RSTJ 233.indd - Superior Tribunal de Justiça

Transcrição

RSTJ 233.indd - Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudência
Corte Especial
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE
SENTENÇA N. 1.799-SP (2013/0332094-1)
Relator: Ministro Presidente do STJ
Agravante: Nair Jose Chemit Arantes
Advogado: Marco Antonio Cais e outro(s)
Agravado: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra
Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF
Requerido: Desembargador Federal Relator do Agravo de Instrumento
n. 00082227820134030000 do Tribunal Regional Federal da
3ª Região
EMENTA
Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença. Risco
de grave lesão à segurança pública. Existência. Pedido de suspensão
deferido. Agravo regimental desprovido.
I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992
e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c.
Pretório Excelso, é cabível o pedido de suspensão quando a decisão
proferida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança ou à economia públicas.
II - Na hipótese dos autos, pode causar grave lesão à segurança
pública - com risco à integridade física dos envolvidos na operação - a
decisão que determina a retirada de 60 (sessenta) famílias acampadas
no imóvel objeto da desapropriação.
III - Ademais, no que concerne ao pedido de limitação temporal dos
efeitos da decisão recorrida, as razões apresentadas pela recorrente não
se revelam aptas a justificar o afastamento da regra contida no § 9º,
do art. 4º, da Lei n. 8.437/1992, segundo o qual “a suspensão deferida
pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da
decisão de mérito da ação principal”.
Agravo regimental desprovido.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Nancy Andrighi,
Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de
Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti e Jorge Mussi votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Ari Pargendler, Francisco
Falcão, João Otávio de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho.
Brasília (DF), 16 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Gilson Dipp, Presidente
Ministro Felix Fischer, Relator
DJe 23.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto por
Nair José Chemit Arantes, contra decisão proferida por esta Presidência, às fls.
148-152, que deferiu a pretensão suspensiva requerida pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária - Incra, por entender que a retirada de 60
(sessenta) famílias acampadas no imóvel rural em questão representaria um
evidente risco à segurança das pessoas envolvidas na operação de remoção.
Em suas razões, a parte recorrente sustenta, em síntese, que “o Incra
omitiu-se em seu ‘pedido de suspensão de liminar’ sobre uma das principais
matérias alegadas pela expropriada Nair, ora Agravante [...], qual seja, a violação
ao artigo 2º, § 4º da Lei n. 8.629/1993 [...]” (fl. 177, e-STJ).
Argumenta, ainda, que “não há que se falar no manifesto interesse público
na desapropriação do imóvel dos expropriados. Isso porque, há interesse público
na desapropriação de imóveis rurais improdutivos e o imóvel da Agravante é
totalmente produtivo”. Acrescenta que o “procedimento administrativo que deu
origem à presente ação de desapropriação está ‘recheado’ de vícios e ilegalidades”
(fls. 182-183, e-STJ).
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Sustenta, de outro lado, que a “existência de 60 famílias acampadas no
imóvel rural de propriedade da expropriada, serve apenas para demonstrar a
imprudência do Agravado. Isso porque, o mesmo sabia que tratava-se de uma
medida liminar que a qualquer momento poderia ser modificada e, que trata-se
de uma posse provisória. Sendo assim, a fim de evitarem-se maiores problemas,
o Incra que detinha a posse provisória do imóvel, deveria proibir a entrada
dessas famílias e não permitir que ali acampassem” (fl. 184, e-STJ).
Ao final, requer a reforma do ato decisório atacado ou, ao menos, a
limitação de seus efeitos para que se suspenda a liminar proferida no Agravo de
Instrumento, “até o julgamento de mérito do mesmo. Julgamento este que será
realizado no dia 22.10.2013” (fl. 186, e-STJ).
Por manter a decisão agravada, submeto o feito à eg. Corte Especial.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): O recurso não merece prosperar,
porquanto a agravante não trouxe argumentos novos aptos a infirmar as
premissas que balizaram a decisão ora recorrida, que deve ser mantida por seus
próprios fundamentos.
Eis, no ponto, a fundamentação do ato decisório:
A questão tratada no processo principal revela-se demasiadamente sensível,
notadamente por colocar em lados opostos a tutela do direito de propriedade, de
um lado, e a realização de reforma agrária, de outro.
Além disso, exsurge do exame dos autos que há questões tratadas que
demandam, para adequada solução, complexa dilação probatória, procedimento
que, a toda evidência, não se coaduna com os estreitos limites da via eleita (v.g.:
AgRg na SLS n. 1.566-DF, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler). É o caso, por
exemplo, da alegada decadência do prazo bienal para a propositura da ação
expropriatória, bem como da nulidade do processo administrativo realizado.
Desse modo, e em decorrência da própria natureza do presente incidente, tais
questões não comportam debate e resolução neste feito. Portanto, a análise das
razões veiculadas pelo requerente ficará adstrita, como não poderia deixar de
ser, à averiguação da ocorrência, ou não, de grave lesão aos bens tutelados pela
legislação (art. 4º da Lei n. 8.437/1992).
RSTJ, a. 26, (233): 17-28, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A propósito, consoante dispõe o sistema integrado de contracautela, o
deferimento da suspensão de liminar e de sentença está condicionado a que
esteja plenamente caracterizada a ocorrência de grave lesão à ordem, à segurança,
à saúde ou à economia públicas, tendo em vista o caráter de excepcionalidade da
medida (Artigos 15 da Lei n. 12.016/2009 e 4º da Lei n. 8.437/1992).
Tenho para mim, notadamente se considerados os valores constitucionais em
disputa - neles inseridos os bens protegidos por meio desta medida -, que o grave
dano está evidenciado, reclamando, por conseguinte, o deferimento do pedido.
É que se considerada a pendência de solução da questão referente à ação
de desapropriação e que a decisão proferida, e que se busca suspender, foi
tomada em sede de antecipação dos efeitos da tutela recursal, portanto, em juízo
de cognição não exauriente, a ordem e a segurança pública foram comprometidas
em razão da alteração que acarretará a eficácia da decisão no status quo.
Com efeito, a retirada das famílias que lá se encontram pode efetivamente
comprometer a integridade dos referidos bens (ordem e segurança públicas). Tal
medida, para ser executada, necessita de forte aparato policial e mobilização de
diversos órgãos, circunstâncias que evidenciam o risco em sua implementação.
Revela-se, dessarte, necessário evitar esse cenário, preservando-se a situação
atual, ou seja, a manutenção das famílias no local em que se encontram.
Isso porque, a remoção das famílias por determinação do próprio Poder
Público pode gerar mais do que o simples descrédito com a atuação estatal,
que, anteriormente, havia determinado que eles lá fossem alojados. Não se pode
ignorar o risco de revolta dos envolvidos e os desdobramentos que podem advir,
eis que inexoravelmente previsíveis, conforme rotineiramente divulgam os meios
de comunicação.
Ademais, frustra-se a implementação de uma importante e significativa política
pública em detrimento de uma possibilidade de que tenha havido mácula no
procedimento administrativo que deu origem ao decreto expropriatório. Nessa
ponderação deve ter primazia a manutenção da situação atual, assegurando-se às
famílias já assentadas que continuem a ocupar a terra em referência. Até porque,
a solução eventual e futura em perdas e danos não pode ser descartada, quando
a preservação do interesse público se afigura latente.
Revela-se, dessa forma, mais adequado que se aguarde o desfecho da ação
de desapropriação, sem que seja necessária a remoção das pessoas que lá
se encontram. Em suma, o risco à ordem e à segurança públicas determina a
suspensão dos efeitos da decisão proferida nos autos do agravo de instrumento.
Ante o exposto, defiro o pedido.
Nesse sentido, conforme destaquei no ato decisório questionado, entendo
que a determinação de retirada das famílias que ocupam a propriedade rural
objeto da ação principal carrega em si potencial efeito lesivo à segurança pública.
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
De outro lado, as alegações concernentes ao vício no procedimento
expropriatório, à alegada produtividade do imóvel, à violação ao art. 2º, § 4º
da Lei n. 8.629/1993, e à ausência de participação da recorrente no processo
administrativo que resultou no decreto expropriatório revestem-se, em verdade,
de caráter eminentemente jurídico.
O presente instrumento judicial, como se sabe, não deve substituir os
recursos processuais adequados, até porque, consoante a uníssona jurisprudência
desta Corte, não há que se analisar, no pedido extremo de suspensão, a legalidade
ou ilegalidade das decisões proferidas. Neste sentido:
Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença acolhida apenas
parcialmente. Energia elétrica. Índice de reajuste de tarifa. Devolução de
importâncias pela agravante já afastada na decisão agravada. Exame de questões
jurídicas de mérito. Impossibilidade.
– As questões relacionadas à legalidade das decisões de segundo grau
constituem temas jurídicos de mérito, os quais ultrapassam os limites traçados
para a suspensão de liminar, de sentença ou de segurança, cujo objetivo é afastar
a concreta possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas. A via da suspensão, como é cediço, não substitui os recursos processuais
adequados.
Agravo regimental improvido (AgRg na SLS n. 1.255-SP, Corte Especial, Rel. Min.
Cesar Asfor Rocha, DJe de 14.9.2010).
A jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal também está sedimentada
no mesmo caminho (v.g. STA n. 152 AgR-PE, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª
Ellen Gracie, DJe de 11.4.2008 e SS n. 4.394 AgR-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min
Cezar Peluso, DJe de 13.10.2011).
Finalmente, e no que concerne ao pedido de limitação temporal dos efeitos
da decisão recorrida até o julgamento do mérito do agravo de instrumento pelo
e. TRF da 3ª Região, previsto para ocorrer em 22.10.2013, não vislumbro razões
suficientes aptas a amparar o pedido, uma vez que a eventual determinação de
desocupação do imóvel ainda traria em si potencial risco de dano à segurança
das pessoas que estão acampadas na terra e também aos envolvidos na operação
de retirada dos colonos.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 2.687-SP
(2013/0392698-6)
Relator: Ministro Presidente do STJ
Agravante: Leblon Transporte de Passageiros Ltda
Advogada: Anna Maria da Trindade dos Reis e outro(s)
Agravado: Município de Mauá
Procurador: Thais de Almeida Miana
Requerido: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
EMENTA
Suspensão de segurança. Tribunal de origem. Efetivação da
medida. Parte ex adversa. Inconformismo. Novo pedido. Suspensão
de liminar. Superior Tribunal de Justiça. Impossibilidade. Agravo de
instrumento na origem. Irrelevância.
I - A c. Corte Especial deste eg. Superior Tribunal de Justiça já
entendeu ser inadmissível o pedido de suspensão formulado contra
suspensão já deferida em segundo grau (Precedentes).
II - O competente juízo para a via suspensiva já foi exercido pelo
eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quando do deferimento
do pedido de suspensão lá requerido pela ora agravada.
III - “Não há previsão legal para pedido de suspensão da
suspensão”. (AgRg na SLS n. 848-BA, Corte Especial, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. Fernando
Gonçalves, DJe 22.9.2008).
IV - Nos termos do art. 15, § 3º, da Lei n. 12.016/2009, a
interposição do agravo de instrumento contra a decisão que se busca
suspender não interfere de qualquer forma na utilização do presente
incidente.
Agravo regimental desprovido.
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Laurita Vaz, João Otávio de
Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis
Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Og Fernandes
e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy
Andrighi, Herman Benjamin e Raul Araújo.
Convocado o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Gilson Dipp.
Brasília (DF), 18 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Gilson Dipp, Presidente
Ministro Felix Fischer, Relator
DJe 3.2.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto por
Leblon Transporte de Passageiros Ltda em face de decisão por mim proferida, na
qual não conheci o pedido de suspensão formulado.
Assevera, em primeiro lugar, que a concessionária ora recorrente teria
legitimidade para ajuizar o pedido de suspensão. Argumenta, para tanto, que ela
estaria atuando exclusivamente na defesa do interesse público, pois a empresa
que agora presta o serviço - Suzantur - não estaria preparada, já que não dispõe
de frota de ônibus necessária para atender à demanda do município.
Aduz que não haveria óbice ao manejo do pedido de suspensão contra
decisão que deferiu a suspensão perante o eg. Tribunal de Justiça de origem.
Alega, neste sentido, que a decisão proferida seria inválida, pois “ao desistir do
julgamento do agravo de instrumento, ante o deferimento do pedido liminar
pleiteado pelo Município de Mauá, e o paralelo ajuizamento do pedido de
suspensão de liminar, restou flagrantemente configurada a supressão de instâncias
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e utilização da SS como sucedâneo recursal, ante a manobra processual adotada
pelo Município, o que torna inválida a decisão proferida pelo E. Presidente do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo” (fls. 1.513-1.514).
Afirma que a decisão proferida no mandado de segurança visava, além de
atender ao interesse da ora recorrente, garantir a manutenção da ordem pública,
ao contrario da decisão que a suspendeu.
É o breve relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Não assiste razão ao recorrente.
O pedido de suspensão formulado encontra óbice intransponível ao seu
conhecimento.
Conforme destacado na decisão recorrida, a Leblon Transporte de Passageiros
Ltda obteve liminar em sede de mandado de segurança que lhe garantiu
permanecer na execução de contrato de transporte público urbano.
Entretanto, o município de Mauá-SP obteve junto à Presidência do eg.
Tribunal de Justiça de São Paulo a suspensão dessa decisão.
Neste caso, não se revela possível formular novo pedido (de suspensão) para
os Tribunais Superiores (STF ou STJ). A doutrina convencionou denominar
essa hipótese de pedido de suspensão da suspensão. A via das Cortes Superiores
só se abre no caso em que o pedido de suspensão for indeferido na origem, a
teor do disposto no art. 4º, § 4º da Lei n. 8.437/1992 e art. 15, § 1º da Lei n.
12.016/2009.
Isso porque, tal medida é assegurada tão somente aos legitimados previstos
na legislação. Assim, obtida a suspensão, não haveria interesse em ajuizar
novamente a medida para o Tribunal Superior, pois a decisão que poderia causar
grave dano aos bens tutelados já foi suspensa.
Portanto, não existe a possibilidade de pretender-se rediscutir nesta Corte
o acerto ou desacerto da decisão do Tribunal de origem que conclui pela
necessidade excepcional de sustar os efeitos de decisão oriunda de primeira
instância.
A propósito, confiram-se os seguintes precedentes:
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Suspensão de liminar. Tribunal de origem. Efetivação da medida. Parte ex
adversa. Inconformismo. Novo pedido. Suspensão de liminar. Superior Tribunal de
Justiça. Impossibilidade.
I - A c. Corte Especial deste e. Superior Tribunal de Justiça já entendeu ser
inadmissível o pedido de suspensão formulado contra suspensão já deferida em
segundo grau.
II - O competente juízo para a via suspensiva já foi exercido pelo eg. Tribunal de
Justiça do Estado do Amazonas quando do deferimento do pedido de suspensão
lá requerido pela ora agravada.
III - “Não há previsão legal para pedido de suspensão da suspensão”. (AgRg
na SLS n. 848-BA, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/
Acórdão Min. Fernando Gonçalves, DJe 22.9.2008).
Agravo regimental desprovido (AgRg na SLS n. 1.667-AM, Corte Especial, de
minha relatoria, DJe de 1º.2.2013).
Pedido de suspensão de medida liminar. Suspensão de suspensão.
É incabível pedido de suspensão dos efeitos de decisão que deferiu anterior
pedido de suspensão articulado na origem.
Agravo regimental não provido (AgRg na SLS n. 1.413-RS, Corte Especial, Rel.
Min. Ari Pargendler, DJe de 14.10.2011).
Suspensão de liminar. Tribunal de origem. Efetivação da medida. Parte ex
adversa. Inconformismo. Novo pedido. Suspensão de liminar. Superior Tribunal de
Justiça. Impossibilidade.
1 - A suspensão de liminar é cabível quando houver grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e à economia públicas e deve ser requerida pelo ente público
ao Presidente do Tribunal que for competente para eventual recurso contra o ato
atacado. A causa somente vem a conhecimento do Superior Tribunal de Justiça se
for indeferido o pedido ou se for provido o agravo (regimental) respectivo.
2 - No caso presente, não há nenhuma das duas hipóteses, pois trata-se de
suspensão da suspensão, é dizer, a presente suspensão de liminar é contra o
juízo positivo já emanado pela Presidência do Tribunal competente, o Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia. O juízo próprio da suspensão já foi exercido e os
dispositivos legais de regência não autorizam o manejo de suspensão de liminar
contra decisão monocrática de suspensão de liminar.
3 - Não há previsão legal para pedido de suspensão da suspensão.
4 - Agravo regimental provido para manter a decisão da Presidência do
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (AgRg na SLS n. 848-BA, Corte Especial, Rel
Min. p/ acórdão Fernando Goncalves, DJe de 22.9.2008).
RSTJ, a. 26, (233): 17-28, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ademais, não há que se falar em invalidade da decisão proferida pelo eg.
Tribunal de origem. Não houve indevida supressão de instância, uma vez que a
decisão lá impugnada foi oriunda da primeira instância.
Além disso, pouco importa que a municipalidade tenha desistido do agravo
de instrumento interposto, após o indeferimento de antecipação da tutela
recursal. É o que se depreende da leitura do art. 15, § 3º, da Lei n. 12.016/2009:
“A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações
movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o
julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.”
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
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Primeira Seção
MANDADO DE SEGURANÇA N. 19.084-DF (2012/0179183-9)
Relator: Ministro Sérgio Kukina
Impetrante: José do Nascimento Duarte
Advogado: Gandhi Gouveia Belo da Silva e outro(s)
Impetrado: Ministro de Estado da Defesa
Impetrado: Comandante da Aeronáutica
Interessado: União
EMENTA
Administrativo. Mandado de segurança. Impetração contra
omissão do Ministro da Defesa e ato comissivo do Comandante da
Aeronáutica. Improcedência. Denegação da ordem.
1. Não pode ser imputada omissão ao Ministro de Estado da
Defesa que, julgando-se incompetente para decidir requerimento
administrativo com conteúdo sobre o qual não lhe é dado deliberar,
encaminha o feito à autoridade competente, dando disso ciência
ao requerente. Tal agir está em consonância com os princípios da
limitação da competência e de atuação da Administração Pública,
insertos no artigo 37, caput, da Constituição Federal e nos arts. 11 e 47
da Lei n. 9.784/1999.
2. A motivação, a teor do que requer o art. 50 da Lei n. 9.784/1999,
consiste na indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que
autorizam a produção do ato administrativo.
3. Ao negar a pretensão, o Comandante da Aeronáutica, no
estrito cumprimento da norma legal (art. 50, I, da Lei n. 9.784/1999),
cuidou de apontar os fatos e os fundamentos jurídicos que impunham
o indeferimento do pedido. Descabe, por isso, falar em decisão não
fundamentada.
4. Entre os militares, o critério de antiguidade para promoção de
graduados (praças) deve levar em conta o respectivo quadro. Descabe,
por isso, alegar violação do direito de precedência tomando como
paradigma a promoção de integrantes de quadro diverso.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
5. A promoção de militar é, em regra, ato administrativo
discricionário, como se pode inferir de seu próprio conceito e, como
tal, sujeita-se à avaliação – até certo ponto subjetiva – da autoridade
competente, que decidirá sobre a conveniência e oportunidade de
sua efetivação. Se, por um lado, isto não significa que o comandante
possa promover qualquer pessoa a qualquer tempo, sem observância
dos critérios e limites regulamentares (pois discricionariedade não se
confunde com arbitrariedade), é igualmente certo, de outra mão, que
o militar que atenda às exigências para ser promovido não tem, só por
isso, direito líquido e certo à desejada promoção, até porque sujeita-se,
no mínimo, à existência de vaga. Precedentes.
6 - Segurança denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira
Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a segurança,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler,
Arnaldo Esteves Lima, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og
Fernandes, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon.
Brasília (DF), 13 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Sérgio Kukina, Relator
DJe 20.11.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de mandado de segurança
impetrado por José do Nascimento Duarte, militar reformado, no qual aponta
como autoridades coatoras o Ministro de Estado da Defesa e o Comandante da
Aeronáutica, aos quais atribui, como ato coator, o indeferimento ao requerimento
apresentado pelo impetrante com o intuito de obter, pela via administrativa,
promoção ao posto de Capitão.
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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
Alega que o indeferimento atacado foi produzido “sem nenhum
fundamento jurídico plausível”, sendo este “o ponto nodal que impulsionou a
pretensão e este mandamus, para requerer e coibir o ato de autoridade negadora
de direito líquido e certo” (sic, fl. 7).
Diz também que militam a favor de sua pretensão os fatos de que (i)
sargentos do Quadro de músicos foram promovidos no prazo mínimo legal,
enquanto o impetrante sempre recebeu promoções com base no prazo máximo
e (ii), ainda que considerado o prazo máximo de sete anos entre uma promoção
e outra, o requerente, porque ingressou em 1955, poderia ter alcançado o posto
pretendido ainda em 1975.
Diz, por fim, que outros pares obtiveram decisões judiciais favoráveis em
pleitos semelhantes e que o pedido encaminhado ao Ministro de Estado da
Defesa não foi formalmente respondido.
Requer, por isso, a concessão da ordem para determinar sua promoção, com
a fixação de novos proventos, bem como o pagamento de valores retroativos,
respeitada a prescrição quinquenal.
O Comandante da Aeronáutica prestou as informações de fls. 161 a 185,
nas quais suscitou preliminar de prescrição da pretensão, com fundamento no
Decreto n. 20.910/1932, pois, “sendo a promoção um ato administrativo de
efeitos concretos (impugnável, portanto, de imediato), deveria o impetrante, ao
se sentir prejudicado por não ter sido promovido anteriormente, ter ajuizado a
ação pertinente dentro do lapso temporal de cinco anos, contados a partir da
data de cada ato de provimento, sob pena de ver fulminada sua pretensão” (fl.
163).
No mérito, disse faltar ao impetrante o direito líquido e certo à promoção,
isto porque (i) a Administração “não é compelida, por qualquer dispositivo legal,
a promover os seus graduados no interstício mínimo, devendo se pautar no fluxo
de carreira desejado” (fl. 166); (ii) as promoções de militares “encontram-se
condicionadas às limitações impostas na legislaçao e regulamentação específicas”
(fl. 166), de modo que não há amparo legal para a concessão do pedido, (iii) além
do que o ingresso no quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica (QOEA)
requer, dentre outros requisitos, prévia aprovação no Estágio de Adaptação ao
Oficialato (EAOF), curso que o impetrante não fez quando teve a oportunidade
(fl. 173).
O Ministro de Estado da Defesa, por sua vez, prestou os esclarecimentos
às fls. 187 a 204, alegando (i) inépcia da petição inicial; (ii) ausência de interesse
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de agir; (iii) falta de indicação do ato violador do direito; e (iv) ilegitimidade
passiva do Ministro de Estado da Defesa.
O Ministério Público Federal, nos termos do parecer às fls. 207 a 210,
manifestou-se pela declaração da prescrição da pretensão e, acaso superada a
preliminar, pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): O impetrante aponta como
autoridades coatoras o Ministro de Estado da Defesa e o Comandante da
Aeronáutica, atribuindo ao primeiro responsabilidade por omissão e, ao segundo,
por ação, consubstanciada esta na edição de ato tido por ilegal.
Cumpre, assim, analisar separadamente as imputações, de modo a deliberar,
à luz de cada hipótese, pela procedência ou improcedência das respectivas
alegações.
1. Da prescrição.
Tenho que a preliminar de prescrição quinquenal, que foi suscitada
pelo Comandante da Aeronáutica e pelo Ministério Público Federal, com
fundamento no Decreto n. 20.910/1932, não merece acolhimento.
Com efeito, a jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido
de que as ações propostas com o intuito de obter revisão do ato de promoção
estão sujeitas ao prazo de prescrição quinquenal, contado da data da respectiva
publicação. Todavia, esta não é a hipótese dos autos, por duas razões.
Primeiro porque ataca-se, formalmente, omissão do Ministro de Estado
da Defesa – não sujeita à prescrição – e ato comissivo do Comandante da
Aeronáutica, publicado no Diário Oficial de 14 de maio de 2012.
Depois, o que o impetrante busca não é rever sua promoção, mas obter uma
nova, a que julga ter direito.
Por tudo isso, é certo que os contornos fáticos e jurídicos da presente
demanda em nada se assemelham àqueles que deram origem aos precedentes
mencionados pelo Comando da Aeronáutica, não havendo, pois, que se cogitar
de prescrição.
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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
2. Do ato omissivo atribuído ao Ministro de Estado da Defesa.
Contra o Ministro de Estado da Defesa pesa, pela ótica do impetrante,
a responsabilidade por omissão, pois não teria respondido formalmente ao
requerimento administrativo que lhe fora encaminhado por advogado.
No ponto, a questão foi posta na inicial nos seguintes termos:
Cabe salientar que, o requerimento encaminhado ao Excelentíssimo Ministro
de Estado da Defesa, ainda não foi respondido ao profissional do direito que
assina esta peça, na conformidade da cópia autêntica do documento transcrito
neste petitório.
Apesar do noticiado no item precedente, em homenagem a verdade, o
Comandante da Aeronáutica, como era de se esperar da digna Autoridade,
respondeu o pleito, não ao advogado, mais sim, ao próprio requerente, o que, ao
sentir do patrono do Impetrante, não afasta a responsabilidade do Ministro de
Estado da Defesa em responder o requerimento formalmente. (sic, fl. 11).
Todavia, é o próprio impetrante quem transcreve, à fl. 21, fac-símile do
expediente assinado pelo Chefe de Gabinete do Ministro de Estado da Defesa
e dirigido ao Sr. Mozart Gouveia Belo da Silva, patrono do impetrante e
signatário do mencionado requerimento administrativo, de cujo teor se colhe:
1. Refiro-me no requerimento datado de 13 de março de 2012. encaminhado
ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa, por meio do qual V. Sª requer
promoção do Suboficial R/R José do Nascimento Duarte a patente de Capitão da
Aeronáutica, na Reserva Remunerada.
2. Levo ao conhecimento de V. Sª que, acatando orientação da Consultoria
Jurídica deste Ministério e em conformidade com o disposto no parágrafo único
do art. 59 da Lei n. 6.880/1980 e art. 4º da Lei Complementar n. 97/1999, o
Processo n. 60000.004242/2012-46 foi encaminhado ao Comando da Aeronáutica.
(fl. 21).
Diante dessa prova, repita-se, juntada pelo próprio impetrante, resta
evidente a improcedência da alegação de ilegalidade por omissão atribuída ao
Ministro de Estado: o requerimento administrativo foi, sim, respondido.
É bem verdade que, na hipótese dos autos, o resultado não foi o desejado
pelo requerente, mas resposta desfavorável não é falta de resposta. Ao se declarar
incompetente para apreciar o pedido que lhe fora encaminhado, “acatando
orientação da Consultoria Jurídica (...) e em conformidade com o disposto no
parágrafo único do art. 59. da Lei n. 6.880/1980 e art. 4o da Lei Complementar
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
n. 97/1999”, o Ministro da Defesa remeteu os autos à Autoridade competente e
disso deu ciência ao interessado.
Não pode ser imputada omissão ao Ministro de Estado que, julgando-se
incompetente para decidir requerimento administrativo com conteúdo sobre
o qual não lhe é dado deliberar, encaminha o feito à autoridade competente
e cientifica ao requerente. Tal agir está em consonância com os princípios da
limitação da competência e de atuação da Administração Pública, insertos nos
artigos 37, caput, da Constituição Federal e 11 e 47 da Lei n. 9.784/1999.
Confiram-se:
Constituição Federal
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte:
Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999:
Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos
a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação
legalmente admitidos.
Art. 47. O órgão de instrução que não for competente para emitir a decisão
final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do
procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada,
encaminhando o processo à autoridade competente. (grifo nosso).
Não há omissão e, portanto, ilegalidade atribuível ao Ministro de Estado
da Defesa, impondo-se, quanto a essa Autoridade, a denegação da segurança.
3. Do ato comissivo praticado pelo Comandante da Aeronáutica.
Ao Comandante da Aeronáutica o impetrante atribui, como ato coator,
o despacho publicado no Diário Oficial da União, Seção 2, de 14 de maio de
2012, com o seguinte teor:
Indeferido, por falta de amparo legal, tendo em vista que a sentença só faz
coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando
terceiros, conforme dispõe o artigo 472 do Código de Processo Civil (Lei n. 5.869,
de 11 de janeiro de 1973).
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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
O requerente teve as suas promoções efetivadas em estrito cumprimento às
normas estabelecidas pelos Regulamentos para o Corpo de Pessoal Graduado da
Aeronáutica, vigentes nas respectivas datas de promoções, razão pela qual não
comportam qualquer revisão.
O interstício é o período mínimo de efetivo serviço no posto ou graduação
e, por si só, não assegura promoção, visto constituir-se em, apenas, um dos
requisitos para inclusão em Quadro de Acesso.
A inclusão no Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica está
condicionada à conclusão do Estágio de Adaptação ao Oficialato, após a
aprovação do candidato no concurso de admissão, conforme disposto no Decreto
n. 2.996, de 23 de março de 1999. (fl. 32).
Alega que esse ato foi produzido “sem nenhum fundamento jurídico
plausível”, sendo este “o ponto nodal que impulsionou a pretensão e este
mandamus, para requerer e coibir o ato de autoridade negadora de direito
líquido e certo” (sic, fl. 7).
Não é o que se verifica.
A motivação, a teor do que requer o art. 50 da Lei n. 9.784/1999, consiste
na indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que autorizam a produção
do ato administrativo.
Confira-se:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos
fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
Foi o que ocorreu. Ao negar a pretensão, o Comandante da Aeronáutica,
no estrito cumprimento da norma legal, cuidou de apontar os fatos e os
fundamentos jurídicos que impunham o indeferimento do pedido.
Descabe, por isso, falar em decisão não fundamentada.
Passa-se, então, ao exame dos demais argumentos.
A alegação de que sargentos do Quadro de Músicos foram promovidos
no prazo mínimo legal, enquanto o impetrante apenas recebeu promoções com
base no prazo máximo, não traduz, só por si, violação de direito.
De início porque, como informou o Comandante da Aeronáutica nas
informações que prestou, “cada quadro e especialidade são regidos por uma
regulamentação própria” (fl. 166). Com efeito, assinala autorizada doutrina
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que, entre os militares, o critério de antiguidade para promoção de graduados
(praças) deve levar em conta o respectivo quadro. Confira-se:
As promoções serão efetuadas pelos seguintes critérios: a) antiguidade; b)
merecimento; c) escolha; d) por bravura; e ) post mortem.
Antiguidade.
Baseado na precedência hierárquica de um oficial sobre os demais de igual
posto, dentro do mesmo corpo, quadro, arma ou serviço, ou de um graduado sobre
os demais de igual graduação, dentro de um mesmo quadro ou qualificação militar.
(ABREU, Jorge Luiz Nogueira. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 410, destaquei)
Descabe, por isso, alegar violação do direito de precedência tomando
como paradigma a promoção de integrantes de quadro diverso. Ou seja, a
eventual promoção de sargentos do Quadro Complementar (QC) não é
motivo suficiente para inferir que os integrantes do Quadro de Suboficiais e
Sargentos da Aeronáutica (QSS), como é o caso impetrante, também devam ser
promovidos.
Depois, a promoção de militar é, em regra, ato administrativo discricionário,
como se pode inferir de seu próprio conceito:
Promoção é o ato administrativo que, fundamentado em valores morais e
profissionais, visa preencher, de forma seletiva, gradual e sucessiva, as vagas
disponíveis em grau hierárquico superior, de acordo com os efetivos fixados em
lei para os diversos corpos, quadros, armas ou serviços de cada uma das Forças
singulares, propiciando, assim, um fluxo regular e equilibrado de carreira para os
militares.
(ABREU, Jorge Luiz Nogueira. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 409)
Assim, como ato discricionário que é, sujeita-se à avaliação – até certo
ponto subjetiva – da autoridade competente, que decidirá sobre a conveniência
e oportunidade de sua efetivação. Se, por um lado, isto não significa que o
comandante possa promover qualquer pessoa a qualquer tempo, sem observância
dos critérios e limites regulamentares (pois discricionariedade não se confunde
com arbitrariedade), é igualmente certo, de outra mão, que o militar que atenda
às exigências para ser promovido não tem, só por isso, direito líquido e certo à
desejada promoção, até porque sujeita-se, no mínimo, à existência de vaga.
Nesse sentido:
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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
Administrativo. Processual Civil. Análise de dispositivos constitucionais.
Impossibilidade na via do especial. Julgamento extra petita. Não configurado.
Servidor militar. Decreto n. 86.289/1981. Lei n. 10.951/2004. Cabo. Promoção ao
quadro especial de Terceiro-Sargento do Exército. Preenchimento de requisitos
objetivos. Existência de vagas. Necessidade. Precedentes. Comprovação.
Incidência da Súmula n. 7 desta Corte. Recurso que deixa de impugnar
fundamentos da decisão agravada. Súmulas n. 182 do Superior Tribunal de Justiça
e 283 do pretório Excelso.
[...]
2. Para a promoção de Cabos do Exército ao Quadro Especial de TerceiroSargento daquela Força, além do preenchimento dos requisitos objetivos
previstos na legislação de regência - Decreto n. 86.289/1981 e Lei n. 10.951/2004
-, é necessário também existirem as respectivas vagas, fixadas essas por ato
discricionário da Administração Pública.
3. Portanto, resta afastada a alegação de que, na hipótese, desde a data em
que restou cumprido o requisito relativo ao tempo mínimo de 15 (quinze) anos de
efetivo serviço, seria devido o pagamento dos valores relativos à promoção.
[...]
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.177.044-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe
27.3.2012)
Agravo regimental em recurso especial. Militar. Promoção ao Quadro Especial
de Terceiro Sargento. Vaga. Necessidade de existência. Incidência do Verbete n. 7
da Súmula do STJ.
- Sem amparo a tese recursal, pois firme o entendimento do STJ no sentido de
ser necessária a existência de vagas para acesso ao Quadro Especial de TerceiroSargento.
- É vedado em recurso especial o reexame de matéria de fato, a teor do Verbete
n. 7 da Súmula desta Corte.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.231.968-SC, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma,
DJe 29.6.2011)
Pelas mesmas razões, rejeitam-se as alegações remanescentes, quais sejam,
as de que o requerente, por ter ingressado em 1955, poderia ter alcançado o
posto pretendido ainda em 1975 e a de que outros pares obtiveram decisões
judiciais favoráveis em pleitos semelhantes.
Com essas considerações, denego a segurança.
É como voto.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 1.069.810-RS (2008/0138928-4)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Recorrente: Neida Terezinha Garlet Belle
Advogado: Nora Lavínia Campos Cruz - Defensora Pública
Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul
Procurador: Juliana Forgiarini Pereira e outro(s)
Interessado: Município de Dona Francisca
Advogado: Sem representação nos autos
EMENTA
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Adoção de
medida necessária à efetivação da tutela específica ou à obtenção do
resultado prático equivalente. Art. 461, § 5º do CPC. Bloqueio de
verbas públicas. Possibilidade conferida ao julgador, de ofício ou a
requerimento da parte. Recurso especial provido. Acórdão submetido
ao rito do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ.
1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz
adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se
necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor
(bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada
fundamentação.
2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do
art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira
Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito
Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves
Lima e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
Sustentaram, oralmente, os Drs. Antonio de Maia e Pádua, pela recorrente,
e Guilherme de Escobar Guaspari, pelo recorrido.
Brasília (DF), 23 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator
DJe 6.11.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Recurso
Especial interposto por Neida Terezinha Garlet Belle, com fulcro no art. 105,
III, a da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que deu provimento ao Agravo de
Instrumento interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, ora recorrido, para
afastar o bloqueio de verbas públicas determinado pelo Juízo de Primeiro Grau,
no caso de inadimplemento da obrigação de fornecer medicamentos.
2. Nas razões do Apelo Raro, aduz a recorrente violação aos arts. 461, § 5º
e 461-A do CPC, sustentando que a determinação de bloqueio nas contas do
Estado do valor necessário à aquisição da medicação, confere maior eficácia e
agilidade na prestação jurisdicional.
3. Não foram apresentadas contrarrazões (fls. 104).
4. Admitido o Recurso Especial na origem, subiram os autos à apreciação
desta Corte Superior.
5. O ilustre Ministro Luiz Fux, Relator primevo do presente feito,
submeteu o Recurso Especial ao procedimento do art. 543-C do CPC –
Recurso Repetitivo –, afetando-o a esta 1ª Seção desta Corte Superior (art. 2º, §
1º da Resolução n. 8/2008 do STJ).
6. Às fls. 608-610, foi deferido, pelo eminente Ministro Luiz Fux, o pedido
de tutela, realizado pelo MPF, para que o medicamento seja fornecido com
continuidade.
7. Cumpridas as formalidades da norma processual civil quanto aos
Recursos Repetitivos, o Ministério Público Federal, representado pelo ilustre
Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho, opinou pelo
provimento do Recurso Especial, nos termos da seguinte ementa:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Processual Civil. Recurso especial representativo da controvérsia.
Fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de saúde, sob pena
de bloqueio ou seqüestro de verbas do Estado a serem depositadas em contacorrente. Violação ao art. 461, § 5º e 461-A, ambos do CPC.
2. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do recurso especial,
para que o acórdão recorrido seja reformado, a fim de restabelecer a sanção de
bloqueio de verbas públicas fixada pela decisão interlocutória de primeiro grau
(fls. 626).
8. É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Cinge-se a
presente controvérsia em saber se é possível ao Juiz, tendo em vista as disposições
constitucionais e processuais a respeito da matéria, determinar, em ação
ordinária, o fornecimento de medicamento para portadores de doença grave,
sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas do Estado a serem depositadas em
conta corrente.
2. Dispõe o art. 461, § 5º do Código de Processo Civil:
Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o
pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao do adimplemento.
(...).
§ 5º - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e
apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento
de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
3. Vê-se da leitura do artigo supracitado que o legislador possibilitou ao
Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a medida que,
ao seu juízo, mostrar-se mais adequada para tornar efetiva a tutela almejada. A
norma apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo,
taxativa a sua enumeração.
4. Dessa forma, é lícito ao Julgador, diante das circunstâncias do caso
concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em
42
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses
fáticas. Mormente no caso em apreço, no qual a desídia do ente estatal frente ao
comando judicial emitido pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por
em risco a vida da parte demandante.
5. Sendo certo, portanto, que o sequestro ou o bloqueio da verba necessária
à aquisição dos medicamentos objeto da tutela deferida no Juízo Singular,
mostra-se válida e legítima.
6. Frise-se, ainda que, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao
lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida
voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a
recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder
do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos
imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se
indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados
(AgRg no REsp n. 1.002.335-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.9.2008).
7. Não se deve olvidar, também, a prevalência da tutela ao direito subjetivo
à saúde sobre o interesse público, que, no caso, consubstancia-se na preservação
da saúde da demandante com o fornecimento dos medicamentos adequados,
em detrimento dos princípios do Direito Financeiro ou Administrativo. Vale
transcrever as disposições insertas nos arts. 6º e 196 da Carta Magna:
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
8. Não desconheço que há entendimentos judiciais não raras vezes
subordinando a eficácia de princípios constitucionais ao implemento de normas
de hierarquia inferior, como que invertendo a famosa pirâmide kelseniana, ao
fazer com que a Constituição seja interpretada a partir de dispositivos que lhe
são subalternos; nessa prática judicial, se retira dos princípios constitucionais
a sua decantada força normativa e praticamente se os devolve à pretérita fase
positivista da exegese constitucional, que o mestre PAULO BONAVIDES
chama de velha hermenêutica (Curso de Direito Constitucional, São Paulo,
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Malheiros, 2008), quando os princípios eram considerados exteriores à
normatividade da Constituição.
9. Autores como o professor KONRAD HESSE (A Força Normativa da
Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Fabris, 1991) e
o professor NOBERTO BOBBIO (A Era dos Direitos, tradução Carlos Nelson
Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992), que elaboraram sofisticado sistema
intelectual para a compreensão jurídica do poder normativo da Constituição,
tornam-se, nesse ambiente, meros propositores de abstracionismos ou de ideias
generosas, mas vazias, promessas sonoras, mas improváveis e frases pomposas
que não passam de sons inúteis.
10. Tenho afirmado, em várias oportunidades, que a interpretação
constitucional não pode ficar a mercê de provimentos ordinários (As Normas
Escritas e os Princípios Jurídicos, Fortaleza, Curumin, 2005), tanto por causa da
sua supremacia, como já proclamava o Professor RAUL MACHADO HORTA
(Direito Constitucional, Belo Horizonte, DelRey, 1999), quanto por causa da
manifesta insuficiência do quadro normativo para dar conta da complexa trama
social das relações jurídicas, consoante magistralmente revelado pelo Professor
LOURIVAL VILANOVA (As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito
Positivo, São Paulo, Max Limonad, 1997).
11. Corroborando o posicionamento ora esposado, trago à colação excerto
do voto condutor do acórdão proferido pela egrégia 1ª Turma, nos autos do REsp
n. 840.912-RS, de relatoria do ilustre Ministro Teori Zavascki, DJ de 23.4.2007,
que bem destacou o ponto constitucional da questão ora controvertida:
4. Todavia, o regime constitucional de impenhorabilidade dos bens públicos
e da submissão dos gastos públicos decorrentes de ordem judicial a prévia
indicação orçamentária deve ser conciliado com os demais valores e princípios
consagrados pela Constituição. Estabelecendo-se, entre eles, conflito específico
e insuperável, há de se fazer um juízo de ponderação para determinar qual dos
valores conflitantes merece ser específica e concretamente prestigiado. Ora, a
jurisprudência do STF tem enfatizado, reiteradamente, que o direito fundamental
à saúde prevalece sobre os interesses financeiros da Fazenda Pública, a significar
que, no confronto de ambos, prestigia-se o primeiro em prejuízo do segundo. É o
que demonstrou o Min. Celso de Mello, em decisão proferida no RE n. 393.175, de
1º.2.2006 (transcrita no Informativo n. 414, do STF):
Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da
Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao
da presente causa (Pet n. 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade do
44
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável
assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput
e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um
interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado
esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma
só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à
saúde humanas.
Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo
à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz
bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve
velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular
- e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos
cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano
institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA
JÚNIOR, ‘Comentários à Constituição de 1988’, vol. VIII/4.332-4.334, item
n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa
constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando
justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um
gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a
própria Lei Fundamental do Estado.
Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de
tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor
das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação
-, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade
viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição
da República.
O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no
contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma
das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe
ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá
por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem
providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da
determinação ordenada pelo texto constitucional.
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos
direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua
afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à
sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, ‘Poder Constituinte e Poder
Popular’, p. 199, itens n. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado,
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a
tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de
injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso
a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à
realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes
impôs a própria Constituição.
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o
reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além
da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente
respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que
o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica
de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação
de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde
fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de
relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a
legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas
hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de
respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a
eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra
inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.
Todas essas razões levam-me a acolher a pretensão recursal deduzida
nos presentes autos, ainda mais se se considerar que o acórdão ora
recorrido diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial que o
Supremo Tribunal Federal firmou no exame da matéria em causa (RTJ
171/326-327, Rel. Min. Ilmar Galvão – AI n. 462.563-RS, Rel. Min. Carlos
Velloso – AI n. 486.816-AgR-RJ, Rel. Min. Carlos Velloso – AI n. 532.687-MG,
Rel. Min. Eros Grau – AI n. 537.237-PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence - RE n.
195.192-RS, Rel. Min. Marco Aurélio – RE n. 198.263-RS, Rel. Min. Sydney
Sanches – RE n. 237.367-RS, Rel. Min. Maurício Corrêa – RE n. 242.859-RS,
Rel. Min. Ilmar Galvão – RE n. 246.242-RS, Rel. Min. Néri da Silveira – RE n.
279.519-RS, Rel. Min. Nelson Jobim – RE n. 297.276-SP, Rel. Min. Cezar Peluso
– RE n. 342.413-PR, Rel. Min. Ellen Gracie – RE n. 353.336-RS, Rel. Min. Carlos
Britto – AI n. 570.455-RS, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.):
Paciente com HIV/AIDS. Pessoa destituída de recursos financeiros.
Direito à vida e à saúde. Fornecimento gratuito de medicamentos.
Dever constitucional do Poder Público (CF, arts. 5º, caput, e 196).
Precedentes (STF). Recurso de agravo improvido.
O direito à saúde representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida.
46
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa
jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela
própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de
maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e
implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a
garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o
acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médicohospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito
fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência
constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público,
qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da
organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao
problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A interpretação da norma programática não pode transformá-la em
promessa constitucional inconseqüente.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta
Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional
inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever,
por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de
distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive
àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos
fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196)
e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e
solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente
daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de
sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes
do STF.
(RTJ 175/1.212-1.213, Rel. Min. Celso de Mello)
5. Nessa linha de entendimento, deve-se concluir que em situações
de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o da
impenhorabilidade dos recursos da Fazenda, prevalece o primeiro sobre o
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
47
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena
de grave comprometimento da saúde da demandante, não teria sentido algum
submetê-la ao regime jurídico comum, naturalmente lento, da execução por
quantia certa contra a Fazenda Pública. Assim, pode-se ter por legítima, ante a
omissão do agente estatal responsável pelo fornecimento do medicamento, a
determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação
do direito prevalente. Assinale-se que, no caso concreto, não se põe em dúvida a
necessidade e a urgência da aquisição do medicamento.
12. Ressalte-se, por fim, que a medida necessária à efetivação da tutela
específica ou à obtenção do resultado prático equivalente, deve ser concedida
apenas em caráter excepcional, onde haja nos autos comprovação de que o Estado
não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e a
demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante.
13. As Turmas que compõem esta egrégia 1ª Seção já se manifestaram em
diversos julgados nessa mesma linha de entendimento, confiram-se:
Administrativo. Recurso especial. Fornecimento de medicamentos. Arts. 461, §
5º, e 461-A do CPC. Bloqueio de valores. Possibilidade.
1. É possível o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa (astreintes)
para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.
2. Recurso especial provido (REsp n. 1.058.836-RS, Rel. Min. Mauro Campbell,
DJe 1º.9.2008).
Processual Civil. Fornecimento de medicamentos. Análise de violação de artigo
da Constituição Federal. Inviabilidade. Bloqueio de valores em contas públicas.
Possibilidade.
1. É vedado ao STJ analisar violação de dispositivo constitucional, por se
tratar de competência reservada pela Constituição Federal ao Supremo Tribunal
Federal.
2. Possibilidade de bloqueio de valores em contas públicas para garantir o
fornecimento de medicamentos pelo Estado.
3. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 1.063.825-RS, Rel. Min.
Herman Benjamin, DJe 19.12.2008).
Processual Civil. Agravo regimental no recurso especial. Fornecimento de
medicamentos pelo Estado. Medidas executivas. Bloqueio de valores de verbas
públicas. Possibilidade (art. 461, § 5º, do CPC). Medida excepcional. Precedentes
do STJ. Desprovimento do agravo regimental.
1. O entendimento pacífico desta Corte Superior é no sentido de que é
possível ao juiz - de ofício ou a requerimento da parte -, em casos que envolvam o
48
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
fornecimento de medicamentos a portador de doença grave, determinar medidas
executivas para a efetivação da tutela, inclusive a imposição do bloqueio de
verbas públicas, ainda que em caráter excepcional.
2. Nesse sentido, os seguintes precedentes: EREsp n. 770.969-RS, 1ª Seção, Rel.
Min. José Delgado, DJ de 21.8.2006, p. 224; EREsp n. 787.101-RS, 1ª Seção, Rel. Min.
Luiz Fux, DJ de 14.8.2006, p. 258.
3. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 936.011-RS, Rel. Min. Denise
Arruda, DJe 12.5.2008).
Administrativo. Custeio de tratamento médico. Bloqueio de verbas públicas.
Possibilidade. Violação a dispositivos constitucionais. Apreciação. Impossibilidade.
I - O atual entendimento desta Colenda Primeira Turma é no sentido da
possibilidade do bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio
de tratamento médico ou fornecimento de medicamentos indispensáveis à
manutenção da saúde e da vida. Precedentes: EREsp n. 770.969-RS, Rel. Min.
José Delgado, Primeira Seção, DJ de 21.8.2006; EREsp n. 787.101-RS, Rel. Min. Luiz
Fux, Primeira Seção, DJ de 14.8.2006; REsp n. 832.935-RS, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, DJ de 30.6.2006.
II - Inviável a apreciação dos fundamentos adotados pelo STF na apreciação
da Suspensão de Tutela Antecipada - STA n. 91, seja porque tal argumentação
fora trazida apenas nesta sede regimental como verdadeira emenda à petição
de recurso especial, afrontando os Princípios da Preclusão, da Eventualidade
e da Complementaridade, seja porque tais fundamentos são de ordem
eminentemente constitucional, cujo exame é reservado ao Supremo Tribunal
Federal, não podendo esta Corte nesta sede especial sobre eles se manifestar
sequer a título de prequestionamento.
III - Agravo regimental improvido (AgRg na REsp n. 920.468-RS, Rel. Min.
Francisco Falcão, DJ 31.5.2007).
14. Da mesma forma, no âmbito desta egrégia 1ª Seção, porém, com
diversa composição dos pares, a matéria ora em debate já foi objeto de discussão,
como se vê da seguinte julgado, dentre outros:
Administrativo. Embargos de divergência em recurso especial. Preservação da
saúde e fornecimento de remédios. Bloqueio de verbas públicas. Possibilidade.
Art. 461, § 5º, do CPC. Inexistência do apontado dissenso pretoriano. Precedentes.
Embargos de divergência não-providos.
1. Em exame embargos de divergência manejados pelo Estado do Rio
Grande do Sul, em impugnação a acórdão que entendeu cabível o bloqueio de
verbas públicas em situações excepcionais, tais como a necessidade imediata
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
49
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
da preservação da saúde da pessoa humana, mediante o fornecimento de
medicação em caráter de urgência, sob risco de óbito do suplicante. O aresto
embargado, proferido pela 2ª Turma, tem a ementa seguinte (fl. 111):
Administrativo Processual Civil. Custeio de tratamento médico. Moléstia
grave. Bloqueio de valores em contas públicas. Possibilidade. Art. 461, caput
e § 5º do CPC.
1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica
e da tutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de
medidas coercitivas, chamadas na lei de “medidas necessárias”, que têm
como escopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas
tutelas.
2. As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas
da expressão “tais como”, o que denota o caráter não-exauriente da
enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado
a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de
cada caso concreto.
3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da
tutela ao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade
de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório
Excelso já decidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas
apenas para resguardar as exceções do art. 1º da Lei n. 9.494/1997.
4. O disposto no caput do artigo 100 da CF/1988 não se aplica aos
pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, de
modo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada em
julgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios.
5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedida
está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação das
normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a
vida.
6. Recurso especial improvido. (REsp n. 770.969-RS, DJ 3.10.2005, 2ª
Turma, Rel. Min. Castro Meira)
A título de paradigma, o Estado requerente indicou o REsp n. 766.480-RS, o
qual, segundo alega, dispõe não ser possível o seqüestro de dinheiro ou de outros
bens públicos. Confira-se:
Processual Civil. Tutela antecipada. Meios de coerção ao devedor (CPC,
arts. 273, § 3º e 461, § 5º). Fornecimento de medicamentos pelo Estado.
Bloqueio de verbas públicas. Impossibilidade.
50
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
1. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa
diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de
medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou
entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461A do CPC. Nesse sentido é
a jurisprudência do STJ, como se pode verificar, por exemplo, nos seguintes
precedentes: AgRg no Ag n. 646.240-RS, 1ª T., Min. José Delgado, DJ de
13.6.2005; REsp n. 592.132-RS, 5ª T., Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de
16.5.2005; AgRg no REsp n. 554.776-SP, 6ª T., Min. Paulo Medina, DJ de
6.10.2003; AgRg no REsp n. 718.011-TO, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de
30.5.2005.
2. Todavia, não se pode confundir multa diária (astreintes), com bloqueio
ou seqüestro de verbas públicas. A multa é meio executivo de coação,
não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade
do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação
decorrente da decisão judicial. Já o seqüestro (ou bloqueio) de dinheiro é
meio executivo de sub-rogação, adequado a obrigação de pagar quantia,
por meio do qual o Judiciário obtém diretamente a satisfação da obrigação,
independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado.
3. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar
quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de
entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100
da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem
de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução
direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer
outro bem público, que são impenhoráveis.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp n. 766.480-RS, DJ 3.10.2005, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki)
2. Em situações reconhecidamente excepcionais, tais como a que se refere ao
urgente fornecimento de medicação, sob risco de perecimento da própria vida,
a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é reiterada no sentido do
cabimento do bloqueio de valores diretamente na conta corrente do Ente Público.
3. Com efeito, o art. 461, § 5º, do CPC ao referir que o juiz poderá, de ofício ou
a requerimento da parte, para a efetivação da tutela específica ou para obtenção
do resultado prático equivalente, “determinar as medidas necessárias, tais como
a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de
pessoas ou cousas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva,
se necessário com requisição de força policial”, apenas previu algumas medidas
cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. De tal
maneira, é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado,
buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
51
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses
fáticas. É possível, pois, em casos como o presente, o bloqueio de contas públicas.
4. Tal como se evidencia, não há divergência jurisprudencial a ser dirimida, ao
contrário, como restou demonstrado, o acórdão embargado está em absoluta
sintonia com o entendimento aplicado à questão por este Superior Tribunal
de Justiça, que admite, em situações excepcionais, o bloqueio direto de verbas
públicas.
5. No caso, a autorização excepcional para o bloqueio de valores públicos
objetivou o fornecimento de medicação, em caráter de urgência, à parte
suplicante, sob pena de comprometimento da própria vida.
6. Embargos de divergência não-providos (EREsp n. 770.969-RS, Rel. Min. José
Delgado, DJ 21.8.2006).
15. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, a fim de anular
o acórdão recorrido, restabelecendo a decisão do Juízo de Primeiro Grau que
determinou o bloqueio de verbas públicas como medida coercitiva para o devido
cumprimento da obrigação de fornecer o medicamento à ora recorrente.
16. Por tratar-se de Recurso Representativo da Controvérsia, sujeito ao
procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após
a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros
dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como
aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fins de cumprimento do disposto
no parágrafo 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5º, II, e 6º da
Resolução n. 8/2008 do STJ). É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.343.591-MA (2012/0190792-4)
Relator: Ministro Og Fernandes
Recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - Ibama
Procurador: José Cândido de Carvalho Junior e outro(s)
Recorrido: J A de Souza Madeiras Ltda
Advogado: Sem representação nos autos
52
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
EMENTA
Direito Público. Recurso especial representativo de controvérsia.
Execução fiscal. Arquivamento. Art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ibama.
Autarquia federal. Procuradoria-Geral Federal. Inaplicabilidade.
1. Ao apreciar o Recurso Especial n. 1.363.163-SP (Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, DJe 30.9.2013), interposto pelo
Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo
- Creci - 2ª Região, a Primeira Seção entendeu que a possibilidade de
arquivamento do feito em razão do diminuto valor da execução a que
alude o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 destina-se exclusivamente aos
débitos inscritos como Dívida Ativa da União, pela Procuradoria da
Fazenda Nacional ou por ela cobrados.
2. Naquela assentada, formou-se a compreensão de que o
dispositivo em comento, efetivamente, não deixa dúvidas de que o
comando nele inserido refere-se unicamente aos débitos inscritos na
Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais).
3. Não se demonstra possível, portanto, aplicar-se, por analogia,
o referido dispositivo legal às execuções fiscais que se vinculam a
regramento específico, ainda que propostas por entidades de natureza
autárquica federal, como no caso dos autos.
4. Desse modo, conclui-se que o disposto no art. 20 da Lei n.
10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos das autarquias
federais cobrados pela Procuradoria-Geral Federal.
5. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento
da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime estatuído pelo art.
543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
53
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves
Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin.
Compareceu à sessão, o Dr. Luis Augusto Moreira Iannini, pelo recorrente.
Brasília (DF), 11 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Presidente
Ministro Og Fernandes, Relator
DJe 18.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial interposto pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Ibama, com base na alínea a do permissivo constitucional, com vistas à reforma
de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim
ementado (e-fl. 31):
Tributário e Processual Civil. Execução fiscal. Débito de pequeno valor.
Arquivamento do feito sem baixa na distribuição (Lei n. 10.522/2002, art. 10).
Autarquias. Aplicabilidade. Orientação jurisprudencial pacificada.
I – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior
Tribunal de Justiça, inclusive sob o regime de recursos repetitivos, é no sentido
de que “as execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00
(dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.
Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação conferida pelo
artigo 21 da Lei n. 11.033/2004” (REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira,
Primeira Seção, julgado em 13.5.2009, DJe 25.5.2009), aí inseridos os executivos
fiscais movidos pelas autarquias federais, como no caso.
II – Encontrando-se a decisão agravada em sintonia com esse entendimento,
poderá o Relator negar seguimento ao recurso, nos termos do art. 557, caput, do
CPC.
III – Agravo regimental desprovido.
Alega o recorrente, em síntese, que “(...) o art. 20 da Lei n. 10.522/2002
não pode ser aplicado no presente caso, pois aqui o crédito é do Ibama, e não
da União. Da mesma maneira, esse crédito não compõe a dívida ativa da União,
54
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
mas sim do próprio Ibama. E, por fim, não houve qualquer requerimento da
Procuradoria Federal do Ibama, ou do Advogado-Geral da União, no sentido de
se determinar o arquivamento, sem baixa na distribuição” (e-fl. 47).
Acrescenta que “(...) não estão envolvidas aqui apenas questões financeiras,
mas sim valores outros, como os educativos, disciplinadores de condutas
administrativas que são vedadas pela legislação de regência de certas atividades
e que o legislador escolheu como passíveis de punição com multas financeiras”
(e-fl. 47).
Em conclusão, assevera que “a interpretação adotada pelo acórdão
recorrido além de não conter fundamentação legal própria, já que não podem ser
disciplinadas pelo art. 20 da Lei n. 10.522/2002, se revela inadequada, quando
o objeto da execução são multas administrativas de qualquer natureza” (e-fl. 48).
Não foram ofertadas contrarrazões (e-fl. 52).
O apelo foi admitido na origem e indicado como representativo de
controvérsia (e-fl. 53), o que foi mantido nesta Corte por decisão do então
Relator, em. Ministro Castro Meira (e-fls. 78-80).
O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da
República Dr. Flávio Giron, opina pelo não conhecimento do recurso ou por
seu desprovimento (e-fls. 72-74).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Registre-se, inicialmente, que,
embora não haja recorrência da matéria, a objetividade da questão e os diferentes
entendimentos trazidos pelos Tribunais Regionais Federais justificam sua
análise sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.
A questão é esta: o arquivamento dos autos, sem baixa na distribuição, nos
termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 deve ser estendido aos executivos fiscais
movidos pelas autarquias federais, a exemplo daqueles ajuizados pelo Ibama
para cobrança de multa por infração ambiental?
Para melhor compreensão do que ficou decidido na origem, transcrevo o
voto condutor do acórdão recorrido (e-fls. 33-35):
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
55
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de agravo regimental interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama contra decisão desta
Relatoria, negando seguimento ao agravo de instrumento por ela interposto, nos
termos do art. 557, caput, do CPC, e do art. 29, XXIV, do Regimento Interno deste
Tribunal, sob o fundamento de que o decisum nele impugnado – arquivamento
provisório de execução fiscal nos termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 sob
o fundamento de que o valor do débito exeqüendo é inferior ao limite ali
estabelecido – estaria em perfeita sintonia com o entendimento jurisprudencial
de nossos tribunais sobre a matéria.
Em suas razões recursais, insiste a recorrente na alegação de que o dispositivo
legal em referência se aplicaria, apenas, aos créditos inscritos na Dívida Ativa da
União, não se estendendo às suas autarquias e fundações públicas.
Este é o relatório.
Em que pesem os fundamentos deduzidos pela recorrente, não prospera
a pretensão recursal por ela postulada, na medida em que não conseguem
infirmar as razões em que se amparou a decisão hostilizada, que, amparando-se
no entendimento jurisprudencial já cristalizado no âmbito do colendo Superior
Tribunal de Justiça sobre a matéria, negou seguimento ao recurso de agravo, na
forma autorizada no art. 557, caput, do CPC, e do art. 29, XXIV, do RITRF 1ª Região.
Com efeito, acerca da matéria impugnada nos autos do agravo de instrumento
em referência – arquivamento provisório de execução fiscal nos termos do art. 20
da Lei n. 10.522/2002 sob o fundamento de que o valor do débito exeqüendo é
inferior ao limite ali estabelecido –, o entendimento jurisprudencial do colendo
Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, inclusive, no regime dos recursos
repetitivos, a que alude o art. 543-C do CPC, in verbis:
Tributário. Execução fiscal. Pequeno valor. Arquivamento do feito sem
baixa na distribuição. Recurso submetido ao procedimento do art. 543-C do
CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.
1. As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$
10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na
distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação
conferida pelo artigo 21 da Lei n. 11.033/2004.
2. Precedentes: EREsp n. 669.561-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de
1º.8.2005; EREsp n. 638.855-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU
de 18.9.2006; EREsp 670.580-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de
10.10.2005; REsp n. 940.882-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de
21.8.2008; RMS n. 15.372-SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 5.5.2008;
REsp n. 1.087.842, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 13.4.2009; REsp n.
1.014.996-SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 12.3.2009; EDcl no REsp n.
906.443-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.3.2009; REsp n. 952.711-SP, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, DJe de 31.3.2009.
56
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
3. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento
do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.
4. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado
em 13.5.2009, DJe 25.5.2009).
Como visto, a controvérsia instaurada nestes autos já se encontra
definitivamente resolvida, no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça,
inclusive, sob o regime dos recursos repetitivos, sendo a referida orientação
jurisprudencial aplicável, também, nas hipóteses de execuções fiscais ajuizadas
por autarquias, como no caso, conforme consignou o eminente Ministro Hamilton
Carvalhido, por ocasião do julgamento do REsp n. 945.488-SP, in verbis:
Averbe-se, em remate, que o dispositivo legal invocado aplica-se às
autarquias tais como a ora recorrente, como se depreende, ad exemplum,
das recentes decisões monocráticas proferidas nesta Corte Superior de
Justiça, todas envolvendo Conselhos Regionais de atividades profissionais:
REsp n. 1.160.789-SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, in DJe
29.10.2009; REsp n. 1.039.881-SP, Relator Ministro Luiz Fux, in DJe 4.3.2009;
REsp n. 1.089.568-SP, Relator Ministro Castro Meira, in DJe 18.2.2009; REsp
n. 1.003.174-SP, Relator Ministro Humberto Martins, in DJe 15.4.2008; REsp
n. 1.039.528-SP, Relator Ministro Francisco Falcão, in DJe 14.4.2008 e REsp n.
969.369-SP, Relator Ministro José Delgado, in DJ 30.8.2007 (AgRg no AgRg
no REsp n. 945.488-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma,
julgado em 10.11.2009, DJe 26.11.2009).
Com estas considerações, nego provimento ao presente agravo regimental.
Muito já se discutiu nesta Corte a respeito da interpretação do art. 20 da
Lei n. 10.522/2002, advento da conversão da MPv n. 2.176-79/2001, que possui
o seguinte teor, com a redação da Lei n. 11.033/2004:
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do
Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos
como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela
cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
§ 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando
os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.
§ 2º Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda
Nacional, as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à
Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais).
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
57
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
§ 3º O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição
para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
§ 4º No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma
do art. 28 da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, para os fins de que trata
o limite indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos
consolidados das inscrições reunidas.
Ao julgar o REsp n. 1.111.982-SP, a Primeira Seção, chancelando o
voto proferido pelo Ministro Castro Meira, decidiu que o caráter irrisório da
execução fiscal (débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 – dez mil reais) não
determina a extinção do processo sem resolução do mérito. Impõe-se, a teor da
norma, apenas o arquivamento do feito, sem baixa na distribuição.
Veja-se a ementa do precedente:
Tributário. Execução fiscal. Pequeno valor. Arquivamento do feito sem baixa
na distribuição. Recurso submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da
Resolução STJ n. 8/2008.
1. As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00
(dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição.
Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação conferida pelo artigo
21 da Lei n. 11.033/2004.
2. Precedentes: EREsp n. 669.561-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 1º.8.2005;
EREsp n. 638.855-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 18.9.2006; EREsp
n. 670.580-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 10.10.2005; REsp n. 940.882SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 21.8.2008; RMS n. 15.372-SP, Rel.
Min. Humberto Martins, DJe de 5.5.2008; REsp n. 1.087.842, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, DJe de 13.4.2009; REsp n. 1.014.996-SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de
12.3.2009; EDcl no REsp n. 906.443-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.3.2009; REsp n.
952.711-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 31.3.2009.
3. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.
4. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em
13.5.2009, DJe 25.5.2009)
Já no julgamento do REsp n. 1.102.554-MG, também da relatoria
do Ministro Castro Meira, a Primeira Seção reconheceu a possibilidade de
decretação de prescrição intercorrente nas execuções fiscais arquivadas em razão
do pequeno valor do crédito se ultrapassados 5 anos da decisão que ordena o
arquivamento.
58
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
É este o teor da ementa lavrada:
Processual Civil. Art. 535 do CPC. Omissão. Inexistência. Tributário. Execução
fiscal. Arquivamento. Art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Baixo valor do crédito
executado. Prescrição intercorrente. Art. 40, § 4º, da LEF. Aplicabilidade.
1. A omissão apontada acha-se ausente. Tanto o acórdão que julgou a apelação
como aquele que examinou os embargos de declaração manifestaram-se
explicitamente sobre a tese fazendária de que a prescrição intercorrente somente
se aplica às execuções arquivadas em face da não localização do devedor ou de
bens passíveis de penhora, não incidindo sobre o arquivamento decorrente do
baixo valor do crédito. Prejudicial de violação do art. 535 do CPC afastada.
2. Ainda que a execução fiscal tenha sido arquivada em razão do pequeno
valor do débito executado, sem baixa na distribuição, nos termos do art. 20 da
Lei n. 10.522/2002, deve ser reconhecida a prescrição intercorrente se o processo
ficar paralisado por mais de cinco anos a contar da decisão que determina o
arquivamento, pois essa norma não constitui causa de suspensão do prazo
prescricional. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.
3. A mesma razão que impõe à incidência da prescrição intercorrente quando
não localizados o devedor ou bens penhoráveis – impedir a existência de
execuções eternas e imprescritíveis –, também justifica o decreto de prescrição
nos casos em que as execuções são arquivadas em face do pequeno valor dos
créditos executados.
4. O § 1º do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 - que permite sejam reativadas as
execuções quando ultrapassado o limite legal – deve ser interpretado em conjunto
com a norma do art. 40, § 4º, da LEF – que prevê a prescrição intercorrente -, de
modo a estabelecer um limite temporal para o desarquivamento das execuções,
obstando assim a perpetuidade dessas ações de cobrança.
5. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do
CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.
(REsp n. 1.102.554-MG, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em
27.5.2009, DJe 8.6.2009)
Faço uma pausa para uma observação: em ambas as hipóteses relatadas,
a União, representada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, compôs o polo
ativo da ação.
Enfim, ao apreciar o REsp n. 1.363.163-SP, interposto pelo Conselho
Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo - Creci - 2ª Região,
a Primeira Seção entendeu que a possibilidade de arquivamento do feito em
razão do diminuto valor da execução a que alude o art. 20 da Lei n. 10.522/2002
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
59
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
destina-se exclusivamente aos débitos inscritos como Dívida Ativa da União,
pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados.
Isso porque não se pode, por analogia, aplicar o referido dispositivo legal
aos Conselhos de Fiscalização Profissional, que se vinculam a regramento
específico, ainda que tenham essas entidades natureza autárquica.
Nesse caso, oportuno conferir a integralidade do voto do Relator, Ministro
Benedito Gonçalves, cuja eloquente fundamentação serve de subsídio para a
hipótese em apreço:
Cinge-se a controvérsia à possibilidade de aplicação do artigo 20, da Lei
n. 10.522/2002 às execuções fiscais propostas pelos Conselhos Regionais de
Fiscalização Profissional.
Conforme relatado, no apelo especial, o recorrente afirma, em síntese, que
não é possível a aplicação do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 às execuções fiscais
propostas pelos conselhos de fiscalização profissional, tendo em vista que se
refere exclusivamente aos débitos da União, inscritos em dívida ativa pela Fazenda
Nacional. Alega, ainda, que o arquivamento deve ser feito exclusivamente a
requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, e não por iniciativa direta do
Judiciário, sendo clara a discricionariedade do executivo para decidir a respeito do
prosseguimento ou não do feito, discricionariedade esta que deve ser estendida
aos Conselhos Profissionais.
O acórdão recorrido manteve a decisão de primeira instância que determinou
o arquivamento sem baixa da execução fiscal, até que atinja o valor de R$
10.000,00 (dez mil reais), ainda que se trate de execução fiscal proposta por
Conselho Regional de Fiscalização Profissional, ao argumento de que esse é
o entendimento desta Corte. Para embasar sua conclusão, citou os seguintes
precedentes: AgRg no AgRg no REsp n. 945.488-SP, Primeira Turma, Relator: Min.
Hamilton Carvalhido, DJ 12.11.2009; e REsp n. 1.157.454-SP, Primeira Turma, Rel.
Min. Luiz Fux, DJ 18.8.2010).
A solução da controvérsia, a meu ver, não demanda grandes debates, podendo
ser extraída do exame do conteúdo do dispositivo legal cuja aplicação se discute,
verbis (grifos apostos):
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante
requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções
fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado
igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei n.
11.033, de 2004)
§ 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados
quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.
60
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
§ 2º Serão extintas as execuções que versem exclusivamente sobre
honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a 100 Ufirs
(cem Unidades Fiscais de Referência).
Da simples leitura do artigo em comento, verifica-se que a determinação
nele contida destina-se exclusivamente ao débitos inscritos como dívida ativa da
União, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados.
A possibilidade/necessidade de arquivamento do feito em razão do valor da
execução fiscal foi determinada mediante critérios específicos dos débitos de
natureza tributária cuja credora é a União, dentre os quais os custos gerados
para a administração pública para a propositura e o impulso de demandas dessa
natureza, em comparação com os benefícios pecuniários que poderão advir de
sua procedência.
Desta forma, não há falar em aplicação, por analogia, do referido dispositivo
legal aos Conselhos de Fiscalização Profissional, ainda que se entenda que as
mencionadas entidades tenham natureza de autarquias.
Com efeito, tal equiparação não pode servir para que sejam aplicadas aos
Conselhos regras destinadas a um ente público específico (União) e a débitos de
natureza exclusivamente tributária.
Conclusão semelhante a que ora se propõe foi sedimentada pela Primeira
Seção, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo de n. 1.338.247RS, no qual se decidiu que “embora ostentem natureza jurídica de entidades
autárquicas, não gozam de isenção quanto ao recolhimento de custas e do porte
de remessa e retorno, tendo em vista a previsão contida no art. 4º, parágrafo
único, da Lei n. 9.289/1996, que prevalece sobre as demais (arts. 27 e 511 do CPC;
e art. 39 da Lei n. 6.830/1980)”.
A respeito da situação específica dos autos, destaco, ainda, que há regra
específica destinada às execuções fiscais propostas pelos Conselhos de
Fiscalização Profissional, prevista pelo artigo 8º da Lei n. 12.514/2011, a qual pelo
Princípio da Especialidade, deve ser aplicada no caso concreto.
Eis o teor do referido dispositivo (grifos apostos):
Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes
a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da
pessoa física ou jurídica inadimplente.
Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de
medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação
da ética ou a suspensão do exercício profissional.
Esse dispositivo, diferentemente daquele aplicado pela Corte de origem,
leva em consideração as especificidades e parâmetros referentes aos Conselhos
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
61
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de fiscalização, mormente os valores cobrados a título de anuidade, para que
se identifiquem as situações em que o custo da movimentação do judiciário
seria maior do que o direito pecuniário pleiteado, de modo a “impedir” o
prosseguimento da demanda.
