pensando o brasil - instituto pensando brasil

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pensando o brasil - instituto pensando brasil
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PENSANDO
O BRASIL
Uma publicação do Instituto Pensando o Brasil
ANO 2 - Nº 3 - JANEIRO DE 2016
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA
JOÃO MEZARI
LIXO ZERO
RODRIGO SABATINI
PENSANDO A MÚSICA DE
CONCERTO NO BRASIL
HENRIQUE AUTRAN DOURADO
O BRASIL QUE
EMERGE DA CRISE
RICARDO FERRAZ
EXPEDIENTE
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Presidente
Maria Estela Kubitschek Lopes
Vice Presidente Executivo
Fábio Chateaubriand Borba
Diretor do Fórum Pensando o Brasil
Gabriel Azevedo
Diretor de Projetos
José Tomás de Vasconcellos Gouvêa
Conselho Fiscal
Alexandre de Campos, Daniel Perrelli Lança, Davi Lago
Conselho Consultivo
Andrea Carreiro Kubitschek Lopes, Henry Isaac Sobel,
Hervé Nicolas Linder, Rodrigo Paulo de Padua Lopes
Pensando o Brasil é uma publicação trimestral do Instituto
Pensando o Brasil, focada no debate público nacional.
Copyright © dos trabalhos publicados pertence a seus
autores.
Editor
Fábio Chateaubriand Borba
Conselho Editorial
Carlos Maciel (Université de Nantes)
Charles Cesconetto (GeoFilmes)
João Cesar Kubitschek Lopes (Instituto Pensando o Brasil)
Kelly Maurice (Worldfund)
Michel Schlesinger (Congregação Israelita Paulista)
Rodrigo Prando (Universidade Presbiteriana Mackenzie)
Sebastián Baldunciel (América Latina ONGs)
Sérgio Fausto (Instituto Fernando Henrique Cardoso)
Projeto Gráfico e Revisão
Agência HIGGS
SUMÁRIO
PENSANDO O
BRASIL, EM
TEMPOS
DIFÍCEIS
PG 3 - APRESENTAÇÃO
PG 4 - DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
NA AMAZÔNIA
PG 15 - LIXO ZERO
PG 20 - PENSANDO A MÚSICA DE CONCERTO NO BRASIL
PG 25 - O BRASIL QUE EMERGE DA CRISE
A terceira edição da Revista Pensando o Brasil tinha tudo para ser um resumo
de 2015, mas optou-se que ela não seria. Num ano que começou com o
segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e com ele as crises política
e econômica, a recessão e o desemprego, os escândalos de corrupção e os
crimes ambientais, decidiu-se não só tratar do delicado momento que vive o
país, como também trazer as boas ações, com resultados, que contribuem
para o desenvolvimento do Brasil. Falta o governo fazer a sua parte.
Convidamos especialistas, muito brilhantes, de diversas áreas, para pensar o
Brasil nesta terceira edição.
Abrimos a revista com João Batista Mezari. Diretor administrativo e financeiro
da Moto Honda da Amazônia, explica a Zona Franca de Manaus e a sua importância para o desenvolvimento econômico do norte brasileiro e as práticas
sustentáveis do polo industrial amazônico. Rodrigo Sabatini, presidente do
Instituto Lixo Zero Brasil analisa a gestão de resíduos sólidos e o conceito
de redução da produção de lixo no país. Henrique Autran Dourado, diretor
executivo do Conservatório de Tatuí, nos introduz ao pensamento da música
de concerto no Brasil, da vinda da família real aos dias atuais. Fechamos a
edição com Ricardo Ferraz, jornalista da TV Cultura, que faz uma leitura da
crise econômica e política, e as oportunidades para o país.
Boa leitura!
Maria Estela Kubitschek Lopes
A
Zona Franca de Manaus, inaugurada em
1967, terá, a partir de 2023, mais 50 anos
de prorrogação. Mas será que está claro
para todos a importância de sua existência? A
criação da ZF foi um marco na história do Estado do Amazonas. Ela veio para definir não só um
polo industrial, desbravar e assegurar uma fronteira pouca habitada, mas também e, principalmente, para preservar a riquíssima floresta tropical, além de promover a integração econômica
e social das populações isoladas em uma região
extremamente deficitária.
Como um dos resultados da criação do Polo Industrial de Manaus, hoje o Amazonas é o estado
com maior índice de preservação da floresta, que
se estende por outras regiões: Acre, Rondônia,
Roraima, Amapá, Pará, Tocantins, Maranhão,
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, representando 71% do território brasileiro.
JOÃO MEZARI
NA AMAZÔNIA
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
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Contudo, ainda temos sérios problemas de infraestrutura na região, que nestes quase 50 anos
tiveram pouca ou nenhuma evolução. Até hoje,
por exemplo, não há uma saída por terra em direção aos maiores mercados do País, fator que dificulta sobremaneira o escoamento dos produtos
aqui produzidos. A BR 163 Cuiabá – Santarém esta
sendo morosamente construída há anos e, a BR
319 Manaus – Porto Velho é um sonho distante. E
foi justamente devido às dificuldades logísticas e
outras questões estruturais que os benefícios fiscais da Zona Franca foram criados. Do contrário,
não seria viável a implantação e sobrevivência das
empresas que aqui se instalaram.
