dissertao warner velasque ribeiro - Necar

Transcrição

dissertao warner velasque ribeiro - Necar
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA-UFRR
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS - UEA
PROGRAMA DE MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM DIREITO
AMBIENTAL
WARNER VELASQUE RIBEIRO
A IMPORTÂNCIA DO CORREDOR EGOLÓGICO DO IGARAPÉ
MIRANDINHA PARA A SADIA QUALIDADE DE VIDA NO
MUNICÍPIO DE BOA VISTA
BOA VISTA-RR
2012
WARNER VELASQUE RIBEIRO
A IMPORTÂNCIA DO CORREDOR EGOLÓGICO DO IGARAPÉ
MIRANDINHA PARA A SADIA QUALIDADE DE VIDA NO
MUNICÍPIO DE BOA VISTA.
Dissertação apresentada como um dos requisitos
para obtenção do grau mestre no Programa de
Mestrado
Interinstitucional
em
Direito
Ambiental – MINTER firmado entre UFRR e
UEA.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Ozório José de Menezes Fonseca
BOA VISTA-RR
2012
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima
R484i
Velasque, Warner
A importância do corredor ecológico do igarapé
Mirandinha para a sadia qualidade de vida no município de
Boa Vista / Wagner Velasque Ribeiro. – Boa Vista, 2012.
127p. : il
Orientador: Prof. Dr. Ozório José de Menezes Fonseca.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do
Amazonas, Programa de Pós-Graduação em Direito
Ambiental.
1 – Corredores ecológicos. 2 – Espaços territoriais
protegidos. 3 – Cursos d’água urbanos. I - Título. II –
Fonseca, Ozório José de Menezes (orientador).
CDU 504.03(811.4)
AGRADECIMENTOS
À Deus, pelo corpo e mente sã, requisitos essenciais a uma existência digna.
Ao meu professor orientador Prof. Dr. Ozório José de Menezes Fonseca pela
paciência e pelos sábios conhecimentos transmitidos, cuja dedicação transcende ao dever
profissional.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Traçado do Igarapé Mirandinha da nascente no Lago dos Americanos à
Foz no Rio Branco, Boa Vista/RR
Figura 2 – Lago dos Americanos, Boa Vista/RR;
Figura 3 – Igarapé Mirandinha dentro do Parque Anauá Boa Vista/RR;
Figura 4 - Igarapé Mirandinha no Bairro dos Estados
Figura 5 - Igarapé Mirandinha no Bairro Caçari, Boa Vista/RR;
Figura 6 – Passagem do Mirandinha sob a Av Ville Roy Boa Vista/RR
Figura 7 – Igarapé Mirandinha entre a Av. Ville Roy e a Av. Getúlio Vargas, Boa
Vista/RR
Figura 8 – Vista do Parque Anauá, centro da cidade de Boa Vista-RR
LISTA DE ABREVIATURAS
CDB – Convenção sobre a Diversidade Biológica
CONSEMMA – Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PNAP – Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas
PP-G7 – Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
UCs – Unidades de Conservação
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
2 ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS ............................................................. 12
2.1 A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL ................................................................ 12
2.2 CONCEITO ............................................................................................................... 17
2.2.1 Áreas de Proteção Ambiental – APA’s ........................................................... 18
2.2.2 Áreas de Preservação Permanente – APP’s ................................................... 19
2.2.3 Reserva Legal.................................................................................................... 21
2.2.4 Unidades de Conservação ................................................................................ 24
2.3 NATUREZA JURÍDICA .......................................................................................... 27
2.3.1 Natureza Jurídica dos Espaços Territoriais de Proteção Integral............... 30
2.3.2 Natureza Jurídica dos Espaços Territoriais de Uso Sustentável.................. 32
3 CORREDORES ECOLÓGICOS.................................................................................. 37
3.1 BREVE HISTÓRICO................................................................................................ 37
3.2 COMPREENDENDO A INTERDISCIPLINARIDADE ......................................... 41
3.3 ASPECTOS BIOLÓGICOS QUE CERCAM O TEMA........................................... 42
3.3.1 Fragmentos de Habitats ................................................................................... 42
3.3.2 Conectividade.................................................................................................... 43
3.3.3 Fragmentos Florestais e Efeitos de Borda...................................................... 45
3.3.4 Proteção às Matas Ciliares............................................................................... 48
3.4 ASPECTOS JURÍDICOS QUE CERCAM O TEMA .............................................. 51
3.4.1 Conceito ............................................................................................................. 51
3.4.2 Funções dos Corredores Ecológicos................................................................ 52
3.4.3 Definição Jurídica............................................................................................. 54
3.4.4 Natureza Jurídica ............................................................................................. 59
4 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS ............................................... 61
4.1 PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO ........................................................................... 63
4.2 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO................................................................................ 64
4.3 DIREITO A SADIA QUALIDADE DE VIDA ........................................................ 66
4.4 DIREITO A UMA EXISTÊNCIA DIGNA .............................................................. 68
4.5 DIREITO À PARTICIPAÇÃO ................................................................................. 69
5. INSTRUMENTOS DE EFETIVAÇÃO DOS CORREDORES ECOLÓGICOS.... 73
5.1 RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE ........................................ 74
5.2 DIREITO URBANÍSTICO ....................................................................................... 79
5.3 PLANO DIRETOR MUNICIPAL ............................................................................ 82
5.4 CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DAS CIDADES................................... 87
6. A IMPORTÂNCIA DA CRIAÇÃO DO CORREDOR ECOLÓGICO DO IGARPÉ
MIRANDINHA NO MUNICÍPIO DE BOA VISTA...................................................... 90
6.1 BREVE HISTÓRICO................................................................................................ 92
6.2 O IGARAPÉ MIRANDINHA................................................................................... 93
6.3 ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS NA DEGRADAÇÃO DO MIRANDINHA
......................................................................................................................................... 94
6.4 O DIREITO AMBIENTAL E A CANALIZAÇÃO DOS CURSOS D’ÁGUA
URBANOS .................................................................................................................... 101
6.4.1 Projeto Canalização do Mirandinha............................................................. 101
6.4.2 Participação Popular no Projeto Mirandinha ............................................. 103
6.5 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO REQUISITO DE EFETIVAÇÃO. .......... 107
7. A IMPLANTAÇÃO DO CORREDOR ECOLÓGICO DO MIRANDINHA........ 111
7.1 ETAPAS E DESAFIOS DO PROJETO CORREDOR ECOLÓGICO DO
MIRANDINHA ............................................................................................................. 112
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 117
9. REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 121
RESUMO
Analisa-se a implantação do Corredor Ecológico do Igarapé Mirandinha no município de
Boa Vista, capital do Estado de Roraima, enquanto espaço territorial protegido em
perímetro urbano, como instrumento de efetivação do direito ao meio ambiente
equilibrado, bem de uso do povo essencial à sadia qualidade de vida, das gerações
presentes e futuras de Boa Vista, como assegura a Constituição Federal. A temática da
pesquisa se concentra em explorar o assunto Corredores Ecológicos, à luz da legislação
federal, estadual e municipal, compreendendo a importância da preservação dos cursos
d’água urbanos e suas implicações com o direito à sadia qualidade de vida. Nesse sentido,
abordarm-se, os aspectos jurídicos referente à tutela ambiental, o cumprimento da função
social da propriedade urbana e das cidades, na ótica do direito urbanístico e os princípios
constitucionais vertentes. Reflete-se, também, sobre os aspectos biológicos, que cercam o
tema, sob a ótica da interdisciplinaridade, de modo a compreender a importância da criação
de espaços territoriais contínuos de preservação, que interliguem ecossistemas de ambiente
natural, por meio de corredores de biodiversidade e sua correlação com a proteção aos
fragmentos de habitats, de florestas, efeitos de borda, conectividade, proteção das matas
ciliares e a revitalização de cursos d’água urbanos.
Palavras Chaves: Corredores Ecológicos; Espaços Territoriais Protegidos; Cursos d’água
urbanos.
ABSTRACT
Analyzes the implementation of the Mirandinha’s ecological corridor in Boa Vista, capital
city of Roraima, as a protected territorial space in the urban area, as a tool for execution of
the right to have a balanced environment, public property essential to a healthy quality of
life to the present and futures generations of Boa Vista, how the federal constitution
ensures. The subject of the researches is focused on exploring the topic “Ecological
Corridors”, under the federal, state and municipal laws, understanding the significance of
the preservation of urban waterways, and it’s implication related to the right to a healthy
quality of life. In this sense, approach the legal aspects related to the environmental
custody, the execution of the social function of urban property and of the cities, in the point
of view of urban law and constitutional principles section. It reflects about the biological
aspects too, that surrounds the theme from the perspective of the interdisciplinary, in order
to
understand
the
importance
of
creating
spaces
of
continuous
territorial
preservation which interconnect ecosystems of the natural environment through the
biodiversity corridors and its correlation with the protection of habitats fragments, forests,
edge effects, connectivity, protection of riparian and revitalization of urban waterways.
Keywords: Ecological Corridors, Protected Territorial Areas, Urban Waterways.
9
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225 prescreve a proteção ao meio
ambiente, como direito difuso e bem de uso comum do povo, impondo ao Poder Público e
a toda coletividade o dever de defender e preservar, para gerações presentes e futuras o
meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Em vista
da efetividade, em acordo com um modelo de Estado Social de cunho intervencionista, a
constituição atribui diversas obrigações positivas ao poder público, dentre estas, destacase, o dever de definir, em todos os entes da Federação, espaços territoriais protegidos,
públicos ou privados, como se verifica no próprio texto constitucional:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e
a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização
que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção;
A Lei 9.985/2000 regulamentou o artigo 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da
Constituição Federal e instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza – SNUC, constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais,
estaduais e municipais1, estabelecendo critérios e normas para criação, gestão e
implantação de espaços territoriais especialmente protegidos em todo o território nacional.
Nesse contexto, os Corredores Ecológicos se traduzem em espaços físicos florestais
ininterruptos interligando Unidades de Conservação – UC’s, concebida a ocupação
humana, e a utilização da terra nos seus mais diversos modos, objetivando o bem estar da
população no que se refere à qualidade de vida, a proteção a diversidade biológica, o
resgate ecológico da região territorial, a melhoria do clima, a retenção das águas da chuva
e a proteção aos recursos hídricos, (Aires et al 2005). Com o mesmo propósito a Lei nº
1
Artigo 3º da Lei nº 9.985/2000. BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, §
1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza e da outras providências. In: Diário Oficial da União, Brasília, 18 de Julho, 1981.
10
10.257/2001, (Estatuto da Cidade), que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e contém normas de ordem pública e
interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da
segurança, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental, por meio do cumprimento
da função sócio-ambiental das cidades.
A geografia do município de Boa Vista tem sua localização praticamente dentro de
uma ilha, uma vez que é banhado por todos os lados por rios e igarapés. Ao Sul, é banhado
pelo Rio Branco, ao Norte e a Leste pelo Rio Cauamé e a Oeste pelo Igarapé Azulzinho,
Água Boa dentre outros.
Nesse contexto, a cidade se formou à margem direita do Rio Branco, que banha a
parte central projetada em formato de um ‘leque’, com núcleo de convergência para a
margem do rio. A região nuclear abriga a maioria dos órgãos públicos, bancos,
empreendedores comerciais e bairros residenciais destinados as castas mais aquinhoadas da
sociedade. As astes do leque se espraiam em sentido divergente a margem direita do Rio
Branco, em direção ao Rio Cauamé, que banha a região periférica da cidade e neste espaço
entre os dois rios se localizam bairros populosos ocupados por residências das classes, C e
D, comércios populares, feiras e pela população de baixa renda, que ocupa
preferencialmente as regiões próximas de igarapés, em razão do baixo valor comercial em
face das freqüentes inundações e alagamentos.
Nessa configuração, os igarapés que percorrem o perímetro urbano e que interligam
a bacia do Rio Branco, com a bacia e lagoas que compõe o Rio Cauamé, se constituem em
verdadeiros braços verdes, que permitem o fluxo de genes da flora e da fauna terrestre e
aquática, cruzando as matas ciliares, em meio aos buritizais, paisagem característica da
região, cuja preservação deve ser feita para as gerações presentes e futuras, por meio da
implantação de políticas públicas preservacionistas e de educação ambiental. Entre as
ações do poder público, se inclui a criação de espaços territoriais protegidos – corredores
ecológicos - que interliguem essas bacias hidrográficas preservando os cursos d’água,
matas ciliares e vegetação de borda, como alternativa para efetivar o cumprimento da
função sócio-ambiental da cidade e assegurar o bem-estar da população residente, na
dimensão determinada na Constituição Federal.
Nesse sentido, o presente estudo trata da importância da implantação do Corredor
Ecológico do Igarapé Mirandinha, para a sadia qualidade de vida da população urbana
11
residente no município de Boa Vista capital do Estado de Roraima e os resultados da
pesquisa demandaram a exploração do tema em seis capítulos.
No item 2 aborda-se a questão da legitimidade na criação de espaços territoriais
protegidos, públicos ou privados e suas implicações no âmbito da legislação federal,
estadual e municipal. Nos itens 3 e 4 procura-se dimensionar a importância dos corredores
ecológicos, enquanto espaços territoriais protegidos, em ambientes urbanos, e sua
importância na consecução do direito a sadia qualidade de vida das populações citadinas.
No ítem 4 enfatiza-se os princípios constitucionais que norteiam o tema em estudo,
com enfoque na tutela ambiental e na efetivação das garantias fundamentais ao meio
ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial a sadia qualidade de vida, a
existência digna, de gerações presentes e futuras.
A continuação (no item 5), se faz uma breve análise sobre os instrumentos jurídicos
de efetivação dos espaços territoriais protegidos, permeando pelas questões de direito
urbanístico, cumprimento da função social da propriedade urbana e das cidades, copilandose, a legislação federal, estadual e municipal, com ênfase nos planos regionais e locais de
ordenação do território, desenvolvimento econômico e social, plano diretor, disciplina do
parcelamento, uso e ocupação do solo, sob o prisma da sustentabilidade ambiental.
Por fim, (itens 6 e 7) questiona-se a política pública local de macro drenagem
urbana, com a canalização dos leitos dos igarapés que cruzam o perímetro urbano do
município de Boa Vista, que implica na retirada total da mata ciliar, da vegetação de borda,
na alteração do leito no curso d’água, sob a justificativa política de combater as pragas, as
enchentes, propiciar o denominado saneamento ambiental, com a melhoria da paisagem
urbana e da efetivação do bem estar da população residente.
A partir de um estudo de caso do projeto Canalização do Igarapé Mirandinha, que
tem sua nascente no Lago dos Americanos, interior do Parque Anauá, de iniciativa
exclusiva do poder público municipal, que consumiu mais de R$ 5.000.000,00 (cinco
milhões de reais), por meio de transferência voluntária da União, através do Ministério das
Cidades com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento2 – PAC, (Convênio nº
54349/2010), objetivo do projeto foi a construção do canal de 3.400 metros, canalizando
totalmente o igarapé com a supressão total da mata ciliar. Essa determinação suscitou
descontentamento na comunidade adjacente ao curso d’água e a reação do Ministério
2
www.portaldatransparencia.gov.br/convènios/consultam.asp. Consulado em 25 de março de 2012, ás 22
horas.
12
Público Estadual que promoveu Inquérito Civil Público nº 009/2005/3ª PJC, liminarmente
embargando a obra, sob o fundamento da ausência do devido licenciamento ambiental,
mas, posteriormente requerendo o arquivamento do processo, por entender como atendidas
as exigências ambientais.
Em meio à execução da obra novamente interviu o MPE e a Fundação do Meio
Ambiente, Recursos Hídricos de Roraima, (FEMARH), por meio dos Autos de Infração nº
3751 e 3752, em razão da Companhia de Água e Esgoto de Roraima, (CAER), estar
lançando esgoto in natura no leito do Igarapé, que corre em direção ao Rio Branco que é a
fonte de abastecimento de água, caracterizando crime ambiental.
O método adotado foi o método indutivo-dedutivo, pesquisa teórica bibliográfica de
natureza qualitativa e exploratória. O método dedutivo teve como objetivo explicar o
conteúdo das premissas, a importância da criação do Corredor Ecológico do Mirandinha e
sua importância para o direito a sadia qualidade de vida da população boa-vistense. O
método indutivo direcionou-se para ampliar o alcance dos conhecimentos acerca do tema
explorado. Na ultima parte do trabalho se valeu do método hipotético-dedutivo, como
forma de mensurar a inferência dedutiva da ocorrência dos fenômenos abrangidos pela
hipótese trabalhada corredores ecológicos e sua importância na consecução do direito à
sadia qualidade de vida e sua correlação com a análise dos dados produzidos com a
pesquisa.
Ao final, espera-se, que o presente estudo possa contribuir para o fomento das
discussões jurídicos ambientais, com foco para a temática corredores ecológicos e o direito
paisagístico urbano, enquanto instrumento de efetivação da sadia qualidade de vida.
2 ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS
2.1 A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal de 1988 no seu artigo 225 assegurou com status de garantia
fundamental a todos, brasileiros e estrangeiros residentes no país, o direito social de
terceira geração a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo essencial à sadia qualidade de vida, impondo, assim, deveres ao Poder Público e à
coletividade com fins de emprestar a efetivação de tal direito, de forma a preservar e
defender o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.
13
Para o art. 225 § 1º, de forma exemplificativa, define ônus ao Poder Público na
efetivação desse direito, nos seguintes termos:
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do
País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de
material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e
a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização
que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção;
Nessa linha Benjamin (2007) conclui que a Constituição Federal de 1988,
‘inaugurou uma verdadeira ordem pública ambiental constitucionalizada, determinando a
inversão do princípio civilístico/administrativo tradicional regente do Estado Liberal, e
fixando como parâmetro a ser adotado pela sociedade e pelo Estado, o dever genérico de
defesa e preservação do meio ambiente, a observância dos princípios que estatuem a
primariedade do meio ambiente e a exploração limitada da propriedade’.
Exige-se, pois, para consecução do novo norte constitucional atuação especifica do
Estado, ações concretas na proteção da ordem pública ambiental, caracterizando um novo
paradigma que transcende para a compreensão de um Estado intervencionista, muito
distinto do velho, beligerante e inerte Estado Liberal. Nesse contexto, a efetivação da
tutela ao meio ambiente, pressuposto essencial para a própria existência da humanidade,
cada vez mais desafia a intervenção estatal, impondo-lhe deveres como zelar, planejar,
programar, promover, sobretudo, de harmonizar o desenvolvimento econômico e social,
com o bem-estar, com o direito ao meio ambiente equilibrado e a sadia qualidade de vida,
na busca de uma nova ordem econômica baseada no desenvolvimento equitativo e na
segurança ambiental.
Nesse sentido, comentando o grande encontro da Terra a Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, (Cnumad), Sachs (1993) observa que
‘hoje sabemos que nossa civilização e até mesmo a vida de nosso planeta estarão
condenados, a menos que voltemos para o único caminho viável, tanto para os ricos quanto
para os pobres, que implica na redução do consumo do Norte e a diminuição da pobreza no
Sul’, concluindo que:
14
O desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente
vinculados e dever ser tratados mediante a mudança de conteúdos, das
modalidades e das utilizações de crescimento. Três critérios
fundamentais devem ser obedecidos simultaneamente: equidade social,
prudência ecológica e eficiência econômica...[ ].
Para tanto, os movimentos sociais devem ser estimulados a continuar
sua cruzada pela democracia inclusiva e pela transparência em todos os
níveis – local, nacional e internacional, (SACHS, op.cit)
Comunga com o mesmo entendimento Sparemberg (2009), em defesa do princípio
da equidade intergeracional, quando diz que:
A equidade intergeracional necessita que seja construído um novo
estilo de desenvolvimento, através de novas bases econômicas, sociais,
ambientais, morais e éticas. O principio solidário dever ser aplicado
tanto a esta geração quanto as que virão, acrescentando a observação
da equidade em todos os aspectos humanos, (SPAREMBERG, op.cit.)
Com igual propósito Capra (2006) enfatiza a necessidade da alfabetização
ecológica, com a compreensão de princípios básicos, como comunidades ecológicas e
comunidades humanas, conceitos necessários para percepção de um pensamento sistêmico,
capaz de compreender a partir das partes para o todo, dos objetos para relações, do
conteúdo para padrão, na percepção de comunidade sustentável.
Para tanto chama atenção o citado autor de que o modelo de desenvolvimento atual
não permite tal compreensão, a economia de mercado não fornece aos consumidores
informações adequadas, uma vez que os custos ambientais de produção não participam dos
atuais modelos econômicos, por serem rotulados nesse processo como variáveis externas,
pelos governantes e corporações, que não os incluem em seus arcabouços teóricos,
dimensionando o problema nos seguintes termos:
Os economistas tratam como bens gratuitos não somente o ar, a água e o
solo, mas também a delicada teia das relações sociais, que é seriamente
afetada pela expansão econômica contínua. Os lucros privados estão
sendo obtidos com os custos públicos em detrimento do meio ambiente e
da qualidade de vida em geral, e às expensas das gerações futuras. O
mercado, simplesmente, nos dá a informação errada. Há uma falta de
realimentação, e a alfabetização ecológica básica nos ensina que esse
sistema não é sustentável. (CAPRA. op cit).
Com efeito, a nova ordem constitucional que impõe ônus ao Estado em efetivar o
direito ao meio ambiente equilibrado e a sadia qualidade de vida, pressupõe iniciativas
15
concretas e interdisciplinares visando à alfabetização ecológica, a compreensão dos
princípios da equidade intergeracional, da primariedade do meio ambiente e da exploração
limitada da propriedade.
Esses princípios estão inseridos como valores consagrados no Preâmbulo da
Constituição Federal, que exige tanto do Estado como da coletividade, iniciativas capazes
de consagrar a principiologia inserta na nova ordem constitucional traduzida no texto
preambular, que diz:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988).
Por outro lado, quanto à necessidade de intervenção administrativa estatal na
consecução dos direitos de terceira geração o Supremo Tribunal Federal3 (1995) ao
interpretar o artigo 225 da CF/88, consagrou o caráter fundamental da proteção ao meio
ambiente, constando do voto do Ministro Relator, Celso de Mello, o seguinte enunciado:
"Os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem a
consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma
das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais
contemporâneas. Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se
de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo
subjetivamente indeterminado, a todos os que compõem o grupo social
(LAFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos. Companhia das
Letras, 1988. p. 131-132). A proteção da flora e a conseqüente vedação
de práticas que coloquem em risco a sua função ecológica projetam-se
como formas instrumentais destinadas a conferir efetividade ao direito
em questão. O dever que constitucionalmente incumbe ao Poder Público
de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental não o dispensa,
contudo, quando necessária a intervenção administrativa na esfera
dominial privada, de ressarcir os prejuízos materiais que, derivando de
eventual esvaziamento do conteúdo econômico do direito de propriedade,
afetem a situação jurídica de terceiros".
3
RE 134.297-8/SP, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, DJ 22.09.1995, p. 30597.
16
Enfim, consagra o manto constitucional vigente, no que se refere a proteção ao
meio ambiente, o princípio da harmonização ou da concordância prática, quando em
choque bens jurídicos tutelados na constituição, com fins de atingir a máxima valorização
de ambos, sem que seja necessário negar vigência a qualquer dos bens envolvidos, o que
no entender de Coelho (2008) significa:
O princípio da harmonização ou da concordância prática consiste
essencialmente numa recomendação para que o aplicador das normas
constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre
bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a
realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de
nenhum.
Esse entendimento, que tem escudo no pensamento de Konrad Hesse (1998),
defensor da chamada interpretação constitucional conforme4, mas que poderá
perfeitamente balizar iniciativas tanto públicas, quanto privadas, que visem à efetivação do
direito a um meio ambiente equilibrado e a sadia qualidade de vida e, que permeia, pela
dicotomia entre bens jurídicos protegidos constitucionalmente, como a garantia da
propriedade, primariedade do meio ambiente e da existência digna, ao entender o autor
que:
Bens jurídicos protegidos jurídico-constitucionalmente devem, na
resolução do problema, ser coordenados um ao outro de tal modo que
cada um deles ganhe realidade. Onde nascem coalizões não deve, em
'ponderação de bens' precipitada ou até 'ponderação de valor' abstrata, um
ser realizado à custa do outro. Antes, o princípio da unidade da
Constituição põe a tarefa de uma otimização: a ambos os bens devem ser
traçados limites, para que ambos possam chegar à eficácia ótima.(HESSE
op. cit).
4
A chamada interpretação sistemática, igualmente, é utilizada pela dogmática jurídica para estabelecer a
relação entre o enunciado constitucional e as normas ordinárias, recorrendo-se a interpretação conforme a
Constituição, segundo a qual, havendo a possibilidade de duas interpretações possíveis de um texto legal,
deve-se optar pela interpretação não contrastante com a Constituição, preferindo-se este processo de
adequação do que declarar a inconstitucionalidade da lei, expungindo-a do sistema jurídico. No percurso
contrário, fala-se na interpretação da Constituição conforme a legislação ordinária, estabelecendo-se outro
tipo de relação entre o enunciado constitucional e a lei infraconstitucional, pois nestes textos legais podem
ser buscados elementos orientadores para a compreensão de determinadas expressões contidas na norma
constitucional, bem como na operação realizada para atenuar o rigor do enunciado constitucional, a fim de
estabelecer uma normatização conforme outro instituto da legislação ordinária, ou ampliar o contorno da
tutela constitucional, reconhecida anterior e proporcionalmente à expansão do direito admitido pela
legislação ordinária, (BONAVIDES, 1996).
17
Por conseguinte, a proteção do meio ambiente é tão prioritária, na ordem
constitucional vigente, como qualquer outro valor social protegido e deve ser perseguida
pelo Poder Público, preferencialmente em caráter preventivo, adequando-se os planos
governamentais e as disponibilidades financeiras dos entes federados para que esses
objetivos das políticas públicas sejam alcançados como, por exemplo, na criação de
espaços territoriais protegidos.
2.2 CONCEITO
Entre as obrigações de fazer determinadas ao poder público pelo constituinte de
1988 ao poder público está o dever de definir, em todas as unidades da Federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, os quais somente
poderão ser alterados ou suprimidos, através da lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção, (III, do § 1º, do art.
225 da CF/88).
Para Silva (1994) espaços territorialmente protegidos são representativos de
ecossistemas e, por tal motivo, merecem proteção especial, constituindo-se em:
Áreas geográficas públicas ou privadas (porção de território nacional)
dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um
regime jurídico de interesse público que implique sua relativa
imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a
preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade
de ecossistemas, a proteção do processo evolutivo das espécies, a
preservação e proteção dos recursos naturais.
Segundo a Lei 9.509 de 20/03/1997 do Estado de São Paulo (apud Pizzato e
Pizzato, 2009), ‘espaços territoriais especialmente protegidos significam: áreas que por
força da legislação sofrem restrição de uso, como Unidades de Conservação, Áreas
Naturais Tombadas, Áreas de Proteção aos Mananciais e outras prevista na legislação’.
Leuzinger (2002, p. 93), por sua vez, utiliza a expressão espaços ambientais como
correspondentes à totalidade das áreas, públicas ou privadas, sujeitas a regimes especiais
de proteção, ou seja, sobre as quais incidam limitações objetivando a proteção, integral ou
parcial, de seus atributos naturais.
18
Santilli (2005) sugere que a unidade de conservação é uma espécie do gênero
espaço territorial especialmente protegido, em seu conceito mais abrangente, sendo,
entretanto, mais restrito, ao dizer que toda unidade de conservação é um espaço
territorialmente protegido, mas que este nem sempre é uma unidade de conservação.
Portanto, a noção constitucional de espaços territoriais protegidos abrange não
somente as unidades de conservação, mas também as áreas de preservação permanente, a
reserva legal, as reservas da biosfera e biomas como a Floresta Amazônica, a Mata
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira. É importante
ressaltar que, inclui-se nesse contexto, a proteção da mata ciliar de rios, córregos e
igarapés.
Milaré (2005) sustenta que a instituição dos espaços territoriais especialmente
protegidos materializa-se por meio de quatro categorias fundamentais, que são: Área de
Proteção Especial, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal e Unidades de
Conservação.
2.2.1 Áreas de Proteção Ambiental – APA’s
Área protegida, segundo o artigo 2º da Convenção da Diversidade Biológica
(CDB), significa uma área definida geograficamente que é destinada, ou regulamentada, e
administrada para alcançar objetivos específicos de conservação. O objetivo principal da
área protegida, (marinha ou terrestre), é a conservação da biodiversidade, com a
possibilidade de inclusão das populações tradicionais na conservação.
As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) são instrumentos da Política Nacional do
Meio Ambiente e destinam-se a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas
naturais nelas existentes, com vista à melhoria da qualidade de vida da população local e à
proteção dos ecossistemas regionais. Têm elas um regime jurídico semelhante ao
zoneamento ambiental, porque interferem com o exercício do direito de propriedade, e
ainda mais porque, não raro, tais áreas são divididas em zonas de uso.
A disciplina jurídica das Áreas de Proteção Ambiental consta da Lei 6.902/81, que
no artigo 9º, estatui que em cada uma delas, observados os princípios constitucionais que
regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas,
limitando ou proibindo, como se constata:
19
Art. 9º - Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios
constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder
Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo:
a) a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente
poluidoras, capazes de afetar mananciais de água;
b) a realização de obras de terraplanagem e a abertura de canais, quando
essas iniciativas importarem em sensível alteração das condições
ecológicas locais;
c) o exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das
terras e/ou um acentuado assoreamento das coleções hídricas;
d) o exercício de atividades que ameacem extinguir na área protegida as
espécies raras da biota regional.
Importante, observar que nas APA's, podem ser limitadas ou mesmo proibidas
certas atividades de uso do solo, nos termos do art. 9º da Lei 6.902/81, o que exige
discriminação de áreas em que se deve estabelecer maior ou menor limitação. E isso se faz
mediante um zoneamento em que se indiquem as atividades a serem incentivadas, em cada
zona, bem como as que devam ser restringidas ou mesmo proibidas.
2.2.2 Áreas de Preservação Permanente – APP’s
Prescreve o inciso II, do artigo 1º da Lei 4.771/65, Código Florestal que Área de
Preservação Permanente são aquelas coberta ou não por vegetação nativa, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das
populações humanas.
A Resolução do Conama nº 302 de 20/03/202, citada por Pizzato e Pizzato (2009)
inclui ainda nessa categoria, as áreas marginais ao redor de um reservatório artificial e suas
ilhas, com a função ambiental de preservar recursos hídricos, paisagens, estabilidade
ecológica, biodiversidade, fluxo gênico de flora e fauna, proteger o solo e assegurar o bem
estar das populações humanas.
