confirmando a suposição de que memorizamos nossos
sucessos e fracassos, não situações insossas.
Numa outra pesquisa, pediu-se a pessoas com mais de 70 anos para
descreverem lembranças de fatos de suas vidas; esses deviam ser lembrados conforme as décadas da vida. Observou-se que as lembranças
relatadas estavam marcadas por fatos preponderantes relacionados a
temas psicossociais relevantes para a idade. Assim, a maioria das lembranças registradas no período de 10 aos 20 anos relacionava-se a temas de identidade/confusão de identidade; por outro lado, dos 20 aos
30, predominavam as experiências de intimidades/isolamento, e assim
por diante.
A memória, portanto, está relacionada à personalidade, onde há motivos egoísticos, busca de prazer ou de escapar de perigos, bem como
motivos pró-sociais (altruístas), aliar-se a uma pessoa, como no caso de
amizades, companheirismo, acasalamento, etc.
Um outro estudo realizado em 1999 foi feito com grupos de pessoas
classificadas como possuidoras de emoções e de motivações egoístas,
isto é, mais preocupadas com o poder pessoal, a realização e a independência, que foi comparado com um outro grupo, onde predominavam as emoções e motivações pró-sociais, ou seja, mais preocupadas
com as ligações com outros, relações, interdependência. Observou-se
que os mais “egoístas” estruturam o conhecimento gerando mais memórias relacionadas às diferenciações, como o desacordo, a divergência, a separação e a independência. Por outro lado, os denominados
“pró-sociais” estruturam o conhecimento e memorizam os fatos que
giram em torno de conceitos de “integração”, enfatizando as semelhanças, conformidade, congruência e interdependência. Observações
semelhantes podem ser percebidas durante qualquer conversa, discussões, exemplos, etc.
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Outros estudos semelhantes mostraram que os “egoístas” relembravam mais as memórias emocionais relacionadas aos eventos que envolviam problemas deles com respeito à mestria, a humilhação; além
disso, o conteúdo geral estruturou-se em termos da separação de
pessoas. Já os “pró-sociais” lembravam e tinham mais emoções para os
fatos e eventos acerca de aspectos de outras pessoas importantes para
ele, não ele próprio, onde ocorreram atos de amor, fraternidade e amizade; sendo que o conteúdo da memória foi estruturado em termos de
ligação de pessoas e não das divergências.
Um estudo investigou a memória das pessoas para períodos específicos da educação. A curiosidade inicial detonada para os períodos foi
a observação de que as autobiografias, quase sempre, contêm relatos
de eventos altamente específicos. Desse modo, verificou-se que alguns
desses fatos funcionaram como “pontos de virada”, reviravoltas, ou
mudanças básicas, ou seja, momentos auto-definidores para a pessoa.
Estas ocasiões cruciais, os pontos de virada, geralmente envolviam
a adoção de uma meta de vida especial, diferente da anterior e que,
mais tarde, determinavam, em grande parte, as atividades da pessoa.
Os estudantes pesquisados eram capazes de relatar suas vidas em
detalhes, com memórias altamente vívidas, claras e expressivas, de
interações com professores e outros mestres que profundamente influenciaram suas vidas acadêmicas e, algumas vezes, os rumos fundamentais delas. Foram esses acontecimentos especiais os criadores das
metas de longa duração adotadas por esses pesquisados, como decidir
estudar Veterinária, tornar-se um escritor, largar os estudos, iniciar a
carreira de comerciante, etc.
Outros estudos com respeito às lembranças guardadas, disponíveis e
orientadoras para traçar o futuro examinaram os “temas da vida”. Esses
foram desenvolvidos em reposta aos problemas existenciais enfrentados pelos indivíduos na sua infância, tais como pobreza, injustiça social
e assim por diante. O fator determinante e crítico para a escolha de
ocupações posteriores foi a maneira do indivíduo conceituar o probleVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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ma enfrentado durante o período de sofrimento, bem como das possíveis soluções imaginadas nesse período crítico. O estudo examinou,
entre outras, pessoas que viveram extrema pobreza. Os resultados foram extremamente interessantes:
Os que conceituaram o problema da pobreza, bem como sua solução
(uma segurança futura imaginada) como somente possível de ser obtida através de um constante ganho de dinheiro, tendiam, no caso de
terem ficado ricos, a não ocupar um status profissional elevado. Um
dos indivíduos estudados na pesquisa, que economizou e, com cuidadosos investimentos, tornou-se milionário, continuou a trabalhar como
funcionário de uma fábrica onde ele sempre trabalhara, desde o início
de sua vida.
Um outro indivíduo estudado construiu conceituações mais abstratas
acerca da pobreza e, também, ações possíveis para extingui-la diferentes do caso citado acima. Para este, a pobreza estaria relacionada à
injustiça social, ou seja, usou um tema diferente do que simplesmente
ganhar mais dinheiro. Assentado nesse paradigma, e não no utilizado
pelo sujeito anterior, este planejou outras soluções para seu problema:
lutar contra as injustiças sociais. Este homem estudado, mais tarde,
adquiriu ocupação profissional que fornecia a oportunidade de instrumentalizar seu ganho a partir do seu crescimento na ocupação e na
maneira de trabalhar, ou seja, ele usou soluções conforme a conceituação abstrata imaginada. Nesse estudo todos os indivíduos foram
capazes de recordar memórias detalhadas, altamente vívidas, dos
momentos críticos na gênese e na realização de suas soluções para os
problemas da vida que tinham identificado.
Estudos verificaram a relação entre metas pretendidas e as memórias
associadas aos sentimentos de felicidade e de orgulho. Verificou-se
que as lembranças associadas aos sentimentos positivos se ligavam às
metas atingidas e, nesse caso, havia uma suave caminhada nos planos
pessoais. Em contraste, as lembranças associadas aos sentimentos de
tristeza e de raiva estavam ligadas às falhas progressivas para atingir as
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metas imaginadas. Para esses pesquisadores, cada indivíduo tem um
conjunto de memórias auto-explicativas, auto-definidoras e auto-determinadas que abriga um conhecimento avaliador e crítico do progresso
atingido ou não-atingido com respeito às metas de longa duração.
As memórias produzidas na infância revelam as “verdades do desenvolvimento”; elas se referem a situações nas quais a criança quer ajuda,
aprovação e amor, geralmente dos pais. As lembranças relacionadas à
adolescência referem-se a eventos nos quais a lembrança era a de desejar amor recíproco, assertividade ou outra ajuda. Estudos mostraram
que as pessoas com estilos de ligações ansioso-ambivalentes com os
pais ou outros criadores, tipicamente, mostram empobrecimento das
lembranças autobiográficas para experiências afetivas negativas da infância; não obstante, eram capazes de, mais rapidamente que os indivíduos seguros e com boas relações afetivas, responderem questões que
não focalizam as experiências afetivas.
Parece que a maioria das pessoas, não explicitamente, busca metas
para serem atingidas a cada momento do dia-a-dia; de outro modo, as
pessoas ordenam planos para alcançarem objetivos. Estes projetos são
influenciados pelo que é retido e utilizado pelo sistema de memória de
cada um. Assim, os planos a serem executados emergem do que está
armazenado no sistema de memória. Por outro lado, muitas vezes, os
planos e as metas podem, elas mesmas, não ser explicitamente representadas no conhecimento base, ou, de outro modo, não podem ser
representados de uma forma acessível à tomada de consciência, mas
são elas que dão as cartas orientando o comportamento.
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Memória e Esquecimento:
doenças e envelhecimento
Havia uma crença de que tudo que aprendemos é armazenado permanentemente na mente, embora algumas vezes detalhes particulares
não sejam acessíveis. Essa afirmação não é correta. Se não fosse pelo
esquecimento, nossos encéfalos estariam oprimidos com uma carga
impossível representada pelo colosso de informações inúteis, que são
codificadas em nossa memória imediata. De fato, o encéfalo humano é
muito bom para esquecer.
Parece evidente que esqueçamos de coisas que não tenham maior importância e que memórias pouco ou nada utilizadas deterioram com o
tempo. A capacidade de esquecer informação sem importância pode
ser tão decisiva para a atividade mental normal quanto reter informação que seja significativa. Há descrição histórica de um paciente que
não se esquecia de nada que lhe era contado ou percebido. A vida desse paciente era um inferno.
As falsas memórias são geralmente acerca de esquecimento de incidentes que ocorrem e de lembranças de modo diferente do ocorrido.
As pessoas organizam as informações de modo que elas têm sentido
para elas; esse sistema de organização, muitas vezes, resulta numa memória que não é acurada.
Um exemplo simples, realizado por mim várias vezes quando professor,
foi o realizado com alunos de Medicina acerca de um relato de uma
cena ocorrida em um ônibus. Eu pedia a um aluno para que relatasse
para um outro, o que ele via num desenho mostrando pessoas diversas
dentro do ônibus. Esse primeiro aluno olhava a figura quanto tempo
quisesse e descrevia a cena examinando-a. O segundo aluno, por sua
vez, apenas escutava o narrado ao entrar na sala do experimento.
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Depois, um terceiro entrava, sem ter escutado a primeira narração e,
em seguida, contava o que escutara para o quarto aluno que entrara.
Geralmente fazia a experiência com sete alunos, pois, nesse sétimo o
lembrado se resumia a uma frase simples, como: “No ônibus havia um
homem negro atacando um branco com uma navalha”.
Ora, o quadro era muito mais rico e, entre os diversos aspectos do
mostrado, havia um homem branco com uma navalha na mão, próxima
da face do homem negro. Quase sempre a “navalha mudava de mão”;
quem usava a navalha, através do relato, era o negro. Havia outros estímulos diferentes para serem usados, como o de um menino parecendo
estar tirando algo de um carrinho que vendia bolinhos na rua, bem
como outros.
Um outro teste diferente era uma fotografia de um acidente entre um
trem e um automóvel, onde se viam diversas pessoas, casas, luzes, etc.