Hoje, o Polo Industrial de Manaus
é uma realidade que movimenta a
economia no norte do País. O advento deste polo resultou na criação de centenas de milhares de empregos, permitindo também fixar
o ribeirinho (pessoas que vivem às
margens dos rios amazônicos), em
seu habitat e fazer com que ele não
destrua o meio ambiente ao seu redor.
Com mais de 1,5 milhões de metros
quadrados, o estado do Amazonas
tem por volta de 98% de suas florestas preservadas, e, através da
evapotranspiração desta floresta
sob o sol tropical, devolve a água
para a atmosfera na forma de vapor
de água, formando os agora chamados “Rios Voadores”, que levarão
novas chuvas para o resto do Brasil.
Para completar, além da exuberante flora, temos os nossos rios que,
se considerarmos a vazão total na
conjunção com o Oceano Atlântico,
oferecem 01 (um) litro de água por
dia em média para cada habitante
do planeta.
Somente estes exemplos já demonstram a necessidade de cuidados
especiais com a Floresta. Um ecossistema tão carente e extenso como
este requer seriedade e comprometimento de todos os brasileiros para
sua manutenção. E é por isso que
nós, representantes das empresas
do PIM, trabalhamos arduamente para manter a integridade deste
sistema industrial e comercial, que
propiciam em sua totalidade uma
alavancagem regional e estratégica
para o país.
Um item de vital importância para
o Estado do Amazonas é o setor secundário. A Zona Franca fez com
que a maior parte do PIB amazonense se concentrasse em Manaus.
A atividade industrial não evoluiu
para o interior, onde a extração
de matérias primas ou pequenos
beneficiamentos, principalmente
do ramo madeireiro, operam com
pouca ou nenhuma produtividade.
A melhor forma de iniciar uma
mudança neste quadro seria a interiorização da indústria, um sonho
antigo que esbarra na questão logística. Temos uma região gigantesca, maior que muitos países juntos, mas com baixa capacidade de
escoamento ou desenvolvimento.
Este sem dúvida será um desafio
que deverá ser enfrentado em breve
pelos governos e setores privados.
Floresta Amazônica
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Somente assim o Estado poderá
fazer uma melhor distribuição de
renda, equilibrando as forças.
Dentro deste desafio entendemos
que o desenvolvimento sustentável,
que implica em defesa do meio ambiente, será muito importante para
manter o atual status de preservação de nossas florestas. A criação
em 2007 da Fundação Amazonas
Sustentável (FAS) pelo governo do
Estado vem permitindo o desenvolvimento de projetos voltados para
esta realidade e muitas empresas
estão se aliando à fundação para,
em conjunto, levarem aos mais
longínquos recantos da Amazônia
uma nova possibilidade de geração
de renda.
Entendo que muito precisa ser feito, este é apenas um passo de uma
longa caminhada, mas cidadãos,
empresários, profissionais de empresas privadas e governantes com
espírito empreendedor e que sabem
do potencial da região, podem iniciar uma revolução neste sentido.
Finalizando esta etapa, é premente
que o estado diversifique sua economia, reduzindo gradativamente
a dependência do PIM. Para que
isso tenha viabilidade, basta buscar
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o que de melhor temos nesta terra:
o polo piscicultor, devido à variedade de peixes existentes; atividades agrícolas, buscando aqueles
produtos que melhor se adaptem
ao clima e tipo de terras aráveis;
além do turismo riquíssimo e a
mineração. Se estes pilares forem
explorados devidamente, um novo
amanhã virá sobre os amazônidas
e mesmo sobre o Brasil.
A ZFM tem hoje em seu parque
industrial mais de 500 empresas
dos setores de duas rodas, eletroeletrônico, termoplástico, mecânico, metalúrgico, entre outros, que
empregam 108.000 pessoas diretamente em seus processos fabris, os
quais são monitorados e auditados
pela Superintendência da ZFM,
órgão federal ligado ao MDIC-Ministério da Indústria e Comércio.
Neste contexto, preciso destacar
a importância que teve o sonho
de um homem, Soichiro Honda,
fundador da Honda Motor Company, nossa matriz no Japão. Ele
teve a atitude visionária de, junto
com muitos desbravadores, levantar uma fábrica de motos no meio
da floresta tropical, enfrentando
dificuldades hercúleas de logística
e recursos humanos. Apesar das
adversidades ele visualizava neste
avanço uma possibilidade de abrir
novos mercados para seus produtos.
E foi assim que, em 1976, a Moto
Honda da Amazônia iniciou a produção em Manaus, já tendo produzido mais de 20 milhões de motocicletas, além de produtos de força
que atendem as mais variadas necessidades do mercado brasileiro e
exportador.
Desde os primórdios, nossa fábrica
precisou ser verticalizada, transformando materiais primas como alumínio, aço, polipropileno e outros
em peças para uma gama variada
de produtos. Atualmente produzimos mais de 34 modelos e versões
de motocicletas, propiciando a
criação de 8.000 empregos diretos
e mais de 2.000 indiretos, através
dos 33 fornecedores nacionais e
estrangeiros, que aqui vieram para
atender a nossa demanda de produção e entrega “Just-In-Time”.
