O CIMI NORTE II E OS POVOS INDÍGENAS

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O CIMI NORTE II E OS POVOS INDÍGENAS
Ocupação de canteiro
ENCARTE ESPECIAL: CIMI 40 ANOS
Texto: Cimi Regional Norte II
Fotos:Arquivo Cimi
358
Setembro–2013
CIMI REGIONAL
NORTE II
O CIMI NORTE II E OS POVOS INDÍGENAS
C
om a responsabilidade de atuar nos
estados do Pará e do Amapá, o Cimi
Norte II nasceu em uma época repleta de
desafios tanto pela conjuntura nacional
e regional como pelos seus reflexos na
pastoral das igrejas, fatores que influenciaram profundamente a missão entre os
povos indígenas.
Nos anos 1970 os povos indígenas foram afetados pelas grandes obras governamentais: extensas
rodovias, a hidrelétrica de Tucuruí e, posteriormente,
Carajás. A Transamazônica, no Pará, e a Perimetral
Norte, no Amapá, constituíram um dos maiores
impactos do século para os povos , principalmente
para os povos até então não contatados, como os
Parakanã, os Arara, os Waiãpi, dentre outros.
Os projetos faraônicos do governo causaram o
avanço das frentes colonizadoras e extrativistas, sem
dar-lhes condições de assentamento e trabalho. Na
Transamazônica, os colonos foram despejados na
área sem condições nem para se sustentar, sobrevivendo graças ao instinto de preservação.
Desse modo, as grandes empresas se aproveitaram e os colonos precariamente assentados
acabaram se constituindo em testa de ferro para as
invasões das áreas indígenas. Até hoje a situação
não mudou: quando os territórios indígenas são
invadidos, cria-se um problema social e exige-se
a redução das áreas indígenas, como no caso dos
Tembé, do Guamá, dos Arara, da Cachoeira Seca, e
dos Parakanã, de Apyterewa.
O aumento de migrantes preocupou as igrejas
que dispunham de poucos agentes, de maneira que a
atividade entre os povos indígenas foi sensivelmente
reduzida, permanecendo praticamente só na missão
Tiriyó e Cururu.
O recém nascido Cimi teve um papel importante
no enfrentamento dos problemas conjunturais,
alertando a opinião pública, denunciando a política
governamental e contribuindo para a resistência e a
organização indígena.
Junto aos povos indígenas, a Boa Nova se tornou
bem próxima, concreta, atual e compreensível.
OS POVOS
INDIGENAS NO
PARÁ E AMAPÁ
E
m termos numéricos, os indígenas no Pará e Amapá
chegam a aproximadamente 60.000, distribuídos
em 66 povos. Cada povo tem sua cultura única e
distinta e sua língua. Devido à origem comum mais
próxima, as línguas e culturas são agrupadas em famílias
linguístico culturais. Nestes dois estados, há quatro grandes famílias: Jê, Tupi, Karib e Aruak e povos que não se
classificam em nenhuma delas.
A família Tupi reúne o maior número de povos (27),
que estão espalhados por todo o estado do Pará e no
coração do Amapá.
Os povos Karib se localizam no norte dos dois estados
e no Rio Iriri, afluente do Rio Xingu.
Os povos Jê: Karajá, no sul do Pará; Kyikatejê/ Parakatejê/ Akrakateje, que também são denominados Gavião, e
o maior grupo, dos Kayapó, ambos no sudoeste do Pará,
somam 13 povos, que se distribuem em sub-grupos. 

Apenas nos
estados do
Pará e Amapá,
existem mais
de 60.000
indígenas
de 66 povos:
diversidade
ameaçada
Setembro–2013
2
Há um povo da família lingüística Aruak, os Palikur,
no extremo norte do Amapá, fronteira com a Guiana
Francesa. No Amapá vivem ainda os povos Karipuna,Galibi e Waiapi
Já no fim da década de 1990 conseguiu-se perceber
a presença de 9 povos Ressurgidos, todos localizados
na região oeste do Pará, precisamente em Santarém.
Assim como a migração de povos de outros estados para
o Pará, como é o caso dos Guajajara, Atikum e Guarani,
todos localizados na região sudeste, em Marabá.