Pedia-se aos alunos para examiná-la durante alguns minutos e, depois,
que escrevessem o que haviam observado. As respostas de um e outro
eram altamente diferentes, nos indicando a tendência das testemunhas que “viram” o acidente.
Embora o esquecimento seja um processo mental normal e aparentemente essencial, ele também pode se manifestar de forma patológica,
uma condição denominada “amnésia”. Algumas das causas da amnésia
são: oclusão vascular de ambas as artérias cerebrais; tumores da linha
média; traumas; cirurgias; infecções; terapia eletroconvulsiva; cansaço;
dormir mal; estresse; deficiência de glicose; de proteínas; vitamina B
(B1,B3 e B12); vitamina C; serotonina (chocolate aumenta serotonina e,
também, o colesterol) etc.
Memória e envelhecimento
A partir do início da idade adulta o peso médio do encéfalo humano
normal, determinado em autopsias, decresce progressivamente. Em
indivíduos idosos, esse efeito pode ser observado através de técnicas
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não-invasivas de imagem como um leve, mas, ainda assim, significante
encolhimento do encéfalo.
A contagem de sinapses no córtex cerebral geralmente diminui com a
idade avançada, embora o número de neurônios provavelmente não
mude muito, sugerindo que são principalmente as conexões entre os
neurônios (isto é, o neurópilo) que são perdidas à medida que envelhecemos. Há uma suposição indicando que as redes de conexões que
representam as memórias estejam se deteriorando gradativamente. Essas observações são consistentes com a dificuldade que muitas pessoas
idosas apresentam em fazer associações, como, por exemplo, lembrar
de nomes ou detalhes de experiências recentes e mostrar um declínio
nos escores de testes de memória em função da idade.
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Cognição
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Conhecimento adquirido:
Aprendido, secundário
O estudo dos sistemas onde a nossa própria atividade descritiva (nossa
maneira de pensar) é a parte constitutiva deles tem recebido o nome
de Cibernética de Segunda Ordem ou Cibernética dos Sistemas Observadores. As explicações científicas são proposições que geram ou
provocam a existência do fenômeno a ser explicado, conforme as experiências dos observadores; elas não exigem a suposição à priori de um
mundo objetivo independente do observador, examinam a si mesma.
Nossa experiência está indissociavelmente amarrada à nossa estrutura;
não vemos o “espaço”, o mundo; estamos inseridos (envolvidos) no
que vemos; as “cores” do mundo penetram em nossa mente e as dominam; observamos as nossas observações do mundo. Os seres vivos, de
modo geral, são iguais em organização, mas têm estruturas diferentes,
e, consequentemente, observam mundos diversos. O morcego não
observa o mundo como a águia, o peixe ou a cobra, pois seus órgãos
sensoriais são diferentes e suas histórias de vida diferentes também;
por fim, suas necessidades e formas de organizarem o mundo são peculiares.
As representações dispositivas
Alguns autores denominam de “representações dispositivas” o nosso
depósito integral de saber total, no qual se incluem tanto o conhecimento existente no nascimento, isto é, o inato e genético, como também o adquirido por meio das experiências particulares do indivíduo,
ou seja, sua história de vida após nascer.
O conhecimento existente ao nascer baseia-se em representações disVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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positivas (disposições, prescrições, ordenações) nas partes mais antigas
e primitivas do cérebro, as existentes no hipotálamo, tronco cerebral e
sistema límbico; essas regiões são comandos de ação biológica necessários à sobrevivência, como o controle do metabolismo, os reflexos,
impulsos e instintos; essas disposições geralmente não se transformam
em imagens na mente.
O conhecimento da história de vida da pessoa particular, ou seja, o adquirido, baseia-se nas representações dispositivas existentes, tanto no
córtex cerebral como ao longo de muitos núcleos da massa cinzenta,
localizados abaixo do nível do córtex. Algumas dessas representações
contêm registros através de imagens que podem ser recuperadas ou
evocadas através da utilização do raciocínio, planejamento e criatividade; outras representações contêm registros de regras e de estratégias
com as quais manipulamos as imagens.
Os novos conhecimentos adquiridos são conseguidos pela modificação
continuada das representações dispositivas já existentes. Assim, alguns
novos aprendizados podem tomar o lugar de certas representações
dispositivas antigas fazendo com que essas desapareçam totalmente;
outros conhecimentos aprendidos, mais resistentes, permanecem por
dias, meses ou para sempre. Quando uma ou mais representações dispositivas existentes são ativadas, elas podem disparar – pôr em ação
– outras que estavam até aquele momento em repouso, despertando-as e fazendo com que elas entrem em ação e passem a fazer parte do
raciocínio do momento.
A maioria ou todas as palavras que utilizamos na nossa fala interior,
antes de dizermos ou de escrevermos uma frase, ocupam nossa consciência sob a forma de imagens auditivas ou visuais. Se não se tornassem imagens, por mais passageiras que fossem, não seriam nada que
pudéssemos saber; mesmo as ativadas de forma oculta, não tomadas
com atenção pela consciência. Parece não existir nenhuma via anatômica para introduzir informações sensoriais complexas no córtex de
associação sem fazer uso primeiro dos córtices sensoriais iniciais, ou
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seja, passando pelos órgãos dos sentidos.
Mecanismos neurais subjacentes ao pensar e
agir
Por não aprendermos esses complicados mecanismos neurais que nos
fazem pensar a agir, os homens, não tendo consciência das causas que
determinam suas ações, consideram-se, eles próprios, a causa última
de suas ações que seriam determinadas pelos próprios fins e ou finalidades delas. Existem duas explicações para isso:
A primeira seria que o vínculo entre a reação comportamental e o que
a provoca a ação poderia ser puramente arbitrária. Nesse caso não haveria nenhuma necessidade de compreender os mecanismos subjacentes à conduta; basta eu querer (desejar ou coisa semelhante) para que
ocorra minha ação: “Fui ao cinema porque tive vontade” e pronto. Esta
“explicação”, que não explica, está relacionada ao “Livre Arbítrio”, “Força de Vontade”, “Liberdade para Agir”, “Minhas Determinações”, etc.
A segunda afirma que o comportamento inteligente pode ser reduzido
às combinações de reações meramente mecânicas existentes no organismo. Para essa hipótese, existem diversas variedades de inteligência, e elas não podem ser facilmente comparadas, nem muito menos
avaliadas com base numa escala comum. Dentro desse ponto de vista,
quando falamos que uma pessoa apresenta um controle cognitivo, estamos nos referindo a um controle da conduta que é realizado através
da fixação ativa (sustentação, preservação, manutenção) continuada,
forçada ou obstinada das representações mentais: uma meta a ser
atingida, um conjunto de informações (“Irei passar nesse concurso de
qualquer maneira”; “Tenho que lidar com esses conceitos e a relação
(composição) de um com os outros. Tudo de uma só vez”.).
Nesse caso, o representado é preservado inalterável; os jogadores de
futebol gostam de chamar essa característica de “determinação”; outros a chamam de “obstinação”, “teimosia” e “cabeça dura”.
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Cognição e Córtices Associativos
A parte mais posterior dos lóbulos frontais, o giro pré-central, está relacionada ao movimento corporal. As áreas do córtex cerebral, na frente
do giro pré-central, são chamadas coletivamente “áreas pré-frontais”;
algumas delas se relacionam também aos movimentos corporais.
As áreas pré-frontais restantes têm funções que interligam tipos mais
abstratos de processamento intelectual a um outro elemento que não
se relaciona à inteligência pura, isto é, essa segunda região está relacionada às emoções, às condutas morais e ao planejamento futuro e
relacionamento social.
Os livros de neurociência têm considerado em certo detalhe as partes
do encéfalo responsáveis pela codificação da informação sensorial e
do comando dos movimentos. Entretanto, essas regiões são responsáveis apenas por uma fração (talvez um quinto) do córtex cerebral. O
consenso é o de que muito do restante do córtex esteja envolvido no
processamento de estímulos complexos, identificando as características relevantes de tais estímulos, reconhecendo objetos relacionados e
planejando respostas adequadas (assim como armazenando aspectos
dessa informação). Essas áreas do córtex cerebral são denominadas
coletivamente de córtices associativos; são evidentemente os córtices
associativos nos lobos temporal, parietal e frontal que tornam possível
a cognição (o córtex associativo do lobo occipital é igualmente importante para a cognição; suas funções, entretanto, referem-se principalmente à visão).
Os córtices associativos incluem a maior parte da superfície cerebral do
encéfalo humano e são grandemente responsáveis pelo processamento complexo que ocorre entre a chegada de sinais informativos nos córVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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tices sensoriais primários e a produção de comportamento: “Atravesso
a rua; vejo um carro em disparada em minha direção: Ordeno minhas
pernas para correr e me colocar a salvo no passeio. Respiro aliviado;
dessa vez, escapei”.
As diversas funções dos córtices associativos têm sido chamadas, de
modo não muito exato, como “cognição”, um termo que significa literalmente o processo pelo qual nós tomamos conhecimento do mundo.
Essa palavra talvez não seja a melhor para indicar essa ampla gama de
funções neurais, mas já se tornou parte do vocabulário de trabalho de
neurologistas e neurocientistas, mas ela indica uma definição simplificada de um mecanismo sofisticado. De forma mais exata a cognição
refere-se à capacidade de prestar atenção a estímulos externos, às
motivações internas, de identificar o significado de tais estímulos e de
planejar respostas significativas para eles.
Cada uma dessas tarefas é complexa; isso nos leva a concluir (inferir)
que os córtices associativos precisam receber e integrar as informações
provenientes de uma variedade de fontes ao mesmo tempo (o carro
em disparada; cálculo do tempo necessário para ele me atingir; velocidade que devo utilizar para tentar escapar; verificação da aproximação
do veículo e se minha velocidade está sendo conforme imaginei). Além
disso, os córtices associativos, administrando tantos fatores ao mesmo
tempo, irão influenciar uma ampla gama de alvos corticais e subcorticais.