A Honda, uma empresa global criada em 1948, tem em suas diretrizes
básicas suprir as necessidades dos
seres humanos sem comprometer
o futuro das próximas gerações,
buscando nosso desenvolvimento
econômico e material sem agredir
o meio ambiente. Nosso objetivo
sempre será o uso de todos os recursos de forma racional, para que
estes se mantenham em condições
de usufruto futuro, compromisso
expresso na Declaração Ambiental
da Empresa, que norteia todas as
nossas atividades.
Um projeto recente que ilustra a
dimensão do nosso compromisso
ambiental é o parque eólico da
Honda, localizado na cidade de
Xangri-Lá (RS). Com nove aerogeradores de altíssima tecnologia,
produzimos um total de 95.000
MW de energia limpa por ano, volume suficiente para suprir 100%
da necessidade da fábrica de automóveis Honda, em Sumaré, no
interior de São Paulo. Com a operação do parque, iniciada em novembro de 2014, conseguimos reduzir em 2,2 mil toneladas de CO2,
ou em 30%, o volume de emissões
geradas pela unidade por ano. E é
com o mesmo objetivo, de redução
contínua de emissões e impactos
ambientais, que investimos e trabalhamos em todas as nossas unidades e operações.
O caminho para um ambiente
mais saudável
Nos esforços da Honda para ser
uma empresa desejada pela sociedade, observou-se a gestão ambiental como uma responsabilidade social fundamental, ao lado da
segurança e da qualidade. Ao definir objetivos e colocar em prática
iniciativas ambientais concretas,
em linha com a Declaração Ambiental da Honda, a empresa trabalha para superar as expectativas
dos seus clientes e da sociedade.
Hoje, mais de 60% de nossas motos são dotadas do sistema FFV
(Flex Fuel Vehicles), que se baseia
no inovador sistema de injeção
eletrônica PGMFi, desenvolvido
pela Honda, permitindo a mistura
de etanol e gasolina com qualquer
combinação entre os dois combustíveis, esta tecnologia faz parte do
conceito Honda Flex One, que é
um empenho da companhia em
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inovação para mobilidade sustentável, aliando alta performance e
baixa emissão de poluentes em todos os produtos.
A Honda mantém uma reserva
ambiental em Rio Preto da Eva
(AM), que preserva 674 hectares
de mata nativa e 305 hectares de
árvores derivadas de reflorestamento, especialmente algumas
espécies ameaçadas de extinção.
A produção de frutas como laranja, banana, coco, limão, entre outros, é doada para os restaurantes
populares que a Honda patrocina
na cidade de Manaus. A empresa
também possui a primeira Reserva
Particular do Patrimônio Natural
localizada no Igarapé do Mindu
em Manaus (AM), com 16,4 hectares, que compõe o chamado Corredor Ecológico Urbano do Mindu.
Estas reservas ambientais tiveram
capacidade de carboneutralizar o
equivalente ao dobro do que é emitido pela fábrica de motocicletas.
Em nossa fábrica, uma moderna
estação de tratamento de efluentes com capacidade diária de 2.584
litros trata 100% da água utilizada
no processo produtivo. Na estação, após passarem por processos
bioquímicos de purificação, os
efluentes, seguem para uma lagoa
de estabilização, quando parte do
volume passa a abastecer o sistema
de irrigação de jardins. O restante
volta para a natureza, preservando
o ecossistema. Outro exemplo é o
reuso da água de condensação dos
compressores de ar. Com esta medida, 755 mil litros do recurso são
economizados por ano, em média.
Com o objetivo de usar o sistema
amazônico de hidrovias, foi desenvolvido, a partir de 2012, o projeto
de transporte de motocicletas via
cabotagem. Buscando minimizar
os altos custos de logística e reduzir
as emissões de CO2 no transporte
de nossos produtos, passamos a
utilizar navios no transporte para
as grandes cidades da costa brasileira. Hoje a cabotagem respondendo por quase 30% do nosso volume
de deslocamentos, permite uma
variação dos modais e eliminou a
emissão de 12,5 kg de CO2 por motocicleta transportada. Este projeto
continua em expansão, dependendo somente de melhorias na precária infraestrutura portuária do País
para evoluir. Aqui na região, um
dos problemas são as grandes vazantes do Rio Amazonas, fator que
contribui para o aumento de custos
quando, como exemplo, em uma
pequena área de aproximadamente
2 (duas) milhas náuticas, chamada
Tabocal, a profundidade no período de seca não permite o trânsito de
navios com carga completa. Neste
caso, mais uma das inúmeras necessidades de nossa região é um trabalho de aprofundamento de alguns
metros neste trecho do Rio e monitoramento posterior para que se
evitem acidentes graves e até interrupção do tráfego de navios, fato que
só não é pior devido ao belo trabalho
dos práticos da região. São pequenos
exemplos da precariedade que a logística enfrenta em sua missão árdua
de retirar os produtos da ZFM.
Ainda dentro do escopo da redução
dos impactos ambientais no processo logístico e, sempre pensando em
evolução, a Honda procurou eliminar o altíssimo descarte de resíduos
metálicos das embalagens de motos
nas concessionárias de todo o Brasil.