No entanto, grande parte da literatura ainda influenciada sob o viés do Código
Florestal, Lei 4.771/65, compreende o conceito de áreas de preservação permanente como
sendo Florestas de Preservação Permanente5. Todavia, área de preservação permanente não
5
Para Fonseca, (2011), há uma ambiguidade da literatura sobre o conceito de floresta, em especial em face
das definições traduzidas na Lei 9.985/2000, que regulamenta o art. 225 da Constituição Federal, e Lei
20
se limita a preservação das florestas, das matas ciliares ou vegetações de borda ou de
natureza arbóreas, pois, transcende para uma noção de espaços especialmente protegidos,
que objetivem a proteção de outros valores como ao longo das rodovias e ferrovias, para
auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares, para proteção de
sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico, a fauna e a flora, enfim,
para manter o ambiente necessário a vida e ao bem-estar das populações, (artigo 3º do
Código Florestal).
Isto está bem definido no artigo 2º do referido código que prescreve a proteção
jurídica das áreas de matas ciliares, dispondo:
Art. 2º - Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta
Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais
alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:
1 - de 30 m (trinta metros) para os cursos d'água de menos de 10 m (dez
metros) de largura;
2 - de 50 m (cinqüenta metros) para os cursos d'água que tenham de 10
(dez) a 50 m (cinqüenta metros) de largura;
3 - de 100 m (cem metros) para os cursos d'água que tenham de 50
(cinqüenta) a 200 m (duzentos metros) de largura;
4 - de 200 m (duzentos metros) para os cursos d'água que tenham de 200
(duzentos) a 600 m (seiscentos metros) de largura;
5 - de 500 m (quinhentos metros) para os cursos d'água que tenham
largura superior a 600 m (seiscentos metros).
Observação interessante, a respeito das inúmeras tentativas do legislador em definir
áreas de preservação permanente, foi feita por Franco (2010), quando diz que englobam
muito além das matas ciliares, permeando pelas demais formas de vegetação natural
existentes, como os mais diversos ecossistemas, biomas, situações geomorfológicas e
geográficas do sistema hidrográfico fluvial e lacustre existentes em território continental
brasileiro. Este conceito engloba desde rios de extensas planícies alagáveis, à planaltos,
regiões montanhosas de grandes corredeiras, ou regiões com clima seco, ocupadas pela
caatinga ou o cerrado, ou ainda, por regiões de florestas como a Atlântica e a Amazônica.
4.771/65, Código Florestal, sugerindo que o problema poderia ser resolvido buscando uma definição
fundamentada na linguagem técnico-cientifica, pelo menos no entendimento gramatical da palavra, citando
Odum, (2008), conclui que floresta pluvial compreende um ecossistema altamente estratificado, com as
arvores formando três estratos: (1) arvores emergentes, muito altas e espalhadas que se projetam acima do
nível geral do (2) estrato do dossel, que forma um tapete, continuo, sempre verde, a uma altura de 25 a 30
metros, e (3) um estrato de sub-bosque, que se torna denso apenas onde há uma interrupção no dossel.
(FONSECA, 2011).
21
Essa realidade natural dificulta a definição de limites, de características ou de conceitos no
tocante as áreas de preservação permanente, em especial das matas ciliares.
2.2.3 Reserva Legal
A reserva legal compreende área localizada no interior de uma propriedade ou
posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos
recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas, artigo 1º, § 2º, III, da Lei nº
4.771/65.
Portanto é obrigação de todo proprietário de imóvel rural destinar uma porção
contínua de sua propriedade ou posse, atualmente definida em percentual sobre toda área
ocupada, para preservação da vegetação e do solo, que segundo o artigo 16 do Código
Florestal, (Lei nº 4.771/65), será:
Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as
situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não
sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação
específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a
título de reserva legal, no mínimo:
I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta
localizada na Amazônia Legal;
II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de
cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento
na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra
área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada
nos termos do § 7º deste artigo6;
III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou
outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País;
e
IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais
localizada em qualquer região do País;
6
§ 7º - O regime de uso da área de preservação permanente não se altera na hipótese prevista no § 6º.
§ 6º Será admitido, pelo órgão ambiental competente, o cômputo das áreas relativas à vegetação nativa
existente em área de preservação permanente no cálculo do percentual de reserva legal, desde que não
implique em conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo, e quando a soma da vegetação nativa
em área de preservação permanente e reserva legal exceder a:
I - oitenta por cento da propriedade rural localizada na Amazônia Legal;
II - cinqüenta por cento da propriedade rural localizada nas demais regiões do País; e
III - vinte e cinco por cento da pequena propriedade definida pelas alíneas "b" e "c" do inciso I do § 2º do art.
1º.
22
Não obstante, ao mesmo tempo em que o legislador impôs a obrigação a todos os
proprietários ou possuidores rurícolas, em destinarem área continua de seus imóveis, para
fins de manutenção da reserva legal, sedimentaram regimes de compensação da reserva
legal, certamente influenciados pelo voraz e ilimitado regime capitalista, traduzido no
Congresso Nacional, por meio de lobbies, do poderio econômico e da representação
ruralista, concebendo ao final três formas de compensar, assim instituídos:
a) pelo arrendamento de área sob regime de servidão florestal ou reserva
legal, em que se renuncia voluntariamente a direitos de supressão ou
exploração de vegetação nativa, localizada fora da reserva legal e da área com
vegetação de preservação permanente, mediante averbação à margem da
inscrição de matrícula do imóvel e prévia anuência do órgão ambiental estadual
competente (artigo 44-A, do Código Florestal);
b) pela denominada Cota de Reserva Florestal - CRF, título representativo
de vegetação nativa sob regime de servidão florestal, de Reserva Particular do
Patrimônio Natural ou reserva legal instituída voluntariamente sobre a
vegetação que exceder os percentuais e limites estabelecidos no artigo 16 do
Código Floresta, (artigo 44-B, do Código Florestal);
c) pela doação ao órgão ambiental competente de área localizada no interior
de unidade de conservação de domínio público, pendente de regularização
fundiária, (artigo 44, § 6º, do Código Florestal).
Essa questão abriga a maior problemática a respeito dos regimes de compensação
das reservas legais, visto que a redação dada pela Lei nº 11.428/06 ao artigo 44 § 6º do
Código Florestal/65, estabeleceu nova modalidade de compensação da reserva legal ao
proprietário ou possuidor rural, que consiste na doação de área de unidade de conservação
de domínio público pendente de regularização fundiária ao órgão público ambiental
competente.
Essa nova regularização desobrigou o proprietário do cumprimento da obrigação de
existência de reserva legal em seu domínio, ou seja, o regime de compensação permutou o
dever de manter reserva legal, pelo pagamento de pecúnia, situação manifestamente
contrária ao texto constitucional e ao sistema nacional de unidades de conservação,
(SNUC).
Essa questão, inclusive, foi objeto de apreciação do Poder Judiciário pela 4ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que ao interpretar a constitucionalidade da
norma traduzida no artigo 44 § 6º do Código Florestal/65, no julgamento do Agravo de
Instrumento nº 85644/2006, em 23.04.2007, em que foi relator o Desembargador Márcio
Vidal, assim compreendeu:
23
Além de ser inconstitucional, essa norma que o Ministério Público tenta
obstar a sua aplicação, é nefasta no ponto de vista ambiental, haja vista
que permita que as pessoas paguem pelo prejuízo ambiental. Na prática
poderá ocorrer que grandes espaços territoriais fiquem sem reserva legal,
pois os proprietários passam, simplesmente, a pagar aos cofres públicos o
prejuízo ambiental causado. O estado argumenta, ainda, que esse
dinheiro seria usado, conforme legislação, para a criação de novas
unidades de conservação. Assim, abre-se mão de grandes espaços
protegidos para acertar a questão fundiária de outras unidades de
conservação, quando na verdade o Estado deveria destinar dinheiro
próprio para a regularização fundiária, permanecendo as áreas de reserva
legal.
Um problema adicional é como calcular o valor da área a ser preservada, de
maneira a efetivar a compensação do quantum a compensar pelo dano ambiental e a
reparar a sociedade pelos prejuízos causados, em face da agressão ao meio ambiente.
Questão que, também, foi enfrentada pelo Poder Judiciário7, em julgado da 2ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro Castro Meira, que foi publicado Diário da
Justiça em 02.06.2011, cujo acórdão se destaca:
O artigo 36 da Lei nº 9.985/2000 prevê o instituto de compensação
ambiental com base em conclusão de EIA/RIMA, de que o
empreendimento teria significativo impacto ambiental e mensuração do
dano previsível e indispensável a sua realização. 3. A compensação tem
conteúdo reparatório, em que o empreendedor destina parte considerável
de seus esforços em ações que sirvam para contrabalançar o uso de
recursos naturais indispensáveis à realização do empreendimento previsto
no estudo de impacto ambiental e devidamente autorizados pelo órgão
competente. O montante da compensação deve ater-se àqueles danos
inevitáveis e imprescindíveis ao empreendimento previsto no EIA/RIMA,
não se incluindo aqueles que possam ser objeto de medidas mitigadoras
ou preventivas. A indenização por dano ambiental, por seu turno, tem
assento no artigo 225, § 3º, da Carta da República, que cuida de hipótese
de dano já ocorrido em que o autor terá obrigação de repará-lo ou
indenizar a coletividade. Não há como se incluir nesse contexto aquele foi
previsto e autorizado pelos órgãos ambientais já devidamente
compensado. Os dois institutos têm natureza distinta, não havendo bis in
idem na cobrança de indenização, desde que nela não se inclua a
compensação anteriormente realizada ainda na fase de implantação do
projeto. O pleito de compensação por meio do oferecimento de gleba feito
previamente pelo Governo do Distrito Federal como meio de reparar a
construção da estrada em área de conservação não pode ser acolhido, seja
pela inexistência de EIA/RIMA - requisito para aplicação do artigo 36 da
Lei nº 9.985/2000, seja pela existência de danos que não foram
identificados nos relatórios técnicos que justificaram a dispensa do
estudo. A indenização fixada em R$ 116.532,00 (cento e dezesseis mil,
quinhentos e trinta e dois reais) já se justificaria pela existência dos danos
7
Recurso Especial nº 896863/DF (2006/0226648-9), 2ª Turma do STJ, Rel. Castro Meira. j. 19.05.2011,
unânime, DJe 02.06.2011.
24
ambientais gerados pela obra que não foram contemplados por medidas
que os minorassem ou evitassem. O simples fato de o Governo do Distrito
Federal gravar determinado espaço como área de conservação ambiental
não lhe permite degradar como melhor lhe aprouver outra extensão da
mesma unidade sem observar os princípios estabelecidos na Carta da
República.
Por consequência, o regime de compensação na forma dado pela Lei 14.428/06
macula por completo a plenitude do conteúdo mínimo do direito fundamental, (artigo 225
da CF/88), ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto bem de uso comum do
povo essencial a sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras, que serão
privadas do direito de paisagem e de mosaico, com a supressão das reservas florestais, em
troca da pecúnia.
2.2.4 Unidades de Conservação
Estabelece o artigo 2º da Lei 9.985/2000 que as unidades de conservação são
espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais com
características naturais relevantes são legalmente instituídos pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual
se aplicam garantias adequadas de proteção.
A Lei Estadual do Rio Grande do Sul nº 11.054/95, (apud Pizzato e Pizzato,
2009), define o conceito de unidades de conservação que compreende:
As reservas biológicas, ecológicas, estações ecológicas, parques
nacionais, estaduais municipais, florestas nacionais, estaduais e
municipais, áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse
ecológico, reservas extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder
Público.
São porções do ambiente de domínio público ou privado igualmente
instituídas pelo Poder Público, destinadas a preservação ou conservação
com referencial ou respectivo ecossistema. Áreas criadas com o objetivo
de harmonizar, proteger os recursos naturais e melhorar a qualidade de
vida da população.
Nesse modelo as unidades de conservação dividem-se em unidades de proteção
integral e unidades de uso sustentável, (art. 7º da Lei nº 9.985/2000- SNUC). As primeiras
permitem somente o uso indireto de seus recursos naturais, salvo as exceções previstas
expressamente em lei, já que objetivam a preservação da natureza, enquanto que as
25
segundas já compatibilizam o uso racional e sustentável dos recursos naturais que possuem
com a preservação da natureza.
No artigo 14 da SNUC é estabelecido o grupo que compõe as áreas de uso
sustentável compreendendo as seguintes categorias:
Art. 14. ...
I - Área de Proteção Ambiental;
II - Área de Relevante Interesse Ecológico;
III - Floresta Nacional;
IV - Reserva Extrativista;
V - Reserva de Fauna;
VI - Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e
VII - Reserva Particular do Patrimônio Natural.
A mesma lei em seu artigo 8º da Lei do SNUC define o grupo das unidades de
conservação de proteção integral composto pelas seguintes categorias de unidade de
conservação:
I - Estação Ecológica;
II - Reserva Biológica;
III - Parque Nacional;
IV - Monumento Natural;
V - Refúgio de Vida Silvestre.
Isto torna evidente que compete ao Poder Público a criação e a definição do regime
de uso sustentável ou de proteção integral das Unidades de Conservação, observando, para
tanto que o principio da participação comunitária pressupõe para resolução dos problemas
do ambiente, à cooperação entre o Estado e a sociedade, através da participação dos
diferentes grupos sociais na formulação e na execução da política ambiental.
Um bom exemplo pode ser tirado da proteção ás populações tradicionais residentes,
cujo critério objetivo inicial estabelece o período de três gerações para permanência em
Unidades de Conservação, o qual não sedimentado, uma vez que prescinde de
regulamentação especifica para o reconhecimento do território social em favor desses
povos. Este princípio é reforçado na norma constitucional que reconheceu no artigo 68 dos
Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, a propriedade definitiva aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, e aos
indígenas a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
26
lagos existentes nas terras por eles tradicionalmente ocupadas, (art. 68 do ADCT da
CF/88).
Ainda, no campo da proteção às populações tradicionais residentes se destaca a
disposição do artigo 18 da SNUC, que reconhece a Reserva Extrativista, como sendo área
utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no
extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais
de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura
dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Por consequência são muito tímidas as regulações quanto à permanência das
populações tradicionais em Unidades de Conservação e, por conta disto o artigo 22 da
SNUC faculta ao Poder Publico decretar limitações administrativas às atividades
agropecuárias, econômicas, ou obras públicas licenciadas, quando estas de forma efetiva
ou potencialmente causarem degradação ambiental, ou houver risco de dano grave aos
recursos naturais ali existentes.
Um critério técnico de natureza temporal e territorial sobre a permanência de
populações nativas nas unidades de conservação foi inserido no artigo 1º da Lei 2.395/95,
do Estado do Rio de Janeiro, a qual destoa totalmente da compreensão do instituto da
função social da terra, que na nova visão constitucional e no próprio Código Civil impõe
ao poder publico e privado, enquanto proprietários, o dever de emprestarem destinação
com fins econômicos, sociais, ecológicos ou de bem estar às populações residentes,
concebendo prazos exíguos de efetivação do direito de permanência que permeia entre
cinco e dez anos, totalmente incompatível com a legislação fluminense citada, que
assegura o direito a concessão real de uso após 50 anos de ocupação. Diz a citada lei:
Art. 1º - Fica o Poder Executivo, através de seus órgãos competentes,
autorizado a assegurar às populações nativas residentes há mais de 50
(cinqüenta) anos em unidades de conservação do Estado do Rio de
Janeiro, o direito real de uso das áreas ocupadas, desde que dependam,
para sua subsistência, direta e prioritariamente dos ecossistemas locais,
preservados os atributos essenciais de tais ecossistemas e cumpridas as
exigências previstas na presente Lei.
A par disto, campeiam determinações quanto à desocupação dos territórios sociais
como o disposto no artigo 42 da Lei do SNUC:
27
Art. 42. As populações tradicionais residentes em unidades de
conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão
indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente
realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as
partes.
§ 1º O Poder Público, por meio do órgão competente, priorizará o
reassentamento das populações tradicionais a serem realocadas.
§ 2º Até que seja possível efetuar o reassentamento de que trata este
artigo, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a
compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os
objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de
subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a
sua participação na elaboração das referidas normas e ações.
§ 3º Na hipótese prevista no § 2º, as normas regulando o prazo de
permanência e suas condições serão estabelecidas em regulamento.
Entre os fatos que demonstram quão tensos são os conflitos de interesses entre
populações tradicionais e unidades de conservação, cujo modo de vida e compreensão do
uso dos recursos naturais não incompatibiliza a proteção ambiental ainda que em regime de
conservação permanente, destaca-se o objeto deste trabalho que aborda a questão da
implantação de corredores ecológicos, que de modo geral permitem a ocupação humana na
área protegida, desde que compatível a atividade de exploração e subsistência da
população residente.
2.3 NATUREZA JURÍDICA
Como dito anteriormente há dois tipos básicos de espaços territoriais protegidos:
aqueles que são decorrentes da limitação interna do direito de propriedade, (art. 2º da Lei
4.771/65) e aqueles criados por ato do Poder Público, que delimitam área ou situação
específica para proteção, com base no art. 3º da citada lei.
Nessa ótica, a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza, em seu artigo 2º, incisos II, V e VI, define como:
II - conservação da natureza: o manejo do uso humano da natureza,
compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a
restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o
maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu
potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e
garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral;
V - preservação: conjunto de métodos, procedimentos e políticas que
visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além
da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos
sistemas naturais;
28
VI - proteção integral: manutenção dos ecossistemas livres de alterações
causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus
atributos naturais.
Milaré (2000) define conservação como sistema flexível ou conjunto de diretrizes
planejadas para o manejo e utilização sustentada dos recursos naturais, em nível ótimo de
rendimento e preservação da diversidade biológica, a combinação de todos os métodos de
exploração e de uso dos terrenos que protejam o solo contra a deterioração ou depleção,
causadas por fatores naturais ou provocadas pelo homem, e ou, a manutenção de áreas
naturais preservadas, através de um conjunto de normas e critérios científicos e legais,
visando a sua utilização para estudos científicos.
Os espaços territoriais especialmente protegidos apontam nessa mesma direção, isto
é, indicam porções territoriais onde o Poder Público aplica medidas especiais de proteção,
que podem variar entre a preservação (proteção integral) e o uso sustentável, (proteção não
integral). Esse critério segue orientação da Agenda 21, estabelecida na chamada Cúpula da
Terra, ou simplesmente ECO-92, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
e Desenvolvimento firmada por 156 países em 1992, que propôs um consenso global,
quanto ao manejo, conservação e desenvolvimento sustentável de todos os tipos de
florestas, das mudanças climáticas, sobretudo da Diversidade Biológica (CDB).
Por sua vez, o Brasil assinou a CDB em 5 de junho de 1992, tornando-se parte da
Convenção por meio do depósito do instrumento de ratificação em 28 de fevereiro de
1994, cuja aprovação interna se deu pelo Decreto Legislativo nº 2 de 3 de fevereiro de
1994, que também aprovou a Agenda 21, tendo sido promulgada a CDB no Brasil pelo
Decreto 2.519, de 16 de março de 1998.
O artigo 2º da CDB contém os deveres de conservação dos ecossistemas, habitats
naturais, bem como a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em
seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde
tenham desenvolvido suas propriedades e características. O artigo 8º estabelece as
seguintes premissas a serem desenvolvidas pelos países signatários:
a) Estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais
precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica;
(b) Desenvolver, se necessário, diretrizes para a seleção, estabelecimento e
administração de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser
tomadas para conservar a diversidade biológica;
29
(c) Regulamentar ou administrar recursos biológicos importantes para a
conservação da diversidade biológica, dentro ou fora de áreas protegidas, a fim
de assegurar sua conservação e utilização sustentável;
(d) Promover a proteção de ecossistemas, hábitats naturais e manutenção de
populações viáveis de espécies em seu meio natural;
(e) Promover o desenvolvimento sustentável e ambientalmente sadio em áreas
adjacentes às áreas protegidas a fim de reforçar a proteção dessas áreas;
(f) Recuperar e restaurar ecossistemas degradados e promover a recuperação de
espécies ameaçadas, mediante, entre outros meios, a elaboração e
implementação de planos e outras estratégias de gestão;
(g) Estabelecer ou manter meios para regulamentar, administrar ou controlar os
riscos associados à utilização e liberação de organismos vivos modificados
resultantes da biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental
negativo que possa afetar a conservação e a utilização sustentável da
diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana;
(h) Impedir que se introduzam, controlar ou erradicar espécies exóticas que
ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies;
(i) Procurar proporcionar as condições necessárias para compatibilizar as
utilizações atuais com a conservação da diversidade biológica e a utilização
sustentável de seus componentes;
(j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter
o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações
indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à com servação e à
utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla
aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento,
inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos
da utilização desse conhecimento, inovações e práticas;
(k) Elaborar ou manter em vigor a legislação necessária e/ou outras disposições
regulamentares para a proteção de espécies e populações ameaçadas;
(l) Quando se verifique um sensível efeito negativo à diversidade biológica, em
conformidade com o art. 7, regulamentar ou administrar os processos e as
categorias de atividades em causa; e
(m) Cooperar com o aporte de apoio financeiro e de outra natureza para a
conservação in situ a que se referem as alíneas a a l acima, particularmente aos
países em desenvolvimento.
Para muitos autores, no âmbito da CDB, a conservação da biodiversidade inclui
diversas atividades que vão desde o uso direto sustentável até a proteção integral sem
qualquer intervenção humana. Essas atividades abrangem desde a instituição de áreas
protegidas, (ou unidades de conservação) até o controle da contaminação de ecossistemas
por espécies exóticas que podem ameaçar a sobrevivência das espécies nativas.
Conservação, portanto, constitui uma expressão genérica, da qual preservação, uso
sustentável, recuperação dentre outras são espécies.
Por fim, pode-se concluir que a conservação da biodiversidade, nos moldes da
Agenda 21, pressupõe medidas, como a criação de espaços territoriais protegidos tanto de
proteção integral, quanto de uso sustentável, denominações que norteiam a definição da
natureza jurídica de tal instituto.
30
2.3.1 Natureza Jurídica dos Espaços Territoriais de Proteção Integral
Segundo Vulcanis (2006) é ‘indubitável que o ônus advindo da criação dos espaços
territoriais especialmente protegidos, especialmente das unidades de conservação de
proteção integral, pertence ao poder público, na esteira dos deveres que lhe foram
atribuídos na busca da ordem pública ambiental, sendo-lhe vedada a transferência destas
obrigações a quem quer que seja’. Compete, portanto, tão somente ao Poder Público a
criação destas espécies de espaços territoriais, bem como a regularização fundiária, através
da desapropriação direta e indireta8 e a indenização dos proprietários particulares das áreas
atingidas, concluindo a autora que:
Somente com proprietários expropriados e indenizados com o
apossamento público efetivo das áreas protegidas é que se pode
realmente implementar os espaços territoriais protegidos, tal qual
determina o texto constitucional. Há, flagrantemente, total
incompatibilidade em reservar espaços especialmente protegidos e
manter-se a propriedade particular nessas áreas, quando a lei e a
categoria de manejo assim o determinam. Para tanto, faz-se forçoso um
processo célere de regularização fundiária que demanda recursos
financeiros que deverão também suportar, além das indenizações, a
implementação dessas unidades. (VULCANIS, 2006 p. 29)
Com efeito, emerge da tutela ambiental para o poder público, duplo dever na busca
da efetividade da criação das unidades de conservação de proteção integral, que são
intransferíveis e devem ser observados concomitantemente: a proteção do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado através da efetivação destes
espaços territoriais especialmente protegidos e a reparação do dano causado ao direito de
propriedade particular mediante pagamento de justa indenização. Esta matéria esta
regulamentada na Resolução do Conama nº 369 de 28.03.2006 - DOU 29.03.2006 –
retificada em 09.05.2006, que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública,
interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilita a intervenção ou supressão de
8
A desapropriação (causa pública da perda da propriedade) só ocorre quando há a necessidade de se negar
integralmente o direito de propriedade, isto é, quando o atendimento da função social obstaculizar totalmente
o exercício dos poderes dominiais. Na seara ambiental, tal ocorre com a criação de parques (art. 5º da Lei
4.771/65 e Decreto 84.017/79), reservas biológicas (art. 5º da Lei 4.771/65), estações ecológicas (Lei
6.902/81), florestas nacionais (art. 5º da Lei 4.771/65 e Decreto 1.298/94), reservas extrativistas (Decreto
98.897/90), hortos florestais, jardins botânicos e zoológicos. Nestes casos, pode caracterizar-se a
desapropriação indireta, apossamento administrativo, (COSTA, 2000).
31
vegetação em Área de Preservação Permanente, (APP), localizadas em cada posse ou
propriedade.
Com base no exposto, pode- se concluir que o dever do Poder Público, em criar
espaços territoriais especialmente protegidos, em todas as unidades da federação, na
modalidade de proteção integral é ato administrativo vinculado9 de natureza
expropriatória, em razão da perda da propriedade pelo particular, a ser formalizado em
regular processo administrativo autônomo e prévio, com estrita observância de critérios
determinados em lei, de modo a assegurar todas as garantias constitucionais vertentes, para
fins de cumprimento da utilidade pública ou do interesse social.
É fundamental, no entanto, que a criação de unidades assegure a justa indenização
da posse ou propriedade expropriada, para fins de criação do espaço territorial protegido,
como reiteradamente têm entendido os Tribunais pátrios, a exemplo do precedente do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que assim decidiu:
TRF1-157739) ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. JUROS COMPENSATÓRIOS DEVIDOS DESDE A
EDIÇÃO DO DECRETO DE CRIAÇÃO DA UNIDADE DE
CONSERVAÇÃO. 1. A edição de decreto criando Parque Nacional
caracteriza, em face dos proprietários dos imóveis abrangidos pela área
da unidade de conservação, desapropriação indireta (Precedente). 2. No
caso, com a criação do Parque Nacional da Serra do Cipó a propriedade
do autor foi submetida a limitações administrativas que lhe impedem de
exercer os poderes típicos da propriedade, donde o reconhecimento da
ocorrência da chamada "desapropriação indireta". 3. A imposição do
pagamento de juros compensatórios não tem origem na exploração
econômica ou não da propriedade, mas, na compreensão do Superior
Tribunal de Justiça: "Os juros compensatórios - que remuneram o capital
que o expropriado deixou de receber desde a perda da posse, e não os
possíveis lucros que deixou de auferir com a utilização econômica do
bem expropriado - são devidos na desapropriações a partir da imissão
provisória e antecipada na posse do bem expropriado, mesmo na hipótese
de ser o imóvel improdutivo (REsp 957.955/MG, Rel. Ministra Denise
Arruda, Primeira Turma, julgado em 02.10.2008, DJe 29.10.2008)". 4.
Apelação
improvida.
(Apelação
Cível
nº
000582848.2006.4.01.3800/MG, 4ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. I'Talo
Fioravanti Sabo Mendes. j. 03.08.2010, e-DJF1 19.08.2010, p. 118).
Em suma, a criação de área de preservação permanente, tal como Estação
Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural ou Refúgio de Vida
9
O ato administrativo vinculado tem como característica a falta de liberdade do agente público, estando este
submetido aos preceitos legais. Juarez Freitas alerta que este conceito é incompleto, pois o agente ainda teria
uma certa liberdade residual, (FREITAS, 2004. p. 212).
32
Silvestre, pressupõe o respectivo processo administrativo expropriatório com a devida
contraprestação indenizatória.
2.3.2 Natureza Jurídica dos Espaços Territoriais de Uso Sustentável
De outro modo, os espaços territoriais especialmente protegidos de uso sustentável
pressupõem características diversas daquelas de proteção integral, uma vez que objetivam
a compatibilização do uso de maneira racional e sustentável dos recursos naturais que
possuem, com a preservação da natureza. Para tal fim, necessitam de plano de manejo,
definição do uso público para visitação, exploração dos recursos naturais com atividades
de baixo impacto ambiental e de acordo com a capacidade de carga da área, sobretudo de
critérios de proteção ás populações tradicionais residentes.
Evidentemente que, alcançando o espaço territorial protegido uma área de domínio
privado, deverá o plano de manejo contemplar a participação de eventual posseiro,
possuidor ou proprietário, tanto na aferição de renda quando houver exploração econômica
de sustentabilidade, como na condição de protagonista da educação ambiental e da
necessidade de proteção do ambiental natural, sob pena de descaracterizar justamente a
natureza jurídica do instituto, como sendo de uso sustentável, para a desapropriação
indireta.
Isto acontece porque a Constituição Federal deu ampla permissão a todas as
unidades da Federação, para criarem espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, vedando apenas a utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem a proteção, isto é outorgando a criação de espaços territoriais de
uso compatível e sustentável, que permitam a exploração da área de forma racional e
adequada, sem que isto, implique na perda de direitos de posse ou domínio, corolário do
dever do cumprimento da função social da propriedade, como por exemplo, o disposto ao §
4º, do art. 225, que diz:
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar,
o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e
sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que
assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos
recursos naturais.
33
Portanto, o ato do poder público em criar espaços territoriais especialmente
protegidos, quando outorgado o uso sustentável, configura mera limitação administrativa,
decorrente do Poder de Polícia da administração pública, com arrimo na consecução do
bem comum devendo o ato administrativo de natureza discricionária10 ser editado de
acordo com a oportunidade conveniência e com devida motivação. Sobretudo, em estrita
observância aos princípios que norteiam a administração pública, como legalidade,
eficiência, razoabilidade e proporcionalidade, vez que são estes, que definem ser ato
administrativo de natureza discricionária ou arbitrária.
Nesse contexto, são os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que
exigem da referida competência administrativa a adoção de instrumentos eficientes, para a
restrição de direitos, sob pena de configurar arbitrariedade e não discricionariedade do
poder público, como alerta Careijido (2001), ao dizer que:
Alguns atos coercitivos decorrentes do poder de polícia podem trazer
agressão tão grande aos direitos e garantias fundamentais, especialmente
aos valores da liberdade e da propriedade, os mais afetados pelo exercício
de tal limitação administrativa, que pode eventualmente descaracteriza a
natureza jurídica do ato discricionário, transcendendo para a
arbitrariedade.
Destarte, o limite entre a arbitrariedade e a discricionariedade, no ato do poder
público de criar espaços territoriais especialmente protegidos de uso sustentável, que
eventualmente atingem área de posse ou domínio privado, está na capacidade de
aniquilamento do exercício da posse ou da propriedade privada. Ou seja, no efetivo
apossamento do bem por parte do Estado, de forma a consumar a desapropriação
indireta, pois do contrário ter-se-ia apenas a limitação administrativa que não dá ensejo à
indenização, como tem decididos os Tribunais pátrios, cuja minuta do acórdão se destaca:
TRF4-144381) ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
BANHADO DO TAIM. ESTAÇÃO ECOLÓGICA. DECRETO DE
UTILIDADE PÚBLICA. DESAPROPRIAÇÃO NÃO EFETIVADA.
LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA.
LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS DE CARÁTER GERAL.
AGRAVO
RETIDO.
RECURSO
ADESIVO
DA
UNIÃO.
10
O poder discricionário da Administração é caracterizado nos casos em que a lei reserva uma certa
liberdade para a decisão diante do caso concreto, desde que esta decisão seja legal. O administrador, ao optar
por uma ou outra solução, deve considerar os critérios de oportunidade, conveniência, justiça, eqüidade, que
lhe são próprios, pois não foram definidos pelo legislador. Ou seja, mesmo nos atos discricionários existe
limitação, (PIETRO, 2005. p. 205).
34
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Para que fique caracterizada a
desapropriação indireta, exige-se que o Estado assuma a posse efetiva de
determinando bem, destinando-o à utilização pública, o que não ocorreu
na hipótese dos autos, visto que a posse da autora permaneceu íntegra,
mesmo após a edição dos decretos federais que visavam proteger o
Banhado do Taim. 2. O primeiro decreto presidencial (de 1978) veiculava
a declaração de utilidade pública para fins de futura desapropriação que
nunca chegou a ser efetivada. O segundo decreto presidencial (de 1986),
criou a estação Ecológica do Taim mas, conforme consta do laudo
pericial, não atingiu a área de propriedade da autora. 3. A simples
imposição de limitações administrativas não dá ensejo à indenização pois
inexistente a supressão do direito de propriedade. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Apelação da
parte autora desprovida. 4. Agravo retido conhecido e improvido.
Apelação e recurso adesivo da União desprovidos. Honorários
advocatícios mantidos tais como fixados em primeiro grau. (Apelação
Cível nº 2003.71.01.001087-1/RS, 3ª Turma do TRF da 4ª Região, Rel.
Fernando Quadros da Silva. j. 14.09.2010, unânime, DE 24.09.2010).
Em suma, a discricionariedade do poder público no ato de criação dos espaços
territoriais especialmente protegidos, quando de uso sustentável, tem escudo no bem
limitar o exercício dos direitos e atividades privadas na referida área, de modo
transparente, impessoal e no estrito cumprimento do interesse público, de modo a
compatibilizar o dever do cumprimento da função social, com a prerrogativa do exercício
da posse ou da propriedade. Esse atendimento compatibiliza, no plano de manejo de uso da
área, as formas de exploração dos recursos naturais, os meios de utilização pública, a
partilha das benesses e, principalmente, a atividade fim que é a preservação do ambiente
natural.
Neste caso, não há de cogitar de desapropriação indireta, uma vez que o ato
administrativo tem natureza jurídica de mera limitação administrativa. A qual, não enseja
direito a indenização alguma para eventuais posseiros, possuidores ou proprietários
atingidos pela criação do espaço territorial especialmente protegido, como já decidiu a
Suprema Corte de Justiça, no seguinte sentido:
STJ-286289) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO
ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. NÃO
OCORRÊNCIA. SIMPLES LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA.
LEGITIMIDADE
PASSIVA.
AUSÊNCIA
DE
PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS DITOS
VIOLADOS. DECRETO 750/93. PROIBIÇÃO DO CORTE, DA
EXPLORAÇÃO E DA SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO PRIMÁRIA
OU NOS ESTÁGIOS AVANÇADO E MÉDIO DE REGENERAÇÃO
DA MATA ATLÂNTICA. AÇÃO DE NATUREZA PESSOAL.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. OCORRÊNCIA. DECRETO 20.910/32.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A ausência de
prequestionamento da matéria abordada no recurso especial atrai o óbice
35
das Súmulas 282 e 356 do STF. 2. Para que fique caracterizada a
desapropriação indireta, exige-se que o Estado assuma a posse efetiva de
determinando bem, destinando-o à utilização pública, o que não ocorreu
na hipótese dos autos, visto que a posse dos autores permaneceu íntegra,
mesmo após a edição do Decreto 750/93, que apenas proibiu o corte, a
exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado
e médio de regeneração da Mata Atlântica. 3. Trata-se, como se observa,
de simples limitação administrativa, que, segundo a definição de Hely
Lopes Meirelles, "é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem
pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades
particulares às exigências do bem-estar social" (in "Direito
Administrativo Brasileiro", 32ª edição, atualizada por Eurico de Andrade
Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho - São
Paulo: Malheiros, 2006, pág. 630). 4. É possível, contudo, que o
tombamento de determinados bens, ou mesmo a imposição de limitações
administrativas, tragam prejuízos aos seus proprietários, gerando, a partir
de então, a obrigação de indenizar. 5. Não se tratando, todavia, de ação
real, incide, na hipótese, a norma contida no art. 1º do Decreto 20.910/32,
o qual dispõe que "todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda
Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescreve em
cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem". 6.
Assim, publicado o Decreto 750/93 no DOU de 11 de fevereiro de 1993,
não resta dúvida de que a presente ação, ajuizada somente em 11 de abril
de 2008, foi irremediavelmente atingida pela prescrição, impondo-se,
desse modo, a extinção do processo, com resolução de mérito,
fundamentada no art. 269, IV, do Código de Processo Civil. 7. Recurso
especial parcialmente provido para reconhecer a prescrição da ação, com
a inversão dos ônus sucumbenciais. (Recurso Especial nº 1129103/SC
(2009/0051108-7), 1ª Turma do STJ, Rel. Arnaldo Esteves Lima. j.
08.02.2011, unânime, DJe 17.02.2011)
Meirelles (2004) dá até como exemplo as reservas florestais legais, como não
indenizáveis:
"Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de
ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades
particulares às exigências do bem-estar social. As limitações administrativas
são preceitos de ordem pública. Derivam, comumente, do poder de polícia
inerente e indissociável da Administração e se exteriorizam em imposições
unilaterais e imperativas, sob a tríplice modalidade positiva (fazer), negativa
(não fazer) ou permissiva (deixar fazer). No primeiro caso, o particular fica
obrigado a realizar o que a Administração lhe impõe... Além disso, para que
sejam admissíveis as limitações administrativas sem indenização, como é de
sua índole, hão de ser gerais, isto é, dirigidas a propriedades indeterminadas,
mas determináveis no momento de sua aplicação (...)."
"Limitações administrativas são, por exemplo, o recuo de alguns metros das
construções e terrenos urbanos e a proibição de desmatamento de parte da
área florestada de cada propriedade rural (o vigente Código Florestal
Brasileiro fixa esse limite em 20% da área florestada). Mas, se o impedimento
de construção ou desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua
totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade,
e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que
aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem.
36
Compartilha de igual entendimento Machado (1994), ao concluir como não
indenizáveis as reservas de florestas de preservação que atingem domínios privados:
"As florestas de preservação permanente do artigo 2º do Código Florestal,
instituídas pelo próprio Código, tais são as suas características de
generalidade, atingindo propriedades indeterminadas, devem ser incluídas
como limitações administrativas... Entende-se, portanto, que as limitações
contidas nas florestas de preservação permanente do artigo 2º não são
indenizáveis pelo Poder Público... Considerada a generalidade da obrigação
de instituir reservas florestais, não cabe indenização ao proprietário por parte
do Poder Público. A obrigação de instituir e manter a reserva não grava um
proprietário somente, mas todas as propriedades rurais privadas.
Paccagnella (1997) também compartilha com dito entendimento quanto à
indenizabilidade ou não das APPs, ao sugerir que:
não são devidas indenizações nem pelas áreas de preservação permanente de
cunho geral, nem pela reserva legal, uma vez que hodiernamente são espaços
territoriais protegidos, com fundamento constitucional, sendo que sua
preservação, em termos ambientais, é parte da função socioambiental da
propriedade, como pressuposto da existência jurídica desta última.
Melhor compreensão do tema se extrai do julgamento do Supremo Tribunal
Federal11, RESP 14.0436/SP, que ao analisar a questão, no que refere à extensão dos
efeitos da limitação administrativa e o direito de propriedade, assim decidiu:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. LIMITAÇÃO
ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO. I. Se a restrição ao direito de
construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da
propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à
indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que
condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes
da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já
do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais
restrições, pedir indenização ao poder público. RE não conhecido.
De se observar, ainda, que a delimitação de espaços territoriais especialmente
protegidos, quando de uso sustentável, cuja natureza jurídica equivalente a limitação
administrativa, poderá se efetivar por meio de simples Decreto do poder público, já que a
11
Recurso Especial nº 14.0436/SP, São Paulo, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, Estado de São
Paulo X Mario Netto e cônjuge, j. 25.05.1999.
37
ordem constitucional dá carta branca para criação de tais espaços a todas as unidades da
federação. Nesses termos, inclusive, já se pronunciou o STF/2010, como se vê a seguir:
STF-016328) MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE.
DEFESA. ATRIBUIÇÃO CONFERIDA AO PODER PÚBLICO.
ARTIGO 225, § 1º, III, CF/88. DELIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS
TERRITORIAIS PROTEGIDOS. VALIDADE DO DECRETO.
SEGURANÇA DENEGADA. 1. A Constituição do Brasil atribui ao
Poder Público e à coletividade o dever de defender um meio ambiente
ecologicamente equilibrado. (CB/88, art. 225, § 1º, III). 2. A delimitação
dos espaços territoriais protegidos pode ser feita por decreto ou por
lei, sendo esta imprescindível apenas quando se trate de alteração ou
supressão desses espaços, (grifei). Precedentes. Segurança denegada
para manter os efeitos do decreto do Presidente da República, de 23 de
março de 2006. (Mandado de Segurança nº 26.064/DF, Tribunal Pleno do
STF, Rel. Eros Grau. j. 17.06.2010, unânime, DJe 06.08.2010).
Conclui-se, portanto, que a natureza jurídica dos espaços territoriais especialmente
protegidos, cujas áreas possam atingir direitos de posse ou de domínio privado, é de mera
limitação administrativa, portanto não indenizáveis, em cumprimento ao dever de
emprestar ao exercício do direito de propriedade uma função social, no caso em tela,
função socioambiental.
3 CORREDORES ECOLÓGICOS
3.1 BREVE HISTÓRICO
No dizer de Ferreira (1986) corredor significa passagem longa e estreita, para
comunicar dois ou mais lados de um compartimento; um caminho aberto; uma porção de
um terreno estreito e limpo dentro de um capão. Portanto, seu significado compreende a
acepção de passagem de modo de ligação, entre duas áreas ou compartimentos.
Por outro lado o termo ecológico na definição de Ferreira (op. cit) é algo que
pertence ou relativo á ecologia – ‘parte da biologia que estuda as relações entre os seres
vivos e o meio ambiente em que vivem, bem como as suas recíprocas influências,
mesologia’.
Do ponto de vista léxico-semântico, o significado dos vocábulos, quando
justapostos sinalizam a exata compreensão da expressão corredores ecológicos, cuja
origem remonta a estudos na Cordilheira de Apalache, no extremo leste dos Estados
38
Unidos, que se estende até o Canadá, e que teve como setor prioritário as adjacências da
Floresta Nacional de Pisga, a qual se insere no Appalachian Trail Corridor (AT), uma
área de preservação permanentemente protegida para água potável, habitat dos animais
selvagens, oportunidades de lazer, que acrescenta um legado de décadas na organização
que se iniciou por volta de 1974, (Aires, 2005).
Mais recentemente nessa área foi descoberta uma rara espécie de borboleta, a Tigre
Apalachiano, identificada como animal hibrido decorrente do cruzamento das espécies da
borboleta Tigre oriental, com a borboleta Tigre canadense, conforme artigo publicado na
revista Plos Genetics12 (2011), com seguinte teor:
Cientistas norte-americanos descobriram uma espécie rara de borboleta
nas montanhas Apalache, cordilheira localizada entre Estados Unidos e
Canadá, que foi considerada uma evolução de duas outras espécies de
animais, já que continua traços visuais e composição genética idênticos.
A borboleta Tigre apalachiano swallowtail (Papilio appalachiensis) foi
denominada como híbrida devido às características semelhantes às da
borboleta Tigre oriental swallowtail (P. glaucus) e da Tigre canadense
swallowtail (P. canadensis). A borboleta Tigre apalachiano swallowtail
raramente se reproduz com insetos da mesma espécie e é um dos poucos
casos de animais híbridos, fenômeno que ocorre com mais frequência nas
plantas. Com a pesquisa, será possível entender a formação das espécies,
questão fundamental para explicar a diversidade de vida na Terra, afirma
Sam Scheiner, pesquisador da Fundação Nacional de Ciência dos EUA,
que financiou a pesquisa, dizendo que “é uma demonstração notável de
como a hibridização pode criar populações com uma nova combinação
de história de vida e características morfológicas, permitindo a
colonização de novos ambientes”, complementa o biólogo Larry Gilbert,
da Universidade do Texas e um dos responsáveis pelo estudo científico.
De acordo com os cientistas, as borboletas Tigre oriental e canadense
surgiram em épocas diferentes, em espaço de tempo de 600 mil anos. Já a
Tigre apalachiano surgiu há 100 mil anos. Ainda existe dificuldade na
diferenciação das espécies. São detalhes como manchas nas asas ou
mesmo no tamanho, que segundo os pesquisadores, com o tempo se
tornam fáceis de identificar.
Outro exemplo de corredor ecológico é trazido por Maia Santos (2002), quando
relata que na antiga Tchecoslováquia, em meados da década de 1980, foi desenvolvido o
conceito de Sistema Territorial de Estabilidade Ecológica (STEE), definido por uma rede
selecionada de habitats com biocentros ou fragmentos de vegetação natural, conectados por
biocorredores, ou corredores de migração biótica. Tal experiência, após apoios das
autoridades locais resultou na implantação de corredores artificiais que pudessem
promover a conexão entre os biocentros de vida silvestre.
12
http://ipevs.org.br/blog/?tag=especie., consultado em 27 de setembro de 2011.
39
Por fim, referencia Sodhi (et al, 1999), que a implantação da rede de corredores
interligando nos parques nacionais em Singapura já apresentam seus primeiros resultados
ao permitir o fluxo de algumas espécies de aves, mas estima que serão necessários
aproximadamente 30 anos para o seu pleno funcionamento físico e estrutural.
No Brasil o modelo pioneiro de corredores ecológicos foi idealizado por José
Marcio Ayres (Aires et al., 2005), no final década de 1970, que os nominou como
cinturões verdes que dariam continuidade entre unidades menores de províncias
biogeográficas delimitadas por grandes rios, de forma a proteger a diversidade genética e
ecológica da biota nativa.
Mais tarde, o autor da proposta brasileira dos corredores ecológicos adotou a
proposta do biólogo norte-americano Archie Carr III, da Wildlife Conservation Society,
para a criação do Paseo Pantera que se traduzia num corredor biológico na América
Central, através de um esforço político entre (07) sete países da região, para restabelecer a
conectividade das florestas centro-americanas localizadas em áreas protegidas, que se
transformou no projeto Corredor Meso-Americano, com diversos apoiadores, e cuja
implantação continua em andamento.
No entanto, a iniciativa brasileira apresentada, naquela ocasião, trouxe avanços à
idéia original Centro-Americana, porque propunha não apenas um único corredor
ecológico de vasta dimensão como aquele, com abrangência intercontinental de sete países,
mas sim, um conjunto de corredores estrategicamente desenhados objetivando a
conservação da biodiversidade das florestas tropicais do Brasil, em especial da Amazônia e
da Mata Atlântica.
Essa proposta tem como marco histórico a nível nacional, o Programa Piloto para a
Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PP G7, (1988), que propôs a criação de 07
(sete) corredores em todo o território nacional, dentre os quais se destacam: a) Corredor
Central da Mata Atlântica, b) Corredor Central da Amazônia; c) Corredor do Amapá; d)
Corredor do Cerrado; e) Corredor da Serra do Mar; f) Corredor do Nordeste. Importante
destacar que o Corredor Ecológico do Norte da Amazônia, que compreende parte do
Estado de Roraima, a fronteira com a Colômbia e a Venezuela é uma área vizinha ao
município de Boa Vista capital de Roraima, onde se localiza o Igarapé Mirandinha, objeto
deste trabalho.
O inicio do século XX foi marcado pelo fortalecimento da questão ambiental, fato
que provocou inúmeros encontros e conferências, nacionais e internacionais, se traduzindo
40
em teorias que vão desde a previsão de catástrofes relacionadas à utilização dos recursos
naturais até o ecodesenvolvimento e o desenvolvimento sustentável. Essa questão
ambiental impactou na ordem interna brasileira, resultando na inserção do disposto no
caput do artigo 225 da CF/88, norma-princípio, enunciativa do direito de todos ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Para a efetividade desse direito, a Constituição,
além de impor de forma genérica o dever tanto da coletividade quanto do Poder Público de
preservar o meio ambiente, especificou alguns deveres a este último e, dentre eles, o de
definir espaços territoriais a serem especialmente protegidos, de alteração e supressão
permitidas somente por meio de lei, seguindo o que está disposto no artigo 225, § 1º, inciso
III da Constituição, (PEREIRA, 2006).
E neste contexto se amoldam os corredores ecológicos, cujo histórico remonta a
década de 70, concebidos originalmente como grandes áreas de preservação interligando
Estados e Nações, na proteção dos rios, cordilheiras e florestas, mas que, em face de novos
conceitos, paradigmas e desafios, sobretudo, quanto à tutela ambiental constitucionalmente
determinada como bem de todo o povo brasileiro, transcendeu a evolução do conceito de
corredores ecológicos, para corredores de biodiversidade. Essa mais abrangente
compreensão da necessidade de proteção da biodiversidade e de suas implicações com a
evolução das espécies, da necessidade de circulação dos fluxos gênicos entre espaços
naturais, dos reflexos da conectividade e de sua correlação com a consecução do direito à
sadia qualidade de vida, também ultrapassou o conceito de fragmentação de ecossistemas,
estabelecendo assim, um novo paradigma aos corredores ecológicos totalmente distintos da
concepção histórica original.
Por isto, a compreensão do meio ambiente enquanto sistema, dentro de um conceito
totalizador demanda, para o estudo do direito, uma visão totalmente desvinculada da
cultura histórico antropocêntrica, à medida que questiona se direito ambiental serve apenas
ao homem ou a toda e qualquer forma de vida, (FIORILLO, 2009).
Essa visão sistêmica e totalizadora foi analisada por Aguiar (1998) que concluiu:
Embora possamos falar em meio ambiente marinho, terrestre, urbano
etc., essas facetas são partes de um todo sistematicamente organizado
onde as partes, reciprocamente, dependem uma das outras e onde o todo
é sempre comprometido cada vez que uma parte é agredida. Desse modo,
a poluição do ar desarticula a biosfera; o uso de agrotóxicos na
agricultura atinge as cidades; a exploração desordenada das madeiras
amazônicas atinge dimensões climáticas, econômicas, demográficas, de
fauna e flora.
41
Brota dessas considerações e reflexões que o estudo do meio ambiente pressupõe a
interdisciplinaridade e nesta ótica se incluem os espaços territoriais protegidos, em todas
suas modalidades e formas, pelo que, a eventual definição de corredores ecológicos,
permeia a compreensão dos atributos biológicos e jurídicos, que compõe a delimitação do
tema.
3.2 COMPREENDENDO A INTERDISCIPLINARIDADE
Necessário se rememorar que o direito ambiental é um dos ramos do Direito de
maior relevância nos últimos tempos, em razão da primazia de seu objeto, qual seja o bem
estar e a sadia qualidade de vida do homem, para o qual se desafia não apenas o
conhecimento da matéria jurídica, mas também a busca da interdisciplinaridade com várias
áreas da ciência uma vez que a práxis jurídica ambiental exige conhecimentos científicos e
técnicos de outras áreas do conhecimento como das ciências exatas e sociais aplicadas e,
em especial, da biologia.
É nesse sentido que se pode afirmar que os estudos envolvendo o direito ambiental
são necessariamente de caráter interdisciplinar, pois quanto mais ampla for à estratégia de
abordagem científica das questões do meio ambiente, maior será a possibilidade de
conservar e/ou preservar a diversidade biológica e seus ecossistemas.
Não por acaso o direito ambiental se classifica como de terceira geração, dentro da
esfera de novos direitos, que para Bobbio, (1992) merecem uma reflexão sobre suas
origens e aplicação quando observa que:
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos
históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por
lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de
modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
E neste contexto de antagonismo e de luta em defesa de novas liberdades, na
construção de novos direitos, se incluem a busca de instrumentos de efetivação do direito
ao meio ambiente equilibrado e à sadia qualidade de vida na amplitude assegurada pela
Constituição Federal, que permeia pela interdisciplinaridade de conceitos, de valores, de
42
macro-saberes, de forma a dimensionar a complexidade da relação homem natureza e
sociedade natureza.
Por essa razão se impõe a necessidade de incluir ainda que tangencialmente alguns
aspectos biológicos, que permeiam o estudo do direito ambiental, por consequencia, dos
espaços territoriais especialmente protegidos e dos corredores ecológicos, que são espécies
do gênero Unidades de Conservação. À medida que, os biólogos se ocupam não apenas de
comunidades, populações e organismos da natureza, mas também de ambientes construídos
ou influenciados pelo homem, a influência do homem sobre a natureza e sua influência
sobre aspectos como a alteração do clima, a poluição, o esgotamento dos recursos naturais
etc...
Begon (2007) argumenta que é imperioso enaltecer que a vida humana sobre a
natureza está tão generalizada que é muito difícil encontrar um ambiente ainda não afetado
por atividade humana. É por isso que problemas ambientais ocupam hoje posição de
destaque na agenda política global com os biólogos e ecólogos tendo um papel central a
desempenhar, pois um futuro sustentável depende especialmente do conhecimento
ecológico e da capacidade humana de prever e produzir conseqüências segundo diferentes
cenários. É nesse cenário que a população humana tem criado uma grande variedade de
problemas ambientais, em razão, principalmente de ser a espécie humana a única que
esgota e contamina o ambiente, que usa o fogo, os combustíveis fósseis e a fissão nuclear
para produzir energia na realização do trabalho.
Nesse contexto, o entendimento da extensão dos problemas enfrentados pelo
homem precisa encontrar meios de atendê-los e resolvê-los com base nos fins da ecologia e
nos valores da interdisciplinaridade, tendo o direito como alicerce, para a criação das
condições ecológicas amparadas nos valores das ciências sociais e naturais.
3.3 ASPECTOS BIOLÓGICOS QUE CERCAM O TEMA
3.3.1 Fragmentos de Habitats
O processo que envolve a redução de habitat original e isolamento de manchas de
áreas naturais remanescentes, por meio de atividades ou estruturas antrópicas, e que tem
43
sido uma das principais causas da perda da biodiversidade cuja consequência, resulta em
perda da integridade ecológica e sustentabilidade ambiental e de potencial biotecnológico.
Collinge (1996) argumenta que as conseqüências primárias da fragmentação de
habitats são: a) perda de espécies da fauna e flora nativas da região, muitas vezes
endêmicas; b) invasão de espécies exóticas desequilibrando relações como competição e
predação; c) inicio do processo de erosão do solo, e d) diminuição da qualidade e
disponibilidade de água.
Já para Tabarelli (1999) a fragmentação de habitats implica na ameaça mais séria à
diversidade biológica, e é a responsável pela crise de extinção atual uma vez que causa
danos irreversíveis, como a diminuição do fluxo gênico, causada pelo impedimento da
dispersão de animais, pólen, esporos, sementes e propágulos; a diminuição da diversidade
biológica; o isolamento de populações; a redução da escala de recursos disponíveis; o
aumento e a intensificação do efeito de borda no ecossistema; os riscos da consangüinidade
como a redução na taxa de heterozigose e a erosão genética das espécies.
Adicionalmente Metzger (1999) diz que um habitat fragmentado é um habitat com
quantidade limitada de recursos que obriga os indivíduos a emigrarem do fragmento ou, na
impossibilidade de movimentação para fora do habitat, haver um aumento das competições
intraespecíficas diminuindo o número de indivíduos dentro da população.
Com efeito, o isolamento de áreas pela fragmentação de ecossistemas implica numa
serie de efeitos deletérios às populações da fauna e flora, como subdivisão de populações,
aumento da taxa de endogamia e conseqüente erosão genética, menor resistência a
distúrbios e risco de extinção local, além de provocar o escoamento superficial de águas
pluviais, celebrar a erosão, diminuir a permeabilidade do solo, a diminuição no nível de
base dos rios e o declínio da qualidade da água, por conseguinte a influencia no clima e na
provocação das catástrofes atuais, (TURNER, 1989).
3.3.2 Conectividade
Segundo o Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil, (apud
Pizzato e Pizzato, 2009), conectividade é a capacidade de uma paisagem facilitar fluxos
entre os seus elementos. Assim:
44
o conceito de conectividade envolve a ligação de habitats, espécies,
comunidades e processos ecológicos em múltiplas escalas espaciais e
temporais. Devido à ocorrência de processos ecológicos e elementos da
diversidade biológica, uma estratégia para conservar esses processos,
incluindo seus “serviços ambientais”, e elementos, deve envolver a
conectividade ecológica.
De outro lado, as interações entre os indivíduos e/ou populações com os fatores
limitantes é responsável pela manutenção do equilíbrio do ecossistema, sendo responsáveis
diretos pela regulação da população, seu declínio ou seu sucesso. Esse tipo de controle
externo faz com que o tamanho efetivo da população seja diretamente proporcional à
quantia de recursos disponíveis que, por sua vez, é diretamente proporcional ao tamanho
do habitat. Uma vez que, as populações de fragmentos isolados possuem menor
probabilidade de sobrevivência do que populações de fragmentos conectados entre si,
principalmente se considerarmos a sobrevivência em longo prazo, (BLACES, 2004).
Ricklefs (1996) chama atenção para o assunto conectividade dizendo que a biota de
um ecossistema é composta de várias populações biológicas, que formam uma comunidade
local. Estas populações possuem interações inter e intra-específicas, ou seja, relações entre
os próprios indivíduos da mesma população e relações entre indivíduos de populações e/ou
espécies diferentes e, além dessas interações biológicas, interações com fatores bióticos e
abióticos, também denominados de fatores limitantes ou recursos.
Begon (2007) a respeito dos processos de conectividade e sua importância para
sobrevivência das comunidades lembra que uma comunidade biológica é composta por
indivíduos e populações e, como tal, é possível identificar e estudar propriedades coletivas
diretas, como a diversidade em espécies e biomassa da comunidade. Entretanto, já foi visto
que organismos da mesma espécie ou de espécies diferentes interagem entre si em
processo de mutualismo, parasitismo, predação e competição, impactando, dessa forma, na
saúde dos ecossistemas e, por consequência, refletindo na existência humana.
O autor conclui que aspectos da saúde do ecossistema às vezes têm reflexos diretos
sobre a saúde humana, citando, como exemplo, a quantidade de nitrogênio no lençol
freático e na água potável, a presença de algas tóxicas em lagos e oceanos, a riqueza em
espécies e animais hospedeiros que transmitem doenças para o homem em florestas de
carvalho, e também, sobre os processos naturais, (serviços de ecossistema), que as pessoas
valorizam, como controle das enchentes, disponibilidade de alimentos silvestres, (incluindo
animais caçados, os fungos e as plantas colhidas), e as oportunidades recreativas
decorrentes do ambiente natural.
45
Sumarizando pode-se afirmar que o elemento biológico da conectividade é
essencial na consecução da finalidade dos corredores ecológicos no seu objetivo de
interligar áreas remanescentes fragmentadas, por ações antrópicas na busca do
restabelecimento do ambiente natural.
3.3.3 Fragmentos Florestais e Efeitos de Borda
Outro componente biológico que tem correlação direta com a definição de
corredores ecológicos é a compreensão do conceito de fragmentos florestais, cuja idéia
principal é a de compreendê-lo, como parte de um todo que foi dividido separado ou
quebrado (RAMOS, 2005).
Para a citada autora “fragmentação de floresta se define como a redução e
isolamento das florestas provocando a perda do habitat e alterando as relações ecológicas
responsáveis pela manutenção das espécies e das comunidades biológicas isoladas em seus
remanescentes”. Como conclusão, Ramos (op.cit), afirma que “fragmentos florestais são
remanescentes de floresta desvinculados da vegetação original em decorrência de ações
antrópicas, ou naturais, ocasionando prejuízo para comunidades e populações biológicas
bem como para as interações ecossistêmicas que ocorrem no seu interior”.
Kormam (2003) aponta as conseqüências naturais advindas da fragmentação das
florestas, com enfoque na conservação biológica destacando duas teorias, (a Teoria de
Biogeografia de Ilhas e a Dinâmica de Metapopulações), que explicam a dinâmica das
populações em áreas fragmentadas e a importância dos corredores ecológicos na reversão
desse processo, concluindo que:
No contexto da conservação biológica, a fragmentação florestal é
definida como uma separação ou desligamento não natural de áreas
amplas em fragmentos espacialmente segregados, promovendo a redução
dos tipos de habitat e a divisão dos habitats remanescentes em unidades
menores e isoladas. [ ]....os estudos aplicados se baseiam em duas teorias:
a teoria de biogeografia de ilhas e a dinâmica de metapopulações. Essas
duas teorias constituíram a base para muitos dos atuais princípios da
conservação biológica, incluindo o uso de corredores para aumentar o
fluxo de flora e fauna.
A teoria da biogeografia de ilhas estuda a influência do tamanho do
fragmento de habitat e do seu isolamento nas populações. Com base
nessa teoria, ilhas pequenas tendem a conter menos espécies que ilhas
grandes, apresentando taxas de extinção mais elevadas. Ilhas mais
próximas de uma fonte de colonizadores podem ser capazes de abrigar
um número maior de espécies devido às taxas mais altas de imigração.
46
O corredor ecológico otimiza a habilidade das espécies de
movimentarem-se por entre as ilhas, aumentando o número de espécies
nas ilhas.
.
Ainda, segundo Kormam (op. cit) dentre as “conseqüências biológicas da
fragmentação florestal se inclui o declínio ou a extinção das espécies, em virtude do
impacto que o fragmento impõe sobre os efeitos de borda e sobre a estrutura da diversidade
e sustentabilidade da floresta”, ao afirmar que:
a) determinadas espécies necessitam de mais de um local para
desenvolver suas atividades, como a busca de alimento, cuidados com a
prole;
b) os recursos (alimento e água) não estão disponíveis em um só local
dentro da paisagem, variando de local para local, durante as diferentes
estações do ano;
c) as espécies necessitam de diferentes locais para sobreviverem devido
às variações climáticas que ocorrem durante o ano;
d) a capacidade de movimentação dos animais entre diferentes locais
dentro da paisagem é dificultada, comprometendo a viabilidade das
metapopulações.