Neste sentido, a submissão dos Conselhos de fiscalização profissional ao
regramento do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 configura, em última análise,
vedação ao direito de acesso ao poder judiciário e obtenção da tutela jurisdicional
adequada, assegurados constitucionalmente, uma vez que cria obstáculo
desarrazoado para que as entidades em questão efetuem as cobranças de valores
aos quais têm direito.
Sob esse prisma, a imposição de dificuldades para a cobrança judicial das
contribuições, as quais, dificilmente, atingiriam a quantia mínima para o manejo
da ação executiva, poderia até mesmo prejudicar a realização das atividades
dos Conselhos, uma vez que tais contribuições recebidas dos profissionais são,
sabidamente, a maior fonte de receita das referidas entidades.
Em razão de todas essas considerações, e com a devida vênia aos precedentes
em sentido contrário, entendo que não se pode aplicar à presente hipótese a
conclusão da Primeira Seção, tomada no julgamento do Recurso Especial de n.
1.111.982-SP, sob o regime do artigo 534-C do CPC.
Isto porque, naquele feito, no qual se pacificou a orientação de que as
execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil
reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição, foi debatida
a interpretação do já mencionado artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, em caso
específico de execução fiscal promovida pela Fazenda Nacional referente
a débito inscrito em dívida ativa pela União, sem se discutir acerca da
possibilidade de aplicação de tal determinação às demandas propostas pelos
Conselhos Regionais.
Por outro lado, nos precedentes citados pelo acórdão embargado também
não foi realizado o referido debate.
Por fim, em razão da conclusão pelo afastamento da aplicação do artigo 20,
da Lei n. 10.522/2002 às execuções fiscais propostas pelos Conselhos regionais
de fiscalização, entendo que fica prejudicada a discussão referente à necessidade
de que o arquivamento do feito seja realizado exclusivamente a requerimento do
Procurador da Fazenda Nacional.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para que, em razão da
inaplicabilidade do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 ao caso concreto, prossiga a
execução fiscal.
Voltemos ao art. 20, caput, da Lei n. 10.522/2002:
Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do
Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos
62
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais).
Efetivamente, o dispositivo em comento não deixa dúvidas de que o
comando nele inserido refere-se unicamente aos débitos inscritos na Dívida
Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela
cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Em complementação, cabe mencionar que a Portaria MF n. 75, de 22 de
março de 2012, a qual dispõe sobre a inscrição de débitos na Dívida Ativa da
União e o ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, autoriza, no seu art. 2º (com a redação conferida pela MF n. 30/2012),
o Procurador da Fazenda Nacional a requerer o arquivamento, sem baixa na
distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor
consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que
não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.
No entanto, a presente execução fiscal foi ajuizada pelo Ibama – autarquia
federal criada pela Lei n. 7.735/1989, dotada de personalidade jurídica de
direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério
do Meio Ambiente – e subscrita pela Procuradora Federal oficiante, com o
desiderato de obter o pagamento de multa, no valor de R$ 4.941,25 (quatro mil
novecentos e quarenta e um reais e vinte e cinco centavos), aplicada por infração
ao meio ambiente relativa ao transporte de madeira sem licença obrigatória.
A Lei n. 10.480/2002, ao criar a Procuradoria-Geral Federal, órgão
vinculado à Advocacia-Geral da União, atribuiu-lhe (art. 10) a “representação
judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as respectivas
atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a apuração da liquidez
e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades,
inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial”.
A Lei n. 11.098/2005 acrescentou os seguintes parágrafos ao art. 10 da Lei
n. 10.480/2002:
§ 11. As Procuradorias Federais não especializadas e as Procuradorias Regionais
Federais, as Procuradorias Federais nos Estados e as Procuradorias Seccionais
Federais poderão assumir definitivamente as atividades de representação judicial
e extrajudicial das autarquias e das fundações públicas federais de âmbito
nacional.
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
63
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
§ 12. As Procuradorias Federais não especializadas e as Procuradorias Regionais
Federais, as Procuradorias Federais nos Estados e as Procuradorias Seccionais
Federais poderão ainda centralizar as atividades de apuração da liquidez e certeza
dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às atividades das autarquias e
fundações públicas federais, incluindo as de âmbito nacional, inscrevendo-os em
dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial, bem como as atividades
de consultoria e assessoramento jurídico delas derivadas.
§ 13. Nos casos previstos nos §§ 11 e 12 deste artigo, as respectivas autarquias
e fundações públicas federais darão o apoio técnico, financeiro e administrativo à
Procuradoria-Geral Federal até a sua total implantação.”
E a Lei n. 11.457/2007, assim dispôs no seu art. 22:
Art. 22. As autarquias e fundações públicas federais darão apoio técnico,
logístico e financeiro, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses a partir da
publicação desta Lei, para que a Procuradoria-Geral Federal assuma, de forma
centralizada, nos termos dos §§ 11 e 12 do art. 10 da Lei n. 10.480, de 2 de julho de
2002, a execução de sua dívida ativa.
Ademais, por força do art. 12 da Lei Complementar n. 73/1973 e do art. 1º
da Decreto-Lei n. 147/1967, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional efetua
a cobrança dos créditos inscritos em Dívida Ativa da União, tributários ou não
tributários.
Na página virtual da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional consta
relação de diversos órgãos da Administração Pública Federal cujos créditos são
por ela cobrados: Caixa Econômica Federal, Departamento de Polícia Federal,
Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Federal, Justiça Militar, Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Defesa, Ministério da
Defesa, Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
Ministério do Trabalho e Emprego, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
Secretaria da Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional e
Tribunal Marítimo.
Verifica-se que são distintas as atribuições da Procuradoria-Geral Federal
e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, razão pela qual não se pode
equipará-las para os fins do art. 20 da Lei n. 10.522/2002.
Nas execuções fiscais propostas pela Procuradoria-Geral Federal, a
dispensa de inscrição e o não ajuizamento de ações para a cobrança do crédito
encontram-se subordinados à autorização do Advogado-Geral da União e do
enquadramento em uma das hipóteses previstas na Lei n. 9.469/1997.
64
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
Oportuno conferir a letra da lei, sobretudo o que dispõe o art. 1º-A da
Lei n. 9.469/1997, incluído pela Lei n. 11.941/2009, suplantando de vez a
controvérsia:
Art. 1º-A. O Advogado-Geral da União poderá dispensar a inscrição de crédito,
autorizar o não ajuizamento de ações e a não-interposição de recursos, assim
como o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos
respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos da União e das autarquias
e fundações públicas federais, observados os critérios de custos de administração
e cobrança.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à Dívida Ativa da
União e aos processos em que a União seja autora, ré, assistente ou opoente cuja
representação judicial seja atribuída à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
De passagem, cabe mencionar a antiga redação do art. 1º da Lei n.
9.469/1997:
O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das
fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de
acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor
até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não-propositura de ações e a nãointerposição de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em
curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos,
atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), em que interessadas
essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições
aqui estabelecidas.
Ao que parece, restou corroborada a assertiva do recorrente no sentido de
que outros são os alcances das sanções aplicadas por estas autarquias federais
– finalidade preventiva, punitiva, exemplificativa, educativa e social –, fruto
do exercício do poder de polícia, aqui ambiental e voltado à preservação do
patrimônio natural.
Em suma: o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos
das autarquias federais cobrados pela Procuradoria-Geral Federal.
Assim, merece reforma o acórdão recorrido ao manter a decisão do Juiz
federal de primeira instância que determinou o arquivamento do feito, sem baixa
na distribuição, equivocadamente com base no art. 20 da Lei n. 10.522/2002.
Fica prejudicada a discussão acerca do arquivamento ex officio da ação
executiva pelo Magistrado.
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
65
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Por todo o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar o
prosseguimento da execução fiscal.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ
n. 8/2008.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.352.791-SP (2012/0234237-3)
Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF
Recorrido: Manoel Alves dos Santos
Advogado: Sibeli Stelata de Carvalho
EMENTA
Previdenciário. Recurso especial representativo de controvérsia.
Aposentadoria por tempo de serviço. Averbação de trabalho rural com
registro em carteira profissional para efeito de carência. Possibilidade.
Alegação de ofensa ao art. 55, § 2º, e 142 da Lei n. 8.213/1991. Não
ocorrência. Recurso especial improvido.
1. Caso em que o segurado ajuizou a presente ação em face do
indeferimento administrativo de aposentadoria por tempo de serviço,
no qual a autarquia sustentou insuficiência de carência.
2. Mostra-se incontroverso nos autos que o autor foi contratado
por empregador rural, com registro em carteira profissional desde
1958, razão pela qual não há como responsabilizá-lo pela comprovação
do recolhimento das contribuições.
3. Não ofende o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.213/1991 o
reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural
registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo
66
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes
previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio
do fundo de assistência e previdência rural (Funrural).
4. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art.
543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
maioria, vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler, negar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Herman
Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Mauro Campbell
Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Eliana Calmon votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Sustentou, oralmente, a Dra. Heloísa Maria Gomes Pereira, pelo recorrente.
Brasília (DF), 27 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator
DJe 5.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso especial
manifestado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS com base no art. 105,
III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da
3ª Região assim ementado (fls. 108-109e):
Embargos de declaração. Aposentadoria por tempo de serviço. Atividade
como rurícola. Vínculos empregatícios registrados em CTPS. Art. 55, § 2º, Lei n.
8.213/1991.
- No caso de averbação de tempo de trabalho rural com vistas à obtenção de
aposentadoria por tempo de serviço no mesmo regime de previdência a que o
segurado sempre foi vinculado, não é exigível o recolhimento das contribuições,
relativamente ao período de labuta como rurícola anteriormente à entrada em
vigor da Lei n. 8.213/1991, desde que cumprida a carência, como ocorrido no caso
dos autos. Precedentes.
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
67
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- A situação em apreço não se identifica com a do trabalhador rural que
desenvolvia seu mister como “diarista”, quer-se dizer, aquele que, a cada dia,
exercia atividade campestre em local diferente, via de regra, arregimentado em
praças pública, casas do trabalhador ou outros logradouros quaisquer, de comum
conhecimento dos moradores da localidade, por parte dos chamados “gatos”
(mediadores entre os proprietários rurais e os rurícolas propriamente ditos).
Não obstante, o próprio Instituto Previdenciário tem o bóia-fria como segurado
empregado, de acordo com as Instruções Normativas INSS/DC n. 68/2002 (art. 27),
71/2002 (alínea c, inc. I, art. 40) e 95/2003 (alínea c, I, art. 2º).
- De forma semelhante, não se confunde com a hipótese daqueles pequenos
proprietários que, juntamente com o núcleo familiar, exploravam a terra
(segurados especiais) e dela obtinham seu sustento.
- Efetivamente, o recorrido foi empregado rural, segundo vínculos em CTPS.
- Como tal, o regramento de regência da espécie conferiu-lhe qualidade
de segurado/beneficiário (Lei n. 4.214/1973, Decreto n. 53.154/1963, DecretoLei n. 276/1967, Lei Complementar n. 11/1971, Decreto n. 69.919/1972 e Lei
Complementar n. 16/1973, afora a Lei n. 8.213/1991).
- Sob outro aspecto, o quesito relativo à tabela do art. 142 do regramento
ordinário restou satisfeito.
- Embora não houvesse previsão para aposentadoria por tempo de serviço aos
rurícolas na Lei Complementar n. 11/1971, a Lei n. 8.213/1991 viabilizou também
a essa classe de segurados a benesse em voga (arts. 52 e seguintes).
- Embargos de declaração parcialmente providos apenas para acrescer razões
ao aresto.
Sustenta o recorrente violação ao art. 55, § 2º, e 142, ambos da Lei n.
8.213/1991, e ao art. 333, I, do CPC, asseverando que o segurado não se
desincumbiu de provar o cumprimento do requisito de carência, bem como que
“o tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei n. 8.231/1991 não pode
ser computado para fins de carência, sendo que a aposentadoria por tempo de
serviço exige o cumprimento da carência prevista no artigo 142” (fl. 114e).
Segundo defende, a parte autora, na data da entrada do requerimento
administrativo, somente havia recolhido 90 contribuições, no entanto, de acordo
com a regra de transição do art. 142 da Lei de Benefícios, são exigidos 102
recolhimentos à Previdência Social.
Aduz que as anotações em carteira profissional relativas aos contratos de
trabalho nos períodos de 10/1962 a 3/1987 e de 4/1990 a 3/1991 não podem
ser computados para vinculação ao Regime Geral da Previdência Social RGPS, pois se referem a vínculos de trabalhador rural, cujos recolhimentos
68
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
eram destinados ao Fundo de Assistência ao Trabalhador rural (Funrural) e ao
Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural), nos moldes previstos
nas Leis Complementares n. 11/1971 e 16/1973.
Contrarrazões às fls. 125-127e.
O Tribunal Regional, constatando haver multiplicidade de recursos, na
origem, com fundamento nessa questão de direito, selecionou este e o REsp n.
1.352.874-SP, com fundamento no § 1º do art. 543-C do CPC e no art. 1º da
Resolução n. 8/2008 do STJ (fls. 132-133e).
Em decisão de fls. 144-145e recebi o presente feito a fim de analisar a
controvérsia. E quanto ao REsp n. 1.352.874-SP, para evitar reiterações de
teses sob o rito do processo repetitivo, determinei o seu sobrestamento até o
julgamento destes autos.
O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pela
Subprocuradora-Geral da República Gilda Pereira de Carvalho, opinou pelo
provimento do recurso especial, em parecer assim ementado (fls. 151-155e):
Ementa. Recurso especial. Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço.
Averbação de tempo de serviço rural. Carência.
1. O artigo 55, § 2º, da Lei n. 8.213/1991 veda a utilização do tempo de serviço
do segurado trabalhador prestado antes da vigência da Lei n. 8.213/1991 para
efeito de cumprimento da carência prevista no artigo 142 do mesmo diploma.
Precedentes do STJ.
2. Tratando-se de segurado que, mediante averbação de tempo de serviço
rural anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991, visa à obtenção de aposentadoria
por tempo de serviço, não se exige o recolhimento das contribuições relativas ao
período do labor rural, contudo, o segurado deve cumprir a carência prevista no
artigo 142 da Lei n. 8.213/1991, contada a partir da vigência desse diploma legal.
3. Pelo provimento do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Narra a inicial que o
segurado, ora recorrido, ajuizou a presente ação em face do indeferimento
administrativo de aposentadoria por tempo de serviço, no qual a autarquia
sustentou insuficiência de carência, tendo em vista constar apenas 90
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
69
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
contribuições até janeiro de 1998, e não os 102 recolhimentos necessários (fl.
18e).
Registro que não se trata de ação a postular aposentadoria rural por
idade, mas, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de
serviço mediante o cômputo do tempo de serviço rural constante da Carteira
Profissional de Trabalhador Rural juntada às fls. 11-17e, relativo aos períodos
de 10.12.1958 a 31.1.1971; 3.1.1972 a 15.2.1980; 3.3.1980 a 23.5.1990; e
13.6.1990 a 14.11.1990.
O pedido foi julgado procedente na sentença sob o fundamento de que “se
não houve o recolhimento previdenciário, foi por omissão do patrão, ônus esse
que não pode ser suportado pelo autor” (fl. 53e).
Em grau de apelação e reexame oficial, o Tribunal Regional manteve a
sentença, consignando que o autor colacionou cópias da carteira de trabalho
com anotações formais nos períodos pleiteados, perfazendo, até a data do
requerimento, 37 anos, 10 meses e 3 dias de tempo de serviço (fl. 88e).
O referido julgado fundamentou-se nos termos do art. 19 do Decreto
n. 3.048/1999, na redação original, o qual dispõe que a anotação em carteira
de trabalho vale para todos os efeitos como prova de filiação à Previdência
Social, relação de emprego, tempo de serviço ou de contribuição e salários-decontribuição. Assim, o tempo de anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991 pode
ser computado, inclusive, para comprovar a carência, “desde que haja anotação
em CTPS, caso dos autos” (fl. 88e).
Em sede de embargos de declaração, a Corte de origem, integrando
o acórdão anterior, assinalou que o sistema previdenciário rural brasileiro,
“representado por diversas instituições criadas ao longo do tempo (a Fundação
da Lei n. 2.613/1955, o Fundo da Lei n. 4.214/1963 e do Decreto-Lei n.
276/1967 ou o Programa de Assistência da Lei Complementar n. 11/1971),
contou, sempre com correlatas fontes de custeio”, inclusive dos empregadores
rurais (fl. 105e).
Considero que assiste razão às instâncias ordinárias. Com efeito, mostrase incontroverso nos autos que o autor foi contratado por empregador rural,
com registro em carteira profissional desde 1958, razão pela qual não há como
responsabilizá-lo pela comprovação do recolhimento das contribuições.
A Lei n. 4.214/1963 – o Estatuto do Trabalhador Rural – “pela primeira
vez, reconheceu a condição de segurado obrigatório ao rurícola arrimo de família
70
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
e criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural - Funrural”
(REsp n. 1.105.611-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19.10.2009).
No art. 2º, a lei denominava trabalhador rural “a pessoa física que presta
serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante
salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro”,
como ocorrido na hipótese.
Por outro lado, em seu art. 63, o Estatuto determinava que os contratos de
trabalho, se constantes de anotações em carteira profissional, não poderiam ser
contestados, verbis:
Art. 63. O contrato individual de trabalho rural poderá ser oral ou escrito, por
prazo determinado ou indeterminado, provando-se por qualquer meio permitido
em direito e, especialmente, pelas anotações constantes da Carteira Profissional do
Trabalhador Rural, as quais não podem ser contestadas.
E, quanto às contribuições, disciplinava o art. 158 da mesma lei que o
Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural seria custeado por
um percentual do valor dos produtos agropecuários a serem recolhidos pelo
produtor:
Art. 158. Fica criado o “Fundo Assistência e Previdência do Trabalhador Rural”,
que se constituirá de 1% (um por cento) do valor dos produtos agro-pecuários
colocados e que deverá ser recolhido pelo produtor, quando da primeira operação,
ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, mediante guia própria,
até quinze dias daquela colocação.
Em 1967, com a criação do Funrural, novamente, o segurado trabalhador
rural foi excluído da participação na fonte de custeio do fundo de assistência
(grifos nossos):
Art. 158. Fica criado o Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural
(Funrural), destinado ao custeio da prestação de assistência médico-social ao
trabalhador rural e seus dependentes, e que será constituído: (Redação dada pelo
Decreto-Lei n. 276, de 1967)
I - da contribuição de 1% (um por cento), devida pelo produtor sôbre o valor
comercial dos produtos rurais, e recolhida: (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de
1967)
a) pelo adquirente ou consignatário, que fica sub-rogado, para êsse fim, em
tôdas as obrigações do produtor; (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967)
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
71
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
b) diretamente pelo produtor, quando êle próprio industrializar os produtos;
(Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967)
II - da contribuição a que se refere o art. 117, item II, da Lei número 4.504, de 30
de novembro de 1964; (Incluído elo Decreto-Lei n. 276, de 1967)
III - dos juros de mora a que se refere o § 3º; (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276,
de 1967)
IV - das multas aplicadas pela falta de recolhimento das contribuições devidas, no
prazo previsto no § 3º, na forma que o regulamento dispuser.
Impende ressaltar que, inicialmente, o Instituto de Aposentadorias
e Pensões dos Industriários - IAPI recebeu o encargo de arrecadar para o
Funrural, bem assim, era incumbido da prestação dos benefícios estabelecidos
para o trabalhador rural e seus dependentes (art. 159 da Lei n. 4.214/1963).
Posteriormente, houve a unificação de todos os Institutos de Aposentadorias e
Pensões, os quais foram incorporados ao então criado INPS - Instituto Nacional
de Previdência Social, por força do Decreto-Lei n. 72/1966.
Em 1971, com o advento da Lei Complementar n. 11/1971, o Funrural
seria responsável por implementar o Prorural - Programa de Assistência ao
Trabalhador Rural, cujos recursos seriam mantidos pela contribuição de fontes
oriundas do produtor, do adquirente e das empresas, novamente excluído o
empregado rural (art. 15).
Outrossim, na atual legislação, o parágrafo único do art. 138 da Lei n.
8.213/1991 expressamente considera o tempo de contribuição devido aos
regimes anteriores à sua vigência:
Art. 138. [...].
Parágrafo único. Para os que vinham contribuindo regularmente para os
regimes a que se refere este artigo, será contado o tempo de contribuição para
fins do Regime Geral de Previdência Social, conforme disposto no Regulamento.
Dessa forma, não ofende, a meu ver, o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.213/1991
o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado
em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador
rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência,
eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural
(Funrural).
Nesse sentido:
72
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
Previdenciário. Empregado rural. Atividade de filiação obrigatória. Lei
n. 4.214/1963. Contribuição. Obrigação. Empregador. Expedição. Certidão.
Contagem recíproca. Possibilidade. Art. 94 da Lei n. 8.213/1991.
1. A partir da Lei n. 4.214, de 2 de março de 1963 (Estatuto do Trabalhador
Rural), os empregados rurais passaram a ser considerados segurados obrigatórios
da previdência social.
2. Nos casos em que o labor agrícola começou antes da edição da lei supra, há
a retroação dos efeitos da filiação à data do início da atividade, por força do art. 79
do Decreto n. 53.154, de 10 de dezembro de 1963.
2. Desde o advento do referido Estatuto, as contribuições previdenciárias, no caso
dos empregados rurais, ganharam caráter impositivo e não facultativo, constituindo
obrigação do empregador. Em casos de não-recolhimento na época própria, não
pode ser o trabalhador penalizado, uma vez que a autarquia possui meios próprios
para receber seus créditos. Precedente da Egrégia Quinta Turma.
3. Hipótese em que o Autor laborou como empregado rural, no período
compreendido entre 1º de janeiro de 1962 e 19 de fevereiro de 1976, com registro
em sua carteira profissional, contribuindo para a previdência rural.
4. Ocorrência de situação completamente distinta daquela referente
aos trabalhadores rurais em regime de economia familiar, que vieram a ser
enquadrados como segurados especiais tão-somente com a edição da Lei n.
8.213/1991, ocasião em que passaram a contribuir para o sistema previdenciário.
5. Reconhecido o tempo de contribuição, há direito à expedição de certidão
para fins de contagem recíproca.
6. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 554.068-SP, Rel. Min. Laurita Vaz,
Quinta Turma, DJ 17.11.2003, grifos nossos)
Como bem ressaltado pela eminente Ministra Laurita Vaz, no acórdão
supra:
[...] quando do exercício labor rural já estava ele vinculado, obrigatoriamente,
à previdência social (I.A.P.I. e Funrural), porquanto era empregado. Não se cuida,
portanto, de atividade cuja filiação à previdência se tornou obrigatória tãosomente com a edição da Lei n. 8.213/1991, como na hipótese dos rurícolas que
exercem seu trabalho em regime de economia familiar.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. Acórdão sujeito ao
regime do art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008.
É o voto.
RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014
73
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: O desate do thema decidendum depende de
saber se o tempo de serviço do trabalhador rural - anterior à vigência da Lei n.
8.213, de 1991 - pode ser computado para fins de carência.
A esse propósito, o art. 55, § 2º, da Lei n. 8.213, de 1991, dispõe:
“Art. 55 § 2º - O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à
data de início de vigência desta lei, será computado independentemente do
recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de
carência, conforme dispuser o Regulamento”.
Na dicção do art. 126 do Código de Processo Civil, no julgamento da
lide cabe ao juiz aplicar as normas legais. Juízes e tribunais só podem deixar de
aplicar a lei quando declararem-na inconstitucional.
Decidindo que a anotação na carteira profissional dispensa o período
de carência, o tribunal a quo deixou de aplicar norma legal sem declará-la
inconstitucional, contrariando o enunciado da Súmula Vinculante n. 10 do
Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de
órgão fracionário de tribuanl que, embora não declare expressamente a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua
incidência, no todo ou em parte”.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, dando-lhe
provimento para julgar improcedente o pedido.
74
Primeira Turma
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 33.183-RO
(2010/0208024-3)
Relator: Ministro Sérgio Kukina
Recorrente: Walter Oliveira Nery Junior
Advogado: Arcelino Leon
Recorrido: Estado de Rondônia
Procurador: Joel de Oliveira e outro(s)
EMENTA
Recurso em mandado de segurança. Concurso público. Policial
militar. Exclusão de candidato por maus antecedentes. Condenação
penal. Atos incompatíveis com a dignidade da função pública. Regra
prevista no edital. Legalidade. Moralidade. Razoabilidade. Inovação
recursal. Impossibilidade.
1 - Em que pese a ampla devolutividade que marca o recurso
ordinário, a jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de
não ser possível a apreciação de questões suscitadas apenas por ocasião
da sua interposição. Precedentes.
2 - Cabia ao autor, nos termos do art. 333 do CPC, a imediata
prova do fato constitutivo do seu direito, mormente em se tratando
de mandado de segurança, ação que não admite dilação probatória,
mas desse ônus não se desincumbiu. Dessarte, na ausência de prova
documental robusta que permita um juízo em contrário, presumem-se
legítimos os atos praticados pela Administração, tanto mais quando
validados pelo acórdão recorrido.
3 - Não se desconhece a farta jurisprudência desta Corte, e
também do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o princípio
constitucional da presunção de inocência impede a exclusão de
candidatos pelo simples fato de responderem a inquérito policial ou
ação penal sem trânsito em julgado. Todavia, não é esta a hipótese dos
autos – e nem mesmo o recorrente a invoca – porque o quadro fático
delineado desde a exordial direciona a discussão para o campo de
outros princípios (legalidade, moralidade e razoabilidade), estes, sim,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
os parâmetros que se mostram adequados, à luz dos fatos que deram
origem ao ato impugnado.
4 - A legalidade da exclusão do impetrante do rol dos aprovados
é inconteste pois, como ele próprio admite, “é bem verdade que o
edital do concurso é claro no sentido de que a investigação social terá
caráter eliminatório e tem como objetivo verificar a vida pregressa do
candidato”.
5 - Ora, se é possível entender a moralidade administrativa como
sendo a “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boafé”, tal como preconiza o art. 2º, parágrafo único, inciso IV, da Lei n.
9.784/1999, nada há de imoral no ato administrativo que, calcado em
expressa regra editalícia, já dantes conhecida, impede o ingresso, nas
fileiras da Polícia Militar, de candidato com antecedentes criminais.
6 - Razoabilidade, tal como a apresenta a lei vigente, é “a
adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações,
restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente
necessárias ao atendimento do interesse público” (Lei n. 9.784/1999,
art. 2º, parágrafo único, inciso VI). À luz desse preceito, e tendo em
mente as funções do policial militar, mostra-se indefensável a tese de
que a exigência de certidão criminal negativa seria restrição maior
do que aquela estritamente necessária ao atendimento do interesse
público, até porque, por qualquer ângulo que se possa apreciar a
questão, é certo que a razoabilidade se interpreta pro societas, e não em
função dos interesses particulares.
7 - Os princípios jurídicos que o impetrante invoca em favor
se sua pretensão, a saber, legalidade, moralidade e razoabilidade, são
exatamente os preceitos que impedem o seu ingresso nos quadros da
Força Policial.
8 - Recurso ordinário a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao
recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro
78
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão
Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Sérgio Kukina, Relator
DJe 21.11.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Cuida-se de recurso ordinário em mandado
de segurança interposto por Walter Oliveira Nery Junior, com fundamento no
art. 105, II, b, da Constituição Federal, contra acórdão da 1ª Câmara Especial
do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, assim ementado:
Concurso público. Candidato ao cargo de policial militar. Curso de formação.
Ação penal. Condenação. Exclusão do certame.
Condenação criminal anotada contra candidato ao cargo de policial militar o
coloca em situação de incompatibilidade com o exercício da função pública (fl. 72).
Na impetração, o ora recorrente apontou como autoridade coatora o
Secretário de Estado da Administração do Estado de Rondônia, a quem
atribuiu, como ato coator, a exclusão do curso de formação para o cargo de
policial militar, “em razão de já ter respondido a processo criminal, o que em
tese estaria em descordo com o item 20.1 “c” do Edital n. 257-GDRH-SEAD,
de 24 de novembro de 2008” (fl. 3).
Na exordial, alegou que seu direito teria sido violado por três razões,
expostas nos seguintes termos:
Senhor julgador, tal fato não pode ser empecilho, para o impetrante, primeiro
porque conforme os documentos em anexo, comprova que não registra qualquer
antecedentes que possam servir de óbice ao seu ingresso na Polícia Militar,
segundo porque foi admitida a participar do certame e obteve a aprovação e
classificação necessária e terceiro, que apesar de a Investigação Social, não se
confundir com antecedentes, para que possa ser utilizado como instrumento de
cerceamento do direito do cidadão, deve ser motivado e fundamentado, para que
o cidadão possa combater com argumentos válidos a sua ocorrência ou não.
No caso em tela, como se faz prova através do próprio documento fornecido
pela Comissão, expressamente descreve que a eliminação do candidato ocorreu
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
79
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
por avaliações subjetiva, sem que para tanto, tenha que informar qual o seu
motivo. (sic, fl. 5).
Já nas razões recursais, muda a argumentação e, abandonando as teses
inicialmente adotadas, concentra seus esforços na alegação de “violação aos
princípios da razoabilidade, legalidade e moralidade” (fl. 82), fazendo-o pelas
seguintes razões:
Assim Douto Julgador, a eliminação ou o desligamento do candidato do
certame, nesta oportunidade, após praticamente seis meses no Curso de
Formação, viola os princípios da razoabilidade, legalidade e moralidade, uma
vez que não há sentença condenatória transitada em julgado, de modo que a
exclusão do impetrante do certame revela-se inaceitável e desarrazoada, além de
ter lhe causado lesão grave e de difícil reparação, posto que o seu afastamento
nesse momento o impede de realizar as demais etapas do concurso.
A Constituição federal em seu art. 5, LVII, assim estabelece:
Art. 5o
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;
Até por que Doutos Julgadores, o único fato em sua vida, embora exista uma
condenação, que como já dito foi substituída por penas restritivas de direito, não
pode ser considerada como conduta desabonadora.
Por outro lado os critérios para realização da investigação social carecem de
objetividade, pois deixam ao arbítrio do aviador estabelecer parâmetros para a
aptidão ou não do candidato.
E bem verdade que o Edital do concurso é claro no sentido de que a
investigação social terá caráter eliminatório e tem como objetivo verificar a vida
pregressa do candidato.
Contudo, verifica-se, a única razão de o impetrante ter sido eliminado é a
existência de um procedimento criminal, que ainda nem transitou em julgado.
O único fato ocorrido em sua vida, não pode servir de parâmetro, para ser
considerado como pessoa de má reputação ou má conduta social, até por que
tal informação não foi negado quando da apresentação dos documentos para o
início do curso e ainda assim lhe foi deferido a sua matrícula.
Proceder a sua eliminação nesta oportunidade é causa de imenso prejuízo, pois
já passado mais de 06 (seis) meses no Curso de formação, onde teve de se afastar
das suas atividades normais, efetuando inúmeras despesas, com fardamento,
exames, acreditando que concluiria o Curso de formação, por que como já dito
80
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
anteriormente nunca negou que estava respondendo a este processo e ainda
assim sua matrícula foi deferido.
Desta forma, encontrando-se regularmente aprovado o candidato e não
tendo nenhuma restrições de ordem objetiva, apto está para continuar no
Curso de Formação de Praças Combatentes oferecido aos aprovados, posto que
superou todas as fases do concurso encontrando-se classificado entre os que
foram chamados, portanto, deve ser determinada a sua reinclusão no curso de
Formação.
O Estado de Rondônia apresentou contrarrazões ao recurso (fls. 99 a
104), nas quais defende: (i) a legalidade do ato, porque resultante de simples
aplicação de disposição editalícia; (ii) a moralidade da exclusão, pois é dever da
administração prover seus cargos com pessoas de conduta ilibada e socialmente
escorreita; e, (iii) a razoabilidade da medida, reconhecida expressamente pela
Corte Estadual, nos termos do acórdão recorrido.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do
recurso, nos termos do parecer às fls. 127 a 133, que recebeu a seguinte ementa:
Recurso ordinário. Mandado de segurança. Concurso público. Eliminação de
candidato. Investigação social. Vida pregressa. Ação penal. Condenação.
A realização do concurso público obedece a critérios previamente
estabelecidos em lei ou edital e a aplicação dos exames está submetida a esses
critérios. A Administração Pública atendendo ao princípio da moralidade tem o
dever de adotar critérios no sentido de prover os cargos públicos com pessoas de
conduta ilibada, selecionando rigorosamente os seus servidores, a fim de garantir
à sociedade a eficaz prestação do serviço.
Parecer pelo não provimento do recurso.
Há, nos autos (fls. 36 a 40), cópia da sentença penal que condenou o
impetrante às penas do art. 16, caput, da Lei Federal n. 10.826/2003, pelo fato
de portar arma de fogo de uso restrito das Forças Armadas.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): Dentre as muitas razões pelas
quais a irresignação não merece prosperar, aponto, por sua relevância, as
seguintes:
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I - A inovação recursal.
Na peça exordial, apresentou o impetrante três argumentos para sustentar o
seu direito, quais sejam: (1) a inexistência de maus antecedentes, (2) a aceitação
de sua inscrição no concurso, no qual foi também aprovado e classificado e (3) a
falta de motivação do ato que o excluiu do certame.
Todavia, quando da interposição do recurso ordinário, a linha argumentativa
desloca-se integralmente para a defesa da tese de que o ato administrativo
impugnado violou os princípios da razoabilidade, da legalidade e da moralidade.
Ora, em que pese a ampla devolutividade que marca essa espécie recursal,
a jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de não ser possível a
apreciação de questões suscitadas apenas por ocasião da interposição do recurso
ordinário.
Confira-se:
Tributário. Recurso ordinário em mandado de segurança. Inovação em sede
recursal. Inadmissibilidade. Recurso não provido.
1. A alegação, em sede de recurso ordinário em mandado de segurança,
de questão até então não suscitada nos autos, constitui inadmissível inovação
recursal, autorizando o não conhecimento do recurso.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RMS n. 38.219-AM, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
20.8.2013)
Processual Civil. Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de
segurança. Causa de pedir não suscitada perante o Tribunal a quo. Inovação
recursal. Inadmissibilidade.
[...]
2. Não é possível conhecer de inovação da lide em sede recursal, sob pena
de indevida supressão de instância. Precedentes: RMS n. 35.154-SC, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.12.2011; RMS n. 31.852-MT, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 15.4.2011; RMS n. 32.001-RJ,
Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 28.6.2010; RMS n. 28.625-SP, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 26.2.2010.
3. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg no RMS n. 36.499-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 2.3.2012)
82
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
II - A falta de provas.
Na exordial, disse o impetrante que o ato de sua exclusão estaria eivado de
nulidade por falta de fundamentação e que a exclusão teria se dado por conta de
avaliação subjetiva. Porém, nada trouxe aos autos que fosse capaz de comprovar
o quanto alegado.
Com efeito, compulsando a documentação que acompanha a inicial (fls. 10
a 40), tem-se, apenas, cópias dos editais (inclusive o ato apontado como coator fl. 35) e da sentença penal condenatória.
Nem uma só prova foi colacionada no intuito de demonstrar “que a
eliminação do candidato ocorreu por avaliação subjetiva” (fl. 5) ou, ainda,
que não tenha chegado ao conhecimento do impetrante os porquês de sua
eliminação. Antes, o que se pode inferir a partir do exame das peças processuais,
indene de qualquer dúvida, é que (i) o impetrante tinha conhecimento dos fatos,
até porque deles foi protagonista; (ii) conhecia, também, a existência da ação
penal e da cláusula editalícia que, nas circunstâncias, militaria em seu prejuízo,
e (iii) ainda assim, se inscreveu para o concurso, quem sabe no intuito de testar
o grau de acuidade da banca examinadora ou da própria corporação. Não soam,
por isso, verosímeis suas alegações.
Mas ainda que assim não fosse, cabia ao autor, nos termos do art. 333 do
CPC, a imediata prova do fato constitutivo do seu direito, mormente em se
tratando de mandado de segurança, ação que não admite dilação probatória,
mas desse ônus não se desincumbiu.
A propósito:
Processual Civil. Agravo regimental no agravo regimental no recurso ordinário
em mandado de segurança. Impetração. Ausência de prova inequívoca do direito
líquido e certo. Inidoneidade da via mandamental.
1. A concessão do mandado de segurança exige prova pré-constituída do
direito líquido e certo que se quer ver declarado, não se admitindo dilação
probatória, conforme a reiterada jurisprudência desta Corte.
[...]
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AgRg no RMS n. 33.689-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta
Turma, DJe 24.9.2013)
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
83
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Dessarte, na ausência de prova documental robusta que permita um juízo
em em contrário, presumem-se legítimos os atos administrativos praticados pela
Administração, tanto mais quando validados pelo acórdão recorrido.
III - O mérito da causa.
Não se desconhece a farta jurisprudência desta Corte, e também do
Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o princípio constitucional da
presunção de inocência impede a exclusão de candidatos pelo simples fato de
responderem a inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado.
Todavia, não é esta a hipótese dos autos – e nem mesmo o recorrente a invoca
– porque o quadro fático delineado desde a exordial direciona a discussão para o
campo de outros princípios (legalidade, moralidade e razoabilidade), estes, sim,
os parâmetros adequados, à luz dos fatos que deram origem ao ato impugnado.
Portanto, não está em causa eventual violação da presunção de inocência,
até porque não há controvérsia quanto a autoria e a materialidade do ilícito
penal, mas se é legal, moral e razoável a exclusão de candidato ao cargo de
policial militar que responda por crime incompatível com a dignidade da nobre
função pública. Essa é a questão a ser solvida e que mereceu, por parte do
Tribunal de origem, a resposta agora contestada pelo recorrente.
Nesse contexto, tenho que, mesmo que se pudesse superar os já aludidos
obstáculos preliminares e adentar no exame de mérito, a reforma do acórdão
recorrido esbarraria, ainda assim, em outros óbices.
Como bem registra o parecer ministerial, da lavra do e. SubprocuradorGeral da República, Dr. Henrique Fagundes Filho, que também adoto como
razão de decidir:
Ao analisar os autos, verifica-se que a tese adotada no acórdão recorrido
encontra-se em harmonia com a orientação jurisprudencial firmada por essa
Colenda Corte, segundo a qual, é constitucional e legal a eliminação de candidato
a concurso público para ingresso na carreira policial pela caracterização de má
conduta na investigação sumária da vida pregressa, sendo irrelevante posterior
absolvição no juízo criminal, tendo em vista o princípio da incomunicabilidade
das instâncias. (fl. 129)
[...]
In casu, a exclusão do impetrante do curso de formação ocorreu do fato de
registrar condenação, por posse ilegal de arma, à pena de 3 (três) anos de reclusão
e 10 (dez) dias-multa, substituída por duas restritivas de direitos. O desligamento
84
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
do impetrante se mostra razoável, haja vista que foi condenado e, enquanto
tramitava o mandado de segurança, a decisão transitou em julgado, no dia 26 de
julho de 2010.
Com efeito, mesmo que fosse aplicável o principio da inocência à hipótese
dos autos, ainda assim o candidato, ora recorrente, seria excluído do certame por
violação frontal à norma editalícia.
Com efeito, a legalidade da exclusão do rol dos aprovados é inconteste,
posto que, como o próprio recorrente admite, “é bem verdade que o edital do
concurso é claro no sentido de que a investigação social terá caráter eliminatório
e tem como objetivo verificar a vida pregressa do candidato” (fl. 82). Penso que
ilegal seria o acolhimento da pretensão recursal para, contrariando a norma
editalícia a que todos os demais candidatos foram sujeitos, determinar-se a
exclusão de sua incidência única e exclusivamente sobre o ora impetrante, sem
o amparo de qualquer norma, legal ou constitucional, que socorra tal pretensão.
A questão da moralidade administrativa do ato impugnado não passou ao
largo da percepção do Tribunal de origem. A esse respeito, tenho por acertada
a fundamentação com que o relator lá cimentou o voto condutor do acórdão
recorrido, verbis:
Com efeito, essa questão da conduta do candidato a cargos no serviço público
tem merecido reflexão. Penso que o descortinar da corrupção em todos os
segmentos da administração pública tem nos levado a um certo rigor nos critérios
de avaliação de tais situações, mas não há outro caminho. É uma forma de, pelo
menos, se acreditar que aquele que não registra má conduta possa melhor se
comportar no cargo ou na função.
Disso decorre que o agente público deve cumprir a lei e, ao fazê-lo, impõe-selhe ter em vista o contexto da função do ato válido, isto é, deverá ajustar o legal
ao honesto e o conveniente aos interesses sociais, enfim à ética da instituição que
representa.
E, em se tratando, como se trata, de seleção de candidato a cargo público de
agente policial, no contexto da seleção determinada por lei, compreende-se a
apuração da conduta social e comportamento do candidato, a fim de aferir se
possui perfil compatível com o recomendado para a função.
Assim, se o impetrante possui antecedentes criminais, não preenche os
requisitos do edital, item 4.9, por isso que não há direito líquido e certo a garantirlhe a permanência no certame.
Ora, se é possível entender a moralidade administrativa como sendo a
“atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”, tal como
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
85
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
preconiza o art. 2º, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 9.784/1999, nada há de
imoral no ato administrativo que, calcado em expressa regra editalícia, já dantes
conhecida, impede o ingresso, nas fileiras da Polícia Militar, de candidato com
antecedentes criminais. Nesse passo, é perfeitamente possível considerar que
atentatório à moralidade seria, isto sim, a admissão sem qualquer barreira, como
quer o recorrente.
Por fim, no que tange à razoabilidade, a argumentação do recorrente é
inaceitável.
Razoabilidade, tal como a apresenta a lei vigente, é “a adequação entre
meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida
superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”
(Lei n. 9.784/1999, art. 2º, parágrafo único, inciso VI). À luz desse preceito, e
tendo em mente as funções do policial militar, mostra-se indefensável a tese de
que a exigência de certidão criminal negativa seria restrição maior do que aquela
estritamente necessária ao atendimento do interesse público, até porque, por
qualquer ângulo que se possa apreciar a questão, é certo que a razoabilidade se
interpreta pro societas, e não em função dos interesses particulares.
Logo, é forçoso reconhecer que os princípios jurídicos que o impetrante
invoca em favor de sua pretensão, a saber, legalidade, moralidade e razoabilidade,
são exatamente os preceitos que estão a recomendar o seu não ingresso nos
quadros da Força Policial.
Diante do exposto, e dos sólidos fundamentos do acórdão recorrido, tenho
que o presente recurso ordinário não comporta provimento.
É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 44.360-MS
(2013/0392249-0)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Recorrente: Fábio Camilo da Silva
Advogado: Kaline Rúbia da Silva e outro(s)
Recorrido: Estado de Mato Grosso do Sul
Procurador: Renato Woolley de Carvalho Martins e outro(s)
86
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
EMENTA
Administrativo. Recurso em mandado de segurança. Concurso
público para Magistratura do Estado de Mato Grosso do Sul.
Sindicância da vida pregressa e investigação social. Desclassificação
do candidato. Suposta omissão, pelo recorrente, de fatos atinentes
a documentos e declarações. Não configuração. Ofensa ao devido
processo administrativo. Possibilidade de controle de legalidade do ato
pelo Poder Judiciário. Parecer do Ministério Público pelo provimento
do recurso ordinário. Recurso parcialmente provido.
1. Compete ao Judiciário analisar o ato de exclusão de candidato,
na fase de sindicância da vida pregressa e investigação social do
candidato, quando houver flagrante ilegalidade, que dá azo a
arbitrariedades por parte dos agentes integrantes da Comissão, bem
como que implique ausência de observância às regras previstas no
edital, por ofensa ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital.
2. In casu, no julgamento do mandamus (fls. 424-430), o Tribunal
a quo destacou que o motivo que ensejou o indeferimento da inscrição
definitiva do candidato foi a manifesta intenção do mesmo em omitir
informações relevantes sobre o seu passado.
3. Não resta configurada suposta omissão dolosa por parte
do recorrente, quando as informações relacionadas ao seu passado
- apuradas no Inquérito n. 17/2009 e Boletim de Ocorrência n.
2.669/2009 - foram prestadas pelo próprio candidato; ademais, tais
comunicações não foram exigidas pelo Edital do Concurso (item 9.1,
IX do Edital n. 066.0.049.001/2012).
4. A disposição do recorrente a prestar quaisquer esclarecimentos
à Comissão de Concurso afasta qualquer má-fé ou dolo do recorrente
em omitir informações relevantes acerca de sua vida pregressa e social.
5. Há ofensa ao devido processo administrativo, quando
a Comissão de Concurso desclassifica o candidato, sem oitiva do
prejudicado, a despeito do Edital prever, em seu item 10.5, prévia
intimação deste último, para, no prazo de 3 dias, ser ouvido, antes da
prolação da decisão desclassificatória.
6. Ainda que os fatos apurados pela Banca Examinadora
configurassem crime, o mesmo restaria prescrito, à luz dos arts. 147 e
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
87
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
109, VI do CPB, este último com a redação anterior à vigência da Lei
n. 12.234/2010; quanto à intenção do recorrente em adquirir remédio
abortivo, destaca-se que o sistema penal não pune a mera cogitação
criminosa.
7. Carece o candidato de interesse de agir, quanto ao alegado
direito líquido e certo à gravação da prova oral, pois além de inexistir
previsão legal para tanto, a referida etapa do Concurso é realizada em
local público (item 12.4 do próprio Edital n. 066.0.049.0001/2012 fls. 42), o que não impede, dest’arte, a gravação do procedimento e o
controle de eventuais arbitrariedades promovidas pelos examinadores.
8. Parecer ministerial acolhido. Concessão parcial da segurança,
assegurando-se ao recorrente a participação das demais fases do 30º
Concurso para Ingresso na Magistratura do Estado do Mato Grosso
do Sul.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento
ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari
Pargendler e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 5 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator
DJe 17.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Recurso em
Mandado de Segurança interposto por Fábio Camilo da Silva, contra acórdão
prolatado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso do Sul (fls. 424-429), ementado nos seguintes termos:
88
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Mandado de segurança. Concurso público Magistratura. Investigação social.
Omissão e/ou fornecimento de dados inexatos relativos à idoneidade moral
prevista em edital. Exclusão do certame. Contra-indicação acerca da idoneidade e
conduta ilibada do candidato. Legalidade. Inexistência de direito líquido e certo.
Segurança denegada.
Não se reveste de ilegalidade e abusividade o ato que exclui o candidato
do concurso público para o cargo de Magistrado, ao preencher o “Boletim de
Investigação Social”, o candidato omite informação relevante acerca de sua
idoneidade moral.
Tendo-se embasado a contra-indicação do candidato na fase de investigação
social em relatório preliminar, pautado pela regularidade, não há como prosperar
o pedido de nulidade do ato, já que a discricionariedade na imposição da
exclusão constitui mérito do ato administrativo, não passível de exame pelo
Poder Judiciário (fls. 424).
2. Nas razões do Recurso Ordinário de fls. 432-448, narra ter se inscrito
no 30o. Concurso para Ingresso na Magistratura do Estado do Mato Grosso
do Sul, que previa 5 (cinco) etapas: (a) prova objetiva; (b) provas discursivas;
(c) sindicância da vida pregressa, investigação social, exames médicos e
psicotécnicos; (d) entrevista e prova oral; (e) avaliação de títulos.
3. Relata ter sido aprovados nas 2 (duas) primeiras etapas e, na 3ª fase,
após ter apresentado requisitados, teve sua inscrição definitiva indeferida pelo
Presidente da Comissão de Concurso, decisão esta mantida, em sede de Recurso
Administrativo, pelo Presidente interino do Conselho Superior da Magistratura.
4. A manutenção do indeferimento ensejou a impetração de Mandado
de Segurança no Tribunal de origem, que foi denegado, destacando o voto
condutor que o motivo da exclusão do candidato do certame teria sido a
manifesta intenção do mesmo em omitir informações relevantes sobre o seu passado,
narrando, nesse aspecto, suposta ameaça de aborto do recorrente em desfavor da
pessoa com a qual tem uma filha; dessa maneira, teria omitido realidade mais
grave daquela apresentada, ocultando os documentos, o que teria afrontado a
boa-fé, a razoabilidade e o dever de lealdade; assim, concluiu o TJMS que a
exclusão foi legal e regular, não podendo, ainda, ser questionada pelo Judiciário,
por se tratar de mérito administrativo.
5. O recorrente registra, todavia, não haver qualquer omissão em prestar
informações à Comissão de Concurso - até mesmo porque foi o próprio
candidato quem noticiou os fatos pretéritos de sua vida, tendo mencionado,
inclusive, os autos nos quais havia sido investigado pelo Grupo de Atuação
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
89
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público
Sul-Matogrossense, bem como o Boletim de Ocorrências lavrado em seu
desfavor.
6. Aduz que a Resolução n. 75 do CNJ dispõe que o conteúdo da declaração
firmada pelo candidato, no momento de sua inscrição definitiva, não pode
ensejar sua exclusão do certame.
7. Assevera que o item 10.5 do Edital do Concurso pressupunha a oitiva
do candidato, no prazo de 3 dias, caso as informações obtidas pela Corregedoria
Geral de Justiça evidenciassem fatos desabonadores da conduta do candidato,
hábeis a inabilitá-lo a prosseguir no certame, ou, ainda, inaptidões pessoais
exigidas para o exercício do cargo.
8. Destaca que o Judiciário pode analisar a razoabilidade e a
proporcionalidade do mérito administrativo, averiguando, nesse aspecto, a
legalidade do ato.
9. Sustenta que o fumus boni iuris revela-se das próprias razões recursais,
enquanto que o periculum in mora exsurge-se no fato de a prova oral estar na
iminência de ser realizada.
10. Requer, dessa maneira, o provimento do Recurso, para que se proceda
à sua inscrição definitiva no 30. Concurso para Ingresso na Magistratura do
Estado de Mato Grosso do Sul, bem como para que a prova oral seja gravada.
11. Contrarrazões às fls. 456-457, pugnando pela negativa de provimento
do Recurso Ordinário, sob o argumento de inexistir irregularidade no
procedimento que ensejou o cancelamento da matrícula do impetrante no
certame promovido pela autoridade coatora, sendo defeso ao Poder Judiciário
adentrar na questão atinente à razoabilidade do ato administrativo, por se tratar
do mérito do mesmo.
12. O douto Ministério Público Federal, em parece de lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República, oficiou pelo provimento do Recurso
Ordinário, conforme dispõe a seguinte ementa:
Administrativo. Concurso público. Magistratura do Estado de Mato Grosso do
Sul. Fase de investigação social. Exclusão do certame com base no item 9.1 do edital.
Omissão de informações e declaração falsa quanto à vida pregressa. Mandado
de segurança denegado na origem. Recurso ordinário. Omissão não configurada.
Princípio da vinculação ao edital. Parecer pelo provimento do recurso (fls. 468).
13. É o que havia de importante para ser relatado.
90
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Da análise do
processo, vislumbra-se que o TJMS publicou Edital n. 066.0.049.0001/2012SCSM de abertura do 30º Concurso Público (fls. 25-50), destinado a selecionar
candidatos para o provimento de vagas no cargo de Juiz Substituto da Carreira
da Magistratura do respectivo Órgão; para tanto, previu a realização de 5 etapas:
(a) prova objetiva seletiva; (b) prova discursiva; (c) sindicância da vida pregressa
e investigação social, exame de sanidade física e mental, e exame psicotécnico;
(d) entrevista e prova oral; (e) avaliação de títulos.
2. Restaram incontroversas a aprovação do recorrente na 1ª etapa (fls.
117-122) e na 2ª etapa (fls. 124-132, 133-135 e 137-138), o que ensejou a
convocação do candidato para realizar a Inscrição Definitiva (fls. 140-141),
quando determinou-se a entrega dos documentos descritos no Item 9.1 do
Edital, quais sejam:
9 - Da inscrição definitiva
9.1 Os candidatos classificados nas provas discursivas serão convocados
por Edital para, no prazo de dez dias, requererem sua inscrição definitiva, para
que possam participar das etapas seguintes do concurso, com os seguintes
documentos:
I. cópia do documento de identidade expedido por órgão de identificação dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Territórios, ou pela Ordem dos Advogados do
Brasil, autenticado;
II. duas fotos 3x4 recentes;
III. cópia do diploma de bacharel em Direito, devidamente registrado, ou
certificado de conclusão do curso expedido por Universidade ou Faculdade
reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura, autenticados;
IV. prova de estar em dia com as obrigações eleitorais, mediante certidão da
zona eleitoral em que estiver inscrito;
V. prova de estar em dia com as obrigações do serviço militar, se o candidato
for do sexo masculino;
VI. certidão do órgão disciplinar a que estiver sujeito o requerente,
comprovando não estar sendo processado, nem ter sido punido no exercício
da profissão, de cargo ou de função, devendo apresentar, caso seja advogado,
certidão expedida pela Ordem dos Advogados do Brasil com informação acerca
de sua situação perante aquela instituição;
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
91
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VII. certidão dos distribuidores criminais das Justiças Estadual, inclusive a
Militar, Federal, Militar Federal e Eleitoral, referentes aos lugares em que haja
residido ou atuado nos últimos cinco anos;
VIII. prova de que não tem título protestado, não sofreu execução nem
responde a ações cíveis desabonadoras;
IX. declaração de que não responde a inquérito policial, Estadual, Federal ou
Militar, de que não fez transação em juizado especial e de que não teve nem tem
contra si, em curso, ação penal por crime de qualquer natureza;
X. declaração de que conhece as prescrições do presente regulamento e do
Edital do concurso e se obriga a respeitá-las;
XI. relação de, no mínimo, dez autoridades, sendo cinco judiciárias, com
indicação de seus endereços atualizados e completos, que possam fornecer
informações sobre o candidato;
XII. formulário fornecido pela Comissão Examinadora, em que o candidato
especificará, de forma detalhada e rigorosamente cronológica, os lugares em que
teve residência nos últimos dez anos, além da exata indicação dos períodos e dos
locais de atuação como advogado, magistrado, membro do Ministério Público, da
Defensoria Pública ou Delegado de Polícia, bem como empregos particulares e
outras funções públicas exercidas, nominando as principais autoridades com as
quais tenha servido ou atuado;
XIII. os títulos definidos no item 13 deste Edital;
XIV. comprovação de que exerceu, no mínimo, três anos de atividade jurídica
(fls. 38-39).
3. O recorrente requereu sua inscrição definitiva (fls. 149), apresentando,
concomitantemente, os documentos relacionados no mencionado item 9.1 do
Edital (fls. 150-237).
4. Especificamente em relação ao documento requisitado no item IX do
item 9.1 já mencionado, observa-se que o candidato declarou não responder a
inquérito policial, estadual, federal ou militar, bem como não possuir ação penal
por crime de qualquer natureza contra a sua pessoa, nem ter realizado transação
em Juizado Especial; declarou, ainda, que conhece e se compromete a respeitar as
prescrições editalícias.
5. Todavia, entendeu haver necessidade de apontar os seguintes fatos:
(a) foi investigado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado (GAECO) do Ministério Público do Estado do Mato Grosso do
Sul, em 2009, que investigava suposto envolvimento de seus clientes em crimes
de corrupção passiva e ativa (Procedimento Investigatório Criminal n. 17/2009),
92
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
posteriormente judicializado nos Autos n. 001.09.052642-3 e arquivado; (b)
em 2009, houve a lavratura de Boletim de Ocorrência n. 2.669/2009, que foi
arquivado antes de se transformar em processo; (c) figura no pólo passivo da
Ação de Alimentos n. 0140979-84.2011.8.06.001.
6. Por fim, colocou-se à disposição da Comissão de Concurso para prestar
esclarecimentos, caso houvesse necessidade.
7. Devido às informações prestadas (fls. 171-172), o douto Desembargador
do TJMS requereu expedição de Ofício aos Promotores da GAECO, para
apresentação dos documentos colacionados no Procedimento Investigatório n.
17/2009 e nos Autos n. 001.09.052642-3, referentes à pessoa do impetrante;
determinou, ainda, diligências para obtenção de cópia do Boletim de Ocorrência
n. 2.669/2009 (fls. 239).
8. As informações relacionadas ao Boletim de Ocorrência n. 2.669/2009
e à investigação instaurada pelo MP foram prestadas às fls. 244-339, tanto pela
Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Campo Grande-MS
quanto pela Promotoria.
9. Após analisar os documentos, a Banca Examinadora do Concurso
da Magistratura indeferiu o pedido de inscrição definitiva do candidato (fls.
320-353), ressaltando que o mesmo havia proferido declaração falsa e omitido
informação imprescindível para a adequada avaliação, informação esta tida como
comprometedora do exercício da função judicante; asseverou que o trabalho
desenvolvido pelo candidato junto aos integrantes da organização criminosa não
foram objeto de análise da decisão.
10. Todavia, levou em consideração declarações do candidato obtidas nas
interceptações telefônicas deferidas no Procedimento Investigatório n. 17/2009 como
fundamento para o indeferimento da inscrição definitiva do impetrante, a
despeito de tais fatos não terem repercutido definitivamente na seara penal.
11. Nessa linha, registrou o Voto Condutor que o recorrente havia
omitido deliberadamente acerca da realidade dos fatos, assim como dos respectivos
documentos, pois do relacionamento que o candidato teve com Marize Collyer
de Lima (referente ao Boletim de Ocorrência n. 17/2009) anuncia condutas
não condizentes com a função judicante, pois o candidato teria coagido sua
antiga parceira a praticar aborto por meio de medicação, ameaçando agredi-la,
caso não realizasse o aborto; ademais, teria providenciado a compra ilegal de
medicamento abortivo em Ponta Porã-MS; ressaltou, ainda, que o candidato
possuía plena consciência da ilicitude das condutas perpetradas.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
93
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
12. Concluiu, assim, que houve deliberada ocultação de documentos
relacionados aos fatos, e que os mesmos foram mais graves do que aqueles
apresentados pelo impetrante, o que fez com que a inscrição definitiva do
candidato fosse indeferida, nos termos do art. 28 da Resolução n. 64, de
21.3.2012, do TJMS, e item 9.9 do Edital de Abertura do Concurso, que
dispõem o seguinte:
Art. 28 - O candidato que fizer declaração falsa ou omitir quaisquer das
informações exigidas nesta Resolução, terá sua inscrição cancelada e sujeitar-se-á
às sanções legais.
9.9 - O candidato que fizer declaração falsa ou omitir quaisquer das
informações exigidas na Resolução n. 64/2012, será excluído do certame, terá sua
inscrição canelada e sujeitar-se-á às sanções legais (fls. 346).
13. Registrou, peremptoriamente, que não se trata de excluir o candidato
apenas pela existência de procedimentos criminais já instaurados em face de Fábio
Camilo da Silva. O que se tem por relevante é a conduta omissiva do candidato, que
deixou de trazer aos autos documentos de extrema relevância e a declaração correta dos
fatos (fls. 348).
14. O Recurso Administrativo (fls. 354-365) interposto contra a decisão
prolatada pela Comissão do 30º Concurso da Magistratura foi desprovido pelo
colendo Conselho Superior da Magistratura (fls. 366-376).
15. Ao prestar informações, a Autoridade Coatora destacou que o
impetrante, além de ter omitido os documentos, prestou informações não
consentâneas com a realidade; ressaltou inexistir excesso ou desvio de poder,
pois houve estrita observação aos ditames legais que tratam do concurso;
registrou que, a despeito de os fatos não poderem ser considerados para fins
de antecedentes criminais, comprometem a função judicante; asseverou que,
apesar de Fábio Camilo da Silva não possuir condenações em seus antecedentes
criminais, há possibilidade legal disso ocorrer futuramente.
16. Pontuou que os fatos comprometem a continuidade do candidato
no certame, ainda que não constatada, até o presente momento, a pratica de
qualquer delito, pois o que se questiona é a omissão dos documentos e nas
declarações.
17. No julgamento do mandamus (fls. 424-430), o TJMS destacou que o
motivo que ensejou o indeferimento de sua inscrição definitiva foi a manifesta
intenção do mesmo em omitir informações relevantes sobre o seu passado, faltando,
dest’arte, com o dever de lealdade à Administração.
94
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
18. Ressaltou não existir irregularidade no procedimento que indeferiu a
inscrição definitiva do impetrante, sendo defeso ao Poder Judiciário adentrar na
questão atinente à razoabilidade do ato, por se tratar de mérito administrativo.
20. Com esteio em tais argumentos, houve a denegação da ordem.
21. Cinge-se a controvérsia em saber, portanto, se a omissão alegada pela
Comissão do Concurso - e confirmada em Mandado de Segurança - existiu e,
consequentemente, configura ofensa ao Edital e justifica o julgamento subjetivo
acerca da idoneidade do candidato.
22. Primeiramente, é importante destacar que o acesso aos cargos públicos
pressupõe o preenchimento de requisitos estabelecidos em lei - dentre eles,
requisitos de natureza subjetiva, que, no caso em exame, relaciona-se à sindicância
da vida pregressa e à investigação social do candidato, que almejam à análise da
capacitação moral do indivíduo, destinando-se, nesse diapasão, à captação de
informações acerca da sociabilidade, atividade profissional, conduta familiar
e social do candidato, assim como sobre questões e dados pessoais por este
prestados; acerca de tais requisitos de ordem subjetiva, em regra, não compete ao
Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e na conclusão da Comissão do
Concurso, tendo em vista que, em respeito ao princípio da separação de poderes
consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a
responsabilidade pelo seu exame.
23. Excepcionalmente, contudo, havendo flagrante ilegalidade que dê azo
a arbitrariedades por parte dos agentes integrantes da Comissão, bem como que
implique ausência de observância às regras previstas no edital, admite-se sua
análise pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade e da vinculação ao
edital.
24. In casu, conforme já mencionado, o recorrente foi desclassificado na
fase da sindicância da vida pregressa e investigação social, por ter, de acordo com
a Banca Examinadora, omitido informações relevantes sobre o seu passado.
25. Nessa esteira, sabe-se que a jurisprudência desta egrégia Corte Superior
de Justiça firmou entendimento de que a prestação falsa ou omissão deliberada
e relevante, pelo candidato, acerca de elementos atinentes à sua vida pregressa,
justifica sua desclassificação no certame, a saber:
Administrativo. Processual Civil. Servidor estadual. Policial militar. Concurso
público. Exclusão na fase de investigação social. Omissão de informações. Previsão
no edital. Ausência de direito líquido e certo. Precedentes.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
95
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra
acórdão que denegou o pleito de anulação da portaria que excluiu candidato do
certame ao cargo de soldado da Polícia Militar por não ter apresentado as devidas
informações na fase de investigação social; o impetrante alega que informou em
formulário ter respondido ocorrência criminal a qual, contudo, teria resultado em
transação penal.
2. As provas pré-constituídas juntadas aos autos não demonstram a juntada
das certidões de antecedentes das justiças federal e estadual, assim como das
polícias federal e estadual, conforme exigido expressamente nos itens 8.4, “b” e
“d” do edital do concurso; tal exigência editalícia, inclusive, possui amparo na Lei
Complementar Estadual n. 108/2008.
3. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a omissão em prestar
informações, conforme demandado por edital, na fase de investigação social ou
de sindicância da vida pregressa, enseja a eliminação de candidato do concurso
público. Precedentes: AgRg no RMS n. 34.719-MS, Rel. Ministro Humberto Martins,
Segunda Turma, DJe 23.11.2011; RMS n. 20.465-RO, Rel. Ministro Jorge Mussi,
Quinta Turma, DJe 13.12.2010; e RMS n. 32.330-BA, Rel. Ministro Castro Meira,
Segunda Turma, DJe 1.12.2010.
Agravo regimental improvido (AgRg no RMS n. 39.108-PE, Rel. Min. Humberto
Martins, DJe 2.5.2013).
Administrativo. Mandado de segurança. Concurso público. Etapa de avaliação de
vida pregressa. Prestação de informações falsas. Exclusão do certame. Legitimidade.
Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RMS n. 36.303SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 27.8.2012).
Administrativo. Servidor estadual. Concurso público. Magistratura. Exclusão na
fase de investigação social. Omissão de informações. Previsão no edital. Ausência
de direito líquido e certo.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que manteve o
indeferimento da petição inicial, pela manifesta ausência de direito líquido e
certo na impetração; no writ, foi perseguida a anulação da exclusão de candidato
em concurso para a magistratura estadual que omitiu informações na fase de
investigação social.
2. A alegação recursal está baseada na interpretação de que o candidato
somente deveria comunicar as ações e transações penais em curso, não sendo
necessária a informação de eventos anteriores; todavia, o item 9.IX do Edital é
claro no sentido de que as informações referem-se ao presente e ao passado.
3. A falta em cumprir o requisito do Edital, ou seja, prestar as informações
devidas para a fase de investigação social enseja a exclusão do candidato.
Precedentes: RMS n. 20.465-RO, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe
13.12.2010; e RMS n. 32.330-BA, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe
1.12.2010.
96
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Agravo regimental improvido (AgRg no RMS n. 34.719-MS, Rel. Min. Humberto
Martins, DJe 23.11.2011).
26. Na hipótese em exame, mais especificamente da leitura da Declaração
de fls. 171-172, observa-se que, o recorrente declarou, para os devidos fins,
nos termos do item 9.1, IX do Edital n. 066.0.049.0001/2012 - SCSM, que não
responde a inquérito policial, estadual, federal ou militar, bem como que não teve
e não possui ação penal por crime de qualquer natureza ajuizada em seu desfavor,
nem realizou transação em Juizado Especial; tal pronunciamento responde, de
forma adequada e suficiente, a exigência editalícia, que exige que o teor da
declaração emanada pelo candidato esclareça situações fáticas atuais, presentes, e
não referentes a situações pretéritas; a propósito, confira-se o disposto no inciso IX
do item 9.1 do Edital n. 066.0.049.0001/2012:
9 - Da inscrição definitiva
9.1 - Os candidatos classificados nas provas discursivas serão convocados
por Edital para, no prazo de dez dias, requererem sua inscrição definitiva, para
que possam participar das etapas seguintes do concurso, com os seguintes
documentos:
(...);
IX - declaração de que não responde a inquérito policial, Estadual, Federal ou
Militar, de que não fez transação em juizado especial e de que não teve nem tem
contra si, em curso, ação penal por crime de qualquer natureza;
(...) (fls. 38).
27. Contudo (talvez por excesso de zelo do candidato), o ora recorrente
optou por inserir uma Observação, no final da Declaração de fls. 171-172, relatando
já ter sido investigado pelo Ministério Público e já ter sido formalizado um Boletim
de Ocorrência em seu desfavor, ambos ocorridos no ano de 2009; para melhor
visualização das informações prestadas, cita-se o conteúdo da observação
formalizada pelo candidato:
OBS: Contudo, tendo em conta os fatos a seguir narrados, entendo serem
necessários alguns esclarecimentos.
Apesar de sempre ter tido conduta ilibada e irrepreensível na vida privada e
profissional, como era advogado criminalista, e creio que muitos advogados que
labutam nessa seara estão sujeitos a isso, fui investigado pelo Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público do
Estado do Mato Grosso do Sul em 2009, pois alguns (à época, e não mais) clientes
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
97
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
meus estavam sob a suspeita de estarem envolvidos em crimes de corrupção
passiva e ativa juntamente com policiais civis da Delegacia Especializada de
Ordem Política e Social (DEOPS).
Desta feita, em relação a mim, gerou-se o Procedimento Investigatório Criminal
de número 17/2009 junto ao GAECO que posteriormente foi judicializado Autos n. 001.09.052642-3 e arquivado, pois, conforme narram minhas certidões
de antecedentes, nunca pratiquei qualquer crime nem sequer dei azo a uma
persecução criminal judicial.
Por outro lado, consta nos termos do Boletim de Ocorrências n. 2.669/2009
fato a mim atribuído (e não ocorrido) em relação à pessoa de Marize Collyer de
Lima.
Esclareço que me relacionei brevemente com tal pessoa em meados de 2009
e que fruto desse envolvimento nasceu minha filha - I.C. de L. C., devidamente
registrada e a quem pago pensão alimentícia regularmente, apesar de ainda estar
tramitando na 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza a Ação de Alimentos n.
0140979-84.2011.8.06.0001.
(...).
Também esse expediente foi arquivado e sequer se transformou em processo.
(...) (fls. 171-172).
28. Após ter ponderado tais circunstâncias - ocorridas em 2009, conforme
já destacado - finalizou a Observação colocando-se à disposição da Comissão de
Concurso para prestar quaisquer outras informações que forem julgadas necessárias
(ob. cit.).
29. Da análise das circunstâncias ora narradas, observa-se que, ao contrário
do que concluiu o Tribunal de origem, não se verifica qualquer omissão dolosa por
parte do recorrente, pois além de ter emitido declaração em conformidade com
o que foi exigido no edital - anunciando não estar respondendo a inquéritos
policiais ou a ações criminais, além de jamais ter transacionado nos Juizados
Especiais - as informações relacionadas ao seu passado - Inquérito n. 17/2009
e Boletim de Ocorrência n. 2.669/2009 - foram prestadas pelo próprio candidato,
comunicações estas que não foram exigidas pelo Edital do 30º Concurso para
Provimento de Cargos de Magistrados do TJMS; ademais, a disposição do
recorrente a prestar quaisquer esclarecimentos à Comissão de Concurso afasta qualquer
má-fé ou dolo do recorrente em omitir informações relevantes acerca de sua vida
pregressa.
30. Além disso, a exclusão direta do candidato, pela Comissão de Concurso,
sem a prévia oitiva do prejudicado, fulminou-lhe o direito ao devido processo
98
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
administrativo previsto no Edital do Concurso, que imprescinde da intimação do
candidato para, no prazo de 3 dias, ser ouvido antes da decisão desclassificatória; citase, por oportuno, o inteiro teor dos itens do Edital n. 066.0.049.0001/2012 que
tratam sobre a hipótese em comento:
10 - Da investigação sobre o candidato e da sindicância sobre sua vida pregressa
10.1 - Após a divulgação dos resultados das provas discursivas e antes da
aplicação da prova oral, o Presidente da Comissão do Concurso solicitará ao
Corregedor-Geral de Justiça que promova investigações em caráter reservado,
objetivando colher informações sobre idoneidade moral, educação, sociabilidade,
atividade profissional, conduta familiar e social do candidato, bem como sobre
informações e dados pessoais por estes prestados, cuja falsidade implicará
eliminação do certame, sem prejuízo de outras iniciativas legais.
10.2 - As informações serão colhidas junto às autoridades do domicílio do
candidato, tais como juízes, promotores de justiça, defensores públicos, prefeitos,
deputados, vereadores, delegados de polícia e outros que o Corregedor-Geral de
Justiça entender conveniente.
10.3 - Obtidas as informações, o Presidente da Comissão distribuirá os autos
entre os seus membros efetivos, a fim de serem examinados no prazo de cinco
dias.
10.4 - Findo o prazo do artigo anterior, a Comissão, em sessão reservada, da
qual participará o Corregedor-Geral de Justiça, sem direito a voto, deliberará
sobre a manutenção da inscrição dos candidatos.
10.5 - Se das informações obtidas pela Corregedoria Geral de Justiça se delinear
que existe fato desabonador da conduta do candidato, ou fato que seja passível de
o inabilitar a prosseguir no certame, ou ainda que evidencie ausência de aptidões
pessoais exigidas para o exercício do cargo, este deverá ser ouvido no prazo de 03
(três) dias, contados da intimação veiculada no Diário da Justiça.
10.6 - Fluído o prazo previsto no parágrafo anterior, com ou sem manifestação
do candidato, a Comissão, em sessão reservada, da qual participará o CorregedorGeral de Justiça, sem direito a voto, deliberará sobre a manutenção da inscrição
do candidato (fls. 40).
31. Assim, além de não se verificar a alegada omissão dolosa ou má-fé do
candidato, que poderia justificar sua exclusão do certame, houve a inobservância
do devido processo administrativo, previsto no Edital do Concurso, de maneira
que a concessão da segurança é medida que se impõe.
32. Acerca da exclusão do candidato, com esteio em fatos inverídicos, o
Superior Tribunal de Justiça já concedeu a segurança em situações equivalentes,
conforme atesta o seguinte julgado:
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
99
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Constitucional. Administrativo. Recurso em mandado de segurança. Concurso
público para Juiz de Direito. Investigação social. Fatos inverídicos. Eliminação de
candidato aprovado. Ilegalidade.