Desde 2003, após eliminar o uso de
madeira e papelão, criamos o sistema de racks vaivém, que evoluiu
até atingir 96% de todas as motos
transportadas, sejam estas em carretas ou navios. De lá para cá eliminou a vinda para Manaus pelo Rio,
de uma grande parcela de carretas
ao usar balsas a granel denominadas “Swimming Warehouse”,
quando as motos somente entram
em carretas a partir de Belém, com
ganhos em todos os aspectos da
cadeia logística.
Em 2014, ao passar a usar gás natural, em substituição do GLP, nos
processos de geração a vapor, secagem de peças da pintura alumínio
e fusão do alumínio para a fabricação de motocicletas, a fábrica em
uma primeira etapa gerou redução
de 1.510 toneladas de CO2 por ano,
devido ao GN emitir 50% menos
CO2 do que o carvão e 20% menos
que os demais combustíveis derivados de petróleo.
Buscando levar nossos ideais de
preservação ambiental a toda a
cadeia produtiva, estimulamos
nossas concessionárias para que
busquem o título de Green Dealer,
concedido pela Honda às revendas
que destinam 100% de seus resíduos de forma correta e eficiente.
Para que isto seja possível, a Honda auxilia com a indicação de empresas especializadas em destinação adequada de resíduos e audita
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periodicamente as concessionárias
para re-certificação no programa.
A fábrica de motocicletas de Manaus, além de certificada com a
ISO14000, faz parte do programa
GHG PROTOCOL, que avalia os
resultados da emissão de gases
de efeito estufa por corporações
brasileiras. Neste ano de 2015 a
empresa foi novamente recomendada para receber o Selo Ouro, ao
divulgar o inventário de emissões
de CO2. A recomendação é resultado do nosso empenho, desde
1995, com a adoção do conceito
GREEN FACTORY, que prevê a administração do processo produtivo
a partir de diretrizes sustentáveis,
que contemplam gerenciamento
de resíduos, eficiência energética,
uso racional da água e redução de
emissões atmosféricas.
Para concretizar a Visão Ambiental
e ter uma participação crucial na
criação de uma sociedade de impacto zero, a Honda procura usar
suas tecnologias e atividades de
negócio para contribuir no combate às mudanças climáticas e às
questões energéticas e de escassez
de recursos. Para isso, formulou o
conceito Triplo Zero (3 zeros). O
primeiro deles é zero emissão de
CO2, melhorando as tecnologias
já existentes e expandindo o uso de
energia renovável para zerar emissões no futuro. As metas são ousadas: reduzir em 30% as emissões
de CO2 por unidade, sejam estas
carros, motocicletas ou produtos
de força. Depois a meta será cortar
as emissões pela metade até 2050.
A segunda meta é zero risco energético, que visa através da diversificação das fontes de energia, criando tecnologia ambientalmente
inovadora ou fonte de energia alternativa, eliminar completamente os riscos energéticos provenientes de combustíveis fósseis.
A terceira é a busca por zero resíduo, com ações e esforços para
concluir o ciclo de vida de todos
os materiais e reciclá-los completamente, eliminando todo o desperdício. Nossa meta é chegar este
ano a 95% de taxa de reciclagem de
motocicletas.
São objetivos desafiadores. Mas
buscaremos estas metas através de
produtos de alta eficiência e revolucionários. E, para isso, as pesquisas não param. A Honda procura
trazer para seus produtos tudo o
que venha a beneficiar o cliente
final e gerar o menor impacto possível na sociedade. Para isso nunca
mediu esforços e continuará a cada
dia na batalha para conquistar
suas metas.
Finalizando, comento que para
que nossos objetivos sejam perpetuados, é essencial um trabalho com foco em educação. A forma de passar conhecimento para
as comunidades é fundamental
para influenciar as pessoas a pensarem e praticarem atitudes que
irão beneficia-las diretamente e
preparar as gerações futuras para
cuidarem cada vez mais do meio
ambiente. Por isso, trabalhamos
incansavelmente na divulgação de
medidas e atitudes que cada um
pode adotar para cuidar melhor do
lugar onde vivem e, dentro deste
espírito, incentivamos o reflorestamento, patrocinamos a criação
de aterros para tratamento de resíduos urbanos, desenvolvimento
de hortas caseiras, realização de
gincanas ambientais nas escolas
ribeirinhas, entre muitas outras
ações. São inúmeras atividades realizadas, mas sempre nos parece
pouco, frente ao imenso desafio de
nossa região.
Por isso, a empresa como um todo
pensa e age de forma similar ao
pensamento de John Elkington,
que cunhou a expressão tripé da
sustentabilidade – a ideia de que
todo negócio deve observar seus
impactos econômicos, sociais e
ambientais. Os três temas cada
vez mais farão parte das reuniões
estratégicas das empresas. Não podemos mais ficar à margem desta
urgência, que é a defesa do nosso
único habitat, o planeta Terra. Somos coparticipantes deste movimento. Devemos participar com
todas as nossas forças e, neste caso
a Honda é um exemplo mundial,
assim como a própria Zona Franca
que, plantada em uma região de 1,5
milhão de quilômetros quadrados
de árvores preservadas, é alvo de
estudos científicos que apontam
que, ao concentrar a atividade econômica em uma área física reduzida e com baixo índice de utilização
dos recursos florestais, garantiu a
preservação de 98% da mata nativa do Amazonas.
