Comparando instrumentos endodônticos: morfologia e

Transcrição

Comparando instrumentos endodônticos: morfologia e
DENTAL TRIBUNE
Trends & Application
Asia Pacific Edition
27
Comparando instrumentos
endodônticos: morfologia
e aplicação
James L. Gutmann, U.S.A.
Novos desenvolvimentos tecnológicos nos instrumentos
endodônticos intracanal levaram a uma ampla variedade de
designs de instrumentos. Dois
dos instrumentos mais populares são o ProTaper® (Dentsply
Maillefer, Ballaigues, Suíça) e o
K3® (Sybron Dental Specialities
Inc., Orange, CA, EUA).
Ambos os instrumentos afirmam ter características superiores em seu design e aplicação. Em muitos aspectos, é
difícil comparar estes dois instrumentos, pois são realmente
diferentes e os elogios a seus
atributos ou superioridades
durante a aplicação podem ser
inteiramente baseados no clínico. Entretanto, uma observação mais detalhada dos fatos
salientará algumas diferenças
importantes.
A Tabela 1 detalha as características comparativas destes
instrumentos. Enquanto o K3® é
limitado a um formato automatizado, o instrumento ProTaper®
é mais versátil em muitos
aspectos, pois está disponível
em ambos os formatos manual
e automatizado e suas aplicações bem sucedidas incluem a
revisão não cirúrgica de procedimentos endodônticos prévios
(Hülsmann & Bluhm 2003,
Gutmann 2004). Com relação
ao último, os instrumentos
ProTaper® têm desempenho
mais eficiente do que os instrumentos que possuem planos
radiais (”Radial Land”) (Hülsmann & Bluhm 2003).
Com relação à limpeza e modelagem do canal com o instrumento ProTaper®, menos limas
são necessárias para que se
obtenha um canal totalmente
cônico, com forma uniforme em
toda a extensão do canal limpo
e modelado. Além disso, as
conicidades obtidas com os
instrumentos ProTaper® de conicidade variada melhoram a
distribuição das soluções irriga-
®
®
Características de design
ProTaper
Instrumentos por conjunto
Utilização/aplicação
Formato de utilização
6
Coroa-ápice
Rotatório manual ou automatizado
K3
RPMs recomendados
Tamanhos de instrumentos – apical
250-350
350
20, 25 e 30 (observe que a porção
15 - 60
apical das 3 limas de modelagem Sx,
S1 e S2
20
Coroa-ápice
Rotatório automatizado
não foi desenvolvida para corte
apical)
Conicidades de instrumento
Variável - Sx de 3,5% a 19%;
S1 de 2% a 11%;
S2 de 4% a 11,5%;
F1 de 7% a 5,5%;
F2 de 8% a 5,5%;
F3 de 9% a 5,5%
Conicidades
constantes .04 e .06
Ponta de instrumento
Arredondada e sem corte
Arredondada e sem corte
Superfície de corte
3 lâminas de corte
2 planos radiais; 1 lâmina
de corte
Ângulo helicoidal
Ângulo de corte
Secção transversal
Variável
Negativo
Triângulo convexo
Variável
Positivo? Negativo
3 superfícies assimétricas
Comprimentos de instrumento
21 e 25mm
21, 25 e 30mm
®
®
Tabela 1. Características comparativas instrumentos endodônticos NiTi ProTaper e K3 .
Distância da ponta Diâmetro do
do instrumento - mm ProTaper®
F1 F2 F3
0
1
2
3
.20 .25 .30
.27 .33 .39
.34 .41 .48
.41 .49 .57
Diâmetro do
K3®
Diâmetro do
K3®
Diâmetro do
K3®
6% ou conicidade
.06
.20 .25 .30
.26 .31 .36
.32 .37 .42
.38 .43 .48
4% ou conicidade 2% ou conicidade
.04
.02
.20 .25 .30
.20 .25. .30
.24 .29 .34
.22 .27 .32
.28 .33 .38
.24 .29 .34
.32 .37 .42
.26 .31 .36
Tabela 2. Tamanhos comparativos de preparos apicais com ProTaper® e K3®.
Figura 1 A, Imagem longitudinal de uma lima K3®. Observe as superfícies de
corte no cabo. B, secção transversal de uma lima K3®. Observe as bordas
rugosas e a incapacidade de discernir a natureza do ângulo de corte. C, um
retoque da secção transversal no Adobe Photoshop para fazer com que pareça
que tem margens de superfície lisas e distintas. Mesmo com esta secção
transversal é difícil discernir um ângulo de corte positivo.