Embora seja a investigação social meio idôneo para averiguar a aptidão e
a probidade de candidato ao exercício da magistratura, a sua eliminação deve
fundar-se em fatos verídicos, demonstrativos da inidoneidade de comportamento,
incompatível com o cargo.
Demonstrada a improcedência da acusação formulada contra candidato
aprovado em todas as etapas do certame e classificado dentro do número de
vagas previstas, impõe-se seja reconhecido o seu direito à nomeação para o
cargo, sob pena de violação a princípios legais e constitucionais.
Recurso ordinário provido. Segurança concedida (RMS n. 14.587-ES, Rel. Min.
Vicente Leal, DJ 7.10.2002, p. 301).
33. Por fim, ainda que a Comissão do Concurso tivesse qualificado o
conteúdo dos fatos apurados como desabonadoras da conduta social e moral do
candidato, a ilegalidade do ato seria manifesta, pois iriam levar em consideração
circunstâncias (suposta ameaça de mal grave, formulada pelo candidato e
direcionada a Marize Collyer de Lima, caso a mesma não abortasse, e intenção
do recorrente em adquirir remédio abortivo) que, caso configurassem crime, o
mesmo restaria prescrito, à luz dos arts. 147 e 109, VI do CPC, este último com a
redação anterior à vigência da Lei n. 12.234/2010.
34. Impõe-se ponderar, ainda, que a criança nasceu, chegando-se à
conclusão de que a busca, pelo candidato, de remédio abortivo configuraria,
no máximo, mera cogitação de crime de aborto, pois sequer há notícias nos autos
de que o medicamento fora, efetivamente, adquirido; assim, como é de pleno
conhecimento no âmbito jurídico, não se pune a mera cogitação de prática de
conduta criminosa.
35. Em casos semelhantes, este douto Tribunal Superior de Justiça já
firmou entendimento semelhante, a saber:
Processual Civil e Administrativo. Recurso especial. Limites normativos.
Apreciação de matéria constitucional. Inadequação da via eleita. Concurso
público. Investigação social. Candidato processado. Prescrição. Presunção de
inocência. Precedentes.
I - É vedado a esta Corte, em sede de recurso especial, adentrar ao exame de
pretensa violação a dispositivos constitucionais, cuja competência encontra-se
adstrita ao âmbito do Supremo Tribunal Federal, conforme prevê o art. 102 da
Carta Magna, ao designar o Pretório Excelso como seu Guardião. Neste contexto,
100
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
a pretensão trazida no especial exorbita seus limites normativos, que estão
precisamente delineados no art. 105, III da Constituição Federal.
II - Consoante já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato
de o candidato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente
arquivado ante a ocorrência da extinção da punibilidade pela prescrição, não pode
ser considerado como desabonador de sua conduta, seu maior detalhamento,
de forma impedir sua participação no concurso público, sob pena de ofensa ao
princípio da presunção de inocência. Precedentes.
III - Agravo interno desprovido (AgRg no Ag n. 463.978-DF, Rel. Min. Gilson
Dipp, DJ 4.8.2003, p. 370).
36. Diante do exposto, a insurgência do recorrente, quanto ao direito de
participar das demais fases do concurso, deve ser acolhida, ante a demonstração
de seu direito líquido e certo, nesse aspecto.
37. Por outro lado, carece-lhe de interesse de agir, quanto ao alegado
direito líquido e certo à gravação da prova oral, pois além de inexistir previsão
legal para tanto, a referida etapa do Concurso é realizada em local público (item
12.4 do próprio Edital n. 066.0.049.0001/2012 - fls. 42), o que não impede,
dest’arte, a gravação do procedimento e o controle de eventuais arbitrariedades
promovidas pelos examinadores.
38. Com base nessas considerações, acolhe-se o parecer ministerial, para votar
pela concessão parcial da segurança, para assegurar ao recorrente Fábio Camilo
da Silva a participação das demais fases do 30º Concurso para Ingresso na
Magistratura do Estado do Mato Grosso do Sul. É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.320.737-PR (2012/0086039-6)
Relator: Ministro Ari Pargendler
Recorrente: Município de São Cristovão do Sul
Advogados: Fernando Takeshi Ishikawa e outro(s)
Patricia Suemi Ishikawa e outro(s)
Fabio Carneiro Cunha
Rafael Gonçalves de Albuquerque
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
101
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: D. Borcath Importadora e Exportadora Ltda
Advogado: Jose Machado de Oliveira e outro(s)
Interessado: Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fósforos de
Curitiba
EMENTA
Tributário. Obrigação acessória. Exigência de aposição de selo
em caixas de fósforos de procedência estrangeira. Acordo Geral sobre
Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT. CTN, Art. 98.
As obrigações acessórias são previstas “no interesse da arrecadação
ou da fiscalização dos tributos” (CTN, art. 113, § 2º).
Legal que seja a imposição do selo em produtos industrializados
de procedência estrangeira (L. 4.502/1964, art. 46), essa exigência tem
seus limites na finalidade fiscal e na respectiva razoabilidade.
Espécie em que o selo inibe a importação sub judice, à vista do
que está evidenciado no seguinte trecho da sentença, reproduzido pelo
acórdão:
“(...) a exigência fiscal, no caso específico dos autos, resultaria na
selagem manual de 23.148.000 caixas de fósforos”.
Método de fiscalização que não é razoável porque gravoso,
aparentando finalidade extrafiscal.
Afronta ao art. III, parte II, do Acordo Geral Sobre Tarifas
Aduaneiras e Comércio, incorporado à nossa ordem jurídica pelo
Decreto n. 1.355, de 1994; prevalência da convenção internacional, à
vista do disposto no art. 98 do Código Tributário Nacional.
Recursos especiais conhecidos, mas desprovidos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
102
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
unanimidade, conhecer dos recursos especiais, mas negar-lhes provimento nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves
Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina
votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentaram oralmente o Dr. Fabio
Carneiro Cunha, pelo Município de São Cristóvão do Sul, o Dr. Vitor Soares de
Lima, pela Fazenda Nacional, e a Dra. Michelle Heloise Akel, pela D. Borcath
Importadora e Exportadora Ltda.
Brasília (DF), 21 de maio de 2013 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator
DJe 29.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Os autos dão conta de que D. Borcath
Importadora e Exportadora Ltda. propôs ação ordinária contra a União,
requerendo o reconhecimento da “inconstitucionalidade e a ilegalidade da exigência
de aposição de selos de controle, conforme disposto na Instrução Normativa SRF n.
31/99, determinando-se à Ré que se abstenha de exigi-los, por ocasião do desembaraço
aduaneiro, sempre que se trate do mesmo produto (fósforos da marca ‘Zebra’, do
fabricante ‘Nacional Match Company’ - produzidos dentro das especificações técnicas
exigidas pelos órgãos brasileiros - Inmetro/INOR), sem prejuízo do pagamento dos
tributos devidos em cada importação” (e-stj, fl. 31).
A MM. Juíza Federal Substituta, Dra. Tani Maria Wurster, julgou
procedente o pedido para “reconhecer a inconstitucionalidade e ilegalidade da
exigência no desembaraço aduaneiro de aposição de selos de controle previstos na IN
n. 31/99 SRF, sempre que se trate do mesmo produto, fósforos da marca ‘Zebra’, do
fabricante ‘Nacional Match Company’, produzidos dentro das especificações técnicas
dos órgãos brasileiros, sem prejuízo do pagamento dos tributos devidos pela importação”
(e-stj, fl. 372-373).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relatora a MM. Juíza Federal
Luciane Amaral Corrêa Münch, negou provimento aos recursos de apelação
interpostos pelo Município de São Cristóvão do Sul e pela União nos termos do
acórdão assim ementado:
“Tributário. Amicus curiae. Incabível. IPI. Selo de controle. Art. 46 da Lei n.
4.502/1964 e IN n. 31/99.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
103
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. O art. 7º, parágrafo segundo, da Lei n. 9.868/1999 é específico para os processos
de ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal, que não admitem intervenção de terceiros na
forma do CPC. Assim, conclui-se que a todas as demais lides, aplicável o CPC, que
tem regras específicas para intervenção de terceiros, não prevendo a figura do amicus
curiae.
2. A exigência prevista na Instrução Normativa n. 31/99 da Secretaria da
Receita Federal, apesar de atender ao comando disposto no artigo 46 da Lei n.
4.502/1964, onera excessivamente a importação promovida pela autora, produzindo
diferenciação repudiada pela Organização Mundial do Comércio entre o produto
nacional e o importado, conforme o artigo III, parte II, do Acordo Geral sobre Tarifas
Aduaneiras e Comércio, incorporado à ordem jurídica interna pelo Decreto n.
1.355/1994.
3. Fósforos nacionais e estrangeiros são produtos similares e inexiste dúvida
de que são concorrentes no mercado nacional. Embora para ambos a alíquota do IPI
seja zero, a imposição dos selos vinculados ao tributo apenas aos fósforos estrangeiros,
da forma como estruturada - obrigando o importador a selar cada caixinha para
comercialização no mercado interno - sem dúvida impõe ônus que onera o produto
estrangeiro excessivamente em comparação com o nacional, com efeito protecionista da
indústria local” (e-stj, fl. 697).
Opostos embargos de declaração, foram parcialmente acolhidos apenas
para fins de prequestionamento (e-stj, fl. 716-721).
O Município de São Cristóvão do Sul interpôs recurso especial, com base
no art. 105, III, a, da Constituição Federal, por violação do artigo 46 da Lei n.
4.502, de 1964 e da IN n. 31/1999, sustentando que:
“Apesar de a recorrida pleitear o direito de importar fósforos oriundos de outro
país sem a devida aposição de estampilhas, constata-se que o art. 46, da Lei n.
4.502, de 30 de novembro de 1964, dispõe sobre a possibilidade de regulamento
determinar ou autorizar que o Ministério da Fazenda estabeleça a rotulagem de
produtos estrangeiros.
(...)
Ocorre que o Ministério da Fazenda exerceu seu poder discricionário de exigir
a rotulagem de produto estrangeiro por intermédio da Instrução Normativa SRF n.
31/99, que, em seu art. 2º, assevera que estão sujeitos ao selo de controle os fósforos de
procedência estrangeira classificados na posição 3605.00.00 da Tabela de Incidência
do Imposto sobre Produtos Industrializados.
104
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
(...)
Em assim sendo, ao declarar a inexigibilidade da aposição de selo de controle
em mercadoria proveniente do exterior, sob o fundamento de que tal obrigação
onera excessivamente o produto estrangeiro, demonstra-se que o v. acórdão recorrido
contraria expressamente dispositivo de lei federal, cujo escopo é propriamente a defesa
dos interesses nacionais nas operações de comércio exterior” (e-stj, fl. 730-731).
Seguiu-se o recurso especial interposto pela União, com base no art. 105,
III, a, da Constituição Federal, por violação do art. 535 do Código de Processo
Civil, do art. 46 da Lei n. 4.502, de 1964, e do art. XX, d, do GATT, alegando
que:
“A defesa da Fazenda Nacional foi calcada no art. 46 da Lei n. 4.502/1964,
dispositivo legal que, de um lado, não teve sua inconstitucionalidade declarada pelo
órgão próprio desta Corte Regional e, de outro, não pode ser derrogado por norma que
lhe é anterior, in casu, o acordo geral GATT, que apenas foi reeditado em 1994 mas
que manteve, em seu art. III, a redação do GATT original, que data de 1947, ocasião
em que o Brasil já era signatário do referido acordo internacional.
Ao lado da implícita declaração de inconstitucionalidade que ofende ao art. 97
da Constituição Federal, de se notar, ainda, que há negativa de vigência ao referido
dispositivo legal, que, não tendo sido afastado por inconstitucionalidade, deixou de
ser aplicado, embora plenamente vigente no País. E a Corte Superior competente
para examinar legislação federal a que foi negada vigência é esse Colendo Superior
Tribunal de Justiça, razão pela qual cabível o recurso especial.
Mais ainda, sendo os acordos internacionais recebidos com força legislativa,
deixou de ser aplicado, ainda, o art. XX, letra d, do GATT, que assim, igualmente,
teve sua vigência negada.
Importante anotar que a norma aplicada pela Corte Regional como inibidora da
vigência do at. 46 da Lei n. 4.502, o acordo geral GATT, data de 1947. Nesta data
o Brasil era já signatário do acordo. Assim que o referido artigo 46, que veio a lume
apenas em 1964, lhe é posterior, devendo prevalecer sobre o acordo de livre comércio,
e não o contrário. Note-se que o GATT/1994 é reedição daquele de 1947, tendo a
norma apenas sido repetida.
Importante observar, ainda que não se trata aqui de norma tributária, mas de
norma baseada no controle do comércio internacional, a cargo da Secretaria da Receita
Federal, e como tal deve ser observado. Ainda de se notar que, datando de 1964, a
referida norma legal não restou afastada por solução de controvérsias da Organização
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
105
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Mundial do Comércio até o presente, tampouco foi o Brasil penalizado por força de tal
norma vigente” (e-stj, fl. 814-815).
Contrarrazões às fl. 904-936.
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): As obrigações acessórias são
previstas “no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos” (CTN, art.
113, § 2º). Legal que seja a imposição do selo em produtos industrializados de
procedência estrangeira (L. 4.502/1964, art. 46), essa exigência tem, portanto,
seus limites na finalidade dessas obrigações e na respectiva razoabilidade.
Que o selo inibe a importação sub judice, está evidenciado no seguinte
trecho da sentença, reproduzido pelo acórdão:
“(...) a exigência fiscal, no caso específico dos autos, resultaria na selagem manual
de 23.148.000 caixas de fósforos” (e-stj, fl. 373 e fl. 692).
Quid?
Salvo melhor juízo, nesse caso, a obrigação acessória não é razoável,
aparenta finalidade extrafiscal e implica a adoção de método gravoso de
fiscalização, afrontando o art. III, parte II, do Acordo Geral Sobre Tarifas
Aduaneiras e Comércio, incorporado à nossa ordem jurídica pelo Decreto n.
1.355, de 1994.
Para essa conclusão, não há necessidade de declarar a inconstitucionalidade
do art. 46 da Lei n. 4.502, de 1964. A prevalência do Acordo Geral Sobre Tarifas
Aduaneiras e Comércio resulta do art. 98 do Código Tributário Nacional, in
verbis:
“Art. 98 - Os tratados e as convenções internacionais revogam ou
modificam a legislação tributária interna, e serão observadas pela que lhes
sobrevenha”.
Quer dizer, nada importa se a Lei n. 4.502, de 1964 é anterior ou posterior
ao Acordo Geral Sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio; em qualquer dos casos
sobrepõe-se a convenção internacional.
O Tribunal a quo decidiu a lide à vista do exame detido dos autos,
enfrentando as questões realmente importantes para o seu desfecho, de modo
que a alegação - de que o art. 535, II, do Código de Processo Civil, de que o
art. 113 do Código Tributário Nacional e de que os arts. III da Parte II e XX,
106
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
letra d, do Acordo Geral Sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio tenham sido
contrariados pelo julgado - não procede.
Voto, por isso, no sentido de conhecer dos recursos especiais, negando-lhes
provimento.
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Senhor Presidente,
também acompanho o voto do Senhor Ministro Relator, mas queria fazer duas
observações.
2. Em primeiro lugar, a exigência da selagem dessas caixas de fósforos me
parece puramente aduaneira, sem nenhuma repercussão fiscal. É simplesmente
o controle do ingresso dessa mercadoria em território nacional, sem que, para
esse ingresso, essa exigência signifique incidência de tributo. Portanto, é um
controle só aduaneiro, só administrativo a meu ver. Esse é o primeiro ponto.
3. O segundo ponto, Senhor Presidente e Senhor Ministro Ari Pargendler,
a preservação do mercado interno é uma preocupação constante de todos
os países, não apenas do Brasil, nem dos países subdesenvolvidos, nem dos
periféricos do capitalismo. Cada sociedade, cada Estado protege seu mercado
com os meios disponíveis. O GATT é um tratado antigo, de 1958, muito antigo,
e que foi elaborado numa época em que o desequilíbrio entre as economias era
absolutamente desconsiderador da complementaridade entre elas. Eu tenho a
impressão de que isso é patente, é de 1958, ou até antes esse acordo do GATT.
4. Senhor Ministro Ari Pargendler, eu acompanho o voto de V. Exa.,
mas tenho a pretensão de sugerir que a autoridade aduaneira edite um outro
normativo que proteja o mercado interno de fósforo, pois tenho que confessar a
minha surpresa em saber que o Brasil importa caixa de fósforos. Eu não sabia,
pensei que as caixas de fósforos eram feitas no Paraná.
5. Senhor Presidente, pela importância e relevância dessa matéria, queria
fazer mais uma brevíssima observação. Poucos países do mundo mantêm o seu
Fisco agregado à sua aduana. Essa medida, que V. Exa. invocou muito bem,
art. 113, § 2º, do CTN, é obrigação acessória fiscal. A selagem de controle é de
natureza aduaneira, não é fiscal, inclusive porque a alíquota é zero. Não é fiscal;
essa medida é puramente aduaneira.
6. Entendo que, neste caso, a aduana brasileira é consorciada com o Fisco
brasileiro. Se a aduana fosse separada do Fisco, não haveria essa superposição
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
107
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de análise da medida adotada. Neste caso, o interesse da selagem não é fiscal, é
aduaneiro. Todos percebem claramente a distinção entre o que é interesse fiscal
e o que é interesse aduaneiro. Além disso, sei que os tratados se sobrepõem às
normas internas nacionais. Entretanto desde o tempo de Hugo Grotius que
se dizia: “mas os tratados internacionais se curvam perante às constituições
nacionais”, porque, senão, seria abolir a própria soberania interna de cada Estado
signatário de qualquer acordo internacional, no caso, o GATT. A Constituição
Brasileira – a Constituição, e não a lei ou o Código Tributário, nem lei
regulamentar, nem nada – prevê expressamente a proteção do mercado interno
como um dos valores nacionais a ser preservado; a previsão é constitucional.
7. Faço essas ressalvas e, embora não seja função do juiz fazer recomendação
– ele só decide: sim ou não, por isso ou por aquilo –, penso que, no caso, a medida
aduaneira é legítima e deve ser adotada para preservar o mercado internacional
de fósforos.
8. Mesmo com as observação do Senhor Ministro Ari Pargendler,
considero a abertura de mercado, sem reservas, para a produção dos países
centrais do capitalismo, um mal, em detrimento do desenvolvimento nacional,
a colonização das economias periféricas. Quer dizer, abrir a economia nacional
para a importação de produtos industrializados, seja lá qual for: sapatos, óculos,
perucas, perfumes etc., significa desemprego no Brasil.
9. Concedo a ordem, mas com esta observação: por causa da
desoperacionalidade da medida: trata-se de um milhão e não sei quantas
caixinhas de fósforos. Acho que realmente pareceu uma espécie de viés
incompatível com a liberdade de comércio, que tem de ser compatibilizada
também com a nossa liberdade pessoal.
10. Senhor Presidente, acompanho o voto do Senhor Ministro Relator, com
essas observações, tendo em vista só e somente só a impraticabilidade do exercício
da selagem. Mas precisa-se preservar o mercado nacional, sem dúvida alguma.
RECURSO ESPECIAL N. 1.338.038-RS (2012/0167525-9)
Relator: Ministro Benedito Gonçalves
Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul
108
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Procurador: Marcos Antônio Miola e outro(s)
Recorrido: Companhia Zaffari Comércio e Indústria
Advogados: Carlos Augusto Sobral Rolemberg e outro(s)
Fábio Canazaro e outro(s)
Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite e outro(s)
Ronei Ribeiro dos Santos e outro(s)
EMENTA
Processual Civil e Tributário. Recurso especial. ICMS.
Fornecimento de refeições prontas. Tributação diferenciada. Fruição
por supermercado. Acórdão recorrido fundado em interpretação
constitucional (art. 155, § 2º, III, da CF) do termo “similares” a bares e
restaurantes contido na legislação estadual. Revisão. Impossibilidade.
Matéria constitucional e Súmula n. 280-STF.
1. Fundada na alegação de violação do art. 111, II, do CTN,
a Fazenda estadual interpõe recurso especial contra acórdão que,
interpretando o alcance do termo “similiares” contido na legislação
estadual, entendeu que supermercado, no tocante especificamente
ao fornecimento de refeições prontas dentro de suas dependências,
tem direito a usufruir do tratamento tributário diferenciado de
recolhimento de ICMS, porquanto assemelha-se a “bares, lanchonetes,
restaurantes, cozinhas industriais e similares”.
2. Para esse mister, a Corte estadual respaldou-se no princípio
constitucional da seletividade (art. 155, § 2º, III, da CF), para decidir
que o termo “similares” deve levar em consideração a natureza da
mercadoria fornecida e não a natureza do estabelecimento.
3. Não cabe a esta Corte Superior, em sede de recurso especial,
rever a interpretação que o Tribunal de origem deu à legislação local,
notadamente quando amparada em preceito constitucional. Incide, na
espécie, o óbice estampado na Súmula n. 280-STF.
4. “Por ofensa reflexa à lei federal não é cabível recurso especial”
(AgRg no AREsp n. 62.249-MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves
Lima, Primeira Turma, DJe 24.5.2012).
5. Recurso especial não conhecido.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
109
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça
prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Arnaldo Esteves
Lima, por maioria, vencido o Sr. Ministro Sérgio Kukina (voto-vista), não
conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima (voto-vista) e Napoleão Nunes Maia
Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedido o Sr. Ministro Ari Pargendler.
Brasília (DF), 15 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Benedito Gonçalves, Relator
DJe 5.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial interposto
pelo Estado do Rio Grande do Sul, com fulcro na alínea a do permissivo
constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça gaúcho, assim ementado
(fl. 675):
Processual Civil e Tributário.
Apelação. Julgamento. Resultado. Votos e par te dispositiva.
Incompatibilidade. Irrelevância.
Irrelevante a incongruência entre o teor dos votos e o da parte dispositiva, pois
o que interessa é o resultado do julgamento.
ICMS. Fornecimento de refeições. Benefícios fiscais. Fruição. Direito. Critério.
Essencialidade. Compreensão.
O estabelecimento que produz e comercializa refeições desenvolve atividade
similar a “bares, lanchonetes, restaurantes, cozinhas industriais e empresas
preparadoras de refeições coletivas”, para efeito de incidência das alíquotas e
fruição dos benefícios fiscais previstos nos arts. 23, inc. VI, 27, inc. V e 32, inc. IV, do
Livro I, do RICMS/RS.
Hipótese de rejeição.
Os embargos de declaração foram rejeitados, conforme ementa de fl. 702.
110
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
No apelo especial (fls. 710-723), o recorrente aponta violação do art. 111, II,
do CTN. Defende, em resumo, que o Tribunal de origem adotou indevidamente
interpretação elástica ao termo “similares”, contido na legislação estadual, para
permitir ao supermercado recorrido o mesmo tratamento tributário diferenciado
(base de cálculo e alíquota reduzidas) destinado ao fornecimento de “refeições
servidas ou fornecidas por bares, lanchonetes, restaurantes, cozinhas industriais
e similares”.
Contrarrazões às fls. 747-763.
Juízo positivo de admissibilidade às fls. 783-790.
Inicialmente, neguei seguimento ao recurso especial (fls. 842-844).
Todavia, em face dos argumentos lançados no agravo regimental interposto
pelo ente público, exerci o juízo de retratação para incluir este feito na pauta de
julgamentos da Egrégia Primeira Turma.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Conforme relatado, o
recorrente busca a reforma do acórdão recorrido em face de suposta violação do
art. 111, II, do CTN, o qual dispõe acerca da literalidade da interpretação da lei
tributária para os casos de isenção.
Entretanto, no caso concreto, o exame de mérito passa necessariamente
pela interpretação da legislação local que assim respaldou as razões de decidir do
acórdão recorrido (fls. 681-682):
Da literalidade dessas normas (legislação estadual), sobre a concessão dos
benefícios também para os estabelecimentos “similares” a “bares, lanchonetes
e restaurantes”, tal como preconizado no voto condutor do aresto embargado abrigando, inclusive, “empresas preparadoras de refeições coletivas” e “cozinhas
industriais” (destacou-se), razão pela qual não se visualiza a brandida destinação
dos favores fiscais a “estabelecimentos” de porte médio e pequeno”.
Nem poderia ser de outro modo, porque o art. 155, § 2º, inc. III da
Constituição Federal, consagra a adoção do critério da seletividade do ICMS
“em função da essencialidade das mercadorias e serviços” [aqui, relacionada,
inequivocadamente, à redução do custo final da alimentação “fornecida” ao
universo de consumidores (contribuintes de fato do tributo)], e não da natureza
do estabelecimento fornecedor/prestador.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
111
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tampouco impressiona o brandido risco de “extinção” dos benefícios, à vista de
insuportável “perda de arrecadação”, decorrente de seu potencial aproveitamento
por “enormes supermercados”, em prejuízo a contribuintes de menor porte. Ora,
nada impede que o Ente tributante, no exercício dos poderes fiscais delegados
pela Carta Política, modifique os incentivos concedidos, para explicitar o direito à
sua fruição de acordo com critérios de isonomia e capacidade contributiva.
Constata-se, portanto, que a violação do alegado dispositivo de lei federal,
se existente, não seria direta, mas meramente reflexa, insuscetível de análise pela
via do recurso especial. A esse respeito: AgRg no AREsp n. 62.249-MG, Rel.
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 24.5.2012; AgRg no
AREsp n. 142.048-SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe
2.5.2012; entre outros.
Verifica-se, portanto, que a pretensão da recorrente é a de rever a
interpretação que o Tribunal de origem, à luz de preceito constitucional, deu
à legislação local acerca do conceito normativo de estabelecimento similar a
bares, lanchonetes e restaurantes para fins de tributação sobre o fornecimento de
refeições prontas, o que é inviável pela via do recurso especial, consoante dispõe
a Súmula n. 280-STF.
Importa registrar, também, que o Tribunal de origem, a rigor, não estendeu
benefício fiscal para quem não estava contemplado pela lei estadual, mas, apenas,
interpretou o alcance do adjetivo “similares” (indeterminado) nela contido,
entendendo que supermercado, no tocante especificamente ao fornecimento
de refeições prontas dentro de suas dependências, se assemelha a bares e
restaurantes, razão por que deve ser gozar do mesmo tratamento tributário.
A controvérsia, pois, não está no dispositivo federal apontado, mas no
alcance da expressão “similares” contida na lei local.
A esse respeito, especificamente, defende o que recorrente (fl. 719):
Ora, o legislador estadual, diga-se no exercício da sua competência
constitucional, entendeu privilegiar, além do tipo de mercadoria, determinado
tipo de estabelecimento. Não mirou, repita-se, contemplar unicamente o
fornecimento de alimentação pronta, mas seu fornecimento através de
determinados estabelecimentos. E estes estabelecimentos são aqueles elencados
na legislação estadual dentre os quais não se encontram os supermercados.
O acórdão recorrido, por sua vez, respaldou-se no princípio constitucional
da seletividade (art. 155, § 2º, III, da CF) para decidir que o termo “similares”
112
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
deve levar em consideração a natureza da mercadoria fornecida e não a natureza
do estabelecimento.
Todavia, não cabe a esta Corte, em sede de recurso especial, a análise de
eventual ofensa a dispositivos constitucionais, uma vez que, nos termos do
artigo 102, inciso III, da Constituição Federal, a uniformização de interpretação
de tais normas cabe, tão somente, ao Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, não conheço ao recurso especial.
É o voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Sérgio Kukina: A hipótese é de recurso especial interposto
pelo Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão proferido pelo Tribunal
de Justiça gaúcho, em demanda ajuizada pela Companhia Zaffari Comércio
e Indústria, visando, enquanto empresa do ramo de supermercados, também
alcançar benefícios fiscais de ICMS dados pelo próprio Estado recorrente a
bares, restaurantes e similares, no tocante ao fornecimento de refeições prontas.
O acórdão recorrido recebeu a seguinte ementa (fl. 604):
ICMS. Refeições prontas. Bar. Restaurante. Similares. Supermercados.
1. A lei assegura tratamento especial às refeições servidas por bares, lancherias,
restaurantes, cozinhas industriais e similares.
2. Ao estender-se o benefício aos estabelecimentos similares, enquadra-se
nessa norma o supermercado que, a par das suas outras atividades, fornece
refeições prontas, porque, neste particular, ainda que parcialmente, desempenha
atividade similar a de um restaurante, lancheria ou bar.
3. Não exige a lei que o fornecimento a refeição seja atividade principal ou
preponderante do estabelecimento. A lei não visa a “privilegiar” o segmento de
bares, lancheria e cozinhas industriais. O escopo do legislador foi o de assegurar
refeições prontas a preço menor. Interpretação diversa esvaziaria a intenção do
legislador de dispensar tratamento igual aqueles outros que fornecem refeições
prontas em detrimento da norma. Não se trata de atribuir à norma extensão não
prevista em lei, mas de reconhecer fato inequívoco, isto é, a atuação também
como restaurante, bar, lancheria ou cozinha industrial.
Recurso provido. Recurso adesivo prejudicado.
Relator vencido.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
113
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Estado opôs, então, embargos infringentes, que foram rejeitados por
decisão assim ementada (fl. 675):
Processual Civil e Tributário. Apelação. Julgamento. Resultado. Votos e parte
dispositiva. Incompatibilidade. Irrelevância.
Irrelevante a incongruência entre o teor dos votos e o da parte dispositiva, pois
o que interessa é o resultado do julgamento.
ICMS. Fornecimento de refeições. Benefícios fiscais. Fruição. Direito. Critério.
Essencialidade. Compreensão.
O estabelecimento que produz e comercializa refeições desenvolve atividade
similar a “bares, lanchonetes, restaurantes, cozinhas industriais e empresas
preparadoras de refeições coletivas”, para efeito de incidência das alíquotas e
fruição dos benefícios fiscais previstos nos arts. 23, inc. VI, 27, inc. V e 32, inc. IV, do
Livro I, do RICMS/RS.
Hipótese de rejeição.
Os subsequentes embargos de declaração não foram acolhidos, como se
extrai do acórdão de fls. 701-705.
No especial apelo, manejado com fundamento no art. 105, III, a, da
CF, o ente federativo aponta violação ao art 111, II do CTN, aos seguintes
argumentos: (I) “a ora recorrida, 5º maior grupo supermercadista do país,
utilizou-se, para pagar a menor o ICMS incidente sobre a comercialização de
alimentos prontos nas suas lojas, de benefício fiscal (base de cálculo reduzida
e crédito presumido) e alíquota inferior, benefício que a legislação tributária
estadual previa exclusivamente nas ‘operações’ envolvendo “refeições servidas
ou fornecidas por bares, lanchonetes, restaurantes, cozinhas industriais e
similares” (fl. 714); e (II) “O v. acórdão recorrido, por sua vez, acolhendo
pretensão do contribuinte, deu interpretação elástica à palavra ‘similares’ contida
na norma tributária estadual, para estender o benefício à ora recorrida (...)
considerando unicamente uma das vertentes do benefício fiscal, o tipo de
mercadoria comercializada - alimentos prontos - desconsiderando a outra, o
tipo de estabelecimento” (fls. 714-715).
A Fazenda recorrente entende que houve, no caso, indevida interpretação
alargada da norma tributária instituidora das referidas benesses, o que ofenderia
os arts. 111, II, do CTN e 150, § 6º, da CF.
Afirma, a esse propósito, a relevância da distinção entre supermercados e
restaurantes/bares e cozinhas industriais para fins de recebimento, à conta da
similaridade, do tratamento tributário favorecido, verbis (fl. 718):
114
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
9. Parece evidente a distinção - e a sua relevância para o caso em discussão entre supermercados e restaurantes/bares e cozinhas industriais (e seus similares).
Os primeiros têm como atividade fim a venda de inúmeros produtos, sendo a
comercialização de alimentos prontos, preparados no próprio estabelecimento
parcela ínfima do seu faturamento. Os segundos têm como atividade fim o
fornecimento de refeições acompanhadas das facilidades aos serviços prestados
aos clientes. A seletividade implementada pela gama de benefícios fiscais já
referidos quer alcançar setor econômico cujos estabelecimentos não somente
fornecem a mercadoria (alimentos prontos), mas também serviços correlatos
inerentes, como fornecimento de utensílios (pratos, talheres, copos) e eventuais
comodidades (garçons; (música ambiente, etc), com maior ou menor sofisticação,
enquanto a autora, ora recorrida, como destacado no douto vencido, comercializa
“comidas prontas a balcão em sua rotisseria, comida que é ‘pesada e etiquetada
com código de barra peso e preço. É embalada no balcão, não sendo consumida
nas dependências do estabelecimento. O pagamento é efetuado nos Emissoras
de Cupom Fiscal, juntamente com outras mercadorias vendidas”, sem nenhum
tipo de serviço agregado.
Por fim, sustenta que, “na espécie a norma isentiva não permite outra
interpretação: supermercados não podem fazer uso das normas que dão
benefícios a bares, restaurantes e similares” (fl. 722).
Contrarrazões apresentadas às fls. 747-763, postulando o não conhecimento
do recurso, diante dos óbices das Súmulas n. 280-STF e 7-STJ; no mérito,
reivindica o seu desprovimento.
Na decisão presidencial local de fls. 783-791, foi proferido juízo positivo
de admissibilidade do apelo especial.
Já neste STJ, inicialmente, o Ministro Relator Benedito Gonçalves negou
seguimento ao especial, em decisão monocrática lançada às fls. 842-844.
Posteriormente, em sede de agravo regimental, exercendo o juízo de
retratação, o Ministro Relator incluiu o feito em pauta, apresentando, na sessão
de 16.4.2013, o voto assim ementado:
Processual Civil e Tributário. Recurso especial. ICMS. Fornecimento de
refeições prontas. Tributação diferenciada. Fruição por supermercado. Acórdão
recorrido fundado em interpretação constitucional (art. 155, § 2º, III, da CF) do
termo “similares” a bares e restaurantes contido na legislação estadual. Revisão.
Impossibilidade. Matéria constitucional e Súmula n. 280-STF.
1. Fundada na alegação de violação do art. 111, II, do CTN, a Fazenda estadual
interpõe recurso especial contra acórdão que, interpretando o alcance do
termo “similares” contido na legislação estadual, entendeu que supermercado,
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
115
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
no tocante especificamente ao fornecimento de refeições prontas dentro de
suas dependências, tem direito a usufruir do tratamento tributário diferenciado
de recolhimento de ICMS, porquanto assemelha-se a “bares, lanchonetes,
restaurantes, cozinhas industriais e similares”.
2. Para esse mister, a Corte estadual respaldou-se no princípio constitucional
da seletividade (art. 155, § 2º, III, da CF), para decidir que o termo “similares” deve
levar em consideração a natureza da mercadoria fornecida e não a natureza do
estabelecimento.
3. Não cabe a esta Corte Superior, em sede de recurso especial, rever a
interpretação que o Tribunal de origem deu à legislação local, notadamente
quando amparada em preceito constitucional. Incide, na espécie, o óbice
estampado na Súmula n. 280-STF.
4. “Por ofensa reflexa à lei federal não é cabível recurso especial” (AgRg no
AREsp n. 62.249-MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe
24.5.2012).
5. Recurso especial não conhecido.
Assim, após o voto de Sua Excelência o Relator, não conhecendo do
recurso, no que foi seguido pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, pedi
vista dos autos para melhor exame da matéria.
É o breve relato.
Passo a proferir o voto vista.
A controvérsia diz com a possibilidade, ou não, de se estenderem, também
a supermercados, benefícios fiscais de ICMS previstos em legislação doméstica,
alusivamente à venda de refeições prontas e tendo por contribuintes beneficiários
bares, restaurantes, cozinhas industriais, lancherias e outros estabelecimentos
similares.
Aponta-se que a legislação federal violada seria o art. 111, II do CTN, uma
vez que o Tribunal de origem teria dado indevida interpretação ampliativa ao
conceito de “bares, lanchonetes, restaurantes, cozinhas industriais e empresas
preparadoras de refeições coletivas”, tal como previsto no Regulamento de
ICMS vigente no Estado do Rio Grande do Sul.
Esta não é a primeira oportunidade em que analiso a fórmula normativa
“interpreta-se literalmente a legislação tributária”, contida no art. 111 do CTN.
No julgamento do REsp n. 1.020.991-RS, ocorrido na Sessão da Turma de
9.4.2013, proferi voto, no que fui acompanhado pelos demais pares, entendendo
116
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
que, no tocante ao benefício fiscal concedido pelo ente público, não se admite o
uso da interpretação extensiva.
É verdade que a questão concreta ali julgada versava sobre o alcance de
benefício instituído por duas leis federais (Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003).
No entanto, a diretriz hermenêutica posta no art. 111 do CTN não deve ter
incidência reservada apenas aos casos em que a lei discutida seja federal, mas
também quando a norma instituidora da benesse seja estadual ou municipal, pois
a Constituição da República, em seu artigo 146, III, expressamente determinou
que competiria à lei complementar, no caso, o Código Tributário, estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária.
Nesse contexto, entendo que, no caso ora examinado, o óbice da Súmula n.
280-STF deve ser afastado.
Por outro giro, mesmo que o acórdão impugnado tenha também se
louvado em argumentação constitucional (por isso o simultâneo extraordinário
manejado pelo Estado - fls. 725-741), ainda assim não se poderia inibir o
enfrentamento, por este Superior Tribunal de Justiça, do tema central veiculado
no presente recurso, que consiste em delimitar a abrangência de norma tributária
instituidora de benefício fiscal, à luz do art. 111 do CTN, norma de natureza
infraconstitucional federal.
Ultrapassada tais preliminares, passo à análise do mérito.
Diz o artigo 111 do CTN, de forma textual: “Interpreta-se literalmente a
legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito
tributário; II - outorga de isenção; III - dispensa do cumprimento de obrigações
tributárias acessórias.
Sobre o tema, e por sua inegável pertinência com a hipótese ora examinada,
transcrevo trechos da decisão proferida no referido REsp n. 1.020.991-RS,
verbis:
Ademais, o art. 111 do CTN, de modo expresso, prevê regra que impõe a
interpretação literal nos casos de benefício fiscal, não se admitindo o uso da
exegese extensiva. (Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha
sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção; III dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.).
A expressão “interpretação literal”, de acordo com José Eduardo Soares de
Melo, revela que “o sentido da lei deve ser aplicado com a maior exatidão a fim
de não criar isenção nele não prevista, nem eliminar isenção que nele se inclua.”
(MELO, José Eduardo Soares. Interpretação e Integração da Legislação Tributária.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
117
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord). Curso de Direito Tributário. 13ª ed.
Saraiva: São Paulo, 2011. p. 186).
Já Tárek Moysés Moussallem possui a seguinte compreensão sobre as regras
de interpretação da norma tributária:
Por óbvio, o uso da expressão “interpreta-se literalmente” é dotado
de sem-sentido deôntico por conta de buscar regular uma conduta do
aplicador impossível por si só e ao mesmo tempo necessária.
Explica-se.
Impossível porque aplicador algum pode ficar adstrito ao plano sintático
da linguagem para construir sentidos. Necessária, pois se trata de etapa
irrefutável do processo de interpretação-aplicação uma vez que ninguém
constrói sentidos sem passar pelo plano da literalidade.
Daí é que a expressão “interpreta-se literalmente” deve ser compreendida
por “interpreta-se restritivamente”. Tem-se em verdade, ordem do legislador
para que o aplicador interprete restritivamente os casos de isenção,
suspensão, exclusão (?!) do crédito tributário bem como a dispensa do
cumprimento de deveres instrumentais. (MOUSSALLEM, Tárek Moysés.
Interpretação restritiva no direito tributário. In: CONGRESSO NACIONAL DE
ESTUDOS TRIBUTÁRIOS, 7., 2010, São Paulo. Anais do VII Congresso Nacional
de Estudos Tributários. Direito Tributário e os Conceitos de Direito Privado.
2010. p. 1.217)
Finalmente, Leandro Paulsen se manifesta sobre o tema aduzindo que:
O art. 111 do CTN determina que se interprete literalmente a legislação
tributária que disponha sobre a suspensão ou exclusão do crédito tributário,
a outorga de isenção e a dispensa do cumprimento de obrigações
tributárias acessórias. Tal dispositivo tem sido severamente criticado por
ser, ele próprio, interpretado literalmente. O que se extrai como norma do
art. 111 não é a vedação à utilização dos diversos instrumentos que nos
levam à compreensão e à aplicação adequada de qualquer dispositivo
legal, quais sejam, as interpretações histórica, teleológica, sistemática,
a consideração dos princípios etc. Traz, isto sim, uma advertência
no sentido de que as regras atinentes às matérias arroladas devem ser
consideradas como regras de exceção, aplicáveis nos limites daquilo que
foi pretendido pelo legislador, considerando-se as omissões como “silêncio
eloqüente”, não se devendo integrá-las pelo recurso à analogia.” Há de se
considerar, por certo, as circunstâncias do caso concreto, pois há princípios
constitucionais inafastáveis na aplicação do direito, como a razoabilidade e
a proporcionalidade.
Há, ainda, outro âmbito possível para a invocação do art. 111 do CTN.
Refiro-me à exigência, pela autoridade fiscal, como condição para o
118
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
reconhecimento de isenção, suspensão ou exclusão do crédito tributário
ou para dispensa do cumprimento de obrigações acessórias, de requisitos
não previstos em lei. Ao referir-se à literalidade da legislação que disponha
sobre tais matérias, resta claro que os requisitos também deverão constar
expressamente da lei, não tendo o Executivo espaço para qualquer
regulamentação inovadora. (PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário
- completo. 5.ed. rev., atual., ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado.
2013. p. 126)
No mesmo sentido, confira-se a jurisprudência desta Corte:
Tributário. Agravo regimental. PIS e Cofins. Leis n. 10.637/2002
e 10.833/2003. Regime da não cumulatividade. Despesas de frete.
Transferência interna de mercadorias entre estabelecimentos da mesma
empresa. Creditamento. Impossibilidade. Interpretação literal.
1. Consoante decidiu esta Turma, “as despesas de frete somente geram
crédito quando relacionadas à operação de venda e, ainda assim, desde
que sejam suportadas pelo contribuinte vendedor”. Precedente.
2. O frete devido em razão das operações de transportes de produtos
acabados entre estabelecimento da mesma empresa, por não caracterizar
uma operação de venda, não gera direito ao creditamento.
3. A norma que concede benefício fiscal somente pode ser prevista em lei
específica, devendo ser interpretada literalmente, nos termos do art. 111 do
CTN, não se admitindo sua concessão por interpretação extensiva, tampouco
analógica. Precedentes.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.335.014-CE, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 8.2.2013)
Tributário. Processo Civil. PIS. Cofins. Incidência monofásica.
Creditamento. Impossibilidade. Legalidade. Interpretação literal. Isonomia.
Prestação jurisdicional suficiente. Nulidade. Inexistência.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem
decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. A Constituição Federal remeteu à lei a disciplina da nãocumulatividade das contribuições do PIS e da Cofins, nos termos do art.
195, § 12 da CF/1988.
3. A incidência monofásica, em princípio, é incompatível com a técnica
do creditamento, cuja razão é evitar a incidência em cascata do tributo ou a
cumulatividade tributária.
4. Para a criação e extensão de benefício fiscal o sistema normativo exige
lei específica (cf. art. 150, § 6º da CF/1988) e veda interpretação extensiva
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(cf. art. 111 do CTN), de modo que benefício concedido aos contribuintes
integrantes de regime especial de tributação (Reporto) não se estende aos
demais contribuintes do PIS e da Cofins sem lei que autorize.
5. A concessão de benefício fiscal por interpretação normativa, além
de ofender a Súmula n. 339-STF, implica em violação ao princípio da
isonomia, posto que os contribuintes sujeitos ao regime monofásico não
se submetem à mesma carga tributária que os contribuintes sujeitos ao
regime de incidência plurifásica.
6. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.140.723-RS, Rel. Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, DJe 22.9.2010)
Convergindo com esse posicionamento jurisprudencial, Sacha Calmon
Navarro Coêlho, na sua obra Curso de Direito Tributário Brasileiro (Forense,
12. ed., 2012, p. 581), diz que o art. 111 do CTN, verbis:
Manda que os preceitos que cuidam de suspensão ou exclusão de crédito
tributário, isenções e dispensa de obrigações acessórias sejam compreendidos
estritamente, sem dilargadas complacências. Interpretação literal não é
interpretação mesquinha ou meramente gramatical. Interpretar estritamente é
não utilizar interpretação extensiva. Compreenda-se. Todas devem, na medida do
possível, contribuir para manter o Estado. As exceções devem ser compreendidas
com extrema rigidez.
Por igual, Regina Helena Costa, em seu Curso de Direito Tributário:
Constituição e Código Tributário Nacional (Saraiva, 2. ed., 2012, p. 182),
discorrendo sobre o art. 111 do CTN, assim esclarece:
Ao determinar, nesse dispositivo, que a interpretação de normas relativas à
suspensão ou exclusão do crédito tributário, à outorga de isenção e à dispensa do
cumprimento de obrigações acessórias seja “literal”, o legislador provavelmente
quis significar “não extensiva”, vale dizer, sem alargamento de seus comandos,
uma vez que o padrão em nosso sistema é a generalidade da tributação e,
também, das obrigações acessórias, sendo taxativas as hipóteses de suspensão
da exigibilidade do crédito tributário e de anistia.
Como anteriormente destacado, a discussão aqui posta se refere à
possibilidade de se estender, ou não, a supermercados (à conta de alegada
similaridade), benefícios fiscais de ICMS destinados a bares, restaurantes,
cozinhas industriais e lancherias, relativamente à comercialização de refeições
prontas.
120
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Nesse cenário, e de plano, chama atenção o fato de a respectiva legislação
local não ter feito expressa referência aos supermercados, nada obstante a
importância e a grande visibilidade desse pujante segmento no contexto
econômico-empresarial do País, o que torna lícito avaliar que tal silêncio não
tenha sido fruto de mero esquecimento ou cochilo do legislador gaúcho. Antes e
ao contrário, é de se compreender que essa ausência de menção tenha resultado
de deliberada opção do órgão legiferante em alijar os supermercados da fruição
daquelas medidas fiscais mais benéficas.
De outra parte, pretender-se forçar o enquadramento dos supermercados na
lista de beneficiários, sob a justificativa de que se cuidariam de estabelecimentos
“similares” a bares, restaurantes, lanchonetes ou cozinhas industriais, para além
de malbaratar a dicção do art. 111 do CTN, também faz por distorcer realidades
e práticas empresariais inequivocamente distintas, porquanto os supermercados,
como revela a experiência comum, não são concebidos com a precípua finalidade
de se dedicarem ao fornecimento de refeições, ainda que, como no caso da
recorrida, possuam cozinha industrial no interior de suas instalações. Aliás,
como se recolhe do teor da ata de Assembléia Geral de fl. 25, a empresa ora
recorrida sequer chega a especificar o preparo de refeições no espectro de suas
atividades:
Art. 3º - A sociedade tem por objeto social a exploração ao ramo de
Supermercados, compreendendo o comércio de gêneros alimentícios em geral
e demais mercadorias passíveis de venda em supermercados, tais como: cereais,
frutas, legumes; óleos comestíveis; vinagres, molhos, sal; laticínios, massas e
farinhas alimentícias, doces, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, açougues,
fiambreria; mercearia, armarinhos e miudezas, ferragens e ferramentas, artigos
metalúrgicos, material de construção, material elétrico, material de limpeza,
móveis e estofados em geral, vidros, produtos de toucador, perfumarias e
cosméticos, produtos químicos não farmacêuticos, tintas, escovas, pincéis para
todos os fins, artigos escolares, artigos de couro, papel e plástico e seus artefatos,
veículos e acessórios; bicicletas; motocicletas, máquinas e suas partes integrantes,
brinquedos é utilidades domésticas, fertilizantes, aparelhos elétricos, artigos de
plástico, borrachas e seus sucedâneos, inclusive pneus, alimentos para animais,
tecidos, confecções, roupa de cama e mesa; tapeçaria, lavanderia, barracas e
tonas, instrumentos musicais, bem como e importação e exportação dos artigos
referidos. Dentro de suas atividades a sociedade procederá na industrialização
de café, compreendendo a torrefação e moagem, bem como a respectiva
comercialização; a industrialização; comercialização, importação e exportação
de óleos vegetais e seus derivados; a industrialização o comercialização de sabão
e outros produtos saponificados; a industrialização de embalagens, o comércio
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
121
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e a representação, importação e exportação de materiais e equipamentos de
construção; a compra, a venda, a locação e a administração de imóveis; atividade
de lavagem e lubrificantes de veículos; o transporte nacional e internacional, por
via rodoviária, de cargas secas líquidas, congeladas e resfriadas.
A se considerar, em acréscimo, que, tivesse sido a intenção do legislador
estadual conceder benefícios em função apenas do fato gerador (comercialização
de refeições prontas), sequer necessitaria listar, como acabou fazendo, o rol de
estabelecimentos alcançados pela medida. Se assim o fez, é porque pretendeu
particularizar e delimitar o conjunto de contribuintes destinatários da benesse
fiscal, não se podendo, portanto, elastecer indevidamente esse grupo.
A tal propósito, agora em mero e hipotético exercício de imaginação,
acaso o legislador do Rio Grande do Sul, relativamente aos mesmos benefícios
de ICMS concedidos para o comércio de refeições prontas, houvesse, na mão
inversa, indicado expressamente como beneficiários diretos os supermercados e,
por equiparação, outros estabelecimentos similares, por certo que dificilmente se
consentiria, sob o rótulo da similaridade, em estender idênticos benefícios em
prol de bares e lanchonetes, pois que, a toda evidência, não se assemelham aos
supermercados.
Em suma e em ordem a finalizar este voto-vista, concluo no sentido
de que a opção do legislador estadual foi, efetivamente, a de não incluir os
supermercados entre os contribuintes sujeitos à tributação especial, ou seja,
o silêncio da norma, na espécie ora examinada, deve ser compreendido como
intencional, de modo a não abranger tais estabelecimentos de maior porte.
Reitero, em remate, que esta Corte Superior, em hipóteses semelhantes,
tem se manifestado pela existência de maltrato ao art. 111 do CTN quando
evidenciado que o Tribunal de origem admitiu indevida interpretação mais
ampla a regime de benefícios fiscais. Confiram-se os seguintes julgados:
Tributário. ICMS. Isenção. Interpretação literal. Art. 111 do CTN.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem consigna que a legislação local é
expressa no sentido de haver isenção de ICMS apenas no caso de suspensão de
impostos da União na sistemática do drawback. No entanto, o acórdão recorrido
amplia o benefício para atingir hipótese em que não há suspensão, mas sim
isenção dos tributos federais, sob o argumento de que a interpretação literal não
deve prevalecer.
2. Inexiste discussão quanto ao texto da norma estadual isentiva, sendo
incontroversa a concessão do benefício para os casos de suspensão dos tributos
122
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
federais. Tampouco se questiona a exegese ampliativa feita pela Corte Estadual,
que afastou a “interpretação literal que não pode prevalecer”.
3. Ofensa ao art. 111 do CTN, visto ser impossível a interpretação extensiva de
dispositivos que fixam isenção. Precedentes do STJ.
4. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 980.103-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 3.2.2009, DJe 19.3.2009)
Recurso especial. Alínea a. Tributário. ICMS. Isenção. Decreto Estadual n.
40.643/1996. Importação de máquinas e esquipamentos por empresa prestadora
de serviços. Pretendida isenção do ICMS por equiparação a estabelecimento
industrial. Impossibilidade. Concessão de isenções. Interpretação literal. Art. 111
do CTN.
A empresa recorrente, que se dedica à prestação de serviços de locação
de bens móveis relacionados com diversões públicas, ajuizou ações cautelar e
ordinária, a fim de que lhe fosse reconhecido o direito à isenção do ICMS prevista
pelo Decreto Estadual n. 40.643/1996 em relação aos equipamentos por ela
importados e elencados na petição inicial.
Preceitua o artigo 111 do CTN que “interpreta-se literalmente a legislação
tributária que disponha sobre a outorga de isenções”.
Assevera o professor Hugo de Brito Machado que essa disposição “há de ser
entendida no sentido de que as normas reguladoras das matérias ali mencionadas
não comportam interpretação ampliativa nem integração por eqüidade” (Curso de
Direito Tributário, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 98).
O Decreto Estadual n. 40.643/1996, que aprovou os termos do Convênio n.
132/1995, concedeu a isenção unicamente para os estabelecimentos industriais.
A circunstância de que a Lei Federal n. 4.502/1964, que, para os fins nela previstos,
tenha equiparado o estabelecimento industrial ao importador, em nada interfere
na solução dada à presente demanda, ao contrário do que pretende a recorrente.
O referido diploma normativo federal, que trata do extinto imposto sobre
o consumo, não serve de parâmetro para a concessão de isenções de imposto
de competência estadual, em nome do primado da isenção autonômica, que
somente autoriza a cada ente federativo a concessão de isenções de tributos de
sua competência. Desse entendimento não destoa o entendimento do douto
Órgão Colegiado de origem, ao afirmar que, “evidentemente, se o Convênio e
o Decreto dizem que somente se beneficia da isenção o importador (empresa
industrial), não se pode ampliar, restringir ou comparar com fundamento em lei
federal, o que, além de ferir a diretriz da interpretação literal, agride o princípio da
autonomia dos Estados”.
No tocante à alegada ofensa ao disposto na Lei Complementar n. 24/1975, a
recorrente, a despeito de seu arrazoado acerca de aspectos constitucionais que
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
123
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
circundam a questão, não logrou demonstrar, no âmbito infraconstitucional,
qual artigo do referido diploma teria sido malferido, bem como as razões para
eventual reforma do julgado quanto a esse aspecto.
Recurso especial improvido.
(REsp n. 329.328-SP, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em
5.8.2004, DJ 25.10.2004, p. 274)
Também assim: REsp n. 1.212.976-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe
23.11.2010; REsp n. 1.107.044-PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 5.11.2010 e REsp
n. 1.114.909-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 6.4.2010.
Por todo o exposto, com as mais respeitosas vênias aos Ministros Benedito
Gonçalves e Napoleão Nunes Maia Filho, que me antecederam na votação, dou
provimento ao recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul, restabelecendo
a sentença de fls. 525-530, inclusive no tocante aos ônus sucumbenciais.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Consoante relatório lançado aos
autos pelo eminente Ministro Benedito Gonçalves, trata-se de recurso especial
interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul em desfavor da Companhia Zaffari
Comércio e Indústria, com fundamento no art. 105, inciso III, letra a, da
Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul assim ementado (fl. 604e):
ICMS. Refeições prontas. Bar. Restaurante. Similares. Supermercados.
1. A lei assegura tratamento especial às refeições servidas por bares, lancherias,
restaurantes, cozinhas industriais e similares.
2. Ao estender-se o benefício aos estabelecimentos similares, enquadra-se
nessa norma o supermercado que, a par das suas outras atividades, fornece
refeições prontas, porque, neste particular, ainda que parcialmente, desempenha
atividade similar a de um restaurante, lancheria ou bar.
3. Não exige a lei que o fornecimento a refeição seja atividade principal ou
preponderante do estabelecimento. A lei não visa a “privilegiar” o segmento de
bares, lancheria e cozinhas industriais. O escopo do legislador foi o de assegurar
refeições prontas a preço menor. Interpretação diversa esvaziaria a intenção do
legislador de dispensar tratamento igual aqueles outros que fornecem refeições
prontas em detrimento da norma. Não se trata de atribuir à norma extensão não
124
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
prevista em lei, mas de reconhecer fato inequívoco, isto é, a atuação também
como restaurante, bar, lancheria ou cozinha industrial.
Recurso provido. Recurso adesivo prejudicado.
Relator vencido.
O Estado do Rio Grande do Sul opôs embargos infringentes, que foram
rejeitados (fls. 670-689e). Na sequência, interpôs embargos de declaração, os
quais, igualmente, foram rejeitados (fls. 701-705e).
O recorrente sustenta, em essência, que o acórdão recorrido teria
contrariado o disposto no art. 111 do CTN, ao conferir interpretação extensiva
à legislação estadual, de modo a assegurar à ora recorrida, proprietária de
rede de supermercados, reduções de alíquota e de base de cálculo do ICMS
incidentes sobre a comercialização de refeições prontas, porquanto se cuidaria
de benefício fiscal destinado tão somente a “bares, lanchonetes, restaurantes,
cozinhas industriais e similares” (fl. 714e).
Contrarrazões apresentadas (fls. 747-763e).
Diante dos argumentos lançados nas sustentações orais realizadas por
ambas as partes, do voto do eminente Ministro Benedito Gonçalves, relator, que
não conheceu do recurso especial, no que foi seguido pelo eminente Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, e do voto divergente do eminente Ministro Sérgio
Kukina, que lhe deu provimento, pedi vista dos autos.
Passo ao exame do recurso especial.
Dispõe o Código Tributário Nacional, em seu art. 111, apontado como
violado, que a lei de outorga de benefício fiscal deve ser interpretada literalmente,
quer dizer, de modo a não albergar, p. ex., outros sujeitos passivos, bases de
cálculo, alíquotas, fatos imponíveis, etc., não expressamente contemplados no
texto legal, consoante se verifica abaixo:
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – outorga de isenção;
III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
O comando normativo em tela tem por finalidade orientar o aplicador
do direito, em especial às autoridades tributárias da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além dos órgãos do próprio Poder Judiciário,
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
125
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sobre a interpretação a ser conferida às normas que versam sobre a concessão
de benefício de ordem fiscal. Assim, o exame de ofensa a referido dispositivo
somente é cabível, data venia, a partir do sentido e do alcance do próprio ato
normativo de outorga do benefício fiscal.
Na hipótese, a solução da lide passa necessariamente pela interpretação da
legislação tributária estadual do ICMS, que assegura redução de alíquota e de
base de cálculo às refeições servidas por bares, lancherias, restaurantes, cozinhas
industrias e “similares”.
O Tribunal de origem julgou que, ao fornecer refeições prontas, a
recorrida, embora rede de supermercados, exploraria atividade similar àquelas
desenvolvidas pelos demais beneficiários do tratamento fiscal privilegiado.
Com essa interpretação conferida à expressão “similares”, contida na lei local,
deu provimento à apelação, de modo a anular os lançamentos tributários
constituídos nesse sentido.
Como se sabe, em se tratando de norma estadual, seu exame pelo Superior
Tribunal de Justiça, em recurso especial, encontra óbice no preceito contido no
art. 105, III, a, da Constituição Federal, considerando, ainda, a regra inscrita
na alínea c, inciso III, do seu art. 102. Incidência, destarte, por analogia, do
enunciado da Súmula n. 280-STF.
Ante o exposto, acompanho o eminente relator, a fim de não conhecer do
recurso especial.
É como voto.
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Sr. Presidente, em
primeiríssimo lugar, gostaria de registrar a providencial iniciativa do eminente
Relator em trazer este assunto para ser debatido na Turma e, realmente, ele se
reveste de inegável relevância, não há dúvida alguma. Em segundo lugar, poucas
vezes temos ouvido falas jurídicas tão afiadas, precisas, exatas e certeiras, tanto
do Procurador do Estado Rio Grande do Sul como também do eminente
Advogado da parte, que falou em último lugar.
2. É um desafio enorme examinar o mérito desta pretensão, embora
reconheça que os dois obstáculos sumulares são praticamente intransponíveis.
Realmente, digamos assim, é lamentável que não se possa examinar o mérito
126
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
deste recurso; mas, como dizia Oscar Wilde, a melhor maneira de enfrentar
as tentações é ceder a elas. Então, peço vênia a V. Exa. para ceder à tentação
de fazer uma brevíssima incursão sobre o mérito desta demanda recursal,
embora, evidentemente, o voto do Relator seja irrespondível; absolutamente
irrespondível e irretocável no que diz respeito a estes dois tampões da cognição:
a súmula que veda o reexame de decisões calcadas em lei local e a súmula que
veda o reexame de matéria factual. Não fosse isso, teríamos de navegar – usando
a expressão que o Advogado usou há pouco – com mais largueza sobre o mérito
da demanda.
3. Sr. Presidente, a fala do Procurador, que foi a primeira, foi muito precisa
e fiquei impressionado com a postura filosófica que adotou na tentativa de
transformar a semelhança da realidade ou a semelhança dos seres em identidade
entre eles. O Sr. Ministro Benedito Gonçalves sabe muito bem – já conversei
com S. Exa. sobre isso em certa ocasião – que esse é um tormento dos
filósofos, principalmente dos que se preocupam com o método de aquisição
do conhecimento, e até dos teólogos também. São Paulo dizia: “nós somos
semelhantes a Deus, mas não somos iguais a Ele”. Evidentemente, no caso, a lei
estadual é coisa de mérito, não se pode examinar, porque os dois obstáculos não
consigo ultrapassá-los; lamentavelmente, não conseguiria ultrapassá-los, mesmo
se tentasse.
4. A legislação estadual é absolutamente ingrata e madrasta do Procurador,
e não socorre à lucidez do seu raciocínio e nem apoia o esforço intelectual, que
estão sumamente bem orientados, como ele desenvolveu.
5. Depois, Sr. Presidente, não podemos imaginar que uma norma tributária
estadual ou de qualquer outro índice tributário discrimine os pequenos e
médios contribuintes dos grandes fornecedores e até dos megafornecedores; o
tratamento isonômico deve presidir as relações tributárias.
6. Ademais, no caso, a norma tributária estadual não se dirige a beneficiar,
de maneira alguma, como bem disse o Sr. Ministro Relator, um contingente
populacional específico, por exemplo, as pessoas de baixa renda; não se dirige
para beneficiar um setor econômico e não se dirige para beneficiar uma região
geográfica deprimida. Portanto, inegavelmente não se trata de favor fiscal,
de benefício fiscal, trata-se da norma genérica de tributação, que não pode
discriminar.
7. Além do mais, Sr. Presidente, na minha opinião, a questão da identidade
e de similitude – estou falando isso por que há outro processo em que devo voltar
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
127
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
à questão, talvez hoje ou na próxima quinta-feira –, ou identidade e semelhança,
que o filósofo austríaco Karl Popper desenvolveu com tanto profundidade e
conhecimento, criando a diferença entre esses dois conceitos da gnosiologia.
8. No mais, Sr. Presidente, para encerrar, verifico, também, que a função da
norma tributária foi contemplar uma atividade e não o seu exercente, não é uma
norma – como se dizia antigamente e não sei se ainda se diz, aprendi com V.
Exa. na Quinta Turma – intuitu personae, não foi dirigida para qual ou tal o tipo
de estabelecimento, mas para determinada atividade econômica.
9. Teria muito mais a dizer se fosse nadar de braçada nesse mérito, mas,
como V. Exa. já está me censurando, com seu olhar severo e agudo, porque estou
estendendo-me numa matéria em que já disse que vou acompanhar o Relator,
quero só mais uma vez, Sr. Presidente, manifestar a minha admiração intelectual
pela palavra do Procurador e, também, pela palavra do ilustre Advogado; eles
estiveram, a meu ver, à altura do desafio que essa questão nos põe, mas as
duas barreiras sumulares, ao meu juízo, não há como saltá-las por mais alta e
comprida que seja a vara que se empregue nesse esforço.
10. Acompanho o voto do eminente Ministro Relator, e mais uma vez
louvo S. Exa. por ter tido a delicadeza, diria assim, de trazer este assunto para ser
debatido aqui, porque, realmente é de uma importância extraordinária.
RECURSO ESPECIAL N. 1.355.159-PR (2012/0244705-4)
Relator: Ministro Ari Pargendler
Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Heloisa Sabedotti
Francisco Spisla e outro(s)
Patrícia Raquel Caires Jost
Recorrido: Associação Evangélica Beneficente de Londrina
Advogados: Ronaldo Gomes Neves
Odilon Alexandre Silveira Marques Pereira e outro(s)
128
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
EMENTA
Civil. Mútuo. Inviabilidade técnica do projeto arquitetônico,
identificada após a liberação dos recursos financiados. Responsabilidade
do mutuário, por ordem e conta de quem foi elaborado o projeto
arquitetônico.
Espécie em que - tendo a obra deixado de ser executada por
força de inviabilidade técnica do projeto elaborado por ordem e
conta do mutuário - os danos materiais daí resultantes não podem ser
imputados ao agente financeiro.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima,
Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina votaram
com o Sr. Ministro Relator. Assistiu ao julgamento o Dr. Murilo Oliveira
Leitao, pela parte recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF.
Brasília (DF), 17 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Relator
DJe 4.11.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Os autos dão conta de que a Caixa
Econômica Federal ajuizou execução fundada em título extrajudicial (contrato de
mútuo) contra a Sociedade Evangélica Beneficente de Londrina (e-stj, fl. 773776).
Opostos embargos do devedor à execução (e-stj, fl. 03-13), o MM. Juiz
Federal da 2ª Vara de Londrina, PR, Dr. Rogério Cangussu Dantas Cachichi,
julgou parcialmente procedente o pedido nos seguintes termos:
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
129
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
“Julgo parcialmente procedente o pedido dos embargos, extinguindo o
processo com julgamento do mérito na forma do art. 269, I, do CPC, para
determinar o prosseguimento da execução pelo valor de CR$ 304.506.693,22
(trezentos e quatro milhões, quinhentos e seis mil, seiscentos e noventa e três
cruzeiros reais e vinte e dois centavos) em 31.12.1993, atualizáveis a partir de
então pelos índices oficiais com juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês
a partir da citação até 10.1.2003 e a partir desta data, nos termos do art. 406 do
CC c.c. 161, § 1º, do CTN, de 1% (um por cento).
Caberá ao Sr. Perito Judicial a apresentação de atualização da conta nos
termos do dispositivo” (e-stj, fl. 365).
Seguiu-se apelação (e-stj, fl. 369-389), interposta pela Sociedade
Evangélica Beneficente de Londrina, à qual a 3ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região deu provimento em acórdão assim ementado:
“Administrativo. Embargos à execução. Força maior. Responsabilidade por
vícios de construção. Reparação dos danos patrimoniais.
1. Configura força maior o fato imprevisível, resultante da ação humana,
que gera efeitos jurídicos para uma relação jurídica, independentemente da
vontade das partes.
2. O agente financeiro responde pelas manifestações que exara na fase
de contratação do negócio jurídico, notadamente aquelas relacionadas com as
condições físicas e situação estrutural do imóvel, tendo legitimidade passiva ad
causam, neste passo, para as ações em que se pretende reparação patrimonial, de
modo amplo, em face de vícios, defeitos ou mesmo inconclusão de imóvel objeto
do mútuo.
3. Apelo provido” (e-stj, fl. 419).
Opostos embargos de declaração pela Caixa Econômica Federal (e-stj, fl.
421-432), foram acolhidos nos termos do acórdão assim ementado:
“Processual Civil. Embargos de declaraçao. Omissão. Prequestionamento.
Efeitos infringentes.
1. Uma vez acolhida pela Turma a tese de que o descumprimento do
contrato se deu também pela errônea avaliação feita pela CEF do projeto de
engenharia, conclui-se que o provimento do apelo foi no sentido de recalcular a
dívida, mediante averiguação judicial a ser procedida na origem (fls. 350v.).
130
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
2. Os prejuízos causados ao mutuário pela negligência na fiscalização que
incumbia à CEF, e que culminaram no impedimento da ampliação da unidade
hospital prevista no projeto inicial, deverão ser abatidos do valor exequendo.
3. O Tribunal não fica obrigado a examinar todos os artigos de lei
invocados no recurso, desde que decida a matéria questionada sob fundamento
suficiente para sustentar a manifestação jurisdicional, dispensável a análise dos
dispositivos que pareçam para a parte significativos, mas que para o julgador, se
não irrelevantes, constituem questões superadas pelas razões de julgar.
4. A jurisprudência tem admitido o uso dos embargos de declaração para
fins de prequestionamento de matéria a ser resolvida nos Tribunais Superiores.
5. Não acolhidos efeitos infringentes quanto aos honorários advocatícios,
porque ausentes flagrante impropriedade processual, ilegalidade ou equivoco no
julgado para obter a reforma da decisão da Turma. Matéria reservada para a via
recursal própria.
6. Declaratórios parcialmente providos, considerando-se rejeitados os
dispositivos Constitucionais e legais referidos nos embargos” (e-stj, fl. 451).
Daí o presente recurso especial, interposto com fundamento no art. 105,
III, a e c, da Constituição Federal, dizem violados os arts. 460, 515, 535, I e II,
do Código de Processo Civil, os arts. 186, 265, 368, 392, 618 e 927, todos do
Código Civil, bem como divergência jurisprudencial, quanto à responsabilidade
da Caixa Econômica Federal e à base de cálculo dos honorários de advogado
fixados nos embargos à execução (e-stj, fl. 455-490).
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. O thema decidendum está em
saber se a Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente financeiro, pode
responder por prejuízos resultantes da inexecução, por inviabilidade técnica, de
obra financiada, cujo projeto foi encomendado pela mutuária a terceiro.
A questão foi assim resolvida pelo Tribunal a quo, reportando-se
implicitamente ao art. 186 do Código Civil (“Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”):
“Afirma a parte embargante que, face às dificuldades geradas pela
inconclusão da obra originalmente contratada, ante à errônea avaliação do
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
131
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
projeto de engenharia, restou impraticável o cumprimento da obrigação
assumida junto à instituição financeira.
A respeito, cumpre referir que ao proceder à análise da documentação
acostada aos autos verifiquei, como afirma a recorrente, que a obra inicialmente
contratada deixou de ocorrer ante um equívoco na análise do projeto, que
entendeu ser possível a construção de mais dois andares no hospital, quando, na
verdade, a estrutura do hospital não comportava um peso a mais.
Tenho eu que, no caso em exame, a instituição financeira deve ser
responsabilizada, pois antes da contratação e liberação dos valores financiados, o
projeto foi avalizado pelo engenheiro da CEF, conforme atestam os documentos
de fis. (76-149), dos quais transcrevo os seguintes excertos:
‘RELATÓRIO DE ANALISE
3.2 - Dimensionamento Físico e Operacional O Hospital existente possui
uma área construída averbada de 9.888,20 m2, em sete pavimentos, sobre
terreno com 11. 101, 13 m2, com capacidade para 222 leitos, sendo 104 na
clínica médica, 79 na cirúrgica e 39 na obstétrica, mais 18 na UTI.
A ampliação pretendida refere-se à construção de mais dois pavimentos
no prédio existente, além de uma edificação anexa. Serão acrescidos 7.721,22
m2 de área construída, que possibilitarão o aumento de 134 leitos, sendo 52 na
clínica médica, 59 na cirúrgica e 23 na obstétrica, além de 30 na UTI.
Em sua configuração final, a unidade hospitalar conterá uma área
construída de 17.609,42 m2 que possibilitará a instalação de 356 leitos, dos
quais 156 na clínica médica, 138 na cirúrgica e 62 na obstétrica, mais 48 leitos
na UTI. Os 356 leitos serão fisicamente distribuídos da seguinte forma: 130
em apartamentos, 208 em enfermarias e 18 em unidades de tratamento semiintensivo.
Sua operacionalização dá-se através dos seguintes Departamentos:
Anestesiologia e Assistência Ventilatória, Clínica Cirúrgica, Clínica Médica,
Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Serviços Auxiliares de Diagnóstico e
Tratamento, Apoio e Pronto Socorro e Ambulatório.
Além das internações, o hospital atende a um grande número de pacientes
ambulantes, tanto através de seu pronto-socorro e ambulatório, quanto nos
serviços de hemodiálise.
No ultimo pavimento, será localizado o centro cirúrgico com 10 salas e
serviços auxiliares, bem como um centro de esterilização de material. Esse novo
132
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
centro cirúrgico, assim como a nova localização do CTI e o remanejamento do
centro obstétrico, permitirão um aumento na eficiência desses serviços, além do
acréscimo no volume de atendimentos.
O projeto inclui a aquisição de equipamentos necessários, conforme
listagem aprovada pelo Ministério da Saúde, inserta às fls. 97 a 213, Anexo 1
PARECER GERAL SINTÉTICO
9.1 consideramos o Empreendimento tecnicamente viável, devendo apenas
ser observado o contido no item 6 deste Parecer, com relação ao Cronograma
Físico-Financeiro (fl. 86)’.
