Ler na íntegra em PDF
Transcrição
Ler na íntegra em PDF
JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 Infecção simultânea por Ehrlichia canis, Babesia canis e vírus da cinomose canina - Relato de Caso Simultaneously infection with Ehrlichia canis, Babesia canis and canine distemper virus – Case Report Coinfección por Ehrlichia canis, Babesia canis y el virus de la cinomosis canina – Relato de un Caso Farlen José Bebber Miranda1, Antonio Peixoto Albernaz2, Maria Angélica Dutra Viestel3, Orlando Augusto Melo Jr3, Josias Alves Machado4, Ricardo Benjamin Machado Alves5, Cláudio Baptista de Carvalho6 Resumo Uma cadela sem raça definida de oito meses de idade, domiciliada, foi atendida no ambulatório do Hospital Veterinário da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. No histórico, foram relatados tosse há um mês, secreção ocular, hiporexia e tremores, além da informação da não vacinação do animal. O quadro clínico foi considerado crítico, com o animal comatoso e apresentando febre e pneumonia, sem alterações neurológicas. O hemograma indicou anemia, linfocitopenia e monocitose, além de trombocitopenia. Foram observadas em esfregaço periférico mórulas típicas de Ehrlichia sp. em monócitos, inclusões intraeritrocitárias típicas de Babesia canis, assim como corpúsculo de Sinegaglia-Lentz em um linfócito. O soro foi submetido à reação de imunofluorescência indireta, que acusou anticorpos específicos IgG anti-E. canis, e no inquérito viral, foi utilizado o método de imunoensaio cromatográfico, sendo confirmada a presença de antígenos do 1 MV, MSc. Setor de Patologia Clínica / HV / UENF. Email: [email protected] MV, MSc. DSc. Prof. Associado / CCTA / UENF. MV, MSc. CCTA / UENF. 4 Biólogo. CCTA/UENF. 5 MV, MSc, DSc. CCTA/UENF. 6 MV, MSc, DSc. Prof. Titular / CCTA / UENF. 2 3 238 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 vírus da cinomose, caracterizando a infecção. O animal foi tratado, mas não houve sucesso na terapia, com o óbito ocorrendo no dia seguinte. Palavras-chave: Hemoparasitose, cão, sorologia. Abstract This work reports a case of an eight-months- old female dog, which was evaluated at the Veterinary Hospital of the Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. The owner reported cough, eye secretions, hiporexia and neurological signs. The dog was not vaccinated, was comatose and had fever and pneumonia, but no neurological signs. The hematology indicated normocytic normochromic anemia, lymphocytopenia, monocytosis and thrombocytopenia. In the blood smear, it was observed typical morulae of Ehrlichia sp. in monocytes, Babesia canis inclusions in erytrocites and Sinegaglia-Lentz inclusion body in lymphocyte. The serum was submitted to the Indirect Immunofluorescence Test which showed anti-E. canis IgG antibodies. The viral investigation, evaluated by Immunochromatography Test, confirmed the presence of canine distemper virus antigens, that confirm the infection. The animal was treated, but died one day after treatment. Key words: Cellular inclusions, dog, serology Resumen Se relata el caso de una perra sin raza definida de ocho meses de edad, que fue atendida en el Hospital Veterinario de la “Universidad Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro” En la historia clínica fue relatado hace un mes tos, secreción ocular, hiporexia y temblores, además de la información de la no vacunación del animal. El cuadro clínico fue considerado crítico, con el animal comatoso y presentando fiebre y neumonía, sin alteraciones neurológicas. El hemograma indicó anemia, linfopenia y monocitosis además trombocitopenia. Fueron observadas mórulas típicas de Ehrlichia sp. en monocitos, además de grandes inclusiones intraeritrocitárias típicas de Babesia canis, así como, corpúsculos de Lentz- Sinigaglia- en un linfocito. El suero fue sometido a reacción de Inmunofluorescencia indirecta mostrando anticuerpos específicos IgG anti-E. canis, y la presencia de antígenos de virus de moquillo canino al 239 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 método de inmunoensayo cromatográfico caracterizando la infección. El animal fue tratado, pero la terapia no tuvo éxito, ocurriendo el óbito al siguiente día. Palabras clave: Hemoparasitosis, perro, serología. Introdução