Figura 2 A, Imagem longitudinal de uma lima ProTaper®. Observe a borda
cortante aguda. B, secção transversal demonstrando o ângulo de corte negativo
presente. (Figuras 1 & 2 reproduzidas por cortesia de Dr. W. Ben Johnson veja
referência para Johnson 2002 para maiores detalhes).
doras, e limpam a porção apical do canal em diâmetros
maiores que favorecem o
amplo debridamento bacteriano (Wu & Wesselink 1995,
Rollison et al. 2002, Card et al.
2002, McGurkin-Smith et al.
2005) (Tabela 2).
O instrumento K3® utiliza planos radiais de apoio para suas
superfícies de corte primárias
e desta forma há mais contato
do instrumento com a parede
dentinária, o que aumenta a
fricção e reduz a resistência
mecânica do instrumento. O
ângulo helicoidal é variável e
aumenta da ponta para o
cabo, como uma inclinação
espiral. Isto tende a tornar o
instrumento muito ativo coronalmente, reduzindo sua tendência a ser trabalhado apicalmente. Por outro lado, o
instrumento ProTaper® tem
uma secção transversal triangular que reduz a área de
contato entre a superfície da
lima e a dentina. Isto resulta
em maior eficiência de corte,
que foi incorporada pelo equilíbrio da inclinação e ângulos
helicoidais do instrumento.
Uma área que varia entre
instrumentos é o ângulo de
corte, que é formado pela
borda cortante e uma secção
transversal perpendicular ao
longo eixo do instrumento. Se
a borda cortante estiver à
frente da perpendicular, o
ângulo é considerado negativo. Por outro lado, se o ângulo de corte estiver atrás do
perpendicular, o ângulo é
positivo. Ângulos de corte
negativos tendem a resultar
em redução na eficiência do
instrumento (Camps & Pertot
1994). Enquanto o fabricante
afirma que o ângulo de corte
do K3® é positivo, a análise do
instrumento indica que é
negativo (Figs. 1 & 2) (Johnson 2002). Além disso, duas
análises recentes do ângulo
de corte do K3® também chegaram à mesma conclusão
de que o ângulo de corte é
negativo, apesar das afirmativas do fabricante de que o
K3® tem um ângulo de corte
positivo (Chow et al. 2005,
Grande et al. 2005).
Enquanto o ângulo de corte
do ProTaper® também é negativo, sua conicidade progressiva envolve uma menor zona
de dentina, o que reduz a
carga torsional, fadiga da
lima e potencial para fratura,
ao contrário do instrumento
com conicidade constante.
Além disso, melhora a flexibi-
lidade, eficiência de corte e
tipicamente reduz o número
de re-acessos necessários
para alcançar o comprimento,
especialmente em canais
estreitos ou mais curvos. Na
realidade clínica, não são
necessários re-acessos, pois
o comprimento de trabalho é
alcançado com a lima de acabamento ou a lima F
ProTaper ® . Finalmente, o
ângulo de corte negativo exibido pelo ProTaper® é um
atributo muito positivo com
relação à limpeza de canais
radiculares previamente obturados de forma eficiente e
eficaz (Hülsmann & Bluhm
2003, Gutmann 2004).
Afirma-se que ambos os instrumentos removem debris
efetivamente do canal sem os
empurrar apicalmente. Entretanto, considerando-se os
maiores preparos apicais que
podem ser produzidos com o
ProTaper®, a remoção de
debris apicais pode ser
melhorada sem necessidade
de preparar a porção apical
do canal em tamanhos excessivos. De fato, estudos sustentaram maiores tamanhos
DT page 28
DENTAL TRIBUNE
28 Trends & Application
DT page 27
Figura 3 A, Molar inferior com remoção da raiz distal. B, radiografia
demonstrando configurações do canal da raiz mesial remanescente. O dente foi
montado em um cubo endodôntico antes de quaisquer procedimentos
intracanal.
Figura 4 A, Imagem radiográfica vestibular da determinação do comprimento de
trabalho. Observe as curvaturas da porção média da raiz e invaginação
radicular externa (setas). B, Imagem proximal do mesmo dente demonstrando
configuração do canal distinta e separada.
Figura 5 A, Secção transversal da câmera pulpar antes da entrada inicial no
canal. B, Formas e posição do canal após penetração com uma lima K3®
(esquerda) e ProTaper® (direita) na profundidade descrita em C (área
sombreada realçada em vermelho). Todas as secções dentárias estão incluídas
em acrílico.
Figura 6 A, Secção transversal da raiz em posição indicada pela área
sombreada salientada em vermelho em C antes da entrada no canal naquela
área. B, Formas e posição dos canais após penetração com um K3® (esquerda)
e ProTaper® (direita) na profundidade descrita em C (área sombreada
salientada em vermelho). Observe a tendência da K3® de cortar em direção à
curvatura interna da raiz (seta vermelha), enquanto o ProTaper® permanece
mais bem centralizado.
apicais para remoção de
debris e controle bacteriano
(Baugh & Wallace 2005). A
capacidade de fazê-lo sem
colocar em risco a forma do
canal apicalmente com instrumentos maiores parece
favorecer o instrumento
ProTaper®.