Desta feita, antes de proceder à liberação do valor viabilizador da construção
a CEF procedeu à vistoria do bem como medida garantidora do mútuo. Assim
procedendo, o agente financeiro avaliza a integridade física e estrutural do
imóvel, o que transmite ao mutuário a convicção de que a construção está indene
de vícios e, o que interessa no caso concreto, em perfeito estado de utilização.
Sentiu-se o mutuário respaldado no parecer do departamento de engenharia do
agente financeiro, acerca das aceitáveis condições do projeto.
Mais, então, do que um singelo negócio jurídico de mútuo, a relação
contratual formada entre o agente financeiro e o mutuário traz consigo o
atestado d~ solidez do imóvel, no qual se fia o mutuário. A conduta do agente
financeiro, pois, gera no mutuário a convicção de que está adquirindo um bem
cuja situação estrutural foi investigada e aprovada.
Frustrado o aval acerca da solidez estrutural do imóvel ao longo do tempo,
surge para o mutuário a pretensão de reparação patrimonial, na sua ampla
acepção, ficando o agente financeiro sujeito à averiguação judicial da sua parcela
de responsabilidade.
No caso dos autos, são evidentes os danos causados ao mutuário, que,’
ante a frustração da ampliação da unidade hospitalar., deixou de efetuar
mais atendimentos, que gerariam fundos para o adimplemento, da obrigação
assumida. Referido quadro conduz à implicação lógica da mutuante por
negligência na fiscalização que lhe incumbia” (e-stj, fl. 411-415).
2. Como dito acima, não se está diante de uma relação triangular,
envolvendo construtora, consumidor e agente financeiro, controvertida em torno
de defeitos na construção - hipótese em que há julgados do Superior Tribunal
de Justiça proclamando a responsabilidade solidária do agente financeiro.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
133
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Aqui se trata de projeto arquitetônico tecnicamente inviável que instruiu
pedido de financiamento a final concedido pelo agente financeiro, tendo o
projeto sido encomendado a terceiro pelo mutuário.
Qual a relevância do parecer acerca da respectiva viabilidade técnica, que o
agente financeiro faz no seu interesse (o de que não sendo disperdiçados os recursos,
possa o mutuário resgatar o empréstimo)?
Salvo melhor juízo, ele não descaracteriza a responsabilidade do mutuário
que escolheu mal o profissional para elaborar o projeto, nem implica a
solidariedade do agente financeiro pelos danos decorrentes de sua inexecução.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe
provimento para restabelecer a autoridade da sentença proferida pelo MM. Juiz
Federal da 2ª Vara de Londrina, PR, Dr. Rogério Cangussu Dantas Cachichi.
RECURSO ESPECIAL N. 1.402.091-SP (2011/0125265-4)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Recorrente: F L P de M
Advogados: Samuel Mac Dowell de Figueiredo
Carolina Arid Rosa e outro(s)
Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo
Interessado: Associação dos Amigos do Museu da Casa Brasileira AMMCB e outros
EMENTA
Administrativo e Processual Civil. Recurso especial. Ação
cautelar de exibição de documentos. Apuração de atos de improbidade
administrativa. Quebra de sigilo bancário. Possibilidade.
1. Havendo sérios indícios da prática de ato de improbidade,
pode-se determinar a quebra de sigilo bancário dos investigados para
o fim de sua apuração.
2. Recurso especial não provido.
134
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
maioria, vencido o Sr. Ministro Relator, negar provimento ao recurso especial,
nos termos do voto do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, que lavrará o acórdão.
Votaram com o Sr. Ministro Benedito Gonçalves os Srs. Ministros Sérgio
Kukina, Ari Pargendler e Arnaldo Esteves Lima.
Brasília (DF), 8 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Benedito Gonçalves, Relator para acórdão
DJe 4.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. F.L.P.M. interpõe Recurso
Especial, fundamentado na alínea a do inciso III do art. 105 da CF/1988,
interposto contra acórdão prolatado pela 3ª Câmara de Direito Público do
TJSP (fls. 2.957-2.977), assim ementado:
Agravo de instrumento. Ação cautelar de exibição de documentos. Improbidade
administrativa. Insurgência contra decisão que deferiu a quebra de sigilo bancário
de agentes públicos. Existência de inquérito civil para a investigação de desvio
de verbas públicas. Necessária a quebra de sigilo para apuração de ilícitos
administrativos e penais. Recurso não provido.
2. No Raro Apelo de fls. 3.038-3.058, aponta o recorrente, preliminarmente,
violação aos arts. 458 e 535 do CPC, sob o argumento de o Tribunal de origem
não ter se pronunciado, em sede de Embargos de Declaração, acerca dos
dispositivos normativos tidos por violados, não abordando, ainda, questões
trazidas à baila que fundamentam os pedidos das partes.
3. No mérito, alega ofensa aos arts. 844 e 845 do CPC, afirmando não
ser possível o ajuizamento de Ação Cautelar de Exibição de Documentos para
obrigar o recorrente a expor suas movimentações financeiras ao Ministério
Público, para que este continue promovendo as investigações dos supostos atos
ímprobos e de eventuais crimes.
4. Sustenta, ainda, que o acórdão infringiu o art. 21 do CC, por ter a
Instância Ordinária determinado a quebra de sigilo bancário do recorrente, uma
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
135
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
vez que a medida invasiva implicar-lhe-á dano irreparável, não sendo suficiente,
para sua decretação, a alegação tão somente da gravidade das denúncias, sem que
haja justificativa plausível que demonstre a necessidade da limitação.
5. Contrarrazões às fls. 3.123-3.133, pugnando pelo não conhecimento do
recurso e, sucessivamente, seu desprovimento.
6. É o que havia de importante para ser relatado.
VOTO
Ementa: Administrativo e Processual Civil. Recurso especial.
Ajuizamento de ação cautelar de exibição de documentos para obter
quebra de sigilos bancário, fiscal e financeiro de servidores públicos e
dirigentes de órgãos estatais, com a finalidade de apurar a prática de
eventuais condutas ímprobas. Ausência de fumus boni iuris e periculum
in mora que justifique o deferimento da medida liminar. Recurso
provido.
1. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior de Justiça
já sedimentou entendimento de que a concessão da tutela cautelar
submete-se ao preenchimento de dois requisitos cumulativos: (i)
fumus boni iuris, referente à plausibilidade da ação e da procedência
de seu mérito; (ii) periculum in mora - atinente ao perigo concreto
e eminente de dano grave ou de difícil reparação à pessoa, ao bem
ou à prova, em face do decurso do tempo, que torne ineficaz a tutela
jurisdicional da ação principal.
2. A mera gravidade da conduta apurada pelo Ministério Público,
desprovida de qualquer circunstância concreta que comprove, ao
menos em um juízo perfunctório, o envolvimento do recorrente em
condutas ímprobas, não configura fundamento idôneo para justificar
a presença de fumus boni iuris exigido para a concessão da medida
cautelar.
3. Igualmente, não se vislumbra o periculum in mora da diligência
pleiteada pelo membro do Parquet, uma vez que as provas almejadas
pelo Órgão Acusador não correm risco de perecimento pelo tempo, por
estarem registrados nos bancos de dados das instituições financeiras,
onde seguramente não sofrem perigo potencial de dano próximo,
grave e de difícil reparação.
136
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
4. A quebra de sigilo pleiteada pelo membro do Parquet insere-se
no inciso II do citado art. 844 do CPC, que exige, para o deferimento
da exibição documental, que o documento visado seja próprio ou
comum do peticionante.
5. As informações almejadas pelo Órgão Ministerial, todavia,
dizem respeito ao interesse privativo do recorrente, atrelados à sua vida
privada, à sua esfera íntima, cuja interferência e devassa somente devem
ocorrer em hipóteses excepcionais e devidamente fundamentadas, não
bastando para tanto meras suspeitas de seu envolvimento em condutas
ímprobas e criminosas, decorrentes do simples exercício funcional de
cargo diretivo de órgão executivo estadual.
6. Recurso especial provido, para indeferir a concessão liminar da
quebra de sigilo bancário, fiscal e financeiro do recorrente.
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Inicialmente, não
se reconhece a ocorrência de infringência ao art. 535 do CPC, uma vez que não
se vislumbra qualquer omissão, obscuridade ou contradição no venerando aresto
recorrido, pelo que não se tem presente, dest´arte, qualquer causa de natureza
processual apta a nulificar o acórdão ora impugnado.
2. Infere-se dos autos que o Ministério Público ajuizou Ação Cautelar de
Exibição de Documentos para que fosse deferida a quebra do sigilo bancário do
recorrente e dos demais investigados, com o objetivo de instruir Inquérito Civil
instaurado para apurar denúncias sobre desvios de verbas públicas, promovidas
por agentes públicos lotados no Museu da Imagem e do Som e do Museu da
Casa Brasileira.
3. Nessa senda, aponta o recorrente violação aos arts. 844 e 845 do CPC,
sob o argumento de a Ação Cautelar de Exibição não ser instrumento processual
idôneo para a obtenção, pelo Ministério Público, de quebra de sigilo bancário,
fiscal e financeiro.
4. A solução da questão de direito demanda uma breve digressão sobre a
teoria geral do processo cautelar.
5. Com efeito, o processo cautelar possui, em sua essência, o caráter da
preventividade, pois possui a função auxiliar e subsidiária de assegurar a tutela
eficaz de um processo principal - de cognição ou de execução - mediante a
outorga de segurança a uma situação provisória de interesse das partes, já que o
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
137
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
transcurso do tempo pode inutilizar a solução final da lide, alterando o estado
das pessoas, provas e bens.
6. Observa-se nitidamente, dessa maneira, a utilização da tutela cautelar
como mecanismo de conservação dos elementos do processo, extirpando a
ameaça iminente de prejuízo ou perigo irreparável ao interesse pleiteado na ação
principal.
7. Verifica-se, assim, que a tutela jurisdicional cautelar almeja à justa e eficaz
tutela jurisdicional pleiteada em um processo principal, garantindo, dessa forma, a
utilidade da jurisdição.
8. Percebe-se, claramente, que o objetivo da tutela jurisdicional cautelar
é prevenir os elementos processuais contra eventual risco de dano imediato
que comprometa o interesse litigioso e, consequentemente, a eficácia da tutela
definitiva a que se encontra atrelada. Nessa linha, a doutrina esposada pelo
ilustre Professor HUMBERTO THEODORO JUNIOR, que define com
muita pertinência a medida cautelar da seguinte maneira:
(...) providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar
uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante
conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo
o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal. (Curso de
Direito Processual Civil, Vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 2012, p. 506).
9. Em face do caráter preventivo, a concessão da tutela cautelar submete-se
ao preenchimento de dois requisitos cumulativos: (i) fumus boni iuris, referente
à plausibilidade da ação e da procedência de seu mérito; (ii) periculum in mora
- perigo concreto e eminente de dano grave ou de difícil reparação à pessoa,
ao bem ou à prova, em face do decurso do tempo, que torne ineficaz a tutela
jurisdicional.
10. Especificamente em relação à Ação Cautelar de Exibição, tem-se
que o processo destina-se, geralmente, a assegurar ou a constituir uma prova,
ainda que, por vezes, vise a conhecer e a fiscalizar determinado objeto que se
encontra na guarda de terceiro. Sua finalidade precípua é, nas lições do já citado
doutrinador HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, evitar o risco de uma ação
mal proposta ou deficientemente instruída, evitando-se, assim, a surpresa ou o risco
de se deparar, no curso do futuro processo, com uma situação de prova impossível ou
inexistente (Op. cit., p. 603).
11. Pois bem.
138
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
12. No caso em exame, a Ação Cautelar Exibitória ajuizada pelo Ministério
Público almeja à quebra de sigilo bancário, financeiro e fiscal dos investigados
no Inquérito Civil n. 321/2006, que apura desvios de dinheiro promovidos por
funcionários e dirigentes do Museu da Imagem e do Som (MIS), bem como do
Museu da Casa Brasileira (MCB) - órgãos públicos estaduais (fls. 55).
13. A procedência do pedido cautelar atinente à quebra de sigilo bancário,
financeiro e fiscal do recorrente submete-se, portanto, à demonstração do fumus
boni iuris - consubstanciado na plausibilidade do ajuizamento de Ação Civil
Pública de Improbidade Administrativa contra F.L.P.M. e sua possível condenação
por ato ímprobo - e do periculum in mora - consistente no fundado temor quanto
à impossibilidade de produção da prova almejada, no momento da regular
instrução processual, em face de seu futuro perecimento, desvio, destruição ou
deterioração.
14. Da leitura da decisão que deferiu o pedido liminar (fls. 2.653-2.655),
percebe-se que o juízo monocrático concluiu haver fumus boni iuris no pleito
Ministerial tão somente em face de haver indícios de desvios de dinheiro público,
como atesta a seguinte passagem da decisão interlocutória ora mencionada:
O conjunto e o volume da prova documental coligida indica a razoabilidade
da identificação do fumus boni iuris, sobretudo porque sublinha o Ministério
Público a existência de uso ilícito de bem público com enriquecimento pessoal
ilícito e prejuízo financeiro direto ao erário (condutas tipificadas nos artigos 9º e
10 da Lei n. 8.429/1992), o que fere a legalidade e a moralidade pública e levanta
a presença do interesse público subjacente, tendo havido a indicação do futuro
ajuizamento de ação de improbidade administrativa, sendo certo que há nexo
lógico de causalidade entre a exibição que se almeja e a sua raiz causal, ainda que
se esteja nos estreitos limites da cognição sumária. (fls. 2.654).
15. O acórdão impugnado, igualmente, entendeu restar preenchido o
requisito do fumus boni iuris apenas com esteio na gravidade e nos indícios dos
fatos narrados, bem como da necessidade do deferimento da diligência para as
investigações, conforme atesta o seguinte trecho do Voto Vencedor:
Os fatos apurados pelo Ministério Público são de extrema gravidade e se
encontram fundados em plausibilidade fática e jurídica.
Nesse contexto, a quebra dos sigilos bancários dos servidores e dirigentes
das instituições referidas é condição essencial para apuração de ilícitos
administrativos e penais.
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
139
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Os indícios veementes do esquema de emissão e compra de notas “frias”
para justificar a existência de despesas junto à Secretaria de Cultura, locação
irregular de espaços nos museus, além de realização de eventos particulares, sem
que as verbas fossem repassadas ao Estado, são mais do que suficientes para o
deferimento da medida reclamada para o fim das necessárias investigações. (fls.
2.962-2.963).
16. Em relação ao recorrente, destacou-se apenas sua permanência em
cargos de Diretoria na Secretaria do Estado da Cultura, sem que lhe fosse atribuída
qualquer conduta ímproba específica, a saber:
No tocante ao agravante, ficou dito que a sistemática de atuação dos
envolvidos no dano ao erário verificou-se que “em diversas oportunidades, os
membros das, Associações também eram funcionários da Secretaria do Estado
da Cultura e acabavam por exercer cargos de Diretoria nas Associações, numa
ciranda organizada, em que quase sempre as pessoas continuavam as mesmas,
trocando somente de postos (...)”. (fls. 34). Dentre estas estava o agravante (fls.
2.957).
17. Vislumbra-se, dest’arte, que as decisões que deferiram a quebra de
sigilo em momento algum imputaram ao recorrente qualquer conduta desonesta,
lastreando a concessão da medida cautelar na simples condição de o F.L.P.M. exercer
cargos de Direção da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, como se de tal
condição decorresse, lógica e consequentemente, seu envolvimento nos fatos
investigados pelo Ministério Público no Inquérito Civil n. 321/2006.
18. Na realidade, a justificativa da medida tem como base acusações genéricas,
desprovidas de qualquer circunstância concreta que comprovasse, ao menos em
um juízo perfunctório, o envolvimento do investigado nas condutas ímprobas.
Como bem ressaltado pelo Voto Vencido proferido no Tribunal de origem, não
há nenhuma suspeita direta recaindo sobre o Agravante, ao menos por ora (fls. 2.957),
o que, à toda evidência, afasta a plausibilidade sequer de futuro ajuizamento de
Ação Civil Pública de Improbidade em desfavor do recorrente, afastando-se,
dessa maneira, o fumus boni iuris da medida.
19. Igualmente, não há que se falar em periculum in mora que fundamente
o deferimento da constrição pleiteada pelo Ministério Público, uma vez que as
provas almejadas pelo Órgão Acusador não correm risco de perecimento pelo
tempo, por estarem registrados nos banco de dados das instituições financeiras,
onde seguramente não sofrem perigo potencial de dano próximo, grave e de
difícil reparação.
140
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
20. Em outros julgados, esta egrégia Corte Superior de Justiça já
sedimentou entendimento acerca da indispensabilidade da comprovação do
fumus boni iuris e do periculum in mora para o deferimento de medidas cautelares,
a saber:
Processo Civil. Tributário. Medida cautelar. Recurso especial. Efeito suspensivo.
Impossibilidade. Participação nos lucros. Contribuição previdenciária. Ausência
do fumus boni iuris e do periculum in mora.
1. Em circunstâncias excepcionais, admite-se a concessão de efeito suspensivo
a recurso especial por meio de medida cautelar inominada, quando satisfeitos
concomitantemente os requisitos fumus boni iuris e periculum in mora.
2. A probabilidade de êxito do recurso especial deve ser verificada na medida
cautelar, ainda que de modo superficial. Assim, não comprovado de plano a
fumaça do bom direito apta a viabilizar o deferimento da medida de urgência, é
de rigor o seu indeferimento.
3. Na hipótese, o fumus boni iures não foi demonstrado, isto porque as
empresas não se submetem à incidência da contribuição previdenciária se a
distribuição de lucros e resultados for realizada na forma da lei.
4. “O art. 3º, § 2º, da Lei n. 10.101/2000 (conversão da MP n. 860/1995) fixou
o critério básico, no que interessa à demanda, qual seja a impossibilidade de
distribuição de lucros ou resultados em periodicidade inferior a 6 (seis) meses”
(REsp n. 496.949-PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em
25.8.2009, DJe 31.8.2009).
5. A mera alegação de receio de dano irreparável ou de difícil reparação não
é, isoladamente, suficiente para a concessão da tutela cautelar. Não basta a
existência de receio estritamente subjetivo, pois deve referir-se a uma situação
objetiva, baseada em fatos concretos - situação que não identifico nos autos.
Medida cautelar improcedente. Prejudicado o agravo regimental. (MC n.
20.790-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 1º. 8.2013).
Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental na medida cautelar.
Ação ordinária com pedido de tutela antecipada. Pretensão de conferir efeito
suspensivo a recurso especial. Excepcionalidade. Não demonstração do fumus
boni iuris e do periculum in mora. Remoção de servidora para acompanhar o
cônjuge. Violação do artigo 535 não configurada. Ausência de deslocamento do
consorte varão e de interesse da Administração.
1. Impossível, diante da caracterização da controvérsia e dos fatos que levaram
à extinção do processo cautelar sem resolução do mérito, pretender a parte juntar
novos documentos quando da interposição do agravo interno.
2. É ressabido que a cautelar para atribuição de efeito suspensivo a recurso
especial demanda a demonstração inequívoca do periculum in mora, evidenciado
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
141
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pela urgência na prestação jurisdicional, e do fumus boni juris, consistente na
possibilidade de êxito do recurso, consoante a jurisprudência uníssona do STJ
que se extrai dos seguintes julgados: AgRg na MC n. 14.558-DF, Rel. Min. Laurita
Vaz, Quinta Turma, DJ de 20.10.2008; AgRg na MC n. 14.456-RJ, Rel. Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, DJ de 22.9.2008.
(...).
6. Agravo regimental não provido. (AgRg na MC n. 17.779-PE, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, DJe 30.6.2011).
21. Ademais, no caso específico da Ação Cautelar de Exibição, observa-se
que o próprio Estatuto Processual Civil elenca as hipóteses de seu cabimento
em seu art. 844, que dispõe o seguinte:
Art. 844 - Tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial:
I - de coisa móvel em poder de outrem e que o requerente repute sua ou tenha
interesse em conhecer;
II - de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio,
condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua
guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens
alheios;
III - da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arquivo,
nos casos expressos em lei.
22. A quebra de sigilo pleiteada pelo membro do Parquet insere-se no
inciso II do citado art. 844 do CPC, uma vez que as informações a serem
prestadas pelas instituições financeiras revestirem-se de caráter documental.
Nessa linha, vislumbra-se claramente que as informações almejadas pelo Órgão
Ministerial não são de sua exclusiva propriedade; não são, sequer, de propriedade
comum das partes.
23. São, na verdade, informações de interesse privativo do recorrente, por
dizerem respeito à sua vida privada, à sua esfera íntima, cuja interferência
e devassa somente deve ocorrer em hipóteses excepcionais e devidamente
fundamentadas, não bastando para tanto meras conjecturas de seu envolvimento
em condutas ímprobas e criminosas, decorrentes do simples exercício funcional
de cargo diretivo de órgão executivo estadual.
24. Os argumentos ora explanados atestam que a insurgência do recorrente
merece guarida.
142
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
25. Em face do exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, para reformar
a decisão que manteve o deferimento da quebra de sigilo fiscal, financeiro e
bancário de F.L.P.M. pleiteado em Ação Cautelar de Exibição.
26. É o voto.
VOTO-VENCEDOR
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Recurso especial contra acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento a agravo
de instrumento interposto contra decisão que, em autos de ação cautelar de
exibição de documentos, determinou a quebra de sigilo bancário para fins de
apuração de atos de improbidade administrativa.
Alega-se violação: (i) dos artigos 458 e 535 do CPC, por se entender
que o acórdão recorrido não se pronunciou, fundamentadamente, sobre a
necessidade da quebra do sigilo bancário; (ii) dos artigos 844 e 845 do CPC,
por se considerar que a cautelar de exibição não é via adequada à quebra de
sigilo bancário; (iii) do art. 21 do Código Civil, ao argumento de que o juiz deve
adotar providência necessárias para impedir a violação da vida privada da pessoa
natural.
Contrarrazões às fls. 3.123 e seguintes.
Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso
especial.
É o relatório.
No caso, o Tribunal de Justiça, diante do acervo probatório e considerando
a plausabilidade fática e jurídica da pretensão, decidiu:
A quebra dos sigilos bancários dos servidores e dirigentes das instituições
referidas é condição essencial para apuração de ilícitos administrativos e penais.
Os indícios veementes do esquema de emissão e compra de notas frias para
justificar a existência de despesas junto à Secretaria de Cultura, locação irregular
de espaços nos museus, além de realização de eventos particulares, sem que
as verbas fossem repassadas ao Estado, são mais do que suficientes para o
deferimento da medida reclamada para o fim das necessárias investigações.
[...]
Certo que não há o que temer para aqueles que têm vida funcional
irrepreensível do ponto de vista de probidade administrativa, mesmo porque a
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
143
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
quebra de sigilo bancário, embora constitua instrumento de investigação, não
responsabiliza ninguém por si só, ausentes provas de condutas ilícitas.
Anota-se que, opostos embargos de declaração, arguindo omissão para a
alegação de inadequação da ação cautelar, para o fato de o Ministério Público
ter acesso a outros meios de prova e para a a ordem de quebra se apoiar tão
somente na gravidade das denúncias, foram rejeitados, sem qualquer acréscimo à
fundamentação embargada.
Nada obstante, nos termos em que decidida a controvérsia pelo acórdão
a quo, não há falar em violação dos artigos 458 e 535 do CPC, pois o Tribunal
de origem julgou a matéria, de forma clara, coerente e fundamentada,
pronunciando-se, suficientemente, sobre os pontos que entendeu relevantes para
a solução da controvérsia. A esse respeito, vide: REsp n. 1.102.575-MG, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1º.10.2009; EDcl
no MS n. 13.692-DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe
15.9.2009; AgRg no Ag n. 1.055.490-RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, DJe 14.9.2009.
Com relação à adequação da ordem de quebra de sigilo, a pretensão
também não merece prosperar.
Deve-se mencionar que o art. 1º, § 4º, inciso VI, da LC n. 105/2001 dispõe
que “a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração
de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo
judicial, e especialmente nos seguintes crimes: [...] contra a Administração
Pública”.
Nesse contexto, havendo sérios indícios da prática de ato de improbidade,
pode-se determinar a quebra de sigilo bancário dos investigados para o fim de
sua apuração. Nesse sentido, dentre outros:
Processual Civil. Administrativo. Agravo regimental no agravo de instrumento.
Quebra de sigilo bancário. Decisão judicial fundada em indício de ato ímprobo. LC
n. 105/2001, art. 1º, § 4º. Possibilidade. Reexame de provas. Súmula n. 7-STJ.
I - É possível a determinação por decisão judicial da quebra do sigilo bancário
quando há fundado indício de ato ilícito, principalmente de ato de improbidade,
nos moldes da Lei Complementar n. 105/2001, art. 1º, § 4º. Precedentes: RMS n.
32.065-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 10.3.2011;
REsp n. 1.060.976-DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 4.12.2009; REsp n.
996.983-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 30.9.2010.
144
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
II - In casu, a Corte de origem entendeu, com base no contexto dos fatos e
nas provas apresentadas, haver fundado indício de ato ímprobo praticado pelo
agravante a corroborar o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal. Inviável
chegar a conclusão contrária sem análise do arcabouço probatório. Súmula n.
7-STJ.
III - Agravo regimental improvido (AgRg no Ag n. 1.423.453-DF, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 11.6.2012).
Medida cautelar. Ação de exibição de documentos. Quebra do sigilo bancário.
Liminar concedida. Agravo. Manutenção. Recurso especial. Reexame de
provas. Inadmissibilidade. Cautelar. Inviabilidade. Pressupostos de concessão.
Inexistência.
I - A medida cautelar para emprestar efeito suspensivo a recurso que não
o tem, somente pode ser utilizada em hipóteses especialíssimas, quando
perfeitamente configurados os pressupostos da fumaça do bom direito e do
perigo da demora. Mesmo nestes casos, o recurso especial a ser interposto deve
estar delineado a fim de se observar a possibilidade de sua admissão, porquanto,
sendo a finalidade precípua da medida cautelar assegurar a eficácia do resultado
do processo principal, força é reconhecer que a cautelar vige enquanto pendente
o processo principal, sendo deste dependente, acessório, não podendo existir se
não estiverem presentes os pressupostos processuais de validade deste último,
uma vez que a ação cautelar não basta por si mesma.
II - Verificando que a matéria versada no recurso especial não se encontra
prequestionada no aresto guerreado e, reconhecendo que todos os argumentos
explicitados pelo recorrente, impõem ao julgador o reexame do conjunto fático
probatório, tem-se como conseqüência a inadmissão do apelo.
III - É inviável a medida cautelar quando o processo principal não tem chances
de ser admitido.
IV - O sigilo bancário não é um direito absoluto, quando demonstradas
fundadas razões, podendo ser desvendado por requisição do Ministério Público
em medidas e procedimentos administrativos, inquéritos e ações, mediante
requisição submetida ao Poder Judiciário. (ROMS n. 8.716-GO, Relator Ministro
Milton Luiz Pereira, DJ 25.5.1998, p. 11).
IV - Medida cautelar improcedente (MC n. 5.299-SP, Rel. Ministro Francisco
Falcão, Primeira Turma, DJ 26.5.2003).
Ação cautelar (exibição de documentos bancarios). Legitimidade do Ministerio
Publico Estadual. Providencias investigatorias urgentes e preparatorias para o
inquerito civil e ação civil publica. Constituição Federal, arts. 5º, X e XII, 37, 127 e
129. Lei n. 4.595/1964 (art. 38). Lei n. 7.347/1985. Lei n. 4.728/1965 (art. 4º, par. 2.) e
Lei n. 8.625/1993 (arts. 25 e 26).
RSTJ, a. 26, (233): 75-146, janeiro/março 2014
145
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A parla de relevante interesse publico e social, ampliou-se ao ambito de
atividades do Ministerio Publico para realizar atividades investigatorias, alicerçando
informações para promover o inquerito e ação civil publica (C.F., arts. 127 e 129, III, Lei n. 7.347/1985, arts. 1º e 5º).
2. O sigilo bancario não e um direito absoluto, quando demonstradas fundadas
razões, podendo ser desvendado por requisição do Ministerio Publico em medidas e
procedimentos administrativos, inqueritos e ações, mediante requisição submetida
ao Poder Judiciario.
3. A “quebra de sigilo” compatibiliza-se com a norma inscrita no art. 5º, X e XII, C.F.,
consono jurisprudencia do STF.
4. O principio do contraditorio não prevalece no curso das investigações
preparatorias incetadas pelo Ministerio Publico (RE n. 136.239 - Ag. Reg. em Inquerito
n. 897 - DJU de 24.3.1995).
5. Não constitui ilegalidade ou abuso de poder, provimento judicial aparelhando o
MP na coleta de urgentes informações para apuração de ilicitos civis e penais.
6. Recurso improvido (RMS n. 8.716-GO, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira,
Primeira Turma, DJ 25.5.1998).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
146
Segunda Turma
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
N. 249.045-RN (2012/0227309-8)
Relator: Ministro Og Fernandes
Agravante: Ministério Público Federal
Agravado: Vicente Inacio Martins Freire
Advogado: José Maurício de Araújo Medeiros
Interessado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte
EMENTA
Administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso
especial. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Art. 7º,
parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992. Indisponibilidade de todos
os bens. Desproporcionalidade. Prejuízo das atividades empresariais.
Limitação ao pedido inicial. Revisão do julgado. Súmula n. 7-STJ.
1. O art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992 é claro ao
dispor que a constrição patrimonial “recairá sobre bens que assegurem
o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial
resultante do enriquecimento ilícito”.
2. O Tribunal a quo considerou extremado o bloqueio da totalidade
dos bens do agravado, entendendo que a medida inviabilizaria suas
atividades empresariais, além de se mostrar desproporcional à extensão
dos danos causados ao erário.
3. Não se ignora a jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido
de que, “nos casos de improbidade administrativa, a responsabilidade
é solidária até a instrução final do feito, momento em que se delimita
a quota de responsabilidade de cada agente para a dosimetria da
pena.” (AgRg no REsp n. 1.314.061-SP, Relator Ministro Humberto
Martins, DJe 16.5.2013)
4. No presente caso, a Corte de origem verificou que o
Ministério Público requereu a condenação de todos os demandados,
proporcionalmente ao tempo de suas respectivas permanências nos
cargos. Diante disso e, considerando as provas até então produzidas,
delimitou o valor do suposto dano causado ao erário de acordo com os
atos praticados por cada um dos demandados.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
5. Diante desse quadro, a inversão do julgado por suposta afronta
ao art. 7º da Lei n. 8.429/1992 demandaria a análise dos documentos
e provas que instruíram os autos, procedimento inviável na via eleita,
a teor da Súmula n. 7-STJ.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do
Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente),
Eliana Calmon, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília (DF), 5 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Presidente
Ministro Og Fernandes, Relator
DJe 20.11.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de agravo regimental interposto
pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática da lavra do
Ministro Castro Meira, então relator do feito, assim ementada:
Administrativo. Improbidade administrativa. Indisponibilidade. Revisão.
Provas. Desproporcionalidade. Prejuízo. Atividades empresariais. Súmula n. 7-STJ.
1. O Tribunal de origem considerou extremado o bloqueio de todos os bens do
recorrido, tendo em vista o possível prejuízo a suas atividades empresariais, e a
desproporcionalidade de se decretar a indisponibilidade total dos bens, diante da
extensão dos danos causados no caso concreto.
2. É vedado revisar os documentos e provas que instruem os autos, a fim de
desconfigurar tal conclusão, segundo informa a Súmula n. 7-STJ: “A pretensão de
simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
3. Agravo em recurso especial não provido.
150
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
O agravante sustenta que, ao contrário do que está assentado na decisão
recorrida, a questão tratada nos autos é meramente de direito, prescindindo do
reexame do conjunto fático-probatório.
Diante disso, alega a existência de violação do art. 7º da Lei n. 8.429/1992,
tendo em vista que o Tribunal de origem limitou o bloqueio dos bens do
recorrido, inviabilizando o integral ressarcimento ao erário.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): O art. 7º, parágrafo único, da
Lei n. 8.429/1992 é claro ao dispor que a constrição patrimonial “recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo
patrimonial resultante do enriquecimento ilícito”.
A constrição patrimonial, entretanto, não pode incidir indiscriminadamente
sobre todos os bens do demandado. Assim, cabe ao magistrado, em atenção ao
princípio do livre convencimento motivado, fixar as sanções previstas na Lei de
Improbidade Administrativa de forma fundamentada e proporcional, com base
nos elementos fáticos da causa.
No caso, o Tribunal a quo considerou extremado o bloqueio da totalidade
dos bens do agravado, entendendo que a medida inviabilizaria suas atividades
empresariais, além de se mostrar desproporcional à extensão dos danos causados
ao erário, nesses termos:
A questão posta em análise, cinge-se ao debate acerca da possibilidade da
indisponibilidade de todos os bens dê agravante, ou apenas dos necessários
para assegurar valor corresponde à prática pelo ora agravante de suposto ato de
improbidade administrativa.
Indubitável que a Lei n. 8.429/1992 autoriza a decretação de indisponibilidade
de bens de pessoas que pratiquem atos de improbidade que causem lesão ao
patrimônio público ou ensejem enriquecimento lícito, objetivando assegurar
possível ressarcimento ao erário.
Assim reza o parágrafo único do art. 7º da citada Lei:
A indisponibilidade a que sé refere o caput deste artigo recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano. ou sobre o
acréscimo patrimonial.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
151
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Portanto o objetivo de aludido dispositivo legal é garantir o ressarcimento de
danos pelos gestores ímprobos ao P der Público, de possíveis prejuízos por eles
causados, principalmente quando condenados em definitivo pela reparação,
assegurando-se a utilidade do decisum judicial.
Com efeito, no caso em tela, entendo que o agravante poderá sofrer prejuízos
irreparáveis em razão de suas atividades empresariais, mormente no que diz respeito
as suas necessidades de movimentações financeira e patrimonial inerentes a sua
atividade empresarial, como única forma de se manter no concorrido, mas promissor
segmento da construção civil potiguar.
Nesse diapasão, se impõe registrar que dos documentos apresentados em sede
recursal, mormente as cópias da ata da reunião do Conselho de Administração da
CAERN, datada de 24 de junho de 1999, da Resolução n. 13/99, da mesma data,
do Contrato n. 900053, firmado entre a CAERN e o IASAN, datado de 14.7.1999,
do Contrato n. 900053-1, assinado pelas mesmas partes, em data de 16.8.1999 e o
demonstrativo de pagamento efetuado pela contratante (CAERN) ao contratado
(IASAN), que apesar da vultosa quantia contratada inicialmente, mas que logo
após o pagamento inicial no valor de R$ 107.400,00 (cento e sete mil e quatrocentos
reais), realizado em 21.6.2004, de responsabilidade do ora agravante, foi revogado
integralmente pelo novo instrumental contratual.
No item 6 da Cláusula Oitava - Disposições Gerais, do último contrato
firmado entre mencionadas partes e, repita-se, revogou o anteriormente
realizado, expressamente determina: “Este contrato entra em vigor nesta data,
revogado integralmente o Contrato n. 900053, de 14 de Julho de 1999”. Portanto,
durante a vigência do Contrato n. 900053, decorrente da decisão do Conselho de
Administração da citada empresa que foi presidida pelo ora agravante, concretizouse único pagamento, correspondente a quantia acima mencionada, pois do segundo
pagamento em diante já se encontrava em vigor o último contrato, de n. 900053-1,
sem nenhuma participação do agravante.
Nesse compasso, oportuno trazer a colação o seguinte trecho da decisão
hostilizada: “Além disso, o primeiro contrato perdurou apenas 32 (trinta e dois)
dias e Vicente Freire presidiu o Conselho de Administração da CAERN de 5 de
janeiro de 1995 até 29 de julho de 1999, período durante o qual houve apenas
um repasse ao IASAN, no valor de R$ 107.400,00, que foi pago em 23 de julho de
1999. Assim, a participação de Vicente Freire ficaria restrita a esse período, conforme
pedido formulado no item “g” da petição inicial, onde o Ministério Público pugna
pela condenação dos demandados proporcionalmente ao tempo de suas respectivas
permanências nos cargos”. Vejamos o que consta do item “g” da petição inicial
da respectiva Ação Civil Publica para responsabilização pela prática de ato de
improbidade administrativa e para promoção de ressarcimento ao erário: “g)
a condenação de todos os demandados, proporcionalmente ao tempo de suas
respectivas permanências nos cargos, a ressarcirem à CAERN, com juros e correção
monetária, todos os valores que tenham sido repassados ao IASAN fruto do contrato
objeto desta ação”.
152
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Em sendo assim, indubitável que a manutenção da decisão singular que
decretou a indisponibilidade de todos os bens do ora agravante, afronta os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois que nenhum servidor ou
cidadão tem o dever de ressarcir prejuízo causado por outrem ao erário. Portanto,
a decisão hostilizada que determinou mencionada indisponibilidade, não observou
que referida responsabilidade deveria se limitar ao valor do suposto dano sofrido pela
Fazenda Pública e ocorrido no período em que o agravante presidiu o Conselho de
Administração da CAERN e praticou atos ou determinou pagamentos baseados em
contrato firmado com o IASAN.
(...)
Por outro lado, se impõe ressaltar que o ora agravante antes do deferimento
da atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, estava impossibilitado
de legalizar qualquer dos imóveis de sua propriedade. No entanto, logo após
referida decisão, fez juntar ao caderno processual os documentos de fls. 202
usque 251, comprobatórios da propriedade dos imóveis dado como garantia e já
indisponíveis por determinação deste Relator, objetivado assegurar a utilidade de
possível sentença final condenatória.
Por fim, vislumbra-se neste momento processual, mesmo de forma superficial,
elementos suficientes para avaliar mesmo que por aproximação, o grau de
participação e responsabilidade de cada um dos demandados nesta ação, em face
da documentação apresentada, bem assim, a limitação temporal dos atos praticados
por cada um dos demandados, e ainda, as datas e os valores dos respectivos
pagamentos realizados pela CAERN ao IASAN.
Face ao exposto, dou provimento ao recurso, no sentido de reformar a
sentença hostilizada, para limitar a indisponibilidade dos bens do ora agravante
ao valor de R$ 107.400,00 (cento e sete mil e quatrocentos reais), com seus
acréscimos legais e, como garantia de possível ressarcimento ao erário, acrescido
de juros e correção monetária legais, mantenho a indisponibilidade dos dois (2)
lotes de terrenos, cuja propriedade, características, dimensões e confrontações
se encontram nos documentos acostados aos autos às fls. 202 a 251, observadas
as cautelas e prescrições legais, suficientes para assegurar possível ressarcimento
ao erário, até o julgamento final da referida Ação Civil Pública. (e-STJ fls. 284-288).
Não se ignora a jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido de que,
“nos casos de improbidade administrativa, a responsabilidade é solidária até a
instrução final do feito, momento em que se delimita a quota de responsabilidade
de cada agente para a dosimetria da pena”. (AgRg no REsp n. 1.314.061-SP,
Relator Ministro Humberto Martins, DJe 16.5.2013)
Na espécie, todavia, a situação é peculiar. Isso porque a Corte de origem
verificou que o Ministério Público requereu a condenação de todos os
demandados, proporcionalmente ao tempo de suas respectivas permanências
nos cargos. Ou seja, há uma delimitação da responsabilidade no próprio
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
153
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
petitório inicial do Parquet, cujo teor volto a reproduzir (grifos nossos): “g)
a condenação de todos os demandados, proporcionalmente ao tempo de suas
respectivas permanências nos cargos, a ressarcirem à CAERN, com juros e correção
monetária, todos os valores que tenham sido repassados ao IASAN fruto do
contrato objeto desta ação”.
Diante disso e, considerando as provas até então produzidas, o acórdão
recorrido limitou a decretação de indisponibilidade aos bens suficientes para
garantir a imputação que foi formulada em face do recorrido.
Vale lembrar que “a mesma base indiciária que respalda a decretação
de indisponibilidade dos bens deve nortear a extensão do seu alcance. Com
fundamento nos dados fornecidos na petição inicial e em outros elementos que
revelem a plausibilidade da responsabilidade do recorrente, cabe ao julgador
ordinário delimitar o montante sobre o qual deve recair a indisponibilidade de
seus bens - o que não significa necessariamente que, ao final, tal medida não
alcançará todo o seu patrimônio, tampouco que será reduzida ao valor por ele
apontado em seu apelo” (REsp n. 1.194.045-SE, Relator Ministro Herman
Benjamin, DJe 3.2.2011).
Sobre o tema, veja-se, ainda, o seguinte precedente:
Processual Civil. Administrativo. Medida cautelar. Bloqueio de bens.
Responsabilidade solidária. Improbidade administrativa. Ausência de perigo da
demora e de fumaça do bom direito. Insuficiência dos bens e valores bloqueados
para o ressarcimento ao erário. Impossibilidade de liberação da constrição por
esta Corte.
1. É entendimento assente que, nos casos de improbidade administrativa,
a responsabilidade é solidária até, ao menos, a instrução final do feito, em
que se poderá delimitar a quota de responsabilidade de cada agente para o
ressarcimento.
Não existe, portanto, ofensa alguma aos preceitos de individualização da
sanção.
(...)
3. O levantamento parcial da constrição pode ser feito, com base na situação
concreta, pelo juízo competente de acordo com o seu livre convencimento
motivado, utilizando do princípio da proporcionalidade e razoabilidade para
liberar as verbas constritas, a fim de se evitar que as empresas envolvidas venham
a ter sua atividade comercial inviabilizada.
(...)
Agravo regimental improvido. (AgRg na MC n. 15.207-RJ, Rel. Min. Humberto
Martins, Segunda Turma, DJe 19.9.2009)
154
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Diante desse quadro, a inversão do julgado por suposta afronta ao art.
7º da Lei n. 8.429/1992 demandaria a análise dos documentos e provas que
instruíram os autos, procedimento inviável na via eleita, a teor da Súmula n.
7-STJ.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
Processual Civil. Ação civil pública. Indisponibilidade de bens. Medida
suficiente para garantir eventual execução. Desnecessidade do bloqueio de
depósitos bancários. Incidência da Súmula n. 7-STJ.
1. O Ministério Público Federal sustenta que os valores bloqueados não são
suficientes para garantir o ressarcimento ao erário, uma vez que há diferença
entre o valor dos bens bloqueados (R$ 1.300.616,34) e o prejuízo imposto ao
Erário (R$ 2.446.595,49).
2. O Tribunal a quo decidiu pelo descabimento do bloqueio de valores em
razão da indisponibilidade de bens ser suficiente para garantir o ressarcimento
dos danos causados ao erário. Ora, infirmar tais conclusões, com o fito de acolher
a apontada violação ao artigo art. 7º da Lei n. 8.429/1992 e aferir a necessidade do
bloqueio das contas bancárias dos recorridos, - uma vez que os bens afetados pela
constrição judicial seriam insuficientes para garantir o efetivo ressarcimento ao erário
- , demandaria incursão no contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso em
recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 desta Corte de Justiça.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.337.258-AL, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
Primeira Turma, DJe 14.2.2013)
Ação civil pública. Natureza cível da ação. Ministério Público. Prazo em dobro
para recorrer. Improbidade administrativa. Responsabilidade solidária até a
instrução final do feito. Indisponibilidade dos bens limitada ao ressarcimento
integral do dano ao erário.
1. O entendimento jurisprudencial sedimentado no STF e no STJ, na época
em que protocolizado o agravo de instrumento, era no sentido que a intimação
pessoal do Ministério Público se dava com o “ciente” lançado nos autos, quando
efetivamente entregues ao órgão ministerial, e não da data da entrada dos autos
na secretaria.
2. Em razão da natureza cível da ação, o Parquet tem prazo em dobro para
recorrer na ação civil pública por improbidade administrativa (art. 188 do CPC).
3. Nos casos de improbidade administrativa, a responsabilidade é solidária até a
instrução final do feito, momento em que se delimitará a quota de responsabilidade
de cada agente para a dosimetria da pena.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
155
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4. É entendimento assente no âmbito desta Corte que, conforme o artigo
7º, parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992, a indisponibilidade dos bens deve ser
limitada ao valor que assegure o integral ressarcimento ao erário e do valor de
eventual multa civil.
5. Cumpre à instância ordinária verificar a extensão da medida de
indisponibilidade necessária para garantir o ressarcimento integral do dano,
pois, avaliar se os bens constritos excederam, ou não, o valor do dano ao erário,
implicaria a análise do material probatório dos autos, inviável em sede de recurso
especial, nos termos da Súmula n. 7 desta Corte.
Agravo regimental parcialmente provido, apenas para limitar a extensão da
medida de indisponibilidade ao valor necessário para o integral ressarcimento do
suposto dano ao erário e do valor de eventual multa civil.
(AgRg nos EDcl no Ag n. 587.748-PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira
Turma, DJe 23.10.2009)
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o relatório.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.097.823-SC
(2008/0223043-6)
Relator: Ministro Castro Meira
Relator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin
Agravante: União
Agravado: Olivio Marafon e outro
Advogado: Fábio Finn e outro(s)
EMENTA
Processual Civil e Administrativo. Ação de indenização. Mata
Atlântica. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prescrição
quinquenal. Revogação do decreto. Perda do objeto. Tamanho do
imóvel. Irrelevância. Súmula n. 7-STJ. Inaplicabilidade.
1. Hipótese em que o aresto recorrido afastou a prescrição
quinquenal e determinou a realização de perícia para aferir se as
156
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
restrições ao aproveitamento da vegetação da Mata Atlântica trazidas
pelo Decreto n. 750/1993 caracterizam desapropriação indireta ou
mera limitação administrativa.
2. A matéria recursal restringe-se a interpretar os efeitos do
Decreto n. 750/1993 e a consequente incidência da norma prescricional
quinquenal, prevista no Decreto n. 20.910/1932, o que é cabível em
Recurso Especial. Inaplicabilidade da Súmula n. 7-STJ.
PERDA DO OBJETO
3. Após o julgamento da Apelação, o Decreto n. 750/1993 foi
expressamente revogado pelo art. 51 do Decreto n. 6.660/2008, que
regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006).
4. Com a revogação do ato especificamente apontado pelos
recorridos como ensejador da desapropriação indireta, configura-se
a perda do objeto da ação a ensejar sua extinção sem resolução de
mérito.
DECRETO N. 750/1993 - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA
5. O STJ pacificou o entendimento de que o Decreto n. 750/1993
estabeleceu mera limitação administrativa, e não desapropriação
indireta, pois não exclui o domínio particular sobre a terra, mas apenas
condiciona o exercícios dos direitos inerentes à propriedade.
PRECEDENTES DO STJ
6. Cito precedentes nesse sentido: EDcl nos EDcl no REsp
n. 1.099.169-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, j.
11.6.2013; REsp n. 1.120.304-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, DJe 29.5.2013; REsp n. 752.232-PR, Rel. Ministro
Castro Meira, Segunda Turma, DJe 19.6.2012; AgRg no Ag n.
1.337.762-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 12.6.2012; AgRg nos EDcl no REsp n. 1.116.304-SC, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.12.2011;
REsp n. 1.275.680-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 1º.12.2011; AgRg no REsp n. 1.204.607-SC,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 17.5.2011;
AgRg no REsp n. 404.791-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin,
Segunda Turma, DJe 26.4.2011; AgRg no REsp n. 934.932-SC, Rel.
Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 26.5.2011;
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
157
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AgRg nos EREsp n. 752.813-SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki,
Primeira Seção, DJe 9.5.2011; AgRg no Ag n. 1.221.113-SC, Rel.
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 17.2.2011;
REsp n. 1.126.157-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 5.11.2010; REsp n. 1.180.239-SC, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.9.2010; REsp n.
1.172.862-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
26.3.2010; EREsp n. 922.786-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 15.9.2009; REsp n. 1.171.557-SC, Rel. Ministro
Castro Meira, Segunda Turma, DJe 24.2.2010.
7. Na origem, o presente caso foi julgado conjuntamente com
sete outros, sendo idêntico ao dos Recursos Especiais n. 1.098.162SC (Rel. Min. Eliana Calmon), e 1.098.163-SC e 1.099.428-SC
(Rel. Min. Humberto Martins), em que, mesmo em se tratando
de minifúndios, reconheceu-se que o Decreto n. 750/1993 fixou
limitação administrativa e que se aplicou a prescrição quinquenal.
AUSÊNCIA DE REDUÇÃO DA ÁREA CULTIVADA
8. Cabe observar que, no caso dos autos, o Decreto n. 750/1993
não diminuiu a área então cultivada pelos recorridos, até porque
não há Mata Atlântica na lavoura. Apenas impediu nova supressão
da cobertura florística, especificamente a vegetação primária ou nos
estágios avançado e médio de regeneração. O efeito possível do
Decreto é restringir a ampliação do aproveitamento econômico do
imóvel, mas não reduzir a exploração já existente.
MINIFÚNDIOS
9. Caso os minifúndios sejam excluídos da jurisprudência relativa
à limitação administrativa, o STJ estará afastando a aplicação da lei
em relação à maioria absoluta dos imóveis rurais na região Sul do
Brasil. Registre-se que só em Santa Catarina, segundo dados oficiais,
existem 167.335 pequenas propriedades rurais. O que seria exceção
à jurisprudência deste Tribunal tornar-se-ia a regra para o local,
contribuindo-se para a desproteção dos 5% de Mata Atlântica que
restam no País.
CONCLUSÃO
10. Agravo Regimental provido.
158
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman
Benjamin, divergindo do Sr. Ministro-Relator, a Turma, por maioria, deu
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Herman
Benjamin, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Castro Meira.” Votaram
com o Sr. Ministro Herman Benjamin os Srs. Ministros Humberto Martins,
Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon.
Brasília (DF), 15 de agosto de 2013 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJe 4.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: Trata-se de agravo regimental interposto
contra decisão proferida em recurso especial, assim ementada:
Processual Civil. Pretensão recursal e premissas fáticas alicerçadas pelo
acórdão recorrido. Reexame de matéria fática. Súmula n. 7-STJ. Enquadramento.
Desapropriação indireta ou limitação administrativa.
1. Tanto as premissas fáticas alinhavadas pelo Tribunal de origem no sentido
de que não se pode firmar se a situação do bem se enquadra em desapropriação
indireta ou em mera limitação administrativa, quanto a pretensão recursal
demandariam a coibida inserção no contexto fático-probatório constante do
processo na via especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.
2. Recurso especial não conhecido (fl. 70).
Sustenta a agravante que versa o caso o reconhecimento da prescrição
fundada no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932. Aduz que o Verbete Sumular
de n. 7 do STJ não impede a apreciação da efetiva desapropriação indireta.
Assevera que não se pode cogitar da desapropriação indireta, pois não houve
transferência compulsória da propriedade para o Poder Público.
Nesse sentido, alega que os próprios autores da demanda afirmam, na
exordial, que são proprietários do imóvel rural matriculado sob o n. 5.896, ou
seja, que não houve transferência da propriedade para a União.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
159
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Invoca, segundo entende, caso similar – REsp n. 1.016.925-SC, Rel. Min.
José Delgado – em que preconiza ser aplicável o prazo prescricional de cinco
anos por indenização decorrente de limitação ao direito de propriedade.
Postula a reforma da decisão agravada a fim de que seja acolhida a
prescrição quinquenal ou alternativamente o reconhecimento de inexistência de
desapropriação no caso concreto, mas de limitação administrativa, na forma dos
arts. 1º e 2º do Decreto n. 750/1993.
É o relatório.
VOTO
Ementa: Processual Civil. Pretensão recursal e premissas fáticas
alicerçadas pelo acórdão recorrido. Reexame de matéria fática.
Súmula n. 7-STJ. Enquadramento. Desapropriação indireta ou
limitação administrativa. Prazo prescricional do art. 1º do Decreto n.
20.910/1932. Ausência de prequestionamento.
1. O Juízo de primeira instância, pouco mais de 15 dias após
a distribuição do feito, indeferiu a petição inicial e extinguiu o
processo, por ter reconhecido a prescrição do direito dos autores à ação
indenizatória. Initio litis, apurou que não se tratava de desapropriação
indireta, mas de mera limitação administrativa, sujeita, portanto, ao
prazo de prescrição quinquenal do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
2. A Corte Regional deu provimento ao recurso de apelação por
entender que a existência, ou não, de desapropriação indireta depende
de prova a respeito, não podendo ser o processo extinto, initio litis,
antes de ultrapassada a fase probatória. Asseverou que através de
perícia é que será determinado o grau de intervenção do Estado na
propriedade, para concluir se o caso dos autos é de desapropriação
indireta ou de mera limitação administrativa.
3. O acórdão regional aferiu a existência, no caso, de um
peculiaridade que torna ainda mais evidente a necessidade de se
realizar a prova a fim de demonstrar o grau da intervenção estatal na
propriedade, especificamente o fato de se tratar de pequenas propriedades
rurais (minifúndios), onde a instituição da reserva legal, aliada a outras
limitações, pode levar, não raras vezes, a “inviabilidade completa da
própria subsistência”.
160
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
4. A Corte de origem levou em conta certa peculiaridade do
caso - o fato de se tratar de minifúndio rural - para concluir que
a caracterização do feito como desapropriação indireta ou mera
limitação administrativa depende de prova a ser produzida na fase
própria, não podendo o processo ser extinto initio litis por prescrição,
já que o prazo prescricional varia a depender da natureza da ação: vinte
anos para a desapropriação indireta e cinco anos para a indenização
por prejuízos causados em decorrência de limitações administrativas.
5. As premissas fáticas assentadas no acórdão e as circunstâncias
de que se valeu para afirmar a necessidade de prova a fim de demonstrar
o grau de intervenção do Estado na propriedade não podem ser
alteradas ou desconsideradas por esta Corte.
6. A própria jurisprudência do STJ não se distancia do que foi
decidido pelo TRF da 4ª Região, pois se entende que a criação de
parques de preservação ambiental não criam limitações além das que
já estão previstas no Código Florestal, não cabendo, em tese, qualquer
indenização, a menos que o autor da ação faça prova de prejuízos concretos,
que suplantam aqueles experimentados em razão das proibições do próprio
Código. Assim, não pode ser suprimida da parte a possibilidade de produzir
a prova que demonstra a sua pretensão. Precedentes.
7. A tese da recorrente de que houve prescrição impõe o
afastamento da premissa alinhada pela Corte regional de que não seria
possível se definir a qualificação jurídica da intervenção na propriedade
sem a produção de prova pericial, providência incompatível com a
natureza do recurso especial, que não se vocaciona à discussão de
matéria fática, a teor da Súmula n. 7-STJ.
8. A tese segundo a qual o art. 1º do Decreto n. 20.910/1932 se
aplica em ações de qualquer natureza não foi debatida pelo acórdão
recorrido, o que impede seu conhecimento por esbarrar nas Súmulas
n. 282 e 356-STF.
9. Agravo regimental não provido.
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): Olívio Marafon e cônjuge são
proprietários de imóvel rural, com área de 243.500 m², localizado no Município
de Descanso, no oeste catarinense, desde o ano de 1979.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
161
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em 14 de janeiro de 2008, ajuizaram ação que intitularam de “indenizatória
por desapropriação indireta” em face da União. Alegaram que o Decreto n.
750/1993, em seu art. 1º, proibiu o corte, a exploração e a supressão de vegetação
primária ou nos estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Assim, como são pequenos proprietários e adquiriram seu imóvel para
a prática da agricultura e da pecuária, disseram que têm sofrido verdadeira
“interdição do uso da propriedade” e não mera limitação administrativa, o que
justifica a indenização reclamada.
Na exordial, sustentaram o seguinte:
No caso em tela, os Autores sofreram danos materiais, consistentes em danos
emergentes e lucros cessantes. Os danos emergentes estão configurados na perda
efetiva da propriedade rural adquirida, pois, como dito, são pequenos agricultores,
e, embora tenham pago o valor integral da área comprada, adimplindo, inclusive,
os tributos incidentes sobre toda ela, somente pode ser utilizada de forma restrita,
perdendo, por consequência, o valor investido na mesma.
Isto porque a área do imóvel dos Autores coberta pela vegetação protegida
por lei ambiental é totalmente inútil para as lides agrícolas, tendo em vista que tal
vegetação não pode ser extraída para que se possa plantar ou cultivar pastagens,
que, como se sabe, não germina nem cresce sob condições de muita umidade e
pouca luminosidade.
(...)
Por óbvio, tal perda deverá ser calculada mediante a realização de prova pericial,
que demonstre o total da área pretendida pelos autores, em razão das políticas
adotadas pela ré, apurando-se a respectiva indenização. Deverá ser apurado
mediante perícia, também, o valor real da vegetação existente nã área e que poderá
ser comercializada.
Quanto aos lucros cessantes, os autores possuem o direito à indenização pelo
que deixaram de lucrar em razão da inutilização de sua propriedade por meio de
políticas ambientais adotadas pela ré (fl. 12, grifos do original).
Ao final, postularam o seguinte:
c) sejam julgados procedentes os pedidos formulados pelos autores nesta
inicial, condenando-se a Ré ao pagamento da indenização respectiva, que
deverá ser apurada em liquidação de sentença, ou seja, o valor do imóvel, o lucro
cessante e o valor dos recurso vegetais (madeiras) existentes no local;
d) ao final seja determinada a devida averbação da área considerada de
preservação ambiental, expedindo-se mandado ao competente Registro de
Imóveis;
162
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
e) a condenação da ré ao pagamento de juros, inclusive compensatórios, da
correção monetária, das custas processuais e honorários advocatícios;
f ) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, mormente a
testemunhal, documental e pericial (fl. 13).
O Juízo de primeira instância, pouco mais de 15 dias após a distribuição do
feito, indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo com resolução de mérito,
por ter reconhecido a prescrição do direito dos autores à ação indenizatória.
Initio litis, apurou que não se tratava de desapropriação indireta, mas de mera
limitação administrativa, sujeita, portanto, ao prazo de prescrição quinquenal do
art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
A motivação da sentença fica clara nos seguintes fragmentos de voto,
verbis:
Analisando o caso dos autos, constata-se que não é caso de desapropriação,
à medida que o direito de propriedade continua a pertencer à parte autora, não
tendo havido qualquer apossamento irregular.
Trata-se na verdade de uma limitação legal ao direito de propriedade que
atinge de forma abstrata e geral todos os proprietários com imóveis nas situações
descritas pela norma, instituídas em favor do interesse coletivo, e que não altera a
titularidade do imóvel e também não impossibilita por completo o exercício dos
poderes de proprietário.
(...)
Em conclusão: a natureza jurídica do evento alegado na inicial é a de mera
limitação administrativa ao direito de propriedade e não de desapropriação indireta.
Sendo mera limitação administrativa, o prazo prescricional é quinquenal,
regulado pelo Decreto n. 20.910/1932. Considerando a data do Decreto e da
Portaria Interministerial que teriam limitado o direito de propriedade da parte
autora (1993 e 1996 respectivamente), bem como a data da propositura da
presente demanda, observo que a pretensão está irremediavelmente fulminada
pela prescrição (fls. 23 e 24, grifos nossos).
A Corte Regional deu provimento ao recurso de apelação dos autores
por entender que a existência, ou não, de desapropriação indireta aqui depende
de prova a respeito, não podendo ser o processo extinto, initio litis, antes de
ultrapassada a fase probatória. Assim, asseverou que através de perícia é que será
determinado o grau de intervenção do Estado na propriedade, para concluir se o
caso dos autos é de desapropriação indireta ou de mera limitação administrativa.
O nobre Des. Federal Márcio Rocha sustentou o seguinte, verbis:
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
163
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Alegam os autores que a aplicação do Decreto n. 750, de 1993, retira a utilidade
econômica de tais propriedades. Nessa linha não poderia o juízo, de antemão, sem
oportunizar às partes a prova da extensão dessa perda de utilidade econômica do
imóvel, já entender que se trata de uma mera restrição administrativa, e não da
própria perda da utilidade da propriedade. Essa matéria deverá ser objeto de
debate nos autos, cabendo aos autores provar que a extensão dessas limitações
de fato retiraram dessas propriedades a utilidade econômica. Não pode o
juízo, sem prova e sem contraditório, já antecipar a qualificação jurídica dessa
intervenção da propriedade, presumindo, portanto, uma das teses.
Então, dada essa questão e entendendo que a existência ou não de
desapropriação indireta aqui depende de prova a respeito: a mata que existe em
cada terreno, a utilidade que se dava, o que ainda se pode utilizar e o que não se
pode (...)
Diante disso, afasto a sentença que reconheceu a prescrição e determino o
retorno dos autos à origem.
É o voto em todos os feitos (fl. 41).
Em complemento, o Des. Antônio Lippmann asseverou que, no caso, há
um peculiaridade que torna ainda mais evidente a necessidade de se realizar
a prova a fim de demonstrar o grau da intervenção estatal na propriedade,
especificamente o fato de tratar-se de pequenas propriedades rurais (minifúndios),
onde a instituição da reserva legal, aliada a outras limitações, pode levar, não raras
vezes, a “inviabilidade completa da própria subsistência” (fl. 41-v), como se verifica
no seguinte excerto de voto:
Confesso que na última sessão em que figurei na relatoria dos feitos, trouxe
uma matéria análoga e, naquela assentada, fiquei vencido. Depois daqueles
debates realizados durante a sessão, e, depois, com o voto divergente apresentado
pelo Des. Valdemar Capeletti, que ficou para atuar como Relator para o acórdão,
refletindo durante esse período - recebi o memorial do ilustre advogado - percebi
que há uma peculiaridade que me chamou a atenção, salvo melhor juízo, todas
as propriedades são minifúndios, onde, além da reserva legal, que é ínsito, tendo
em vista a legislação específica no caso, haveria praticamente a situação de levar
aos titulares do domínio até - e V. Exa. bem salientou, desde que comprovado isso
pericialmente - a inviabilidade completa da própria subsistência.
Também sou de família do interior, e lá acho que esse decreto não chegou
a atingir a parte do Estado do Paraná, embora tenhamos também dentro da
extensão territorial do Estado uma margem significativa de Mata Atlântica. Mas
confesso que me curvei diante dessas considerações - e V. Exa. agora bem aduziu
que estamos diante de um caso que depende de uma aferição concreta da
extensão desse possível prejuízo ocasionado a esses titulares do domínio.
164
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Ressalvando o meu ponto de vista pessoal - no voto trago um precedente
do Min. Fux, se não me falha a memória, envolvendo a questão, só que é uma
questão já envolvendo até a própria perícia realizada no imóvel.
Recebi o voto divergente do Des. Valdemar Capeletti naquele feito que refere
que há no seio do próprio Superior Tribunal de Justiça um precedente do Min.
Teori Zavascki que enfrenta essa questão e isso mostra o dissenso jurisprudencial
a ensejar que o feito tenha a sua tramitação.
Por isso, alterando meu posicionamento utilizado naquele feito, estou
aderindo à posição sustentada agora por V. Exa.
Estou acompanhando (fl. 41).
O ilustre Des. Valdemar Capeletti foi ainda mais enfático quanto à
situação sui generis desse caso, por se tratar de minifúndio, em que a limitação à
propriedade supera os 44% da totalidade do imóvel.
Para corroborar o fundamento de seu voto, transcreve-se o trecho a seguir:
Sem dúvida, eminente Relator, caro Presidente.
Vou pegar um dos feitos apenas como parâmetro, e me atenho ao feito de n.
18. No caso concreto:
“Os presentes autos envolvem pequena propriedade, ou seja, minifúndio, cuja
área é de onze hectares (...) (lê) (...) limitação desse gênero.”
Fosse uma limitação administrativa na exploração seria perfeitamente
aplicável os precedentes que se invocavam naquele feito em que tive a honra de
ser o Relator e que V. Exa., Des. Lippmann, foi vencido.
“Mas aqui onde se reduz o uso e gozo e fruição da propriedade que atinge
44,01% da área total, estamos, sem dúvida diante de uma situação sui generis e
que merece tratamento diferenciado (...) (lê) (...) a saber, a ação de desapropriação
indireta prescreve em vinte anos.” Aí declino precedentes do Supremo Tribunal
Federal, da lavra do eminente Min. Celso de Mello, que à unanimidade, foi
publicado em 22.9.1995, exatamente nesta linha de posicionamento em que
afasta a aplicação do Decreto n. 750 por ser situações diferenciadas, assim como
do próprio STJ, já mencionado por V. Exa., o acórdão da 1ª Turma, também
unânime, que teve como Relator o eminente Min. Teori Zavascki.
Diante disso, vou acompanhar o voto de S. Exa., o Relator, com essas
ponderações. Peço a juntada de notas taquigráficas em todos os feitos, Sr.
Presidente, a título de complementação (fl. 41).
Como se vê, o acórdão regional levou em conta certa peculiaridade do caso
- o fato de se tratar de minifúndio rural - para concluir que a caracterização do
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
feito como desapropriação indireta ou mera limitação administrativa depende de
prova a ser produzida na fase própria, não podendo o processo ser extinto initio
litis por prescrição, já que o prazo prescricional varia a depender da natureza da
ação: vinte anos para a desapropriação indireta e cinco anos para a indenização
por prejuízos causados em decorrência de limitações administrativas.
A jurisprudência desta Corte não se distancia do que foi decidido pelo
TRF da 4ª Região, pois se entende que a criação de parques de preservação
ambiental não criam limitações além das que já estão previstas no Código
Florestal, não cabendo, em tese, qualquer indenização, a menos que o autor da
ação faça prova de prejuízos concretos, que suplantam aqueles experimentados
em razão das proibições do próprio Código.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
Administrativo. Embargos de divergência em recurso especial. Ação de
indenização. Decreto Estadual n. 10.251/1977. Criação do Parque Estadual da
Serra do Mar. Esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade. Indenização
indevida. Limitações preexistentes em decorrência de outras normas. Súmula n.
168-STJ.
1. A criação do Parque Estadual da Serra do Mar não gera direito à indenização pura
e simplesmente, eis que as limitações administrativas previstas no Decreto Estadual n.
10.251/1977 já estavam anteriormente entabuladas no Código Florestal, sendo devida
a indenização somente no caso de restar comprovada limitação administrativa mais
extensa que as já existentes na área antes do decreto e, também, prejuízo concreto
decorrente da impossibilidade de exploração econômica da propriedade.
2. “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal
se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado” (Súmula n. 168-STJ).
3. Embargos de divergência não conhecidos (EREsp n. 610.158-SP, Rel. Min.
Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 22.9.2008 - original sem grifos);
Processual Civil. Administrativo. Agravo regimental em recurso especial.
Ação de indenização por desapropriação indireta. Parque Estadual da Serra do
Mar (Decreto Estadual n. 10.251/1977). Limitações administrativas de caráter
geral. Função social da propriedade. Ausência de prejuízo. Impossibilidade de
indenização. Precedentes do STJ: EREsp n. 209.297-SP, DJ 13.8.2007
1. A criação do “Parque Estadual da Serra do Mar”, por intermédio do Decreto
n. 10.251/1977, do Estado de São Paulo, não acrescentou qualquer limitação
àquelas preexistentes, engendradas em outros atos normativos (Código Florestal,
Lei do Parcelamento do Solo Urbano), que já vedavam a utilização indiscriminada
da propriedade. Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp n. 257.970-SP, Relator
Ministro Francisco Falcão, DJ de 13.3.2006; AgRg no REsp n. 610.158-SP, Relatora
166
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Ministra Denise Arruda, DJ de 10.4.2006 e REsp n. 442.774-SP, Relator Ministro
Teori Zavascki, DJ de 20.6.2005.
2. Consectariamente, à luz do entendimento predominante desta Corte, revelase indevida indenização em favor dos proprietários dos terrenos atingidos pelo ato
administrativo sub examine - Decreto n. 10.251/1977, do Estado de São Paulo, que
criou o Parque Estadual da Serra do Mar - salvo comprovação pelo proprietário,
mediante o ajuizamento de ação própria em face do Estado de São Paulo, que
o mencionado decreto acarretou limitação administrativa mais extensa do que
aquelas já existentes à época da sua edição.
3. É inadmissível a propositura de ação indenizatória na hipótese em que a
aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos atos
normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis, como
ocorrera, in casu, com os Decretos Estaduais n. 10.251/1977 e n. 19.448/1982 de
preservação da Serra do Mar (Precedente: EREsp n. 254.246-SP, Primeira Seção,
Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. para acórdão Min. João Otávio Noronha, julgados em
13.12.2006)
4. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 988.785-SP, Rel. Min. Luiz
Fux, Primeira Turma, DJe de 18.2.2009);
Assim, está assente nesta Corte que a criação de parque de preservação
ambiental ou a edição de normas que contemplam restrições à exploração do
meio ambiente não geram, pura e simplesmente, direito à indenização, que será
devida caso de restar comprovada limitação administrativa mais extensa que as
já existentes na área e, também, prejuízo concreto decorrente da impossibilidade de
exploração econômica da propriedade.
Há precedente da Segunda Turma que retrata um caso muito semelhante
ao que se está examinado. Na oportunidade, concluiu este órgão julgador que
“a existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do autor e
o eventual direito à indenização são questões que extrapolam os limites do
interesse meramente processual, passando a constituir o próprio mérito da
causa. Desse modo, conclui-se que se faz necessária dilação probatória para fins
de verificar a extensão da limitação administrativa imposta pelo decreto-lei que
institui o Parque de IlhaBela, de forma que têm os proprietários do imóvel o
direito de promover a instrução regular do feito com o fito de postular eventual
indenização decorrente de limitação administrativa ao direito de propriedade”.
O julgado recebeu a seguinte ementa:
Processual Civil e Administrativo. Ação de desapropriação indireta. Criação do
Parque Estadual de IlhaBela. Falta de interesse de agir. Afastamento. Necessidade
de dilação probatória. Violação aos arts. 130, 267, VI, § 3º, 331, § 2º do CPC.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do autor
e o eventual direito à indenização são questões que extrapolam os limites do
interesse meramente processual, passando a constituir o próprio mérito da causa.
2. Afigura-se necessária dilação probatória para fins de verificar a extensão
da limitação administrativa imposta pelo decreto-lei que institui o Parque de
IlhaBela, de forma que têm os proprietários do imóvel o direito de promover a
instrução regular do feito com o fito de postular eventual indenização decorrente
de limitação administrativa ao direito de propriedade. Precedentes.
3. Recurso especial provido (REsp n. 510.666-SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, Segunda Turma, DJ de 23.5.2007).
O eminente Relator, Min. João Otávio de Noronha, asseverou o seguinte,
em tudo aplicável ao presente caso, verbis:
Cuida-se, na espécie, de ação de desapropriação indireta proposta por Maria
Oliveira Facchina e Outros, ora recorrentes, em que se requer indenização em face
da impossibilidade de utilização econômica de seu imóvel – situado na Comarca
de São Sebastião, Município de Ilhabela – em decorrência da criação do Parque
Estadual de Ilhabela.
Apreciado em primeiro grau de jurisdição, o feito foi extinto com base no art.
267, VI, do CPC, por falta de interesse de agir (fls. 361-366). Entendeu o magistrado
que só há desapropriação indireta quando ocorrer a efetiva ocupação pelo
Poder Público de área de propriedade privada, hipótese inocorrente na espécie.
Ponderou que, no caso, houve apenas a delimitação genérica da área pertencente
ao referido parque estadual.
Interposto subseqüente recurso de apelação, foi ele improvido.
Manifestado embargos infringentes, foram eles rejeitados.
Daí, adveio o presente recurso especial.
Na mesma linha da orientação deste Tribunal, entendo que, no caso, a
existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do autor e o
eventual direito à indenização são questões que extrapolam os limites do
interesse meramente processual, passando a constituir o próprio mérito da
causa. Desse modo, concluo que se faz necessária dilação probatória para fins
de verificar a extensão da limitação administrativa imposta pelo decreto-lei que
institui o Parque de IlhaBela, de forma que têm os proprietários do imóvel o
direito de promover a instrução regular do feito com o fito de postular eventual
indenização decorrente de limitação administrativa ao direito de propriedade.
Colaciono, por oportunos, precedentes desta Corte que bem refletem o
entendimento ora adotado:
168
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Divergência
jurisprudencial não comprovada. Criação de reserva ambiental (Parque
Estadual de Ilhabela). Ação de desapropriação indireta. Interesse de agir.
