São Paulo em Perspectiva, vol.20 n.4 – Mercado de Trabalho

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São Paulo em Perspectiva, vol.20 n.4 – Mercado de Trabalho
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
inovações conceituais e institucionais
S INÉSIO P IRES F ERREIRA
C LEMENTE G ANZ L UCIO
Resumo: O artigo destaca as principais inovações conceituais e institucionais que a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) introduziu no país.
Seu arcabouço conceitual, em linha com os debates internacionais sobre o tema, contribuiu para a melhor compreensão do funcionamento
mercado de trabalho brasileiro e na forma de medi-lo. Sua gestão descentraliza tem demonstrado a viabilidade da produção sistemática
de estatísticas padronizadas de forma alternativa à tradicional centralização dessa atividade no Brasil.
Palavras-chave: Pesquisa de Emprego e Desemprego. Pesquisas de mercado de trabalho. Conceitos do mercado de trabalho.
Abstract: The paper stresses the main conceptual and institutional innovations introduced by the Employment and Unemployment Survey in Brazil.
Its conceptual framework, aligned with international discussions on this issue, contributed to a better understanding of Brazilian labor
market functioning and its measurements. Its decentralized management has showed the availability of a systematic production of
standardized statistics under a model quite different from the traditional centralized one adopted in Brazil.
Key words: Employment and Unemployment Survey. Labor market surveys. Labor market concepts.
A
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED
introduziu, no Estado de São Paulo e no país, uma série de inovações na forma de realizar pesquisas domiciliares no âmbito do desenho amostral, dos procedimentos de coleta, da base conceitual e da organização institucional que lhe dá suporte. O presente artigo busca destacar algumas dessas inovações, com vistas não só a
registrar o desenvolvimento de uma experiência pioneira, mas também, e sobretudo, para subsidiar os debates
atuais sobre a organização e o funcionamento do chamado “sistema estatístico nacional”.
Tradicionalmente, as análises sobre o mercado de trabalho assentam-se na divisão da população em idade
de trabalhar (ou em idade ativa) em dois grandes grupos: o daqueles que não trabalham nem querem trabalhar por uma remuneração ou lucro, que formam a população inativa, e o daqueles que trabalham por uma
remuneração ou lucro ou, não trabalhando, desejam e procuram efetivamente por um trabalho, que compõem
a População Economicamente Ativa – PEA ou força de trabalho. Assim, a PEA é também partida em duas
seções mutuamente exclusivas: a dos ocupados e dos desempregados. Tal perspectiva foi adotada pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, que é reconhecida como a normatizadora das estatísticas oficiais
sobre o mercado de trabalho.
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SINÉSIO PIRES FERREIRA/CLEMENTE GANZ LUCIO
INOVAÇÕES CONCEITUAIS
Desde a década de 1930, as estatísticas nacionais
sobre o mercado de trabalho seguem esse modelo
(CLOGG et al., 2001) que, desde então, passou a ser
alvo de várias e persistentes críticas. Joan Robinson
(1937) talvez seja a pioneira dessa linha ao chamar
a atenção sobre a incapacidade de tal modelo para
identificar e mensurar o que chamou de “desemprego
disfarçado” (disguised unemployment). Parte substancial
das críticas posteriores dirigiu-se especialmente à noção de desemprego subjacente à forma convencional
de mensurar e classificar a força de trabalho.
Nos Estados Unidos, por exemplo, reiteradas manifestações oficiais puseram em cheque as estatísticas
laborais. Clogg et al. (2001) apontam o ano de 1957
como inaugural dessa seqüência de críticas. Naquele
ano, o National Bureau of Economic Research – NBER
organizou uma conferência para tratar do significado
e da mensuração do desemprego no país. Iniciativas
semelhantes nos governos de John Kennedy, na década de 1960 (Comitê Gordon), e de Jimmy Carter, nos
anos 1970 (Comitê Levitan), demonstram a persistente insatisfação do próprio governo norte-americano
com as estatísticas oficiais de desemprego. Segundo
Clogg et al. (2001), a controvérsia sobre as medidas
convencionais de desemprego nos Estados Unidos
ocorreu em torno de dois grandes temas: primeiro,
entre a Grande Depressão e os anos 1960, predominaram as discussões sobre a necessidade de refinar
as medidas de desemprego e do próprio conceito de
PEA; posteriormente, destacaram-se as tentativas de
desenvolver e operacionalizar medidas alternativas de
desemprego e de subutilização da força de trabalho.
Entre 1973 e 1993, o Bureau of Labor Statistics – BLS
passou a publicar um conjunto de sete indicadores
de subutilização da força de trabalho, entre os quais
a taxa de desemprego convencional. Essas medidas
basearam-se em estudo de Julius Shiskin, do próprio
BLS, que foi publicado em 1976 e inspirado nas
medidas de oferta de moeda calculadas pelo Federal
Reserve. Em 1996, o BLS introduziu um novo conjunto
de medidas alternativas de desemprego, agora com
seis possibilidades.
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Bregger e Haugen (1995, p. 19-20), assim justificam a adoção de taxas alternativas de desemprego:
sem dúvida, as conseqüências do desemprego são mais sérias
para alguns trabalhadores do que para outros, e alguns usuários gostariam de dispor de medidas mais focalizadas. Por
sua vez, há usuários que consideram que as estatísticas oficiais
subestimam o problema do desemprego. Esses sustentam que
qualquer medida de desocupação deve refletir não apenas os
oficialmente classificados como desempregados, mas também
todas as pessoas que querem trabalhar, mesmo que não estejam correntemente procurando por trabalho. Outros vão ainda
mais longe: defendem a inclusão dos indivíduos subempregados
– cuja jornada de trabalho foi reduzida ou que tiveram de
trabalhar por menos tempo do que gostariam (trabalhos de
um dia, por exemplo) ou em ocupações que subutilizam suas
qualificações.
Ou seja, na perspectiva do BLS, a medida de desemprego pode ser utilizada para múltiplos propósitos. Para aqueles que a utilizam como simples acompanhamento conjuntural da atividade econômica, a
taxa de desemprego convencional seria suficiente.
Porém, outros usuários podem estar preocupados
com os impactos sociais do desemprego, com a adequação da qualificação da força de trabalho à oferta
de vagas, ou com várias outras questões para as quais
a medida tradicional não é suficiente. Diante das múltiplas necessidades e possibilidades de utilização das
medidas de desemprego, cabe à instituição que as
produz ofertar, além da convencional, uma gama de
alternativas que respondam às necessidades de seus
usuários, independentemente de sua opção metodológica por uma delas.
Na França, desde a década de 1970, tem se mantido
intenso debate sobre o tema. Uma importante
contribuição por ele gerada foi a publicação, em
1986, pelo Institut National de la Statistique et des Études
Économiques – Insee, de um número especial de sua
revista Économie et Statistique inteiramente dedicado
ao tema. Entre seus artigos, o de Cézard (1986) foi
dos mais influentes, ao destacar o que chamou de
“halo do desemprego”, isto é, a existência de uma
série de possibilidades de inserção produtiva que
se afastam da definição tradicional de desemprego,
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: INOVAÇÕES CONCEITUAIS E INSTITUCIONAIS
mas que tampouco podem ser consideradas como
ocupação ou inatividade. Trabalhos posteriores,
também publicados pelo Insee, mostraram a
crescente dificuldade de as categorias tradicionais
darem conta das mudanças ocorridas na composição
e estruturação demográfica do mercado de trabalho
francês (GUILLEMOT, 1996; GONZÁLESDEMICHEL; NAUZE-FICHET, 2003).
Também no Japão, questões semelhantes foram
levantadas a partir da década de 1980 (TAIRA, 1982).
Montagner et al. (2006) destacam que, naquele país,
os debates dirigiram-se para a elaboração de indicadores alternativos, mais adequados às características
específicas de seu mercado de trabalho. Ainda segundo essas autoras, no final dos anos 1990, foram introduzidas mudanças importantes nas estatísticas oficiais
japonesas, com vistas a produzir tais indicadores e,
no White Book on Labor, de 2002, várias páginas foram
dedicadas ao desemprego oculto e aos indicadores alternativos sobre mercado de trabalho.
A América Latina tem longa tradição teórica e metodológica em torno das especificidades de sua estrutura socioeconômica e de seu mercado de trabalho. A
formulação da Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe – Cepal sobre o desenvolvimento
periférico e a heterogeneidade estrutural de nossas
economias, os debates sobre a marginalidade, no final dos anos 1960, e sobre a informalidade, a partir da década seguinte, são exemplos de importantes
aportes teóricos que os estudiosos latino-americanos
propuseram e que se relacionam ao tema.
A noção de subemprego deriva daquela perspectiva
cepalina, em especial do conceito de heterogeneidade
estrutural formulado por Aníbal Pinto (1976), mas já
presente nos estudos clássicos da Cepal conduzidos
por Prebisch desde o final da década de 1940.
Rodríguez (1998, p. 315) assim sintetiza a noção de
heterogeneidade estrutural proposta por aquele autor:
la heterogeneidad estructural se puede definir atendiendo a la
estructura productiva o a la estructura ocupacional. La estructura productiva se dice heterogénea cuando coexisten en ella
sectores, ramas o actividades donde la productividad del trabajo es alta o normal (es decir, alcanza los niveles que permiten
las tecnologías disponibles), con otras en que la productividad
es mucho más baja. Aníbal Pinto indica también que esa diferencia es mucho mayor en la periferia que en los centros. A
esta estructura productiva corresponde cierto tipo de estructura
ocupacional. Una es espejo de la otra. En una economía periférica existe mano de obra ocupada en condiciones de productividad alta o normal, que constituye el empleo. Pero hay también
mano de obra ocupada en condiciones de productividad muy
reducida, que conforma el subempleo.
Nessa perspectiva, as formas tradicionais de mensuração de emprego e desemprego seriam insuficientes para apreender a realidade do mercado de trabalho
latino-americano. Assim, a definição e operacionalização de novas medidas focadas no subemprego e no
setor informal passaram a compor as linhas de estudo
mais importantes dos pesquisadores do mercado de
trabalho latino-americano, em especial dos que atuavam no Programa Regional de Emprego para a América Latina – Prealc. No Brasil, vários trabalhos foram
desenvolvidos sobre esses temas, sobretudo sobre
o setor informal,1 com importantes aportes para a
compreensão do funcionamento de nosso mercado
de trabalho.
Simplificadamente, pode-se afirmar que essas críticas questionam a visão dual das categorias do mercado de trabalho tradicionais, argumentando existirem
“zonas de sombra” entre elas. Essas “zonas” podem
ser maiores ou menores, segundo diferentes países
ou regiões, e se alteram ao longo do tempo com as
mudanças demográficas, tecnológicas e institucionais.
Elas estão presentes nas fronteiras entre ativos e inativos e entre ocupados e desempregados. No primeiro caso, a situação mais evidente é a das pessoas que,
embora desejem trabalhar, por razões diversas, interromperam a procura por trabalho. No segundo, as categorias de subemprego são as mais freqüentemente
mencionadas pelos estudiosos do assunto.
Entre as instituições brasileiras produtoras de
informações primárias sobre o mercado de trabalho,
particularmente o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE, com sua Pesquisa Mensal de
Emprego – PME, implantada em 1980, e a Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade que,
em parceria com o Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese,
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produz a PED desde 1984, tais críticas também
produziram reflexos em suas respectivas pesquisas.
Pode-se mesmo afirmar que o surgimento da PED
foi produto da insatisfação de vários pesquisadores,
das representações de trabalhadores e do próprio
Governo do Estado de São Paulo à época de sua
implantação com as estatísticas oficiais do mercado
de trabalho brasileiro.
No caso do IBGE, a solução que passou a ser adotada de modo a considerar essas críticas, em especial
após a revisão metodológica da PME de 2001, foi
produzir indicadores alternativos que dessem conta
daquelas zonas de sombra, sem questionar os conceitos de desemprego e de PEA preconizados pela
OIT. Assim, para as situações de fronteira entre a
atividade e a inatividade, a PME passou a calcular as
estimativas do número de pessoas marginalmente ligadas à PEA2 e do número de pessoas desalentadas.3
No caso das situações de fronteira entre a ocupação
e o desemprego, a PME também passou a estimar o
número de pessoas subocupadas por insuficiência de
horas trabalhadas4 e o número de pessoas ocupadas
em trabalho sub-remunerado.5
No caso da Fundação Seade/Dieese, desde sua
origem, a PED propôs uma série de mudanças que,
ao mesmo tempo em que questionam as recomendações da OIT, levando à construção de novas taxas
de desemprego e a uma revisão do conceito de PEA,
não impedem a construção de indicadores compatíveis com aquelas recomendações com vistas a preservar tanto quanto possível a comparabilidade internacional, conforme se verá na seção subseqüente deste
texto.
MUDANÇAS INTRODUZIDAS PELA PED
Talvez a mudança mais importante introduzida pela
PED seja a que diz respeito ao próprio conceito de
trabalho. Como se sabe, deriva desse conceito a classificação da população por condição de atividade e,
em conseqüência, as dimensões da PEA e dos contingentes de ocupados e desempregados. Entretanto, diferentemente de outras categorias passíveis de serem
medidas objetivamente, como idade e anos de estudo,
por exemplo, essas dependem de interpretações de
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fenômenos sociais e mesmo de atitudes individuais,
que são classificadas, hierarquizadas e confrontadas
com parâmetros pré-definidos, os quais, em princípio, definem a condição de atividade de cada indivíduo pesquisado e, por agregação, do conjunto da
população em estudo.
Em síntese, a definição da condição de atividade
de um indivíduo parte da investigação do fato de ele
ter trabalhado ou não em determinado período de referência. Se trabalhou, é considerado ocupado; se não
trabalhou, pode ser desempregado ou inativo. Para se
decidir entre essas duas opções, questiona-se se ele
procurou trabalho no período de referência. Se o fez,
é considerado desempregado; caso contrário, inativo.
Essa aparente simplicidade na escolha da condição
de atividade esconde, na verdade, uma série de definições prévias e de hipóteses de comportamento que a
tornam sujeita a vários questionamentos. Em primeiro lugar, é necessário que se defina o que é trabalho
e seu respectivo período de referência. Em seguida,
assumem-se duas hipóteses implícitas: que só é desempregado quem não exerceu, no período de referência, qualquer atividade considerada trabalho; e que
o único comportamento esperado de um indivíduo
passível de ser considerado desempregado é procurar
por trabalho, qualquer que seja sua condição individual ou a conjuntura socioeconômica em que esteja
inserido. Por fim, há que se definir o que seja procurar
por trabalho e seu respectivo período de referência.
Evidentemente, todas essas definições e hipóteses
têm que se concretizar em questões a serem apresentadas a indivíduos em uma entrevista. Logo, é preciso
transpor essas idéias para um questionário, adotando
para tanto uma linguagem inteligível bem como uma
seqüência de questões a serem apresentadas por um
pesquisador ao entrevistado.6 Em outros termos, na
construção dessas categorias há, ainda, a mediação da
linguagem e de sua apreensão por parte de entrevistadores e entrevistados.
Assim, a classificação da condição de atividade de
um indivíduo está longe de se pautar por absoluta
objetividade. Nessas circunstâncias, uma convenção
que garanta estabilidade e homogeneidade de seus
pressupostos é condição necessária para sua comparabilidade temporal e espacial. No entanto, como
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salientaram Demazière e Sugita (2006), a adoção de
uma convenção tende a cristalizar as categorias analíticas dela derivadas, o que pode levar ao risco de se
comparar fenômenos incomparáveis no tempo e/ou
no espaço.
Corre-se esse risco em virtude do fato de as estruturas econômicas e institucionais e seus reflexos
sobre o mercado de trabalho serem diferentes no espaço e alterarem-se ao longo do tempo. Desse modo,
são freqüentes as situações em que determinadas formas de inserção ocupacional são exceção em algumas
áreas, mas regra em outras. Assim, ao serem desconsideradas na construção da base conceitual de uma
pesquisa sobre o tema, seus efeitos serão irrelevantes
nas primeiras áreas, mas decisivos nas outras. O mesmo vale para as comparações temporais: mudanças
estruturais, de natureza econômica, comportamental,
institucional ou mesmo demográfica, podem implicar
que determinadas categorias analíticas, definidas num
momento prévio a tais mudanças, tenham um conteúdo diverso do originalmente suposto, ainda que os
critérios adotados para mensurá-las tenham se mantido inalterados ao longo do período.
Mesmo com esse risco, a adoção de uma convenção é condição inescapável para garantir alguma estabilidade e homogeneidade conceitual entre as pesquisas. No entanto, a convenção adotada não pode
ser tal que, em função dessa garantia, venha a gerar
informações insuficientes para se conhecer a real
situação que a pesquisa pretende captar. Nos termos
deste artigo, a convenção em discussão se consubstancia nas recomendações da OIT para as pesquisas
de força de trabalho (OIT, 1990).7 Como já se afirmou anteriormente, o conceito central desse tipo de
pesquisa é o de trabalho que, para a OIT, deve ser
entendido como o exercício de:
• ocupação remunerada em dinheiro, produtos,
mercadoria ou benefícios (moradia, alimentação,
roupas, treinamento, etc.) na produção de bens e
serviços;
• ocupação remunerada em dinheiro ou benefícios
(moradia, alimentação, roupas, etc.) no serviço doméstico; ou
• ocupação econômica sem remuneração na produção de bens e serviços, em ajuda na atividade
econômica de membro da unidade familiar.
Assim, devem ser consideradas ocupadas as pessoas que exerceram trabalho (remunerado ou não)
durante, pelo menos, uma hora completa na semana
de referência ou que tenham trabalho remunerado
do qual estavam temporariamente afastadas naquela
semana.
As pessoas consideradas desempregadas são aquelas que não tinham trabalho na semana de referência,
mas estavam disponíveis para assumir um trabalho
nessa semana e tomaram alguma providência efetiva
para encontrá-lo no período de referência de 30 dias,
sem terem tido qualquer trabalho ou após deixarem
o último trabalho que tiveram nesse período. Portanto, caso um indivíduo tenha trabalhado na semana de
referência, ainda que durante uma hora, e dedicado
todo o tempo restante à procura por trabalho, esse
indivíduo será considerado ocupado.
A população economicamente ativa corresponde
ao conjunto desses dois contingentes e a população
inativa compõe-se de todas as pessoas com idade
igual ou superior a dez anos que não se enquadraram
naquelas duas categorias.
Esses simples enunciados já revelam que as exigências para uma pessoa ser classificada como ocupada são mínimas – basta que tenha exercido alguma
atividade econômica, ainda que não remunerada, durante uma hora na semana de referência – algo como
dez minutos por dia e um dia de descanso na semana.
Em contraposição, para ser considerada desempregada, são várias as exigências: ela não pode ter trabalho
na semana de referência, deve estar disponível para
trabalhar nessa mesma semana e deve ter procurado
trabalho nos 30 dias de referência, desde que não tenha trabalhado nesse último período.
Uma possível explicação para tal discrepância pode
ser buscada no fato de a concepção metodológica que
sustenta essas recomendações ter sido desenvolvida
num momento histórico em que predominavam os
contratos de trabalho assalariado em tempo integral
e por período indeterminado. Nessas circunstâncias,
a grande maioria das pessoas que tivesse trabalhado
por pelo menos uma hora na semana de referência
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teriam, de fato, trabalhado a totalidade da jornada
semanal, ou seja, estariam efetivamente empregadas.
Nessas circunstâncias, a procura por trabalho simultânea ao seu exercício refletiria muito mais o desejo
de mudar de trabalho do que sua carência, do que
decorre a predominância preconizada pela OIT do
exercício do trabalho à sua procura quando ocorrem
simultaneamente.
Embora, em geral, a relação de trabalho predominante no momento da construção dessas recomendações fosse, de fato, o assalariamento em tempo
integral e por período indeterminado, tal situação
não era absolutamente verdadeira para vários países e
regiões. Não por acaso, a noção de heterogeneidade
estrutural foi desenvolvida na América Latina e teve
papel bastante importante para explicar as diferentes
trajetórias econômicas e sociais dos países centrais e
periféricos, na terminologia cepalina.
Nesse sentido, a adoção das recomendações da
OIT no que tange à definição de trabalho e das categorias de ocupados e desempregados tem efeitos
distintos no conteúdo dessas categorias (ou dos indicadores delas derivados), dependendo do grau de
estruturação dos mercados de trabalho de diferentes
países e regiões. Note-se que, com as mudanças ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas, que
têm atingido todos os países, a validade da comparação intertemporal dos indicadores derivados dessas
recomendações, ainda que referidos a um mesmo
país, também tem sido questionada.
A principal mudança introduzida pela PED busca
superar esse tipo de questionamento. Assim, embora
aceite integralmente o conceito de trabalho preconizado pela OIT, a metodologia da PED questiona a
validade do critério de uma hora de seu exercício, na
semana de referência, como suficiente para definir a
condição de ocupado. É evidente o caráter arbitrário
desse limite inferior e sua incapacidade para definir a
situação de trabalho ou não trabalho de um indivíduo.
A metodologia da PED propõe, alternativamente, que
se avalie se o trabalho realizado é regular e contínuo
– isto é, se há previsibilidade de sua manutenção no
futuro imediato – ou se é apenas um expediente para
garantir a sobrevivência do desempregado enquanto
busca um trabalho efetivo.8 Assim, caso um indivíduo
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procure por trabalho no período de referência, ele será
considerado desempregado mesmo que exerça uma
atividade que não seja regular e contínua, isto é, que
não haja previsibilidade de sua permanência no futuro
imediato.
Em outros termos, a PED considera ocupado o
indivíduo que exerceu trabalho remunerado ou não
(tal como definido pela OIT) na semana de referência, desde que de forma regular e contínua, independentemente da procura por trabalho no período de
referência. Entre os que exerceram atividades irregulares e intermitentes, serão adicionados ao contingente de ocupados aqueles que não procuraram trabalho.
Apenas os que o procuraram são considerados desempregados.
INOVAÇÕES INSTITUCIONAIS
Em 1984, estabeleceu-se uma cooperação técnica e
institucional entre a Fundação Seade e o Dieese para
a execução da PED na Região Metropolitana de São
Paulo – RMSP,9 com divulgação mensal dos indicadores de mercado de trabalho nesta região.
O convênio Seade/Dieese para a execução de uma
pesquisa com metodologia inovadora na forma de
“olhar” o mercado de trabalho surgiu em um cenário
de abertura democrática associada à crescente preocupação com o emprego e desempenho do mercado
de trabalho paulista. Essa parceria somava, de um
lado, a contribuição da experiência acumulada pelo
Dieese em seus estudos e pesquisas empíricas sobre
condições econômicas e sociais que afetam a população e os trabalhadores e, de outro, a capacitação
técnica da Fundação Seade enquanto organismo produtor de indicadores econômicos e sociais do Estado
de São Paulo (FUNDAÇÃO SEADE, 2005).
Em pouco tempo, os resultados apurados pela
pesquisa passaram a ser largamente utilizados por diversos segmentos da sociedade: pesquisadores, professores, sindicatos, imprensa e governos, em suas diversas esferas, com notório reconhecimento da PED
como importante fonte de dados sobre o mercado
de trabalho.
A repercussão nacional dos resultados e a crescente preocupação com as questões referentes ao
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: INOVAÇÕES CONCEITUAIS E INSTITUCIONAIS
mercado de trabalho decorrentes do agravamento do
desemprego suscitaram o interesse na implantação
desta pesquisa em várias regiões metropolitanas, a
partir da solicitação dos governos estaduais.
Atendendo às demandas de governos estaduais, já
na segunda metade da década de 1980, a PED expandiu-se para as Regiões Metropolitanas de Belém,
Salvador e Recife. Estes levantamentos foram inter-
Quadro 1
Sistema PED: Pesquisa de Emprego e Desemprego em Seis Regiões Metropolitanas
Itens
Convênio
Belo Horizonte
Brasília
Porto Alegre
Recife
Salvador
São Paulo
Fundação Seade
Fundação Seade
Fundação Seade
Fundação Seade
Fundação Seade
Fundação Seade
Dieese
Dieese
Dieese
Dieese
Dieese
Dieese
MTE/FAT Sine-MG
MTE/FAT
MTE/FAT
MTE/FAT
MTE/FAT
Sedese
Secretaria de
Desenvolvimento
Social e Trabalho
do DF
FEE/RS
Sine-PE
SEI/BA
SEP-SP
FGTAS/Sine-RS
Secretaria
de Cidadania
e Políticas
Sociais
Secretaria
do Trabalho,
Assistência
Social e Esporte
Setras
Sert-SP
Fundação João
Pinheiro/CEI
MTE/FAT
Secretaria da
Coordenação e
Planejamento do RS
Secretaria de Estado
do Planejamento e
Coordenação Geral
de MG
Universidade
Federal da
Bahia (UFBA )
Secretaria
do Trabalho, Cidadania
e Assistência
Social do RS
Prefeitura do
Município de
Porto Alegre
Implantação Agosto de 1994
Dezembro de 1991
Janeiro de 1992
Abril de 1997 na
Região Metropolitana
de Recife
Outubro de 1996
• Maio de 1984 na
RMSP
• Fevereiro de 1998
na Região do ABC
Início da
Divulgação
Dezembro de 1995 na Fevereiro de 1992
Região Metropolitana
de Belo Horizonte
Março de 1998 na
Junho de 1992 na
Região Metropolitana Região Metropolitana
de Recife
de Porto Alegre
Dezembro de 2001
no Município de Belo
Horizonte
Janeiro de 2000
no Município de
Porto Alegre
Fevereiro de 1997
• Janeiro de 1985
na RMSP
• Janeiro de 1999
na Região do ABC,
composta pelos
municípios de
Santo André,
São Bernardo
do Campo, São
Caetano do Sul,
Diadema, Mauá,
Ribeirão Pires e
Rio Grande da Serra
Dezembro
de 2001 no
Município de
Recife
Abrangência Região Metropolitana
de Belo Horizonte,
composta por 24
municípios
Distrito Federal,
composto por
19 regiões
administrativas
Região Metropolitana
Região Metropolitana de Porto Alegre, do Recife, composta
por 14 municípios
composta por 22
municípios
Região Metropolitana de Salvador,
composta por 10
municípios
Região Metropolitana de São Paulo,
composta por 39
municípios
Amostra/
7.584 domicílios,
Composição sendo investigados
2.528 domicílios/
mês
7.500 domicílios,
sendo investigados
2.500 domicílios/
mês
8.100 domicílios,
sendo investigados
2.700 domicílios/
mês
2.500 domicílios,
resultando na
aplicação de
cerca de 9.000
questionários/mês
9.000 domicílios,
sendo investigados
3.000 domicílios/
mês
7.500 domicílios,
sendo investigados
2.500 domicílios/
mês
Fonte: Dieese.
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rompidos por dificuldades financeiras, uma vez que
o financiamento estava baseado somente em aportes
orçamentários locais. Na década de 1990, a PED ampliou sua cobertura e passou a ser realizada nas Regiões Metropolitanas de Porto Alegre, Belo Horizonte,
Salvador, Recife e Curitiba (interrompida em 1997) e
no Distrito Federal.
Com o apoio financeiro e institucional do Fundo
de Amparo do Trabalhador – FAT e do Ministério
do Trabalho e Emprego – MTE, estabelecido pelas
Resoluções 54 e 55 do Codefat, a pesquisa e sua metodologia foram reconhecidas como parte integrante
do Sistema Público de Emprego e sua execução tornou-se mais estável.
Com essa mudança, foi criada uma nova arquitetura institucional com o estabelecimento de um Sistema de Produção Estatística. Este sistema envolve
a Fundação Seade, o Dieese, o MTE, o Conselho
Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
–Codefat, o Sistema Nacional de Emprego – Sine,
governos estaduais por meio de Secretarias específicas (do Trabalho, da Ação Social, do Desenvolvimento, do Planejamento) e, em alguns casos, Prefeituras
Municipais, além das entidades contratadas para a
execução da pesquisa.
As mesmas resoluções orientaram e incentivaram
a constituição do Sistema de Pesquisa de Emprego e
Desemprego, aqui denominado Sistema PED. Também definiram, como condição para a integração neste sistema, o uso da metodologia da PED e de todos
os procedimentos operacionais necessários para garantir sua adequada aplicação por parte das entidades
executoras regionais. O quadro a seguir apresenta a
relevante abrangência geográfica atingida pelo Sistema PED, que se configura em um sistema de acompanhamento da evolução dos principais mercados de
trabalho metropolitanos do país.
ARQUITETURA DESCENTRALIZADA
O Sistema PED constitui uma arquitetura de execução descentralizada, na qual organismos regionais
responsabilizam-se pela sua execução local, contando
com a cooperação técnica do Dieese e da Fundação
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Seade, instituições responsáveis pela orientação metodológica da pesquisa.
Este sistema de execução descentralizada tem permitido não só o fortalecimento das diferentes equipes regionais enquanto organismos produtores de
informações primárias sobre o mercado de trabalho,
como também tem conferido à pesquisa flexibilidade
para atender às necessidades locais de informações.
Desta forma, os instrumentos de coleta são flexíveis
e permitem a introdução de questões específicas no
questionário básico, sem que a estrutura comum do
levantamento seja comprometida, para assim adequálos às especificidades regionais. Além disso, esta forma de execução facilita a aplicação de módulos complementares de interesse local, bem como o acesso
direto aos bancos de microdados gerados.
A cooperação técnica proporcionada pelo Dieese
e pela Fundação Seade refere-se tanto ao período de
montagem da pesquisa como ao acompanhamento
cotidiano de sua execução. Durante o período de
implantação da pesquisa, é desenvolvido um estreito
trabalho que abrange todas as suas diferentes fases,
desde a discussão e adaptação dos instrumentos
de coleta, desenho da amostra, organização dos
trabalhos de campo, sistema de processamento das
informações e geração dos respectivos indicadores
mensais. Uma vez implantada a pesquisa, a equipe
local continua contando com essa cooperação
técnica para o acompanhamento do cotidiano da
sua execução. Este sistema de cooperação tem por
objetivo garantir a adoção, em todas as pesquisas, de
uma metodologia unificada, a fim de permitir uma
estrita comparabilidade de seus principais indicadores
e a constituição de um banco de microdados para o
conjunto das regiões.
Além de contar, a cada mês, com indicadores para
aferir a situação conjuntural do seu mercado de trabalho, cada região coberta pela PED tem longas séries
de dados acumulados que possibilitam acompanhar
as transformações mais importantes,10 provenientes
da aplicação de seu questionário básico/comum.
Por sua vez, a aplicação de blocos suplementares
em algumas regiões (em especial São Paulo e Porto
Alegre) tem permitido a geração de novas informações para aprofundar o conhecimento destes merca-
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: INOVAÇÕES CONCEITUAIS E INSTITUCIONAIS
dos de trabalho e subsidiar a formulação e acompanhamento de políticas públicas.
O Sistema PED, ao proporcionar uma estrutura
permanente de coleta de informações primárias nas
instituições estaduais de estatística, tem desempenhado um papel importante no aprimoramento de sua
capacitação técnica, contribuindo para que tais instituições possam desempenhar suas missões específicas melhor aparelhadas, e mesmo para que conduzam
outras pesquisas primárias de interesse local.
Por outro lado, como destacam Hoffman et al.
(2002), em um período de acelerada municipalização
de políticas sociais e crescente debate acerca das potencialidades do poder local face à realidade urbana,
alguns municípios, em áreas metropolitanas já estudadas, passaram também a contar com um acompanhamento sistemático de sua situação. São eles: na RMSP,
o conjunto dos municípios que compõem a região
do Grande ABC; nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte, suas respectivas
capitais. Nestes casos, a ampliação do Sistema PED
ocorre de modo diferenciado, por meio de seu direcionamento à problemática intrametropolitana, e
até mesmo para atender demandas de geração de informações sobre seus mercados de trabalho, no caso
de municípios do interior. Esta última possibilidade
pode tornar-se real, dada a valorização de um sistema
de execução descentralizada sustentada em parcerias
locais.
AVANÇOS RECENTES DO SISTEMA PED
Nos três últimos anos, o MTE investiu no desenvolvimento de novos patamares de articulação do Sistema
Público de Emprego, Trabalho e Renda – SPETR.
Nesse período, duas conferências nacionais foram realizadas, precedidas de eventos estaduais e regionais.
As resoluções da II Conferência Nacional abordam a
questão da produção de estatística sobre mercado de
trabalho e a PED, além de indicar algumas ações:
• realização de estudos e pesquisas bem como desenvolvimento de mecanismos de acompanhamento da dinâmica do mercado de trabalho, informalidade e formas alternativas de inserção e de
geração de emprego, trabalho e renda, subsidiando os atores do SPETR;
• promoção de pesquisas para aferir resultados das
ações do SPETR no mercado de trabalho do campo e da cidade;
• disseminação, de forma regular e constante, das
informações do SPETR por diversas mídias, alcançando a população em geral;
• instalação de observatórios do mercado de trabalho em todos os Estados, com gestão participativa
tripartite e paritária, atuando em rede sob coordenação do MTE;
• oferecimento de condições para que os observatórios do mercado de trabalho possam gerar informações para o acompanhamento das dinâmicas
e tendências do mercado de trabalho em âmbito
local, regional e setorial, nas áreas urbana e rural;
• articulação dos observatórios do mercado de trabalho a um sistema nacional de estatísticas e informações sobre o mercado de trabalho;
• ampliação da PED para todo o país, considerando
as especificidades territoriais;
• inclusão, nas pesquisas de emprego e desemprego,
das demandas de qualificação social e profissional;
• aperfeiçoamento e atualização periódicos da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO.
O investimento feito pelo MTE no Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda colocou novos
desafios à PED, renovando as indicações já presentes
nas resoluções 54 e 55 do Codefat, bem como demandando a produção de novos indicadores capazes
de ler a situação presente do mercado de trabalho e
de monitorar impactos das políticas públicas.
Parte das respostas a esses desafios avançou em
razão da parceria com o MTE para o “Aperfeiçoamento do Sistema PED e Desenho de Novos Indicadores e Levantamentos”, por meio de um projeto
específico assinado em 2005. Executado em 2006,
este projeto permitiu consolidar uma série de ações
de fortalecimento e articulação da institucionalidade
do Sistema PED, aprimorar sua gestão interinstitucional e organizar a produção de indicadores, além
de criar uma política de ampla disponibilização dos
resultados e meio de acesso aos microdados.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 5-17, out./dez. 2006
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SINÉSIO PIRES FERREIRA/CLEMENTE GANZ LUCIO
Entre as ações previstas no projeto, encontra-se
o fortalecimento da assistência técnica permanente à
execução das pesquisas regionais, como garantia de
manutenção de qualidade em sua execução. Com esse
fim, foi feito um diagnóstico minucioso do atual estado de cada pesquisa, que servirá de base para a implementação de propostas para seu aperfeiçoamento.
Definiu-se, também como prioritário, o aperfeiçoamento dos instrumentos de divulgação da PED.
Para tanto, investiu-se na homogeneização dos boletins já existentes nas seis regiões. Em seguida, trabalhou-se na elaboração – com implantação definida
para fevereiro de 2007 – do Boletim Nacional PED,
no qual serão divulgados indicadores médios para o
conjunto das regiões pesquisadas, em paralelo às análises do comportamento de cada mercado de trabalho
regional. Para viabilizar essa decisão, e como parte
do plano de qualidade da pesquisa, implantou-se um
processo de convergência da data de divulgação dos
resultados.
Investiu-se, ainda, na construção das diretrizes de
política de acesso e disponibilização dos indicadores
e microdados da pesquisa, bem como nos instrumentos para sua efetivação.
Com o objetivo de garantir homogeneidade metodológica às pesquisas que compõem as estatísticas
financiadas pelo FAT, avaliou-se, ao longo do ano,
a possibilidade de incorporar a Pesquisa Mensal de
Emprego e Subemprego – PMES realizada em Fortaleza pelo Sine-CE e o Instituto de Desenvolvimento do Trabalho – IDT ao Sistema PED. Foram elaborados estudos que concluíram pela viabilidade da
migração da PMES para a metodologia PED, com a
possibilidade de encadeamento das séries históricas
dos principais indicadores da pesquisa de Fortaleza.
Foi desenvolvido um plano de implantação da nova
pesquisa, que será apresentado e debatido com a nova
equipe de governo estadual no início de 2007.
A demanda pela produção de informações sobre
centros urbanos do interior dos Estados para aprofundar o conhecimento da dinâmica dos mercados
de trabalho, de forma a subsidiar políticas públicas
de geração de emprego e renda, tem sido recorrente.
O projeto com o MTE viabilizou um investimento
importante, por meio da realização de pesquisa piloSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 5-17, out./dez. 2006
to em duas regiões especialmente escolhidas – pela
localização regional e dinamismo econômico – para
aplicação da metodologia PED: Caruaru e Pelotas.
Como se tratam de mercados de trabalho não metropolitanos, os questionários foram reformulados de
forma a dar conta da realidade das duas regiões, bem
como para gerar novos indicadores sobre questões
que ganham relevância nas políticas de emprego, trabalho e renda.
O último objetivo do projeto com o MTE foi a
articulação institucional e o fortalecimento da gestão
do Sistema PED. A análise das alternativas permitiu
propor a criação de um Comitê Gestor do Sistema
PED, ao qual seria vinculado um Grupo Técnico.
Afirmando a necessidade da criação do Comitê
Gestor do Sistema, o MTE, por intermédio da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego, encaminhou
ao Codefat a proposta para sua instituição, o que foi
aprovado em reunião realizada em outubro de 2006.
Este Comitê é composto por um representante de
cada bancada do Codefat (trabalhadores, empresários
e governo), um representante do Dieese, um da Fundação Seade, um representante da Secretaria Estadual
do Trabalho ou equivalente e outro da Secretaria Estadual do Planejamento ou equivalente dos Estados
em que a PED e a PMES são realizadas. Este Comitê
terá coordenação do representante do MTE no Codefat ou do Secretário Executivo do Codefat de forma alternada e deverá se reunir semestralmente. São
objetivos do Comitê Gestor do Sistema PED:
• I – estabelecer procedimentos e diretrizes para
estruturar um sistema nacional de informações a
partir dos resultados obtidos pela realização da
PED;
• II – acompanhar a implementação das PED nas
diferentes regiões, garantindo homogeneidade e
consistência metodológica à execução descentralizada da pesquisa;
• III – sugerir ao Codefat procedimentos para disseminação das informações produzidas, assim como
política de acesso e disponibilização dos indicadores e microdados da PED;
• IV – propor ao Codefat critérios para a realização
de levantamentos especiais temáticos ou regionais
da PED;
PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: INOVAÇÕES CONCEITUAIS E INSTITUCIONAIS
• V – propor ao Codefat medidas para o aperfeiçoamento metodológico da PED, bem como para
produção de novos indicadores para subsidiar as
políticas e ações do Sistema Público de Emprego,
Trabalho e Renda.
Além do Comitê Gestor, a resolução institui
um Grupo Técnico de Apoio, coordenado pelo
Secretário Executivo do Codefat que deverá se reunir
trimestralmente. É composto por um representante
de cada bancada do Grupo de Apoio Permanente
ao Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo
ao Trabalhador – GAP/Codefat, sendo a bancada
do Governo representada pelo Titular do MTE,
um representante do Dieese, um representante
da Fundação Seade e um representante de cada
uma das entidades executoras da PED. Entre suas
competências, destacam-se:
• I – elaborar propostas, para submissão ao Comitê Gestor para o aperfeiçoamento do Sistema
PED;
• II – subsidiar a elaboração de propostas de caráter
metodológico e operacional a serem formuladas
pelo Comitê;
• III – estudar e propor o aperfeiçoamento metodológico do Sistema PED;
• IV – estudar e propor o aperfeiçoamento da política de disseminação de informações do Sistema
PED;
• V – analisar e propor medidas e instrumentos para
capacitação técnico-operacional dos órgãos e entidades participantes do Sistema PED;
• VI – manifestar-se sobre outros assuntos de rotina
operacional do Sistema PED.
A instalação do Comitê Gestor deverá ocorrer ainda no primeiro trimestre de 2007.
A produção sistemática e permanente de estatísticas pela PED consolidou-se com sua metodologia e
opções de como “olhar” as diferentes situações presentes no mercado de trabalho. Hoje, ela é parte do
conjunto de estatísticas sobre o mundo do trabalho
produzidas no país, organizada por meio de um tipo
próprio de articulação institucional que fortalece,
pela cooperação técnica e da composição entre união
e entes da federação, competências técnicas locais.
O investimento que se faz atualmente pretende
consolidá-la como pesquisa dirigida à produção de
indicadores capazes de subsidiar as políticas públicas
de emprego, trabalho e renda.
O desafio no país é de implantar um sistema nacional de estatísticas sobre as questões do trabalho
que articule o que é produzido a partir de pesquisa
amostral, dos censos e dos levantamentos administrativos. Essa é uma tarefa muito importante e para a
qual espera-se que o Sistema PED seja um parceiro
de primeira hora.
Espera-se, assim, continuar produzindo estatísticas que iluminem a reflexão sobre as transformações
do mercado de trabalho e que aportem conhecimento capaz de apoiar a criação de alternativas que valorizem o trabalho como forma de socialização, além
de permitir o acesso à renda e à presença cidadã de
homens e mulheres na sociedade.
Notas
não encontrar qualquer tipo de trabalho, trabalho com remuneração adequada ou trabalho de acordo com suas qualificações (IBGE, 2002, p. 37).
1. Ver, entre outros, Cacciamali (1982) e Souza (1980).
2. Pessoas não economicamente ativas na semana de referência que estiveram na PEA no período de captação de 358 dias
e que estavam disponíveis para assumir um trabalho na semana
de referência da pesquisa (IBGE, 2002, p. 36).
3. Pessoas marginalmente ligadas à PEA na semana de referência da pesquisa que estavam procurando trabalho ininterruptamente há, pelo menos, seis meses, tendo desistido por
4. Pessoas que trabalharam efetivamente menos de 40 horas
em todos os trabalhos da semana de referência e estavam disponíveis para trabalhar mais, no período de 30 dias, contados
a partir do primeiro dia da semana de referência (IBGE, 2002,
p. 34).
5. Pessoas ocupadas na semana de referência com rendimento/hora habitualmente recebido de todos os trabalhos, no mês
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de referência, inferior ao salário-mínimo/hora do mês de referência (IBGE, 2002, p. 34).
8. No Brasil, esse tipo de atividade é consagrado na linguagem popular como “bico”.
6. A propósito, a entrevista individual é a única forma de se
obter as informações necessárias a tal classificação, razão pela
qual são, de modo geral, obtidas por meio de pesquisas domiciliares. Em situações em que os registros administrativos sejam
suficientemente amplos para revelar a situação e as atitudes do
universo dos indivíduos no que diz respeito a sua relação com
o mercado de trabalho, eles poderiam substituir as pesquisas
domiciliares. Entretanto, na grande maioria dos países, essa situação ideal ainda está longe de se tornar realidade.
9. A RMSP conta com 39 municípios: Arujá, Barueri, Biritiba-Mirim, Cajamar, Caieiras, Carapicuíba, Cotia, Diadema,
Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guararema, Guarulhos, Itapevi, Itaquaquecetuba, Itapecerica da Serra, Jandira, Juquitiba, Mairiporã,
Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá,
Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santa Isabel,
Santana de Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo,
São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, São Paulo, Suzano,
Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista.
7. Nas citações subseqüentes foram adotadas as recomendações da OIT tal como traduzidas e adaptadas em IBGE
(2002).
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PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: INOVAÇÕES CONCEITUAIS E INSTITUCIONAIS
SINÉSIO PIRES FERREIRA
Economista, Diretor Adjunto de Produção e Análise de Dados da Fundação Seade.
CLEMENTE GANZ LUCIO
Diretor Técnico do Dieese.
Artigo recebido em 4 de setembro de 2006.
Aprovado em 29 de novembro de 2006.
Como citar o artigo:
FERREIRA, S.P.; LUCIO, C.G. Pesquisa de Emprego e Desemprego: inovações concentuais e institucionais. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 5-17, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>;
<http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 5-17, out./dez. 2006
17
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO
DE ATIVIDADE NA PED
M ARISE B OREN P IMENTA H OFFMANN
M ARIA A LICE B EZERRA C UTRIM
Resumo: O presente artigo apresenta a metodologia da Pesquisa de Emprego e Desemprego, mostra os limites e virtudes da geração de estatísticas
para o acompanhamento de mercados de trabalho pouco estruturados e heterogêneos e contribui para a discussão sobre formas
alternativas de classificação da condição de atividade econômica da população, em especial de medidas de desemprego.
Palavras-chave: Mercado de trabalho. Condição de atividade. Taxa de desemprego.
Abstract: This paper presents the methodology used in the Labor Force Survey carried by Fundação Seade and Dieese in the Metropolitan Area of Sao Paulo.
It shows both the limitations and the virtues of its indicators for monitoring labor markets that are heterogeneous and poorly
structured and it contributes to the discussion about alternative ways of classifying the economic
activity status of the population, particularly focusing in unemployment measurements.
Key words: Labor market. Activity status. Unemployment rates.
A
partir dos anos 1980, o Brasil passou a contar
com indicadores de acompanhamento conjuntural do mercado de trabalho produzidos por duas pesquisas
domiciliares contínuas: a Pesquisa Mensal de Emprego – PME, realizada pela Fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE, órgão vinculado ao governo federal; e outra, a Pesquisa de Emprego e
Desemprego – PED, realizada pela parceria entre o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos – Dieese, órgão representante dos trabalhadores, e a Fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados – Seade, vinculada ao governo do Estado de São Paulo. Para as principais regiões metropolitanas do
país essas pesquisas produzem atualmente indicadores que permitem acompanhar mensalmente a evolução do
mercado de trabalho metropolitano.
Neste artigo, pretende-se apresentar a metodologia da PED como uma experiência que mostra os limites e
as virtudes da geração de estatísticas para o acompanhamento e avaliação econômica e social de mercados de
trabalho pouco estruturados e heterogêneos.
Vale ressaltar que, desde a sua concepção metodológica, a PED tem como propósito básico considerar a
situação de inserção da população correntemente ativa no mercado de trabalho não só sob a ótica de sua utiSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
lização como fator produtivo, mas também enquanto indivíduos com necessidades a serem satisfeitas e
agentes de um processo social de produção pelo exercício de seu direito a um trabalho produtivo. Por outro lado, faz parte dos objetivos centrais dessa pesquisa preservar a possibilidade de construir indicadores
tradicionais e, portanto, comparáveis aos produzidos
por outros países.
Ao expor a experiência da PED, este trabalho visa
contribuir para a discussão sobre formas alternativas
de classificação da condição de atividade econômica
da população, em especial de medidas de desemprego, sem perder a capacidade de sua comparabilidade
internacional, numa realidade na qual a exclusão e a
heterogeneidade do mercado de trabalho já não são
características exclusivas dos países mais pobres ou
menos desenvolvidos.
Este trabalho está estruturado em cinco partes.
Na primeira, apresenta-se um breve histórico da
PED, ressaltando suas principais diferenças em relação à pesquisa conduzida pelo Governo Federal. Na
segunda, são apresentados fundamentos conceituais
que embasaram o desenvolvimento da metodologia
da PED. Na terceira, é feita uma pequena discussão
sobre as possibilidades de flexibilização das recomendações da Organização Internacional do Trabalho
– OIT para a construção de indicadores gerados a
partir de informações das pesquisas nacionais domiciliares sobre a população correntemente ativa, frente
à necessidade de comparabilidade internacional. Na
quarta, são transcritos os conceitos adotados por essa
pesquisa para a classificação da condição de atividade.
Finalmente, na quinta parte, apresentam-se as categorias de condição de atividade dessa pesquisa.
BREVE HISTÓRICO DA PED
A PED foi implantada inicialmente no Estado de São
Paulo, em 1984, tendo sua origem no debate social
sobre a situação do mercado de trabalho brasileiro,
incorporado pelo Dieese na sua pesquisa exploratória
sobre emprego e desemprego, realizada entre 1982 e
1983, e no acordo social estabelecido entre governo
estadual e o segmento dos trabalhadores.
Esse debate surgiu pelo agravamento da crise econômica do início da década de 1980, resultado do processo de redemocratização que ocorria naquele momento
no país, provocando fortes impactos na capacidade do
mercado de trabalho de São Paulo em absorver a mãode-obra disponível – que passa a ser ampliada pelo crescente contingente de trabalhadores demitidos.
A falta de oportunidade de emprego e a ausência
de mecanismos sociais de proteção ao desempregado,
como o seguro-desemprego, levaram os trabalhadores a buscarem formas alternativas de sobrevivência,
enquanto procuravam reinserir-se no mercado de trabalho, seja por meio de ações individuais de procura
ou pela participação em movimentos coletivos de
pressão junto ao governo estadual para obtenção de
um posto de trabalho.
No entanto, os indicadores de emprego e desemprego divulgados pela PME – pesquisa implantada
no início da década de 1980 pelo governo federal,
tendo por base metodologia desenvolvida internacionalmente, cujo modelo implícito é o de mercado
de trabalho homogêneo –, davam sinais evidentes
de inadequação metodológica para captar a situação
vivida pela classe trabalhadora, que era amplamente
informada pela imprensa da época e percebida pela
opinião pública.
O Dieese, sensível a essa situação, introduziu um
módulo sobre emprego e desemprego em sua Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego – PPVE, executada
na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, para
tentar investigar outras situações notórias de desemprego não captadas pelo índice oficial. Na avaliação
dos resultados dessa pesquisa exploratória, o relatório técnico do Dieese (1984) já destacava que
o conceito de “desempregado” não se esgota na consideração
apenas das variáveis “falta de emprego” e “procura de trabalho”, implícitas no conceito de “desemprego aberto” clássico. Pode haver uma situação de desemprego mesmo quando
o trabalhador, por necessidade de sobrevivência, está simultaneamente “procurando trabalho no período de referência” e
“exercendo um trabalho ocasional”.
Esse relatório também reconhecia a existência de
“uma parcela dos trabalhadores desalentados, que,
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
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MARISE BOREN PIMENTA HOFFMANN/MARIA ALICE BEZERRA CUTRIM
segundo critérios mais em uso, seria caracterizada
como inativa quando, na realidade, se trata de um
contingente desempregado” (DIEESE, 1984).
O governo de São Paulo, recém-eleito e também
participante desse debate, estabeleceu uma parceria
inédita no país para produção e disseminação de informações com a participação da sociedade civil, que
se efetivou na implantação da PED na RMSP.
No documento de lançamento da PED, divulgado
em maio de 1984, é explicitado o compromisso do
governo estadual para a realização desta pesquisa.
O Governo do Estado não pode omitir-se da responsabilidade de possibilitar um maior conhecimento da realidade social
através da geração de indicadores confiáveis e apropriados.
Este conhecimento é pré-condição para, de um lado, auxiliar
sempre que possível na formulação de políticas estaduais mais
adequadas e, de outro, aferir os efeitos da política econômica
sobre os níveis de sobrevivência e da qualidade de vida da população (DIEESE, 1984).
A grande aderência dos indicadores da PED à realidade social e às flutuações do mercado de trabalho foi
validada pelos diferentes atores sociais, que cada vez
mais passam a utilizá-los como referência à situação de
desemprego e ocupação, bem como pela ampliação de
sua execução em outras áreas metropolitanas do país,
por solicitação de entidades governamentais e institutos regionais de pesquisa dessas regiões.
A metodologia da PED foi igualmente referendada pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo
ao Trabalhador – Codefat, órgão de representação
tripartite – empresários, governo federal e trabalhadores – que gerencia a principal fonte de financiamento de política social do país, e que, segundo as
resoluções n. 54 e 55 de dezembro de 1993, recomenda a contratação do Seade e do Dieese para a implantação da PED em outras regiões metropolitanas,
além de vincular a liberação de recursos financeiros
para execução de pesquisa domiciliar de emprego e
desemprego à adoção da metodologia da PED.
Nos anos 1990, a expectativa da retomada do crescimento econômico e a superação dos problemas então vividos nos anos 1980 não só não se concretizaram, como também a instabilidade econômica gerada
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
levou a um recrudescimento do desemprego no país,
revelado na elevação significativa da taxa de desemprego de ambas as pesquisas.1
Nesse debate, a diversidade das taxas de desemprego geradas por essas pesquisas e divulgadas mensalmente leva à discussão sobre os seus fundamentos
metodológicos. Ou seja, por que um mesmo universo
pesquisado possui indicadores tão díspares sobre o
mesmo fenômeno e, em que medida, esses indicadores representam a realidade concreta vivenciada?
A principal diferença entre os indicadores produzidos por essas duas pesquisas refere-se à medição
do desemprego. Enquanto a PME utiliza o conceito
restrito de desemprego, expresso na taxa de desemprego aberto, a PED adota um conceito ampliado de
desemprego, considerando também duas novas situações, além do desemprego aberto: o desemprego
oculto pelo exercício de uma atividade de auto-ocupação ocasional simultaneamente à procura de trabalho; e o desemprego oculto pela ausência de procura
efetiva de trabalho devido ao desencorajamento provocado por dificuldades em encontrar trabalho.
Assim, reacendeu-se, nesse período, o debate sobre
o efetivo patamar do desemprego. De um lado, para
diferentes segmentos sociais, o desemprego passa a
ser visto como uma questão central, cujo combate é
prioritário e, de outro, o governo federal tenta minimizar esta preocupação da sociedade, seja apoiandose nas menores taxas de desemprego produzidas pelas estatísticas oficiais, seja atribuindo-lhe um caráter
temporário, cuja solução será prontamente alcançada
pela retomada do crescimento econômico resultante
do êxito do processo de reestruturação produtiva em
curso.
FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DA PED
Os conceitos adotados pela PED fundamentam-se
numa concepção histórica e integrada da realidade
social. Neste sentido, procura captar as especificidades do mercado de trabalho de um país capitalista dependente ou periférico, analisado sob uma ótica não
só econômica mas também social.
Essa concepção faz parte do pensamento latinoamericano expresso não só nos diferentes estudos
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
acadêmicos, como também nas análises da Comissão
Econômica para América Latina e Caribe – Cepal e
Programa Regional del Empleo para América Latina
e el Caribe – Prealc sobre o desenvolvimento econômico e social da região e de seu mercado de trabalho.
A heterogeneidade estrutural é identificada como característica básica do mercado de trabalho, manifestada, por exemplo, na diversidade de situações ocupacionais da população e nas diferentes formas e graus
de utilização da mão-de-obra, objeto de medição das
pesquisas domiciliares de mercado de trabalho.
Essa heterogeneidade torna necessária e complexa
a produção de indicadores específicos a esta realidade, no sentido de expressar as diversas formas de inserção ocupacional, do ponto de vista econômico, e
mais ainda quando se pretende gerar indicadores com
propósitos analíticos e de políticas públicas que atendam tanto a dimensão econômica quanto a social.
No entanto, o reconhecimento dessas dificuldades não foi obstáculo para que, na América Latina,
se tentasse produzir indicadores regionais e nacionais
segundo estes propósitos. Cabe lembrar as pesquisas
do Prealc sobre a subutilização da força de trabalho,
com construção de indicadores de “desemprego
equivalente” entre os ocupados, e seus estudos sobre
a identificação, caracterização e dinâmica de crescimento das ocupações nos setores formal e informal
da economia, inclusive relacionando-os com as condições de pobreza resultante.
É dentro dessa tradição que a PED pretendeu responder ao desafio de construir indicadores específicos ao mercado de trabalho nacional, aderentes à realidade econômica e social do país e que subsidiassem
a avaliação das políticas públicas sobre a inserção da
população neste mercado, enquanto indivíduos concretos que atuam e sofrem as conseqüências da dinâmica deste mercado, e não somente como uma força
de trabalho abstrata.
Assim, a concepção metodológica adotada pela
PED fundamenta-se em dois pressupostos: considerar o mercado de trabalho na sua dupla dimensão
(econômica e social) e expressar, nas suas classificações, os efeitos de sua heterogeneidade.
MERCADO DE TRABALHO COMO ESPAÇO
ECONÔMICO-SOCIAL
Ainda que a PED não explicite claramente sua
concepção das dimensões do mercado de trabalho, sua
visão de um espaço econômico-social está implícita
em sua metodologia e fundamenta-se, sobretudo, na
definição ampliada de desemprego adotada por esta
pesquisa. Neste sentido, é importante apresentar alguns
dos pressupostos que sustentam esta concepção.
De forma mais geral, considera-se que o mercado de trabalho não corresponde tão-somente a um
espaço que relaciona quantidade de compradores e
vendedores da força de trabalho. Trata-se também de
um espaço de definição das regras sociais, sujeito a
constante pressão de atores sociais e instituições, que
interferem direta ou indiretamente nas características
e na dinâmica deste mercado.
Para a PED, o mercado de trabalho deve ser visto
não só como um canal por onde se integra a força de
trabalho na produção, mas também como um espaço
a partir do qual se desenvolvem as relações sociais
básicas para a integração da população na sociedade.
O mercado de trabalho passa invariavelmente por
flutuações na sua capacidade de geração de postos
de trabalho condicionadas pelo comportamento mais
geral do sistema econômico. Por isto, dentro de uma
perspectiva exclusivamente econômica, a taxa de
desemprego deve ser definida de forma que permita avaliar o desempenho da economia. Do mesmo
modo, outros indicadores que caracterizam os postos
de trabalho gerados devem revelar a estrutura e as
mudanças da organização do mercado de trabalho e
serem calculados para medir a subutilização da mãode-obra ocupada em mercados de trabalho heterogêneos ou, até mesmo, serem utilizados para subsidiar a
construção de indicadores relacionados diretamente
com a produção nacional.
Por outro lado, dentro de uma perspectiva social,
o mercado de trabalho deve ser visto como um lugar privilegiado, onde os indivíduos e, consequentemente, suas famílias obtêm ou não os meios para
sua sobrevivência por meio do acesso e da qualidade
do trabalho exercido, bem como onde o trabalhador
desenvolve suas relações ocupacionais, a partir das
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quais determina seu status social e sua realização profissional. Assim, a população em idade de trabalhar e
as situações de sua incorporação ao mercado devem
também ser medidas e analisadas, considerando-se
suas determinações e implicações sociais.
As estratégias de sobrevivência do indivíduo e de
sua família, assim como os padrões culturais e político-institucionais, são mediações que influenciam
na determinação da quantidade e característica da
população disponível no mercado e nas situações
individuais de condição de atividade, que podem se
manifestar tanto sob formas claras de desemprego,
de inatividade e de ocupação como em situações
menos visíveis para esta classificação. Estas últimas
originam-se na diversidade das características dos trabalhos possíveis de serem exercidos numa realidade
econômica e social heterogênea.
Considerando-se essas situações ambíguas de condição de atividade, a classificação da inserção como
ocupado, desempregado ou inativo dependerá da
dimensão a partir da qual interessa descrever o mercado de trabalho e do significado social que é dado
ao indicador estatístico resultante. Numa perspectiva econômica e social integrada, o desemprego, por
exemplo, deve não apenas expressar a não utilização
total da força de trabalho disponível, como também
a exclusão social do indivíduo do mundo do trabalho
determinada pela dificuldade de encontrar ou pela
falta de acesso a um posto de trabalho.
Em mercados de trabalho heterogêneos, a consideração destas duas dimensões do desemprego exige
que se amplie a definição desta categoria em função
da existência de situações combinadas de exercício
de trabalhos ocasionais de auto-ocupação com a procura, como estratégia de sobrevivência enquanto o
indivíduo não encontra o trabalho procurado. Desta
forma, atender a estas duas dimensões, simultaneamente, implica trazer parte da heterogeneidade do
mercado de trabalho para o interior da categoria de
desemprego e priorizar, na sua definição, a representação social do que seja um posto de trabalho expressa, em parte, na procura do indivíduo por um outro
tipo de trabalho.
Essa ótica de mercado de trabalho fundamenta
também a Encuesta Permanente de Hogares – EPH
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realizada pelo Instituto Nacional de Estadistica y
Censos – Indec, da Argentina, na qual a metodologia adotada, tal como explicitado em seu referencial
metodológico, incorpora no marco conceitual para
construção dos indicadores relativos à inserção da
população no mercado de trabalho os determinantes
de inserção na produção social derivados da estrutura
social e aqueles relativos às estratégias de vida familiares, que se expressam nas estratégias individuais de
inserção produtiva.
A HETEROGENEIDADE DO MERCADO
DE TRABALHO BRASILEIRO
Ao contrário dos países mais desenvolvidos, o padrão
de contratação e uso de trabalho, a remuneração da
mão-de-obra e as situações heterogêneas de criação e
eliminação de ocupações constituem especificidades
do mercado de trabalho em vários países periféricos,
inclusive no Brasil.
Nesses países, a condução dos processos de industrialização não levou aos mesmos resultados verificados nas economias desenvolvidas. A maioria dos
estudos e pesquisas sobre a industrialização nos países latino-americanos destacou a ocorrência de transformações significativas nas estruturas produtiva e
ocupacional marcadas pela forte heterogeneidade
estrutural (PINTO, 1973; VUSKOVIC, 1976).
A heterogeneidade no mercado de trabalho,
como resultado direto do processo de convivência
de organizações produtivas atrasadas e modernas e
do elevado excedente de força de trabalho, nesses
países, se expressa, por exemplo, nas diversas formas
de atividade laboral com forte diferenciação nas
estruturas ocupacional e de rendimentos, quando
cotejados com os países desenvolvidos (NURSKE,
1953; PEREIRA, 1978; SOUZA, 1980).
A dificuldade das economias menos desenvolvidas
em oferecer oportunidades iguais para o conjunto da
população economicamente ativa contribuiu para a
permanência de elevadas taxas de subutilização da
força de trabalho. A escassez de medidas econômicas
e sociais voltadas para o enfrentamento dos problemas do mercado de trabalho conferiu menor valorização ao estatuto do trabalhador assalariado, até mes-
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
mo nos países em que o processo de industrialização
foi mais avançado.
No Brasil, embora o processo de industrialização
tenha levado à formação de um parque industrial
diversificado, não houve uma transformação relativamente homogênea das atividades produtivas. A
modernização de sua economia ocorreu de forma
parcial, com a permanência não só de setores produtivos com diferentes capacidades de geração de
tecnologia e competitividade, como também de
desigualdades regionais relevantes (PINTO, 1973;
SERRA, 1982; FURTADO, 1992).
Mesmo nos segmentos produtivos mais dinâmicos e modernos do país, o emprego gerado caracterizou-se pela elevada presença de ocupações não
qualificadas, alta rotatividade dos trabalhadores e
grande flexibilidade de contratação e substituição de
mão-de-obra. Desta forma, até em mercados onde
predominava a contratação do trabalho assalariado
sob a forma de um contrato padrão, regido pelas leis
trabalhistas, uma parcela significativa de assalariados
não tinha estabilidade de emprego e possuía baixos
rendimentos, seja por ocupar postos de trabalho menos qualificados ou porque os pisos salariais de contratação eram em geral bastante baixos.
A heterogeneidade interna do contingente de
ocupados foi ampliada pelo intenso crescimento na
oferta de mão-de-obra urbana, que levou à expansão
de formas de trabalho instáveis e não regulamentadas
e à redução do segmento sob contrato de trabalho
padrão. Este movimento resultou, em parte, da evolução e diversificação dos espaços urbanos, dado o
intenso processo migratório rural-urbano verificado
em razão da expulsão da força de trabalho do campo
e da forte atração do processo de industrialização em
curso nos grandes centros econômicos do país.
Ademais,
os efeitos destas características histórico-estruturais foram
amplificadas pela evolução sociopolítica que caracterizou o país
a partir de meados dos anos 60. Para isto contribuíram a
intervenção no movimento sindical, as mudanças nas regras
básicas de contratação e demissão – substituição do estatuto da
estabilidade pelo FGTS – e o processo de contenção salarial
implementado através das políticas de recomposição parcial
dos rendimentos do trabalho (FUNDAÇÃO SEADE/
DIEESE, 1995, p. 11).
Assim, a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, as políticas contencionistas
vigentes e a dificuldade de organização sindical dos
trabalhadores provocaram sérios impactos no mercado de trabalho brasileiro.
À facilidade de substituição dos trabalhadores determinada
pela larga base ocupacional e pela grande disponibilidade de
mão-de-obra, acrescentou-se o baixo custo de contratação/
demissão do trabalhador, possibilitado pela introdução do
FGTS. Ampliou-se, desta forma, ainda mais a instabilidade
do trabalho e da renda, mesmo daqueles inseridos como assalariados com carteira assinada em setores dinâmicos da economia
(FUNDAÇÃO SEADE/DIEESE, 1995, p. 12).
A ausência de uma política capaz de amenizar os
efeitos negativos da situação de desemprego e dos
baixos rendimentos familiares de grande parte da
população também contribuiu para aumentar ainda
mais as características diferenciadas do mercado de
trabalho nacional. Por esta razão, o exercício de trabalhos ocasionais como estratégia de sobrevivência,
em função da perda do posto de trabalho, ou a mobilização temporária para o trabalho de componentes
familiares para completar uma renda deficitária ou
mesmo nula são situações freqüentes.
Num mercado de trabalho em que estão presentes essas características, a construção de indicadores
que se baseiam na combinação de situações excludentes de trabalho e não trabalho, ou procura de
trabalho e não procura são insuficientes para apreender adequadamente a condição de atividade da
população em idade de trabalhar. As trajetórias ocupacionais lineares do tipo incorporação permanente
à força de trabalho depois de determinada idade e
fluxos entre situações bem claras de emprego e desemprego descrevem muito pouco a realidade deste
mercado, do ponto de vista da subutilização da sua
força de trabalho ou de sua capacidade de atender
o direito fundamental de acesso a um posto de trabalho para quem tem necessidade e disponibilidade
para ocupá-lo.
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A partir do reconhecimento de parte dessas dificuldades, foram formuladas, desde os anos 1960,
por iniciativa da OIT, categorias complementares e
específicas para serem aplicadas nos mercados de trabalho heterogêneos, para diferenciar, dentre os ocupados, a subutilização da mão-de-obra por meio da
adoção dos conceitos de subemprego visível e invisível sem, contudo, reconhecer os limites da categoria
de desemprego, que continua restrita a uma situação
absoluta de não trabalho, expressando a situação de
exclusão social do indivíduo pela falta de acesso a um
posto de trabalho. Assim, o indicador de desemprego
permanece incapaz de captar toda a situação de desemprego socialmente reconhecida em mercados de
trabalho marcados pela heterogeneidade.
Em contraste, nos países com economias capitalistas avançadas, o processo de desenvolvimento levou
à homogeneização das estruturas produtivas e à constituição de um mercado de trabalho homogêneo, com
alta predominância de trabalhador assalariado estável.
Dessa forma, as categorias internacionais utilizadas
pelas pesquisas domiciliares de mercado de trabalho
são bastante aderentes a esta realidade.
O forte movimento sindical nesses países e a interveniência das políticas reguladoras no mercado
de trabalho, especialmente as medidas econômicas
e sociais, permitiram que a expansão das economias
industrializadas ocorressem com menor desigualdade
social e melhor distribuição da renda a partir do pósguerra. As restrições ao livre funcionamento do mercado de trabalho contribuíram para o fortalecimento
do estatuto do trabalhador, por meio da evolução
dos salários segundo a variação do custo de vida e
da produtividade e pela estabilidade das relações de
trabalho.
Constituiu-se, assim, um modelo de mercado de
trabalho homogêneo que, ao longo dos anos, ofereceu suficientes oportunidades de trabalho para todos
que procuravam trabalho, sobretudo de emprego
assalariado, em que as ocupações exercidas são bastante similares quanto ao padrão de produtividade,
jornada, geração de rendimentos, estabilidade e garantias sociais. Nesses mercados, a força de trabalho
ocupada é plenamente utilizada e, quando desempregada ou na impossibilidade de trabalhar, é assistida
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
pelo seguro-desemprego ou por outros mecanismos
sociais de transferência de renda, os quais garantem a
sobrevivência dos trabalhadores e de seus dependentes familiares.
Nesse tipo de mercado de trabalho, as categorias
de desemprego (pessoas sem trabalho e com procura) e de ocupação (pessoas com trabalho) são internamente homogêneas enquanto agrupamentos referidos à utilização de força de trabalho. Isto permite
não só medir a capacidade de utilização da população
economicamente ativa ou força de trabalho, como
inclusive acompanhar as flutuações destes mercados
decorrentes das variações cíclicas da economia.