Daí surge à importância do elo – corredor - que interligue as áreas fragmentadas
possibilitando o fluxo de genes, dos organismos e do movimento da biota, que compunha
outrora uma comunidade ou sistema como um todo. Agora essas vias de fluxo são
denominadas como corredores de remanescentes, cuja finalidade precípua é a
interligação entre remanescentes de vegetação primária em estágio médio e avançado de
regeneração, capaz de propiciar habitat ou servir de área de trânsito para a fauna residente
nos remanescentes, por meio das matas ciliares e ou pela faixa de cobertura vegetal,
(ALMEIDA, 2005).
Nesse sentido a Resolução nº 09, de 24 de outubro de 1996, do Conselho Nacional
do Meio Ambiente - CONAMA, em seu artigo 1º, dispõe que:
Art. 1º - Corredor entre remanescentes caracteriza-se como sendo faixa
de cobertura vegetal existente entre remanescentes de vegetação primária
em estágio médio e avançado de regeneração, capaz de propiciar habitat
ou servir de área de trânsito para a fauna residente nos remanescentes.
Parágrafo Único: Os corredores entre remanescentes constituem-se:
a) pelas matas ciliares em toda sua extensão e pelas faixas marginais
definidas por lei:
b) pelas faixas de cobertura vegetal existentes nas quais seja possível a
interligação de remanescentes, em especial, às unidades de conservação e
áreas de preservação permanente.
47
Ainda, sobre a fragmentação de florestas suas conseqüências biológicas e o
comprometimento da proteção à biodiversidade, se destaca o trabalho de Vieira (2005),
quando chama a atenção para os efeitos dos graus de isolamentos, que afetam a biota
nativa, o ciclo hidrológico local e regional e as condições econômicas da população local,
ao concluir que:
A fragmentação das florestas é a transformação de uma grande extensão
de hábitats em numerosas manchas menores, incluindo fragmentos de
diferentes tamanhos, formas, graus de isolamento, tipos de vizinhança e
históricos de perturbações, o que compromete a conservação de sua
diversidade biológica. A fragmentação afeta, de forma complexa, a biota
nativa, o ciclo hidrológico local e regional e as condições econômica e
social da população local.
Outro fator preponderante que decorre dos fragmentos florestais são os efeitos de
borda, cujo tamanho e a forma estão intrinsecamente ligados a borda, ressaltando que,
quanto menor o fragmento, ou mais alongado, mais fortemente os efeitos de borda podem
se fazer sentir, diminuísse a razão interior/margem.
Por outro lado, a razão entre o interior e a margem impõe restrições à manutenção
de populações de determinadas espécies, à medida que mexe com fatores espaciais com
forte impacto ecológico, (Fahrig & Merriam 1994), com os efeitos de fragmentação do
hábitat sendo controlados por dois fatores principais: a) os efeitos internos nos fragmentos
ligados à formação de borda de floresta e; b) a influência externa do hábitat matriz na
dinâmica do fragmento.
Esses fatores que resultam em duas premissas básicas. A primeira, a multiplicidade
de larguras da borda - distância, eis que é impossível determinar uma largura de borda
geral, porque cada aspecto possui uma largura específica. Por exemplo, Kapos (1989)
alerta que os fragmentos de florestas estão geralmente margeados por campos agrícolas
e/ou pastagens. Com a borda do fragmento, portanto, recebendo radiação solar
lateralmente, já que as espécies agrícolas geralmente possuem reduzida altura e biomassa.
Este incremento de radiação na borda do fragmento já foi medido em diversas situações e
em todas elas, a radiação solar se reduziu a partir da margem em direção ao interior, e se
estabilizou antes de 20 m de distância da borda, (KAPOS, op. cit).
O autor analisa a importância da largura da borda e a proteção ao bioma atingido
pela interligação entre a umidade e a distância da entrada da luz no interior do fragmento
48
florestal, com a luz e a umidade formando um gradiente composto floresta adentro. Outra
questão fundamental diz que na margem a luminosidade é alta e a umidade baixa, com a
sequencia revelando uma região onde a luminosidade já é baixa e a umidade ainda é baixa,
no interior do fragmento, na borda, a luminosidade é baixa e a umidade é alta. Todo esse
complexo torna perfeito o equilíbrio que acondiciona a umidade do ar, a composição e a
diversidades das espécies, sobretudo, no controle das pressões hídricas, (KAPOS, op.cit.).
A segunda premissa, atinente aos efeitos da borda é a monotonicidade, que se
traduz na análise do impacto que se atenua quanto mais se afasta da borda. Este aspecto
complementa o fator da distância, isto é dependendo da distância da luz e da umidade, o
efeito de borda será ou não monotônico. Isto quer dizer, que poderá haver mais ou menos
picos e depressões e nesse aspecto, o impacto do sol na borda da floresta não seria só mais
fraco quanto mais longe da borda, mas também que este impacto seria similar a uma pedra
lançada em um lago. Ou seja, a monotonicidade constata que quanto mais longe da borda,
menor o efeito da borda, portanto, todos os aspectos bióticos e abióticos acompanhariam a
tendência de redução da radiação solar a partir da borda, impactando na densidade da
vegetação e nos fatores de equilíbrio da sustentabilidade do sistema. (LAURENCE, 1997).
Por essas razões de natureza cientifica a interligação dos fragmentos florestais, por
meio de corredores de biodiversidade entre os remanescentes se traduz em estratégia de
conservação ambiental tendente a diminuir e a proteger aos efeitos de borda, à medida que,
contribui para a mantença da umidade no interior dos fragmentos interligados, em razão da
proteção e do controle da entrada da luz solar, que por sua vez influenciam na preservação
dos aspectos bióticos e abióticos, dois quais dependem a situação monotônica da borda,
medição do grau de densidade vegetal.
3.3.4 Proteção às Matas Ciliares
Entre os aspectos biológicos que circundam o tema objeto deste trabalho tem
importância a questão da necessidade de proteção das matas ciliares, que no artigo 2º do
Código Florestal – Lei nº 4471/65, tem definição mais abrangente, não limitada apenas
àquelas que circundam cursos d’água, incluindo, no conceito de matas ciliares, aquelas
vegetações localizadas nos topos de morros, montes, montanhas e serras; em encostas ou
partes destas, com declividade superior a 45 , equivalente a 100% na linha de maior
declive; nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; nas bordas
49
dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a
100 m (cem metros) em projeções horizontais e; em altitude superior a 1.800 m (mil e
oitocentos metros), qualquer que seja a vegetação.
Quanto aos cursos d’água urbanos, objeto da análise do presente trabalho, a
regulamentação das matas ciliares devem ser definidas nos respectivos planos diretores,
leis de uso e do parcelamento do solo e códigos municipais ambientais, com a observância
dos princípios e limites que norteiam a lei federal especifica, Parágrafo Único do artigo 2º
do Código Florestal – Lei nº 4471/65.
A par disto, a respeito da importância da proteção às matas ciliares Franco (2010),
destaca as relações com diversos fatores ambientais, devidos às suas características
peculiares, sempre associadas aos cursos d’água que por situarem-se, de maneira geral, em
regiões ecologicamente muito sensíveis e importantes da paisagem. Nesse contexto, traduz
o autor à análise da influência das matas ciliares nas condições do solo, sua proteção
mecânica, sua biodiversidade; da água, do ciclo hidrológico, sua qualidade; da
biodiversidade que abriga; do ar e o clima; da diversidade da flora e da fauna; dos habitats,
sua função como corredor de fluxo de gênico, e a possibilidade de planejamento das
paisagens na interação de áreas naturais e seus fragmentos.
Sobre outro enfoque, Ribeiro (2001) explica a visão utilitarista das matas ciliares na
função de manter o equilíbrio ecológico entre diversas espécies, evitando prejuízos a
diversas atividades econômicas exploradas pelo homem, uma vez que as florestas e
vegetações nativas em especial as formações ciliares, são responsáveis pelo abrigo de uma
enorme diversidade biológica, dentre as quais muitas espécies como tatus, morcegos,
pássaros, insetívoros, tamanduás, sapos, vespas, que se alimentam de insetos e controlam
pragas nas lavouras ou criações.
Nesse contexto, diz o autor que a destruição dos habitats, ou dos locais que servem
de refúgio a determinadas espécies pode causar desequilíbrio ecológicos pela eliminação
ou sensível redução de predadores naturais de certos animais que causam prejuízos às
atividades agropecuárias, concluindo que:
Em algumas regiões do Brasil, pombas e rolinhas tornaram-se pragas
devidos à eliminação de seus inimigos, como os gaviões, corujas, cobras
e etc. Na zona rural de Rondônia, macacos passaram a atacar lavouras
onde as florestas foram degradadas e eliminadas as fontes de alimentos
dos mesmos – fato que não acontece nas terras indígenas ou reservas
extrativistas, onde eles têm alimento.
50
Também Souza (2000) ressaltando a proteção das matas ciliares como elemento de
controle natural às pragas e outros fatores associados assevera que para perfeita
conservação e melhoramento do solo, impõe ao agricultor a manutenção das matas ciliares,
berço e criadouro de inúmeras espécies animais, algumas delas necessárias para a melhoria
na produção, ao realizar a polinização e o combate às pragas que infestam algumas
culturas.
E alerta, ainda, Souza (op. cit) que há risco quanto ao surgimento de outros tipos de
pragas, em razão da supressão ou deteriorização dos habitats, em face da enorme
biodiversidade que abrigam, destacando que:
A ameaça maior está nos milhares de espécies de insetos, fungos e
bactérias etc., que são especializados em alimentar-se de determinados
tipos de plantas silvestres. Em decorrência da destruição de florestas em
amplas regiões, essas espécies desapareceram, ou tentam adaptar-se a
comer o que o homem deixa disponível, ou seja, as poucas espécies de
interesse econômico impostas pelo homem ao ambiente.
Portanto, a importância da criação de espaços territoriais protegidos, para a
proteção da biodiversidade, como os corredores de remanescentes florestais, aumenta
significativamente, com a destruição ou fragmentação de habitats, através de processos de
conversão de áreas florestais em campos destinados a pastagens ou à agricultura,
principalmente, por que a conectividade entre os fragmentos tende a diminuir em paisagens
intensamente cultivadas. Para minimizar os efeitos deletérios da fragmentação florestal é
essencial a criação de elos de interligação entre áreas naturais remanescentes nestas
paisagens, como estratégica de política pública extremamente favorável ao controle natural
das pragas, ao fluxo gênico e qualidade do ar, do clima, do solo, da e d’ água, etc.
51
3.4 ASPECTOS JURÍDICOS QUE CERCAM O TEMA
3.4.1 Conceito
No âmbito nacional o tema corredores ecológicos teve sua primeira concepção
assentada na idéia expressada no Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais
do Brasil (PPG7), que considerava:
Grandes áreas que contém ecossistemas florestais biologicamente
prioritários para a conservação da biodiversidade na Amazônia e na Mata
Atlântica, compostos de unidades de conservação, Terras Indígenas,
outras protegidas e áreas de interstício, de modo a prevenir ou reduzir a
fragmentação das florestas existentes e permitir a conectividade entre as
áreas protegidas.
Essa compreensão inicial de corredores ecológicos enquanto grandes áreas, na
forma traduzida no Programa PPG7 tinha escopo nos objetivos e estratégias traçadas para o
referido programa, que se dispunha a definir áreas externas para a conservação da
biodiversidade em vez de unidades isoladas, de desenvolver marco claro para manejo
aprimorado de unidades de conservação, reservas particulares e terras indígenas e de
estabelecer como prioritário dois dos sete corredores planejados, o da Amazônia e o da
Mata Atlântica, incorporando a preservação macro sistêmica, com interligação entre
grandes áreas protegidas, seguindo o protótipo original do Appalachian Trail, (AT).
Ainda, nessa lógica, na década de 1990, a Diretoria de Ecossistemas do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), desenvolveu
o projeto denominado Parques e Reservas13, que propunha o fortalecimento das unidades
de conservação federais, com ênfase no planejamento, na gestão participativa e na maior
integração com a zona de amortecimento. E nesse cenário introduziu o conceito de
corredores de biodiversidade visando à ampliação da conectividade entre as áreas
remanescentes e no manejo da paisagem em vastas zonas geográficas.
Destarte, a partir da noção de corredores de biodiversidade, enquanto estrutura
linear da paisagem que difere das unidades vizinhas e que ligam pelo menos dois
fragmentos de habitat anteriormente unidos, segundo Anderson, (2003), abriu-se, nova
13
www.ibama.gov.br/projetos_centros/ppg7_port.htm. Consultado em 29 de outubro de 2011, ás 15h55min.
52
discussão e novas modalidades de corredores ecológicos, incluindo áreas menores e
necessárias à conectividade dentre os fragmentos naturais atingidos por ações antrópicas,
dos quais se destacam:
a) Corredores Lineares - faixa de cobertura vegetal existente entre
remanescente de vegetação primária, em estágio médio e avançado de
regeneração, capaz de propiciar habitat ou servir de área de trânsito para
a fauna residente nos remanescentes.
b) Corredores de Ligação – áreas de passagens por meio de estradas
e/ou trilhas (sistema viário) e de córregos e/ou canais (sistema de
drenagem), sendo que a arranjo espacial do mosaico de manchas e de
redes compõe o padrão paisagístico que permiti a conectividade entre os
organismos existentes.
c) Corredores de remanescentes – constitui-se pelas matas ciliares
em toda sua extensão, pelas faixas marginais definidas por lei e pelas
faixas de cobertura vegetal nas quais seja possível a interligação entre
remanescentes, em especial nas áreas de preservação e de conservação
permanentes.
d) Corredor de Paisagem - grandes extensões de ecossistemas
florestais biologicamente prioritários na Amazônia e na Mata Atlântica,
delimitados em grande parte por conjuntos de unidades de conservação
(existentes ou propostas) e pelas comunidades ecológicas que contêm.
Isto porque, hodiernamente, as oportunidades de proteção de grandes áreas são
reduzidas e, portanto, outras áreas, sujeitas a níveis variados de manejo e uso da terra,
devem também fazer parte das estratégias de conservação, uma vez que as unidades de
conservação geralmente são muito pequenas e isoladas; muito comumente, também, os
hábitats remanescentes não protegidos encontrarem-se fragmentados e sob forte pressão e
ameaça. Nessas circunstâncias, os esforços de conservação da biodiversidade devem
concentrar-se na ampliação da conectividade entre as áreas remanescentes, bem como no
manejo da paisagem em vastas zonas geográficas, (FONSECA, PINTO, RYLANDS,
1997).
3.4.2 Funções dos Corredores Ecológicos
Para Kormam (2003 p.3) as funções ambientais dos corredores ecológicos são as
seguintes:
a) Habitat - exercendo a função de habitat, o corredor é uma área com a
combinação apropriada de recursos (alimento, abrigo) e condições
ambientais para a reprodução e sobrevivência das espécies. Se um
corredor propicia um habitat apropriado, facilitará também a dispersão.
53
No contexto da conectividade regional, os corredores devem ser mais
largos, podendo sustentar uma ampla gama de espécies em uma escala de
tempo anual ou mesmo por décadas ou séculos, cumprindo, desta forma,
a função de habitat;
b) Condutor ou “Dispersor - a habilidade dos animais em moverem-se
através de um corredor de um local para outro é básica em todas as
definições de corredores. Esta é a função de “condutor”, que inclui o
fluxo para a migração sazonal de determinadas espécies, para o
forrageamento, a exploração e a procura de parceiro para a reprodução,
que para alguns autores chama-se o link ou conectividade, ao invés de
“corredor” para tornar claro seu foco na função de condução e no
aumento da conectividade da paisagem.
c) Filtro e Barreira: o termo filtro implica em algum nível de
permeabilidade e geralmente está associado com zonas ripárias e
qualidade da água. Uma “faixa filtro” ou “zona tampão” é, por exemplo,
a vegetação ripária adjacente aos cursos d’água, ou outros sistemas
aquáticos, destinados à remoção de nutrientes, sedimentos e poluentes,
provenientes do escoamento superficial, antes de atingirem os
ecossistemas aquáticos. O termo “barreira” implica praticamente em
impedir, bloquear. Como exemplo, temos as rodovias, que geralmente
são barreiras para o fluxo da fauna silvestre. Há estudos objetivando
mitigar este efeito, utilizando túneis, passagens subterrâneas, pontes entre
outros.
e) Fonte e Sumidouro: a dinâmica das populações de animais
silvestres na paisagem pode depender de unidades de habitat adequadas e
inadequadas. O destino de uma população na paisagem pode depender do
sucesso reprodutivo dos indivíduos que ocupam unidades de habitat de
boa qualidade em sobrepujar o fracasso reprodutivo dos indivíduos que
ocupam unidades de habitat de má qualidade. Este conceito é chamado
de dinâmica de fontes e sumidouros. Determinados autores consideram
que corredores precariamente projetados, podem agir como sumidouros
de determinadas populações devido à ampla exposição dos animais nas
bordas, deixando-os suscetíveis aos predadores resistentes na matriz e à
competição com espécies generalistas. Um exemplo de corredor com a
função de sumidouro seriam aqueles que exercem a função de filtragem
de poluentes e sedimentos, protegendo os ecossistemas.
Ainda, para a autora a principal função de um corredor ecológico é a conectividade
fundamentada, como anteriormente dito, nas Teorias da Biogeografia de Ilhas e de
Metapopulações, que relaciona a conectividade à facilidade com que os animais se
movimentam em ambientes fragmentados.
A complexidade está no fato de que uma paisagem linear, com perspectiva humana
de conectar fragmentos, não aumentará, necessariamente, a conectividade para outras
espécies, pois cada espécie possui histórias de vida e necessidades de habitat diferentes. E
complementa Kormam (op.cit) dizendo que para a maioria dos autores, os corredores
exercem mais de uma função, mesmo que tenham sido planejados apenas para exercer uma
função. Em decorrência das múltiplas e complexas funções que um corredor pode exibir, é
extremamente difícil descrevê-las de forma sucinta. Podendo se concluir sumariamente que
54
a função do corredor como condutor para uma espécie, pode ser habitat, enquanto que,
para outra poderá ser uma barreira.
Contudo, forçoso concluir que o sistema jurídico pátrio se perfila em acordo com a
Teoria da Biografia de Ilhas, sem descuidar das populações, uma vez que define corredores
ecológicos como porções de ecossistemas que interligam unidades de conservação
possibilitando entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando assim a
dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, (artigo 2º, XIX, da Lei nº
9.985/2000).
3.4.3 Definição Jurídica
No campo jurídico a Lei nº 9.985/2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I,
II, III e VII da Constituição Federal, que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza, (SNUC), em seu artigo 2º, inciso XIX, define corredores
ecológicos, como sendo:
Art. 2º
XIX - corredores ecológicos: porções de ecossistemas naturais ou
seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas
o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de
espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de
populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão
maior do que aquela das unidades individuais.
Essa definição jurídica contempla alguns conceitos de direito ambiental, que
abarcam o tema corredores ecológicos, em especial, como o disposto ao § 2º do art. 1º do
Código Florestal, Lei nº 4.471/65:
I – área de preservação permanente: área protegida nos termos dos
arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o
solo e assegurar o bem estar das populações humanas;
II – reserva legal: área localizada no interior de uma propriedade ou
posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos
processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e
proteção de fauna nativas.
55
A respeito da criação de espaços territoriais, em perímetros urbanos, entre suas
finalidades e justificativas, deve-se destacar algumas das diretrizes que norteiam o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, Lei 9.985/2000, que demarca os
objetivos que motivam a criação de tais espaços, como:
a) contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de
ecossistemas naturais;
b) proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza
cênica;
c)
recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
d) favorecer condições e promover a educação e interpretação
ambiental;
e)
valorizar a recreação em contato com a natureza;
f)
criar as condições para projetos de turismo ecológico.
Já quanto aos critérios e normas para a criação, implantação e gestão de unidades
de conservação a SNUC, (art. 2º), estabeleceu alguns conceitos que permeiam com a
criação de corredores ecológicos, como:
I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos
ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais
relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao
qual se aplicam garantias adequadas de proteção;
II - conservação da natureza: o manejo do uso humano da natureza,
compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a
restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir
o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo
seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações
futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral;
III - diversidade biológica: a variabilidade de organismos vivos de todas
as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres,
marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de
que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies,
entre espécies e de ecossistemas;
IV - recurso ambiental: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e
subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os
elementos da biosfera, a fauna e a flora;
V - preservação: conjunto de métodos, procedimentos e políticas que
visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas,
além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a
simplificação dos sistemas naturais;
VI - proteção integral: manutenção dos ecossistemas livres de alterações
causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos
seus atributos naturais;
56
VII - conservação "in situ": conservação de ecossistemas e habitats
naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies
em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou
cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades
características;
VIII - manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a
conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas;
IX - uso indireto: aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou
destruição dos recursos naturais;
X - uso direto: aquele que envolve coleta e uso, comercial ou não, dos
recursos naturais;
XI - uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a garantir a
perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos
ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos,
de forma socialmente justa e economicamente viável;
XII - extrativismo: sistema de exploração baseado na coleta e extração,
de modo sustentável, de recursos naturais renováveis;
XIII - recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma população
silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser
diferente de sua condição original;
XIV - restauração: restituição de um ecossistema ou de uma população
silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original;
XVI - zoneamento: definição de setores ou zonas em uma unidade de
conservação com objetivos de manejo e normas específicos, com o
propósito de proporcionar os meios e as condições para que todos os
objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz;
XVII - plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com
fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se
estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da
área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das
estruturas físicas necessárias à gestão da unidade;
XVIII - zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de
conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e
restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos
negativos sobre a unidade;
Os Corredores Ecológicos brasileiros concentram o fundamento de gestão na
conectividade protegida, buscando o desenvolvimento dessas áreas e o baixo impacto
ambiental nas áreas entremeadas, por meio de uma estratégia descentralizada em
conformidade com o Programa-Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil –
PPG.
Eles se traduzem em espaços físicos florestais ininterruptos, interligando Unidades
de Conservação – UC’s, concebida a ocupação humana e a utilização da terra nos seus
mais diversos modos, objetivando o bem estar da população no que se refere à qualidade
de vida, a proteção da diversidade biológica, o resgate ecológico da região territorial, a
melhoria do clima, a retenção de águas das chuvas e a proteção aos recursos hídricos,
(NORTE FILHO, 2011).
57
Daí a importância da assimilação de conceitos que tratam de efetivar estratégias e
modos de conservação da biodiversidade, por exemplo, a conservação in situ, que
compreende a conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e
recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais, sendo estas
algumas das atividades fins dos programas Corredores Ecológicos.
Destacam-se, também nesse prisma outras definições jurídicas, como o plano de
manejo, enquanto instrumento que estabelece o zoneamento, as normas que devem presidir
o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas
físicas necessárias à gestão da unidade criada. A definição de recuperação que compreende
a restituição de um ecossistema ou da população silvestre degradada, de preservação, que
de forma objetiva contribui com o conjunto de métodos, procedimentos e políticas que
visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas e da manutenção dos
processos ecológicos. Por fim, o conceito de diversidade biológica, que no momento
abarca a compreensão de organismos vivos de origens diversas, de ecossistemas terrestres,
marinhos, aquáticos e complexos ecológicos de que fazem parte.
Portanto, a criação de espaços territoriais protegidos em ambientes urbanos, sob a
legitimação de corredores de biodiversidade, implica necessariamente na elaboração de um
plano de manejo especifico, visando à recuperação dos ecossistemas fragmentados, com
fins de preservar, por meio de métodos próprios a conservação da diversidade biológica e a
reprodução das espécies, do fluxo gênico e do movimento da biota.
Por esses conceitos, impõe-se ao Poder Público a criação de instrumentos de gestão,
de controle, de licenciamento das unidades implantadas, como disciplina a Resolução
Conama nº 326/2003, que em seu artigo 1º, sugere a sistematização da Câmara Técnica de
Gestão Territorial e Biomas, com a finalidade de ordenar a gestão ecológico/econômica
dos corredores ecológicos, observa-se:
Art. 1º - Instituir a Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas com a
finalidade de propor normas visando subsidiar o ordenamento territorial,
o zoneamento ecológico-econômico e a gestão integrada de corredores
ecológicos e dos ambientes costeiro e marinho, diretrizes para a gestão
territorial sustentável, bem como normas e critérios para o licenciamento
ambiental de atividades potencial ou efetivamente poluidoras.
Em suma, a definição jurídica de corredores ecológicos consiste na criação de
espaços territoriais protegidos, que interligam outras unidades de conservação, ou de
58
preservação, ou ainda, que estabeleçam elos de conectividade entre ecossistemas
fragmentados, por ações antrópicas, por meio do incremento do grau de conectividade
entre as áreas naturais remanescentes, em diferentes categorias de proteção e manejo,
objetivando o restabelecimento dos recursos naturais, como a águas interiores, superficiais
e subterrâneas, os estuários, solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora, que
compunham o sistema natural, (Lei nº 9.985/2000).
Importante contribuição quanto ao significado dos corredores ecológicos foi data
por Ayres et al (2005), que destaca a importância da conectividade entre áreas
remanescentes sob diferentes categorias e manejos, que reflete a evolução do conceito
inicial, que compreendia a visão de braços verdes, como instrumentos de ligação entre
grandes áreas de conservação, que transcendeu para uma nova visão de ecossistemas ou
ambientes naturais fragmentados estabelecendo novas categorias de unidades protegidas,
como a seguir definido:
Corredores ecológicos considerados neste projeto foram concentrados
como as grandes extensões de ecossistemas florestais biologicamente
prioritários na Amazônia e na Mata Atlântica, delimitados em grande
parte por conjuntos de unidades de conservação (existentes ou propostas)
e pelas comunidades ecológicas que contem. O manejo integrado dos
corredores ecológicos visa facilitar o fluxo de indivíduos e genes entre
populações e subpopulações aumentando a probabilidade de sua
sobrevivência a longo prazo e assegurando a manutenção de processos
ecológicos e evolutivos de larga escala. O conceito de corredores
ecológicos permite ainda o incremento do grau de conectividade entre as
áreas naturais remanescentes, sob diferentes categorias de proteção e
manejo, através de estratégias de fortalecimento e expansão do número
de unidades de conservação, incluindo-se aqui as RPPNs, além da
recuperação de ambientes degradados, quando considerados compatíveis,
(AYRES et al, op.cit).
Igual, compreensão traduz Ramos (2005), quando aborda o tema da proteção
jurídica aos fragmentos florestais trabalhando conceitos em ambientes urbanos e a
compreensão da competência no âmbito local das questões ambientais, no tocante a
preservação das matas ciliares e da vegetação de borda.
Com efeito, a noção de conectividade é de suma importância, quando se considera
que os corredores, como estruturas lineares de vegetação, são capazes de conectar os
remanescentes isolados e diminuir os efeitos negativos da fragmentação, aumentando a
capacidade de uma paisagem de facilitar os fluxos de organismos, sementes e grãos e
59
polens, que contribuem significativamente, para a estrutura genética das populações para a
sustentabilidade do ecossistema interligado.
3.4.4 Natureza Jurídica
Uma vez delineada a definição jurídica de corredores ecológicos à luz do
ordenamento jurídico pátrio, o próximo passo é caracterizar a natureza jurídica do instituto,
de modo a sedimentar os instrumento legais disponíveis ou não, para fins de efetivação de
tal propósito.
Nessa condição entendem-se corredores de biodiversidade ou ecológicos, como
gênero de outras espécies, de espaços territoriais de uso sustentável, uma vez que
objetivam a compatibilização do uso de maneira racional e sustentável dos recursos
naturais que possuem, com a preservação da natureza, constituindo-se, em Unidade de
Conservação com gestão própria traduzida em plano de manejo especifico, que defina a
visitação publica, a exploração dos recursos naturais com atividades de baixo impacto
ambiental e critérios de proteção ás populações tradicionais, por ventura residentes.
A natureza jurídica define que, na hipótese de atingir a área de conservação em
espaço de domínio privado deverá obrigatoriamente constar tanto no plano de manejo,
como na estratégia de gestão, a participação de eventual posseiro, possuidor ou
proprietário, contemplando a aferição de renda, quando houver exploração econômica de
sustentabilidade, como na condição de protagonista da educação ambiental e de
instrumento na disseminação da consciência da proteção ao ambiental natural.
De acordo com a lei do SNUC dois são os grupos de unidades de conservação,
sendo: a) de proteção integral que congrega as categorias Estação Ecológica, Reserva
Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre; b) de uso
sustentável que abarca as Áreas de Proteção Ambiental, de Relevante Interesse Ecológico,
Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento
Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
Por conseguinte, enquadram-se, os corredores ecológicos, quanto à natureza
jurídica como Áreas de Relevante Interesse Ecológico, assim declarada pelo poder público,
em razão de suas características extraordinárias, podendo ser de pequena ou de grande
extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, desde que, objetive manter
60
ecossistemas naturais de importância regional ou local permitido o uso de modo
compatível com o objetivo fim a que se propõe, qual seja a conservação da natureza e dos
ambientes naturais fragmentados pela atividade antrópica.
A institucionalização dos corredores ecológicos é feita por ato do Poder Público de
acordo com o Decreto nº 89.336/84, que dispõe sobre as Reservas Ecológicas e Áreas de
Relevante Interesse Ecológico, (ARIE), que no artigo 2º estabelece:
Art. 2º - São Áreas de Relevante Interesse Ecológico as áreas que
possuam características naturais extraordinárias ou abriguem exemplares
raros da biota regional, exigindo cuidados especiais de proteção por parte
do Poder Público.
Os artigos 5º, 6º e 7º do Decreto nº 89.336/84 delegam competência supletiva ao
Poder Público Estadual e Municipal, na consecução de normas, critérios complementares,
possibilidade de formação de convênios, objetivando a propositura de criação de áreas de
relevante interesse ecológico, de acordo com o disposto a seguir:
Art. 5º - Nas Reservas Ecológicas e nas Áreas de Relevante Interesse
Ecológico declaradas pelos Estados e Municípios, poderão ser
estabelecidos normas e critérios complementares aos determinados pelo
Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, os quais serão
considerados como exigências mínimas.
Art. 6º - A Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA, sem prejuízo
da faculdade de atuar direta ou supletivamente, poderá fazer convênios
com entidades estaduais para fiscalizar as Reservas Ecológicas e Áreas
de Relevante Interesse Ecológico.
Art. 7º - A declaração de uma área como de Relevante Interesse
Ecológico, será proposta através de resolução do CONAMA, ou de órgão
colegiado equivalente, na esfera estadual ou municipal.
A criação das ARIES foi regulamentada na Resolução do CONAMA nº 12 de
14.09.89, que no seu artigo 1º norteia os princípios basilares que norteiam a realização de
atividades nas áreas em questão, dispondo:
Art. 1º - Nas Áreas de Relevante Interesse Ecológico ficam proibidas
quaisquer atividades que possam por em risco:
I - A conservação dos ecosistemas;
II - A proteção especial à espécie de biota localmente raras;
III - A harmonia da paisagem.