Os sinais de entrada para os córtices associativos incluem projeções
dos córtices sensoriais (visão do carro em disparada e onde eu me encontro) e motores primários e secundários (andar ou correr), do tálamo e do tronco encefálico.
Os sinais de saída dos córtices associativos alcançam o hipocampo, os
gânglios da base e o cerebelo, o tálamo e outros córtices associativos;
tudo para dar suporte ao fato existente – carro – comparando-o com
situações já vividas, emoção de medo, produções internas para me dar
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força e energia, avaliações, etc.
Os estudos iniciais de como funcionam as áreas associativas vieram
primeiramente de observações de pacientes humanos com lesão em
uma ou outra dessas regiões. Técnicas não-invasivas de imageamento
do encéfalo de sujeitos normais, mapeamento funcional durante neurocirurgias e análises eletrofisiológicas de regiões comparáveis do encéfalo em primatas não-humanos têm geralmente confirmado diversas
impressões clínicas anteriormente produzidas.
As pessoas com danos extensivos dos lóbulos frontais, do núcleo dorsomedial do tálamo ou da matéria branca que os interconecta, desenvolvem uma síndrome característica: elas mostram um déficit no
pensamento abstrato, junto com uma distração e/ou perseveração e
egoísmo impulsivo – “desinibição” – do comportamento (perseveração
significa persistência de uma atividade mental sem habilidade de deslocar facilmente à outra.)
Essas pessoas dirão e farão as primeiras coisas que lhes vêm à cabeça
sem considerar a exatidão ou as consequências futuras do que dizem
ou farão. Seu comportamento se torna assim não adaptado às regras
sociais, tornando-se incapazes de realizar uma atividade um pouco
complexa durante certo tempo, entre eles, os atos não permitidos,
como premeditado assassinato; pois suas lesões os impedem de realizar planos de longa duração, seja corretos ou incorretos..
Se os danos cerebrais (região pré-frontal) se tornarem mais extensos,
a complicação comportamental, como a impulsividade, é substituída
pela apatia e pela falta de resposta aos estímulos. Finalmente, com o
desenvolvimento da lesão, o paciente passa a apresentar uma abulia
(falta de vontade) do lobo frontal. Nesse caso final o paciente não se
move, não produz sons, nem responde a outro estímulo. É como se
“estivesse travado por dentro”. (comatose, imóvel).
Os pacientes com afasia de Broca severa podem compreender muito
do escutado, mas podem não produzir nenhum som porque perderam
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a parte de capacidade na área da memória do trabalho responsável
pela linguagem. Consequentemente, não podem usar aqueles programas gerando a língua.
Os estudos, juntos, indicam que, entre outras funções, o córtex associativo parietal é especialmente importante para a percepção de
estímulo complexo nos ambientes externos e internos; que o córtex
associativo temporal é especialmente importante para a identificação
da natureza de tais estímulos e, por último, que o córtex associativo
frontal é especialmente importante para o planejamento de respostas
comportamentais adequadas para os estímulos (tomada de decisões).
Características específicas dos córtices associativos
Apesar dessas generalizações, as conexões dos córtices associativos são
consideravelmente diferentes dos córtices sensoriais e motores primários e secundários, particularmente no que diz respeito às conexões de
entrada e de saída. Por exemplo, três núcleos talâmicos que não estão
envolvidos na retransmissão de informação sensorial ou motora primária fornecem uma grande parte dos sinais de entrada subcorticais para
os córtices associativos. Uma segunda grande diferença envolvendo as
fontes de inervação dos córtices associativos é o seu enriquecimento
em projeções diretas de outras áreas corticais, chamadas de conexões
corticocorticais.
Nem todo o manto cortical é constituído pelo neocórtex de seis camadas; o hipocampo, por exemplo, que se localiza profundamente no
lobo temporal e tem sido implicado na aquisição da memória tem apenas três ou quatro lâminas. O córtex hipocampal é considerado como
evolutivamente mais primitivo e é, portanto, denominado “arquicórtex” para distingui-lo do neocórtex de seis camadas. A terceira fonte de
inervação das áreas associativas são sinais de entradas difusas oriundas
de núcleos dopaminérgicos, noradrenérgicos e serotoninérgicos da forVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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mação reticular do tronco encefálico, assim como núcleos colinérgicos
do tronco encefálico e do prosencéfalo basal. Essas fontes projetam-se
a diferentes camadas corticais e, entre outras funções, determinam o
estado mental ao longo de um contínuo que varia do sono profundo a
um estado de alerta máximo.
Cada córtex associativo é definido por um subconjunto distinto, embora em certo grau sobreposto, de conexões talâmicas, corticocorticais e
subcorticais. Apesar disso, é difícil concluir muito acerca do papel dessas diferentes áreas corticais com base apenas em suas conexões (essa
informação é, de qualquer modo, bastante limitada para os córtices
associativos humanos; a maior parte das evidências vem de estudos
anatômicos em primatas não-humanos, suplementados pelo limitado
estudo que pode ser feito em tecido encefálico humanopost-mortem).
Em vista disso, a inferência acerca das funções de áreas associativas
em humanos continua a depender, de forma crítica, de observações de
pacientes com lesões corticais. Lesões nos córtices associativos dos lobos parietal, temporal e frontal, respectivamente, resultam de déficits
cognitivos específicos que mostram muito sobre as operações e uso de
cada um dessa.
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Um espaço especial para os
cortices pré-frontrais: Dorsais
e Laterais
O córtex pré-frontal tem sido implicado numa extensa variedade de
operações mentais com respeito à atenção, à decisão executiva e à
memória. Ainda assim a organização funcional encontra-se ainda muito
debatida. O uso de fMRI (imagens funcionais de ressonância magnética) tem contribuído para um conhecimento melhor.
O córtex pré-frontal (CPF) é uma região do cérebro heterogênea a
qual se desenvolveu entre os primatas contribuindo para aumentar a
flexibilidade e o controle do comportamento e da cognição (modo de
pensar). O CPF encontra-se dividido em várias regiões com funções específicas.
Uma maneira tradicional de descrever o córtex pré-frontal (CPF) tem
sido a de dividir suas funções envolvendo o setor de processamento
espacial versus o de objetos. Contudo, os estudos eletrofisiológicos em
macacos e as pesquisas usando neuro-imagens em humanos produziram um conflito de evidências para tais divisões funcionais.
Novas explicações foram propostas para o CPF, conforme suas organizações: uma região ventral especializada nas funções “vegetativo-somáticas”, enquanto a região dorsal estaria especializada para funções “atentivo-cognitivas”. Esse modelo posteriormente afirma que o giro rostral
anterior age como uma interface entre os dois fluxos de processos. Os
pacientes com transtornos do humor, ao que parece, apresentam uma
falha da interação coordenada entre esses dois compartimentos do
CPF: somático/vegetativo e atentivo-cognitivo.
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Região Dorsal X Ventral
Os estudos para verificar a atenção geralmente apresentam aos sujeitos da experiência tarefas específicas contendo, por exemplo, estímulos: círculos e quadrados. Mas enquanto esses estímulos são mostrados aos sujeitos da experiência, intermitentemente, também são
apresentadas cenas provocadoras de ativação emocional. Esse novo
estímulo tem o objetivo de distrair os sujeitos da experiência. Esses
estímulos, diferencialmente, ativam o giro frontal inferior, a amígdala e
o giro fusiforme; com ativação significativa forte devido às cenas emocionais.
O fluxo sanguíneo cerebral foi também examinado nas regiões do
CPFVM (córtex pré-frontal ventromedial) e no CPFDM (córtex pré-frontal dorsomedial) através da tomografia de emissões de pósitrons
(PET em inglês) enquanto os sujeitos realizavam duas tarefas cognitivas diferentes e alternadas. Os sujeitos liam substantivos em voz alta
e recebiam instruções para tentar gerar verbos apropriados para cada
substantivo lido em voz alta. Por exemplo, ao ler a palavra “dor” ele
deveria descobrir o verbo derivado do substantivo; nesse caso, o termo
“doer”. Do mesmo modo, liberdade e libertar, benção e abençoar, leitura e ler, doação e doar, etc. Uma tarefa usada como controle, onde não
era exigido nenhum esforço mental ou atentivo, era a leitura passiva
das mesmas palavras.
Os resultados mostraram a diminuição do fluxo sanguíneo nas regiões
do córtex pré-frontal dorsomedial e aumento do fluxo na região do córtex pré-frontal ventromedial durante a leitura da palavra junto com a
geração dos verbos. Isto acontecia, provavelmente, devido à presença
da ansiedade durante a conversão do substantivo para o verbo dele
derivado. Esse resultado foi comparado com o obtido (sem ansiedade)
quando se pedia aos sujeitos da experiência para apenas ler os substantivos.
Por outro lado, o CPFVL (córtex pré-frontal ventrolateral) tem uma
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ação mais relacionada a um aspecto da memória de trabalho. Tem sido
proposto que o CPFVL (ventrolateral) se relaciona com a manutenção
da informação na memória de trabalho, ao passo que o CPFDL (dorso
lateral) se relaciona com o monitoramento da informação na memória
de trabalho mantida pelo CPFLV.
Córtex pré-frontal medial e suas regiões
Anatomicamente, o CPFVM (córtex pré-frontal ventromedial) é
composto de áreas separadas que recebem uma ampla informação
sensorial do corpo (organismo), ou seja, a interoceptiva, bem como
informação do meio ambiente externo através da via CPFO (córtex orbitofrontal). Essa região frontal se encontra interconectada com as estruturas do sistema límbico, entre elas, a amígdala, estriado, hipotálamo, núcleo autônomos da região cinzenta peri-aquedutal (parte média
do cérebro).