Portanto, é um local a ser valorizado ao se definirem políticas de
investimento. São exemplos ativos
de que devemos seguir neste cami-
Administrador, é diretor Administrativo
Financeiro da Moto Honda da Amazônia.
O
nosso país passa por diversas crises:
politica, econômica, social, ambiental e ética. Todas estão correlacionadas mas posso refletir sobre esse cenário traçando possíveis caminhos e soluções a partir
da crise ética, usando como exemplo a Política Nacional de Resíduos Sólidos - a Lei 12.305
de agosto de 2010.
Rodrigo Sabatini
João Batista Coelho Mezari
LIXO ZERO
nho ou seremos tachados de meros espectadores frente aos vários
descaminhos do nosso mundo.
Com engajamento e a disseminação da educação podemos garantir
que o futuro seja mais aprazível.
E neste ponto eu digo que a responsabilidade corporativa voltada
para a sustentabilidade tornou-se
condição indispensável para a sobrevivência dos negócios e da sociedade.
PONTO DE PARTIDA PARA TRANSFORMAÇÃO CULTURAL
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Foram 18 anos de tramitação entre congresso
e outros órgãos públicos até que a Lei fosse
aprovada. Ela regulamenta de quem é a responsabilidade na hora de encaminhar os resíduos para o destino correto, tanto para produtores quanto para consumidores. É uma
lei considerada moderna quando comparada
à legislações semelhantes em outros países.
Seu maior destaque é a obrigação, para setores públicos e privados, que criem um plano
de trabalho para se enquadrar nas exigências
da Lei (fechamento dos lixões, diagnostico
e planejamento das ações a serem tomadas
por parte dos municípios, estados e grandes
geradores), estabele uma hierarquia de tratamento (conscientização, redução, reuso,
reciclagem, compostagem e só então disposição final, sempre em aterros sanitários) e
o estabelecimento da corresponsabilidade,
dividida entre o governo (que estabelece as
normas), a indústria, o comércio e o consumidor.
O “lixo” que produzimos é um forte sinal de
como vemos a sociedade e qual nossa respon-
Foto: Sem autor
sabilidade na mesma. Revela como
cuidamos de nossa casa e cidade,
qual é o nosso papel, o dos outros
cidadãos e o do estado. Quanto
mais responsáveis somos pelos
nossos resíduos ou quanto menos
delegarmos aos outros a responsabilidade de dar um destino final ao
que descartamos, maior será nosso nível de civilidade. Maior nosso
comprometimento com o outro,
com todos.
Apesar de ter sido aprovado em
2010, a Lei 12.305 vem sendo descumprida desde o princípio. As
gestões ineficientes dos municípios falharam em fazer um diagnóstico de como é a gestão de
resíduos sólidos local e não concluíram um planejamento de ações
para se adequar a nova lei. Menos
de 30% efetuaram essa etapa. É
importante ressaltar que mais de
80% dos municípios brasileiros
tem menos de 25 mil habitantes
e eles chegam a gastar até 20% do
orçamento com a gestão do LIXO.
A lei vem também sendo boicotada pela indústria, que não quer
assumir a responsabilidade sobre o
que produz.
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Um argumento comum é que a população brasileira não está preparada para tal nível de evolução na
gestão dos resíduos sólidos. Mas
é justamente dos brasileiros que
surgem as iniciativas para um Brasil sem lixo: estão separando seus
resíduos mesmo sem infraestrutura, sabendo que a maior parte será
desprezada em algum lixão, dada a
ineficiência dos governantes e o interesse das empresas estabelecidas
em boicotar o processo de transformação, que ameaça o seu negocio
atual. É o povo brasileiro que exige
uma solução e tenta, ainda que sem
direção, fazer o seu melhor.
No meio a tantas crises, o lixo pode
ter um valor de transformação no
comportamento e na cultura. Primeiro, precisamos planejar com
foco em uma meta comum. Como
se fosse um programa de “qualidade total” ou de “melhoria continua”,
temos como refêrencia o conceito
Lixo Zero, que tem como objetivo
desenvolver um sistema ético, econômico, eficiente e visionário para
orientar as pessoas a mudarem seus
estilos de vida. Também há práticas
para fomentar ciclos naturais, onde
todos os materiais descartados sejam projetados para retornarem a
cadeia de produção.
A partir deste, focando no comportamento ético de assumir as responsabilidades por suas escolhas,
pelo consumo e consequências dos
mesmos, teremos uma sociedade
economicamente mais forte, não
baseada no desperdício, mas sim
na eficiência, conservando nossos
recursos naturais e diminuindo a
crise ambiental que nos assola.
Com base nestes princípios, poderemos seguir as palavras do Papa
Francisco, líder católico do mundo
(lembremos que o Brasil possui a
maior população católica do mundo): sejam revolucionários, mudando o curso da historia de uma
sociedade baseada no descarte
(material, humano, politico e social) para uma sociedade baseada
no respeito, na preservação e no
cuidado.