dificultada A erliquiose canina é causada por microrganismos riquétsias Ehrlichia, do gênero parasitas de leucócitos e plaquetas, enquanto a babesiose tem como agentes etiológicos protozoários intracelulares do gênero Babesia1. Ambas as doenças são transmitidas ao cão pela picada do carrapato Rhipicephalus sanguineus através de sua secreção 2 salivar , e possuem características em crônicos5. casos Nestes casos o diagnóstico deve levar em consideração as clínicas e apesar das observações 6 hematológicas , manifestações clínicas serem 7 inespecíficas . Apatia, inapetência, hipertermia, mucosas hemorragia, e linfoadenopatia, esplenomegalia enquadram pálidas e nos uveítes sinais se clínicos comuns em eliquiose8. inespecíficas, A babesiose canina é causada podendo o hospedeiro apresentar por protozoários intraeritrocitários do infecções leves a severas e ir a gênero Babesia, e acomete canídeos óbito3,4. silvestres clínicas variáveis Achados e de mórulas em monócitos confirmam o diagnóstico de erliquiose visualização canina através destas da estruturas citoplasmáticas, sendo uma técnica importante de diagnóstico. Entretanto, essa observação é bastante doença e domésticos. em frequentemente que se febre, É uma observa apatia e anemia9. Pesquisas moleculares têm mostrado a existência de três subespécies, B. canis canis, B. canis vogeli e B. canis rossi10,11. Na maioria das vezes o diagnóstico citológico é dificultado pela baixa parasitemia e a 240 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 doença não é confirmada. Neste caso Relato de caso o diagnóstico sorológico é importante, principalmente para epidemiológicos12. estudos Apesar do R. sanguineous ser o principal vetor da babesiose canina no Brasil, já foi observada a presença do parasito em outros carrapatos, como Amblyomma cajennense e Boophilus microplus13. Na América do Sul predomina a subespécie B. comumente canis vogeli, ocasiona que doença de média gravidade, muitas vezes sem evidência clínica14. Uma cadela sem raça definida de oito meses de idade foi atendida no ambulatório Hospital Veterinário da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, com quadro inespecífico. clínico No grave histórico e o proprietário revelou que o animal tossia muito havia um mês, e que apresentava secreção ocular há 15 dias, além da ocorrência de hiporexia e tremores. Ao ser questionado na anamnese, o proprietário relatou que A cinomose canina é causada o animal não era vacinado, e que um por um vírus do tipo RNA de fita outro simples negativa, membro da família diagnosticado Paramixoviridae erliquiose. e do gênero Morbillivirus. Trata-se de uma doença caracterizada por imunossupressão seguida de infecções secundárias, com os órgãos linfóides sofrendo hipotrofia a partir do décimo dia de infecção15,16. do Os sinais clínicos incluem apatia, ataxia, paraplegia, tetraplegia, atrofia muscular hiperestesia, mioclonias, e tremores, incontinência, convulsão e coma17. cão da casa como havia portador sido de O paciente se apresentava comatoso, sendo ainda observada a presença de carrapatos, além de pirexia, bradicardia, mucosas pálidas e alteração na dígito percussão, com área pulmonar ventral comprometida bilateralmente. Foram coletados sangue venoso total com e sem anticoagulante (05 e 02 mL, respectivamente) para a realização de hemograma e sorologia. Os testes 241 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 a constatados mórula de Ehrlichia sp. imunofluorescência indireta – RIFI em monócitos e grandes inclusões (Kit Imunodot® e microscópio modelo intraeritrocitárias piriformes típicas de sorológicos utilizados foram a B. canis18. No entanto, também se detecção de anticorpos anti-E. canis, observou corpúsculo de Sinegaglia- e o Imunoensaio Cromatográfico – IC, Lentz em um linfócito, fortalecendo em para também a suspeita de cinomose, que da foi posteriormente confirmada pela Zeiss®) Jenalumar laboratório detectar visando particular, antígenos do vírus cinomose canina. O sangue periférico positividade foi coletado por punção auricular caracterizando interna com agulha fina. constatação O hemograma demonstrou anemia normocítica normocrômica, linfocitopenia relativa e absoluta, monocitose relativa e absoluta, e trombocitopenia. hematológicos