Devido a essas duas fontes de informações (intero e exteroceptivas)
foi proposto que o MPFC (córtex pré-frontal medial) tem um papel
importante nos processos da integração emocional e cognitiva. Durante o processo mais cognitivo, quando se força mais a atenção, ocorre
uma ativação da área relacionada ao córtex pré-frontal dorsomedial
(CPFDL), ou seja, da área relacionada à cognição. Por outro lado, o processo cognitivo (fixação da atenção) desativa o córtex pré-frontal ventrolateral (CPFVM), isto é, uma diminuição do fluxo sanguíneo na área
emocional.
De forma semelhante, as áreas mais dorsais do CPF (córtex pré-frontal)
que parecem processar funções cognitivas, entre elas o cingulado anterior, mostram um aumento do fluxo sanguíneo durante a realização de
tarefas cognitivas que exigem atenção. O cingulado anterior atua como
secretário executivo decidindo quais das informações que chegam e
quais devem ser encaminhadas ao córtex pré-frontal dorsolateral para
planejamento e deliberação. Também, esse fluxo pode decrescer ou
mostrar-se desativado durante os estados emocionais induzidos expeVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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rimentalmente ou frutos de patologias existentes decorrentes de doenças mentais, emocionais ou neurológicas, ou seja, há uma diminuição
da atividade do CPFDL, da região relacionada à cognição.
A diminuição da ativação da área do CPFDM (dorsomedial) relacionada
com a cognição/pensamentos durante a ativação do CPFVM (ventromedial), relacionada às emoções, nos mostra a menor ação do setor
dorsal – relacionado à cognição durante as emoções. Podemos conjeturar a existência de uma menor capacidade cognitiva durante uma briga,
um discurso inflamado, uma prova relacionada a um concurso, nas
pregações religiosas, nas declarações de amor durante as grandes paixões, num negócio envolvendo muita emoção, etc. Tudo isso nos leva a
concluir: quando mais nós precisamos, menos nós utilizamos de nossa
inteligência e saber.
Embora o CPFDL tem sido estudado principalmente em relação às suas
funções executivas, essa área está também envolvida nas operações
motivacionais. No caso específico das motivações, o córtex orbitofrontal (COF) é o mais indicado para ser o agente das operações motivacionais, sendo mais importante que o CPFDL. Um estudo não-invasivo
usando imagens funcionais mostrou que as ativações tanto do CPFDL
como do COF ocorrem durante tarefas que incluem operações de motivações.
O estudo atual sugere uma nova dimensão na diferenciação do CPFL
(córtex pré-frontal lateral) em relação às operações motivacionais. Estima-se que o CPFDL (dorsolateral) esteja mais envolvido com o monitoramento do contexto motivacional, enquanto que o CPFVL (ventrolateral) esteja mais envolvido com a codificação e a representação do valor
associado com a presença ou ausência de uma recompensa específica.
Essa variação pode refletir o fato que o CPFL (córtex pré-frontal lateral),
tanto sua parte ventral como a dorsal, têm conexões corticais e límbicas diferentes – relacionadas às emoções.
O giro cingulado anterior foi a única região do cérebro com resposta
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equivalente para os estímulos emocionais e da atenção. Esses resultados mostram que as funções atenção e emoção estão segregadas nas
vias em paralelo, dorsal e ventral, e que essa estende no córtex e se
integra no cingulado.
A região pré-frontal ventromedial encontra-se sintonizada para a detecção de estímulos adquiridos ou aprendidos, capazes de desencadear emoções sociais, portanto, emoções diferentes das captadas pela
amígdala (barulho, estrondo, etc.). Quando observamos uma situação
onde um indivíduo está sofrendo, geralmente somos inundados com
emoções dolorosas ligadas ao percebido. A compaixão provocada no
observador pela percepção de um acidente de trânsito, por exemplo,
dependerá da ativação do córtex pré-frontal ventromedial (CPFDM) do
cérebro.
É bem conhecido que alguns pacientes portadores do Transtorno Anti-Social (meninos e jovens problemáticos: desobedientes, mentirosos,
usuários de drogas, pouco ou nada sérios no estudo, trabalho, etc.) são
pouco ou nada estimulados diante do envolvimento com outras pessoas que não ele próprio. Possivelmente isso ocorre devido à existência
de lesões nessa região do cérebro (CPFDM), e, também, devido a problemas na produção, liberação ou recaptação dos neurotransmissores
ou peptídeos relacionados a esse centro.
Muitos dos estímulos que adquirem significados particulares em nossa
vida, por exemplo, a casa na qual moramos quando crianças, a bandeira ou o hino nacional do país, as músicas antigas, o retrato de família,
todos eles, provocam emoções através da região pré-frontal ventromedial cerebral. Um lembrete final: diversos fatores podem influenciar as
emoções disparadas nas regiões cerebrais, entre elas os objetos ou as
situações vividas; os símbolos; os agentes farmacológicos e elétricos; as
diferenças individuais e muitas outras.
Assim, Maria, ela mesma, sem precisar das tomografias sofisticadas poderá perceber que ela quase nada fez nas provas do vestibular apesar
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de ter estudado muito e de saber quase tudo. Acontece que ela, durante as provas, ficou “muito nervosa” e não conseguiu pensar nada direito. A área relacionada às emoções negativas CPFVM (ventromediais)
– ansiedade ou medo – foi ativada em detrimento da não-ativação, ou
mesmo desativação, da área relacionada ao conhecimento e raciocínio,
ou seja, dorsomedial do córtex pré-frontal. Por tudo isso Maria, coitada, não foi aprovada.
A memória de trabalho e os córtices pré-frontais
A região CPFDL está criticamente envolvida na cognição de alto nível,
mais notavelmente na memória de trabalho (MT), retenção de curta
duração e uso de informação para guiar o comportamento. O CPFDL
encontra-se esparsamente conectado com regiões do clássico sistema
límbico, mas interconectado com outras estruturas tais como o hipocampo e o cingulado anterior (regiões chamadas de para-límbicas).
O CPFDL está envolvido ativamente na manutenção a representação do
estímulo através de um período de espera (manter um plano na mente enquanto é forçado a pensar em outra coisa; “Acho que Pedro está
querendo me enganar com relação a essa proposta”) a fim de guiar a
tarefa importante da conduta.
O córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) se relaciona à memória por
curtos períodos, ou seja, com a memória do trabalho. O CPFDL (dorsolateral), uma vez lesado, produz uma piora da memória de trabalho;
entretanto pode não falhar nas tomadas de decisões. Um teste usado
para constatar esse problema é pedir para lembrar uma palavra ou
figura mostrada após a provocação de um período de “distração”, usando para isso leituras de textos incompreensíveis.
Foi verificado que o estresse agudo perturba a memória de trabalho
(MT) e, consequentemente, o período de “espera” (adiamento) do período de atividade nos neurônios do CPFDL. Por outro lado, um afeto
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positivo médio (ligeira euforia), não elevado, ao contrário do estresse,
aumenta a atuação e eficiência nas tarefas altamente dependentes do
CPF (córtices pré-frontais) que atuam como mediadores no processo da
memória de trabalho (MT). Mas o afeto negativo (depressão, tristeza)
perturba a produção ou o desempenho da memória de trabalho.
Está bem estabelecido que área do córtex pré-frontal lateral joga um
importante papel no controle executivo (planejamento, solução de
problemas e inibição do comportamento não desejado). Tem sido proposto que as funções executivas produzidas devido à função do CPRDL
(córtex pré-frontal dorsolateral) para adquirir e representar informações contextuais importantes para a tarefa que está para ser realizada
(sair para ir ao banco pagar a conta), fazem parte de um conjunto de
instruções das tarefas executadas e ou dos resultados ocorridos diante
de sequências prévias de estímulos e respostas (trocarei de roupa; irei
à garagem, tirarei o carro; irei deixá-lo no supermercado e lá comprarei
o anotado na lista; não esquecer de levar o talão de cheques, etc.).
Gânglios da base, lobos temporais e atenção
Como nascemos com o atributo da “curiosidade”, estamos sempre
examinando o ambiente físico, principalmente o novo, onde estamos
inseridos, ou seja, o nosso ninho. Desde criança nosso organismo prestará atenção aos fatos do meio ambiente, num esforço de distinguir os
estímulos perigosos, dos quais vamos tentar escapar, dos úteis, interessantes e agradáveis, quando tentaremos nos aproximar deles.
Além desses cuidados e atenção, será importante focalizar os estímulos nunca vistos, isto é, as novidades. Estas podem ser perigosas, pois
ainda não são conhecidas, como ocorre na primeira “transa”, o primeiro dia de aula, etc. Para realizar uma ação desconhecida é preciso
uma maior atenção e uso de mais circuitos para preparar melhor para
o “que der e vier”. Não sabemos diante do desconhecido se seremos
agredidos, ou perder uma bela oportunidade. Diante da novidade a
amígdala nos adverte, através de sua ativação mais intensa. Ela nos
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alertará quanto a possíveis perigos e, assim, provoca o medo e, consequentemente, maior cuidado em virtude de não estarmos certos do
possível resultado do encontro. Os estudos mostram a elevada frequência do fracasso sexual no primeiro encontro (impotência no homem
e frigidez na mulher). Nesses casos os organismos de ambos os gêneros
podem estar altamente atraídos um pelo outro, entretanto, ao mesmo
tempo, os dois parceiros estão também amedrontados diante do desconhecido, pois não têm como prever o resultado diante da falta de
experiência com aquele parceiro.
Diante da novidade, automaticamente, focalizamos nossa atenção num
e noutro aspecto do meio ambiente; avaliamos rapidamente o que está
sendo observado; descartamos depressa estímulos irrelevantes impedindo-os de penetrarem e dominarem nossa consciência. Em resumo,
ficamos atentos a todo estímulo possível de nos orientar para tomar a
decisão que mais nos interessa.