Desse modo, o total de pessoas ocupadas (exercendo qualquer tipo de trabalho) mede o volume de
postos de trabalho gerados pela economia e expressa a plena utilização da força de trabalho disponível.
O desemprego, como o oposto à ocupação, mede a
força de trabalho não utilizada e o déficit de postos
de trabalho para atender a demanda por parte da população disponível. Assim, as categorias globais de
ocupação e desemprego são indicadores adequados
para avaliar, sob a ótica econômica, o desempenho
do mercado de trabalho, suas flutuações e a subutilização total da força de trabalho, cuja única forma está
contida no desemprego aberto, ou seja, sob a forma
de não utilização plena. Esses indicadores permitem
avaliar, sob o ponto de vista social, a capacidade do
mercado de trabalho em atender o direito do indivíduo de obter um posto de trabalho que lhe garanta os
rendimentos necessários à sua sobrevivência.
No entanto, desde a segunda metade dos anos
1970, as categorias básicas utilizadas como referência
do mercado de trabalho nos países capitalistas avançados passaram a ser cada vez mais questionadas. As
transformações rápidas e profundas ocorridas nos
países desenvolvidos repercutiram diretamente no
comportamento do mercado de trabalho, implicando
a quebra da relativa homogeneidade destes mercados,
no que se refere tanto ao surgimento de novas formas
de desemprego e exclusão quanto à fragilização dos
postos de trabalho, tornando as informações sobre
o desemprego insuficientes e, algumas vezes, distorcidas (DOSS et al., 1988). Nestes países, esta classificação simples e agregada vem sendo questionada,
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
como indica a multiplicação de tipos de desemprego
e subemprego nas estatísticas oficiais de alguns países, como é o caso notório dos Estados Unidos.
POSSIBILIDADES DE FLEXIBILIZAÇÃO DAS
RECOMENDAÇÕES DA OIT
No desenvolvimento da metodologia da PED, que
busca dar expressão a comportamentos típicos de um
mercado de trabalho heterogêneo e, ao mesmo tempo,
apreender as determinações e implicações sociais da
inserção produtiva da população no mercado de trabalho, o grande desafio que se coloca é o de construir
indicadores que, em alguma medida, sejam comparáveis internacionalmente. Isto porque, as normas internacionais vigentes, sob a responsabilidade da OIT, que
orientam o desenvolvimento de sistemas nacionais de
pesquisas domiciliares sobre o mercado de trabalho,
estão pautadas em modelo implícito de mercados de
trabalho homogêneos e sob uma ótica predominantemente econômica de mercado de trabalho.
Um mercado de trabalho homogêneo caracteriza-se por inserções ocupacionais estáveis, ou seja, o
desemprego é uma breve transição entre dois empregos. O emprego é um trabalho regular, estável, com
jornadas adequadas, alta produtividade, etc., enquanto a inatividade expressa situações estruturais de segmentos específicos da população que, por alguma razão, alheia ao mercado, está fora da força de trabalho.
Com isso, o uso de apenas dois parâmetros dicotômicos – trabalho e procura de trabalho –, é suficiente
para definir claramente o sistema de classificação de
condição de atividade da população em: ocupada, desempregada e inativa, sendo essa última identificada
de forma residual.
De acordo com as recomendações atualmente
vigentes, adotadas na The Thirteenth International
Conference of Labour Statisticians (ILO, 1983), a
população em idade ativa deve ser classificada em
ocupada, desempregada e inativa, da seguinte forma:
• ocupadas: pessoas que, num período curto
de referência, tal como uma semana ou um
dia, trabalharam, ou estão temporariamente
ausentes de seu trabalho por alguma razão,
como trabalhadores assalariados, trabalhadores
independentes (conta própria, empregadores e
trabalhadores familiares);
• desempregadas: pessoas não classificadas como ocupadas, que estão correntemente disponíveis para
trabalhar e que procuraram trabalho, tomando medidas concretas num período recente especificado,
segundo a definição standard de desemprego;
• inativas: pessoas não incluídas na força de trabalho,
ou seja, aquelas que não foram classificadas como
ocupadas ou desempregadas.
Segundo essas normas, a população economicamente ativa compreende todas as pessoas que apresentam os requisitos necessários para serem classificadas nas categorias de ocupados e de desempregados.
Essas definições estão baseadas em um conceito
amplo de trabalho, diretamente relacionado à noção
de atividades produtivas do Sistema de Contas Nacionais – SCN das Nações Unidas. Dessa forma, as
pessoas que integram a População Economicamente
Ativa – PEA contribuem ou estão dispostas a contribuir, por meio de seu trabalho, em atividades de
produção de bens e serviços de acordo com as definições do SCN. Atualmente, essas atividades compreendem (HUSSMANNS et al., 1990, p. 14), além da
produção de bens e serviços destinados ao mercado,
a produção e processamento de produtos primários
para autoconsumo, autoconstrução e formação de
capital fixo para uso próprio, excluindo apenas os
serviços domésticos e comunitários voluntários, não
remunerados.
Além disso, para identificação da população ocupada, define o exercício de qualquer uma dessas atividades por apenas uma hora, no período de referência,
como critério operacional de trabalho, com precedência classificatória sobre a procura de trabalho ou
sobre a disponibilidade do indivíduo para trabalhar
mais horas.
“Without work” should be interpreted as total lack of work,
or, more precisely, as not having been employed during the
reference period. Thus, a person is to be considered as “without
work” if he or she did not work at all during the reference
period (not even for one hour) nor was temporarily absent
from work as determined by the definition of employment.
The purpose of the without work criterion is to ensure that
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employment and unemployment are mutually exclusive, with
precedence given to employment (HUSSMANNS et al.,
1990, p. 97).
A adoção de uma definição tão ampla de trabalho
associada aos dois critérios operacionais citados anteriormente para a classificação dos ocupados leva à superestimação desta categoria. Assim, a realização de
qualquer trabalho, vinculado ou não ao mercado de
trabalho, como, por exemplo, as atividades de autoconstrução ou de subsistência familiar, mesmo com
dedicação mínima, é suficiente para definir a situação
do indivíduo como ocupado, impossibilitando sua
classificação em qualquer uma das outras duas categorias de condição de atividade.
Essa possível superestimação da categoria de ocupados pode afetar a capacidade analítica dos indicadores de condição de atividade, no que se refere à
análise da taxa de participação, taxa de desemprego
e, até mesmo, avaliação da economia na geração de
postos de trabalho.
Cabe assinalar que esta observação não desconhece a importância de que as estatísticas de mercado
de trabalho sejam compatíveis com outras estatísticas
econômicas. No entanto, devem ser buscadas formas
de compatibilização que não interfiram diretamente
na capacidade de os indicadores específicos expressarem a realidade dos mercados de trabalho nacionais.
Essas normas, conforme explicitado nos seus objetivos, reconhecem a existência de especificidades
nos diferentes países que podem estar refletidas em
seus indicadores nacionais, ao estabelecer que
Each country should aim at developing a comprehensive system
of statistics on the economic activity of the population in order
to provide an adequate statistical base for the various users of
the statistics taking account of the specific national needs and
circumstances
[…]
In order to promote comparability of the statistics among
countries where national concepts and definitions do not conform
closely to the international standards, explanations should be
given and the main aggregates should if possible be computed
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on the basis of the both the national and the international
standards. Alternatively, the necessary components should be
identified and provided separately in order to permit conversion
from the national to the international standards (ILO, 1983,
itens 2 e 4).
Da mesma forma, nas recomendações da 13ª Conferência, são explicitados alguns critérios de flexibilização de procura de trabalho, possibilitando o uso de
uma definição ampliada de desemprego:
In situations where the conventional means of seeking work
are of limited relevance, where the labour market is largely
unorganized or of limited scope, where labour absorption is,
at the time, inadequate or where the labour force is largely selfemployed, the standard definition unemployment given may be
applied by relaxing the criterion of seeking work
[…]
Countries may, however, depending on national circumstances
and policies, prefer to relax the seeking work criterion in the
case of persons temporarily laid off. In such cases, persons
temporarily laid off who were not seeking work but classified
as unemployed should be identified as a separate category
(ILO, 1983, item 10 (2 e 5)).
O manual da OIT, que orienta a operacionalização
de pesquisas domiciliares de população economicamente ativa, emprego, desemprego e subemprego,
identifica essa situação como uma categoria de desemprego, no capítulo 6, “Measurement of unemployment”:
Though the term “discouraged workers” is not explicitly
mentioned in the international standards, there are implicit
references to this category of workers in connection with the
provision for relaxing the seeking work criterion in situations
of “inadequate labour absorption” and with the suggestion that
“countries adopting the standard definition of unemployment
may identify persons not classified as unemployed who where
available for work but not seeking work during the reference
period and classify them separately under the population not
currently active”. This provision implies that under certain
conditions (situations where labour absorption is, at the
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
time, inadequate) discouraged workers could be considered as
unemployed if a relaxed definition of unemployment were
adopted (HUSSMANNS et al., 1990, p. 108).
Ressalte-se que, na definição do desemprego standard, as normas não associam o período de referência
para a captação da procura de trabalho ao curto período de referência adotado para captação do exercício
de trabalho. As providências de procura podem ser
referidas a um período maior (um mês ou quatro semanas), com o propósito de adequar esse período à
dinâmica do processo de procura de trabalho, no qual
existem interrupções de providências determinadas
por características próprias dos mercados nacionais
(HUSSMANNS et al., 1990, p. 99-100).
Em que pesem as flexibilizações já previstas nos
critérios operacionais das recomendações da OIT,
mesmo considerando-se a possibilidade de captação
do desemprego dos discouraged workers, ainda persistem situações ambíguas nas fronteiras entre as três
categorias classificatórias da força de trabalho, relacionadas ao conceito amplo de trabalho, ao critério de
prioridade de exercício de trabalho e ao curto período de referência para a identificação dos ocupados.
Essas limitações são identificadas por vários analistas de mercado de trabalho,2 assim como pela OIT,
ao reconhecer que as experiências nacionais, ao construírem critérios e definições acuradas para medição
dessas situações, possam contribuir para sua incorporação às normas internacionais.
To resolve borderline issues the definitions of employment and
unemployment need to be carefully interpreted in the light of
the particular aspects of the situations under scrutiny. This
requires sound definitions and accurate measurement tools. In
developing national definitions of labour force, employment
and unemployment, a balance should be reached between the
need for specific details essential to meaningful analysis of a
country’s particular employment situations and the need for
general principles to provide flexibility in the face of future
unanticipated situations. Starting with a set of definitions of
employment and unemployment, a body of experience is built
up as new situations are tackled over a period of time. This
experience can be called upon to resolve new borderline issues
and to augment the starting definitions of employment and
unemployment, and so on (HUSSMANNS et al., 1990,
p. 44-45).
A formulação dos conceitos adotados pela PED
para a classificação da condição de atividade da população em idade ativa, para atender a necessidade
de comparabilidade internacional, foi factível a partir
dessas flexibilidades consideradas nas recomendações
da OIT, sejam referidas diretamente aos próprios critérios classificatórios internacionais ou pela possibilidade de adoção de conceitos e definições nacionais
diferenciados, cujos indicadores possam ser redefinidos segundo o padrão internacional estabelecido.
CONCEITOS ADOTADOS PELA PED
Os principais conceitos adotados e a abrangência temática para caracterização das três categorias de condição de atividade da população correntemente ativa
da PED estão em sintonia com o seu propósito de
permitir a avaliação do mercado de trabalho sob uma
ótica socioeconômica e, ao mesmo tempo, expressar
a heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho
brasileiro.3
Nesse contexto, os conceitos da PED para a classificação da população em idade ativa nas categorias de
População Correntemente Ativa – diferenciando-a
como ocupada e desempregada – e de População
não Correntemente Ativa, foram formulados tendo
como pressuposto básico a existência de uma variedade de situações de trabalho e de disponibilidade
para trabalhar que não se expressam, exclusivamente,
na contraposição de situações opostas de trabalho e
não trabalho e de procura efetiva de trabalho e não
procura.
A classificação das situações limítrofes entre as
diferentes categorias de condição de atividade feita
exclusivamente com base nesses critérios leva à ocultação, por exemplo, de uma parcela de indivíduos que
deveriam ser classificados como desempregados, uma
vez que se encontram efetivamente procurando por
trabalho num contexto que lhes obriga a desenvolver
circunstancialmente atividades econômicas transitórias e eventuais, por meio do auto-emprego como
estratégia de sobrevivência. Da mesma forma, classiSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
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fica como ocupada a pessoa que, sem disponibilidade
para trabalhar, tenha exercido excepcionalmente, no
curto período de referência, uma atividade de autoocupação.
Coerente com seus fundamentos conceituais, a
metodologia da PED considera que os limites entre
as condições de atividade são muito tênues. Por isso,
a utilização de apenas esses dois critérios para a identificação e classificação da força de trabalho não só
conformaria uma tipologia insuficiente para descrição
das diferentes formas de relação da população com o
mundo do trabalho, como também levaria à superestimação da medição da população ocupada, que passa
a incorporar toda a heterogeneidade de inserção no
mercado de trabalho, limitando as demais categorias
somente às situações claramente homogêneas.
O desemprego, por exemplo, é definido pela PED
como um conjunto composto de situações diferenciadas, nas quais, além do desemprego aberto, incorpora duas formas ocultas de desemprego: o desemprego oculto pelo desalento e o desemprego oculto
pelo trabalho precário (exercício de “bicos” para sobreviver enquanto procura trabalho).
Para permitir a classificação da População em Idade Ativa – PIA, de forma a contemplar as situações
de desemprego e inatividade que estão nos limites
entre as três categorias de condição de atividade,
melhorando, assim, a capacidade de cada um desses
agregados expressar mais adequadamente as características de inserção dos indivíduos no mercado de
trabalho nacional, a PED amplia os parâmetros básicos utilizados para definição da população ocupada,
desempregada e inativa:
• procura efetiva de trabalho;
• disponibilidade para trabalhar com procura em
12 meses;
• situação de trabalho;
• tipo de trabalho exercido;
• necessidade de mudança de trabalho.
PROCURA EFETIVA DE TRABALHO
Essa pesquisa adota como período de referência da
procura efetiva de trabalho os 30 dias anteriores ao da
entrevista e considera como providências concretas de
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
procura as ações tomadas pelas pessoas com o intuito
de obter um trabalho assalariado ou abrir um negócio,
bem como a procura por mais clientes por parte do
trabalhador autônomo prestador de serviços.
A consideração da busca por clientes pelo trabalhador autônomo, enquanto providência de procura
e não como exercício de trabalho, deve-se ao reconhecimento da existência no país de parcela significativa de conta-próprias prestadores de serviços, que
somente exercem sua atividade após a contratação de
seus trabalhos e que, por isto, são mais sujeitos à descontinuidade de trabalho. Neste sentido, no período
de referência da procura, estas pessoas não trabalharam, mas somente procuraram clientes para dar prosseguimento ao seu trabalho de auto-ocupação.
A 14ª Conferência da OIT reconhece a dificuldade
de diferenciar a procura de clientes por parte do conta-própria, entre situação de procura ou exercício de
trabalho.4 No entanto, essas recomendações baseiamse na identificação do trabalhador por conta própria
como microempresário, pressupondo a existência de
um negócio estabelecido e com algum grau de capitalização.
Num mercado de trabalho como o brasileiro,
caracterizado pela grande disponibilidade de mãode-obra, as oportunidades de trabalho do indivíduo
identificado como autônomo, em espaços econômicos à margem das atividades produtivas das empresas
organizadas, são relativamente limitadas. Isto pode
levar parte desses trabalhadores à descontinuidade
de trabalho, por dificuldades de contratação de seus
serviços, inclusive daqueles que pretendem continuar
realizando um trabalho independente. Normalmente,
esses prestadores de serviços exercem estas ocupações sem, contudo, chegar a constituir-se ou consolidar-se como proprietário de um negócio.
DISPONIBILIDADE PARA TRABALHAR COM PROCURA EM 12 MESES
A PED optou por ampliar o período de procura por
trabalho, em vez de suprimi-la totalmente como possibilita as normas internacionais, para identificar a
parcela de trabalhadores desencorajados. Assim, essa
pesquisa para classificar as pessoas como desalentadas da procura efetiva exige que esses trabalhadores
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
tenham realizado procura ativa de trabalho nos últimos 12 meses e que os seus motivos de não procura, no período de referência, sejam derivados dos
desestímulos do mercado, por doenças ou problemas
familiares temporários, além de manifestarem, no
momento da entrevista, necessidade e disponibilidade para trabalhar.
SITUAÇÃO DE TRABALHO
O conceito de trabalho, que fundamenta o parâmetro
“situação de trabalho” adotado pela PED para a classificação da condição de atividade da PIA, é mais restrito que o proposto pela OIT. Isto porque considera
como trabalho somente o exercício de atividades econômicas, identificadas como aquelas que se destinam
ao mercado de bens e serviços, exercida em empresas
ou de forma individual pelo trabalhador autônomo
e pelo empregado doméstico, independentemente de
sua forma de remuneração. Portanto, são excluídas as
atividades relacionadas à produção de autoconsumo
e autoconstrução.
A PED considera como situação de trabalho a realização de todo trabalho remunerado exercido pelos
assalariados, empregadores, autônomos, trabalhadores que recebem exclusivamente por produção, biscateiros, bem como os religiosos, estagiários, aprendizes, etc., desde que ganhem alguma remuneração em
dinheiro. Também inclui o trabalho não remunerado,
quando este se refere às atividades dos trabalhadores
familiares sem remuneração salarial, que auxiliam negócios de parentes, independentemente do número
de horas dedicadas a esta atividade.
Por outro lado, exclui da situação de trabalho qualquer atividade instável de auto-ocupação, remunerada
ou não, realizada pela população não disponível para
trabalhar e que, ocasionalmente, o fez no período
curto de referência de exercício de trabalho. Essas
atividades são consideradas trabalhos excepcionais.5
Como pode ser observado, a definição de trabalho
da PED engloba critérios qualitativos diferenciadores
para a identificação de situações de trabalho e de não
trabalho, em função não só da finalidade da atividade produtiva, como também da prioridade dada pelo
indivíduo ao exercício deste trabalho, independente-
mente da sua dedicação a outras atividades, ou seja,
de sua disponibilidade real como força de trabalho
efetiva.
Essa restrição adotada pela PED é coerente com
as recomendações da OIT quanto à conceitualização
da força de trabalho como população atualmente disponível para trabalhar. O objetivo desta pesquisa, ao
excluir o exercício de trabalhos excepcionais da situação de trabalho, é evitar uma superestimação dos indivíduos com disponibilidade atual para trabalhar, dado
o caráter instável e descompromissado do exercício de
trabalho por parte de pessoas não disponíveis.
Considera-se situação de não trabalho o exercício de qualquer atividade não econômica, como, por
exemplo, trabalhos não remunerados da dona de
casa, do estudante, das pessoas que exercem trabalhos voluntários comunitários e as atividades produtivas realizadas em caráter excepcional pelas pessoas
não disponíveis para trabalhar.
TIPO DE TRABALHO EXERCIDO
Esse é um dos parâmetros essenciais para identificar
o desemprego oculto pelo trabalho precário. Para tanto, a PED considera dois tipos de trabalho exercido:
o trabalho casual e o trabalho regular ou estável.
O trabalho regular ou estável é definido pela PED
como
o trabalho assalariado por tempo indeterminado ou em caráter
temporário, o emprego doméstico mensalista, o do empregador
e as atividades estáveis de auto-ocupação remunerada, ou seja,
que tenham garantia de continuidade de trabalho e/ou de ganhos devido à existência de uma clientela fixa ou da capacidade de concorrer no mercado (FUNDAÇÃO SEADE/
DIEESE, 1995, p. 23).
O trabalho casual corresponde ao exercício de atividades de auto-ocupação remuneradas e instáveis,
cuja instabilidade é determinada pela falta ou intermitência de trabalho, sendo, portanto, conseqüência
direta das restrições do mercado em que é realizado.
No exercício dessas atividades, o indivíduo não tem
nenhuma garantia ou previsibilidade de que terá trabalho quando concluir o que está fazendo. Assim, a
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MARISE BOREN PIMENTA HOFFMANN/MARIA ALICE BEZERRA CUTRIM
instabilidade deste trabalho de auto-ocupação o diferencia do trabalho regular.
São também identificadas como trabalhos casuais as atividades sem remuneração salarial realizadas
pelo trabalhador familiar em ajuda de negócios de
parentes.
A distinção desses dois tipos de trabalho (regular e casual) responde à necessidade de identificar a
parcela da PEA em desemprego oculto pelo trabalho
precário. Isto é, indivíduos que realizam trabalhos
casuais de auto-ocupação como forma alternativa de
sobrevivência, enquanto tomam providências concretas em busca de um posto de trabalho, visto que não
os considera como tal em razão de sua intermitência
e instabilidade de ganhos e, até mesmo, pela falta de
remuneração.
Saliente-se que, em 1979, um grupo de trabalho da
Cepal, responsável por estudos relativos à medição
do emprego e renda por meio de pesquisas domiciliares, já levantava a necessidade de levar em consideração essa situação.
mais trabalho. O indivíduo deve pretender substituir
a atual atividade de auto-ocupação por um emprego
assalariado ou por um trabalho regular ou, até mesmo, buscar mudar de ofício ou de ocupação, conservando-se como trabalhador autônomo. Sendo assim,
a procura por mais clientes para continuar exercendo
a atual ocupação não é considerada necessidade de
mudança de trabalho.
A associação da necessidade de mudança de trabalho com o exercício de trabalho casual objetiva identificar a parcela em desemprego que, sob uma perspectiva social, encontra-se nas seguintes situações: sem
acesso a um emprego assalariado ou trabalho regular
de outra natureza; necessidade de realização de atividades eventuais e esporádicas ou não remuneradas de
ajuda a parentes para sobreviver, enquanto procura
por trabalho; e sem nenhuma perspectiva de alcançar estabilidade de trabalho e de ganhos no exercício
da atual atividade, dada as limitações do mercado de
trabalho.
AS CATEGORIAS DE CONDIÇÃO DE ATIVIDADE
Investigaciones sobre empleo realizadas en la región muestran
que una parte importante de las personas que se declaran
desempleadas durante el periodo de referencia habían realizado
sin embargo, ocasionalmente, algunas actividades remuneradas
en dicho periodo. Estos trabajos esporádicos, irregulares y
marginalmente productivos constituyen la forma en que,
particularmente los jefes de hogar, proveen un sustento mínimo
para sus familias mientras buscan una ocupación estable.
Según los propósitos que guíen el análisis de los datos
estos trabajadores ocasionales podrán clasificarse como ocupados
o desocupados (CEPAL, 1979, grifo das autoras).
NECESSIDADE DE MUDANÇA DE TRABALHO
Esse parâmetro foi introduzido pela PED também
para a definição da população em desemprego oculto
pelo trabalho precário.
A necessidade de mudança de trabalho deve ser
manifestada pelo indivíduo pela procura por outro
trabalho para substituir o atual. Cabe salientar que
esta providência, por parte do trabalhador autônomo, não se refere à procura por trabalho adicional ou
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA
A PEA é identificada como a força de trabalho disponível de dez anos e mais que, no período de referência básico da pesquisa, encontra-se ocupada ou
desempregada. Portanto, contribui ou está disposta
a contribuir com o seu trabalho para a produção de
bens e serviços destinados ao mercado.
Não integram a PEA as pessoas com exercício de
trabalhos para a produção de autoconsumo – produtos primários, autoconstrução e formação de capital
fixo –, bem como aquelas que realizam atividades
domésticas não remuneradas ou serviços voluntários
não remunerados e, ainda, os indivíduos sem disponibilidade para trabalhar e que exercem atividades de
auto-ocupação em caráter excepcional.
Para a PED, a disponibilidade da força de trabalho
se expressa na procura efetiva de trabalho, na disponibilidade para trabalhar com procura em 12 meses e
numa situação de trabalho. Embora a disponibilidade
de trabalho seja também considerada nas pesquisas
convencionais que utilizam a definição standard de
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
desemprego, esse conceito apresenta-se restrito, uma
vez que é manifestada somente na procura efetiva de
trabalho, realizada num curto período de referência,
e na dedicação de pelo menos uma hora no exercício
de qualquer tipo de trabalho no período de referência
básico.
POPULAÇÃO DESEMPREGADA
Refere-se à parcela da PEA formada pelas pessoas
em desemprego aberto (standard) e em desemprego
ampliado (desestimulados pelo mercado; com interrupção temporária circunstancial; aguardando resposta ou procurando substituir o trabalho irregular/
precário de auto-ocupação).
Assim, compreende todos os indivíduos com
disponibilidade e necessidade de trabalhar, expressa
pelo não acesso a um posto de trabalho combinado à
procura efetiva de trabalho ou à disponibilidade atual
para trabalhar com procura em 12 meses, bem como
pela busca para substituir o atual trabalho casual de
auto-ocupação.
A população desempregada é diferenciada em três
tipos de desemprego: aberto, oculto pelo desalento e
oculto pelo trabalho precário.
Desemprego Aberto
Pessoas que se encontram na seguinte situação:
• sem emprego assalariado ou trabalho independente nos últimos sete dias;
• que tenham tomado providências concretas para
obter um emprego assalariado ou um trabalho independente nos últimos 30 dias.
Vale lembrar que, as providências para obtenção
de trabalho independente inclui, além das medidas
concretas para a abertura de uma empresa ou negócio, a procura de clientes por parte do conta-própria
que presta serviços após a contratação de seus trabalhos. Sendo assim, é captada a situação de desemprego aberto também entre estes trabalhadores.
Desemprego Oculto pelo Desalento
Refere-se às pessoas sem trabalho e desestimuladas
da procura efetiva de trabalho, isto é, que se encontram nas seguintes situações:
• sem emprego assalariado ou trabalho independente nos últimos sete dias;
• com disponibilidade e necessidade de trabalhar no
momento da pesquisa;
• não procuraram trabalho nos últimos 30 dias, devido as dificuldades do mercado de trabalho, mas
procuraram efetivamente nos últimos 12 meses;
ou interromperam a procura de trabalho nos últimos 30 dias porque estão aguardando resposta, ou
por motivos circunstanciais como doença, ou problemas familiares, mas procuraram efetivamente
nos últimos 60 dias.
Desemprego Oculto pelo Trabalho Precário
Pessoas que realizaram algum trabalho casual de
auto-ocupação nos últimos 30 dias e cuja procura foi
para substituir este trabalho, encontrando-se, portanto, nas seguintes situações:
• com trabalho casual de auto-ocupação – atividades remuneradas eventuais e instáveis ou trabalho
não remunerado de ajuda a negócios de parentes
– nos últimos 30 dias;
• que visando substituir o trabalho casual de autoocupação que realiza, em simultâneo ao exercício
desta atividade, tenham tomado providências concretas para obter um emprego assalariado ou um
trabalho independente regular.
POPULAÇÃO OCUPADA
Refere-se à parcela da PEA formada pelas pessoas
que trabalharam nos últimos sete dias em trabalhos remunerados em dinheiro e/ou em espécie/benefícios,
como assalariado, estagiário ou membro das forças
armadas; ou em trabalho independente, como contaprópria, empregador, membros de cooperativa de produção; ou como trabalhador familiar não remunerado.
Inclui também os assalariados, desde que mantido o vínculo empregatício, bem como outros trabalhadores que estejam temporariamente afastados de
seu posto de trabalho por motivos de doença, férias,
licenças, mau tempo, avarias mecânicas, greves, etc.
Não são classificados como ocupados os indivíduos
que realizaram trabalhos casuais de auto-ocupação
com procura de trabalho e necessidade de mudanSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
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ça e aqueles não disponíveis para trabalhar, mas que
exerceram trabalhos excepcionais porque lhes sobrou
tempo de seus afazeres habituais.
POPULAÇÃO INATIVA DE 10 ANOS E MAIS
A população inativa ou não correntemente ativa corresponde à parcela da PIA não ocupada ou desempregada e que, portanto, não tem disponibilidade atual para trabalhar, encontrando-se, portanto, em uma
das seguintes situações:
• Inativo sem trabalho: pessoas sem trabalho, sem procura efetiva de trabalho, e sem disponibilidade para
trabalhar, porque o seu tempo é dedicado a outras
atividades não vinculadas ao mercado de trabalho,
ou porque não têm condições físicas e/ou mentais
de exercer um trabalho, ou porque não têm necessidade de trabalhar.
• Inativo com trabalho excepcional: pessoas que não procuraram trabalho e que, excepcionalmente ou casualmente, realizaram algum trabalho de auto-ocupação nos últimos 30 dias só porque lhes sobrou
tempo de seus afazeres principais.
As definições de condição de atividade, descritas
acima, mostram que as inovações introduzidas pela
PED referem-se, principalmente, ao indicador de desemprego que incorpora algumas situações fronteiriças
que, na classificação mais tradicional, são identificadas
como integrantes da população ocupada ou inativa.
A taxa de desemprego total dessa pesquisa equivale à soma dos três tipos de desemprego apresentados,
revelando não só a proporção da PEA em desemprego aberto, mas também incorporando aqueles
ocultos por aparente situação de trabalho, o que leva
outras pesquisas a considerá-los ocupados, ou pelo
desalento da procura que faz com que sejam identificados como inativos. Essas duas últimas situações
– desemprego oculto pelo trabalho precário e desemprego oculto pelo desalento – procuram explicitar
algumas formas de exclusão ocupacional que se expressam nas fronteiras entre desemprego, ocupação
e inatividade.
Vale observar que o desemprego aberto da PED
é compatível ao desemprego standard, tal como recomendado pelas normas da OIT para efeito da compaSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
rabilidade internacional. Na divulgação nacional dos
resultados da PED, são apresentadas as diferentes categorias de desemprego adotadas por essa pesquisa,
permitindo aos usuários identificar a situação mais
clássica de desemprego.
As informações proporcionadas pela PED permitem identificar uma clara sensibilidade de suas taxas
de desemprego para expressar as flutuações ocorridas no mercado de trabalho, assim como sinalizar
os efeitos mais permanentes das transformações na
estrutura produtiva que têm repercutido diretamente
na menor capacidade do mercado de trabalho em absorver a população economicamente ativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência metodológica da PED coloca para reflexão alguns aspectos importantes a serem destacados.
Em primeiro lugar, está a questão de como compatibilizar o propósito de gerar estatísticas que permitam a comparabilidade internacional – em especial
das estatísticas sociais –, tornando-as, ao mesmo
tempo, mais adequadas para expressarem as características específicas de uma sociedade e mercado de
trabalho heterogêneos.
Nesse sentido, a experiência da PED é similar à de
outros países, em seus intentos de gerar estatísticas
nacionais que correspondam mais adequadamente à
sua realidade e aos objetivos de políticas econômicas
e sociais.
Assim, o caminho escolhido foi interpretar, de
forma flexível, as normas da OIT vigentes, seja pela
utilização das flexibilidades já previstas nestas normas
para aplicação de alguns de seus critérios (em especial
os relativos à categoria do desemprego), seja interpretando o seu espírito, quando reconhece a possibilidade de os países adequarem as estatísticas aos seus
objetivos e realidades nacionais, e até mesmo pela sugestão para que sejam adotados procedimentos que
permitam gerar e identificar indicadores para efeito
de comparabilidade internacional, caso as categorias
nacionais produzidas sejam distintas das recomendadas nas normas internacionais vigentes.6
Uma questão que merece ser salientada refere-se
ao seu esforço em enfatizar a necessidade de que as
A CLASSIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA PED
três categorias de condição de atividade da população
reflitam sua dimensão social. Destaca-se, neste sentido, sua medição do desemprego, que incorpora os
trabalhadores que são obrigados a realizar trabalhos
ocasionais de auto-ocupação, dada a fragilidade de
mecanismos de proteção social ao desemprego e em
razão das dificuldades encontradas para sobreviver
enquanto procuram trabalho.
Cabe lembrar que esse enfoque da PED encontra
respaldo nas origens da classificação internacional
quando medir o desemprego era a preocupação
central das estatísticas e o acesso ao trabalho era
considerado explicitamente um direito do cidadão
(BESSON, 1995).
O caráter subordinado da identificação do desemprego em relação ao exercício de qualquer trabalho
(mesmo aquele exercido por apenas uma hora na semana de referência) é explicado pela dificuldade de
delimitação das fronteiras entre trabalho e não trabalho nas economias e mercados de trabalho muito
heterogêneos, bem como na crescente prioridade da
dimensão econômica no uso e determinação destas
estatísticas. Assim, estas estatísticas são reconhecidas
e validadas pela sua capacidade de gerar indicadores
para a análise da subutilização da força de trabalho,
para o acompanhamento do nível de atividade econômica e, até mesmo, como subsidiárias ao sistema que
mede a produção nacional.
Em decorrência disso, a taxa de desemprego perde
sua expressão como única medida de subutilização e,
por ser restrito, perde também a capacidade de expressar todas as situações de desemprego vividas pela
população economicamente ativa em busca do acesso
a um posto de trabalho. Em contrapartida, a respectiva taxa de ocupação global perde sua capacidade de
mensurar a geração de ocupação/postos de trabalho,
dada a ampla definição de trabalho adotada.
Ainda com relação a esse aspecto, vale lembrar que
as categorias contidas nas normas internacionais resultam de um consenso internacional e expressam, na
sua evolução, os avanços alcançados pelas estatísticas
nacionais de vários países que, ao longo do tempo,
têm contribuído para a ampliação e renovação dos
padrões internacionais adotados.
Num mundo como o de hoje, caracterizado por
grandes transformações no mercado de trabalho, que
esboça como uma de suas características mais marcantes a proliferação de variadas formas de desemprego e trabalho, torna-se cada vez mais importante
que cada país faça esforços para produzir estatísticas
que permitam a construção de indicadores mais aderentes à realidade nacional, o que não só possibilitará a aferição mais adequada das suas especificidades,
como também poderá, em contraponto com outras
experiências nacionais, contribuir para o avanço das
normas internacionais.
Notas
da empresa deve ser considerada atividade de procura, enquanto as atividades após o registro seriam consideradas atividades
de trabalho de auto-emprego. Nas situações em que as empresas não requerem o registro formal para entrar em operação
sugere que a linha divisória está no momento da primeira encomenda por parte da empresa, ou quando os recursos tornaram-se disponíveis, ou quando a infra-estrutura necessária já
foi concluída.
1. Essa expectativa fundamentava-se na abertura da economia
e adoção de um novo modelo de crescimento econômico, em
que as forças do mercado globalizado alavancariam um processo renovador de seu parque industrial, das suas atividades
agrícolas e serviços, inclusive do setor público.
2. Ver, por exemplo, Comte (1995) e Pok e Trabuchi (1995),
entre outros.
3. O questionário da PED foi desenhado com o objetivo de
agilizar a captação da condição de atividade, além de investigar
características básicas e novos aspectos relacionados ao perfil
ocupacional que não serão abordados neste artigo.
4. A 14ª Conferência propõe um tratamento para identificação da situação de trabalho entre estes trabalhadores. Neste
caso, a linha divisória estaria dada pelo momento em que a
empresa passa a existir formalmente, por exemplo, quando ela
é registrada. Dessa forma, qualquer atividade antes do registro
5. “O trabalho excepcional refere-se às atividades produtivas
desenvolvidas de forma acidental, geralmente paralelamente
aos afazeres domésticos ou de estudo, não restando a disponibilidade de tempo dos indivíduos comprometida com o
mundo do trabalho, tendo em vista sua extrema inconstância e
irregularidade” (TROYANO et. al., 1985).
6. Estas flexibilizações estão em consonância com o caráter das
resoluções internacionais nesta matéria, uma vez que as mesmas
são apenas recomendações e não impõem constrangimentos legais para sua aplicação. (HOFFMANN; BRANDÃO, 1996).
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MARISE BOREN PIMENTA HOFFMANN
Socióloga, Coordenadora do Dieese na PED/RMSP
([email protected])
MARIA ALICE BEZERRA CUTRIM
Economista, Gerente de Pesquisas de Campo da Fundação Seade
([email protected])
Artigo recebido em 26 de setembro de 2006.
Aprovado em 19 de de zembro de 2006.
Como citar o artigo:
HOFFMANN, M.B.P.; CUTRIM, M.A.B. A classificação da condição de atividade na PED. São Paulo em Perspectiva, São Paulo,
Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 18-35, out./dez. 2006
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AJUSTE SAZONAL E PREVISÃO
DA TAXA DE DESEMPREGO NA REGIÃO
METROPOLITANA DE SÃO PAULO
M ARCELO P ITTA
M ITTI K OYAMA
Resumo: Este artigo apresenta uma proposta inicial de política de divulgação da taxa de desemprego total descontado o efeito sazonal. Em linhas gerais,
o texto apresenta a metodologia utilizada para dessazonalização e previsão para três meses consecutivos da taxa de desemprego total
obtida na Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade
em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos – Dieese.
Palavras-chave: Dessazonalização. Taxa de desemprego. X12-ARIMA.
Abstract: This article presents an initial proposal to seasonal adjustment of the labor force survey unemployment rate, monthly released
in Employment and Unemployment Survey – PED carried out by Seade and Dieese. It shows the general
methodological guidelines for the seasonal adjustment and three months forecasts.
Key words: Seasonal adjustment. Unemployment rate. X12-ARIMA.
A
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos – Dieese tem por objetivo retratar a evolução mensal da situação do mercado de
trabalho, no que diz respeito principalmente à situação ocupacional das pessoas (ocupados e desempregados).
Neste artigo, apresenta-se uma proposta inicial de política de divulgação da taxa de desemprego total descontado o efeito sazonal.
A proposta aqui apresentada prevê a utilização de dois modelos em conjunto: Modelos de Espaços de
Estado – MEE e a Metodologia X12-ARIMA. Ambos permitem a dessazonalização de séries temporais econômicas.
O primeiro é mais utilizado na construção de indicadores econômicos em pequenas áreas1 e o segundo na
dessazonalização propriamente dita de séries econômicas e, na verdade, é o mais utilizado. A utilização dos dois
modelos permite a validação dos resultados obtidos e, com a utilização do MEE, pretende-se divulgar, juntamente com a série dessazonalizada e de tendências, previsões para um período curto (três meses) sobre a taxa
de desemprego total. Apenas o MEE permite a construção de intervalos de confiança (regiões abrangentes)
para as taxas de desemprego futuras.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
AJUSTE SAZONAL E PREVISÃO DA TAXA DE DESEMPREGO NA...
PED, BREVE DESCRIÇÃO
Desde 1984, a PED é realizada pela Fundação Seade
em parceria com o Dieese na Região Metropolitana
de São Paulo – RMSP, visando fornecer informações
sobre os ocupados e os desempregados. São divulgadas mensalmente diversas taxas e índices que permitem interpretar e acompanhar a evolução do mercado de trabalho da RMSP. Os resultados divulgados
correspondem a uma média móvel ponderada de três
meses para cada uma das estatísticas apresentadas.
Ou seja, em janeiro, a taxa de desemprego divulgada
é dada por:
Td Jan /t =
Des Jan /t + Des Dez /t −1 + Des Nov/t −1
PEA Jan /t + PEADez /t −1 + PEANov/t −1
utilizada para dessazonalização de séries temporais
econômicas; ela consiste da aplicação de filtros lineares sucessivos para estimação de componentes da série: tendência, sazonalidade, ciclo. A metodologia de
MEE também estima diversas componentes não observáveis, como tendência, sazonalidade e ciclo, considerando sua evolução no tempo segundo uma equação com propriedades e distribuição de probabilidade
bem definida. O primeiro método é não-paramétrico
e o segundo, paramétrico. As duas metodologias serão utilizadas de forma a comparar resultados e, no
caso da segunda, estimar intervalos de confiança para
previsões. A seguir, as metodologias são descritas de
forma sucinta.
MODELOS DE ESPAÇOS DE ESTADO
onde,
Td Jan /t é a taxa de desemprego de janeiro do ano t;
Des Jan /t é o total de desempregados em janeiro
do ano t;
PEA Jan /t é o total da população economicamente
ativa em janeiro do ano t.
Algumas séries divulgadas apresentam, como
diversas séries econômicas, características de movimentos cíclicos intra-anuais. Tal comportamento é
denominado sazonalidade e está associado aos meses
do ano. No caso da taxa de desemprego total divulgada na PED, este comportamento não está associado
a um único mês, mas à conjunção de três meses. Para
uma melhor avaliação da tendência e do movimento
de uma série temporal, esta componente cíclica deve
ser descontada, uma vez que ela está fortemente associada à fase do ano e não ao fenômeno, em questão, o
desemprego. A partir da dessazonalização, obtém-se
uma série com indicações mais precisas da tendência
do fenômeno em estudo.
BASE DE DADOS E MÉTODOS UTILIZADOS
A base de dados analisada neste artigo corresponde
às taxas de desemprego total e aos índices de ocupação total, a partir de janeiro de 1985 até agosto
de 2006 (261 observações). Para a dessazonalização,
serão utilizadas duas metodologias: X12-ARIMA e
MEE. A metodologia X12-ARIMA é amplamente
A principal característica desta formulação é considerar a observação da série temporal como a resposta
(saída) de um sistema, do qual se deseja conhecer o
mecanismo gerador. O diagrama apresentado (Figura 1) ilustra esta descrição.
Um exemplo bastante simples de aplicação deste
tipo é a observação de sinais de rádio. Inicialmente,
a estação de rádio envia um sinal que, até chegar ao
nosso aparelho, foi contaminado por diversas fontes
de intervenção: altitude, temperatura, etc. O sinal recebido no nosso rádio é, então, um sinal que já foi filtrado e reproduz, a menos de pequenas imperfeições,
o sinal original da estação transmissora.
Os modelos estruturais básicos, que são os utilizados neste estudo, representam processos geradores
com uma componente de tendência, uma de sazonalidade e uma de erro, por exemplo. O erro é o equivalente do ruído no sinal enviado por uma estação de
rádio. Tais modelos são usualmente utilizados quando
se deseja conhecer e interpretar suas componentes.
Na formulação de espaços de estado, cada uma
das componentes tem um comportamento ou uma
evolução. A tendência corresponde a um movimento suave e contínuo de longo prazo, cujo padrão de
comportamento pode variar de forma estocástica ao
longo do tempo. A sazonalidade, por sua vez, corresponde a flutuações periódicas intra-anuais ocorridas
em função das características específicas inerentes
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
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38
MARCELO PITTA/MITTI KOYAMA
Figura 1
Representação do Processo de Geração e Observação de um Sinal
Sinal
Fontes de ruído
Medição
aos meses ou estações do ano. Estas duas componentes são as que, usualmente, estão presentes em
séries temporais.
Existe ainda uma outra componente que pode ser
considerada: a cíclica. Esta corresponde a um movimento similar ao observado para a sazonalidade, só
que seu período de repetição é diferente – maior,
em geral – e corresponde a variações periódicas na
tendência. Em muitos casos, justifica-se a introdução
desta componente no modelo, mas nem sempre se
consegue determinar com facilidade a freqüência de
sua ocorrência ou mesmo identificá-la.
Nos MEEs, a representação de uma série temporal se dá por meio de duas equações distintas: a
equação de observação e a equação de transição. Estas descrevem o que, a princípio, se deseja conhecer/
representar de nosso conjunto de dados. A equação
de observação relaciona o valor observado da série ao
estado do sistema no instante t. A equação de transição relaciona o estado do sistema no instante t ao estado do sistema no instante t-1. O estado corresponde às componentes não observáveis que compõem o
sinal, de acordo com o modelo proposto pelo analista
(HARVEY, 1989). O objetivo deste tipo de representação é permitir, a partir dos dados observados, a extração do sinal na presença de ruído.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
Observação
REPRESENTAÇÃO DE SÉRIES TEMPORAIS
EM MODELOS DE ESPAÇOS DE ESTADO
Representa-se uma série temporal yt, por meio de
MEEs construindo uma relação entre as observações
e um vetor de estados. Tal representação é dada pelo
sistema:
yt = Z΄α + I
t
~ t ~t
t= 1, 2,... T
(A)
(B)
αt = Ttα~ t-1 + Gtηt
~
no qual
T é o número de observações da série temporal;
é o vetor de dimensão 1xm que associa o vetor
de estados às observações;
é o ruído associado à observação no instante t,
para o qual:
E(It ) = 0
Var (It ) = σI2
Cov (It , It –1) = 0
l ≠ 0
é o vetor de estados de dimensão mx1 no
instante t;
AJUSTE SAZONAL E PREVISÃO DA TAXA DE DESEMPREGO NA...
Tt é a matriz de transição do estado no instante t-1
para o instante t de dimensão mxm;
Gt é uma matriz de dimensão mxg;
é o vetor de dimensão gx1 de ruídos associados
às componentes do vetor de estados, tal que:
E(ηt ) = 0
~
~
martiz gxg
Var (ηt ) = Ση
~
Cov (ηt , ηt –1) = 0 ∀l ≠ 0
~
~
Cov (η~ t , Iu ) = ~0
~
∀t, u
A equação (A) é denominada equação de observação, enquanto a equação (B) é chamada equação de
transição. As matrizes Tt , Gt , , o vetor e o escalar σ , são denominados, respectivamente, matrizes,
vetor e escalar do sistema. O vetor e as matrizes Tt,
Gt podem variar no tempo. Quando estas matrizes e
vetores são constantes, o modelo é denominado invariante no tempo, e pode-se suprimir o índice t.
Uma vez representado o modelo na forma de espaços de estados, para estimação de seus componentes é necessário, também, conhecer os valores de
e . Na prática, estes valores não são conhecidos e
devem ser estimados juntamente com as componentes do vetor de estados. Tais quantidades são denominadas hiperparâmetros (HARVEY, 1989).
O método de estimação das componentes não observáveis do vetor de estados utilizado neste artigo
é o filtro de Kalman. Este método recursivo de estimação foi desenvolvido originalmente por Kalman
(1960) e, posteriormente, aprimorado em Kalman e
Bucy (1961). Os hiperparâmetros do modelo são estimados por máxima verossimilhança, conjuntamente com o vetor de estados, internamente ao filtro de
Kalman.
X12-ARIMA
O método X12-ARIMA é considerado como padrão
para se ajustar sazonalmente as estatísticas oficiais. O
programa X12-ARIMA, desenvolvido pelo U.S. Census Bureau, incorpora uma série de novas ferramentas
que introduzem melhorias em alguns problemas de
ajustamentos em relação ao seu antecessor, o X11ARIMA (GWEKE, 1978; DAGUM, 1988). Além
disso, esse programa incorpora uma variedade de novos diagnósticos para auxiliar na detecção e solução
de ajustamentos sazonais inadequados bem como
efeitos de calendários.
Entretanto, a grande inovação deste programa é a
inclusão do regARIMA. Tal fato permitiu a incorporação de regressores para explicar o comportamento
médio da série temporal e um processo ARIMA na
estrutura de covariâncias da série. Na possibilidade de
ajustar modelos que levam em consideração mudanças de níveis da série, isto implica efeitos de dias úteis
(trading days) e feriados. O ajustamento sazonal pode
ser Aditivo ou Multiplicativo:
Modelo Aditivo: Tdt = Tt + St + It
Modelo Multiplicativo: Tdt = Tt × St × It
onde,
T = Tendência, S = Sazonalidade, I = Irregularidade.
Em geral, o Modelo Multiplicativo é utilizado
quando a série não apresenta homocedasticidade
(variância constante ao longo do tempo). Os passos
básicos do método são:
• Passo 1: aplica-se uma média móvel para obtenção
da estimativa preliminar de tendência;
• Passo 2: elimina-se a tendência por meio da divisão (ou subtração, no caso de Modelo Aditivo) da
série original pela série resultante no Passo 1. A série resultante é uma estimativa preliminar da série
dessazonalizada (sazonalidade e irregularidade).
• Passo 3: outliers são detectados e tratados;
• Passo 4: uma média móvel é aplicada sobre a série resultante no Passo 2 para estimar a sazonalidade, S;
• Passo 5: dividindo-se a série original (ou subtraindo-se) a série resultante do Passo 4, obtém-se a
série sazonalmente ajustada;
• Passo 6: o filtro de Hendersen é aplicado para melhorar a estimativa da tendência.
Estes passos são repetidos até que as componentes resultantes sejam consideradas estáveis. Para tanto, algumas estatísticas de ajuste são fornecidas pelo
programa.
No X12-ARIMA com a incorporação dos efeitos
do calendário, dias úteis, etc. (Kt), teremos os seguintes modelos para a série da Taxa de Desemprego (Td)
ajustada sazonalmente:
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
39
40
MARCELO PITTA/MITTI KOYAMA
Modelo Aditivo:
STdt = Tdt - (St + Kt ) = Tt + It
Modelo Multiplicativo:
STdt =
Tdt
= Tt × It
St × Kt
AJUSTE DOS MODELOS: MODELOS
DE ESPAÇOS DE ESTADOS
Os MEEs ajustados correspondem aos modelos que
apresentaram os melhores resultados de ajuste, no
que diz respeito às hipóteses feitas acerca dos resíduos. Como apresentado anteriormente, a taxa de
desemprego total publicada refere-se à conjunção de
informações de três meses consecutivos. Este procedimento visa minimizar o erro amostral a cada mês,
sem aumentar a amostra mensal, o que acarretaria
demasiado aumento de custo de coleta. No caso dos
MEEs, optou-se pelo ajuste da série de taxas mensais de desemprego total: tal número não é publicado, mas apresenta um comportamento de mais fácil
modelagem.
De fato, a taxa de desemprego atualmente publicada diferencia-se pouco da média das taxas mensais de
três meses. Sendo assim, o ajuste da série mensal permitiria a reconstrução da série publicada por meio da
média trimestral. Foram ajustados diversos modelos,
buscando-se, entre eles, aqueles com menor número
de componentes (mais parcimoniosos) e que fossem
adequados do ponto de vista das hipóteses sobre os
resíduos. Os resultados de estatísticas de adequação
dos ajustes são apresentados no Quadro 1.
O modelo ajustado que se mostrou satisfatório foi:
yt = θt + It
θt = Lt + St
com:
•
Lt = Lt –1 + ηtL
St = – j=1
ΣSt – j + ηSt
σ
Quadro 1
Estatísticas de Ajuste do Modelo de Espaços de Estados
Defasagem
Autocorrelação dos Resíduos
Coefi ciente
Desvio Padrão
Estatística t
1
0,01036
0,064229
0,16
2
-0,069099
0,064217
-1,08
3
-0,076878
0,064352
-1,19
4
0,016777
0,064398
0,26
5
0,061682
0,064162
0,96
6
-0,114346
0,064136
-1,78
7
0,067842
0,064136
1,06
8
0,086971
0,064162
1,36
9
-0,067002
0,064398
-1,04
10
0,024218
0,064352
0,38
11
0,02221
0,064217
0,35
12
-0,099525
0,064229
-1,55
Valor
Prob > ChiSq
2,1568
0,3401
Teste de Normalidade Jarque-Bera Estatística
Fonte: Fundação Seade.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
AJUSTE SAZONAL E PREVISÃO DA TAXA DE DESEMPREGO NA...
•
σ
•
e
σ
,
e não correlacionadas,
com Lt e St correspondendo, respectivamente, ao nível da série e a sazonalidade no instante t, sendo que
ambos variam estocasticamente ao longo do tempo.
Este modelo apresentou, do ponto de vista de
adequação das hipóteses dos resíduos, não-autocorrelação e normalidade (Quadro 1).
Ajustou-se no método X12-ARIMA um Modelo Aditivo, sendo identificado um modelo ARIMA
(2,1,2)(0,1,1) sem efeitos de outliers ou dias úteis, tendo passado pelos testes de diagnósticos.
A série sazonalmente ajustada corresponde à série de dados originais descontando-se a componente
estimada da sazonalidade. Tal componente é estimada nos dois modelos apresentados. A série de tendência corresponde à série temporal estimada desta
componente, via ambos os modelos.
O Gráfico 1 apresenta a série histórica da taxa de
desemprego total, entre janeiro de 1985 e agosto de
2006, e as séries sazonalmente ajustadas pelos dois
métodos.
Os dois métodos apresentam pequenas diferenças
ao longo do tempo, mas nenhuma que se mostre significativa ou com grande variação de comportamento
(uma sobe e outra desce em um mês).
No Gráfico 1 nota-se uma tendência nítida de
queda da taxa de desemprego total a partir de abril
de 2004.
O Gráfico 2 apresenta a taxa de desemprego total e a tendência estimada pelas duas metodologias.
Para esta informação, os modelos são ainda mais parecidos, com maior convergência de resultados que a
apresentada anteriormente.
A partir dos modelos ajustados, X12-ARIMA
e MEE, foi feita uma avaliação das previsões a um
passo (previsão de um mês por vez). A partir desta
análise, verificou-se que o MEE mensal com agre-
Gráfico 1
Taxa de Desemprego Total e Sazonalmente Ajustada
Região Metropolitana de São Paulo – 1996-2006
X12 Arima
21,00
MEE
Taxa de Desemprego Total
%
20,00
19,00
18,00
17,00
16,00
15,00
14,00
m
ja
n/
19
ai 96
/1
se 99
t/1 6
ja 996
n/
1
m 99
ai 7
/1
se 99
t/1 7
ja 997
n/
1
m 99
ai 8
/1
se 99
t/1 8
ja 998
n/
1
m 99
ai 9
/1
se 99
t/1 9
ja 999
n/
2
m 00
ai 0
/2
se 00
t/2 0
ja 000
n/
2
m 00
ai 1
/2
se 00
t/2 1
ja 001
n/
2
m 00
ai 2
/2
se 00
t/2 2
ja 002
n/
2
m 00
ai 3
/2
se 00
t/2 3
ja 003
n/
2
m 00
ai 4
/2
se 00
t/2 4
ja 004
n/
2
m 00
ai 5
/2
se 00
t/2 5
ja 005
n/
2
m 00
ai 6
/2
00
6
13,00
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
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MARCELO PITTA/MITTI KOYAMA
Gráfico 2
Taxa de Desemprego Total e Tendência
Região Metropolitana de São Paulo – 1996-2006
X12 Arima
MEE
Taxa de Desemprego Total
21,00
20,00
19,00
18,00
17,00
16,00
15,00
14,00
m
ja
n/
19
ai 96
/1
se 99
t/1 6
ja 996
n/
1
m 99
ai 7
/1
se 99
t/1 7
ja 997
n/
1
m 99
ai 8
/1
se 99
t/1 8
ja 998
n/
1
m 99
ai 9
/1
se 99
t/1 9
ja 999
n/
2
m 00
ai 0
/2
se 00
t/2 0
ja 000
n/
2
m 00
ai 1
/2
se 00
t/2 1
ja 001
n/
2
m 00
ai 2
/2
se 00
t/2 2
ja 002
n/
2
m 00
ai 3
/2
se 00
t/2 3
ja 003
n/
2
m 00
ai 4
/2
se 00
t/2 4
ja 004
n/
2
m 00
ai 5
/2
se 00
t/2 5
ja 005
n/
2
m 00
ai 6
/2
00
6
13,00
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Gráfico 3
Taxa de Desemprego Total, Intervalos de Confiança do MEE e Previsão de Três Meses
Região Metropolitana de São Paulo – 2005-2006
Taxa de desemprego total
Limite inferior
Limite superior
20,00
19,00
18,00
17,00
16,4
16,3 16,3
16,00
15,3
15,00
14,6
14,2
14,00
13,00
14,1
13,2
12,1
12,00
ja
n/
20
05
fe
v/
20
05
m
ar
/2
00
5
ab
r/2
00
5
m
ai
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00
5
ju
n/
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ju
l/ 2
00
5
ag
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se
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00
ou 5
t/2
00
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v/
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05
de
z/
20
05
ja
n/
20
06
fe
v/
20
06
m
ar
/2
00
6
ab
r/2
00
6
m
ai
/2
00
6
ju
n/
20
06
ju
l/ 2
00
6
ag
o/
20
06
se
t/2
00
ou 6
t/2
00
6
no
v/
20
06
42
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
AJUSTE SAZONAL E PREVISÃO DA TAXA DE DESEMPREGO NA...
gação trimestral para publicação, fornecia previsões
melhores, em média. Na verdade, a soma dos erros
de estimação no MEE é 53% menor que no modelo X12-ARIMA. Por este motivo, recomenda-se divulgar as previsões dadas pelo MEE. O Gráfico 3
apresenta as previsões para os meses de setembro a
dezembro de 2006, em intervalos de confiança, e os
valores realmente observados.
A previsão pontual corresponde à média do intervalo. No caso apresentado no gráfico, a diferença
entre as previsões pontuais e a taxa observada é inferior a 0,2%.
e a de desalento permaneceu estável em 1,5% (FUNDAÇÃO
SEADE/DIEESE, jul. 2005).
A taxa de desemprego total na RMSP permaneceu relativamente estável entre junho e julho, ao passar de 16,8% para
16,7%, comportamento esperado para o período [...]. Esse
resultado decorreu de movimentos semelhantes das taxas de
desemprego oculto, que passou de 5,5% para 5,4%, e de desemprego aberto, que, pelo segundo mês consecutivo, manteve-se
inalterada em 11,3% [...]. Entre as componentes da taxa de
desemprego oculto, houve pequena oscilação negativa daquela
de desemprego oculto pelo trabalho precário (de 4,1% para
3,9%) e relativa estabilidade da taxa de desemprego oculto pelo desalento (de 1,4% para 1,5%) (FUNDAÇÃO
SEADE/DIEESE, jul. 2006).
AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS
Para avaliar os resultados, foram selecionados dois
trechos de informativos mensais da PED, de julho de
2005 e julho de 2006:
As análises foram feitas com base nas informações
originais das taxas de desemprego total. A utilização
das taxas de desemprego dessazonalizadas forneceria avaliações distintas, e podemos considerar que os
textos seriam:
Em julho, em comportamento atípico para o período, a taxa de
desemprego total na RMSP permaneceu em 17,5% da PEA,
pelo quarto mês consecutivo [...]. Segundo suas componentes, a
taxa de desemprego aberto passou de 11,0% para 10,8%, a de
desemprego oculto pelo trabalho precário, de 5,1% para 5,2%,
Em julho a taxa de desemprego total (dessazonalizada) na
RMSP teve um pequeno aumento de 0,1 pontos percentuais
Gráfico 4
Taxa de Desemprego Total e Sazonalmente Ajustada
Região Metropolitana de São Paulo – 2005-2006
Sazonalmente Ajustado
%
Taxa Desemprego Total
19,00
18,50
18,00
17,50
17,00
16,50
16,00
15,50
15,00
jan.
fev.
mar.
abr.
maio
jun.
jul.
ago.
set.
out.
nov.
dez.
jan.
fev.
mar.
abr.
maio
jun.
jul.
ago.
2006
2005
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
43
44
MARCELO PITTA/MITTI KOYAMA
em relação ao mês anterior, seguindo a mesma tendência de
aumento observada a partir do mês de abril (FUNDAÇÃO
SEADE/DIEESE, jul. 2005).
A taxa de desemprego total (dessazonalizada) na RMSP
permaneceu relativamente estável entre junho e julho, ao passar de 16,3% para 16,2% (FUNDAÇÃO SEADE/
DIEESE, jul. 2006).
A análise da taxa de desemprego dessazonalizada
apresenta avaliação mais precisa do que a obtida apenas por meio da base original. No primeiro período, a
análise da base original ressaltou a atipicidade da estabilização da taxa de desemprego, uma vez que se esperava ligeira redução naquele mês. Com a série dessazonalizada, foi possível indicar que, de fato, a taxa de
desemprego total seguia tendência ascendente, iniciada em abril. No segundo trecho, a relativa estabilidade observada na série original foi reforçada pela série
dessazonalizada, apenas com mudança dos valores. O
Gráfico 4 apresenta os dados de forma mais clara.
A avaliação das previsões indica que, para os três
meses, as diferenças entre o observado e o previsto
foram 0,1%, 0,1% e 0,2% para os meses de setembro,
outubro e novembro de 2006, respectivamente. Tais
valores mostram uma precisão mais que satisfatória
para que tais dados sejam utilizados como subsídios a
análises econômicas prospectivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir destas análises, pretende-se, como resultado,
a publicação das séries sazonalmente ajustadas, de
tendência e a previsão de três meses da taxa de desemprego total da RMSP. Atualmente diversos órgãos
de estatística governamentais (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE; Australian Bureau of
Statistics – ABS, da Austrália; Bureau of Labor Statistics – BLS, dos Estados Unidos) divulgam séries
econômicas com tais ajustes.
Atualmente, estuda-se a possibilidade de dessazonalização das séries de taxa de participação e índice de ocupação, neste caso utilizando-se apenas a
metodologia X12-ARIMA (não se pretende fazer
previsão).
Nota
1. Atualmente está sendo feito um estudo da viabilidade de
divulgação de taxas de desemprego para subáreas da PED.
Referências Bibliográficas
DAGUM, E.B. X-11-ARIMA/88 Seasonal Adjustment Method:
foundations and users manual. Statistics Canada, 1988.
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MARCELO PITTA
Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Ence, Analista da Fundação Seade.
MITTI KOYAMA
Mestre em Estatística pelo IME-USP, Analista da Fundação Seade.
Artigo recebido em 8 de agosto de 2006.
Aprovado em 20 de novembro de 2006.
Como citar o artigo:
PITTA, M.; MITTI, K. Ajuste sazonal e previsão da taxa de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo
em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>;
<http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 36-45, out./dez. 2006
45
O DESEMPREGO NA PESQUISA
DE EMPREGO E DESEMPREGO
C laudio S alvadori D edecca
Resumo: A Pesquisa de Emprego e Desemprego deu uma grande contribuição para inovar as metodologias dos levantamentos socioeconômicos,
em especial sobre a mensuração do desemprego. O ensaio explora esta dimensão da PED e procura explicitar sua atualidade dentre os
levantamentos nacionais e internacionais existentes e seu papel para subsidiar as políticas públicas de emprego, trabalho e renda.
Palavras-chave: Mercado de trabalho. Desemprego. Política social.
Abstract: The Pesquisa de Emprego e Desemprego gave a great contribution to innovate the methodologies of the social-economic surveys,
in special on the measure of the unemployment. This paper explores this dimension of the PED and looks for its continuity importance
for the national and international surveys and its paper to subsidize the public politics of labor and income.
Key words: Labor market. Unemployment. Social policy.
A
Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED na
Região Metropolitana de São Paulo – RMSP tem mais de 20 anos de existência. Com certeza, ela se constitui na
experiência de maior êxito de levantamento socioeconômico não conduzido por um instituto nacional de estatística. Nascida da insatisfação em relação aos indicadores de desemprego disponíveis para a RMSP no início
dos anos 1980, a PED se transformou em referência internacional, no que diz respeito à inovação metodológica
e ao arranjo institucional na sua gestão.
Resultado de um convênio entre o Governo do Estado de São Paulo e o Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese, a pesquisa incorporou, ainda em momento de sobrevida dos
governos autoritários do após 1964, os trabalhadores na construção e gestão de um novo sistema de informação socioeconômico, o qual teve seu papel social transformado ao longo de sua história.
De um levantamento que permitiu evidenciar a gravidade do desemprego na recessão da primeira metade
dos anos 1980, a PED se tornou um sistema de informação relevante para a condução das políticas públicas de
emprego, trabalho e renda.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
O DESEMPREGO NA PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
Diversas foram as oportunidades em que órgãos
públicos demandaram a incorporação de variáveis
adicionais ao levantamento corrente, com o objetivo de obter informações específicas para orientar as
políticas públicas. Nos seus primeiros anos, a PED
foi demandada pelos Conselhos da Condição Negra
e Feminina para ampliar o escopo de informações sobre gênero e cor. Posteriormente, a experiência deu
base para a construção de um novo levantamento
detalhado sobre a situação socioeconômica do Estado de São Paulo, a Pesquisa de Condições de Vida
– PCV. Com o agravamento da situação de ocupação
nos municípios do ABCD, nos anos 1990, as prefeituras da região solicitaram a elaboração de indicadores específicos. Ao longo da sua vida, outros governos estaduais estabeleceram acordos com a Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade e o
Dieese, para a implantação da PED para além da Região Metropolitana de São Paulo.
Passados mais de 20 anos, a PED é inegavelmente
parte da história dos levantamentos nacionais sobre
condições de vida e trabalho da população e de gestão democrática da informação. É também inquestionável que ela continua sendo uma das poucas experiências de inovação metodológica.
Este ensaio explora as razões para a PED continuar sendo uma exceção em termos de inovação metodológica, destacando a contribuição da pesquisa para
a compreensão do desemprego.
A superação da visão dicotômica
As experiências acumuladas de levantamentos nacionais sobre as condições de vida e de trabalho foram
fortemente marcadas pela trajetória dos mercados de
trabalho dos países desenvolvidos.
O tema da mensuração da força de trabalho, da
ocupação e do desemprego aprecia, já no início do
século XIX, no debate nacional dos países europeus
e dos Estados Unidos. Somente com a constituição
da Organização Internacional do Trabalho – OIT, a
questão ganhou fórum mais amplo. Em 1925, esta
instituição consolidou, pela primeira vez, algumas
diretrizes para a medição do desemprego nos países
membros (STEWART, 1933).
Apesar dos efeitos devastadores da crise de 1929
sobre os mercados nacionais de trabalho dos países
desenvolvidos, o tema não teve maior foco ao longo dos anos de dificuldades econômicas. A questão
das políticas de combate ao desemprego dominou a
agenda da OIT e, também, dos países desenvolvidos.
Somente no pós-guerra, a discussão sobre a mensuração do desemprego voltou a ocupar maior espaço nas políticas públicas nacionais e na própria OIT.
As 6ª e 8ª Conferências Internacionais de Estatísticos do Trabalho – Ciet, ocorridas respectivamente em
1947 e 1954, focaram sua atividade na definição metodológica para a construção de estatísticas de emprego e desemprego. Contudo, os termos que o debate
assumiu estiveram estreitamente associados ao contexto econômico e social dos países desenvolvidos.
Pela primeira vez, o período longo de crescimento
permitiu que estes países conhecessem uma situação
sustentada de pleno-emprego, caracterizada por taxa
de desemprego muito baixa. Ademais, a ampliação da
regulação pública estatal e da negociação coletiva sobre os contratos de trabalho produziu uma situação
de predominância do trabalho com proteção social,
bem como uma elevada homogeneidade da estrutura ocupacional. O trabalho assalariado alcançou, na
maioria dos países, 2/3 da estrutura ocupacional,
sendo as formas de trabalho autônomo, liberal e de
empregador também abarcadas pelo sistema de proteção ao trabalho.
Em um contexto de intensa e extensa regulação
pública do mercado de trabalho, a dimensão reduzida do desemprego transformou-o em um fenômeno
social bastante homogêneo. Sua forma predominante
era a do desemprego aberto, que tendia ser coberto
pelos mecanismos de políticas públicas de proteção
ao trabalho, especialmente pelo seguro-desemprego.
A tendência de progressiva homogeneidade da estrutura ocupacional produzia, na prática, um quadro
dicotômico nos mercados nacionais de trabalho dos
países desenvolvidos. Tanto a situação de ocupado
como aquela de desempregado era significativamente
homogênea.
A construção dos levantamentos socioeconômicos, realizados originalmente pelos países desenvolvidos, foi influenciada por este contexto extremamente
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
47
48
Claudio Salvadori Dedecca
favorável do crescimento e de suas relações particulares historicamente com o mercado de trabalho. Em
face da qualidade metodológica e de campo desses
levantamentos, eles serviram para informar a OIT
nas discussões e deliberações sobre a definição de
critérios e conceitos a serem adotados pelos sistemas
nacionais de estatística dos países membros.1
Assim, uma metodologia mais afeita à configuração dos mercados de trabalho dos países desenvolvidos foi tomada como parâmetro para construção de
levantamentos socioeconômicos naqueles países.
Somente nos anos 1970, como parte do Programa Mundial de Emprego – PME, a OIT iniciou um
esforço de construção metodológica orientada às especificidades da estrutura econômica e do mercado
de trabalho dos países em desenvolvimento. Ele teve
como elemento indutor um estudo realizado pela instituição no Quênia (OIT, 1972), que permitiu a elaboração do conceito de setor informal, o qual nada mais
expressava que um conjunto de formas de trabalho
cada vez mais significativamente distante daquele
com proteção social predominante na Europa e nos
Estados Unidos.