Apesar das dificuldades oriundas
da incompetência pública e descrença do setor privado, pode-se
notar um movimento na socieda-
de, de forma autônoma, rumo ao
lixo zero. A crise econômica tem
pressionado neste sentido. Há
uma conscientização maior, uma
tomada de consciência que faz
pensar antes de consumir, analisar
a verdadeira necessidade do produto, se o fabricante é responsável,
se o comércio foi justo ou se houve exploração humana. A redução
do consumo, embora imposta pela
crise financeira, tem nos ajudado a
refletir, a nos tornarmos uma sociedade menos perdulária, mais
eficiente. O reuso tem se tornado
uma opção e é neste setor onde há
mais empregos e oportunidades.
Precisamos do conhecimento de
costureiras, marceneiros, mecânicos e tecnicos. Precisamos dar valor ao que temos, cuidar ao invés
de descartar.
A reciclagem já ocupa um lugar no
nosso vocabulário, embora menos
de 2% do lixo produzido no país
seja reciclado. Existem países que
alcançam taxas de reciclagem de
50%, então melhorar não é impossível. Apesar de sermos um país
agrícola, importamos mais de 80%
do fertilizante usado nas lavouras.
Desperdiçamos cascas, talos, fo-
lhas e restos que poderiam ser compostados e devolvidos a terra para a
produção de comida.
Ainda temos a cultura do descarte e
do desperdício. Ainda temos a visão
do infinito. Agora, com a fim certo
da água nos grandes centros urbanos, as florestas sendo devastadas
e os rios poluídos, é hora de repensar. Nossa cultura não foi alterada
a balas de canhão, como foi o velho
mundo durante as grandes guerras
mundiais. Talvez por este motivo,
não tivemos as privações que ensinaram outros povos a preservar.
Porém hoje temos a consciência
de que vivemos em um só planeta,
e que há muitas oportunidades em
um futuro de escassez. Desde que
adotemos a cultura do cuidar.
Rodrigo Sabatini
Engenheiro, é presidente do Instituto Lixo Zero
Brasil.
A
rnold Schönberg (1874-1951), um dos expoentes da música do século 20, não foi
um experimentalista inconsequente –
muito pelo contrário, é autor de tratados de harmonia tradicional e contraponto. Disse ele: “a
grande tarefa do educador consiste em conhecer
o que foi feito no passado, estabelecer rumos para
o presente e projetar aquilo que, presumivelmente, deverá acontecer”. Assim, pensemos o Brasil
da música de concerto, dos primórdios à atualidade.
Henrique Autran Dourado
DE CONCERTO NO BRASIL
PENSANDO A MÚSICA
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A vinda de família real para o Brasil, no início
do século 19, é o ponto inicial. Com D. João de
Bragança, a música e seu ensino foram introduzidos no Reino. Em 1816, chega ao Brasil um importantíssimo músico austríaco, Sigismund von
Neukomm (1778-1858), que foi aluno de Joseph
Haydn, nascido na mesma casa onde 22 anos antes veio ao mundo Wolfgang Amadeus Mozart.
Professor de D. Pedro I e de boa parte da família
real, Neukomm tinha como protegido especial
o jovem Padre José Maurício, um compositor de
mão cheia, de importantíssima obra. Neukomm
apaixonou-se pela modinha brasileira, da qual
foi grande incentivador aqui e na Europa, e compôs dezenas delas. Ele também orientou outros
inúmeros talentos, inclusive Francisco Manuel
da Silva, autor do Hino da Abdicação, de 1831, depois transformado em Hino Nacional Brasileiro
por Deodoro da Fonseca. Há que se destacar o
contexto da letra do Hino Nacional: em 1922, um
decreto presidencial de Epitácio Pessoa torna ofi-
cial a letra de Osório Duque Estrada. Houve um contraponto estético
entre os poetas da Semana de 22 e
a letra do Hino Nacional, certo descompasso entre as concepções oficiais e as dos artistas: naquele mesmo ano, acontecera a Semana de
Arte Moderna, um marco na cultura brasileira. Artistas como Mário
de Andrade, Anita Malfati, Oswald
de Andrade, Manuel Bandeira,
Drummond, Menotti Del Picchia,
Victor Brecheret e Di Cavalcanti, a
fina flor da modernidade de então,
fizeram uma reflexão conceitual na
arte brasileira. Por outro lado, a “Semana” teve, em relação à música,
um nome maior agregado ao evento: Heitor Villa-Lobos. Que negou
sua participação no movimento
modernista, afirmando apenas que
veio pago para abrilhantá-lo, bem
ao seu estilo (“Não fiz nada, nada,
nada, nada especial de Arte Moderna”, disse em entrevista, em 1957).
Com o regime Republicano, a música de concerto entra em novo ritmo
e compasso. O Conservatório de
Música, fundado pelo Decreto Imperial nº 238 de 1841 por D. Pedro
II, foi erguido em 1848 às expensas
de duas loterias anuais, passou a
chamar-se Instituto Nacional de
Música e por fim Escola Nacional
de Música, agregada à então Universidade do Brasil (hoje UFRJ).
Mário de Andrade (1893-1845), autor de “Paulicéia Desvairada”, também da Semana de 1922, foi o responsável por um revigoramento na
música de concerto brasileira: Em
1935, ele era Diretor de Cultura da
cidade de São Paulo, conhecido e
renomado estudioso e professor do
Conservatório Dramático e Musical, onde orientou nomes de vulto
como Camargo Guarnieri (19071993). Nomeou o musicólogo Martin Braunwieser (1901-1991) para o
cargo de Instrutor de Canto Coral
dos Parques e Jardins de São Paulo,
o que o levou a uma publicação sobre os principais erros ao se cantar
o Hino Nacional Brasileiro. Tanto
na música quanto na letra, os piores vícios foram coletados por esse
austríaco-brasileiro da mesma Salzburg de Mozart e Neukomm.