Recentemente foram publicados vários estudos que
abordam a capacidade dos
instrumentos contemporâneos de permanecerem centralizados no canal radicular
durante o procedimento de
modelagem (Ponti et al.
2002, Song et al. 2004).
Freqüentemente, os resultados destes estudos não
necessariamente refletiram
padrões de utilização clínica
desejada ou recomendada.
Por exemplo, a maior parte
dos instrumentos NiTi deve
ser utilizada brevemente até
o comprimento de trabalho
sem passagens excessivas
no canal (<1-2 segundos).
Isto é particularmente aplicável para as limas de acabamento do ProTaper®. Uma
vez que F1, F2 ou F3 alcança
o comprimento de trabalho,
elas devem ser removidas
imediatamente e demais
aplicações para o trabalho
não são necessárias ou recomendadas. A falha em fazê-lo
resulta em potencial para
desvio do centro do canal. A
tendência de desvio pareceria maior com instrumentos
que têm maior massa de
metal ao longo de todo o cabo
do instrumento, como o K3®.
De fato, este desvio foi
demonstrado com o K3® com
um deslocamento em direção
ao lado externo da curvatura
na porção apical do canal
(Bergmans et al. 2003) e
confirmado por Ayar & Love
(2004).
O ProTaper®, pela redução da
conicidade em direção coronal (Tabela 1 de 7%, 8%, e
9% para 5.5% versus a conicidade de 6% do K3®) tenderia
a ser mais flexível e criar
menos desvio, especialmente
na porção média ou coronal
do canal. Isto ocorreu, conforme indicado por Bergmans et
al. (2003), especialmente na
porção radicular média, onde
a “zona de perigo” ou chance
de afinamento radicular é
maior devido a invaginações
radiculares externas (Gutmann et al. 1997). O
ProTaper® foi “menos influenciado pela curvatura da porção média do canal que o
design de conicidade constante do K3®.” Entretanto, o
g ru p o d e p e sq u i s a d e
Bergmans et al. (2003) também observou um desvio do
ProTaper® em direção à
região da furca na porção
coronal exata do canal e da
lima K3® na região coronal
média. Devido às conicidades
reduzidas do ProTaper® na
porção coronal do cabo, este
desvio identificado pode
refletir a utilização extensa
do instrumento além ou
fora das especificações do
fabricante, variabilidade
nas aplicações do operador, ou variações na anatomia dos dentes escolhidos
para o estudo. Exemplos
incluem: utilização no canal
no comprimento de trabalho
por mais tempo que o recomendado; utilização do instrumento em um canal onde um
acesso retilíneo e direto ao
canal não foi estabelecido
pela utilização do instrumento
Sx; utilização de ProTaper®
muito grande em sistemas de
canais com anatomia complexa, como canais em forma de
S. Este último aspecto pode
facilmente influenciar os resultados de estudos desenvolvidos para comparar os resultados da instrumentação. Este
problema é muito evidente em
uma publicação recente (Yoshimine et al. 2005). Neste estudo, canais simulados em forma
de S foram preparados até o
tamanho F3, que é altamente
inapropriado para este desafio
anatômico apicalmente. De
fato, a ordem de preparo de
porções apicais de certos canais que apresentam desafios
anatômicos com instrumentos
manuais foi salientada por
Blum et al. (2003) e Yoshimine
et al. (2005). Segundo, não há
indicação no estudo de que os
instrumentos tenham sido
utilizados de acordo com as
instruções do fabricante com
relação ao período de corte
apicalmente. Tercei-ro, não
houve indicação de que os
operadores no estudo fossem
experientes com a utilização
de instrumentos ProTaper®,
especialmente em, canais em
forma de S. Quarto, enquanto
a utilização de blocos plásticos
é aceitável para avaliação de
técnicas de limpeza e modelagem em geral, ela pode não
ser válida para utilização com
instrumentos NiTi rotatórios
(Daugherty et al. 2001), uma
vez que diferentes instrumentos cortarão o plástico de
forma diferente com base nas
características únicas dos
instrumentos.
Estes tipos de estudos apenas
tendem a obscurecer os
aspectos relacionados a uma
avaliação comparativa verdadeira e válida das aplicações
dos instrumentos.
Ironicamente, uma das conclusões neste estudo indicou
que o K3® deve ser utilizado no
ápice de canais curvos, o que
está em contraste direto com
os achados de Bergmans et al
(2003) onde houve desvio no
terço apical com a utilização
de instrumentos K3®.