61
No artigo 2º a Resolução do Comana nº 12/89, de forma exemplificativa, elenca
alguma das hipóteses de atividades econômicas consideradas não predatórias que poderão
ser desenvolvida no interior das ARIES, como o pastoreio e a colheita limitada de produtos
naturais, as quais deverão obrigatoriamente constar do plano de manejo especifico.
Finalmente, o artigo 3º da Resolução, em comento, estabelece o dever do poder
público Federal, Estadual ou Municipal, em criar a ARIE, indicando o órgão supervisor e
fiscalizador da mesma, facultado estabelecer proibições ou restrições em acordo com o
objetivo a que se propõe.
No Parágrafo Único do art. 3º da Resolução citada faculta a delegação de
competência do órgão público criador da ARIE, por meio de convênio, ou termo de
colaboração, para fiscalização dos objetivos conservacionistas da área, para entidades ou
órgãos da sociedade civil.
Em conclusão, a importância de se verificar a natureza jurídica dos corredores
ecológicos, como sendo do gênero espaço territorial protegido de uso sustentado, da
espécie Áreas de Relevante Interesse Ecológico, (ARIE), está diretamente relacionada ao
fato de caracterizar o ato do poder público criador da área de interligação entre
ecossistemas fragmentados, como sendo limitação administrativa, ao direito de
propriedade seja esta pública ou privada. Decorre disto, a possibilidade de se permitir
atividades socioeconômicas compatíveis com a finalidade do instituto conservacionista,
salvo a necessidade de desocupações, para consecução da área, que implicaria em
desapropriação pelo interesse social, sujeita a indenização, exatamente como prescreve o
artigo 4º, I, da SNUC, que estabelece, como fundamento da Política Nacional do Meio
Ambiente, à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.
4 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
Os princípios são espécies normativas de grande importância em todo o sistema
jurídico, à medida que fornecem maior unidade ao sistema, determinam diretrizes, valores,
harmonizam e direcionam a interpretação e aplicação das demais normas. No dizer de Grau
(2002) os princípios são o alicerce do sistema jurídico, visto que são disposições
fundamentais que influenciam e repercutem sobre todas as demais normas do sistema.
62
Ademais, conferem coerência às normas jurídicas que compõem o sistema, ao conduzir a
tarefa interpretativa conforme a unidade e coerência do próprio direito.
Acerca da força, da importância dos princípios constitucionais no fortalecimento do
Estado Democrático de Direito e o sacrifício de interesses, Konrad Hesse (1991) faz a
seguinte observação:
quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da
preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à
Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do
Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não
se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que
significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que,
desperdiçado, não mais será recuperado.
No direito ambiental há uma diversidade de princípios dentre os quais se destacam
os princípios da precaução e da prevenção, que buscam a segurança e a qualidade do meio
ambiente, e priorizam as medidas preventivas em sua tutela na consecução de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Mirra (1996)
observa que a defesa do meio ambiente é um dever do Estado e, por isso a atividade dos
órgãos estatais na sua promoção é de natureza compulsória o que torna viável, em relação
ao Poder Público, a exigência do exercício das competências ambientais, com as regras e
contornos constitucionalmente previstos.
No plano global os princípios da política de meio ambiente foram tratados na
Conferencia de Estocolmo de 1972 e ampliados na ECO 92, os quais são genéricos e
aplicáveis ao meio ambiente adaptados à realidade cultural e social de cada país.
Ao fim, no dizer de Sirvinskas (2009) os princípios são normas que exigem a
realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e
jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou
nada, mas impõe a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a
reserva do possível, fática ou jurídica. E suas principais características são a simplicidade
(fácil compreensão) e a hierarquia superior (fundada no direito natural ou na história do
instituto).
Nesse contexto, ressalta-se, dentre os princípios que norteiam o direito ambiental e
que regem a criação de espaços territoriais protegidos em ambientes urbanos, a prevenção,
a precaução, o direito ao meio ambiente equilibrado, à sadia qualidade de vida, a existência
digna e, sobretudo, o desenvolvimento sustentável da comuna.
63
4.1 PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO
A base do princípio da prevenção é o conhecimento afirmado de um malefício, não
apenas a hipótese de um risco. Partindo do pressuposto da adoção do princípio da
precaução, o princípio da prevenção fica restrito ao combate dos danos ambientais
previsíveis, porém evitáveis, se adotadas as cautelas apropriadas. O princípio da prevenção
abrange medidas que atuam na fonte do problema, para prevenir a degradação ambiental que sempre é mais eficaz do que a repressão, a correção posterior dos danos causados.
Milaré (1998) afirma que o princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental,
concernindo à prioridade que deve ser dada à medida que evitem o nascimento de
atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de
alterar a sua qualidade, com isto, uma série de imposições foi introduzida na ordem
jurídica pátria, visando à efetividade da preservação, sempre tendo como finalidade última
a manutenção do equilíbrio ecológico e a qualidade de vida, como:
a) a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, com a
provisão e o manejo ecológico das espécies e do ecossistema;
b) a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético
do País, com a fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético;
c) a definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais
e respectivos componentes, de proteção com vistas à preservação do
meio ambiente, permitindo-se a alteração ou supressão unicamente em
virtude de lei, com a proibição de uso que comprometa a integridade e a
natureza de seus atributos;
d) a exigência, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente, de prévio
estudo de impacto ambiental, com a devida publicidade;
e) o controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas,
método e substâncias que comportem risco para a vida, a sua qualidade e
a do meio ambiente;
f) a promoção da educação ao meio ambiente, visando à conscientização
pública em preservar o meio ambiente;
g) a proteção da fauna e da flora, ficando proibidas as práticas aptas a
colocarem em risco a ecologia e provocarem a extinção de espécies ou
causarem danos a animais.
Destarte, o princípio da prevenção tem como corolário a exigência da realização de
estudo prévio de impacto ambiental, (EIA), de modo a fornecer elementos precisos no
controle prévio de algumas atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental.
64
No caso específico, implantação de corredores ecológicos, eventuais atividades
econômicas de sustentabilidade a serem desenvolvidas pressupõem a observância do
princípio da prevenção, por meio do estudo de impacto ambiental (EIA) e respectivo
relatório de impacto ambiental (RIMA), a serem, também, obrigatoriamente atendidos,
com fins de demonstrar a conciliação do desenvolvimento sócio-econômico com a
preservação do meio ambiente saudável e do equilíbrio ecológico, da função social da
propriedade (pública e privada), da defesa do meio ambiente (incluída a defesa da sadia
qualidade de vida), com todos os seus bens ou recursos ambientais de valores naturais,
sócio-econômico-sanitários, culturais, paisagístico-ambientais.
4.2 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Muitos autores entendem que a prevenção é gênero das espécies precaução e
cautela, ou seja, o sempre agir antecipadamente, principalmente, quando tais princípios
conciliarem a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento sócio-econômico, para
melhoria da qualidade de vida do homem e a utilização racional dos recursos naturais não
renováveis. Essa compreensão decorre principalmente em razão do disposto ao Princípio
15 da Declaração do Rio de Janeiro - 'ECO 92', que trata do principio da precaução, assim
estabelecendo:
Princípio 15 - para que o ambiente seja protegido, será aplicada pelos
Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde
existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta
de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas
eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental.
Nesse mesmo sentido foram redigidos os Princípios 1 e 2 da Carta da Terra14,
proclamada em 14 de março de 2000, que impõem enorme desafio de proteger e preservar,
com total responsabilidade, a comunidade da vida, com amor e compaixão, prescrevendo
que:
14
Carta da Terra" - fruto de uma década de diálogos transculturais da sociedade civil, aprovada em 2003 pela
Conferência Geral da UNESCO, como marco ético importante e ferramenta didática valiosa para o
desenvolvimento sustentável em todos os níveis de Governo. Disponível em http://www.erthcharter.org>.
Acesso em: 14 Abril 2012.
65
Principio 1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade a. Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de
vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres
humanos.
b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no
potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.
Principio 2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão,
compaixão e amor.
a. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos
naturais, vem o dever de prevenir os danos ao meio ambiente e de
proteger os direitos das pessoas.
b. Assumir que, com o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do
poder, vem a maior responsabilidade de promover o bem comum.
De outro modo, importante a critica faz Derani (1997), no concernente ao principio
da precaução e a sustentabilidade ambiental das atividades humanas, que, na sua visão,
compreende tanto a proteção de seu ambiente como a proteção da própria integridade da
vida humana, concluindo que:
O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de
perigo e segurança das gerações futuras, como também de
sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a
tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção
de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida
humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o
risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos
futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa
compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais
conseguem captar em toda densidade.
Quanto à necessidade de ações humanas, no tempo certo, de forma a consagrar o
principio da precaução, Machado (1991), adverte que se age no presente para não se ter
que chorar e lastimar no futuro. A precaução não deve estar presente apenas para impedir o
prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas,
como também deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo, pois se evita o dano
ambiental, através da prevenção no tempo certo.
Nesse tom, sempre que houver perigo de ocorrência de um dano grave ou
irreversível a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para
adiar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente,
sobretudo em função dos custos dessas medidas, mesmo que haja controvérsias no plano
científico com relação aos efeitos nocivos de determinadas atividades sobre o meio
66
ambiente, em atenção ao princípio da precaução essas atividades deverão ser evitadas ou
rigorosamente controladas pelo Poder Público.
No campo dos corredores ecológicos, objeto do presente estudo, exalta-se, o
principio da precaução na conservação biológica das paisagens fragmentadas, o que
implica no entendimento de conceitos como território e territorialidades, tanto no viés
humano quanto no de outras espécies de seres vivos, e de ambiente, como uma categoria
de análise que congrega os seres humanos e a natureza. Conforme Kageyama (1998) tornase importante uma visão de paisagem, no sentido de minimizar os efeitos genéticos e
aumentar a probabilidade de manutenção das populações das espécies nos fragmentos.
Dessa forma, o mosaico de fragmentos, o corredor de fluxo gênico e a distância mínima
entre fragmentos pequenos, assim como os efeitos estocásticos de muitas gerações em
várias populações, são conceitos importantes, na compreensão da ecologia de paisagens e
ao direito ao meio ambiente equilibrado para gerações presentes e futuras.
4.3 DIREITO A SADIA QUALIDADE DE VIDA
A Constituição Federal no artigo 225, caput positivou o direito à sadia qualidade de
vida, que significa viver em um meio ambiente hígido e ecologicamente equilibrado.
Portanto, ações que visem à proteção ambiental devem atender e garantir o desfrute de tais
bens pelas pessoas, pois estes procedimentos estão relacionados à perspectiva da
humanidade de viver com qualidade de vida.
Evidentemente, que o modelo econômico que impulsiona o ritmo do progresso
tecnológico, econômico, social e cultural, acaba por degradar a qualidade de vida, à
medida que detém e limita o vínculo do ser humano com a natureza. Santos (2001), em
critica ao atual modelo econômico diz que os princípios que vinculam a modernidade
atuam como agentes da degradação da natureza, o vínculo desta com o ser humano,
destacando que a natureza só poderá ter acesso à cidade por duas vias: uma como jardim
botânico, jardim zoológico ou museu etnográfico; e outra na compreensão de que se traduz
em matéria-prima à disposição da humanidade.
Sendo assim, o desafio que se propõe é o rompimento desse modelo, estabelecendo
uma nova relação do homem com a natureza, no sentido de concretizar o preceituado pela
67
Constituição Federal na proteção à flora, fauna e demais recursos ambientais integrantes da
dimensão natural, como elementos essências ao direito à sadia qualidade de vida.
Sob outro enfoque, exige-se, a ruptura do modelo econômico e cultural vigente,
como condição para efetivar o Principio nº 7 da Carta da Terra, que preconiza adotar
padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da
Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário”, prescrevendo como premissas
dentre outras:
A - reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de
produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados
pelos sistemas ecológicos;
B - atuar com restrição e eficiência no uso de energia e recorrer cada vez
mais aos recursos energéticos renováveis, como a energia solar e do
vento;
C - promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de
tecnologias ambientais saudáveis;
D - incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no
preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que
satisfaçam as mais altas normas sociais e ambientais;
E - garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde
reprodutiva e a reprodução responsável e;
F - adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência
material num mundo finito.
Sarlet (2005) também chama atenção para o assunto, ressalvando que, o direito ao
meio ambiente e à sadia qualidade de vida é enquadrado entre os direitos fundamentais de
terceira geração, os quais são caracterizados pela ruptura, em princípio, com a figura do
homem-indivíduo como seu titular. Os direitos fundamentais de terceira geração, também
denominados direitos de fraternidade ou solidariedade, se caracterizam pela proteção dos
direitos de titularidade coletiva ou difusa.
Assim, não é por acaso, que consta do 1º Princípio da Declaração de Estocolmo15,
de 1972, que o:
homem é, há um tempo, resultado e artífice do meio que o circunda, o
qual lhe dá o sustento material e o brinda com a oportunidade de
desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Na longa e
tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa na
qual, em virtude de uma rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o
homem adquiriu o poder de transformar, por inúmeras maneiras e numa
escala sem precedentes, tudo quanto o rodeia, os dois aspectos do meio
humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do
15
Declaração firmada por ocasião o da Conferência das Nações Unidas, Estocolmo, Suécia, 5-15 de junho de 1972.
68
homem e para que ele goze de todos os direitos humanos fundamentais,
inclusive o direito à vida.
Nesse passo, o direito ao meio ambiente deve ser visto como um direito
fundamental da pessoa humana, pois além de se relacionar com o próprio direito à vida,
protege o direito à sadia qualidade de vida, em todas as suas formas. Carvalho (2006)
salienta que a deterioração do meio ambiente acarreta inevitável lesão à saúde, com o
comprometimento da vida digna, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Portanto, a tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e toda a coletividade o dever
de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e
fundamental, que implica na preservação e conservação das áreas verdes, tanto em
ambientes urbanos como rurais.
Segundo Dajoz (1978) a estratégia em preservar áreas verdes em ambientes urbanos
compreende múltiplas funções indispensáveis à saúde pública, ao trabalho, ao lazer, ao
turismo, à educação, contribuindo, para preservar o meio ambiente e impedir os
desequilíbrios próprios da vida contemporânea, tais como:
A - função de proteção da natureza: essencial aos equilíbrios naturais
(influência sobre o clima, os solos, o regime das águas subterrâneas,
nascentes, superficiais, fluviais ou lacustres, pluviais);
B - função de sossego, lazer ou recreação, considerada, pelo aspecto
tranqüilizante, ornamental ou paisagístico das áreas verdes, como
medicamento essencial aos desequilíbrios fundamentais da vida
contemporânea nos grandes centros urbanos;
C - função de purificação do ar, de amenização dos sons, de fator
estético, no combate contra a poluição atmosférica, sonora, paisagística
ou visual.
Nesse norte a implantação de corredores de proteção á mata ciliar e aos cursos
d’água, como no caso em estudo, abarca a estratégia de preservação das áreas verdes no
cumprimento das funções e na efetivação do direito a sadia qualidade de vida, como
cunhado no plano constitucional.
4.4 DIREITO A UMA EXISTÊNCIA DIGNA
A garantia das condições mínimas para uma existência digna integra o conteúdo
essencial do princípio do Estado Social de Direito, constituindo uma de suas principais
69
tarefas e obrigações. Nesse sentido, a Constituição Federal em seu artigo 170 define que a
ordem econômica seja fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Com isso a Constituição Federal estabelece um novo paradigma ao ideário cartesiano de
índole essencialmente racionalista, própria do iluminismo, transcendendo, para uma
concepção de supremacia da vida humana, que permeia pela intervenção estatal em todas
as esferas de organização, com fins de fazer valer o sentimento de justiça social, elemento
permanente da natureza humana.
No dizer de Duguit (1930) este sentimento de justiça social se encontra em todas as
épocas e em todos os graus da civilização, na alma de todos os homens, entre os mais
sábios como entre os mais ignorantes. A justiça, em sua essência, para São Tomás de
Aquino (apud Paupério, 1972), consiste em dar a outrem o que lhe é devido, segundo uma
igualdade. A verdadeira igualdade, por sua vez, é aquela que pratica a igualdade entre os
iguais e a desigualdade entre os desiguais, podendo a justiça ser simples, proporcional,
comutativa, distributiva ou social.
Ainda, de acordo com Capra (2006):
Exatamente a dimensão que se empresta ao conceito de justiça social
pende a efetivação ao direito a existência digna, cujo desafio pressupõe a
aceitação de um novo processo de conhecer, um novo pensar, capaz de
dissecar a teia da vida, um novo diálogo com a natureza, que nos permita
descobrirmos um novo mundo distinto daquele que vimos fora de nós e,
muito mais próximo daquele que vimos dentro de nós.
Nesse contexto, se incluem pensar o direito ao meio ambiente equilibrado essencial
à sadia qualidade de vida, dentro de um conceito de justiça social, que permeia pela
efetivação do direito de paisagem, da proteção às matas ciliares e da manutenção dos
cursos d’água urbanos em sua beleza cênica, para gerações presentes e futuras, por meio de
corredores ecológicos.
4.5 DIREITO À PARTICIPAÇÃO
Ao prescrever a Constituição Federal no Parágrafo Único, do artigo 1º, que todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos
termos desta Carta Magna, estabeleceu um regime de democracia semidireta e consagrou o
70
direito à participação popular. Em mesmo contexto, determinou no caput do artigo 225 o
dever ao poder público e à coletividade de defender e preservar o meio ambiente para
presentes e futuras gerações.
Com efeito, a participação popular em questões ambientais nos termos da
Constituição tem natureza objetiva, conditio sine qua non, na resolução dos problemas e na
consecução ao princípio maior da tutela ambiental à precaução, que por sua vez, não
permite pensar o meio ambiente dissociado dos demais aspectos da sociedade, impondo a
todos o direito de informação e de educação ambiental colorários do principio da
participação popular.
Desta forma, a participação popular na proteção do meio ambiente está positivada
expressamente no Princípio nº 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 199216, que assim dispõe:
Princípio 10 - a melhor maneira de tratar as questões ambientais é
assegurar a participação no nível apropriado, de todos os cidadãos
interessados. No nível nacional, cada individuo terá acesso adequado às
informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades
públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades
perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar
dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a
conscientização e a participação popular, colocando as informações à
disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismo
judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e
reparação de danos.
No tocante a educação ambiental impôs, ainda, a Constituição Federal no § 1º,
inciso VI, do artigo 225, dever ao poder público de promover em todos os níveis de ensino
a conscientização quanto a necessidade de preservação do meio ambiente, como condição
a efetivar o direito a sadia qualidade de vida e ao meio ambiente equilibrado. Seguindo a
orientação constitucional a Lei nº 9.795 de 27.04.1999, que regulamentou a educação
ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental em seu artigo 1º, definiu
educação ambiental como:
Art. 1º - Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos
quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à
sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
16
www.onu.org.br/rio/img/2012/01/rio 92.pdf
71
Enquanto princípios básicos da educação ambiental estabeleceu a Lei nº 9.795/99,
em seu artigo 4º I e II um enfoque humanista, holístico, democrático e participativo, numa
concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o
meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade.
Todavia, em verdadeiro contracenso a Lei 9.985/2000 que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza trata de forma muito tímida a
participação popular em questões ambientais, pois elenca entre suas diretrizes, (art. 5º III),
a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades
de conservação e na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das
Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, das Áreas de
Proteção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das Áreas de Relevante
Interesse Ecológico, (§ 2º, do art. 27). Por razões inexplicáveis este diploma legal deixa de
observar entre suas diretrizes e objetivos, a educação ambiental e o direito a informação da
coletividade nas questões ambientais nos moldes estabelecidos na Constituição Federal.
Como consequencia disto, a participação popular em procedimentos ambientais tem
se resumido a mera participação em audiências públicas, as quais têm cunho apenas
homologatório das decisões administrativas já tomadas pelos entes públicos e empresariais
interessados, não incluindo a participação da sociedade nem garantido o direito a
informação. Este fato contraria o texto constitucional, que emprestas o status de requisito
objetivo à participação popular, em procedimentos que objetivem licenciar atividades que
resultem em impacto ambiental, ou que, sejam causadoras de poluição.
Audiências públicas que são regulamentadas pelos artigos 1º e 3º da Resolução
Conama nº 9 de 03.12.1987 - dou 05.07.1990, que prescrevem:
Art. 1º - A Audiência Pública referida na RESOLUÇÃO/CONAMA/Nº
1/86, tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto
em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos
presentes as críticas e sugestões a respeito.
Art. 3º - A audiência pública será dirigida pelo representante do Órgão
licenciador que, após a exposição objetiva do projeto e do seu respectivo
RIMA, abrirá as discussões com os interessados presentes.
Portanto, se faz premente a criação de mecanismos que efetivem a participação
popular, de forma direta, em processos decisórios de licenciamento ambiental, pois não é
suficiente a simples participação em audiências públicas, com finalidade apenas de
72
exposição do conteúdo e leitura do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e do Estudo
de Impacto Ambiental, (EIA), referente à área atingida ou a ser degradada. Isto porque,
além da realização das audiências públicas poderão os municípios criar fóruns específicos,
meios de interação direta com as regiões da cidade e com a sociedade civil organizada, de
modo que a informação de que dispõe o Estado seja partilhada com a sociedade, para
conjuntamente serem tomadas decisões ambientais mais adequadas.
Exemplo disto pode ser a implantação do Corredor Ecológico do Mirandinha na
cidade de Boa Vista, revitalizando aquele curso d’água urbano, em cumprimento ao
disposto no artigo 10 da Lei Estadual nº 254 DE 23.03.2000, que disciplina a atividade da
pesca esportiva no Estado de Roraima e, que dentre seus objetivos elenca a necessidade de
se implementar ações de educação ambiental visando a conscientização dos pescadores
esportivos e a conservação dos recursos pesqueiros.
Esse procedimento daria efetivação aos instrumentos da política ambiental
roraimense especificado no artigo 15, da Lei Complementar nº 07 de 28.08.1994, que
institui o Código de Proteção ao Meio Ambiente e do Uso Adequado dos Recursos
Naturais de Roraima, onde se destaca o teor dos incisos, IV, VII, IX, X e XI, como se lê a
seguir:
Art. 15. São instrumentos da Política Estadual do Meio Ambiente:
IV - os estudos de impactos ambientais e respectivos relatórios,
assegurada, quando couber, a realização de audiências públicas;
VII - os espaços territoriais especialmente protegidos, incluídas as
unidades de conservação;
IX - os mecanismos de estímulo e incentivo que promovam a
recuperação e melhoria do meio ambiente;
X - o sistema estadual de registros, cadastros e informações ambientais; e
XI - a educação ambiental, a defesa ecológica e as medidas destinadas a
promover a pesquisa e a capacitação tecnológica orientada para a
recuperação, preservação e melhoria da qualidade ambiental.
Importante, observar, que a política ambiental no Estado de Roraima não limita a
observância do princípio da participação popular em questões ambientais, apenas na
realização de audiências publicas, para leitura do EIA e do RIMA, à medida que, faz contar
como instrumentos de efetivação, a criação de espaços territoriais protegidos, a
implantação de sistema de registros, cadastro e de informações ambientais e a educação
ambiental na defesa ecológica do Estado, (art. 15 da Lei Complementar nº 07/94).
Nesse mesmo sentido, a legislação local consagra o princípio da participação
popular, como instrumento da Política Municipal do Meio Ambiente, que visa assegurar,
73
no Município de Boa Vista, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, e a proteção
da dignidade da vida humana, por meio da educação ambiental em todos os níveis de
ensino, contemplando, inclusive, a comunidade de forma a capacitá-los na participação
ativa em defesa do meio ambiente, conforme prescrito ao artigo 1º, inciso X, do Decreto
Municipal nº 79 de 20 de junho de 200017.
Pode-se, concluir, que qualquer procedimento ambiental que tenha como objeto o
licenciamento de atividades que resultem em impacto ambiental, ou que sejam causadoras
de poluição no município de Boa Vista, e ou, no Estado de Roraima, por força da
legislação estadual e local, tem obrigatoriamente de observar, além das costumeiras
audiências publicas, o cumprimento efetivo da participação da comunidade de forma
direta, para fins de observância aos princípios citados, especialmente, legalidade,
informação e educação ambiental.
5. INSTRUMENTOS DE EFETIVAÇÃO DOS CORREDORES ECOLÓGICOS
O direito acompanha os fatos sendo indissociável o binômio direito/realidade, por
consequência qualquer alteração positiva no ordenamento jurídico deve, necessariamente,
casar-se com o que acontece no mundo dos fatos, sob pena de padecer por ineficácia,
(Kelsen, 1995).
Gropalli (1962) diz que:
o direito acompanha a vida; e o pensamento, a evolução social. Sendo o
direito instrumento de regulação das relações de poder em suas variadas
formas de manifestações e se o Estado é o ambiente necessário ao
intercâmbio dessas relações, não há como compreendê-lo - o Direito senão aplicado ao cotidiano, que, pela sua própria natureza mutante,
requer constante modernização no modo de se pensar e avaliar a conexão
das normas legais com a realidade social, (GROPALLI, op.cit)
17
Art. 1°. A Política Municipal do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no Município de Boa Vista, condições ao desenvolvimento
sócio-econômico, e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
X - educação ambiental a todos os níveis do ensino inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la
para participação ativa na defesa do meio ambiente.
74
Nesse norte, se inserem as questões ambientais e a relação homem/natureza, uma
vez que urge nova concepção, novos pensamentos e rumos, outro paradigma, que avance
sobre a visão economicocentrista vigente, que reduz o bem ambiental a valores de ordem
econômica, num antropocentrismo alargado. Ou seja, a preservação ambiental na garantia
da dignidade do próprio ser humano, na busca de uma visão holística e integradora entre o
ser humano e o ambiente em que vive.
Isto porque, o antropocentrismo que vê o homem como centro do mundo, e a
natureza como mera serva, criada para satisfazer as necessidades humanas não subsiste
mais, pois uma nova temática ambiental se avizinha e o direito, enquanto sistema coativo
tem de cumprir seu papel, eis que instrumento capaz de efetivar e consagrar novos valores
e rumos. Entre esses novos procedimentos destaca-se, aqui, a implantação de corredores
ecológicos em perímetros urbanos, enquanto instrumento de efetivação do direito à sadia
qualidade de vida e de uma existência digna, como assegura o texto constitucional.
5.1 RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
A Constituição brasileira de 1988 introduziu profundas transformações na
disciplina da propriedade, no âmbito de uma reforma de ordem econômica e social, de
tendência nitidamente intervencionista e solidarista. Por isso, traçou o legislador
constituinte novo princípio que relativiza o direito individual de propriedade, (inciso XXII
do artigo 5º), impondo o dever de cumprimento da função social, (inciso XXIII do artigo
5º). Ademais, a propriedade privada foi incluída em inciso autônomo, entre os princípios
da ordem econômica (inciso II do art. 170), antes mesmo da enunciação do princípio da
função social da propriedade (inciso III do mesmo artigo),enquanto objetivo para se
efetivar o direito a existência digna, (TEPEDINO, 2004).
No mesmo sentido, o novo Código Civil Brasileiro em cumprimento ao texto
constitucional, estabeleceu no § 1º, do art. 1228 o modus operandi do exercício do direito
de propriedade vinculado ao atendimento da função social, assim dispondo:
Art. 1.228 - O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a
possua ou detenha.
§ 1º - O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,
75
de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Com efeito, a ordem jurídica vigente descaracterizou o viés absoluto que tinha o
direito de propriedade, em razão de sua origem histórico feudal, que facultava ao
proprietário o poder de usar, gozar, dispor e reivindicar como melhor lhe aprouvesse.
Impondo doravante limites a esse exercício, seja por limitações de ordem administrativa
decorrente da intervenção estatal, em face do interesse público, ou de ordem social e
privada, proibindo o proprietário de praticar atos ou ações que trazem lhe comodidade, ou
utilidade, mas que sejam animados pela intenção de prejudicar outrem, (§ 2º, do artigo
1.228 do CC).
Para Cavedon (2003) isto significa perceber, no âmbito do direito brasileiro, que a
propriedade passou “por um processo evolutivo que vai desde a concepção individualista e
absoluta até a propriedade revestida de caráter social e ambiental”. Concluindo a autora
que:
a propriedade passou por uma releitura, adquirindo uma função social a
fim de contemplar os interesses coletivos e garantir a promoção do bem
comum. Esta função social determina que o proprietário, além de um
poder sobre a propriedade, tem um dever correspondente para com toda a
sociedade de usar a propriedade de forma a lhe dar a melhor destinação
sob o ponto de vista dos interesses sociais.
Derani (1997) chama atenção, também, para esse novo atributo que se inseriu ao
direito de propriedade, ao dizer que:
além de privada, ou seja, ligada a um sujeito particular de direito,
atenderá a uma destinação social, isto é, seus frutos deverão reverter de
algum modo à sociedade, o que não exclui naturalmente o poder de
fruição particular inerente ao domínio, sem o qual o conteúdo privado da
propriedade estaria esvaziado.
Pode-se, concluir, portanto, que ocorreu uma grande evolução no direito de
propriedade, que recaia originariamente apenas sobre bens móveis, frutos e animais,
passando posteriormente pela propriedade coletiva, (familiar), depois pela propriedade
76
feudal18 com viés absoluto, até chegar a propriedade contemporânea19. Relativizou-se, o
direito de propriedade indo ao encontro da necessidade de que este realize seu objetivo
maior, ou seja, não serve mais o modelo em que apenas o proprietário se beneficiava da
propriedade, passando-se a exigir que os benefícios também fossem estendidos à
coletividade. Para Perlingieri (2002) o “limite do direito de propriedade é o instrumento
com o qual o interesse público ou privado circunscreve o direito, sacrificando a sua
extensão e determinando o seu conteúdo concreto”.
Barros (1996 p. 40) comentando sobre o cumprimento do princípio da função social
da propriedade, diz que:
cumprir os requisitos que abrangem o princípio da função social da
propriedade é exigência ínsita a todo imóvel urbano ou rural do País. Por
via de conseqüência, todo proprietário de bens imóveis, para que se siga
titular desse direito, tem, antes, de atender aqueles dispositivos
constitucionais, uma vez que a condição de satisfação social que
acompanha o bem se traduz em obrigação superior para quem lhe é
titular.
Cavedon (2003) sobre o princípio do cumprimento da função social da propriedade
e, em razão da necessidade de constante renovação dos dispositivos legais, para que se
tornem adequados às aspirações sociais e aptos a dirimir novos conflitos, observa que:
a propriedade passa por uma releitura, adquirindo uma função social a
fim de contemplar os interesses coletivos e garantir a promoção do bem
comum, ressaltando que além de deter um poder sobre a propriedade, o
proprietário tem um dever para com toda a sociedade de utilizar a
propriedade de forma a lhe dar a melhor destinação sob a ótica dos
interesses sociais.