Na estratégia do PME, a OIT iniciou a implantação de ações regionais, como o Programa Regional
de Emprego para América Latina e Caribe – Prealc,
sediado em Santiago de Chile. Na trilha metodológica
do estudo sobre o Quênia, o Prealc realizou diversas pesquisas de campo em algumas grandes cidades
latino-americanas, buscando explorar a configuração
heterogênea dominante nos mercados nacionais de
trabalho da região. Apesar das pesquisas terem focado o setor informal com o objetivo de informar possíveis políticas de ocupação e renda, elas claramente
evidenciavam a ampla distância entre as configurações dos mercados de trabalho latino-americanos e
aquelas dos países desenvolvidos.
Uma das especificidades presentes nos mercados
de trabalho da América Latina era a baixa incidência
do desemprego aberto. A situação de falta de trabalho não aparecia de modo explícito como encontrada
nos países europeus, mas mesclada por trabalho ocasional. Os levantamentos do Prealc sinalizavam que
tanto a situação de ocupado como a de desempreSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
gado era caracterizada por uma ponderável heterogeneidade.
O fim dos anos de crescimento prolongado do
pós-guerra, na segunda metade dos anos 1970, deu
marcha a um movimento de recrudescimento do desemprego em todos os países, independentemente do
grau de desenvolvimento alcançado por cada um.
O reaparecimento do desemprego como um problema candente das sociedades capitalistas no final
do século XX obrigou que governos ampliassem sua
atenção para a política pública de seu combate, mas
também para as metodologias de mensuração.
A necessidade de melhor conhecer a configuração
do desemprego nas novas condições de funcionamento do capitalismo contemporâneo se expressou
na resolução da 13ª Ciet/OIT, em 1982. Em sua resolução, foi reconhecida a necessidade de superar o
quadro metodológico até então adotado para a mensuração do desemprego, indicando, ao menos, duas
inovações relevantes a serem incorporadas pelos paí­
ses membros da OIT, segundo suas características
sociohistóricas. A primeira apontou para a necessidade do tempo de procura para a caracterização da
condição de desemprego ser adequada às condições
do mercado nacional de trabalho. A segunda ampliou
a possibilidade de mensuração para além da situação
de desemprego aberto.2
Apesar das novas orientações emergidas a partir
da OIT, elas não foram incorporadas pelos sistemas
nacionais de estatística, os quais continuaram e continuam restritos à mensuração do desemprego aberto.
A tendência de progressivo incremento da heterogeneidade dos mercados nacionais de trabalho observada nestas últimas décadas tem sido desconsiderada
pelos institutos nacionais de estatística, tendo em
conta que os levantamentos socioeconômicos continuam estabelecendo metodologias para configurações
de mercado de trabalho que não mais prevalecem nos
países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
A inovação metodológica da PED
Na experiência brasileira, o esgotamento do longo
ciclo de desenvolvimento após a década de 1930,
culminou na emergência, pela primeira vez, de uma
O DESEMPREGO NA PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
crise econômica urbano-industrial no país, a qual
atingiu fortemente o centro mais dinâmico da economia nacional, a RMSP. Nos primeiros anos da década de 1980, a região se defrontou rapidamente com
um desemprego crescente que não era refletido nos
resultados do principal levantamento conjuntural, a
Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – PME/IBGE.
A destruição de um quarto dos empregos industriais na RMSP, nos primeiros anos da década de 1980,
criou uma situação social crítica, cujo momento mais
paradigmático foi uma caminhada organizada pelos
movimentos sindical e social do centro da cidade de
São Paulo ao Palácio dos Bandeirantes, no primeiro
semestre de 1983.
Frente a este quadro social, o Dieese incorporou
um conjunto de questões relativas à condição de
atividade e de ocupação, para o levantamento de informações sobre condições de vida na região metro-
politana, o qual foi realizado em 1982, tendo como
objetivo principal a atualização da estrutura de consumo de seu Índice de Custo de Vida – ICV. As questões incorporadas adotavam uma perspectiva metodológica de mensuração do desemprego, assumido
como heterogêneo. Os resultados propiciados pelo
levantamento eram completamente diferentes daqueles encontrados no indicador oficial do governo,
revelando tanto um desemprego aberto mais elevado,
como a existência de desemprego associado à realização de bico. Em junho de 1983, o levantamento
do Dieese (1984) apontava um desemprego aberto de
9,8% e total de 14,6%, contra um desemprego aberto
da PME/IBGE de 7,7% (Gráfico 1).
O esforço do Dieese explicitou a urgência de
construção de um levantamento socioeconômico que
propiciasse informações sistemáticas que refletissem
mais adequadamente a realidade de ocupação e desemprego prevalecentes no mercado nacional de tra-
Gráfico 1
Taxas de Desemprego, por Tipo
Região Metropolitana de São Paulo – 1981-83
20
Em %
Desemprego Total
18
Desemprego Aberto
16
14
12
10
8
6
4
2
0
abril-maio/1981
set./1982
dez./1982
mar./1983
jun./1983
ã
Fonte: Dieese (1984).
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
49
50
Claudio Salvadori Dedecca
balho. A iniciativa era incompatível com as condições
financeiras e organizacionais da instituição. Contudo,
ela encontrou eco na transição democrática do Governo do Estado de São Paulo em 1983, que decidiu
implantar o levantamento. Em novembro de 1984,
eram divulgados os primeiros resultados da PED na
Região Metropolitana de São Paulo, realizada em parceria entre a Fundação Seade e o Dieese.3
O resultado para o ano de 1985 mostrava a elevada
discrepância existente entre os indicadores. A taxa de
desemprego aberto medida pela PED era 32% superior à informada pela PME. Ademais, a PED mensurava um desemprego oculto da ordem de 4,7%, que,
somado ao desemprego aberto, apontava um desemprego total de 12,5% na RMSP. Em termos gerais, a
divergência entre os dois indicadores era de 110%.
Duas dimensões do desemprego para uma mesma
região eram expressas pelos levantamentos existentes
à época. Na PME, o resultado apresentado sinalizava
uma situação de desemprego próxima àquela de natureza friccional. Ao contrário, a PED apontava um
contexto de desemprego preocupante, associado a
uma situação de natureza estrutural.
Em ensaio durante os anos de crise, Serra argumentava que
o desemprego [..]. [era] [...] o problema número um para a
maioria dos brasileiros [...] De fato, nesta primeira metade da
década [de 1980], o fantasma da perda do emprego parece ter
desbancado temores mais graves quanto os assaltos, a poluição,
a seca ou as enchentes (SERRA, 1984, p. 5).
A dificuldade do indicador oficial de desemprego
sinalizar o quadro de dificuldades existente à época
decorria, em grande medida, do fato da crise de emprego não ter tido como principal tradução a situação
de desemprego aberto. A ausência de um sistema de
proteção ao trabalho, associado às políticas de segurodesemprego, intermediação de mão-de-obra e qualificação, impunha que se estabelecessem trânsitos importantes de população da condição de ocupados formais
para as de informalidade e de desemprego oculto.
Gráfico 2
Taxas de Desemprego, segundo Tipo
Região Metropolitana de São Paulo – 1985
14,0
Em %
12,5
12,0
10,0
7,8
8,0
6,0
5,9
4,7
4,0
2,0
0,0
Desemprego Aberto (1) Desemprego Aberto (1)
PME
Desemprego Oculto
Desemprego Total
PED
Fonte: IBGE. Pesquisa Mensal de Emprego – PME. SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Taxas de desemprego aberto em 30 dias.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
O DESEMPREGO NA PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
Na RMSP, a PED trazia a inovação de mensurar
o desemprego segundo alguns tipos básicos que, de
um ponto de vista, encontravam relevância estatística e respaldo nas orientações sobre mensuração do
desemprego estabelecidas pela OIT para seus países
membros.
Os principais indicadores elaborados pela PED na
RMSP, por meio da parceria Seade/Dieese, foram e
continuam sendo os seguintes:
• Desemprego Aberto: pessoas de dez anos ou mais
que procuraram trabalho de maneira efetiva nos
30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram
nenhum trabalho nos sete últimos dias.
• Desemprego Oculto pelo Trabalho Precário – pessoas de dez anos ou mais que realizam, de forma
irregular, algum trabalho remunerado, ou pessoas
que realizam trabalho não-remunerado em ajuda a
negócios de parentes e que procuraram mudar de
trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista, ou
que, não tendo procurado neste período, o fizeram
até 12 meses atrás.
• Desemprego Oculto pelo Desalento e Outros
– pessoas que não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos 30 dias, por desestímulos do
mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de trabalho
nos últimos 12 meses.
A metodologia adotada pela PED permitiu a
construção de uma taxa de desemprego total correspondente à soma das taxas referentes aos três tipos
de desemprego.4 Ademais, a pesquisa também garantiu elaboração do indicador clássico de desemprego
aberto, caracterizado pelo não trabalho e procura
em sete dias. Isto é, a metodologia desenvolvida pela
Gráfico 3
Taxas de Desemprego, por Tipo
Região Metropolitana de São Paulo – 1985-2000 (1)
20,0
Em %
18,0
PME/Aberto (2)
16,0
PED/Aberto (2)
PED/Oculto
14,0
PED/Total
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Fonte: IBGE. Pesquisa Mensal de Emprego – PME. SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) O gráfico ficou restrito ao período de 1985 a 2002 devido: a PED não ter dados para os primeiros anos da década de 1980; e a PME ter
modificado sua metodologia a partir de 2003.
(2) Taxas de desemprego aberto em 30 dias.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
51
52
Claudio Salvadori Dedecca
PED abriu a possibilidade de analisar o desemprego
considerando a heterogeneidade que ele incorpora
crescentemente e que não é possível de ser expressa
pelo indicador clássico de desemprego aberto.
Uma análise geral da evolução das taxas de desemprego em um período mais longo reitera o argumento
apresentado. A tendência de crescimento recorrente
do desemprego ao longo dos anos 1990 ampliou a
importância do desemprego oculto, levando em consideração que o desemprego total se incrementava
mais rapidamente que o desemprego aberto, independentemente da fonte de informações.
As taxas de desemprego aberto da PED e da PME,
apesar de manterem algumas diferenças ao longo do
tempo, apresentam movimentos semelhantes. A recorrência da discrepância ao longo do tempo sugere
que ela decorra de aspectos metodológicos específicos como, por exemplo, diferenças de estruturas de
questionários.
Se considerado como núcleo explícito do desemprego, as taxas de desemprego aberto de ambos os
levantamentos indicavam, até 2002, condições semelhantes do problema de emprego restrito a esta
dimensão. Esta situação não era reafirmada quando
introduzida a taxa de desemprego oculto e sua contribuição para o desemprego total. Cabe explicitar que,
em 2002, a PED sinalizava uma taxa de desemprego
total próxima a 19%, contra uma informada pela PME
ao redor de 7%. Mesmo considerando que os indicadores mediam situações diferentes de desemprego,
frente a esta discrepância, cabe perguntar: o que deve
fazer a política pública de combate ao desemprego?
Tomar a medida mais restrita ou a mais ampla? Se
considerar a mais restrita, a política desconsiderará
uma dimensão importante do desemprego. Portanto,
o indicador da PED, que busca explicitar a heterogeneidade do desemprego, tende informar com maior
qualidade a política pública.
O Desemprego segundo a PED
e a política pública
Para compreender melhor a inovação metodológica
da PED na mensuração do desemprego e sua contribuição para o desemprego, vale a pena explorar
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
um pouco os dados da pesquisa, focando-os sobre
dimensões relevantes do ponto de vista da configuração socioeconômica da população metropolitana.
No Gráfico 4 é apresentada uma síntese da evolução do desemprego e de sua composição para as
Regiões Metropolitanas de São Paulo e Salvador. O
aspecto relevante a ser ressaltado remete à diferença
na composição e sua evolução no tempo. No início
do período, o desemprego na RMSP era dominado
pelo desemprego aberto em 7 ou em 30 dias.5 Menor relevância tinha as formas de desemprego oculto.
Esta situação se modificou ao longo do período, tendo ocorrido redução relativa do desemprego aberto e
incremento do desemprego oculto.
O movimento observado na RMSP aproximou
sua composição do desemprego daquela encontrada para a Região Metropolitana de Salvador, onde o
desemprego oculto sistematicamente teve maior expressão relativa.
Constata-se, portanto, que a diversidade de indicadores de desemprego permite explicitar diferenças
entre o funcionamento dos mercados de trabalho, as
quais não poderiam ser observadas se fosse adotado
somente o indicador de desemprego aberto. Ademais, os resultados mostram maior sensibilidade do
desemprego aberto na RMSP às alterações no nível
de atividade da economia. O mesmo não foi observado em relação à Região Metropolitana de Salvador.
Portanto, a diversidade de indicadores explicita
dinâmicas diferenciadas do desemprego para cada
região, sinalização relevante para a adoção de políticas públicas que busquem enfrentar o problema da
desocupação.
A diferenciação da composição do desemprego
é reiterada quando analisada sob outras dimensões
socioeconômicas, por exemplo, gênero. É comum a
todos os levantamentos sobre desemprego, nacionais
ou de outros países, mostrar um desemprego mais
elevado para as mulheres. Em geral, o resultado é tomado como uma evidência de discriminação no mercado de trabalho.
Tomando-se os dados da PED, aparece uma informação adicional sobre a diferenciação do desemprego entre homens e mulheres. O desemprego para os
homens ocorre com mais intensidade sob as formas
O DESEMPREGO NA PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
aberta em sete dias e oculta com trabalho precário.
Já para as mulheres, ele se manifesta sob as formas
aberta em 7 ou 30 dias e de desalento. São evidências
sobre a maior probabilidade dos homens transitarem
do desemprego aberto para o desemprego oculto por
trabalho precário, o mesmo não ocorrendo para as
mulheres. Estas tendem ao desemprego oculto, seja
por trabalho precário, seja por desalento.
Diferenças na composição do desemprego aparecem também quando focada a partir da posição na família. O(s)s chefes tendem a ter um desemprego mais
baixo que o(a)s cônjuges. Por outro lado, nota-se que
o desemprego oculto por trabalho precário atinge
mais o(a)s chefes que o(a)s cônjuges, ocorrendo o inverso com o desemprego oculto por desalento.
São indicações que o(a)s chefes, por terem em geral
maior probabilidade de responderem financeiramente
pelas famílias, encontram-se constrangidos a irem para
o desalento. Se esta situação tem relevância, confirmase a necessidade de ampliar a medida do desemprego
para além da sua forma aberta, em razão da ocorrência do desemprego por trabalho precário determinada
pelas necessidades de sobrevivência daqueles que são
atingidos mais intensamente pela falta de emprego e
que, portanto, não conseguem cumprir as condições
clássicas que caracterizam o desemprego aberto.
Do ponto de vista da política pública, interessa
mais conhecer a heterogeneidade do desemprego do
que uma forma específica da sua manifestação. Afinal, é seu objetivo enfrentar o problema tomando seu
grau de diversidade. Ao considerá-lo, a política pública pode ser orientada e formatada segundo os determinantes do desemprego para segmentos específicos
da população. As ações de geração de ocupação po-
Gráfico 4
Evolução das Taxas de Desemprego Total e da Composição, por Tipo
Regiões Metropolitanas de São Paulo e Salvador – 1988-2006
2.000
Em 1.000 pessoas
Desemprego Desalentado
1.800
Desemprego Aberto (30 dias)
Desemprego Aberto (7 dias)
1.600
Desemprego com Trabalho Precário
1.400
1.200
1.000
800
600
400
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
SP
SV
SV
SP
SP
SV
SP
SV
SP
SV
SP
SV
SV
SP
SP
SV
SP
SV
SP
SV
SP
SP
SP
SP
SP
SP
SP
SP
0
SP
200
2006
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Convênio Regional Seade – Dieese – SEI.
Microdados. Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Salvador. Elaboração do autor.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
53
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Claudio Salvadori Dedecca
Gráfico 5
Taxas de Desemprego, segundo Tipo e Gênero
Região Metropolitana de São Paulo – 2006
20,0
Em %
18,0
16,0
14,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
Homens
Mulheres
Desemprego com
Trabalho Precário
Homens
Mulheres
Homens
Mulheres
Desemprego Aberto Desemprego Aberto
(7 dias)
(30 dias)
Homens
Mulheres
Desemprego
Desalentado
Homens
Mulheres
Desemprego
Total
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Elaboração do autor.
Gráfico 6
Taxas de Desemprego, por Tipo, segundo Posição na Família
Região Metropolitana de São Paulo – 2006
18,0
Em %
16,0
Desemprego Desalentado
14,0
Desemprego Aberto (30 dias)
Desemprego Aberto (7 dias)
12,0
Desemprego com Trabalho Precário
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
Chefe
Cônjuge
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Microdados. Elaboração do autor.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
O DESEMPREGO NA PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
dem ser diferentes, por exemplo, para o(a)s chefes e
para o(a)s cônjuges.
Os argumentos aqui apresentados tornam-se ainda mais evidentes quando se analisa a composição do
desemprego segundo nível de renda familiar per capita.
De acordo com os Gráficos 7 e 8, é possível verificar
o comportamento das taxas de desemprego para as
famílias com renda per capita 50% mais baixa e para
aquelas do estrato 5% superior.
Mais uma vez, revela-se que o desemprego para a
população mais pobre é significativamente superior
ao encontrado para a parcela de renda mais elevada.
Contudo, o aspecto relevante a ser ressaltado referese às distintas composições do desemprego para cada
um dos segmentos sociais.
Para a população de renda mais elevada, predominava a forma de desemprego aberto. Já para a população mais pobre, nota-se que a importância do desemprego aberto é compartilhada com o desemprego
oculto com trabalho precário.
Se adotado somente o indicador de desemprego
aberto, o problema de emprego tende a ser menos
subestimado para o segmento da população de renda
mais alta do que para aquele cuja renda é inferior. Portanto, a decisão em restringir a análise do desemprego
à sua forma aberta minimizaria o problema para a
população de baixa renda, distorcendo a sinalização
possível de ser feita para a definição das políticas públicas de geração de emprego, trabalho e renda.
Conclusão
O objetivo deste artigo foi explicitar a importância
da perspectiva metodológica adotada pela PED para
a mensuração do desemprego. No início, ela serviu
principalmente para deixar evidente a gravidade do
problema de emprego durante a crise dos anos 1980,
situação que era minimizada pelo indicador oficial da
PME/IBGE; no presente, pode-se dizer que ela se
tornou um instrumento importante de subsídio para
Gráfico 7
Taxas de Desemprego das Famílias com Renda per capita do Estrato 50% Inferior, por Tipo
Região Metropolitana de São Paulo – 1988-2006
10
Em %
9
8
7
6
5
4
Desemprego com Trabalho Precário
Desemprego Aberto (30 dias)
Desemprego Aberto (7 dias)
Desemprego Desalentado
3
2
1
0
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Microdados. Elaboração do autor.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
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Claudio Salvadori Dedecca
Gráfico 8
Taxa de Desemprego das Famílias com Renda per capita do Estrato 5% Superior, por Tipo
Região Metropolitana de São Paulo – 1988-2006
10
Em %
9
8
Desemprego com Trabalho Precário
7
Desemprego Aberto (30 dias)
Desemprego Aberto (7 dias)
6
Desemprego Desalentado
5
4
3
2
1
0
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Microdados. Elaboração do autor.
as políticas públicas de emprego, trabalho e renda.
Pode-se dizer também que a PED se transmutou,
enquanto sistema de informação para a política pública.
A importância do papel cumprido pela PED acabou induzindo a reorganização da PME/IBGE, que,
desde 2002, adota uma metodologia que reconheceu
a heterogeneidade do mercado de trabalho e a necessidade de indicadores que sejam convergentes com
esta configuração segundo uma outra perspectiva.
O aspecto que impressiona quando a trajetória da
PED é analisada refere-se ao fato das suas inovações
metodológicas continuarem atuais, bem como a pesquisa continuar sendo uma das poucas experiências
de levantamento socioeconômico que busca captar a
heterogeneidade do mercado de trabalho.
Ao contrário do esperado, a experiência internacional mostra que as experiências dos países desenvolvidos e em desenvolvimento permanecem centradas no
desemprego aberto, continuando a desprezar outras
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
formas de desempregos introduzidas pela transformação do capitalismo, no final do século XX.
A iniciativa dos Estados Unidos de ampliar as
formas mensuradas de desemprego pela Current
Population Survey – CPS-BLS foi abandonada no
início da atual década,6 reiterando a orientação de
foco no desemprego aberto. No caso dos países
da Comunidade Européia, a visão restrita continua
dominante, bem como as atividades de construção
do sistema europeu de informações socioeconômicas
mantêm esta perspectiva metodológica.
Em suma, a PED inovou e continua sendo exceção em termos de metodologia para a mensuração do
desemprego, tendo recebido recentemente a companhia da PME/IBGE.
A atualidade da PED evidencia o acerto da iniciativa e guarda esperanças quanto a sua capacidade de
avançar metodologicamente, com o objetivo de apreender as transformações recorrentes do mercado de
trabalho nacional.
O DESEMPREGO NA PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO
5. A PED divulga somente o indicador de desemprego aberto
Notas
em 30 dias. Porém, é possível decompor o período de referên-
1. Sobre as metodologias adotadas nas pesquisas socioeconômicas, ver Hoffmann (1996).
cia de procura. Neste artigo, foram calculadas as taxas de de-
2. Sobre a mensuração do desemprego no capitalismo hoje,
ver Dedecca (1996).
Para facilitar a exposição e os gráficos, os indicadores foram
3. Sobre a metodologia da PED na Grande São Paulo, ver
Troyano (1985).
semprego para período de procura de até 7 dias e de 8 a 30 dias.
denominados de desemprego aberto em 7 dias e desemprego
aberto em 30 dias.
4. Sobre a metodologia da PED, ver Hoffmann e Cutrim
(2006), nesta edição.
6. Sobre a inovação metodológica adotada, ver Bregger et al.
Referências Bibliográficas
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condição de atividade na PED. São Paulo em Perspectiva, São Paulo,
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Washington, DC, Bureau of Labor Statistics, v. 118, n. 10,
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DEDECCA, C.S. Desemprego e regulação no Brasil hoje.
Cadernos do Cesit, Campinas, Unicamp-IE-Cesit, n. 20,
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DIEESE. Emprego e desemprego na Grande São Paulo: conceitos,
metodologia e principais resultados – 1981-83. São Paulo:
1984.
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Campinas, Unicamp-IE-Cesit, n. 22, 1996.
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of Political and Social Science, New York: Sage
Publications, v. 166, 1933.
TROYANO, A.A.; HOFFMANN, M.B.P.; HAGA, A.; CHAIA,
M.W. A necessidade de uma nova conceituação de emprego
e desemprego: a pesquisa Fundação Seade/Dieese. Revista da
Fundação Seade – São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação
Seade, v. 1, n. 1, p. 2-6, jan./abr. 1985.
Claudio Salvadori Dedecca
Professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Artigo recebido em 4 de julho de 2006.
Aprovado em 28 de setembro de 2006.
Como citar o artigo:
DEDECCA, C.S. O desemprego na Pesquisa de Emprego e Desemprego. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade,
v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 46-57, out./dez. 2006
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VIVÊNCIAS DE MULHERES
EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
L ILIANA R OLFSEN P ETRILLI S EGNINI
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar relatos de experiências vividas em situação de desemprego por mães que
residem na Região Metropolitana de São Paulo.
Palavras-chave: Mulheres. Gênero. Trabalho. Desemprego.
Abstract: This article aims to analyze the reports of experiences lived by unemployed mothers, who live in Sao Paulo metropolitan region.
Key words: Women. Gender. Work. Unemployment. Child labour.
A
relevância das indagações elaboradas por meio
de entrevistas, aos dados quantitativos que constroem os contornos estatísticos do desemprego, deve-se ao
reconhecimento de que, além dos números, é necessário compreender melhor a condição social das mulheres
em situação de desemprego e as formas concretas na qual experienciam o não-trabalho.1 Ainda mais: a vivência
de outras dimensões do fenômeno do desemprego, como o trabalho precário ou temporário diferenciam os
caminhos trilhados e o sofrimento vivido relatado subjetivamente por cada uma das entrevistadas.
Dito de outra forma, analisar depoimentos individuais tem por objetivo interrogar, sociologicamente, o que
é possível compreender do contexto social no qual os entrevistados se inserem (DEMAZIÈRE; PIGNONI,
1998). Estas mulheres revelam experiências vividas na situação de desemprego em suas trajetórias familiar e
profissional, consideradas “em termos culturais, encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas
institucionais” (THOMPSON, 1979, p. 10). Neste sentido, é estabelecido um diálogo, nesse magma semântico,
entre Thompson (1979) e Castoriadis (1992), entre outros, pois ambos ressaltam a importância dos aspectos
culturais, sociais e históricos na construção de relatos significativos, que expressam imaginário.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
VIVÊNCIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
O imaginário de que falo não é “imagem de”. É criação
incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica
e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais
somente é possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que
denominamos “realidade e racionalidade” são seus produtos
(CASTORIADIS, 1992).
bre as séries estatísticas existentes, trata-se antes de tudo de redesenhar as evoluções das formas de emprego e desemprego afim
de melhor apreciar o que aproxima e diferencia as situações
nacionais para o que concerne às modalidades de institucionalização dos estatutos sociais e as fronteiras entre desemprego,
emprego, inatividade (DEMAZIÈRE et al., 2000).
O desemprego revela, de forma intensa, as contradições implícitas às sociedades que engendraram o
assalariamento e possíveis direitos vinculados a essa
condição (CASTEL, 1998; FRIOT, 1998). No entanto, estas sociedades se distinguem pelas suas trajetórias históricas particulares, sobretudo se considerada
a divisão internacional do trabalho (HIRATA, 2002).
Vivenciar a experiência do desemprego em diferentes
países (ou em diferentes regiões metropolitanas) expressa trajetórias históricas singulares.
Este trabalho inscreve-se nos objetivos mais amplos do projeto Desemprego: Abordagem Institucional e
Biográfica. Uma comparação Brasil, França, Japão, no qual
se procura compreender a significação do desemprego em diferentes espaços nacionais, “tanto ao nível
normativo das instituições que intervêm – de maneira variável – junto às populações designadas como
desempregadas, quanto ao nível subjetivo das experiências vividas pelas pessoas implicadas”. Para tanto,
o referido projeto parte da premissa que
Foi nesse sentido que as séries estatísticas elaboradas pela Fundação Sistema Estadual de Análises de
Dados – Seade, da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, foram consideradas
para informar sobre o desemprego na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, em termos quantitativos, tendo por referência o ano 2001. A realização do
estudo longitudinal se fez sob forma de um complemento à Pesquisa Emprego e Desemprego – PED,
realizada desde 1984 junto a 3.000 famílias. O sorteio
dos casos selecionados para as entrevistas biográficas
foi realizado a partir daquela base de dados.
Considerando a
importância das variáveis de gênero e de geração na seletividade
face às formas de emprego, como no processo de identificação do
desemprego, privilegiamos estes critérios para delimitar quatro
populações alvo, definidas em torno de combinações de traços
que especificam sua posição nas relações sociais de sexo, em um
ciclo de vida, e na divisão do trabalho:
• homens e mulheres tendo trabalhado em serviços em níveis
de executivos (chefias intermediárias) tendo conhecido uma
progressão profissional e cujas carreiras foram interrompidas pelas transformações das normas de gestão do emprego;
• jovens do sexo masculino e feminino, saídos recentemente do
sistema educativo e tendo uma formação que os exponha recentemente a dificuldades de inserção profissional (os perfis
escolares serão variáveis segundo os países tendo em conta
diferenças importantes nos níveis escolares dos formandos);
• mulheres vivendo em casal ou não, mas tendo para-
ser desempregado significa ser reconhecido, contabilizado e
considerado como tal, ao mesmo tempo em que importa em
definir-se, reivindicar-se, considerar-se como tal. A comparação internacional é, então, considerado um método relevante
para descrever e compreender as formas (e as transformações)
assumidas pelo desemprego [...], as quais concernem tanto aos
modos de regulação do mercado de trabalho e da relação de emprego, como às trajetórias (profissionais e familiares) e aos comportamentos na atividade (DEMAZIÈRE et al., 2000).
O desemprego, nesse projeto, é compreendido
“no cruzamento das lógicas institucionais e das experiências biográficas” e, para tanto,
articula variados procedimentos de pesquisa. O primeiro consiste em analisar os sistemas institucionais e normativos de
cada país, levando em conta várias dimensões. Apoiando-se so-
do de trabalhar para criar seu(s) filho(s) e engajadas
em tentativas para retomar uma atividade profissional ou poder se dedicar mais a ela;
• homens operários da indústria, entre 45 e 50 anos no
Japão e na França, um pouco mais jovens no Brasil (essa
idade sofrendo variações segundo os perfis sociodemográficos
de cada país), chefes de família, e confrontados a uma crise
setorial implicando importante destruição de empregos
(DEMAZIÈRE et al., 2000, grifo meu).
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
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LILIANA ROLFSEN PETRILLI SEGNINI
Pelas razões expostas e apoiados no projeto que
mobiliza múltiplas equipes nos países selecionados é
que se indaga para este conjunto de grupos selecionados como é vivenciada a situação de desemprego
na RMSP, em Paris e em Tóquio. Para tanto, foram
entrevistadas, em 2001, 12 mulheres, mães, que foram
estatisticamente selecionadas como desempregadas,
porque se declararam e se reconhecem como tal. As
três questões estudadas a seguir emergem da análise
destas entrevistas e possibilitam subsídios para análise comparativa tanto em relação aos outros grupos
pesquisados na RMSP como para os outros países
selecionados:
• Relações de gênero e desemprego: expressões
sociais de desigualdades;
• Desemprego: uma invenção social;
• A inexistência ou a insuficiência de políticas públicas de apoio à situação de desemprego.
Estas questões foram retomadas nas entrevistas refeitas com as mesmas mulheres em outubro
de 2002, decorrido quase um ano desde o primeiro
contato com as mulheres selecionadas. Estas últimas
entrevistas ainda não estão analisadas.
RELAÇÕES DE GÊNERO E DESEMPREGO:
EXPRESSÕES SOCIAIS DE DESIGUALDADES
As desigualdades, assimetrias e hierarquias observadas nas relações sociais de gênero se rearticulam
constantemente com as múltiplas relações que perpassam a sociedade, tencionando-a, como, por exemplo, as relações sociais de classe e sexo.
As relações sociais são múltiplas e nenhuma delas determina
a totalidade do campo que estrutura. Juntas tecem a trama da
sociedade e impulsionam sua dinâmica; elas são consubstanciais
(KERGOAT, 2002).
Nesta perspectiva, foi possível apreender, analisando as relações sociais de sexo ou de gênero, presentes
nos relatos destas mulheres, como estes construtos
sociais se articulam com outras dimensões da sociedade brasileira, como as desigualdades econômicas e
a pobreza, sua face mais perversa; as desigualdades
de acesso à escolarização e à qualificação, produzindo
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
relações hierárquicas e relações de poder, sobretudo
no conjunto de relações expressas pelo trabalho bem
como pelo desemprego, uma de suas expressões. Assim, neste primeiro tópico serão enfocadas duas dimensões que articulam relações de gênero, trabalho e
desemprego, as quais nos auxiliam a compreender as
contradições destas relações no âmbito da RMSP.
A OPÇÃO PELO TRABALHO DOMÉSTICO. “POR AMOR?”
Nas discussões prévias à pesquisa de campo com a
equipe, foi levantada a hipótese de que, sociologicamente, as características que singularizam esse grupo
– “mulheres vivendo em casal ou não, mas tendo parado de trabalhar para criar seu(s) filho(s)” – dificilmente seriam observadas no Brasil. Compreendia-se,
naquele momento, que essas características não seriam observadas no grupo de mulheres que predominantemente compõem a PEA na RMSP e no Brasil,
a não ser nos grupos de nível de renda mais elevada
(assalariadas cônjuges ou não).
Pesquisas informam que os baixos níveis de rendimento familiar levam as mulheres pobres a buscarem
estratégias para criar seus filhos nas várias possibilidades de arranjos familiares e de vizinhança, e, em
menor número, nas creches públicas (em função do
número restrito de vagas). As mulheres que pertencem às famílias de renda mais elevada ou que recebem
salários mais elevados no mercado de trabalho, quando mães, tendem a contratar empregadas domésticas
ou matriculam seus filhos em escolas particulares
(SAFFIOTI, 1994).
Cabe ressaltar que a participação das mulheres nos
serviços domésticos continua a crescer tal como durante a década de 1990, significando, em 2001, 20%
do emprego feminino na região.
No entanto, entre as 12 mulheres entrevistadas,
cinco referiram-se à relação entre “deixar de trabalhar” e maternidade, significando 40% da amostra
selecionada.
Assim, estas cinco mulheres – Eunice, Claudete,
Dulcinéia, Marineusa e Marli – informaram explicitamente que, na época do nascimento de seus filhos ou
em algum momento a posteriori (mas sempre por causa da maternidade), optaram por parar de trabalhar
VIVÊNCIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
de forma remunerada e cuidar dos filhos, considerando na decisão que seus maridos estavam empregados
naquele momento e que “as crianças precisavam de
cuidados”. Claudete e Dulcinéia, portadoras de diploma de segundo grau, expressam esta opção sem
relacioná-la com aspectos econômicos, mas como
uma decisão partilhada pelos companheiros; Marineusa, Eunice e Marli, que não completaram o ensino
fundamental, informam que ganhavam pouco e que
“não compensava”.
Nenhuma das mulheres chefes de família, nas
mesmas condições, fez menção a essa possibilidade
de escolha, mesmo morando com tios, como no caso
de Jandira, ou com os pais, no caso de Cleonice. Elas
sempre trabalharam dentro e fora de casa.
Posteriormente, a decisão de realizar diferentes
tentativas de reinserção no mercado de trabalho foi
ainda marcada pela relação que essas mulheres estabeleceram com seus cônjuges. Para Dulcinéia, Marineusa e Claudete, a separação foi determinante para a
tomada de decisão de retornar ao mercado de trabalho; para Eunice, o desemprego do marido e as dificuldades vividas por ele em um novo ofício a levaram
novamente a procurar trabalho remunerado.
Eunice, 34 anos, mora em Francisco Morato, mãe
de Priscila, 14 anos e Rodrigo, 10 anos. Há 14 anos era
empregada doméstica e babá, mas compreendeu que
não era interessante ficar “cuidando dos filhos dos outros”
e deixando sua própria filha (e, quatro anos depois,
seu segundo filho), considerando o baixo salário que
ganhava. É casada com David, 38 anos, ex-operário
da Sharp. Há dez anos ele perdeu o emprego quando
a empresa fechou sua unidade em Francisco Morato.
Naquele momento, aprendeu o ofício de barbeiro e o
exerce até hoje, com inúmeras dificuldades para conseguir clientes. Na ocasião da pesquisa, informou receber R$ 800,00 por mês, mas sua renda foi corrigida
para R$ 600,00 no momento da entrevista.
Hoje, Eunice está inscrita na Frente de Trabalho e
aguarda ser chamada. Procura trabalho também como
empregada doméstica, diarista, enquanto faz crochê
e tricô para auxiliar na renda familiar. Ela cursou o
primeiro grau, mas não o completou e tampouco pretende voltar a estudar, pois acha que, aos 34 anos,
não tem mais condições; no entanto, acredita que, no
atual mercado de trabalho, teria melhores chances se
possuísse ao menos o primeiro grau completo. Eunice é responsável por todos os afazeres domésticos e
cuidados com os filhos.
Marineusa trabalhou como empregada doméstica
dos nove aos 20 anos de idade (1973), quando foi
contratada como costureira e vendedora em uma loja
de cortinas (colava tecidos), e posteriormente em
uma camisaria. Trabalhou também em um laboratório farmacêutico, montando caixas durante dois anos,
e em um Clube na Represa de Guarapiranga, como
garçonete durante cinco anos. Em 1976, ela se casou
e teve quatro filhos. No nascimento do terceiro filho,
deixou de trabalhar, pois dependia de sua cunhada
que ficava com as crianças até então e que não podia assumir mais esta responsabilidade. Estava então
casada, seu marido trabalhava em uma empresa instaladora de máquinas injetoras de plástico para embalagem, mas foi demitido quando a empresa faliu.
Nesta mesma época, informa Marineusa, “ele foi morar
com uma amiga da minha cunhada”. Ele “tinha um salário
razoável”, o que lhes possibilitou comprar a casa na
qual ela mora hoje com três filhos e duas netas. Divide a casa em duas partes, morando na parte superior
e alugando o térreo por R$ 225,00.
Marineusa tentou sem sucesso se reinserir no mercado formal de trabalho e atribuiu à sua idade esta
impossibilidade.
É que a gente chega numa certa idade, eu trabalhei muito no
começo do meu casamento, depois como veio os filhos tudo, aí
quando eu cheguei na terceira filha eu parei de trabalhar pra
ficar dentro de casa pra cuidar depois três. Aí quando vai
chegando a idade, [...] aí fica mais difícil a gente arrumar
serviço (risos). Agora, se você chega na média assim de 30, 40
anos, você já tá velha pro mercado de trabalho, aí você não acha
nada, nada mesmo. E aí a gente fica aí né, fica assim, aí eu
olha minhas netas pra ter um rendimento um pouquinho mais.
É um trabalho, né?, indagava Marineusa.
Atualmente, com os filhos crescidos, ela é remunerada pela filha, que mora com ela e que também
está separada do marido, para cuidar das duas netas
e acredita que essa é uma situação economicamente mais favorável, tanto para ela como para a família
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
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LILIANA ROLFSEN PETRILLI SEGNINI
(recebe R$ 150,00 por mês). A filha casada mora em
outra casa próxima e tem um bebê de dois meses que
também ficará com Marineusa.
Olha, no mesmo ponto que me ajuda eu posso ajudar a minha
filha também que ela não precisa pôr a menina em mãos de
pessoas que não conheça, nada, porque pra ela trabalhar ela
precisa de alguém que olhe a menina. E como as meninas,
desde que nasceram, moram comigo, então fica ruim, cada vez
que ela precisar arrumar alguém pra olhar as meninas e as
meninas ficava muito chorando porque elas queria ficar comigo, então a melhor coisa que ela fez foi voltar a morar comigo
e trazer as meninas, aí fica tudo junto, disse Marineusa
(novembro 2001).
Hoje, a renda mensal de Marineusa é composta pela pensão alimentícia, no valor de R$ 180,00
(por causa da filha de 16 anos), pelo aluguel da
parte inferior de sua casa (R$ 225,00), e pretende, no futuro, ampliar sua cozinha fazendo salgados e doces para fora, numa escala maior do que
faz atualmente.
Marli, 36 anos, migrante da Bahia, não completou
o ensino fundamental. Atualmente é casada com Antonio, ajudante geral em um frigorífico do qual recebe
R$ 200,00 por mês. Ele é alcoólatra e pai de dois dos
seus cinco filhos. Ela informa que “sempre trabalhou,
desde criança” e que hoje faz faxina em uma só casa,
deixando livres os outros dias da semana por causa
do filho Tales, com 7 anos, considerado muito difícil,
pois só à ela obedece.
Não, pra mim não dá, sabe, porque eu tenho esse Tales, então
ele é muito terrível, só comigo mesmo, entendeu, a mulher quer
que eu vá todo dia, mas eu falo pra ela que não dá né, por
que eu já tenho esse problema em casa com o meu filho. [...]
Nossa, o Tales ele apronta na escola, o Tales, ele é terrível. Se
eu vou trabalhar, ele não vai para escola, então eu tenho que
ficar no pé.
Mesmo assim, ela se inscreveu na Frente de Trabalho e aguarda ser chamada.
Marli mora em um barraco de alvenaria em um
terreno que é do irmão; vive uma situação de miséria,
junto da mãe, que mora ao lado com uma sobrinha.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
A pergunta que a análise do seu relato deixa é: em que
medida viveria uma mudança econômica substantiva
se trabalhasse como diarista e não se dedicasse ao filho Tales? Dito de outra forma, em que medida deixar
de trabalhar para cuidar de Tales revela desesperança
– mais do que cuidados – em face de um trabalho de
tão baixo rendimento (R$ 30,00 por dia) e com tantas
dificuldades cotidianas – como, por exemplo, o longo
trajeto que separa sua moradia da casa da patroa?
Claudete, 46 anos, segundo grau completo, era
funcionária em uma metalúrgica em Santo André,
no departamento de Recursos Humanos e foi casada durante 25 anos com um funcionário do setor de
informática da Companhia do Metropolitano de São Paulo.
Informou que optou por cuidar dos dois filhos que
planejaram ter e o fez até que o filho mais novo completasse seis anos. Claudete contou com total apoio
do marido naquela decisão.
Em 1991, começou a procurar emprego, busca
esta que durou cinco anos, quando abriu uma loja de
artigos infantis (roupas e brinquedos pedagógicos)
juntamente com o marido, mas não foi bem sucedida.
Após um ano da separação do casal, trabalha como
corretora numa imobiliária, sem registro e sem salário
fixo. Ela não está satisfeita com o trabalho que realiza
e nem com os rendimentos que obtém.
Apesar de já ter realizado vários cursos de curta
duração para se requalificar em recursos humanos ou
no setor imobiliário, também se refere às dificuldades que vivencia no mercado de trabalho por não ter
um nível de escolaridade mais elevado: o diploma de
terceiro grau. Cita também o fato de ser considerada
“velha no mercado de trabalho”. Compreende que esses
argumentos são contraditórios, pois seu filho de 24
anos, recém-formado no ensino superior em Propaganda e Marketing pela Universidade Metodista do
ABC, não consegue um emprego formal porque é
considerado inexperiente nas entrevistas de seleção,
o que o leva “a fazer bicos em informática”. Atualmente,
Claudete está procurando emprego e recebe pensão
alimentícia de R$ 800,00, um terço da aposentadoria
do ex-marido.
Dulcinéia está em visível estado depressivo. Aos
41 anos, está sem trabalho e parece que lhe faltam coragem e vontade de viver. Ela informou que pretende
VIVÊNCIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
voltar a fazer biscoitos futuramente, maneira como
sua mãe, viúva, educou os filhos e ela, naquele período, a ajudava. Mora em casa própria, que ficou para
ela e para a filha Fernanda após a separação do marido, com quem viveu por 11 anos (entre 1986 e 1997).
Durante esse período, cuidou da casa e da filha, que
teve logo após ter se casado, por decisão tomada com
apoio do marido.
Isso aí foi uma questão de eu querer, eu me casei querendo,
né, eu falei eu quero cuidar da minha filha, quero participar,
nos primeiros anos eu acho muito importante, aí eu quis e foi
muito gostoso. É [...] [meu marido] me apoiou, me apoiou
sim, disse Dulcinéia (novembro de 2001).
No entanto, Dulcinéia afirma que a opção de ficar
em casa intensificou sua timidez, sua dificuldade em
se relacionar com as pessoas e foi uma das causas de
sua separação.
Atualmente, além de morar com a filha na casa
que era do casal, recebe auxílio da mãe e da irmã para
manter sua casa e suas despesas pessoais. Seu ex-marido só paga a escola particular da filha, exigência de
Dulcinéia porque considera de má qualidade a escola
pública em São Paulo.
É, é nossa, então metade, metade, eu fiquei com a Fernanda,
acho que é de lei isso, né, fico com metade, ele é o pai da minha
filha também. [...] E eu tô morando aqui. Não, pra mim
não, eu não quis, eu quis muito que ele desse a pensão dela,
infelizmente hoje em dia se não for paga [a escola] a pessoa
não tá bem estruturada, eu sempre quis ela muito bem estruturada, então eu lutei porque ele não queria dar o suficiente,
eu queria pra escola dela, afirmou Dulcinéia (novembro
de 2001).
Dulcinéia fez o curso técnico em Administração,
mas deixou de estudar porque não gostava. Trabalhou durante pouquíssimo tempo antes de se casar
e agora, após tentativa frustrada, está com medo de
voltar ao mercado de trabalho e atribui o receio à não
continuidade dos estudos, entre outros fatores.
Atrapalhou porque eu parei, se a gente pára de estudar e não
gostando é como se a gente terminasse, aí fica difícil, aí depois
eu voltei de novo, aí a gente fez supletivo, mas fica uma coisa
incompleta e gente fica sem saber pela falta de estudo. Atrapalha para arrumar emprego. [...] Já tive [emprego com
carteira assinada], por pouco tempo. [...] Eu fui secretária
júnior e balconista. [...] Eu gostaria de quem sabe trabalhar
fora, mas eu tô com muito receio de trabalhar fora, eu acho
assim que eu tô tão parada. Eu tenho uma amiga que trabalha de gerente. Joalheria, eu tentei ir com ela, nossa, mas foi
horrível pra mim, uma coisa muito agitada, muito, aí eu não
consegui. [...] Ficou difícil pra mim. Será que eu não vou conseguir trabalhar fora? Eu fiquei preocupada, diz Dulcinéia
(novembro de 2001).
O que informam estas mulheres? Efetivamente,
deixaram o trabalho remunerado para se dedicar a
casa, aos filhos e ao trabalho doméstico por opção
pessoal? A decisão, mesmo que tomada “por amor”,
como qualifica Kergoat, “nada muda à dura realidade
dos fatos” (KERGOAT, 2002).
Em primeiro lugar, é percebido que, assim como
seus companheiros, elas vivenciaram um processo de
socialização, no qual se inscreve a naturalização das
formas de dominação que atribuem às mulheres o
papel social de responsáveis pelos cuidados dispensados à prole, ao cônjuge e à casa, como já observado
em muitas pesquisas. Aos homens, é reservado o papel de provedor.
No entanto, esta opção não é realizada pelas mesmas razões por todas estas mulheres; elas se distinguem pelos níveis de renda familiar, pelas situações
conjugais, econômicas e sociais, escolaridade e qualificação. Para Marli, Marineusa e Eunice, faxineiras
diaristas, consideradas “sem qualificação”, mulheres
que não completaram o primeiro grau, os salários
que auferiam eram inferiores aos custos (financeiros e familiares) que arcavam por deixarem os filhos
com outras pessoas, mesmo que fossem da família,
em casa. Portanto, a opção “por amor” repousa sobre um substrato material que as inscreve em uma
situação social precária que atinge a maior parte das
mulheres na RMSP.
Para Claudete e Dulcinéia, que completaram
o segundo grau, esta foi uma opção apoiada pelos
cônjuges para concretização de um projeto familiar
no qual cada um deles se inscrevia em papéis sociais
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que reafirmam as assimetrias e hierarquias expressas
nas relações de gênero. Após a separação conjugal,
o desemprego revelou as dificuldades que o tempo
passado longe do mercado de trabalho lhes impôs,
expressas pela idade, escolaridade e qualificação: “não
tenho terceiro grau” (Dulcinéia e Claudete); “não sei computação” (Marineusa); “não tenho o primeiro grau” (Marineusa, Eunice, Marli); “o mercado me considera velha”
(Claudete, Marineusa, Dulcinéia). Desta forma, individualizam a culpa referente às desigualdades que lhes
são impostas, mesmo que permaneçam trabalhando
no âmbito doméstico.
O COTIDIANO DE MULHERES DESEMPREGADAS
É CARACTERIZADO POR MUITO TRABALHO
Outro aspecto observado nos relatos do cotidiano
de todas as mulheres entrevistadas é que vivenciam
o desemprego trabalhando muito, o que reafirma o
fato que inúmeras pesquisas já analisaram: os cuidados com a casa e com a família são atribuições da
mulher às quais se somam os trabalhos remunerados,
cuja ausência lhes caracteriza como “sem trabalho”.
Elas estão sós na realização das tarefas domésticas.
Exceções foram expressas por Regiane e Marineusa,
que informaram contar com o apoio de outra mulher,
recolocando a mesma dimensão social da questão.
Para Regiane, é sua mãe, viúva, 63 anos, que mora
com o casal e que realiza o trabalho doméstico. Marineusa é responsável por todo o trabalho doméstico e
pelos cuidados com as netas, mas a faxina, realizada
aos sábados, é feita por sua filha mais velha, também
mãe e chefe de família, que mora com ela.
Os filhos (homens ou mulheres) foram considerados como possíveis colaboradores nos afazeres domésticos por Marineide, Emilene, Marineusa, Claudete e Jandira – jamais responsáveis. No entanto, em
nenhum dos casos analisados, as mulheres cônjuges
informaram que seus companheiros participavam das
tarefas domésticas, mesmo quando desempregados.
Nesta pesquisa, reafirma-se a relevância de se considerar as múltiplas relações sociais que tencionam a
sociedade – entre as quais, relações sociais de sexo
– para compreender contextos sociais específicos.
Assim, estas mulheres informam expressões de asSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
simetrias vivenciadas no espaço doméstico, qualquer
que seja o grupo social enfocado, além de suas negativas implicações na construção de um processo de
qualificação futuro e reinserção no mercado de trabalho. Informam também que se inscrevem em uma sociedade estruturalmente e tradicionalmente desigual,
na qual a pobreza caracteriza uma das dez maiores
economias no mundo (CARDOSO DE MELLO;
NOVAIS, 1998).
DESEMPREGO: UMA INVENÇÃO SOCIAL
As mulheres cônjuges ou chefes de família, escolarizadas ou analfabetas, pobres ou não, informam nos
seus relatos que o desemprego é uma questão social
que se intensifica em face de trajetórias familiares
precárias, visíveis, no passado, no trabalho infantil ou
em trajetórias marcadas pelas hierarquias presentes
nas relações sociais de sexo, por exemplo. No presente, o referido passado se revela na particular inserção
destas mulheres na situação de desemprego ou na
execução de trabalhos precários, como o trabalho doméstico. Assim, serão enfocados dois aspectos desta
questão neste tópico:
• Marcas visíveis do trabalho infantil e o trabalho
doméstico assalariado;
• Reestruturação de empresas, trabalhos precários e
desemprego
MARCAS VISÍVEIS DO TRABALHO INFANTIL E O TRABALHO
DOMÉSTICO ASSALARIADO
As 12 entrevistas realizadas no grupo “mães, mulheres, desempregadas” fornecem elementos para
compreensão do significado social do desemprego e
informaram também o contexto social e econômico
no qual essa situação se inscreve na RMSP. Assim,
se para alguns grupos sociais é legítimo referir-se ao
processo de precarização observado na última década em decorrência da reestruturação produtiva, para
estas mulheres é relevante observar as marcas sociais
de uma trajetória caracterizada pela pobreza e pela
ausência de direitos, e acrescentar a ela a dinâmica do
desemprego no presente momento.
VIVÊNCIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
Por exemplo: 50% das mães entrevistadas informaram que começaram a trabalhar na infância, em conseqüência da já então precária situação familiar, quer
seja na lavoura ou como empregadas domésticas.
A relação entre trabalho infantil, pobreza, não
escolarização e o trabalho doméstico tem sido
analisada e denunciada por diferentes pesquisas
(VEIGA, 1998) e relatórios institucionais (OIT,
1999; UNICEF, 2006). No artigo intitulado “Enfants
exploités”, Ignácio Ramonet (2002) informa que,
no mundo, 2,11 milhões de crianças são obrigadas a
trabalhar entre 5 e 14 anos.
A mundialização liberal não significou mudanças
positivas nesta situação. A procura da minimização
de custos – entre eles, o do trabalho –, determinou
que mesmo as empresas multinacionais, consideradas
modernas, se apropriassem do trabalho infantil, sobretudo exportando a produção para países socialmente precários. Cita o autor, entre outras empresas
e setores, o tabaco (Phillip Morris, Altadis), a banana
(Chiquita, Del Monte) e o cacau (Cargill). Podemos somar outros exemplos, como a recorrente utilização do
trabalho infantil em cadeias produtivas vinculadas a
empresas de setores como o automobilístico, o de calçados e o têxtil (LEITE; RIZEK, 1998; LIMA, 1999;
ALBUQUERQUE, 2003).
A pobreza das famílias destas crianças é um dos
principais aliados neste processo. O Brasil tem sido
freqüentemente denunciado como um país que explora crianças em processos de produção, sobretudo
na queima de carvão nos Estados do Mato Grosso
do Sul e de Minas Gerais, regiões que contam com o
estímulo das famílias miseráveis para tanto.
Esta é a história de Marineide, Jandira, Marli, Marineusa e Cleonice, acrescida do processo migratório
de regiões mais pobres no país (ou de difícil acesso ao
emprego) em direção aos grandes centros urbanos.
Marli mudou de Jacobina, Bahia, para São Paulo,
aos 20 anos de idade; é mãe solteira de dois filhos.
Desde então, é empregada doméstica – ora mensalista, ora diarista.
Marineide, já casada com José Sidney – ambos
semi-analfabetos –, migraram para São Paulo vindos
da região de Nhambuco, Bahia.
Eu estudei igual a ele [o marido] também primeira, mas
a gente não, morava no Norte, os estudos lá era mais, não
é igual aqui São Paulo que aqui você tem possibilidade de
estudar mais, tem chance né depende da pessoa né, então é a
gente não teve a oportunidade de estudar, e também é como eu
falei os pais da gente também não tinha oportunidade também
né, tinha que trabalhar ajudar na roça também, explicou
Marineide (2001).
Marineide resume essa constrangedora situação
em uma sociedade letrada afirmando que lê, mas “é,
eu só leio mesmo pra mim, escrevo, mas bem pouquinho, negócio de computação, essas outras coisas aí de primeiro grau eu
não sei, não entendo nada”. Ressalta também as limitações que vivencia na procura de trabalho; no entanto, expressa com orgulho o quanto é habilitada para
faxinas, o que é confirmado pelo elevado padrão de
limpeza de sua casa.
Eu não sei fazer nada assim como muitas pessoas trabalha
de balconista, trabalha numa loja, trabalha fazendo serviço
outros assim de dizer eu não sei nada mesmo, mas pra limpeza
deixa comigo que eu faço, diz Marineide (2001).
Jandira nasceu em Sertãozinho, no interior de São
Paulo, há 42 anos; trabalhou na lavoura dos 7 aos 15
anos de idade, quando mudou para Ribeirão Preto,
cidade vizinha. Foi nesse período que começou a trabalhar como empregada doméstica, função que, de
diferentes formas, é sua profissão até hoje: serviços
gerais, babá, diarista, lavadeira, passadeira. Durante
todos esses anos, só trabalhou por cinco meses com
registro, como auxiliar de serviços gerais, quando fazia faxina e cozinhava para funcionários em uma empresa em São Paulo, que faliu de forma fraudulenta.
Só fui registrada na firma, não sujei minha carteira [profissional] com registro em casa de família, afirma Jandira,
revelando a compreensão que elabora do emprego
doméstico enquanto ocupação inferior (2001).
Já que não pôde estudar quando criança, porque
trabalhava na lavoura e morava com tios (seus pais
haviam se separado), ela compreende que seria importante voltar à escola, mas se sente velha para tal.
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[...] então eu ia pra lavoura, ajudava minha tia em casa, então
por isso que eu tive um grau mínimo de escola, não tinha tempo
pra estudar. Meus pais eram separados, minha mãe morava
em São Paulo e meu pai no interior, só que como ele trabalhava
em fazenda então já não dava pra ele ficar na cidade, então ele
me ajudava como podia, só que também tinha que começar a
trabalhar cedo. [...] Tive vontade, mas depois de velha assim eu
já fiquei com vergonha, teve um monte de amiga minha que foi,
falava vamos Jandira, eu falava não, agora já tenho vergonha,
agora não, apesar que nunca é tarde pra aprender, né, mas
[...], explica Jandira.
Trabalho infantil, doméstico ou na lavoura informam um passado de pobreza, expressão de uma
sociedade desigual, na qual o acesso ao direito à
educação não é universal e marcam a ferro o futuro
destas mulheres. Na RMSP, em 2001, 25% das trabalhadoras eram domésticas; este é o trabalho de quem
pouco estudou e teve que trabalhar precocemente
(FUNDAÇÃO SEADE, 2001a).
REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO,
TRABALHOS PRECÁRIOS E DESEMPREGO
Elizangela representa uma das famílias da região de
Perus, em São Paulo, que têm vivenciado o desemprego em decorrência do processo de reestruturação
implantado em uma fábrica de bolsas de couro, o
qual determinou o fechamento da unidade daquela
região e a transferência do processo produtivo para
Guarulhos, na Grande São Paulo. Após seis anos de
trabalho com registro como costureira, em 1997, Elizangela, bem como uma cunhada e um cunhado foram demitidos após assinarem um acordo financeiro
proposto pela empresa. Na mesma situação, estava o
marido de Eunice, David.
Carla, 42 anos, cursando o ensino médio, informa
o significado do trabalho temporário em empresas
privatizadas e/ou reestruturadas. Ela realiza trabalho
temporário para os Correios, separando cartas. Carlos,
seu marido, presta serviços por meio de uma empresa terceirizada para a Telefonica, empresa recentemente
privatizada por um grupo espanhol. Ambos reafirmam o processo de precarização que essas estratégias
de racionalização do trabalho representam para emSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
presas que, em um passado recente, foram símbolo,
no Brasil, dos direitos vinculados ao trabalho: eram
empresas públicas e seus funcionários eram estatutários, com acesso à plano de carreira e aposentadoria
integral.
Bom, é uma situação não é muito boa né, o desemprego, a gente
sai para procurar serviço mas não consegue, meu marido faz
assim serviço, mais não é registrado, não quer ser registrado né,
é um serviço que às vezes tem, às vezes não tem, e assim vai
passando a vida, nessa época assim a gente não consegue, deixei
currículo em vários lugares, aqui, aqui em todas as lojas eu
deixei currículo, tanto meu como dele mas a gente não consegue
nada, às vezes é por causa da idade também né, eles falam que
é por causa da idade. É eles falam que é por causa da idade,
e também tem que ter assim, como fala, uma profissão né, tem
que ter um conhecimento em alguma coisa né e a gente não tem,
a gente não teve oportunidade de estudar, relatou Carla.
Claudete foi casada e separou-se do marido meses
antes da entrevista, no final de 1999. Ele tem 55 anos,
era analista de sistemas na Companhia do Metropolitano
de São Paulo. Tendo aderido ao plano de demissão voluntária, hoje recebe um terço do que recebia quando estava trabalhando; ele se soma a tantos outros
trabalhadores que optaram por aderir a esses planos
porque vislumbraram a possibilidade de exercerem
um trabalho autônomo, com maior qualidade de vida.
No presente momento, as dificuldades financeiras
são inúmeras frente à impossibilidade de conseguir
trabalho.
Nesse sentido, essas mulheres e seus cônjuges informam a face perversa dos processos denominados
por algumas instituições reguladoras de modernização nas relações de trabalho, e reafirmam o que já foi
analisado por Castel, segundo o qual
de agora em diante, para muitos, o futuro é marcado pelo selo
do aleatório e representam o desfecho de um processo, da reconstrução de um percurso no qual a permanente transição entre
a integração social e a vulnerabilidade, e a possibilidade da
passagem para a inexistência social, revelam a relação entre a
situação em que se está e aquela de onde se vem (CASTEL,
1998, p. 21-26).
VIVÊNCIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
Essas entrevistas reafirmam também que
o desemprego é apenas a manifestação mais visível de uma
transformação profunda da conjuntura do emprego. A
precarização do trabalho constitui-lhe uma outra característica, menos espetacular, porém mais importante, sem dúvida.
[...] Não para banalizar a gravidade do desemprego. Contudo,
enfatizar essa precarização do trabalho permite compreender os
processos que alimentam a vulnerabilidade social e produzem,
no final do percurso, o desemprego e a desfiliação (CASTEL,
1998, p. 514-516).
Para o autor, o trabalho é considerado além da relação técnica de produção, como um suporte de inscrição na estrutura social.
O desemprego tece uma rede em torno do grupo
social ao qual essas mulheres pertencem, atingindo
vários membros da família; em alguns, também são
citados os vizinhos como partícipes desse drama social, tal como dito por Marineide, Jandira, Cleonice,
Carla e Elizangela.
No grupo das mulheres cônjuges, os relatos referem-se mais freqüentemente à situação de desemprego real ou eminente de seus companheiros. Para
Marineide, é possível o desemprego do marido José
Sidney, que trabalha como operador de retífica na
mesma empresa desde 1986. A empresa está com dificuldades financeiras e há meses atrasa os salários de
seus trabalhadores.
A mesma situação é descrita por Elizangela, ao se
referir ao emprego de Hélio em uma oficina mecânica de um consórcio de carros.
O emprego de Hélio [está ameaçado], ele está falando que
lá tá bastante, tá quase parado, não tem nada, nada, nada,
não tem nenhum serviço para fazer, praticamente eles ficam lá
sentados, que está ruim de serviço lá.
Seus cunhados e cunhadas estão também desempregados porque a fábrica de bolsas na qual ela própria trabalhava provocou grande desemprego na região de Perus ao se reestruturar.
Carlos, marido de Carla, há quatro anos não tem
emprego registrado, o que determina que ora trabalhe
em uma prestadora de serviços para a Telefonica, ora
procure trabalho na construção civil.
Daniel, marido de Cleonice, trabalha há 14 anos
como ajudante geral na construção civil, porém, com
freqüência, não tem trabalho, fato que agrava seu alcoolismo e os conflitos familiares. “Não posso contar
com o dinheiro dele”, diz Cleonice.
Na casa de Emilene, o trabalho irregular de seus
filhos Marineide, de 19 anos, Ariel, de 17, e Daniele,
de 15, não só a preocupa pelas dificuldades econômicas vividas, mas fundamentalmente pelo constante
risco de ingresso na criminalidade. Somente Ovídio,
de 21 anos, trabalha com registro em carteira, recebendo R$ 300,00 por mês.
[O desemprego] é humilhação com o ser humano. Aí você
vê que quantas coisa tá acontecendo né, seqüestro aqui e São
Paulo, aí mete o pau, bate, mas isso é o desespero dos mais
novos [mais jovens], gente que tem a cabeça no lugar. Você
sofre [entrevistada chorando], passa sofrendo. Cê vê, eu tô
com um dente na minha boca, faz uma semana que tá doendo
esse dente, eu não tenho condições de ir ao dentista, conta
Emilene (2001)
Jandira tem dois filhos desempregados. Aline, 21
anos, mãe de Naine (2 anos), trabalha em uma gráfica
colando blocos de papel quando é chamada. Quanto
a seu filho, realizava um trabalho temporário, transportando peças de carne de vaca no ombro, em um
frigorífico próximo ao bairro do Tatuapé, em São
Paulo, quando foi preso acusado de assalto ao caixa
automático de um banco. Havia sido reconhecido –
ou, como afirma Jandira, confundido em um registro
fotográfico do banco. Está preso.
Claudete informou que tem sido recusada a vagas
de emprego ora porque é considerada velha, ora porque não tem diploma de terceiro grau. No entanto, o
desemprego de seu filho, jovem de 24 anos formado
em Propaganda e Marketing e considerado inexperiente, expõe as contradições desses argumentos.
As conseqüências sociais provocadas pelo processo de reestruturação do capitalismo, no contexto
de mundialização, são reveladas por este grupo de
mulheres, mães desempregadas. Assim, foi possível
observar que estas entrevistas relatam especificidaSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
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des e implicações sociais observadas no processo de
reestruturação de empresas, acompanhadas por seus
fechamentos ou deslocamento em direção a outras
regiões, privatizações e planos de demissão voluntária, terceirização, trabalho temporário ou intermitente, desemprego de jovens – elementos que constroem
novos contornos da desigualdade, nos quais as mulheres são fortemente atingidas. Ao mesmo tempo,
também informam outra face deste mesmo processo
constituída pelas novas exigências que são colocadas
para os trabalhadores, como maiores níveis de escolaridade e qualificação (TANGUY, 1995). A velhice é
precocemente vivenciada neste mercado de trabalho
e contexto.
INEXISTÊNCIA OU INSUFICIÊNCIA DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE APOIO À SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
E A IMPORTÂNCIA DOS ARRANJOS FAMILIARES
Em uma perspectiva histórica, o desemprego é manifestação típica das economias capitalistas; isto quer
dizer que, a partir da expansão e generalização do
trabalho assalariado, cresce também o risco da ausência do trabalho na forma “emprego” (BARBOSA;
MORETTO, 1998).
As opções políticas que embasam os processos
de racionalização do trabalho, incluindo o desenvolvimento tecnológico, constituem uma das ameaças
constantes à situação de emprego. É neste sentido
que os países capitalistas, em maior ou menor grau,
desenvolvem políticas públicas com o objetivo de
atuar diretamente no mercado de trabalho. No Brasil,
país que desenvolveu o processo de industrialização
a partir dos anos 1930, as políticas públicas que
apóiam ou protegem os trabalhadores em situação de
desemprego são insuficientes; as poucas existentes são
muito recentes. O Programa de Seguro-Desemprego,
por exemplo, considerado uma das políticas passivas
de emprego, foi criado em 1986 (Decreto-Lei n.
2.284/86) e promulgado em 1990 (Lei n. 7.998),
tendo seus critérios de concessão alterados em 1994.
A França o havia implantado já em 1959.
Ao mesmo tempo, estas mulheres expressam que
fazem parte de grupos sociais, famílias e relações de
vizinhança que reafirmam espaços sociais fragilizaSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
dos, nos quais, para muitas, o presente tece em torno
delas as malhas do desemprego, da informalidade e
dos recorrentes trabalhos temporários. No entanto,
estas mulheres constroem estratégias para continuarem elaborando formas de resistência às dificuldades
cotidianas vividas, muitas delas vinculadas à família.
Por estas razões, neste tópico serão enfocadas as seguintes questões:
• Inexistência ou insuficiência de políticas públicas
de apoio à situação de desemprego;
• Arranjos familiares constituem o principal suporte
econômico e social na situação de desemprego;
• Moradia: uma das expressões do desemprego.
INEXISTÊNCIA OU A INSUFICIÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
DE APOIO À SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
Uma das exceções no campo das políticas públicas
é o Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego
– Pead, denominado Frentes de Trabalho, criado pela
Lei n. 10.321, de 8 de junho de 1999, coordenado
pela Secretaria do Emprego e Relações de Trabalho
do Estado de São Paulo – Sert . Por esse programa, os
bolsistas inscritos e selecionados passam a trabalhar
durante seis horas diárias em diferentes órgãos públicos, realizando tarefas diversas, como manutenção e
limpeza e até serviços de escritórios. Durante quatro
dias por semana, trabalham e recebem uma bolsa auxílio de um salário-mínimo, cesta básica mensal com
32 kg de alimentos e vale transporte. No quinto dia
da semana, os bolsistas participam de um curso de
qualificação de 204 horas-aula.
Emilene, que já participou como bolsista deste programa, informa que os benefícios propostos
minimizaram as aflições vividas em um contexto de
desemprego por um curto espaço de tempo (nove
meses).
Trabalhei nove meses dentro da Sabesp na limpeza geral. Mas
também sem registro né, porque é um contrato pelo governo.
O governo contrata você os nove meses, aí te dá um cartão do
banco, vem um cartão do banco pra você, Nossa Caixa, Nosso
Banco, aí o teu dinheiro cai lá, cada trinta dia. Na época que
eu trabalhei, há dois anos atrás, era R$ 150,00 e uma cesta
básica, entendeu? Aí a gente vai lá e recebe os R$ 150,00, é
VIVÊNCIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
um auxílio desemprego que o governo tá fazendo. [...] Acaba.
Nove meses, minha filha, passou os nove meses você não precisa
comer mais, disse Emilene.
Os cursos de “qualificação para o desenvolvimento de habilidades básicas, habilidades de gestão e específicas” ou “curso de alfabetização”, propostos no
programa, significaram para Emilene a realização de
um curso de marcenaria, formação profissional por
ela questionada.
Deu um curso, eu fiz um curso que o governo deu, qual curso
que ele deu pra nós no Reino da Garotada? Marcenaria, eu
fiz, eu tirei o diploma de marcenaria. Mas aonde uma pessoa
vai pegar eu pra trabalhar de marceneiro? É brincadeira?! Eu
posso ir com esse diploma em qualquer lugar aí onde tem marcenaria que eles não vão pegar eu pra trabalhar, quer dizer,
uma mulher vai trabalhar de marceneiro? Por isso que eu acho
que o governo devia de olhar, ponhar um, sei lá, um mercado de trabalho pros de menor trabalhar né, um meio período,
quarquer coisa, pra ajudar dentro de casa. As pessoas mais
de idade também né, pra trabalhar. Não, ele não tão nem aí.