A detectação (percepção, descoberta) de novidade e a busca de recompensa são duas forças primárias que nos levam a selecionar onde
focalizaremos nossa atenção. O sistema de recompensa produz sensações de prazer ao realizar certas tarefas (preparar para, e ou comer
um bife com batatas; beber uma água geladinha após um exercício
extenuante), ou quando imaginamos realizá-las. Essas forças básicas
ocorrem quando atribuímos um valor emocional a um estímulo, pois
a representação mental do fato, antes de sua execução, nos provoca
um sentimento prazeroso, como no exemplo: “Daqui a pouco termino
meu trabalho nessa sexta-feira maldita; amanhã irei partir para minhas
férias”.
A sensação percebida é interna, entretanto atribuímos o percebido
pelos órgãos sensoriais a algum evento externo (a praia e o mar, a
água fresca, a comida saborosa, o cão bravio, a barata voando) como
possuidor de um valor positivo ou negativo. Nesse caso, imaginamos o
prazeroso ou aborrecido como sendo produzido pela praia, a água, o
sol e não devido ao nosso cérebro que produziu mudanças elétricas e
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químicas no seu interior.
O sistema de atenção a um objeto (vejo uma pessoa caminhando na
rua) inicia-se através de estímulos (luzes, movimentos, cores e formas
nos nossos olhos) nos órgãos sensoriais (nesse caso, no visual). A informação ativa um centro de excitação do tronco cerebral (região subcortical); essa, por sua vez, conduz a informação para outros setores,
entre esses, os do sistema límbico (produtora de valência no estímulo,
ou emoções). Mas a mensagem ou estimulação continua; ela ativa
regiões motoras para fixar a cabeça num determinado lugar; provoca
contrações dos músculos da face e do resto do corpo e, finalmente,
continuando sua caminhada, chega até o córtex cerebral, onde efetua,
finalmente, a conexão entre o córtex frontal e o temporal.
Os gânglios da base, no fundo (base) dos lobos temporais, também
ajudam a filtrar o ruído e as estimulações internas indesejáveis, como
a preocupação com as provas que terei no dia seguinte, pois a informação da prova agora não me interessa, pois estou examinando a pessoa
que caminha na rua.
Danos nos córtices parietais posteriores (CPP) podem causar um déficit
na concentração; nesse caso o paciente torna-se incapaz de prestar
atenção simultaneamente a múltiplos objetos, como o que ele está
ouvindo numa conversa e, ao mesmo tempo, nas expressões faciais
do interlocutor e suas possíveis intenções e, além disso, alguém que
caminha em direção onde os dois estão. Portanto, de acordo com o
exemplo, uma lesão nessa região limitaria a capacidade da pessoa para
transferir a atenção de um ponto (conversa) para outro (intenções da
pessoa, aproximação de outro), e muitas vezes de uma modalidade
sensorial para outra (escutar e enxergar).
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Adendo
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Uma síntese dos sistemas neurais
A mais ampla definição funcional classifica os sistemas neurais em
sistemas sensoriais, como é o caso da visão e audição, por exemplo,
que adquirem e processam informações do ambiente, e em sistemas
motores, que levam o organismo a responder a tal informação produzindo movimentos. Há, entretanto, um número enorme de células e de
circuitos que ficam entre esses relativamente bem-definidos sistemas
de aferências e eferências. Estes são conhecidos coletivamente como
sistemas associativos e são responsáveis pelas mais complexas e menos bem caracterizadas funções encefálicas.
Além dessas distinções funcionais gerais, os neurocientistas e neurologistas dividem convencionalmente a anatomia do sistema nervoso dos
vertebrados em componentes centrais e periféricos. O sistema nervoso
central compreende o encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco encefálico)
e a medula espinhal. O sistema nervoso periférico inclui neurônios sensoriais que conectam os receptores sensoriais da superfície corporal –
bem como estruturas receptoras especializadas, como o ouvido – com
circuitos de processamento no sistema nervoso central.
A porção motora do sistema nervoso periférico consiste de dois componentes de axônios motores, que conectam o encéfalo e a medula espinhal aos músculos esqueléticos formando a divisãomotora somática
do sistema nervoso periférico, e adivisão motora visceral ou vegetativa
(ou ainda, neurovegetativa), que consiste de células e axônios que inervam os músculos lisos, o músculo cardíaco e as glândulas, por exemplo.
No sistema nervoso periférico as células estão localizadas em gânglios,
que são simplesmente acúmulos locais de corpos de células nervosas
(e células de apoio). Os axônios periféricos estão agrupados em nervos,
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278
que são feixes de axônios, muito dos quais estão envolvidos pelas células gliais do sistema nervoso periférico, as células de Schwann.
No sistema nervoso central as células estão arranjadas de duas formas
diferentes. Os núcleossão acumulações compactas de neurônios que
apresentam conexões e funções mais ou menos semelhantes; essas
coleções concentradas de células nervosas são encontradas por todo o
encéfalo e medula espinhal. Ao contrário, o córtex (córtices, no plural)
apresenta uma distribuição em forma de lâminas ou camadas de células nervosas. Os córtices dos hemisférios cerebrais e do cerebelo são os
exemplos mais evidentes deste tipo de organização.
Os axônios do sistema nervoso central estão agrupados em tractos.
Dentro de um tracto, as células gliais do sistema nervoso central – astrócitos e oligodendrócitos – envolvem os axônios centrais. Finalmente,
dois termos histológicos aplicados no sistema nervoso central distinguem regiões ricas em corpos celulares neuronais de regiões ricas em
axônios: a substância cinzenta refere-se a qualquer acumulação de
corpos celulares e neurópilo no encéfalo ou na medula espinhal (por
exemplo, núcleos ou córtices) e a substância branca refere-se aos tractos axonais.
Funcionamento e tipos de neurônios
Os neurônios (células nervosas) nunca funcionam isoladamente; eles
se organizam em conjuntos ou circuitos, que processam classes especiais de informação. Embora o arranjo dos circuitos varie bastante de
acordo com a função a desempenhar, alguns aspectos são comuns de
todos os conjuntos. Uma dessas características são as conexões sinápticas que definem os circuitos. Essas ligações são feitas tipicamente na
forma de um denso emaranhado de dendritos, de terminais axonais e
de processos gliais que, em conjunto, constituem o neurópilo (o sufixo
pilo vem da palavra grega ‘pilos’ e significa feltro).
As células nervosas que transportam informação até o sistema nervoso
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central (ou mais centralmente, dentro da medula espinhal e do encéfalo) são chamadas de neurônios aferentes; as células nervosas que levam informação para fora, a partir do encéfalo ou da medula espinhal
para fora desde os circuitos, são chamadas e neurônios eferentes. As
células nervosas que somente atuam nas regiões próprias ou locais de
um circuito são chamadas de interneurônios ou neurônios de circuitos
locais. Estas três classes: neurônios aferentes, eferentes e interneurônios são os constituintes básicos de todos os circuitos neurais.
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Estruturas básicas: funções essenciais (regiões cerebrais importantes)
1) Medula Espinhal e Tronco Cerebral
Os sinais interoceptivos (internos do organismo) em grande parte são
produzidos nas vísceras, isto é, órgãos situados na cavidade do tronco/
abdome que desempenham funções vitais do organismo: coração, estômago, útero, pâncreas, intestinos e outros. Esses sinais internos do
organismo, transmitidos através de fibras periféricas do tipo C e Ad,
caminham em direção à medula espinhal e ao núcleo do trigêmeo, este
último localizado no tronco cerebral. As fibras C e Ad são não-mielinizadas e conduzem sinais muito lentamente. Há outros sinais que provêm
não das vísceras, mas sim do sistema músculo-esquelético e do vestibular, isto é, regiões responsáveis pelas sensações de contração, relaxamento, equilíbrio e desequilíbrio do corpo. Os feixes nervosos, ligados
ao movimento e à posição (postura) do corpo no espaço, são espessos
e conduzem os sinais em alta velocidade, ou seja, fazem uso de mecanismos de transmissão diferentes dos usados nas vísceras.
As fibras nervosas vindas de pontos diversos do organismo (vísceras e
músculos), com seus dois tipos de fibras, rápidas e lentas, penetram
nas colunas dorsais da medula, no seu sentido ascendente (sobem),
e se dirigem ao bulbo (região que faz parte do tronco cerebral), onde
fazem sinapses (ligam-se para a ativação continuar) com os núcleos
cuneiforme e grácil.
Destes núcleos, neurônios de segunda ordem sobem (ascendem) em
direção a uma outra região do cérebro, o tálamo, formando vias bilateVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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rais, que, na sua via através do cérebro posterior, une-se às fibras adicionais que provêm do núcleo sensorial principal do nervo trigêmeo.
Estas fibras exercem as mesmas funções sensoriais para a cabeça que
as fibras das colunas dorsais exercem para o corpo. A partir do complexo ventrobasal neurônios de terceira ordem se projetam principalmente em direção à circunvolução pós-central do córtex cerebral.
Existem estruturas básicas no cérebro que são cruciais para funções
essenciais em um e outro andar. Os gânglios basais e o cerebelo, no primeiro andar, fornecem o controle do movimento básico e armazenam
muitas de nossas ações primitivas, bem como muitos programas aprendidos que se tornaram automáticos (depósito do antigo e do novo
automatizado). Paralelamente, encontra-se o sistema límbico, (importante para o desencadeamento das emoções), daí a estreita relação
entre emoção e movimento, e, também, a sensação das consequências
emocionais nascidas de nossas ações. O mal de Parkinson (transtornos
dos movimentos), geralmente, além dos sintomas motores e da rigidez,
apresenta depressão.
O funcionamento do cerebelo associa-se ao equilíbrio, postura e
coordenação do nosso corpo, principalmente dos movimentos dos
membros. As informações sobre movimento e posição do corpo entram no cerebelo, onde são processadas. Instruções são enviadas para
modificar a postura e coordenar o movimento muscular. Assim, sem
conhecimento consciente, mudo minha posição na cadeira, endireito
meu tórax e digito alguns trechos; refaço minha postura para observar
o que escrevi. Sem parar fazemos isso, até dormindo; tudo através das
preciosas ajudas do cerebelo, caso esse funcione bem.