18
“Nenhum fato é mais negativo para a situação de abastecimento alimentar do país do que a sua estrutura
agrária feudal, com um regime inadequado de propriedade, com relações de trabalho socialmente superadas e
com a não utilização da riqueza potencial dos solos”. (CASTRO, 1984).
19
"O conceito de propriedade contemporânea compreende em seu conteúdo e alcance, além do tradicional
direito de uso, gozo e disposição dos bens por parte de seus titulares (CC, art. 324), com as progressivas
limitações (CC, arts. 554 a 588, 591), a obrigatoriedade do atendimento de sua função social, cujo conceito é
inseparável do requisito obrigatório do uso racional da propriedade e dos recursos ambientais que lhe são
integrantes. O proprietário (pessoa física ou jurídica, esta de direito público ou privado), como membro
integrante da comunidade, sujeita-se a obrigações crescentes que, ultrapassando os limites do direito de
vizinhança, no âmbito do direito privado, abrange, o campo dos direitos de coletividade, visando o bem-estar
geral, no âmbito do direito público".(CUSTÓDIO, 1993).
77
Nesse propósito, enumera a Constituição Federal no seu artigo 186 os requisitos e
objetivos a ser cumpridos pelo proprietário na forma de exercitar tal direito, para fins de
efetivar o cumprimento á função social da propriedade, impondo deveres como: a) a
utilização racional e adequada, (função econômica); b) de preservar os recursos naturais,
(função ecológica); c) e de observar a legislação trabalhista e o favorecimento ao bem estar
dos proprietários e trabalhadores, (função social propriamente dita), a seguir:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos
em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação
do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
Essa nova ordem jurídica instalada em 1988 reconhece o direito de propriedade,
quando cumprida à função social em sua plenitude, sob pena da inexistência desse direito
e, nesse plano, por força do princípio da função sócio-ambiental da propriedade, cria-se
uma obrigação legal ao proprietário de manter as áreas de preservação, uma vez que deverá
exercer esse direito, em absoluta conformidade com as diretrizes de proteção do meio
ambiente vigentes.
Silva (1995) observa que a função social se manifesta na própria configuração
estrutural do direito de propriedade, pondo-se, concretamente como elemento que qualifica
e predetermina os modos de aquisição, gozo e utilização dos bens, dizendo que:
A função social da propriedade não se confunde com os sistemas de
limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito, ao
proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade. Com
essa concepção é que o intérprete tem que compreender as normas
constitucionais, que fundamentam o regime jurídico da propriedade: sua
garantia enquanto atende sua função social, implicando uma
transformação destinada a incidir, seja sobre o fundamento mesmo da
atribuição dos poderes ao proprietário, seja, mais concretamente, sobre o
modo em que o conteúdo do direito vem positivamente determinado;
assim é que a função social mesma acaba por posicionar-se como
elemento qualificante da situação jurídica considerada, manifestando-se,
conforme as hipóteses, seja como condição de exercício de faculdades
atribuídas, seja como obrigação de exercitar determinadas faculdades de
acordo com modalidades preestabelecidas. Enfim, a função social se
manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade,
pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação
dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens.
78
Por outras palavras, a função socioambiental não constitui um simples limite ao
exercício do direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se
permite ao proprietário, no exercício do seu direito, fazer tudo o que não prejudique a
coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe
e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício do
seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adequar à preservação do meio
ambiente. (GRAU, 1998).
E esse entendimento traz uma nova roupagem ao direito de propriedade, em face do
cumprimento da função sócio ambiental, que impõe deveres ao titular do direito subjetivo,
como a proteção às matas ciliares em cursos d'água, para fins de estabilização térmica, tão
importante à vida aquática, decorrente da interceptação e absorção da radiação solar. Esse
fato implica em limitação administrativa ao uso do solo, nas faculdades de usar e fruir do
bem pelo proprietário, sem prejuízo do direito de propriedade, como por exemplo, a
criação de espaços territoriais protegidos, corredores de biodiversidade, que eventualmente
possam atingir direito privado, como já decidido pelo Superior Tribunal Federal20, no
exame do mérito no Recurso Especial nº 176753/SC/2009.
Nessa ótica, Antunes (2011) defende que:
o direito de propriedade não mais pode ser visto como privado em
absoluto, nem mesmo público, tratando-se, de um regime jurídico peculiar
limitado pelas normas ambientais, que tem como ponto fundamental a
possibilidade deferida a qualquer habitante do país de oferecer oposição a
qualquer ato nocivo praticado contra o meio ambiente, ainda que o
agressor seja o próprio titular do domínio.
20
Mais do que nos grandes rios, é exatamente nesses pequenos cursos d'água que as Matas Ciliares cumprem
o papel fundamental de estabilização térmica, tão importante à vida aquática, decorrente da interceptação e
absorção da radiação solar. A Constituição Federal ampara os processos ecológicos essenciais, entre eles as
Áreas de Preservação Permanente ciliares. Sua essencialidade decorre das funções ecológicas que
desempenham, sobretudo na conservação do solo e das águas. Entre elas cabe citar a) proteção da
disponibilidade e qualidade da água, tanto ao facilitar sua infiltração e armazenamento no lençol freático,
como ao salvaguardar a integridade físico-química dos corpos d'água da foz à nascente, como tampão e filtro,
sobretudo por dificultar a erosão e o assoreamento e por barrar poluentes e detritos, e b) a manutenção de
habitat para a fauna e formação de corredores biológicos, cada vez mais preciosos em face da fragmentação
do território decorrente da ocupação humana. Recurso Especial provido. (Recurso Especial nº 176753/SC
(1998/0040595-0), 2ª Turma do STJ, Rel. Herman Benjamin. j. 07.02.2008, unânime, DJe 11.11.2009).
79
O autor ainda salienta o interesse protegido dizendo que:
o interesse deve ser compreendido como a faculdade legal e
constitucionalmente assegurada a qualquer indivíduo de exigir,
administrativa ou judicialmente, do titular do domínio florestal ou de
vegetação ecologicamente útil às terras que revestem, que ele preserve a
boa condição ecológica necessária para que a cobertura vegetal possa
desempenhar o seu papel protetor, (ANTUNES, op.cit.)
Com efeito, dentre os instrumentos de efetivação do direito à sadia qualidade de
vida, pela proteção das matas ciliares em cursos d’água urbanos, por meio de corredores
ecológicos, transcende com maior intensidade o conceito e a compreensão dos limites
impostos ao proprietário, quanto ao uso e fruição do bem, em acordo com a função sócio
ambiental da propriedade, que legitima e impõe restrições ao direito subjetivo individual
do titular, que se subjuga aos interesses e direitos da coletividade, em face da garantia
constitucional do meio ambiente equilibrado, enquanto bem de uso do povo.
5.2 DIREITO URBANÍSTICO
Moreira Neto, (1975), diz que o Direito Urbanístico é a disciplina jurídica do
urbanismo e da atividade urbanística, que objetivam a adaptação e a organização do espaço
natural, fazendo-o fruível por uma comunidade citadina, no desenvolvimento das funções
elementares da habitação, do trabalho da recreação, da saúde, da segurança, da circulação,
dos serviços prestados dentre outros.
Para Silva (2001) “é um ramo do direito público que tem por objetivo expor,
interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis”.
Maximiliano (1979) ao comentar a essência do Direito Urbanístico, como elemento
normativo de caráter obrigatório, seus objetivos e sanções correspondentes, diz que:
se trata de um conjunto de princípios e normas obrigatórios de conduta
social, mediante sanção, para a ordem e o equilíbrio de interesses na
própria sociedade. A finalidade fundamental do direito em geral e do
Direito Urbanístico em particular é servir a vida, regular a vida.
Considerado como indispensável conjunto de regras de conduta, o
Direito tem um preciso fim fundamental: aquele de assegurar a pacífica
convivência de ordem social e de ordem pública. Tal pacífica
convivência somente será assegurada mediante a realização de dois
objetivos essenciais: aquele da certeza do direito e aquele da certeza da
80
observância do próprio direito, alcançada recorrendo à coação, à coerção
ou à força coercitiva como elemento essencial do direito normativo,
(MAXIMILIANO, op.cit)
A respeito do princípio fundante do direito urbanístico, Costa (1991 p. 119) destaca
o cumprimento da função social da propriedade, à medida que este subjuga o interesse
particular do proprietário, ao interesse social da coletividade, ao dizer que:
O primeiro princípio de direito urbanístico extraível do ordenamento
jurídico é o da função social da propriedade. A expressão função social é
enfatizada pelo legislador constituinte, aparecendo repetidas vezes no
texto magno. De acordo com tal postulado, o proprietário deve utilizar-se
de sua propriedade conjugando, ao seu interesse particular, o interesse
social, (COSTA, op cit).
Compartilha de idêntica compreensão, Grau (1988, p. 54), quando chama atenção
para necessidade de um comportamento positivo do proprietário, no cumprimento da
função social, que lhe impõe prestações de fazer em prol do benefício da coletividade, ao
dizer que:
O princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário - ou a
quem detém o poder de controle, na empresa - o dever de exercê-la em
benefício de outrem e não, apenas, de não a exercer em prejuízo de
outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte
de imposição de comportamentos positivos - prestações de fazer,
portanto, e não meramente, de não fazer - ao detentor do poder que deflui
da propriedade, (GRAU, op. cit.).
Por fim, desde o começo do século 20 Duguit (2000) já alertava para a importância
da função social da propriedade e a adequação do direito subjetivo às necessidades sociais
e as tarefas imposta ao titular do direito subjetivo nesse mister, ao concluir que:
A propriedade deixou de ser direito subjetivo do indivíduo e tende a se
tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a
propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de
empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a
interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa
social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a
propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas
um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as
necessidades sociais às quais deve responder, (DUGUIT, op. cit.).
81
Além disto, o Direito Urbanístico tem previsão expressa no texto constitucional,
que no artigo 24 inciso I, estabelece como sendo concorrente a competência para legislar
sobre a matéria, entre a União, Estados Membros e o Distrito Federal. Porém, no artigo 30
inciso II a Constituição prevê a competência supletiva do município, para suplementar a
legislação federal naquilo que lhe couber, no que se inclui a legislação urbanística, que
abarca o conceito de interesse local, em acordo com autonomia da comuna, dentro do pacto
federativo integrado, que compõe a República Federativa Brasileira, à medida que, logo no
mesmo artigo 30, VIII, a Constituição Federal outorga aos municípios a competência
privativa para legislar sobre planejamento, controle do uso, do parcelamento e da ocupação
do solo urbano.
Ainda, o texto constitucional no seu artigo 182 determina que a política de
desenvolvimento urbano seja executada pelo Poder Público municipal, tendo por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, ou seja, o Estatuto das Cidades Lei nº 10.257/2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal.
Que no seu artigo 2º, I, estabelece o principio fim do direito urbanístico, que é de
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
bem como garantir o direito à cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. Ou seja, a
chamada função social das cidades21.
Daí a importância do Direito Urbanístico, enquanto instrumento de efetivação dos
direitos de terceira geração, sadia qualidade de vida e ao meio ambiente equilibrado, bem
de uso do povo, em face da criação de espaços territoriais protegidos, no caso corredores
ecológicos em ambientes urbanos, para proteção das matas ciliares em curso d’água no
perímetro citadino.
Para consecução de tal fim, importante destacar dentre os instrumentos de
efetivação da política urbana, elencados na norma estatutária citadina, o disposto no artigo
4º da Lei 10.257/01, que prescreve:
21
A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação
da cidade expressas no Plano Diretor. (§ 2º, do art. 182 da CF/88).
82
Art. 4º - Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros
instrumentos:
I - planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social;
II - planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões;
III - planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
Isso porque, a criação de espaços territoriais protegidos, em ambientes urbanos,
permeia pela compreensão dos instrumentos de efetivação da política urbana, da legislação
aplicável, de alguns conceitos, diretrizes e finalidades, tanto do Plano Diretor Municipal22,
quanto do parcelamento e uso do solo e do zoneamento ambiental, com fins de preservar e
melhorar a qualidade ambiental favorável à vida, proporcionando o equilíbrio ecológico
indispensável à saúde, à segurança, ao sossego e ao bem-estar da coletividade.
5.3 PLANO DIRETOR MUNICIPAL
O plano diretor consiste em instrumento básico do planejamento municipal, que
abarca a política de desenvolvimento e de expansão urbana devendo estabelecer normas
sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos,
da proteção ambiental, em acordo com seus diversos componentes ecológico, econômico,
social, sanitário e cultural, (Lei nº 10.257/01, Estatuto das Cidades).
Para Meirelles (1994) compreende um plano integrado e desejado pela comunidade,
que se traduza nas aspirações da comuna, com supremacia sobre as demais legislações
locais, quando diz que:
22
No Direito Comparado, observa-se que a proteção das áreas verdes, com a mesma acepção de zonas verdes
ou espaços verdes, constitui assunto de crescente preocupação e de real atualidade, evidenciando-se, cada vez
mais, a necessidade de sua definição e disciplina tanto nas normas jurídicas como nos planos urbanísticos,
tanto de urbanização como de reurbanização, ou nos projetos de construções em geral, sem qualquer
confusão com espaços livres ou áreas livres. Assim, diante da adoção da política das cidades verdes como
cidades mais humanas, as áreas verdes são previstas, hoje, de forma expressa em todos os planos de ocupação
do solo, quer como equipamentos urbanos ou de infra-estrutura (melhoramentos básicos, essenciais ao bemestar da coletividade), quer como equipamentos comunitários ou de superestrutura (edificações ou instalações
destinadas à saúde, à educação, à cultura, à religião, ao lazer e outras de interesse coletivo), salientando-se:
"cultura do verde", "evolução do conceito do verde na cultura urbanística","os espaços verdes nos planos de
ocupação do solo", "o verde no plano diretor", "verde público", "belezas ambientais", "paisagens". (GOMES
e MORRANT, 1971).
83
O Plano Diretor ou Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, como
modernamente se diz, é o conjunto de normas legais e diretrizes técnicas
para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos
físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade
local. Deve ser a expressão de aspirações dos munícipes quanto ao
progresso do território municipal no seu conjunto cidade-campo. É o
instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada Municipalidade
e, por isso mesmo, com supremacia sobre os outros, para orientar toda
atividade da Administração e dos administrados nas realizações públicas
e particulares que interessem ou afetem a coletividade.
No que se refere, a criação de espaços territoriais protegidos, por meio de
corredores ecológicos em cursos d’água urbanos, a importância do Plano Diretor se impõe,
na medida em que, se constitui em instrumento de coação, de competência legislativa
exclusiva da municipalidade, capaz de efetivar uma política pública de preservação
ambiental, que contenha limitações ao direito de propriedade, contemplando a função sócio
ambiental tanto dos imóveis individualmente, quanto das regiões da cidade.
Exatamente como determina a redação do artigo 39 do Estatuto Citadino, (Lei
20.257/2001), quando assim dispõe:
Art. 39 - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto
à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades
econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.
Tem de contemplar, ainda, o Plano Diretor municipal a educação ambiental
objetivando a conscientização pública, para a preservação do meio ambiente em todos os
níveis, como observa o mandamento constitucional, (IV, do art. 225 da CF/88). Pois é a
municipalidade o local de vivências, interação e afinidade entre os cidadãos, que podem
criar hábitos, a desenvolver posturas que pensem a repercussão das ações no meio
ambiente, como o desperdício de água, de energia elétrica, o consumo excessivo,
destinação de resíduos sólidos, queimadas, desmatamento, poluição, esgoto, e no caso em
tela a necessidade de preservação das matas ciliares, como filtros de poluentes nos cursos
d’água urbanos, em consecução ao direito à sadia qualidade de vida, ao meio ambiente
equilibrado, direitos de paisagem e mosaico, para gerações presentes e futuras.
Com essa finalidade o município de Boa Vista-RR editou a Lei Complementar n°
924, de 28 de novembro de 2006, intitulada como Plano Diretor Estratégico e Participativo
de Boa Vista, que no artigo 1º prescreve:
84
Art. 1º - O plano diretor estratégico e participativo é um dos instrumentos
da política de desenvolvimento municipal determinante para a ação dos
agentes públicos e privados que atuam no município de Boa Vista.
No seu artigo 3º, o normativo municipal, especifica como objetivos a serem
perseguidos, como a promoção do ordenamento territorial, o desenvolvimento social e
econômico sustentável do município de Boa Vista, a partir do reconhecimento de suas
potencialidades e de suas condicionantes ambientais, para em seguida, no artigo 4º,
estabelecer as estratégias de atuação da comuna, para esse fim:
I - promoção do desenvolvimento econômico sustentável do município
na perspectiva da integração regional;
II - qualificação ambiental do município considerando sua biodiversidade
e condicionantes socioeconômicas;
III - ordenamento e estruturação urbana;
IV - regularização fundiária e urbanística;
V - promoção e fortalecimento dos instrumentos de políticas setoriais;
VI - valorização do patrimônio cultural evidenciando as identidades
locais;
Importante, observar, que no Plano Diretor do município de Boa Vista consta como
objetivos a serem alcançados, (artigo 7º), para a consecução da política boa-vistense de
meio ambiente, em razão da abrangência, das temáticas abordadas, dos conceitos e
definições traduzidas no instrumento urbanístico, dentre os quais se cita:
I - a utilização racional dos recursos naturais de modo ambientalmente
sustentável, para as presentes e futuras gerações;
II - a incorporação da unidade de bacia e sub-bacia de drenagem no
planejamento e gestão municipal;
III - a criação de um Sistema Local de Unidades de Conservação da
Natureza que faça jus ao imenso e diversificado patrimônio ambiental do
município, conectado com outras áreas protegidas, nos municípios
vizinhos, e que seja compatível com as definições do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação - SNUC - Lei Federal nº 9985 datada de 18
de julho de 2000;
IV - o reconhecimento do relevante serviço ambiental prestado pelos
corredores ecológicos compostos pelos rios Uraricoera, Tacutu, Cauamé,
Mucajaí e Rio Branco, interligando Unidades de Conservação da
Natureza de importância regional;
V - a revisão dos limites da Área de Proteção Ambiental do Rio Cauamé;
VI - a elaboração de inventário da fauna e da flora nativa, presentes nas
diversas fisionomias do ecossistema de savana, predominante na região,
nas formações florestais, nas matas ciliares, e nos ecossistemas aquáticos,
todos de fundamental importância para a proteção da biodiversidade;
VII - incentivo e apoio ao desenvolvimento de pesquisas científicas e
tecnológicas em parceria com instituições regionais, nacionais e
85
internacionais de ensino e pesquisa, em benefício da ampliação do
conhecimento sobre as dinâmicas e processos culturais e ecológicos
específicos da região central do Estado de Roraima, onde se insere o
município;
VIII - compatibilização entre os usos implantados e projetados para as
áreas agrícolas e a necessidade de proteção do patrimônio ambiental do
município;
IX - desenvolvimento do ecoturismo de maneira sustentável e compatível
com as atividades extrativistas das populações tradicionais, reconhecendo
que os povos indígenas dependem diretamente da apropriação e do uso
da natureza, para sua sobrevivência física, sua identidade cultural e sua
organização social;
X - melhoria microclimática mediante a implantação de sistema urbano
de áreas verdes (públicas e privadas) e do processo de planejamento e
implantação da arborização urbana, utilizando, predominantemente,
espécies nativas.
Portanto, ao menos, no arcabouço jurídico urbanístico, se pode considerar como
moderno e avançado o município de Boa Vista, à medida que faz constar de seu Plano
Diretor, como estratégia de política ambiental concepções como: a utilização racional dos
recursos naturais; a criação de sistema local de Unidades de Conservação, em acordo com
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, (SNUC); a elaboração de inventário da
fauna e da flora nativa, incluindo, os ecossistemas de savana, predominante na região,
florestas, matas ciliares, e ecossistemas aquáticos, para fins de proteção da biodiversidade.
Contempla, ainda, os deveres de incentivo e apoio ao desenvolvimento de pesquisas
científicas e tecnológicas; a compatibilidade entre os usos e projetos para as áreas
agrícolas, em face da proteção ao patrimônio ambiental do município; o desenvolvimento
do ecoturismo de maneira sustentável e compatível com as atividades extrativistas das
populações tradicionais, nestes, incluídos os povos indígenas e sua dependência da terra
que ocupam. Culminando, com a busca da melhoria microclimática, mediante a
implantação de sistema urbano de áreas verdes (públicas e privadas) e do processo de
planejamento e implantação da arborização urbana, com predominância para as espécies
nativas, reconhecendo, para tal fim, o relevante serviço ambiental por corredores
ecológicos.
Todavia, trata-se de mera retórica jurídica ou propaganda enganosa, pois na prática
a política ambiental boa-vistense é exatamente ao contrário dos conceitos e diretrizes
estabelecidos no seu Plano Diretor Estratégico, Lei Complementar nº 924/2006, uma vez
que adota como política pública a canalização dos igarapés urbanos, em especial o
Mirandinha, objeto do presente trabalho, sob o rótulo da busca da sustentabilidade por
meio da sanidade ambiental.
86
Retórica jurídica, que fica muito mais clara, em virtude do disposto no artigo 3º da
Lei Municipal nº 924, de 28 de novembro de 2006, que dispõe sobre o parcelamento de
solo urbano do município de Boa Vista, e que, determina que somente será permitido o
parcelamento do solo para fins urbanos, quando atendidos os objetivos do Plano Diretor,
vedando expressamente, nas faixas marginais de proteção dos rios, igarapés, lagos e
lagoas permanentes ou temporárias constituídas como áreas de preservação permanente –
APPS, nas quais se incluem os cursos d'água urbanos.
Igualmente, no tocante à política de proteção dos recursos hídricos, o Plano Diretor
Estratégico e Participativo de Boa Vista, (artigo 11), elenca como diretrizes o seguinte:
I - proteger e recuperar os mananciais do município, superficiais e
profundos, considerando também o entorno das lagoas, rios e igarapés,
sejam eles permanentes ou temporários;
II - incentivar a adoção de hábitos, costumes, posturas, práticas sociais e
econômicas que visem à proteção e recuperação dos recursos hídricos do
município;
III - buscar a conscientização das interações entre as atividades
antrópicas e o meio hídrico para que sejam articuladas de maneira
sustentável.
Importante observar, que dentre os objetivos elencados no Plano Diretor da
comuna, para fins de consecução da política ambiental local, consta do artigo 12, inciso IV,
a necessidade de priorizar a preservação dos igarapés e lagoas inseridos nas zonas
sul/sudoeste da cidade por serem áreas menos degradadas e passíveis de recuperação. E,
como estratégia de proteção aos recursos hídricos, a necessidade de trabalhar a
conscientização ambiental, o gradativo reassentamento da população residente no leito de
igarapés e lagoas temporárias e permanentes, além do desenvolvimento de campanhas para
esclarecer a população quanto ao uso racional dos recursos hídricos e a importância de sua
preservação, (art. 13 da Lei Complementar Municipal nº 925/2006 – Plano Diretor).
O que se percebe é que o texto legal urbanístico é perfeito, adequado, cogente,
racional, que contempla, inclusive, o trabalho de consciência coletiva ambiental, a criação
de áreas verdes urbanas, públicas e privadas, proteção das matas ciliares, da fauna, da
flora, dos ecossistemas, dos igarapés, lagos urbanos e dos recursos hídricos, visando à
preservação da biodiversidade o do patrimônio ambiental boa-vistense.
Na verdade, apenas na ordem léxico–semântica, pois a prática destoa totalmente do
texto legal, as ações e as políticas públicas desenvolvidas são no sentido contrário às
diretrizes e estratégias legais, como por exemplo, a canalização dos igarapés, com a
87
supressão total da mata ciliar, extinção dos ecossistemas e agressão aos recursos hídricos,
com a criação de rios de esgotos velozes e endereçados á bacia do Rio Branco, que
abastece a cidade com água potável, que caracteriza verdadeiro crime ambiental, (art. 2º da
Lei nº 9.605/1998)23.
5.4 CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DAS CIDADES
A Lei nº 10.257/2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana,
denominada Estatuto das Cidades, que no parágrafo único do artigo 1º, afirma se tratar de
normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em
prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio
ambiental. No artigo 2º prescreve o objetivo fim do estatuto, como sendo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante algumas
diretrizes como:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à
terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para
as presentes e futuras gerações;
II - gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
III - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico;
IV - audiência do Poder Público municipal e da população interessada
nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com
efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou
construído, o conforto ou a segurança da população;
Como institutos jurídicos e políticos de efetivação do cumprimento da função
social das cidades a norma estatutária citadina estabelece no artigo 4º inciso V, o
seguinte:
Art. 4º [...]
[...]
23
Art. 2º - Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas
a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de
conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo
da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
88
V - institutos jurídicos e políticos:
a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
e) instituição de unidades de conservação;
f) instituição de zonas especiais de interesse social;
g) concessão de direito real de uso;
h) concessão de uso especial para fins de moradia;
i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
j) usucapião especial de imóvel urbano;
l) direito de superfície;
m) direito de preempção;
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
o) transferência do direito de construir;
p) operações urbanas consorciadas;
q) regularização fundiária;
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos
sociais menos favorecidos;
s) referendo popular e plebiscito;
t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária;
u) legitimação de posse.
Nesse contexto, Hedemann (2000) alerta para a importância do “solo e da terra,
como suportes físicos, que contém potencialidades indispensáveis à vida, e à vida de todas
as pessoas, não somente a dos proprietários, coisa que frequentemente escapa à cogitação
dos intérpretes das leis e dos fatos”, ao dizer que:
O solo é incomensurável em seu valor, tanto para os particulares como
para o povo em seu conjunto. Nele se radicam a fonte de alimentação das
gentes, as riquezas criadoras dos instrumentos elementares para a
satisfação das incontáveis necessidades vitais, e todo sistema habitacional
dos seres humanos. Dele se extraem as substâncias curativas e de
fortalecimento, as possibilidades inesgotáveis de recreio e lazer e,
sobretudo, nele se exerce, basicamente, a liberdade essencial do homem
de ir e vir. O solo é toda a hipótese e possibilidade de vida
(HEDEMANN op. cit).
E nessa perspectiva, se analisa os conceitos de preservação do meio ambiente, da
função social das cidades e da função social da propriedade privada urbana, os quais
poderão habilitar todos os necessitados de casa desse país a defender sua dignidade própria
e seus direitos humanos fundamentais à cidade, à moradia e a cidadania, porém, de modo
semelhante, podem servir de escudo aos titulares do domínio privado. Desde que, a
instrumentação de sua aplicação permanecer relegada, ao mundo dos conceitos, à
promessa, programa, mera carta de intenção, sem afetar de maneira concreta o gozo e o
exercício do direito de propriedade. (OSORIO, 2002).
89
Nesse mesmo sentido, Sant'Anna (2007), diz que:
situação atual das cidades brasileiras demonstra que seus cidadãos não
têm condições satisfatórias de convivência, uma vez que a grande maioria
da população não possui habitações dignas, não apresenta boa condição
de trabalho, além de viver em constante contato com todo tipo de
degradação ambiental. Ou seja, a função social e ambiental das cidades
não está sendo cumprida de forma a garantir os objetivos do bem-estar de
todos e da sadia qualidade de vida.
No âmbito da legislação local o atendimento da função social da cidade está
regulamentado no artigo 75 da Lei Municipal nº 925 de 28 de novembro de 2006, que
dispõe sobre o parcelamento de solo urbano do município de Boa Vista, estabelecendo que:
Art. 75 - Para atender a função social da cidade e da propriedade urbana,
o município poderá promover diretamente as obras e serviços para fins de
regularização do parcelamento do solo para fins urbanos, quando:
I - não for atendida a notificação pelo responsável pelo parcelamento;
II - não for possível identificar o responsável pelo parcelamento.
§ 1º - O disposto neste artigo aplica-se inclusive nos casos em que:
I - haja débitos tributários sobre a propriedade da gleba;
II - não esteja atualizado o registro imobiliário sobre a gleba.
§ 2º - O Município exigirá do responsável pelo parcelamento ou de
qualquer obrigado solidário ou subsidiário o ressarcimento das despesas
provenientes das obras e serviços relativos ao empreendimento, incluindo
o acréscimo de vinte por cento (20%) a título de administração, sem
prejuízo das sanções aplicáveis.
§ 3º - No caso de se mostrar inviável o ressarcimento pelo responsável
pelo parcelamento, o Município poderá exigir, conforme o caso, o
ressarcimento pelos possuidores ou proprietários existentes da área de
fato parcelada.
§ 4º - No caso do parcelamento ter sido promovido por órgão ou entidade
pública, poderá ser estabelecido convênio com o Município,
compartilhando-se as atribuições previstas nesta lei.
Importante, ressalvar, que consta expresso no artigo 76 incisos I e II da Lei de
Parcelamento do Solo Urbano de Boa Vista, (Lei nº 925/06), que as obras e serviços
assumidos pelo município, que visem adequar à urbanização, exigem na elaboração dos
projetos, levantamento fundiário ambiental e a participação da comunidade residente, no
sentido de avaliarem a necessidade de destinação de áreas verdes ou de uso comunitário,
como se verifica a seguir:
Art. 76 - As obras e serviços assumidos pelo Município visando a
adequada urbanização, quando não houver projeto aprovado ou esse
necessitar de alteração, serão precedidos das seguintes providências:
90
I - levantamento fundiário, topográfico, urbanístico e ambiental do
parcelamento, caso não haja informações atualizadas;
II - elaboração de projeto de urbanização com participação da
comunidade residente, avaliando inclusive a necessidade de:
a) áreas para implantação de equipamentos comunitários, identificandoas;
b) áreas verdes, incluindo-se aquelas destinadas a faixas de proteção,
identificando- as;
c) obras e serviços previstos, conforme o caso, nos artigos 26 a 29 desta
lei.
Sendo assim, a iniciativa do poder publico municipal em canalizar os igarapés
urbanos, em especial o Mirandinha, com a supressão total da mata ciliar, para construção
de um canal coletor de esgotos, não atende as determinações da lei de parcelamento do
solo, (Lei nº 925/06) e, muito menos a função social da cidade de Boa Vista.
Principalmente, porque a citada lei municipal estabelece como condição a participação
popular, para aprovação de projetos urbanísticos que impactem o meio ambiente,
patrocinados pelo poder público, como no caso da canalização do Mirandinha, cujo
processo de licenciamento não observou o envolvimento da comunidade na dimensão
estabelecida na legislação local.