Menina, não é só eu, eu vi gente chorando aqui ó, senhor da
cabeça branca chorando porque não tinha o que comer dentro
de casa, eu vi passar no jornal aí de Suzano. Tem esse centro
de (?) que eles falam, você vai lá com a tua carteira, olha a tua
profissão, carimba a carteira e tudo bem, “deixa o telefone pra
nós”. E nunca mais, esquece sua situação. Esquece que você,
no dia de amanhã você tá com fome, você tem que se alimentar,
esquece que no dia de amanhã você tem que tomar um banho,
tem que pagar uma luz, ir na Sabesp, Bandeirantes eles não
quer saber disso, vem e corta mesmo, se você atrasar uma conta
agora eles tão atrasando. Brincadeira, minha filha, a situação
aqui é difícil, descreve Emilene.
Castel aponta para um paradoxo observado no
presente momento, no qual o fortalecimento do liberalismo é acompanhado de insistentes intervenções
do Estado no domínio do emprego. No entanto,
salienta o autor que essas intervenções marcam mudanças qualitativas nessas políticas, imprimindo-lhes
um novo sentido: “marca a passagem de políticas
desenvolvidas em nome da integração para políticas
conduzidas em nome da inserção”. Longe de constituírem somente mudanças semânticas, as implicações
sociais entre essas duas formas de implementação de
políticas são substantivas.
Entendo, por políticas de integração as que são animadas pela
busca de equilíbrios, pela homogeneização da sociedade a partir
do centro. São desenvolvidas através de diretrizes gerais num
quadro nacional. É o caso das tentativas para promover o
acesso de todos aos serviços públicos e à instrução, uma redução
das desigualdades sociais e uma melhor divisão das oportunidades, o desenvolvimento das proteções e a consolidação da
condição salarial (CASTEL, 1998).
Essas não são as características da política pública
emergencial citada; exemplo concreto do que o autor
denomina política de inserção.
[...] as políticas de inserção obedecem a uma lógica de discriminação positiva: definem com precisão a clientela e as zonas
singulares do espaço social e desenvolvem estratégias específicas
para elas porém, se certos grupos, ou certas regiões são um objeto de um suplemento de atenção e de cuidados, é porque se constata que têm menos e são menos, é porque estão em situação
deficitária de fato, sofrem de um déficit de integração, como os
habitantes dos bairros deserdados, os alunos que fracassaram
na escola, as famílias mal socializadas, os jovens mal empregados ou não-empregáveis, os que estão desempregados há muito
tempo [...] as políticas de inserção podem ser compreendidas
como um conjunto de empreendimentos de reequilíbrio para recuperar a distância em relação a uma completa integração (um
quadro de vida decente, uma escolaridade normal, um emprego
estável, etc.) mas eis que surge a suspeita de que os esforços consideráveis que vêm sendo realizados, há mais ou menos quinze
anos, nessas direções, poderiam não ter fundamentalmente,
mudado a seguinte constatação: essas populações são talvez e
apesar de tudo na atual conjuntura, inintegráveis. É esta eventualidade que deve ser encarada (CASTEL, 1998)
As trajetórias familiares destas mulheres que, assim como Emilene, fizeram inscrição no programa
Frentes de Trabalho e aguardam serem chamadas,
como Marineide, Marli, Cleonice e Jandira, são fortemente marcadas pela fome, pobreza, migração como
tentativa de superar essa situação, trabalho infantil,
escolarização insuficiente ou até mesmo pelo analfaSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
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betismo. Nesse sentido, as hipóteses levantadas por
Castel se confirmam perversamente.
Marineide manifesta expectativas em relação à inscrição que fez no Programa Frentes de Trabalho. Na
região de Itaquaquecetuba, em São Paulo, onde ela
mora, 11.878 desempregados se inscreveram, sendo
4.364 homens e 7.514 mulheres, reafirmando o que
foi observado em todos os municípios: as mulheres
se inscreveram em número maior do que os homens,
mesmo porque esse era um dos critérios seletivos,
entre outros – mulheres chefe de família (SERT/
DIEESE, 2002).
A análise dessas entrevistas mostra a relevância
temporária que a política pública emergencial de
Frentes de Trabalho adquire para essas mulheres; no
entanto, mostra também sua insuficiência a médio e
longo prazo, colocam o desafio político e econômico,
com fortes implicações sociais para integrar estas famílias – estas mulheres, seus filhos e seus companheiros, que vivenciam a constante ameaça de transpor a
tênue linha entre desemprego (ou não trabalho) e a
pobreza, a violência e a criminalidade.
ARRANJOS FAMILIARES CONSTITUEM O PRINCIPAL SUPORTE
ECONÔMICO E SOCIAL NA SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
Numa sociedade que politicamente não engendrou
suportes sociais a homens e mulheres em situação de
desemprego ou que o fez de forma insuficiente, os
arranjos e estratégias familiares são freqüentemente
observados com diferentes roupagens. Neste aspecto, tanto as mulheres cônjuges desempregadas como
as chefes de família e as em situação de miséria ou
não fornecem elementos para esta questão.
O salário de um ou de vários membros da família
empregados ou com algum tipo de renda constitui o
mais recorrente entre eles. Assim, para as mulheres
cônjuges, foi observado que o salário do companheiro significa a principal renda, mesmo que insuficiente,
como é observado nos relatos de Marineide, Marli,
Elizangela, Carla, Eunice e Regiane. O que elas perderam de forma significativa foi a autonomia que
tiveram um dia. As mulheres chefes de família informam que estão sobrevivendo somando diferentes
frações de renda, entre elas a pensão alimentícia que
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
recebem dos ex-cônjuges (freqüentemente apontadas
como exíguas), como nos casos de Emilene, Marineusa, Claudete e Dulcinéia; além disso, contam com
o salário de um ou mais filhos, como apontam Emilene e Marineusa.
Os trabalhos temporários, denominados bicos, realizados pelas próprias entrevistadas, por seus companheiros ou por seus filhos, também significam uma
das estratégias familiares expressas nesses relatos,
que possibilitam a sobrevivência dessas mulheres e
de suas famílias. Mesmo responsáveis por todas as
tarefas domésticas e pelos cuidados com os filhos e
netas, estas mulheres realizam trabalhos temporários,
garantindo um mínimo de renda familiar ou sua complementação.
Os trabalhos intermitentes estão presentes, de forma constante, nos relatos de Marineide (faxina), Marli
(faxina), Elizangela (faz salgadinhos), Carla (trabalho
temporário, terceirizado, de tempos em tempos, na
agência do Correio), Eunice (tricô e crochê), Regiane
(faz unha e cabelo para as vizinhas), Cleonice (faxina
e leva o filho da vizinha para a escola), Emilene (lava
e passa roupa), Marineusa (faz doces e salgados),
Jandira (faz unha, faxinas, lava e passa roupa) e Dulcinéia (faz biscoitos). Todos os bicos descritos, com
exceção do trabalho de Carla no Correio, onde separa
cartas em momentos de acúmulo de trabalho (durante o Natal, por exemplo), todos os outros se referem
à atividades consideradas habilidades femininas e não
qualificadas, o que redunda em remunerações muito
baixas no Brasil e menor ainda nas regiões pobres
onde moram e prestam esses serviços.
MORADIA: UMA DAS EXPRESSÕES DO DESEMPREGO
A moradia é uma das expressões dramáticas da situação de desemprego. Significa também, freqüentemente, uma das formas assumidas pela solidariedade
nos arranjos familiares. Carla mora com o marido e
a filha no fundo da casa dos pais, em Franco da Rocha, assim como Marli mora em uma casa construída
em terreno cedido pelo irmão e Elizangela em um
longo e estreito terreno, de propriedade da sogra, no
qual foram construídas cinco pequenas casas, sendo que em cada uma mora um membro da família
VIVÊNCIAS DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
com sua nova família (mulher e filhos), totalizando
15 pessoas. Entre estes exemplos citados, com exceção da moradia de Carla, todas essas casas têm a
mesma condição geográfica das casas invadidas (não
reclamadas pelos proprietários em decorrência das
constantes enchentes) nas quais moram Cleonice e
Jandira: são casas abaixo do nível da rua, de alvenaria, sem reboco.
Em todas essas casas são evidentes as marcas da pobreza em torno das quais essas famílias
se aglutinam, somando avós, sogras, irmãos(ãs),
cunhados(as), sobrinhos(as), justificando porque,
para essas mulheres, vir a ser proprietária de sua própria moradia é considerado um sonho de liberdade,
já concretizado por Dulcinéia, Claudete, Eunice e
Marineusa que, no entanto, divide sua casa com a
filha, mãe de suas duas netas, separada do marido.
As casas das mulheres proprietárias são testemunhas
de um período no qual estas famílias vivenciaram
uma situação econômica melhor, a qual possibilitou
a aquisição do imóvel. Elas afirmam que hoje seria
impossível, quer seja porque estão desempregadas,
ou porque são agora as responsáveis pela família, ou
ainda porque são casadas com ex-trabalhadores de
empresas que se reestruturam, o que impõe o desemprego a eles também.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que expressam estas mulheres, mães e desempregadas, por meio de suas experiências vividas em suas
trajetórias familiar e profissional, na situação de desemprego, experiência esta considerada “em termos
culturais, encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais”? (THOMPSON,
1979). O que informam sobre a racionalidade presente na realidade brasileira, considerando que seus
relatos compõem o imaginário? Este, o imaginário, é
compreendido como
criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das
quais somente é possível falar-se de `alguma coisa´. Aquilo
que denominamos ‘realidade e racionalidade’ são seus produtos
(CASTORIADIS, 1992).
Um artigo impõe limites, as entrevistas possibilitam outros tantos artigos, enfocando outras perspectivas, outras abordagens, que serão futuramente
elaborados. No entanto, somente para sintetizar algumas considerações finais, objetivando comparações
com os outros grupos sociais enfocados na pesquisa
e com os outros países, é destacado que: os relatos
destas mulheres reafirmam a história da desigualdade no Brasil tanto em termos das relações sociais de
classe e de sexo. Muitas expressam a pobreza vivida
cotidianamente num país socialmente desigual como
o Brasil. A dominação espoliadora se inscreve em sua
própria história, possível de ser recuperada quando
analisadas as relações sociais exploradoras entre colonizador e colonizados, entre o senhor e seus escravos,
reelaboradas no século XX, no contexto da expansão
da industrialização. O processo de mundialização liberal e as novas formas de racionalização do trabalho
e de reestruturação de empresas reafirmam as desigualdades referidas, e, em alguns aspectos, as tornam
mais intensas, como, por exemplo, no crescimento do
desemprego. O total dos desempregados na RMSP
era de 13,2% da PEA em 1995; em 2000, 17,6%.
O desemprego é um dos problemas sociais vividos por homens e mulheres no Brasil, atingindo estas
últimas mais intensamente e, entre elas, as mulheres
negras. As taxas de desemprego das mulheres, comparando o período compreendido entre 1985 (mulheres, 15,5% e homens, 10,1%) e 2000 (20,9% e 15,0%,
respectivamente), revelam que são sempre mais elevadas que as dos homens. O desemprego de mulheres negras, em 2000, era de 25%.
Desta forma, os dados estatísticos são reafirmados pelas entrevistas; as relações sociais de gênero e
etnia se articulam com as relações sociais de classe.
O trabalho infantil, neste contexto, estabelece íntima
relação com o trabalho doméstico, que significa uma
situação de trabalho freqüentemente precária, tanto
pelo salário como pelos direitos sociais vinculados
ao trabalho facilmente desrespeitados pelas extensas jornadas de trabalho. No entanto, esta situação
se agrava pelo crescente desemprego das empregadas
domésticas em decorrência do desemprego também
crescente das mulheres de renda mais alta, que as empregam, como, por exemplo, no caso de Dulcinéia e
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
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72
LILIANA ROLFSEN PETRILLI SEGNINI
Claudete, as quais realizam atualmente todo o serviço
doméstico. Esta situação aprofunda as desigualdades
e a fome para estas mulheres – muitas delas, chefes
de família.
As políticas públicas de emprego, entre as quais
destacam-se as que possibilitam suporte à situação
de desemprego são recentes e insuficientes. Tendem
a focalizar populações fragilizadas, são implementadas numa perspectiva de inserção e não de integração, como as Frentes de Trabalho (CASTEL, 1998).
Neste sentido, as estratégias familiares significam o
principal suporte social na situação de desemprego,
na qual tem relevo a questão da moradia. As igrejas
evangélicas, que se multiplicam no país, também se
somam às redes de proteção: alimentos, roupas, dinheiro e apoio espiritual são auxílios relatados.
Conforme vimos, as mulheres pobres ou não,
brancas, pardas ou negras, vivenciam o desemprego
trabalhando muito. Elas realizam o trabalho doméstico sozinhas ou auxiliadas por outras mulheres. Os
filhos são considerados possíveis colaboradores,
mas seus cônjuges não. As mulheres que deixaram
de trabalhar para cuidar de seus filhos enfrentam
muitas dificuldades para voltar ao mercado de trabalho, em qualquer nível de escolaridade observado e em qualquer idade. Desta forma, é reafirmado
que a “dura realidade dos fatos” impostos socialmente a estas mulheres não se modifica, mesmo
que esta decisão tenha sido tomada “por amor”
(KERGOAT, 2002).
Finalizando, é necessário salientar a determinação
destas mulheres que frente a situações sociais que
engendram um cotidiano marcado por muitos obstáculos e desigualdades, permanecem buscando novas
oportunidades, aglutinando em torno delas seus filhos e suas famílias.
Nota
1. Uma primeira versão deste artigo foi publicada em
Segnini (2003).
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LILIANA ROLFSEN PETRILLI SEGNINI
Doutora em Sociologia pela PUC-SP. Professora Livre Docente em Sociologia da Educação
([email protected])
Artigo recebido em 14 de agosto de 2006.
Aprovado em 24 de novembro de 2006.
Como citar o artigo:
SEGNINI, L.R.P. Vivências de mulheres em situação de desemprego. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade,
v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 58-73, out./dez. 2006
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EVOLUÇÃO DO MERCADO
DE TRABALHO METROPOLITANO
entre meados das décadas de 1990 e 2000
E DUARDO M IGUEL S CHNEIDER
M ARIO M ARCOS S AMPAIO R ODARTE
Resumo: O objetivo deste estudo é analisar o mercado de trabalho metropolitano brasileiro nos últimos dez anos. Além dos indicadores
do desemprego, são investigadas as evoluções do nível ocupacional e da renda do trabalho. Constatou-se a heterogeneidade
do período, que encerra uma fase de crise, seguida de outra de recuperação – ainda que incipiente.
Palavras-chave: Mercado de trabalho. Desemprego. Região metropolitana.
Abstract: The aim of this paper is to analyze the evolution of the Brazilian metropolitan labour market in the last ten years. Besides
the indicators of the unemployment, the evolutions of the occupational level and wage are investigated. The heterogeneity of the
period was verified, that contains a crisis phase, followed by another of recovery, although incipient.
Key words: Labour market. Unemployment. Metropolitan area.
O
presente artigo analisa a evolução do mercado de
trabalho metropolitano brasileiro entre meados das décadas de 1990 e 2000. O cumprimento de semelhante objetivo encontra desafios devido à grande heterogeneidade desse período relativamente curto de tempo.
Tomando a taxa de desemprego, principal índice que mensura o comportamento conjuntural do mercado de
trabalho, observam-se diferentes tendências ao longo deste período. Após rápida elevação, entre meados da década de 1990 até 1999, o desemprego estabilizou-se, flutuando em torno de um patamar elevado, e, em seguida,
ensaiando uma tendência de recuo, ao final do período.
O que se pretende fazer é periodizar o passado recente, tomando os anos de 1996, 1999, 2002 e 2005 como
anos chaves, e, então, decompor os fatores que resultam na taxa de desemprego, tendo de um lado, o exame da
dinâmica do crescimento da população economicamente ativa – PEA, e de outro lado, a evolução do crescimento dos postos de trabalho. Além de apontar períodos distintos do mercado de trabalho, esse estudo objetiva
destacar os principais causadores dos movimentos que caracterizam cada um dos períodos, tanto pela evolução
do nível ocupacional, quanto pelo comportamento da PEA.
A fonte privilegiada para a análise desse período foi a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, de metodologia do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese e da Fundação
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, que
é desenvolvida atualmente em seis importantes áreas
metropolitanas do Brasil: São Paulo, Porto Alegre,
Distrito Federal, Belo Horizonte, Salvador e Recife.
A escolha dessa fonte justifica-se por duas razões:
constitui a base de dados sobre mercado de trabalho
metropolitano mais longeva e possui a metodologia
mais afeita a captar, de forma acurada, a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro.
Deve-se ter em conta que a taxa de desemprego,
apesar de ser calculada por uma fórmula simples de
duas variáveis, que é a razão entre desempregados e
a PEA, constitui uma resultante de outros dois fenômenos que reagem de formas diferentes às flutuações
da atividade econômica: a expansão da ocupação
(que, em geral, cresce com o produto interno bruto
– PIB, dado o padrão tecnológico) e o crescimento da
PEA, representando a entrada de pessoas no mercado de trabalho (que não obedece linearmente à lógica
econômica e é mais determinada por fatores demográficos, sendo o crescimento da população em idade
ativa – PIA o mais imperativo, além do crescimento
vegetativo da população e a imigração). Se diferentes metodologias possuem conceitos diferentes de
ocupação e da PEA, então, por extensão, poderão ter
taxas de desemprego distintas, com níveis diferentes,
mas também com comportamentos distintos ao longo do tempo.
O item seguinte apresenta uma breve descrição do
comportamento do mercado de trabalho na década
que antecedeu o período de análise desse texto. Os
dados da PED da Região Metropolitana de São Paulo
– RMSP, únicos desse período, foram cruciais para
desenhar o panorama do mercado de trabalho, entre
meados das décadas de 1980 e 1990. O segundo item
analisa o comportamento da PIA e da PEA, e o terceiro explicita a dinâmica de crescimento ocupacional
e o comportamento dos vários setores econômicos.
A quarta parte investiga, tanto qualitativa como quantitativamente, o segmento desempregado da PEA,
utilizando a mesma periodização aplicada nas seções
anteriores. Por fim, à guisa de conclusão, são feitas
algumas reflexões sobre os resultados alcançados.
ANTECEDENTES: O MERCADO DE TRABALHO ENTRE
MEADOS DAS DÉCADAS DE 1980 E 1990
O surgimento da metodologia da PED está vinculado
ao momento de crise econômica no início da década
de 1980. Até então, sobretudo nas décadas anteriores
de 1960 e 1970, os pólos industriais, principalmente o da RMSP, vinham estruturando seu mercado de
trabalho e absorvendo mais e mais migrantes de outras regiões do Brasil. A interrupção da dinâmica de
crescimento vultuoso de postos de trabalho pela crise
econômica agravou um problema que era visto como
marginal: o crescimento do número de pessoas desempregadas, bem como o aumento da demora para
obter uma colocação.1
Em decorrência disso, é nessa época que se observa no Brasil o surgimento de mais indicadores sobre
o mercado de trabalho. Mas havia clara insatisfação
da sociedade pelos dados oficiais, que, ao adotarem
uma metodologia mais afeita a captar o fenômeno do
desemprego nos países industrializados, de mercados
de trabalho estruturados, acabava por indicar um desemprego baixo, flagrantemente contraditório com o
que se intuía do estado de convulsão social decorrente do colapso econômico.
Da experiência pioneira da Pesquisa de Padrão de
Vida e Emprego – PPVE,2 foi desenvolvida a metodologia da PED que, além de captar o desemprego
aberto comparável a outros países centrais, procurava
investigar formas “camufladas” de desemprego ao
utilizar um conceito mais amplo de desocupação, que
inclui o desemprego oculto pelo trabalho precário e
o desemprego oculto pelo desalento (Quadro 1). O
êxito de sua aplicação na RMSP, desde 1985, fez com
que a metodologia da PED fosse reproduzida em
outras áreas metropolitanas do país, principalmente
a partir de meados da década de 1990, como é o caso
da Grande Belo Horizonte, mas com experiências anteriores, como o Distrito Federal e a Região Metropolitana de Porto Alegre – RMPOA.
Passado o momento de ajustes econômicos mais
dramáticos, entre 1981 e 1983, a economia brasileira esboçou reação nos anos seguintes, com impactos
positivos sobre o mercado de trabalho.3 De fato, na
segunda metade da década de 1980, a taxa de desemSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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76
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Quadro 1
Principais Conceitos da PED
PIA – População em Idade Ativa: corresponde à população
com dez anos ou mais.
DESEMPREGADOS são os indivíduos que se encontram numa
das seguintes situações:
PEA – População Economicamente Ativa: parcela da PIA
ocupada ou desempregada.
a) desemprego aberto: pessoas que procuraram trabalho de modo
efetivo nos 30 dias anteriores à entrevista e não exerceram nenhum
trabalho nos últimos sete dias;
OCUPADOS são os indivíduos que:
b) desemprego oculto pelo trabalho precário: pessoas que realizam
de forma irregular algum trabalho remunerado (ou pessoas
que realizam trabalho não-remunerado em ajuda a negócios
de parentes) e que procuraram mudar de trabalho nos 30 dias
anteriores ao da entrevista, ou que, não tendo procurado neste
período, o fi zeram até 12 meses atrás;
a) possuem trabalho remunerado exercido regularmente;
b) possuem trabalho remunerado exercido de forma irregular,
desde que não estejam procurando trabalho diferente do
atual. Excluem-se as pessoas que, não tendo procurado
trabalho, exerceram de forma excepcional algum trabalho
nos últimos 30 dias;
c) possuem trabalho não-remunerado de ajuda em negócios
de parentes, ou remunerado em espécie ou benefício, sem
procura de trabalho.
c) desemprego oculto pelo desalento: pessoas que não possuem
trabalho e nem procuraram nos últimos 30 dias, por desestímulos
do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas
procuraram efetivamente trabalho nos últimos 12 meses.
Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT e instituições regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
prego total na RMSP experimentou intensa redução,
passando dos 12,2% da força de trabalho em 1985,
para os 8,7% identificados em 1989, pela Tabela 1.
Essa recuperação, expressa na menor média anual alcançada na série histórica da PED/RMSP, decorreu
do notável crescimento da ocupação que, elevando-se
à ordem de 3,5% ao ano, superava o intenso ritmo de
crescimento não apenas da PIA (2,2% ao ano), como
também da PEA (2,5% ao ano).
Ao final da década de 1980, o problema do desemprego parecia estar equacionado, embora o mercado
de trabalho talvez demandasse pequenos ajustes para
corrigir o aumento da informalidade ou mesmo a diminuição da renda dos trabalhadores.4 Os eventos da
década seguinte trataram de desmentir esse cenário
promissor, uma vez que a taxa de desemprego da metrópole paulistana assumiu uma trajetória quase linear
de crescimento, que resultou em patamares que avizinhavam aos 20% da PEA em 1999.
A razão para esse comportamento, que corroborou a idéia de que a década de 1990 foi um período de
crise do mercado de trabalho, está relacionada a dois
Tabela 1
Estimativas Médias da PIA, PEA, Ocupados, Desempregados e Inativos
Região Metropolitana de São Paulo – 1985-2005
Indicadores
PIA
PEA
Ocupados
Desempregados
Inativos
Estimativas Médias (em 1.000 pessoas)
Variação Anual Média (% )
1985 (1) 1989 (1) 1996
1999
2002
2005
10. 787 11. 747 13. 563 14. 445 15. 148 15. 808
1989/1985
2, 2
1996/1989
2, 1
2,5
2,2
1999/1996 2005/1999
2, 1
1, 5
6.505
7.177
8.382
8.985
9.619 10.038
2,3
1,9
5.711
6.553
7.116
7.251
7.791
8.342
3,5
1,2
0,6
2,4
794
624
1.266
1.734
1.828
1.696
-5,8
10,6
11,1
-0,4
4.282
4.570
5.181
5.460
5.529
5.770
1,6
1,8
1,8
0,9
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. IBGE. Censos Demográfi cos de 1980 e 1991.
(1) Estimativas feitas por interpolação intercensitária.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
crise do mercado de trabalho e os primeiros anos de
retomada, ainda que moderada, do ritmo de geração
de postos de trabalho (Tabelas 1 e 2). A partir desse
momento, entretanto, a análise se faz com base mais
ampla, ao se investigar o comportamento das seis regiões metropolitanas pesquisadas pela PED. Nesses
últimos dez anos, sobressai a sincronia com que evoluem as taxas de desemprego nas áreas metropolitanas analisadas (Gráfico 1). Tal fato sugere um padrão
de comportamento e que os mercados de trabalho
locais se mantinham muito mais influenciados pela
dinâmica das políticas econômicas nacionais que por
determinantes regionais.
fatores. De um lado, verificou-se baixa capacidade de
geração de postos de trabalho (com crescimento de
apenas 1,2% ao ano entre 1990 e 1996 e de meros
0,6% ao ano até 1999), provavelmente como reflexo
do baixo crescimento econômico5 e de outro, o fato
do crescimento da PEA ter se mantido elevado (de
2,2% ao ano, entre 1990 e 1996, e de 2,3% ao ano,
entre 1996 e 1999) agravou os efeitos da desaceleração do ritmo de geração de postos de trabalho sobre
o desemprego.6
O texto a seguir discute a evolução do mercado
de trabalho entre meados da década de 1990 e 2000,
ou seja, o período que compreende os anos finais de
Tabela 2
Taxas de Participação e de Desemprego
Região Metropolitana de São Paulo – 1985-2005
Em porcentagem
1985
1989
1996
1999
2002
2005
Taxa de Participação
60,3
61,1
61,8
62,2
63,5
63,5
Taxa de Desemprego Total
Taxas
Variação Anual Média
1989/1985 1996/1989 1999/1996 2005/1999
0,3
0,2
0,2
0,3
12, 2
8, 7
15, 1
19, 3
19, 0
16, 9
-8, 1
8, 2
8, 5
-2, 2
Aberto
7,6
6,5
10,0
12,1
12,1
10,5
-3,8
6,3
6,6
-2,3
Oculto
4,6
2,2
5,1
7,2
6,9
6,4
-16,8
12,8
12,2
-1,9
Pelo Trabalho Precário
2,9
1,5
3,8
5,1
4,9
4,8
-15,2
14,2
10,3
-1,0
Pelo Desalento
1,7
0,7
1,3
2,1
2,0
1,5
-19,9
9,2
17,3
-5,5
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Gráfico 1
Evolução das Taxas Médias de Desemprego Total
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1988-2005
30
Em % da PEA
Belo Horizonte
25
Distrito Federal
Porto Alegre
20
Recife
Salvador
15
São Paulo
Curitiba
Belém
10
5
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
77
78
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
A POPULAÇÃO EM IDADE ATIVA
E ECONOMICAMENTE ATIVA
O período analisado encerra um momento de inflexão na história da dinâmica populacional brasileira.
A partir das décadas de 1980 e 1990, assiste-se à desaceleração do movimento migratório quase secular
das regiões mais rurais para os grandes centros industriais. Ao lado disso, deve-se considerar o fenômeno
da redução da fecundidade, que se acentuou a partir
das décadas de 1970 e 1980, principalmente nesses
centros. Tais movimentos, combinados, contribuíram
para a redução do dinamismo do crescimento populacional e também do seu segmento em idade ativa
(PIA) que se observa ao comparar as suas taxas de
crescimento, no período de 1996 a 1999, em relação
ao momento seguinte, de 1999 a 2005.
No total das áreas metropolitanas pesquisadas,
a PIA, estimada em 26,7 milhões, em 1998, passou
para 27,3 milhões de pessoas, em 1999, ao crescer a
uma taxa de 2,4% (Tabela 3). A mesma taxa havia se
reduzido para uma média anual de 2,0%, entre 1999
e 2002, e para 1,9%, entre 2002 e 2005, o que resultou em PIA estimada de 30,7 milhões, em 2005. Nas
regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre e
Recife, observaram-se reduções sensíveis, ao longo
do período, enquanto que as demais não apresentaram mudança considerável no ritmo de crescimento
da PIA.
O segmento da PIA incorporado à força de trabalho, ou seja, a PEA, estava estimada em 18,7 milhões
de pessoas, no total das áreas metropolitanas analisadas, em 2005 (Tabela 3). Pelo Gráfico 2, observa-se
que o crescimento da PEA revelou-se mais acentuado que o total da PIA ao longo do período analisado,
em todas as áreas metropolitanas, com exceção de
Recife e com destaque para o Distrito Federal, onde
a diferença entre as taxas de crescimento da PIA e da
PEA foi mais evidente (3,3% ao ano e 4,1% ao ano,
respectivamente).
Tabela 3
Evolução da PIA e da PEA
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005
Regiões Metropolitanas
e Distrito Federal
Estimativas (em 1.000 pessoas)
Variações (% a.a.)
1996
1998
1999
2002
2005
Total da PIA
-
26. 683
27. 322
28. 994
30. 695
-
2, 4
2, 0
1, 9
São Paulo
13.563
14.142
14.445
15.148
15.808
2,1
2,1
1,6
1,4
Distrito Federal
1.393
1.487
1.536
1.692
1.863
3,3
3,3
3,3
3,3
Porto Alegre
2.669
2.780
2.855
3.019
3.199
2,1
2,7
1,9
1,9
Belo Horizonte
3.111
3.295
3.391
3.683
3.991
2,9
2,9
2,8
2,7
Salvador
-
2.322
2.385
2.589
2.810
-
2,7
2,8
2,8
Recife
-
2.657
2.710
2.863
3.024
-
2,0
1,8
1,8
Total da PEA
-
15. 926
16. 442
17. 745
18. 720
-
3, 2
2, 6
1, 8
São Paulo
8.382
8.711
8.985
9.619
10.038
1,9
3,1
2,3
1,4
841
919
953
1.090
1.203
4,5
3,7
4,6
3,3
Porto Alegre
1.457
1.576
1.665
1.736
1.835
4,0
5,6
1,4
1,9
Belo Horizonte
1.764
1.898
1.940
2.166
2.391
3,7
2,2
3,7
3,3
Salvador
-
1.393
1.436
1.611
1.717
-
3,1
3,9
2,1
Recife
-
1.429
1.463
1.523
1.536
-
2,4
1,3
0,3
Distrito Federal
1998/1996 1999/1998 2002/1999 2005/2002
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Gráfico 2
Taxas de Crescimento da PIA e da PEA
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996/2005 (1)
4,5
PIA
Em % a.a.
PEA
4,1
4,0
3,5
3,4
3,3
3,0
2,6
2,8
3,0
2,8
2,5
2,0
2,0
2,0
1,9
1,7
1,5
1,0
1,0
0,5
0,0
São P aulo
Distrito Federal P o rto A legre B elo Ho rizo nte
Salvado r
Recife
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
O crescimento da PEA maior que da PIA, fenômeno verificado na maioria dos casos, sugere
mudança de comportamento da população, com a
ampliação do número relativo de seus componentes saindo da condição de inativos e ingressando
no mercado de trabalho, ao longo do período. Nenhum dos atributos pessoais analisados pela PED
proporciona melhor explicação para o maior envolvimento da PIA no mercado de trabalho do que o
gênero, uma vez que a taxa de participação, que é a
razão entre a PEA e a PIA, havia permanecido relativamente estável ou mesmo diminuído, entre os homens, ao passo que, entre as mulheres, havia assumido uma trajetória ascendente, de forma consistente7
(Gráfico 3).
Qualificando mais o movimento de inserção das
mulheres no mercado de trabalho – e a permanência dos homens –, deve-se considerar que foi mais
intenso na primeira fase (até 1999) que no momento seguinte, o que resultou numa desaceleração do
crescimento da PEA entre 1999 e 2005, mesmo, por
vezes, com a manutenção da velocidade de aumento
da PIA. Na Região Metropolitana de Recife – RMR,
onde essa desaceleração foi mais explícita, o crescimento da PEA, que era de 2,4%, entre 1998 e 1999,
reduziu para a média de 1,3% ao ano, entre 1999
e 2002, que se agravou, no momento seguinte, até
2005, ao apresentar um crescimento de apenas 0,3%
ao ano (Tabela 3).
A perda de fôlego do processo de inserção feminina no mercado de trabalho e mesmo a evasão de
homens do contingente de pessoas economicamente
ativas podem estar relacionadas com as tendências,
tanto quantitativas como qualitativas, da geração de
postos de trabalho, que é o tema do próximo item.
EVOLUÇÃO DO NÍVEL E DA ESTRUTURA
OCUPACIONAL E DE RENDIMENTOS
De modo geral, pode-se afirmar que o desempenho
da ocupação no período de 1990 a 2005 foi desigual
entre os anos e diferenciado nas regiões pesquisadas
pela PED, repercutindo sobre as características da estrutura ocupacional dessas regiões.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
79
80
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Gráfico 3
Evolução da Taxa de Participação, por Sexo
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1998-2005
São Paulo
Salvador
Em %
70,0
60,0
74,5
6 1,8
Em %
73,4
6 2 ,2
73,4
6 3 ,5
54,4
50,0
50,2
69,3
68,5
59 ,9
6 0 ,2
51,9
53,1
69,8
68,5
70,0
72,4
6 2 ,2
6 1,1
60,0
6 3,5
55,5
55,5
50,0
52,0
40,0
54,7
40,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Total
Homem
M ulher
Porto Alegre
Em %
70,0
67,3
Distrito Federal
Em %
68,6
66,7
66,4
57,5
57,4
70,0
60,0 54 ,6
60,0
49,0
49,3
58,0
49,3
50,0
43,0
40,0
58,9
55,2
52,4
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Belo Horizonte
Recife
Em %
Em %
60,0
71,4
6 4 ,6
40,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
70,0
6 4 ,4
6 2 ,0
6 0 ,4
50,0
72,0
70,1
69,7
58 ,3
68,1
56,7
67,4
57,2
67,8
67,7
58,8
59,9
70,0
65,8
65,2
63,9
60,9
60,0
53,8 54 ,0
53 ,2
50,8
50,0
50,9
40,0
46,5
53,0
50,0
43,6 44,4
44,2
42,3
48,1
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
40,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Em termos temporais, observa-se que o ano de
1999 constitui-se um divisor de águas no desempenho da ocupação nas regiões metropolitanas brasileiras. A taxa de crescimento média anual do nível de
ocupados avançou de maneira muito tímida até 1999
e se recuperou consideravelmente nos anos seguintes.
Esse comportamento se verificou muito nitidamente em cinco das seis regiões pesquisadas pela PED
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
– com exceção da RMR, em que pese o reduzido período de análise, uma vez que a pesquisa nessa região
iniciou-se em 1998 (Gráfico 4).
Como resultado da melhora de desempenho do
crescimento ocupacional após 1999, o contingente de
ocupados estimado nas seis regiões investigadas pela
PED, que era de 13,1 milhões em 1999, cresceu para
15,4 milhões em 2005. Contudo, o ritmo de crescimen-
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Gráfico 4
Taxa de Crescimento Médio Anual da Ocupação
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
1996-1999
Em % a. a.
1999-2005
4,7
4,5
3,8
3,8
3,0
2,5
2,4
2,1
1,9
1,8
1,5
1,1
0,8
0,6
0,0
-1,1
-1,5
São Paulo
Distrito Federal
Porto Alegre
Belo Horizonte
Salvador
Recife
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
to da ocupação nesse período de aumento do número
do emprego metropolitano no Brasil não foi uniforme. Verifica-se que o crescimento absoluto e relativo
da ocupação nos primeiros três anos que se seguiram a
1999 (até 2002) foram maiores que nos três anos subseqüentes (2003 até 2005), denotando perda gradual de
dinamismo após grande ímpeto inicial – que também
pode ser explicada pela demanda reprimida por trabalhadores no início de um ciclo econômico ou pelo efeito estatístico da base de análise deprimida (Tabela 4).
Outra característica que marcou as transformações
dos mercados de trabalho metropolitanos brasileiros
Tabela 4
Evolução da Estimativa dos Ocupados
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005
Regiões Metropolitanas e
Distrito Federal
Total
Estimativas (em 1.000 pessoas)
1996
-
1998
1999
2002
Variações (% a.a.)
2005
12. 952 13. 113 14. 284 15. 369
1998/1996
1999/1998
2002/1999
2005/2002
-
1, 2
2, 9
2, 5
7.116
7.126
7.251
7.791
8.342
0,1
1,8
2,4
2,3
701
739
742
864
975
2,7
0,4
5,2
4,1
Porto Alegre
1.266
1.325
1.349
1.470
1.569
2,3
1,8
2,9
2,2
Belo Horizonte
1.540
1.596
1.593
1.774
1.992
1,8
-0,2
3,7
3,9
Salvador
-
1.046
1.038
1.171
1.298
-
-0,8
4,1
3,5
Recife
-
1.120
1.140
1.214
1.193
-
1,8
2,1
-0,6
São Paulo
Distrito Federal
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
81
82
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
na década de 1990 foi a fragilização da sua estrutura ocupacional, relacionada à queda na capacidade
de geração de emprego por parte do setor industrial
(com o respectivo aumento da participação do setor
de serviços), com o aumento de formas de contratação flexíveis e muitas vezes à margem da legislação
trabalhista, além da importância dos trabalhos precários como alternativas ao desemprego. Como se verá
adiante, algumas dessas tendências foram estancadas
ou revertidas a partir de 1999.
A queda do emprego na indústria está intimamente relacionada ao padrão de desenvolvimento e à forma de inserção internacional escolhidos pelo Brasil
desde os anos 1990. A adoção de medidas, como a
abertura comercial abrupta, taxas de juros elevadas,
câmbio apreciado e redução do papel do Estado,
resultaram não só num débil e instável crescimento
econômico – com rebatimentos no nível de emprego
do mercado de trabalho – como também numa aceleração e intensificação da reestruturação tecnológica
e organizacional das empresas. Esse movimento acabou por eliminar e/ou deslocar postos de trabalho,
via racionalização, aumento da produtividade e intensificação do processo de terceirização nas regiões
mais industrializadas.
Como resultado do crescimento da ocupação e
dos novos arranjos produtivos, não obstante o setor
industrial não ter deixado de reduzir seu contingente
de ocupados em termos absolutos, ele perdeu participação na estrutura ocupacional setorial em cinco das
seis regiões pesquisadas pela PED – salvo em Salvador, onde houve ampliação. As maiores reduções
relativas da indústria no emprego setorial ocorreram
nas regiões metropolitanas mais industrializadas de
São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre – também
no Distrito Federal, observou-se a queda de sua participação, porém, como a presença industrial nessa
região é pequena, a movimentação não chegou a ser
significativa.
Na RMSP, entre os anos de 1996 e 2005, a indústria perdeu 3,0 pontos percentuais da sua participação no total das ocupações. Nesse mesmo período,
o emprego industrial das regiões metropolitanas de
Belo Horizonte e de Porto Alegre perdeu, respectivamente, 1,8 e 1,6 pontos percentuais de participaSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
ção na ocupação total. No sentido oposto, o setor de
serviços, que já era o principal responsável pela ocupação, ampliou sua participação em todas as regiões
metropolitanas investigadas (Tabela 5).
Contudo, o ritmo dessa tendência a desindustrialização em paralelo à crescente importância do emprego no setor de serviços nos mercados de trabalho
metropolitanos brasileiros não foi uniforme nessa
última década. Mais uma vez, o ano de 1999 constitui-se em um marco analítico para essa mudança.
Até 1999, a taxa de crescimento médio anual da ocupação industrial era mormente negativa e substancialmente menor ao incremento da participação do
setor de serviços. Após 1999, ainda que persistisse a
tendência de um melhor desempenho dos ocupados
no setor de serviços, a diferença entre os dois ritmos de expansão aproximou-se consideravelmente
(Tabela 6). Tal inflexão no comportamento tendencial do emprego industrial guardou relação com a
desvalorização cambial ocorrida em 1999, que resultou em relativa melhora na competitividade internacional dos produtos brasileiros chamados de tradables
(comercializáveis), em que se enquadram os produtos industrializados.
Ao lado da reestruturação da indústria e da sua
conseqüente perda de importância como gerador
de empregos houve, entre meados dos anos 1990 e
2005, um crescimento das formas flexíveis de contratação de mão-de-obra, tanto pelo setor privado
quanto pelo público. O Gráfico 5 permite visualizar
essa tendência à expansão das formas de contratação
flexibilizadas de trabalhadores frente a perda de participação das formas de inserção padrão em todas as
regiões pesquisadas pela PED. Cabe mencionar que,
como flexibilizada, entende-se a contratação do trabalhador diretamente como assalariado sem carteira
de trabalho assinada, pela sua contratação via empresa terceirizada ou como trabalhador autônomo.
Entre 1996 e 2005, na RMSP, a contratação flexibilizada aumentou de 29,2% do total de postos de trabalho gerados por empresas para 35,1%. Na RMPOA, a
contratação flexibilizada passou de 20,2% para 25,0%.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH,
a contratação flexibilizada aumentou de 25,8% para
26,5%. No Distrito Federal, por sua vez, saltou de
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Tabela 5
Distribuição dos Ocupados, segundo Setores de Atividade Econômica
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em porcentagem
Setores de Atividade
Econômica
São Paulo
Distrito Federal
1996
100, 0
1999
100, 0
2002
100, 0
2005
100, 0
Indústria
22,6
19,6
20,0
19,5
4,8
3,9
Comércio
17,2
16,1
16,1
16,1
14,6
14,5
Serviços
Total
1996
100, 0
1999
100, 0
2002
100, 0
Porto Alegre
2005
100, 0
1996
100, 0
1999
100, 0
2002
100, 0
2005
100, 0
3,7
3,9
21,2
19,0
18,8
19,6
15,4
16,1
16,7
16,9
16,1
17,1
46,2
49,6
49,4
50,5
63,4
65,0
65,5
66,0
48,4
50,3
52,2
51,4
Construção civil
5,4
5,3
5,2
4,9
4,8
4,1
3,9
3,6
6,0
5,8
5,3
4,9
Serviços domésticos
8,1
8,9
8,6
8,6
11,6
11,6
10,4
9,6
7,3
7,6
7,2
6,6
Outros setores
0,5
0,5
0,7
0,4
0,8
0,9
1,1
0,8
0,4
0,4
0,4
0,4
1997
100, 0
1999
100, 0
2005
100, 0
1998
100, 0
1999
100, 0
2002
100, 0
2005
100, 0
Setores de Atividade
Econômica
Belo Horizonte
Salvador
1999
100, 0
2002
100, 0
2005
100, 0
Indústria
16,1
14,4
14,5
14,3
8,4
8,1
8,4
9,3
9,9
9,3
9,0
9,4
Comércio
15,1
15,0
15,4
15,6
17,9
15,9
16,3
16,1
20,7
21,5
20,4
19,4
Serviços
49,6
51,3
53,0
54,5
55,6
58,5
59,0
59,0
51,5
51,5
53,1
54,2
8,2
8,3
6,9
6,3
5,4
5,5
5,2
4,7
4,8
4,7
4,8
4,2
10,0
10,1
9,5
8,9
10,8
10,4
10,1
9,4
9,7
9,6
9,0
9,1
1,0
0,9
0,7
0,4
1,9
1,6
1,0
1,5
3,4
3,4
3,7
3,7
Total
Construção civil
Serviços domésticos
Outros setores
2002
100, 0
Recife
1996
100, 0
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
Gráfico 5
Distribuição dos Postos de Trabalho Gerados por Empresas, segundo Formas de Contratação
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Contratação padrão
100
Contratação flexibilizada
Em %
29,2
20,2
23,5
31,0
35,1
25,0
25,8
26,5
34,2
35,6
35,8
36,1
65,8
64,4
64,2
63,9
1997
2005
1998
2005
75
50
70,8
79,8
76,5
69,0
64,9
75,0
74,2
73,5
25
0
1996
2005
São Paulo
1996
2005
Distrito Federal
1996
2005
Porto Alegre
1996
2005
Belo Horizonte
Salvador
Recife
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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84
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Tabela 6
Taxas de Crescimento Médio Anual dos Ocupados, segundo Setores de Atividade Econômica
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em porcentagem
Setores de Atividade
Econômica
Distrito Federal
São Paulo
1999/1996
2002/1999
0, 6
2, 4
2, 3
Indústria
-4,0
3,1
Comércio
-1,6
2,4
Serviços
3,0
2,3
Total
2005/2002 2005/1999
1999/1996
2002/1999
2005/2002
2005/1999
2, 4
1, 9
5, 2
4, 1
4, 7
1,5
2,3
2,4
3,3
5,9
4,6
2,3
2,4
5,1
7,2
5,7
6,4
3,1
2,7
2,8
5,4
4,4
4,9
Construção civil
0,0
1,8
0,3
1,1
-3,1
4,3
1,0
2,6
Serviços domésticos
3,8
1,3
2,3
1,8
2,0
1,5
1,1
1,3
Outros setores
1,8
13,1
-15,7
-2,3
-36,1
18,6
-3,5
7,0
Setores de Atividade
Econômica
Belo Horizonte
Porto Alegre
1999/1996
2002/1999
1999/1996
2002/1999
2005/2002
2005/1999
2, 1
2, 9
2, 2
2, 5
1, 1
3, 7
3, 9
3, 8
Indústria
-1,5
2,7
3,5
3,1
-2,6
3,9
3,5
3,7
Comércio
2,6
1,2
4,5
2,8
0,9
4,5
4,4
4,5
Serviços
3,4
4,2
1,7
2,9
2,3
4,8
4,9
4,9
Construção civil
0,9
0,0
-0,4
-0,2
1,6
-2,6
0,8
-0,9
Serviços domésticos
3,8
1,0
-1,0
0,0
1,5
1,6
1,6
1,6
Outros setores
0,0
-5,9
6,3
0,0
0,0
-4,7
-14,9
-9,9
Total
Setores de Atividade
Econômica
2005/2002 2005/1999
Recife
Salvador
1999/1997
2002/1999
2005/2002 2005/1999
1999/1998
2002/1999
2005/2002
2005/1999
Total
-1, 1
4, 1
3, 5
3, 8
1, 8
2, 1
-0, 6
0, 8
Indústria
-2,8
5,3
7,3
6,3
-4,5
0,9
0,9
0,9
Comércio
-6,8
Serviços
1,4
5,0
3,0
4,0
5,6
0,4
-2,3
-1,0
4,4
3,5
4,0
1,7
3,2
0,1
1,6
Construção civil
0,0
2,3
0,0
1,1
0,0
2,4
-4,8
-1,3
Serviços domésticos
-3,1
3,0
1,1
2,1
0,0
0,0
0,0
0,0
Outros setores
-7,8
-11,0
16,6
1,9
2,6
4,9
-0,7
2,0
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
23,5% para 31,0%. Nas Regiões Metropolitanas de
Salvador – RMS e de Recife – RMR, os patamares de
flexibilização já eram os mais elevados (em torno de
35%) e seu comportamento foi mais estável.
Note-se que, em 2005, a proporção de contratações flexibilizadas na RMSP praticamente se igualou
às proporções observadas nas regiões metropolitanas
de Recife e de Salvador. Nesse mesmo ano, nas regiões metropolitanas de Porto Alegre e de Belo Horizonte, a proporção de contratações flexibilizadas
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
situou-se em patamares menores, porém também
elevados – respectivamente, 25,0% e 26,5%.
No entanto, esse movimento de expansão das formas de contratação flexibilizadas não foi linear no
período após meados dos anos 1990 até 2005. Desde 2002, foi identificado, na maior parte das regiões
metropolitanas pesquisadas, um esboço de reversão
da tendência de aumento na participação das formas
de contratação flexibilizadas frente à contratação padrão – somente no Distrito Federal e em Salvador,
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
as formas flexibilizadas de contratação seguiram em
crescimento (Gráfico 6).
A Tabela 7 permite verificar que, em todas as regiões, a principal forma de flexibilização foi a contratação do trabalhador diretamente pela empresa, como
assalariado sem carteira de trabalho assinada. Esta
forma de contratação chegou a atingir 18,9% dos postos de trabalhos gerados pelas empresas na RMSP. Já
as menores proporções de trabalhadores contratados
sob essa forma foram observadas no Distrito Federal
(10,5%) e na RMPOA (12,1%). Cabe sublinhar que,
em todas as regiões pesquisadas, ocorreu um aumento significativo dessa forma de contratação até 2002
e uma posterior perda de importância. Essa dinâmica
esteve em consonância e influenciou sobremaneira
a tendência recente anteriormente apresentada, qual
seja, de perda de participação das contratações flexibilizadas no total de contrações.
A segunda forma de flexibilização, que se generalizou muito rapidamente entre meados da década de
1990 e 2005, foi o assalariamento indireto em decorrência da terceirização de serviços. Com exceção da
RMBH, que registrou relativa estabilidade desse tipo
de contratação, nas outras cinco regiões estudadas
verificaram-se elevações na proporção dos assalariados terceirizados. No Distrito Federal, a parcela desse
tipo de contratação mais que dobrou, passando de
5,6% em 1996 para 12,1% em 2005.
Entretanto, a contratação do trabalhador como
conta própria ou autônomo foi também uma forma
de flexibilização bastante importante. Em 2005, o
peso relativo desse tipo de contratação foi inclusive
maior que a contratação via terceirização de serviços
em três regiões metropolitanas: São Paulo, Belo Horizonte e Recife. Neste particular, cabe destacar que
a proporção dos contratados como autônomos para
uma empresa na RMSP atingiu 9,7% dos postos de
trabalho, participação essa muito superior a alcançada
pela terceirização de serviços (5,3%), em 2005.
A análise anterior parece indicar que a flexibilização do padrão de assalariamento tende a utilizar
formas precárias de relações de trabalho, como o assalariamento sem carteira de trabalho, que coloca o
trabalhador à margem das garantias legais mínimas
Gráfico 6
Evolução da Participação dos Postos de Trabalho Flexíveis Gerados por Empresas
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
40,0
Em %
São P aulo
Distrito Federal
P o rto A legre
B elo Ho rizo nte
Salvado r
Recife
37,8
35,8
35,0
35,8
35,4
35,6
36,1
33,8
35,6
35,1
30,6
31,0
34,2
33,1
30,0
29,2
27,2
25,8
27,9
25,8
26,6
25,0
23,5
26,5
25,0
24,8
20,2
20,0
1 996 (1)
1 999
2002
2005
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
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EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Tabela 7
Distribuição dos Postos de Trabalho Gerados por Empresas, segundo Formas de Contratação
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em porcentagem
Formas de Contratação
Total
Contratação padrão
Distrito Federal
São Paulo
1996
1999
2002
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
70, 8
1996
1999
2002
Porto Alegre
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
1996
1999
2002
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
66, 9
64, 4
64, 9
76, 5
73, 4
69, 4
69, 0
79, 8
75, 2
74, 1
75, 0
Assalariados contratados diretamente
Com carteira - setor privado
59,1
56,0
54,4
55,0
33,3
35,0
36,4
38,6
61,4
59,5
59,1
61,0
Com carteira - setor público
4,6
3,7
3,2
3,5
11,2
5,5
4,5
4,1
9,0
5,5
5,0
4,6
Estatutário
7,0
7,2
6,8
6,4
32,1
32,9
28,5
26,4
9,3
10,2
10,0
9,4
29, 2
33, 1
35, 6
35, 1
23, 5
26, 6
30, 6
31, 0
20, 2
24, 8
25, 8
25, 0
Contratação flexibilizada
Assalariados contratados diretamente
Sem carteira - setor privado
16,2
17,9
19,3
18,9
11,2
11,4
12,0
10,5
9,9
12,3
13,9
12,1
Sem carteira - setor público
1,6
1,7
1,9
1,5
2,2
3,4
3,8
3,6
2,3
2,2
2,8
3,1
Assalariados terceirizados
3,4
4,0
4,6
5,3
5,6
8,2
9,9
12,1
2,9
4,4
4,7
5,2
Autônomos para uma empresa
8,1
9,5
9,7
9,7
4,4
3,5
5,0
4,7
5,1
5,9
4,4
4,6
2002
2005
Formas de Contratação
Total
Contratação padrão
Salvador
Belo Horizonte
1996
1999
2002
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
74, 2
1997
1999
2002
Recife
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
1998
1999
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
72, 8
72, 1
73, 5
65, 8
64, 6
66, 2
64, 4
64, 2
64, 2
62, 2
63, 9
Assalariados contratados diretamente
Com carteira - setor privado
55,5
55,3
56,3
58,6
42,9
43,8
46,7
47,1
44,1
45,0
45,5
47,3
Com carteira - setor público
6,6
4,4
3,7
3,3
9,9
5,2
4,5
3,6
7,1
6,8
5,6
5,1
12,2
13,0
12,1
11,5
13,0
15,6
15,0
13,7
13,0
12,4
11,2
11,5
25, 8
27, 2
27, 9
26, 5
34, 2
35, 4
33, 8
35, 6
35, 8
35, 8
37, 8
36, 1
Estatutário
Contratação flexibilizada
Assalariados contratados diretamente
Sem carteira - setor privado
14,6
14,6
16,0
13,7
17,0
17,0
17,8
16,4
17,3
17,7
18,2
16,9
Sem carteira - setor público
1,8
1,9
2,7
3,4
3,9
3,8
2,7
3,3
3,4
2,9
4,1
4,3
Assalariados terceirizados
4,4
5,2
4,4
4,3
7,0
8,2
8,1
11,1
5,7
5,0
5,8
6,3
Autônomos para uma empresa
5,0
5,5
4,7
5,1
6,4
6,3
5,2
4,8
9,4
10,2
9,8
8,7
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho
– CLT, ou a contratação deste como conta própria,
o que implica na marginalização dos benefícios associados ao trabalho assalariado e a transferência, para
este trabalhador, de custos e riscos próprios de uma
empresa. Cabe assinalar que esta última forma de
contratação tem sido utilizada pelo empregador para
reduzir seu contingente de assalariados diretos.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
Ademais, merece ponderação o fato de que as três
formas de contratação flexibilizadas analisadas não
são situações novas no mercado de trabalho brasileiro e tampouco um movimento de sua modernização, embora tenham sido atualmente valorizadas
como tais e, muitas vezes, apresentadas como benéficas não só para as empresas mas também para os
trabalhadores.
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Neste sentido, é esclarecedora a comparação entre o resultado da evolução da contratação flexível
no mercado de trabalho metropolitano de São Paulo
com a situação observada nos mercados metropolitanos de Recife e Salvador, regiões historicamente com
menor grau de consolidação de desenvolvimento industrial e do padrão de assalariamento brasileiro. O
acentuado processo de flexibilização da contratação
de trabalho observado na RMSP igualou sua situação ao patamar de contratações flexíveis existente em
Salvador e em Recife (Gráfico 3); ao mesmo tempo,
tornou mais parecidas as proporções dos diferentes
tipos de contratações flexíveis (Tabela 7).
A análise mais acurada do processo de flexibilização por setor de atividade (Tabela 8) permite observar
que, em todas as regiões metropolitanas pesquisadas,
os setores de indústria e de comércio logram nos anos
2000 reverter, em alguma medida, o processo de intensificação da flexibilização ocorrida nos anos 1990.
De modo correlato, essa mesma revisão na forma de
contratação flexibilizada ocorre no setor de construção civil em cinco regiões pesquisadas; somente na
RMSP, a flexibilização continua sendo praticada crescentemente – atingindo, inclusive, um patamar bastante alto no último ano considerado (52,6%).
Na indústria, a reversão no processo de intensificação da flexibilização verificado nos anos 1990 foi
menor na RMSP, sendo que, nas regiões metropolitanas de Salvador, Recife e no Distrito Federal, a
flexibilização chegou a ser menor em 2005 do que
havia sido em meados da década de 1990 – mais especificamente, no primeiro ano da série estudada. No
último ano analisado, a maior proporção de postos
de trabalho industriais com contrato flexível foi registrado no Distrito Federal (37,7%) e a menor, na
RMPOA (14,2%). Já no comércio, as maiores reversões nos processos de flexibilização ocorreram no
Distrito Federal, na RMBH e na RMS. Nesse setor,
todas as regiões metropolitanas finalizaram 2005 com
proporções menores de trabalhadores flexibilizados
que nos anos iniciais da série investigada, ainda em
meados dos anos 1990. Ao final do período, os maiores patamares de trabalhadores comerciais flexibilizados foram encontrados na RMR (39,4%) e os menores, novamente, na RMPOA (21,8%).
Contudo, o setor de serviços não experimenta o
mesmo comportamento de reversão na tendência
de flexibilização observada nos outros setores entre
meados da década de 1990 e 2005. Somente na RMR,
observou-se pequena diminuição na proporção de trabalhadores do setor de serviços com contrato flexibilizado entre 2002 e 2005, enquanto que, nas regiões
metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte, verifica-se relativa estabilidade da dinâmica de crescimento
do fenômeno entre os dois últimos anos da série em
questão. Nas regiões metropolitanas de Salvador, Porto
Alegre e no Distrito Federal, a flexibilização avançou
com maior persistência no período analisado, crescendo, respectivamente, 14,33%, 35,59% e 62,94%.
Para melhor observação da intensificação do processo de flexibilização no setor de serviços procedeuse à desagregação dos dados setoriais para elucidar os
motivos dessa particular performance (Tabela 8). Sua
análise revela a expansão da flexibilização na administração pública – de forma praticamente ininterrupta no período, em todas as seis regiões investigadas.
Condizente com o peso do serviço público no Distrito Federal, é justamente ali que a proporção de contratos de trabalho flexibilizados mais se intensifica,
aumentando em quase três vezes sua participação no
período (crescimento de 274,65%), partindo de uma
parcela de 7,1% dos contratos em 1996 e atingindo
26,6% em 2005.
Interessante verificar que a gestão pública introduz paulatinamente, na década de 1990, os conceitos
e princípios da gestão empresarial que traziam na sua
esteira a necessidade da reestruturação produtiva que
se deu, principalmente, via flexibilização das relações
de trabalho – adotados pela iniciativa privada com
grande intensidade desde os primeiros anos da década de 1990.
Na gestão pública, a introdução dessa nova visão
de administração gerencial se explicita e começa a ser
trabalhada de forma mais efetiva por meio do Plano
Diretor da Reforma do Estado, de 1995. Ocorre que
a resistência social e sindical inicial a esse novo modelo foi muito grande, de modo que sua introdução foi
paulatina, mas, a julgar pelos resultados da PED, contínua e profunda. Talvez a iniciativa privada já tenha
percebido os limites do uso de tal política de trabalho
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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88
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Tabela 8
Distribuição dos Ocupados, segundo Posição na Ocupação
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em porcentagem
Posição na Ocupação
Ocupados
São Paulo
1996
1999
2002
Distrito Federal
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
1996
1999
2002
Porto Alegre
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
1996
1999
2002
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
63,0
61,4
62,4
63,4
64,4
66,8
67,1
67,9
65,6
63,2
65,5
67,1
53,9
52,8
54,1
55,3
33,7
37,7
41,0
43,6
51,2
51,1
53,3
55,1
2,3
2,7
3,2
3,7
Com carteira assinada
42,5
40,4
40,2
41,6
26,1
29,3
31,9
34,9
44,2
42,3
43,3
46,1
Sem carteira assinada
11,4
12,5
14,0
13,8
7,7
8,4
9,1
8,6
7,0
8,8
10,0
9,0
Assalariados – setor público
9,1
8,5
8,2
8,0
30,7
29,0
26,0
24,3
14,3
12,0
12,2
12,0
17,5
18,7
19,6
19,1
15,8
13,3
14,5
15,2
17,6
18,9
17,5
17,5
que trabalha para o público
10,2
10,6
10,9
10,3
12,5
10,6
10,6
11,4
12,7
13,6
12,6
12,3
que trabalha para empresa
7,4
8,1
8,7
8,8
3,3
2,8
3,9
3,7
4,9
5,3
4,9
5,2
Empregadores
5,2
4,7
4,2
4,0
4,3
4,8
4,4
4,6
3,7
4,0
4,2
4,2
Empregados domésticos
8,1
8,9
8,6
8,6
11,6
11,6
10,4
9,6
7,3
7,6
7,2
6,6
Demais posições
6,3
6,3
5,3
4,8
3,9
3,5
3,6
2,7
5,8
6,3
5,6
4,7
2002
2005
Assalariados total
Assalariados – setor privado
Subcontratados
Autônomo
Posição na Ocupação
Ocupados
Belo Horizonte
1996
1999
2002
Salvador
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
1997
1999
2002
Recife
2005
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
1998
1999
100, 0 100, 0 100, 0 100, 0
62,9
61,4
63,7
64,4
56,1
58,5
59,9
61,8
55,4
54,8
56,3
59,2
49,1
48,8
51,2
51,9
40,0
43,0
45,7
48,3
41,0
41,3
43,3
45,7
Subcontratados
2,8
3,4
2,8
2,9
4,1
5,1
5,0
7,1
8,4
7,4
8,3
Com carteira assinada
39,3
39,1
40,1
42,6
29,2
31,7
33,9
36,8
30,0
30,3
31,6
34,6
Sem carteira assinada
9,8
9,7
11,1
9,3
10,8
11,3
11,8
11,5
11,0
11,0
11,7
11,1
Assalariados – setor público
13,7
12,6
12,5
12,4
16,1
15,4
14,2
13,4
14,4
13,5
13,0
13,5
18,9
21,0
20,1
20,2
24,6
23,9
23,1
22,7
24,4
26,0
25,2
24,5
que trabalha para o público
14,4
16,1
15,5
14,9
19,7
19,0
18,9
19,0
17,2
18,3
17,7
17,5
que trabalha para empresa
4,5
4,9
4,6
5,3
4,9
4,9
4,2
3,8
7,2
7,6
7,5
7,0
5,3
4,8
4,8
4,3
4,3
3,9
4,2
3,9
3,3
3,0
3,7
2,6
10,0
10,1
9,5
8,9
10,8
10,4
10,1
9,4
9,7
9,5
9,0
9,1
2,9
2,7
1,9
2,2
4,2
3,3
2,7
2,2
7,2
6,7
5,8
4,6
Assalariados total
Assalariados – setor privado
Autônomo
Empregadores
Empregados domésticos
Demais posições
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
e esteja efetivamente voltando atrás na estratégia adotada. Contudo, como no setor público a introdução
dessa política de flexibilização da força de trabalho
foi mais lenta e apresentou defasagem temporal em
relação à iniciativa privada que respondeu muito mais
rapidamente, de modo que ainda não se tenha dado
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
conta dos limites da utilização dessa relação flexibilizada de trabalho e continue a praticá-la.
Outra sorte de estatísticas proporcionadas pela
PED, qual seja, a distribuição do total de ocupados
por posição na ocupação, evidencia que a crescente
fragilização dos mercados de trabalho metropolita-
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
segmentos alternativos são geralmente considerados
mais precários, uma vez que estão associados a atividades de menor nível de produtividade, com menores
rendimentos, a trabalhos mais instáveis, com menor
proteção social e a condições de trabalho mais inadequadas e, em alguns casos, até mesmo clandestinas.
Estas formas de trabalho, em geral, inserem-se em
segmentos da economia menos dinâmicos e são típicos de países mais atrasados e de mercado de trabalho mais heterogêneo.
Contudo, desde 1999 – e com alguma defasagem
temporal de acordo com a região metropolitana considerada –, observou-se um movimento de recuperação do emprego assalariado, particularmente, do
trabalho com registro em carteira. De modo correlato, mas no sentido oposto, a proporção do emprego
assalariado sem carteira de trabalho atingiu seu ponto
nos brasileiros – no sentido do aumento da parcela de
trabalhadores em ocupações tradicionalmente consideradas mais vulneráveis – foi um fenômeno que caracterizou o mercado de trabalho metropolitano brasileiro na década de 1990. Desde 1999, esboçou-se
um movimento de reversão desse fenômeno de precarização da força de trabalho metropolitana, diante
do aumento relativo do assalariamento, notadamente
com carteira de trabalho assinada, frente a outras posições em ocupações mais precárias (Tabela 9).
Nos anos 1990, verificava-se uma redução generalizada do peso do trabalho assalariado no conjunto dos postos de trabalho gerados e o aumento de
formas alternativas a este tipo de inserção – ou seja,
a ocupação como trabalhadores autônomos, como
empregados domésticos e até mesmo como trabalhadores familiares em negócios de parentes. Esses
Tabela 9
Rendimento Médio Real (1) dos Ocupados (2), segundo Setores de Atividade Econômica
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (3)
São Paulo
Setores de
Atividade
Econômica
Distrito Federal
Rendimento
(em R$ de nov. / 2007)
1996
1999
2002
2005
Var.
(% a.a.)
Rendimento
(em R$ de nov. / 2007)
1996
1999
2002
2005
Porto Alegre
Var.
(% a.a.)
Rendimento
(em R$ de nov. / 2007)
1996 1999 2002 2005
Total (4)
1. 592 1. 457 1. 145 1. 082
-4, 2
1. 748 1. 660 1. 532 1. 339
-2, 9
Indústria
1.769 1.596 1.276 1.240
-3,9
1.356 1.448 1.143
875
-4,8
985
968
Comércio
1.419 1.184
859
-5,4
1.257 1.122 1.005
855
-4,2
1.052
971
Serviços
1.793 1.707 1.326 1.246
-4,0
2.177 2.071 1.904 1.674
-2,9
914
Belo Horizonte
Setores de
Atividade
Econômica
Rendimento
(em R$ de nov. / 2007)
1. 098 1. 058 1. 013
932
-1, 8
969
912
-0,9
870
776
-3,3
1.303 1.255 1.186 1.092
-1,9
Salvador
Var.
(% a.a.)
Recife
Rendimento
(em R$ de nov. / 2007)
1996
1999
2002
2005
Total (4)
1. 032
917
907
806
-2, 7
Indústria
1.093
998 1.002
884
-2,3
Comércio
1.041
818
769
702
-4,3
804
655
664
Serviços
1.202 1.098 1.063
923
-2,9
1.054
985
948
Var.
(% a.a.)
Var.
(% a.a.)
Rendimento
(em R$ de nov. / 2007)
1996 1999 2002 2005
Var.
(% a.a.)
1996
1999
2002
2005
924
843
823
761
-2, 4
818
775
728
576
-4, 9
1.412 1.153 1.123 1.068
-3,4
831
825
772
617
-4,2
595
-3,7
705
655
580
486
-5,2
873
-2,3
1.010
955
898
691
-5,3
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Infl atores utilizados: IPCA-BH/Ipead; INPC-DF/IBGE; IPC-Iepe/RS; INPC-RMR/IBGE; IPC-SEI/BA; ICV-Dieese/SP.
(2) Excluem os assalariados que não tiveram remuneração no mês.
(3) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
(4) Inclui construção civil, serviços domésticos e outros.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
mais alto em 2002, perdendo participação até 2005.
Uma hipótese explicativa desse fenômeno pode ser
depreendida de uma análise mais ampla da ocupação
nesses anos. Como visto anteriormente, a partir de
1999, o mercado de trabalho metropolitano brasileiro
se inseriu em uma trajetória expansiva. Inicialmente,
dado o ambiente de incertezas da conjuntura econômica no curto prazo, as empresas talvez preferissem
contratar trabalhadores inicialmente sem registro em
carteira e, posteriormente, com a confirmação de um
quadro estrutural mais favorável, passaram a assinar a
carteira destes trabalhadores. A Tabela 8 mostra que,
não obstante a ocupação assalariada tenha se recuperado já a partir de 1999, foi no último triênio analisado (2003-2005) que o assalariamento com carteira
tomou fôlego em detrimento do sem registro.
Entre meados da década de 1990 e 1999, a proporção de trabalho assalariado diminuiu em quatro
das seis regiões estudadas: São Paulo, Porto Alegre,
Belo Horizonte e Recife. Por sua vez, Salvador e Recife continuaram sendo as regiões metropolitanas
onde o emprego assalariado é relativamente menor
– respectivamente de 58,5% e 54,8%. Já nos períodos 1999/2002 e 2002/2005, o trabalho assalariado
cresceu sistematicamente em todas as seis regiões
metropolitanas pesquisadas. Em 2005, Distrito Federal e Porto Alegre foram as regiões que atingiram os
maiores porcentuais de assalariados entre os ocupados com respectivamente 67,9% e 67,1%. O vetor explicativo desse dinamismo recente do assalariamento
nos mercados de trabalho metropolitanos brasileiros
provém da performance do setor privado.