comuns em agravamento Os achados observados são erliquiose, com do quadro até hipoplasia medular com pancitopenia em cronificações devido à lesão medular. Entretanto, não foi observada leucocitose, que ocorre normalmente semanas entre após consequência duas a três a infecção como de hiperplasia medular8. À observação do esfregaço específicos. ao método a de de IC, infecção pela antígenos virais O IC é um teste qualitativo direto e é aplicável após 14 dias da vacinação, quando os antígenos virais vacinais encontramse em concentrações muito baixas para serem detectados. O teste de imunofluorescência indireta confirmou a presença de anticorpos IgG anti-E. canis, indicando contato prévio com tal agente. Em alguns casos deve-se analisar com critério os resultados sorológicos, já que IgG anti-E. canis só é detectável na circulação 15 dias após infecções naturais19,20. Por outro lado, em infecções tardias ou crônicas, cães infectados podem não ser considerados positivos pela PCR por causa da baixa parasitemia8. sanguíneo periférico (Figura 1), foram 242 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 O animal foi submetido à mas não respondeu satisfatoriamente fluidoterapia endovenosa e recebeu à medicação e foi a óbito no dia tetraciclina na dose de 10mg.Kg-1(IM), seguinte. Figura 1: Fotografias demonstrativas de esfregaço de sangue periférico de cão corados em Panótico (NeuProv). Uma plaqueta contendo mórulas de Ehrlichia sp. (A), inclusões piriformes intraeritrocitária de Babesia canis (B) e corpúsculo de Sinegaglia-Lentz em um linfócito (C). Aumento de 1000x, zoom óptico de 2,8x. Laboratório de Patologia Clínica/HV/UENF, 2010 Possivelmente 3,44% dos cães portadores também canina na região, embora quadros outros clínicos típicos sejam frequentes em hemoparasitas21, sendo que a co- clínicas e ambulatórios. Esse quadro infecção é capaz de provocar a piora é influenciado pela não vacinação de do quadro clínico, pois um agente considerável parte da população de pode potencializar a ação patogênica cães e possivelmente da utilização de do outro22. Erliquiose e babesiose são vacinas comercializadas não oriundas endêmicas e assumem considerável de clínicas veterinárias que, muitas importância clínica na região em vezes, questão, com positividade de 13,89% acondicionamento adequado. estão de erliquiose epidemiológicos acerca da cinomose infectados por e 1,47% em esfregaço periférico, respectivamente23,24. ainda não No há entanto, estudos não Como conclusão, sofreram sugere-se que o quadro clínico grave observado 243 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 e o óbito tenham ocorrido em virtude apesar do quadro clínico crítico, esta da condição ação simultânea dos três não foi observada, patógenos em questão. É ainda o tampouco o proprietário a relatou. primeiro relato desta co-infecção na Uma região estudada. quadros hemorrágicos em casos de Existe probabilidade aumento de ocorrência da de hemorragias na co-infecção entre erliquiose e babesiose25, no entanto, diminuição significativa de erliquiose vem sendo notada no Estado do Rio de Janeiro, possivelmente em decorrência da adaptação parasito-hospedeiro ou da cepa infectante1. REFERÊNCIAS 1. Almosny NRP, Massard CL. Erliquiose em Pequenos Animais Domésticos e como Zoonose. In: Almosny NRP et al. (2002). Hemoparasitoses em Pequenos Animais Domésticos e como Zoonoses. Rio de Janeiro: Editora LF Livros de Veterinária Ltda, 1356. 2. Labruna MB, Pereira MC (2001). Carrapatos em cães no Brasil. Clínica Veterinária, 6: 24-32. 3. Morais HA et al. (2004). Diretrizes gerais para diagnóstico e manejo de cães infectados por Ehrlichia spp. Clínica Veterinária, 9: 28-30. 4. Oriá AP, Pereira PM, Laus JL (2004). Uveitis in dogs infected with Ehrlichia canis. Ciência Rural, 34: 1289-1295. 5. Moreira SM, Machado R, Passos LF (2005). Detection of Ehrlichia canis in bone marrow aspirates of experimentally infected dogs. Ciência Rural, 35: 958-960. 6. Cohn LA (2003). Ehrlichiosis and related infections, Veterinary Clinics of North America Small Animal Practice, 33: 863–884. 244 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 7. Waner T et al. (2001) Significance of serological testing for ehrlichial diseases in dogs with special emphasis on the diagnosis of canine monocytic ehrlichiosis caused by Ehrlichia canis. Veterinary Parasitology, 95, 1-15. 