6. A IMPORTÂNCIA DA CRIAÇÃO DO CORREDOR ECOLÓGICO DO IGARPÉ
MIRANDINHA NO MUNICÍPIO DE BOA VISTA
A Constituição Brasileira de 1988 acolheu a figura do Município como entidade
federativa, fixando-lhe competências e assegurando-lhe autonomia política, administrativa
e financeira, também, a competência legislativa suplementar com a União e Estados
Membros, quando tratar de interesse local em questões ambientais. Nesse sentido Milaré
(1999) dimensiona a importância do município na descentralização das questões
ambientais, ao concluir que:
A institucionalização do Sismuma (Sistema Municipal de Meio
Ambiente) dá peso ao município como interlocutor qualificado junto às
outras esferas do Poder Público, reafirma sua autonomia política e
contribui para a necessária descentralização da gestão ambiental. Afinal, o
Estado brasileiro não é aquela estrutura hierárquica em que o município
ocupa o último degrau. Ao contrário, significa que os Estados, Municípios
e Distrito Federal são sujeitos ativos da União, isto é, os atores do pacto
federativo (MILARÉ, op. cit).
91
Sem embargo, Franco (2009) ao analisar a importância da evolução dos meios de
atuação na busca da proteção ambiental vislumbra nos municípios a possibilidade de
gestão capaz de efetivar as diretrizes da política socioambiental brasileira, diz que:
É possível e desejável que os municípios adotem instrumentos para uma
gestão ecológica, que caminhe em busca do cumprimento dos preceitos
constitucionais de garantia e promoção de direitos ordenadores da questão
socioambiental. Tal modelo de gestão imprimirá a forma pela qual o
poder público local exercerá sue dever poder de atuar administrativa e
normativamente dentro de suas competências em sintonia com as
diretrizes das políticas ambientais brasileiras (FRANCO, op.cti).
Silveira (2008) comentando sobre o socioambientalismo amazônico e a importância
do engajamento da comunidade local, para o desenvolvimento amazônico e a qualidade de
vida de seus habitantes, conclui que:
Em que pese o gigantismo do seu território, quer me parecer que a região
– em se ajustando ao desenvolvimento que respeite a sua vocação natural
– não comporta grandes centros urbanos, ainda mais quando formados de
maneira desordenada e sem respeito às necessidades sanitárias básicas.
Avulta, por fim, acrescer que esse planejamento territorial requer
engajamento da comunidade local, via participação democrática, para
colocar nos trilho da dignidade da pessoa humana a massa de miseráveis
que circundam as cidades da maior reserva tropical do planeta.
Destarte, não se sustenta na Amazônia o desenvolvimento industrial
desordenado e que não respeita as vocações naturais da região. O
desenvolvimento sustentável que se apregoa para a hiléia é aquele que
prima pela qualidade de vida de seus habitantes (SILVEIRA, op.cit).
Fonseca (2011) ao discorrer sobre alternativas para o desenvolvimento regional
amazônico e a utilização de energia limpa, alerta para o histórico problema da oferta da
energia em quantidade inadequada no Amazonas e na Amazônia e chama a atenção para as
comunidades isoladas, que em pleno século XXI, ainda vivem à luz de lampiões. Nesse
contexto, também, enfatiza a importância das comunidades nas soluções dos problemas
amazônicos, ao dizer que:
Para a Amazônia a melhor e mais efetiva solução para atender pequenas e
medias demandas de energia é o uso de fontes renováveis, entre as quais
se destacam as pequenas centrais elétricas e as Usinas de Biomassa,
havendo a possibilidade de uso de outras fontes importantes como solar,
eólica, em determinadas regiões, para abastecer comunidades isoladas.
92
Mendes (2001), em seu livro “Amazônia, modos de (o) usar”, alerta para a
necessidade do despertar amazônico, a partir de suas notórias singularidades regionais, que
intitula de amazonidades, onde “apregoa o ativismo e escolhas regionais que culminem
com um projeto de identidade amazônica, que priorize suas vocações regionais, de modo a
superar a visão extra-amazônica, tarefa que para o autor exige muito sacrifício”, ao
concluir que:
A opção que, no entanto, se nos apresenta para o novo século parece-me,
a mim, e a uns poucos mais, bastante clara: é uma escolha entre a submissão a um ferrete exógeno ou adoção de um sinete endógeno de
afirmação amazônica. Um sinete, ou marca, carimbo amazônico
significando trabalhar naquilo que a região sugere (ou impõe) a partir das
suas notórias singularidades naturais – as amazonidades. As suas
vocações em suma – sem que isso signifique uma adesão incondicional e
retrograda ao puro extrativismo seja ele primitivo ou o avançado
(MENDES, op.cit).
Dessa forma, a iniciativa de se criar espaços territoriais protegidos no perímetro
urbano do município de Boa Vista, capital de um dos estados amazônicos, com fins de
preservar os cursos d’água e suas matas ciliares, por meio de corredores ecológicos, se
adéqua a uma visão afirmativa da Amazônia, à medida que observa as vocações regionais
amazonidades e, exige planejamento territorial e participação da comunidade local, na
busca do almejado desenvolvimento sustentável amazônico.
6.1 BREVE HISTÓRICO
O município de Boa Vista formou o primeiro povoamento caracteristicamente
urbano da região do atual estado de Roraima, o Forte São Joaquim localizado a 32
quilômetros da capital fundado em 1775. Com fundação no século XIX, em 1830, foi
concretizada pelo capitão Inácio Lopes de Magalhães, a partir das inúmeras fazendas de
gado situadas ao longo dos rios que compõem a bacia do rio Branco pertencente a então
província São José do Rio Negro, atual Estado do Amazonas24.
Em 1858 a povoação foi elevada a categoria de Vila, com o nome de Freguesia de
Nossa Senhora do Carmo do Rio Branco e, em 9 de julho de 1890 a Freguesia foi elevada à
24
http://www.ferias.tur.br/informacoes/7375/boa-vista-rr.html, consultado em 05 de março de 2012.
93
categoria de sede de um novo município denominado Boa Vista do Rio Branco, criado
pelo então governador amazonense, Augusto Ximeno Villeroy. Com a construção da BR174 ligando-o à Manaus impulsionou o crescimento de Boa Vista, que logo se
desmembrou do extinto município amazonense de Moura, que desapareceu em 1943
quando da criação do território do Rio Branco.
Destarte, Boa Vista se constituiu numa das mais belas e preservadas cidades do
Norte do Brasil, localizada as margens do Rio Branco, possui clima tropical chuvoso com
predomínio de savanas quente e úmido, variando a temperatura entre 20º C e 36º C, tendo
na bacia do Rio Branco o principal componente hidrográfico que domina praticamente
todo o Estado. Em sua margem direita tem o Rio Branco seu principal afluente o rio
Cauamé, que corta transversalmente a face da cidade, interligando-se ambos os rios que
banham a cidade, por meio de sete igarapés que cruzam o perímetro urbano de Boa Vista,
dentre estes o Mirandinha.
6.2 O IGARAPÉ MIRANDINHA
O igarapé Mirandinha possui 3.501,83 metros de extensão que vão desde a sua
nascente no Lago dos Americanos, situado no interior do Parque Anauá, até a sua foz que
fica localizada na margem direita do Rio Branco, em toda sua extensão percorre o
perímetro urbano de Boa Vista passando por quatro bairros da cidade que são: dos Estados,
Aparecida, Caçari e Canarinho, como se observa da imagem abaixo:
Figura 1 – Traçado do Igarapé Mirandinha da nascente no Lago dos Americanos à Foz no Rio Branco, Boa
Vista/RR
(Fonte Google Maps)
94
Interessante, ressaltar que até a década de 1970, segundo moradores antigos de
BoaVista25, o igarapé Mirandinha tinha exuberância em seu curso d’água, apontados por
todos como um dos mais belos e importantes pontos de lazer da população boavistense.
Era tido como deslumbrante o paisagismo de sua nascente, a riqueza da fauna aquática, das
matas ciliares, com água limpa e cristalina.
A primeira intervenção antrópica patrocinada pelo poder público foi em 1996,
quando a Prefeitura iniciou o processo de canalização do igarapé, desde sua nascente no
Lago dos Americanos até a Avenida Pernambuco no Bairro dos Estados. A partir de então,
a exuberante paisagem do Mirandinha deu lugar a um canal de esgoto in natura, de
depósito de lixo e de odores, tornando-se um criatório de pragas e de proliferação de
doenças, (SANTOS, 2007).
Infelizmente, o processo gradativo de destruição do igarapé Mirandinha teve na
atuação do poder público seu principal ator, somado a ausência da educação ambiental, da
participação popular e da informação adequada à comunidade, que ignora a importância da
preservação dos cursos d’água urbanos e sua correlação com o direito á sadia qualidade de
vida da população residente.
6.3 ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS NA DEGRADAÇÃO DO MIRANDINHA
Costumeiramente as agressões aos cursos d’água em ambiente urbanos têm
histórico e causa no crescimento populacional e nas ocupações desordenadas, sobretudo,
na omissão do poder público local, que tem o dever constitucional de proteger o meio
ambiente, combater a poluição em qualquer de suas formas, preservar as florestas, a fauna
e a flora, (art. 23 da CF/88).
Inobstante, no caso do Mirandinha, a principal causa de destruição do igarapé, não
foi a costumeira omissão do poder público, mas as ações e políticas públicas desenvolvidas
pelo poder público Estadual e Municipal, que sucumbiram o igarapé de águas limpas e
vegetação robusta, flora e fauna exuberantes, transformando-o, num canal coletor de
esgoto urbano, (SANTOS, op. cit).
25
Inquérito Civil Público/MPE/RR nº 016/10-Plano de Controle Ambiental, macro-drenagem do Igarapé
Mirandinha.
95
Constata-se do estudo arquivado na Universidade Federal de Roraima – UFRR, de
Hayad, (2011), que o processo de degradação do igarapé Mirandinha teve inicio desde sua
nascente, com o gradativo secamento do Lago dos Americanos, em razão do depósito de
esgoto e de lixo no local, além da retirada total da mata ciliar, substituída por passeios, ruas
e calçadas, por iniciativa do poder público, como demonstra a Figura 2:
Figura 2 – Lago dos Americanos Boa Vista/RR
Fonte: http://www.ebah.com.br
Colabora, também, para o processo de secamento do lago o fato de a entrada de
água no igarapé ser controlada pelo homem, por meio de uma comporta, que libera
pequeno fluxo de água que corre pela canalização, que se inicia, ainda, no interior do
Parque Anauá, como se verifica na Figura 3.
Figura 3 – Igarapé Mirandinha dentro do Parque Anauá Boa Vista/RR
Fonte: http://www.ebah.com.br
96
Seguindo seu curso o Mirandinha cruza o bairro dos Estados, acerca de um
quilometro da nascente, onde já apresenta altos índices de eutrofização26, uma vez que
recebe esgoto in natura das residências ribeirinhas, interligadas à canalização do igarapé.
Nesse local, apresenta forte mau cheiro decorrente do calor, diminuição d’água e da perda
da capacidade de autodepuração, em razão da galeria construída pelo poder público,
(Santos, op.cit), conforme Figura 4:
Figura 4 - Igarapé Mirandinha no Bairro dos Estados
Fonte: http://www.ebah.com.br
No trecho entre os bairros Aparecida e Caçari recentemente o poder público local
construiu 400 metros de canalização, com a supressão total da mata ciliar, instalação de
luminárias, jardinagem, bancos e área de passeio, nas proximidades da Praça de Esportes
do bairro Caçari, de modo a oportunizar que a população desfrute da paisagem deteriorada
marcada pela correnteza de esgoto que desloca em direção ao Rio Branco, (Santos, op.cit),
como se observa na Figura 5:
26
Eutrofização fenômeno no qual o ambiente aquático caracteriza-se por uma elevada quantidade de
nutrientes – principalmente nitratos e fosfatos. Este fenômeno é resultante da poluição das águas por ejeção
de adubos, fertilizantes, detergentes e esgoto doméstico sem tratamento prévio que provocam o aumento de
minerais e, consequentemente, a proliferação de algas microscópicas que localizam-se na superfície,
(AMABIS, 2003).
97
Figura 5 - Igarapé Mirandinha no Bairro Caçari Boa Vista/RR
Fonte: www.roraimaemfoco.com.
Após a passagem pela Avenida Ville Roy, no bairro Canarinho, o curso do
Mirandinha foi alterado com grande volume de aterro, em razão de construções erigidas
sobre suas margens, que praticamente obstruem o leito do igarapé criando pontos de
alagamentos, que na época das chuvas transbordam causando inundações e mal estar à
população residente. Inexplicavelmente, a galeria que cruza o asfalto foi construída com
certa altura sobre o leito do igarapé, fato que provoca queda d’água, acumulação e erosão
prejudicando o escoamento natural d’água pelo curso do igarapé, como se pode ver na
Figura 6:
Figura 6 – Passagem do Mirandinha sob a Av Ville Roy Boa Vista/RR
Fonte: http://www.ebah.com.br
Seguindo seu curso no trecho entre as Avenidas Ville Roy e Getulio Vargas, se
vislumbra um ultimo suspiro de vida do sistema Mirandinha, totalmente fragmentado, por
98
ações antrópicas, em sua maioria patrocinadas pelo poder público, onde se percebe uma
frágil preservação da mata ciliar e uma tenra capacidade de autodepuração (Figura 7):
Figura 7 – Igarapé Mirandinha entre a Av. Ville Roy e a Av. Getúlio Vargas, Boa Vista/RR
Fonte: http://www.ebah.com.br
Contudo, para culminar a contribuição do poder publico na total degradação do
ecossistema, exatamente nas proximidades do local em que se encontra mais preservado, e
que ainda, não sofreu processo de canalização, a cerca de 750 metros da margem direita do
Rio Branco, o Mirandinha recebe água de um pequeno córrego sem nome, afluente que
vem do bairro Caçari e cruza o bairro Canarinho. E este pequeno afluente recebe uma
enorme carga de esgoto doméstico in natura ironicamente lançado pela Estação de
Tratamento da Companhia de Água e Esgotos de Roraima (CAERR), indo direto para o
igarapé e posteriormente desaguando no Rio Branco, (FEMARH, 2012)27.
Como a foz do Mirandinha fica na margem direita do Rio Branco a poucos metros
do sistema de capitação de água da CAERR, para fins de abastecimento da população, a
possibilidade de contaminação pelo derramamento de grande quantidade de esgoto
doméstico in natura no Rio Branco provocou grande comoção na sociedade, sobretudo, na
mídia local, instando a reação dos órgãos competentes, no caso o Ministério Público,
Secretaria Municipal de Gestão Ambiental e Assuntos Indígenas, (SMGA) e da Fundação
Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima, (FEMARH), que autuaram a
27
Auto de Infração nº 0001202 da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hidrico. Boa Vista-RR,
2012.
99
referida companhia aplicando-lhe a penas pecuniárias, diárias de aproximadamente R$
250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), (FEMARH op. cit).
Forçoso se concluir, que a degradação do igarapé Mirandinha tem seu principal fato
gerador, na equivocada política pública de canalização de iniciativa dos governos, estadual
e municipal, bem como na total ineficiência da Companhia Estadual de Água e Esgoto,
CAERR, cujo mister é a captação, tratamento e distribuição de água potável, a coleta e o
tratamento do esgoto, em favor da população boavistense. Por ironia, chama atenção a
missão e a visão apregoada publicamente pela companhia, em seu portal28 ‘on line’, que
soa como um verdadeiro deboche à sociedade de Boa Vista, ao estabelecer que:
Missão
Prestar adequadamente os serviços de abastecimento de água e
esgotamento sanitário, com equilíbrio econômico financeiro,
universalizando o atendimento, contribuindo para melhoria da qualidade
de vida e da saúde da população.
Visão
Ser modelo de gestão em saneamento, auto sustentável, integrada e
comprometida com a sociedade, meio ambiente, oferecendo um serviço
diferenciado e reconhecido pelos clientes.
Questiona-se, portanto! Será possível acreditar que o abastecimento de água e
esgoto sanitário, com equilíbrio econômico e universalização do atendimento, para melhor
qualidade de vida da população, por meio de um modelo de gestão, comprometida com a
sociedade e com meio ambiente, como afirmam a missão e visão da CAERR, perpassa pela
canalização dos igarapés urbanos transformando em rede coletora de esgoto? Haveria
alternativas capazes de efetivar o propósito missionário do poder público local?
No mesmo sentido, perquirir, se a política de canalização dos igarapés, em curso na
municipalidade, está compatível com os princípios que norteiam a Lei Complementar n°
924, de 28 de novembro de 2006 que dispõe sobre o Plano Diretor Estratégico e
Participativo de Boa Vista, e que, em seu artigo 3º, determina que:
Art. 3º - Este Plano Diretor Estratégico e Participativo tem como objetivo
geral a promoção do ordenamento territorial e o desenvolvimento social e
econômico sustentável do Município de Boa Vista, a partir do
reconhecimento de suas potencialidades e de seus condicionantes
ambientais.
28
http://www.caer.com.br. Consultado em 08 de março de 2012, as 23horas e 55minuntos
100
Também, consta do plano diretor e estratégico do município de Boa Vista as
diretrizes com que se objetiva a consecução da qualidade ambiental na comuna, quando no
artigo 6º, afirma que:
Art. 6º - São diretrizes voltadas para a estratégia de qualificação
ambiental do Município de Boa Vista:
I - a preservação, a proteção, a recuperação e a valorização do patrimônio
ambiental;
II - a promoção do planejamento e da gestão municipal que respeite os
condicionantes do meio físico e biótico;
III - a implementação do Macrozoneamento municipal proposto na
presente lei.
Merece destaque, ainda, o disposto ao artigo 6º II da Lei Municipal nº 925/2006,
que regulamenta o parcelamento do solo no município de Boa Vista e, que define como
sendo área verde o que segue:
Art. 6º - Para melhor compreensão e aplicação das disposições desta lei
ficam estabelecidas as definições a seguir:
II - área verde - área descoberta e permeável do terreno, dotada de
vegetação que contribua para o equilíbrio climático e favoreça a
drenagem de águas pluviais.
Nesse contexto, por certo se incluem os igarapés urbanos, à medida que dotados de
vegetação aquática e mata ciliar, que contribuem, para o equilíbrio climático e favorece a
drenagem das águas pluviais. Não foi outra a razão do legislador que estabeleceu no artigo
58 da Lei 925/06 a metragem mínima da área de preservação permanente que circundam os
igarapés, nascente e lagos e lagoas perenes no perímetro urbano de Boa Vista, ao
prescrever:
Art. 58 - Ao longo de cursos d'água tais como rios, igarapés, nascentes,
lagos e lagoas permanentes ou temporários, a reserva de faixas não
edificáveis será, no mínimo, equivalente às respectivas áreas de
preservação permanente, definidas pelo Código Florestal Lei, nº 4.771, de
15 de Setembro de 1965 e pelas resoluções do Conselho Nacional de
Meio Ambiente - CONAMA.
Assim, possível de se concluir, que a política pública boavistense de canalizar o
igarapé Mirandinha, desde sua nascente no Lago dos Americanos até a foz na margem
direita do Rio Branco, está em desacordo com legislação local e, com a política ambiental
e florestal vigentes, que impõe dever a ação governamental (federal, estadual e municipal),
101
na manutenção do equilíbrio ecológico, definindo-se, o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo que o cerca.
6.4
O DIREITO AMBIENTAL E A CANALIZAÇÃO DOS CURSOS D’ÁGUA
URBANOS
6.4.1 Projeto Canalização do Mirandinha
O projeto do município de Boa Vista apresentado ao Ministério da Integração
Nacional, denominado como Macro-Drenagem no canal do Mirandinha, nos bairros
Caçari, Aparecida e Canarinho demandou a importância de R$ 5.628.074,40, (cinco
milhões, seiscentos e vinte e oito mil, setenta e quatro reais, com quarenta centavos), para
execução da referida obra, (BOA VISTA, 2009)29. Seu marco inicial foi o Parecer
Ambiental nº 22-LIC/2007 da Secretaria Municipal de Gestão Ambiental30, com
detalhamento do seu objeto no seguinte teor:
No dia 20 de março a Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo deu
entrada com o pedido de licenciamento ambiental para a macro drenagem
do Igarapé Mirandinha no trecho compreendido entre a rua Ricardo
Franco até o Rio Branco.
O projeto apresentado constitui-se basicamente na construção de uma
galeria de concreto com o revestimento dos taludes e do leito deste
recurso hídrico. Os moldes em que foi apresentado o projeto e com base
nas experiências anteriores teremos como ações: desmatamento, perda
e/ou substituição da cobertura vegetal, instalação de redes de drenagens
artificiais e ocupação de áreas de inundação.
As consequências imediatas serão: a impermeabilização das superfícies,
redução de tempos de concentração das águas nas áreas de inundação e,
aumento do escoamento superficial das águas das redes de drenagens
pluviais, ausência de mata ciliar, ausência de vegetação aquática e
degradação do aspecto paisagístico.
29
Processo nº 002/2009 da Prefeitura Municipal de Boa Vista, Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo.
Boa Vista, 2009
30
SMGA.Parecer Técnico nº 022-LIC/2007, análise da proposta técnica, referente a macro drenagem do
Igarapé Mirandinha, Boa Vista, 2007.
102
No que se refere, à especificação dos serviços a serem realizados, constou do
projeto:
Item 1.1 A limpeza do terreno consistirá:
 no desmatamento qualquer que seja o tipo de vegetação;
 no empilhamento e queima do material resultante;
 na demolição e remoção de pequenas estruturas;
 na limpeza será realizada em toda a área.
Como justificativa da necessidade do recurso e da realização dos serviços, os
técnicos da Secretaria Municipal de Gestão Ambiental, assim sugeriram:
A implantação do serviço de urbanização visa proporcionar conforto
paisagístico ao empreendimento e consiste nas seguintes construções:
 construção de meio-fio calçada, 1.613 metros lineares:
 plantio de grama, 22.992,40 m ²;
 construção de passeio público, 2.268,40:
 instalação de rede de iluminação pública;
 colocação de bancos de praça em concreto, 20 unidades;
 colocação de lixeiras publicas galvanizadas, 20 unidades;
 plantio de arbustos e arvores, 50 unidades’.
E como objetivos específicos do empreendimento, dentre outros, se destacam:
 evitar tragédias climáticas como as que ocorrem devido as fortes
chuvas, este ano e em anos anteriores, onde até vidas foram ceifadas;
 melhorar os indicadores de saneamento básico, segurança e saúde
pública dos moradores do entorno;
 facilitar o escoamento das águas superficiais;
 evitar pontos de alagamentos na cidade;
 valorizar as residências próximas aos igarapés;
 gerar emprego e renda aos trabalhadores envolvidos na obra.
Em considerações finais os técnicos da Secretaria Municipal de Gestão Ambiental
dizem que depois de estudado o impacto ambiental decorrente das ações provenientes da
instalação do Sistema de Drenagem e Saneamento do Igarapé Mirandinha, dentro de sua
área de influência direta e indireta, identificou-se as seguintes situações:
O empreendimento esta sujeito à legislação ambiental vigente, devendo
cumprir todas as exigências dos órgãos licenciadores, portanto compatível
com os planos e programas governamentais, assim como as necessidades
da população local.
103
Os impactos ambientais negativos gerados poderão ser sensivelmente
reduzidos através de medidas mitigadoras e das propostas feitas neste
plano. Os impactos positivos a serem gerados pelo empreendimento
contribuirão para a melhoria da qualidade de vida da população
envolvida.
A população mais beneficiada é justamente aquela que mais precisa das
ações emregenciais, (saúde pública e saneamento básico), para que
possam sobreviver com um pouco mais de dignidade humana e ter a auto
estima melhorada. (Parecer Técnico nº 022-LIC/2007).
Com efeito, necessário maior reflexão sobre a eficácia do investimento público de
cinco milhões de reais, para canalizar o igarapé Mirandinha, com propósito de melhorar a
auto estima e a qualidade de vida da população boavistense e, sua correlação com o
cumprimento da função social da cidade, do direito ao meio ambiente equilibrado,
paisagem, mosaico e a beleza cênica dos igarapés, para as gerações presentes e futuras.
6.4.2 Participação Popular no Projeto Mirandinha
De outra parte, os igarapés urbanos de Boa Vista que ainda estão vivos com as
matas ciliares preservadas correm o risco de serem destruídos pelo poder público local que
faz opção pela canalização desses mananciais, transformando-os, em rede coletora de
esgoto, como o exemplo do projeto Mirandinha.
O grande questionamento ambiental e jurídico é sobre o porquê do poder público
priorizar esse projeto. Uma das perguntas mais densas é a dimensão da participação
popular e da educação ambiental, como mecanismos propulsores da ação pública.
Enquanto projetos em outros países gravitam por mecanismos de democracia direta e
participativa, com o envolvimento da população, o projeto local - canalização do
Mirandinha - tem nascedouro dentro de gabinetes, com origem em Parecer Ambiental nº
22-LIC/2007 dos técnicos da Secretaria Municipal de Gestão Ambiental 31.
De fato, a participação popular na questão Mirandinha se resume a realização de
uma única audiência pública na Câmara de Vereadores, complementada pela distribuição
de alguns panfletos e de um questionário endereçado a população, (Inquérito Civil Público
009/2005/MPE/RR), com o seguinte conteúdo investigativo:
31
SMGA.Parecer Técnico nº 022-LIC/2007, análise da proposta técnica, referente a macro drenagem do
Igarapé Mirandinha, Boa Vista, 2007.
104
a) entre as doenças a seguir relacionadas, como malária,
esquistossomose, leptospirose, dengue, hepatite, febre tifóide, cólera e
diarréia, quais as que ocorrem com mais freqüência aqui no entorno do
igarapé?
b) doenças de pele, sim ou não? Se encontram aqui nas proximidades
do igarapé?
c) o que você acha da canalização do igarapé Mirandinha,
você é contra ou a favor?
O panfleto também teve cunho informativo alertando a população sobre o fato de o
igarapé Mirandinha possuir 3.400 metros de extensão, que destes 1.600 metros já estavam
canalizados, que uma nova etapa da drenagem estava sendo implantada, com a previsão da
recuperação da mata ciliar e, com projeto paisagístico ao longo das margens, (Inquérito
Civil Público 009/2005/MPE/RR).
Todavia, em verdade, a execução da obra contemplava a supressão total da mata
ciliar, com a construção de um canal de concreto ao largo do leito do igarapé, fato que
ofusca o direito de paisagem, do meio ambiente equilibrado e a sadia qualidade de vida, ao
contrário do que foi informado à população.
Nessa linha, considerando a relevância do impacto ambiental que decorreria da
canalização do igarapé Mirandinha, impunha-se, no curso do procedimento público
autorizativo da obra, a observância do requisito objetivo da participação popular, que está
previsto expressamente no Princípio nº 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 9232, nos seguintes termos:
Princípio 10 - a melhor maneira de tratar as questões ambientais é
assegurar a participação no nível apropriado, de todos os cidadãos
interessados. No nível nacional, cada individuo terá acesso adequado às
informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades
públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades
perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar
dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a
conscientização e a participação popular, colocando as informações à
disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismo
judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e
reparação de danos.
Imperativo, por igual fundamento, que houvesse por parte do poder público,
incentivo e facilitação á participação popular no projeto de transformação do igarapé em
rede de esgoto in natura. No entanto, o que se constata, é a insuficiência da informação
32
www.onu.org.br/rio/img/2012/01/rio 92.pdf
105
levada à população residente, de forma a oportunizar o conhecimento a respeito da
preservação dos cursos d’água, por meio da inclusão na pauta de discussão, paradigmas,
para melhor compreensão do impacto ambiental e de seus respectivos reflexos à vida
humana e aos consultados.
Ressalta-se, que inexiste no projeto de licenciamento ambiental a deliberação do
Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente de Boa Vista,
(CONSEMMA), criado pela Lei Municipal nº 457 de 19 de Maio de 1988, que no artigo 1º
de seu Regimento Interno, assim dispõe:
Art. 1º - O Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio
Ambiente CONSEMMA criado pela Lei 457, de 19 de maio de 1998,
constitui-se de órgão colegiado, deliberativo no âmbito de sua competência,
fiscalizador e normativo, integrante do Sistema Nacional do Meio
Ambiente SISNAMA.
Com efeito, considerando a relevância do impacto ambiental que abarcava o projeto
proposto, destruição do igarapé Mirandinha, imprescindível, para observância da
legalidade, que fosse colocado na pauta de discussões, ou de informação á população
residente, os princípios e objetivos insertos no Decreto Municipal n.º 79/2000, 20 de junho
de 2000, que aprovou o regulamento da Lei Municipal nº 513/2000 e, que instituiu a
Política de Proteção e da Conservação do Meio Ambiente e da melhoria da qualidade de
vida do Município de Boa Vista, cujo artigo 1º, estabelece:
Art. 1°. A Política Municipal do Meio Ambiente tem por objetivo a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,
visando assegurar, no Município de Boa Vista, condições ao desenvolvimento
sócio-econômico, e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os
seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando
o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente
poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso
racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis do ensino inclusive a educação da
comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do
meio ambiente.
106
Ainda, no campo da legalidade do procedimento ambiental, impunha-se, a inclusão
na pauta de discussão e dos mecanismos da democracia direta ou participativa, as diretrizes
da Política Ambiental traçadas no Plano Diretor do Município de Boa Vista, (Lei
Complementar n° 924/2006), que no seu artigo 7º, incisos I e X, se destacam:
Art. 7º - A política de meio ambiente, se desenvolverá de acordo com os
seguintes objetivos:
I - a utilização racional dos recursos naturais de modo ambientalmente
sustentável, para as presentes e futuras gerações;
...
X - melhoria microclimática mediante a implantação de sistema urbano
de áreas verdes (públicas e privadas) e do processo de planejamento e
implantação da arborização urbana, utilizando, predominantemente,
espécies nativas.
Destarte, a iniciativa do poder público local em suprimir totalmente a mata ciliar,
com a destruição do leito do igarapé, que passou a ser um canal de concreto, para
escoamento do esgoto urbano in natura, lançado, inclusive, pela Companhia Estadual de
Água e Tratamento de Esgoto, (CAER), em direção ao Rio Branco, não se coaduna com a
utilização racional dos recursos naturais de modo ambientalmente sustentável, para as
gerações presentes e futuras, bem como visam a melhoria microclimática decorrente da
arborização urbana, com predominância das espécies nativas, como determinado no Plano
Diretor do Município de Boa Vista, (Lei Complementar n° 924/2006).
Portanto, manifestamente ilegal o projeto – canalização do igarapé Mirandinha, de
iniciativa do poder público local, por inobservância aos princípios constitucionais inerentes
á administração pública, como eficiência33, moralidade, razoabilidade e legalidade,
especialmente, por não ter oportunizado à população a informação adequada sobre o
projeto, legislação municipal especifica e o papel deliberativo do Conselho Municipal de
Meio Ambiente, em questões ambientais. Essa conduta tipifica ato de improbidade
administrativa dos gestores locais, em virtude da ausência da participação popular,
requisito objetivo em procedimentos de licenciamento ambiental de tamanha natureza, fato
33
O princípio da eficiência pode ser conceituado como a exigência jurídica, imposta à administração pública
e aqueles que lhe fazem as vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou
fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem
confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público, (DEMO, Pedro. Cidadania tutelada e cidadania
assistida. Campinas/SP: Autores Associados, 1995. p. 9).
