Artigo de Maria Angela Jabur

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mudar o mundo ?
A
partir de conversas com profissio-
nessa favela, outras “entidades” capazes
a angústia e o ceticismo das mães. “É pre-
nais especializados em implantar
de fornecer lazer com tanta eficiência.
ciso dar lazer a nossos filhos para tirá-los
ações sociais, colecionei, nos
Outra história tem a ver com educação
das mãos dos bandidos”, diz uma delas.
últimos meses, histórias reais sobre a peri-
e veio de uma profissional especializada
“Muita gente vem aqui e fala em inclusão
feria de São Paulo. Uma das que mais me
em professores da rede pública. O projeto
social. Mas incluir nossos jovens em quê?
tocaram foi sobre a forma de operar do
se propõe a modificar o comportamento
Na sociedade do lado de fora, para que
crime organizado em uma favela da zona
dos professores para integrar escola e co-
eles saiam da favela e trabalhem como em-
Sul. As quadrilhas funcionam como uma
munidade de modo a reduzir o nível de
pregados domésticos em casas de ricos?”,
indústria, na qual jovens operários cum-
violência e o índice de evasão dos alunos.
completa outra em defesa da preservação
prem a jornada de trabalho pesando e en-
A maioria desses profissionais não lê nem
da cultura e da dignidade locais.
rolando papelotes de cocaína para receber
livros nem jornais e mal conhece a matéria
Falta de renda, falta de educação e fal-
quase R$ 1 mil mensais – um salário in-
que ministra (talvez daí venha a inseguran-
ta de instituições fortes e respeitadas. Está
vejável ante a remuneração média de
ça em inovar). “Aqueles que lêem um pou-
formado o tripé que sustenta o atual qua-
profissionais de baixa qualificação no mer-
co mais têm uma visão muito ideológica e
dro de violência social. E se anos atrás essa
cado de trabalho formal. Esses jovens, na
pouca base de conhecimentos para trans-
violência refletia-se basicamente no coti-
maioria recém-chegados à adolescência,
mitir”, disse ela.
diano das regiões periféricas, agora atinge
são arregimentados principalmente em
Parte dessa realidade é acessível por fil-
em cheio a vida dos habitantes das áreas
bailes ou shows promovidos pelos pró-
mes, noticiários, estudos acadêmicos e es-
mais centrais. Não é preciso chegar ao
prios traficantes com a finalidade exclusiva
tatísticas. Mas senti-la “in loco”, posso
extremo dos atenta-
de recrutar novos quadros, como se fos-
garantir, é muito diferente – e mais forte.
dos dos criminosos
sem “head-hunters” do mal. Não existem,
Principalmente quando se ouvem também
do Primeiro Coman-
Passe rápido
Desafio 1 – Falta de renda, falta de educação e falta de instituições fortes e respeitadas.
Está formado o tripé que sustenta o atual quadro de violência social.
Desafio 2 – E se anos atrás essa violência refletia-se basicamente no cotidiano das regiões
periféricas, agora atinge em cheio a vida dos habitantes das áreas mais centrais.
Desafio 3 – O curioso é que a intensificação desse quadro coincide com uma
movimentação muito grande em torno do conceito de responsabilidade social.
Solução – A questão, agora, portanto, não é fazer ou não fazer. Isso já está superado.
A questão é: o que se faz é suficiente, está na direção correta, pode ser aperfeiçoado?
Como – Assim, quando se soma a tendência empresarial, o movimento das inúmeras ONGs
e instituições assemelhadas e a boa vontade das pessoas físicas, a corrente fica tão forte que
parece ser capaz de carregar os germes de uma necessária mudança mais profunda.