Kuttler et al. (2001) reconheceu a importância de se padronizar a avaliação das aplicações dos instrumentos no
canal radicular desenvolvendo
o “cubo endodôntico” para
fornecer análise comparativa
mais precisa entre a anatomia
pré-instrumento e a obtenção
pós-instrumento. Este modelo
é uma ampla melhora dos
últimos esforços de padronizar
as avaliações e minimizar ou
neutralizar as variáveis.
Utilizando o modelo de cubo
endodôntico para avaliar os
instrumentos K3® e ProTaper®,
foram encontrados desvios
com o K3® na porção média do
canal, ao contrário do
ProTaper® (Figs. 3-7) (Kuttler
informações não publicadas),
o que confirma as informações
de Bergmans et al. (2003) nas
quais o ProTaper® não é influenciado por curvaturas na
porção média da raiz e mantém sua capacidade de centralização de forma muito melhor
nesta região que o K3®. Além
disso, confirmou exatamente o
que Bergmans et al. (2003)
encontrou com desvios com o
K3® na região médio-coronal
(Fig. 7).
A distorção do instrumento
sempre é uma preocupação
para os clínicos, pois invariavelmente leva à fratura do
instrumento. Enquanto a fratura nem sempre pode ser pre-
Asia Pacific Edition
vista, especialmente em um
instrumento sem distorção,
defeitos nos instrumentos
podem ser vistos freqüentemente pelo clínico na remoção
do canal ou previstos com base
nas sensações tácteis durante a
utilização. Com relação a isto, a
taxa de distorção das limas K3®
em canais radiculares severamente curvos de molares extraídos foi observada por Ankrum et
al. (2004) como sendo de 8,3%,
comparada à taxa do instrumento ProTaper® de 2,4%.
Entretanto, a taxa de distorção e
a taxa separada dos instrumentos não foram significativamente diferentes entre os instrumentos neste estudo.
Finalmente, provavelmente a
maior preocupação para o clínico é se haverá ou não fratura do
instrumento durante a utilização. Infelizmente, muitos clínicos culpam o instrumento por
esta ocorrência e falham em
reconhecer a necessidade de
proceder com cautela antes da
colocação de instrumentos NiTi
rotatórios no canal radicular.
Cinco aspectos fundamentais
são de importância fundamental neste aspecto: 1) a necessidade de avaliar a natureza da
anatomia do canal radicular a
ser limpo e modelado é essencial; 2) a percepção de que nem
todos os sistemas de canal
radicular são passíveis de penetração com instrumentos rotatórios e que as combinações de
técnicas de instrumentos freqüentemente são necessárias
(Blum et al. 2003) freqüentemente não é considerada; 3) a
necessidade de criar uma via
ou trajetória na raiz antes da
utilização do instrumento rotatório (Blum et al. 2003, Patiño et
al. 2005) é essencial; 4) nem
todos os sistemas de canais
radiculares devem ser ampliados até o maior tamanho ou
conicidade de instrumento
disponível com qualquer sistema; e 5) instrumentos que já
foram utilizados têm maior
chance de fratura, especialmente quando utilizados em
velocidade muito alta, com
muita pressão, em canais com
raios de curvatura aumentados
e em canais com ângulos de
curvatura aumentados (Martin
et al. 2003, Patiño et al. 2005).
Em comparações in vitro diretas dos dois instrumentos,
Bergmans et al. (2003) não
identificaram instrumentos
fraturados com o K3 ® ou
ProTaper®. Entretanto, em cada
caso de aplicação, foram utilizados novos instrumentos.
Enquanto Martin et al. (2003) e
Patiño et al. (2005) identificaram fraturas com ambos os
instrumentos, não houve diferenças significativas entre as
limas em qualquer situação de
avaliação em particular.
A utilização de um sistema de
instrumentos NiTi para limpeza
e modelagem do canal radicular
pode ser muito efetiva. A aplicação destes instrumentos pelo
clínico deve seguir os parâmetros de utilização detalhados
pelo fabricante, considerando a
ampla gama de variáveis anatômicas. Para enfrentar estes
desafios com resultados ótimos
e previsíveis, o clínico deve ter
uma compreensão clara dos
atributos dos instrumentos que
estão sendo utilizados e como
aplicá-los para máxima obtenção e satisfação. Neste aspecto, o sistema ProTaper® em
instrumentos manuais ou automatizados fornecem ao clínico
contemporâneo ampla versatilidade e segurança na realização
de tratamento de qualidade dos
canais radiculares.

Documentos relacionados

RBO vl 65- nº2

RBO vl 65- nº2 O presente trabalho avaliou a influência da velocidade de rotação no número de ciclos necessários para fraturar instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados. Instrumentos Protaper Universal F3 de ...

Leia mais