A proporção do emprego no setor público, ainda que com oscilações, reduziu-se tendencialmente,
em todo o período de análise, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas – possível conseqüência do
processo de privatização implementado na década
passada, bem como da adoção de novas ferramentas
gerenciais na administração pública que racionalizam
o uso do fator trabalho no serviço público. No Distrito Federal, região onde prevalece acentuada concentração dos serviços públicos, a participação dos
assalariados do setor público, ainda que em decréscimo no período em análise, atingiu 24,3% do total de
ocupados em 2005.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
A participação do trabalho assalariado no setor
privado experimentou queda nas três regiões metropolitanas mais industrializadas (São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre) até 1999. Salvo essas regiões
e nesse período específico, todas as demais regiões
apresentaram desempenho positivo da parcela de assalariados no setor privado entre meados da década
de 1990 e 2005. A maior proporção entre as regiões
foi registrada em São Paulo, onde o contingente de
assalariados no setor privado atingiu 55,3% do total
de ocupados.
O trabalho por conta própria expandiu-se nas regiões metropolitanas mais industrializadas de São Paulo
e Belo Horizonte, caiu em maior ou em menor medida
em Salvador e no Distrito Federal, e apresentou relativa
estabilidade em Porto Alegre e em Recife. Novamente,
as modificações ocorridas nas regiões mais industrializadas tenderam a aproximar, também neste aspecto, suas estruturas ocupacionais das observadas nas
regiões metropolitanas de Recife e Salvador. Em que
pese a pequena redução desta categoria em Salvador,
sua proporção neste mercado de trabalho, juntamente
com a observada em Recife, continuou sendo superior
às registradas nas demais regiões metropolitanas.
A participação do emprego doméstico apresentou
queda em cinco regiões metropolitanas – somente
em São Paulo, a participação dos empregados domésticos cresceu no período entre meados da década
de 1990 e 2005. Nesse último ano, a menor proporção de empregados domésticos no total de ocupados pode ser identificada em Porto Alegre (6,6%) e a
maior no Distrito Federal (9,6%).
Um último ponto que merece especial, atenção no
que diz respeito à estrutura ocupacional do mercado
de trabalho metropolitano brasileiro, é a análise da
dinâmica e da estrutura dos rendimentos entre meados da década de 1990 e 2005. O processo de perda
de valor do rendimento real médio dos ocupados,
em todo o período analisado e em todas as regiões
investigadas, revela uma característica que marcou
profundamente a dinâmica do mercado de trabalho
metropolitano brasileiro nesse período, qual seja, de
deterioração da renda, com rebatimentos sobre o
consumo interno, a produção e, assim, sobre o próprio nível de emprego (Gráfico 7).
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
As maiores retrações do rendimento real médio,
nessa década de análise, ocorreram nas áreas metropolitanas de Recife (4,9% ao ano) e São Paulo (4,2%
ao ano). Deve-se ressaltar que tais perdas, acumuladas, resultaram na eliminação de pouco mais de ¼ do
valor do rendimento original, conforme se observa
na Tabela 10. Já a menor variação negativa foi regis-
trada pela RMPOA (1,8% ao ano), que, ao final do
período, acumulava perda de 15,1% do rendimento
médio de 1996.
Como a deterioração dos rendimentos foi generalizada entre as regiões metropolitanas estudadas, a
hierarquia do nível de rendimentos entre as regiões
pesquisadas não se alterou no período em questão.
Gráfico 7
Evolução do Rendimento Real Médio Anual dos Ocupados (1)
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005
São Paulo
Distrito Federal
Porto Alegre
Belo Horizonte
Salvador
Recife
Em R$ de nov./2006
1.748
1.700
1.660
1.592
1.532
1.500
1.457
1.339
1.300
1.100
1.145
1.098
1.058
1.082
1.013
1.032
917
900
907
843
932
823
806
761
775
700
728
576
500
1996
1999
2002
2005
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Exclui os assalariados que não tiveram remuneração no mês.
Nota: Infl atores utilizados: IPCA-BH/Ipead; INPC-DF/IBGE; IPC-Iepe/RS; INPC-RMR/IBGE; IPC-SEI/BA; ICV-Dieese/SP.
Tabela 10
Evolução da Estimativa de Desempregados
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005
Região Metropolitana
e Distrito Federal
Estimativas (em 1.000 pessoas)
Variações (% a.a.)
Total
1996
-
1998
2. 975
1999
3. 328
2002
3. 461
2005
3. 351
São Paulo
1.266
1.585
1.734
1.828
1.696
11,9
9,4
1,8
-2,5
140
181
210
226
228
13,7
16,0
2,5
0,3
Distrito Federal
1998/1996 1999/1998 2002/1999 2005/2002
11, 9
1, 3
-1, 1
Porto Alegre
191
251
316
266
266
14,6
25,9
-5,6
0,0
Belo Horizonte
224
302
347
392
399
16,1
14,9
4,1
0,6
Salvador
-
347
398
440
419
-
14,7
3,4
-1,6
Recife
-
309
323
309
343
-
4,5
-1,5
3,5
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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92
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Em 2005, o Distrito Federal continuou auferindo os
maiores rendimentos (R$ 1.339,00) e a RMR, os menores (R$ 576,00).
Contudo, vale sublinhar que a dinâmica de deterioração dos rendimentos, ainda que generalizada,
não se processou na mesma intensidade entre as regiões metropolitanas. Notadamente, as regiões que
detinham os mais altos rendimentos registraram as
maiores perdas na renda, embora a Grande Recife,
que tinha a menor renda dentre as regiões pesquisadas, também apresentasse evolução semelhante
dos seus rendimentos. Isso resultou, em parte, num
movimento de diminuição da dispersão da renda entre as regiões metropolitanas. Em outras palavras, o
rendimento real médio nas regiões metropolitanas
brasileiras caminhou para o nivelamento por baixo,
no sentido em que as regiões mais ricas tentaram
imitar as mais pobres, e não o contrário (Gráfico 7
e Tabela 10).
Em relação ao comportamento setorial, verificouse diminuição de rendimentos, em todos os setores,
de todas as regiões metropolitanas investigadas no
período, entre meados da década de 1990 e 2005.
Destacam-se, entretanto, as perdas dos ocupados no
comércio, que foram maiores que as respectivas médias regionais, em todos os casos analisados, como na
Grande São Paulo, em que o rendimento do comércio diminuía 5,4% ao ano, contra a média total, de
4,2% ao ano, pela Tabela 10.
Por sua vez, os rendimentos provenientes do setor
industrial, não obstante tenham caído em todas as seis
regiões, foram os que menos recuaram ou que mais
conseguiram manter seu poder aquisitivo nas áreas metropolitanas investigadas, com a exceção de Salvador e
do Distrito Federal, onde foram superados pelo relativamente melhor desempenho da renda no setor de
serviços. A RMPOA foi onde o rendimento real médio
industrial menos declinou no período (0,9% ao ano).
EVOLUÇÃO DO DESEMPREGO
O recrudescimento do desemprego no período de
1996 a 1999, decorrente da dinâmica insuficiente de
abertura de postos de trabalho, como visto acima,
mostrou-se evidente em todas as áreas metropolitaSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
nas analisadas. Ficou explícita, nesse período, a incapacidade do mercado de trabalho em absorver os
novos contingentes que nele ingressavam. Somente
entre 1998 e 1999, a população desempregada no
conjunto das regiões metropolitanas analisadas pela
PED cresceu 11,9%, ao passar de 2.975 mil para
3.328 mil pessoas (Tabela 11).
No período seguinte, entre 1999 e 2005, a elevação do ritmo de expansão das ocupações, combinada com a diminuição da velocidade em que a
PEA crescia, fez com que se reduzisse o vigor do
aumento da população desempregada em todas as
áreas metropolitanas analisadas. No total das regiões, a PEA desocupada havia crescido apenas 1,3%
ao ano, entre 1999 e 2002, sendo que no período
mais recente, observou-se redução absoluta desse
contingente, uma vez que a taxa de crescimento foi
negativa (1,1% ao ano), ao passar de 3.461 mil para
3.351 mil pessoas.
Analisando a taxa de desemprego total, que é a
relação entre o número de desempregados e o total
da PEA (Gráfico 8), os anos finais de crise do mercado de trabalho, entre 1996 e 1999, elevaram acentuadamente as taxas de desemprego. Na RMS, onde
o problema do desemprego mostrou-se mais crônico, a taxa, que era de 21,6% em 1997, saltou para
27,7% em apenas dois anos. Por seu turno, a RMBH,
mesmo apresentando uma das menores taxas de desemprego das regiões pesquisadas, não teve desempenho melhor, uma vez que esse indicador evoluiu
de 12,7%, para 19,0% da PEA, no mesmo período.
Em outras palavras, aproximadamente uma em cada
cinco pessoas inseridas na força de trabalho estava
desempregada nas regiões pesquisadas em 1999.
Os desdobramentos da economia sobre o mercado de trabalho e as tendências demográficas
aventados por esse estudo determinaram uma trajetória descendente da taxa de desemprego após
1999. Entretanto, deve-se ressaltar que, até 2005,
nenhuma das áreas pesquisadas apresentaram taxas
de desemprego menores do que possuíam há dez
anos. Na RMPOA – onde a redução da taxa mostrou-se mais precoce e visível já em 2002, ao passar
de 19,0%, registrado em 1999, para 15,3% naquele
ano, – apresentou taxa de desemprego de 14,5% da
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Tabela 11
Médias Anuais das Taxas de Desemprego Total
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1988-2005
Em % da PEA
Distrito
Federal
Porto Alegre
Belo
Horizonte
Salvador
Recife
Belém
Anos
São Paulo
1988
9,7
1989
8,7
10,8
1990
10,3
10,4
1991
11,7
10,6
1992
15,2
15,6
1993
14,6
15,1
12,2
1994
14,2
14,6
11,3
1995
13,2
15,7
10,7
1996
15,1
16,6
13,1
12,7
1997
16,0
18,1
13,4
13,4
21,6
1998
18,2
19,4
15,9
15,9
24,9
21,6
1999
19,3
22,1
19,0
17,9
27,7
22,1
2000
17,6
19,6
16,6
17,8
26,6
20,7
2001
17,6
20,0
14,9
18,3
27,5
21,1
2002
19,0
20,8
15,3
18,1
27,3
20,3
2003
19,9
22,9
16,7
20,0
28,0
23,2
2004
18,7
20,9
15,9
19,3
25,5
23,1
2005
16,9
19,0
14,5
16,7
24,4
22,3
Curitiba
15,7
11,4
10,8
13,0
14,2
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Nota: Nas regiões metropolitanas de Belém, Curitiba e Salvador (exclusivamente para 1988), as médias anuais estimadas foram
obtidas pela média simples das taxas de desemprego trimestrais.
PEA, em 2005; nível superior aos 13,1% apontados
em 1996.
Uma forma alternativa para analisar o desemprego
é a confrontação entre o comportamento da PEA e
do nível ocupacional, no período em estudo. Entre
1996 e 1999, observou-se na RMSP que o crescimento da PEA de 2,3% ao ano traduziu-se em incremento acumulado de 603 mil pessoas na força de trabalho (Tabelas 14 e 15), mas o aumento dos postos de
trabalho cobriu o equivalente a apenas 22,4% desse
total (Gráfico 9). Na RMS, esse fenômeno foi ainda
mais agudo, uma vez que houve diminuição absoluta
do número de ocupados, ao mesmo tempo em que a
PEA crescia na média de 3,0% ao ano.
No período mais recente, entre 1999 e 2005, na
Grande São Paulo, estimou-se que a PEA cresceu
pouco mais de um milhão de pessoas (1.053 mil), enquanto que, em relação à abertura de postos de tra-
balho, a estimativa foi pouco superior a esse número
(1.091 mil). Pelo Gráfico 10, observa-se que, na Grande Porto Alegre, o incremento de ocupações também
foi superior ao crescimento da PEA, o que resultou
na redução absoluta do número de desempregados
em ambas as regiões. Mesmo na RMR, onde a recuperação foi mais tímida, o número de ocupações
geradas correspondeu a 72,6% do adicional da PEA,
no mesmo período.
Em relação ao tipo de desemprego, no período
de crise do mercado de trabalho, entre 1996 e 1999,
o desemprego assumiu características distintas nas
regiões metropolitanas analisadas. Na RMBH e no
Distrito Federal, o desemprego aberto havia crescido com maior intensidade (Tabela 14). Na maioria
dos casos analisados, entretanto, ou seja, na RMSP,
na RMPOA, na Região Metropolitana de Salvador
– RMS e na RMR, o aumento do desemprego incidiu
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Gráfico 8
Taxas de Desemprego Total
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
30,0
1996(1)
Em % da P EA
1999
2005
2002
27,7 27,3
24,4
25,0
22,1
19,3 19,0
20,0
19,0
16,9
22,3
21,6 22,1
21,6
20,8
20,3
19,0
17,9 18,1
16,7
16,6
15,3
15,1
15,0
14,5
13,1
12,7
10,0
5,0
0,0
São P aulo
Distrito Federal
P o rto A legre
B elo Ho rizo nte
Salvado r
Recife
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
Tabela 12
Estimativas Médias da PIA, PEA, Ocupados, Desempregados e Inativos
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em 1.000 pessoas
Indicadores
PIA
São Paulo
1996
1999
2002
Distrito Federal
2005
13. 563 14. 445 15. 148 15. 808
Porto Alegre
1996
1999
2002
2005
1996
1999
2002
2005
1. 393
1. 536
1. 692
1. 863
2. 669
2. 855
3. 019
3. 199
8.382
8.985
9.619 10.038
841
953
1.090
1.203
1.457
1.665
1.736
1.835
Ocupados
7.116
7.251
7.791
8.342
701
742
864
975
1.266
1.349
1.470
1.569
Desempregados
1.266
1.734
1.828
1.696
140
210
226
228
191
316
266
266
5.181
5.460
5.529
5.770
552
583
602
660
1.212
1.190
1.283
1.364
PEA
Inativos
Indicadores
PIA
PEA
Ocupados
Desempregados
Inativos
Belo Horizonte
Salvador
Recife
1996
1999
2002
2005
1997
1999
2002
2005
1998
1999
2002
2005
3. 111
3. 391
3. 683
3. 991
2. 260
2. 385
2. 589
2. 810
2. 657
2. 710
2. 863
3. 024
1.764
1.940
2.166
2.391
1.354
1.436
1.611
1.717
1.429
1.463
1.523
1.536
1.540
1.593
1.774
1.992
1.061
1.038
1.171
1.298
1.120
1.140
1.214
1.193
224
347
392
399
293
398
440
419
309
323
309
343
1.347
1.451
1.517
1.600
906
949
978
1.093
1.228
1.247
1.340
1.488
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Gráfico 9
Distribuição do Incremento da PEA em Relação às Situações de Trabalho
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-1999 (1)
São Paulo
Distrito Federal
Porto Alegre
SS
22,4%
37,0%
39,9%
60,1%
63,0%
77,6%
Belo Horizonte
Recife
Salvador
30,1%
41,2%
69,9%
58,8%
100,0%
Ocupados
Desempregados
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
Gráfico 10
Distribuição do Incremento da PEA em Relação às Situações de Trabalho
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1999-2005
São Paulo
Porto Alegre
Distrito Federal
7,1%
100%
100%
92,9%
Belo Horizonte
Salvador
Recife
7,5%
11,5%
27,4%
72,6%
92,5%
88,5%
Ocupados
Desempregados
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Tabela 13
Taxas de Participação e de Desemprego
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em porcentagem
Taxas
São Paulo
Distrito Federal
Porto Alegre
1996
1999
2002
2005
1996
1999
2002
2005
1996
1999
2002
2005
Taxa de Participação
61,8
62,2
63,5
63,5
60,4
62,0
64,4
64,6
54,6
58,3
57,5
57,4
Taxa de Desemprego Total
15,1
19,3
19,0
16,9
16,6
22,1
20,8
19,0
13,1
19,0
15,3
14,5
Aberto
10,0
12,1
12,1
10,5
10,8
14,4
12,9
12,4
9,1
12,1
10,0
10,3
Oculto
5,1
7,2
6,9
6,4
5,9
7,7
7,9
6,5
4,0
6,9
5,3
4,2
Pelo Trabalho Precário
3,8
5,1
4,9
4,8
3,2
4,3
4,2
3,6
3,0
4,8
3,4
2,9
Pelo Desalento
1,3
2,1
2,0
1,5
2,7
3,3
3,6
3,0
1,0
2,1
1,9
1,3
Taxas
Belo Horizonte
Salvador
Recife
1996
1999
2002
2005
1997
1999
2002
2005
1998
1999
2002
2005
Taxa de Participação
56,7
57,2
58,8
59,9
59,9
60,2
62,2
61,1
53,8
54,0
53,2
50,8
Taxa de Desemprego Total
12,7
17,9
18,1
16,7
21,6
27,7
27,3
24,4
21,6
22,1
20,3
22,3
7,8
11,8
11,5
10,7
12,4
15,6
16,3
14,2
11,8
11,8
11,2
14,0
Aberto
Oculto
4,9
6,1
6,6
6,0
9,2
12,1
11,0
10,2
9,8
10,3
9,1
8,3
Pelo Trabalho Precário
3,3
4,3
4,1
3,2
6,0
8,4
7,8
7,4
5,3
5,9
4,7
4,3
Pelo Desalento
1,6
1,8
2,5
2,8
3,2
3,7
3,2
2,8
4,5
4,4
4,4
4,0
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
mais no seu componente oculto, tanto no desemprego oculto pelo desalento como no oculto pelo trabalho precário, sugerindo quadro de maior precarização
da situação de desemprego.
No período subseqüente, entre 1999 e 2005, com
exceção da RMSP e do Distrito Federal, a redução do
desemprego incidiu exatamente naquelas situações de
desemprego que mais tinham se agravado no final da
década de 1990. Assim, a taxa de desemprego oculto,
que tinha crescido mais na Grande Porto Alegre do
que o desemprego aberto (19,9% ao ano e 10,0% ao
ano, respectivamente) entre 1996 e 1999, foi também
a taxa de desemprego que mais retraiu (7,9% ao ano)
entre 2000 e 2005, refletindo o decréscimo, em especial, do desemprego oculto pelo trabalho precário
(8,1% ao ano), conforme Tabela 14.
A redução mais acentuada da taxa de desemprego
oculto, em relação ao aberto, em quatro das seis regiões pesquisadas é um indício da melhora do mercado
de trabalho, uma vez que as formas ocultas de desemprego se associam às inserções mais vulneráveis na
força de trabalho.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
Um outro importante indicador para a análise da
qualidade do desemprego, contudo, é o tempo de
procura dos desempregados. No período anterior, até
1999, o tempo médio de procura e a taxa de desemprego cresciam em ritmos semelhantes, o que sugeria a relação causal entre ambas as variáveis. A partir
de então, a evolução expansiva do tempo de procura passou a adquirir certa autonomia, em relação ao
comportamento da taxa de desemprego (Gráfico 11).
Dessa forma, mesmo que as taxas tenham tendência
aos níveis próximos dos apresentados no início do
período estudado, a natureza do desemprego degenerou-se e adotou um perfil de longa duração.8 Mesmo
na RMPOA, onde esse fenômeno é menos visível,
o tempo de procura cresceu 29,0%, ao variar de 31
para 40 semanas, contra 10,7% de aumento da taxa
de desemprego total, entre 1996 e 2005. Na Grande
São Paulo, que apresenta a mudança no desemprego
de forma mais nítida, o tempo de procura dos desempregados mais que duplicou, ao passar de 24 para
53 semanas, entre 1996 e 2005, enquanto a taxa de
desemprego havia crescido 11,9%.
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Tabela 14
Taxas de Crescimento da População em Idade Ativa, População Economicamente Ativa e Inativos
e das Taxas de Participação e de Desemprego
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em % a.a.
Indicadores
PIA
PEA
Ocupados
Desempregados
Inativos
Taxa de Participação
Taxa de Desemprego Total
São Paulo
1999/1996
2002/1999
Distrito Federal
2005/2002
2005/1999
1999/1996
2002/1999
2005/2002
2005/1999
2, 1
1, 6
1, 4
1, 5
3, 3
3, 3
3, 3
3, 3
2,3
2,3
1,4
1,9
4,3
4,6
3,3
4,0
0,6
2,4
2,3
2,4
1,9
5,2
4,1
4,7
11,1
1,8
-2,5
-0,4
14,5
2,5
0,3
1,4
1,8
0,4
1,4
0,9
1,8
1,1
3,1
2,1
0,2
0,7
0,0
0,3
0,9
1,3
0,1
0,7
8,5
-0,5
-3,8
-2,2
10,0
-2,0
-3,0
-2,5
Aberto
6,6
0,0
-4,6
-2,3
10,1
-3,6
-1,3
-2,5
Oculto
12,2
-1,4
-2,5
-1,9
9,3
0,9
-6,3
-2,8
Pelo Trabalho Precário
10,3
-1,3
-0,7
-1,0
10,4
-0,8
-5,0
-2,9
Pelo Desalento
17,3
-1,6
-9,1
-5,5
6,9
2,9
-5,9
-1,6
Indicadores
PIA
PEA
Ocupados
Desempregados
Inativos
Taxa de Participação
Taxa de Desemprego Total
Porto Alegre
1999/1996
2002/1999
2005/2002
Belo Horizonte
2005/1999
1999/1997
2002/1999
2005/2002
2005/1999
2, 3
1, 9
1, 9
1, 9
2, 9
2, 8
2, 7
2, 8
4,5
1,4
1,9
1,6
3,2
3,7
3,3
3,5
2,1
2,9
2,2
2,5
1,1
3,7
3,9
3,8
18,3
-5,6
0,0
-2,8
15,7
4,1
0,6
2,4
-0,6
2,5
2,1
2,3
2,5
1,5
1,8
1,6
2,2
-0,5
-0,1
-0,3
0,3
0,9
0,6
0,8
13,2
-7,0
-1,8
-4,4
12,1
0,4
-2,6
-1,1
Aberto
10,0
-6,2
1,0
-2,6
14,8
-0,9
-2,4
-1,6
Oculto
19,9
-8,4
-7,5
-7,9
7,6
2,7
-3,1
-0,3
Pelo Trabalho Precário
17,0
-10,9
-5,2
-8,1
9,2
-1,6
-7,9
-4,8
Pelo Desalento
28,1
-3,3
-11,9
-7,7
4,0
11,6
3,8
7,6
2002/1999
2005/2002
2005/1999
Indicadores
PIA
PEA
Salvador
1999/1996
2002/1999
Recife
2005/2002
2005/1999
1999/1997
2, 7
2, 8
2, 8
2, 8
2, 0
1, 8
1, 8
1, 8
3,0
3,9
2,1
3,0
2,4
1,3
0,3
0,8
Ocupados
-1,1
4,1
3,5
3,8
1,8
2,1
-0,6
0,8
Desempregados
16,5
3,4
-1,6
0,9
4,5
-1,5
3,5
1,0
2,3
1,0
3,8
2,4
1,5
2,4
3,6
3,0
0,3
1,1
-0,6
0,2
0,4
-0,5
-1,5
-1,0
Inativos
Taxa de Participação
Taxa de Desemprego Total
13,2
-0,5
-3,7
-2,1
2,3
-2,8
3,2
0,2
Aberto
12,2
1,5
-4,5
-1,6
0,0
-1,7
7,7
2,9
Oculto
14,7
-3,1
-2,5
-2,8
5,1
-4,0
-3,0
-3,5
18,3
-2,4
-1,7
-2,1
11,3
-7,3
-2,9
-5,1
7,5
-4,7
-4,4
-4,5
-2,2
0,0
-3,1
-1,6
Pelo Trabalho Precário
Pelo Desalento
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Gráfico 11
Taxa de Desemprego Total e Média de Tempo de Procura de Trabalho dos Desempregados
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Salvador
São Paulo
P ro cura em
semanas
48
50
48
51
53
Em % da
P EA
P ro cura em
semanas
Em % da
P EA
35,0
55
70
53
67
30,0
44
40
20,0
28
24
20
25,0
35
30
58
60
19,3
19,0
16,9
15,0
56
59
70
40,0
61
35,0
53
50
30,0
43
27,7
36
40
25,0
27,3
24,4
21,6
30
45,0
15,1
20,0
15,0
10,0
20
5,0
10
0,0
0
10,0
10
0
Porto Alegre
0,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
P ro cura em
semanas
60
5,0
Em % da
P EA
25,0
Distrito Federal
P ro cura em
semanas
90
Em % da
P EA
35,0
80
50
46
40
40
36
45
43
45
44
20,0
44
73
70
66
40
19,0
60
14,5
13,1
10,0
20
63
30,0
69
25,0
50
50
15,3
61
64
54
15,0
31
30
67
44
22,1
20,0
20,7
19,0
40
16,7
15,0
30
10,0
5,0
10
20
5,0
10
0
0,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Belo Horizonte
P ro cura em
semanas
70
54
50
56
0,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Em % da
P EA
63
60
0
65
30,0
64
58
25,0
Tempo de procura
Taxa de desemprego
46
20,0
37
40
32
33
17,9
18,1
16,7
15,0
30
12,7
10,0
20
5,0
10
0
0,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
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EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Tabela 15
Estimativas dos Ocupados, segundo Setores de Atividade Econômica
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal – 1996-2005 (1)
Em 1.000 pessoas
São Paulo
Distrito Federal
Porto Alegre
Setores de Atividade
Econômica
1996
1999
2002
2005
1996
1999
2002
2005
1996
1999
2002
2005
Total
7. 116
7. 251
7. 791
8. 342
701
742
864
975
1. 266
1. 349
1. 470
1. 569
Indústria
1.608
1.421
1.558
1.627
27
29
32
38
268
256
277
307
Comércio
1.224
1.167
1.254
1.343
93
108
133
157
211
228
236
269
Serviços
3.288
3.596
3.849
4.213
444
483
565
643
613
678
768
807
Construção civil
384
384
405
409
33
30
34
35
76
78
78
77
Serviços domésticos
576
645
670
717
81
86
90
93
92
103
106
103
36
38
55
33
23
6
10
9
6
6
5
6
Outros setores
Belo Horizonte
Salvador
Recife
Setores de Atividade
Econômica
1996
1999
2002
2005
1997
1999
2002
2005
1998
1999
2002
2005
Total
1. 540
1. 593
1. 774
1. 992
1. 061
1.038
1. 171
1. 298
1. 120
1. 140
1. 214
1. 193
Indústria
248
229
257
285
89
84
98
121
111
106
109
112
Comércio
233
239
273
311
190
165
191
209
232
245
248
231
Serviços
764
817
940
1.086
590
607
691
766
577
587
645
647
Construção civil
126
132
122
125
57
57
61
61
54
54
58
50
Serviços domésticos
154
161
169
177
115
108
118
122
109
109
109
109
15
15
13
8
20
17
12
19
38
39
45
44
Outros setores
Fonte: SEP. Convênio Seade - Dieese. MTE/FAT e convênios regionais. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
(1) Para a Região Metropolitana de Salvador – RMS, o primeiro ano da série é 1997, e, para a Região Metropolitana de Recife – RMR, é 1998.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário de um mercado de trabalho sem o problema
do desemprego, que estava se desenhando ao final da
década de 1980, foi drasticamente abortado e substituído por uma realidade mais árida para os trabalhadores,
e marcada pela escalada do desemprego e, de modo
geral, pela precarização do mercado de trabalho.
Logo nos primeiros anos da década de 1990, a desaceleração da atividade econômica rebateu de forma
deletéria sobre um mercado de trabalho em franca
expansão, com a PEA que crescia não só pela rápida
dinâmica demográfica, mas também pelas mudanças
comportamentais de nossa sociedade, em que se deve
destacar o processo de emancipação feminina, fato
que, por sua vez, teve reflexo nos aumentos consistentes das taxas de participação das mulheres vis-à-vis
à manutenção da taxa masculina.
No primeiro período enfocado por este trabalho,
que é compreendido entre os anos de 1996 e 1999,
essas tendências, com destaque para o baixo crescimento ocupacional, agudizaram e levaram as taxas de
desemprego a níveis sem precedentes na história brasileira. Além da incapacidade de crescimento, deve-se
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
100
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER/MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
enfatizar a redução da qualidade dos postos de trabalho gerados e do seu rendimento. Três fenômenos
manifestaram-se de forma exuberante nessa fase:
• a desindustrialização, pela redução de postos de
trabalho na indústria;
• a terciarização, pelo inchaço do setor de serviços,
notadamente naqueles ramos que comportavam relações vulneráveis de trabalho, como os pessoais;
• a terceirização e flexibilização das relações de trabalho, pelo aumento absoluto e relativo de postos de trabalho assalariados por subcontratação,
aumento dos autônomos que trabalhavam para
empresas e pelo incremento de assalariados sem
carteira de trabalho, tanto no setor privado quanto
no público.
A evolução medíocre da ocupação, tal como caracterizou o mercado de trabalho metropolitano nos
anos 1990, é, em grande medida, revertida a partir de
1999, quando a ocupação cresceu a taxas substancialmente maiores que no período anterior.
A tendência de fragilização da estrutura ocupacional que marcou a década de 1990 sofreu, senão
uma reversão, pelo menos um estancamento em seu
ritmo de aprofundamento.9 Não obstante o processo
de desindustrialização ter prosseguido, o ritmo dessa
transformação se atenuou consideravelmente a partir
de 1999. No caso do aumento da flexibilização das
formas de contratação, também se verificou apenas
um arrefecimento dessa tendência, notadamente a
partir de 2002 – com destaque para a reversão no
crescimento da participação do trabalho assalariado sem carteira assinada. Identificou-se, porém, nos
últimos anos, a adoção crescente das formas flexibilizadas de contração em setores ligados ao Estado.
Já em se tratando do movimento de precarização da
estrutura ocupacional, notou-se também forte reversão, inicialmente, com o aumento de participação das
ocupações assalariadas a partir de 1999 e, posteriormente, com o aumento substancial da participação
dos assalariados com carteira e efetiva diminuição
dos sem carteira a partir de 2002.10
Em relação ao rendimento real médio, registrouse trajetória persistente de queda em todo o período analisado. Assim, a melhora relativa no nível e na
estrutura ocupacional depois de 1999 não repercutiu
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
na melhora da renda. Isso pode estar refletindo tanto
características do próprio mercado de trabalho, como
a manutenção de taxas de desemprego ainda em patamares muito elevados ou a elevada fragilização da
estrutura ocupacional ocorrida mormente na década
passada, quanto características da institucionalidade
do mercado de trabalho no Brasil, que não propiciam
a distribuição eqüitativa dos ganhos de produtividade
logrados pelo fator “trabalho” no processo produtivo. De toda forma, interessa constatar que a diminuição dos rendimentos foi mais forte nos setores de
comércio e serviços, e menos intensa no setor industrial, que normalmente apresenta relações de trabalho
menos fragilizadas e mais estáveis.
A retomada do ritmo de aumento das oportunidades de trabalho e a retração do crescimento da PEA,
no período após 1999 e particularmente nos últimos
três anos, interromperam a trajetória de elevação do
desemprego que marcou a década de 1990, embora
dados mais recentes não mostrem ainda níveis inferiores aos apresentados em meados da década anterior. Apesar de se ter assistido a uma redução mais
expressiva do componente oculto do desemprego, o
que sugere mitigação da precariedade dessa condição,
por definição, vulnerável, o tempo de procura dos desempregados manteve-se elevado, o que aponta para
uma transmutação da natureza do desemprego – de
curta para longa duração.
A gravidade desse diagnóstico deve ser apontada
em dois aspectos. O primeiro refere-se à “queima de
capital humano”, pois o maior tempo de afastamento
da profissão reduz gradativamente as aptidões e a destreza pela força do esquecimento e da falta do exercício diário da profissão, além da desatualização das
eventuais inovações, por estar alijado do ambiente de
trabalho. O segundo aspecto é mais dramático e foi
ressaltado por Fernandes (2002): à medida que prolonga o tempo de procura, vão se exaurindo as fontes
próprias de sobrevivência do desempregado. Diante
desse fato, torna-se ainda mais evidente a inadequação dos escassos mecanismos de proteção social,
como o seguro-desemprego, que, além de cobrirem
apenas parte dos desempregados, possuem tempo de
abrangência relativamente pequeno, se comparado às
recentes estatísticas de tempo médio de procura.
EVOLUÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO METROPOLITANO: ENTRE MEADOS...
Notas
Os autores agradecem o empenho da equipe técnica do Dieese/PED, pelo levantamento de dados utilizados nesse artigo, e,
em especial, a Ana Paula Queiroz Sperotto (PED-RMPOA) e
ao Edgard Rodrigues Fusaro (PED-RMSP). Várias das idéias
contidas nesse trabalho emergiram das discussões com Frederico L. Barbosa de Melo (Dieese-MG), Lúcia Santos Garcia
(PED-RMPOA) e Marise Hoffmann (PED-RMSP), a quem
os autores mostram-se gratos, inclusive pela leitura crítica do
texto. Naturalmente, os mesmos se responsabilizam por quaisquer incorreções que, porventura, tenham restado.
1. A inflexão dos fluxos migratórios, entre as décadas de 1960
e 1990, mediante análise de dados censitários, sobretudo entre
São Paulo e Minas Gerais, é tratada por Carvalho et al. (2002).
2. Em um dos artigos que discutia o emergente desafio do desemprego, no III Encontro Nacional da Associação Brasileira de
Estudos Populacionais – Abep, em 1982, e que utilizou as informações da PPVE/Dieese, apurava-se que “a força de trabalho
desempregada” nos meses de abril a maio de 1981, representava
13,2% da PEA na RMSP (BARELLI; TROYANO, 1982, p. 23).
Pela Pesquisa Mensal de Emprego – PME/IBGE, em maio de
1982, o desemprego atingia apenas 5,4% da PEA. Outro texto
do período (TROYANO; MATTOSO; HOFFMANN, 1984)
trata mais detidamente as diferenças metodológicas entre a
PPVE/Dieese, PED-Seade/Dieese e PME/IBGE.
3. Entre 1981 e 1985, o PIB brasileiro havia crescido apenas
cerca de 1,3% ao ano. Esse baixo crescimento decorreu principalmente dos anos de 1981 e 1983, quando o PIB decaiu
4,3% e 2,9% respectivamente e teve como contrapeso o ano
de 1985, com crescimento de 7,9% – o maior da década. No
segundo período, de 1986 a 1989, em que a PED já levantava as informações do mercado de trabalho da RMSP, a ligeira
recuperação econômica traduziu-se no crescimento médio de
3,5% ao ano (IBGE/SCN-Anual).
4. A questão da informalidade e a diminuição da renda dos
trabalhadores na segunda metade da década de 1980 são tratadas, entre outros estudos, por Sabóia (1992).
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BARELLI, W.; TROYANO, A.A. Pesquisa de padrão de vida e
emprego na região metropolitana de São Paulo: população economicamente
ativa e situação ocupacional. In: ENCONTRO NACIONAL
DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 3., Anais... Vitória:
Associação Brasileira de Estudos Populacionais – Abep, 1982.
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CARVALHO, J.A.M.; BRITO, F.; RIBEIRO, J.; RIGOTTI, J.
Minas Gerais, uma nova região de atração populacional?. In:
5. Entre 1990 e 1996, o PIB cresceu apenas 1,9% ao ano, e,
entre 1997 a 1999, o crescimento foi ainda pior: 1,4% ao ano
(IBGE/ SCN-Anual).
6. O segundo capítulo do livro A situação do trabalho no Brasil,
do Dieese (2001) é voltado para a análise da dinâmica do emprego e desemprego nas regiões metropolitanas analisadas pela
PED, nos anos 1990, e conclui que “essa evolução desfavorável
do desemprego é conseqüência de um medíocre crescimento,
nessas regiões, dos níveis globais da ocupação, que não foram
suficientes para atender o incremento das suas respectivas populações economicamente ativas” (DIEESE, 2001, p. 52).
7. Em relação ao gradual aumento da inserção feminina no
mercado de trabalho, vale destacar os trabalhos, como de Leme
e Wajnman (2003), que identificam esse fenômeno não como
algo efêmero, mas como resultado de diferenças de comportamento das gerações mais novas, imbuídas de uma menor desigualdade nas relações de gênero.
8. Uma análise mais pormenorizada da evolução do tempo
de procura no período recente, inclusive por atributos
pessoais dos desempregados, é encontrada em Rodarte e
Braga (2005).
9. Essa visão é compartilhada por Carlos Ramos que, analisando o mercado de trabalho metropolitano com dados da
PME-IBGE entre 1990 e 2002, apontou quebra da curva de
crescimento do emprego formal em 1999, e concluiu que “uma
atenta leitura do acontecido nos anos 1990 nos induz a pensar
que o pessimismo das elasticidades, muito usual nesses anos,
deve ser visto com cautela” (RAMOS, 2003, p. 14). O trabalho
de Chahad (2003), com dados da PED, entretanto, não identifica melhoras no mercado de trabalho após a desvalorização
do câmbio de 1999, provavelmente por se ater à RMSP, que
teve recuperação mais lenta que na maioria das demais regiões
metropolitanas, nos últimos anos.
10. A maior eficácia da fiscalização do MTE nas empresas e a
mudança de desempenho da Justiça do Trabalho seriam algumas razões institucionais que contribuiriam para o aumento da
formalidade e redução dos assalariados sem carteira assinada,
segundo Moretto e Krein (2005).
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1984. v. 3, p. 1383-1413.
EDUARDO MIGUEL SCHNEIDER
Economista pela UFRGS. Especialista em gestão pública participativa pela UERGS. Coordenador da PED-RMPOA.
([email protected])
MARIO MARCOS SAMPAIO RODARTE
Mestre em Economia pelo Cedeplar/UFMG. Pesquisador do Cedeplar/UFMG e bolsista do CNPq.
([email protected])
Artigo recebido em 23 de maio de 2006.
Aprovado em 17 de novembro de 2006.
Como citar o artigo:
SCHNEIDER, E.M.; RODARTE, M.M.S. Evolução do mercado de trabalho metropolitano: entre meados das décadas
de 1990 e 2000. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006. Disponível em:
<http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 74-102, out./dez. 2006
novas formas, novas medidas?
desemprego, trajetórias ocupacionais e experiências na produção de informações
N adya A raujo G uimarães
Resumo: O texto reflete, à luz do caso da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, sobre experiências metodológicas e desafios
analíticos para mensuração e análise de transições e trajetórias ocupacionais em contextos de crescimento dos níveis e do tempo de duração de
desemprego, de intensificação da sua recorrência, e concomitante fragilização dos vínculos empregatícios.
Palavras-chave: Desemprego. Trajetórias ocupacionais. São Paulo.
Abstract: The article discusses methodological experiences and analytical challenges, in order to measure occupational transitions and
labor market trajectories under conditions of growing unemployment rates and changing patterns of
employment relations, as observed in Sao Paulo metropolitan region.
Key words: Unemployment. Labor market trajectories. Sao Paulo.
H
á pouco mais de duas décadas, no Estado de São
Paulo, tinha início um experimento de produção de informações sobre o mercado de trabalho revestido de
características fortemente inovadoras, o qual marcou o curso dos estudos sobre emprego e desemprego no
Brasil. Na forma de produzir a informação, tal experimento se sustentou num consórcio entre uma instituição governamental de geração de dados e de estatísticas oficiais – a Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados – Seade –, e um organismo privado e intersindical de estudos e pesquisas – o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – Dieese. Escusado dizer da novidade de tal arranjo, tecido
na primeira metade dos anos 1980, momento em que ainda se ensaiavam os primeiros passos no sentido de
cruzarmos a porta de saída do autoritarismo político, que marcara os 20 anos anteriores sob o regime militar.
No que tange aos alvos pretendidos, tratava-se de trazer à tona novas estatísticas que, conquanto oficiais
(porque provenientes de um organismo governamental), ampliassem o espectro das medidas de performance
do mercado de trabalho, testando formas de mensuração até então restritas, no Brasil, a estudos acadêmicos
e de caso. O escopo conceitual que ancorava o desenho metodológico da nova pesquisa voltava-se, por isso
mesmo, para interpelar o entendimento então corrente sobre a dinâmica dos mercados capitalistas de trabalho, argüindo a especificidade das relações de emprego e das formas de desemprego nos então chamados
“mercados heterogêneos” de trabalho. Neles não se generalizara, apesar de legalmente estatuída, uma norma
contratual fundada no assalariamento por tempo indeterminado e protegido pela formalização do vínculo
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, jul./set. 2006
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Nadya Araujo Guimarães
de trabalho.1 Mais ainda, privados das instituições de
proteção que haviam tomado forma sob regimes universalistas de bem-estar, mercados como o brasileiro
careciam ainda de um sistema público de suporte ao
trabalhador desempregado, de modo a lhe permitir
fazer face às circunstancias de perda do vínculo de
trabalho.2 Nessas condições, a organização do mercado de trabalho se sustentava largamente em “relações
atípicas” de emprego (para usar uma noção hoje corrente) e estava longe de reduzir-se à díade formada
pelas figuras do emprego duradouro e formalmente
protegido, por um lado, e do desemprego transitório
e igualmente protegido, por outro.
A ousadia metodológica da Pesquisa de Emprego
e Desemprego – PED, a nova pesquisa de emprego e
desemprego, radicava justamente na sua intenção de
conceituar e quantificar tais situações atípicas situadas
entre esses dois estatutos. Argüia-se que eram elas
que conferiam especificidade aos contextos pouco
estruturados pela norma do emprego registra­do e
duradouro. Ao fazê-lo, a PED assumia a responsa­
bilidade de mostrar como se redefiniam, nesses
contextos, as formas mais elementares de inserção
individual num mercado capitalista, quais sejam a
inatividade e a atividade, e, contidos nesta última,
o emprego e o desemprego (Troyano, 1990;
Hoffmann; Brandão, 1996; Dedecca,
1996, 1999; Hoffmann; Cutrim, 2000;
Montagner, 2003).
A construção de uma definição operacional para
medir o que se chamou “desemprego oculto” constituiu, por isso mesmo, o desafio principal. Somente se
enfrentado, podíamos evidenciar o peso dos contingentes da força de trabalho que se localizavam tanto
na fronteira (até ali cinzenta) entre ocupação e desocupação, sob a forma do “desemprego oculto pelo
trabalho precário”, quanto na fronteira cinzenta entre
atividade e inatividade, sob a forma do “desemprego
oculto pelo desalento”.
Para tal, seria necessária a ampliação da agenda de
temas a investigar, de modo a produzir como resultado uma classificação analiticamente confiável do
estatuto de cada entrevistado vis-à-vis ao mercado.
Assim, cabia perscrutar tanto a disposição subjetiva
para o engajamento no trabalho, indagando sobre
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pretensões em termos de jornada, como enfrentar o
desafio da mensuração mais refinada e cuidadosa do
fenômeno da procura de trabalho, investigando-o em
temporalidades distintas e mais amplas que a semana
anterior à coleta, tomada até então como referência.
Mais ainda, havia que perquirir sobre os mecanismos
acionados na procura e, com isso, abria-se toda uma
avenida para mensurar o papel dos agentes do mercado (e de fora dele) na circulação da informação sobre
oportunidades ocupacionais.
Essa empresa intelectual, em que se mobilizaram
acadêmicos e planejadores, cabia como uma luva no
contexto dos anos 1980, quando o Brasil, no quadro
da reestruturação da economia internacional, assumia
estar diante da sua primeira grande crise de desemprego. Então, como no sucessivo, a crise golpeava
duramente as principais metrópoles.
Entretanto, à diferença dos anos subseqüentes,
ela encontrava àquela época um movimento sindical
fortalecido pela arregimentação de um “novo sindicalismo”, ancorado em formas diversas de organização popular forjadas na crise da ditadura militar.
Ademais, com a assunção de militantes “oposicionistas” a governos estaduais, como o de São Paulo, havia
que inovar no que diz respeito à concepção e gestão
de políticas públicas de corte “popular e democrático”. Arriscaria dizer que foi esta a última vez em que
presenciamos, no Brasil, massivos movimentos de
desempregados urbanos a desafiar tanto os patrões
(clamando por novas vagas) como as autoridades
constituídas (demandando por políticas de proteção),
ancorados na solidariedade do movimento dos seus
sindicatos de origem.
Assim, a PED representou, nos anos 1980, uma
conjunção virtuosa entre ousadia intelectual e política, sendo um sinal da capacidade de responder a uma
conjuntura desafiadora do entendimento e das formas de medir as mudanças no mercado de trabalho,
sob o acicate da urgência social de produzirem-se novas modalidades de política pública. Era natural, por
isso mesmo, que frutificasse.
Ao longo dos 20 anos seguintes, o experimento
estendeu-se para várias das principais metrópoles
brasileiras e a nova metodologia mostrou-se relevante
para flagrar a especificidade da dinâmica desses gran-
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
des mercados urbanos de trabalho. Quanto menos
estruturados pelo assalariamento regular, mais sensível parecia ser a medida (MontaGNer, 2003).
Entretanto, estes anos foram repletos de mudanças
importantes, com forte integração da economia nacional a cadeias produtivas globalizadas, ampliação da flexibilidade no uso do trabalho e, sobretudo, um inédito
crescimento dos níveis do desemprego metropolitano.
Prestes a ultrapassar os seus anos de juventude e às vésperas de cumprir sua segunda década de existência, uma
equipe de acadêmicos e técnicos (governamentais e sindicais) novamente lançou à PED o desafio de servir
de veículo para testar outras inovações metodológicas.
Tratava-se, então, de medir o alcance e os resultados
daquele fenômeno que nos desafiava nos anos 2000: a
recorrência com que indivíduos caíam no desemprego.
Um estudo de tipo longitudinal sobre percursos no
mercado paulista de trabalho foi concebido e desenvolvido entre 2001 e 2004.3 Seu complexo desenho metodológico se compunha de duas formas de abordagem.
Na primeira, um survey foi levado a campo a partir de
um questionário suplementar à PED, aplicado a uma
amostra ligeiramente menor que aquela habitualmente
investigada pela Pesquisa, formada por 53.170 indivíduos com idade igual ou superior a 16 anos, que responderam os nossos questionários no período compreendido entre abril e dezembro de 2001.
Na segunda forma de abordagem, entrevistas semidiretivas foram realizadas com um subgrupo de
indivíduos, extraído da pesquisa amostral. Eles se
caracterizavam por pertencerem a cinco grupos-alvo,
analiticamente construídos por sua maior vulnerabilidade ao desemprego; constituíam-se, por assim dizer, em figuras típicas das formas da desocupação nas
metrópoles modernas. Eram eles:
• jovens que tentavam seu primeiro ingresso no
mercado de trabalho com escolaridade não tão
elevada que os fizesse imperdíveis, mas nem tão
baixa que os tornasse inadequados;
• mulheres que tentavam o reingresso no mercado
depois de terem dele se retirado para ter e criar
filho(s);
• operários com considerável experiência no trabalho fabril, chefes de família, com idade relativamente avançada para os requisitos do mercado;
• gerentes e chefias intermediárias, também com
considerável experiência de comando nos serviços que se viram, uns e outros, colhidos em suas
trajetórias por processos de intensa reestruturação
produtiva que lhes haviam retirado os empregos;
• migrantes nordestinos com pouco tempo de residência na metrópole paulista.
As pessoas sorteadas a partir do survey foram entrevistadas por duas vezes, em seus domicílios, com
um hiato de cerca de um ano entre a primeira e a
segunda abordagem.4
Padrões de trajetórias típicas dos indivíduos no
mercado paulistano de trabalho puderam ser identificados por meio do survey; formas de exprimir a experiência de viver essas trajetórias e mecanismos que
dão sentido ao percurso ocupacional foram evidenciadas por meio das entrevistas biográficas. Por um
lado, procurou-se produzir informações de tipo longitudinal, refletindo sobre transições ocupacionais e
padrões de trajetórias, a partir de um inquérito, como
a PED, que é de tipo transversal. Por outro lado, procurou-se avançar numa abordagem qualitativa sobre
os mecanismos que são acionados na biografia dos
indivíduos e que dão por resultado as transições e
padrões de trajetórias documentados no survey; para
tal, a análise ancorou-se no estudo das representações
sobre a experiência do trabalho e do desemprego,
num estilo de construção do levantamento de campo
totalmente distinto da modalidade formal e estruturada da pesquisa por questionário que caracteriza a
PED. O leitor há de convir que foi uma experiência
tão ousada quanto fora, nos anos 1980, a pesquisa em
que tal experiência se sustentou.
Em outras oportunidades, apresentamos e discutimos resultados substantivos desse empreendimento,
seja por meio de reflexões isoladas, ou de textos em
parceria com outros colegas que participaram dessa
pesquisa.5 Neste artigo, procuraremos tomar um outro partido, fazendo tais resultados dialogarem com
a pesquisa que serviu de veículo principal para a sua
obtenção, a PED. Dois objetivos nos nortearão: por
um lado, argüir a importância analítica e apresentar os
desafios metodológicos que tivemos que ultrapassar
na construção desse intento original de levantamento longitudinal de tipo retrospectivo; por outro lado,
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extrair algumas lições dessa experiência para o aprimoramento das estatísticas com respeito ao trabalho
e ao desemprego.
Para alcançar tais objetivos, dividimos o texto em
três seções. Na primeira, sublinhamos a importância
de insistir em estudos de natureza longitudinal, argüindo o seu valor heurístico para bem descrevermos
realidades como a dos mercados metropolitanos de
trabalho no Brasil. Na segunda seção, procuramos
documentar o argumento inicial, apresentando alguns dos resultados obtidos para São Paulo; discorremos brevemente sobre mecanismos de contorno
das dificuldades metodológicas que se oferecem a um
estudo baseado na memória do respondente quando
pesquisamos contextos, como o nosso, marcados por
intensas transições ocupacionais. Na terceira seção,
concluímos o texto, extraindo indicações relativas
ao legado dessa experiência, não apenas para o aprimoramento da atual PED, como para a produção de
dados relevantes à avaliação de políticas públicas de
emprego e qualificação.
abordagens longitudinais em contextos de
intensas transições ocupacionais
Em outras oportunidades, tratamos de maneira mais
detida do tema dos ganhos de conhecimento propiciados pelas abordagens de tipo longitudinal, particularmente as análises de trajetórias ocupacionais, com
vistas ao entendimento da conformação do mercado
de trabalho.6 Nessas ocasiões, argüimos que tais estudos, ao tornarem o tempo um elemento endógeno
ao desenho da análise, trazem à luz especificidades da
dinâmica dos mercados de trabalho que não se fazem
tão claramente visíveis quando as nossas interpretações apenas se sustentam em séries históricas do tipo
repeated cross-section.
Retomaremos, aqui, o tema sugerindo que ao caracterizar padrões recorrentes de trajetórias, vividos
por grupos específicos de indivíduos, podemos reunir conhecimentos importantes para melhor elucidar
aquele que foi o desafio original da PED: explorar
a natureza da fronteira entre situações como desemprego, ocupação e inatividade. De fato, tal questão
tem se tornado crescentemente relevante na dinâmiSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
ca dos mercados de trabalho, em especial nos grandes centros metropolitanos, e, sobretudo, em países,
como o Brasil, que jamais viveram a experiência de
um pujante Estado de Bem-Estar Social.
Tomemos o exemplo da Região Metropolitana de
São Paulo – RMSP. Se, desde a década de 1950, ela
se consolidou como a maior metrópole brasileira, a
partir do início dos anos 1980, mas de forma especialmente notável ao longo da década de 1990, a região passou por uma onda de mudanças, associada
ao movimento de reestruturação macroeconômica e
microorganizacional, que evidenciava os novos padrões de integração internacional e de competição
entre firmas. Tal processo atingiu profundamente o
mundo do trabalho, com efeitos sobre as condições
de ocupação e renda.
Estudos de economistas do trabalho, já desde a
primeira metade dos anos 1990, e vários deles usando
dados da PED, vinham documentando, de modo
desafiador, alguns importantes correlatos, no mercado
de trabalho, desse movimento de reestruturação das
empresas: aumento do tempo médio de procura do
trabalho, intensificação do trânsito formal-informal,
enxugamento sistemático de postos no mercado
industrial de trabalho, movimento de re-localização
setorial da força de trabalho em direção ao
comércio e serviços (Dedecca; Montagner;
Brandão, 1993; Dedecca; Montagner,
1993; Dedecca; Brandão, 1993; Amadeo
et al., 1993, 1994; Caruso; Pero, 1995, 1996;
Caruso; Pero; Lima, 1997).
Vejamos um pouco mais detidamente o que se nos
afigurava o início dos anos 2000, momento em que
planejamos a nova pesquisa. Em primeiro lugar, as
taxas de desemprego galgavam patamares inusitados,
tendo dobrado no curso da década de 1990, com especial destaque para o célere incremento do “desemprego oculto” (Gráfico 1).
Por outro lado, o impacto da nova conjuntura sobre o tempo destinado pelos indivíduos à procura de
trabalho parece ter sido ainda mais intenso. Se considerarmos o conjunto dos indivíduos desempregados,
o número de semanas triplicou em dez anos, acelerando-se particularmente na segunda metade dos anos
1990 e, em especial, após 1997. Mas, se fica evidente
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
que a procura de trabalho se torna muito mais árdua
para o conjunto dos que buscam uma ocupação, de
novo isso ainda afeta com rigor maior àqueles em situação de “desemprego oculto” (Gráfico 2).
Associe-se ao anterior uma terceira evidencia: para
esse período, os dados da PED também indicavam
que, a cada 12 meses, nada menos que ¾ dos indiví-
duos economicamente ativos mudavam de situação
no mercado paulistano de trabalho. Parecia evidente
o aumento da insegurança ocupacional, conseqüente
à perversa combinação entre, por um lado, o alongamento dos tempos de desemprego e de procura de
trabalho e, por outro, um sistema de proteção ainda
pouco efetivo. O intenso trânsito entre situações no
Gráfico 1
Diferenciado Crescimento das Formas do Desemprego
Região Metropolitana de São Paulo – 1990-2001
Evolução da Taxa de Desem prego
25,0
Índice de Crescim ento da Taxa de Desemprego
Em %
300,0
20,0
250,0
15,0
200,0
Base: 1990 = 100
150,0
10,0
100,0
5,0
50,0
0,0
Total
Aberto
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
0,0
Total
Oculto
Aberto
Oculto
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
Gráfico 2
Aumento Diferenciado do Tempo Dedicado à Procura de Trabalho
Região Metropolitana de São Paulo – 1990-2001
70
Total
Em semanas
Aberto
Oculto
60
50
40
30
20
10
0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.
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mercado de trabalho refletia, assim, o esforço individual no sentido de obter algum rendimento que
permitisse a sobrevivência, dada a fragilidade da proteção institucional, ainda que isso acarretasse passar
com muita freqüência da condição de ativos à de inativos, de ocupados à de desempregados.7
Em iniciativa pioneira, a Fundação Seade tentara,
em 1996, mensurar a intensidade dos fluxos entre
as condições de atividade na RMSP nos anos 1990
(Brandão et al., 2006). Para tanto, foi elaborado
um questionário especial, que circulou entre abril e
dezembro de 1996 como parte integrante da PED.
Esse suplemento buscou identificar a parcela da população em idade ativa com experiência de trabalho
nos anos 1990 e, pelo confronto entre sua condição
de atividade no momento da pesquisa e aquela imediatamente anterior, quantificar e caracterizar os vários fluxos a que a mesma fora submetida na primeira
metade daquela década.
Em uma das suas principais conclusões, os autores afirmaram que, nos anos 1990, a combinação dos
efeitos das transformações no mercado de trabalho
e das características dos indivíduos teve como conseqüência a intensificação do fluxo entre condições
de atividade, mesmo entre os indivíduos com experiência anterior de trabalho. Menos que 20% dos indivíduos que transitaram no mercado de trabalho permaneceram no mesmo setor de atividade, na mesma
ocupação e posição ocupacional. No outro extremo,
mais de 30% dos que transitaram apresentaram mudanças de setor, ocupação ou posição ocupacional.
Além disso, só 10% das transições se deram em direção ao mesmo setor e função, ainda assim em posição
ocupacional diferente, num período marcado pela alteração das condições contratuais, com redução dos
níveis de assalariamento com carteira de trabalho assinada no setor privado.
Concluem também os autores que, ao lado da insegurança ocupacional expressa no desemprego, haveria que reter uma outra característica do mercado
de trabalho paulistano nessa década: a intensidade e
impreditibilidade das transições ocupacionais, cuja
dinâmica parecia pouco afeita a ser explicada pelas
variáveis clássicas que dizem da inserção e permanência no mercado de trabalho, como a escolaridade
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e a progressão em carreiras. Segundo as palavras de
Brandão et al. (2006, p. 124-125):
A alternância entre postos de trabalho e entre ocupação e desemprego ou inatividade problematiza, para parcela expressiva
da PIA, a constituição de trajetórias profissionais, fazendo
com que a mudança de emprego esteja, em muitos casos, pouco
associada à progressão vertical entre ocupações ou à formação
educacional dos indivíduos. Neste sentido, diante da freqüência
das transições entre condições de atividade, a existência de um
perfil típico de escolaridade se torna pouco provável, decorrência
do fato de, em um mercado de trabalho heterogêneo, marcado
por intensa rotatividade, os nexos entre experiência de trabalho, instrução e estes fluxos serem muito frágeis, característica
só agravada pelas mudanças recentes no padrão de criação de
postos de trabalho.
A intensidade das transições promovia, assim, uma
relativa impreditibilidade dos percursos profissionais, já
que os padrões de mudança entre ocupação e desemprego punham em cheque a possibilidade de construírem-se trajetórias ocupacionais que, embora sujeitas a
transições recorrentes, fossem trilhadas em setores de
atividade profissional que estivessem ao menos relativamente circunscritos no interior do mercado de trabalho. Desse modo, as inovadoras análises produzidas
a partir da PED já deixavam entrever a importância de
avançarmos em metodologias longitudinais que permitissem guinar o alvo, passando das análises de estoques,
flagrados num momento do tempo, para as análises de
fluxo, que acompanhariam percursos ocupacionais de
um mesmo grupo ou coorte de trabalhadores no curso
de períodos determinados de tempo.
É certo que, por essa época, experimentos de longitudinalização de grandes bancos de dados estavam
sendo levados a cabo no Brasil. Entretanto, eles se
restringiam a registros administrativos governamentais. Com efeito, as informações sobre contratação
e demissão de trabalhadores, colhidas compulsoriamente pelo sistema de Relação Anual de Informações
Sociais/Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Rais-Caged e armazenadas pelo MTE, já
haviam dado lugar à montagem da primeira base de
dados que permitia acompanhar trajetórias de trabalhadores demitidos em seu percurso no mercado bra-
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
sileiro de trabalho – o chamado painel Rais-Migra; ele
acompanhava coortes de trabalhadores, registrando
ano a ano a situação de cada um deles no mercado de
trabalho formal em qualquer ponto do país ou setor
de atividade em que viesse a firmar (ou romper) um
contrato de trabalho. Todavia, pela natureza da fonte,
as ilações decorrentes da análise tinham que estar restritas aos empregos legalmente registrados, ao mercado formal de trabalho. Apesar disso, elas não deixavam de ser desafiadoras e inquietantes (Caruso;
Pero, 1995; 1996; Caruso; Pero; Lima, 1997).
Análises pioneiras estavam igualmente sendo realizadas para o mercado formal de trabalho da RMSP,
focalizando trabalhadores demitidos por sua indústria (setor em que mais se encolhiam as oportunidades de trabalho na região) – e recompondo suas
trajetórias no mercado brasileiro de trabalho. Tais
análises reiteravam a importância dos mercados externos e secundários de força de trabalho. Cardoso
(2000), por exemplo, documentara tal achado para a
indústria automobilística paulista, setor em que não
apenas o assalariamento formal havia sido a norma,
mas também a duração dos contratos tendera a ser
bem maior do que a média.
Arriscaríamos dizer, face a esses trabalhos, que
o padrão de transição ocupacional descrito como
característico dos anos 1990 não se confundia
com o tipo de rotatividade no uso do trabalho
flagrado pela literatura nacional nos anos 1970 e
1980 (Hoffmann, 1980; Ferrante, 1978;
Humphrey, 1982).8 Mas por quê? Em primeiro
lugar, porque se é certo que, entre nós (e desde
sempre), o tempo médio de permanência no emprego
nunca foi tão longo, ele reduziu-se ainda mais nos
anos 1990. Em segundo lugar, alterou-se o padrão
de percurso ocupacional: ele deixou de se sustentar
na (alta) chance de re-inserção na mesma ocupação
e/ou no mesmo setor de origem, após um tempo
(relativamente pequeno) de desemprego (mesmo que
o retorno implicasse alguma perda salarial).
Diferentemente disso, as análises dos dados do
sistema Rais-Caged disponíveis para os anos 19909
documentavam que significativos contingentes de
trabalhadores haviam passado a ser duradouramente
expulsos de seus setores de origem e, dentre esses,
uma parcela importante parecia haver perdido a possibilidade de retorno a um trabalho com carteira assinada, vivendo verdadeiras trajetórias de expulsão do
mercado formal de trabalho. Tomemos dois exemplos de estudos empíricos a partir de dados administrativos que confluem para esse argumento.
Em trabalho anterior (Guimarães, 2004b) e
com base numa amostra representativa de cerca de
150 mil casos, analisamos o percurso da coorte formada por todos os demitidos da indústria brasileira
em 1989, tendo acompanhado os seus movimentos
de re-inserção no mercado formal de trabalho nos
oito anos subseqüentes ao seu desligamento. Verificamos que ao redor de 30% desses indivíduos jamais
conseguiram restabelecer outro contrato formal de
trabalho, em qualquer setor, ocupação ou local do
país até 1997. Ora, na esteira desse processo, corroíam-se não apenas a segurança ocupacional, o capital
de qualificação acumulado e os níveis de vida, mas as
identidades coletivas de base profissional que haviam
fundado a emergência de amplos movimentos sociais
de trabalhadores, a partir do final dos anos 1970. Todos esses são temas cruciais a uma sociologia do trabalho e dos mercados de trabalho.
No que concerne à RMSP como um conjunto, recente estudo buscou medir a intensidade das
transições ali ocorridas nos 20 últimos anos, acompanhando (e por feliz coincidência para os alvos do
presente artigo) o período também recoberto pela
PED, mas com uma fonte de dados longitudinais
(Rosendo, 2006). Com base nos registros administrativos provenientes do sistema Rais-Caged e, por
isso mesmo, ainda circunscrita ao que se passava no
mercado formal de trabalho, Rosendo analisou um
banco especial de informações, o painel Rais-Migra
Vínculos. À diferença do painel Rais-Migra utilizado
para analisar trajetórias de desligados da indústria, a
Migra Vínculos tem como unidade de análise não os
indivíduos, mas todo o universo dos vínculos formais
de trabalho estabelecidos (no período e espaço geográfico e/ou setorial que se queira). Isso faz dessa
base um excelente termômetro da durabilidade dos
contratos de trabalho; ou seja, um banco que tem a
flexibilidade e a (in)segurança nos empregos formais
como seu foco.
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O Gráfico 3 ilustra como o processo de fragilização dos vínculos na RMSP não apenas se mostra
crescente entre os anos 1985 e 2002, mas parece haver galgado outro padrão nesse período. Assim, entre
1985 e 1990, transitamos em direção ao novo tempo
médio de duração dos contratos, que parece ter se
estabilizado na saída da crise de 1992: o número de
vínculos restabelecidos cai (aumenta a quantidade
de vínculos não refeitos) e, ao lado disso, observase uma redução ainda mais célere da proporção de
vínculos refeitos no curso do mesmo ano, ou mesmo
do ano seguinte, enquanto que tal redução é bastante
menor quando se trata de vínculos que se refazem a
uma temporalidade ainda maior. Trocando em miúdos: não apenas tarda-se muito mais para obter um
novo contrato, como aumenta a proporção de vínculos que não são refeitos ao longo do período em
observação.
Entretanto, embora os painéis longitudinais
oriundos da Rais tenham propiciado um avanço importante no sentido do melhor uso de informações
secundárias, eles apresentavam o inconveniente de
apenas recobrirem eventos ocupacionais ocorridos
no mercado dos empregos formalmente registrados,
na medida em que tinham na empresa a sua unidade
de obtenção do dado. Ora, quando as fontes reiteradamente documentavam um movimento de intensificação das transições, de trajetórias de expulsão do
mercado formal, de vínculos sistematicamente não
refeitos, ficava igualmente patente a necessidade de
investigar o conjunto do mercado de trabalho, e não
apenas a parcela dos contratos formalmente estabelecidos.
A informação domiciliar colhida junto ao indivíduo economicamente ativo mostrava-se, assim,
o próximo horizonte a explorar. Somente ela seria
capaz de prover dados para a reconstrução de trajetórias completas, porque capazes de incluir as transições, cada vez mais freqüentes, fora do mundo dos
empregos com carteira assinada.
Entretanto, não havia na PED forma de medir
com maior precisão o fenômeno da recorrência do
desemprego em suas conseqüências para as transições e padrões de trajetória ocupacional no mercado
paulistano de trabalho. Sendo um estudo transversal,
era natural que a PED não se houvesse colocado,
até então, questões como as que passavam a estar na
pauta dos estudiosos do mercado de trabalho a par-
Gráfico 3
Tempo Transcorrido até à Próxima Readmissão (1)
Região Metropolitana de São Paulo – 1985-2002
mesmo ano
90
1 ano
2 anos
3 anos
4 anos
5 anos
Em %
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1985 1986 1987
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Fonte: MTE. Rais-Migra Vínculos apud Rosendo (2006, p. 75).
(1) Percentual acumulado dos vínculos de desligamento, incluindo aqueles vínculos não refeitos até o final do período.
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novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
tir das mudanças sofridas pelo mesmo no curso dos
anos 1990. Que padrões assumem essas transições
entre ocupação e desemprego, atividade e inatividade? Como esses padrões mudam no tempo? Como
eles afetam indivíduos com diferentes perfis (escolares, ocupacionais, etários, de gênero e de cor)? Como
os indivíduos lhes fazem face? Que tipo de recurso
manejam para buscar a re-inserção? Que papel desempenham os programas públicos de qualificação
profissional e de agenciamento de emprego?
Todas essas eram perguntas que requeriam metodologias de análise longitudinal para a produção de
respostas mais sólidas. Todas elas, conquanto urgentes ao entendimento de mercados heterogêneos e
pouco protegidos de trabalho como o nosso, estavam
por ser respondidas, na falta de estatísticas adequadas
em escala metropolitana, ou seja, na falta de dados
para construir uma visão do fenômeno a partir do
“olho do furacão”. Esse foi o vácuo que se buscou
preencher formulando um experimento de mensuração de trajetórias ocupacionais a partir de uma investigação suplementar à PED levada a cabo em São
Paulo, nosso maior mercado metropolitano de trabalho e o mais significativo agregado de trabalhadores
desempregados e/ou sob risco do desemprego. Sua
construção, seus principais resultados e os esforços
no sentido de ultrapassar seus eventuais limites serão
descritos na seção subseqüente.
Um painel longitudinal num questionário
transversal. A PED aceita mais um desafio...
Entre abril e dezembro de 2001, foi levado a campo um questionário domiciliar suplementar à PED/
RMSP. Ele procurou retraçar os percursos ocupacionais de uma amostra representativa dos indivíduos em
idade ativa, acompanhando suas transições entre situações no mercado de trabalho, ocorridas entre 1994
e o momento da pesquisa, 2001. Como são considerados em idade ativa (conforme metodologia PED)
os indivíduos com dez anos e mais, o levantamento
suplementar teve que se restringir a entrevistar pessoas que, em 2001, tivessem ao menos 16 anos, haja vista
que somente para elas seria possível reconstruir histórias ocupacionais que recuassem até o ano de 1994.10
Mas por que estabelecer o ano de 1994 como o
marco inicial para coleta dos eventos no mercado de
trabalho? Assumiu-se que a experiência do plano de
estabilização monetária então posto em marcha (o
Plano Real) deveria ter alterado referentes importantes do cotidiano econômico, podendo ser tomada
como elemento ordenador da memória do respondente, o que foi confirmado como factível pelo préteste. Dispor de marcos de referência é uma exigência
dos instrumentos longitudinais de coleta, desafiados
que estão a controlar os lapsos de memória do respondente, que sabemos serem diretamente proporcionais ao aumento do tempo recoberto pelo levantamento e à precariedade e/ou sofrimento associados a
experiências vividas no mercado de trabalho.11
Cerca de 27 mil domicílios foram pesquisados
entre abril e dezembro de 2001. Neles, foi aplicado
o questionário suplementar com aproveitamento final de 83% dos casos. Os nove meses de duração do
tempo de coleta foram decorrentes da necessidade
de produzir-se uma amostra que, por seu tamanho,
pudesse ser representativa de todas as situações vis-àvis ao mercado, inclusive a dos desempregados, o menor contingente e o que mais de perto interessava à
pesquisa.12 Gerou-se uma base de informações sobre
perfil e percursos de 53.170 indivíduos, dos quais, no
momento da entrevista, 28.189 foram classificados
como ocupados 6.627 como desempregados e 18.354
como inativos, seguindo os critérios ordinários de
categorização adotados pela PED. Os 53.170 casos
foram analisados em seus movimentos no mercado
de trabalho paulistano, entre janeiro de 1994 e abril
de 2001.