Retomando um pouco o passado,
foram fundados o Teatro Municipal
do Rio de Janeiro, de 1909, e o Teatro Municipal de São Paulo, em 1911.
Havia no país apenas uma bela casa
23
de óperas, a do Amazonas, fruto do
rico Ciclo da Borracha, no estado
em que abundavam as seringueiras
que lhe deram prosperidade. Os
chamados “barões do café” da elite
paulistana não podiam aceitar que
companhias de ópera passassem a
fazer o périplo Milão – Amazonas
- Rio de Janeiro indo diretamente
para o famoso Colón, de Buenos
Aires, saltando São Paulo!
Em 1950, marco de uma grande rixa
em uma época efervescente, houve
um embate entre os nacionalistas
alunos de Guarnieri e os que foram
seduzidos pelo dodecafonismo de
H. J. Koellreuter (1915-2005), modernidade que dividira as tendências em composição - de um lado
os que adotaram a novidade e do
outro os defensores do que seria a
autêntica música brasileira. O tempo tratou de diluir a cisão e o país
retomou seu rumo musical, sem
traumas.
Em 1940 foi fundada a Orquestra
Sinfônica Brasileira, pelo maestro
José Siqueira, sob a batuta de Eugen Szenkar. Em 1954, a OSESP,
Orquestra Sinfônica do Estado de
São Paulo, que anos mais tarde foi
Heitor Villa Lobos
25
Professor, contrabaixista e compositor, é diretor
executivo do Conservatório de Tatuí.
Basta acompanhar o noticiário para notar que
uma névoa espessa encobriu o horizonte político e econômico do país. Se estivéssemos na
proa de um barco, teríamos a impressão de
navegar à deriva e em mar revolto.
As crises política e econômica têm levado as
empresas a segurar investimentos, a cortar
gastos, e a demitir. Trabalhadores vivem assombrados por fantasmas que julgavam ter
deixado para trás, como a inflação alta e o desemprego.
Ricardo Ferraz
Henrique Autran Dourado
E
stamos em uma barca que parece furada, mas uma nova agenda
surgirá depois que o país fizer a travessia da crise.
QUE EMERGE DA CRISE
Em 2008, ergue-se a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, sob a
batuta de Fábio Mechetti, que recebeu como casa a modelar Sala
Minas Gerais. Recife se reergue
sob a liderança de Marlos Nobre e
novos grupos vão se consolidando,
com nítido crescimento de qualidade. O Conservatório de Tatuí, 60
anos completados em 2014, é considerado um paradigma do ensino
de qualidade, organizado como os
melhores da Europa e EUA, e assume uma posição de destaque no
cenário brasileiro, especialmente
após ser transformado em Organização Social (2006), como a Osesp
e a coirmã paulistana Emesp. Aos
46 anos de fundação, a Escola Municipal de São Paulo faz coro a essas
unidades de formação que, a despeito da grave crise financeira por
que o país está passando, vão preparar os músicos para, lembrando
o Schönberg do início deste texto,
projetar hoje “aquilo que, presumivelmente, deverá acontecer” na
música de concerto e orquestral
brasileira.
O BRASIL
reestruturada por Eleazar de Carvalho, para enfim ser acolhida no
melhor auditório do país, a Sala
São Paulo (1999, gestão Mário Covas). A orquestra foi readequada
para se tornar um grupo modelo
para a América Latina. Em 1960,
penúltimo ano da gestão Juscelino
Kubitschek, foi criada a Ordem dos
Músicos do Brasil, regulamentando a profissão de músico, até então sem situação definida, via CLT.
(Em 1964, o golpe militar interveio
na direção da OMB, da qual faziam
parte Eleazar de Carvalho e José Siqueira, e seus rumos foram desviados dos propósitos originais). Em
1961, último ano de JK, foi criada
a Orquestra Sinfônica Nacional da
Rádio MEC. Em 1972, a Orquestra
Petrobras Pró-Música acresce mais
um grupo de qualidade ao Rio de
Janeiro, e ressurgem orquestras em
Ribeirão Preto (de 1931), Campinas
(1929), reestruturada em 1975, entre outras.
Para piorar, as notícias de Brasília são desanimadoras para a comandante (ainda não inventaram o termo “comandanta”). Em pé de
guerra com Congresso, com a popularidade
em níveis recordes de desaprovação, sem demonstrar a menor capacidade de articulação
política, Dilma Roussef caminha no fio da
navalha, entre o impeachment e a continuidade de um governo que acabou antes de ter
começado.