Outro fenômeno social entre os povos indígenas no
Pará e Amapá são os indígenas citadinos. Na região
metropolitana de Belém, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eles chegam a
5.000 pessoas. O mesmo acontece em Altamira, no
oeste paraense. Há casos em Altamira que há bairros
predominantemente indígenas. O mesmo se repete em
Jacareacanga, onde os indígenas são mais da metade
da população. Ainda há registros de números elevados
de indígenas nas cidades de Redenção (sul do Pará),
Santarém e Oiapoque (AP).
Além da diversidade cultural, os povos indígenas
desses dois estados se caracterizam por:
Diferença no tamanho das populações - O povo
Asurini, do Xingu, tem menos de 150 pessoas, enquanto
os Munduruku, no Tapajós, contam com mais de 10.000
membros.
Diferença no tempo de contato - Há povos com
centenas de anos de contato, como os Karipuna, Galibi-Marworno, Palikur, Tembé e Munduruku. Há outros
que tiveram o contato na primeira metade do século
XX, como os Kaiapó, Asurini do Trocará e Tiriyó. E há
outros com contato muito recente, como os Asurini do
Koatinemo, Araweté e Parakanã, contatados nos anos
de 1970, e os Zoé e os Arara, nos anos de 1980. Há
registros de grupos isolados, ainda sem contato.
Mudanças de língua: Alguns povos mudaram sua
língua original e adotaram uma nova, como os Tembé,
do Guamá, que adotaram o português, e os Karipuna
e Galibi-Marworno, que adotaram o patoá. A maioria
conserva a sua própria língua. No regional Cimi Norte
II, há em torno de 25 línguas indígenas. Dependendo do
contato com a sociedade, há povos que desconhecem
quase por completo o português, como os Arara, os
Parakanã, os Wai-Wai e os Waiãpi. E outros em que a
maioria da população domina mais de uma língua, como
os Karipuna, Galibi, Aikewar, Parakatejê.
UMA HISTÓRIA
MARCADA PELO
CONFLITO CONTRA
O CAPITAL
P
ará, década de 1970. O faraônico projeto do regime militar, a BR–230, a chamada Transamazônica,
talvez, o mais importante empreendimento da
política econômica, integracionista e desenvolvimentista da época, segue avançando mata adentro
com o objetivo de interligar as regiões Nordeste e Norte
do Brasil com o Peru e o Equador. Era, sem sombra de
dúvida, o projeto que mais representava o mote político
do governo da época: “integrar para não entregar”. Estas
regiões do país, que se pretendia integrar, eram tidas
como inabitadas e este projeto foi o que, certamente,
mais ocasionou perda, sofrimento e morte para os povos
indígenas que estavam no seu caminho, como também
para inúmeras outras comunidades ribeirinhas e tradicionais nessa região da Amazônia. E as consequências
sócio-econômicas, políticas e ambientais decorrentes
desse empreendimento são sentidas até hoje por todos
os povos que vivem às margens dessa rodovia.
Concomitante a este devastador projeto, outras iniciativas econômicas são implantadas em todo o território
que compreende hoje o regional Cimi Norte II. Por exemplo, a BR 210, chamada de Perimetral Norte, planejada
no auge do desenvolvimentismo econômico do regime
militar para cortar a Amazônia brasileira do Amapá até
a fronteira colombiana no estado do Amazonas, fazendo
parte do Plano de Integração Nacional (PIN).
No estado do Amapá, o empreendimento foi iniciado
em 1973, aproveitando os 102 quilômetros já construídos pela Icomi para a exploração da Serra do Navio,
saindo de Macapá. O projeto foi suspenso em 1977,
depois de 170 km construídos, que hoje terminam dentro
da Terra Indígena Waiãpi.
Segundo informações da Fundação Nacional do
Índio (Funai), o traçado planejado para a rodovia BR-210
cruzava diversos territórios indígenas ainda não contatados por este órgão indigenista, inclusive numa grande
extensão da porção sudoeste da atual Terra Indígena
Arara Laranjal
Asurini Koatinemo
Encontro CIMI
Povo Xicrim Bacajá
Xingu
Xingu
Yanomami. A construção da Perimetral Norte entre o
município de Caracaraí, na primeira metade da década
de 1970, levou à morte dezenas de Yawarip, subgrupo
Yanomami, e desestruturou o modo de vida de toda a
comunidade, levando os sobreviventes a mendigarem
na beira da estrada.