1. Manifesta-se presente o interesse de agir quando a ação proposta é
meio idôneo à obtenção da pretensão do autor, bem como necessária à
consecução dos escopos da demanda.
2. Deveras, a análise do interesse de agir é engendrada in abstrato,
pelo que consta da petição inicial. In casu, a existência ou não de efetivo
desapossamento da propriedade do autor, assim como o eventual direito
a indenização, são questões que extrapolam os limites do interesse
meramente processual, passando a constituir o próprio meritum causae.
Constituindo precedentes do STJ: REsp n. 595.731-SP, Relator Ministro
Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005; REsp n. 402.598-SP, desta relatoria, DJ de
24.3.2003 e REsp n. 433.251-SP, desta relatoria, DJ de 30.9.2002.
3. O Recurso Especial fundado na alínea c exige a demonstração
do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração das
circunstâncias que assemelham os casos confrontados, não bastando, para
tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas.
Precedentes jurisprudenciais: AGA n. 585.523-RS, 1ª T., Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJ 29.11.2004 e REsp n. 645.061-MG, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJ 25.10.2004.
4. Recurso especial provido para determinar que o Tribunal a quo julgue
o mérito do recurso. (REsp n. 730.464-SP, relator Ministro Luiz Fux, Primeira
Turma, DJ de 9.10.2006).
Processual Civil e Administrativo. Ação de desapropriação indireta.
Criação do Parque Estadual de Ilhabela. Falta de interesse de agir.
Afastamento.
I - “Manifesta-se presente o interesse de agir quando a ação proposta
é meio idôneo à obtenção da pretensão do autor, bem como necessária
à consecução dos escopos da demanda. Deveras, a análise do interesse
de agir é engendrada in abstrato, pelo que consta da petição inicial. In
casu, a existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do
autor, assim como o eventual direito a indenização, são questões que
extrapolam os limites do interesse meramente processual, passando a
constituir o próprio meritum causae” (REsp n. 402.598-SP, Rel. Min. Luiz Fux,
DJ de 24.3.2003).1 (REsp n. 595.731-SP, relator Ministro Francisco Falcão,
Primeira Turma, DJ de 19.12.2005).
Agravo de instrumento. Desapropriação indireta. Parque Estadual
da Ilhabela. Limitações administrativas. Sub-rogação. Divergência
jurisprudencial não comprovada. Súmula n. 83-STJ.
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169
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A demonstração da divergência pretoriana precisa observar as
formalidades exigidas no par. único do art. 541 do CPC.
2. “Os adquirentes do imóvel tem o direito de provar - em instrução
regular (obstaculizada pelo decreto de carência de ação) - que se subrogaram nos direitos e ações dos seus antecessores, inclusive para
postularem possível indenização decorrente de limitação administrativa do
direito de propriedade.” (AGA n. 49.171-Peçanha).
3. Se o acórdão a quo harmoniza-se com a jurisprudência do STJ, incide
a Súmula n. 83-STJ.
4. Regimental improvido. (AgRg no Ag n. 387.733-SP, relator Ministro
Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, DJ de 24.2.2003.)
Diante dessas considerações, dou provimento ao recurso.
É como voto.
Os fundamentos utilizados naquele julgado em tudo se aplicam a este,
pois há entre ambos grande simetria, a não ser o fato de que, no paradigma,
houve extinção do feito por falta de interesse de agir e, no caso dos autos, por
prescrição.
Não pode o Juízo singular, initio litis e antes da fase instrutória, extinguir
o feito por entender que não se trata de desapropriação indireta, mas de mera
limitação administrativa, impossibilitando a parte autora de demonstrar que a
ação é de indenização por desapropriação indireta não apenas no nome mas
também em seu conteúdo.
No caso, o próprio acórdão recorrido entendeu não ser possível definir
a qualificação jurídica da intervenção na propriedade, sem antes propiciar a
produção de provas com ampla defesa, razão pela qual afastou o decreto de
prescrição e determinou o retorno dos autos ao Juízo singular.
Para definir-se o prazo prescricional aplicado à ação, faz-se necessário fixar
o tipo de intervenção estatal na propriedade - se mera limitação administrativa
ou verdadeira desapropriação indireta - já que, em regra, cada qual se submete a
prazo distinto: qüinqüenal no primeiro caso (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932)
e vintenária no segundo (Súmula n. 119-STJ).
Assim, a tese da recorrente de que houve prescrição impõe o afastamento
da premissa alinhada pela Corte regional de que não seria possível se definir a
qualificação jurídica da intervenção na propriedade sem a produção de prova
pericial, providência incompatível com a natureza do recurso especial, que não
se vocaciona à discussão de matéria fática, a teor da Súmula n. 7-STJ.
170
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Vale repisar que o caso dos autos ainda comporta uma peculiaridade que
norteou a decisão do TRF 4ª Região: o fato de se tratar de minifúndio, em que a
limitação administrativa pode superar a casa dos 44% da área total do imóvel, o
que praticamente inviabiliza a natureza agrícola de certas propriedades.
Esses fatos e peculiaridades do caso devem ser aferidos em perícia, que
concluirá se a turbação administrativa é de tal monta a ensejar a desapropriação
indireta ou se é mera limitação que a todos atinge indistintamente.
Ademais, a Corte regional gaúcha não emitiu juízo de valor sobre a
tese segundo a qual o art. 1º do Decreto n. 20.910/1932 é “aplicável a ações
de qualquer natureza” (fls. 52-53), o que impede o conhecimento do recurso
especial por esbarrar nas Súmulas n. 282 e 356-STF.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Herman Benjamin: O Recurso Especial da União foi
interposto contra acórdão assim ementado (fl. 51, e-STJ):
Processual Civil e Administrativo. Mata Atlântica. Decreto n. 750/1993.
Desapropriação indireta ou limitação administrativa. Dilação probatória.
Sem a instauração do contraditório e a produção de prova não é possível
definir a qualificação jurídica da intervenção na propriedade, promovida pelo
Decreto n. 750/1993.
Sentença anulada, determinando-se o prosseguimento da ação.
Cuida-se de discussão relativa aos efeitos do Decreto n. 750/1993 (limitação
administrativa ou desapropriação indireta). Ela é relevante, no presente caso,
para definir o prazo prescricional para a Ação Indenizatória (quinquenal, para as
limitações administrativas; vintenário, para as desapropriações indiretas).
O juiz de origem aplicou a pacífica jurisprudência do STJ, no sentido de
que o Decreto n. 750/1993 fixou limitação administrativa, de modo que o
prazo prescricional é quinquenal, nos termos do Decreto n. 20.910/1932. Por
consequência, a demanda foi extinta sem julgamento de mérito, pois proposta
apenas em janeiro de 2008.
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171
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O TRF reformou a sentença, porque entendeu necessária a dilação
probatória para aferir se o caso é de limitação administrativa ou de efetiva
desapropriação indireta, considerando tratar-se de minifúndio. Transcrevo
trechos do acórdão (fls. 49-50, e-STJ, com grifos meus):
Alegam os autores que a aplicação do Decreto n. 750, de 1993, retira a utilidade
econômica de tais propriedades. Nessa linha não poderia o juízo, de antemão, sem
oportunizar às partes a prova da extensão dessa perda de utilidade econômica do
imóvel, já entender que se trata de uma mera restrição administrativa, e não da
própria perda da utilidade da propriedade. Essa matéria deverá ser objeto de
debate nos autos, cabendo aos autores provar que a extensão dessas limitações
de fato retiraram dessas propriedades a utilidade econômica. Não pode o
juízo, sem prova e sem contraditório, já antecipar a qualificação jurídica dessa
intervenção da propriedade, presumindo, portanto, uma das teses.
Então, dada essa questão e entendendo que a existência ou não de desapropriação
indireta aqui depende de prova a respeito: a mata que existe em cada terreno, a
utilidade que se dava, o que ainda se pode utilizar e o que não se pode.
(...)
Confesso que na última sessão em que figurei na relatoria dos feitos, trouxe
uma matéria análoga e, naquela assentada, fiquei vencido. Depois daqueles
debates realizados durante a sessão, e, depois, com o voto divergente apresentado
pelo Des. Valdemar Capeletti, que ficou para atuar como Relator para o acórdão,
refletindo durante esse período - recebi o memorial do ilustre advogado - percebi
que há uma peculiaridade que me chamou a atenção, salvo melhor juízo, todas as
propriedades são minifúndios, onde, além da reserva legal, que é ínsito, tendo em
vista a legislação específica no caso, haveria praticamente a situação de levar aos
titulares do domínio até - e V. Exa. bem salientou, desde que comprovado isso
pericialmente - a inviabilidade completa da própria subsistência.
O eminente Ministro Castro Meira (Relator) reconhece, no âmbito do
Decreto n. 750, a jurisprudência pacífica do STJ, no sentido do prazo prescricional
quinquenal. Entretanto, consignou relevante a peculiaridade do caso (tratar-se
de minifúndio) para manter a decisão da Corte regional, aplicando a Súmula n.
7-STJ. Transcrevo trechos do voto de Sua Excelência (grifos no original):
Assim, está assente nesta Corte que a criação de parque de preservação
ambiental ou a edição de normas que contemplam restrições à exploração do
meio ambiente não geram, pura e simplesmente, direito à indenização, que será
devida caso de restar comprovada limitação administrativa mais extensa que as já
existentes na área e, também, prejuízo concreto decorrente da impossibilidade de
exploração econômica da propriedade.
172
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
(...)
Não pode o Juízo singular, initio litis e antes da fase instrutória, extinguir o feito
por entender que não se trata de desapropriação indireta, mas de mera limitação
administrativa, impossibilitando a parte autora de demonstrar que a ação é de
indenização por desapropriação indireta não apenas no nome mas também em
seu conteúdo.
No caso, o próprio acórdão recorrido entendeu não ser possível definir a
qualificação jurídica da intervenção na propriedade, sem antes propiciar a
produção de provas com ampla defesa, razão pela qual afastou o decreto de
prescrição e determinou o retorno dos autos ao Juízo singular.
Para definir-se o prazo prescricional aplicado à ação, faz-se necessário fixar o
tipo de intervenção estatal na propriedade - se mera limitação administrativa ou
verdadeira desapropriação indireta - já que, em regra, cada qual se submete a
prazo distinto: qüinqüenal no primeiro caso (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932) e
vintenária no segundo (Súmula n. 119-STJ).
Assim, a tese da recorrente de que houve prescrição impõe o afastamento
da premissa alinhada pela Corte regional de que não seria possível se definir a
qualificação jurídica da intervenção na propriedade sem a produção de prova
pericial, providência incompatível com a natureza do recurso especial, que não se
vocaciona à discussão de matéria fática, a teor da Súmula n. 7-STJ.
Passo ao meu voto.
1. Natureza e objeto da ação
Conforme explicitado no relatório, cuida-se, originariamente, de Ação
de Indenização por Desapropriação Indireta proposta contra a União em
virtude das restrições veiculadas pelo Decreto n. 750/1993, que proibiu o corte,
a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e
médio de regeneração da Mata Atlântica.
Transcrevo trecho da exordial que demonstra a causa de pedir (fls. 6-8,
e-STJ):
Para a realização de seu desiderato, necessitam preparar a terra, quer para
o plantio de víveres como milho, soja, mandioca, etc, quer para a implantação
de pastagens, tudo para a sobrevivência do grupo familiar, conforme pode se
constatar das notas de venda de produtos agrícolas cultivados em área parcial da
propriedade dos Autores que são juntadas aos autos e do levantamento técnicopericial a ser determinado por Vossa Excelência no decorrer da instrução do
presente feito.
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173
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O preparo da terra implica, também, na derrubada de matas, sem o que
restaria impraticável a atividade dos requerentes. Há vários anos os Autores se
vêem impedidos de desenvolver suas atividades econômicas, vez que não é
possível criar animais e plantar os produtos que desejam em meio às mnatas
existentes em sua propriedade.
Esse fato, evidentemente, causa enorme prejuízo aos Autores, pois ficam
impedidos de exercer com sua família a atividade econômica de agricultores e
pecuaristas, em razão da política nacional, denominada de Proteção do Meio
Ambiente e Preservação da Mata Atlântica.
(...)
A proteção do meio ambiente impõe o dever de indenizar os proprietários que
ficam impedidos - caso dos Autores - de exercer sua atividade, porquanto lhe é
vedada a derrubada da mata, sem o que, repete-se, é impossível plantar cereais
ou pastagem para o gado e sobrevivência do grupo familiar.
Observa-se, Excelência, que o presente caso não é de limitação administrativa,
mas de interdição do uso da propriedade.
Como se sabe, o órgão executor da polícia ambiental, no tocante à derrubada
de matas, nada permite e nada aprova, fazendo prevalecer o art. 1º do Decreto n.
750/1993, assim expresso: “Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de
vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata
Atlântica”.
Ocorre assim, efetivamente, uma interdição do uso da propriedade, vez que
a Ré dá cumprimento ao contido no art. 225 e seus parágrafos, da Carta Magna.
Mas, lembra-se que tal política governamental tem um preço, qual seja, indenizar
o proprietário atingido.
Assim, não há qualquer dúvida de que se trata efetivamente de ação
indenizatória, cujo pedido foi formulado com fundamento no esvaziamento
econômico da propriedade em função das restrições então previstas no Decreto
n. 750/1993.
2. Perda do objeto da ação
Estabelecidas as premissas quanto ao objeto e à natureza da demanda,
cumpre observar a caracterização in casu de superveniente falta de interesse
processual.
Conforme explicitado, a lide fundou-se nas restrições impostas pelo
Decreto n. 750/1993 à exploração da agricultura no imóvel dos agravados.
174
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Não se pode perder de perspectiva, contudo, que, após o julgamento
da Apelação, o referido Decreto foi expressamente revogado pelo art. 51 do
Decreto n. 6.660/2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei n.
11.428/2006). Confira-se:
Art. 51. Fica revogado o Decreto n. 750, de 10 de fevereiro de 1993.
Assim, com a revogação do ato especificamente apontado pelos recorridos
como ensejador do esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade,
configura-se a perda do objeto da ação, a ensejar sua extinção sem resolução de
mérito.
3. Inaplicabilidade da Súmula n. 7
No tocante ao conhecimento do Recurso Especial, com todo o respeito,
não me parece aplicável a Súmula n. 7-STJ ao caso dos autos.
A questão é estritamente de direito. Discute-se se é necessária a perícia
em cada imóvel para aferir os efeitos do Decreto n. 750/1993, ou se é relevante
tratar-se de minifúndio ou latifúndio.
A matéria recursal restringe-se, com a devida vênia, a interpretar os
efeitos do Decreto n. 750/1993 e a consequente adoção da norma prescricional
quinquenal, prevista no Decreto n. 20.910/1932, o que é cabível em Recurso
Especial.
De fato, o STJ faz isso com inequívoca frequência, tendo pacificado
o entendimento de que o Decreto n. 750/1993 implica mera limitação
administrativa, e não desapropriação indireta, pois não exclui o domínio
particular sobre a terra nem esvazia o conteúdo econômico da propriedade.
O art. 1º do referido Decreto apenas proíbe “o corte, a exploração e
a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de
regeneração da Mata Atlântica”, admitindo exceções previstas em seu parágrafo
único e art. 2º.
Ora, a restrição é a mesma, seja em latifúndio, seja em minifúndio, sem
necessidade de revolver matéria fático-probatória para chegar a tal conclusão.
O fato de o imóvel dos recorridos ter aproximadamente 24,20 ha (eles
adquiriram imóvel de 48,55 ha em 1979 e venderam lote de 24,35 ha em 1988
- fl. 6, e-STJ) não significa que haverá mais restrição em relação a um imóvel de
2.000 ha, por exemplo.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não há relação direta e presumível entre o tamanho do imóvel e a cobertura
de Mata Atlântica e, consequentemente, entre a área do terreno e a limitação
imposta ao proprietário, diferentemente do que supôs o TRF.
4. Jurisprudência pacífica do STJ
Mister trazer à baila a orientação jurisprudencial do STJ em casos
semelhantes, no sentido do reconhecimento, independentemente do porte
da propriedade, de que o Decreto n. 750/1993 representa mera limitação
administrativa, o que, inclusive, afasta a aplicação da Súmula n. 7-STJ:
Processual Civil e Administrativo. Embargos de declaração. Recurso especial.
Intervenção do Estado na propriedade. Limitação administrativa. Decreto n.
750/1993. Prazo prescricional quinquenal. Precedentes.
1. O aresto embargado, ao tratar a hipótese como ação de indenização por
desapropriação indireta, induzido pelos termos do acórdão recorrido, incorreu
em erro passível de correção em sede de embargos de declaração.
2. A ação que busca a reparação de danos causados pela imposição de
limitação administrativa está sujeita à prescrição quinquenal, seja em função
do disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, seja em razão da inovação
legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de 2001, que acrescentou o parágrafo
único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar
provimento ao recurso especial.
(EDcl nos EDcl no REsp n. 1.099.169-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, j. 11.6.2013).
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Intervenção do Estado na
propriedade. Inexistência de violação do art. 535 do CPC. Limitação administrativa.
Decreto n. 750/1993. Prazo prescricional quinquenal. Precedentes.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide,
fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. A ação que busca a reparação de danos causados pela imposição de
limitação administrativa está sujeita à prescrição quinquenal, seja em função
do disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, seja em razão da inovação
legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de 2001, que acrescentou o parágrafo
único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.120.304-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
29.5.2013)
176
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Administrativo e Ambiental. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa.
Desapropriação indireta. Não ocorrência. Indenização indevida. Ausência de
supressão dos poderes inerentes ao domínio.
1. O recurso especial combateu de forma eficaz o fundamento do aresto, não
busca a análise dos fatos da causa e não depende da interposição de recurso
extraordinário, ultrapassando os óbices das Súmulas n. 7-STJ, 283-STF e 126-STJ.
2. O Decreto n. 750/1993 estabeleceu limitação administrativa para proteger
o bioma Mata Atlântica e não retirou do proprietário os poderes inerentes ao
domínio, o que inviabiliza a pretendida indenização. Precedentes: EREsp n.
901.319-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 3.8.2009 e EREsp n.
922.786-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 15.9.2009.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 752.232-PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 19.6.2012).
Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental no agravo de instrumento.
Ambiental. Ação de indenização. Restrições advindas do Decreto n. 750/1993
às áreas cobertas por vegetação integrante da Mata Atlântica. Limitação
administrativa. Ação de natureza pessoal. Prescrição quinquenal. Decreto n.
20.910/1932. Precedentes desta Corte. Incidência da Súmula n. 83-STJ.
1. A controvérsia trazida a exame diz respeito à natureza da ação ajuizada
pelas autoras, ora agravantes, se desapropriação indireta, cujo prazo para
posterior indenização é de vinte anos, ou se limitação administrativa, submetida a
prescrição quinquenal.
2. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta
Corte, que consolidou-se no sentido de que as restrições relativas à exploração da
mata atlântica estabelecidas pelo Decreto n. 750/1993 constituem mera limitação
administrativa, sujeitando-se, portanto, à prescrição quinquenal. Precedentes:
REsp n. 1.090.622-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado
em 25.8.2009, DJe 31.8.2009; EREsp n. 901.319-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Primeira Seção, julgado em 24.6.2009, DJe 3.8.2009; REsp n. 1.110.048-SC, Rel.
Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 4.6.2009, DJe 5.8.2009.
3. Dessa forma, considerando que a ação foi proposta em 7.2.2003, portanto,
decorridos quase dez anos do ato do qual se originou o suposto dano (Decreto n.
750/1993), não merece reparos o decisum atacado, incidindo, à espécie, a Súmula
n. 83-STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag n. 1.337.762-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 12.6.2012).
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
177
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental nos embargos de
declaração no recurso especial. Prescrição. Tema abordado pela Corte de origem
no bojo de remessa ex officio. Não ocorrência de preclusão consumativa. Decreto
n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo prescricional quinquenal. Questão
de direito. Não incidência da Súmula n. 7-STJ. Inexistência de fundamento
constitucional autônomo.
1. A preclusão consumativa não se aperfeiçoou. Isso porque o TRF da
Quarta Região analisou o tema prescrição em sede de remessa ex officio, sendo
desinfluente, para esse mister, que a União tenha apelado tão somente quanto
aos honorários advocatícios a título de sucumbência.
2. Mutatis mutandis, incide o entendimento assente no âmbito da Corte
especial, segundo, o qual, litteratim: “[...] a ausência de recurso da Fazenda Pública
contra sentença de primeiro grau não impede, em razão da remessa necessária
(art. 475, do CPC), que ela recorra do aresto proferido pelo Tribunal de origem. Não
se aplica aos casos da espécie o instituto da preclusão lógica” (EREsp n. 853.618SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 3.6.2011).
3. O STJ ostenta entendimento uníssono no sentido de que a edição do Decreto
n. 750/1993 constitui mera limitação administrativa. E, para essa conclusão, é
despiciendo o reexame do cenário fático-probatório, na medida em que esse
entendimento decorre da avaliação do texto legal e das suas consequências.
Precedentes: REsp n. 1.126.157-SC, Relator Ministro Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 5.11.2010; e REsp n. 442.774-SP, Relator Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, DJ 20.6.2005.
4. Não se cogita fundamento constitucional autônomo. Deveras, consta do
acórdão recorrido apenas 2 (dois) temas, quais sejam: prescrição vintenária e
desapropriação indireta, temas esses que estão exclusivamente assentados em
fundamentos de cunho infraconstitucional.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no REsp n. 1.116.304-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, DJe 13.12.2011).
Processual Civil e Ambiental. Recurso especial. Violação ao art. 535 do
CPC. Alegações genéricas. Incidência da Súmula n. 284 do STF, por analogia.
Tutela antecipada. Requisitos. Conclusões do Tribunal de origem. Revisão.
Impossibilidade. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.
1. Trata-se, na origem, de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu
medida liminar em ação civil pública cujo objetivo era a contenção da devastação
de mata atlântica pela realização de determinado empreendimento no Rio
Grande do Sul.
178
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
2. O acórdão entendeu que, quanto ao pedido de vedação à supressão de
vegetação na área do loteamento, o recurso teria perdido o objeto, porque, com
a modificação do estado de fatos, já não havia mais o que não ser devastado.
Em relação aos pedidos de demolição e reparação ambiental, entendeu que não
estaria configurada a verossimilhança das alegações, a autorizar o deferimento da
liminar, uma vez que a avaliação do cabimento das medidas solicitas a título de
antecipação de tutela dependeriam de maior dilação probatória.
3. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos
arts. 535 do Código de Processo Civil (CPC) - porque o acórdão foi omisso -, 461
do CPC, 11 da Lei n. 7.347/1985 e 1º do Decreto n. 750/1993 - em razão de a
área devastada ser pertencente à zona de mata atlântica, merecendo proteção
imediata com deferimento da liminar.
4. Em primeiro lugar, não se pode conhecer da apontada violação ao art. 535
do CPC pois as alegações que fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas,
sem discriminação dos pontos efetivamente omissos, contraditórios ou obscuros
ou sobre os quais tenha ocorrido erro material. Incide, no caso, a Súmula n. 284 do
Supremo Tribunal Federal, por analogia.
5. Em segundo lugar, a análise de eventual ofensa aos arts. 461 do CPC, 11 da
Lei n. 7.347/1985 e 1º do Decreto n. 750/1993, no que diz respeito ao cumprimento
dos requisitos para deferimento de tutela antecipada, requer necessariamente o
revolvimento de fatos e provas - notadamente porque, em relação à configuração
da verossimilhança das alegações, a origem consignou a insuficiência das provas
até então carreada nos autos a respeito da licitude do empreendimento, de forma
que não se poderia deferir liminarmente a demolição e a reparação ambiental -,
situação que faz incidir a Súmula n. 7 desta Corte Superior.
6. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.275.680-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 1º.12.2011).
Agravo regimental. Recurso especial. Art. 535 do CPC. Mata Atlântica. Decreto
n. 750/1993. Restrições administrativas ao uso. Posse mantida. Desapropriação
indireta e ação de natureza real não caracterizadas. Indenização. Ação pessoal.
Prescrição de cinco anos.
- A ausência de efetiva omissão no acórdão afasta a violação do art. 535 do
Código de Processo Civil.
- Carece de prequestionamento o tema relativo à efetiva violação do art. 170, I,
do anterior CC e dos artigos 269, II, 471 e 473 do CPC, não enfrentado no acórdão
dos embargos infringentes, expressamente, porque “não fizeram parte do julgado
por estarem fora dos estritos limites da divergência dos embargos infringentes”.
- Na linha da jurisprudência desta Corte, não tendo o Decreto n. 750/1993
retirado do proprietário a posse do imóvel, mas, apenas, imposto restrições
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
179
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
administrativas ao uso, proibindo o corte, a exploração e a supressão de vegetação
primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, a
ação viável tem natureza pessoal, indenizatória, com prazo prescricional de cinco
anos.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.204.607-SC, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda
Turma, DJe 17.5.2011).
Processual Civil e Administrativo. Mata Atlântica. Decreto n. 750/1993.
Limitação administrativa. Prescrição qüinqüenal.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp n. 901.319-SC, de
relatoria da Ministra Eliana Calmon, firmou o entendimento de que as restrições
ao aproveitamento da vegetação da Mata Atlântica, trazidas pelo Decreto n.
750/1993, caracterizam limitação administrativa, e não desapropriação indireta,
razão pela qual se aplica o prazo de prescrição qüinqüenal, nos moldes do
Decreto n. 20.910/1932.
2. Hipótese em que a Ação foi proposta em 1991, muito antes da inovação
legislativa. Inaplicável, portanto, a norma superveniente relativa à prescrição.
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 404.791-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
DJe 26.4.2011).
Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Decreto n. 750/1993.
Restrições sobre exploração de áreas de Mata Atlântica. Limitação administrativa e
não desapropriação indireta. Prazo prescricional quinquenal. Decreto n. 20.910/1932.
Precedentes. Da Primeira Seção. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 934.932-SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira
Turma, DJe 26.5.2011).
Processual Civil e Administrativo. Embargos de divergência. Decreto n.
750/1993. Proibição do corte, da exploração e da supressão de vegetação
primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Limitação administrativa. Prazo prescricional quinquenal. Decreto n. 20.910/1932.
Entendimento sedimentado da 1ª Seção (EREsp n. 901.319-SC, DJe de 3.8.2009).
Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EREsp n. 752.813-SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira
Seção, DJe 9.5.2011).
Processual Civil. Administrativo. Agravo regimental no agravo de instrumento.
Limitação administrativa. Proibição do corte, da exploração e da supressão de
vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata
180
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Atlântica. Decreto Estadual n. 750/1993. Prescrição quinquenal. Agravo não
provido.
1. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que
às ações relativas à limitação administrativa ao direito de propriedade impostas
pelo Decreto n. 750/1993 aplica-se o prazo prescricional de cinco anos previsto no
Decreto n. 20.910/1932.
2. Estando o acórdão recorrido em conformidade com a orientação deste
Tribunal, incide, à espécie, o óbice da Súmula n. 83-STJ, aplicável, também, aos
recursos interpostos pela alínea a do permissivo constitucional.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag n. 1.221.113-SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira
Turma, DJe 17.2.2011).
Processual Civil e Administrativo. Recurso especial. Mata Atlântica. Ação de
desapropriação indireta. Não configuração. Decreto n. 750/1993. Limitações
administrativas. Prazo prescricional.
1. Posto tratar-se de simples limitação administrativa, incidem as disposições
incertas no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe: todo e qualquer direito
ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua
natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se
originarem.
2. A restrição ao uso da propriedade, no caso sub judice, foi imposta pelo
Decreto n. 750, de 1993, de efeitos concretos, publicado em 11.2.1993 e a ação foi
proposta em 10.2.2003, revelando-se a consumação da prescrição.
3. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.126.157-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 5.11.2010).
Administrativo e Processual Civil. Violação ao art. 535 do CPC. Inocorrência.
Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo prescricional. Cinco anos.
Honorários advocatícios. Ausência de prequestionamento.
1. Não há violação ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil, se o
acórdão recorrido, ao solucionar a controvérsia, analisa as questões a ele
submetidas, dando aos dispositivos de regência a interpretação que, sob sua
ótica, se coaduna com a espécie. O fato de a interpretação não ser a que mais
satisfaça a recorrente não tem a virtude de macular a decisão atacada, a ponto
de determinar provimento jurisdicional desta Corte, no sentido de volver os
autos à instância de origem, mesmo porque o órgão a quo, para expressar a sua
convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados
pelas partes.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
181
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. A proibição relativa à exploração da mata atlântica estabelecida pelo
Decreto n. 750/1993 constitui limitação administrativa, sujeitando-se, portanto, à
prescrição quinquenal. Recentes julgados da eg. Primeira Seção: EREsp n. 901.319SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 3.8.2009. Assim, a ação que busca a reparação
de danos causados pela imposição de limitação administrativa está sujeita à
prescrição quinquenal, seja em função do disposto no art. 1º do Decreto n.
20.910/1932, seja em razão da inovação legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de
2001, que acrescentou o parágrafo único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
3. Não se conhece do recurso especial se a matéria suscitada não foi
objeto de análise pelo Tribunal de origem, em virtude da falta do requisito do
prequestionamento. Súmulas n. 282 e 356-STF. No caso, não houve debate acerca
do artigo 20, § 4º, do CPC e artigo 27 do DL n. 3.365/1941.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
(REsp n. 1.180.239-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 20.9.2010)
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Intervenção do Estado na
propriedade. Limitações administrativas. Decreto n. 750/1993. Prazo prescricional
quinquenal. Precedentes.
1. A ação que busca a reparação de danos causados pela imposição de
limitação administrativa está sujeita à prescrição quinquenal, seja em função
do disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, seja em razão da inovação
legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de 2001, que acrescentou o parágrafo
único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
2. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.172.862-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
26.3.2010).
Administrativo e Processual Civil. Embargos de divergência em recurso
especial. Decreto n. 750/1993. Preservação da Mata Atlântica. Limitação
administrativa. Inexistência de esvaziamento do conteúdo econômico do
propriedade. Precedentes de ambas as Turmas e da própria Seção de Direito
Público do STJ.
1. A desapropriação indireta pressupõe três situações, quais sejam: (i)
apossamento do bem pelo Estado sem prévia observância do devido processo
legal; (ii) afetação do bem, ou seja, destina-lo à utilização pública; e (iii)
irreversibilidade da situação fática a tornar ineficaz a tutela judicial específica.
2. A edição do Decreto Federal n. 750/1993, que os embargantes reputam
ter encerrado desapropriação indireta em sua propriedade, deveras, tão
somente vedou o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou
182
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
em estados avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, sendo certo
que eles mantiveram a posse do imóvel. Logo, o que se tem é mera limitação
administrativa. Precedentes: REsp n. 922.786-SC, Relator Ministro Francisco Falcão,
Primeira Turma, DJ de 18 de agosto de 2008; REsp n. 191.656-SP, Relator Ministro
João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 27 de fevereiro de 2009; e EREsp
n. 901.319-SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, DJ de 3 de agosto
de 2009.
3. As vedações contidas no Decreto Federal n. 750/1993 não são capazes de
esvaziar o conteúdo econômico da área ao ponto de ser decretada a sua perda
econômica.
4. Recurso de embargos de divergência conhecido e não provido.
(EREsp n. 922.786-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe
15.9.2009).
Administrativo e Processual Civil. Artigo 267, VI, do CPC. Ausência de
prequestionamento. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo
prescricional. Cinco anos.
1. Não se conhece do recurso especial se a matéria suscitada não foi
objeto de análise pelo Tribunal de origem, em virtude da falta do requisito do
prequestionamento. Súmulas n. 282 e 356-STF. No caso, não houve debate acerca
do artigo 267, VI, do CPC.
2. A proibição relativa à exploração da mata atlântica estabelecida pelo
Decreto n. 750/1993 constitui limitação administrativa, sujeitando-se, portanto,
à prescrição quinquenal. Recentes julgados da eg. Primeira Seção: EREsp n.
922.786-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 15.9.2009 e EREsp
n. 901.319-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 3.8.2009.
3. Recurso especial conhecido em parte e provido.
(REsp n. 1.171.557-SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe
24.2.2010).
5. O presente caso é idêntico ao dos Recursos Especiais n. 1.098.162SC (Rel. Min. Eliana Calmon), e 1.098.163-SC e 1.099.428-SC (Rel. Min.
Humberto Martins)
Saliento que, na ocasião do julgamento do apelo que ensejou a interposição
do presente Especial, foram julgados pelo Tribunal de origem, conjuntamente, 8
(oito) recursos de Apelação em casos praticamente idênticos (fl. 49, e-STJ).
Do teor do acórdão de fls. 48-58, e-STJ, extrai-se que os votos dos
Desembargadores que participaram da sessão foram utilizados como razão de
decidir em todas as mencionadas demandas, concluindo-se de modo uniforme
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
183
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que seria necessário o retorno dos autos à Vara de origem para realização de
perícia. Transcrevo a conclusão do decisum (fl. 50, e-STJ):
Nos feitos de n. 18 a 25 a Turma, por unanimidade, afastou a prescrição
determinando o retomo dos autos à vara de origem para a normal tramitação, na
forma do voto apresentado pelo eminente Relator, com a ressalva do ponto de
vista pessoal do Des. Lippmnann. Determinada a juntada das notas taquigráficas
de todos os integrantes da Turma. (grifei)
Ao buscar o destino dos processos julgados em conjunto, constatei que três
deles já foram objeto de julgamento no STJ. E saliento que em todos eles, mesmo
em se tratando de minifúndios, reconheceu-se que o Decreto n. 750/1993 fixou
limitação administrativa e que se aplicou a prescrição quinquenal.
Nesse aspecto, destaco a decisão prolatada no Recurso Especial n.
1.098.162-SC, de relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon:
Processual Civil e Administrativo. Ausência de prequestionamento. Súmula
211-STJ. Mata Atlântica. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prescrição
quinquenal. Decreto n. 20.910/1932. Ocorrência.
1. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo
Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incidência da
Súmula n. 211-STJ.
2. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que o Decreto n. 750/1993
corresponde a uma limitação administrativa – abstrata e geral – sobre o direito de
propriedade dos imóveis situados na região da Mata Atlântica, instituída em favor
do interesse coletivo, e que não altera a titularidade do imóvel, nem impossibilita,
por completo, o exercício dos poderes do proprietário.
3. Aplica-se na hipótese o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto n.
20.910/1932.
4. In casu, a ação foi ajuizada somente em 18.1.2008, decorridos mais de cinco
anos do ato do qual se originou o suposto dano (Decreto n. 750/1993), o que
configura a prescrição do pleito do particular.
5. Recurso Especial parcialmente conhecido e provido.
(REsp n. 1.098.162-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
19.11.2009).
Quanto aos demais recursos (REsp n. 1.098.163-SC e REsp n. 1.099.428SC), ambos de relatoria do Min. Humberto Martins, observo que foram
proferidas decisões monocráticas, em juízo de retratação, assim ementadas:
184
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Administrativo. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo prescricional
de 5 anos. Juízo de retratação. Recurso especial provido.
(AgRg no REsp n. 1.098.163-SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda
Turma, DJe 24.8.2009).
Administrativo. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Ausência de
apossamento. Prazo prescricional de 5 anos. Juízo de retratação. Recurso especial provido.
(AgRg no REsp n. 1.099.428-SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda
Turma, DJe 10.8.2009).
A mesma solução se impõe na espécie, devendo ser reconhecida a prescrição
de plano, tendo em vista que o Decreto 750/93 estabeleceu apenas limitações
administrativas.
6. O Decreto n. 750/1993 não alterou a área já explorada pelos
proprietários
Frise-se que, em se tratando de ocupação para subsistência, como se
presumiu na origem (fl. 50, e-STJ), havida desde 1979 (fl. 6, e-STJ), é evidente
que em 1993 (advento do Decreto n. 750), após o transcurso de 14 anos, os
proprietários já cultivavam a terra.
O Decreto n. 750/1993 não diminuiu essa área então cultivada, até porque
não há Mata Atlântica na lavoura. Apenas impediu a supressão da cobertura florística
restante, especificamente a vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de
regeneração.
Dito de outra forma, no minifúndio de subsistência, a sobrevivência dos
ocupantes não é ameaçada pelo Decreto n. 750/1993, que não tem o condão de
reduzir a área já ocupada por lavouras.
O efeito possível do Decreto n. 750/1993 é restringir a ampliação do
aproveitamento econômico do imóvel, mas não reduzir a exploração de
subsistência já existente.
Note-se que a demanda foi proposta aproximadamente 15 anos após o
advento do Decreto n. 750/1993 (inicial protocolada em janeiro de 2008 - fl. 5,
e-STJ), o que ratifica a constatação de que a subsistência dos recorridos não foi
impedida pela legislação em comento.
Não há razão, portanto, para realizar perícia que busque avaliar
“inviabilidade completa da própria subsistência”, como entendeu o Tribunal de
origem (fl. 50, e-STJ).
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
185
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Desembargador Valdemar Capeletti, citado pelo Ministro Castro Meira,
indica possível limitação de 44,01% da área total (referindo-se a demanda
semelhante, julgada em bloco, na mesma oportunidade - fl. 49, e-STJ).
Mas o argumento é contrário à tese adotada pelo TRF, pois demonstra não
haver desapropriação indireta.
Segundo o cálculo indicado no acórdão recorrido, 56% da área do imóvel
não é atingida pelos efeitos do Decreto n. 750/1993. Impossível dizer, nesse
caso, que houve total esvaziamento econômico da propriedade, que é o critério
para eventualmente configurar a desapropriação indireta.
Pelo contrário, esse percentual demonstra, inequivocamente, que houve
simples restrição à exploração futura da vegetação remanescente do imóvel.
7. Pretensão de garantia judicial para exploração de 100% do imóvel
Verifica-se que a petição inicial faz menção ao uso corrente da propriedade,
“conforme pode se constatar das notas de venda de produtos agrícolas cultivados
em área parcial da propriedade dos Autores” (fl. 6, e-STJ).
O objetivo dos autores, no entanto, é outro, pois, segundo suas palavras,
para utilizarem a totalidade do imóvel, “o preparo da terra implica, também, na
derrubada de matas” (fl. 6, e-STJ). Do contrário, ainda segundo a petição inicial,
estaria configurada a “interdição do uso da propriedade” (fl. 8, e-STJ), e, por
isso, a hipótese seria não de “limitação administrativa, mas de interdição do uso
da propriedade” (fl. 8, e-STJ, grifos no original), sob o argumento de que “a área
do imóvel dos Autores coberta pela vegetação protegida por lei ambiental é
totalmente inútil para as lides agrícolas, tendo em vista que tal vegetação não
pode ser extraída - rectius, derrubada - para que se possa plantar ou cultivar
pastagens” (fl. 15, e-STJ).
Constata-se, assim, que, em última análise, os recorridos pretendem
obter um pronunciamento judicial que lhes garanta a exploração irrestrita da
totalidade da propriedade. E tal pretensão, claramente, não merece acolhida.
8. Prescrição quinquenal
Por fim, é importante salientar que todas as demandas trazidas ao STJ
têm peculiaridades. O tamanho do imóvel, entretanto, com todo o respeito, é
irrelevante para a ampliação do prazo prescricional.
186
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Por essa razão, deve-se prestigiar a jurisprudência pacífica deste
Tribunal Superior, no sentido de que o Decreto n. 750/1993 veicula limitação
administrativa (e não desapropriação indireta) e, portanto, a Ação Indenizatória
sujeita-se ao prazo de prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932, como
havia decidido o juiz de primeira instância.
Cabe ressaltar que, na hipótese de impedimento absoluto de uso da
propriedade, por conta de limitação administrativa, caracterizada estará a
desapropriação indireta. Tal, contudo, não é o que aqui se tem.
Como já visto, os próprios autores, na petição inicial, indicam que há anos
– desde 1979 – exploram economicamente seu imóvel. Ao ser editado em 1993, o
Decreto n. 750 em nada afetou essa explorabilidade já existente ou em curso, pois
apenas se refere à floresta em pé, e não a qualquer floresta, somente à Mata
Atlântica, o mais ameaçado dos biomas brasileiros (só restam pouco mais de 5%
de sua cobertura original). Já o Código Florestal (e o STJ pacificou sua aplicação
como obrigação propter rem) incide tanto em frações com vegetação como
naquelas já desmatadas, como se dá com as Áreas de Preservação Permanente e
a Reserva Legal.
É de conhecimento geral que em Santa Catarina a quase totalidade, em
números absolutos, são minifúndios. Segundo dados da Secretaria de Estado
da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Santa Catarina (Levantamento
Agropecuário de Santa Catarina, 2002-2003), as pequenas propriedades
catarinenses, menores que 50 ha, representam aproximadamente 90% do total de
estabelecimentos agropecuários (167.335 em um universo de 187.061 imóveis).
Cumpre apontar que, caso esta Corte exclua os minifúndios da
jurisprudência relativa à limitação administrativa, estará afastando a aplicação
da lei em relação à maioria absoluta dos imóveis rurais no Sul do País.
Nesse contexto, o que seria exceção à jurisprudência do STJ tornar-se-ia a
regra para essa região, o que não é razoável. Acabaria, simplesmente, a proteção
dos 5% de Mata Atlântica que restam no Brasil.
9. Conclusão
Diante do exposto, peço vênia ao eminente Relator para dele divergir e dar
provimento ao Agravo Regimental nos termos da fundamentação exposta.
É como voto.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
187
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 43.466-BA
(2013/0254758-4)
Relator: Ministro Humberto Martins
Recorrente: Etelvina Maria Santos Silva Cardoso
Advogado: Igor Coutinho Souza e outro(s)
Recorrido: Estado da Bahia
Procurador: Roberto Lima Figueiredo e outro(s)
EMENTA
Administrativo.Processual Civil.Magistrado.Processo disciplinar.
Aposentadoria compulsória. Decadência verificada. Impetração contra
o Decreto Judiciário. Ato coator que se consubstancia na aplicação
da penalidade pelo Colegiado. Termo inicial. Ciência. Precedente
específico.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que
acolheu preliminar de decadência à impetração no mandamus no qual
se postulavam diversas ilegalidades em decisão colegiado que aplicou
aposentadoria compulsória à magistrada.
2. No caso concreto, a petição inicial postula combater o Decreto
Judiciário, publicado em 18.12.2009, pelo Presidente do Tribunal de
Justiça que declara ter a aposentadoria compulsória se efetivado por
acórdão do Tribunal Pleno, cuja súmula de julgamento foi publicada
em 23.11.2009; a impetração data de 14.4.2010, o que atrai a aplicação
do art. 23 da Lei n. 12.016/2009 e o reconhecimento da decadência.
3. O caso vertente possui precedente em tudo similar neste STJ,
no qual se constata que o ato administrativo coator - em tais situações
- é a decisão do colegiado do Tribunal que aplica a penalidade e não
o Decreto Judiciário que reconhece sua aplicação; afinal, a deliberação
do órgão colegiado judicial produz efeitos concretos e o termo inicial
para impetração começa a fluir da ciência do decisum pelo interessado.
Precedente: RMS n. 26.289-GO, Rel. Ministro Celso Limongi
(Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. p/ acórdão Ministro
188
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Sexta
Turma, julgado em 5.4.2011, DJe 22.8.2011.
Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A
Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do
voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin,
Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Dr. Igor Coutinho Souza, pela parte recorrente: Etelvina Maria Santos
Silva Cardoso
Brasília (DF), 8 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 18.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso ordinário em
mandado de segurança interposto por Etelvina Maria Santos Silva Cardoso,
com fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia assim ementado (fl. 3.901,
e-STJ):
Mandado de segurança. Alegação de irregularidades e nulidades em processo
administrativo disciplinar (PAD). Magistrado. Aposentadoria compulsória. Decadência
da impetração. Configuração. Denegação da segurança. 1. O direito de impetrar
mandado de segurança extingue-se decorridos cento e vinte dias da ciência, pelo
interessado, do ato impugnado, nos precisos termos do art. 23 da Lei do Mandado
de Segurança. 2. Este prazo é decadencial e, como tal, não se suspende nem se
interrompe desde que iniciado. 3. A impetrante, embora aponte como ato coator
a publicação do Decreto Judiciário n. 299, de 17.12.2009, publicado no DJe do dia
18.12.2009, insurreiciona-se, na verdade, contra o resultado do julgamento oriundo
da Sessão do Tribunal Pleno, cuja Súmula foi publicada no DJe de 23.11.2009, tanto
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
189
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
assim que todas as alegações estão voltadas às supostas irregularidades/nulidades
apontadas no acórdão proferido no PAD. 4. Sendo assim, o prazo decadencial para a
impetração do mandamus teve o seu marco inicial na data da publicação da súmula
do julgamento do Tribunal Pleno que decidiu pela aposentação compulsória da
impetrante, isto é, 23.11.2009 (segunda-feira), findando-se, portanto, em 23.3.2010
(terça-feira). Contudo, a impetração somente foi manejada em 14.4.2010. 5.
Denegação da segurança.
Rejeitados os embargos de declaração (fls. 3.920-3.925, e-STJ).
Nas razões do recurso ordinário, defende a impetrante que o ato coator
é a publicação do acórdão e não a publicação da súmula do julgamento. Pede
a aplicação do art. 515, § 3º do Código de Processo Civil, para que sejam
examinadas as demais alegações, referentes ao mérito da impetração (fls. 3.9794.020, e-STJ).
Contrarrazões nas quais se alega que, embora seja indicado o Decreto
Judiciário n. 299 de 17.12.2009, a recorrente se insurge contra o resultado do
julgamento, publicado no DJe em 23.11.2009 (fls. 4.031-4.033, e-STJ).
O Ministério Público Federal opina no sentido do não provimento do
recurso ordinário, em parecer que indica o advento da decadência do direito de
impetração (fls. 4.046-4.050, e-STJ).
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Não deve ser provido o
recurso ordinário.
A recorrente foi penalizada administrativamente com aposentadoria
compulsória, após a tramitação de processo administrativo disciplinar. Para além
das alegações de mérito da impetração, o Tribunal de origem acolheu preliminar
de decadência nos seguintes termos (fls. 3.904-3.906, e-STJ):
Conquanto o esforço argumentativo expendido nas insurgências lançadas, a
partir de um melhor exame dos autos, vê-se que o mandado de segurança não
pode vingar, porque a pretensão da impetrante foi fulminada pelo instituto da
decadência.
(...)
190
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Tendo em vista a natureza decadencial do prazo para impetração do mandado
de segurança, cediço que seu transcurso não se interrompe nem se suspende.
Na hipótese em exame, a impetrante, embora aponte como ato coator a
publicação do Decreto Judiciário n. 299, de 17.12.2009, publicado no DJe do dia
18.12.2009, insurrecionase, na verdade, contra o resultado do julgamento oriundo
da Sessão do Tribunal Pleno, cuja Súmula foi publicada no DJe de 23.11.2009,
tanto assim que todas as alegações estão voltadas a supostas irregularidades/
ilegalidades/nulidades contidas no acórdão de fls. 1.977-2.004.
(...)
Tanto é certo que o marco para a contagem do prazo decadencial é a data da
publicação da súmula do julgamento do PAD, que o próprio decreto presidencial
se refere a “deliberação adotada na Sessão Plenária Ordinária Administrativa
de 20 de novembro de 2009”, revelando-se tão somente a formalização do ato
administrativo. Eis o teor da publicação do reportado decreto:
(...)
Sendo assim, o prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança
teve o seu marco inicial na data da publicação, no Diário Eletrônico da Justiça, da
súmula do julgamento que decidiu pela aposentação compulsória da impetrante,
isto é, 23.11.2009 (segunda-feira), findando-se, portanto, em 23.3.2010.
Contudo, a impetração somente foi manejada em 14.4.2010, conforme fez
prova a impetrante com a juntada do protocolo de fls. 3.450 e certidão de fls.
3.451 dos autos.
Por isso, não se pode considerar, como pretende a impetrante, como ato coator
o Decreto Judiciário n. 299, publicado em 18.12.2009, pois este se configura tão
somente como a formalização do necessário ato administrativo decorrente de
uma decisão extraída do Órgão Plenário desta Corte.
Considero evidente que tenha havido o transcurso do prazo de 120 dias, tal
como previsto no art. 23 da Lei n. 12.016/2009.
Ademais, não prospera o argumento trazido de que o prazo somente
poderia começar com a publicação do acórdão. É bem sabido que o prazo para
combate aos atos administrativos - pela via mandamental - começam a fluir
com a ciência por parte do interessado.
A súmula de julgamento, inequivocamente publicada, gerou efeitos
concretos e serviu para dar ciência do ato que se reputa como coator.
O caso vertente possui precedente em tudo similar neste STJ, no qual se
percebe que o ato administrativo coator - em tais situações - é a decisão do
colegiado do Tribunal que aplica a penalidade e não o Decreto Judiciário que
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
191
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
reconhece sua aplicação; afinal, a deliberação do órgão colegiado judicial produz
efeitos concretos e o termo inicial para impetração começa a fluir da ciência do
decisum pelo interessado.
Nestes termos, deve ser aplicada a jurisprudência que cito:
Recurso ordinário em mandado de segurança. Magistratura estadual. Acórdão
do Tribunal que determina aposentadoria compulsória de juiz. Ato de efeitos
concretos. Decadência configurada.
1. A impetração está voltada contra o acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás
que concluiu pela aposentadoria compulsória do magistrado.
2. Não se verifica nas razões do mandamus qualquer insurgência contra
Decreto Judicial, o que ocorreu tão somente nas alegações do recurso ordinário.
3. Consta do ato mencionado que os efeitos da aposentação retroage à da
publicação do referido acórdão, evidenciando tratar-se de julgado com efeitos
concretos.
4. Os efeitos da pena disciplinar decorreram do julgamento realizado pelo
Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás, em 14 de dezembro de 2005, e
não da edição dos Decretos Judiciais n. 826 e 914, ambos de 2006.
5. Ajuizada a ação fora do prazo previsto no artigo 18 da Lei n. 1.533/1951,
impõe-se reconhecer a decadência do direito de impetrar o mandado de
segurança.
6. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(RMS n. 26.289-GO, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do
TJ-SP), Rel. p/ acórdão Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado
do TJ-CE), Sexta Turma, julgado em 5.4.2011, DJe 22.8.2011.)
Assim, anui o opinativo produzido pelo Ministério Público Federal (fl.
4.048, e-STJ):
O recurso não prospera.
Como bem observou o Tribunal a quo, ocorreu a decadência do presente
mandado de segurança, impetrado em 14.4.2010, contra acórdão, publicado em
23.11.2009, que decidiu pelo aposentadoria compulsória da impetrante, não se
podendo considerar como ato coator o Decreto Judiciário n. 299, publicado em
18.12.2009, que tão-somente formaliza o ato de aposentadoria.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
É como penso. É como voto.
192
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 1.126.515-PR (2009/0042064-8)
Relator: Ministro Herman Benjamin
Recorrente: Municipio de Londrina
Procurador: Joao Luiz Martins Esteves e outro(s)
Recorrido: Protenge Engenharia de Projetos e Obras Ltda
Advogado: Joao Tavares de Lima Filho e outro(s)
EMENTA
Processual Civil e Administrativo. Protesto de CDA. Lei n.
9.492/1997. Interpretação contextual com a dinâmica moderna das
relações sociais e o “II Pacto Republicano de Estado por um sistema
de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”. Superação da jurisprudência
do STJ.
1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da
Lei n. 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida
Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC)
que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei n. 6.830/1980.
2. Merece destaque a publicação da Lei n. 12.767/2012,
que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei n.
9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas “entre
os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas”.
3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da
orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.
4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei n. 9.492/1997, o
protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento
para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de
outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado,
desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para
abranger todos e quaisquer “títulos ou documentos de dívida”. Ao
contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime
jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
193
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
5. Nesse sentido, tanto o STJ (REsp n. 750.805-RS) como a
Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto,
por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas,
transitadas em julgado.
6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder
Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque
da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para
recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda
Pública.
7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido
sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e
legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria,
com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento
extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper
com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e
da imparcialidade.
8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico
(Lei n. 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do
crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição
do crédito.
9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a
cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável
conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou
utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.
10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria
razoável apenas se versasse sobre o “Auto de Lançamento”, esse sim
procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao
sujeito passivo.
11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior
extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do
exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar
o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento
de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF,
GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).
12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve
“surpresa” ou “abuso de poder” na extração da CDA, uma vez que esta
194
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que
o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão
de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota
promissória ou letra de câmbio.
13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos
princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para
todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação
da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.
14. A Lei n. 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com
o contexto histórico e social. De acordo com o “II Pacto Republicano
de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”,
definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à
prestação jurisdicional a “revisão da legislação referente à cobrança
da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos
procedimentos em âmbito judicial e administrativo”.
15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com
o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de
Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente,
orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e
de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às
obrigações alimentares.
16. A interpretação contextualizada da Lei n. 9.492/1997
representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção
dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo
instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada,
exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade,
outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por
outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a
incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes –
de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora
apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de
sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de
serviços).
17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência
do STJ.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
195
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana
Calmon, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por
unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. MinistroRelator.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Eliana
Calmon (voto-vista) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 3 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJe 16.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto,
com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição da República, contra
acórdão assim ementado:
Embargos infringentes. Certidão de Dívida Ativa. Protesto. Não cabimento.
Impossibilidade de aplicação da Lei n. 9.492/1997. Recurso conhecido e acolhido, por
maioria dos votos. A certidão de dívida ativa não se reveste de natureza cambiária,
não podendo ser protestada.
O recorrente alega violação do art. 1º da Lei n. 9.492/1997 e dissídio
jurisprudencial. Afirma que, após a entrada em vigor da referida norma, outros
títulos representativos de crédito – como é o caso da Certidão de Dívida Ativa
–, além dos cambiais, podem ser levados a protesto. Acrescenta que: a) a Lei
Municipal n. 7.303/1997 autoriza o protesto das CDAs em seu art. 271, § 6º; b)
o fato de a legislação não prever tal medida como requisito para o ajuizamento da
Execução Fiscal não conduz ao entendimento de que a sua utilização é vedada;
c) o aludido instituto representa meio menos oneroso ao devedor, que se verá
livre do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios; d) o
art. 29 da Lei n. 9.492/1997 disciplina a utilização do protesto, nas modalidades
obrigatório ou facultativo, como medida lícita de repressão à inadimplência.
Foram apresentadas as contrarrazões. Afirma-se que: a) não houve
demonstração analítica da divergência; b) incidem os óbices das Súmulas
196
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
n. 7-STJ e 83-STJ; c) a Fazenda Pública possui prerrogativas – como, por
exemplo, as de constituir unilateralmente o seu crédito, bem como de cobrálo judicialmente por processo específico (Execução Fiscal) – que tornam
desnecessária a utilização do protesto; d) a pretensão do recorrente é coagir os
contribuintes; e) o protesto da CDA é medida incompatível com o ordenamento
jurídico, uma vez que a origem do crédito não é cambial e, ademais, a publicidade
por ele conferida implica violação do art. 198 do CTN.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Apresentarei meu voto em
tópicos autônomos, visando facilitar a compreensão da controvérsia debatida no
apelo.
1. Preliminares
Objetiva-se definir a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida
Ativa, no regime da Lei n. 9.492/1997. Questão de natureza estritamente
jurídica. Inaplicável, portanto, o enunciado da Súmula n. 7-STJ.
O Tribunal a quo concluiu de forma contrária à pretensão do recorrente,
valendo-se dos seguintes fundamentos (fls. 216-218): a) inexiste lei que autorize
o protesto da CDA pelo ente federativo; b) a adoção da aludida medida
configuraria utilização de meio coercitivo; c) a Lei n. 6.830/1980 estabelece rito
próprio para a cobrança da dívida ativa; d) a Lei n. 9.492/1997 trata apenas do
protesto cambial, de natureza comercial.
Conquanto o recorrente afirme que existe legislação municipal específica
que disciplina o protesto da CDA, isso é irrelevante para a presente lide, pois
a principal tese suscitada nos autos tem por objeto a interpretação do art. 1º da
Lei n. 9.492/1997, isto é, se ele permite ou veda o protesto de outros títulos que não os
cambiários – especificamente a Certidão de Dívida Ativa da Fazenda Pública.
2. Disciplina normativa atual do protesto
O tema ora versado (possibilidade de protesto da CDA) desperta grande
discussão na doutrina.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
197
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É importante, em primeiro lugar, compreender a definição legal do
protesto e sua disciplina no âmbito normativo. Atualmente, prescreve a Lei n.
9.492/1997:
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o
descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
A alteração normativa rompeu com antiga tradição existente no
ordenamento jurídico, consistente em atrelar o protesto exclusivamente aos
títulos de natureza cambial (cheques, duplicatas, etc.).
A utilização dos termos “títulos” e “outros documentos de dívida” possui
atualmente concepção muito mais ampla que a relacionada apenas aos de natureza
cambiária – consoante será explicitado adiante, hoje em dia até atos judiciais
(sentenças transitadas em julgado em Ações de Alimentos ou em processos
que tramitaram na Justiça do Trabalho) podem ser levados a protesto, embora
evidentemente nada tenham de cambial –, de modo que, nesse ponto, o
fundamento adotado no acórdão hostilizado merece censura.
3. Jurisprudência
Os precedentes jurisprudenciais a respeito do tema foram construídos,
precipuamente, com base na disciplina original do instituto – qual seja a de
instrumento destinado a constituir e comprovar a mora do devedor, no que se
refere às obrigações garantidas por títulos cambiais.
A entrada em vigor da Lei n. 9.492/1997 – que, conforme demonstrado,
utilizou-se de termos que deliberadamente evidenciaram a intenção
de abranger outros documentos que não apenas os títulos cambiais – não
sensibilizou, em um primeiro momento, o Poder Judiciário, que, preso às
antigas concepções e insensível à dinâmica das relações jurídicas, permaneceu
hostil à utilização do protesto da Certidão da Dívida Ativa. Nesse sentido os
seguintes precedentes:
Agravo regimental em recurso especial. Tributário e Processual Civil. CDA.
Presunção de certeza e liquidez. Protesto. Desnecessidade. Precedentes. Verbete n. 83
da Súmula do STJ. Julgamento monocrático. Autorização dada pelo art. 557 do CPC.
Agravo improvido (AgRg no REsp n. 1.277.348-RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha,
Segunda Turma, DJe 13.6.2012).
Tributário. Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento.
Certidão da Dívida Ativa - CDA. Protesto. Desnecessidade. Agravo não provido.
198
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a ausência
de interesse em levar a protesto a Certidão da Dívida Ativa, título que já goza de
presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na
divida ativa.
2. Agravo regimental não provido (AgRg no Ag n. 1.316.190-PR, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 25.5.2011).
Processual Civil e Tributário. Execução fiscal. CDA. Protesto. Desnecessidade.
Ausência de interesse municipal. Precedentes.
1. O protesto da CDA é desnecessário haja vista que, por força da dicção
legal (CTN, art. 204), a dívida regularmente inscrita goza de presunção relativa
de liquidez e certeza, com efeito de prova pré-constituída, a dispensar que
por outros meios tenha a Administração de demonstrar a impontualidade e o
inadimplemento do contribuinte. Precedentes: AgRg no Ag n. 1.172.684-PR,
Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 5.8.2010,
DJe de 3.9.2010; AgRg no Ag n. 936.606-PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira
Turma, julgado em 6.5.2008, DJe de 4.6.2008; REsp n. 287.824-MG, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 20.10.2005, DJU de 20.2.2006; REsp n.
1.093.601-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 18.11.2008,
DJe de 15.12.2008.
2. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 1.120.673-PR, Rel. Ministro
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 21.2.2011).
Processual Civil e Tributário. Execução fiscal. CDA. Protesto. Desnecessidade.
Ausência de interesse municipal. Precedentes.
1. A CDA, além de já gozar da presunção de certeza e liquidez, dispensa o
protesto. Correto, portanto, o entendimento da Corte de origem, segundo a
qual o Ente Público sequer teria interesse para promover o citado protesto.
Precedentes.
2. Agravo regimental não provido (AgRg no Ag n. 1.172.684-PR, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 5.8.2010, DJe 3.9.2010).
4. Argumentos contrários ao protesto da CDA
Em síntese, são estas as premissas utilizadas pela doutrina e jurisprudência
refratárias à utilização do protesto da CDA:
a) a ratio da Lei n. 9.492/1997 é regular o protesto para efeitos de direito
privado;
b) as finalidades para as quais o instituto foi concebido (constituição do
devedor em mora, prova de situação relevante na relação jurídica entre credor
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
199
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e devedor, etc.) constituem prerrogativas que a legislação (art. 204 do CTN) já
prevê em favor dos créditos fiscais, pois a CDA goza da presunção de liquidez e
certeza; dessa forma, o protesto da CDA se revela desnecessário;
c) a cobrança dos créditos públicos encontra disciplina específica na Lei n.
6.830/1980, com aplicação subsidiária do CPC, no que não for incompatível;
d) os títulos de crédito surgem a partir da vontade do devedor (assinatura
em cheque, nota promissória, letra de câmbio, etc.), o que não sucede com a
CDA;
e) o interesse público primordial é de prosseguimento da atividade
econômica do contribuinte, o que ficaria abalado caso permitido o protesto, em
razão das fortes restrições ao crédito, que dele decorrem;
f ) os ônus morais e materiais do protesto demonstram que este não
representa meio menos gravoso de cobrança do crédito fiscal;
g) é inadmissível a utilização de expedientes coercitivos (cobrança indireta)
para obrigar ao recolhimento da exação;
i) desproporcionalidade entre o motivo utilizado para justificar o protesto e
os prejuízos por ele causados;
j) ausência de razoabilidade.
5. Possibilidade de protesto da CDA (desconstrução de mitos)
Após muito refletir sobre o tema controvertido, posiciono-me
favoravelmente ao protesto da CDA diante das seguintes considerações.
a) a Lei n. 9.492/1997 não disciplina apenas o protesto de títulos
cambiais, tampouco versa apenas sobre relações de Direito Privado.
Conforme dito anteriormente, a entrada em vigor da Lei n. 9.492/1997
constituiu a reinserção da disciplina jurídica do protesto ao novo contexto das
relações sociais, mediante ampliação de sua área de abrangência para qualquer
tipo de título ou documento de dívida.
Exemplificativamente, tem-se que até títulos judiciais podem ser levados a
protesto, como, por exemplo, se verifica abaixo:
Recurso especial. Protesto de sentença condenatória, transitada em julgado.
Possibilidade. Exigência de que represente obrigação pecuniária líquida, certa e
exigível.
200
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
1. O protesto comprova o inadimplemento. Funciona, por isso, como poderoso
instrumento a serviço do credor, pois alerta o devedor para cumprir sua obrigação.
2. O protesto é devido sempre que a obrigação estampada no título é líquida,
certa e exigível.
3. Sentença condenatória transitada em julgado, é título representativo de dívida tanto quanto qualquer título de crédito.
4. É possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que
represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível.
5. Quem não cumpre espontaneamente a decisão judicial não pode reclamar
porque a respectiva sentença foi levada a protesto (REsp n. 750.805-RS, Rel.
Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJe 16.6.2009) (grifei)
O Tribunal Regional do Trabalho-MG igualmente adota essa orientação:
Protesto extrajudicial. Título judicial trabalhista em execução.
A Lei n. 9.492/1997 não restringe o protesto extrajudicial em face do devedor,
reconhecido como tal em título judicial, já tendo sido, inclusive, celebrado
convênio entre este Eg. TRT e os tabeliães de protesto do Estado de Minas Gerais
visando à implementação de protestos decorrentes de decisões proferidas pela
Justiça do Trabalho da 3ª Região, com expressa permissão para a inclusão de
nomes de devedores em listas de proteção ao crédito.
A medida constitui importante instrumento de coerção indireta do executado
ao pagamento da dívida, em face da publicidade de que se reveste e da sua
repercussão nas relações sociais, civis e comerciais do devedor.
Agravo de petição provido para determinar o protesto extrajudicial do título,
verificada a tentativa frustrada de localização do devedor e de bens passíveis de
penhora. (AP n. 01676-2004-077-03-00-1 - Sétima Turma - TRT-MG - Juiz Relator:
Juiz convocado Jesse Claudio Franco de Alencar - Publicado em 4.3.2010).
b) a natureza bifronte do protesto viabiliza sua utilização, inclusive para
a CDA e as decisões judiciais condenatórias transitadas em julgado.
O protesto, além de representar instrumento para constituir em mora e/ou
comprovar a inadimplência do devedor, é meio alternativo para o cumprimento
da obrigação.
Com efeito, o art. 19 da Lei n. 9.492/1997 disciplina o pagamento dos
títulos ou documentos de dívida levados a protesto.
Assim, embora a disciplina do Código de Processo Civil (art. 586, VIII,
do CPC) e da Lei n. 6.830/1980 atribua exequibilidade à CDA, qualificando-a
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
201
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
como título executivo extrajudicial apto a viabilizar o imediato ajuizamento
da Execução Fiscal (a inadimplência é presumida iuris tantum) – ou seja, sob
esse restrito enfoque efetivamente não haveria necessidade do protesto – a
Administração Pública, no âmbito federal, estadual e municipal, vem reiterando sua
intenção de adotar o protesto como meio alternativo para buscar, extrajudicialmente, a
satisfação de sua pretensão creditória (principalmente quanto a valores para os quais,
paradoxalmente, o próprio Poder Judiciário fecha as portas, haja vista a tendência –
não acolhida no STJ, mas habitualmente adotada nos Tribunais locais – de extinguir
Execuções Fiscais de “baixo valor”, por suposta falta de interesse processual).
Sob essa ótica, não vejo como legítima qualquer manifestação do Poder
Judiciário tendente a suprimir, sob viés que se mostra político, a adoção do
protesto da CDA.
De fato, a verificação quanto à utilidade ou necessidade do protesto da
CDA, como política pública para a recuperação extrajudicial de crédito, cabe
com exclusividade à Administração Pública.
Ao Poder Judiciário é reservada exclusivamente a análise da sua
conformação (ou seja, da via eleita) ao ordenamento jurídico. Dito de outro
modo, compete ao Estado decidir se quer protestar a CDA; ao Judiciário caberá
examinar a possibilidade de tal pretensão, quanto aos aspectos constitucionais e
legais.
Ao dizer que é desnecessário o protesto da CDA, sob o fundamento
de que a lei prevê a utilização da Execução Fiscal, o Poder Judiciário rompe
não somente com o princípio da autonomia dos poderes (art. 2º da CF/1988),
como também com o princípio da imparcialidade, dado que, reitero, a ele
institucionalmente não compete qualificar as políticas públicas como necessárias
ou desnecessárias.
Relembramos, conforme dito anteriormente, que o protesto pode ser
utilizado como meio alternativo, extrajudicial, para a recuperação do crédito.
Nesse contexto, o argumento de que há lei que disciplina a cobrança
judicial da dívida ativa (Lei n. 6.830/1980), evidentemente, é um sofisma, pois
tal não implica juízo no sentido de que os entes públicos não possam, mediante
lei, adotar mecanismos de cobrança extrajudicial.
É indefensável, portanto, o argumento de que a disciplina legal da cobrança
judicial da dívida ativa impede, em caráter permanente, a Administração Pública de
instituir ou utilizar, sempre com observância do princípio da legalidade, modalidade
extrajudicial para cobrar, com vistas à eficiência, seus créditos.
202
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
c) a questão da participação do devedor na formação da dívida.
Outro interessante, e insubsistente, argumento apresentado é que, em
relação aos títulos cambiários, o protesto é medida legítima porque pressupõe
a anuência do sujeito passivo em relação ao conteúdo do débito (por exemplo,
ao emitir o cheque ou a nota promissória que posteriormente não foi quitada),
o que não ocorre com a dívida ativa, cuja origem decorre do poder unilateral do
Fisco em constituir o crédito.
A assertiva é artificiosa.
Em primeiro lugar, não vejo como sustentar que, na forma disciplinada pelo
art. 1º da Lei n. 9.492/1997, somente a obrigação decorrente de ato ou contrato
de natureza privada possa ser levada a protesto. Não é a concordância do sujeito
passivo que autoriza o protesto (se fosse assim, o portador de um cheque não
poderia levá-lo a protesto, caso verificasse que o devedor se recusa a pagá-lo sob
o fundamento de que o crédito se encontra quitado por compensação), mas sim
a sua participação, acrescida da previsão legal que confere esse direito subjetivo
ao titular de um crédito oriundo de determinado tipo de obrigação.
Se a origem do vínculo obrigacional, em vez de contrato ou ato jurídico,
for diretamente a lei (é o caso dos tributos) – em que a manifestação de vontade
do sujeito passivo é irrelevante –, haveria, na verdade, até menos motivos para
recusar o protesto (já que uma manifestação de vontade pode estar viciada, o que
não sucede com a obrigação prevista em lei).
Em segundo lugar, é importante registrar que não se confunde o poder
unilateral de o Fisco constituir o crédito tributário com a situação posterior
da inscrição em dívida ativa. Esta última nunca é feita “de surpresa”, sem o
conhecimento do sujeito passivo.
A inscrição em dívida ativa ou decorre de um lançamento de ofício, no
qual são assegurados o contraditório e a ampla defesa (impugnação e recursos
administrativos), ou de confissão de dívida pelo devedor.
Em qualquer uma dessas hipóteses, o sujeito passivo terá concorrido para a
consolidação do crédito tributário. Neste ponto, devo acrescentar que, ao menos
nas hipóteses (hoje majoritárias) em que a constituição do crédito tributário se dá
mediante o denominado autolançamento (entrega de DCTF, GIA, etc., isto é,
documentos de confissão de dívida), a atitude do contribuinte de apurar e confessar
o montante do débito é equiparável, em tudo e por tudo, ao do emitente de cheque, nota
promissória ou letra de câmbio. Como não admitir, nesse contexto, o respectivo
protesto?
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
203
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Haveria razoabilidade no questionamento do protesto se este fosse
autorizado para o simples “auto de lançamento”, porque este sim pode ser
feito unilateralmente (isto é, sem a participação prévia da parte devedora) pela
autoridade administrativa.
Mas não é disso que tratam os autos, e sim da certidão de dívida ativa,
que somente é extraída, conforme mencionado, depois de exaurida a instância
administrativa (lançamento de ofício) ou de certificado que o contribuinte não
pagou a dívida por ele mesmo confessada (DCTF, GIA, etc.).
d) conformidade do protesto da CDA com o “II Pacto Republicano de
Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”.
Foi publicado, no DOU de 26.5.2009, o “II Pacto Republicano de
Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, instrumento
voltado a fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação
jurisdicional, o acesso universal à Justiça e também o aperfeiçoamento do
Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça.
Entre as medidas anunciadas, merece destaque a seguinte:
Anexo “Matérias Prioritárias”
2 - Agilidade e efetividade da prestação jurisdicional
(...)
2.11 - Revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda
Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e
administrativo.
A interpretação da Lei n. 9.492/1997, portanto, não pode ser feita sem
levar em conta esse importante vetor.
Nesse ponto, cabe trazer à consideração que o Conselho Nacional de
Justiça analisou os Pedidos de Providência n. 2009.10.00.004178-4 e
2009.10.00.004537-6, nos quais se discutiu a legalidade de orientações firmadas,
respectivamente, nas Corregedorias de Justiça dos Estados de Goiás e do Rio
de Janeiro, versando sobre a possibilidade de protesto de sentenças judiciais
relativas à obrigação alimentar e de CDA.
Transcrevo o seguinte excerto do voto condutor, apresentado pela
Conselheira Morgana Richa:
204
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
(...) o cenário legislativo adquiriu novo contorno com a edição da Lei n.
9.492/1997, que transformou o enfoque restritivo do modelo, com a atribuição
de moderno conceito ao protesto, definido, a partir de então, como “ato formal
e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação
originada em títulos e outros documentos de dívida.” A concepção vigente
estendeu a possibilidade do protesto aos títulos executivos judiciais e extrajudiciais,
o que conduz à conclusão indubitável de abrangência dos documentos previstos
na lei processual, mormente porque dotados dos atributos de liquidez, certeza e
exigibilidade.