27
Se, no curto prazo, o cenário não permite fazer projeções para o desfecho
da crise, é possível, ao menos, tentar
enxergar adiante das brumas. Como
em outras ocasiões, o nevoeiro há de
se dissipar, revelando um novo horizonte. Qual será ele irá depender dos
rumos a serem dessa barca onde todos
nos encontramos. Analisemos, pois,
alguns pontos:
Economia
A primeira e mais obvia conclusão é
que o governo perdeu a capacidade de
fazer o motor do navio girar. Durante
os oito anos do governo Lula, o modelo calcado na inserção de milhões
de pessoas na faixa mínima de consumo, impulsionado pelas águas calmas da atividade econômica mundial,
garantiu o crescimento. Mas foi só o
mar virar, para a situação ficar mais
complicada. Dilma tocou o barco com
o motor à meia bomba para conquistar a permanência no timão, só agora
contou aos passageiros que a gasolina
não será suficiente para completar a
travessia.
Por mais que economia seja um assunto árido nas vidas das pessoas, o
recado ficou claro para os próximos
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governantes: não se brinca com
responsabilidade fiscal. Essa é uma
conquista tão cara à população
quanto os benefícios sociais dela
decorrentes. Outra mensagem que
emerge das brumas é que ninguém
mais está disposto a remar. Aumentar a carga tributária não parece,
portanto, ser a alternativa para tirar
o barco do nevoeiro. Só as reformas
tributária e previdenciária serão
capazes de azeitar o motor novamente e é preciso criar condições
políticas de enfrentar esses temas
tão adiados.
Um novo modelo, capaz de sustentar o crescimento econômico,
ainda não surgiu como alternativa.
A oposição parece mais disposta a
chacoalhar o barco do que discutir
uma nova agenda. Abandonar bandeiras históricas e ameaçar a responsabilidade fiscal com uma pauta bomba no Congresso Nacional,
por exemplo, é rumar em direção à
tormenta.
Política
A bússola que indicava sempre o
caminho da esquerda ficou desorientada. Além disso, as frequentes
denúncias envolvendo integrantes da
cúpula do Partido dos Trabalhadores
nos casos de corrupção da Operação
Lava Jato contribuem para esvaziar o
forte apelo da legenda junto à população, especialmente entre os mais
pobres. O próprio PT sofre as pressões dos movimentos populares, com
quem sempre foi umbilicalmente ligado, por abandonar a agenda social.
A rota escolhida pelo governo trabalhista tem forte cunho liberal, sendo
implementada por um imediato na
pasta da Fazenda formado nas fileiras dos grandes bancos brasileiros.
Assim, a esquerda corre sério risco de
ser fatiada entre o Psol e Rede partidos
que se apresentam como o “novo” para
o eleitorado.
Para a social democracia, as chances
de finalmente voltar ao poder parecem ser grandes em 2018. No entanto,
o desafio de construir uma alternativa
sólida de saída do nevoeiro parece ser
ainda mais urgente do que a decisão
de optar ou não pela narrativa do impeachment da “comandanta” do navio. Sob Lula e Dilma, o país apostou
em um modelo desenvolvimentista
com resquícios das políticas do anos
setenta, praticamente ignorando os
desafios do século 21. A alternativa a
ela, no entanto, não está clara sob a
batuta do PSDB.
Questões ambientais (como a preservação da Amazonia e a redução
das emissões de carbono) urbanas
(como a mobilidade e a moradia
nas grandes cidades), educacionais
(como a melhoria da qualificação
da mão de obra e, consequentemente, da produtividade das empresas), de saúde (como a prevenção de doenças) são importantes
demais para passarem ao largo de
uma agenda que parece apenas se
preocupar com a retomada do crescimento e o compromisso de uma
gestão responsável, a marca do partido.
Instituições
Além do nevoeiro, essa barca chamada Brasil passou a ser fortemente influenciada por uma corrente
marítima que parece desagradar,
ao mesmo tempo, a ponte de comando e a casa de máquinas. Tanto integrantes do governo, quanto
parlamentares são frequentemente
citados nas delações premiadas da
operação Lava Jato. O juiz Sergio
Moro e o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, já deram
demonstrações de que não irão poupar integrantes da oposição e nem do
governo. O Supremo Tribunal Federal
também demonstrou estar disposto a
punir quem quer que seja para acabar
com a escrita da Justiça para poucos,
tão recorrente no país.
Não seria exagero, portanto, enxergar
na Lava Jato uma corrente marítima
rumo a um porto mais seguro, principalmente quanto à ética na vida
pública. Contudo, outras instituições
levantam dúvidas se essa rota será de
fato seguida ou se haverá pressão para
lutar contra ela. O Tribunal de Contas
da União, por exemplo, recomendou,
corretamente, ao Congresso Nacional
a rejeição das contas da presidente
Dilma no exercício de 2014. Mas sobre o relator do caso, Augusto Nardes,
pesam acusações na operação Zelotes
e de favorecimento na concessão de
patrocínios de empresas públicas ao
instituto de um sobrinho do ministro.
O próprio Congresso Nacional não dá
sinais de que irá agir com rigor quanto
às suspeitas de corrupção envolvendo
deputados e o próprio presidente da
Casa.
Qualquer que seja o desfecho da crise, é desejável que o Brasil saia dela
maior do que entrou. Se do ponto
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de vista econômico isso se mostra
muito pouco provável – a expectativa do mercado é de retração de 3%
do PIB em 2015 – seria importante
fortalecer a democracia brasileira
por meio de suas instituições. É
isso o que se espera de governantes
que venham a assumir a condução
desse transatlântico. Agora, ou em
2018.
Ricardo Ferraz
Jornalista, é repórter e apresentador na TV
Cultura.
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