Comunicação Empresarial 60 | Outubro 2006
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Pensata
do da Capital (PCC) para constatar essa
ponsável deixou de ser opção para trans-
mam um exército de formiguinhas. Assim,
realidade. Basta olhar a tensão de motoris-
formar-se em imperativo: é uma questão
quando se soma a tendência empresarial,
tas em faróis e congestionamentos ou o
de imagem. E é bom que seja assim, pois,
o movimento das inúmeras ONGs e ins-
desconforto dos habitantes dos chamados
se a função principal de uma companhia é
tituições assemelhadas e a boa vontade
bairros nobres com os moradores de rua.
produzir resultados consistentes ao longo
das pessoas físicas, a corrente fica tão
O curioso é que a intensificação desse
do tempo a fim gerar renda e empregos –
forte que parece ser capaz de carregar os
quadro coincide com uma movimentação
alguns dizem até ser essa a sua principal
germes de uma necessária mudança mais
muito grande em torno do conceito de
ação social – , apenas projetos que se inse-
profunda. Principalmente porque as em-
responsabilidade social – que não se con-
rem dentro da lógica corporativa conse-
presas agregam cidadãos – os mesmos
funde com filantropia, que extrapola o
guem ter consistência e perenidade.
que estão sujeitos aos efeitos dessas ca-
apoio aos menos favorecidos, mas que,
rências sociais. E esses cidadãos são pesDIVULGAÇÃO
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naturalmente, também se manifesta na
implantação de projetos nessa direção.
soas com valores como solidariedade, respeito e cidadania.
Uma pesquisa no Google, por exemplo,
A questão, agora, portanto, não é fa-
mostra que existem nada menos que 12
zer ou não fazer. Isso já está superado. A
milhões e 800 mil páginas produzidas no
questão é: o que se faz é suficiente, está
Brasil a abordar o tema. Um número mui-
na direção correta, pode ser aperfeiçoado?
to maior do que as páginas relativas à ética
Existe uma efetiva relação de troca ou ape-
(7 milhões e 260 mil), conceito mais anti-
nas os atos estanques de dar e receber?
go, mas que, por óbvias e infelizes razões,
Sem esquecer que o Estado e a sociedade
ganhou corpo nos últimos 12 meses.
civil têm papéis distintos e complementa-
Essa exposição na web, assim como o
crescente número de premiações, seminários e cursos, é compreensível. Afinal, é
res quando se fala em prover saúde e
Para Maria Angela, empresas devem
considerar a responsabilidade social
em todas as suas atividades.
difícil encontrar, hoje em dia, uma empre-
educação e em montar um cenário econômico capaz de gerar rendas e empregos. Assim, movimentar-se para estimular
sa que não tenha o seu projeto social, por
O lado perverso desse quadro é a
o Estado a voltar a cumprir suas funções
menor que seja. Algumas, mais avança-
constatação de que as carências sociais
básicas – incluindo, nessa relação, o forta-
das, já consolidaram essa linha de ação e
são tamanhas que fornecem um potencial
lecimento das instituições – pode ser o
buscam, agora, inserir a atitude ética e a
imenso para a expansão dessa efervescên-
maior dos projetos sociais hoje em gesta-
responsabilidade social e ambiental em
cia, que já produz resultados exemplares.
ção. E, nesse caso, não bastam ações
seu cotidiano e na relação com todos os
Para onde se volte a vista, nota-se que há
coletivas. É preciso, também, posturas in-
grupos de interlocutores. Exemplos são os
espaço de ação: no combate às drogas, no
dividuais. Afinal, inúmeras formiguinhas
esforços para aumentar a qualidade de
combate à violência, no respeito à diversi-
caminhando juntas...
atendimento ao consumidor ou a trans-
dade, na melhoria da educação e da saú-
parência com os investidores. Outras em-
de, na extinção da miséria, na inclusão de
Maria Angela Jabur
penham-se simultaneamente nas duas
pessoas portadoras de necessidades espe-
Diretora de Comunicação e Responsabilidade
direções: a implantação de projetos espe-
ciais etc. etc. etc.
Social da AES Eletropaulo, coordenadora
cíficos e a mudança de atitude. Afinal, ser
O lado positivo é saber que milhares
de Comunicação e Responsabilidade
uma empresa social e ambientalmente res-
de formiguinhas caminhando juntas for-
Social do grupo AES no Brasil.
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