Em complemento, o inciso VII do artigo 585 do Código de Processo Civil
registra que a Certidão de Dívida Ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios constitui título executivo
extrajudicial.
Embora, conforme destacado, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais
não sejam pacíficas no que se refere ao tema, inexiste qualquer dispositivo legal
ou regra que restrinja a possibilidade de protesto aos títulos cambiais ou proibitiva/
excepcionadora do registro dos créditos inscritos em dívida ativa em momento
prévio à propositura da ação judicial de execução, desde que observe os requisitos
previstos na legislação correlata.
A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em parecer
normativo referente ao tema, assim argumentou: “Que o intérprete não se deixe
obnubilar por considerações sobre as origens do protesto, que o vinculam ao
direito cambiário. (...) falta base para pretender que dito instituto permaneça
eternamente agrilhoado ao berço, sem horizonte algum. Não será a primeira
vez que uma figura jurídica originalmente concebida para viger num universo
mais apertado terá seu espectro expandido com vistas ao entendimento de outras
situações compatíveis com sua natureza, por força de necessidades ditadas pelo
desenvolvimento das relações jurídicas e pelo próprio interesse social.” (Parecer
Normativo CGJ-SP n. 76/2005).
Walter Ceneviva, autor de obra que comenta a Lei dos Notários e dos
Registradores, trata do tema: “O protesto sempre e só tem origem em instrumento
escrito no qual a dívida seja expressa e cuja existência se comprove com seu
exame extrínseco (...). O instrumento será título (referindo-se ao previsto nas leis
comerciais ou processuais vigentes) ou outro documento, no qual a dívida não
apenas esteja caracterizada, mas de cuja verificação resulte a clara informação
de seu descumprimento. A tutela de interesses públicos e privados corresponde
ao reconhecimento legal da eficácia do protesto, tanto no campo do direito
privado como no do direito público, admitindo como credores e devedores os
entes privados e os órgãos da Administração Pública direta e indireta, fundações e
autarquias públicas. Reconhece, outrossim, que, embora o serviço seja cumprido
em caráter privado, envolve o interesse da Administração (...).” (grifos acrescidos)
(Ceneviva, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 6ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. p. 92).
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
205
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A possibilidade que se traz à tona não guarda qualquer correlação com o
interesse de comprovação da inadimplência, tendo em vista que, nos termos
supra mencionados, os créditos referidos são dotados de presunção de certeza e
liquidez. O que se pretende in casu é o resultado decorrente do efeito indireto do
protesto, que se traduz meio capaz de coibir o descumprimento da obrigação, ou
seja, forma eficiente de compelir o devedor ao pagamento da dívida.
Nesta linha manifesta-se Eduardo Fortunato Bim em artigo publicado na
Revista Dialética de Direito Tributário: “De fato, o protesto extrajudicial não serve
somente para comprovar a inadimplência ou descumprimento da obrigação; sua
utilidade também é de estimular o devedor a saldar a dívida (...).” (Bim, Eduardo
Fortunato. A juridicidade do Protesto Extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa.
Revista Dialética de Direito Tributário. 2008).
Por fim, forçoso registrar que o Judiciário e a sociedade suplicam hoje
por alternativas que registrem a possibilidade de redução da judicialização das
demandas, por meios não convencionais. Impedir o protesto da Certidão de Dívida
Ativa é de todo desarrazoado quando se verifica a estrutura atual do Poder e o
crescente número de questões judicializadas. É preciso evoluir para encontrar novas
saídas à redução da conflituosidade perante os órgãos judiciários, raciocínio
desenvolvido por Sílvio de Salvo Venosa: “De há muito o sentido social e jurídico
do protesto, mormente aquele denominado facultativo, deixou de ter o sentido
unicamente histórico para o qual foi criado. Sabemos nós, juristas ou não, que o
protesto funciona como fator psicológico para que a obrigação seja cumprida.
Desse modo, a estratégia do protesto se insere no iter do credor para receber seu
crédito, independentemente do sentido original consuetudinário do instituto. Tratase, no mais das vezes, de mais uma tentativa extrajudicial em prol do recebimento do
crédito. (...) Não pode, porém, o cultor do direito e o magistrado ignorar a realidade
social. Esse aspecto não passa despercebido na atualidade. Para o magistrado
Ermínio Amarildo Darold (2001:17) o protesto ‘guarda, também, a relevante
função de constranger legalmente o devedor do pagamento (...), evitando,
assim, que todo e qualquer inadimplemento vislumbre na ação judicial a única
providência formal possível.” (Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em
Espécie. 5ª ed, 2005, p. 496).
A autorização para o protesto nos casos em tela atende não somente ao
interesse da Fazenda Pública, mas também ao interesse coletivo, considerando
que é instrumento apto a inibir a inadimplência do devedor, além de contribuir
para a redução do número de execuções fiscais ajuizadas, com vistas à melhoria
da prestação jurisdicional e à preservação da garantia constitucional do acesso à
Justiça.
Outrossim, constatado o interesse público do protesto e o fato de que o
instrumento é condição menos gravosa ao credor, posição esta corroborada pelos
doutrinadores favoráveis à medida. O protesto possibilita ao devedor a quitação
ou o parcelamento da dívida, as custas são certamente inferiores às judiciais, bem
assim não há penhora de bens tal como ocorre nas execuções fiscais.
206
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Diante do exposto, conheço da medida apresentada para reconhecer a
legalidade da norma expedida pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do
Rio de Janeiro.
A análise, em conclusão, ficou assim ementada:
Certidão de Dívida Ativa. Protesto extrajudicial. Corregedoria Geral da Justiça
do Estado do Rio de Janeiro. Legalidade do ato expedido.
Inexiste qualquer dispositivo legal ou regra que vede ou desautorize o protesto
dos créditos inscritos em dívida ativa em momento prévio à propositura da ação
judicial de execução, desde que observados os requisitos previstos na legislação
correlata.
Reconhecimento da legalidade do ato normativo expedido pela Corregedoria
Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
A mesma linha argumentativa foi adotada em relação ao protesto de
sentenças judiciais condenatórias ao pagamento de obrigação alimentar.
6. Considerações finais
Os poderes constituídos estão implementando estudos e medidas destinadas
a racionalizar o acesso ao Judiciário, incentivando o recurso às atividades de
composição extrajudicial entre as partes litigantes. Nesse sentido, o legislador
instituiu outras modalidades que visam conferir solução extrajudicial, ou simples
medidas de ampliação de meios, para a arrecadação dos créditos públicos, tais
como transferência de sigilo bancário (LC n. 105/2011), arrolamento de bens e
parcelamento da Dívida Ativa (Lei n. 10.522/2002 e Lei n. 11.941/2009);
Os princípios do contraditório e do devido processo legal são garantidos, pois
subsistirá o controle judicial quanto à higidez do protesto da CDA.
O reconhecimento da legalidade de tal medida combate a inversão de
valores: o crédito fiscal recupera, ao menos, igualdade de condições com as
medidas de cobrança postas à disposição do credor privado.
Finalmente, a interpretação contextualizada da Lei n. 9.492/1997 representa
medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos
próprios do Direito Público e Privado. Como se sabe, a todo instante vem
crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com
a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento
de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
207
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
exemplo, com a incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes
– de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados tradicionalmente
apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de
gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).
Não vemos, portanto, sombra de inconstitucionalidade ou de ilegalidade na
realização do protesto da CDA.
Não bastasse isso, é importante destacar que a Lei n. 12.767/2012 – em
nossa intelecção, meramente interpretativa – acrescentou o parágrafo único ao
art. 1º da Lei n. 9.492/1997, para de modo expresso prescrever que a CDA pode
ser levada a protesto:
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões
de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas.
Com essas considerações, dou provimento ao Recurso Especial. Determino a
inversão dos encargos de sucumbência.
É como voto.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Discute-se na presente demanda se as
certidões de dívida ativa - CDA - estão ou não incluídas entre os títulos sujeitos
a protesto.
Após o voto do Relator, Min. Herman Benjamin, dando provimento ao
recurso especial, pedi vista dos autos.
Em julgados anteriores sobre o tema, seguindo a jurisprudência prevalente
à época, havia me manifestado no sentido de que “a certidão de dívida ativa,
além da presunção de certeza e liquidez, é também ato que torna público o conteúdo do
título, não havendo interesse de ser protestado, medida cujo efeito é a só publicidade”
(REsp n. 1.093.601-RJ, DJe 15.12.2008).
Relacionado o precedente, contudo, à ocorrência de dano moral em
decorrência do protesto de CDA, entendi que, embora não fosse o protesto
necessário, também não seria nocivo, dado o caráter público da informação nele
contida, concluindo na ocasião pela inexistência do alegado dano.
Em uma análise mais criteriosa, percebo que o protesto da CDA, além de
não causar dano ao devedor e não ser obstado pelo ordenamento jurídico, pode
208
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
trazer resultados positivos de diversas ordens, como bem ponderou o Relator em
seu judicioso voto.
Assiste-lhe razão ao afirmar que a Lei n. 9.492/1997 trouxe nova disciplina
ao instituto dentro de um novo contexto das relações sociais, rompendo com a
antiga tradição de vincular o protesto aos títulos de natureza cambial, tanto é
assim que atualmente se admite o protesto de títulos executivos judiciais.
Como principal ponto positivo, traz como alternativa o cumprimento da
obrigação definida no título sem a intervenção do Poder Judiciário, daí porque
tratou o legislador de incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas (art. 1º, parágrafo único, da Lei n.
9.492/1997, incluído pela Lei n. 12.767/2012), assim o fazendo de maneira
interpretativa, como bem ressaltou o Relator.
Com estas breves considerações, acompanho o voto proposto pelo Relator,
para dar provimento ao recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.242.772-SC (2011/0053965-0)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrente: Companhia Jordan de Veículos
Advogado: Jaime Luiz Leite
Recorrido: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
EMENTA
Tributário e Administrativo. PAES. Exclusão. Valor irrisório da
parcela mensal. Possibilidade. Interpretação teleológica dos arts. 1º e
7º da Lei n. 10.684/2003. Previsão de prazo máximo para o fim do
parcelamento. Precedentes. Hipótese diversa da que ocorre no Refis
2000 (Lei n. 9.964/2000).
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
209
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. É possível a exclusão do PAES se o valor das prestações
mensais pagas se mostrarem incapazes de adimplir o parcelamento
dentro do prazo máximo fixado na lei, considerando-se o valor total
do débito consolidado. Interpretação teleológica dos arts. 1º e 7º da
Lei n. 10.684/2003. Precedentes.
2. Caso concreto referente ao PAES regido pela Lei n.
10.684/2003.
3. Hipótese diversa da que ocorre no Refis 2000, uma vez que a
lei de regência (Lei n. 9.964/2000) não contempla prazo máximo para
o fim do parcelamento.
4. No caso do Refis 2000, a exclusão do contribuinte somente
pode ocorrer por umas das hipóteses previstas no art. 5º da Lei n.
9.964/2000, dentre as quais não foi contemplada a possibilidade de
desligamento do contribuinte do programa por ser irrisório o valor da
prestação em comparação com o débito geral consolidado.
5. Impossibilidade, no Refis 2000, de aplicação do mesmo
entendimento desenvolvido para o PAES no que se refere à exclusão
do programa, por absoluta falta de previsão legal de prazo máximo
de duração do parcelamento. Obediência ao Princípio da Legalidade.
6. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça “Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro
Mauro Campbell Marques, acompanhando a Sra. Ministra Eliana Calmon, por
outros fundamentos, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso,
nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora.” Os Srs. Ministros Humberto
Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (votovista) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 10 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJe 18.2.2014
210
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Trata-se de recurso especial interposto
com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do
TRF da 4ª Região (fls. 178-190), assim ementado:
Tributário. PAES. Programa de Parcelamento Especial. Lei n. 10.684/2003.
Empresas de pequeno porte. Valor da parcela. Limite de 180 meses. Pagamento a
menor. Amparo em ato administrativo. Direito à reinclusão no PAES.
1. As pessoas jurídicas optantes do Simples e as micro e pequenas empresas
enquadradas no disposto no art. 2º da Lei n. 9.841/1999 não possuem, à luz do
art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003, direito de recolher as parcelas mensais relativas
ao PAES em montante inferior a 1/180 do débito consolidado, prolongando o
período do parcelamento para além dos 180 meses expressamente previstos no
caput do art. 1º da Lei n. 10.684/2003.
2. Considerando que o recolhimento a menor realizado pela contribuinte,
empresa de pequeno porte, no valor mínimo de R$ 200,00, era respaldado pela
Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 1, de 25.6.2003, revogada apenas em 25.8.2004
pela Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 3, devendo-se em muito à inadequada
redação do art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003, e que não foi oportunizado à
requerente adaptar-se à nova interpretação administrativa, deve ser permitida
a sua reinclusão no programa especial de parcelamento (PAES), observando,
todavia, quanto ao cálculo das parcelas remanescentes, critérios que se
harmonizem com a Lei n. 10.684/2003.
Embargos de declaração rejeitados nos termos do acórdão de fls. 212-215.
Alega a parte recorrente violação ao art. 1º, § 4º, inc. II e § 6º, da Lei n.
10.684/2003.
Defende, em síntese, que:
a) “a lei do PAES criou a possibilidade das micro e pequenas empresas
pagarem o valor parcelado da melhor forma que lhe aprouver, seja em 180
parcelas, seja em percentual de 0,3% de seu faturamento.” (fl. 200);
b) a Portaria Conjunta n. 1/2003, criada no início do parcelamento,
transcrevia o art. 1º, § 4º da Lei n. 10.684/2003, prevendo duas possibilidades
de cálculo da parcela, a divisão em 180 parcelas ou a pagamento de percentual
de 0,3% incidente sobre a receita bruta;
c) não pode ser excluída do PAES por recolher o valor mínimo exigido por
lei e, nem tampouco, pode ser compelida a realizar pagamento a maior, tendo
em vista que o benefício está previsto na lei;
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
211
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
d) enquadra-se na exceção da regra geral do parcelamento máximo em 180
meses, podendo saldar o débito em maior número de prestações; e,
e) portaria não pode fixar limitação que a lei não previa, não podendo um
ato administrativo regulamentador extinguir benefício concedido pela lei que
rege o parcelamento, devendo ser respeitada as disposições constantes no art. 1º,
§ 4º, inc. II da Lei n. 10.684/2003.
Com as contrarrazões (fls. 227-231), subiram os autos admitido o especial
na origem (fl. 238-239).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): - A questão presente nos autos
refere-se à possibilidade de exclusão do contribuinte do parcelamento PAES
por ser considerado irrisório o valor da prestação mensal, em confronto com o
débito geral consolidado.
Para melhor análise do tema, faço antes um breve relato do ocorrido nos
autos:
Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado por Companhia
Jordan de Veículos (empresa de pequeno porte) contra o Procurador da Fazenda
Nacional em Joinville, visando à manutenção no parcelamento especial - PAES
e a continuidade dos pagamentos das parcelas calculadas nos termos do art. 1º, §
4º, inc. II e § 6º, da Lei n. 10.684/2003.
Alega que, por ser empresa de pequeno porte, efetuava o recolhimento das
parcelas com base no art. 1º, § 4º, II, da Lei n. 10.684/2003 – 0,3% da receita
bruta, com recolhimento mínimo de R$ 200,00 (duzentos reais) – , quando
foi excluída do PAES, sob a alegação de inadimplência por mais de três meses
consecutivos.
Sustenta que os recolhimentos das parcelas estavam em dia, tendo
cumprido as obrigações legais que regulamentam o PAES.
A segurança foi denegada nos termos da sentença de fls. 130-133.
O Tribunal de origem deu parcial provimento à apelação da impetrante
(ora recorrente) para que fosse reincluída no parcelamento, devendo-se proceder
ao recálculo das prestações observando-se o valor total do débito e o número de
212
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
parcelas restantes até o fim do prazo de 180 meses, adotando as seguintes teses
(fls. 178-190):
a) a norma do PAES estabelece limites mínimos para o valor das prestações
conforme o tipo de contribuinte e o prazo máximo para o parcelamento em 180
meses, devendo tais disposições serem interpretadas conjuntamente e, com isso
a conclusão possível é que deve ser calculado o total do saldo devedor e esse
valor deverá ser dividido pelo número de meses que restam para completar o
prazo máximo de parcelamento, apurando-se assim o valor de cada parcela; e,
b) em face do disposto no art. 4º, II, da Portaria Conjunta PGFN/SRF
n. 1/2003 que amparava a pretensão da impetrante (ora recorrente) quanto aos
recolhimentos efetuados, deveria ser oportunizada ao contribuinte a reinclusão
no PAES, observando-se o recálculo do débito parcelado a partir do limite
máximo de 180 prestações mensais, sem a inclusão de quaisquer penalidades,
pois não pode ser o contribuinte prejudicado por ter agido em conformidade
com a orientação normativa da própria autoridade administrativa.
Irresignada, a recorrente aponta violação ao art. 1º, § 4º, inc. II e § 6º, da
Lei n. 10.684/2003, defendendo em síntese que: i) não pode ser excluída do
PAES por recolher o valor mínimo exigido por lei e, nem tampouco, pode ser
compelida a realizar pagamento a maior, tendo em vista que o beneficio do tem
previsão legal; e, ii) a lei do PAES criou a possibilidade das microempresas e
empresas de pequeno porte pagarem o valor parcelado da melhor forma que lhes
aprouver, seja em 180 parcelas, seja em percentual de 0,3% de seu faturamento,
podendo saldar o débito em número superior de prestações.
Na hipótese, colhe-se dos autos (fls. 26-28) que a recorrente foi excluída
do PAES porque o valor das prestações mensais recolhidas não seria capaz de
adimplir o débito no prazo máximo de 180 meses, in verbis:
Observe-se que a expectativa do legislador é que o contribuinte optante pelo
PAES quite seu débito em no máximo 180 prestações, conforme disposto no art.
1º da Lei n. 10.684/2003. Entrementes, o débito da representada ultrapassava
os R$ 750,000,00 em abril de 2005, conforme relatório de fls. 04-05, o que, por
dedução lógica, nunca será integralmente pago em 180 prestações de R$ 200,00.
Desse modo, a opção da representada pelo PAES representa não uma forma
de recuperação fiscal como objetivado pela lei, mas uma forma de protelação do
pagamento do crédito público.
Face ao exposto, reconheço a inadimplência da representada nos pagamentos
do valor das prestações devidas ao PAES, haja vista que realizadas em valor menor
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
213
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que o efetivamente devido e, com base na competência que me é outorgada pela
Portaria Conjunta n. 3/2004, art. 2º, II, determino a exclusão da representada pelo
PAES.
(fl. 27)
Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de
que, consoante à interpretação dos arts. 1º, § 4º c.c. art. 7º da Lei n. 10.684/2003,
é legítima a exclusão do programa de parcelamento PAES quando o valor das
parcelas recolhidas pelo contribuinte se mostrar incapaz de adimplir o total
consolidado do débito dentro do prazo máximo admitido na lei do parcelamento
(considerando-se o total do débito e o valor das prestações efetivamente pagas).
Ficou definido que a ineficácia do parcelamento diante do montante
total da dívida, considerando-se o valor de cada parcela e a impossibilidade de
adimplemento dentro do prazo legal previsto, equipara-se à inadimplência para
efeitos de exclusão do benefício.
Confiram-se:
Tributário. Processual Civil. Embargos de declaração no recurso especial.
Recebimento como agravo regimental. Princípio da fungibilidade. Aplicação.
Parcelamento do débito - PAES. Parcelas de valor irrisório. Impossibilidade de
quitação da dívida. Exclusão do PAES. Cabimento. Agravo não provido.
1. “Admite-se receber embargos declaratórios, opostos à decisão monocrática
do relator, como agravo regimental, em atenção aos princípios da economia
processual e da fungibilidade recursal” (EDcl nos EREsp n. 1.175.699-RS, Corte
Especial, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 6.2.2012).
2. “A exclusão do programa de parcelamento é devida, visto a inobservância
do preceito legal - divisão do valor consolidado por 180, única modalidade
possível para o caso da recorrente -, bem como pela ineficácia do parcelamento
para quitação do montante da dívida” (REsp n. 1.321.865-PE, Rel. Min. Humberto
Martins, Segunda Turma, DJe 29.6.2012) 3. Embargos de declaração recebidos
como agravo regimental, ao qual se nega provimento.
(EDcl no REsp n. 1.264.896-PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira
Turma, julgado em 16.10.2012, DJe 25.10.2012)
Processual Civil. Tributário. Violação do art. 535 do CPC. Alegação genérica.
Súmula n. 284-STF. Preceitos constitucionais. Inviabilidade de análise.
Competência do STF. Programa de parcelamento tributário (PAES). Microempresa.
Divisão dos valores em 180 parcelas ou recolhimento, com base em 0,3% da
receita bruta. Observância dos preceitos legais. Dever do contribuinte. Ineficácia
da forma de quitação do débito. Exclusão. Cabimento.
214
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
1. A alegação genérica de violação do art. 535 do Código de Processo Civil,
sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a
aplicação do disposto na Súmula n. 284-STF.
2. A análise de suposta violação de dispositivos e princípios constitucionais é
de competência exclusiva do Pretório Excelso, conforme prevê o art. 102, inciso
III, da Carta Magna, pela via do recurso extraordinário, sendo defeso a esta Corte
fazê-lo, ainda que para fins de prequestionamento.
3. O art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003 possibilita aos inadimplentes
enquadrados como microempresas o parcelamento em até 180 meses, sendo
que a parcela mínima corresponderá a um cento e oitenta avos (1/180) do total
do débito consolidado, ou a três décimos por cento (0,3%) da receita bruta, cujo
valor não será, em qualquer dos casos, inferior a R$ 100,00 (cem reais).
4. No caso, a microempresa encontra-se em inatividade, inexistindo, por
consequência lógica, a base contábil para formulação do cálculo da parcela receita bruta auferida no mês anterior -, cumprindo à empresa a formulação do
valor devido, com base na modalidade residual, qual seja, um cento e oitenta avos
(1/180) do total do débito.
5. O simples fato de enquadrar-se na categoria de microempresa não lhe
confere o direito de optar pelo valor mínimo da parcela, mas, sim, ao dever de
observar os comandos legais inseridos na lei de regência, o que não ocorreu.
6. A Segunda Turma desta Corte, no julgamento do REsp n. 1.187.845-ES,
relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, ressaltou que “as normas que
disciplinam o parcelamento não podem ser interpretadas fora de sua teleologia.
Se um programa de parcelamento é criado e faz menção a prazo determinado para
a quitação do débito e penaliza a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003
- 180 meses), não se pode compreendê-lo fora dessa lógica, admitindo que um
débito passe a existir de forma perene ou até, absurdamente, tenha o seu valor
aumentado com o tempo diante da irrisoriedade das parcelas pagas. A finalidade
de todo o parcelamento, salvo disposição legal expressa em sentido contrário, é
a quitação do débito e não o seu crescente aumento para todo o sempre. Sendo
assim, a impossibilidade de adimplência há que ser equiparada à inadimplência
para efeitos de exclusão do dito programa de parcelamento.” (REsp n. 1.187.845ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.10.2010,
DJe 28.10.2010).
7. A exclusão do programa de parcelamento é devida, visto a inobservância do
preceito legal - divisão do valor consolidado por 180, única modalidade possível
para o caso da recorrente -, bem como pela ineficácia do parcelamento para
quitação do montante da dívida.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(REsp n. 1.321.865-PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado
em 26.6.2012, DJe 29.6.2012)
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processual Civil. Tributário. Mandado de segurança. Ausência de violação ao
art. 535, CPC. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Exame de
matéria fática. Súmula n. 7-STJ. Fundamento suficiente mantido. Súmula n. 283STF. Empresa de pequeno porte. PAES. Parcelamento superior a 180 parcelas.
Recolhimento com base em 0,3% da receita bruta. Possibilidade de exclusão do
programa de parcelamento se restar demonstrada a sua ineficácia como forma de
quitação do débito.
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma suficientemente
fundamentada, não estando obrigada a Corte de Origem a emitir juízo de valor
expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.
2. Ausente o prequestionamento do disposto nos arts. 128, 460, do CPC,
incide o Enunciado n. 211 da Súmula do STJ: “Inadmissível recurso especial
quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi
apreciada pelo Tribunal a quo”.
3. Fixado pela Corte de Origem que não houve prova pré-constituída
necessária à concessão da segurança, incide o Enunciado n. 7, da Súmula do STJ:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Sendo
este fundamento suficiente, por si só, para manter o acórdão recorrido, incide,
por analogia, o Enunciado n. 283, da Súmula do STF: “É inadmissível o recurso
extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento
suficiente e o recurso não abrange todos eles”.
4. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a Lei n. 10.684/2003 não
limitou a 180 (cento e oitenta) parcelas o Parcelamento Especial (Paes) para as
pessoas jurídicas optantes pelo Simples e para as microempresas e empresas de
pequeno porte que efetuam o recolhimento com base no percentual de 0,3% de
sua receita bruta, nos termos do artigo 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003. Precedentes:
REsp n. 905.323-SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 16.9.2009; REsp n.
893.351-SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe de 10.6.2009; REsp
n. 912.712-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
20.5.2010.
5. No entanto, é possível a exclusão do programa se restar demonstrada a
ineficácia do parcelamento como forma de quitação do débito, ainda que para
além de 180 (cento e oitenta) prestações, considerando-se o valor do débito e
o valor das prestações efetivamente pagas. Situação em que a impossibilidade
de adimplência há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão
do dito programa de parcelamento. Precedente em sentido contrário: REsp n.
1.119.618-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22.9.2009.
6. Caso em que o valor do débito parcelado é superior a R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) e o valor da parcela é de apenas R$ 100,00 (cem reais),
valor insuficiente para quitar até mesmo os encargos mensais do débito, de modo
que o valor devido tende a aumentar com o tempo, não havendo previsão para a
sua quitação.
216
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
7. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.187.845-ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 19.10.2010, DJe 28.10.2010)
Com isso, se o programa de parcelamento faz menção a prazo determinado
para quitação do débito e penaliza a inadimplência com a exclusão do programa,
diante da constatação da impossibilidade de adimplemento da obrigação no
prazo legal, mostra-se legítima a exclusão do programa.
Tal hipótese é diversa da que ocorre no parcelamento previsto na Lei n.
9.964/2000, o chamado Refis 2000, pois neste inexiste prazo máximo de duração
do programa. No entanto, observo que alguns julgados, inclusive um de minha
relatoria (REsp n. 1.238.519-PR, DJe 28.8.2013, AgRg no REsp n. 1.352.070RS, DJe 25.3.2013, REsp n. 1.253.283-PR, DJe 27.2.2012), têm aplicado o
entendimento constante da jurisprudência firmada para os casos do PAES a
partir do julgamento do REsp n. 1.187.845-ES, de relatoria do Min. Mauro
Campbell Marques, DJe 28.10.2010, sem observar as diferenças constantes na
lei de um e outro programa de parcelamento – isto é Refis 2000 e PAES.
Inicialmente, faço uma análise da legislação que regula o parcelamento Refis 2000.
Lei n. 9.964/2000 (Institui o Programa de Recuperação Fiscal - Refis e dá outras
providências e altera as Leis n. 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.844, de 20 de
janeiro de 1994.)
Art. 1º É instituído o Programa de Recuperação Fiscal - Refis, destinado a
promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas
jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da
Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento
até 29 de fevereiro de 2000, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida
ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os
decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos. (Vide Lei n. 10.189, de
2001)
Art. 2º O ingresso no Refis dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus
a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se
refere o art. 1º.
(...)
§ 4º O débito consolidado na forma deste artigo:
II – será pago em parcelas mensais e sucessivas, vencíveis no último dia útil
de cada mês, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
217
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
da receita bruta do mês imediatamente anterior, apurada na forma do art. 31 e
parágrafo único da Lei n. 8.981, de 20 de janeiro de 1995, não inferior a:
a) 0,3% (três décimos por cento), no caso de pessoa jurídica optante pelo
Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas
e Empresas de Pequeno Porte - Simples e de entidade imune ou isenta por
finalidade ou objeto;
b) 0,6% (seis décimos por cento), no caso de pessoa jurídica submetida ao
regime de tributação com base no lucro presumido;
c) 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento), no caso de pessoa jurídica
submetida ao regime de tributação com base no lucro real, relativamente às
receitas decorrentes das atividades comerciais, industriais, médico-hospitalares,
de transporte, de ensino e de construção civil;
d) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), nos demais casos.
(...)
Art. 3º A opção pelo Refis sujeita a pessoa jurídica a:
I – confissão irrevogável e irretratável dos débitos referidos no art. 2º;
II – autorização de acesso irrestrito, pela Secretaria da Receita Federal, às
informações relativas à sua movimentação financeira, ocorrida a partir da data de
opção pelo Refis;
III – acompanhamento fiscal específico, com fornecimento periódico, em meio
magnético, de dados, inclusive os indiciários de receitas;
IV – aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas;
V – cumprimento regular das obrigações para com o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço - FGTS e para com o ITR;
VI – pagamento regular das parcelas do débito consolidado, bem assim dos
tributos e das contribuições com vencimento posterior a 29 de fevereiro de 2000.
§ 1º A opção pelo Refis exclui qualquer outra forma de parcelamento de
débitos relativos aos tributos e às contribuições referidos no art. 1º. (Vide Lei n.
12.688, de 2012)
§ 2º O disposto nos incisos II e III do caput aplica-se, exclusivamente, ao período
em que a pessoa jurídica permanecer no Refis.
§ 3º A opção implica manutenção automática dos gravames decorrentes de
medida cautelar fiscal e das garantias prestadas nas ações de execução fiscal.
§ 4º Ressalvado o disposto no § 3º, a homologação da opção pelo Refis
é condicionada à prestação de garantia ou, a critério da pessoa jurídica, ao
arrolamento dos bens integrantes do seu patrimônio, na forma do art. 64 da Lei n.
9.532, de 10 de dezembro de 1997.
218
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
§ 5º São dispensadas das exigências referidas no § 4º as pessoas jurídicas
optantes pelo Simples e aquelas cujo débito consolidado seja inferior a R$
500.000,00 (quinhentos mil reais).
§ 6º Não poderão optar pelo Refis as pessoas jurídicas de que tratam os incisos
II e VI do art. 14 da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998.
(...)
Art. 5º A pessoa jurídica optante pelo Refis será dele excluída nas seguintes
hipóteses, mediante ato do Comitê Gestor:
I – inobservância de qualquer das exigências estabelecidas nos incisos I a V do
caput do art. 3º;
II – inadimplência, por três meses consecutivos ou seis meses alternados, o
que primeiro ocorrer, relativamente a qualquer dos tributos e das contribuições
abrangidos pelo Refis, inclusive os com vencimento após 29 de fevereiro de 2000;
III – constatação, caracterizada por lançamento de ofício, de débito
correspondente a tributo ou contribuição abrangidos pelo Refis e não incluídos
na confissão a que se refere o inciso I do caput do art. 3º, salvo se integralmente
pago no prazo de trinta dias, contado da ciência do lançamento ou da decisão
definitiva na esfera administrativa ou judicial;
IV – compensação ou utilização indevida de créditos, prejuízo fiscal ou base de
cálculo negativa referidos nos §§ 7º e 8º do art. 2º;
V – decretação de falência, extinção, pela liquidação, ou cisão da pessoa
jurídica;
VI – concessão de medida cautelar fiscal, nos termos da Lei n. 8.397, de 6 de
janeiro de 1992;
VII – prática de qualquer procedimento tendente a subtrair receita da optante,
mediante simulação de ato;
VIII – declaração de inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica, nos termos dos arts. 80 e 81 da Lei n. 9.430, de 1996;
IX – decisão definitiva, na esfera judicial, total ou parcialmente desfavorável
à pessoa jurídica, relativa ao débito referido no § 6º do art. 2º e não incluído no
Refis, salvo se integralmente pago no prazo de trinta dias, contado da ciência da
referida decisão;
X – arbitramento do lucro da pessoa jurídica, nos casos de determinação da
base de cálculo do imposto de renda por critério diferente do da receita bruta;
XI – suspensão de suas atividades relativas a seu objeto social ou não
auferimento de receita bruta por nove meses consecutivos.
§ 1º A exclusão da pessoa jurídica do Refis implicará exigibilidade imediata
da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução
da garantia prestada, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os
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219
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos
respectivos fatos geradores.
§ 2º A exclusão, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, produzirá efeitos
a partir do mês subseqüente àquele em que for cientificado o contribuinte.
§ 3º Na hipótese do inciso III, e observado o disposto no § 2º, a exclusão darse-á, na data da decisão definitiva, na esfera administrativa ou judicial, quando
houver sido contestado o lançamento.
Consoante se verifica da literalidade dos dispositivos legais que
regulamentam o Refis 2000, as hipóteses de exclusão do programa estão
disciplinadas no art. 5º da Lei n. 9.964/2000 e inexiste previsão de prazo máximo
para o fim do parcelamento.
Nos termos do art. 155-A do CTN, o parcelamento será concedido na
forma e condição estabelecidas em lei específica, de modo que o contribuinte
não possui o direito a pleitear parcelamento em molde e com características
diversas daquelas constantes na lei. De outro lado, também não pode o Fisco
exigir senão o cumprimento das condições previstas na lei do parcelamento.
Com efeito, o parcelamento é ato administrativo vinculado cingindo-se aos
exatos termos da legislação de regência.
Diante disso, observa-se que a hipótese de exclusão do programa por
inadimplência está prevista no art. 5º, inc. II, cuja redação é a seguinte:
II – inadimplência, por três meses consecutivos ou seis meses alternados, o
que primeiro ocorrer, relativamente a qualquer dos tributos e das contribuições
abrangidos pelo Refis, inclusive os com vencimento após 29 de fevereiro de 2000;
Assim, verifica-se que somente a falta de pagamento, por três meses
consecutivos ou seis meses alternados, o que primeiro ocorrer, caracteriza-se
inadimplemento apto a justificar a exclusão do programa.
Dessa forma, não vejo como concordar com o raciocínio, para o caso do Refis
2000, de que o pagamento regular das prestações, conforme estipulado na lei de
regência, embora o valor da parcela mensal pareça ínfimo, se comparado com o valor
total do débito, caracterize inadimplência apta a ensejar exclusão do parcelamento, em
face da absoluta falta de previsão legal.
Ressalte-se que na lei do Refis 2000 não há prazo determinado para o fim
do parcelamento ou número máximo de prestações, tal como ocorre no PAES,
que prevê o prazo máximo de 180 meses (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003).
220
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Com isso, quanto ao Refis 2000 não há que se falar em inadimplemento
nas hipóteses em que existir parcela paga e calculada de acordo com o preceito legal de
regência.
Parece-me claro, com a devida vênia, que no Refis 2000, a disposição
legal que permite a exclusão do programa por inadimplência refere-se tãosomente ao inadimplemento da parcela mensal e não ao saldo total da dívida
(impossibilidade de adimplemento do valor total da dívida), tal como ocorre no
PAES.
Se há alguma incongruência na lei, cabe ao legislador alterá-la, não
podendo o Poder Judiciário realizar interpretação extensiva para impor sanção
em face da observância do princípio da legalidade.
Destaque-se que não está aqui se falando dos casos em que o contribuinte
paga valor irrisório, aleatório ou insuficiente para a quitação do débito e em
desconformidade com os critérios estabelecidos pela lei, buscando, com isso, obter
apenas a aparência de cumprimento das obrigações, mas da hipótese em que
o contribuinte, de boa-fé, paga montante segundo critérios previstos em lei,
sendo depois surpreendido com sua exclusão do programa sob a alegação
de inadimplemento, por não ter o valor das parcelas mensais potencial para
adimplir o débito total.
Com isso, diante do pagamento regular das prestações que foram
estipuladas observando a lei pertinente, impossível criar hipótese de exclusão do
programa não contemplada na lei de regência.
Registro que não desconheço a existência de julgados da lavra do
Min. Mauro Campbell Marques, cujo entendimento vem sendo aplicado
indistintamente em julgados da 1ª e 2ª Turmas, entendendo que a realização
de pagamentos ínfimos que impossibilitariam a quitação do débito, configurase inadimplência parcial (REsp n. 1.187.845-ES, DJe 28.10.2010 e REsp n.
1.2227.055-PR, DJe 10.3.2011) apta a ensejar a exclusão do programa de
parcelamento.
Embora naquele julgado tenha sido reconhecida a possibilidade das pessoas
jurídicas optantes pelo Simples, das microempresas e empresas de pequeno porte
que efetuam recolhimento com base no percentual de 0,3% de sua receita bruta
não estarem limitadas ao parcelamento em 180 parcelas mensais, o raciocínio da
ineficácia do parcelamento pautou-se na existência de prazo determinado para a
quitação do débito, conforme se verifica de excerto do acórdão, in verbis:
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
221
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Com efeito, entendo que as normas que disciplinam o parcelamento não
podem ser interpretadas fora de sua teleologia. Se um programa de parcelamento
é criado e faz menção a prazo determinado para a quitação do débito e penaliza
a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003 - 180 meses), não se pode
compreendê-lo fora dessa lógica, admitindo que um débito passe a existir de forma
perene ou até, absurdamente, tenha o seu valor aumentado com o tempo diante
da irrisoriedade das parcelas pagas. A finalidade de todo o parcelamento, salvo
disposição legal expressa em sentido contrário, é a quitação do débito e não o
seu crescente aumento para todo o sempre. Sendo assim, a impossibilidade de
adimplência há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão do
dito programa de parcelamento. (grifo nosso)
No entanto, entendo que o raciocínio ali desenvolvido é inaplicável ao
Refis 2000, pois neste não há prazo determinado para quitação do débito. Digo
isso, especialmente em face da conclusão apresentada pelo relator no sentido de
que “se um programa de parcelamento é criado e faz menção a prazo determinado
para quitação do débito e penaliza a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n.
10.684/2003 - 180 meses), não se pode compreendê-lo fora dessa lógica (...)”.
(grifo nosso, excerto do REsp n. 1.187.845-ES acima transcrito).
Consoante se verifica, uma das premissas fixadas para a aplicação do
entendimento fixado naquele julgado é a existência de previsão legal de prazo
máximo para o fim do parcelamento, circunstância que não ocorre no Refis 2000.
Assim, inexistindo prazo determinado, inviável se admitir como hipótese
de exclusão do programa, o pagamento de prestação do parcelamento que foi
calculada nos moldes previsto na legislação, por ser considerada de valor irrisório.
Tenha-se presente que cabe à Administração atentar para o princípio da
legalidade, no sentido de que somente a lei pode impor sanção.
Como decorrência do regime de direito público, a legalidade traduz a
idéia de que a Administração Pública somente pode praticar ato que exclua
ou outorgue direito a terceiros, quando exista lei que o determine (atuação
vinculada), devendo obedecer estritamente ao estipulado na lei. Até mesmo no
exercício de atividade discricionária, deve a Administração observar os termos,
condições e limites autorizados na lei.
Com efeito, ainda que argumentos de ordem prática sejam invocados para
apontar a ocorrência de situações em que o parcelamento se prolongaria por
muitos anos, não vejo como aplicar hipótese de sanção não prevista em lei, sem
que seja ofendido o princípio da legalidade.
222
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Ressalto, uma vez mais, que se há incongruências na lei cabe ao legislador
alterá-la para que haja adequação à realidade prática e se alcance o fim
pretendido.
Ante o exposto, demonstradas as peculiaridades dos parcelamentos PAES
e Refis 2000 no tocante às hipóteses de exclusão do programa e, tratando-se o
caso concreto de exclusão do PAES, nego provimento ao recurso do particular.
É o voto.
VOTO-VISTA
Ementa: Processual Civil. Tributário. Mandado de segurança.
Microempresa e empresa de pequeno porte. Parcelamento especial
- PAES. Art. 1º, § 4º da Lei n. 10.684/2003. Impossibilidade de
exclusão do programa em razão da ne reformatio in pejus.
1. Segundo a “tese da parcela ínfima”, é possível a exclusão do
programa de parcelamento PAES (art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003)
se restar demonstrada a ineficácia do parcelamento como forma de
quitação do débito, ainda que para além de 180 (cento e oitenta)
prestações, considerando-se o valor do débito e o valor das prestações
efetivamente pagas. Situação em que a impossibilidade de adimplência
há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão do
dito programa de parcelamento. Precedente: REsp n. 1.187.845-ES,
Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
19.10.2010.
2. Segundo a “tese da ausência de receita bruta”, as empresas
inativas, por não possuírem receita bruta, não podem gozar do art. 1º,
§ 4º, da Lei n. 10.684/2003 que lhes possibilita o cálculo da parcela em
percentual sobre a receita bruta e sem o limite de 180 meses, devendo
a parcela mínima corresponder a um cento e oitenta avos (1/180)
do total do débito consolidado. Precedente: REsp n. 1.321.865-PE,
Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26.6.2012.
3. No caso concreto, além de a empresa estar inativa, o pagamento
das parcelas de R$ 200,00 (duzentos reais) implicou o aumento de seu
saldo devedor em aproximadamente R$ 1.200.00,00 (um milhão e
duzentos mil reais). Nessa situação, deveria ser excluída do programa
de parcelamento pela aplicação de ambas as teses, o que aqui não pode
ser feito em virtude do princípio que veda a reformatio in pejus.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
223
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4. O presente processo restringe-se ao PAES, de modo que são
extraprocessuais todas as alusões ao Programa de Recuperação Fiscal - Refis
a fim de salvaguardá-lo ou inserí-lo nessa lógica.
5. Ante o exposto, acompanho a relatora por fundamentos diversos
para negar provimento ao presente recurso especial.
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: A controvérsia de fundo dos
autos diz respeito à possibilidade de as microempresas e empresas de pequeno
porte poderem parcelar os seus débitos no âmbito do Programa de Parcelamento
Especial - PAES (art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003) em prazo superior a 180
(cento e oitenta) meses, no entanto não poderem nesse parcelamento, embora
por prazo superior a 180 (cento e oitenta) meses, pagar parcela irrisória frente ao
montante do débito consolidado.
A este respeito, a jurisprudência desta Casa já sedimentou:
Processual Civil. Tributário. Mandado de segurança. Ausência de violação ao
art. 535, CPC. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Exame de
matéria fática. Súmula n. 7-STJ. Fundamento suficiente mantido. Súmula n. 283STF. Empresa de pequeno porte. PAES. Parcelamento superior a 180 parcelas.
Recolhimento com base em 0,3% da receita bruta. Possibilidade de exclusão do
programa de parcelamento se restar demonstrada a sua ineficácia como forma de
quitação do débito.
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma suficientemente
fundamentada, não estando obrigada a Corte de Origem a emitir juízo de valor
expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.
2. Ausente o prequestionamento do disposto nos arts. 128, 460, do CPC,
incide o Enunciado n. 211 da Súmula do STJ: “Inadmissível recurso especial
quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi
apreciada pelo Tribunal a quo”.
3. Fixado pela Corte de Origem que não houve prova pré-constituída
necessária à concessão da segurança, incide o Enunciado n. 7, da Súmula do STJ:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Sendo
este fundamento suficiente, por si só, para manter o acórdão recorrido, incide,
por analogia, o Enunciado n. 283, da Súmula do STF: “É inadmissível o recurso
extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento
suficiente e o recurso não abrange todos eles”.
4. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a Lei n. 10.684/2003 não
limitou a 180 (cento e oitenta) parcelas o Parcelamento Especial (Paes) para as
pessoas jurídicas optantes pelo Simples e para as microempresas e empresas de
pequeno porte que efetuam o recolhimento com base no percentual de 0,3% de
224
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
sua receita bruta, nos termos do artigo 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003. Precedentes:
REsp n. 905.323-SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 16.9.2009; REsp n.
893.351-SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe de 10.6.2009; REsp
n. 912.712-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
20.5.2010.
5. No entanto, é possível a exclusão do programa se restar demonstrada a
ineficácia do parcelamento como forma de quitação do débito, ainda que para
além de 180 (cento e oitenta) prestações, considerando-se o valor do débito e o
valor das prestações efetivamente pagas. Situação em que a impossibilidade de
adimplência há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão
do dito programa de parcelamento. Precedente em sentido contrário: REsp n.
1.119.618-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22.9.2009.
6. Caso em que o valor do débito parcelado é superior a R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) e o valor da parcela é de apenas R$ 100,00 (cem reais),
valor insuficiente para quitar até mesmo os encargos mensais do débito, de modo
que o valor devido tende a aumentar com o tempo, não havendo previsão para a
sua quitação.
7. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.187.845-ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 19.10.2010, DJe 28.10.2010)
No precedente foi reconhecido que o PAES admite o parcelamento para
além de 180 (cento e oitenta) meses, mas não admite que a parcela seja ínfima
frente ao montante do débito consolidado. O precedente foi lavrado em caso
extremo, onde o valor do débito parcelado era superior a R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) e o valor da parcela era de apenas R$ 100,00 (cem reais),
ou seja, o valor da parcela era insuficiente para quitar até mesmo os encargos
mensais do débito, de modo que o valor devido tendia a aumentar com o
tempo, não havendo qualquer previsão para a sua quitação, ainda que em prazo
alongado.
Esse raciocínio o entendo aplicável a todo e qualquer parcelamento. A se admitir
a existência de uma parcela que não é capaz de quitar sequer os encargos do
débito, não se está mais diante de parcelamento ou moratória, mas de uma
remissão, pois o valor do débito jamais será quitado. E remissão deve vir expressa
em lei e não travestida de parcelamento. Desse modo, reafirmo, o raciocínio
da impossibilidade de parcela ínfima o entendo aplicável a qualquer tipo de
parcelamento, pois a teleologia de qualquer parcelamento é pagar o débito e
não mantê-lo por toda a eternidade. No entanto, o presente processo restringe-se ao
PAES, de modo que são extraprocessuais todas as alusões ao Programa de Recuperação
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
225
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Fiscal - Refis a fim de salvaguardá-lo ou inserí-lo nessa lógica, pois isto não está em
causa.
Pois bem, em outra linha jurisprudencial, chegou-se à posição de que, se
a empresa está inativa, não há base contábil para se calcular o valor da parcela
do PAES, pois não há receita bruta (a parcela se calcula em percentual sobre
a receita bruta), devendo então ser adotado obrigatoriamente o prazo de 180
(cento e oitenta) meses para a quitação total do débito. Transcrevo:
Processual Civil. Tributário. Violação do art. 535 do CPC. Alegação genérica.
Súmula n. 284-STF. Preceitos constitucionais. Inviabilidade de análise.
Competência do STF. Programa de parcelamento tributário (PAES). Microempresa.
Divisão dos valores em 180 parcelas ou recolhimento, com base em 0,3% da
receita bruta. Observância dos preceitos legais. Dever do contribuinte. Ineficácia
da forma de quitação do débito. Exclusão. Cabimento.
1. A alegação genérica de violação do art. 535 do Código de Processo Civil,
sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a
aplicação do disposto na Súmula n. 284-STF.
2. A análise de suposta violação de dispositivos e princípios constitucionais é
de competência exclusiva do Pretório Excelso, conforme prevê o art. 102, inciso
III, da Carta Magna, pela via do recurso extraordinário, sendo defeso a esta Corte
fazê-lo, ainda que para fins de prequestionamento.
3. O art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003 possibilita aos inadimplentes enquadrados
como microempresas o parcelamento em até 180 meses, sendo que a parcela mínima
corresponderá a um cento e oitenta avos (1/180) do total do débito consolidado, ou a
três décimos por cento (0,3%) da receita bruta, cujo valor não será, em qualquer dos
casos, inferior a R$ 100,00 (cem reais).
4. No caso, a microempresa encontra-se em inatividade, inexistindo, por
consequência lógica, a base contábil para formulação do cálculo da parcela - receita
bruta auferida no mês anterior -, cumprindo à empresa a formulação do valor devido,
com base na modalidade residual, qual seja, um cento e oitenta avos (1/180) do total
do débito.
5. O simples fato de enquadrar-se na categoria de microempresa não lhe
confere o direito de optar pelo valor mínimo da parcela, mas, sim, ao dever de
observar os comandos legais inseridos na lei de regência, o que não ocorreu.
6. A Segunda Turma desta Corte, no julgamento do REsp n. 1.187.845-ES,
relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, ressaltou que “as normas que
disciplinam o parcelamento não podem ser interpretadas fora de sua teleologia.
Se um programa de parcelamento é criado e faz menção a prazo determinado para
a quitação do débito e penaliza a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003
- 180 meses), não se pode compreendê-lo fora dessa lógica, admitindo que um
226
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
débito passe a existir de forma perene ou até, absurdamente, tenha o seu valor
aumentado com o tempo diante da irrisoriedade das parcelas pagas. A finalidade
de todo o parcelamento, salvo disposição legal expressa em sentido contrário, é
a quitação do débito e não o seu crescente aumento para todo o sempre. Sendo
assim, a impossibilidade de adimplência há que ser equiparada à inadimplência
para efeitos de exclusão do dito programa de parcelamento.” (REsp n. 1.187.845ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.10.2010,
DJe 28.10.2010).
7. A exclusão do programa de parcelamento é devida, visto a inobservância do
preceito legal - divisão do valor consolidado por 180, única modalidade possível
para o caso da recorrente -, bem como pela ineficácia do parcelamento para
quitação do montante da dívida.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(REsp n. 1.321.865-PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado
em 26.6.2012, DJe 29.6.2012)
Veja-se que a primeira tese, a “tese da parcela ínfima” é completamente
diferente desta segunda tese, a “tese da ausência de receita bruta”. A primeira
tem por causa uma parcela que jamais pagará o parcelamento em absoluto e em
qualquer prazo, pois não cobre sequer os encargos mensais da dívida, a segunda
tem por causa a inatividade da empresa, o que implica que a única forma de se
calcular a parcela é sua divisão por 180 meses. Ambas levam à exclusão, mas são
teses completamente distintas e que trilham caminhos distintos, muito embora
possam ser utilizadas em conjunto para a exclusão do programa por duplo
fundamento.
Sob o ponto de vista econômico, o que se visa inibir é o comportamento
elisivo de aderir ao programa de parcelamento e esvaziar as atividades da
empresa a fim de pagar parcela menor no parcelamento cuja parcela é calculada
sobre a receita bruta, migrando as atividades da empresa, portanto suas receitas,
para uma outra empresa saudável.
No caso concreto, por se tratar de PAES (e não de Refis) é importante
identificar expressamente qual tese foi a adotada ou se foram adotadas ambas
para se efetuar a exclusão.
Compulsando os autos, verifico que a empresa CIA Jordan de Veículos
(sociedade anônima, portanto) entende que por ser empresa de pequeno porte
não poderia ter sido excluída do PAES por pagamento da parcela inferior ao
devido, já que vinha regularmente quitando a parcela mínima de R$ 200,00
(duzentos reais) prevista no art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O ato de exclusão do PAES às e-STJ fl. 21 narra a exclusão por
inadimplência. A manifestação da Fazenda Nacional esclarece que a empresa
não existe de fato, e, portanto, não tem faturamento. Sendo assim, sua dívida
deveria ser paga em 180 (cento e oitenta) meses (e-STJ fl. 26).
Outrossim, às e-STJ fls. 31 consta que o valor consolidado da dívida em
21.8.2003 era de aproximadamente R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais),
sendo que com o pagamento das parcelas de R$ 200,00 (duzentos reais) o saldo
devedor aumentou para aproximadamente R$ 6.200.000,00 (seis milhões e
duzentos mil reais).
Essas duas afirmações foram corroboradas na sentença de e-STJ fls. 130133 e no acórdão de e-STJ fls. 178-190, que as teve por premissas.
O caso, portanto, era de exclusão do parcelamento com amparo tanto na
“tese da parcela ínfima” quanto na “tese da ausência de receita bruta”. Ocorre
que a Corte de Origem permitiu a reinclusão da empresa no programa de
parcelamento PAES, com nova apuração de seu saldo devedor, nos seguintes
moldes, in verbis:
Nada obstante, como já salientado, considerando que a atuação da impetrante
encontrou amparo na Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 1, de 25.6.2003, revogada
apenas em 25.8.2004 pela Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 3, devendo-se em
muito à inadequada redação do art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003, e que não
foi oportunizado à requerente adaptar-se à nova interpretação administrativa,
deve ser permitida a sua reinclusão no programa especial de parcelamento
e a reconsolidação da sua dívida, observando os critérios já assinalados
anteriormente, que, por cuidado, ora repiso:
a) o valor do saldo devedor será apurado de conformidade com os critérios
da Lei n. 10.684/2003, sem cômputo de quaisquer penalidades, de juros de mora
e correção monetária no período em que a impetrante permaneceu afastada do
beneficio, tendo como referência a data respectiva;
b) esse valor será dividido pelo número de meses que então restavam para
completar o prazo máximo do parcelamento (180 meses), apurando-se assim o
valor de cada parcela a ser paga pela apelante, cujo primeiro vencimento ocorrerá
30 dias após sua intimação, pela autoridade administrativa, do valor apurado;
c) o valor da prestação poderá ser elevado até o limite de 0,3% de sua receita
bruta, sempre que esse percentual venha a representar prestação maior que
aquela fixada na forma da alínea anterior.
Nesses termos, merece parcial reforma a sentença a fim de que seja concedida
em parte a segurança.
228
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
No entanto, não houve recurso da Fazenda Nacional.
Desse modo, não é possível aplicar as teses desta Corte para realizar a
exclusão da empresa do programa de parcelamento especial PAES sob pena de
reformatio in pejus, cabendo apenas negar provimento a seu recurso especial com
fundamento na jurisprudência desta Casa suso transcrita.
Ante o exposto, acompanho a relatora por fundamentos diversos para negar
provimento ao presente recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.297.942-GO (2011/0186137-2)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Estado de Goiás
Procurador: Márcia Oliveira Alves da Mota e outro(s)
Recorrido: Calcário Uruacu Ltda
Advogado: Lucas Fernandes de Andrade
EMENTA
Processual Civil. Recurso especial. Tributário. ICMS. Encargo
de capacidade emergencial. Cobrança que não corresponde a consumo
nem a demanda de potência efetivamente utilizada. Não incidência do
imposto.
1. A despeito da natureza do encargo de capacidade emergencial
(tarifa ou preço público), a sua cobrança tinha como base a
contratação de capacidade de geração ou de potência, com o intuito
de assegurar a continuidade no fornecimento de energia elétrica em
caso de eventuais cortes emergenciais. Desse modo, não se tratando
de cobrança decorrente do consumo de energia elétrica propriamente
dito nem da demanda de potência efetivamente utilizada no período
de faturamento, a tarifa correspondente não sofre a incidência do
ICMS.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
229
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse sentido: REsp n. 1.044.042-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro
Meira, DJe de 31.8.2009.
2. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte
resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao
recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”
A Sra. Ministra Eliana Calmon, os Srs. Ministros Humberto Martins,
Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.
Brasília (DF), 3 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 10.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de
Goiás cuja ementa é a seguinte:
Mandado de segurança. Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam
afastada. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. Encargo de capacidade
emergencial. Incidência do imposto apenas sobre a tarifa calculada com base na
demanda de potência elétrica efetivamente utilizada. Restituição de valores pagos
indevidamente ao Fisco. Via inadequada. 1 - A pessoa jurídica de direito privado,
sendo consumidora final, tem legitimidade para figurar no polo ativo de ação
de mandado de segurança em que se discute a ilegalidade da cobrança de ICMS
sobre o valor pago a título de demanda contratada de energia elétrica. 2 - Para
efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo
consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente
à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento,
independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.
230
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
3 - Não incide ICMS sobre o encargo de capacidade emergencial (“seguroapagão”). 4 - O mandado de segurança não é a via processual adequada para se
obter a restituição de valores pagos indevidamente ao Fisco.
Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados.
Nas razões do recurso especial, interposto com base na alínea a do
permissivo constitucional, o recorrente aponta ofensa ao art. 13, § 1º, da LC n.
87/1996, alegando, em síntese, que o encargo de capacidade emergencial é preço
público devido pela fruição da energia elétrica, de modo que compõe a base de
cálculo do ICMS, integrando o valor final da operação.
Em suas contrarrazões, a recorrida pugna pela manutenção do aresto
atacado.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A pretensão não
merece acolhida.
Inicialmente, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do RE n. 576.189-RS (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe
de 26.6.2009), declarou a constitucionalidade dos encargos de capacidade
emergencial e de aquisição de energia elétrica emergencial, firmando
entendimento no sentido de que tais encargos não possuem natureza
tributária, correspondem a tarifas ou preços públicos, diante da ausência de sua
compulsoriedade.
A propósito, confira-se a ementa do julgado:
Tributário. Energia elétrica. Encargos criados pela Lei n. 10.438/2002. Natureza
jurídica correspondente a preço público ou tarifa. Inaplicabilidade do regime
tributário. Ausência de compulsoriedade na fruição dos serviços. Receita
originária e privada destinada a remunerar concessionárias, permissionárias e
autorizadas integrantes do sistema interligado nacional. RE improvido.
I - Os encargos de capacidade emergencial e de aquisição de energia elétrica
emergencial, instituídos pela Lei n. 10.438/2002, não possuem natureza tributária.
II - Encargos destituídos de compulsoriedade, razão pela qual correspondem a
tarifas ou preços públicos.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
III - Verbas que constituem receita originária e privada, destinada a remunerar
concessionárias, permissionárias e autorizadas pelos custos do serviço, incluindo
sua manutenção, melhora e expansão, e medidas para prevenir momentos de
escassez.
IV - O art. 175, III, da CF autoriza a subordinação dos referidos encargos à
política tarifária governamental.
V - Inocorrência de afronta aos princípios da legalidade, da não-afetação, da
moralidade, da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade.
VI - Recurso extraordinário conhecido, ao qual se nega provimento. (RE n.
576.189, Relator(a): Min. Ricardo Lewandovski, Tribunal Pleno, DJe 26.6.2009)
O encargo de capacidade emergencial possui previsão legal no artigo 1º da
Lei n. 10.438, de 26.4.2002, segundo o qual:
Os custos, inclusive de natureza operacional, tributária e administrativa,
relativos à aquisição de energia elétrica (kWh) e à contratação de capacidade de
geração ou potência (kW) pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial
- CBEE serão rateados entre todas as classes de consumidores finais atendidas pelo
Sistema Elétrico Nacional Interligado, proporcionalmente ao consumo individual
verificado, mediante adicional tarifário específico, segundo regulamentação a ser
estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel.
Posteriormente, em 6.5.2002, a Aneel (Agência Nacional de Energia
Elétrica) editou a Resolução n. 249, com o intuito de estabelecer critérios e
procedimentos para a definição de encargos tarifários relativos à aquisição
de energia elétrica e à contratação de capacidade de geração ou potência pela
Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEE, trazendo em
seu texto a regulamentação acerca dos encargos de capacidade emergencial, de
aquisição de energia elétrica emergencial e de energia livre adquirida no MAE
(Mercado Atacadista de Energia Elétrica). A mencionada resolução trouxe,
ainda, em seu art. 6º, o termo final de cobrança dos dois primeiros encargos.
Não obstante tal previsão, a Resolução n. 204/2005 da Aneel estabeleceu o
encerramento da cobrança do encargo de capacidade emergencial (art. 1º), no
final de dezembro/2005.
Quanto ao Encargo de Capacidade Emergencial - caso dos autos -, dispõe
o art. 3º, § 1º, da resolução referida que “será estabelecido pela Aneel, em R$/
kWh, com base no custo associado à contratação de capacidade de geração ou
potência previsto pela CBEE para o ano e no consumo realizado de energia
elétrica, no ano anterior, pelo consumidor final atendido pelo Sistema Elétrico
232
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Interligado Nacional, excetuada a classe residencial classificada como de baixa
renda”, de modo que o valor correspondente ao adicional tarifário ocorra
de forma individualizada e seja identificado na fatura de energia elétrica do
consumidor, sob a denominação de “encargo de capacidade emergencial”.
Destinava-se à cobertura dos custos, inclusive de natureza operacional,
tributária e administrativa, incorridos pela Comercializadora Brasileira de
Energia Emergencial - CBEE na contratação de capacidade de geração ou
de potência, que eram rateados pelos consumidores finais de energia elétrica
atendidos pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional, de forma proporcional ao
consumo individual verificado.
Conforme se depreende da leitura do mencionado artigo, embora a
forma de cobrança do encargo de capacidade emergencial seja proporcional ao
consumo, a tarifa correspondente não decorre do efetivo consumo da energia
elétrica disponibilizada ao usuário, mas tem como base a contratação de
capacidade de geração ou de potência, com o intuito de assegurar a continuidade
no fornecimento de energia elétrica em caso de eventuais cortes emergenciais.
Ressalte-se que para se verificar a possibilidade de incidência do ICMS
sobre o referido encargo, é oportuno destacar as hipóteses de incidência do
imposto em questão.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu, em seu artigo 155, caput e
inciso II, a competência dos Estados e do Distrito Federal para a instituição
de impostos sobre: a) circulação de mercadorias; b) prestação de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal; c) comunicação.
Por sua vez, a Lei Complementar n. 87/1996, no art. 13, I, dispôs que a
base de cálculo do ICMS na saída da mercadoria é o valor da operação.
Por “valor da operação” deve-se entender aquele “da qual decorra a entrega
desta mercadoria ao consumidor. Noutro giro, é o preço da energia elétrica
efetivamente consumida, vale dizer, o valor da operação da qual decorra a
entrega desta mercadoria ao consumidor final” (Roque Antônio Carraza, 14ª
ed., São Paulo, Editora Malheiros, 2009, p. 278).
No que se refere à energia elétrica, a orientação da Primeira Seção-STJ
pacificou-se no sentido de que é legítima a incidência do ICMS sobre o valor
cobrado em decorrência do respectivo consumo (expresso em kWh), bem como
sobre a tarifa correspondente à demanda contratada efetivamente utilizada
(Súmula n. 391-STJ).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Com efeito, tal orientação foi firmada no julgamento do REsp n. 960.476SC (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 13.5.2009 - recurso submetido à
sistemática prevista no art. 543-C do CPC), no sentido de que o fato gerador
do ICMS, nas operações de fornecimento de energia elétrica, é a energia
efetivamente consumida, e não a demanda contratada ou reservada, sendo que o
valor correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período
de faturamento deve ser levado em conta para efeito de base de cálculo do
ICMS.
Em razão da importância da decisão e de sua especial eficácia vinculativa,
transcreve-se a respectiva ementa:
Tributário. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. Não incidência sobre
tarifa calculada com base em demanda contratada e não utilizada. Incidência
sobre tarifa calculada com base na demanda de potência elétrica efetivamente
utilizada.
1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp n.
222.810-MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.5.2000), é no sentido de que
“o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por
não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos”, razão pela qual, no
que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, “a só formalização
desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica
não caracteriza circulação de mercadoria”. Afirma-se, assim, que “o ICMS deve
incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for
entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no
estabelecimento da empresa”.
2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que “não há hipótese de incidência
do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de
potência”. Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar,
a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de
potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.
3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador
supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é
o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de
faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos
de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução Aneel n. 456/2000,
independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.
4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a
incidência do ICMS sobre o valor correspondente à demanda de potência elétrica
contratada mas não utilizada.
234
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.
A despeito da natureza do encargo de capacidade emergencial (tarifa ou
preço público), a sua cobrança tinha como base a contratação de capacidade
de geração ou de potência, com o intuito de assegurar a continuidade no
fornecimento de energia elétrica em caso de eventuais cortes emergenciais.
Desse modo, não se tratando de cobrança decorrente do consumo de energia
elétrica propriamente dito nem da demanda de potência efetivamente utilizada
no período de faturamento, a tarifa correspondente não sofre a incidência do
ICMS.
Essa foi a orientação adotada pela Segunda Turma-STJ no julgamento do
REsp n. 1.044.002-RS (Rel. Min. Castro Meira, DJe de 31.8.2009), sendo que
o respectivo acórdão foi assim ementado:
Tributário e Processo Civil. Ausência de prequestionamento. Divergência
jurisprudencial. Ausência de cotejo analítico. ICMS. Energia elétrica. Demanda de
potência. Não incidência sobre tarifa calculada com base em demanda contratada
e não utilizada. Recurso repetitivo. Art. 543-C do CPC. Súmula n. 213-STJ.
1. A falta de prequestionamento do disposto arts. 1º e 18 da Lei n. 1.533/1951
impede o conhecimento do apelo especial no particular. Incidência da Súmula n.
282-STF.
2. Encontra óbice ao conhecimento o recurso interposto com fundamento
na alínea c do permissivo constitucional quando não realizado o cotejo analítico
entre os acórdãos recorrido e paradigmas, com a demonstração das circunstâncias
que identificam ou assemelham os casos confrontados. Desatendimento dos
requisitos previstos no art. 255, § 2º, do RISTJ. 3. Na sessão de 11.3.2009, foi
julgado o Recurso Especial n. 960.476-SC (DJe de 960.476-SC), representativo de
controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008, tendo
a eg. Primeira Seção firmado o entendimento de que o ICMS somente incide
sobre a tarifa calculada com base na demanda de potência elétrica efetivamente
utilizada, não incidindo, todavia, sobre a demanda contratada, e não utilizada.
4. Seguindo o mesmo raciocínio, não incide ICMS sobre o encargo de
capacidade emergencial, já que a sua cobrança decorria do rateio dos custos,
inclusive de natureza operacional, tributária e administrativa, incorridos pela
Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEE com a contratação de
capacidade de geração ou de potência de energia elétrica, voltada, portanto, à
garantia da continuidade da prestação desse serviço.
5. O consumidor final é o sujeito passivo da obrigação tributária, na condição
de contribuinte de direito e de fato.
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235
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6. A teor do que enuncia a Súmula n. 213-STJ, a ação mandamental é meio
próprio para pleitear-se a declaração do direito à restituição ou à compensação
de tributos pagos indevidamente.
7. Recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul conhecido em parte e não
provido. Recurso especial da parte autora conhecido e provido.
Cumpre registrar que não se desconhece o entendimento firmado pela
Primeira Turma, por maioria, no julgamento do REsp n. 1.054.011-RS (Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 20.8.2010), no sentido de que “o encargo de
capacidade emergencial instituído pela Lei n. 10.438/2002 é preço público, vale
dizer, é contraprestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica”,
de forma que “o seu valor integra o preço final dessa especial mercadoria,
estando consequentemente compreendido no ‘valor da operação’, que vem a ser
a base de cálculo do ICMS, nos termos do art. 13, § 1º, da LC n. 87/1996”.
Isso porque a orientação firmada pela Primeira Seção-STJ - certo ou
errado -, tem como pressuposto o consumo efetivo para fins de cobrança do
ICMS, no que se refere aos valores cobrados pela comercialização de energia
elétrica. Como já mencionado, além da tarifa correspondente ao consumo
propriamente dito, integra a base de cálculo do ICMS a tarifa decorrente
da cobrança da demanda de potência efetivamente utilizada no período de
faturamento.
Contudo, não se revela possível ampliar esse entendimento para permitir a
tributação (pelo ICMS) de elemento extrínseco ao consumo, como é o caso da
tarifa concernente à cobrança do encargo de capacidade emergencial.
Registro que no precedente mencionado, além da Min. Denise Arruda
(Relatora originária), o Min. Benedito Gonçalves também votou no sentido de
afastar a incidência do ICMS sobre o encargo em comento, merecendo destaque
o seguinte excerto extraído do seu voto:
Sobre o tema, coaduno-me com o entendimento da Ministra Relatora.
De fato, o STF, ao reconhecer a constitucionalidade do Encargo de Capacidade
Emergencial (Seguro apagão), definiu que este tem natureza de preço público
ou tarifa, não se lhes aplicando o regime tributário, especialmente em razão da
ausência do requisito da “compulsoriedade”.
(...) Dessa forma, observa-se que o encargo em questão (que possui natureza
de tarifa ou preço público) resulta do rateio, de forma proporcional ao consumo
individual verificado, dos custos, inclusive de natureza operacional, tributária
e administrativa, suportados pela Comercializadora Brasileira de Energia
Emergencial - CBEE com a contratação de capacidade de geração ou de potência,
236
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
diferentemente do encargo de aquisição de energia elétrica emergencial, por
meio do qual se dava o rateio dos custos da aquisição se energia elétrica contratada.
A respeito da diferenciação entre os mencionados encargos, de forma a
destacar a natureza do encargo de capacidade emergencial (seguro apagão),
transcrevo elucidativo trecho do voto proferido pelo Ministro Castro Meira, em
recente precedente da Segunda Turma, que apreciou o tema em questão (REsp
n. 1.044.042-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.8.2009,
DJe 31.8.2009).
(...) Sob esse prisma, entendo que, trazendo para a presente discussão, o
raciocínio desenvolvido no julgamento do já mencionado REsp n. 960.476-SC,
segundo o qual exclui-se da base de cálculo do ICMS o valor pago pela potência
elétrica reservada, mas não consumida, deve ser excluído da base de cálculo do
mencionado tributo o encargo de capacidade emergencial, já que, nos termos
acima mencionados, a sua cobrança decorria do rateio de custos pagos pela CBEE
com a contratação de capacidade de geração ou de potência de energia elétrica,
voltada, portanto, à garantia da continuidade da prestação desse serviço, e não dos
custos referentes à efetiva aquisição/consumo de energia elétrica.
Desse modo, levando em consideração a natureza do encargo de capacidade
emergencial e os elementos que justificaram a cobrança da respectiva tarifa
(durante o período de sua vigência), bem como a orientação que foi adotada pela
Primeira Seção-STJ no julgamento do REsp n. 960.476-SC (acima referido), é
imperioso concluir que o ICMS não incide sobre o valor cobrado a título de
encargo de capacidade emergencial.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.361.805-PR (2013/0004151-0)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrente: Total Linhas Aéreas S/A
Advogados: Leonardo Sperb de Paola
Maria das Graças Anunciação e outro(s)
Recorrido: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
237
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Tributário e Processo Civil. Alegação de ofensa ao art. 535 do
CPC. Exame prejudicado. Débitos de CPMF. Parcelamento. Lei n.
11.941/2009. Possibilidade.
1. Prequestionada, ainda que implicitamente, a tese em torno dos
dispositivos legais tidos por violados, acolhe-se o pedido alternativo de
exame do mérito recursal e julga-se prejudicado o exame da questão
da violação do art. 535, II, do CPC.
2. O art. 15 da Lei n. 9.311/1996, vedando o parcelamento de
débitos oriundos da incidência da CPMF vigorou, nos termos do art.
90, § 1º, do ADCT, até 31.12.2007, não mais se aplicando após esta
data.
3. Incidência da Lei n. 11.941, de 27.5.2009 para reconhecer o
direito do contribuinte à inclusão dos débitos decorrentes da CPMF
no Programa de Parcelamento de débitos tributários (Refis IV ),
como permitido pela Fazenda por ocasião da adesão ao PAEX (Lei n.
10.684/2003).
4. Ilegalidade do indeferimento do pedido de inclusão do débito
remanescente, após oito anos, ao fundamento de que o art. 15 da Lei
n. 9.311/1996 vedava a concessão do benefício fiscal aos débitos da
CPMF.
5. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça
“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto
do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque.” Os Srs. Ministros Castro
Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin (Presidente) e Mauro Campbell
Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr(a). Leonardo Sperb de Paola, pela parte recorrente: Total Linhas
Aéreas S/A
238
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Brasília (DF), 18 de junho de 2013 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJe 26.6.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Trata-se de recurso especial (fls. e-STJ
359-372) interposto por Total Linhas Aéreas S/A com fundamento na alínea a do
permissivo constitucional contra acórdão proferido pelo TRF 4ª Região, assim
ementado (fl. e-STJ 330):
Tributário. Mandado de segurança. Decadência afastada. Lei n. 11.941/2009.
Parcelamento. CPMF. Vedação. Art. 15. Lei n. 9.311/1996.
1. Não se conta a decadência desde a data da consolidação se o ato
efetivamente impugnado é o despacho que indeferiu o pedido de revisão do
parcelamento aviado na esfera administrativa. Decadência afastada.
2. Não existe ilegalidade no ato administrativo que indefere a inclusão de
débito relativos à CPMF no parcelamento da Lei n. 11.941/2009, tendo em vista
que o art. 15 da Lei n. 9.311/1996, que institui a Contribuição Provisória sobre
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira - CPMF, veda expressamente a moratória de tais créditos.