8. Nakaghi ACH et al. (2008). Canine ehrlichiosis: clinical, hematological, serological and molecular aspects. Ciência Rural, 38: 766-770. 9. Kuttler KL (1988). Worldwide impact of babesiosis. In: Ristic, M. (Ed.), Babesiosis of Domestic Animals and Man. CRC Press, Boca Raton, pp. 1–22. 10. Carret C et al. (1999). Babesia canis canis, Babesia canis vogeli, Babesia canis rossi: differentiation of the three subspecies by a restriction fragment length polymorphism analysis on amplified small subunit ribosomal RNA genes. The Journal of Eukaryotic Microbiology, 46: 298–303. 11. Zahler M et al. (2000). Babesia gibsoni of dogs from North America and Asia belong to different species. Parasitology, 120: 365–369. 12. Levy MG, Breitschwerdt EB, Moncol DJ (1987). Antibody activity to Babesia canis in dogs in North Carolina. Journal of the American Veterinary Medical Association, 48: 339 – 341. 13. Costa-Júnior LM et al (2009) Canine babesiosis caused by Babesia canis vogeli in rural areas of the State of Minas Gerais, Brazil and factors associated with its seroprevalence. Research in Veterinary Science, 86: 257–260. 14. Caccio SM et al. (2002). Molecular characterisation of Babesia canis canis and Babesia canis vogeli from naturally infected European dogs. Veterinary Parasitology, 106: 285 – 292. 15. Krakowka S, Higgins RJ, Koestner A (1980). Canine distemper virus: review of structural and functional modulations in lymphoid tissues. American Journal of Veterinary Research, 41: 284-292. 245 JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal. 2011 3 (6): 238 – 246 16. Lamb AB, Kolakofsky D. Paramyxoviridae: the viruses and their replication. In: Fields BN, Knipe DM, Howley PM (1996). Fundamental virology, 3.ed. Philadelphia: LippincottRaven, 577- 604. 17. Tipold A et al. (1996). Neurological signs in canine distemper encephalomyelitis – a clinical study. European Journal of Companion Animal Practice, 6: 33-38. 18. Klinefelter MR (1982). Cause, diagnosis and treatment of canine piroplasmosis. Veterinary Medicine, Small Animal Clinician, 77: 1505-1508. 19. Weisiger RM, Ristic, M, Huxsoll DL (1975). Kinetics of antibody response to Ehrlichia canis assayed by the indirect fluorescent antibody method. Am. J. Vet. Res. 36, 689–694. 20. Waner T et al. (1996b). Detection of ehrlichial antigen in plasma of beagle dogs with experimental acute Ehrlichia canis infection. Vet. Parasitol. 63, 331–335. 21. Moreira SM et al. (2003). Retrospective study (1998-2001) on canine ehrlichiosis in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, 55: 141-147. 22. Harikrishnan TJN, Pazhanivel JC (2005). Concomitant Babesia gibsoni and Ehrlichia canis infection in a dog. Veterinarski Arhiv, 75: 513-520. 23. Albernaz AP et al. (2007). Erliquiose canina em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. Ciência Animal Brasileira, 8: 799-806. 24. Miranda FJB et al. (2008). Freqüência de cães infectados por Babesia spp. em Campos dos Goytacazes, RJ. Ciência Animal Brasileira, 9: 238-241. 25. Trapp SM et al. (2006). Seroepidemiology of canine babesiosis and ehrlichiosis in a hospital population. Veterinary Parasitology, 140: 223-230. Recebido em: Março de 2010 Aceito em: Janeiro de 2011 Publicado em: Fevereiro de 2011 246
Documentos relacionados
Aspectos clínicos, epidemiológicos, hematológicos e
mucosas hipocoradas. As mucosas pálidas são estatisticamente significativas por se tratar de uma doença que pode levar a supressão da medula óssea e outras alterações como alguns distúrbios hemorrá...
Leia maisOftalmopatias na erliquiose monocítica canina Eye diseases in
7. Dagnone AS et al. (2001). Erliquiose nos animais e no homem. Semina: Ci. Agrárias, 22: 191-201.
Leia maisRevisão de Literatura ERLIQUIOSE TRANSMITIDA AOS CÃES
o agravamento do quadro, a diminuição da ciclicidade e o aumento da trombocitopenia, a fase crônica é estabelecida.
Leia maisevidência sorológica e molecular de erliquiose canina no município
2007). A interpretação dos resultados de exames sorológicos deve considerar o curso da doença, a reatividade cruzada com outras espécies de Ehrlichia, infecções múltiplas com outros agentes transmi...
Leia mais