Ligado à região motora, encontra-se o centro de tomada de decisões
do cérebro, que é o córtex pré-frontal (nosso centro executivo). É este
centro que decide, fazendo comparações e escolhas (quero melhorar
meu corpo, preciso estudar para passar no vestibular). Mas, ao mesmo
tempo, essa central sofre diversas pressões dos andares de baixo (o
sorvete deve estar uma delícia; mas que preguiça, uma cama não fará
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mal a ninguém; acho que mereço isso.).
Entretanto, os andares de cima (córtices frontais), por sua vez, podem
e, muitas vezes, precisam emitir sinais inibidores (não coma mais; pare
de beber) ou excitadores aos andares de baixo (está na hora de ir dormir; coma mais verduras e frutas). Esse controle possível (interno e
externo), nem sempre realizado, afeta, entre outras coisas, a maior ou
menor intensidade das emoções geradas e a rapidez com que reagimos
e, por fim, nossa auto-estima alta pelo sucesso e uma baixa auto-estima pelo fracasso em atingir o desejado.
A ínsula é uma parte do córtex cerebral situada na base da fissura lateral. Estudos demonstraram o papel da ínsula anterior (agranular), particularmente nas respostas instaladas diante de estímulos aversivos, reação ao medo e na ansiedade antecipatória, como nos exemplos: “acho
que não conseguirei fazer nada no exame”; “esse meu encontro vai dar
todo errado”; “receio adoecer na viagem de férias”. A ínsula é também
ativada na identificação mostrada pelo asco ou ódio dos outros.
O tronco cerebral, parte do encéfalo, é uma extensão complexa da medula espinhal, uma zona de transição entre o cérebro (o conjunto tem
sido chamado, por alguns, como encéfalo) propriamente dito e a medula espinhal que dá origem aos dez pares de nervos cranianos.
O tronco cerebral se divide em bulbo raquidiano, protuberância anular
e pedúnculos cerebrais; cada um desses se subdivide e assim por diante. De outro modo, o tronco cerebral é uma região do sistema nervoso
central cheia de núcleos, alguns minúsculos, e circuitos que fazem uma
intrincada e complexa ligação de diversos pontos do sistema nervoso
de ida e volta, como num círculo, para que os resultados das ações
sejam rapidamente avaliados para que essas sejam interrompidas ou
continuadas de um modo ou outro.
Muitas funções (bem como o controle de outras que, em parte, não
desejamos que sejam efetuadas) só podem ser executadas se forem
enviados sinais para cima ou para baixo do cérebro. O tronco cerebral
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e a medula espinhal, situados na parte mais baixa do sistema nervoso,
têm sólidas redes neuronais responsáveis pelas ações internas fixas,
como a manutenção dos batimentos cardíacos e os reflexos, indispensáveis para as outras funções elevadas; resolver um problema simples
ou complexo.
A regulação da qual o tronco cerebral faz parte é complementada
pelo sistema límbico (regiões subcorticais e algumas regiões corticais
relacionadas ao comportamento emocional: amígdala, núcleo acumbente, hipotálamo, etc.) que além de participar no estabelecimento
dos impulsos e instintos, tem também importante função nas emoções
e sentimentos agradáveis e desagradáveis, possivelmente através de
captação (obtenção, recepção) de mudanças viscerais. Acredita-se que
o sistema límbico contém redes de circuitos inatos e estáveis, mas também alguns poucos que podem ser modificados pela experiência.
Algumas partes do tronco cerebral, especificamente, os núcleos dos
gânglios basais, bem como o cerebelo, têm a ver com o movimento
e fazem funcionar essa aparelhagem e, ao mesmo tempo, fornecem
informação sobre a situação do corpo para setores dos andares superiores.
Os gânglios basais servem de porta de entrada para controlar tanto as
influências sensoriais sobre a cognição quanto as ativações de origem
motora. Quando ocorre algum dano nessas estruturas, ou seja, passam
a não funcionar adequadamente, elas não impedem a passagem das
informações para a execução de certos movimentos e de pensamentos
inadequados; nesse caso promove-se a produção de movimentos irregulares, tiques e comportamento obsessivo-compulsivo, por exemplo.
Portanto, o transtorno nessa região do cérebro leva a pessoa a ter dificuldade de executar de forma bem coordenada uma sequência de
movimentos habituais, como caminhar, pegar a caneta, segurar e usar
o garfo para comer.
Os gânglios basais, junto aos circuitos dos córtices parietais posteriores
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(CPP), têm uma função na fixação ou no desligamento da atenção. Os
dois funcionam junto transferindo o foco da atenção existente num objeto para o novo estímulo. Maria andava na rua olhando roupas na vitrine da loja. Quando escuta o estrondo, ela abandona os objetos focalizados – sutiãs – e passa a focalizar o lugar de onde partiu o estrondo.
Nesse caso, ela voltou sua cabeça e olhos de um lugar a outro, aguçou
os ouvidos facilitando, sem querer, sua cabeça para ouvir melhor o que
estava acontecendo. Tudo isso, realizado sem esforço, automaticamente, assim ocorreu devido ao uso desses setores que estavam funcionando adequadamente.
2) Tálamo: estimulo, seleção e percepção
Para que um novo estímulo seja eficiente, isto é, provoque uma resposta do organismo, ele, antes de tudo, precisa ser captado ou assimilado,
para, uma vez percebido, conduzir o indivíduo a agir, muitas vezes,
num tempo muito curto após a percepção. Este primeiro processo,
automático e sem fazer uso da consciência, é uma apreensão e percepção de um novo estímulo que envolve a participação de uma região do
cérebro chamada de tálamo. É nessa área do cérebro que o estímulo (a
informação) produzido é registrado e essa marca nada mais é que uma
mudança químico-elétrica no estado anterior no centro.
O tálamo é uma estrutura cerebral situada na região central do encéfalo que participa da recepção e integração de informações nervosas
sensoriais (as transmitidas pelos diversos órgãos sensoriais: odor,
gosto, visão, audição, pressão, tacto, equilíbrio, internos: náusea, dor,
queimação, empanzinamento, etc.). As informações sensoriais, ao passar pelo tálamo, podem ser filtradas ou selecionadas e, assim, chegar
ou não ao seu destino final que é o córtex cerebral; local onde os estímulos utilizados ou selecionados serão identificados e avaliados.
Portanto, através do tálamo os estímulos que nos atingem dignos de
importância (para uma pessoa, num momento determinado) são utilizados (os outros não passam no filtro). Por exemplo, não me interessa
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perceber e focalizar a caneta se estou com sede. Nesse caso, interessa-me a água e, naturalmente e sem esforço, prestarei atenção na água,
talvez a um copo, torneira ou nascente; a caneta que está em cima da
mesa não será focalizada.
Assim, uma das primeiras avaliações de partes do tálamo é se o estímulo merece ou não ser captado, ou se ele deve ser ignorado. Em
seguida, caso ele seja interessante para o organismo, ele será avaliado
como atraente, e, nesse caso, haverá uma tendência à aproximação,
juntamente com o prazer; caso ocorra o oposto, ou seja, o estímulo for
repulsivo, ocorrerá não só uma emoção negativa, como o medo, e uma
tendência a escapar do sinalizado pela informação.
No homem, principalmente, essa região do cérebro, em seguida, envia informações imediatas para outras partes do organismo, como por
exemplo, para o sistema límbico (amígdala e cíngulo). Essa interação de
regiões irá provocar não só ações imediatas (retirar a mão do choque)
como a percepção da dor e medidas internas para reagir ao estímulo
nocivo (sistema da hipófise, da supra-renal, aumento da adrenalina
circulante, ACTH, Cortisona e outros), bem como mudanças corporais
devido ao aumento dessas substâncias liberadas indicadoras de sofrimento corporal.
O quadro geral, muito complexo, diante de um estímulo mesmo
simples, inclui emoções agradáveis e ou negativas ou desagradáveis
(medo, dor, raiva); categorização no córtex cerebral do objeto causador
(o fio exposto foi o causador do choque); lembranças de situações semelhantes já vivenciadas podem ser recuperadas (através de estimulação do hipocampo que é relacionado à memória); há ainda o aumento
dos batimentos cardíacos, da glicose circulante, da pressão arterial,
da contração dos músculos estriados e, também, diversas outras alterações. Na área nobre do cérebro, geralmente, mas nem sempre, são
produzidos pensamentos acerca do ocorrido: “Como fui burro, com a
mão molhada fui pegar no fio. Preciso ter mais cuidado”.
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Os sinais informativos, na sua longa e complicada caminhada, nascidos
nos diversos pontos sensoriais do organismo (uma pisada num prego;
um pedaço de pé-de-moleque que não desceu pela garganta; uma
vontade maluca para fazer xixi; o brilho do Sol) primeiramente entram
na medula e, subindo, se dirigem ao tronco cerebral. Em seguida caminham em direção a um núcleo especializado do tálamo.
Lembro o leitor que a informação neuronal que caminha do tronco
cerebral em direção ao tálamo, em paralelo (ao mesmo tempo), está
também enviando mensagens importantes para um núcleo denominado “tractus solitarius”, que também recebe sinais vindos, também
no mesmo instante, do nervo vago. Esses sinais são enviados para o
núcleo parabraquial e para o hipotálamo, transmitindo uma enorme
quantidade de mensagens provenientes de informações a respeito do
que está ocorrendo nas vísceras no momento da “pisada no prego”,
“da urgência para urinar”, etc. Essas informações são produzidas em
praticamente todos os pontos do nosso corpo e enviadas para serem
contabilizadas e utilizadas (ou não) devido a sua maior ou menor importância.
Essas mensagens, denominadas de internas, enviadas pelo nosso corpo, dizem respeito a parâmetros (padrões, variáveis ou constantes)
diversos, como o estado de contração dos músculos lisos das artérias,
o fluxo sanguíneo de uma determinada região do corpo, a temperatura
local, a presença de substâncias químicas que assinalam a lesão de tecidos do corpo, o nível do pH e CO2.