3. A Lei n. 11.941/2009 é geral em relação à natureza dos tributos que podem
ser incluídos no parcelamento, de sorte que há de prevalecer a legislação
específica de cada tributo, no que contrária àquela. Nesse contexto, permanece
a vedação a parcelamento de débito de CPMF, na forma do art. 15 da Lei n.
9.311/1996, uma vez que não foi afastada expressamente pela Lei n. 11.941/2009.
A recorrente interpôs o presente recurso especial, defendendo, em síntese
(fls. e-STJ 359-372):
a) negativa de vigência dos arts. 10, 14 e 14-C da Lei n. 10.522/2002, ao
fundamento de ter esta lei regulado inteiramente a matéria sobre o parcelamento
de débitos na esfera federal, revogando tacitamente legislações pretéritas a
respeito do tema, sem, contudo, excetuar os débitos decorrentes da Lei n.
9.311/1996 (CPMF);
b) negativa de vigência do art. 1º da Lei n. 11.941/2009, uma vez que este
dispositivo permitiu o pagamento ou parcelamento dos débitos administrados
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
239
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e dos débitos para com a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive o saldo remanescente dos
débitos consolidados no Programa de Recuperação Fiscal - Refis, de que trata
a Lei n. 9.964/2000; e no Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n.
10.684/2003;
c) a Lei n. 11.941/2009 afastou os impedimentos ao parcelamento
constantes da Lei n. 10.522/2002, notadamente os do art. 14 dessa lei;
d) ao tempo da entrada em vigor da Lei n. 11.941/2009, em razão das
disposições do §1º do art. 90 do ADCT, não mais vigorava a Lei n. 9.311/1996,
cujo art. 15 vedava o parcelamento de débitos oriundos da CPMF; e
e) apenas para argumentar, diante do que expõe o acórdão recorrido acerca
da especialidade da lei instituidora da CPMF, ainda assim é de se reconhecer a
aplicação da Lei n. 11.941/2009, uma vez que o § 1º do art. 90 da ADCT dispôs
que a vigência da Lei n. 9.311/2009 iria apenas até 31 de dezembro de 2007.
Contrarrazões às fls. e-STJ 403-405.
Subiram os autos, admitido o especial na origem (fl. e-STJ 411).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): - A questão tem início
com a impetração da segurança pela ora recorrente, pleiteando a inclusão
definitiva dos débitos n. 10980.005.245/2003-41 e 10980.005.244/2003-05 no
parcelamento instituído pela Lei n. 11.941/2009, oriundos do não recolhimento
da CPMF e, por conseqüência, o cancelamento das inscrições em dívida ativa
correspondentes.
Relatou o fato de ter sido indeferido o pedido, por serem débitos referentes
à CPMF, cujo parcelamento está vedado expressamente pelo art. 15 da Lei n.
9.311, de 24.10.1996, proibição legal direcionada às instituições financeiras
responsáveis pelo recolhimento da contribuição e não ao contribuinte da
CPMF.
Esclareceu tratar-se de débito do próprio contribuinte, incluídos no
Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n. 10.684/2003 desde 2003.
240
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Informou ter ajuizado em 16.7.1999 medida judicial contra a exigência da
CPMF, obtendo liminar para suspendendo a retenção; porém, com a cassação
da liminar e a improcedência da ação, a CPMF que deixou de ser retida no
período de vigência da medida foi lançada pela Receita Federal e, em seguida,
parcelada pela Impetrante. Aduziu ter sido revogada, há muito, a vedação ao
parcelamento, conforme legislação superveniente, notadamente pela Lei n.
10.522/2002. Assim sendo, quando da entrada em vigor da Lei n. 11.941/09
(que tratou do Refis IV), a própria Lei n. 9.311/1996 já não mais vigorava.
Sustentou não ser razoável o indeferimento, passados mais de 8 anos do
parcelamento original (PAES/2003), especialmente considerando que a CPMF
foi extinta em 2007 (em razão da rejeição parcial da PEC n. 89/2007), com a
revogação completa da Lei n. 9.311/1996.
A autoridade impetrada prestou informações (fls. e-STJ 142-146),
sustentando, preliminarmente, a decadência para o ajuizamento do mandado
de segurança. No mérito, alegou ser a Lei n. 9.311/1996, regulamentadora da
CPMF, específica em relação à Lei n. 11.941/2009.
A sentença julgou procedentes os pedidos da impetrante (e-fls. 163-165).
Houve apelação da Fazenda e o Tribunal de origem (fls. e-STJ 263-266) deu
parcial provimento à apelação da União Federal (Fazenda Nacional) assim
entendendo:
1) o art. 90, § 1º, do ADCT ao afirmar ser a vigência da Lei n. 9.311/1996
até 31.12.2007, se referia apenas à sua eficácia para a incidência do tributo e não
para limitação da vigência daquela lei; e,
2) a Lei n. 9.311/1996 possui caráter especial em relação à Lei n.
11.941/2009, afastando, com isso, a possibilidade do parcelamento de créditos
decorrentes do não recolhimento da CPMF.
Prequestionada, ainda que implicitamente, a questão federal em torno dos
dispositivos legais invocados pela recorrente, tenho por prejudicada a análise da
tese de violação do art. 535, II, do CPC, e examino o mérito do recurso especial.
A controvérsia presente nos autos refere-se à possibilidade de inclusão
de débitos relativos a ausência de recolhimento de CPMF no parcelamento
instituído pela Lei n. 11.941, de 27.5.2009, diante da vedação constante no art.
15, da Lei n. 9.311/1996 (lei que instituiu a CPMF).
A autoridade fazendária negou o pedido da impetrante, ora recorrente,
para incluir os débitos de CPMF no programa de parcelamento tributário
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
instituído pela Lei n. 11.941/2009 ao principal fundamento de que a Lei n.
9.311/1996 é especial em relação às demais normas normas tributárias que
tratam de parcelamento, devendo ser aplicada em detrimento de qualquer outra
norma geral sobre o tema.
A Lei n. 9.311/1996, editada com base no art. 75 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT/1988) - introduzido pela Emenda
Constitucional n. 21/1999 -, veio especificamente para instituir a CPMF e
estabelecer o modo de sua incidência.
Dessa forma, inegável o seu caráter especial em face de outras normas
tributárias, inclusive em relação àquelas referentes a parcelamentos de créditos,
uma vez que estabeleceu em seu art. 15 disposição a respeito, vedando o
“parcelamento do crédito constituído em favor da Fazenda Pública em decorrência da
aplicação desta Lei”.
Assim, em razão do caráter especial da Lei n. 9.311/1996 e da inexistência
de lei posterior tratando especificamente da CPMF, é correto afirmar que
durante a vigência daquela norma, seus dispositivos é que deveriam ser aplicados
em relação a esse tributo, inclusive no que tange às regras de parcelamento, em
decorrência do que estabelece o art. 2º, § 2º, da LINDB, no sentido de que
normas gerais não revogam disposições constantes de normas especiais.
Resta saber, no entanto, se ao tempo da edição da Lei n. 11.941/2009 (que
tratou do Refis IV), a Lei n. 9.311/1996 e seus dispositivos ainda eram vigentes,
fato que justificaria a proibição de inclusão de débitos tributário decorrentes de
CPMF no Programa de Parcelamento Tributário Refis IV. A resposta a esta
indagação pode ser extraída da análise da aplicação da lei no tempo. Vejamos:
A Lei n. 9.311/1996, que instituiu a CPMF, teve como fundamento
de validade o art. 74 do ADCT, que dava o caráter de temporalidade a esta
contribuição, inicialmente por um prazo de dois anos.
No entanto, a referida lei teve diversas prorrogações, sendo a primeira pelo
art. 75 do ADCT (EC n. 21/1999), e as subsequentes, pelos arts. 84 (EC n.
37/2002) e 90 (EC n. 42/2003) do ADCT.
O art. 90, § 1º, do ADCT estabeleceu como data limite de vigência da Lei
n. 9.311/1996 o dia 31 de dezembro de 2007. Confira-se:
Art. 90. O prazo previsto no caput do art. 84 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias fica prorrogado até 31 de dezembro de 2007. (Incluído
pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003)
242
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
§ 1º Fica prorrogada, até a data referida no caput deste artigo, a vigência da
Lei n. 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações. (Incluído pela Emenda
Constitucional n. 42, de 19.12.2003) grifo nosso
Depois da EC n. 42/2003, não houve mais prorrogação do prazo de
vigência da Lei n. 9.311/1996. Portanto, sua vigência foi até 31.12.2007.
Assim, após esta data (31.12.2007), a Lei n. 9.311/1996 e seus dispositivos
não mais produziram efeitos, por lhes faltar pressuposto básico de eficácia, qual
seja, a vigência.
Registre-se que a “vigência, em sentido estrito, é a existência específica da
norma em determinada época, caracterizando o preceito normativo que rege relações
sociais aqui e agora. É o âmbito temporal de validade normativa. O conceito de
vigência, em sentido estrito está relacionado com o de ef icácia, uma vez que da
existência (vigência) da norma depende a produção de seus efeitos” (DINIZ, Maria
Helena. Dicionário jurídico universitário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 589).
Com isso, tem-se que, quando da publicação da Lei n. 11.941, em
27.5.2009, a proibição de inclusão de débitos decorrentes de CPMF em
programas de parcelamento tributário não mais subsistia no ordenamento
jurídico, uma vez que o art. 15 da Lei n. 9.311/1996 deixou de vigorar em
31.12.2007.
Ressalte-se, por oportuno, que o art. 90, § 1º, do ADCT, acima transcrito,
estabeleceu que a vigência da Lei n. 9.311/1996 seria até 31 de dezembro de 2007.
Desta forma, considerando que após 31.12.2007 inexistiu lei vigente
estabelecendo proibição para inclusão dos débitos da CPMF em programas de
parcelamento, assiste razão à ora recorrente em pretender incluir os seus débitos
decorrentes de CPMF no Programa de Parcelamento Refis IV instituído pela
Lei n. 11.941/2009, a qual não trouxe nenhum impedimento neste sentido,
conforme se constata da leitura do seu art. 1º abaixo transcrito, in verbis:
Art. 1º. Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses,
nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita
Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de
Recuperação Fiscal - Refis, de que trata a Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000, no
Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003,
no Parcelamento Excepcional - PAEX, de que trata a Medida Provisória n. 303, de
29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei n. 8.212, de 24
de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei n. 10.522, de 19 de
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
julho de 2002, mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas e
parcelamentos, bem como os débitos decorrentes do aproveitamento indevido
de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI oriundos da
aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários
relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados
- TIPI, aprovada pelo Decreto n. 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência
de alíquota 0 (zero) ou como não-tributados.
Com isso, em face do princípio basilar de hermenêutica jurídica, se a lei
não faz restrições, é vedado ao intérprete fazê-las. Não se está aqui fazendo uma
interpretação ampliativa das regras do parcelamento, mas apenas se constatando
que não é possível extrair dos artigos da Lei n. 11.941/2009 evidente restrição
ao parcelamento dos débitos de CPMF, máxime presente a autorização expressa
de inclusão “do saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de
Recuperação Fiscal - Refis, de que trata a Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000,
no Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n. 10.684, de 30 de maio de
2003, no Parcelamento Excepcional - PAEX, de que trata a Medida Provisória
n. 303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei n.
8.212, de 24 de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei n.
10.522, de 19 de julho de 2002.” (art. 1º, da Lei n. 11.941/2009).
Ressalte-se que a Administração Pública em atendimento ao princípio da
legalidade estrita, tem sua atuação limitada aos balizamentos contidos na lei,
sendo descabido imprimir interpretação extensiva ou restritiva à norma, quando
esta assim não permitir.
Ademais, no caso dos autos, é incontroverso que, sob a égide do PAES (Lei
n. 10.684/2003), a autoridade fazendária permitiu o parcelamento do débito
relativo à CPMF em benefício da recorrente, negando-lhe esta possibilidade,
contudo, após decorridos mais de 8 (oito) anos, quando do pedido de inclusão
dos valores remanescentes de referidos débitos no Programa de Parcelamento
Refis IV, instituído pela Lei n. 11.491/2009.
Registre-se serem os débitos que a recorrente pretende incluir no Refis
IV (Lei n. 11.941/2009) remanescentes do Programa de Parcelamento PAEX,
instituído pela Lei n. 10.684/2003.
Ora, é contraditória e injustificada a conduta da autoridade fazendária
ao pretender afastar o benefício do parcelamento mantido há mais de 8 (oito)
anos com o contribuinte, com vista a aplicar dispositivo legal até então não
observado, fulminando com a previsibilidade e a estabilidade da relação jurídica
tributária estabelecida com o contribuinte.
244
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Assim, a alteração do entendimento da receita federal sobre o parcelamento,
autorizado até então no PAES e vedado no Refis IV (ressalte-se, após 8
anos), promove flagrante insegurança jurídica e compromete o planejamento
financeiro do contribuinte, procedimento vedado pelo art. 146 do CTN, o qual
positiva em nível infraconstitucional a proteção da confiança do contribuinte na
administração tributária.
Se a Administração identifica como correta uma determinada interpretação
da norma e depois verifica não ser ela a mais adequada, tem o poder-dever de,
em face da legalidade, promover a alteração do seu posicionamento. Entretanto,
em respeito ao postulado da proteção da confiança legítima, deve resguardar o
direito do contribuinte em relação a atos administrativos consolidados à luz de
critério anteriormente adotado.
Tal entendimento restou consolidado na jurisprudência do STJ, por ocasião
do julgamento do Recurso Representativo de Controvérsia n. 1.130.545-RJ, Rel.
Min. Luiz Fux, DJe 22.2.2011, tratando da revisão do lançamento tributário.
Confira-se:
Processo Civil. Recurso especial representativo de controvérsia. Artigo 543-C,
do CPC. Tributário e Processo Administrativo Fiscal. Lançamento tributário. IPTU.
Retificação dos dados cadastrais do imóvel. Fato não conhecido por ocasião do
lançamento anterior (diferença da metragem do imóvel constante do cadastro).
Recadastramento. Não caracterização. Revisão do lançamento. Possibilidade. Erro
de fato. Caracterização.
1. A retificação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito
tributário, autoriza a revisão do lançamento pela autoridade administrativa (desde
que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo
decadencial), quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião
do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN.
2. O ato administrativo do lançamento tributário, devidamente notificado ao
contribuinte, somente pode ser revisto nas hipóteses enumeradas no artigo 145,
do CTN, verbis: “Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo
só pode ser alterado em virtude de: I - impugnação do sujeito passivo; II - recurso
de ofício; III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos
no artigo 149.”
3. O artigo 149, do Codex Tributário, elenca os casos em que se revela possível
a revisão de ofício do lançamento tributário, quais sejam: “Art. 149. O lançamento
é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada,
por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do
inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a
pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se
a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento
definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente
obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando
se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente
obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se
comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com
dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido
ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove
que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que
o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não
extinto o direito da Fazenda Pública.”
4. Destarte, a revisão do lançamento tributário, como consectário do poderdever de autotutela da Administração Tributária, somente pode ser exercido
nas hipóteses do artigo 149, do CTN, observado o prazo decadencial para a
constituição do crédito tributário.
5. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo
149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a
impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito
tributário.
6. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica
dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável,
máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146,
do CTN, segundo o qual “a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de
decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade
administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação
a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua
introdução”.
7. Nesse segmento, é que a Súmula n. 227-TFR consolidou o entendimento de
que “a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de
lançamento”.
8. A distinção entre o “erro de fato” (que autoriza a revisão do lançamento) e o
“erro de direito” (hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina,
verbis: “Enquanto o ‘erro de fato’ é um problema intranormativo, um desajuste
interno na estrutura do enunciado, o ‘erro de direito’ é vício de feição internormativa,
um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta.
Assim constitui ‘erro de fato’, por exemplo, a contingência de o evento ter
ocorrido no território do Município ‘X’, mas estar consignado como tendo
246
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
acontecido no Município ‘Y’ (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda,
quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel
vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo).
‘Erro de direito’, por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a
autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural,
entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o
lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta
a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda,
quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido
do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor
da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é
sutil, mas incisiva.” (Paulo de Barros Carvalho, in “Direito Tributário - Linguagem
e Método”, 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, p. 445-446) “O erro de fato ou
erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o
que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou
no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha
equivocada de um módulo normativo inservível ou não mais aplicável à regência
da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios
jurídicos (art. 146, do CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na
feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Significa que
tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa,
mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos
geradores posteriores à alteração.” (Sacha Calmon Navarro Coêlho, in “Curso de
Direito Tributário Brasileiro”, 10ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 708) “O
comando dispõe sobre a apreciação de fato não conhecido ou não provado à
época do lançamento anterior. Diz-se que este lançamento teria sido perpetrado
com erro de fato, ou seja, defeito que não depende de interpretação normativa
para sua verificação. Frise-se que não se trata de qualquer ‘fato’, mas aquele
que não foi considerado por puro desconhecimento de sua existência. Não
é, portanto, aquele fato, já de conhecimento do Fisco, em sua inteireza, e, por
reputá-lo despido de relevância, tenha-o deixado de lado, no momento do
lançamento.
Se o Fisco passa, em momento ulterior, a dar a um fato conhecido uma ‘relevância
jurídica’, a qual não lhe havia dado, em momento pretérito, não será caso de
apreciação de fato novo, mas de pura modificação do critério jurídico adotado no
lançamento anterior, com fulcro no artigo 146, do CTN, (...).
Neste art. 146, do CTN, prevê-se um ‘erro’ de valoração jurídica do fato (o
tal ‘erro de direito’), que impõe a modificação quanto a fato gerador ocorrido
posteriormente à sua ocorrência. Não perca de vista, aliás, que inexiste previsão
de erro de direito, entre as hipóteses do art. 149, como causa permissiva de revisão
de lançamento anterior.” (Eduardo Sabbag, in “Manual de Direito Tributário”, 1ª ed.,
Ed. Saraiva, p. 707).
(...)
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
10. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C,
do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.
(REsp n. 1.130.545-RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em
9.8.2010, DJe 22.2.2011)
Ante a inexistência de dispositivo legal vigente, estabelecendo expressa
proibição de inclusão dos débitos da CPMF em programas de parcelamento
e, em respeito ao princípio da segurança jurídica, deve-se reconhecer estar o
comportamento do Fisco, no caso, vinculado na relação com o contribuinte,
devendo, portanto, especialmente em face as peculiaridades do caso concreto, ser
autorizada a inclusão dos débitos relativos à falta de recolhimento da CPMF no
parcelamento autorizado pela Lei n. 11.491/2009.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial, nos termos
da sentença.
Sem condenação em honorários, por tratar-se originariamente de ação
mandamental.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.385.952-SC (2013/0148682-5)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: Crivitta Diagnostica Ltda
Advogados: Ademir Gilli Junior e outro(s)
Bruna Luiza Gilli
EMENTA
Recurso especial. Processual Civil. Tributário. Ausência de
violação ao art. 535, CPC. Imposto sobre Produtos Industrializados
- IPI. Fato gerador. Incidência sobre os importadores na revenda de
248
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
produtos de procedência estrangeira. Fato gerador autorizado pelo art.
46, II, c.c. 51, parágrafo único do CTN. Sujeição passiva autorizada
pelo art. 51, II, do CTN, c.c. art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964. Previsão
nos arts. 9º, I e 35, II, do RIPI/2010 (Decreto n. 7.212/2010).
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma
suficientemente fundamentada, não estando obrigada a Corte de
Origem a emitir juízo de valor expresso a respeito de todas as teses e
dispositivos legais invocados pelas partes.
1. Seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo único
do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art.
51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964, art. 79, da Medida
Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 - que
def inem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por
inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma
nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento
importador na operação de revenda.
3. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída
dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do
importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n.
4.502/1964, com a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN.
4. Interpretação que não ocasiona a ocorrência de bis
in idem, dupla tributação ou bitributação, porque a lei elenca dois
fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente
da operação de compra de produto industrializado do exterior e a
saída do produto industrializado do estabelecimento importador
equiparado a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação
recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da
empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da
venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira
importadora. Além disso, não onera a cadeia além do razoável, pois
o importador na primeira operação apenas acumula a condição de
contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que
o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito
pela lei nacional brasileira como contribuinte de direito do IPI (os
limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa
importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
249
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do
imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito
(não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas sobre o valor
agregado.
5. Superado o entendimento contrário veiculado no REsp n.
841.269-BA, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em
28.11.2006
6. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado
de julgamento: “A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso,
nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque.”
A Sra. Ministra Eliana Calmon, os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto
Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.
Brasília (DF), 3 de setembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 11.9.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto com fulcro no permissivo do art. 105, III, a, da Constituição Federal
de 1988, contra acórdão que afastou a incidência do IPI na saída de produto
importado do estabelecimento importador (e-STJ fls. 156-160):
Tributário. Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro.
1 - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre
alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço
aduaneiro ou na arrematação em leilão.
250
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
2 - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço
aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando
de sua comercialização quando ausente industrialização, ante a vedação ao
fenômeno da bitributação.
Os embargos de declaração interpostos restaram acolhidos parcialmente
apenas para fins de prequestionamento (e-STJ fls. 184-189).
Alega a recorrente que houve violação ao art. 535, do CPC, e aos arts. 46,
inciso II e o art. 51, parágrafo único, ambos do CTN; os arts. 2º, I e II, 4º, I, 35
e 40 da Lei n. 4.502/1964 e art. 9º, I, do Decreto n. 7.212/2010 - RIPI 2010.
Sustenta que cabe a dupla incidência do IPI, no desembaraço aduaneiro e na
saída da mercadoria do estabelecimento comercial, no escopo de manter uma
igualdade na tributação de bens nacionais e importados. Tratando-se de medida
de harmonização do Sistema Tributário Nacional, de assaz importância para o
desenvolvimento econômico do País (e-STJ fls. 199-232).
Contrarrazões nas e-STJ fls. 279-294.
Recurso regularmente admitido na origem (e-STJ fls. 314-315).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): De início, afasto a
ocorrência da alegada ofensa ao artigo 535, do CPC. É que o Poder Judiciário
não está obrigado a emitir expresso juízo de valor a respeito de todas as teses
e artigos de lei invocados pelas partes, bastando para fundamentar o decidido
fazer uso de argumentação adequada, ainda que não espelhe quaisquer das
linhas de argumentação invocadas.
Devidamente prequestionados os dispositivos legais tidos por violados,
conheço do recurso especial.
Quanto ao mérito, observo que as empresas importadoras objetivam a
declaração de inexistência de relação jurídico-tributária que lhes obrigue a
recolher o Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI quando da revenda
para o mercado nacional das mercadorias que importaram, ao fundamento
de que a incidência do referido tributo somente poderia se dar quando do
desembaraço aduaneiro (importação), pois se tratam de produtos já acabados
e prontos para o consumo, não se justificando uma nova tributação na saída
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
251
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do estabelecimento comercial para os varejistas, já que ali não houve nenhuma
industrialização.
Sobre esses argumentos teço algumas considerações.
Efetivamente, o fato de o nomen juris do tributo ser “Imposto sobre Produtos
Industrializados” não significa que seu fato gerador esteja necessariamente
atrelado a uma imediata operação de industrialização. A este respeito, rememoro
que o IPI, antes da Emenda Constitucional n. 18/1965 e do Decreto-Lei n.
34/1966, denominava-se “Imposto de Consumo”, e assim o era porque seu ônus
econômico era e é suportado pelo consumidor e em suas origens incidia sobre
bens de consumo. O fato de o tributo incidir sobre o produto industrializado
significa somente que é necessário e relevante que essa operação de industrialização
em algum momento tenha ocorrido, pois a circulação que se tributa é de um produto
industrializado, mas não que ela tenha que ocorrer simultaneamente a cada vez que se
realize uma hipótese de incidência do tributo (fato gerador). Por todos, transcrevo as
lições de Ricardo Lobo Torres e Fábio Fanucchi, in verbis:
Tanto que industrializado o produto, aqui ou no estrangeiro, a sua circulação,
seja pela saída econômico-jurídica do estabelecimento industrial, seja pela
arrematação em leilão, seja pelo desembaraço aduaneiro, constitui fato gerador
do IPI (TORRES, R. L. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol.
IV - Os tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 174).
O fato gerador do tributo é instantâneo (...). Cada desembaraço aduaneiro,
cada saída de produto de estabelecimento contribuinte e cada produto
arrematado em leilão, faz nascer uma obrigação tributária distinta (FANUCCHI,
F. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: IBET/Resenha Tributária,
1986. vol. II, p. 129).
À toda evidência, quando se está a falar da importação de produtos, a
primeira incidência do IPI encontra guarida no art. 46, I, do CTN, que assim
define o fato gerador:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados
tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
[...]
Veja-se que para essa hipótese de incidência não há a necessidade
de operação de industrialização imediatamente associada ao desembaraço
252
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
aduaneiro. Até porque o produto pode ser adquirido do exterior depois de
ter trafegado pelas mãos de vários intermediários, sejam ou não industriais
produtores. O que importa aqui é que em algum momento tenha havido a
industrialização (produto industrializado) e não que ela ocorra imediatamente
antes da operação que leva ao desembaraço.
Essa mesma lógica subsiste quando se tributa “o comerciante de produtos
sujeitos ao imposto, que os fornece a estabelecimento industrial ou equiparado a
industrial”, ou “o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados”, pois nesses
dois casos também não há atividade de industrialização desenvolvida pelos
contribuintes. Transcrevo:
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
[...]
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos
contribuintes definidos no inciso anterior;
IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a
leilão.
[...]
Não foge a esta linha a segunda incidência do tributo sobre o importador, no
momento em que promove a saída do produto do seu estabelecimento a título
de revenda, veja-se:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados
tem como fato gerador:
[...]
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
[...]
Art. 51. [...]
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte
autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou
arrematante.
Ora, muito embora existam respeitadas posições com contrário, tudo isso
demonstra que a tese de que somente é contribuinte do IPI quem participa
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
253
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do processo de industrialização, ou de que cada incidência do IPI deve estar
atrelada a uma nova operação de industrialização específica é, com todo o
respeito, completamente descabida, sob o ponto de vista infraconstitucional, que
limita o exame da matéria por esta Corte.
O problema então merece outra abordagem.
O certo é que, na letra da Lei n. 4.502/1964, o “Imposto de Consumo”
tinha duas hipóteses de incidência clássicas a depender de onde se dava a
produção do bem industrializado:
• Se ocorrida a produção no exterior, o fato gerador era o desembaraço
aduaneiro (art. 2º, I, da Lei n. 4.502/1964);
• Se ocorrida a produção no Brasil, o fato gerador era a saída do
estabelecimento produtor (art. 2º, II, da Lei n. 4.502/1964).
Tal levava a crer que se a produção fosse no exterior não se dava o fato
gerador na saída do estabelecimento produtor, pois não se podia compor uma
norma de incidência cruzada. Transcrevo a Lei n. 4.502/1964, in litteris:
Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto:
I - quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço
aduaneiro;
II - quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento
produtor.
[...]
Com o advento do IPI na Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional
- CTN, essa discriminação tomou novos contornos, pois não foi repetida a regra
contida no art. 2º, II, da Lei n. 4.502/1964 que limitou o critério temporal “saída”
apenas para os produtos de produção nacional. Sendo assim, a lei permitiu que também
os produtos de procedência estrangeira estejam sujeitos novamente ao fato gerador do
imposto quando da saída do estabelecimento produtor ou equiparado. Veja-se:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados
tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do
artigo 51;
254
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado
o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a
natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
[...]
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
[...]
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte
autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou
arrematante.
De ver que essa autorização é perfeitamente compatível com o art. 4º, I, da
Lei n. 4.502/1964, que equipara os importadores a estabelecimento produtor,
isto porque o próprio art. 51, II, do CTN, admitiu a equiparação. Transcrevo os
dois dispositivos:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
[...]
Lei n. 4.502/1964
Art. 4º Equiparam-se a estabelecimento produtor, para todos os efeitos desta Lei:
I - os importadores e os arrematantes de produtos de procedência estrangeira;
[...]
Outrossim, legislação mais recente estabeleceu a referida equiparação entre
estabelecimento industrial e os estabelecimentos atacadistas ou varejistas que
adquirem produtos de procedência estrangeira. A saber:
Medida Provisória n. 2.158-35, de 2001
Art. 79. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos,
atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira,
importados por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica
importadora.
Lei n. 11.281/2006
Art. 13. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos,
atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira,
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
255
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa
jurídica importadora.
Desta forma, seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo
único do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art.
51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964, art. 79, da Medida Provisória
n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 - que definem a sujeição
passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos
importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do
estabelecimento importador na operação de revenda.
Interpretando esse conjunto de dispositivos legais, o atual Regulamento do
Imposto sobre Produtos Industrializados - RIPI/2010 (Decreto n. 7.212/2010),
assim estabeleceu:
Estabelecimentos Equiparados a Industrial
Art. 9º Equiparam-se a estabelecimento industrial:
I - os estabelecimentos importadores de produtos de procedência
estrangeira, que derem saída a esses produtos (Lei n. 4.502, de 1964, art. 4º,
inciso I);
[...]
Hipóteses de Ocorrência
Art. 35. Fato gerador do imposto é (Lei n. 4.502, de 1964, art. 2º):
[...]
II - a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a
industrial.
[...]
Desse modo, não vejo qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída
dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador,
já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964, art. 79, da
Medida Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006, tudo com
a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN.
Também observo que essa incidência do IPI:
a) não se caracteriza como bis in idem, dupla tributação ou bitributação, isto
porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro
proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e
a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado
256
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de
compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda
tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da
empresa brasileira importadora;
b) não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira
operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão
da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não
pode ser eleito pela lei nacional brasileira como contribuinte do IPI (os limites
da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional
brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para
ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como
contribuinte de direito (não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas
sobre o valor agregado.
Nessa linha, data vênia, considero equivocado o precedente firmado por esta
Primeira Turma no REsp n. 841.269-BA, Rel. Min. Francisco Falcão, in verbis:
Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro.
I - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre
alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço
aduaneiro ou na arrematação em leilão.
II - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço
aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de
sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.
III - Recurso especial provido (REsp n. 841.269-BA, Primeira Turma, Rel. Min.
Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006).
No precedente criticado, considerou o Relator Min. Francisco Falcão
que a indicação constante da parte final do inciso II do artigo 46 do CTN
(“saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51”) não
atingiria a hipótese descrita no inciso I, específica para o produto de procedência
estrangeira. Essa linha de pensar encontra guarida em notáveis doutrinadores,
tendo inclusive Aliomar Baleeiro (in BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário
brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 343) considerado que o art.
46, II, do CTN, cometeu “falha técnica” ao invocar o parágrafo único do art. 51
do mesmo diploma.
No entanto, não é possível superar a letra da lei invocando mera
impropriedade técnica e, como já o vimos, a linha de argumentação que impedia
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
257
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a nova incidência para produtos provenientes do exterior somente fazia sentido
durante a vigência da Lei n. 4.502/1964, que vinculava a hipótese de incidência
ao local de produção do bem. Essa argumentação foi, portanto, superada pelo
advento do CTN e pela legislação posterior (art. 79, da Medida Provisória n.
2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006).
Quanto ao argumento da bitributação também utilizado naquele acórdão,
também já ressaltamos que não ocorre dada a duplicidade de fatos geradores.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao presente recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.409.527-RJ (2013/0288479-1)
Relator: Ministro Humberto Martins
Recorrente: Dilma Costa da Rocha Silva
Advogado: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Recorrido: Estado do Rio de Janeiro
Procurador: Camila Pezzino Balaniuc Dantas e outro(s)
EMENTA
Administrativo. Processual Civil. Direito à saúde. Tratamento
médico-hospitalar em rede particular. Pedido subsidiário na falta de
leito na rede pública. Garantia de efetividade da tutela judicial.
1. Não há violação ao art. 535 do CPC quando a prestação
jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida e a decisão está
suficientemente fundamentada.
2. O direito à saúde, como consectário da dignidade da pessoa
humana, deve perpassar todo o ordenamento jurídico pátrio, como
fonte e objetivo a ser alcançado através de políticas públicas capazes
de atender a todos, em suas necessidades básicas, cabendo, portanto,
ao Estado, oferecer os meios necessários para a sua garantia.
258
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
3. Um vez reconhecido, pelas instâncias ordinárias, o direito a
tratamento médico-hospitalar na rede pública de saúde, o resultado
prático da decisão deve ser assegurado, nos termos do artigo 461, §
5º, do CPC, com a possibilidade de internação na rede particular de
saúde, subsidiariamente, na hipótese de lhe ser negada a assistência
por falta de vagas na rede hospitalar do SUS.
Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça
“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto
do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og
Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Eliana Calmon votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 8 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 18.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial
interposto por Dilma Costa da Rocha Silva, com fundamento no art. 105, III,
a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, cuja ementa guarda os seguintes termos (fl. 100, e-STJ):
Ação de Obrigação de Fazer. Pretensão deduzida pela autora para que o ERJ
a remova em UTI móvel para hospital público de grande porte, para a realização
de determinados procedimentos médico-hospitalares. Alternativamente, seja ela
transferida para hospital particular às expensas do poder público. Antecipação de
tutela então deferida e cumprida, com a internação da autora em hospital público
adequado. Sentença de procedência que se prestigia. Recurso em que insiste na
tese da internação em hospital particular. Desprovimento do recurso.
Rejeitados os embargos de declaração (fls. 113-116, e-STJ).
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
259
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No presente recurso especial, a recorrente alega, preliminarmente, ofensa ao
art. 535, II, do CPC, porquanto, apesar da oposição dos embargos de declaração,
o Tribunal de origem não se pronunciou sobre pontos necessários ao deslinde da
controvérsia.
Aduz, no mérito, que o acórdão estadual contrariou as disposições contidas
no artigo 461, § 5º do CPC, uma vez que, “em se tratando de demanda de obrigação
de fazer, nada obsta que o Magistrado, diante da impossibilidade de deferimento
da tutela específica, que, no caso em tela, consiste na internação da Recorrente em
nosocômio da rede pública, possa tomar medidas que assegurem resultado prático
equivalente, na espécie, a internação em hospital da rede particular às expensas do
Erário.” (fl. 125, e-STJ)
Oferecidas contrarrazões ao recurso especial (fls. 140-146, e-STJ),
sobreveio o juízo de admissibilidade negativo na instância de origem (fls. 163168, e-STJ), o que ensejou a interposição de agravo.
Apresentada contraminuta ao agravo (fls. 187-196, e-STJ).
Este Relator houve por bem dar provimento ao agravo de instrumento
para determinar a conversão dos autos em recurso especial (fls. 214-215,
e-STJ).
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):
DA VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC
Inicialmente, observo não haver a alegada violação do art. 535 do CPC,
pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se
depreende da análise do acórdão recorrido que manteve a sentença monocrática,
incorporando as razões de decidir como sua fundamentação.
Transcrevo os trechos pertinentes para melhor elucidar a questão, (fls. 52,
e-STJ), verbis:
Verifico que o documento de fls. 11 demonstra a imprescindibilidade da
transferência da autora para Unidade de Terapia Intensiva - UTI de hospital.
260
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Sobre o tema devem ser observados os comentários de Paulo César Pinheiro
Carneiro, em parecer recursal, preferido na Apelação Cível n. 1.069/95, em que era
apelante o Município de Petrópolis.
(...) 3 - No caso em exame, a questão de direito à saúde está relacionada
com a garantia constitucional do direito à vida (artigo 5º, caput), eis que a
apelada possui doença em estado avançado, necessitando do medicamento
postulado para o fim de manter-se com vida.
4 - Nesta linha, a esta altura, é absolutamente fantástica, até esotérica
a discussão sobre ser ou não programática, ser ou não aplicável a norma
do artigo 196 da Constituição Federal até que legislação própria venha
a regular os contornos e os limites da obrigação do Estado em garantir a
saúde (...)
O art. 196 da CRFB/1988 dispõe:
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O art. 269 da CERJ dispõe:
Art. 269 - A assistência farmacêutica faz parte da assistência social
global à saúde, as ações a ela correspondente devem ser integradas ao
sistema único de saúde, garantido-se o direito de toda população aos
medicamentos básicos que contém de lista padronizada dos que sejam
considerados essenciais.
Entendo incabível toda e qualquer discussão acerca da eficácia das normas
acima referidas diante do parágrafo 1º, art. 5º, da CR, porque como trazem elas
direitos e garantias fundamentais, têm aplicação imediata, nos exatos termos do
art. 5º, parágrafo 1º, sendo, portanto, auto-aplicável o art. 196 da CR.
A Lei n. 8.080/1990, que regula o Sistema Único de Saúde, garante também o
direito à assistência médica e farmacêutica integral e determina a solidariedade
entre a União, os Estados e os Municípios.
Quanto ao pedido de manutenção e custeio do tratamento médico realizado
em instituição particular não assiste razão à autora, uma vez que o dever da
Administração Pública, nos termos do art. 196, da CF, é prestar assistência médica
em suas unidades, ou seja, em estabelecimento público (pertencente ao SUS) e não
efetivar pagamento por tratamento realizado fora de suas dependências.
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
261
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na verdade, a questão não foi decidida conforme objetivava a recorrente,
uma vez que foi aplicado entendimento diverso. É sabido que que o juiz não
fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se
aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus
argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão,
o que de fato ocorreu.
Ressalte-se, ainda, que cabe ao magistrado decidir a questão de acordo
com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência,
aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso
concreto.
Nessa linha de raciocínio, o disposto no art. 131 do Código de Processo Civil:
Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas
deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.
Em suma, nos termos de jurisprudência do STJ, “o magistrado não é obrigado
a responder todas as alegações das partes se já tiver encontrado motivo suficiente para
fundamentar a decisão, nem é obrigado a ater-se aos fundamentos por elas indicados”.
(REsp n. 684.311-RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
4.4.2006, DJ 18.4.2006, p. 191), como ocorreu na hipótese ora em apreço.
Nesse sentido, ainda, os precedentes: AgRg no AREsp n. 281.621-RJ, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 19.3.2013,
DJe 3.4.2013; AgRg nos EDcl no REsp n. 1.353.405-SP, Rel. Ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 2.4.2013, DJe 5.4.2013; AgRg no
REsp n. 1.296.089-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
julgado em 21.3.2013, DJe 3.4.2013.
DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 461, § 5º, DO CPC
Cinge a discussão, nesta instância, da possibilidade de assegurar,
subsidiariamente, o tratamento médico-hospitalar em rede particular de saúde,
na hipótese de não haver leitos disponíveis na rede pública.
Não é o caso de verificar, aqui, se há ou não leitos disponíveis, o que
ensejaria o reexame de fatos e provas, mas saber se a medida judicial pleiteada/
deferida - tratamento médico - estará assegurada no caso de superlotação da
rede pública de saúde, o que ocorre com frequência, em muitos casos.
262
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
A instância a quo, sobre o ponto, decidiu por afastar a possibilidade de
internação em rede particular, sob o argumento de que a assistência médica do
SUS é prestada por suas unidades, ou seja, na rede pública.
Contudo, ante a natureza do direito constitucional assegurado à autora,
qual seja, a dignidade de sua vida, deve perpassar todo o ordenamento jurídico
pátrio, como fonte e objetivo a ser alcançado através de políticas públicas
capazes de atender a todos, em suas necessidades básicas, como o direito à saúde.
A recorrente, na inicial, formulou pedido no sentido de receber assistência
médica-hospitalar na rede pública, e apenas na hipótese de lhe ser negada a
assistência, por falta de vagas, que lhe seja assegurado o tratamento na rede
particular de saúde.
O que é subsidiário não é o pedido, é a eventualidade dos fatos na execução
da sentença. O segundo pedido (internação na rede particular de saúde) não
foi deduzido para o caso de improcedência do primeiro (internação na rede
pública), mas de impossibilidade material de seu cumprimento, por ausência de
leitos – circunstância que não é absolutamente inverossímil, e que, aliás, motivou
o próprio ajuizamento do feito.
Cuida-se de um só pedido, que deve conter não só o prestígio da efetividade
da tutela judicial, mas também da segurança jurídica - preceito aplicável na
hipótese de frustração do primeiro pleito (por impossibilidade física), tudo no
espírito de assegurar o “resultado prático equivalente ao do adimplemento” (art.
461, caput, do CPC).
Outrossim, a própria Lei n. 8.080/1990, que rege o SUS, faz referência à
prestação suplementar na rede particular, em caso de carência de serviço na rede
pública de saúde.
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a
cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de
Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Os artigos 196 e 198 da CF/1988 asseguram a todos ações e serviços
gratuitos por partes dos entes federados aos que deles precisarem, na medida de
sua necessidade, como o direito à saúde, não obstante tenha a parte ou não plano
ou seguro-saúde.
Ademais, “a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante,
não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014
263
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente
ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando
esta é fruto das escolhas do administrador” (REsp n. 1.185.474-SC, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20.4.2010, DJe 29.4.2010).
Nesse sentido já se manifestou esta Corte Superior:
Processual Civil e Administrativo. Omissão. Não ocorrência. Internação
hospitalar por orientação médica em UTI. Dever do Estado.
(...).
2. Não viola legislação federal a decisão judicial que impõe ao Estado o dever de
garantir a internação em UTI conforme orientação médica e, inexistindo vaga na rede
pública, arcar com os custos da internação em hospital privado.
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 36.394-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 28.2.2012, DJe 12.4.2012.)
Processual Civil. Ação de obrigação de fazer. Internação em UTI na rede
privada. Óbito superveniente do autor. Possibilidade de habilitação dos herdeiros
para pleitear pagamento do tratamento pelo Estado. Violação do art. 535 do CPC.
Inocorrência. Violação do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.080/1990. Súmula n. 282-STF.
(...)
3. A saúde é direito assegurado a todos pela Constituição Federal de 1988,
cabendo ao Estado oferecer os meios necessários para a sua garantia.
4. Mostra-se legítima a pretensão dos herdeiros de conseguir a sua habilitação
no feito, a fim de pleitear o pagamento do tratamento do falecido.
5. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte não provido.
(REsp n. 1.198.486-DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
19.8.2010, DJe 30.8.2010)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para assegurar o
tratamento médico-hospitalar da recorrente na rede privada de saúde,
subsidiariamente, na hipótese de não haver leitos disponíveis na rede pública do
SUS.
É como penso. É como voto.
264
Segunda Seção
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.185.260-GO
(2011/0118330-6)
Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira
Embargante: Bunge Fertilizantes S/A
Advogado: Sérgio Machado Terra e outro(s)
Embargado: Odilson Abadio de Resende e outro
Advogados: Guilherme Pimenta da Veiga Neves
Araken de Assis e outro(s)
EMENTA
Embargos de divergência. Astreinte. Valor. Ausência de similitude
fática. Exame da alegada divergência. Impossibilidade. Reavaliação do
valor. Inadmissibilidade.
1. “Para o conhecimento dos embargos de divergência, cumpre
ao recorrente demonstrar que os arestos confrontados partiram de
similar contexto fático para atribuir soluções jurídicas dissonantes”
(AgRg nos EAREsp n. 260.190-RS, Rel. Min. Castro Meira, Corte
Especial, DJe 19.8.2013).
2. No caso, a embargante não logrou demonstrar a similitude
fática entre os arestos confrontados, que arbitraram o valor da multa
cominatória de acordo com as peculiaridades fáticas de cada caso
concreto.
3. Embargos de divergência não conhecidos.
ACÓRDÃO
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva acompanhando o Sr. Ministro Relator, a Seção, por
unanimidade, não conheceu dos embargos de divergência, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (votovista), Marco Buzzi, Nancy Andrighi, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino
e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Sidnei Beneti.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 27 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator
DJe 12.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se de embargos de
divergência (e-STJ fls. 2.096-2.130) interpostos contra acórdão proferido em
recurso especial pela eg. Terceira Turma desta Corte, de relatoria da eminente
Ministra Nancy Andrighi, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 1.927):
Processo Civil. Recurso especial. Astreinte. Valor insuficiente. Liminar obtida.
Exigibilidade do título executivo suspensa. Obrigação de não fazer. Inclusão do
nome do devedor em cadastro restritivo de crédito. Ajuizamento de ação de
execução com fundamento em contrato de confissão de dívida. Exigibilidade
suspensa. Negativação no Serasa. Consequência direta do ajuizamento
da execução. Descaso do devedor. Descumprimento que persiste. Grande
capacidade econômica do executado. Pedido de majoração. Deferimento. Multa
cominatória majorada.
1. A negativação do nome do devedor em cadastro restritivo de crédito como
consequência direta do ajuizamento de ação de execução lastreada em contrato
de confissão de dívida, configura descumprimento de ordem judicial exarada
em decisão que deferiu pedido liminar para suspender a exigibilidade do título
executivo extrajudicial e determinar uma obrigação de não fazer, consistente no
impedimento à exequente de lançar o nome do autor em cadastros negativos.
2. Sendo o descaso do devedor o único obstáculo ao cumprimento
da determinação judicial para o qual havia a incidência de multa diária e
considerando-se que ainda persiste o descumprimento da ordem, justifica-se a
majoração do valor das astreintes.
3. A astreinte deve, em consonância com as peculiaridades de cada caso, ser
elevada o suficiente a inibir o devedor – que intenciona descumprir a obrigação
– e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a
respectiva pena pecuniária. Por outro lado, não pode o valor da multa implicar
enriquecimento injusto do devedor. Precedentes.
4. Na hipótese de se dirigir a devedor de grande capacidade econômica o valor
da multa cominatória há de ser naturalmente elevado, para que se torne efetiva a
coerção indireta ao cumprimento sem delongas da decisão judicial. Precedentes.
268
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
5. Recurso especial provido, para majorar a multa cominatória ao importe de R$
7.000,00 (sete mil reais) por dia de descumprimento, sem prejuízo das atualizações
legalmente permitidas, adotando como termo inicial, da mesma forma como fez
o Tribunal de origem, a data da intimação pessoal do representante legal da
recorrida, qual seja, 28 de julho de 2006, de modo que, até o presente momento,
resultam aproximadamente 49 meses de descumprimento.
Os embargos de declaração opostos por ambas as partes foram julgados,
consoante a seguinte ementa (e-STJ fl. 2.014):
Processo Civil. Embargos de declaração no recurso especial. Irresignação
da parte. Efeitos infringentes. Impossibilidade. Omissão. Correção monetária.
Ocorrência. Demais omissões apontadas. Não existentes.
1. A atribuição de efeitos modificativos aos embargos declaratórios é possível
apenas em situações excepcionais, em que sanada a omissão, contradição ou
obscuridade, a alteração da decisão surja como conseqüência lógica e necessária.
2. No art. 535 do CPC inexiste previsão, quer para reabertura do debate, quer
para análise de questões não abordadas nos acórdãos recorridos, notadamente
quando fundados os embargos de declaração no mero inconformismo da parte.
3. A contradição que dá ensejo a embargos de declaração é a que se estabelece
no âmbito interno do julgado embargado.
4. A correção monetária deve incidir desde a data do arbitramento (Súmula n.
362-STJ).
6. Embargos de declaração interposto pelo segundo embargante rejeitado
e embargos de declaração interpostos pelo primeiro embargante parcialmente
acolhido tão somente para consignar que a correção monetária incide desde a
data do arbitramento.
Foram opostos novos embargos declaratórios por ambas as partes,
rejeitados, com aplicação de multa (e-STJ fl. 2.085):
Processo Civil. Embargos de declaração no recurso especial. Irresignação
da parte. Efeitos infringentes. Impossibilidade. Documentos novos. Juntada.
Impossibilidade.
1. A atribuição de efeitos modificativos aos embargos declaratórios é possível
apenas em situações excepcionais, em que sanada a omissão, contradição ou
obscuridade, a alteração da decisão surja como conseqüência lógica e necessária.
2. No art. 535 do CPC inexiste previsão, quer para reabertura do debate, quer
para análise de questões não abordadas nos acórdãos recorridos, notadamente
quando fundados os embargos de declaração no mero inconformismo da parte.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
269
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. A contradição que dá ensejo a embargos de declaração é a que se estabelece
no âmbito interno do julgado embargado.
4. É irrelevante a natureza da multa cominatória para fins de determinação
do dies a quo de sua incidência. A aplicação como termo inicial de incidência
da correção monetária para as astreintes como sendo o mesmo utilizado para
as hipóteses de compensação por dano moral, qual seja, a data da fixação da
quantia devida, fundamenta-se, em ambas as hipóteses, no fato de ser nesse
momento que o julgador leva em consideração a expressão atual de valor da
moeda, diferentemente das hipóteses em que o quantum já era certo quando
do fato danoso (Súmula n. 43-STJ) 5. Os arts. 397 do CPC e 141, II, do RISTJ não
autorizam pedido de análise de novas provas, juntadas apenas com o recurso
especial e mesmo posteriormente a este. Tal providência não encontra abrigo
dentro das peculiaridades dos recursos de índole extraordinária, porque mesmo
as provas e contratos já examinados pelas outras instâncias não podem ser
valorados pelo STJ.
6. Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa.
A embargante busca comprovar a divergência invocando como paradigma
precedente da eg. Quarta Turma proferido no julgamento do Agravo Regimental
no Agravo de Instrumento n. 1.133.970-SC, de relatoria do eminente Ministro
Luis Felipe Salomão, assim ementado:
Agravo regimental. Processual Civil. Impossibilidade da retenção do recurso
especial, por não se tratar de uma das hipóteses previstas no artigo 542, § 3º, do CPC.
As astreintes não têm o fito de reparar os danos ocasionados pela recalcitrância,
no que tange ao cumprimento de decisão judicial, mas sim o de compelir o
jurisdicionado- sem, com isso, acarretar enriquecimento sem causa para a parte
beneficiada pela ordem- a cumprir a ordem da autoridade judiciária. Redução do
cômputo total das astreintes, visto que mostra-se flagrantemente exorbitante- o que
não implica em afronta à coisa julgada ou frustração do objetivo da medida. Agravo
improvido.
(AgRg no Ag n. 1.133.970-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 2.12.2010, DJe 9.12.2010).
Na origem, os ora recorridos ajuizaram ação revisional de contrato na
qual foi deferida antecipação de tutela “para suspender a exigibilidade do
instrumento particular de confissão e prorrogação de dívida (...) e vedar o
assentamento dos nomes dos autores em central de restrições ao crédito (Serasa,
SPC ou similares), até julgamento final; sob pena de multa diária de 2% do valor
do contratado e revisado” (e-STJ fls. 1.929-1.930).
270
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Nada obstante a determinação judicial, a ora embargante ajuizou ação de
execução de título extrajudicial embasado no contrato objeto da ação revisional.
Tal execução foi extinta por sentença, por inexigibilidade do título executivo,
tendo a Bunge Fertilizantes S.A. recorrido dessa decisão, sem êxito, tanto no
Tribunal local quanto no STJ.
Em 23.7.2009, os ora embargados ajuizaram execução objetivando cobrar
a multa cominatória, no valor de R$ 293.201.402,80, pelo descumprimento da
decisão judicial.
O TJGO deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto pela
Bunge Fertilizantes S.A. para reduzir o valor da multa para R$ 12.000,00 (doze
mil reais) por mês de descumprimento.
Contra tal decisão, Odilson Abadio de Resende e Outra interpuseram recurso
especial para restabelecer a multa anteriormente arbitrada. O recurso especial
foi parcialmente provido pela eg. Terceira Turma para fixar a astreinte em R$
7.000,00 (sete mil reais) por dia de descumprimento, nos termos da ementa
acima transcrita.
Nas razões dos presentes embargos de divergência, a embargante
argumenta que o fundamento principal do acórdão recorrido seria a suposta
recalcitrância em cumprir a tutela antecipada. Alega que referida desobediência
não existiu, visto que a negativação durou apenas treze dias e que o ajuizamento
de execução não poderia significar descumprimento de ordem judicial (nesse
ponto, argumenta que a ação de execução teria sido proposta antes de sua
citação da ação revisional de contrato).
A embargante aponta divergência entre as duas Turmas integrantes da
Segunda Seção, nos seguintes termos (e-STJ fls. 2.102-2.103):
A discussão central travada no acórdão recorrido diz respeito à adequada
fixação da multa diária, quando se constata que esta atingiu valor elevado em
razão do descaso do credor, sem que houvesse qualquer dificuldade para o
cumprimento da obrigação de fazer.
De acordo com o entendimento esposado pela E. 3ª Turma, essa circunstância
permite a majoração da astreinte - até mesmo para valor superior ao da obrigação
principal -, pois do contrário esse instituto teria sua eficácia reduzida.
Em sentido divergente, a E. 4ª Turma, no acórdão paradigma (cópia anexa
extraída do site do Superior Tribunal de Justiça, ora declarada autêntica pelos
advogados da embargante, como autorizado pelo artigo 255, § 1º, a, do RISTJ),
decidiu que a majoração da astreinte não constitui medida adequada para punir
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
271
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a recalcitrância do devedor, diante (i) da existência de outros meios mais eficazes
para levar à efetivação da obrigação de fazer e (ii) da impossibilidade de que a
multa se converta em fonte de enriquecimento sem causa.
As premissas fáticas de ambos os casos são idênticas: tratava-se de hipóteses
de discussão sobre o valor de multa cominatória fixada em decisão judicial que
impôs obrigação de fazer, tendo o devedor descumprido por longo tempo a
determinação, gerando a inscrição da parte contrária em registros de proteção
aos credores.
Argumenta existir dissídio entre as duas Turmas quanto à função da multa
cominatória diante de resistência do devedor em cumprir determinação judicial
(e-STJ fl. 2.109):
O acórdão recorrido sustenta que a punição pela recalcitrância se dá pela
majoração da multa, medida imprescindível para que o instituto cumpra sua
função coercitiva. Em sentido oposto, o acórdão paradigma observa que a censura
à resistência ao cumprimento da decisão judicial não se dá pela majoração do
valor pecuniário da multa cominatória, pois, quando esse valor se torna excessivo,
desvirtua-se a própria finalidade do instituto.
Aponta “enorme discrepância” entre o valor da multa cominatória fixada no
acórdão recorrido e no paradigma.
Assevera que a astreinte deve guardar proporção com a obrigação principal
e com a capacidade econômica do credor, não podendo servir de fundamento
para o enriquecimento sem causa.
O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento dos embargos
de divergência e, caso admitidos, pelo desprovimento do recurso (e-STJ fls.
2.199-2.205).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): Com o julgamento
de diversos casos referentes ao exame do arbitramento da multa cominatória,
consolidou-se neste Tribunal o entendimento segundo o qual a astreinte
deve observar o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade e atender,
ao mesmo tempo, o objetivo de compelir o devedor a cumprir a obrigação
específica, sem, contudo, dar ensejo ao enriquecimento sem causa do credor.
272
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Nesse sentido, entre os inúmeros julgados, cito, a título de exemplo, os
seguintes:
Agravo regimental no agravo em recurso especial. Cumprimento de sentença.
Multa diária. Redução do valor total executado a título de astreintes.
1. É firme a compreensão desta Corte Superior de Justiça de que a multa
prevista no art. 461 do Código de Processo Civil não faz coisa julgada material
e pode ser revista a qualquer tempo, quando se modificar a situação em que foi
cominada.
2. Em situações excepcionais, como no presente caso, a jurisprudência desta
Corte admite a redução da multa diária cominatória tanto para se atender ao
princípio da proporcionalidade quanto para se evitar o enriquecimento ilícito.
Precedentes.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 273.583-RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 3.9.2013, DJe 12.9.2013).
Recurso especial. Processual Civil. Civil. Consumidor. Seguro de vida em
grupo e acidentes pessoais coletivos. Prazo determinado. Alteração de cláusula
contratual. Ausência de anuência dos segurados. Manutenção da avença até o fim
de sua vigência. Danos materiais. Restituição de valor pago a maior. Fixação das
astreintes na instância ordinária. Afastamento. Teratologia. Recurso parcialmente
provido.
(...)
3. A fixação de multa diária por descumprimento de decisão judicial deve
basear-se nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, objetivando
apenas desestimular a recalcitrância injustificada do réu no adimplemento da
determinação do juízo, sem se converter em meio de enriquecimento sem causa
do autor. Mostra- se teratológica, no ponto, a decisão judicial que fixa as astreintes
em valor claramente exagerado.
4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 1.105.834-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em
20.6.2013, DJe 22.8.2013).
Processual Civil e Previdenciário. Agravos regimentais no recurso especial.
Descumprimento de determinação judicial. Fixação de “astreintes”. Valor
irrisório. Aumento do valor da multa em sede de recurso especial. Possibilidade.
Afastamento da Súmula n. 7-STJ. Princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Ausência de demonstração do desacerto da decisão agravada.
Agravos regimentais a que se nega provimento.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
273
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, em sede de recurso especial,
só é possível afastar o óbice da Súmula n. 7-STJ e admitir a revisão do valor da
multa diária pelo descumprimento de decisão judicial (“astreintes”), quando ele
se mostrar irrisório ou exorbitante, em ofensa aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade.
2. O valor da multa diária mantido pelo TRF da 5ª Região em R$ 25, 00 (vinte
e cinco reais) por dia de descumprimento da ordem judicial de averbação do
tempo de serviço do autor, mostrou-se irrisório diante do objetivo visado pelo
autor (obtenção de benefício previdenciário) e do tempo que o INSS demorou
para cumprir a obrigação (mais de três anos), possibilitando afastar a Súmula n.
7-STJ para revisar o valor arbitrado a título de “astreintes”.
3. A fixação de multa diária pelo descumprimento de determinação judicial
(“astreintes”) deve basear-se nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade,
e tem como objetivo desestimular a inércia injustificada do sujeito passivo
em cumprir a determinação do juízo, mas sem se converter em meio de
enriquecimento sem causa do autor.
4. Agravos regimentais a que se nega provimento.
(AgRg no AgRg no REsp n. 1.014.737-SE, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira
(Desembargadora convocada do TJ-PE), Sexta Turma, julgado em 25.9.2012, DJe
3.12.2012)
Agravo regimental e embargos de declaração no recurso especial. Civil e
Processo Civil. Medida cautelar. Inscrição indevida. Descumprimento de
determinação judicial para proceder na baixa do apontamento do nome da parte
nos órgãos de proteção ao crédito. Multa. Exagero. Razoabilidade. Redução.
(...)
3. Possível a imposição de multa diária para o caso de descumprimento de
decisão judicial que determina a exclusão do nome do devedor dos cadastros
restritivos de crédito. Precedentes.
6. Possível também a redução do valor das astreintes, quando se verificar que
foram estabelecidas de forma desproporcional, podendo gerar enriquecimento
sem causa.
4. Recursos desprovidos.
(AgRg no REsp n. 1.183.252-MT, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
Terceira Turma, julgado em 14.8.2012, DJe 20.8.2012).
As lições doutrinárias seguem essa mesma linha:
A multa tem caráter coercitivo. Nem é indenizatória, nem é punitiva. Isso
significa que o seu valor reverterá à parte adversária, mas não a título de perdas e
274
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
danos. O seu valor pode, por isso mesmo, cumular-se às perdas e danos (art. 461,
§ 2º, CPC). A multa tem caráter acessório: ela existe para coagir, para convencer
o devedor a cumprir a prestação. Justamente por isso, não pode ser irrisória,
devendo ser fixada num valor tal que possa gerar no íntimo do devedor o temor
do descumprimento. (...)
Embora não exista, a princípio, um limite máximo para a multa, é possível que,
no caso concreto, quando a medida se mostrar desproporcional em relação ao
bem da vida que com ela se pretende resguardar, o seu montante seja adequado
a parâmetros razoáveis. Cabe, pois, ao magistrado esse controle (Fredie Didier Jr.,
Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira,
Curso de Direito Processual Civil, volume 5, Editora JusPodvm, 2013, Salvador, p.
460).
Apesar da concordância quanto a referidos parâmetros, a aplicação prática
de tais requisitos pelas duas Turmas que compõem a Seção de Direito Privado
do STJ, em algumas ocasiões, levou a resultados distintos, mormente quando a
multa alcança valores elevados.
Tal diferença foi bem observada pelo eminente Ministro Luis Felipe
Salomão em seu voto no REsp n. 1.006.473-PR:
É de se notar que os valores a serem ponderados pelo magistrado, por ocasião
do arbitramento da multa, são essencialmente dois: a) efetividade da tutela
prestada - para cuja realização as astreintes devem ser suficientemente persuasivas
-, e b) vedação ao enriquecimento sem causa do beneficiário, porquanto a multa,
como dito alhures, não é em si um bem jurídico perseguido em juízo.
Porém, mercê da lacunosa legislação acerca das astreintes, a jurisprudência, em
não raras vezes, tem chegado a soluções que, em alguma medida, desvirtuam o
propósito desse benfazejo instrumento processual.
É que na aplicação do direito na prática forense, ora sobressai o valor
“efetividade da tutela judicial”, ora sobressai a “vedação ao enriquecimento sem
causa”.
De modo a se obter o aperfeiçoamento do primeiro valor (efetividade) no caso
concreto, por vezes o devedor recalcitrante é obrigado a pagar multa em patamar
que supera em muito o interesse econômico principal perseguido em juízo. Por
outro lado, para a adequação do segundo valor (vedação ao enriquecimento sem
causa), frequentemente a multa é reduzida consideravelmente, muito embora
na contramão da conduta inerte do devedor, que não cumpriu a decisão e ainda
assim consegue suavizar a reprimenda que lhe foi outrora imposta.
Parece ser essa a dualidade para qual pendem as Turmas de Direito Privado do
STJ.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
275
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A Quarta Turma, em obséquio ao princípio que veda o enriquecimento sem
causa, costuma reduzir o valor das astreintes a patamares mais módicos do que os
geralmente praticados no âmbito da Terceira Turma, à vista da predileção desta
última à exacerbação da multa cominatória.
A meu ver, a dissensão decorre da notória dificuldade de compatibilizar
dois valores muitas vezes inconciliáveis, a saber, o da efetividade da tutela, de um
lado, com o da vedação do enriquecimento sem causa, de outro. Assim, para a
resolução de caso concreto, considerando todo um elenco de circunstâncias que
lhe são particulares, o órgão julgador acaba por eleger, com preponderância, um
ou outro parâmetro, acarretando a divergência observada.
Ademais, quando o valor da astreinte chega a patamares considerados
astronômicos, quase sempre temos, ao mesmo tempo, a presença de uma
acintosa inércia do devedor em cumprir a decisão judicial e a voluntária omissão
do credor em requerer alternativas, aguardando, confortavelmente, o decurso do
tempo, que acaba por transformar a multa em proveito econômico maior do que
o da própria pretensão original deduzida na ação.
A situação é paradoxal. Se, por um lado, a manutenção do valor
excessivo pode ocasionar o enriquecimento sem causa, por outro, a certeza
do abrandamento posterior da multa faz com que o devedor tenha razoável
segurança de que o seu descumprimento não lhe trará maiores consequências,
reduzindo a coercibilidade do instrumento e neutralizando, ademais, o efeito
pedagógico da medida, estimulando um modelo indesejado de conduta em
processos futuros.
Não se descuida, ainda, conforme advertiu o eminente Ministro Luis
Felipe Salomão no mesmo julgado acima citado, de que a manutenção de valores
excessivos incentiva a chamada “indústria das astreintes”, que desvirtua o próprio
escopo dessa medida processual:
Nesse cenário, é bem de ver que, por um lado, a exacerbação dos valores da
multa cominatória - embora possa contribuir para a efetividade processual -,
fomenta de modo evidente o nascimento de uma nova disfunção processual:
sobretudo no direito privado, ombreando a chamada “indústria do dano moral”,
vislumbra-se com clareza uma nova “indústria das Astreintes”, por intermédio da
qual a obrigação principal perseguida em juízo cede espaço, em obséquio ao
montante pecuniário que poderá ser futuramente executado, tudo ao abrigo da
inércia do devedor - que não cumpre a decisão e, amiúde, dela nem recorre - e da
inércia também do credor - que permanece na silenciosa e confortável posição
de espera, aguardando meses, quiçá anos, para que o montante atinja cifras mais
atrativas.
276
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
O Superior Tribunal de Justiça tem se pautado por combater referida
“indústria”.
É certo que o confronto entre os precedentes das Turmas de Direito
Privado deste Tribunal em torno da aplicação das astreintes pode, realmente,
conduzir à configuração de dissídio e à necessidade de esta Seção uniformizar o
entendimento a propósito do tema.
Contudo, nada obstante a possível divergência relatada, é necessário, no
caso concreto, o exame dos pressupostos de admissibilidade dos embargos de
divergência.
De início, esclareça-se que os embargos de divergência não se prestam ao
reexame do recurso especial, tampouco ao debate da divergência “em tese” entre
as Turmas.
Tal recurso tem por objetivo a uniformização da jurisprudência interna
da Corte, e seu conhecimento pressupõe a comprovação de que, diante de
situações fáticas semelhantes, os órgãos fracionários deram interpretações
jurídicas divergentes.
Dessa forma, é imprescindível a demonstração da similitude fática entre os
acórdãos confrontados. A propósito, o magistério de Cássio Scarpinella Bueno:
A uniformização de jurisprudência pretendida pelos embargos de divergência,
todavia, pressupõe, a exemplo do recurso especial da letra c do art. 105, III, da
Constituição Federal, que da mesma hipótese fática - identidade constatada,
no que ela tem de essencial - surjam interpretações jurídicas díspares. Por isto,
para os embargos de divergência é indispensável a escorreita demonstração da
divergência jurisprudencial, a chamada “comprovação analítica”.
Pela sua própria natureza, os embargos de divergência não se prestam a
uniformizar a interpretação de normas jurídicas diversas ou meras teses
doutrinárias. Trata-se, é importante enfatizar, de interpretação do direito aplicável
às mesmas premissas fáticas (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil,
volume 5, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 309).
Quanto ao tema ora debatido, valor da multa cominatória, existe precedente
específico da Corte Especial a respeito da impossibilidade do conhecimento dos
embargos de divergência em virtude de ausência de similitude fática:
Processo Civil. Embargos de divergência. Redução, no STJ, da multa diária
fixada em juízo para o cumprimento de obrigação de fazer.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
277
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pretensão à reversão do julgado, com fundamento na impossibilidade de
mera redução da multa excessiva, sem que fatos novos o justifiquem. Inexistente
comprovação da divergência. Embargos não conhecidos.
- Para que se conheça dos embargos de divergência, não basta a discussão
acerca de uma tese jurídica relevante. É necessária a demonstração de que há
acórdãos dando interpretação jurídica diversa ao mesmo contexto fático.
Embargos de divergência não conhecidos.
(EREsp n. 937.082-MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministra
Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 3.3.2010, DJe 13.5.2010)
Extrai-se desse julgado o seguinte trecho:
Em um processo como este, em que se discutem os motivos que levaram à
redução de uma astreinte, a influência do arcabouço fático é muito grande, a
exemplo do que ocorre com os pedidos de redução da indenização por dano
moral, como bem observado pelo i. Min. Ari Pargendler na intervenção que
fez durante a primeira sessão de julgamento. Assim, é muito difícil que a parte
comprove, mediante a citação de um precedente desta Corte, a existência de
similitude fática suficiente para que tenham trânsito os Embargos de Divergência.
Compreende-se as observações também feitas pelos i. Ministros que se
pronunciaram na primeira sessão de julgamento, no sentido de que há, aqui, uma
tese jurídica a ser decidida, consubstanciada na necessidade de que haja alteração
de situação de fato para que a revisão da astreinte seja admissível. Contudo,
a mera existência dessa tese jurídica não autoriza, por si só, o conhecimento
dos Embargos de Divergência. Em muitas situações, quiçá na maioria delas,
há uma tese jurídica por trás da interposição de cada recurso de embargos de
divergência. Contudo, somente é possível conhecer do recurso se, além da tese
jurídica, houver posicionamentos conflitantes em torno do substrato fático.
Nesse sentido, ainda, diversos precedentes desta Corte:
Administrativo. Processual Civil. Agravo regimental nos embargos de
divergência em agravo em recurso especial. Servidor público. Condenação
imposta à Fazenda Pública. Honorários advocatícios. Fixação por arbitramento.
Possibilidade. Irrisoriedade ou excessividade. Alteração. Exame. Impossibilidade.
Agravo não provido.
(...)
3. “Para o conhecimento dos embargos de divergência, cumpre ao recorrente
demonstrar que os arestos confrontados partiram de similar contexto fático para
atribuir soluções jurídicas dissonantes” (AgRg nos EAREsp n. 260.190-RS, Rel. Min.
Castro Meira, Corte Especial, DJe 19.8.2013).
278
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
4. Hipótese em que a similitude fática entre o acórdão paradigma e o acórdão
embargado não ficou evidenciada, uma vez que a Segunda Turma, na espécie,
firmou a compreensão no sentido de que inexistiriam nos autos elementos
suficientes para que se pudesse, excepcionalmente, ultrapassar a regra prevista
na Súmula n. 7-STJ, haja vista que não houve qualquer manifestação do Tribunal
de origem sobre os dados fáticos da causa, inviabilizando a pretensão deduzida
no recurso especial de majorar a verba sucumbencial.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EAREsp n. 154.353-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Corte
Especial, julgado em 16.9.2013, DJe 23.9.2013)
Agravo regimental nos embargos de divergência. Nulidade. Possibilidade de
decretação em recurso manifestamente intempestivo. Ausência de similitude
fática. Não cabimento. Art. 266 do RISTJ. Agravo interno desprovido.
I - A divergência que enseja a interposição dos embargos - destinados a dirimir
eventual dissídio no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça - é aquela ocorrida
em hipóteses semelhantes, devendo ser demonstrado que em situações iguais
foram dadas soluções diferentes.
II - Não restou caracterizada a similitude fática entre os arestos cotejados,
porquanto a tese sustentada pelo recorrente diz respeito à possibilidade de
reconhecimento de nulidade absoluta ainda que esta seja suscitada em recurso
intempestivo, quando os acórdãos paradigmas tratam apenas da declaração de
nulidade absoluta, sem abordar a questão da tempestividade recursal.
III - Dessa feita, não havendo similitude entre os regimes jurídicos, não há
como pressupor a obrigatoriedade de idênticas soluções.
IV - Agravo interno desprovido.
(AgRg nos EAREsp n. 143.107-RO, Rel. Ministro Gilson Dipp, Corte Especial,
julgado em 1.7.2013, DJe 1º.8.2013).
Processual Civil. Agravo regimental em embargos de divergência. Ausência de
comprovação de teses.
1. Para o conhecimento dos Embargos de Divergência, cumpre ao recorrente
demonstrar que os arestos confrontados partiram de similar contexto fático para
atribuir soluções jurídicas divergentes.
2. Agravo Regimental não provido.
(AgRg nos EDcl nos EREsp n. 1.275.261-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin,
Corte Especial, julgado em 15.5.2013, DJe 4.6.2013).
No caso concreto, não lograram os embargantes comprovar a similitude
fática entre os acórdãos recorrido e paradigma.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
279
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No acórdão recorrido, a decisão judicial que deu ensejo à aplicação da
multa cominatória foi proferida em ação revisional de contrato, na qual foi
deferida antecipação de tutela para “suspender a exigibilidade” dos contratos em
discussão e para vedar a inscrição do nome dos autores nos órgãos de proteção
ao crédito. Portanto, foi cominada uma obrigação de não fazer.
O descumprimento da decisão judicial pela ora embargante se deu de
forma positiva, isto é, mediante conduta ativa, qual seja, o ajuizamento de
ação de execução lastreado no contrato objeto da ação revisional, em flagrante
descumprimento da determinação judicial.
Por outro lado, no acórdão paradigma, a decisão judicial descumprida foi
proferida no bojo de ação ordinária de obrigação de fazer, determinando-se
que a ré procedesse à transferência de um automóvel para o nome do autor. Por
conseguinte, a decisão judicial determinou uma obrigação de fazer.
O descumprimento no acórdão confrontado deu-se porque a ré deixou de
proceder à transferência judicialmente determinada, alegando impossibilidade
do cumprimento de referida decisão. A desobediência, pois, ocorreu por conduta
omissiva, justificada por meio do argumento da impossibilidade de cumprir a
ordem judicial.
Os valores das obrigações principais também se mostram nitidamente
discrepantes. No paradigma, o valor da obrigação principal era de
aproximadamente R$ 20.000,00, enquanto no aresto recorrido, de R$
11.450.925,04.