Em outras oportunidades (Guimarães, 2005a,
2006c, 2006d; GUIMARÃES et al., 2004), exploramos os resultados da pesquisa priorizando a comparação entre os padrões de trajetória em São Paulo e
os que observávamos em duas outras grandes metrópoles, Paris e Tóquio. Nestas últimas, a forma de institucionalização dos seus sistemas de emprego e regimes de welfare (Gallie; Paugam, 2000) produziu
distintos modos de estruturação dos seus mercados
de trabalho. Nos anos 1990, todas elas se defrontavam com um desemprego crescente e duradouro e
com a despadronização dos percursos ocupacionais
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
111
Nadya Araujo Guimarães
em direção a formas ditas “atípicas” de trabalho, o
que chegou a animar a formulação de hipóteses sobre a convergência entre características dos mercados
de trabalho, inclusive com sugestões de efeito, como
aquela que apontava para uma pretensa “Brasilianização do Ocidente” (Beck, 2000), que discutimos em
outra ocasião (Guimarães, 2005a). Todavia, no
presente artigo, nosso interesse se concentrará, como
dissemos antes, na experiência mesma de produção
do módulo suplementar à PED e nos desafios nela
contidos, seja com respeito à coleta ou à análise dos
dados.
O Gráfico 4 pode ser considerado um primeiro
resumo dos achados. Nele se ilustra a situação ocupacional de cada um dos entrevistados nos meses
compreendidos entre janeiro de 1994 e abril de 2001.
Para entendê-la, algumas aclarações suplementares de
natureza metodológica se fazem necessárias.
Primeira: sobre quais eventos da trajetória foi possível colher informação, isto é, quão extensiva foi a
cobertura do percurso ocupacional de cada indivíduo? Essa não era uma questão trivial, dado que um
questionário retrospectivo rigorosamente exaustivo
seria impossível, posto que, como dito, o suplemento
se encartava num instrumento de coleta transversal.
Sendo assim, ao longo do período de referência, o
entrevistado informou em detalhe apenas sobre três
eventos:
• a sua situação ocupacional no momento da entrevista (ordinariamente colhida com minudência no
questionário básico da PED);
• o evento ocupacional imediatamente anterior (aí
compreendida a descrição da sua natureza, da
forma de sua obtenção, mecanismos de procura
e mecanismos eficazes para obter trabalho); e, por
fim,
• um terceiro evento, cujo início fosse antecedente
ao segundo evento relatado e que fosse considerado pelo respondente como sendo mais importante
para descrever o período restante, que se iniciara
no ano do Plano Real.13
A sua situação no interstício de cada um dos eventos foi igualmente investigada. Apesar disto, entretanto, sabíamos estar diante do risco de lapsos de tempo
Gráfico 4
Situação Ocupacional do Entrevistado
Região Metropolitana de São Paulo – 1994–2001
100
Em %
Assalariados com carteira
Autônomo
Desempregado/inativo
Assalariados sem carteira
Desempregado
Empregador
Doméstico
Inativo
Ignorado
80
60
40
20
0
ja
n19
ab 94
r-1
99
4
ju
l-1
9
ou 94
t-1
9
ja 94
n19
ab 95
r-1
9
ju 95
l-1
99
ou
5
t-1
9
ja 95
n19
ab 96
r -1
99
6
ju
l-1
99
ou
6
t-1
9
ja 96
n19
ab 97
r -1
99
7
ju
l-1
99
ou
7
t-1
9
ja 97
n19
ab 98
r-1
99
8
ju
l-1
9
ou 98
t-1
9
ja 98
n19
ab 99
r-1
99
9
ju
l-1
99
ou
9
t-1
9
ja 99
n20
ab 00
r-2
0
ju 00
l-2
00
ou
0
t-2
0
ja 00
n20
ab 01
r-2
00
1
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Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Questionário Suplementar
Seade/CEM “Mobilidade Ocupacional”. Processamentos próprios apud Guimarães (2006c).
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
desconhecidos nas trajetórias. Quanto mais intensas
as transições ocupacionais, menor seria o período vivido em cada situação e, logo, maior o risco de termos grandes lapsos de tempo não recobertos pela
informação coletada.14 Essa era uma das principais
medidas de qualidade da base, tendo em vista os objetivos perseguidos.
No Gráfico 4, tal zona obscura está expressa no
estrato “Ignorado”, assim denominado para indicar
que, naquele mês, carecíamos de informação sobre
a situação do indivíduo em questão. Como se pode
observar esse estrato tem um peso relevante e, com o
passar do tempo, sua importância se eleva. Isso pode
resultar tanto do possível “efeito-memória” como,
o que é ainda mais plausível, da combinação deste
com a instabilidade que particulariza a organização
do mercado paulistano de trabalho, dadas as formas
de institucionalização do desemprego entre nós. O
Gráfico 4 deixa também entrever que a base é capaz
de responder pela situação ocupacional da maioria
dos entrevistados em todos os meses observados; e,
mesmo no momento mais longínquo – o trimestre
janeiro-março de 1994 –, quando se esperaria que a
precisão da informação fosse menor, ainda podemos
localizar 53% dos respondentes, o que avaliza a sua
qualidade.15
Segunda aclaração: dada a necessidade de dispormos de eventos válidos para todos os respondentes
de modo a permitir comparar-lhes os percursos e
como o período de coleta em campo transcorreu por
nove meses, retivemos para análise apenas as informações referentes ao período janeiro de 1994 a abril
de 2001, por ser este o período comum a todos os
respondentes, independentemente do mês em que o
questionário lhe tenha sido aplicado. Isso explica o
porquê de termos um grupo de casos (cerca de 13%
deles) para os quais ignoramos a situação ocupacional
no momento mais atual.
Se deslocarmos o interesse das preliminares metodológicas para o plano dos resultados substantivos,
um aspecto principal chama logo a atenção: são minoritários , no Gráfico 4, os estatutos polares, típicos
do mundo do trabalho presidido pela relação salarial;
a conjunção entre, por um lado, o assalariamento regular, carteira assinada e direitos a ele associados (que
alcança, no máximo, 25% dos casos) e, por outro, desemprego aberto (ao redor de 8% dos entrevistados
a cada momento) deixa de fora, em média, nada menos que ¾ dos 51 mil indivíduos cujas posições no
mercado de trabalho acompanhamos ao longo dos
sete primeiros anos do pós-Real. Já as situações antes
aludidas como “de fronteira” ou “zona cinzenta” são
bem mais significativas em termos numéricos; apenas
para tomar um exemplo, somente a situação de trânsito entre desemprego e inatividade caracteriza, em
média, nada menos que 30% dos casos.
O achado expresso no Gráfico 4 sob a forma de
sucessivos cortes transversais, apesar do seu interesse,
deixa ainda em aberto outras dimensões do problema, notadamente aquelas concernentes à amplitude
e à regularidade nos padrões de transição. Vale dizer,
por um lado, que importa saber se a insegurança ocupacional atinge um segmento específico da força de
trabalho ou se é mais amplamente generalizada; por
outro lado, cumpre desvendar se as intensas transições poderiam ser resumidas em alguns trajetos entre
situações que fossem mais recorrentes, isto é, se não
haveria trajetórias típicas nesse mundo ocupacional
de posições tão frágeis.
No entanto, a par disso, ainda resta um desafio de
natureza metodológica: serão as situações ignoradas
realmente um reflexo de intensas transições em trajetórias despadronizadas? Ou são meros efeitos da
dificuldade encontrada por nosso questionário suplementar para medir movimentos no mercado de trabalho num período relativamente longo de sete anos?
Para responder tais perguntas, fazia-se necessário
um outro tipo de análise longitudinal que facultasse igualmente acompanhar, ao longo do tempo, os
vários movimentos individuais no mercado de trabalho. Em vez de uma fotografia sobre a situação do
estoque de casos a cada momento, era preciso uma
análise do fluxo dos indivíduos no mercado. Para
fazê-lo, separamos os 51 mil indivíduos em três grupos, conforme a situação dos mesmos no mercado de
trabalho no momento da pesquisa: o grupo daqueles
que estavam ocupados, o dos desempregados e o dos
inativos em 2001. Feito isso, utilizamos os procedimentos de análise fatorial e de clusters para observar
os itinerários dos entrevistados de cada um desses
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
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Nadya Araujo Guimarães
grupos, de modo a identificar possíveis padrões de
trajetória ocupacional, usando as mesmas alternativas
de classificação do Gráfico 4. O resultado está resumido na Tabela 1.
E qual o achado mais intrigante?16 Tanto entre os
ocupados, como entre os desempregados e os inativos, um contingente significativo de casos se constitui de pessoas que, ao longo do período observado,
mudavam tão frequentemente sua situação no mercado de trabalho que nenhum padrão de trajetória era
passível de ser identificado, já que a informação sobre
três eventos ocupacionais recobria um período muito
curto do seu percurso. Este se caracterizava, assim,
pela não padronização. Tal era a situação de ¼ (24%)
dos que estavam ocupados no momento da pesquisa,
de metade (51%) dos que encontramos como inativos e de ¾ (69%) dos que haviam sido classificados
como desempregados em 2001.
É certo que a Tabela 1 deixa também entrever que
os indivíduos então ocupados tinham trajetórias anteriores no mercado de trabalho não apenas mais estáveis (ou seja, passíveis de serem expressas em tipos
duradouros de situação ocupacional), como também
mais diversificadas (ou seja, cujos percursos típicos
recobrem quase todo o espectro das alternativas de
classificação utilizadas).
Interessante observar ainda que, entre os ocupados, a história ocupacional no assalariamento é dominante. Alguns haviam passado a maior parte do seu
tempo, desde o Plano Real, como assalariados com
carteira (30% dos ocupados); outros haviam estado
sob relações assalariadas duradouras, ainda que informais (24%). Juntos, eles formam o coração do assalariamento estável; entretanto, se somarmos os assalariados formais e informais, eles não chegam sequer à
terça parte do universo investigado (29% do total de
casos). Uma parcela de menor peso tinha percursos
igualmente estáveis no trabalho autônomo (10%), no
serviço doméstico (4%) ou se constituía de antigos
empregadores (2%). Apenas um número residual dos
atuais ocupados era formado por pessoas duradouramente privadas de ocupação, e que, por isso mesmo,
transitavam entre o desemprego e a inatividade (6%).
Muito distinta é a configuração observada entre
os desempregados e os inativos. As trajetórias de uns
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
e outros são fortemente marcadas pela não padronização e pela ausência de experiências duradouras
de emprego, qualquer que fosse o tipo de relação de
trabalho. No caso dos desempregados, se somarmos
aqueles cujo padrão é o de transições tão intensas que
o percurso não pode ser recomposto (69%) com os
que, privados de ocupação, haviam passado o perío­
do transitando entre o desemprego e a inatividade
(22%), teremos nada menos que 91% dos casos, ou
seja, a quase totalidade dos entrevistados.17 Duradouramente desempregados encontramos apenas uma
minoria, 9% do grupo.
Dito em bom português, os nossos desempregados são trabalhadores que não apenas estavam circunstancialmente desocupados e à procura de trabalho, mas tinham uma história ocupacional marcada
pelo reduzidíssimo comando sobre as condições de
oferta e negociação da sua força de trabalho. Engolfados numa permanente “viração”, transitavam entre
um sem número de bicos ou até mesmo passavam períodos fora do mercado de trabalho. Não sem razão,
vistas as condições do regime de proteção vigentes
entre 1994 e 2001, nesse grupo a forma proeminente
do desemprego era aquela que se ocultava recorrentemente no trabalho precário ou no desalento.
O que dizer do percurso ocupacional prévio daqueles que a pesquisa encontrou, em 2001, como
inativos? Ele é marcado por grande mobilização
em direção ao engajamento no mercado, conquanto
(também aqui) sem maior comando sobre as condições de negociar no mercado a sua força de trabalho.
Não sem razão, a parte mais significativa dos inativos
apresentava um percurso ocupacional de padrão muito similar ao dos desempregados: 9 em cada 10 (89%)
provinham de trajetórias de intensas transições ou de
percursos carentes de ocupação regular que os sujeitava ao trânsito entre o desemprego e a inatividade.
Só uma minoria (8%) era formada por trabalhadores
de maior idade (dominantemente homens e brancos)
que, tendo chegado ao final da sua vida ativa, retiravam-se do mercado de trabalho pela via da aposentadoria e passavam à inatividade. Ou seja, tanto quanto
entre os desempregados, menos que um, em cada dez
inativos, apresentava trajetória de passagem regular à
inatividade.
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
Tabela 1
Trajetórias Agregadas dos Entrevistados, segundo Condição Ocupacional
Região Metropolitana de São Paulo – 2001
Números
Absolutos
% do Grupo
8.439
30
16
619
2
1
3. Desempregados ou inativos
1.725
6
3
4. Transições intensas, percurso ignorado
6.694
24
13
5. Autônomos
2.730
10
5
6. Domésticos
1.264
4
2
7. Assalariados sem carteira
6.718
24
13
Subtotal dos ocupados
28.189
100
53
Outras situações (desempregados ou inativos)
24.981
47
Total de casos
53.170
100
Condição Ocupacional
% do Total
OCUPADOS
1. Assalariados com carteira
2. Empregadores
DESEMPREGADOS
1. Transições intensas, percurso ignorado
4.549
69
9
627
9
1
3. Desempregado ou inativo
1.451
22
3
Subtotal dos desempregados
6.627
100
13
2. Desempregado
Outras situações (ocupados ou inativos)
46.543
88
Total de casos
53.170
100
INATIVOS
1. Transições intensas, percurso ignorado
9.287
51
18
1.549
8
3
524
3
1
6.994
38
13
Subtotal dos inativos
18.354
100
35
Outras situações (ocupados ou desempregados)
34.816
65
Total de casos
53.170
100
2. Aposentados (assalariados com carteira ou funcionários públicos)
3. Transitando entre inatividade e trabalho autônomo
4. Transitando entre desemprego e inatividade
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Questionário Suplementar
Seade/CEM “Mobilidade Ocupacional”. Processamentos próprios.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
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Nadya Araujo Guimarães
Esses achados indicam que o risco de histórias
ocupacionais marcadas pela transição intensa não
apenas é elevado, mas também muito desigualmente distribuído, tanto entre as distintas posições dos
indivíduos vis-à-vis ao mercado, quanto com respeito
a seus atributos como idade e posição no ciclo de
vida, ou gênero e cor. Tal como destacado em outra
ocasião (Guimarães, 2006c), esse risco está fortemente informado pelo próprio percurso, de sorte
que a inclusão no mundo dos ocupados parece dotar
os indivíduos de redes de relações que, se não lhes
asseguram “bons empregos” (somente 32% deles
formam o núcleo duro que reúne assalariados com
carteira e empregadores), parecem ser capazes de reduzir o risco da transição recorrente, tornando-a menos provável. Sob esse risco estão um em cada três
casos entre os ocupados, contra três em cada quatro
desempregados, um em cada dois inativos.
Mas, poderemos estar realmente seguros da confiabilidade desse achado? Dizendo-o de outro modo,
esse intenso trânsito não poderia ser um efeito
produzido artificialmente por uma armadilha metodológica, já que decorrente de um levantamento
longitudinal baseado num número de eventos demasiadamente exíguo para recobrir um tempo por
demais ampliado, haja vista a insegurança ocupacional vigente? Ou, ainda, não estaríamos exacerbando
um traço da realidade do mercado metropolitano de
São Paulo por força de uma limitação no modo de
mensurá-lo?
Em face desse desafio, introduzimos um último
controle na análise dos dados, reduzindo o período
de referência dos percursos. Ou seja, se havia um risco de inadequação do instrumento à temporalidade
por ele assumida, nada melhor que verificar o que
acontece com os resultados empíricos, quando diminuímos o lapso de tempo durante o qual se acompanham as transições.
Na Tabela 2, apresentamos os achados assim obtidos. Para melhor ajuizá-los, reapresentamos, numa
primeira metade da mesma, os trajetos anteriormente
analisados (e obtidos para o período 1994-2001), de
modo que o leitor possa confrontá-los com as novas trajetórias agregadas, identificadas para o período
mais curto, ou seja, 1997-2001.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
Os resultados da comparação são interessantes.
Se, por um lado, eles confirmam a importância das
trajetórias não padronizadas, por outro, eles matizam
o peso das mesmas com respeito a todos os grupos,
e muito especialmente no que concerne aos trabalhadores que estavam desempregados em 2001.
Mesmo reduzindo o tempo recoberto pelas informações, continuamos a observar que as trajetórias
não padronizadas, ou seja, aquelas sujeitas a transições muito intensas, ainda se destacam como um
tipo de percurso fortemente recorrente no mercado
paulistano. A elas estão expostos nada menos que
16% dos ocupados (mantendo-se, por sua importância numérica, como o segundo tipo de trajeto entre
eles), 35% dos desempregados (embora menos significativo, esse tipo de percurso segue sendo o mais
importante entre as pessoas que buscavam trabalho
no momento do levantamento) e 43% dos inativos.
Todavia, a redução do tempo e a captura (conseqüentemente) mais precisa das informações fazem
aparecer com mais saliência o peso dos percursos
no desemprego. Isso se aplica especialmente no que
concerne aos próprios desempregados. Uma vez recompostos os seus trajetos, tomando como referência um período mais curto de tempo (1997-2001),
obtém-se um leque maior de alternativas de trânsito no mercado de trabalho (seis em lugar de apenas
três), dentre as quais se torna muito mais significativo o percurso no desemprego duradouro (englobando agora 16% dos casos, contra apenas 9% quando
observado o período mais longo). Por outro lado,
sobressaem-se também os percursos conducentes
ao desemprego e oriundos tanto do assalariamento
com carteira (24% dos casos), como do serviço doméstico (4,6%) e do trabalho autônomo (3,6%), a revelar a insegurança ocupacional a que estão sujeitas
essas relações de trabalho e mesmo a mais protegida
dentre elas – o trabalho regularmente registrado em
carteira.18
Diríamos, enfim, que o teste do valor heurístico
da forma longitudinal de coletar e analisar os dados
parece revelar que temos em mãos uma ferramenta
poderosa para refletir sobre a estruturação e a dinâmica de mercados de trabalho, especialmente aqueles
sujeitos a intensas transições entre situações ocupa-
117
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
Tabela 2
Confrontando as Trajetórias Agregadas
Região Metropolitana de São Paulo – 1994-2001
Classes de Trajetória (1994-2001)
Números % do
Absolutos Grupo
% do
Total
OCUPADOS em 2001
1. Assalariados com carteira
2. Empregadores
3. Desempregados ou inativos
Classes de Trajetória (1997-2001)
%
OCUPADOS em 2001
8.439
30
16
619
2
1
1.725
6
3
1. Assalariados com carteira
2. Empregadores
34,1
2,2
3. Desempregados ou inativos
23,9
4. Transições intensas, percurso
ignorado
16,2
4. Transições intensas, percurso ignorado
6.694
24
13
5. Autônomos
2.730
10
5
5. Autônomos
11,2
6. Domésticos
1.264
4
2
6. Domésticos
5,2
7. Assalariados sem carteira
6.718
24
13
7. Assalariados sem carteira
7,2
Sub-total dos ocupados
28.189
100
53
Outras situações (desempregados ou inativos)
24.981
47
Total de casos
53.170
100
DESEMPREGADOS em 2001
DESEMPREGADOS em 2001
1. Transições intensas, percurso ignorado
35,1
4.549
69
9
1. Transições intensas, percurso
ignorado
627
9
1
2. Desempregado
16,2
3. Desempregado ou inativo
1.451
22
3
3. Desempregado ou inativo
16,4
Sub-total dos desempregados
6.627
100
13
4. Assalariados com carteira
24,1
2. Desempregado
Outras situações (ocupados ou inativos)
46.543
88
5. Domésticos
4,6
Total de casos
53.170
100
6. Autônomos
3,6
INATIVOS em 2001
1. Transições intensas, percurso ignorado
INATIVOS em 2001
1. Transições intensas, percurso
ignorado
2. Aposentados (assalariados com carteira
ou funcionários públicos)
9.287
51
18
1.549
8
3
524
3
1
6.994
38
13
4. Desempregado ou inativo
Sub-total dos inativos
18.354
100
35
5. Percurso entre situações precárias
8,1
Outras situações (ocupados ou desempregados)
34.816
65
6. Do assalariamento regular à transição D-I
3,6
Total de casos
53.170
100
2. Aposentados (assalariados com carteira ou
funcionários públicos)
3. Transitando entre inatividade e
trabalho autônomo
4. Transitando entre desemprego e inatividade
3. Autônomos
43,6
3,9
2,5
38,3
Fonte: SEP. Convênio Fundação Seade/Dieese e MTE/FAT. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED. Questionário Suplementar
Seade/CEM “Mobilidade Ocupacional”. Processamentos próprios.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
118
Nadya Araujo Guimarães
cionais. Finalizamos, trazendo à baila, na última seção
do texto, algumas reflexões sobre as lições deixadas
por essa experiência.
Considerações finais, ainda sob
o estímulo da nova experiência
Nas partes antecedentes, utilizamos a experiência de
estudos avançados e em parceria interinstitucional,
desenvolvidos nos últimos anos na RMSP, de forma
a ilustrar a importância de oxigenarmos nossa agenda de análise, renovando-a metodologicamente, para
melhor fazer face ao debate sobre mercado de trabalho e políticas públicas.
Iniciamos nosso argumento destacando que os
anos 1980 – talvez pela forte crise (econômica e no
mercado de trabalho) que inaugurou aquela década
–, foram seminais no debate sobre trabalho e desemprego no Brasil. Naquele momento assumimos, com
todas as suas duras e desafiadoras conseqüências, a
realidade de que o desemprego era um problema no
Brasil, e que havia chegado para ficar.
Não era verdade apenas que tivéssemos problemas de (sub)emprego associados às esferas locacional, de formação ou de retribuição da força de trabalho. Nesse diapasão tinha ido parte significativa
da nossa melhor inteligência analítica que, nos anos
1960 e 1970, tratara de dar conta dos problemas dos
mercados urbanos de trabalho. Eles bem documentaram como a consolidação de tais mercados faziase na esteira de intensos fluxos migratórios internos
que relocalizaram parcela importante dos ofertantes
de força de trabalho (dos anos 1940 aos 1970), na
esteira da constituição de uma indústria pujante e de
serviços modernos que haviam se concentrado em algumas áreas urbanas mais significativas, entre os anos
1950 e 1970, no mesmo sudeste.19
Ora, qual a novidade dos anos 1980, destacada aqui
pela importância para o tema deste texto? A de ter,
por um lado, dado legalidade analítica, consagrando
um interesse acadêmico e, por outro lado, conferido
legitimidade simbólica no plano do imaginário social
ao sentimento de que tínhamos, sim, um problema de
desemprego a enfrentar nos planos conceitual, operacional e político.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
Reconhecendo tal fato, essa geração deu seqüência, no campo das medidas, ao reconhecimento da
especificidade do nosso mercado de trabalho, marcado pela sua heterogeneidade estrutural, flexibilidade
operacional e escasso poder de organização das relações de trabalho com base numa norma salarial que
se tivesse universalizado. Vêm de então as estatísticas
que retiraram da sombra as formas diversas do desemprego, com especial relevo para aquelas ocultadas
no trabalho precário e no desalento. Devassava-se o
amplo leque de modalidades de relação dos indivíduos com respeito ao trabalho e ao desemprego. A
PED foi pioneira nesse caminho.
Tais medidas avançaram, por certo, na descrição
das especificidades da estrutura do mercado. Todavia,
elas deixavam apenas entrever, como vimos até aqui,
a intensa dinâmica de transições que já nos marcava
desde então – e que se tornaria particularmente significativa a partir dos anos 1990, com as mudanças
macroeconômicas e microorganizacionais que mudaram rumos da economia em geral e das firmas em
especial, aprofundando o fenômeno do desemprego
recorrente.
Tamanhos foram os efeitos, no mercado de trabalho, das mudanças promovidas a partir dos anos
1990, tal sua magnitude (em termos de número de
demitidos), tão intenso era o “enxugamento” (em
termos de encolhimento dos postos) que o analista
rapidamente percebia que já distava muito o tempo20
em que as estratégias gerenciais de desemprego se
assentavam (confortáveis) em estratégias de rotação
dos trabalhadores. Até os anos 1980, certamente, a
quebra do contrato de trabalho prenunciava o estabelecimento de um outro vínculo, via de regra no mesmo setor e, no mais das vezes, com um outro empregador (mas, por vezes, com o mesmo, num outro
momento), embora, muito provavelmente, a menores
salários e em condições mais desiguais de barganha.
Assim, nos anos do chamado “milagre econômico” – só para figurar um exemplo –, é certo que a
rotação (contra-face do despotismo de mercado) deprimia os salários e sujeitava os trabalhadores à intensificação das jornadas, em condições de privação
de direitos (como o da estabilidade, substituída pela
legislação do FGTS). Entretanto, no próprio meca-
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
nismo de rotação, acenava-se com o horizonte de
uma futura readmissão, da reinserção no mundo dos
empregos no setor do qual se saíra.
O intenso turn-over era, assim, um instrumento por
excelência de gestão, complementado pela repressão política. Mas ele não privava nem da chance (de
longo prazo) da reinserção, nem – e por isto mesmo – da representação simbólica de uma identidade
(profissional) e de um destino (ocupacional). Tanto
é assim que, na crise do início da década de 1980, os
sindicatos protegiam “os seus” desempregados. Ou,
por outra, quando o desemprego era expressão do
custo “político” da militância,21 havia o instituto dos
“fundos de greve”, a vaticinar a transitoriedade do
desligamento “da categoria” e a anunciar que, num
futuro – mesmo que mais remoto que o desejado –, o
trabalhador restabeleceria os elos com o seu destino
de origem.
Num exemplo ou no outro, é eloqüente observar
como era o sindicato que bancava a conta desse interregno. Assim, se nos faltava um arcabouço institucional público-estatal, as pontes de passagem eram feitas
por instituições públicas não-estatais – os sindicatos
e a solidariedade operária estavam entre as principais
delas.
Ao avançar no estudo dos elos entre reestruturação e seletividade, ficava cada vez mais claro que,
a partir dos anos 1990, o desemprego representava,
para uma parcela muito significativa dos desligados,
a perda definitiva dos elos com uma trajetória pretérita, com uma eventual carreira profissional, com
uma identidade social, enfim. Não se tratava de mera
rotação, mas de rompimento dos elos que faziam do
par emprego-desemprego elementos de uma relação
biunívoca. O desemprego não era mais, para muitos
e muitos dos trabalhadores, o outro, transitório, do
emprego. Sendo assim, o que dizer do destino desses
indivíduos? Como tratar os itinerários no novo mercado de trabalho?
Para responder a esse tipo de indagação, foi necessária a construção de desenhos de pesquisa distintos. A seletividade produzida no processo de reestruturação já não podia ser apenas descrita pelos
seus resultados agregados, em termos de estoques de
indivíduos privados dos vínculos de trabalho. Tam-
pouco era suficiente atualizar séries de painéis de tipo
transversal (ao modo das repeated cross sectional analysis),
que bem documentavam a magnitude da queima de
postos de trabalho ou de redefinição na natureza dos
vínculos (de estáveis para instáveis ou precarizados)
ou de reespacialização do emprego. Desafiava-nos a
necessidade de produzir dados adequados a analisar
padrões de transição ocupacional, identificando trajetórias (isto é destinos ocupacionais comuns, recorrentes, partilhados) de grupos de indivíduos importantes
enquanto alvo das políticas públicas de emprego, renda e inclusão social.
Como detalhado ao longo deste trabalho, o esforço desenvolvido nos anos 1990 por alguns grupos brasileiros de pesquisa (notadamente o Centro
Integrado de Emprego, Trabalho e Renda – Ciet, o
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
– Iuperj e o Cebrap) voltou-se, já em meados daquela década, para a construção de bases longitudinais
para o estudo do mercado de trabalho, aproveitando
e redesenhando a arquitetura de bancos já disponíveis. Esse esforço foi coroado com o êxito, na medida
em que dele derivaram os primeiros experimentos de
longitudinalização de registros administrativos que
deram origem à Rais-Migra (hoje chamada Rais-Migra Painel) e, posteriormente, à Rais-Migra Vínculos.
A representação da dinâmica do mercado de trabalho superaria, com isso, os limites das bases de dados que apenas nos facultavam cortes transversais.
Fazendo do tempo um elemento endógeno à sua
própria arquitetura, passava a ser possível o estudo
da sucessão dos vínculos na vida ocupacional do trabalhador, criando-se uma importante forma de aproximação à análise das chances de sua reinserção no
trabalho, tanto quanto da dinâmica da sua mobilidade
ocupacional. Entretanto, tais avanços metodológicos
dos anos 1990 nos deixaram ainda diante de um limite: análises desse tipo, com abrangência para todo
o território nacional com base em bancos de dados
confiáveis, continuam sendo apenas possíveis no que
concerne ao emprego formalmente registrado, aquele
recoberto pelo sistema Rais-Caged.
Entretanto, nas partes anteriores deste texto, quisemos evidenciar que, nos anos 2000, os itinerários
dos indivíduos no mercado de trabalho apontavam
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Nadya Araujo Guimarães
para o fato de que parte significativa desse contingente circulava não apenas entre a ocupação, registrada e
duradoura, e o desemprego transitório, mas entre tão
diversas situações e com tal freqüência que identificar trajetórias (com sentido próprio, substantiváveis
em padrões típicos de percurso) ainda era um desafio
à nossa capacidade de descrever e tipificar trajetos.
Mais do que isso, os resultados para São Paulo, obtidos a partir do experimento conduzido com o módulo suplementar, sugeriam que a mobilidade de entrada e saída no mercado de trabalho parecia se tornar
a tal ponto banal e rotineira, que se dissociavam os
momentos principais (ou as grandes transições) na
biografia ocupacional das grandes fases do ciclo da
vida individual.
Sendo cabíveis tais conclusões, a partir dos dados
apresentados, uma interessante questão conceitual
parece se abrir. Talvez necessitemos recorrer a outra categoria de análise, a de transições ocupacionais,
para bem descrever o fenômeno que temos diante de
nós. Nas partes anteriores deste texto, exploramos o
valor heurístico desse conceito, ilustrando-o a partir
do caso da RMSP. Tal valor é especialmente estratégico nos contextos em que, para muitos indivíduos, as
biografias já não podem ser descritas a partir de trajetórias padronizadas, que têm o seu sentido informado por um itinerário típico e recorrente no mercado
de trabalho (seja ele precário ou virtuoso, regular ou
irregular). Ao contrário, muitos dos percursos apresentados anteriormente trazem em si, como traço
que lhe é próprio, apenas o mudar muitas vezes, erraticamente, em busca da sobrevivência, o que Beck
(2000) chamara de “multi-atividade nômade”.
Mas, adotar a categoria “transições ocupacionais”
como conceito-chave na análise não é um simples
movimento em busca de um outro nome, raro e
exótico, que estabeleça um novo nicho para iniciados. Implica – e esse é o aspecto que nos interessou
explorar ao longo do texto – uma inflexão prenhe
de conseqüências metodológicas, que vem sendo feita pelos que propugnam a importância das análises
longitudinais, já desde o final dos anos 1990. De um
ponto de vista mais geral e teórico, importa em seguir
no caminho de passar de um enfoque macroanalítico,
de certo modo estático e centrado sobre o estudo dos
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movimentos nos estoques (de ocupados, desempregados e inativos, mesmo se reclassificados de modo
mais fino), para uma abordagem microanalítica, centrada nos indivíduos, observados em termos de fluxos, com privilégio para dados e ferramentas de tipo
longitudinal (Gautié, 2003).
De um ponto de vista mais operacional, importa
em desenvolver iniciativas programadas no sentido
de estender tal capacidade de medir transições também aos bancos de dados que permitem flagrar movimentos de passagem mais amplos que os tecidos
apenas no mercado formal, já registrados pelas bases
tipo Migra (Painel e Vínculos). Acreditamos que a
experiência conduzida com o módulo suplementar à
PED poderia ser tomada em conta para refletirmos
sobre a necessidade de investigar com regularidade
tal fenômeno, incluindo esta preocupação na pauta
dos nossos registros estatísticos oficiais, sejam eles de
tipo domiciliar (como os que vêm dos sistemas PED
ou do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– Pesquisa Mensal de Emprego/Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios – IBGE –PME/PNAD),
sejam de tipo administrativo e de ampla cobertura
(como os do Sistema de Gestão das Ações de Emprego – Sigae). Pelos resultados já produzidos para
a RMSP, acreditamos que o uso desse estilo de abordagem permitirá evidenciar novas dimensões das
mudanças no mercado de trabalho, sendo uma fonte
importante de dados com vistas ao debate sobre o
sistema público de emprego e políticas para o mercado de trabalho e inclusão social. 22
No que respeita aos registros administrativos, o
desenvolvimento das bases Rais-Migra Painel e RaisMigra Vínculos permite estudos refinados sobre
as trajetórias e transições no mercado formal, com
bancos de dados que podem ser considerados quasecensitários (para não esquecermos os problemas de
cobertura das empresas de menor porte).23
A nosso juízo, uma nova fronteira para avanços
metodológicos, no que concerne a esse tipo de registro (e, ao contrário da Rais-Caged, ainda pouco
explorada), é a base de dados produzida pelo sistema
Sigae, também do MTE. Seja no que tange à questão
da qualificação, ou no que se refere à questão da intermediação, o Sigae provê informações de imensa valia.
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
Vale ressaltar que os dados por ele disponibilizados
permitem avanços substanciais em face de outros registros administrativos sobre mercado de trabalho, na
medida em que integram informações sobre iniciativas de qualificação e pretensões de trabalho (registros
facilmente longitudinalizáveis) a dados sobre disponibilidade de vagas no mercado. O próprio avanço recente na estruturação do sistema público, integrando
recebimento do benefício e procura de trabalho (e o
horizonte imediato de vir a entregar iniciativas de formação profissional e registro no sistema), tem permitido melhorar a cobertura desse banco, o que é particularmente notável nos últimos anos e em algumas
partes do território – em especial naquelas onde um
mercado de serviço de intermediação de empregos se
estabeleceu, e, novamente, São Paulo é um exemplo
para nos fazer pensar.24
Mas, vista a riqueza das evidências apresentadas
neste texto, urgem iniciativas que suplementem,
avançando, o sistema de informações amostrais de
tipo domiciliar, disponível com especial riqueza para
as maiores regiões metropolitanas, e muito relevante
não somente pelo peso da população nelas residente,
mas, especialmente, pela magnitude e urgência dos
problemas de emprego e ajuste no mercado de trabalho que nelas se exprimem. A experiência do Módulo
Suplementar à PED-Mobilidade Ocupacional pode
ser uma via de experimentação para estudos comparativos intermetropolitanos.
As PEDs existem em várias metrópoles onde a
estruturação do mercado de trabalho, sendo fortemente variável, permite análises singulares e políticas
focalizadas para subespaços regionais. Seria de todo
oportuno, por exemplo, a replicação da experiência
anterior, com os aperfeiçoamentos cabíveis, em outras metrópoles onde existe implantado o sistema
PED. Esforços no sentido de articular suplementos
longitudinais à PNAD poderiam ser igualmente interessantes. Além disso, estudos comparativos são
urgentes nesse campo.
Apesar de não termos podido nos alongar nesse tema, dados os alvos do presente texto, a experiência do Módulo Suplementar à PED e da parceria
Fundação Seade/CEM/USP também é ilustrativa de
como podem ser ricas as combinações entre inqué-
ritos estatísticos regulares, por um lado, e inquéritos
especiais de tipo qualitativo e em profundidade, por
outro. Para São Paulo, explorando o tema das trajetórias e formas do desemprego, associamos à via do
questionário suplementar o estudo qualitativo por
meio de entrevistas biográficas sobre experiência
subjetiva do desemprego com grupos-alvo selecionados por seu alto risco de desemprego.25 Não apenas o desemprego, como foi o caso dessa experiência
bem-sucedida, mas outros temas igualmente relevantes, como a procura de trabalho, o funcionamento
do sistema público e a organização do mercado de
intermediação, são exemplos de aspectos importantes em que muito teríamos a avançar, se desvendados
por meio da combinação entre levantamentos por
questionário e estudos qualitativos, biográficos ou
etnográficos.
Finalmente, e no que concerne à PED, o estudo
desenvolvido deixa lições interessantes, também no
sentido do aprimoramento do seu questionário básico. Assim, por exemplo, a pesquisa suplementar
evidenciou a importância que assumem as instituições de intermediação – públicas, mas especialmente
privadas – no mercado de trabalho de São Paulo. A
constituição de um mercado capitalista de intermediação de oportunidades ocupacionais parece ser outro traço que se consolida entre nós, no momento em
que a reestruturação das firmas e a flexibilização dos
contratos convivem com a ampliação do desemprego
e a recorrência do seu risco. Ora, nessas condições, a
opacidade da operação ordinária do mercado, associada ao enorme fluxo de demandantes e à sua elevada concentração em grandes metrópoles tornamse fatores decisivos na constituição de um circuito
empresarial voltado ao negócio da intermediação de
empregos.26
A PED, por haver se preocupado inicialmente em
perscrutar de modo rigoroso a procura de trabalho,
já incluíra, em seu módulo básico, questões referentes
aos mecanismos acionados pelos indivíduos em sua
busca por ocupação. No esforço por melhor entender as práticas dos desempregados, o experimento
que conduzimos pelo Módulo Suplementar de 2001
alterou a maneira de categorizar os mecanismos de
procura, não apenas detalhando-os, mas categorizanSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
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Nadya Araujo Guimarães
do-os para fazer com que a informação produzida
pudesse dialogar melhor com a literatura internacional no campo dos estudos sobre redes e instituições
no mercado de intermediação de oportunidades de
trabalho. Nossas análises iniciais, feitas com base nessa recategorização das formas de procura, evidenciaram que, no caso de São Paulo, os indivíduos combinavam a procura via redes pessoais (mecanismo
reconhecido pelos respondentes como o dominante
e o mais eficaz) com aquela que se fazia por meio
das instituições, sobretudo privadas, do mercado de
intermediação (Guimarães et al., 2004). Todavia,
tais ajustes experimentais não foram incorporados
duradouramente ao questionário básico da PED; este
é outro desafio ainda por enfrentar.
Concluindo: todas essas iniciativas, sejam elas de
ajuste no modo de coleta, sejam de inclusão de temas
na agenda e ou de novas formas de recolher e analisar dados, devem ter sempre em mente a enorme
capacidade institucional já consolidada no Brasil, no
que concerne à produção e análise de informações
sociodemográficas. Tal capacidade institucional está,
hoje, nas fundações estaduais dedicadas à produção e
análise de dados, em órgãos específicos no sistema de
planejamento e avaliação de políticas, ou nas universidades. Por isso mesmo, iniciativas interinstitucionais
(como a relatada neste artigo) envolvendo diferentes
atores em programas de estudos com metas claras e
de articulação duradoura são capazes de produzir a
necessária sinergia entre instituições já operantes, caracterizadas por sua qualidade e que, por isso mesmo,
têm muito a ganhar se estimuladas a agir de maneira
consorciada. Esta foi a grande lição do experimento
conduzido com a PED.
Notas
n. 2000-5377) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Acordo CNPq/CNRS,
Proc. 690030-01-0 e Auxílio Pesquisa 469792-00). A execução
do levantamento amostral domiciliar na Região Metropolitana
de São Paulo, que será descrito adiante, contou com a parceria
institucional e a permanente colaboração técnica da Fundação
Seade, do Governo do Estado de São Paulo, graças ao compromisso da sua Diretora Executiva, Felícia Reicher Madeira,
levado a termo pela Gerência de Estudos e Projetos, dirigida
à época por Paula Montagner. É sempre justo registrar o reconhecimento de ambas.
1. Ao contrário, a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, já em 1965, fora uma das primeiras
iniciativas, no alvorecer do regime militar, no sentido de reverter o instituto da estabilidade, mesmo para aquele segmento
minoritário da população ativa que reunia condições de elegibilidade para desfrutá-lo. São abundantes as evidências sobre o
aumento da rotatividade do trabalho que disso decorre.
2. O instituto do “seguro-desemprego” foi introduzido no
Brasil com a Constituição de 1988. Carente de regulamentação
da sua fonte financiadora, foi implementado somente no curso
dos anos 1990, com a instituição do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. É certo que um “Sistema Nacional de Emprego” fora constituído ainda durante o regime militar; entretanto,
o seu impacto sobre as oportunidades no mercado de trabalho
era tão restrito quanto o escasso número de ocupações (de baixa qualidade) que intermediava; e mesmo as suas funções de
produção de informações e de administração de programas de
qualificação jamais chegaram a fazer jus ao que se reivindicava
em seu nome: os atributos de serem parte de um “sistema”
dotado de escopo “nacional”.
3. Esse programa de pesquisas, coordenado por nós, foi desenvolvido pela conjunção de dois projetos, intitulados “Novas
formas do emprego e da mobilidade na metrópole paulista”
e “Desemprego: abordagens institucional e biográfica. Uma
comparação Brasil, França, Japão”. Eles receberam apoios da
Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp (Projeto CEPID-CEM 1998/14342-9), da William and
Flora Hewlett Foundation/Programa US-Latin America (Grant
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4. Todos os detalhes relativos ao desenho da pesquisa, definições operacionais e análise dos primeiros resultados podem ser
encontrados no relatório especialmente preparado com respeito a esta fase da pesquisa e disponível em Guimarães (2003).
5. Ver especialmente Guimarães et al. (2003); Guimarães et
al. (2004); Guimarães, Silva e Farbelow (2004); Guimarães e
Georges (2005); Guimarães (2005a; 2005b; 2006c; 2006d);
Demazière, Guimarães e Sugita (2006).
6. Ver, por exemplo, Castro, Cardoso e Caruso (1997);
Guimarães (2004c) ou Cardoso, Comin e Guimarães (2006).
7. Essas condições produziram entre nós um fenômeno
algo diferente do que fora observado, notadamente a partir
dos anos 1980, nos países europeus economicamente mais
avançados. Nestes, foi o aumento do desemprego de longa
duração que constituiu o desafio tanto à interpretação dos
cientistas sociais, quanto aos modelos de financiamento das
políticas de proteção social, construídas ao longo de uma
sólida experiência de regimes públicos de welfare (Ledrut,
novas formas, novas medidas? Desemprego, TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS ...
1966; Maruani; Reynauld, 1993; Demazière, 1995;
Friot; Rose, 1996; Gallie; Paugam, 2000; Maruani,
2002). Entre nós, na ausência de uma experiência histórica de
proteção duradoura que fosse eficaz e socialmente inclusiva,
a intensificação das transições no mercado de trabalho e,
sobretudo, o fenômeno da recorrência do desemprego,
tornaram-se desafios ao nosso entendimento e às políticas
governamentais (Dedecca, 1999; Guimarães, 2002).
8.O risco da afirmação resulta da inexistência de informações comparáveis para os anos que se seguem à instituição do
FGTS, ou seja, a partir de 1965 e até 1985 – data a partir da
qual passa-se a dispor de microdados da RAIS.
9. Ver a respeito Cardoso (2000), Guimarães (2004b) e
Cardoso, Comin e Guimarães (2006).
10.Para maiores detalhes sobre o questionário e sua formulação, ver “Anexo Metodológico” em Guimarães (2003). Cabe
registrar que o desenho do mesmo inspirou-se no conjunto de
questionários levados a campo durante a pesquisa “Trajectoires
des demandeurs d’emploi et marché local de travail” (também
conhecido como painel TDE-MLT), conduzido na França entre 1995 e 1998 pelo Ministère du Travail et de la Solidarité; tais
questionários (e, posteriormente, o próprio banco de dados)
nos foram gentilmente cedidos pela Diretoria de Estudos do
Mercado de Trabalho, sob a direção de Maria Teresa Pignoni,
no quadro de um projeto de cooperação científica que envolvia
o Departamento de Pesquisas do Ministério do Trabalho francês, o Centro de Estudos da Metrópole – CEM e a Universidade de São Paulo – USP, com apoio do Acordo de Cooperação
entre CNPq e Centre National de la Recherche Scientifique
– CNRS. Na adaptação dos questionários TDE com vistas à
construção do questionário brasileiro, bem como no pré-teste
deste, foi decisivo o envolvimento da equipe da Fundação Seade, que se mobilizou em discussões proveitosas travadas ao
longo de alguns meses; nelas se envolveram Felícia Madeira,
Paula Montagner, Sandra Brandão, Marise Hoffmann, Atsuko
Haga, Maria Alice Bezerra Cutrim, Susana Pereira e Margareth
Watanabe.
11.Habitualmente, levantamentos de tipo longitudinal retrospectivo, por estarem baseados na memória do respondente,
são realizados a partir de questionários de um tipo especial,
usualmente denominados “questionários-calendário”. Neles,
algumas variáveis-chave para a organização da vida pessoal são
reiteradamente coletadas como forma de controle da datação
dos eventos ocupacionais (são os chamados recalls); assim, local
de moradia, situação conjugal ou número de filhos são algumas das características sobre as quais costumamos indagar, de
modo a orientar lembranças e ultrapassar lapsos de memória
do respondente. Entretanto, sendo a PED um questionário
transversal, era impossível ao módulo suplementar que a ela foi
agregado ter a forma de um questionário-calendário; mesmo
a sua extensão teve que ser cuidadosamente dosada para não
extrapolar em muito o tempo médio de duração das entrevistas
ordinárias. Por isso, ao perguntar sobre eventos que tiveram
lugar entre o Plano Real e o momento da pesquisa, introduziase um fato externo ao percurso no mercado de trabalho, como
um demarcador da memória.
12.O desenho da amostra também contou com o suporte técnico da Fundação Seade por meio das estatísticas Nadia Dini e
Maria Paula Ferreira.
13.Pré-testamos o questionário tentando inicialmente definir
o terceiro evento como aquele que seria representado pelo vínculo da mais longa duração no período, no afã de bem recobrirmos o percurso. Entretanto, lapsos de memória levavam
sistematicamente os indivíduos a responderem em termos do
evento que consideravam o mais importante; decidimos, na
impossibilidade de introdução de outros recalls, rever a pergunta e indagar pelo vínculo tido como o mais importante.
14.Especialmente quando temos em mente, como dito acima,
que, conforme a PED/RMSP, a cada 12 meses, nada menos
que ¾ dos indivíduos economicamente ativos mudavam de
situação no mercado paulistano de trabalho.
15.O que não é pouco, dado não se utilizar um verdadeiro
e rigoroso painel longitudinal retrospectivo, o que seria idealmente equacionado, como visto, por meio de um questionáriocalendário.
16.Para uma análise mais detalhada desses achados, inclusive
numa perspectiva comparativa com outras metrópoles mundiais, ver Guimarães (2005a, 2006c).
17.O primeiro grupo, sujeito a intensas transições, é ligeiramente mais masculino, mas equilibrado no que concerne à participação por gênero e cor; no que respeita à idade, tem um formato bimodal: um subgrupo mais jovem (30% dos casos entre
18 e 24) e outro mais idoso (49% deles entre 30 e 49); por isso
mesmo, chefes e filhos predominam. A escolaridade é baixa e o
desemprego aberto é aquele que assume a forma mais importante no momento da entrevista (63%). Já o segundo grupo,
cujo percurso anterior estava marcado pela ausência recorrente
de ocupação e pelo trânsito entre desemprego e inatividade era
caracteristicamente feminino (73% dos casos), constituído, em
sua maioria, por cônjuges (52%) e predominavam as mulheres
brancas. Sua escolaridade era ainda mais baixa que a do grupo
anterior e tem no “desemprego oculto pelo desalento” a forma
de desocupação mais importante; não sem razão a fronteira de
entrada e saída do mercado de trabalho era tão recorrentemente cruzada.
18.A riqueza desse tipo de análise longitudinal pode certamente render frutos de muito interesse quando se associam os
padrões de percurso aos perfis dos indivíduos. Assim fazendo,
podem-se avançar conclusões importantes sobre a distribuição
desigual dos riscos, com indicações relevantes para políticas públicas ligadas ao mercado de trabalho. Não é aqui o espaço para
seguir adiante apresentando resultados, mas indicaria avanços
já efetuados, por exemplo, com respeito a possíveis padrões
que diferenciam grupos de gênero e cor em suas trajetórias no
mercado de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo.
Mais além do diagnóstico de formas de segregação ocupacional, temática fartamente explorada pelos sociólogos e economistas do trabalho, essas informações já nos permitiram, por
exemplo, lançar hipóteses desafiadoras também sobre formas
de segregação nos percursos ocupacionais; ver, a propósito,
primeiras explorações em Guimarães, Silva e Farbelow (2004).
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19.Ver, por exemplo, os clássicos estudos feitos nos anos
1960 e seminais para a reflexão sobre trabalho e sociedade
que se fez até a primeira metade dos 1970, de autoria de Juarez Brandão Lopes (1964 e 1967) ou mesmo a reflexão sobre
marginalidade e exclusão veiculadas a partir de meados dos
anos 1970 por Lucio Kowarick (1975) ou Vilmar Faria (1976),
que marcariam a cena intelectual da sociologia do trabalho
urbano no Brasil entre os fins dos anos 1970 e início dos anos
1980.
20.Magistralmente descrito por Humphrey (1982), por exemplo, para a automobilística paulista nos anos 1970.
21.Pois, nesses casos, a perda do emprego não era mais que
uma forma travestida da repressão.
constituída entre nós. Essa é uma especificidade das estatísticas
brasileiras vis-à-vis a muitos países latino-americanos, tanto no
que respeita a dados ocupacionais oriundos de inquéritos sociodemográficos, como no que concerne aos registros administrativos sobre emprego.
23.Nesse sentido, torna-se importante melhorar a qualidade
das informações coletadas nesse sistema, notadamente aquelas
referentes aos quesitos escolaridade e cor, variáveis-chave para
diagnóstico e políticas de intervenção sobre as desigualdades
no mercado brasileiro de trabalho. As análises longitudinais já
empreendidas a partir desses bancos mostram como a qualidade da coleta de tais quesitos ainda deixa a desejar.
24.Ver a propósito Guimarães (2004a).
22.É certo que o Brasil possui um amplo acervo de informações já disponíveis e um igualmente amplo leque de instituições produtoras de dados e de análises, dentro e fora do sistema acadêmico. Nesse sentido, iniciativas metodologicamente
inovadoras na produção de informação devem ter como suporte a sólida e rica estrutura – de dados e de instituições – já
25.Para maiores detalhes, ver Demazière, Guimarães e Sugita
(2006).
Referências Bibliográficas
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trajetórias, identidades, mobilizações. São Paulo: Senac, 2006.
cap. 1. p. 45-90.
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Ipea, out. 1993. (Textos para discussão, n. 317).
AMADEO, E.; CAMARGO, J.M.; GONZAGA, C.; BARROS,
R.P.; MENDONÇA, R. A natureza e o funcionamento do mercado
de trabalho brasileiro desde 1980. Rio de Janeiro, Ipea, out. 1994.
(Textos para discussão, n. 353).
26.Em outras oportunidades, exploramos extensivamente
esse tema com respeito a São Paulo; para maiores detalhes, ver
Guimarães (2004a, 2006a e 2006b).
CARUSO, L.A.; PERO, V. Trajetórias intersetoriais e reconversão
profissional dos trabalhadores desligados da indústria. Rio de Janeiro:
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Nadya Araujo Guimarães
Professora Livre-Docente do Departamento de Sociologia da USP.
Pesquisadora Associada ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cebrap).
([email protected] ou <http://www.fflch.usp.br/sociologia/nadya>)
Artigo recebido em 17 de agosto de 2006.
Aprovado em 14 de novembro de 2006.
Como citar o artigo:
GUIMARÃES, N.A. Novas formas, novas medidas?: desemprego, trajetórias ocupacionais e experiências na produção de
informações. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006. Disponível em:
<http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 103-126, out./dez. 2006
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA
o papel do espaço na dinâmica do mercado de trabalho
A LBERTO
DE
O LIVEIRA
Resumo: Nos anos 1990, dizia-se que o desemprego era um problema restrito às áreas de industrialização consolidada, como a Região Metropolitana de
São Paulo, pois o interior oferecia melhores oportunidades de emprego. Esta investigação buscou a resposta para as diferenças espaciais do mercado
de trabalho nos municípios paulistas. Os resultados mostraram que, além dos fatores econômicos e sociais, existem características
no território que afetam o comportamento da força de trabalho, gerando rebatimentos sobre a taxa de desemprego.
Palavras-chave: Mercado de trabalho. Território. Estado de São Paulo.
Abstract: In 1990´s, people used to say that unemployment was a restricted problem in areas with consolidated industrialization, like
the metropolitan area of Sao Paulo, therefore there were better job opportunities in the interior. This inquiry looked for the answer for the
space differences of the market work at Sao Paulo cities. The results showed that, besides the economic and social factors, there
are some characteristics at the territory that affect the labor force generating strikings about the unemployment rate.
Key words: Work market. Territory. State of Sao Paulo.
N
os anos 1990, a condução da política macroeconômica foi comandada pelo clima modernizante, emanado dos países centrais e das agências internacionais. Do
pequeno município do interior aos gabinetes da esplanada dos ministérios, parece não haver dúvidas de que
o caminho para a retomada do crescimento econômico passa necessariamente pela criação, aproveitamento e
divulgação de vantagens comparativas presentes nas diferentes localidades do território nacional. Tal convicção,
aliada a ações pontuais realizadas em sítios específicos do interior e à situação crônica de desemprego que enfrentavam (e enfrentam) os grandes centros urbanos, disseminou a interpretação segundo a qual o problema do
desemprego no Brasil está localizado, principalmente, nos espaços de industrialização consolidada, cujos setores
e a prática de organização da produção não eram mais condizentes com o novo paradigma técnico-produtivo
da economia mundial.
Embora tais interpretações estejam referidas principalmente ao setor industrial, a popularização desse raciocínio ampliou tal interpretação para o conjunto da atividade econômica. Há anos, revistas de grande circulação nacional produzem rankings das melhores cidades para investir, viver ou trabalhar. Isso não significa
que alguns espaços do interior do país não venham apresentando expansão importante em termos de produto
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ALBERTO DE OLIVEIRA
e de emprego. Ao contrário, tal movimento já foi e
continua sendo discutido na literatura econômica,
não obstante, esse aumento não pode ser generalizado para o conjunto do território nacional, posto que
está referido, fundamentalmente, ao aprofundamento
das especializações regionais surgidas nos anos 1970.
Ou seja, são as ilhas de produtividade que fragmentam o território, como explicou Pacheco (1998), ou o
polígono formado em torno de São Paulo, segundo o
entendimento de Diniz (1991).
Além da imbricação natural e previsível entre
política e economia, dois fatores contribuem para a
consolidação do consenso que opõe o interior às metrópoles e seus reflexos sobre o comportamento do
desemprego: a inexistência de informações conjunturais sobre a dinâmica do mercado de trabalho no
interior do país e a exigüidade de trabalhos que incorporam o espaço como variável explicativa do comportamento do mercado de trabalho. É exatamente
neste último aspecto em que estão concentradas as
atenções deste artigo.
O que move esta investigação é a busca de elementos no território que ajudem a explicar o comportamento do mercado de trabalho. Isso não implica privilegiar o espaço na dinâmica do mercado de
trabalho, pois, como será visto adiante, seus complexos movimentos impedem qualquer mecanização, seja
qual for a base teórica utilizada. Portanto, o objetivo
central é mostrar como as características do território
interferem na composição e na evolução do contingente da População Economicamente Ativa – PEA.
Em outras palavras, pergunta-se: em que medida o
território pode explicar a entrada e a saída de pessoas
do mercado de trabalho?
Este estudo está apoiado no pressuposto de que a
diversificação da estrutura econômica produzida pelo
crescimento da economia amplia as possibilidades de
inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. Tal
diversidade gera as condições necessárias para que
os indivíduos que não contavam com habilidades requeridas pelo mercado possam ser aproveitados com
a ampliação do leque de negócios. No entanto, esse
movimento depende da forma como está organizada a estrutura econômica em cada recorte geográfico
que, por sua vez, reflete o desenvolvimento desigual
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e combinado característico da evolução do modo de
produção capitalista.
O artigo foi organizado em quatro seções, além
desta introdução: a primeira sintetiza o funcionamento geral do mercado de trabalho, enfatizando
os avanços e retrocessos que distinguem o modo de
produção capitalista e, em decorrência, a demanda e
a disponibilidade de mão-de-obra. A segunda seção
trata dos efeitos produzidos pelo espaço nos movimentos de entrada e saída das pessoas na PEA. A
seção seguinte analisa o comportamento da PEA no
conjunto de municípios do Estado de São Paulo à luz
dos pressupostos teóricos apresentados nas seções
anteriores. A partir dos resultados obtidos, algumas
considerações sobre o debate interior X metrópole são
pontuadas ao final do trabalho.
A DINÂMICA GERAL DE FUNCIONAMENTO
DO MERCADO DE TRABALHO
O mercado de trabalho apresenta um conjunto de
movimentos, direções, temporalidades e intensidades
que reflete os avanços e retrocessos que caracterizam
o desenvolvimento desigual e combinado do modo
de produção capitalista. A demanda por mão-de-obra
depende fundamentalmente do ritmo de crescimento da economia. Contudo, a expansão dos negócios
não garante aumentos proporcionais no número de
oportunidades de trabalho, pois a taxa de crescimento da ocupação é influenciada pelas características da
estrutura econômica vigente, pelas transformações
na composição orgânica do capital e pela adoção de
técnicas organizacionais do trabalho. A evolução da
tecnologia e da organização do trabalho refletem a
busca do aumento da produtividade do trabalho. As
habilidades dos trabalhadores requeridos pelo capital
se modificam, abrindo caminho para a demanda diferenciada de mão-de-obra e para o aprofundamento
da heterogeneidade do mercado de trabalho.
A partir dos anos 1970, o aumento da instabilidade e a conseqüente redução do ritmo de acumulação
capitalista levaram as empresas a adotar mecanismos
de ajuste. A resposta para esse processo ganhou o
nome de flexibilidade. Na tentativa de superar seus
concorrentes, as empresas dirigiram esforços para a
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA: O PAPEL DO ESPAÇO NA DINÂMICA ...
diversificação de produtos e de mercados sem abandonar as vantagens oferecidas pelas elevadas escalas
de produção. Para alguns segmentos industriais, a
tecnologia ofereceu equipamentos com alguma capacidade de diversificação da produção. Contudo, isso
não foi suficiente para garantir a retomada do nível de
produtividade e das taxas de lucros vigentes no pósguerra, reforçando as medidas de ajustamento sobre
os custos do trabalho.
Ao lado do desenvolvimento tecnológico, os capitalistas buscaram restringir os elementos que impediam a livre flutuação dos salários e do número
de empregados. Segundo os princípios consagrados
pelo pensamento liberal, a rigidez do fordismo deveria ceder lugar para a flexibilidade das novas formas
de produção. O receituário básico incluía a eliminação dos dispositivos legais que elevam o custo de
trabalho. Os resultados dessas transformações têm
sido a adoção de novas técnicas de trabalho, como
a organização dos trabalhadores em equipes, o uso
intensivo de tecnologia e até movimentos de separação do empregado de seu ambiente de trabalho,
o teletrabalho, cujas vantagens no rebaixamento dos
custos são evidentes, posto que, além de contribuir
para a eliminação dos tempos mortos do trabalho, reduz
os gastos vinculados a infra-estrutura das empresas.1
Entretanto, o desenvolvimento de novas formas de
extração de mais-valia não eliminou a utilização de
métodos tradicionais, como as horas extras e a rotatividade de trabalhadores.
A exigência de ampliação da flexibilidade da
produção alterou a temporalidade da demanda por
trabalho. A busca pela eliminação dos tempos mortos
está assentada na flexibilidade, ou seja, o trabalhador
deve ser requerido pelo capital na medida exata das
necessidades impostas pelas flutuações do mercado.
Para atingir esse objetivo, o capital utiliza diferentes
métodos, que vão desde a pressão sobre a legislação
trabalhista (os contratos de trabalho temporários) até
a transferência dos custos da manutenção de trabalhadores para os capitalistas com menor poder de
decisão no mercado (a terceirização). No entanto, a
ampliação do Terciário não decorreu exclusivamente
do avanço do capital privado. O crescimento vegetativo da população e o aprimoramento das políticas
públicas incrementaram a estrutura de serviços coletivos, particularmente dos segmentos de saúde e de
educação, reforçando a demanda por trabalho. Além
disso, cumpre lembrar que o crescimento desses tipos
de serviços ocorreram vis-à-vis ao aumento da urbanização.
Se os movimentos que caracterizam a demanda
por trabalho são marcados por assimetrias e elevada
complexidade, do ponto de vista da disponibilidade
de trabalho, a dinâmica observada não apresenta contornos diferenciados. A mobilidade espacial da mãode-obra obedece principalmente ao impulso emanado do capital. Portanto, a intensidade, a direção e os
tempos que regem os deslocamentos espaciais do trabalho são definidos pelas necessidades do capital.
No entanto, a mobilidade do trabalho não está restrita às migrações estruturais, ou seja, àquelas que apresentam caráter permanente. Ao lado dessas, existe
uma miríade de movimentos espaciais da população
com temporalidades diferenciadas, que vão desde
a migração de trabalhadores rurais, que atendem à
sazonalidade imposta pelo calendário agrícola, passando pelos trabalhadores da extração mineral, cujos
deslocamentos obedecem à boataria da atividade
(sem contar as pessoas que dividem seu tempo entre
a mineração e a agricultura), até alcançar a migração
pendular, fenômeno típico dos grandes centros urbanos, que move diariamente contingente expressivo
de pessoas.
A reestruturação produtiva é um dos elementos
que explicam o surgimento de novas atividades econômicas modificadoras das divisões social e territorial
do trabalho, afetando a composição do contingente
populacional disponível para o trabalho e o perfil das
atividades econômicas realizadas. A modernização
agrícola e as mudanças na estrutura produtiva são alguns dos motivos que explicam o surgimento de atividades típicas do meio urbano nas áreas classificadas
como rurais. Tal movimento vem sendo registrado
não apenas no Brasil, mas também nos países desenvolvidos.
Essas formas espaciais de deslocamento exemplificam a multiplicidade de tempos aos quais está sujeita a disponibilidade de mão-de-obra do mercado
de trabalho de um determinado recorte geográfico
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130
ALBERTO DE OLIVEIRA
ser mobilizado pelo capital.3 O círculo cinza mostra a
População em Idade Ativa – PIA.4
No interior da PIA, encontra-se a PEA, que, na
Figura 1, é identificada pela faixa preta. A área intermediária entre as fronteiras da PIA e da PEA é
composta pelo contingente de inativos. Os inativos
são indivíduos que reúnem as condições necessárias
para integrar o mercado de trabalho, mas, por razões
diversas, não trabalham. Por isso, não são classificados na PEA. No interior desta, o círculo negro representa os ocupados, enquanto os desempregados são
ilustrados pela área que separa o limite da ocupação
e o da PEA.
A linha tracejada representa o movimento de passagem das pessoas da inatividade para a atividade e
vice-versa. Seu desenho irregular ilustra a diversidade dos fluxos de indivíduos que integram esse contingente, ou seja, num determinado período, uma
pessoa pode sair da inatividade e ser incorporada ao
mercado de trabalho diretamente na condição de ocupado. Em outro momento, tal passagem pode acontecer da inatividade diretamente para o desemprego.
O movimento de saída da PEA também é irregular:
da ocupação para a inatividade ou
Figura 1
do desemprego para a inatividade.
Em suma, a conjunção dos fatores
Representação da Dinâmica do Mercado de Trabalho
econômicos, sociais e culturais determinará a condição de atividade
Força de Trabalho Potencial
desse contingente em períodos de
(Exército Industrial de Reserva)
tempo curtos ou longos.
Evidentemente, os elementos
Inativos
que compõem o mercado de trabalho não são estáticos. O número
PEA
de ocupados é condicionado pela
demanda por trabalho; já o de desempregados, inativos e de pessoOcupados
as que pertencem à PIA depende
dos diferentes tipos de mobilidade
espacial da população, da dinâmiDesempregados
PIA
ca demográfica e da evolução da
taxa de participação. A mobilidade
espacial, o aumento (ou a diminuiEntrada e saída de pessoas da PEA
Infr
ção) da ocupação e as oscilações da
PEA apresentam temporalidades
Fonte: Elaboração do autor.
diferenciadas, porém sobrepostas.
(uma cidade ou região). Entretanto, a disponibilidade
de mão-de-obra não está restrita aos fluxos migratórios, pois as alterações na dinâmica demográfica e na
composição da PEA geram efeitos diretos sobre o
contingente de pessoas que podem ser incorporados
imediatamente às atividades produtivas. Quanto aos
fatores demográficos, a redução da taxa de fertilidade
gerou, entre outros efeitos, o envelhecimento da pirâmide demográfica brasileira.
Já as transformações na PEA vêm sendo associadas à reestruturação produtiva, às mudanças no padrão cultural, à queda da taxa de fertilidade e às estratégias de sobrevivência dos segmentos sociais mais
vulneráveis. Além disso, cumpre lembrar que o avanço da urbanização igualmente afetou a dinâmica do
Terciário e, conseqüentemente, o tamanho e a composição da PEA. Tal movimento abriu caminho para
a intensificação da inserção de novos segmentos no
mercado de trabalho, particularmente as mulheres.2
O funcionamento geral do mercado de trabalho
pode ser sistematizado, tal como ilustra na Figura 1.
O círculo externo representa a força de trabalho potencial, ou seja, o conjunto dos indivíduos que pode
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA: O PAPEL DO ESPAÇO NA DINÂMICA ...
Em outras palavras, as mudanças no contingente e na
composição da PEA resultam de movimentos estruturais
(associados a períodos de tempo longos) que ocorrem
ao lado das influências de natureza conjuntural (que se manifestam usualmente em curtos períodos de tempo).
Diante dessa multiplicidade de elementos que explicam a dinâmica do mercado de trabalho, optouse pela investigação do comportamento da entrada e
saída de pessoas da PEA.5 Tal escolha foi motivada
pelas seguintes razões: na literatura sobre o mercado de trabalho, os estudos que tratam das flutuações
da inatividade são menos freqüentes, possivelmente
em virtude das dificuldades impostas ao tema; as flutuações da taxa de desemprego no Brasil têm sido
influenciadas principalmente pela variação das taxas
de participação, pois o nível de ocupação vem apresentando desempenho reduzido como conseqüência
das condições adversas da economia. Além disso, as
pressões demográficas são relativamente neutralizadas,
porque a entrada de jovens no mercado de trabalho
(fruto das taxas de fecundidade do passado) encontra
como obstáculo o elevado desemprego desse contingente. Por fim, os estudos sobre o comportamento
migratório no Brasil mostram um relativo desafogo das
pressões sobre as regiões metropolitanas, particularmente a de São Paulo, cuja contrapartida é expressa
pelo aumento dos fluxos populacionais em direção às
cidades médias.
Tais motivos justificaram o interesse pela investigação dos elementos que explicam a entrada e saída de pessoas na PEA. No entanto, o estudo das
flutuações da inatividade terá como eixo principal a
introdução do espaço como variável explicativa, na
medida em que esse procedimento poderá contribuir
para o aprofundamento dos conhecimentos sobre o
tema, bem como para o conjunto da literatura sobre
mercado de trabalho.
AS INFLUÊNCIAS DO TERRITÓRIO
SOBRE AS FLUTUAÇÕES DA PEA
O avanço capitalista modifica a composição da estrutura econômica dos espaços incorporados às suas
relações. Assim, a introdução de setores dinâmicos
em lugares caracterizados por atividades marcadas
por formas distintas de organização da produção,
que Santos (1979) chamou de circuito superior e circuito
inferior, respectivamente, gera nova configuração econômica marcada pela sobreposição dessas atividades.