Um exemplo agora que aconteceu comigo. A queda de temperatura no
meio ambiente faz meu organismo sentir essa mudança. Assim, começo a notar que minhas mãos estão ficando frias e, também, com uma
cor mais clara. Aos poucos elas começam a tremer; uma reação que
nada mais é que um esforço automático do organismo como um todo
para aumentar a temperatura dessa região para normalizá-la. Sem pensar, esfrego uma mão à outra. Minha mão esquenta um pouco, há uma
ligeira melhora.
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Dia e noite o organismo trabalha assim. Seria péssimo se minha mão
esfriasse e meu organismo nada fizesse, por não notar devido a um defeito da fiação que leva a mensagem dos receptores sensoriais, ou por
ter defeituoso o próprio receptor aonde chega o estímulo sensorial.
Caso existisse o defeito, ocorreria um desequilíbrio na região corporal
lesada em comparação com o restante do corpo sadio. Desse modo,
a região defeituosa não mais teria capacidade para tomar medidas
eficientes para sanar o problema da mão fria, da vontade de urinar, da
sede ou fome, etc. Por tudo isso, as consequências poderiam ser graves. Quando iniciei minha carreira médica presenciei uma menina que
não sentia dores. Imagine, caro leitor, uma pessoa que não sente dor.
Poderia pisar no prego e nada faria para evitá-lo.
Através do tálamo o organismo executa um controle da quantidade e
da qualidade de estímulos capazes e necessários para serem processados ao mesmo tempo, pois assim se torna viável fazer nossa mente
trabalhar adequadamente e num nível econômico. Entre os mais idosos, nem todos, é comum a falha de impedir a entrada e o domínio de
informações irrelevantes. Assim, durante a conversa ou raciocínio acerca de um problema X, naturalmente, o foco é mudado para assuntos
não pertinentes, do tipo Y, que não têm importância para o discutido.
Por exemplo: ao contar ao médico a doença, motivo da consulta, o relato sai do caminho esperado; o indivíduo começa a contar acerca da
vizinha que teve algo semelhante, do que sua filha lhe falou acerca dos
sintomas e, nesse ponto, fala das brigas que tem com a filha, do casamento, do genro, etc.
Resumindo: inúmeros estímulos, sem muito trabalho de nosso cérebro,
são selecionados para não invadir a parte da região encarregada de
processar o útil, conforme os desejos do indivíduo num certo momento, ou mesmo diante de um futuro mais longe.
Quando alguns desses estímulos são, ou muitos complexos, ou desconhecidos, eles podem exceder a capacidade cerebral de filtragem
e, portanto, não mais serem processados – aceitos ou rejeitados – de
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maneira automática. Quando isso acontece, a situação exigirá um adiamento e adicional processamento sequencial sob o controle da atenção e outras regiões cerebrais, isto é, não são mais rápidas e automáticas, irão dar trabalho.
3) Hipotálamo
O hipotálamo, uma estrutura que tem o tamanho de duas ervilhas, funciona como um termostato do corpo; ele é um dos elementos centrais
do sistema límbico. O hipotálamo controla as funções vitais do organismo, incluindo a respiração, batimento cardíaco, digestão, equilíbrio da
água, temperatura corporal, secreção gástrica, sono; ele está também
relacionado ao controle do sistema endócrino, sistema nervoso autônomo e outras funções do corpo como os instintos.
Certas partes do hipotálamo parecem ser os “centros” para as ações
viscerais elementares, como, por exemplo, a fome e a saciedade. Os
animais com a destruição bilateral (deve ser bilateral) do núcleo ventromedial do hipotálamo passam a comer e a comer sem parar, e se
tornam grotescamente gordos. Tais animais geralmente também têm
distúrbios dos padrões do sono e uma disposição desagradável e hostil.
Por outro lado, os animais com lesões bilaterais da parte do hipotálamo imediatamente lateral ao núcleo ventromedial, ao contrário, perdem seu apetite e morrem de fome mesmo na presença de alimentos
saborosos.
O hipotálamo secreta os oligopeptídeos que controlam (ativam/desativam) a hipófise (pituitária). A hipófise, por sua vez, secreta porções
maiores de hormônios peptídeos tróficos de peso molecular mais
elevado, os quais controlam glândulas endócrinas alvos; essas, por
sua vez, tais como a tireóide (tireóide), o córtex adrenal, as gônadas e
outras, secretam um hormônio final não-peptídeo, o qual irá modificar
tecidos alvos e, também, o realimento (retorno, feedback) novamente
para o hipotálamo e para o sistema de controle da hipófise. (fechando
o loop – circuito, laço normalizando o necessário). De modo simples, o
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hipotálamo envia diversas informações e recebe outras informações de
modo a manter um estado padrão de diversas substâncias circulantes.
O hipotálamo é o executor mestre de diversas respostas químicas que
fazem parte integrante das emoções. Diretamente ou através da glândula pituitária (hipófise), o hipotálamo libera, na corrente sanguínea,
moléculas que alteram o meio interno, a função das vísceras e a função
do sistema nervoso central e do sistema nervoso autônomo. A oxitocina (ocitocina) e a vasopressina, ambos, peptídeos, são exemplos de
moléculas liberadas sob controle hipotalâmico com a ajuda da porção
posterior da glândula hipófise durante nossas diversas emoções.
Vários comportamentos emocionais, tais como o apego afetivo, dependem da disponibilidade desses hormônios dentro das estruturas
cerebrais que ordenam a execução da conduta de busca de contatos
amistosos com outros seres humanos. Da mesma forma, a disponibilidade local de moléculas como a dopamina e a serotonina, ambas
moduladoras da atividade nervosa, leva a ocorrência de certas condutas, como, por exemplo, as condutas cuja experiência é sentida como
recompensadora e agradável parecem depender da liberação da dopamina (também liberada quando nos sentimos bem por escaparmos de
uma situação ruim: pagar uma conta, correr antes de o carro nos atropelar, livrar-se de um relacionamento indesejado) a partir de uma área
particular (a área ventrotegmentar do tronco cerebral ou mesolímbica)
e do seu transporte para uma outra área (o núcleo acumbente do prosencéfalo basal).
O hipotálamo também responde aos estresses; quando esses ocorrem
o hipotálamo manda mensagens para a glândula pituitária (ou hipófise), que, entre outras funções, secreta ACTH, que ativa a glândula
adrenal que secreta a adrenalina, a qual tem diversas funções para enfrentar o estresse.
Resumidamente: núcleos do prosencéfalo e do hipotálamo, e mais alguns núcleos do tegmento do tronco cerebral, bem como núcleos do
tronco cerebral que controlam os movimentos do rosto e da voz (línVisite nosso site! www.galenoalvarenga.com.br
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gua, faringe e laringe) são os executores supremos dos variados comportamentos, simples ou complicados, que definem as emoções, do
choro ao riso, do fugir do medo ao fazer a corte, etc.
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Algumas subdivisões do
Sistema Nervoso Central (snc):
A melhor, você escolhe
1 – Uma primeira divisão:
O sistema nervoso central, um termo muito geral, é definido como
constituído pela reunião de todas as <strong class=”tag”>estruturas
neurais</strong> existentes no interior do crânio e da coluna espinhal.
Portanto, podemos dividir o SNC segundo critérios exclusivamente anatômicos e extremamente simples; nesse caso, chamaremos de encéfalo
a parte do SNC contida no interior da caixa craniana e de medula espinhal a parte que continua a partir do encéfalo no interior do canal da
coluna vertebral. Fácil esta.
2 – Uma segunda divisão:
De um outro modo podemos dividir o sistema nervoso central (SNC),
definido anteriormente como encéfalo e medula espinhal, em sete regiões fundamentais: medula espinhal, bulbo, ponte, cerebelo, mesencéfalo, diencéfalo e hemisférios cerebrais.
Acontece que o bulbo, a ponte e o mesencéfalo são chamados, coletivamente, de tronco encefálico ou cérebro posterior. Por outro lado, o
diencéfalo e os hemisférios, reunidos, são chamados de prosencéfalo
ou cérebro anterior. Portanto, simplificando a divisão acima teríamos:
medula espinhal, tronco encefálico (cérebro posterior) e cérebro anterior (diencéfalo e hemisférios).
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3 – Uma visão anatômica externa do encéfalo:
alguns pontos gerais
Subdividindo a divisão ainda de modo simples, podemos reconhecer
três partes principais no encéfalo, visíveis na maioria das observações:
1. dois hemisférios cerebrais justapostos e separados por um sulco profundo;
2. o cerebelo – um pequeno “cérebro” – também constituído por dois
hemisférios, mas sem um sulco claro de separação;
3. a porção caudal ou bulbar do tronco encefálico (cerebral);uma estrutura em forma de haste que se estende, a partir da medula espinhal,
escondendo-se por baixo do cerebelo e por dentro da parte superior
do cérebro.
Os hemisférios cerebrais, cerca de 85% do peso total do encéfalo, apresentam suas superfícies altamente pregueadas. As elevações dessas
pregas são conhecidas como giros ou circunvoluções, e as depressões
entre elas são chamadas de sulcos ou, quando mais profundas, fissuras. As superfícies pregueadas dos hemisférios cerebrais compreendem
uma folha de camadas contínuas ou lamelares de neurônios ou células
de apoio com cerca de dois milímetros de espessura, chamada córtex
cerebral, região onde estão representadas as funções neurais e psíquicas mais complexas.
A superfície lateral do encéfalo
Quatro lobos: frontais, parietais, temporais e occipitais, separados por
sulcos: central separa o frontal do parietal (aspectos anatômicos e motores).