Em consequência, a população Yanomami dos vales
dos rios Ajarani e Catrimani foram devastadas, sendo
que quatro aldeias do Ajarani perderam 22% de sua
população, entre 1973 e 1975, e quatro outras do Alto
Catrimani perderam metade de sua gente em epidemias
de sarampo em 1978. (BRASIL. Fundação Nacional de
Saúde, 1991). Ao mesmo tempo, instalaram-se projetos
de colonização no Ajarani e Apiaú tendo como consequência a pauperização e o estabelecimento de portas
de entrada de doenças com alta letalidade nas aldeias.
Em Oiapoque, os povos indígenas Galibi Marworno, Karipuna, Galibi e Pàlikur também sentiram drasticamente
os efeitos negativos desse grande projeto.
Grito 2012
Assembléia Munduruku
Caminhada Munduruku em Jacaré
Encontro de terra resistente
Ocupação belo monte -Munduruku
Tembé em manifesto
Neste cenário, em outra ponta do estado do Pará, o
povo Aikewara sofreu e foi brutalmente agredido com
a intervenção dos militares em suas terras e aldeias por
conta do conflito armado conhecido como a Guerrilha
do Araguaia, onde centenas de pessoas entre camponeses, trabalhadores e militantes do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) foram presas, torturadas e assassinadas
pelas forças militares da época. Os Aikewara, além
de terem sido usados como batedores dos militares
em busca dos “guerrilheiros” nas matas, perderam a
metade de seus territórios tradicionais por conta dessa
violência, assim como somaram irreparáveis perdas no
universo sócio-econômico, político, religioso e cultural
do grupo.
Em novembro de 1974 o Estado brasileiro deu início
à construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio
Tocantins, no município de Tucuruí (cerca de 300 km ao
sul de Belém), com uma capacidade geradora instalada
de 8.370 MW. Maior usina hidrelétrica 100% brasileira, Tucuruí é considerado um dos maiores desastres
ambientais do mundo. O gigantesco empreendimento
de geração de energia, além de contribuir muito para
o processo de desflorestamento na região, gerou um
grande reservatório, que desalojou milhares de famílias
ribeirinhas, camponesas e pescadoras localizadas às
margens do Rio Tocantins; inundou cidades inteiras,
como Jacundá; engoliu territórios indígenas inteiros,
como o do povo Akrãtikatêjê, os Gavião da Montanha,
que tiveram que ser realocados forçadamente numa
outra terra indígena, na região de Marabá e que lutam
na justiça até hoje para terem o direito de receberem
uma outra área compatível com as que foram alagadas;
inundou parte do território tradicional do povo Parakanã;
e impactou profundamente as atividades de subsistência
de pesca do povo Asurini, que vivem ás margens do Rio
Trocará, a jusante do paredão de concreto da Usina e
a quem o estado e a Eletronorte, nunca indenizou pelos
prejuízos causados pela usina.
Outro projeto faraônico foi e ainda é o Projeto Carajás, oficialmente conhecido como Programa Grande Carajás (PGC). Projeto de exploração mineral, iniciado em
1980, na mais rica área mineral do planeta, a província de
Carajás, pela Vale (antiga CVRD). Estende-se por 900 mil
km, numa área que corresponde a um décimo do territó-
rio brasileiro, e que é cortada pelos rios Xingu, Tocantins
e Araguaia, e engloba terras do sudeste do Pará, norte
de Tocantins e sudoeste do Maranhão. Foi criado pela
então empresa estatal brasileira Companhia Vale do Rio
Doce, durante o governo Figueiredo. É um projeto que se
expande e se consolida a cada dia, afetando com suas
ramificações centenas de comunidades rurais, urbanas,
indígenas e negras. É um projeto que deixa um passivo
social enorme para a sociedade brasileira como um todo,
pois nada do que é explorado fica para os governos e os
povos da região. É considerada, atualmente, a expressão
mais forte do capital na Amazônia e no mundo.
Já o Projeto Calha Norte é um programa de desenvolvimento e de defesa da região Norte do Brasil, idealizado em 1985 pelo governo Sarney, e prevê a ocupação
militar de uma faixa do território nacional situada ao
Norte da Calha do Rio Solimões e do Rio Amazonas.