Note-se que a adoção da idéia de circuitos de Santos
pretendeu ressaltar a diferença entre essa abordagem
e a da economia dualista, que interpretava o funcionamento da economia como a oposição dos setores
modernos frente aos tradicionais ou atrasados.
Conforme os capitalistas identificam oportunidades de investimentos em áreas situadas além das
fronteiras de seus lugares de atuação, são criadas as
condições necessárias para a formação de um feixe
de forças sociais, políticas, econômicas e culturais que
articula e dá movimento ao processo de valorização,
incorporando espaços pela transformação e/ou pela
eliminação das formas de produção e da distribuição
da riqueza que não estejam de acordo com o interesse
dos capitalistas.
Na abordagem baseada na noção de circuitos não
existe a separação entre atividades econômicas, mas
sua sobreposição. Produtos, processos e pessoas fluem
entre os diferentes circuitos, ainda que cada um desses
contenha características específicas. O circuito superior é usualmente relacionado às atividades dinâmicas,
àquelas com maior grau de formalização e às que possuem maior densidade de capital e de tecnologia. O circuito inferior abarca, em geral, as atividades intensivas
em trabalho, com baixo conteúdo tecnológico e que,
na maioria das vezes, se encontram na informalidade.
À medida que o capital incorpora novos territórios, a sobreposição desses circuitos cria nova estrutura econômica que mescla atividades com diferentes
formas de organização da produção. O resultado
desse processo é o aumento da densidade econômica do
território e do seu grau de integração ao conjunto da
economia capitalista.
A idéia de densidade econômica busca ilustrar a intensificação da divisão social do trabalho, ou seja,
enquanto um território incorpora novas atividades
econômicas, novas necessidades são criadas, novos
negócios surgem e aumenta a multiplicidade dos
tempos de rotação do capital. Do ponto de vista do
mercado de trabalho, esse movimento se traduz na
ampliação da diversidade de postos de trabalho que
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
131
132
ALBERTO DE OLIVEIRA
contribuem para que as pessoas que não possuíam
os requisitos exigidos pela organização da produção
anteriormente existente possam, nesse momento, ser
aproveitadas pelo mercado.
Enquanto a densidade econômica das áreas dinâmicas possibilita a sobreposição de atividades com
ciclos de produção/realização diferenciados, permitindo
que os indivíduos com perfil diferenciado possam ser
absorvidos em várias épocas do ano e em intervalos
de tempo diversos, nos espaços menos desenvolvidos essas janelas de inserção, nas quais o trabalhador é
requerido pelo capital, são mais restritas. Isso ocorre porque a sobreposição das atividades econômicas
(ou dos circuitos econômicos) é menos complexa, ou
seja, menos densa.
Tal movimento, evidentemente, não substitui a
necessidade do crescimento econômico. Na verdade, são dinâmicas que ocorrem de maneira conjunta
e interligada. A composição da estrutura econômica
gerada pelo crescimento da economia determinará
a amplitude dos novos requisitos da mão-de-obra e
os tempos que deverão satisfazer as necessidades do
capital. O importante a reter é que a conjunção dos
circuitos econômicos diversifica e amplia os tipos de
mão-de-obra demandada pelo capital. Note-se que
a disponibilidade de mão-de-obra não garante o seu
aproveitamento efetivo pelo capital. A passagem dos
indivíduos da condição de inativos para ativos, e viceversa, embora seja condicionada aos sinais emitidos
pelo capital, não é caracterizada por movimentos lineares e unidirecionais.
Ora, se a demanda e a disponibilidade de mão-deobra são processadas por trajetórias multidirecionais
e com temporalidades variadas, isso significa que,
quanto mais complexa for a estrutura econômica de
uma cidade ou região, maior será a possibilidade que
um leque maior de indivíduos, com perfis pessoais
e de formação educacional/pessoal, seja capaz de
obter sucesso na procura por trabalho. Ao contrário
do defendido pelos teóricos do pensamento liberal, a
heterogeneidade do mercado de trabalho não deriva do
maior ou do menor investimento realizado pelos indivíduos ou das suas características pessoais que, por sua
vez, definirão sua sorte na obtenção de um posto de
trabalho e a qualidade de sua inserção produtiva.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
Sendo os trabalhadores sujeitos às condições impostas pelo capital, as oportunidades e as condições
de trabalho dependerão da maneira como as atividades econômicas estão organizadas em cada espaço.
Ou seja, tal raciocínio torna o espaço um sujeito ativo
no comportamento do mercado de trabalho.
As áreas cujas estruturas econômicas são simples e
concentradas em poucas atividades tenderão a requerer mão-de-obra com perfis específicos que atendam
às necessidades daquelas atividades. Já as áreas que
apresentarem estrutura econômica mais diversificada deverão oferecer oportunidades para um conjunto mais diversificado de trabalhadores. O avanço da
integração e da complexidade dos circuitos econômicos leva à intensificação da densidade econômica
dos territórios que, por sua vez, amplia as possibilidades de incorporação dos indivíduos ao mercado
de trabalho, seja na condição de ocupados ou na de
desempregados.
Portanto, o objetivo desse trabalho é mostrar a
correlação existente entre o aumento da densidade
econômica e o nível de participação das pessoas no
mercado de trabalho. Para realizar essa tarefa, optouse pela investigação do conjunto de municípios do
Estado de São Paulo em razão da importância dessa
área no conjunto da economia brasileira.
DENSIDADE ECONÔMICA E PARTICIPAÇÃO NO
MERCADO DE TRABALHO EM SÃO PAULO
O primeiro desafio imposto à análise das relações
entre o nível de densidade econômica e o de participação no mercado de trabalho é definir as variáveis
estatísticas que ilustrarão tal movimento. A idéia de
densidade econômica é abrangente, pois incorpora as
diferentes modalidades de organização do trabalho
presentes no território. Contudo, é importante ter em
mente que são complexas as tarefas de quantificar esse
conceito e de obter os dados necessários (realizando
as devidas mediações) junto às fontes de informação
disponíveis no Brasil.
A noção de diversidade econômica, neste trabalho, foi
definida com base no número de divisões econômicas
estabelecidas no Cadastro Nacional de Atividades
Econômicas – CNAE produzido pelo Instituto Bra-
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA: O PAPEL DO ESPAÇO NA DINÂMICA ...
sileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Em outras
palavras, divisão econômica é um nível intermediário de
classificação das atividades, a partir de grandes setores como Indústria, Comércio, Serviços, Construção
Civil e Agropecuária.
O nível de densidade econômica, portanto, é dado
pelo número de divisões econômicas que, em dezembro de 2002, empregava pelo menos uma pessoa. É
importante ter em mente que não se está contabilizando o número de estabelecimentos ou de empregados, mas, a quantidade de divisões econômicas diferentes. Em suma, o objetivo é levantar a variedade das
atividades econômicas de um recorte geográfico, no
caso em pauta, os municípios paulistas. A fonte de
informação utilizada foi a Relação Anual de Informações Sociais – Rais que é organizada a partir dos
registros administrados disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MET. Evidentemente, são abarcados apenas os empregados inseridos
legalmente no mercado de trabalho.
A escolha da Rais como fonte de informação para
a definição quantitativa do nível de densidade econômica pretendeu reforçar o rigor na diferenciação das
atividades econômicas. Indicador semelhante poderia
ser obtido pelos dados captados nos censos demográficos; no entanto, como o censo é uma pesquisa
domiciliar, a precisão da descrição da atividade econômica na qual o indivíduo trabalha pode apresentar
alguma distorção devido à ausência de informação
completa do entrevistado. Essas divergências são minimizadas quando os dados são captados diretamente
dos estabelecimentos econômicos, a exemplo do levantamento do MTE.
Para a definição do nível de participação do mercado de trabalho, utilizou-se a taxa de participação
total e segundo contingentes específicos (masculino
e feminino), pois a idéia de taxa de participação é um
conceito consagrado na literatura sobre o mercado de
trabalho. A despeito das diferenças de classificação
existentes entre as pesquisas de mercado de trabalho,
a base de dados utilizada foi o censo demográfico,
em razão da sua maior amplitude espacial, posto que
ela possibilita a desagregação das informações para a
escala municipal.
A análise da taxa de participação foi desagregada
para os contingentes masculino e feminino, de modo
a obter uma percepção ampliada do fenômeno, já
que, principalmente no período recente, a dinâmica
de incorporação de pessoas à PEA tem sido marcada pela entrada maciça de mulheres no mercado de
trabalho; daí porque a investigação dessa parcela da
população foi priorizada nesse trabalho.
A área de abrangência da pesquisa é o conjunto de
municípios que integra o Estado de São Paulo. No
entanto, para reforçar as diferenças da estrutura econômica, esses municípios foram divididos em quatro
grupos a partir da aplicação da técnica cluster6 e, posteriormente, ajustados de acordo com as suas proximidades geográficas da Região Metropolitana de São
Paulo – RMSP, como mostra o Quadro 1. Esse ajustamento dos grupos de municípios procurou evidenciar a idéia de que a concentração de atividades eco-
Quadro 1
Área de Abrangência da Pesquisa
Áreas
Municípios/Regiões de Governo
RMSP (independentemente da densidade econômica)
Municípios que compõem a RMSP
Municípios com maior densidade econômica localizados
no entorno da RMSP
Regiões de Governo de Campinas, São José dos Campos,
Sorocaba, Santos, Jundiaí e Piracicaba
Municípios com maior densidade econômica localizados fora
do entorno da RMSP
Regiões de Governo de São José do Rio Preto e
de Ribeirão Preto
Municípios com menor densidade econômica localizados fora
do entorno da RMSP
Municípios não classifi cados nos grupos anteriores
Fonte: Elaboração do autor.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
133
134
ALBERTO DE OLIVEIRA
nômicas na RMSP influencia a dinâmica econômica
do entorno, reforçando a convicção de que os fluxos
de produtos, serviços e pessoas não estão circunscritos às fronteiras territoriais legalmente estabelecidas.
O objetivo desse trabalho é demonstrar que a
passagem das pessoas da inatividade para a PEA aumenta de acordo com a densidade econômica dos
municípios. Tal movimento evidenciaria maiores possibilidades de inserção dos indivíduos no mercado de
trabalho (seja na condição de ocupado ou desempregado) em razão da ampliação da divisão social do trabalho e do maior fluxo de negócios.
De maneira geral, os dados mostraram que as taxas de participação mais baixas estão concentradas
principalmente nos municípios com menor nível de
densidade econômica. Entretanto, alguns municípios
com baixa densidade econômica não apresentaram
taxas de participação total menores que aqueles que
contam com maior densidade econômica, pois ele-
vada participação masculina no mercado de trabalho
tende a nivelar a taxa de participação total das cidades
paulistas entre 50% e 60% da PIA. Tal fenômeno é
explicado por fatores culturais e pelo fato dos homens serem, em geral, os responsáveis pela manutenção das famílias. Assim, a inserção masculina no
mercado de trabalho tende a ser mais intensa, mesmo
quando o ambiente econômico não é favorável.
Quando a taxa de participação total é substituída
pela taxa de participação feminina, a diferença entre
os municípios se torna mais nítida, como mostra o
Gráfico 1. A explicação para este comportamento
provavelmente está associada às características das
ocupações usualmente disponíveis para as mulheres.
Em geral, a ocupação feminina é mais freqüente
nas atividades terciárias. O avanço da densidade econômica abre caminho para o surgimento de novos negócios, sobretudo no Terciário. Além disso, o próprio
crescimento econômico é o motor da ampliação da
Gráfico 1
Taxa de Participação Feminina em Relação ao Nível de Densidade Econômica
Estado de São Paulo – 2000/2002 (1)
%
65
60
55
50
45
40
35
30
25
20
0
10
20
30
40
Número de Divisões Econômicas
Fonte: Ministério do Trabalho. Rais; IBGE. Censo Demográfi co 2000.
(1) Ano base 2000, para os dados do Censo, e 2002, para os da Rais.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
50
60
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA: O PAPEL DO ESPAÇO NA DINÂMICA ...
densidade econômica e tende a ampliar o contingente
populacional (e a taxa de urbanização) que, mais uma
vez, reforça o surgimento de novas atividades econômicas. Isso não significa que o setor industrial não
tenha papel importante no oferecimento de postos
de trabalho para as mulheres. Há diversas atividades
industriais nas quais a presença da mulher é importante, como nas indústrias têxtil e de alimentos.
No Gráfico 1, a curva de tendência é inclinada,7
demonstrando a diferença acentuada entre as taxas
de participação femininas de acordo com o aumento
da densidade econômica dos municípios. A existência de taxas de participação femininas mais elevadas
em algumas cidades com baixa densidade econômica
sugere a existência de características específicas da
estrutura econômica local, que facilitam a inserção da
mulher no mercado de trabalho.8
Uma outra explicação para esse comportamento
pode estar relacionada aos efeitos causados pelas chamadas cidades-dormitório, que são freqüentes nas áreas
desenvolvidas no país. Embora esses municípios usualmente apresentem um número reduzido de atividades econômicas, parcela da sua PEA migra diariamente para trabalhar nos centros dinâmicos localizados
nas proximidades.
Na Tabela 1 é fácil perceber que as taxas de participação total e feminina declinam conforme o nível de
densidade econômica é reduzido. Enquanto a RMSP
conta com 43 divisões econômicas diferentes e sua
taxa de participação total média é de 59,2%, para o
conjunto dos municípios localizados fora do entorno
da RMSP e com menor densidade econômica, esses
indicadores diminuem para 22% e 56,1%, respectivamente. O movimento da taxa de participação total
não é tão intenso quanto o da feminina devido à forte
influência da taxa de participação masculina, que não
apresenta muitas divergências e é elevada em todos os
grupos, conforme já discutido anteriormente.
É interessante notar que os municípios com maior
densidade econômica localizados no entorno da
RMSP apresentam taxas de participação muito semelhantes àquelas observadas na região metropolitana.
A explicação para esse comportamento está provavelmente associada à proximidade espacial dessas
áreas e ao seu elevado fluxo de pessoas, produtos e
serviços. Já o comportamento da participação feminina apresenta diferenças significativas entre os grupos
analisados. Enquanto na RMSP a proporção de mulheres que integra a PEA é de 46,8%, esse percentual
diminui para 40,4% nos municípios com densidade
econômica inferior. Mesmo as cidades cuja média de
divisões econômicas é maior, mas situam-se em áreas
distantes do interior paulista, a taxa de participação
feminina (42,7%) é menos elevada que a da RMSP.
Embora as médias apresentadas na Tabela 1 não
deixem dúvidas quanto ao comportamento das taxas de participação femininas quando comparadas
às áreas com estruturas econômicas diferenciadas, a
Tabela 1
Taxas de Participação em Relação ao Nível de Densidade Econômica
Estado de São Paulo – 2000/2002 (1)
Taxas de Participação (médias) (% )
Média de Divisões
Econômicas
Total
Masculina
Feminina
RMSP (independentemente da densidade econômica)
43
59,2
71,8
46,8
Municípios com maior densidade econômica localizados
no entorno da RMSP
37
59,3
72,4
46,0
M unicípios com m aior densidade econôm ica localizados
fora do entorno da RM SP
24
58,2
73,4
42,7
Municípios com menor densidade econômica localizados
fora do entorno da RMSP
22
56,1
71,2
40,4
Agrupamentos de Municípios
Fonte: Ministério do Trabalho. Rais; IBGE. Censo Demográfi co 2000.
(1) Ano base 2000, para os dados do Censo, e 2002, para os da Rais.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
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136
ALBERTO DE OLIVEIRA
elevada dispersão dessas taxas entre os municípios
paulistas pode, eventualmente, levantar questionamentos sobre a utilização da média como medida
que comprova a tese defendida nesse trabalho. Para
reforçar os argumentos apresentados, optou-se pela
realização de um teste estatístico de análise de variância
e de uma regressão multinomial de forma a comprovar
as conclusões obtidas.
A análise de variância objetiva comparar as médias das taxas de participação dos diferentes agrupamentos de municípios visando à identificação de
comportamentos distintos entre os mesmos.9 Desta
forma, a determinação de diferenças estatisticamente
significativas entre as médias desses grupos de municípios indicará a existência do efeito da densidade
econômica sobre a taxa de participação. A Tabela 2
apresenta algumas estatísticas descritivas e os resultados do teste de análise de variância para as taxas de
participação total, masculina e feminina.
A análise de variância (com correção de Brown
Forsythe) foi realizada tendo em vista sua melhor adequação para os casos que apresentam heterocedasticidade (ou seja, quando a variância não é constante entre
grupos) conforme foi observado (por meio do teste
de Levene) para os grupos de municípios investigados.
Assim, foi possível constatar que as médias de todas
as taxas de participação (total, masculina e feminina)
apresentam diferenças estatisticamente significativas
(p-value < 0,001) entre os grupos de municípios descritos na Tabela 2.
Embora a análise de variância já tenha demonstrado que existem diferenças nas taxas de participação
entre os grupos analisados, a realização de comparações múltiplas de C de Dunnet permite especificar os
grupos nos quais essas diferenças são estatisticamente significativas, como segue:
• para a taxa de participação total: existem diferenças
significativas apenas entre o grupo de municípios
com menor densidade econômica que são distantes da RMSP e os demais grupos. Na Tabela 2 é
possível observar que o primeiro apresenta taxa de
participação de 56,1%, enquanto nos outros agrupamentos, esse indicador é superior a 58%;
• para a taxa de participação masculina: essa taxa
não apresenta diferenças significativas entre o gruSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
po de municípios com menor densidade e distantes da RMSP e o grupo formado pelas cidades da
RMSP (71,3% e 71,8%, respectivamente). Estes
grupos apresentaram diferenças estatisticamente
significativas quando foram comparados ao grupo
de municípios com maior densidade econômica e
distantes da RMSP, cuja taxa de participação registrada foi de 73,4%;
• para a taxa de participação feminina: existem diferenças entre todos os grupos, com exceção dos
municípios da RMSP e daqueles em seu entorno,
cujas taxas médias de participação são 46,8% e
46,0%, respectivamente. Estes últimos são justamente aqueles cujas taxas de participação feminina
são as mais elevadas. Em seguida, surgem os municípios com maior densidade econômica e distantes
da RMSP (42,7%). Finalmente, os municípios com
menor densidade econômica e distantes da RMSP
apresentaram a mais baixa média desse indicador
(40,4%).
Tal movimento sugere proximidade de comportamento
entre os indivíduos residentes em áreas onde a densidade econômica é semelhante e divergências quando
estes são comparados com residentes de outras áreas.
Em outras palavras, trata-se do espaço atuando como diferenciador da inserção dos indivíduos no mercado de trabalho.
Não por outra razão, parece coerente que as taxas
de participação feminina da RMSP e as do grupo de
municípios situados no seu entorno tenham apresentado valores aproximados, tendo em vista a reduzida
distância e o entrelaçamento de negócios e de pessoas
dessas áreas.
A fim de quantificar o impacto da densidade econômica de um município sobre a taxa de participação
de sua população feminina, foi realizada uma regressão
multinomial.10 Visando aumentar a precisão desse teste
estatístico, optou-se pela introdução de outra variável:
o grau de urbanização. A incorporação dessa variável
teve como pressuposto a idéia que quanto maior for
o grau de urbanização de um município, mais diverso
será seu mercado consumidor e, conseqüentemente,
seu nível de densidade econômica.
O cálculo da regressão multinomial exigiu a transformação da taxa de participação feminina (obtida no
Censo Demográfico) numa nova variável de três cate-
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA: O PAPEL DO ESPAÇO NA DINÂMICA ...
Tabela 2
Distribuição das Taxas de Participação, segundo Grupos de Municípios e Densidade Econômica
Estado de São Paulo – 2000/2002 (1)
Número de
Municípios de
cada Grupo
Média das
Taxas de
Participação
Desvio
Padrão
645
56, 9
Municípios com menor densidade econômica e
distantes da RMSP
465
Municípios com maior densidade econômica e
distantes da RMSP
Grupos de Municípios
Intervalo de Confi ança
(95% ) Limites
Inferior
Superior
4, 2
56, 6
57, 2
56,1
4,3
55,7
56,5
56
58,2
3,0
57,4
59,0
Municípios com maior densidade econômica
localizados no entorno da RMSP
85
59,3
3,1
58,6
59,9
Municípios da RMSP (independentemente da
densidade econômica)
39
59,2
2,1
58,5
59,8
645
71, 6
3, 9
71, 3
71, 9
Municípios com menor densidade econômica e
distantes da RMSP
465
71,2
4,1
70,9
71,6
Municípios com maior densidade econômica e
distantes da RMSP
56
73,4
3,0
72,6
74,2
Municípios com maior densidade econômica
localizados no entorno da RMSP
85
72,4
3,3
71,7
73,1
Municípios da RMSP (independentemente da
densidade econômica)
39
71,8
1,9
71,2
72,4
645
41, 7
6, 1
41, 3
42, 2
Municípios com menor densidade econômica e
distantes da RMSP
465
40,4
6,2
39,9
41,0
Municípios com maior densidade econômica e
distantes da RMSP
56
42,7
4,2
41,5
43,8
Municípios com maior densidade econômica
localizados no entorno da RMSP
85
46,0
4,1
45,1
46,8
Municípios da RMSP (independentemente da
densidade econômica)
39
46,8
3,2
45,8
47,9
Taxa de Participação Total
Taxa de Participação Masculina
Taxa de Participação Feminina
Fonte: Ministério do Trabalho. Rais; IBGE. Censo Demográfi co.
(1) Ano base 2000, para os dados do censo, e 2002, para os da Rais.
Nota: Teste de Brown Forsythe apresentou p-value = 0,000.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
137
138
ALBERTO DE OLIVEIRA
gorias. Os intervalos de cada categoria foram definidos por meio da técnica de cluster, que agrupa um
conjunto de observações de acordo com a proximidade
(estatística) entre os valores observados e a média da
categoria, como mostra o Quadro 2.
Quadro 2
Faixas de Taxa de Participação Feminina
Taxa de Participação
Intervalo
Baixa
Até 36%
Intermediária
Acima de 36% até 44%
Alta
Acima de 44%
Fonte: Elaboração do autor.
Como mencionado anteriormente, as variáveis
explicativas utilizadas na regressão foram o número de atividades econômicas (proxy da densidade
econômica) e a taxa de urbanização dos municípios
analisados.
O modelo se revelou bem ajustado, pois ambas
as variáveis (número de atividades econômicas e taxa
de urbanização) tiveram efeito significativo sobre a
taxa de participação feminina e boa capacidade de
previsão (61,4%). Esse foi o percentual de acertos do
modelo quando se tenta prever qual seria a categoria
de taxa de participação (baixa, intermediária ou alta)
a que um município pertence, considerando as informações referentes ao número de atividades econômicas e à taxa de urbanização.11
A Tabela 3 mostra os coeficientes estimados para
o número de atividades econômicas e para a taxa de
urbanização quando a taxa de participação feminina baixa
é definida como categoria de referência. Os coeficientes indicados nessa Tabela correspondem ao quociente entre
a probabilidade de um município pertencer ao
grupo intermediário (ou ao grupo elevado) e a
probabilidade dele pertencer ao grupo de baixa
taxa de participação (feminina). Em outras palavras, esses coeficientes, que são denominados
de risco relativo, mostram a magnitude dos efeitos
esperados sobre a taxa de participação feminina
quando se altera a densidade econômica ou o
grau de urbanização dos municípios analisados.
Os coeficientes exponenciados (Exp(B)) podem ser interpretados como sendo a razão entre os riscos relativos, ou seja:
• analisando o efeito do número de atividades econômicas: com o aumento de uma atividade econômica no município, o risco relativo do grupo
intermediário aumenta 8,7%, enquanto que no
grupo com taxa de participação feminina alta, este
risco relativo aumenta 16,6%, mantendo-se o grau de
urbanização inalterado. A partir disso, é possível inferir que a expansão da densidade econômica induz
a um aumento na participação feminina;
• analisando o efeito do grau de urbanização: a cada
aumento de uma unidade no grau de urbanização,
o risco relativo do grupo intermediário cresce
4,3%, enquanto que no grupo com taxa de participação feminina alta, o risco relativo aumenta 6,8%,
Tabela 3
Resultados da Regressão Multinomial (1)
Municípios do Estado de São Paulo – 2000/2002 (2)
Coefi cientes (Exp(B))
Variáveis Utilizadas
Categorias de Participação Feminina
Intermediária
Elevada
Número de Atividades Econômicas
1,087
1,166
Taxa de Urbanização
1,043
1,068
Fonte: Ministério do Trabalho. Rais; IBGE. Censo Demográfi co.
(1) A categoria de referência é a taxa de participação feminina baixa.
(2) Ano base 2000, para os dados do censo, e 2002, para os da Rais.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA: O PAPEL DO ESPAÇO NA DINÂMICA ...
ceteris paribus o número de atividades econômicas.
Portanto, deduz-se que o aumento na urbanização
apresenta efeito similar, porém em menor magnitude, de expansão da participação feminina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A desigualdade integra a essência do capitalismo e os
elementos que explicam a sua disseminação (ou manutenção) estão contidos na divisão social do trabalho. Portanto, se o ritmo de expansão dos diferentes
setores que compõem a estrutura econômica não é
homogêneo, a forma como esses setores incorporam
novos espaços também não será a mesma. Assim, o
crescimento desigual das atividades econômicas no
espaço exigirá um contingente de mão-de-obra compatível com suas necessidades, não apenas em termos
quantitativos, mas, também, no que tange aos atributos pessoais dos trabalhadores. Em alguns lugares e
momentos específicos do tempo, alguns indivíduos
serão aproveitados e outros não.
Do conjunto de fatores que explicam o funcionamento do mercado de trabalho, o foco da investigação foi orientado para os movimentos de entrada
e saída. O interesse por esta dimensão específica do
mercado de trabalho foi justificado pela importância
das flutuações da PEA na determinação da taxa de
desemprego. Os resultados obtidos a partir da análise dos municípios paulistas mostraram que a taxa
de participação é mais elevada nos municípios com
maior densidade econômica e que a expansão desta última tende a elevar o patamar da primeira. Em
suma, os testes estatísticos confirmaram as hipóteses
do trabalho.
Com base nessas conclusões é possível retomar a
discussão iniciada na apresentação deste trabalho: o
desemprego atinge principalmente os grandes centros urbanos? O dinamismo da economia brasileira
(ancorado nas atividades exportadoras e agroindustriais) vem garantindo mais oportunidades de trabalho no interior do país?
Os defensores da idéia de que o desemprego é um
fenômeno metropolitano se apóiam freqüentemente
nas informações fornecidas pela Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios – PNAD e pelos regis-
tros administrativos da Rais. Essas fontes (junto com
o censo demográfico) são praticamente as únicas que
abrangem o interior do Brasil, pois as principais pesquisas de mercado de trabalho (a Pesquisas de Emprego e Desemprego – PED e a Pesquisa Mensal de
Emprego – PME) estão circunscritas às regiões metropolitanas.12 De fato, os dados da PNAD mostram
que a taxa de desemprego das regiões metropolitanas
é mais elevada que a do interior dos seus respectivos
Estados, enquanto os registros da Rais indicam que,
em algumas áreas do interior, a criação de empregos é
mais intensa do que nas regiões metropolitanas.
Nesta pesquisa, o processamento das informações
disponíveis no censo demográfico de 2000 obteve os
mesmos resultados, ou seja, a RMSP, as áreas adjacentes e os municípios com maior densidade econômica
do interior paulista apresentaram taxas de desemprego
superiores aos demais municípios do interior, cujos níveis de densidade econômica são menos elevados.
Na Tabela 4 é possível observar que a taxa de desemprego total da RMSP (21,5%) é quase o dobro daquela
registrada nos “demais municípios” (12,4%), o mesmo acontecendo com a taxa de desemprego feminina
(27,8% e 18,7%, respectivamente). É importante notar,
entretanto, que o desemprego diminui de acordo com
o nível de densidade econômica, ou seja, as menores
taxas de desemprego são observadas exatamente nos
municípios que têm maior potencial de crescimento da
PEA (aqueles com maiores proporções de inativos).
A abordagem teórica utilizada nesse trabalho buscou ressaltar que os condicionantes do funcionamento
do mercado de trabalho são múltiplos, por isso seria
incorreto afirmar categoricamente que as áreas com
taxas de participação menos elevadas estão destinadas
a apresentar maiores níveis de desemprego no futuro.
A taxa de desemprego é influenciada pelo comportamento da ocupação, da dinâmica demográfica e das
flutuações da PEA, ou seja, o desemprego é produto
da composição desse conjunto de movimentos.
Entretanto, tendo em vista que a investigação dos
municípios de São Paulo mostrou nítida associação
entre o crescimento da densidade econômica e o das
taxas de participação, parece razoável supor que o
crescimento da economia no interior do país é um
fator que estimula a entrada de pessoas na PEA. Tal
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140
ALBERTO DE OLIVEIRA
Tabela 4
Taxas de Participação e de Desemprego, segundo Densidade Econômica
Estado de São Paulo – 2000/2002 (1)
Agrupamentos de Municípios
Média de Divisões
Econômicas
Taxas de Participação
(médias) (% )
Taxas de Desemprego
(médias) (% )
Total
Feminina
Total
Feminina
RMSP
43
59,2
46,8
21,5
27,8
Municípios com alta densidade econômica
localizados no entorno da RMSP
37
59,3
46,0
15,8
21,8
Municípios com alta densidade econômica
localizados fora do entorno da RMSP
24
58,2
42,7
13,1
20,0
Demais municípios do Estado de São Paulo
22
56,1
40,4
12,4
18,7
Fonte: Ministério do Trabalho. Rais; IBGE. Censo Demográfi co.
(1) Ano base 2000, para os dados do censo, e 2002, para os da Rais.
conclusão encontra respaldo nos estudos realizados
na RMSP, na qual se verificou que a taxa de participação acompanhava a evolução do nível de ocupação
que, por sua vez, responde usualmente à expansão da
economia.
Portanto, admitindo que o crescimento econômico das áreas dinâmicas do interior de São Paulo
(ou de qualquer outro Estado) tende a elevar seus níveis de densidade econômica, não se pode descartar
a hipótese de que se as taxas de participação dessas
áreas convergirem para patamares semelhantes ao da
RMSP, tal movimento poderá gerar descompasso entre o ritmo do aumento da ocupação e o da PEA,
nivelando as taxas de desemprego da metrópole com
as do interior dinâmico.
Tais conclusões, longe de serem definitivas ou,
menos ainda, deterministas, pretendem apenas servir de estímulo para o debate e para a realização de
novos e aprofundados estudos sobre a dinâmica do
mercado de trabalho no Brasil. O comportamento do
mercado de trabalho está sujeito a um rico conjunto
de elementos e este estudo pretendeu adicionar mais
uma variável a esta lista – o território – que, embora
contribua decisivamente para a dinâmica econômica,
geralmente não é incorporado aos modelos teóricos
que tratam do tema.
Notas
eventuais erros ou omissões são exclusivamente de minha
responsabilidade.
Este trabalho é um fragmento da tese de doutorado (de mesmo título) realizada no IPPUR/UFRJ sob a orientação do
Prof. Dr. Jorge Natal. A referida tese contou também com as
valiosas contribuições de Silvia Mancini (Fundação Seade) e
de Marise Hoffmann (Dieese), com as quais tenho enormes
dívidas intelectuais e de atenção. Desnecessário dizer que os
1. É interessante notar que o aprimoramento da extração de
mais-valia através do uso intensivo de tecnologia, em alguns
casos, não está restrito aos trabalhadores diretamente vinculados a um capitalista específico. A disseminação das estações
de auto-atendimento e do uso da Internet pelo setor financeiro
transfere o “trabalho”, ou seja, as tarefas que seriam realizadas
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
CONHECENDO O INTERIOR PAULISTA: O PAPEL DO ESPAÇO NA DINÂMICA ...
por seus funcionário e a necessidade de ampliação da infra-estrutura das agências bancárias (imóveis, equipamentos, serviços, etc.)
para os clientes (a maioria, empregados de outros capitalistas),
com benefícios evidentes em termos de redução dos gastos com
folha de pagamento e com investimentos.
2. Diante da ampliação crescente do desemprego dos chefes de
domicílio, os demais membros da família foram forçados a buscar
ocupações remuneradas para auxiliar (ou recompor) na manutenção do nível familiar. Tendo em vista que o foco da pesquisa
não está na análise da inserção feminina no mercado de trabalho,
tratou-se apenas dos principais condicionantes que explicam esse
fenômeno. Para maiores informações ver Hirata (2002).
3. A composição da população total já foi tema polêmico entre
José Nun e Fernando Henrique Cardoso, no âmbito das discussões
sobre marginalidade. Para maiores informações ver Nun (2000).
4. Nas pesquisas de mercado de trabalho realizadas no Brasil, é
considerado como integrante da PIA o indivíduo com idade igual
ou superior a dez anos.
5. Neste trabalho, as expressões taxa de inatividade e taxa de participação são utilizadas alternadamente, pois são medidas diferentes que expressam o mesmo fenômeno, ou seja, a proporção de
pessoas que estão dentro (taxa de participação) ou fora (taxa de
inatividade) do mercado de trabalho.
7. Para facilitar a visualização das diferenças da taxa de participação das mulheres entre os municípios com maiores e menores níveis de densidade econômica, foi incluída uma linha de
tendência cujo cálculo, por conveniência, tomou como referência uma equação linear.
8. O município de Águas de São Pedro (balneário hidromineral localizado no interior paulista) é ilustrativo dos casos nos
quais as elevadas taxas de participação femininas são observadas ao lado de baixos níveis de densidade econômica. Pois
o turismo, como eixo econômico do município, cria oportunidades de trabalho para mulheres não apenas nas atividades
organizadas do Terciário, mas, também, nos segmentos nãoorganizados ligados à produção artesanal.
9. Maiores informações sobre o modelo de análise de variância podem ser obtidas em Dean e Voss (1999).
10. A regressão multinomial é utilizada usualmente em situações nas quais o objetivo é classificar uma variável (dependente) com base nos valores de um conjunto de variáveis (independentes), de forma a estimar o comportamento da variável
analisada (ou seja, a dependente). Para maiores informações
ver: Greene (2000) e Wooldridge (2002).
6. Este procedimento estatístico cria grupos de casos (nesse estudo, os casos correspondem aos municípios) que sejam, ao mesmo tempo, homogêneos internamente e heterogêneos entre si,
relativamente a uma ou mais variáveis selecionadas. Nessa pesquisa, a variável considerada foi o número de divisões econômicas,
e optou-se por gerar quatro grupos de municípios paulistas de
acordo com sua homogeneidade em termos do nível de densidade econômica.
11. A análise estatística contou com a colaboração das estatísticas Silvia Regina Mancini e Mitti Ayako Hara Koyama.
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12. Existem ainda os levantamentos setoriais realizados em alguns Estados e setores. Contudo, geralmente estão circunscritos à área de abrangência da entidade patrocinadora da pesquisa, como, por exemplo, a Federação das Indústrias do Estado
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ALBERTO DE OLIVEIRA
Economista, Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ e
Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
([email protected])
Artigo recebido em 11 de agosto de 2006.
Aprovado em 21 de outubro de 2006.
Como citar o artigo:
OLIVEIRA, A. Conhecendo o Interior Paulista: o papel do espaço na dinâmica do mercado de trabalho. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>;
<http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 127-142, out./dez. 2006
A rotatividade na indústria
metalúrgica sorocabana
R icardo L opes F ernandes
M anuel A ntonio M unguía P ayés
Resumo: Esta pesquisa contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp e teve como objetivo central estudar a rotatividade
de trabalhadores na indústria metalúrgica do município de Sorocaba entre 1999 e 2004. Foi utilizado um questionário junto a uma amostra de empresas metalúrgicas. Foram
encontradas duas respostas para o comportamento da rotatividade: dificuldades nos negócios das empresas; e reestruturação do quadro de trabalhadores.
Palavras-chave: Rotatividade de trabalhadores. Indústria metalúrgica. Indústria sorocabana.
Abstract: This research counted with the financial support of the Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp and had the following objective:
to study worker’s turnover at Sorocaba’s metallurgic industry between 1999 and 2004. A questionnaire has been applied in some metallurgic industries and two
answers to the rotation behavior have been found: enterprises business difficulties; and working staff reorganization.
Key words: Worker’s turnover. Metallurgic industry. Sorocaba’s industry.
A
rotatividade (turn over) é um fenômeno que tem
recebido atenção por conta dos altos índices constatados no Brasil e também por seus efeitos negativos. Sob
a ótica da empresa, são freqüentemente destacados o desestímulo na formação de capital humano e a geração
de postos de trabalho informais. Este último está relacionado com a diminuição dos custos extra-salariais e,
também, com o ganho de flexibilidade das empresas face às variações de suas encomendas.
Por essas razões, os índices de rotatividade do setor informal costumam ser mais elevados que os do setor
formal da economia. Por outro lado, as empresas ficam desestimuladas a capacitar e treinar um trabalhador que
não tem expectativa de permanecer nela, isto é, sem tempo suficiente para amortizar o capital investido em seu
treinamento. Como conseqüência, os trabalhadores com baixo acúmulo de capital humano encontrarão ocupação apenas em postos de trabalho de baixa qualidade, produtividade e remuneração. Desta forma, a rotatividade
será mais freqüente para os trabalhadores com menor escolaridade e qualificação e, ainda, com menor custo
de demissão, pelo fato de estarem sempre mudando de emprego e acumularem menos Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço – FGTS.
Todavia, pesquisas recentes mostram elevação dos investimentos em capacitação e treinamento, especialmente em função da reestruturação industrial ocorrida a partir dos anos 1990. Tais resultados sugerem que,
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144
Ricardo Lopes Fernandes/Manuel Antonio Munguía Payés
pelo menos nos setores que mais investiram em capaA rotatividade e suas causas
citação e treinamento – como foi o caso da indústria
metalúrgica da cidade de Sorocaba, em São Paulo –,
A rotatividade é compreendida como o baixo
as taxas de rotatividade poderiam ter recuado nos últempo de permanência dos trabalhadores em
timos anos.
um mesmo posto de trabalho, seja por demissão
Esse artigo tem três objetivos: verificar a taxa de
voluntária ou pela necessidade das empresas de
rotatividade na indústria metalúrgica na cidade de
reduzir seu quadro de funcionários (GONZAGA,
Sorocaba entre os anos de 1999 e 2004, segundo o
1998, p. 122). Corseuil et al. (2002, p. 2), entretanto,
tipo de trabalhador (operacional, administrativo e
a definem como as movimentações de trabalhadores
gerencial); identificar os motivos da rotatividade enpor meio de admissões e desligamentos. Para Ramos
contrada; e verificar se os trabalhadores que deixaram
e Carneiro (1997, p. 20), a rotatividade seria a ruptura
seus postos de trabalho passaram por treinamento e
de contrato de trabalho, que será prontamente
capacitação.
restabelecido pela contratação de outro indivíduo.
A pesquisa contou com apoio financeiro da FundaGonzaga (1998, p. 128) estudou a rotatividade em
ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo –
meados dos anos 1990 e concluiu que a taxa de rotatiFapesp e se pautou num questionário que contemplou
vidade no Brasil é elevada quando comparada a taxas
questões fechadas e abertas. De um total de 43 empreencontradas em outros países (Tabela 1). Este tipo
sas do setor metalúrgico, foram entrevistadas 12 com
de comparação, segundo ele, só é possível quando
20 ou mais funcionários, isto é, a amostra não foi
há disponibilidade de dados internacionais. Gonzaga
alea­tória e constituiu 28% da população, segundo os
utilizou os dados da Rais do MTE, caracterizando a
dados do Cadastro de Estabelecimentos Empregadorotatividade como a proporção de trabalhadores com
res do Ministério do Trabalho e Emprego – CEE/
menos de dois anos em um mesmo emprego.
MTE.
Tabela 1
As 12 empresas amostradas, entretanto,
Porcentagem de Trabalhadores com Menos
apresentavam um total de 4.913 funcionáde Dois Anos de Serviço
rios em 2004, sendo a média de 409 funPaíses
Selecionados – 1995
cionários por empresa. Considerando os
dados da Relação Anual de Informações
%
Sociais – Rais para 2004, o estoque total de Países
Itália
13
trabalhadores do setor metalúrgico nesse
Bélgica
18
ano foi de 5.361; portanto, a amostra repreAlemanha
21
sentou 92% dos trabalhadores desse setor.
França
22
Um dos fatores que explica essa proporção
Irlanda
22
é que as empresas que colaboraram com a
Dinamarca
27
pesquisa foram notadamente as maiores da
Finlândia
28
cidade.1
Holanda
28
Este artigo está organizado em quatro
Reino Unido
31
partes, além desta introdução. A seção seEstados Unidos
39
guinte trata da rotatividade e de suas cauCanadá
33
sas. A terceira parte aborda a capacitação e
Brasil
47
o treinamento na indústria sorocabana. O
Fonte: Gonzaga (1998, p. 128).
quarto item estuda a rotatividade na indústria metalúrgica da cidade de Sorocaba entre
Pochmann (1997, p. 180) afirma que a taxa de roos anos de 1999 e 2004. Finalmente, na quinta parte,
tatividade no Brasil é alta desde os anos 1980 e que
apresentam-se os comentários finais e as conclusões.
mesmo com a elevação da multa de demissão para
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
A rotatividade na indústria metalúrgica sorocabana
40% do FGTS, imposta pela Constituição de 1988, os
índices de rotatividade se mantiveram elevados.
Recentemente, pesquisa publicada pelo Instituto
de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – Iedi
(2005, p. 4) apontou que a taxa de rotatividade vem
caindo, notadamente no ano de 2004. Todavia, os dados apresentados permitem interpretar a evolução da
taxa de rotatividade como estável, pois as variações
foram pequenas. Com efeito, o Gráfico 1 mostra que,
no período entre 2001 e 2004, a taxa de rotatividade na
indústria geral e na indústria de metalurgia básica oscilou entre 0,1 e 0,2 pontos percentuais. Repare-se que,
neste estudo, a taxa de rotatividade máxima chegou a
2,9%, ao passo que Gonzaga (1998) encontrou taxas
acima de 13%. Esses números são explicados pelas
diferentes metodologias utilizadas no seu cálculo.
Para Ramos e Carneiro (2002, p. 40), Gonzaga
(1998, p. 131) e IEDI (2005, p. 3), o cálculo da taxa
de rotatividade é obtido a partir do mínimo entre as
admissões e os desligamentos, divididos pelo estoque
de trabalhadores. Segundo Gonzaga, esta metodologia é a oficial, adotada pelo MTE (Lei n. 4.923) e
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE que utiliza os dados da Pesquisa Industrial
Mensal – PIM.
Serson (1990, p. 368) afirma que, para dados coletados diretamente nas empresas, devemos adotar
apenas a razão entre a quantidade de trabalhadores
demitidos e o estoque de trabalhadores para um perío­
do determinado, pois, se calcularmos a rotatividade
com base na metodologia oficial, corremos o risco de
subdimensionar a taxa de rotatividade. Essa limitação
também é apontada por Ribeiro (2001, p. 13) e Gonzaga (1998, p. 131). Assim, na hipótese de o número de admissões e desligamentos ser igual ou muito
próximo, não se observaria rotatividade ou ela seria
muito baixa. Um exemplo disso seria encontrar uma
empresa com cem trabalhadores. Num determinado
período, decide-se demitir dez trabalhadores e repor
todos os dez. Na metodologia oficial, a taxa de rotatividade seria zero ([demitidos - admitidos]/estoque
de funcionários). Porém, utilizando a metodologia
de Serson (demitidos/estoque) teríamos uma rotativi
dade de 10%.
Diversas são as causas da rotatividade apontadas
pelos estudiosos. Para Ehrenberg e Smith (2000, p.
Gráfico 1
Evolução da Taxa de Rotatividade Média Mensal para a Indústria Geral e a Metalurgia Básica
Brasil – 2001- 2004
Indústria geral (Eixo esquerdo)
Metalurgia básica (Eixo direito)
%
%
2,9
2,9
2,85
1,55
2,9
1,5
1,5
1,5
1,45
2,8
1,4
2,8
2,75
1,4
1,35
2,7
1,3
2,7
2,65
1,3
1,25
2001
2002
2003
2004
Fonte: IEDI (2005, p. 4).
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
145
146
Ricardo Lopes Fernandes/Manuel Antonio Munguía Payés
372), a rotatividade pela ótica do trabalhador pode
ser abordada pelo modelo básico de mobilidade “voluntária”, ou seja, pelo interesse do trabalhador em
mudar de ocupação. Em geral, o trabalhador deixará
o posto de trabalho em busca de uma melhor remuneração e preferirá fazer isto nos momentos em que
for mais fácil encontrar uma nova colocação. Portanto, irá mudar de emprego preferencialmente quando
a economia estiver aquecida.
Esta também é a interpretação de Ramos e Carneiro (2001, p. 40) e Gonzaga (1998, p. 132) que
apontam que a rotatividade sofre interferência dos
ciclos econômicos, ou seja, que a taxa de rotatividade
apresenta um caráter pró-cíclico. Quando a atividade
econômica está aquecida, os trabalhadores estão mais
propensos a pedir demissão em busca de melhores
oportunidades de trabalho. Por outro lado, nos momentos de menor atividade econômica, estes trabalhadores não estarão predispostos a pedir demissão
face à escassez de melhores postos de trabalho. Em
contrapartida, as empresas estarão propensas a demitir seus trabalhadores nos momentos de desaquecimento das vendas setoriais ou da economia.
Todavia, para Néri et al. (1997, p. 394), Gonzaga
(1998, p. 132-133) e Leite (2002, p. 90-91), o principal
motivo dos altos índices de rotatividade no Brasil é a
legislação trabalhista. Para esses estudiosos, a legislação trabalhista afeta a rotatividade na medida em que
estimula a obtenção de vantagens ou benefícios de
curto prazo, tanto para os trabalhadores quanto para
os empregadores.
Pelo lado dos trabalhadores, os benefícios referem-se a rendimentos extra-salariais obtidos com o
fim da relação trabalhista: o recebimento do FGTS,
o seguro desemprego e, ainda, a possibilidade de recebimento de direitos não pagos durante a relação de
trabalho (que geralmente são reivindicados via justiça).2 Pelo lado dos empregadores, a legislação motiva
as demissões nos momentos de dificuldade nos negócios, já que a rigidez da legislação trabalhista impede
que o empregador lance mão de outros mecanismos
de ajuste como, por exemplo, a redução conjunta da
jornada de trabalho e do salário. Nestas condições
acaba saindo mais barato demitir do que “carregar”
funcionários.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
A capacitação e treinamento
na indústria sorocabana
Capacitação e treinamento geram conhecimento e
habilidades incorporadas nos funcionários, isto é,
geram capital humano. Trata-se de um tipo de investimento que eleva a produtividade dos trabalhadores,
pois
faz com que o trabalhador seja mais eficiente na utilização
de capital físico – computadores, comunicações e tecnologia
de robôs – e no desempenho de vários aspectos de sua vida
(CROWFORD, 1994, p. 103).
Existe uma separação entre conhecimento e habilidade (inatas ou adquiridas) do indivíduo. As habilidades podem ser adquiridas no trabalho pela forma
on the job, por meio de uma política de formação/capacitação do empregador. O conhecimento, no entanto, é um processo cumulativo, que só é possível
com educação de base, pela forma off the job.
Um estudo da Confederação Nacional da Indústria – CNI e da Comissão Econômica para a América
Latina – Cepal (2001, p. 52) constatou a intensificação
das políticas de treinamento e capacitação em âmbito
nacional, por parte das empresas, na segunda metade
dos anos 1990:
Os gastos com educação básica e treinamento dos empregados
vêm se elevando, desde que levantados pela primeira vez, em
1997. Naquele ano, as empresas gastaram 0,7% da ROL
[Receita Operacional Líquida] com este tipo de despesa.
Em 1998, estes gastos elevaram-se para 0,8% e, em 1999,
para 1,0% da ROL. Este resultado parece demonstrar uma
maior preocupação das empresas em aumentar seu nível de competitividade a partir de uma mão-de-obra mais capacitada.
Estudos recentes realizados em Sorocaba verificaram o mesmo fenômeno. Esse município apresenta
um parque industrial diversificado e representativo
no Estado – e mesmo no país –, no qual é significativa a presença de empresas transnacionais. Segundo
a Fundação Seade (2005), em 1993, o município de
Sorocaba ocupou a 14ª posição no ranking de municípios paulistas segundo o valor adicionado fiscal da
A rotatividade na indústria metalúrgica sorocabana
priorizaram o treinamento on the job e em especial
para qualificação. Com efeito, esse programa recebeu
da maioria das empresas (75%) pelo menos 20% da
verba. Com menor peso, apareceram os programas
de treinamento para atualização, treinamento de formação profissional e controle de qualidade.
indústria, subindo para a 12ª posição em 2001, último
ano com informação disponível.
De acordo com o IBGE, em 2002, em termos de
valor adicionado, a indústria radicada em Sorocaba
ocupava a 40ª posição no Brasil e a 12ª no Estado de
São Paulo. Ainda segundo a Secretaria de Comércio
Exterior – Secex, Sorocaba ocupou a 11ª posição no
ranking de exportação no Estado, em 2004.
O trabalho de Leite (2002) evidenciou que a maioria das empresas industriais em Sorocaba preocupouse com treinamento e capacitação dos trabalhadores
no final dos anos 1990. Observe-se, na Tabela 2, que
mais da metade das empresas industriais naquele município aumentou os programas de treinamento do
pessoal a partir de 1999, notadamente para os trabalhadores ligados à produção. Note-se, ainda, que essa
atitude por parte das empresas foi mais intensa na
indústria metalúrgica.
A pesquisa de Pelaccia e Payés (2005) tratou do
montante de recursos alocados nos programas de
capacitação e treinamento pelas empresas metalúrgicas em Sorocaba3 e dá uma idéia do peso relativo
desse investimento. Os autores concluem que, sob
o prisma da relação investimento em capacitação e
treinamento/faturamento bruto anual, o peso dessa
variável nas empresas apresentou grande dispersão.4
Também constataram que as empresas metalúrgicas
rotatividade na indústria metalúrgica
sorocabana entre 1999 e 2004
O Gráfico 2 apresenta a evolução da taxa de rotatividade na indústria metalúrgica sorocabana, elaborada
segundo a sugestão metodológica de Serson (1990) e
utilizando os dados da amostra de 12 empresas e do
MTE. Note-se que a taxa de rotatividade eleva-se em
2001 e cai posteriormente, mas permanece em níveis
superiores ao observado no biênio 1999/2000; volta,
então, a subir no ano de 2004. Repare-se também que
a trajetória da taxa de rotatividade construída com os
dados da amostra é praticamente a mesma elaborada
com os dados da população (MTE), dando crédito às
informações coletadas na pesquisa de campo.
As entrevistas junto ao setor de recursos humanos mostraram os trabalhadores operacionais como
sendo os que mais sofreram desligamentos nesse período. Portanto, foram os maiores responsáveis pelas
taxas de rotatividade encontradas.
Tabela 2
Distribuição das Empresas que Aumentaram, Diminuíram ou Preservaram os Programas de Treinamento do Pessoal
Município de Sorocaba – 1999
Em porcentagem
Discriminação
Total
Produção
Diretos
Administração
Indiretos
Diretos
Indiretos
Indústria em Sorocaba
Total
Aumentaram
Diminuíram
Não variaram
100
100
100
100
100
58
66
53
64
48
5
6
5
5
5
37
28
42
31
47
Indústria Metalúrgica em Sorocaba
Total
100
100
100
100
100
Aumentaram
65
73
60
67
60
Diminuíram
7
7
7
7
7
28
20
33
27
33
Não variaram
Fonte: Leite (2002).
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
147
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Gráfico 2
Evolução da Taxa de Rotatividade na Indústria Metalúrgica
Município de Sorocaba – 1999-2004
40
Amostra
Em %
MTE
35
35
35
30
28
25
24
25
25
20
18
15
18
16
13
10
5
5
6
1999
2000
0
2001
2002
2003
2004
Fonte: Pesquisa de campo; MTE. Rais.
O Gráfico 3 mostra a evolução da taxa de rotatividade da indústria metalúrgica sorocabana (utilizando
os dados da amostra) e também na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, no Estado de São Paulo e
na Região Sudeste do país (utilizando dados do MTE),
entre os anos de 1999 e 2004. Note-se que, apesar de
taxas de rotatividade diferentes, a evolução é semelhante. Essas informações sugerem que a evolução da
rotatividade na indústria metalúrgica apresentou um
padrão bastante uniforme na Região Sudeste.
A Tabela 3 apresenta o percentual de empresas
segundo o motivo da demissão por tipo de funcionário. Note-se que, para os trabalhadores do setor operacional, o principal motivo das demissões refere-se
às dificuldades nos negócios das empresas (apontado por 67% das empresas). Já para os trabalhadores
do setor administrativo e gerencial, a explicação foi
outra: na maioria das empresas, estes foram demitidos em razão da reestruturação do quadro de funcionários. Repare-se, ainda, que a legislação não foi
Tabela 3
Distribuição das Empresas que Demitiram, por Tipo de Trabalhador,
segundo Motivo Alegado na Demissão
Município de Sorocaba – 1999
Em porcentagem
Motivo
Total
Operacional
Administrativo
Gerencial
100
100
100
Dificuldades nos negócios
67
18
29
Reestruturação
25
45
57
8
36
14
Fraco desempenho
Fonte: Pesquisa de campo.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
A rotatividade na indústria metalúrgica sorocabana
Gráfico 3
Evolução da Taxa de Rotatividade da Indústria Metalúrgica
Município de Sorocaba, Região Metropolitana de São Paulo, Estado de São Paulo e Região Sudeste – 1999-2004
Estado de São Paulo (Eixo esquerdo)
Amostra (Eixo direito)
Região Metropolitana de São Paulo (Eixo esquerdo)
Região Sudeste (Eixo esquerdo)
%
%
35
20
18
33
16
31
14
12
29
10
27
8
25
6
4
23
2
21
0
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Fonte: Pesquisa de campo; MTE. Rais.
apontada por nenhuma das empresas como motivo
de demissão.
O Gráfico 4 desagrega a taxa de rotatividade da
amostra segundo o motivo da demissão: as oito empresas que alegaram dificuldades nos negócios e as
três que demitiram em função da reestruturação no
quadro de funcionários.
Repare-se que, para as empresas que demitiram
seus trabalhadores operacionais em função de dificuldades nos negócios, a rotatividade se elevou e mudou
de patamar a partir de 2001. Segundo essas empresas,
as dificuldades estavam atreladas ao fraco desempenho exportador, notadamente no biênio 2001/2002,
em função da crise na Argentina. Na realidade, todas
as empresas amostradas eram exportadoras, tendo
como principal cliente o Mercado Comum do Sul
– Mercosul. Também para as empresas que demitiram trabalhadores operacionais por motivo de reestruturação do quadro de funcionários, a rotatividade
se elevou de patamar a partir de 2001, principalmente
nos dois últimos anos, quando a rotatividade destas
empresas apresentou-se muito superior à da amostra.
A demissão de funcionários capacitados e treinados, ainda que justificada, representou um desperdício de recursos para a empresa que investiu no capital humano dos demitidos. É provável, todavia, que
o montante per capita desse desperdício não tenha
sido significativo. Isto porque o investimento per capita dos principais treinamentos ministrados pelas empresas metalúrgicas (qualificação e atualização) não
costuma ser dos mais altos6 e destina-se, principalmente, ao desenvolvimento de habilidades técnicas
específicas dos funcionários operacionais. Noutros
termos, o investimento realizado em capacitação e
treinamento per capita parece que não foi nem alto
e nem seria inteiramente aproveitado por empresas
concorrentes que venham eventualmente a empregar os demitidos. Adicionalmente, cabe esclarecer
que nem todos os demitidos receberam capacitação
e treinamento (Tabela 5).
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
149
150
Ricardo Lopes Fernandes/Manuel Antonio Munguía Payés
Gráfico 4
Evolução da Rotatividade das Empresas, por Motivo das Demissões
Município de Sorocaba – 1999-2004
60
Dificuldades nos negócios
%
Reestruturação no quadro de trabalhadores
52
50
40
30
26
21
20
20
19
13
8
10
12
6
1
5
0
1999
7
2000
2001
2002
2003
2004
Fonte: Pesquisa de campo.
Tabela 4
Distribuição das Empresas, por Tipo de Trabalhador,
segundo Motivo Alegado pelos Trabalhadores para Pedir Demissão
Município de Sorocaba – 1999
Em porcentagem
Motivo
Operacional
Administrativo
100
100
Pessoal
20
10
0
Melhor colocação
50
70
50
0
0
0
10
0
0
Total
Relacionamento
Função
Aposentadoria
Gerencial
100
0
0
17
Não se adaptou às mudanças
10
10
17
Não sabe
10
10
17
Fonte: Pesquisa de campo.
Tabela 5
Distribuição dos Trabalhadores que Deixaram seus Postos de Trabalho, por Tipo de Trabalhador,
segundo Fornecimento de Capacitação e Treinamento
Município de Sorocaba – 1999
Em porcentagem
Fornecimento de Capacitação e Treinamento
Total
Operacional
Administrativo
Gerencial
100
100
100
Sim
67
83
50
Não
33
17
50
Fonte: Pesquisa de campo.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
A rotatividade na indústria metalúrgica sorocabana
não renováveis), como poderia ter sido o caso de parte dos contratos de exportação para o Mercosul.
A Tabela 4 mostra os motivos alegados para a demissão voluntária. Podemos observar que, para os
três tipos de trabalhadores, o principal motivo foi
a busca de melhores colocações de trabalho. Isto é
mais claro para os trabalhadores do setor administrativo, com 70% dos pedidos de demissão sendo explicados por esse motivo.
A Tabela 5 permite observar os trabalhadores que
deixaram seus postos de trabalho segundo quem recebeu ou não capacitação e treinamento. Repare-se
que grande parte dos trabalhadores que deixaram as
empresas recebeu capacitação, principalmente os do
setor administrativo, seguido pelos do setor operacional. Os trabalhadores do setor gerencial dividiram-se
igualmente entre os que receberam e os que não receberam capacitação.
Na Tabela 6, podemos observar a porcentagem
de trabalhadores que deixaram as empresas segundo
o programa de treinamento recebido. Para os trabalhadores do setor operacional, os principais programas foram os de qualificação com 33%, controle de
De toda maneira, no caso das empresas que demitiram por motivo de reestruturação, houve a decisão
da diretoria ou dos novos proprietários de assumir
esse desperdício de recursos. Foi uma das contrapartidas da decisão de introduzir mudanças profundas,
na gestão estratégica da empresa, carteira de produtos e processos de produção.
Mas, e quanto às empresas que alegaram as dificuldades nos negócios como motivo de demissão?
Também arcaram com esse desperdício? A pesquisa
infelizmente não abordou essa questão. Algumas entrevistas com consultores em recursos humanos sugerem que não necessariamente. De acordo com eles,
as empresas estrategicamente podem ter repassado
aos clientes o capital humano investido, juntamente
com os custos trabalhistas associados com a demissão, caso tenham conseguido incorporar no valor dos
contratos os custos de demissão e o investimento per
capita em capacitação e treinamento. Segundo eles,
essa estratégia costuma ser adotada pelas empresas
maiores e nas negociações com clientes que envolvem contratos de fornecimento de lotes de produtos
específicos (portanto, para contratos temporários,
Tabela 6
Distribuição dos Trabalhadores que Deixaram as Empresas, por Tipo
de Trabalhador, segundo Treinamento Recebido
Município de Sorocaba – 1999
Em porcentagem
Programas de treinamento
Administrativo
Gerencial
100
100
100
Treinamentos de qualificação
33
23
0
Treinamentos de atualização
21
23
33
Treinamentos de formação profissional
4
3
0
Métodos/Técnicas gerenciais
0
3
17
Controle de qualidade
25
13
6
Relações humanas e comportamentais
13
17
17
Língua estrangeira
0
10
17
Informática
4
3
11
Outros
0
3
0
Total
Operacional
Fonte: Pesquisa de campo.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
151
152
Ricardo Lopes Fernandes/Manuel Antonio Munguía Payés
Tabela 7
Proporção Média entre os Trabalhadores Compulsoriamente Demitidos e dos que
Pediram Demissão de Maneira Voluntária, por Tipo de Trabalhador
Município de Sorocaba – 1999
Em porcentagem
Operacional
Administrativo
Gerencial
Total
Demissão
25
23
19
Demissão compulsória
75
77
81
Demissão voluntária
25
23
19
Fonte: Pesquisa de campo.
qualidade com 25% e treinamentos de atualização
com 21%. Já para os trabalhadores do setor administrativo, destacaram-se os treinamentos de qualificação e atualização com 23% cada. Finalmente, os
trabalhadores do setor gerencial receberam em maior
número treinamentos de atualização com 33% dos
treinamentos oferecidos.
Dos trabalhadores que deixaram as empresas, a
maioria o fez de forma compulsória, como pode ser
observado na Tabela 7, sendo que a proporção dos
que saíram voluntariamente não ultrapassou os 25%
em nenhum dos tipos de funcionários.
Por último, sete das empresas entrevistadas desenvolveram algum tipo de programa para preservar o
quadro de funcionários. Em três delas, havia programas voltados a oferecer planos de carreira aos funcionários como forma de motivação para a continuidade
da relação de trabalho. Outras três empresas responderam que seus programas de manutenção oferecem qualificação de forma gratuita aos funcionários.
A empresa restante não soube dizer qual o tipo de
programa desenvolvido para preservar o quadro de
funcionários.
Considerações Finais
A pesquisa revelou que grande parte dos trabalhadores que deixaram as empresas metalúrgicas em
Sorocaba na primeira metade desta década recebeu
capacitação e treinamento. Imaginávamos que, dado
esse investimento, as empresas teriam reduzido as
demissões e a taxa de rotatividade. Entretanto, a rotatividade elevou-se. Constatamos que esse resultado
também foi verificado mesmo quando utilizamos os
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
dados do MTE. Mais ainda, a trajetória da taxa de rotatividade entre 1999 e 2004 na indústria metalúrgica
de Sorocaba é semelhante à verificada na indústria
metalúrgica da RMSP, do Estado de São Paulo e da
Região Sudeste do país.
A coleta de dados não registrou evidências de que
a legislação trabalhista tenha interferido na dinâmica
da rotatividade encontrada. Na realidade, esse motivo sequer foi citado pelas empresas. A pesquisa revelou dois fatores como sendo os responsáveis pela
evolução da taxa de rotatividade. O primeiro foi a
dinâmica do comércio exterior das empresas metalúrgicas de Sorocaba, que, por serem exportadoras,
tiveram redução de vendas, notadamente no biênio
2001/2002. A pesquisa mostrou uma relação inversa
entre a evolução da rotatividade e as exportações, isto
é, a rotatividade se elevou quando o fluxo exportador dessas empresas declinou e vice-versa. A segunda
explicação para as demissões ficou por conta da necessidade das empresas em reestruturar seu quadro
de trabalhadores. Das 12 empresas pesquisadas, três
demitiram por esse motivo, e cada uma delas o fez em
anos diferentes.
Sendo assim, nota-se que as necessidades de adequação do quadro de funcionários ao desempenho
comercial da empresa e às necessidades organizacionais se sobrepuseram ao investimento realizado com
capacitação e treinamento dos funcionários. Contudo,
o desperdício com o capital humano investido nos demitidos pode ter sido transferido por algumas empresas a seus clientes. É possível, ainda, que as dificuldades de mercado e a reestruturação também expliquem
a trajetória da taxa de rotatividade na indústria metalúrgica das diversas regiões do Sudeste do país.
A rotatividade na indústria metalúrgica sorocabana
Notas
acordo com a empresa para diminuir o tempo de espera pelo
pagamento dos direitos.
1. A rigor e a despeito dessa proporção, a amostra também
não é representativa da população, pois excluiu as empresas
metalúrgicas menores. Se a rotatividade nestas empresas tiver
um comportamento distinto do restante da população (maior,
digamos), a rotatividade média da amostra será uma estimativa viesada para menos em relação à verdadeira rotatividade
(parâmetro) da população. Todavia, os resultados da amostra
representam, com precisão, a parcela correspondente aos 92%
da população.
3. As mesmas empresas metalúrgicas amostradas que forneceram as informações sobre a rotatividade também colaboraram na mesma época na pesquisa de Pelaccia e Payés (2005).
2. Para Amadeo e Camargo (1996, p. 85-86), as empresas
deixam propositadamente de pagar alguns direitos ao
trabalhador, com o objetivo de diminuir o custo extra-salarial,
porque, em geral, o trabalhador acaba aceitando fazer um
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4. A distribuição das empresas segundo a faixa de investimento
realizado com programas de capacitação e treinamento (investimento/faturamento anual) foi a seguinte: 17% das empresas
investiram até 1% do faturamento anual; 25%, entre 1% e 2%
do faturamento; outros 25% delas, entre 2% e 3%; 8%, entre
3% e 4%; e outros 25% investem acima de 5% do seu faturamento em capacitação e treinamento para seus trabalhadores.
5. A pesquisa de Pelaccia e Payés (2005) tentou avaliar o investimento per capita em capacitação e treinamento, mas as empresas relutaram em fornecer essa informação.
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Ricardo Lopes Fernandes
Mestre em Economia. Professor da Universidade de Sorocaba – Uniso.
([email protected])
Manuel Antonio Munguía Payés
Doutor em Economia. Professor da Universidade de Sorocaba – Uniso.
([email protected])
Artigo recebido em 19 de abril de 2006.
Aprovado em 26 de setembro de 2006.
Como citar o artigo:
PAYÉS, M.A.M.; FERNANDES, R.L A rotatividade na industria metalúrgica sorocabana. São Paulo em Perspectiva, São Paulo,
Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; < http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 143-154, out./dez. 2006
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS
NO RURAL PAULISTA
análise das evoluções no período 1990-2002
O TAVIO V ALENTIM B ALSADI
M ARIA R OSA B ORIN
Resumo: O texto analisou a evolução das ocupações agrícolas e não-agrícolas no Estado de São Paulo no período entre 1990 e 2002,
tendo como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD e do boletim Sensor Rural Seade, e trouxe
evidências de uma importante mudança na estrutura ocupacional da população rural economicamente ativa.
Palavras-chave: Ocupações agrícolas e não-agrícolas. Emprego rural. Estado de São Paulo.
Abstract: The text analyzed the evolution of agricultural and non-agricultural occupations in Sao Paulo State between 1990 and 2002,
based on the National Households Sample Survey and Sensor Rural Seade bulletin data. The results showed a consolidation
of an undergoing change in occupations of the rural economically active population.
Key words: Agricultural and non-agricultural occupations. Rural employment. State of Sao Paulo.
A
demanda de mão-de-obra na agropecuária paulista apresentou forte redução no período compreendido entre 1990 e 2002, devido à incorporação de modernas
tecnologias no processo produtivo, especialmente aquelas destinadas às operações de colheita e pós-colheita,
e à queda da área de plantio nas principais culturas. Com exceção da laranja e das olerícolas, além de algumas
frutíferas de importância regional, as demais atividades sofreram grande redução na demanda de força de trabalho, com destaque para as culturas de cana-de-açúcar, café, grãos e oleaginosas (algodão, arroz, feijão e trigo,
principalmente).
Como resultado, a População Economicamente Ativa – PEA ocupada na agricultura do Estado de São
Paulo passou de 1.261 mil pessoas, em 1992, para 832 mil, em 2001, segundo os dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios – PNAD. O fato de a PEA agrícola estar distribuída de forma semelhante entre os
domicílios urbanos e rurais (havia um certo predomínio dos urbanos – 54% do total, em 2001) fez com que a
queda das ocupações na agricultura paulista fosse sentida tanto nas cidades como no campo (Tabela 1).
Na área rural, especificamente, a população residente encontrou ocupações fora da agricultura, no próprio
campo ou nas cidades.1 Em 2001, os dados da PNAD mostraram que 59,4% da PEA rural paulista (ou 558 mil
pessoas) estavam ocupadas fora da agricultura. Desde 1997, houve uma inversão a favor dos trabalhos nãoSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
156
OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
Tabela 1
Evolução da PEA Ocupada, segundo Área, Situação do Domicílio e Ramo de Atividade
Estado de São Paulo – 1992-2001
Área, Situação do
Domicílio e Ramo
de Atividade
PEA Ocupada (em 1.000 pessoas)
1992
1993
1995
1996
1997
1998
1999
2001
1992/2001(1)
(% a.a.)