A superfície dorsal e ventral do encéfalo
Corpo caloso unindo um hemisfério ao outro; tractos olfativos; bulbos
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olfativos; nervos olfativos; giro para-hipocampal; a superfície ventromedial do lobo temporal esconde o hipocampo que é uma estrutura
cortical altamente pregueada importante nos processos de memória;
úncus que inclui o córtex piriforme; quiasma óptico; corpos mamilares;
pedúnculos cerebrais…
Superfície mediana do encéfalo
O lobo frontal de cada hemisfério estende-se para frente, sulco parieto-occipital; sulco calcarino; sulco cingulado; giro do cíngulo (proeminente), conjuntamente com o córtex a ele adjacente, é, algumas vezes
chamado de “lobo límbico”- termo “lobo” empregado imprecisamente,
pois essa região não é considerada o quinto lobo do cérebro. O “lobo
límbico” que se envolve ao redor do corpo caloso, e as áreas subcorticais conectadas a ele são referidos como sistema límbico. Essas estruturas límbicas são importantes na regulação da atividade motora visceral e da expressão emocional, entre outras funções. Finalmente, ventral
ao giro do cíngulo, temos a superfície mediana do corpo caloso.
Na superfície mediana, o diencéfalo pode ser visto como tendo duas
partes: o tálamo dorsal, o maior componente do diencéfalo, que apresenta várias subdivisões, todas levando informações ao córtex cerebral
de outras partes do encéfalo; o hipotálamo, uma parte pequena, mas
importante do diencéfalo pois está relacionado às funções reprodutivas
e do controle das homeostasias. O hipotálamo está intimamente relacionado, estrutural e funcionalmente, com a hipófise, um órgão endócrino crucial cuja parte posterior está presa ao hipotálamo por meio da
haste hipofisária (ou infundíbulo)
O mesencéfalo olhado nessa visão localiza-se com os colículos superior
e inferior, vários núcleos incluindo a substância nigra, localizados na
porção ventral ou tegmento (significando ‘revestimento’) do mesencéfalo; a ponte, cerebelo, córtex cerebelar, folia (pregas) e bulbo.
4 – Quarta divisão:
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Uma dessas divisões seria o cérebro separado em duas partes: o hemisfério direito e o esquerdo. Mas, como se nota, essa classificação
pouco nos esclarecerá, a não ser dizendo que o hemisfério direito é o
dominante (isso quanto à linguagem falada) e que o hemisfério esquerdo prefere narrar os acontecimentos e, nesses casos, frequentemente
constrói mitos acerca do que acontece. O hemisfério direito está preso
mais à realidade vivida e, por isso mesmo, é mais pessimista que o
esquerdo, que é pródigo em fantasias e fantasmas. Mas isso é muito
pouco.
5 – Quinta divisão:
Um outro modo, mais anatômico e minucioso, divide o cérebro nas
diversas regiões: medula espinhal, tronco encefálico, cerebelo, hipotálamo, tálamo, subtalámo, epitálamo, núcleos da base, centro branco
medular do cérebro, córtex cerebral, sistema límbico, vias ascendentes,
sistema extrapiramidal, sistema nervoso visceral.
Nesse caso eu digo, antes de vocês: “Cruz credo! Deus nos livre disso!
Não é isso que me interessa”! Não há nenhuma necessidade de aprender e, muito menos, decorar esses nomes, pois esse não é o objetivo
do livro.
6 – Examinei uma antiga classificação:
Essa divide o SNC (sistema nervoso central) em três níveis principais
conforme a função do sistema nervoso:
1. Nível medular (sensibilidade e atividade motora)
2. Nível encefálico inferior; aí se encontra muito do que chamamos
de atividade subconsciente (ou inconsciente) do organismo, isto é,
setores que são controlados por regiões situadas na parte inferior
do cérebro, entre elas: bulbo, ponte, mesencéfalo, hipotálamo e
gânglios (núcleos) basais. Cabe a essa região controlar (ou modular),
por exemplo, a pressão arterial e a respiração ativada primariamente
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pela “substância reticular” (neurônios situados em parte do bulbo
e da ponte). O controle do equilíbrio é uma função combinada das
porções mais antigas do cerebelo com a substância reticular do bulbo, ponte e mesencéfalo. Os movimentos coordenados para girar a
cabeça, o corpo e os olhos são controlados por centros específicos
localizados no mesencéfalo, paleocerebelo e gânglios da base inferiores. Os reflexos da alimentação, tais como a salivação em resposta ao
gosto do alimento e o lamber dos lábios, são controlados por áreas
do bulbo, ponte, mesencéfalo, amígdala e hipotálamo. Além disso,
nossas expressões emocionais como a raiva, as atividades sexuais,
as reações à dor ou as reações de prazer utilizam-se dessa parte do
cérebro, isto é, as regiões situadas abaixo do córtex cerebral, ou seja,
da região subcortical (nível encefálico inferior). Não se preocupe, digo
mais uma vez, com os nomes das regiões; eu as escrevi para indicar a
complexidade cerebral diante das diversas ações nossas como sentir
uma dor, provar um alimento, assustar-se com um barulho, etc. Tentei, em diversos momentos, explicar de modo compreensível alguns
desses mecanismos sem precisar que você saiba os nomes das regiões envolvidas.
3. Nível encefálico superior ou cortical. Esse nível é, em princípio, uma
vasta área de integração (associações de neurônios) e armazenamento de informações, comparações, raciocínios etc.; aí também se estocam muitos dos padrões de respostas motoras, de cujas informações
podemos dispor em qualquer ocasião para controlar as funções do
corpo.
7 – Uma sétima divisão:
Para distrair sua mente já um pouco aborrecida, descrevo abaixo uma
outra divisão:
1. Suprimento sanguíneo
2. Medula espinhal
3. Tronco cerebral, cerebelo, sentidos especiais
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4. Cérebro anterior
5. Sistema motor e gânglios basais (núcleos da base)
6. Sistema límbico
7. Tálamo
8. Funções corticais mais elevadas
9. Desenvolvimento do CNS
8 – Uma outra subdivisão:
esta divide o SNC numa parte sensorial e em uma outra motora (somos
estimulados e agimos)
9 – Mais outra divisão:
Lobo frontal, temporal, parietal e occipital e mais: hipotálamo, glândula
pineal, tálamo, cerebelo, tronco cerebral (formado por cérebro médio,
ponte e bulbo (ou medula oblonga)).
10 – Ainda mais uma classificação:
Anatomicamente o cérebro tem três partes principais: o cérebro posterior (incluindo o cerebelo e o tronco cerebral), o cérebro médio e o
cérebro anterior (incluindo o diencéfalo e o córtex e as duas massas
principais dos dois hemisférios que controlam a atividade consciente).
11 – Divisão: Sistema Nervoso: Central e Periférico
Além dessas distinções funcionais gerais, os neurocientistas e neurologistas dividem convencionalmente a anatomia do sistema nervoso dos
vertebrados em componentes centrais e periféricos.
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O sistema nervoso central compreende o encéfalo (cérebro, cerebelo e
tronco encefálico) e a medula espinhal: segundo uma classificação.
O sistema nervoso periférico (SNP) inclui neurônios sensoriais que
conectam os receptores sensoriais da superfície corporal (bem como
estruturas receptoras especializadas, como o ouvido) com os circuitos
de processamento dessas informações localizados no sistema nervoso
central. Há uma porção motora do sistema nervoso periférico consistindo de dois componentes de axônios motores, que conectam o encéfalo e a medula espinhal aos músculos esqueléticos formando a divisão
motora somática do SNP (e a divisão motora visceral ou vegetativa;
ou neurovegetativa), que consiste de células e axônios que inervam os
músculos lisos, o músculo cardíaco e as glândulas.
Sintetizando: o organismo apresenta, por um lado, setores para receberem informações (receptores visuais, gustativos, olfativos, auditivos
etc. do meio externo e, também, do meio interno do organismo: dores,
movimentos viscerais, dos músculos estriados, etc.). Por outro lado,
ligações são formadas enviando essas informações para diversos lugares do SNC onde elas serão processadas e compreendidas. Tudo isso foi
explicado em outro local.
Para tranquilizar o leitor
Finalizando: novamente meu alerta: citei diversos nomes de regiões
do sistema nervoso que você não precisa guardar ou decorar. Repito
o já dito anteriormente: não se assuste com alguns nomes citados de
regiões cerebrais. Em resumo, o que desejo transmitir é que o nosso
corpo, sem parar, dia e noite, detecta modificações nele próprio, vindas
de todos os lados; num ou noutro momento eu cito um núcleo, uma
via, uma área que participa da complexa vida animal. O importante é
que você forme uma idéia geral e superficial dos inúmeros fatores que
contribuem para que você sinta e pense razoavelmente, sabendo que
existem regiões e circuitos neurais responsáveis por isso.
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Do lado de fora do nosso organismo ficamos atentos aos perigos e às
situações que podem nos ser agradáveis; do lado de dentro do organismo detectamos mudanças que nos causarão o mal-estar ou o bem-estar; ambas as mudanças corporais nos levam a agir para resolver um
e outro problema (“Estou com sede, e cansado ao escrever. Vou parar
aqui, tomar um pouco de água e esticar as pernas”).
Tenho mostrado o tortuoso caminho seguido por um estímulo, entre
eles, uma fincada no estômago ou no coração, um desequilíbrio ao
caminhar e outros sinais produzidos no seu trajeto em direção a “central” do cérebro para que o indivíduo tome consciência do acontecido
e busque agir para tomar uma decisão (dar solução ao problema); o
que estamos sem parar fazendo. Tento mostrar que existe por trás de
tudo isso um sistema nervoso altamente complexo, além de substâncias químicas e sinais elétricos. Para que decidamos fazer um gesto
simples, como pegar uma caneta e anotar um número de telefone que
poderá ser usado algum dia, todo esse mecanismo, além das emoções
sentidas, é ativado, sem isso não existiria ser vivo agindo para resolver
problemas. De maneira simples: somos estimulados e reagimos a essas
estimulações com os mecanismos cerebrais que herdamos (da nossa
espécie) e usando as modificações aprendidas durante nossa vida particular (caracterizando nossa individualidade).
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