Atualmente, é subordinado ao Ministério da Defesa,
sendo implementado pelas Forças Armadas. Com 160
km de largura ao longo de 6,5 mil km de fronteiras com
a Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela e Colômbia, essa faixa abriga quase 2 milhões de pessoas
e ocupa 1,2 milhão de km², uma área correspondente
a um quarto da Amazônia Legal e a quase 15% da área
total do país. O Programa, atualmente, atende a 194
municípios em seis estados, sendo que destes, 95
municípios ficam em área de fronteira. No Pará, esse
projeto atingiu e monitorou o território dos povos Tiriyó,
Kaxuiana,Waiana e Apalai.
O argumento usado para a implementação desse
projeto é “fortalecer a presença nacional” ao longo da
fronteira amazônica, tida como ponto vulnerável do território nacional. No entanto, essa ocupação por não índios
nesse vasto território tem ocasionado sérios problemas
de invasão, redução e pressão sobre os territórios indígenas situados ao longo dessa faixa de terras.
Considerada uma rodovia longitudinal do Brasil, a
BR – 163, tem 3.467 km de extensão, sendo quase
1.000 km não asfaltados. Liga Tenente Portela, no Rio
Grande do Sul, a Santarém, no Pará. É uma rodovia
que integra o Sul ao Centro Oeste e Norte do Brasil. É
asfaltada até Mato Grosso, na cidade de Guarantã do
Norte, a 728 km da capital Cuiabá, no extremo norte
do estado. Daí, sentido Santarém, PA, são 1.010 km
de estradas de chão. Possui fundamental importância
para o escoamento da produção da parte paraense da
região Norte e norte da região Centro-Oeste do Brasil.
A abertura dessa rodovia provocou a remoção forçada
do povo Panará para o Parque Nacional do Xingu, quase
exterminando todos os membros do grupo. Na década
de 2000, finalmente, este povo conseguiu na justiça o
direito de retornar para uma área às imediações do seu
antigo território, onde vivem até hoje.
Outros projetos de construção de usinas hidrelétricas, como o Projeto da UHE Kararaô, hoje chamada de
Belo Monte – atualmente em construção, mas que foi
paralisado pelos povos indígenas da região do Xingu, em
1989, no Grande Encontro dos Povos Indígenas do Xingu
- como também a passagem de linhas de transmissão,
a exploração madeireira e a expansão da pecuária marcam fortemente essa região da Amazônia, localizada no
estado do Pará, colocando em risco a integridade física
e cultural de muitos povos e comunidades indígenas.
E todos eles, associados a outros não tão expressivos, mudaram e transformaram profundamente a vida
destes povos. E o que quer que o Estado faça, hoje,
para reparar tamanha dor, sofrimento, perda e injustiça, o mesmo jamais conseguirá contabilizar a perda
de territórios, dos bens naturais, culturais e de vidas
humanas que desapareceram no decorrer do processo
de implantação desses grandes projetos.
Por fim, por mais que seja doloroso dizer isso, afirma-se que os dias de terror, sofrimento e luta ainda não
chegaram ao fim, pois esse mesmo projeto desenvolvimentista, idealizado pelos militares, ainda continua vivo
e terrivelmente ameaçador. Seu novo rosto é o Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), que, de forma
avassaladora, desrespeitosa, autoritária e genocida,
tenta a todo custo submeter seus interesses à custa das
vidas, dos territórios e dos direitos dos povos indígenas.
Semelhante ou até pior que o regime militar, o atual
governo do Partido dos Trabalhadores (PT) certamente
será lembrado pelas futuras gerações como o governo
que mais desrespeitou e negou o direito de Viver dos
povos indígenas do Brasil.