Total
13.694
14.041
14.875
14.801
14.848
14.974
15.186
16.588
2,2
Urbano
12. 690
12. 979
13. 815
13. 787
13. 868
13. 965
14. 123
15. 649
2, 4
Agrícola
Não-agrícola
Rural
649
643
559
589
470
499
511
451
-4,0
12.041
12.336
13.256
13.198
13.398
13.465
13.613
15.198
2,6
1. 004
1. 062
1. 060
1. 014
980
1. 009
1. 063
939
-0, 7
Agrícola
612
636
543
527
454
445
472
381
-5,1
Não-agrícola
393
426
517
487
526
564
591
558
4,0
Fonte: Projeto Rurbano. Tabulações Especiais.
(1) Indica 5% de confi ança, estimado pelo coefi ciente de regressão log-linear contra o tempo.
agrícolas, em detrimento dos agrícolas, culminando
com a maior ocupação dos residentes rurais nos mais
diversos ramos da atividade econômica.
Em função da forte alteração na estrutura ocupacional da população rural paulista, o objetivo do texto
é traçar um panorama geral sobre o comportamento
das ocupações agrícolas e não-agrícolas no período
entre 1990 e 2002. Com isso, também se pretende
fazer uma atualização de trabalhos anteriores que versaram sobre o tema (BALSADI, 1998, 2001b).
TRANSFORMAÇÕES NO MEIO RURAL E SEUS
REFLEXOS SOBRE AS OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS
E NÃO-AGRÍCOLAS2
Ao analisar-se o crescimento das ocupações não-agrícolas da PEA rural é bastante comum que se enfoque
apenas um dos aspectos relacionados às profundas
transformações pelas quais vem passando o meio rural: a clara e forte tendência de queda das ocupações
agrícolas. Essa tendência deve-se à modernização e à
mecanização das principais operações de cultivo das
grandes culturas e também à redução da área cultivada, motivada por crises de algumas culturas e por
políticas específicas de controle de excedentes.
No entanto, para melhor entender o grande crescimento das ocupações não-agrícolas da PEA com
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
domicílio rural, é necessária a inclusão de outros fatores explicativos, os quais se relacionam com a crise
na agricultura, com as funções recentemente criadas
no meio rural, com a emergência de novos atores,
as mudanças nas famílias rurais e nas explorações
agropecuárias e as similaridades entre os mercados
de trabalho urbano e rural. Esses pontos, somados ao
avanço tecnológico que reduz as ocupações agrícolas,
ajudam a explicar, de forma mais adequada, por que
cada vez mais a PEA rural ocupa-se fora das atividades agropecuárias.
A tendência de queda acentuada dos preços das
principais commodities e a crise agrícola têm como conseqüência uma significativa redução da rentabilidade
na atividade agropecuária, fato que também contribui para a busca de outras fontes de renda familiar.
Segundo Buttel (1990), a crise na agricultura manifesta-se por meio de uma série de fatores, além da
tendência de queda dos preços das commodities e da
subseqüente redução no valor da produção agropecuária e na renda dos agricultores: maior endividamento dos produtores; diminuição no preço das terras e
demais ativos rurais; além da liquidação de ativos por
parte dos agricultores endividados. Para vários países,
esses aspectos são agravados pelas altas taxas de juros
reais e pelas crises e desmontes dos instrumentos de
política agrícola.
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
Outro aspecto relevante é que o meio rural deixou de ser sinônimo de agrícola e passou a ser o local
de atividades que eram tipicamente urbanas. Segundo Baptista (1994), o declínio do lugar da agricultura
nas atividades e ocupações no espaço rural foi acompanhado pelo surgimento de funções não-agrícolas,
tais como os aspectos ambientais e de proteção à
natureza, o lazer e o turismo, a caça, a pesca e o acolhimento dos que aí pretendem viver temporária ou
permanentemente.
Graziano da Silva et al. (1996), analisando essas
novas funções do meio rural, concluíram que já não é
possível caracterizá-lo somente como agrário. É preciso incluir outras variáveis, como as atividades rurais
não-agrícolas decorrentes da sua crescente urbanização (moradias de alto padrão, turismo rural, lazer
e outros serviços), as atividades de preservação do
meio ambiente, além de um conjunto de atividades
agropecuárias intensivas (olericultura, floricultura,
fruticultura de mesa, piscicultura, criação de pequenos animais − rã, escargot e aves exóticas), que buscam nichos de mercado para sua inserção econômica.
Além disso, o comportamento do emprego rural e
os movimentos da população do campo não podem
mais ser explicados apenas a partir do calendário agrícola e da expansão/retração das áreas e/ou produção
agropecuárias. Esse conjunto de novas atividades, somado à ocupação da PEA nos setores do comércio,
da indústria e da prestação de serviços, públicos e privados, respondem cada vez mais pela nova dinâmica
populacional do meio rural.
Recentes pesquisas indicam que muitas dessas áreas estão rompendo com a idéia clássica de que sempre tendem a perder competitividade e população,
pois estão recebendo novos investimentos, atraindo
empresas industriais e de serviços e diversificando
cada vez mais suas atividades econômicas. Como resultado, há um incremento da população, que passa
a não depender exclusivamente da renda advinda da
atividade agrícola. A tradicional divisão social do trabalho entre as cidades e as áreas rurais torna-se cada
vez mais imprecisa (SARACENO, 1997).
Tem se tornado freqüente o fato de antigos residentes urbanos passarem a viver no meio rural,
viajando diariamente para seu trabalho (commuting)
pelos mais diferentes motivos (custo de vida, segurança, estilo de vida, etc.), e de empresas – serviços e
indústria – mostrarem uma maior propensão a escolher sua locação fora de grandes aglomerados urbanos. O resultado dessas mudanças é que a distribuição
do emprego está cada vez menos polarizada e mais
similar em ambas as áreas. Do ponto de vista das políticas públicas, uma alteração fundamental é que os
programas passam a dar mais atenção ao território
do que à polarização anterior entre rural e urbano, ou
agrícola e industrial (SARACENO, 1997).
Os motivos da crescente competitividade das economias locais, incluindo as áreas rurais, estão ligados
a duas ordens de fatores, segundo Saraceno (1994).
A primeira refere-se às razões econômicas, com destaque para: segmentação da demanda para certos
produtos no mercado mundial; maior capacidade de
resposta a processos de produção não massivos por
parte das pequenas e médias empresas; multiplicação
de nichos ou mercados garantidos para produtos de
áreas protegidas e específicas; possibilidade de maior
integração em redes das empresas de diferentes localidades, integrando vantagens especializadas de cada
uma; e oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias de comunicação para trabalhar em áreas nãocentrais. A segunda ordem de fatores diz respeito à
razão social, com a criação de uma demanda por novos usos dos espaços rurais pela população dos grandes centros (lazer, moradia, turismo, etc.).
Devido às novas funções do meio rural, seu destino
e sua regulamentação deixaram de ser exclusividade
das associações de produtores, pois existem outros
grupos sociais com direitos similares em participar
da utilização desse espaço (MOYANO ESTRADA;
HIDALGO DA SILVA, 1991). Dessa forma, as
políticas de desenvolvimento rural não podem ser
orientadas somente para os produtores modernos e
viáveis, pois a agricultura cumpre papel não apenas
produtivo, mas também de manutenção de um tecido
social articulado neste espaço. Daí a importância da
pluriatividade e das ocupações em atividades nãoagrícolas no desenvolvimento das famílias rurais.
Como foi salientado, as estruturas dos mercados
de trabalho rural e urbano tendem a ser cada vez mais
similares, não somente em relação à importância dos
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
157
158
OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
ramos de atividade das pessoas, mas também à forma de organização do trabalho. Mingione e Pugliese
(1987) chamam a atenção para o papel da agricultura
em tempo parcial (e depois da pluriatividade) na alteração da base estrutural da organização social da
agricultura e das áreas rurais. Ao diminuir a dedicação
exclusiva dos membros familiares à atividade agropecuária, crescendo, como contrapartida, as ocupações
no mercado de trabalho não-agrícola, houve uma
maior homogeneização e mesmo uma unificação dos
mercados de trabalho urbano e rural.
A agricultura em tempo parcial e a pluriatividade
promovem a articulação entre agricultura e os demais
setores econômicos, num contexto territorial que já
foi agrícola e rural, passando cada vez mais a ser caracterizado pela presença de diversos ramos de atividade. Nesse espaço, onde rural já não é sinônimo de
agrícola, há forte expansão das atividades industriais
e de serviços, de tal forma que a difusão de novas tecnologias, que acompanha esse processo, torna cada
vez maior a analogia entre os processos de trabalho
na agricultura e na indústria e entre os mercados de
trabalho urbano e rural.
Processos de produção uniformes, especialização
da mão-de-obra, estabilidade no emprego e uso da
força de trabalho adulta masculina eram, até pouco
tempo, as características marcantes da produção industrial no modelo fordista. Com as mudanças na
produção, houve aproximação do modelo de trabalho típico da agricultura (trabalho por conta própria,
produção flexível, escassa divisão do trabalho, trabalho de mulheres e jovens, sazonalidade, subemprego,
etc.). Esse modelo de trabalho e de emprego generalizou-se para quase todos os setores da economia
(PUGLIESE, 1991), sendo perfeitamente compatível
com a modernização capitalista. Outras semelhanças
entre os mercados de trabalho rural e urbano são a
crescente informalização na indústria e nos serviços,
a redução da escala de produção, o aumento do emprego por conta própria, a externalização de fases do
processo produtivo e o crescimento do número de
pessoas pluriativas (PUGLIESE, 1991).
Bonanno (1989) também aborda algumas das características semelhantes entre as estruturas dos mercados de trabalho urbano e rural. Segundo o autor,
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
apesar de ainda existirem diferenças entre as forças
de trabalho urbana e rural, tem sido observado um
processo geral de homogeneização do trabalho. As
mudanças incluem, primeiramente, uma alteração na
regularidade do emprego. Os empregos tradicionais
urbanos eram caracterizados como sendo para o ano
inteiro e, conseqüentemente, eram qualitativamente
diferentes dos empregos agrícolas – largamente sazonais. Hoje, a regularidade do emprego está, no geral,
decrescendo e é praticamente ausente nos setores informais e descentralizados que estão emergindo.
As mudanças também envolvem a remuneração
do trabalho, que tende a ser menor que no passado.
O decréscimo do emprego em empresas centrais e a
expansão de indústrias periféricas, assim como do setor de serviços, levaram ao desenvolvimento de uma
situação na qual uma porção significativa dos empregos novos disponíveis paga menos, em termos reais.
Essa situação contrasta com os padrões estabelecidos no segundo pós-guerra, quando a remuneração
abaixo dos níveis salariais estabelecidos por lei ou por
acordos sindicais era típica dos trabalhos agrícolas.
Finalmente, as mudanças envolvem os sujeitos do
emprego. O aparato produtivo reestruturado, nos
âmbitos industriais e de serviços, emprega, de modo
crescente, trabalhadores “marginais”. Um grande número de mulheres, idosos, adolescentes e imigrantes
ilegais encontra emprego em setores tradicionalmente
caracterizados pela presença de trabalhadores masculinos de idade mediana. Esta prática era constante na
agricultura, pois esse segmento da classe trabalhadora
constitui-se em importante fonte de trabalho em períodos de intensa demanda por mão-de-obra, como
na colheita, por exemplo.
As alterações na estrutura da família rural fazem
com que ela deixe de ser nucleada e orientada de
acordo com uma estratégia única baseada na agricultura. Com isso, as fontes de renda familiar são múltiplas, já que a agricultura constitui apenas uma delas
– e, em muitos casos, sequer é a mais importante. O
fundamental a destacar aqui é que muitos dos antigos membros familiares não remunerados passaram
à condição de empregados, após a liberação da mãode-obra familiar para as atividades não-agrícolas. Isso
ocorreu no Estado de São Paulo, nos anos 1990,
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
quando houve redução de quase 50% no número de
membros familiares ocupados na agricultura e residentes no meio rural, os quais engrossaram as fileiras
dos empregados não-agrícolas, categoria mais significativa da PEA rural não-agrícola (BALSADI, 2000).
Arnalte (1996), recuperando as contribuições de
estudiosos franceses sobre as modificações nas relações internas das famílias rurais, intimamente ligadas às mudanças nas explorações, chama a atenção
para a crescente inserção das mulheres de agricultores em empregos independentes da exploração
agropecuária.
Na Europa, constata-se um progressivo distanciamento da mulher em relação ao trabalho agrícola
em quase todos os países, o qual tende a ser maior
para as mais jovens e com maior nível de formação
escolar e profissional. Essa motivação das mulheres,
dada por uma opção profissional fora da agricultura, geralmente é responsável pela pluriatividade das
famílias rurais. Mesmo não havendo motivações econômicas (no sentido de crise de rentabilidade agrícola), a busca por qualificação e desenvolvimento profissional acaba levando essas pessoas ao mercado de
trabalho não-agrícola. Em contrapartida, em alguns
países em desenvolvimento, a falta de oportunidades
de trabalho na agricultura ainda surge como o principal responsável pela inserção da mulher no trabalho
não-agrícola, muitas vezes em condições bastante
precárias, como empregadas nos serviços domésticos
ou como conta própria em atividades de pequeno comércio e artesanato (GRAZIANO DA SILVA, 1999;
WELLER, 1994; LANJOUW, 1999).
Para Reardon e Berdegué (1999) e Berdegué et al.
(2000), os principais fatores de acesso dos membros
familiares às ocupações não-agrícolas são: os incentivos e a relação de risco e rentabilidade dessas atividades vis-à-vis às atividades agrícolas; a capacidade
para entrar nas atividades não-agrícolas, dada pela
formação escolar, nível de renda familiar, posse de
ativos, acesso a crédito, etc.; a dinâmica econômica
regional no entorno econômico; a quantidade de terra disponível e seu acesso; a composição da família,
em termos de idade e gênero dos seus integrantes;
e a infra-estrutura social básica na região (eletrificação, estradas, telefones, irrigação, saneamento básico,
água encanada, etc.), necessária ao investimento em
novas atividades.
Ellis (1998) chama a atenção para o fato de que a
diversificação das rendas das famílias rurais, motivadas por estratégias de sobrevivência ou acumulação, é
apenas um componente do aspecto fundamental, que
é a própria diversificação dos estilos de vida no meio
rural, que passam a incluir alternativas para além das
tradicionais atividades agropecuárias. O autor acrescenta outros fatores como determinantes da diversificação das rendas das famílias rurais, além daqueles apontados anteriormente: sazonalidade da renda
agrícola; mercados de trabalho diferenciados no entorno socioeconômico; imperfeições no mercado de
créditos e poupança familiar realizada no tempo e
estratégias de investimento; além das similaridades de
comportamento das famílias rurais e urbanas.
Finalmente, as alterações na estrutura das propriedades rurais têm impulsionado boa parte dos
membros familiares para as atividades não-agrícolas.
Segundo Arnalte (1989), o modelo clássico de redução de custos na agricultura está associado a uma das
formas básicas de progresso técnico: a mecanização,
junto com uma dimensão mínima das propriedades,
abaixo da qual não é rentável o uso dos equipamentos mecânicos. Isso, segundo o autor, explicava a diferenciação de técnicas produtivas entre pequenas e
grandes explorações e a conseqüente crise econômica
e desaparecimento das primeiras, impossibilitadas de
acompanhar o treadmill tecnológico, ao menos em regiões onde as condições de topografia dificultam sua
orientação para produções menos mecanizadas.
No entanto, alguns autores observam que muitas
pequenas e médias propriedades têm conseguido baixar seus custos de produção transferindo às empresas de serviços externos a gestão e execução de parte
substancial do processo produtivo, fenômeno chamado de externalização ou desativação de serviços,
antes internos às propriedades rurais. Essa mudança
na estrutura das explorações atinge também as grandes propriedades.
Com esse processo de externalização, as explorações convertem-se na sede física de uma série de
atividades que podem ser realizadas: com máquinas,
equipamentos e outros meios de produção que não
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
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OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
pertencem à exploração; com mão-de-obra empregada e paga por empresas externas à exploração; e a
partir de decisões (de tipo de cultivo, características
das operações culturais) não tomadas pela exploração, senão impostas por indústrias, cooperativas ou
empresas comerciais. Portanto, a externalização de
serviços coloca novos pontos de análise sobre as explorações agropecuárias, mas um dos mais pertinentes é que ela libera para o mercado de trabalho a mãode-obra familiar até então ocupada nas explorações
agropecuárias.
Arnalte (1989) mostra que a forma de externalização das atividades varia de acordo com a estrutura
das explorações. Em função da estrutura agrária e
do tamanho das propriedades, esse processo cumpre
uma função diferente. É nas regiões de pequenas explorações que a externalização de tarefas mecanizadas contribui de forma mais evidente para a eficiência
do processo produtivo e redução de custos de produção, permitindo o aproveitamento de economias
de escala associado ao uso de tecnologias mecânicas
modernas. Nessas regiões, também ocorrem as mudanças mais substanciais na natureza das explorações
(principalmente no tocante à distribuição do trabalho
familiar).
Nas regiões de agricultura familiar consolidada, a
externalização tem um papel complementar e o uso
de tarefas externas centra-se em trabalhos com máquinas especializadas modernas, pois o equipamento
mecânico básico é de propriedade dos agricultores.
Finalmente, nas regiões de grandes explorações, o
processo de externalização visa, principalmente,
a mecanismos de gestão da força de trabalho e de
redução do emprego assalariado permanente nas explorações. É bastante comum a existência de trabalho
precário nas empresas de serviços contratadas para
esse fim. No Brasil, as cooperativas de trabalho são
bons exemplos da manutenção de condições precárias e da não extensão dos direitos trabalhistas para
os trabalhadores rurais.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A fonte dos dados primários utilizados para o estudo da PEA rural agrícola e não-agrícola no Estado
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
de São Paulo foi a PNAD, realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Para as
atividades selecionadas, todos os dados referem-se
ao trabalho único ou principal que as pessoas de dez
anos ou mais tinham na semana de referência da pesquisa – a última do mês de setembro, normalmente.
Os dados mais recentes são de 2001, por este ser o
último ano com informações disponíveis dentro dos
mesmos critérios metodológicos.
No estudo, adotou-se o conceito de PEA restrita,
excluindo-se as pessoas não remuneradas ocupadas
menos de 15 horas na semana e também aquelas dedicadas exclusivamente às atividades de autoconsumo e
autoconstrução (DEL GROSSI, 1999; GRAZIANO
DA SILVA; CAMPANHOLA, 2000). Todos os dados apresentados referem-se à PEA ocupada que, de
acordo com o ramo de atividade e local de residência,
pode ser classificada como agrícola (se ocupada na
agropecuária) ou não-agrícola, rural (se residente em
áreas rurais) ou urbana.
Considerou-se como Ocupação Rural Não-Agrícola – Orna aquela exercida por residentes rurais
ocupados em atividades fora da agricultura, sejam
elas desenvolvidas na área rural ou na urbana. Assim, um pedreiro ou uma empregada doméstica que
declare residir no meio rural pode ter o seu local de
trabalho no centro urbano próximo.
A análise do comportamento da PEA agrícola foi
complementada com as informações do Sensor Rural Seade, boletim quadrimestral que fazia as estimativas da demanda de mão-de-obra por cultura, o que
permitiu avaliar quais atividades mais influenciaram a
queda das ocupações agrícolas. A metodologia utilizada na estimativa da demanda da força de trabalho
agrícola consistiu em se obter, para cada cultura, as
exigências de força de trabalho, em homens-dia por
hectare, segundo seis grupos de operações (preparo
do solo, plantio, capina, outros tratos culturais, colheita e beneficiamento). A distribuição relativa desta
força de trabalho para os seis grupos de operações
durante o ano (calendário agrícola) serviu para captar
a sazonalidade do emprego agrícola, além da estimativa da área cultivada no ano considerado.
A multiplicação dos três itens fornece a demanda da força de trabalho por cultura, cujos resultados
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
finais são expressos em Equivalentes-Homens-Ano
– EHA, que correspondem à jornada de trabalho de
um homem adulto, por 8 horas, durante 200 dias por
ano. Os dados mais recentes são de 2002, por ser o
último ano disponível com as informações do Sensor
Rural Seade.
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS
DA PEA RURAL PAULISTA
DADOS DA PNAD
Como foi salientado inicialmente, o crescimento das
ocupações não-agrícolas da PEA rural no Estado de
São Paulo no período analisado manifestou-se com
grande magnitude (4,0% ao ano no período compreendido entre 1992 e 2001). O crescimento foi tão intenso que, num período de apenas cinco anos (entre
1992 e 1997), as ocupações não-agrícolas dos residentes no meio rural paulista superaram as agrícolas.
Pode-se notar que, desde 1997, o número de pessoas ocupadas em atividades não-agrícolas é superior
ao de ocupadas na agricultura.3 No período entre
1992 e 2001, as ocupações agrícolas da PEA rural
diminuíram de 612 mil para 381 mil (-5,1% ao ano).
Também a PEA agrícola com residência urbana teve
forte decréscimo (-4,0% ao ano, passando de 649 mil
para 451 mil pessoas ocupadas). O mau desempenho para as ocupações agrícolas resultou em redução do número de pessoas ocupadas, que passou de
1.261 mil, em 1992, para 832 mil, em 2001.
Claramente, os principais ramos de atividade nãoagrícola da PEA rural paulista são os de prestação
de serviços e indústria de transformação, seguidos do
comércio de mercadorias e da indústria da construção. Com exceção do ramo “outras atividades industriais”, que teve redução de 7,7% ao ano no número
de ocupados, todos os demais ramos de atividade
apresentaram elevado crescimento no período entre
1992 e 2001.
Um aspecto interessante é que a taxa de crescimento da prestação de serviços ficou abaixo daquela
do total das ocupações não-agrícolas. Apesar de continuar sendo o principal ramo de atividade não-agrícola, sua participação diminuiu de 37,9%, em 1992,
para 30,8%, em 2001. O mesmo ocorreu com a indústria de transformação, que também perdeu importância relativa no total da ocupação da PEA rural.
Assim, foram outros os ramos que mais cresceram
(comércio de mercadorias, construção civil e serviços sociais, por exemplo) e mesmo outros setores
dentro da prestação de serviços, que não o emprego
doméstico.
Para o emprego doméstico vale o mesmo comentário. Entre 1992 e 2001, o número de ocupações
cresceu 30 mil. Ele continua sendo o principal setor,
mas diminuiu sua participação relativa na ocupação
da PEA rural paulista, que caiu de 23,9% para 22,2%,
indicando que outros setores estão ganhando maior
importância. Portanto, o aumento total das ocupações
não-agrícolas (165 mil pessoas ocupadas) foi cerca de
cinco vezes maior que o aumento do número de pessoas ocupadas no emprego doméstico.
Para Graziano da Silva (1999), a grande participação do emprego doméstico nas atividades nãoagrícolas no meio rural aponta para três condições
distintas e não necessariamente excludentes: a dificuldade crescente da inserção da mulher no mercado
de trabalho agrícola, no qual os atributos ligados à
resistência física ainda são muito importantes para a
força de trabalho não qualificada; o crescimento das
moradias da população de alta renda nas zonas rurais, seja como chácara de fim-de-semana ou como
condomínios de alto padrão para as famílias que
procuram uma qualidade de vida melhor que a proporcionada pelos grandes aglomerados urbanos; e o
aumento da população de baixa renda que trabalha
em áreas urbanas, mas reside na zona rural em função
das facilidades que encontram para conseguir terreno
mais barato para a autoconstrução.
O desempenho da construção civil, que cresceu
10,5% ao ano, é outro bom indicador do aumento das atividades de caráter tipicamente urbano no
meio rural paulista (segunda residência em chácaras e
condomínios, instalação de indústrias, construção de
hotéis-fazenda, pesque-pague e infra-estrutura para o
turismo, como é o caso dos parques temáticos).
Outro ramo de atividade que cresceu bastante no
período analisado foi o de comércio de mercadorias
(7,4% ao ano). Nesse ramo estão setores muito diverSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
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OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
Tabela 2
Evolução da PEA Rural Ocupada, segundo Área e Ramos de Atividade
Estado de São Paulo – 1992-2001
PEA Rural Ocupada (em 1.000 pessoas)
Área e Ramos de
Atividades
1992
1993
1995
1996
1997
1998
1999
2001
1992/2001
(% a.a.)
Total
393
426
517
487
526
564
591
558
(1) 4,0
Prestação
de Serviços
149
146
169
162
203
178
202
172
1,7
Indústria
de Transformação
90
114
129
107
101
119
113
121
3,4
Comércio
de Mercadorias
41
46
53
52
61
77
73
77
(1) 7,4
Indústria
da Construção
29
35
61
52
57
55
64
72
(1) 10,5
Serviços
Sociais
23
31
46
41
35
48
51
31
3,5
Transporte
ou Comunicação
26
14
20
27
24
29
20
31
1,8
5
10
7
9
12
18
22
18
(1) 15,8
Serviços
Auxiliares
Administração
Pública
16
15
20
14
19
16
24
20
2,8
Outras
Atividades
6
5
6
11
5
9
12
10
6,9
Outras Atividades
Industriais
9
9
6
13
10
14
10
4
-7,7
Fonte: Projeto Rurbano. Tabulações Especiais.
(1) Indica 5% de confi ança, estimado pelo coefi ciente de regressão log-linear contra o tempo.
sificados, que comercializam mercadorias tanto para
o consumo pessoal dos residentes quanto para uso
no processo produtivo na agropecuária.
No ramo de serviços sociais, que cresceu 3,5% ao
ano, o principal destaque foi o setor de estabelecimentos de ensino público. Outros ramos de atividade
também tiveram crescimento em termos de ocupação
da PEA rural não-agrícola no meio rural paulista: o
de transportes e comunicação, em que merecem destaque os setores de transporte público e transportes
de carga; o de administração pública, muito influenciado pelo setor da administração municipal; e o de
serviços auxiliares.
É interessante observar a grande diversidade de
ramos e setores de atividades não-agrícolas nos quais
a PEA rural paulista tem conseguido se ocupar, muiSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
tos deles sem nenhum vínculo direto com a produção agropecuária. Os diferentes graus de exigência de
escolaridade e qualificação profissional abrem possibilidades para a grande diversidade de trabalhadores com residência rural, os quais, muitas vezes, não
preenchem requisitos muito rígidos de contratação
profissional.
Com isso, notam-se as dinâmicas responsáveis
pelo crescimento das ocupações não-agrícolas da
população residente no meio rural paulista, que referem-se:
• às atividades econômicas diretamente vinculadas à
agricultura, fornecendo bens e serviços utilizados
como insumos da produção e, também, processando, comercializando e transportando os produtos agropecuários;
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
• às ocupações geradas pelo consumo da população
rural, incluindo tanto os bens e serviços de consumo como os serviços auxiliares para o consumo
de bens urbanos (transporte, comércio, etc.);
• ao “excedente” da mão-de-obra rural, que busca
ocupações não-agrícolas no próprio meio rural,
ou urbano, principalmente na prestação de serviços, sem abandonar a unidade familiar;
• à demanda por bens e serviços não vinculados diretamente à produção agropecuária, como o artesanato, o lazer e o turismo rural;
• à expansão dos serviços públicos para as zonas
rurais;
• à demanda por terras para uso não-agrícola por
parte das (agro)indústrias e empresas prestadoras
de serviços;
• à demanda da população urbana de baixa renda
por terrenos para autoconstrução de suas moradias em áreas rurais situadas nas proximidades das
cidades e que possuem infra-estrutura mínima de
transportes e de serviços públicos;
• à demanda da população urbana de alta renda por
áreas de segunda residência, bem como pelos serviços relacionados a elas e;
• às novas atividades agropecuárias, voltadas para
nichos de mercado.
As referidas dinâmicas distinguem-se quanto às
atividades diretamente envolvidas, ao deslocamento
espacial das pessoas, ao caráter das iniciativas (imobiliárias, comerciais ou industriais) e ao tipo de produtos e serviços de consumo corrente transacionados
no meio rural. Essas dinâmicas relacionam-se aos
amplos processos de industrialização da agricultura,
ao reajuste do setor industrial, bem como à mudança
do padrão de consumo da população (urbana e rural),
os quais, no conjunto, vêm alterando a estrutura ocupacional do meio rural paulista (GRAZIANO DA
SILVA; DEL GROSSI, 1999).
Em função do exposto, o meio rural paulista não
pode mais ser considerado apenas como o conjunto das tradicionais atividades agropecuárias, pois
ganhou novas funções (e, conseqüentemente, novas
ocupações para os seus residentes), como: propiciar
lazer por meio dos pesque-pague, hotéis-fazenda e
chácaras de fins de semana; dar moradia a um seg-
mento crescente da classe média alta (condomínios
rurais); abrigar atividades de preservação e conservação ambiental, que propiciam o desenvolvimento do
turismo rural, além da criação de parques estaduais e
estações ecológicas; sediar um conjunto de atividades
tipicamente urbanas, crescentes em função da homogeneização dos mercados de trabalho urbano e rural.
DADOS DO SENSOR RURAL
A partir dos dados do Sensor Rural, boletim quadrimestral da Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados – Seade, é possível observar quais foram as
culturas que mais influenciaram na queda das ocupações agrícolas nos anos 1990.
Pode-se notar que a demanda de mão-de-obra
vem apresentando queda ao longo dos anos 1990,
reforçando os dados das PNADs. A incorporação
das modernas tecnologias disponíveis para os agricultores, principalmente para as operações de colheita e pós-colheita, e a queda da área cultivada de
importantes culturas provocaram forte exclusão de
trabalhadores do processo produtivo na agropecuária
paulista. As principais reduções das ocupações agrícolas ocorreram nas culturas de cana-de-açúcar (após
1995, com a crise do setor e a intensificação do uso
de colhedoras mecânicas na colheita da cana crua),
café, grãos e oleaginosas.
A cana-de-açúcar é a principal cultura demandadora de mão-de-obra na agricultura paulista. O bom
desempenho da atividade, principalmente na primeira metade da década de 1990, deu-se em razão do
expressivo crescimento da produção de açúcar, impulsionado pelos bons preços internacionais e pela
queda na produção de importantes países produtores.
Pelo seu peso na geração de empregos, as mudanças
que estão ocorrendo no processo produtivo da canade-açúcar devem provocar impactos nas regiões onde
é cultivada. A mecanização da colheita de cana crua
e da operação de plantio, que são as atividades que
mais empregam trabalhadores no processo produtivo
agrícola, deve causar uma queda sensível no nível de
emprego na atividade.
O café registrou o pior desempenho no período
compreendido entre 1990 e 1995, quando os baixos
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
163
164
OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
Tabela 3
Evolução da Demanda da Força de Trabalho Agrícola, segundo Culturas
Estado de São Paulo – 1990-2002
Culturas
Total
E H A (equivalentes-homens-ano)
1990
1993
1995
1998
2000
2002
1990
(% )
2002
(% )
1990-2002
Variação (% )
802. 710
763. 470
814. 340
738. 365
687. 978
705. 570
100, 0
100, 0
-12, 1
Abacaxi
140
350
860
655
735
974
0
0,1
596,0
Algodão
53.570
24.050
30.190
17.984
5.743
5.376
6,7
0,8
-90,0
...
...
...
293
277
277
-
0
-
6.740
6.740
7.450
7.414
6.429
6.096
0,8
0,9
-9,6
Arroz
15.540
13.670
11.280
4.972
5.230
4.329
1,9
0,6
-72,1
Banana
22.440
17.780
18.150
23.986
27.706
27.468
2,8
3,9
22,4
Batata
8.400
8.430
9.220
5.687
5.500
5.836
1,0
0,8
-30,5
Café
164.420
115.270
96.070
117.423
110.119
100.393
20,5
14,2
-38,9
Cana-de-açúcar
287.710
309.740
360.820
231.449
222.734
250.907
35,8
35,6
-12,8
15.720
15.500
15.030
4.608
4.020
3.542
2,0
0,5
-77,5
3.090
2.800
2.460
2.555
2.333
1.355
0,4
0,2
-56,1
Eucalipto
28.440
30.600
29.610
29.220
30.981
33.228
3,5
4,7
16,8
Feijão
32.630
25.590
21.070
18.147
15.467
18.198
4,1
2,6
-44,2
1.700
910
390
594
590
545
0,2
0,1
-67,9
...
...
...
166
174
275
-
0
-
Goiaba
2.300
1.240
2.320
2.900
3.214
2.674
0,3
0,4
16,2
Laranja
54.200
64.910
62.030
93.860
77.237
78.921
6,8
11,2
45,6
...
...
...
210
209
138
-
0
-
Mamona
1.850
250
90
104
401
130
0,2
0
-93,0
Mandioca
4.960
8.230
9.750
8.690
11.164
9.562
0,6
1,4
92,8
Maracujá
990
2.090
2.320
1.892
1.655
1.328
0,1
0,2
34,1
Melancia
1.640
2.200
1.780
3.050
2.715
1.775
0,2
0,3
8,2
17.820
18.680
18.200
25.294
25.385
24.510
2,2
3,5
37,5
Alho
Amendoim
Cebola
Chá
Figo
Fumo
Maçã
Milho
Morango
...
...
...
6.360
4.754
5.002
-
0,7
-
37.580
54.100
73.070
78.644
70.322
67.476
4,7
9,6
79,6
Pêssego
1.850
1.120
1.610
3.236
2.700
2.487
0,2
0,4
34,4
Pínus
6.700
6.880
5.590
4.362
5.326
4.707
0,8
0,7
-29,7
Olerícolas (1)
Seringueira
Soja
Sorgo
Tomate rasteiro
2.450
4.900
6.670
10.602
11.381
12.153
0,3
1,7
396,1
10.070
8.670
9.310
8.689
8.814
9.457
1,3
1,3
-6,1
...
...
...
281
476
434
-
0,1
-
1.340
920
900
790
642
582
0,2
0,1
-56,6
Trigo
1.600
420
210
107
89
223
0,2
0
-86,1
Uva
16.820
17.430
17.890
24.141
23.455
25.212
2,1
3,6
49,9
Fonte: Fundação Seade.
(1) Inclui abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura, chuchu, couve, couve-fl or, milho verde,
mandioquinha, pepino, pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem.
Nota: No período 1990-1992, trabalhou-se apenas com o nível tecnológico médio devido à impossibilidade de utilização dos fatores
de ponderação para os diferentes níveis tecnológicos (alto, médio e baixo). A partir de 1993, já incorporando os dados obtidos em
pesquisa de campo, passou-se a considerar os fatores de ponderação.
Algumas discrepâncias nos valores de EHA (equivalentes-homens-ano) para algumas culturas são decorrência deste fato.
[ ...] Dado não disponível.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
preços, juntamente com problemas fitossanitários e
climáticos, como geadas, fizeram com que muitos
agricultores erradicassem suas plantações. A partir de
então, com a melhoria dos preços de comercialização,
a cultura do café começou a recuperar-se, mostrando
inclusive uma reversão na tendência de redução da
área cultivada.4 No replantio de cafezais no território
paulista, destaca-se o café adensado, cuja tecnologia
adotada, além de propiciar grande aumento da produção física, é mais adequada para a utilização das
derriçadeiras a ar comprimido e das novas colhedoras desenvolvidas para a mecanização da colheita. Ou
seja, também para o café, no médio prazo, a tendência de aumento do emprego agrícola verificada no
período após 1995 pode ser revertida com a adoção
da colheita mecanizada.
Os grãos e oleaginosas apresentaram fraco desempenho no período analisado. As maiores quedas
na demanda da força de trabalho agrícola foram registradas nas culturas de algodão, mamona e trigo,
que apresentam, atualmente, área cultivada pouco
expressiva no Estado de São Paulo. As culturas de
feijão e arroz também tiveram grandes reduções na
demanda de mão-de-obra, sendo o comportamento
da última explicado pela maior queda registrada para
o arroz de sequeiro, normalmente uma atividade de
maior risco e baixa tecnologia empregada no processo produtivo.
As menores quedas na demanda da força de trabalho entre os grãos e oleaginosas foram observadas
nas culturas de amendoim, devido à sua utilização
na renovação dos canaviais, e de soja, em função de
bons preços de comercialização em alguns anos. A
cultura de milho foi a única exceção entre os grãos e
oleaginosas, apresentando aumento da demanda de
mão-de-obra. A expansão da “safrinha” e os ganhos
de produtividade compensaram a pequena redução
na área cultivada.
O eucalipto, matéria-prima fundamental para um
grande complexo agroindustrial paulista, que é o de
papel e celulose, apresentou comportamento relativamente estável. Os principais destaques, em termos
de crescimento das ocupações, ficaram para a laranja,
olerícolas e frutíferas, sendo que este último grupo
tem grande importância regional na ocupação da
mão-de-obra agrícola. Em conjunto, as culturas de
abacaxi, banana, figo, goiaba, maracujá, melancia,
pêssego e uva responderam por quase 10% do total da demanda de mão-de-obra, apesar de ocuparem
apenas 1% da área total cultivada com as principais
culturas no Estado, mostrando que são atividades extremamente intensivas em mão-de-obra. Os contratos de produção com as agroindústrias fabricantes de
compotas, doces e sucos, além do próprio aumento
do consumo in natura desses produtos, têm permitido
a expansão da área cultivada com a fruticultura.
A laranja teve o desempenho determinado pelos
bons preços internacionais do suco concentrado no
início dos anos 1990, quando os produtores receberam os maiores preços pagos pela caixa da fruta.
No entanto, desde a quebra do contrato padrão com
as indústrias e com a queda dos preços, muitos pequenos citricultores estão abandonando a atividade.
A incidência de doenças, como o cancro cítrico e o
amarelinho, e a não colheita de boa parte da safra em
1999 e 2000, devido ao excesso de suco concentrado
em poder das indústrias, também comprometeram a
citricultura em várias regiões produtoras do Estado,
com exceção das áreas onde predominam médios e
grandes produtores e da produção própria das indústrias, que têm apresentado condições de melhorar sua
produtividade.
Na produção de verduras e legumes – orgânicos
ou não – tem sido comum o cultivo em estufas e pelo
método de hidroponia, que são sistemas de produção altamente intensivos em mão-de-obra; esta foi a
atividade com crescimento mais expressivo nos anos
1990. Essa produção concentra-se no “cinturão verde” e seu aumento foi uma resposta à grande expansão e diferenciação do mercado consumidor, puxado,
em grande medida, pelas redes de fast food, alguns
grandes supermercados e por um mercado consumidor de alta renda localizado na Região Metropolitana
de São Paulo – RMSP. Como as frutíferas, esse grupo
ocupa algo em torno de 1% a 2% da área cultivada,
mas também responde por cerca de 10% do total da
mão-de-obra na agricultura paulista.
A produção de frutas, incluindo a laranja, e de
olerícolas demandou quase um terço da força de
trabalho empregada na agricultura, em área equivaSão Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
165
166
OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
Tabela 4
Evolução da Área Cultivada, segundo Culturas
Estado de São Paulo – 1990-2002
Culturas
Total
Área (1.000 ha)
1990
1993
1995
1998
2000
2002
1990
(% )
2002
(% )
1990-2002
Variação (% )
7. 265, 7
7. 084, 6
7. 274, 4
7. 370, 2
7. 285, 3
7. 505, 4
100, 0
100, 0
3, 3
Abacaxi
0,7
2,0
3,8
2,8
3,2
4,2
0
0,1
547,7
Algodão
300,8
142,6
179,7
123,1
65,8
61,6
4,1
0,8
-79,5
...
...
...
0,3
0,3
0,3
-
0
-
68,5
70,9
79,1
88,3
76,6
72,6
0,9
1,0
6,0
219,1
167,2
132,1
54,7
49,6
37,8
3,0
0,5
-82,8
43,2
41,3
40,1
55,1
63,7
63,0
0,6
0,8
46,1
Alho
Amendoim
Arroz
Banana
Batata
Café
Cana-de-açúcar
Cebola
Chá
25,5
25,6
27,9
29,0
27,8
29,4
0,4
0,4
15,3
504,0
314,6
268,5
314,7
345,7
333,9
6,9
4,4
-33,8
2.111,1
2.353,2
2.707,5
2.880,5
2.822,1
3.071,7
29,1
40,9
45,5
15,0
14,9
14,4
12,2
10,6
9,3
0,2
0,1
-37,5
-62,8
5,8
5,1
4,4
4,1
3,7
2,2
0,1
0,0
Eucalipto
640,1
726,6
696,4
703,6
723,6
744,1
8,8
9,9
16,2
Feijão
367,7
305,6
237,1
208,6
179,7
210,1
5,1
2,8
-42,8
1,7
1,2
0,4
0,6
0,6
0,6
0
0
-66,5
...
...
...
0,2
0,2
0,4
-
0
-
Goiaba
2,3
1,6
3,2
3,8
4,2
3,4
0
0
52,2
Laranja
695,6
799,2
763,5
874,6
826,1
786,5
9,6
10,5
13,1
Figo
Fumo
...
...
...
0,4
0,4
0,2
-
0
-
Mamona
Maçã
12,0
1,8
0,7
0,7
2,8
0,9
0,2
0
-92,3
Mandioca
36,1
41,7
49,3
46,4
59,6
51,1
0,5
0,7
41,7
Maracujá
1,8
4,3
4,8
3,9
3,4
2,7
0
0
55,7
Melancia
Milho
Morango
Olerícolas (1)
Pêssego
Pínus
Seringueira
Soja
Sorgo
Tomate rasteiro
Trigo
Uva
4,7
6,3
5,1
8,7
7,8
5,1
0,1
0,1
8,5
1.151,1
1.189,0
1.200,0
1.081,5
1.081,9
1.060,2
15,8
14,1
-7,9
...
...
...
0,9
0,7
0,7
-
0
-
36,2
50,8
70,7
84,5
78,3
72,8
0,5
1,0
101,2
1,9
1,5
2,1
4,0
3,4
3,1
0
0
64,5
232,1
225,2
181,5
144,1
170,9
151,6
3,2
2,0
-34,7
24,6
30,8
31,7
35,7
36,1
35,5
0,3
0,5
44,2
561,2
498,6
530,7
527,2
535,0
573,7
7,7
7,6
2,2
...
...
...
42,9
72,7
66,2
-
0,9
-
8,3
5,7
5,6
4,9
3,9
3,6
0,1
0
-56,8
185,4
47,7
23,9
16,9
14,0
35,2
2,6
0,5
-81,0
9,6
9,8
10,2
11,3
10,9
11,6
0,1
0,2
21,8
Fonte: Fundação Seade.
(1) Inclui abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura, chuchu, couve, couve-fl or, milho verde,
mandioquinha, pepino, pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem.
Nota: No período 1990-1992, trabalhou-se apenas com o nível tecnológico médio devido à impossibilidade de utilização dos fatores
de ponderação para os diferentes níveis tecnológicos (alto, médio e baixo). A partir de 1993, já incorporando os dados obtidos em
pesquisa de campo, passou-se a considerar os fatores de ponderação.
Algumas discrepâncias nos valores de EHA (equivalentes-homens-ano) para algumas culturas são decorrência deste fato.
[ ...] Dado não disponível.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
lente a apenas 14% do total cultivado com as principais culturas.
Como pode ser observado no Gráfico 1, com exceção do eucalipto, da laranja, das olerícolas e das frutíferas, as demais atividades sofreram grande redução
das ocupações agrícolas no Estado de São Paulo no
período 1990-2002, especialmente a cana-de-açúcar,
o café e os grãos e oleaginosas (algodão, arroz, feijão
e trigo, principalmente).
É interessante notar que o grupo dos grãos e oleaginosas bem como o das frutíferas e das olerícolas
têm participações semelhantes na demanda da força de
trabalho agrícola. No entanto, as participações na área
total cultivada são absolutamente distintas: enquanto o
primeiro grupo tem participação de 28,2%, o segundo
responde por apenas 2,3%. A diferença básica entre
os grupos é que as frutíferas e olerícolas são grandes
empregadoras por unidade de área (muito intensivas
em mão-de-obra), ao passo que os grãos e oleaginosas,
de forma geral, já passaram por intenso processo de
mecanização de quase todas as operações de cultivo,
desde o preparo do solo até a colheita (Gráfico 2).
O caráter intensivo em mão-de-obra das olerícolas
e frutíferas pode ser observado com mais detalhes
no Gráfico 3, que mostra a demanda de mão-de-obra
agrícola por unidade de área (no caso, EquivalentesHomens-Ano por cem hectares). Esse indicador de
demanda de força de trabalho reforça o papel dessas
atividades como fontes potenciais de geração de emprego nas áreas rurais, principalmente naquelas que
passam por problemas de reconversão produtiva.
Pode-se notar que, apesar da redução da demanda
por unidade de área no período analisado, as olerícolas utilizam dez vezes mais mão-de-obra do que a
média estadual obtida com todas as culturas. No caso
das frutíferas, a demanda chega a ser quase sete vezes
maior. Por outro lado, as atividades menos intensivas
em força de trabalho são os grãos e o eucalipto. Além
Gráfico 1
Evolução da Demanda da Força de Trabalho Agrícola, por Principais Culturas
Estado de São Paulo – 1990-2002
Equivalentes-Homens-Ano (EHA)
400.000
375.000
350.000
325.000
300.000
275.000
Cana-de-Açúcar
250.000
Café
225.000
Laranja
200.000
Grãos
175.000
Frutíferas
150.000
Olerícolas
125.000
Demais Culturas
100.000
Eucalipto
75.000
50.000
25.000
0
1990
1995
2000
2002
Fonte: Elaboração dos autores.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
167
168
OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
Gráfico 2
Participação Relativa das Principais Culturas, por Área Cultivada e Demanda de Força de Trabalho
Estado de São Paulo – 2002
Área
Em %
45
EHA
40,9
40
35,6
35
28,2
30
25
20
14,2
15
9,9
9,6
10
5
9,7
10,5 11,2
9,6
4,7
4,4
3,8
1,3
5,4
1,0
0
Café
Cana-deAçúcar
Eucalipto
Frutíferas
Grãos
Laranja
Olerícolas
Demais
Culturas
Fonte: Elaboração dos autores.
Gráfico 3
Demanda de Mão-de-Obra Agrícola, segundo Principais Culturas
Estado de São Paulo – 1990-2002
120
1990
EHA/100 ha
1995
2002
104
100
103
93
80
73
65
71
60
40
36
33
30
20
14 13
16
8
5 4 3
4 4 4
12
8 8 10
14
11 11 9
0
Café
Cana-deAçúcar
Eucalipto
Frutíferas
Fonte: Elaboração dos autores.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
Grãos
Laranja
Olerícolas
Demais
Culturas
Total
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
de serem muito intensivas em mão-de-obra, a sazonalidade da demanda de mão-de-obra é muito baixa
na olericultura e fruticultura. As atividades são bem
distribuídas por quase todos os meses do ano, fazendo com que ocupação da mão-de-obra contratada e
dos familiares seja praticamente constante durante o
processo produtivo.
Outro fato interessante mostrado pelo Gráfico 3
é que, na última década, houve forte introdução de
inovações tecnológicas na agricultura paulista, pois
quase todas as atividades apresentaram redução da
demanda por cem hectares (a média estadual caiu de
11 EHA, em 1990, para 9 EHA, em 2002). A pequena redução do café pode ser creditada ao crescimento
do cultivo adensado – mais intensivo em mão-deobra –, e ao fato de que ainda é relativamente baixo
o uso da colheita mecânica no Estado de São Paulo.
O comportamento da laranja também pode ser explicado por motivos semelhantes: ausência de colheita
mecânica e melhoria nos tratos culturais, com maior
adensamento de cultivo.
Com essas considerações, não se pretende afirmar
que as frutíferas e as olerícolas serão a “tábua de salvação” contra a queda do emprego agrícola, motivada pelas crises nas grandes culturas. O que se quer
ressaltar é que, num momento de grande dificuldade
de geração de ocupações agrícolas com boa qualidade
de emprego, as políticas para o meio rural, em geral,
e para a agricultura, em particular, não podem desconsiderar essas atividades como alternativas reais de
ocupação e renda. O mercado consumidor (interno
e externo) para tais produtos tem se mostrado muito
promissor, especialmente quando se considera a procura por alimentos mais saudáveis.
Em resumo, a crise da citricultura paulista nos
anos recentes e a mecanização dos grãos e oleaginosas, da colheita da cana e do café reforçam o cenário
de queda das ocupações agrícolas no médio prazo.
Também deve ser mencionado um elemento fundamental desse crescimento da mecanização da colheita
das culturas, além da pressão contra a queimada da
cana e a busca por redução de custos e aumento de
competitividade: a defasagem cambial com a forte
valorização do Real no período compreendido entre
1994 e 1998, fato que possibilitou a importação mui-
to barata de máquinas e equipamentos desenvolvidos
no exterior para utilização na colheita. Mesmo que
esse processo sofra um arrefecimento, as atividades
intensivas em trabalho (olerícolas e frutíferas), apesar
de gerarem muito mais emprego por unidade de área,
não conseguem compensar a redução das ocupações
nas grandes culturas, de modo que o cenário futuro
deve se agravar principalmente nas regiões monocultoras do Estado.
Para finalizar este item, vale mencionar que, na
atividade pecuária, a demanda de mão-de-obra apresentou um padrão mais estável, sendo as maiores
variações observadas na bovinocultura de leite e na
avicultura de postura. As atividades ligadas à bovinocultura são as maiores demandantes: reforma de pastagens, bovinocultura de corte e de leite respondem
por mais de 90% da demanda de força de trabalho
na pecuária paulista (ou 131.852 EHA de um total de
146.050 EHA demandados em 2001). As oscilações
na atividade leiteira deveram-se, num primeiro momento, ao câmbio sobrevalorizado no período entre
1994 e 1998, que favoreceu as importações, especialmente da Argentina e do Uruguai. Num segundo momento, a queda foi em razão da redução do rebanho e
de sua migração para outros Estados, particularmente para o Centro-Oeste.
CONCLUSÕES
Os dados das PNADs mostraram que, nos anos
1990, consolidou-se uma mudança estrutural, que já
estava em curso desde meados da década de 1980,
nas ocupações da população economicamente ativa
residente no meio rural paulista.
A forte redução das ocupações agrícolas, motivada
pela mecanização crescente do processo produtivo na
agropecuária e pela diminuição da área cultivada com
importantes culturas, juntamente com as marcantes
transformações pelas quais vem passando o meio rural no Estado de São Paulo (crise de rentabilidade da
agricultura, novas funções de moradia, lazer e turismo no meio rural, mudanças nas famílias, alterações
na estrutura das propriedades, homogeneização dos
mercados de trabalho urbano e rural) produziram
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
169
170
OTAVIO VALENTIM BALSADI/MARIA ROSA BORIN
Tabela 5
Evolução da Demanda da Força de Trabalho Agrícola, segundo Culturas
Estado de São Paulo – 1990-2002
Culturas
Total
E H A (equivalentes-homens-ano)
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
802.710 799.430 799.710 763.470 803.238 814.340 811.295 713.279 738.365 732.171 687.978 686.239 705.570
Abacaxi
140
210
310
350
637
860
537
813
655
710
735
871
974
Algodão
53.570
39.450
39.000
24.050
25.166
30.190
19.848
12.018
17.984
10.491
5.743
6.052
5.376
...
...
...
...
...
...
...
201
293
319
277
189
277
6.740
7.600
8.340
6.740
6.486
7.450
6.083
5.750
7.414
6.377
6.429
7.155
6.096
Arroz
15.540
13.450
13.400
13.670
11.790
11.280
9.215
7.407
4.972
5.448
5.230
5.252
4.329
Banana
22.440
23.950
21.030
17.780
20.228
18.150
20.571
22.753
23.986
25.475
27.706
26.631
27.468
Batata
8.400
9.000
8.760
8.430
8.984
9.220
8.994
5.660
5.687
6.148
5.500
5.723
5.836
Café
164.420 142.290 120.080 115.270 103.960
96.070
94.909
109.370 117.423 122.648 110.119
92.535
100.393
Cana-de-Açúcar
287.710 297.530 324.370 309.740 343.152 360.820 368.961 233.049 231.449 219.406 222.734 242.494 250.907
Alho
Amendoim
Cebola
15.720
16.040
12.660
15.500
15.246
15.030
13.082
4.476
4.608
4.233
4.020
3.079
3.090
4.120
3.090
2.800
2.740
2.460
2.046
2.508
2.555
2.554
2.333
2.189
1.355
Eucalipto
28.440
33.270
36.000
30.600
28.520
29.610
31.112
29.296
29.220
30.994
30.981
33.228
33.228
Feijão
32.630
30.140
29.260
25.590
29.247
21.070
15.965
18.983
18.147
20.993
15.467
18.198
18.198
1.700
1.390
1.230
910
860
390
360
456
594
590
590
532
545
...
...
...
...
...
...
...
164
166
139
174
275
275
Goiaba
2.300
2.420
2.240
1.240
2.310
2.320
2.378
3.812
2.900
2.982
3.214
2.968
2.674
Laranja
54.200
58.890
59.690
64.910
57.493
62.030
72.735
92.212
93.860
94.376
77.237
72.696
78.921
...
...
...
...
...
...
...
323
210
238
209
138
138
Mamona
1.850
1.620
1.300
250
209
90
167
138
104
87
401
282
130
Mandioca
4.960
5.960
5.650
8.230
10.264
9.750
7.888
7.108
8.690
9.359
11.164
11.397
9.562
Maracujá
990
1.420
2.410
2.090
2.160
2.320
2.905
2.041
1.892
1.715
1.655
1.192
1.328
Melancia
1.640
1.740
1.670
2.200
2.380
1.780
1.997
3.621
3.050
3.242
2.715
2.621
1.775
17.820
23.120
22.040
18.680
20.163
18.200
16.115
25.391
25.294
25.997
25.385
25.882
24.510
...
...
...
...
...
...
...
5.780
6.360
6.445
4.754
5.002
5.002
37.580
45.230
46.650
54.100
70.320
73.070
72.220
74.073
78.644
79.041
70.322
66.069
67.476
2.487
Chá
Figo
Fumo
Maçã
Milho
Morango
Olerícolas (1)
3.542
Pêssego
1.850
1.840
2.430
1.120
1.920
1.610
2.105
1.871
3.236
2.720
2.700
2.486
Pínus
6.700
7.100
5.800
6.880
6.244
5.590
6.086
4.460
4.362
4.975
5.326
4.707
4.707
Seringueira
2.450
3.650
4.230
4.900
5.946
6.670
7.508
9.063
10.602
11.003
11.381
11.548
12.153
10.070
8.890
8.360
8.670
8.560
9.310
8.533
7.867
8.689
8.449
8.814
8.703
9.457
...
...
...
...
...
...
...
243
281
336
476
441
434
1.340
1.240
1.180
920
1.035
900
746
688
790
699
642
518
582
Soja
Sorgo
Tomate Rasteiro
Trigo
1.600
800
590
420
312
210
232
78
107
127
89
145
223
Uva
16.820
17.070
17.940
17.430
16.907
17.890
17.997
21.606
24.141
23.855
23.455
25.041
25.212
Fonte: Fundação Seade.
(1) Inclui abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura, chuchu, couve, couve-fl or, milho verde, mandioquinha, pepino,
pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem.
Nota: No período 1990-1992, trabalhou-se apenas com o nível tecnológico médio devido à impossibilidade de utilização dos fatores de ponderação para
os diferentes níveis tecnológicos (alto, médio e baixo). A partir de 1993, já incorporando os dados obtidos em pesquisa de campo, passou-se a considerar
os fatores de ponderação.
Algumas discrepâncias nos valores de EHA (equivalentes-homens-ano) para algumas culturas são decorrência deste fato.
[ ...] Dado não disponível.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006
171
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
Tabela 6
Evolução da Área Cultivada, segundo Culturas
Estado de São Paulo – 1990-2002
Culturas
Total
Área (1.000 ha)
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
7. 265, 7 7. 381, 2 7. 266, 1 7. 084, 6 7. 287, 5 7. 274, 4 7. 227, 0 7. 190, 9 7. 370, 2 7. 288, 0 7. 285, 3 7. 466, 7 7. 505, 4
Abacaxi
0,7
1,1
1,6
2,0
3,2
3,8
2,6
3,5
2,8
3,1
3,2
3,8
4,2
Algodão
300,8
221,5
219,0
142,6
149,3
179,7
119,0
82,3
123,1
71,8
65,8
69,3
61,6
...
...
...
...
...
...
...
0,2
0,3
0,3
0,3
0,2
0,3
68,5
77,3
84,9
70,9
68,6
79,1
64,0
68,5
88,3
76,0
76,6
85,3
72,6
Alho
Amendoim
Arroz
219,1
189,5
189,5
167,2
142,2
132,1
104,0
80,3
54,7
53,2
49,6
44,3
37,8
Banana
43,2
46,1
40,5
41,3
44,9
40,1
45,5
54,4
55,1
58,7
63,7
62,0
63,0
Batata
25,5
27,3
26,7
25,6
27,4
27,9
27,3
29,0
29,0
31,4
27,8
28,9
29,4
Café
504,0
434,0
364,1
314,6
282,9
268,5
267,0
277,2
314,7
332,6
345,7
327,4
333,9
2.111,1
2.165,1
2.311,9
2.353,2
2.595,6
2.707,5
2.807,7
2.872,2
2.880,5
2.744,6
2.822,1
3.008,7
3.071,7
15,0
15,3
12,1
14,9
14,6
14,4
12,5
11,7
12,2
11,2
10,6
8,1
9,3
5,8
7,7
5,8
5,1
4,9
4,4
3,7
4,0
4,1
4,1
3,7
3,5
2,2
Eucalipto
640,1
735,5
768,6
726,6
692,4
696,4
723,0
669,6
703,6
720,5
723,6
744,1
744,1
Feijão
367,7
339,8
339,8
305,6
332,2
237,1
183,1
216,3
208,6
240,4
179,7
209,1
210,1
Figo
1,7
1,4
1,2
1,2
0,9
0,4
0,4
0,5
0,6
0,6
0,6
0,6
0,6
Fumo
...
...
...
...
...
...
...
0,2
0,2
0,2
0,2
0,4
0,4
Goiaba
2,3
2,3
2,2
1,6
3,2
3,2
3,2
4,9
3,8
3,9
4,2
3,8
3,4
Laranja
695,6
755,7
763,5
799,2
707,7
763,5
895,6
863,0
874,6
878,7
826,1
776,5
786,5
...
...
...
...
...
...
...
0,6
0,4
0,4
0,4
0,2
0,2
Mamona
12,0
10,5
8,4
1,8
1,5
0,7
1,2
1,0
0,7
0,6
2,8
2,0
0,9
Mandioca
36,1
43,5
41,1
41,7
52,0
49,3
39,9
38,0
46,4
50,0
59,6
60,9
51,1
Maracujá
1,8
2,5
4,3
4,3
4,5
4,8
6,0
4,2
3,9
3,5
3,4
2,5
2,7
Melancia
4,7
5,0
4,8
6,3
6,8
5,1
5,8
10,4
8,7
9,3
7,8
7,5
5,1
1.151,1
1.384,5
1.255,9
1.189,0
1.304,4
1.200,0
1.087,1
1.091,1
1.081,5
1.108,6
1.081,9
1.122,5
1.060,2
Cana-de-Açúcar
Cebola
Chá
Maçã
Milho
Morango
Olerícolas (1)
Pêssego
Pínus
Seringueira
Soja
Sorgo
Tomate Rasteiro
Trigo
Uva
...
...
...
...
...
...
...
0,8
0,9
0,9
0,7
0,7
0,7
36,2
42,8
43,0
50,8
68,1
70,7
66,5
81,7
84,5
86,2
78,3
72,0
72,8
1,9
1,8
2,8
1,5
3,1
2,1
2,7
2,4
4,0
3,4
3,4
3,1
3,1
232,1
236,6
192,8
225,2
201,3
181,5
196,8
147,2
144,1
159,0
170,9
151,6
151,6
24,6
29,0
30,4
30,8
32,2
31,7
32,9
34,4
35,7
35,4
36,1
34,8
35,5
561,2
495,2
465,5
498,6
492,6
530,7
488,4
477,4
527,2
512,8
535,0
528,3
573,7
66,2
...
...
...
...
...
...
...
37,2
42,9
51,3
72,7
67,3
8,3
7,6
7,3
5,7
6,4
5,6
4,6
4,2
4,9
4,3
3,9
3,2
3,6
185,4
93,0
68,6
47,7
35,4
23,9
26,3
12,4
16,9
20,1
14,0
22,8
35,2
9,6
9,7
10,2
9,8
9,6
10,2
10,2
10,1
11,3
11,2
10,9
11,5
11,6
Fonte: Fundação Seade.
(1) Inclui abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura, chuchu, couve, couve-fl or, milho verde, mandioquinha, pepino,
pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem.
Nota: No período 1990-1992, trabalhou-se apenas com o nível tecnológico médio devido à impossibilidade de utilização dos fatores de ponderação
para os diferentes níveis tecnológicos (alto, médio e baixo). A partir de 1993, já incorporando os dados obtidos em pesquisa de campo, passou-se a
considerar os fatores de ponderação.
Algumas discrepâncias nos valores de EHA (equivalentes-homens-ano) para algumas culturas são decorrência deste fato.
[ ...] Dado não disponível.
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como resultado um significativo aumento da PEA rural ocupada em atividades não-agrícolas.
O crescimento das ocupações em algumas atividades intensivas em mão-de-obra e com grande expansão nos anos 1990, como é o caso da olericultura
e da fruticultura, não foi suficiente para compensar a
queda verificada nas culturas de cana-de-açúcar, algodão, café, grãos e oleaginosas.
Os principais ramos de atividade responsáveis pela
ocupação da PEA rural não-agrícola foram os de
prestação de serviços e indústria de transformação,
que concentraram mais de 50% das pessoas ocupadas, seguidos pelo comércio de mercadorias, indústria
da construção e serviços sociais. Juntos, esses cinco
ramos de atividade responderam por cerca de 90%
das ocupações não-agrícolas.
O fundamental, em um contexto em que o rural
deixou de ser sinônimo de agrícola e passou a abrigar uma gama enorme de outras atividades e novas
funções, é que as políticas públicas tenham a clareza
suficiente de que promover um desenvolvimento sustentável significa garantir boas condições de trabalho
para todos os trabalhadores, agrícolas e não-agrícolas.
As atividades não-agrícolas devem ser estimuladas
porque têm se mostrado uma alternativa muito importante para os desempregados agrícolas residentes
no meio rural, além de um forte elemento dinamizador da economia rural.
Em linhas gerais, as políticas de fomento de atividades rurais não-agrícolas devem considerar as diferentes dinâmicas que impulsionam a geração de novas ocupações no meio rural, bem como os diversos
estágios de desenvolvimento econômico, em geral, e
da agricultura, em particular, nas regiões. Em muitos
lugares, só o fomento de atividades não-agrícolas não
conseguirá gerar desenvolvimento, sendo necessária a
geração de ocupações agrícolas, por meio de melhorias na produção agropecuária.
Um tratamento diferenciado deve ser assumido
entre áreas rurais ricas e pobres.5 Nas pobres, um papel ativo do setor público é requerido para promover
as condições para aumentar a atratividade das regiões
para o setor privado (estradas, eletrificação, telecomunicações, irrigação), assim como um forte investimento público deve desenvolver a capacidade das
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famílias rurais para estarem aptas a participar de uma
larga faixa de atividades remuneradoras. A enorme
heterogeneidade das regiões dentro das ocupações
rurais não-agrícolas (importância dos setores, das diferentes posições na ocupação, do gênero, etc.) não
permitem que sejam desenhadas políticas únicas para
a promoção das Orna.
Sobre esse aspecto das políticas públicas, deve-se
registrar que, no final dos anos 1970, Anderson e Leiserson (1980) já chamavam a atenção para o fato de
que o desenho das políticas de desenvolvimento rural, em adição ao provimento de recursos necessários
para o crescimento da produtividade agrícola, também deve incluir as necessidades das atividades locais
não-agrícolas. O crescimento e a concentração dessas
atividades nas áreas rurais necessitam e demandam
serviços de infra-estrutura, como eletricidade, suprimento de água, estradas, escolas e saneamento básico,
além de crédito bancário e do desenvolvimento de
instituições, públicas e privadas, locais. Os autores
também alertavam para a necessidade de treinamento e formação da população rural para as atividades
não-agrícolas, dada a sua contribuição em termos de
aumento das chances de se conseguir melhores empregos e rendimentos para os trabalhadores.
Do ponto de vista da formação de mão-de-obra,
alguns pontos devem ser levados em consideração
para maior adesão às demandas do mercado de
trabalho: o rural é mais que o agrícola e precisa
de profissionais para novas áreas; turismo rural,
artesanato, prestação de serviços não-domésticos
são campos de atuação em crescimento, bem como
algumas áreas do setor público; novas técnicas
agropecuárias são fundamentais para o atual estágio
de desenvolvimento do setor no Estado de São Paulo;
a questão ambiental é cada vez mais relevante e as
técnicas da agroecologia crescem significativamente;
a grande presença de agroindústrias exige uma
formação para se trabalhar com a visão de cadeias
produtivas; há um setor intensivo em mão-de-obra
qualificada, como a olericultura e a fruticultura, que
está demandando técnicos e que apresenta tendências
de aumento significativo, especialmente com sistemas
de produção associados à obtenção de alimentos
saudáveis.
OCUPAÇÕES AGRÍCOLAS E NÃO-AGRÍCOLAS NO RURAL PAULISTA: ANÁLISE...
Notas
1. Ver, por exemplo, os trabalhos de Graziano da Silva, Balsadi e Del Grossi (1997) e Laurenti e Del Grossi (1999).
2. Esta seção está baseada em Balsadi (2001a).
3. Além de São Paulo, os Estados do Rio de Janeiro e do
Rio Grande do Norte também tinham, no final dos anos
1990, mais de 50% da PEA rural ocupada em atividades nãoagrícolas, dentre os Estados pesquisados no Projeto Rurbano.
No Rio de Janeiro, a PEA rural não-agrícola representava, em
1997, 54% da PEA rural total e 58,6% da PEA rural ocupada (TEIXEIRA, 2000), enquanto no Rio Grande do Norte,
ela correspondia a 48,3% e 52,2%, respectivamente (SILVA,
2000). Além desses três Estados, no Distrito Federal ocorreu o
mesmo processo. Segundo Botelho Filho (2000), a PEA rural
não-agrícola representava, em 1997, 66% da PEA rural total e
71% da PEA rural ocupada, ou seja, apenas 29% dos residentes rurais ocupados estavam trabalhando na agricultura do Distrito Federal. Para o total do Brasil, Del Grossi (1999) também
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observou que a população rural não é exclusivamente agrícola,
uma vez que mais de 3,9 milhões de pessoas estavam ocupadas
em atividades não-agrícolas, em 1995, o que representava 26%
da PEA rural ocupada.
4. Segundo dados das estimativas de safra feitas pelo Instituto
de Economia Agrícola/Coordenadoria de Assistência Técnica
Integral – IEA/Cati, a área cultivada com café no Estado de
São Paulo era de 504 mil hectares em 1990, caindo para 268,5
mil em 1995. Nesse ano, registrou-se a menor área cultivada
com café na década. Em 2002, as estimativas apontaram 333,9
mil hectares, indicando a recuperação da área cultivada, embora num patamar ainda abaixo do valor verificado em 1990.
5. Berdegué et al. (2000) citam, por exemplo, áreas onde o
grande desenvolvimento agrícola “puxa” a grande diversidade
das Orna; áreas onde há baixo desenvolvimento agrícola e alta
inserção da população rural nas Orna; áreas onde há baixo desenvolvimento agrícola e poucas oportunidades nas Orna. Ou
seja, as áreas rurais se encontram em estágios diferenciados de
crescimento e diversidade das atividades rurais não-agrícolas.
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OTAVIO VALENTIM BALSADI
Engenheiro Agrônomo, Pesquisador da Embrapa e Doutor em Economia Aplicada no Instituto de Economia da Unicamp.
([email protected])
MARIA ROSA BORIN
Matemática, Analista da Fundação Seade.
([email protected])
Artigo recebido em 27 de abril de 2006.
Aprovado em 18 de outubro de 2006.
Como citar o artigo:
BALSADI, O.V.; BORIN, M.R. Ocupações agrícolas e não-agrícolas no rural paulista: análise das evoluções no período
1990-2002. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006. Disponível em:
<http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.
São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006

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