107
que macula de nulidade o projeto e impõe responsabilidade civil, penal e administrativa
aos mentores e executores responsáveis pela obra em questão, (art. 11 da Lei 8.429/92)34.
Outro fator preponderante é o fato de que a participação popular, a informação e o
envolvimento da comunidade atingida não ocorreram na dimensão que o projeto exigia à
luz da legislação local. Mais relevante, ainda, é que em momento algum essa questão foi
motivo de preocupação ou de investigação, por parte das autoridades competentes,
Ministério Público Estadual, (Inquérito Civil 009/2005), ou da Fundação Estadual do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos, (Autos da Infração Ambiental nº 3751/12 e 3752/12), o que
revela certo descasco aos dispositivos legais citados, bem como a importância dos
instrumentos de democracia direita ou participativa em questões ambientais.
6.5 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO REQUISITO DE EFETIVAÇÃO.
A Constituição Federal no artigo 225, §1º, V, impôs ao poder público o dever de
promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente, com fins de efetivar o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida, bem como de defendê-lo e
preservá-lo para as gerações presentes e futuras.
A Lei nº 9.975/99 elenca como princípios básicos da educação ambiental o enfoque
humanista, holístico, democrático e participativo e a concepção do meio ambiente em sua
totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o
cultural, sob o enfoque da sustentabilidade (art. 4º, I e II).
Enquanto princípio que comporta a visão holística e participativa da educação
ambiental se verifica o texto preambular da Carta da Terra, que preconiza uma grande
comunidade terrestre, que respeite a natureza, os direitos humanos universais, na busca da
justiça e da paz, ao prescrever:
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época
em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo
torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao
mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante,
devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de
34
Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
às instituições, e notadamente:
108
culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade
terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma
sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos
direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz.
Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra,
declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande
comunidade de vida e com as futuras gerações. (CARTA DA TERRA35,
2000).
No item 8, a Carta da Terra reafirma a importância do avanço do estudo da
sustentabilidade ecológica, para fins de promover o intercâmbio aberto e aplicação ampla
do conhecimento adquirido, observando os seguintes itens:
8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover o
intercambio aberto a aplicação ampla do conhecimento adquirido.
a. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à
sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em
desenvolvimento.
b. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria
espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção ambiental
e o bem-estar humano.
c. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e
para a proteção ambiental, incluindo informação genética, permaneçam
disponíveis ao domínio público.
Ainda, a epístola terráquea no subitem denominado Terra Nosso Lar, observa a
vastidão do universo, as condições da terra propicias para a evolução da vida e a relação de
dependência com a preservação da biosfera, dos sistemas ecológicos, dos recursos naturais
finitos e do bem estar da humanidade, assim pontuando:
A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso
lar é viva como uma comunidade de vida incomparável. As forças da
natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra
providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A
capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da
humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com
todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais,
solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus
recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção
da vitalidade, diversidade e beleza da Terra são um dever sagrado.
(CARTA DA TERRA/2000).
35
www.onu.org.br/rio/img/2012/01/rio 92.pdf.
109
Nesse contexto principiológico e educativo se insere a preservação dos cursos
d’água urbanos, como o igarapé Mirandinha de acordo com diretrizes voltadas para a
estratégia de qualificação ambiental do município de Boa Vista, com a preservação,
proteção e recuperação de suas matas ciliares, como valorização do patrimônio ambiental,
(art. 6º da Lei Municipal36 nº 924/06).
Por outro lado, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, (CONAMA), por meio
da Resolução nº 422, de 23 de março de 2010, estabeleceu as diretrizes para as campanhas,
ações e projetos de educação ambiental preconizando a educomunicação37, como campo
de intervenção social que visa promover o acesso democrático dos cidadãos à produção e à
difusão da informação, envolvendo a ação comunicativa no espaço educativo formal ou
não formal, que em seu artigo 2º, dispõe que:
Art. 2º - São diretrizes das campanhas, projetos de comunicação e
educação ambiental:
I - quanto à linguagem:
a) adequar-se ao público envolvido, propiciando a fácil compreensão e o
acesso à informação aos grupos social e ambientalmente vulneráveis; e
b) promover o acesso à informação e ao conhecimento das questões
ambientais e científicas de forma clara e transparente.
II - quanto à abordagem:
a) contextualizar as questões socioambientais em suas dimensões
histórica, econômica, cultural, política e ecológica e nas diferentes escalas
individual e coletiva;
b) focalizar a questão socioambiental para além das ações de comando e
controle,
evitando
perspectivas
meramente
utilitaristas
ou
comportamentais;
c) adotar princípios e valores para a construção de sociedades sustentáveis
em suas diversas dimensões social, ambiental, política, econômica, ética e
cultural;
d) valorizar a visão de mundo, os conhecimentos, a cultura e as práticas
de comunidades locais, de povos tradicionais e originários;
e) promover a educomunicação, propiciando a construção, a gestão e a
difusão do conhecimento a partir das experiências da realidade
socioambiental de cada local;
f) destacar os impactos socioambientais causados pelas atividades
antrópicas e as responsabilidades humanas na manutenção da segurança
ambiental e da qualidade de vida.
III - quanto às sinergias e articulações:
36
37
Plano Diretor Estratégico e Participativo de Boa Vista.
Educomunicação é um conceito ou metodologia pedagógica que propõe o uso de recursos tecnológicos
modernos e técnicas da comunicação na aprendizagem. Como se entende pelo nome, é o encontro da
educação com a comunicação, multimídia, colaborativa e interdisciplinar. Pode ser desenvolvida com
estudantes de qualquer idade e utilizada por professores de qualquer área. Conhecida abreviadamente como
educom. Exemplos de comunicação são o uso de rádio escolar, rádio virtual, videogames, softwares de
aprendizagem on line, podcasts, blogs, fotografia, projetos de entrevistas e reportagens executadas pelos
estudantes, (http://pt.wikipedia.org/wiki/Educomunicação, consultado em 22 de março de 2012, ás 23 horas).
110
a) mobilizar comunidades, educadores, redes, movimentos sociais, grupos
e instituições,
incentivando a participação na vida pública, nas decisões sobre acesso e
uso dos recursos naturais e o exercício do controle social em ações
articuladas;
b) promover a interação com o Sistema Brasileiro de Informação sobre
Educação Ambiental-SIBEA, visando apoiar o intercâmbio e veiculação
virtuais de produções educativas ambientais; e
c) buscar a integração com ações, projetos e programas de educação
ambiental desenvolvidos pelo Órgão Gestor da PNEA e pelos Estados e
Municípios.
Como se vê o projeto de canalização do Mirandinha, unilateralmente proposto pelos
órgãos públicos locais, não observou os ditames da Resolução nº 422/2010 do CONAMA,
no tocante as diretrizes da educação ambiental, de modo a propiciar ao público envolvido a
fácil compreensão, a abordagem e a contextualização das questões socioambientais, a
dimensão histórica, econômica, cultural, política e ecológica, que compreendia a
degradação total do igarapé Mirandinha.
Isso porque, o método utilizado para promover a informação e a participação da
comunidade, como a realização de uma única audiência pública na Câmara de Vereadores
e o uso de questionário visivelmente direcionado e panfleto de cunho burocrático, não
contempla o conceito da educomunicação e, nem teve o condão de mobilizar as
comunidades atingidas, os educadores, as redes e movimentos sociais, os grupos e
instituições ambientais, de modo a incentivar às pessoas a participarem da vida pública,
nas decisões sobre acesso e uso dos recursos naturais, como exigia o projeto de canalização
do Mirandinha, à luz do disposto na Resolução nº 422/2010 do CONAMA.
De se concluir, que a ausência da política de educação ambiental no curso do
processo de licenciamento ambiental, na canalização do Mirandinha, da mesma forma
nulifica o procedimento e caracteriza ato de improbidade administrativa, à medida que não
contemplou o referido processo administrativo meios que permitissem ao indivíduo e a
coletividade construírem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas, para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade, como determina expressamente
o art. 1º, da Lei nº 9.795/99, que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política
Nacional de Educação Ambiental.
111
7. A IMPLANTAÇÃO DO CORREDOR ECOLÓGICO DO MIRANDINHA
Como anteriormente dito, o tema corredor ecológico compreende a criação de um
espaço territorial protegido, como área de ligação entre porções de ecossistemas naturais
ou seminaturais fragmentados, que possibilite o fluxo de genes, o movimento da biota,
facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a
manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão
maior do que aquela das unidades individuais, (XIX, do art. 2º da Lei 9.985/2000).
Diante disto, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, Lei
9.985/2000, concebe como principais finalidades que justificam a criação de espaços
territoriais, em perímetros urbanos, as que seguem:
a) contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de
ecossistemas naturais;
b) proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
c) recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
d) favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental;
e) valorizar a recreação em contato com a natureza;
f) criar as condições para projetos de turismo ecológico.
Tais finalidades se coadunam perfeitamente com o propósito de criação do espaço
territorial protegido - Corredor Ecológico do Mirandinha - que interligaria o Parque Anauá,
a ser destinado como área de preservação de uso sustentável, a partir da revitalização do
Lago dos Americanos, por meio de um braço verde composto pela mata ciliar do curso
d’água do Mirandinha, até sua foz localizada na área de preservação da margem direita do
Rio Branco, num total de 3.400 metros lineares, por aproximadamente 30 metros de
largura, em meio à região nobre da cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima.
A revitalização do curso d’água do Igarapé Mirandinha deve contemplar desde a
nascente no Lago dos Americanos, Parque Anauá, até a foz na margem direita do Rio
Branco. Com propósito de contribuir para a preservação e restauração da diversidade do
ecossistema natural, totalmente degradado, restabelecer a paisagem natural de notável
beleza cênica, propiciando a valorização do contato com a natureza, o fomento ás
condições de turismo ecológico, fonte de renda e lazer, para a comunidade, como delineia
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, (art. 4º da Lei 9.985/00).
De outro lado, revitalizar o Mirandinha significa promover as funções inerentes aos
corredores ecológicos, como: a) habitat, enquanto área de combinação apropriada de
112
recursos (alimento, abrigo) e condições ambientais para a reprodução e sobrevivência das
espécies; b) a função de Condutor ou dispensor, que possibilita a mobilidade dos animais
de um local para outro, que inclui o fluxo para a migração sazonal de determinadas
espécies, para o forrageamento, procura de parceiro para a reprodução, que alguns autores
chamam de link ou conectividade; c) a função de Filtro, que implica em algum nível de
permeabilidade geralmente associada com zonas ripárias e qualidade da água, faixa de
filtro ou zona tampão, que permite uma vegetação ripária adjacente aos cursos d’água,
destinada à remoção de nutrientes, sedimentos e poluentes, provenientes do escoamento
superficial, antes de atingirem os ecossistemas aquáticos; d) a função de barreira, que
implica na supressão das barreiras que impedem o fluxo da fauna silvestre, utilizando-se
túneis, passagens subterrâneas, pontes, para não haver quebra da solução de continuidade
do corredor verde e, por ultimo; e) as funções de fonte e sumidouro, que compreende a
dinâmica das populações de animais silvestres na paisagem e sua correlação com o sucesso
reprodutivo, que em situações de precariedade permitem a exposição nas bordas e
competição entre espécies generalistas, os corredores funcionam como sumidouro
permitindo a resistência a predadores, (Kormam, 2003 p.3).
Em consequência, a criação de uma área de preservação de uso sustentável, braço
verde, que interligue o Parque Anauá e a mata ciliar à margem direita do Rio Branco,
habitats fragmentados, por ações antrópicas, que distam uma da outra cerca de 3.400
metros, por meio da despoluição d’água e a recuperação da mata ciliar do Mirandinha,
atinge a todos os requisitos legais exigíveis para a criação de um corredor ecológico, de
modo a permitir a conectividade, o restabelecimento dos efeitos de borda, o fluxo de genes,
a proliferação das espécies e, a garantia do direito de paisagem e de beleza cênica, para
gerações presentes e futuras do município de Boa Vista.
7.1 ETAPAS E DESAFIOS DO PROJETO CORREDOR ECOLÓGICO DO
MIRANDINHA
Por abordar, a criação de um corredor ecológico urbano, questões ambientais mais
amplas, trabalha-se, sob uma perspectiva multi-institucional e interdisciplinar, que leva em
conta também os instrumentos de políticas públicas e econômicas na manutenção das
paisagens. Nesse contexto, os corredores ecológicos em perímetros urbanos têm grande
113
potencial e vocação para servir de estímulo à atuação em rede e à gestão ambiental
integrada unindo órgãos públicos e comunidade.
Esse procedimento exige estratégia e planejamento singulares permeados pela
criação de um sistema de cooperação administrativa entre órgãos públicos federais,
estaduais e municipais, que contam também com a participação da sociedade civil,
mediante um plano de manejo, que objetive elevar a eficiência e a eficácia das ações de
fiscalização e desenvolver mecanismos de monitoramento e vigilância no corredor, por
meio de programas de capacitação, treinamento e sensibilização ambiental, para servir
como instrumento de planejamento participativo, visando à redução e à gradativa
erradicação das agressões ambientais.
Um dos desafios que se avizinham, para a eficácia da proposição é uma efetiva
destinação ecológica ao Parque Anauá, um dos maiores parques urbanos da região norte
com cerca de 81 hectares, criado pelo governador Ottomar Pinto, em 1979, localizado em
zona nobre da cidade de Boa Vista, com ampla área verde, todo cercado, com boa infraestrutura de esporte, lazer e outros serviços, como: anfiteatro, forródromo, centro de
artesanato indígena, galeria de artes, escola de música, escola para alunos especiais,
museu, horto florestal, um lago natural, fonte luminosa, ginásio poli esportivo, kartódromo,
pistas para Cooper, aeromodelismo, Motocross, skate e bicicross, lanchonetes e
restaurantes38, como se vislumbra da Figura 8:
Figura 8 – Vista do Parque Anauá, centro da cidade de Boa Vista-RR
38
http://www.webventure.com.br/destinoaventura/rr/boavista/atracoes. Consultado em 29 de março de 2012,
ás 8h30min.
114
Importante, observar, que no Parque Anauá no exercício de 2010 foram investidos
R$ 4.082.959,00, (quatro milhões, oitenta e dois mil, novecentos e cinqüenta e nove reais),
recursos oriundos de transferências voluntarias da União39, com objetivo de revitalizar o
parque, mas que, não atingiu as diretrizes do Plano Diretor de Boa Vista, contribuir para o
desenvolvimento econômico sustentável do município, (artigo 5º, VIII Lei Municipal nº
924/06):
Art 5º - São diretrizes voltadas para a estratégia de desenvolvimento
econômico sustentável:
VIII - promover o desenvolvimento das potencialidades turísticas, do
esporte e do lazer no município, harmonizando os planos, programas e
projetos com a preservação do meio ambiente;
A idéia de promoção ao desenvolvimento das potencialidades turística do
município, aliando atividades esportivas e de lazer, com projetos e programas que
objetivem a preservação ambiental, como previsto no Plano Diretor, exige nova destinação
de uso ao Parque Anauá, que permeia pela efetivação de um território especialmente
protegido, em acordo com o Macrozoneamento municipal, que busca identificar grandes
unidades espaciais do território, definindo suas características e indicando suas vocações e
usos, (art. 14 da Lei Municipal 92/06).
A primeira etapa da criação do Corredor Ecológico do Mirandinha consiste na
destinação do Parque Anauá, como área de preservação de uso sustentável - Jardim
Botânico do Estado de Roraima – como área verde contigua que evite a fragmentação da
cobertura vegetal, que se destine a garantir a permeabilidade do solo e a melhoria
microclimática, como determina o artigo 51 da Lei Municipal nº 925/06, que regula o
parcelamento do solo urbano no município de Boa Vista, que dispõe:
Art. 51 - As áreas verdes previstas no projeto de parcelamento deverão,
sempre que possível, ser contíguas, evitando a fragmentação da cobertura
vegetal existente e se destinam a garantir a permeabilizade do solo e a
melhoria microclimática.
Parágrafo único - Poderão ser consideradas como áreas verdes aquelas
que se enquadrarem nas seguintes condições:
I - áreas de preservação permanente situadas as margens dos cursos
d'água, tais como rios, igarapés, nascentes, lagos e lagoas permanentes ou
temporárias;
II - áreas remanescentes de vegetação nativa especialmente junto aos
cursos d'água perenes ou intermitentes, descritos no inciso I.
39
http://rr.transparencia.gov.br/BoaVista/destaques/detalhamento. Consultado em 31 de março de 2012.
115
No mesmo sentido, o disposto no artigo 1º da Lei Municipal nº 926 de 29 de
novembro de 2006, que regula o uso e a ocupação do solo urbano de Boa Vista, que
objetiva compatibilizar a ocupação do solo com as condicionantes ambientais locais,
recuperar e proteger os igarapés, rios, lagoas naturais, áreas de preservação permanente,
por meio de projetos integrados capazes de atender as questões ambientais e criarem novas
centralidades institucionais de recreação, ao determinar que:
Art. 1º - As normas estabelecidas nesta lei têm como pressuposto o
atendimento às disposições previstas no Plano Diretor Estratégico e
Participativo de Boa Vista, tendo como objetivos:
I - Compatibilizar a ocupação e uso do solo com os condicionantes
ambientais locais;
II - Incentivar a ocupação de lotes vazios nas áreas dotadas de infraestrutura.
III - Recuperar e proteger os rios, o igarapés, as lagoas naturais e suas
respectivas Áreas de Preservação Permanente.
IV - Proteger as Áreas de Preservação Permanente com projetos
integrados que sejam capazes de atender às questões ambientais e criem
novas centralidades, institucionais e de recreação;
Como centralidade institucional que absorvam as questões ambientais conjugadas
com a recreação, se insere a destinação do Parque Anauá, para funcionamento do Jardim
Botânico do Estado de Roraima, com a preservação da vegetação verde do parque e das
matas ciliares do Lago dos Americanos, nascente do igarapé, que se interligará com a
margem direita do Rio Branco, por meio do Corredor Ecológico do Mirandinha.
Esse é outro importante desafio revitalizar a extensão do curso d’água do
Mirandinha, desde sua nascente até a margem direita do Rio Branco, por meio de um braço
verde, com 3.400 metros, que exige a retirada do concreto erigido sobre o leito do rio
como: ruas, avenidas, remoção de moradias construída na área de preservação, além da
recuperação da mata ciliar, despoluição d’água, construção de passarelas e pontes.
A outra etapa a ser vencida, na consecução do Corredor Ecológico do Mirandinha é
buscar um novo norte para a política ambiental do município, que gravite pela preservação
dos igarapés, bacias e sub-bacias urbanas e, não pela destruição destas, visando sensibilizar
a população da importância da preservação dos sistemas de drenagem natural, como
prescrevem os artigos 63 e 64, do Plano Diretor Municipal, (Lei 925/06):
116
Art. 63 - A Política de Saneamento Ambiental voltada para a drenagem
urbana do município deve ser avaliada como um todo, levando-se em
consideração as bacias, sub-bacias e as microbacias hidrográficas
inseridas na região.
Art. 64 - São objetivos da Política de Drenagem Urbana:
I - estabelecer a sustentabilidade do sistema de drenagem, preservando-se
o sistema natural, combinando-o com elementos construídos, garantindo o
equilíbrio entre absorção, retenção e escoamento de águas pluviais;
II - preservar as áreas naturais de inundação, em especial as lagoas
temporárias, inibindo quaisquer usos que inviabilizem sua função;
III - sensibilizar a população quanto à importância da preservação dos
sistemas de drenagem natural;
Uma política ambiental compatível com a legislação local, voltada à utilização
racional dos recursos naturais de modo ambientalmente sustentável, para as presentes e
futuras gerações, para a criação de um Sistema Local de Unidades de Conservação da
Natureza, que faça jus ao imenso e diversificado patrimônio ambiental do município de
Boa Vista, que seja capaz de reconhecer o relevante serviço ambiental prestado pelos
corredores ecológicos compostos pelos rios Uraricoera, Tacutu, Cauamé, Mucajaí e Rio
Branco, bem como dos igarapés urbanos, interligando Unidades de Conservação da
Natureza de importância regional. Como faculta o artigo 7º da Lei 926/06, que diz:
Art. 7º - A política de meio ambiente, se desenvolverá de acordo com os
seguintes objetivos:
I - a utilização racional dos recursos naturais de modo ambientalmente
sustentável, para as presentes e futuras gerações;
II - a incorporação da unidade de bacia e sub-bacia de drenagem no
planejamento e gestão municipal;
III - a criação de um Sistema Local de Unidades de Conservação da
Natureza que faça jus ao imenso e diversificado patrimônio ambiental do
município, conectado com outras áreas protegidas, nos municípios
vizinhos, e que seja compatível com as definições do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação - SNUC - Lei Federal nº 9985 datada de 18 de
julho de 2000;
IV - o reconhecimento do relevante serviço ambiental prestado pelos
corredores ecológicos compostos pelos rios Uraricoera, Tacutu, Cauamé,
Mucajaí e Rio Branco, interligando Unidades de Conservação da
Natureza de importância regional;
Conclui-se que, as principais etapas a serem vencidas na criação do Corredor
Ecológico do Mirandinha, permeiam, pela destinação como área de uso sustentável do
Parque Anauá, em especial a revitalização do Lago dos Americanos, a ser interligado pelas
matas ciliares do Mirandinha, até a margem direita do Rio Branco, constituindo-se, o
corredor verde num espaço territorial protegido, que permita a conectividade, o fluxo de
117
genes, o movimento da biota, da fauna, facilitando a dispersão das espécies e a
recolonização das áreas degradas.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade ambiental não pode mais ser analisada sob os fundamentos
estabelecidos pela sociedade industrial, que se limita as funções reparadora e penalizadora
do infrator, não levando em conta as atividades de prevenção a comportamentos antisociais geradores de riscos, que podem ser irreparáveis á humanidade. Segundo
Sparemberger (2009), exige uma nova atitude da humanidade, que ao viver numa
sociedade de riscos tem o dever de alterar seu modo de vida, de modo a preservar o meio
ambiente para gerações futuras, ao dizer que:
O fato de a geração presente ter herdado rios poluídos, solos inférteis,
matas degradadas, animais extintos não dá a esta o direito de fazer o
mesmo. Pelo contrário, existe um dever ético e ecológico, intrínseco em
cada ser humano de buscar a sustentabilidade do seu grupo, de sua
espécie e como temos consciências de nosso poder destrutivo do planeta.
Temos dever ético com a vida.
Nesse sentido, a qualidade de vida da coletividade está, implicitamente, inserida
como um direito fundamental da pessoa humana, o direito ao ar, a água, ao solo, a
paisagem são fundamentais para a sobrevivência humana, devendo tais conceitos serem
concebidos pela maioria, para que, no contexto de uma sociedade democrática, sob a égide
do Estado Democrático de Direito, alcem o status de decisão coletiva na busca de novos
rumos, que Bobbio (1992) assim descreve:
Numa democracia, quem toma as decisões coletivas, direta ou
indiretamente, são sempre e apenas indivíduos singulares, no momento
em que depositam seu voto na urna. Isso pode soar mal para quem só
consegue pensar a sociedade como um organismo; mas, quer isso agrade
ou não, a sociedade democrática não é um corpo orgânico, mas uma soma
de indivíduo
s. Se não fosse assim, não teria nenhuma justificação o princípio da
maioria, o qual, não obstante, é a regra fundamental de decisão
118
democrática. E a maioria é o resultado de uma simples soma aritmética,
onde o que se soma são os votos dos indivíduos, um por um’.
Nessa ótica, se desafia um novo paradigma capaz de superar a visão
antropocêntrica enraizada no poder, que busca a resolução dos problemas ambientais sob a
ótica da sociedade industrial, transcendendo das funções reparadora e penalizadora, para
uma sociedade participativa, contributiva e destinatária de seu próprio destino, que no dizer
de Grinover, (1990), seja ‘capaz de reconhecer a existência dos interesses difusos,
pretender sua tutelabilidade e, ainda, criar o instrumental necessário à sua efetiva proteção
significa, evidentemente, acolher novas formas de participação, com instrumento de
racionalização do poder’.
A criação de espaços territoriais urbanos, para fins de proteção da mata ciliar, da
despoluição das águas e a revitalização dos cursos d’água urbanos, por meio de corredores
ecológicos, constituem-se, em eficiente instrumental necessário à efetiva tutela ao meio
ambiente, que oportuniza a participação e a racionalização do poder.
Daí, a importância da criação do Corredor Ecológico do Mirandinha no perímetro
urbano da cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima, conforme determinado no
art. 9º, IV, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, e
que, impõe como dever ao Poder Público federal, estadual e municipal a criação de espaços
territoriais especialmente protegidos, como áreas de proteção ambiental, de relevante
interesse ecológico e reservas.
No mesmo sentido, a Lei Municipal nº 926/2006, que dispõe sobre o uso e
ocupação do solo urbano do município de Boa Vista, que no seu artigo 1º, estabelece como
pressuposto o atendimento às disposições previstas no Plano Diretor Estratégico e
Participativo de Boa Vista, mediante os seguintes objetivos, dentre outros: a)
compatibilizar a ocupação e uso do solo com os condicionantes ambientais locais; b)
recuperar e proteger os rios, o igarapés, as lagoas naturais e suas respectivas áreas de
preservação permanente; e c) proteger as áreas de preservação permanente com projetos
integrados que sejam capazes de atender às questões ambientais e criem novas
centralidades, institucionais e de recreação. Objetivos, que abarca a proposição de se criar
o Corredor Ecológico do Mirandinha.
Enfim, a importância do Corredor Ecológico do Mirandinha no município de Boa
Vista/RR, como área de preservação de uso sustentável, que interligue o Parque
119
Anauá/Lago dos Americanos à margem direita do Rio Branco, com 3.400 metros, suscita
as seguintes reflexões:
a) Estabelecer uma ampla discussão com a comunidade, por meio de instrumentos
de democracia direta e participativa, que cultivem e promovam um processo de
educomunicação, cuja pauta, inclua a disponibilidade e destinação orçamentária, questões
de direito urbanístico, como: paisagem, mosaico, função social da propriedade urbana e da
cidade; a importância da preservação dos recursos naturais na consecução do direito ao
meio ambiente equilibrado, bem de uso do comum do povo essencial a sadia qualidade de
vida, para gerações presentes e futuras;
b) Consagrar instrumentos de participação popular, por meio de consulta
peblicitária e ou referendum popular, introduzindo-se na Lei Orgânica Municipal, por meio
de emenda, dispositivo que assegure a população atingida o direito a educomunicação, em
processos de licenciamento ambiental atinentes a obras ou projetos de grande repercussão
ambiental;
c) Traduzir, a implantação do corredor ecológico, em espaço geográfico
protegido, de uso sustável, por meio de lei municipal especifica, denominando-o de
Corredor Ecológico do Mirandinha, que compreende a revitalização do Parque Anauá, a
ser interligado por área verde que se estende por todo o curso d’água do Mirandinha, desde
sua nascente no Lago dos Americanos até a foz na margem direita do Rio Branco, com
3.400 metros lineares, por aproximadamente 30 de largura;
d) Remover, todo o concreto construído sobre o leito do igarapé, desapropriar as
propriedades privadas atingidas, retirar as moradias situadas na zona de amortecimento do
igarapé, cercar toda a área, visando a proteção contra ações antrópicas e uso inadequado ao
fim que se destina, com recursos oriundos de convênios entre União, Estado e município;
e) Estabelecer um plano de manejo e de sustentabilidade do Corredor Ecológico,
mediante a definição de ações governamentais e políticas públicas (assistência técnica e
financeira pelos órgãos responsáveis), que contemple, capacitação, treinamento e
sensibilização ambiental, revitalização da mata ciliar, despoluição da água, retirada de todo
o lixo acumulado, catalogação de espécies, construção de trilhas, fomento à programas de
conscientização ambiental, escala de visitações, definição de
atividades de turismo
ecológico, sob o entorno da área preservada, principalmente, na base de atuação, interior
do Parque Anauá;
120
f)
Redefinir, a função do Parque Anauá, atualmente, destinado para atividades de
cunho eminentemente destrutivos aos recurso naturais, incompatíveis com a concepção de
parque urbano, destinando suas estruturas para a promoção da preservação e da educação
ambiental, como um Jardim Botânico, com centro de convenções, museu, áreas verdes e
recantos naturais, mirantes e, com a completa revitalização do Lago dos Americanos, suas
matas ciliares e vegetações adjacentes;
g) Delimitar, as atividades comerciais, esportivas e de recreação, praças de
alimentação, visitação, trilhas e outras, compatíveis com o uso sustentável e com a
economicidade e sustentabilidade do Corredor Ecológico do Mirandinha;
h) Fomentar, a educação ambiental com o envolvimento dos escolares, do ensino
infantil e fundamental, em convênio com as Secretarias Estadual e Municipal de Educação,
por meio de campanhas, gincanas, guardas mirins, que zelem pelo igarapé, com o
redirecionamento das estruturas físicas localizadas no perímetro do Parque Anauá.
No campo dos mecanismos jurídicos, para fins de efetivação das reflexões acima
citadas, merecem reflexão os seguintes propósitos:
a) Promover uma ação popular, (art. 5º, LXXIII), vise anular o ato lesivo ao meio
ambiente, em desfavor com pedido liminar de tutela antecipada, (art. 273 do CPC), para a
imediata a suspensão das obras de canalização do igarapé Mirandinha, no mérito
objetivando a nulidade do convênio, com a obrigatoriedade do município, em promover o
restabelecimento do dano, com a implantação do Corredor Ecológico do Mirandinha, em
programa a ser ajustado por meio de Termo de Ajustamento, com a participação do
Ministério Publico Estadual e demais órgão ambientais competentes;
b) Promover uma ação popular, em desfavor do Estado de Roraima, (art. 5º,
LXXIII), que vise anular o ato lesivo ao patrimônio público e ao meio ambiente, (no caso o
Parque Anauá), com pedido liminar de tutela especifica, (art.461 do CPC), para que se
abstenha o Estado, de destinar o uso do Parque Anauá, para realização de atividades, que
não tenham cunho preservacionista, ao patrimônio público e ao meio ambiente, e que
sejam, compatíveis, com a área de proteção ambiental, no mérito, objetivando a
regulamentação da utilização do Parque Anauá, como área de ambiental de uso sustentável,
com a destinação de sua infra-estrutura, exclusivamente, para esse fim;
c) Letigimar o pólo ativo da ação popular proposta, pelos alunos mestrando de
direito ambiental, em seu mister, de efetivação do conhecimento no âmbito local, com
apoio do NECAR.
121
9. REFERÊNCIAS
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