O modelo de
desenvolvimento
fundamentado
em megas
obras de infra
estrutura
causou o
genocídio de
vários povos
durante a
ditadura: um
padrão que se
repete hoje
Marcos Antônio Reis
Coordenador do Regional Cimi Norte II
3 Setembro–2013
Assembleia CIMI
Assembleia CIMI
Assembleia CIMI
F esta da moça Tembé
Xingu
UMA EXPERIÊNCIA
COM O POVO
KARIPUNA
(OIAPOQUE)
O modo de viver
indígena se
contrapõe aos
interesses do
grande capital:
reverência
à natureza e
aos saberes
tradicionais
Depoimento de Irmã Rebeca
(Irmã de Notre Dame, presente no Norte II há 38 anos)
E
APOIADORES
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4
m 1978 fui convidada pelo Cacique Karipuna
Tãgaha para morar com seu povo com o objetivo de ensinar a escrita da língua e ajudar
com aspectos religiosos. Frequento a área
desde esta época e morei na aldeia Espírito Santo nos
anos de 1980 e 1981. Levei apenas minha rede para
a aldeia, dependendo da comunidade para tudo. A
comunidade me deu uma casa para estudar e dormir
e a cada semana me indicava uma família para eu
compartilhar as refeições e o trabalho. Dona Domingas, minha vizinha e melhor amiga, me orientava em
como me comportar na aldeia.
No início eu passava horas com as mulheres,
ouvindo suas conversas sem poder participar pois
ainda não entendia a língua e elas não falavam
português comigo para que eu aprendesse kheuol
mais rápido. As crianças tiveram muita paciência
Kayapó
para me ensinar falar. Eu gostava de ir para a roça
com as famílias, fazendo farinha e plantando. Nestas
atividades cotidianas eu aprendia muito: descascar e
ralar mandioca, remar, andar no buriti, comer caracol
cru e ovos de camaleoa, falar, dar nome às coisas.
Todos eles, mesmo as crianças pequenas, eram meus
mestres. Aprendi também um novo sentido, uma nova
dimensão do belo, gostoso, engraçado, sagrado. Eles
gostavam de me ensinar mas, quando eu fui à roça
três dias seguidos, me disseram: “Rebeca, tu tens
de ficar e estudar para preparar nossos livros.” Os
Karipuna tinha clareza da mutualidade do processo
e do que queriam de mim.
Um grupo de dez jovens e adultos Karipuna estudava comigo e juntos elaboramos uma proposta
de alfabeto. Para experimentar o alfabeto, dei aula
para diversos grupos jovens e mulheres. Em pouco
tempo eles dominavam a escrita. Avaliando com
o grupo base, que já conhecia alguns princípios
linguísticos, resolvemos mudar alguns grafemas.
Todo o trabalho foi em mutirão e sempre testado na
comunidade. Este modo de trabalhar foi um exercício
de protagonismo e valorização da identidade cultural
do ser Karipuna. O efeito disso se fez sentir em outros aspectos da vida pois o povo se mostrou mais
crítico e mais determinado em exigir seus direitos
e o respeito dos outros.
Nas reuniões da comunidade e nas celebrações
nos domingos, eu explicava a Bíblia, os sacramentos,
a legislação brasileira referente aos povos indígenas.
Ensinei como o sistema econômico funciona no Brasil
e no mundo, como fazer balanço na cooperativa, como
planejar liturgia e entender os sacramentos. Em resumo, coloquei o que tinha à disposição enquanto eles
me deram o que eles tinham. Na medida que nossa
amizade foi crescendo e a confiança aumentando,
nossa partilha foi aprofundando e juntos tocamos o
sagrado em nós e crescemos e expandimos nosso
ser místico. Quem teria palavras para explicar este
mergulho no Divino?
Em nosso viver juntos, em nosso partilhar, crescemos em todos os sentidos e os Karipuna foram se
apropriando dos mecanismos, instrumentais e conhecimentos necessários para garantir a continuidade
do processo. Deixaram de esperar a boa vontade
dos outros para fazer acontecer. Hoje, têm auto confiança, se apropriaram de sua história e exercem sua
cidadania juntamente com os outros povos da região,
além de participarem de organizações indígenas em
nível nacional.
Os Karipuna passaram a ter seus próprios professores que completaram o segundo grau em um curso
de magistério indígena e assumem todo o processo
de educação nas suas aldeias. Atualmente, alguns
deles cursam a universidade. Da mesma forma,
quase todos os serviços necessários nas comunidades são realizados pelos próprios membros da
comunidade. Nesse sentido, os Karipuna tornaram-se
pioneiros. Como companheiros, nosso papel agora
é de acompanhamento. Com visitas frequentes,
ajudamos na elaboração de matéria is e procuramos
caminhar juntos no sentido de avançar. n