Ademais, o acórdão paradigma, ainda que tenha reduzido o valor da multa
no âmbito do recurso especial, arbitrou-a em quantia superior a duas vezes ao da
obrigação principal (R$ 50.000,00). No aresto recorrido, o parcial provimento
do recurso especial deu ensejo à fixação de multa diária, no valor de R$ 7.000,00
(segundo o acórdão embargado, o descumprimento até a data do julgamento era
de 49 meses, o que corresponderia à multa total no valor de R$ 10.290.000,00
em 7.10.2010, valor próximo, mas inferior ao da obrigação principal).
A conduta praticada pela ora recorrente foi bem delineada no acórdão
recorrido para justificar a majoração da multa cominatória. Confira-se o seguinte
trecho (e-STJ fls. 1.939-1.940):
Na hipótese em exame, a liminar obtida pelos autores na ação revisional, além
de ter suspendido a exigibilidade do contrato de confissão de dívida, determinou
uma obrigação de não fazer, ou seja, o impedimento à empresa ré de lançar
280
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
o nome dos autores em cadastros negativos. A Bunge, não obstante o teor da
primeira parte da liminar deferida, ajuizou ação de execução lastreada em título
extrajudicial cuja exigibilidade estava suspensa, o que culminou com a inscrição
do nome do autor em cadastro restritivo de crédito. Dessa forma, buscando
preservar a finalidade para a qual foi determinada pelo juiz obrigação desse
conteúdo, quer seja, preservar o nome do autor enquanto ainda em discussão a
dívida oriunda do contrato de confissão e, como única forma de ilidir a incidência
da multa cominatória, a exigência, antes de cunho negativo (não fazer), se
transforma em obrigação de fazer: retirar o nome do autor outrora negativado.
O descumprimento perdura, portanto, enquanto o nome do autor permanecer
em cadastro restritivo de crédito, em razão da existência da ação de execução
proposta pela ré.
Salienta-se que a recorrida, em momento algum suscitou a existência de
impedimentos excepcionais ao cumprimento da obrigação determinada por
ordem judicial. Pelo contrário, insistiu na ação de execução e, mesmo após o
trânsito em julgado, restando comprovado ter ela ponderado mal o que
imaginava ser o seu direito, não intentou realizar a baixa da inscrição.
Não obstante, o acórdão recorrido faz parecer bastante simples o cumprimento
da obrigação. Isso porque afirma o quão “impressionante” parece-lhe o fato de
que “quando já ultrapassados mais de três anos do descumprimento da ordem
judicial, os recorrentes Odilson e Silvana pugnarem o cumprimento da astreinte”
e de que “fossem verossímeis as assertivas dos recorrentes Odilson e Silvana, já
naquela época poderiam requerer ao Juízo processante a expedição de ofício
diretamente ao cartório cível da comarca de Quirinópolis, ao Serasa e à ANSA
para a imediata retirada dos indevidos apontamentos” (e-STJ fl. 1.643). Entretanto,
olvida-se que o destinatário da ordem judicial é a recorrida, quem insistiu
numa execução lastreada em título executivo extrajudicial cuja exigibilidade foi
suspensa por decisão judicial e que, repita-se, mesmo após o trânsito em julgado
dessa execução, não diligenciou no sentido de realizar a baixa do nome do autor
do Serasa.
Dessa forma, o valor que chegou o TJ-GO à multa aplicada, reduzindo-a para
“R$ 12.000,00 para cada mês de descumprimento, o que, na prática equivale
atualmente a aproximados R$ 480.000,00” (e-STJ fl. 1.645), acabou por premiar a
insubordinação e o comportamento reprovável da recorrida, que, frise-se, segue
descumprindo a ordem judicial.
Ora, se a ré foi recalcitrante em cumprir ordem judicial quando a multa
cominatória fixada alcançou montante multimilionário, não será com a fixação de
um valor de menos de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), que esse instituto irá
cumprir sua função coercitiva, intimidando uma empresa com atuação mundial
do porte da Bunge. Pontue-se ainda que não há precedente nesta Corte que
tenha reduzido o valor das astreintes, quando persiste o descumprimento da
ordem, como é o caso dos autos.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
281
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nos presentes embargos de divergência, não há como estabelecer, em
abstrato, se deve prevalecer a visão da Terceira ou da Quarta Turma quanto
ao parâmetro predominante para o arbitramento da multa cominatória pois,
nos acórdãos confrontados, o valor da multa foi estabelecido diante das
peculiaridades fáticas de cada situação.
Nessas condições, inviável o conhecimento dos embargos de divergência,
ante a impossibilidade de considerar, no caso concreto, que as Turmas da
Segunda Seção tenham chegado a soluções diferentes em semelhantes situações
fáticas. A diferença entre as multas cominadas tem justificativa na forma em
que se deu o descumprimento (conduta ativa e conduta omissiva), no valor da
obrigação principal e na capacidade econômica das partes.
Ademais, ainda que diante de situações fáticas diferentes, ambos os
acórdãos partiram das mesmas teses jurídicas, quais sejam: (a) a de que o valor da
multa deve ser elevado o suficiente para compelir ao cumprimento da obrigação,
mas também não pode servir para acarretar enriquecimento sem causa, e (b) a
de que a multa cominatória não possui caráter indenizatório e eventuais danos
sofridos devem ser buscados em ação própria.
Os demais fundamentos utilizados nos acórdãos confrontados tampouco
demonstram nítida divergência de entendimento, mas apenas argumentos
específicos para justificar o julgamento em cada caso, de acordo com o contexto
fático de cada um deles.
Dessa forma, à semelhança do que ocorre em relação aos danos morais
(Súmula n. 420-STJ), penso ser muito difícill discutir em embargos de
divergência o valor da multa cominatória, visto que a quantia deve ser fixada de
acordo com as peculiaridades do caso concreto. Nesse sentido:
Agravo em embargos de divergência em recurso especial. Inadmissibilidade.
Incabíveis os embargos de divergência quando a discrepância advém da
diversidade fática das hipóteses confrontadas e não da interpretação da lei federal,
como ocorre nos casos que tratam do valor da indenização por danos morais.
Precedentes da Segunda Seção.
Agravo não provido.
(AgRg nos EREsp n. 791.595-PE, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda
Seção, julgado em 13.12.2006, DJ 12.4.2007, p. 210).
Agravo regimental. Embargos de divergência. Recurso especial.
Revisão de valor arbitrado a título de reparação por danos morais. Divergência
jurisprudencial não configurada. Súmula n. 420-STJ.
282
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
1. De acordo com entendimento consolidado nesta Corte e retratado na
Súmula n. 420-STJ, o valor da reparação por danos morais não consubstancia tese
jurídica cuja divergência viabilize a apresentação de embargos de divergência,
pois cuida-se de questão peculiar a cada decisum, que é proferido caso a caso,
segundo a avaliação do órgão julgador, à luz das peculiaridades e circunstâncias
específicas.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EREsp n. 997.479-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção,
julgado em 27.4.2011, DJe 23.5.2011).
A alegação do embargante de que o descumprimento da decisão judicial
teria se dado por apenas treze dias também tornaria inviável o conhecimento dos
presentes embargos, pois não haveria falar em exorbitância da multa arbitrada
em periodicidade diária.
Seja como for, no julgamento dos embargos de declaração (e-STJ fls.
2.014-2.020 e 2.087-2.092), a eminente Relatora consignou a impossibilidade
de exame de provas no âmbito de recurso especial e determinou que o período
de descumprimento seja apurado pelo Juízo de origem.
Também desinfluente, no âmbito destes embargos de divergência, o
argumento segundo o qual Bunge Fertilizantes S.A. teria tomado conhecimento
da determinação judicial, de cujo descumprimento resultou a multa diária,
somente após o ajuizamento da execução. De acordo com o acórdão proferido
pelo TJGO (e-STJ fl. 1.645), a intimação pessoal do representante legal da
Bunge teria ocorrido em data anterior. Tal matéria não foi objeto de abordagem
no recurso especial e encontra-se preclusa.
Em tais condições, ausente a similitude fática entre os arestos confrontados
e não comprovada a divergência, inviável o conhecimento dos presentes
embargos de divergência.
Pelas razões expostas, não conheço dos embargos de divergência.
É o meu voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de embargos de
divergência interpostos por Bunge Fertilizantes S.A. contra acórdão da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça assim ementado:
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
283
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo Civil. Recurso especial. Astreinte. Valor insuficiente. Liminar obtida.
Exigibilidade do título executivo suspensa. Obrigação de não fazer. Inclusão do
nome do devedor em cadastro restritivo de crédito. Ajuizamento de ação de
execução com fundamento em contrato de confissão de dívida. Exigibilidade
suspensa. Negativação no Serasa. Consequência direta do ajuizamento
da execução. Descaso do devedor. Descumprimento que persiste. Grande
capacidade econômica do executado. Pedido de majoração. Deferimento. Multa
cominatória majorada.
1. A negativação do nome do devedor em cadastro restritivo de crédito como
consequência direta do ajuizamento de ação de execução lastreada em contrato
de confissão de dívida, configura descumprimento de ordem judicial exarada
em decisão que deferiu pedido liminar para suspender a exigibilidade do título
executivo extrajudicial e determinar uma obrigação de não fazer, consistente no
impedimento à exequente de lançar o nome do autor em cadastros negativos.
2. Sendo o descaso do devedor o único obstáculo ao cumprimento
da determinação judicial para o qual havia a incidência de multa diária e
considerando-se que ainda persiste o descumprimento da ordem, justifica-se a
majoração do valor das astreintes.
3. A astreinte deve, em consonância com as peculiaridades de cada caso, ser
elevada o suficiente a inibir o devedor – que intenciona descumprir a obrigação
– e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a
respectiva pena pecuniária. Por outro lado, não pode o valor da multa implicar
enriquecimento injusto do devedor. Precedentes.
4. Na hipótese de se dirigir a devedor de grande capacidade econômica o valor
da multa cominatória há de ser naturalmente elevado, para que se torne efetiva a
coerção indireta ao cumprimento sem delongas da decisão judicial. Precedentes.
5. Recurso especial provido, para majorar a multa cominatória ao importe de R$
7.000,00 (sete mil reais) por dia de descumprimento, sem prejuízo das atualizações
legalmente permitidas, adotando como termo inicial, da mesma forma como fez
o Tribunal de origem, a data da intimação pessoal do representante legal da
recorrida, qual seja, 28 de julho de 2006, de modo que, até o presente momento,
resultam aproximadamente 49 meses de descumprimento (e-STJ fl. 1.927).
Ao minucioso relatório elaborado pelo eminente Ministro Relator,
acrescenta-se que, na sessão do dia 9.10.2013, após o voto do Relator, Ministro
Antonio Carlos Ferreira, não conhecendo dos embargos de divergência, pedi
vista dos autos para melhor exame da matéria.
É o relatório.
Da análise detida dos autos, tenho como irretorquível o entendimento
externado pelo eminente relator que concluiu pela ausência de similitude fática
entre os arestos confrontados.
284
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Com efeito, o acórdão embargado é oriundo de ação revisional de
cláusulas contratuais, em que proferida medida liminar determinando que a ré
se abstivesse de promover qualquer medida de cobrança do crédito discutido
e de inscrever os autores em órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa
diária.
Já o aresto paradigma foi proferido em sede de ação de obrigação de
fazer consistente na transferência de veículo objeto de contrato de dação em
pagamento.
Os valores envolvidos, consoante bem exposto pelo ilustre Relator, também
não guardam similitude.
Esse breve apanhado já é suficiente para demonstrar a dessemelhança entre
as circunstâncias de fato, o que inviabiliza o enfrentamento de eventual tese
jurídica discrepante.
A propósito:
Agravo regimental nos embargos de divergência. Inexistência de similitude
fática entre os julgados confrontados. Recurso a que sega provimento.
1. Para o conhecimento dos embargos de divergência, mister a similitude
fática dos julgados confrontados.
2. Na hipótese, não é possível o enfrentamento da tese jurídica relativa ao
cabimento ou não de embargos de declaração, uma que as situações fáticas são
diferentes (embargos de declaração contra decisão que nega seguimento a
recurso especial no acórdão embargado e aclaratórios contra decisão que admite
especial no paradigma).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EAREsp n. 255.681-PE, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura,
Corte Especial, julgado em 16.10.2013, DJe 23.10.2013 - grifou-se)
Processual Civil. Agravo nos embargos de divergência em agravo em recurso
especial. Cotejo entre acórdãos paradigma e embargado. Ausência. Similitude
fática. Ausência.
1. Os embargos não podem ser conhecidos pela divergência se o embargante
não providencia o devido cotejo analítico, nos termos do disposto nos artigos
266, § 1º, c.c. 255, § 2º, do RISTJ.
2. A comparação de acórdãos para o fim de demonstrar a divergência
jurisprudencial pressupõe similitude fática entre os casos confrontados e a adoção de
teses jurídicas distintas.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
285
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Agravo não provido.
(AgRg nos EAREsp n. 71.226-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial,
julgado em 16.9.2013, DJe 23.9.2013 - grifou-se)
Além disso, denota-se que, em casos como o dos autos, que envolvem o
arbitramento de multa diária, a exemplo do que ocorre nos feitos em que se
busca discutir o valor de indenização por danos morais, as peculiaridades do
caso concreto são sempre determinantes para a conclusão adotada.
Isso porque, como cediço, referida multa apresenta caráter inibitório,
visando justamente impedir a violação de um direito, de modo que a sua fixação
deve ser de tal monta que não frustre os seus objetivos.
Nessa tarefa, é levado em consideração todo um conjunto de fatores que
são particulares de cada hipótese, dentre os quais está a capacidade econômica
das partes.
Tais circunstâncias são suficientes, por si sós, para inviabilizar a análise
da divergência jurisprudencial que exige, em qualquer caso, identidade de base
fática demonstrada nos termos dos artigos 266, § 1º, e 255, §§ 1º e 2º, do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
De fato, o cabimento dos embargos de divergência restringe-se às hipóteses
em que configurada a diversidade de tratamento jurídico aplicado a situações
idênticas por esta Corte Superior na apreciação e no julgamento de recursos
especiais.
No caso em apreço, ausente a indispensável similitude fática entre o
acórdão embargado e aquele indicado como paradigma, inviável o conhecimento
dos presentes embargos.
Registre-se, por fim, que, no caso dos autos, não há sequer parâmetros
objetivos para aferir o valor total aproximado da multa, tendo em vista que, em
sede de embargos declaratórios ao acórdão embargado, ficou consignado que o
período de descumprimento deverá ser apurado pelo juízo da execução (e-STJ
fl. 2.019).
Ante o exposto, dispensando outras considerações, acompanho o Ministro
Relator para não conhecer dos embargos de divergência.
É o voto.
286
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RECURSO ESPECIAL N. 1.251.331-RS (2011/0096435-4)
Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti
Recorrente: Aymoré Crédito Financiamento e Investimento S.A.
Advogados: Sirlei Maria Rama Vieira Silveira e outro(s)
Isabela Braga Pompilio e outro(s)
Recorrido: Enéas da Silva Amaral
Advogado: Marco Aurélio Vilanova Audino e outro(s)
Interessado: Banco Central do Brasil - “Amicus Curiae”
Procurador: Procuradoria-Geral do Banco Central
Interessado: Federação Brasileira de Bancos Febraban - “Amicus Curiae”
Advogado: Luiz Rodrigues Wambier e outro(s)
Advogada: Teresa Arruda Alvim Wambier
EMENTA
Civil e Processual Civil. Recurso especial. Contrato de
financiamento com garantia de alienação fiduciária. Divergência.
Capitalização de juros. Juros compostos. Medida Provisória n. 2.17036/2001. Recursos repetitivos. CPC, art. 543-C.Tarifas administrativas
para abertura de crédito (TAC), e emissão de carnê (TEC). Expressa
previsão contratual. Cobrança. Legitimidade. Precedentes. Mútuo
acessório para pagamento parcelado do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF). Possibilidade.
1. “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual
deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato
bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é
suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”
(2ª Seção, REsp n. 973.827-RS, julgado na forma do art. 543-C do
CPC, acórdão de minha relatoria, DJe de 24.9.2012).
2. Nos termos dos arts. 4º e 9º da Lei n. 4.595/1964, recebida
pela Constituição como lei complementar, compete ao Conselho
Monetário Nacional dispor sobre taxa de juros e sobre a remuneração
dos serviços bancários, e ao Banco Central do Brasil fazer cumprir as
normas expedidas pelo CMN.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
287
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Ao tempo da Resolução CMN n. 2.303/1996, a orientação
estatal quanto à cobrança de tarifas pelas instituições financeiras era
essencialmente não intervencionista, vale dizer, “a regulamentação
facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação de
quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma
definia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados
e prestados ao cliente, assim como respeitassem os procedimentos
voltados a assegurar a transparência da política de preços adotada pela
instituição.”
4. Com o início da vigência da Resolução CMN n. 3.518/2007,
em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para
pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em
norma padronizadora expedida pelo Banco Central do Brasil.
5. A Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e a Tarifa de Emissão
de Carnê (TEC) não foram previstas na Tabela anexa à Circular
Bacen n. 3.371/2007 e atos normativos que a sucederam, de forma que
não mais é válida sua pactuação em contratos posteriores a 30.4.2008.
6. A cobrança de tais tarifas (TAC e TEC) é permitida, portanto,
se baseada em contratos celebrados até 30.4.2008, ressalvado abuso
devidamente comprovado caso a caso, por meio da invocação de
parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto,
não bastando a mera remissão a conceitos jurídicos abstratos ou à
convicção subjetiva do magistrado.
7. Permanece legítima a estipulação da Tarifa de Cadastro, a qual
remunera o serviço de “realização de pesquisa em serviços de proteção
ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento
de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento
decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança
ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil,
não podendo ser cobrada cumulativamente” (Tabela anexa à vigente
Resolução CMN n. 3.919/2010, com a redação dada pela Resolução
n. 4.021/2011).
8. É lícito aos contratantes convencionar o pagamento do
Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio
financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos
encargos contratuais.
288
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
9. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:
- 1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim
da vigência da Resolução CMN n. 2.303/1996) era válida a pactuação
das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC),
ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame
de abusividade em cada caso concreto.
- 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN n. 3.518/2007, em
30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas
físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma
padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então,
não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de
Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra
denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de
Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da
autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do
relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.
- 3ª Tese: Podem as partes convencionar o pagamento do
Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de
financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos
encargos contratuais.
10. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
A Segunda Seção, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deulhe parcial provimento para que sejam observados os juros remuneratórios nas
taxas mensal e anual efetiva, como pactuados, e para restabelecer a cobrança das
taxas/tarifas de despesas administrativas para abertura de crédito (TAC) e de
emissão de carnê (TEC), e a cobrança parcelada do IOF, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora.
Para os efeitos do art. 543-C, do CPC, ressalvados os posicionamentos
pessoais dos Srs. Ministros Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino, que
acompanharam a relatora, foram fixadas as seguintes teses:
1. Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da
Resolução CMN n. 2.303/1996) era válida a pactuação das tarifas de abertura
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
289
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o
mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto;
2. Com a vigência da Resolução CMN n. 3.518/2007, em 30.4.2008, a
cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada
às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela
autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação
da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito
(TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida
a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador
da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do
relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira;
3. Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações
Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo
principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais. Os Srs. Ministros
Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy
Andrighi, João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Raul Araújo Filho e Paulo
de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Sustentaram oralmente, o Dr. Marcos Cavalcante de Oliveira, pela
recorrente: Aymoré Crédito Financiamento e Investimento S.A.; O Dr. Átila
do Nascimento, pelo recorrido: Enéas da Silva Amaral e o Dr. Isaac Sidney
Menezes Ferreira, pelo interessado: Banco Central do Brasil.
Brasília (DF), 28 de agosto de 2013 (data do julgamento).
Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora
DJe 24.10.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: - Enéas da Silva Amaral ajuizou
ação em face do Banco ABN AMRO Real S.A. com o objetivo de revisar
contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.
Após substituição do pólo passivo devida à cisão do réu, assumiu Aymoré
Crédito, Financiamento e Investimento S.A. a condição de requerida.
O Juízo da Vara Judicial de Salto do Jacuí, RS, julgou procedentes em parte
os pedidos, o que motivou recurso por parte do réu.
290
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
A Décima Terceira Câmara Cível do TJRS, por unanimidade, deu parcial
provimento à apelação para vedar a capitalização dos juros em qualquer
periodicidade, por ausência de cláusula expressa; declarar abusiva a exigência
das tarifas administrativas para concessão e cobrança do financiamento e do
Imposto sobre Operações Financeiras parcelado; autorizar a compensação/
repetição simples do indébito e afastar a possibilidade de julgamento de ofício,
mantida a sucumbência em desfavor do recorrente. O acórdão possui a seguinte
ementa (fl. 183):
Apelação cível. Ação revisional de contrato de financiamento garantido por
alienação fiduciária.
Capitalização dos juros. A capitalização mensal dos juros, mesmo quando
expressamente pactuada, em contratos como o presente, não é admitida, pois o
artigo 591 do atual Código Civil permite, como regra geral, apenas a capitalização
anual dos juros. Mas, em se tratando de mera permissão legal, a capitalização
anual depende de pactuação nesse sentido, ausente na espécie, motivo pelo qual,
in casu, vai vedada a incidência de juros sobre juros em qualquer periodicidade,
conforme admitido pela sentença.
Compensação de valores. É possível a compensação de valores quando se trata
de ação revisional, depois de liquidada a sentença.
Repetição do indébito. Admite-se a repetição do indébito, de forma simples, de
valores pagos em virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípio que veda o
enriquecimento injustificado da parte credora.
Tarifa/taxa para cobrança de despesas administrativas pela concessão do
financiamento. A tarifa/taxa para cobrança de despesas administrativas pela
concessão do financiamento é nula de pleno direito, por ofensa aos arts. 46,
primeira parte, e 51, inc. IV, do CDC.
Forma de cobrança do IOF. A cobrança do tributo diluído nas prestações do
financiamento se afigura como condição iníqua e desvantajosa ao consumidor
(CDC, art. 51, IV).
Disposições de ofício - Impossibilidade. Mostra-se incabível o exame das matérias
ex officio pelo Juízo ad quem, as quais não foram enfrentadas pela sentença e nem
foram objeto da apelação, sob pena de afronta ao disposto no artigo 515 do CPC.
Prequestionamento. Na linha decisória do acórdão, não há falar em negativa de
vigência a qualquer dispositivo legal.
Apelação Cível parcialmente provida.
O recurso especial, interposto com base no art. 105, inciso III, alíneas
a e c, da Constituição Federal, aponta negativa de vigência aos arts. 5º da
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
291
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Medida Provisória n. 2.170-36/2001, 4º da Lei n. 4.595/1964, 1º e 2º da
Lei n. 5.143/1966 (CTN), e 2º, inciso I, e 3º, § 1º, inciso I, do Decreto n.
4.494/2002, às Resoluções n. 2.303 e 3.518 do Conselho Monetário Nacional,
e divergência com precedentes do STJ no REsp n. 906.054-RS (Rel. Ministro
Aldir Passarinho Junior), REsp n. 994.670-RS (Rel. Ministro João Otávio de
Noronha), indicada a Revista Eletrônica de Jurisprudência como repositório
oficial.
Sustenta que do contrato, “cláusula IV - Especificações do Crédito, consta
a indicação da ‘Taxa Efetiva de Juros mês 2,11297000%’ e da ‘Taxa Efetiva Juros
Ano 28,52’” (fl. 210), prevê a capitalização dos juros com frequência mensal na
indicação expressa de taxas mensal e anual, admitida pela jurisprudência do STJ.
Alega que o contrato não está sujeito à revisão por força do princípio da força
obrigatória, que não pode ser flexibilizado pelo CDC.
Afirma que as tarifas administrativas para concessão e cobrança do crédito
(TAC e TEC) atendem às Resoluções n. 2.303 e 3.518, editadas pelo Banco
Central, mediante autorização concedida pela Lei n. 4.595/1964, estando
permitida a cobrança até 30.4.2008.
Adiciona que o fracionamento do IOF em parcelas é opção exercida
pelo mutuário, porém o recolhimento é integral, no início da operação, pela
instituição financeira, o que não constitui abusividade.
Não foram apresentadas contrarrazões (cf. certidão de fl. 225).
Decisão presidencial de admissibilidade positiva do especial às fls. 227230.
Por considerar o recurso especial em questão representativo da controvérsia
jurídica em relação à licitude da cobrança das tarifas administrativas para
concessão do crédito, mediante a cobrança de valores para a abertura de
cadastro ou crédito (TAC), para a emissão de boleto ou carnê (TEC), e ainda, a
viabilidade do financiamento do IOF, temática abordada em múltiplos recursos
e de enfrentamento corriqueiro, afetei o julgamento à Segunda Seção desta
Corte, conforme o rito preconizado no art. 543-C do CPC.
Como consequência, foi determinada a suspensão da tramitação na origem
de outros recursos especiais relativos a contratos bancários em que se discutem
as referidas matérias.
Segundo a determinação contida no art. 3º, inciso I, da Resolução n. 8/2008
do STJ, foram encaminhados ofícios aos Ministros-Presidentes deste STJ e da
292
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Segunda Seção, aos Ministros que a integram, além de aos desembargadorespresidentes dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais. Fez-se,
também, comunicação do procedimento ao Banco Central do Brasil, ao IDEC
- Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, e à Febraban - Federação
Brasileira de Bancos.
À fl. 264, manifestou-se espontaneamente o Banco Honda S.A., com o
propósito de ser admitido na condição de interessado, motivado pela posição de
réu em ação coletiva proposta pelo Ministério Público de São Paulo com objeto
idêntico ao presente.
O Banco Central do Brasil comparece aos autos para requerer o ingresso
como amicus curiae e defender a legalidade das tarifas e do parcelamento
do tributo, cujo valor as instituições por ele supervisionadas têm o dever de
informar, esclarecendo aos clientes sobre todos os aspectos do contrato, tais
como custos e encargos, conforme preconizado nas diversas resoluções da
autoridade monetária sobre a matéria que se sucederam.
Esclarece que, durante a vigência da Resolução CMN n. 2.303/1996, era
lícita a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços pelas instituições
financeiras, desde que efetivamente contratados e prestados, com exceção
dos definidos como básicos. Não havia, até então, obstáculo legal às tarifas de
abertura de crédito e emissão de carnê.
Posteriormente, com a edição da Resolução CMN n. 3.518, de 2007,
eficaz a partir de 30.4.2008, passou a ser possível a cobrança apenas dos serviços
prioritários definidos na citada norma e em tabela de padronização elaborada
pelo Banco Central.
Sustenta o Bacen que, desde a entrada em vigor da Resolução CMN n.
3.518/2007, a mera abertura de crédito deixou de configurar serviço passível de
cobrança de tarifa. Continua, porém, passível de cobrança o serviço relacionado
ao cadastro, definido pela regulamentação aplicável como “realização de pesquisa
em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e
tratamento de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento
decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança ou
contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, não podendo
ser cobrada cumulativamente”.
Distingue o Banco Central a atual tarifa de cadastro da antiga tarifa
de abertura de crédito (TAC), ressaltando que “esta era usualmente cobrada
sobre qualquer operação de crédito, mesmo que o tomador já fosse cliente do
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
293
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
estabelecimento bancário; aquela, a seu turno, somente pode incidir no inicio
do relacionamento entre o cliente e instituição financeira, e se justifica pela
necessidade de ressarcir custos com realização de pesquisas em cadastros, bancos
de dados e sistemas”.
Conclui, pois, que a TAC e a TEC deixaram de existir com a edição da
Resolução CMN n. 3.518/2007.
Lembra que a matéria controvertida já foi apreciada pela Segunda Seção
no REsp n. 1.270.174-RS, que entendeu legítima a cobrança das tarifas
TAC e TEC no período de regência da Resolução n. 2.303/1996. Faz reparo,
todavia, à fundamentação do acórdão respectivo, no ponto em que assentou
que as mencionadas tarifas continuaram passíveis de cobrança após a edição
da Resolução n. 3.518/2007, porque entende que este ato normativo permitiu
apenas a cobrança das tarifas especificadas em ato normativo do Bacen, dentre
as quais não foram a TAC e TEC enumeradas.
Finaliza esclarecendo, quanto ao parcelamento do IOF, que a operação
consiste em nada além de mútuo fornecido pelo banco ao cliente, suficiente para
a quitação do tributo no ato da compra do bem, e que, por isso, é superior ao
valor devido ao Fisco, já que constitui, ele próprio, objeto de operação de crédito,
tudo com o objetivo de viabilizar o consumo, mas que, de qualquer modo, não
pode ser excluído, sob pena de contrariedade às normas legais, que estabelecem
que o sujeito passivo da obrigação tributária é o consumidor (fls. 300-314).
Às fls. 347-366, a Federação Brasileira de Bancos - Febraban, apresenta
manifestação na qualidade de amicus curiae, no sentido de que o tema é de
enfrentamento rotineiro no STJ, que decidiu mais de trezentos processos
afirmando a legalidade das tarifas.
Menciona que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central são
competentes para dispor sobre a matéria, que faz parte da regulamentação do
mercado financeiro, em harmonia com a Lei n. 4.595/1964, art. 4º, inciso VIII.
Arrola os atos normativos que autorizam a cobrança das tarifas
questionadas. Sobre a TEC argumenta que sua exigibilidade perdurou até o
advento da Resolução CMN n. 3.693, de 26.3.2009.
Adiciona, por outro lado, que o ressarcimento dos serviços prestados por
terceiros esteve autorizado até a edição da Resolução CMN n. 3.954/2011.
Resumidamente, a situação jurídica dos acréscimos seria a seguinte:
294
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
- Tarifa de Abertura de Crédito - TAC - autorizada até 30.4.2008 (vedada
pela Resolução CMN n. 3.518/2008)
- Tarifa de Emissão de Carnê - TEC - autorizada até março de 2009
(vedada pela Resolução CMN n. 3.693/2009)
- Ressarcimento por Serviços de Terceiros - autorizado até fevereiro de
2011 (vedado pela Resolução CMN n. 3.954/2011)
- Tarifa de Cadastro - permanece em vigor (Resolução CMN n.
3.919/2010).
Argumenta que a proibição posterior não significa a ilegalidade das
cobranças anteriores e que a matéria em debate não encontra regulação no
CDC, mas está intrinsecamente ligada à legitimidade de atos normativos que
são da competência privativa das autoridades monetárias (CMN e Bacen),
conforme critérios técnicos de discricionariedade.
Pondera que o conceito de abusividade cede diante da contratação expressa
dos encargos e da informação clara e precisa dos custos, por meio do Custo
Efetivo Total (CET), permitindo individualizar as cobranças sem onerar toda a
clientela, com o respectivo embutimento nas taxas de juros, que, como visto, não
são a única remuneração pelos serviços bancários.
Explica ainda que permanece a possibilidade de concorrência entre as
instituição financeiras, que não estão adstritas a valores tabelados, permitindo a
escolha das condições que sejam mais vantajosas ao consumidor, com o que não
se vislumbra qualquer abusividade, como delineado o conceito pelo CDC.
Com referência ao financiamento do IOF, entende que o sujeito passivo
do tributo é o consumidor, porém deve ser recolhido pela instituição financeira
mutuante, que se dispõe a financiá-lo, o que ocorre por opção do mutuário. O
valor do tributo financiado integra o demonstrativo CET e o total da transação
financeira.
Insiste que a conduta não é prejudicial ao Fisco e nem ao cliente, pois não
representa agravamento do tributo.
Aduz que a comissão de permanência já conta com entendimento
pacificado no âmbito desta Corte por meio do Enunciado n. 472 da Súmula.
Requer a extensão dos efeitos da decisão que suspendeu a tramitação
das cerca de 285 mil ações sobre o tema em todas as instâncias judiciais, que
decidem em sentido diverso, inclusive as turmas recursais de juizados especiais,
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
295
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que às vezes determinam a devolução em dobro dos valores e o pagamento de
danos morais.
Nesse mister, destaca que é interesse comum o estabelecimento de linha
decisória harmônica segundo a compreensão do direito federal empreendida
pelo STJ, inclusive para minorar a insegurança jurídica que graça a despeito
da pacificação da matéria por intermédio da Segunda Seção, no REsp n.
1.270.174-RS, propósito manifesto da redação do art. 543-C do CPC.
Apoia-se na existência do fumus boni iuris e periculum in mora, em virtude,
primeiramente, da pacificação da controvérsia nesta Corte e, depois, da
recalcitrância de Juízos e tribunais que não lhe dão eficácia, estando em litígio
valores que alcançam R$ 532.791.829,50 (fl. 363), com aumento exponencial
mensalmente.
Arremata relatando que, no âmbito deste Tribunal, tal providência foi
tomada anteriormente pelo Ministro Luiz Fux, no REsp n. 1.060.210-SC,
relativamente à definição do sujeito passivo e da base de cálculo para incidência
de ISS em operações de arrendamento mercantil, em que invocado por analogia
o art. 328 do Regimento Interno do STF.
A extensão do efeito suspensivo também às instâncias da Justiça comum,
estadual e federal, inclusive juizados especiais cíveis e correspondentes Turmas
Recursais, requerida pela Febraban, foi deferida por decisão datada de 20.5.2013
(e-STJ fls. 468-471), cujo alcance foi pormenorizado pelo aditamento de fls.
521-522.
O IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, apesar de
regularmente intimado (fls. 259 e 263), não se manifestou (cf. certidão de fl.
410).
À fl. 414, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul se
pronuncia no sentido da abusividade da cobrança da TEC, TEC e demais
despesas administrativas.
O Ministério Público Federal, por meio de parecer do Dr. Pedro Henrique
Távora Niess, opinou pela legalidade da cobrança das tarifas TAC e TEC e do
financiamento do IOF, concluindo pelo provimento parcial do recurso especial
(e-STJ fls. 455-66).
Anderson de Oliveira da Silva comparece nos autos por intermédio da
Petição n. 170.846/2013 (fls. 478-484), formulando pedido de esclarecimentos
sobre a abrangência da decisão que determinou a suspensão dos processos,
296
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
porém teve sua pretensão indeferida pela decisão de fls. 518-519, em face da
qual não se interpôs recurso.
Às fls. 496-502, em petição idêntica, ainda que subscrita por outro
advogado, Maria de Fátima Ferrão Castelo Branco Chaves repete os mesmos
pleitos, como o faz André Filipe Lemos de Castro Lobo (fls. 507-513).
Karla Andrea Passos, também afirmando ser parte interessada, requer
a reconsideração da decisão que determinou a paralisação de suspensão dos
processos.
Apresenta requerimento de integração aos autos, como amicus curiae, o
Instituto Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor - INPCON, com sede
na cidade do Rio de Janeiro. Para alicerçar o ingresso na ação, afirma que possui
representatividade na defesa dos interesses dos consumidores, havendo proposto
diversas ações civis públicas em face de instituições financeiras nesse mister.
Sustenta que como não foi regularmente intimado, pretende suprir a ausência
de manifestação do IDEC. No mérito, alega que a TAC representa vantagem
exagerada; a Tarifa de Avaliação do Bem é cobrada sem contraprestação e
o Seguro de Proteção Financeira constitui venda casada, comercializado
ilegalmente, com usurpação da função dos corretores de seguros habilitados.
Aponta divergência quanto aos valores anunciados e os praticados pelas diversas
instituições bancárias que enumera, diz que faltam como o dever de informação,
procedimentos que afronta princípios constitucionais, como o da dignidade da
pessoa humana e da contribuição para erradicação da pobreza. Especificamente
quanto à Tarifa de Avaliação do Bem, defende que a exigência é feita de máfé, pois não existem avaliadores credenciados para a prestação do serviço nas
revendas de veículos, custo que, de todo modo, não pode ser transferido ao
consumidor. Aduz que, nos termos da Lei n. 4.594/1964, somente corretores
de seguros habilitados podem exercer a corretagem, irregularidade que nulifica
o encargo por constituir venda casada e usurpação do exercício de profissão
regulamentada. Por fim, em atenção ao equilíbrio dos interesses em litígio,
requer a suspensão de todas as ações de busca e apreensão cujos contratos
prevejam o pagamento das tarifas. Retorna às fls. 652-654 para informar o
ajuizamento de outra ação civil pública, desta feita para excluir a Tarifa de
Fornecimento de Declaração, posicionando o Banco Santander no polo passivo,
o qual estaria estaria usurpando função pública dos cadastros restritivos, que
devem promover a notificação gratuitamente. Pretende a inclusão do Seguro de
Proteção Financeira e da Tarifa de Fornecimento de Declaração entre os temas
discutidos nos autos.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
297
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - Procon-SP, requer
ingresso nos autos (e-STJ fl. 638-647) alegando a repercussão do julgamento
em grande número de contratos celebrados com tais encargos, que atentam
contra os direitos básicos do consumidor, notadamente o direito à informação,
à proteção contra práticas abusivas, à possibilidade de modificação e revisão dos
contratos, a efetiva prevenção e reparação dos danos e a inversão do ônus da
prova. Repele a exigência da TEC por ser custo inerente à atividade comercial
do fornecedor, que não pode transferi-lo ao consumidor, havendo abusividade
mesmo quando expressamente pactuada. Argumenta que a ausência de proibição
pelas autoridades monetárias (Resoluções n. 2.303/1996 e 2.747/2000) não
implica a legitimidade da cobrança, que foi definitivamente proibida pela
Resolução n. 3.919/2010. Quanto à TAC, enfatiza que a tarifa não é opcional
nem é serviço prestado ao consumidor, mas à instituição bancária, para subsidiar
a concessão do crédito e evitar perdas financeiras, portanto não pode ser tarifado.
Contesta a assertiva de que a incorporação do valor no percentual dos juros
pudesse onerar as taxas remuneratórias. Afirma que existe variação da tarifa de
cadastro de gratuidade até R$ 5.000,00, conforme a instituição financeira, o que
demonstra a inexistência de critério objetivo de formação dos preços.
Por sua vez, o Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da
Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ao apresentar pedido de ingresso
como amicus curiae (fls. e-STJ 656-671), argúi que exerce função essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, em todos os graus, a defesa dos
direitos individuais e coletivos dos consumidores, que é garantia fundamental
do cidadão e princípio norteador da atividade econômica, o que lhe empresta
legitimidade para postular a vedação da TAC e da TEC, a que atribui a
qualidade de substitutas dos ganhos da época da espiral inflacionária. Sustenta
que a posterior substituição da Tarifa de Abertura de Crédito pela Tarifa de
Cadastro (Resolução n. 3.371) reinstituiu a cobrança do acréscimo, que somente
promove indevidamente o repasse dos custos administrativos ao consumidor,
que já paga as taxas compensatórias que deveriam satisfazê-los mediante a
inserção no CET - Custo Efetivo Total. Assere que apenas cumprem o interesse
das instituições financeiras e são utilizadas para remunerar os intermediários da
relação contratual, provocando enriquecimento sem causa e desequilíbrio entre
as partes e ferindo a boa-fé objetiva. Reclama, também, da falta de tabelamento
de preços, que possibilita enorme variação dos valores. Finaliza requerendo o
direito de sustentar oralmente sua posição.
298
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
A MPCON - Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor
também requer admissão como amicus curiae (Petição n. 279.065, fls. 728757), sustentando que é entidade civil de âmbito nacional e com interesse na
causa. Impugna a validade das cláusulas contratuais que estabelecem a TAC e a
TEC, por estarem em desacordo com o Código Civil e o CDC. Afirma que o
mesmo vício atinge a exigência do IOF financiado, cuja irregularidade consiste
na incidência dos demais encargos contratuais sobre o valor do tributo. Alega
que tais acessórios são incompatíveis com a boa-fé e a equidade contratual
previstas nos diplomas legais invocados, que disciplinam a relação jurídica,
devendo ser consideradas nulas as cláusulas em tela, por abusivas e iníquas,
inclusive porque cobradas em duplicidade para remunerar o mesmo serviço,
sob denominação diversa. Também encerra pleiteando o direito de sustentar
oralmente sua posição.
A Febraban retorna espontaneamente aos autos às fls. 673-690 para
retrucar os argumentos apresentados pelo INPCOM e Procon-SP, no sentido
de que o primeiro não é entidade técnica e juridicamente idônea, pois pratica
atividade advocatícia e angaria clientela sob a transversa máscara de associados,
não devendo ser admitido na lide. Narra que houve deliberada confusão acerca
dos valores de tarifas, com a consideração de que se tratam de diferentes
instituições bancárias, atuando em vertentes distintas na concessão de crédito,
ainda que integrem o mesmo grupo econômico. Particularmente quanto à Tarifa
de Cadastro, explica que é opcional, podendo ser dispensada com o fornecimento
da documentação pelo próprio consumidor, se o entender conveniente. Registra
que as entidades bancárias fornecem ampla divulgação das tarifas nos próprios
contratos e tabelas de custos afixadas nas agências e correspondentes bancários.
Destaca que em relação à Tarifa de Avaliação de Bem, Tarifa de Emissão de
Declaração e ao Seguro Proteção Financeira, cuja discussão se busca inaugurar,
além do ressarcimento pelos serviços de terceiros, que as respectivas cobranças,
com fulcro nas normas editadas pelo Banco Central, são legítimas. Insiste em
que a Tarifa de Cadastro é contraprestação por serviço prestado ao consumidor,
conforme definido pelo Bacen (Resolução n. 3.919), dependendo o acolhimento
da alegação de abusividade de prova concreta e inequívoca. Propõe a rejeição
do pedido de sobrestamento das ações de busca e apreensão ante a ausência de
fumus boni juris, pois a legalidade de tais encargos tem apoio na jurisprudência
pacífica do STJ.
À fl. 723, a Juíza Manuela Tallão Benke, da 2ª Turma Recursal do Estado
do Paraná, formula pedido de informações sobre a inclusão no procedimento de
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
299
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
outras tarifas que não a TAC e a TEC, tais como tarifas de avaliação, de serviços
de terceiros e de registro de contrato.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Bancário, já incluído o
processo em pauta para julgamento, também formula pedido de ingresso como
amicus curiae (e-STJ fls. 798-818), reiterando as alegações de reconhecimento da
ilegalidade e abusividade das tarifas TAC, TEC e cobrança do IOF financiado,
em moldes semelhantes ao deduzido pelas demais entidades de defesa do
consumidor.
O IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor apresenta
memorial, enfatizando que o Banco Central reconhece que a TAC e a
TEC deixaram de existir com a produção de efeitos da Resolução CMN n.
3.518/2007, em 30.4.2008. Sustenta a abusividade das mencionadas tarifas
em face do disposto no CDC, por ter como fato gerador atividade de interesse
da instituição financeira e não do consumidor, o que ofende o princípio da
informação e consubstancia vantagem exagerada do banco.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Inicialmente, analiso o
pedido do INPCOM, do Procon-SP, do Núcleo Especializado de Defesa do
Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e da MPCON Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, com base § 4º do
art. 543-C do CPC e no inciso I, do art. 3º, da Resolução STJ n. 8/2008.
Considero que a representatividade das pessoas, órgãos ou entidades
referidos deve relacionar-se, diretamente, à identidade funcional, natureza ou
finalidade estatutária da pessoa física ou jurídica que a qualifique para atender
ao interesse público de contribuir para o aprimoramento do julgamento da
causa, não sendo suficiente o interesse em defender a solução da lide em favor
de uma das partes (interesse meramente econômico).
Penso que a intervenção formal no processo repetitivo deve dar-se por
meio da entidade de âmbito nacional, sob pena de prejuízo ao regular e célere
andamento de tal importante instrumento processual.
No caso em exame, com exceção da MPCON, os requerentes dizem
representar consumidores que residem no Estado de São Paulo, ao passo
300
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
que o INPCOM não alega ter sede fora do Estado do Rio de Janeiro ou o
IBDCONB fora de Florianópolis; não dispõem, portanto, ao meu sentir,
de representatividade que justifique a sua intervenção formal em processo
submetido ao rito repetitivo.
Quanto ao IBDCOMP, observo que se trata, na realidade, de associação
de advogados estabelecida em Florianópolis, conforme art. 9º de seu Estatuto.
Pelos mesmos motivos, indefiro o pleito de admissão nos autos na condição
de interessado, formalizado pelo Banco Honda S.A. à fl. 282, acrescentando que
a manifestação da Febraban, na qualidade de amicus curiae, já é suficiente para a
representatividade do segmento empresarial, não sendo relevante para o caso a
inclusão do peticionante no polo passivo de ação coletiva sobre a questão.
Também indefiro, ainda com maior razão, dada a absoluta falta de
representatividade, os pedidos formulados por Maria de Fátima Ferrão Castelo
Branco Chaves e André Filipe Lemos de Castro Lobo, na mesma linha da
solução aplicada ao incidente provocado pela Petição n. 170.846/2013 (fls. 478484), de autoria de Anderson Oliveira da Silva, pela decisão de fls. 518-519,
contra a qual não se interpôs recurso.
Quanto à MPCON, não obstante o alegado âmbito nacional, entendo
que tal qualidade deve ser compreendida como a capacidade de prestar
assistência e fornecer estrutura físico-administrativa para atendimento da
população na amplitude do território brasileiro, ao meu ver indispensável para o
reconhecimento da representatividade de que trata o rito específico. Ademais, a
referida associação é constituída por membros do Ministério Público, instituição
que já oficia nos autos, tendo emitido pronunciamento conclusivo sobre a causa.
Consideradas essas razões, indefiro os pedidos de inclusão como amicus
curiae.
Nada obsta, todavia, à permanência nos autos, a título de memorial, das
manifestações já apresentadas, porque tal permissão não prejudica a marcha
processual.
Indefiro, pois, os pedidos de intervenção como amicus curiae.
II - O ACÓRDÃO RECORRIDO
Cuida-se de ação revisional de contrato de financiamento com garantia
de alienação fiduciária, tendo o acórdão recorrido vedado a capitalização dos
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301
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
juros em qualquer periodicidade e declarado a nulidade da cobrança das tarifas
administrativas para a concessão do crédito e do parcelamento do IOF.
Prequestionado implicitamente o art. 4º da Lei n. 4.595/1964, sob a
égide do qual foi publicada a Resolução CMN n. 2.303/1996, verifica-se,
relativamente à legalidade da cláusula que estabelece a cobrança de taxas/
tarifas para cobrança de despesas administrativas, sejam de abertura de cadastro
ou de crédito (TAC) ou de emissão de boleto ou carnê (TEC), sob quaisquer
denominações, e do IOF financiado em parcelas, que o acórdão recorrido assim
dispôs (fls. 190-193):
De outro lado, deve ser mantida a sentença que reconheceu a nulidade da
cobrança de tarifa e/ou taxa com várias denominações, para fins de reembolsar
a parte demandada das despesas administrativas que teve para a concessão do
financiamento, eis que, primeiramente, ofende o art. 46, primeira parte, do CDC
(“Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores,
se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo,
(...)”), assim como o art. 51, inc. IV, do CDC (“São nulas de pleno direito, entre outras,
as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor
em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”).
É que o contrato não explica a razão da cobrança desta tarifa e/ou taxa, pois
nele apenas consta o seu valor, e também porque transfere o custo administrativo
da operação financeira ao financiado, colocando-o em desvantagem exagerada.
A este respeito, tem entendido o colendo 7º Grupo Cível/TJRS que esta
nulidade deve ser reconhecida de ofício pelo Julgador, o que passo a acompanhar,
como antes referido.
Neste sentido:
Embargos infringentes. Apelação cível em ação revisional de contrato
de financiamento com alienação fiduciária. Acórdão, não unânime, que
condiciona a tutela antecipada ao pagamento das parcelas incontroversas.
Outrossim, também por maioria, de ofício, reduziu os juros remuneratórios
para 12% ao ano e decretou a nulidade das cláusulas contratuais
atinentes à taxa de abertura de crédito e à tarifa de emissão de carnê,
com voto vencido contrário às disposições de ofício.
A divergência relativa à tutela antecipada não diz respeito ao mérito, em
si, da sentença, não devendo ser conhecidos os embargos infringentes, neste
ponto, porque não presente requisito do art. 530 do CPC. No mais, aplicável,
na espécie, o Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública.
As cláusulas abusivas são ‘nulas de pleno direito e, como tal, estas
nulidades devem ser reconhecidas independentemente de iniciativa
302
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
da parte. No caso, não há falar em dever de observância dos princípios
da non reformatio in pejus e tantun devolutum quantum apellatum.
(grifei)
Embargos infringentes conhecidos em parte, à unanimidade e na parte
conhecida por maioria, desacolhidos. (grifei)
(Embargos Infringentes n. 70013529409, 7º Grupo Cível do TJRS, Rel.
Isabel de Borba Lucas. j. 17.3.2006).
Embargos infringentes. Alienação fiduciária. Ação revisional de contrato.
Disposições de ofício. Taxa de abertura de crédito.
Neste aspecto, constata-se a ilegalidade de tal cobrança, pois imposta ao
consumidor, ficando o mesmo vulnerável a cobranças abusivas e excessivas
que vão de encontro à Lei de Proteção Consumerista.
Multa moratória. Quanto à multa moratória, melhor pensar na
possibilidade da mesma ser limitada em 2% sobre o valor da parcela em atraso,
porque menos gravosa ao consumidor, que detém a seu favor um forte sistema
protetivo. Face à sua vulnerabilidade, impõe-se a interpretação que mais lhe
parece razoável. Negaram provimento aos embargos infringentes, por maioria.
(grifei)
(Embargos Infringentes n. 70013922497, 7º Grupo Cível do TJRS, Rel.
Judith dos Santos Mottecy. j. 17.3.2006).
Desta forma, declaro a nulidade e afasto a cobrança, pelo réu, da tarifa e/ou
taxa para fins de reembolso de despesas administrativas tidas com a concessão
do financiamento à parte autora.
Ainda, no que se refere ao Imposto sobre Operações Financeiras, foi instituído
pela Lei n. 5.143/1966 e, atualmente, encontra-se regulamento pelo Decreto
n. 4.494/2002, que dispõe no sentido de que o mesmo incide sobre operações
de crédito realizadas por instituições financeiras (art. 2º, inc. I, letra a), tendo
como fato gerador “a entrega do montante ou do valor que constitua o objeto da
obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado (Lei n. 5.172, de 1966, art.
63, inciso I” (art. 3º, caput).
Também estabelece, o referido Decreto n. 4.494/2002, que entende-se
ocorrido o fato gerador e devido o IOF sobre operação de crédito na data da
efetiva entrega, total ou parcial, do valor que constitua o objeto da obrigação ou
sua colocação à disposição do interessado (art. 3º, § 1º, inc. I).
No caso dos autos, verifica-se que o demandado fez incidir o IOF sobre as
parcelas contratadas, nestas incluídos juros remuneratórios e demais encargos,
violando as disposições acima mencionadas, que expressamente determinam a
sua incidência e cobrança na data da efetiva entrega do valor financiado ou da
sua colocação à disposição deste.
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303
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Constata-se, assim, que o contrato objeto desta Ação Revisional atribui, à parte
autora, obrigação iníqua e abusiva, que o coloca em situação de desvantagem
exagerada e incompatível com a boa-fé e a eqüidade contratual (CDC, art. 51, inc.
IV), motivo pelo qual merece ser afastada essa forma de cobrança do IOF, eis que
nula de pleno direito.
III - DELIMITAÇÃO DA MATÉRIA SUJEITA AO RITO
REPETITIVO E OBJETO DA SUSPENSÃO DE PROCESSOS NAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS
As tarifas em questão nos presentes autos são apenas as que têm por
objeto direto a concessão e cobrança do crédito, a saber, a tarifa para confecção
de cadastro e abertura de crédito (TAC ou outra denominação que sirva para
remunerar o mesmo fato gerador) e para emissão de boleto de pagamento ou
carnê (TEC ou outra denominação que sirva para remunerar o mesmo fato
gerador).
Igualmente, foi afetada para julgamento, segundo o rito do art. 543-C, a
questão relativa ao financiamento do IOF.
Apenas a controvérsia acerca dessas questões, portanto, justifica a suspensão
dos processos na instância de origem.
As demais matérias tratadas nas manifestações juntadas aos autos, como
valores cobrados para ressarcir serviços de terceiros e tarifas por serviços não
cogitados nestes autos, não estão sujeitas a julgamento e, portanto, escapam ao
objeto do recurso repetitivo, embora os fundamentos adiante expostos devam
servir de premissas para o exame de questionamentos acerca da generalidade das
tarifas bancárias.
IV - DISCIPLINA LEGAL DAS TARIFAS BANCÁRIAS
Para análise da matéria, necessária a lembrança do teor dos arts. 4º, VI, e 9º
da Lei n. 4.595/1964:
Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes
estabelecidas pelo Presidente da República:
(...)
VI - Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações
creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de
quaisquer garantias por parte das instituições financeiras;
304
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
(...)
IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões
e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou
financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil (...)”
(...)
Art. 9º Compete ao Banco Central da República do Brasil cumprir e fazer
cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as
normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Deve-se ter presente, de início, que os dispositivos em questão integram
diploma legal com natureza de lei complementar e específica em relação ao
Sistema Financeiro Nacional, o que pretere a aplicação do Código Civil e do
CDC naquilo em que incompatível, consoante entendimento manifestado por
julgados deste Tribunal em matérias análogas, como, por exemplo, no REsp n.
680.237-RS (2ª Seção, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de
15.3.2006).
Do citado precedente, extraio a seguinte argumentação, elaborada em
relação aos juros remuneratórios, mas que tem a mesma pertinência como o caso
presente:
De efeito, a Lei n. 4.595/1964, disciplina o Sistema Financeiro Nacional e atribui
ao Conselho Monetário Nacional competência exclusiva para regular as taxas de
juros praticadas pelas entidades sujeitas à dita autoridade monetária, se entender
necessário.
Portanto, a temática referente aos juros remuneratórios praticados no aludido
Sistema Financeiro encontra regulação por inteiro e especial naquele texto legal
(...)
(...)
A especialidade da Lei n. 4.595/1964 já era reconhecida pelo C. STF desde
quando levado a apreciar à aplicabilidade ou não da Lei de Usura aos contratos
do Sistema Financeiro Nacional em face da limitação dos juros, como se vê do RE
n. 78.953-SP, com esta ementa:
1. Mútuo. juros e condições.
II. A Caixa Econômica faz parte do Sistema Financeiro Nacional - art. 1º,
inciso V, da Lei n. 4.595/1964, e, em conseqüência, está sujeita às limitações
e à disciplina do Banco Central, inclusive quanto às taxas de juros e mais
encargos autorizados.
III - O art. 1º do Decreto n. 22.626/1933 está revogado “não pelo desuso
ou pela inflação, mas pela Lei n. 4.595/1964, pelo menos ao pertinente
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
305
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
às operações com as instituições de crédito, públicas ou privadas, que
funcionam sob o estrito controle do Conselho Monetário Nacional”.
IV - Reconhecido e provido.
(2ª Turma, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, DJU de 11.4.1975)
Esse julgamento e outros que lhe sucederam deram origem à Súmula n. 596STF, que reza:
As disposições do Dec. n. 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros
e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições
públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional.
(...)
Em acréscimo, relevante observar que com a edição da atual Carta Política,
que destinou capítulo exclusivo ao Sistema Financeiro Nacional ao tratar da
ordem econômica, previu-se que a regulamentação do setor depende de lei
complementar, de sorte que, por conseqüência, a legislação anterior e especial,
que regia e rege o Sistema até o momento, igual status possui.
Esse entendimento já foi sufragado em julgamentos anteriores das Turmas de
Direito Privado desta Corte, a saber:
(...)
A doutrina de Celso Ribeiro Bastos, neste aspecto, traz a seguinte lição ao
comentar o artigo 192 do Texto Magno, ainda antes da promulgação da Emenda
Constitucional n. 40/2003:
O presente artigo estipula que o sistema financeiro nacional será
regulado em lei complementar. Na verdade já existe o referido sistema
disciplinado pela Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que passa
a vigorar com força de lei complementar. Não é que a referida lei se
converta em norma dessa categoria. O que acontece é que, não podendo
a matéria atinente ao sistema financeiro ser disciplinada senão por lei
complementar, a normatividade anterior, nada obstante não constar de
norma dessa natureza, só pode ser modificada por preceito dessa categoria
legislativa. Daí a sua eficácia ser de lei complementar e poder falar-se, em
conseqüência, que a Lei n. 4.595/1964 tem força de lei complementar.
São duas as matérias que lhe cabem: estruturar o sistema financeiro com
vistas aos objetivos descritos no artigo sob comento e tratar de forma
específica dos incisos constantes do artigo, assim como dos seus parágrafos,
sobretudo o terceiro, que exige uma legislação integradora.
(‘Comentários à Constituição do Brasil’, vol. 7, 2ª ed., Saraiva, São Paulo,
2000, p. 348)
306
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
(...)
Tal prática, ressalte-se, não foi inaugurada pela atual Constituição Federal,
posto que o Código Tributário Nacional, editado sob a forma de lei ordinária na
vigência da Carta de 1946, adquiriu caráter semelhante com o texto constitucional
de 1967.
(...)
Em conclusão, tenho que mesmo para os contratos de agentes do Sistema
Financeiro Nacional celebrados posteriormente à vigência do novo Código Civil,
que é lei ordinária, os juros remuneratórios não estão sujeitos à limitação, devendo
ser cobrados na forma em que ajustados entre os contratantes, consoante a
fundamentação acima, que lhes conferia idêntico tratamento antes do advento
da Lei n. 10.406/2002, na mesma linha da Súmula n. 596 do E. STF.
Observo, contudo, que isso não afasta a conclusão a que chegou esta 2ª Seção
no julgamento do REsp n. 271.214-RS, sobre a incidência do CDC a tais contratos,
se demonstrada, concretamente, a abusividade, nos termos daquele acórdão
majoritário.
Fixada em sólidos alicerces essa premissa, tem-se que, com base na
autorização prevista nos arts. 4º, VI e IX, e 9º da Lei n. 4.595/1964, lei recebida
como complementar, o Conselho Monetário Nacional, por intermédio do
Banco Central, editou sucessivas resoluções sobre a remuneração a ser paga
pelos serviços bancários, dentre as quais passarei a analisar as pertinentes a
tarifas bancárias.
Resolução CMN n. 2.303/1996
Conforme se extrai da manifestação do Banco Central, ao tempo da
Resolução CMN n. 2.303/1996, vigente quando da celebração do contrato de
financiamento em questão, a orientação estatal quanto à cobrança de tarifas
pelas instituições financeiras era basicamente não intervencionista, vale dizer, “a
regulamentação facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação
de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma definia como
básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente, assim como
respeitassem os procedimentos voltados a assegurar a transparência da política
de preços adotada pela instituição.”
Os serviços básicos, não passíveis de cobrança de tarifa, eram: (a)
fornecimento de cartão magnético ou de talonário de cheque; (b) substituição
de cartão magnético; (c) expedição de documentos destinados à liberação
de garantias de qualquer natureza; (d) devolução de cheques, exceto por
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
307
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
insuficiência de fundos; e) manutenção de determinados tipos de contas; e (f )
fornecimento de um extrato mensal.
Quanto aos demais serviços, “a cobrança de tarifa sempre esteve
condicionada (vinculada) ao exercício ou desempenho de uma atividade possível,
lícita e determinada por instituição financeira.” (e-STJ 307) Determinava, ainda, a
Resolução CMN n. 2.303/1996, com a redação dada pela Resolução CMN n.
2.747/2000, a afixação obrigatória de quadro, nas dependências da instituição,
em local visível ao público, contendo a relação dos serviços tarifados e respectivos
valores, periodicidade da cobrança e o esclarecimento de que os valores haviam
sido estabelecidos pela própria instituição. Somente as tarifas constantes do
quadro poderiam ser cobradas e eventual reajuste ou criação de nova tarifa
deveria ser informado ao público com antecedência mínima de trinta dias.
Resolução CMN n. 3.518/2007 e Circular Bacen n. 3.371/2007.
Tal sistema mudou com a Resolução CMN n. 3.518, de 2007, eficaz a partir
de 30.4.2008, data em que ficou revogada a Resolução CMN n. 2.303/1996.
A Resolução CMN n. 3.518/2007 buscou padronizar a nomenclatura das
tarifas, a fim de tornar viável a comparação, pelos clientes bancários, dos valores
cobrados por cada serviço, favorecendo a concorrência entre as instituições
financeiras.
Os serviços foram, então, divididos em quatro categorias: (1) os essenciais,
enumerados no art. 2º, não passíveis de tarifação; (2) os prioritários, abrangendo
os principais serviços prestados a pessoas físicas, cuja cobrança é restrita àqueles
definidos pelo Bacen; (3) os especiais, discriminados no art. 4º da Resolução,
regidos por legislação própria, entre os quais o crédito rural, mercado de câmbio,
PIS/Pasep, penhor civil e operações de microcrédito e (4) os diferenciados,
enumerados no art. 5º, que admitem a cobrança de tarifa, desde que explicitadas
ao cliente ou usuário as condições de utilização e pagamento.
Os serviços prioritários foram assim definidos:
Art. 3º Os serviços prioritários para pessoas físicas, assim considerados aqueles
relacionados às contas de depósito, transferências de recursos, operações de
crédito e cadastro, serão definidos pelo Banco Central do Brasil, que estabelecerá
a padronização de nomes e canais de entrega, a identificação por siglas e a
descrição dos respectivos fatos geradores.
Parágrafo único. A cobrança de tarifas de pessoas físicas pela prestação, no
País, de serviços prioritários fica limitada às hipóteses previstas no caput. (grifo não
constante do original).
308
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Em cumprimento ao disposto no art. 3º acima transcrito, o Bacen editou
a Circular n. 3.371, de 6.12.2007, definindo, na forma da Tabela I a ela anexa,
os serviços prioritários relacionados a contas de depósitos, transferências de
recursos, operações de crédito e cadastro e, na Tabela II, o pacote padronizado
de serviços prioritários cujo oferecimento obrigatório é previsto no art. 6º da
Resolução CMN n. 3.518/2007. Estabeleceu, ainda, a referida circular que a
cobrança de tarifa por serviço prioritário não previsto nas Tabelas I e II depende
de autorização do Banco Central.
Da referida Tabela I não consta a Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e
nem a Tarifa de Emissão de Carnê (TEC), donde a conclusão de que deixou de
ser permitida a estipulação de cobrança por tais serviços.
Foi, todavia, expressamente prevista na Circular n. 3.371/2007 a Tarifa
de Cadastro, cujo fato gerador da cobrança foi definido como “exclusivamente,
realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e
informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao
início de relacionamento de conta-corrente de depósitos, conta de depósitos de
poupança e operações de crédito e de arrendamento mercantil.”
Constou, ainda, da Circular n. 3.371/2007 a Tarifa de Renovação de
Cadastro, para remunerar a “atualização de dados cadastrais para atendimento
da regulamentação acerca da política de ‘conheça seu cliente’ cobrada no máximo
duas vezes ao ano.” A Tarifa de Renovação de Cadastro foi abolida pela Circular
Bacen n. 3.466, de 11.9.2009.
Resolução CMN n. 3.693/2009
Como visto, desde a Circular Bacen n. 3.371/2007, que implementou a
padronização preconizada pela Resolução CMN n. 3.518/2007, a pactuação da
TEC deixou de ter amparo legal. A vedação tornou-se explícita com a edição
da Resolução n. 3.693/2009, cujo art. 1º, § 2º, estabeleceu não ser admitido
o ressarcimento “de despesas de emissão de boletos de cobrança, carnês e
assemelhados.”
Resolução CMN n. 3.919/2010
Posteriormente, a Resolução CMN n. 3.919/2010 revogou a Resolução
CMN n. 3.518/2007, alterando e consolidando as normas sobre cobrança de
tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
309
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Os serviços continuaram a ser classificados nas categorias de essenciais (não
passíveis de cobrança), prioritários, especiais e diferenciados.
Os serviços prioritários foram definidos pelo art. 3º da Resolução CMN
n. 3.919/2010 como “aqueles relacionados a contas de depósitos, transferências
de recursos, operações de crédito e de arrendamento mercantil, cartão de
crédito básico e cadastro”. Dispôs, ainda, o art. 3º que a cobrança de tarifas pela
prestação de serviços incluídos nesta categoria deve observar “a lista de serviços,
a padronização, as siglas e os fatos geradores da cobrança estabelecidos na
Tabela anexa à esta resolução.”
Na Tabela anexa à resolução não consta a Tarifa de Abertura de Crédito
(TAC) e nem de Tarifa de Emissão de Carnê (TEC), de forma que não mais é
lícita a sua estipulação.
Continuou permitida a Tarifa de Cadastro, a qual remunera o serviço
de “realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados
e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao
inicio de relacionamento decorrente da abertura de conta de depósito à vista
ou de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento
mercantil, não podendo ser cobrada cumulativamente”.
Neste ponto, importante ressaltar a distinção feita pelo Banco Central
entre a atual Tarifa de Cadastro e a antiga Tarifa de Abertura de Crédito (TAC)
e demais tarifas no passado cobradas pela disponibilização ou manutenção de
um limite de crédito ao cliente, ressaltando que a TAC “era usualmente cobrada
sobre qualquer operação de crédito, mesmo que o tomador já fosse cliente do
estabelecimento bancário”; a Tarifa de Cadastro, a seu turno, “somente pode
incidir no inicio do relacionamento entre o cliente e instituição financeira, e
se justifica pela necessidade de ressarcir custos com realização de pesquisas em
cadastros, bancos de dados e sistemas”.
A propósito da Tarifa de Cadastro, afirma a Febraban que, em função de
Autorregulação Bancária, conforme Normativo Sarb n. 005/2009, o consumidor
não é obrigado a contratar o serviço de cadastro junto à instituição financeira, já
que tem as alternativas de providenciar pessoalmente os documentos necessários
à comprovação de sua idoneidade financeira ou contratar terceiro (despachante)
para fazê-lo (e-STJ fl. 459-460).
Em síntese, não estando listadas entre as tarifas passíveis de cobrança por
serviços prioritários na Resolução CMN n. 3.518/2007 e respectiva Tabela I
da Circular Bacen n. 3.371/2007, eficaz a partir de 30.4.2008, nem na Tabela
310
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
anexa à vigente Resolução CMN n. 3.919/2010, com a redação dada pela
Resolução n. 4.021/2011, a Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e a Tarifa
de Emissão de Carnê (TEC) deixaram de ser legitimamente passíveis de
pactuação com a entrada em vigor da Resolução CMN n. 518/2007. Os
contratos que as estipularam até 30.4.2008 não apresentam eiva de ilegalidade,
salvo demonstração de abuso, em relação às práticas de mercado em negócios
jurídicos contemporâneos análogos.
Por outro lado, o serviço de confecção de cadastro continua a ser passível
de cobrança, no início do relacionamento, desde que contratado expressamente,
por meio da “Tarifa de Cadastro”.
V - IOF FINANCIADO
Especificamente quanto à forma de cobrança do IOF, tributo de
responsabilidade do mutuário, não se discute que a obrigação tributária
arrecadatória e o recolhimento do tributo à Fazenda Nacional foi cumprido por
inteiro pela instituição financeira, o agente arrecadador, de sorte que a relação
existente entre esta e o mutuário é decorrente da transferência ao Fisco do valor
integral da exação tributária. Este é o objeto do financiamento acessório, sujeito
às mesmas condições e taxas do mútuo principal, destinado ao pagamento do
bem de consumo.
O financiamento do valor devido pelo consumidor à Fazenda, pela
instituição financeira arrecadadora, não padece de ilegalidade ou abusividade,
senão atendimento aos interesses do financiado, que não precisa desembolsar
de uma única vez todo o valor, ainda que para isso esteja sujeito aos encargos
previstos no contrato.
VI - JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA
Conclui-se, portanto, que a posição assumida pelo acórdão recorrido
contraria o entendimento desta Corte, no sentido de que, havendo pactuação
expressa, “em relação à cobrança das tarifas de abertura de crédito, emissão de
boleto bancário e IOF financiado, há que ser demonstrada de forma objetiva
e cabal a vantagem exagerada extraída por parte do recorrente que redundaria
no desequilíbrio da relação jurídica, e por conseqüência, na ilegalidade da sua
cobrança”, o que não ocorreu no caso dos autos. Nesse sentido:
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
311
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo regimental. Contrato bancário. Ação revisional. Juros remuneratórios.
Limitação afastada. Comissão de permanência. Licitude da cobrança. Cumulação
vedada. Capitalização mensal de juros. Pactuação expressa. Necessidade.
Descaracterização da mora. Pressuposto não-evidenciado. Inscrição do devedor
nos cadastros de proteção ao crédito. Legitimidade.
1. A alteração da taxa de juros remuneratórios pactuada em mútuo bancário e a
vedação à cobrança da taxa de abertura de crédito, à tarifa de cobrança por boleto
bancário e ao IOF financiado dependem, respectivamente, da demonstração cabal
de sua abusividade em relação à taxa média do mercado e da comprovação do
desequilíbrio contratual.
2. Nos contratos bancários firmados posteriormente à entrada em vigor da MP
n. 1.963-17/2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é lícita a capitalização mensal
dos juros, desde que expressamente prevista no ajuste.
3. É admitida a cobrança da comissão de permanência durante o período de
inadimplemento contratual, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo
Bacen.
4. Não evidenciada a abusividade das cláusulas contratuais, não há por que
cogitar do afastamento da mora do devedor.
5. A simples discussão judicial da dívida não é suficiente para obstar a
negativação do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes.
6. Agravo regimental desprovido.
(4ª Turma, AgRg no REsp n. 1.003.911-RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha,
unânime, DJe de 11.2.2010, grifei)
Direito Bancário. Recurso especial. Ação revisional de contrato bancário.
Juros remuneratórios. Taxa prevista no contrato reconhecidamente abusiva pelo
Tribunal de origem. Súmula n. 7 do STJ. Capitalização mensal dos juros. Ausência
de expressa pactuação contratual. Súmulas n. 5 e 7-STJ. Tarifa para abertura de
crédito e para emissão de carnê. Legitimidade. Abusividade não demonstrada.
Descaracterização da mora. Cobrança de acréscimos indevidos. Violação do
art. 535 do CPC não configurada.
1. Inexiste violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora
sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos
autos, sendo certo que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os
argumentos trazidos pela parte caso os fundamentos utilizados tenham sido
suficientes para embasar a decisão.
2. A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.061.530-RS,
submetido ao rito previsto no art. 543-C do CPC, Relatora Ministra Nancy
Andrighi, DJe 10.3.2009, consolidou o seguinte entendimento quanto aos juros
remuneratórios: a) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros
312
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/1933), Súmula n.
596-STF; b) a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por
si só, não indica abusividade; c) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos
contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 combinado com o art.
406 do CC/2002; d) é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em
situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a
abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art.
51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada ante as peculiaridades do
julgamento em concreto.
3. O Tribunal a quo, com ampla cognição fático-probatória, considerou
notadamente demonstrada a abusividade da taxa de juros remuneratórios
pactuada no contrato em relação à taxa média do mercado. Incidência da Súmula
n. 7 do STJ.
4. A capitalização de juros não se encontra expressamente pactuada, não
podendo, por conseguinte, ser cobrada pela instituição financeira. A inversão
do julgado demandaria a análise dos termos do contrato, o que é vedado nesta
esfera recursal extraordinária em virtude do óbice contido nas Súmulas n. 5 e 7 do
Superior Tribunal de Justiça.
5. As tarifas de abertura de crédito (TAC) e emissão de carnê (TEC), por não
estarem encartadas nas vedações previstas na legislação regente (Resoluções n.
2.303/1996 e 3.518/2007 do CMN), e ostentarem natureza de remuneração pelo
serviço prestado pela instituição financeira ao consumidor, quando efetivamente
contratadas, consubstanciam cobranças legítimas, sendo certo que somente com a
demonstração cabal de vantagem exagerada por parte do agente financeiro é que
podem ser consideradas ilegais e abusivas, o que não ocorreu no caso presente.
6. A cobrança de acréscimos indevidos a título de juros remuneratórios
abusivos e de capitalização dos juros tem o condão de descaraterizar a mora do
devedor. Precedentes.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta extensão, parcialmente
provido, sem alteração nos ônus sucumbenciais fixados pelo Tribunal de origem.
(4ª Turma, REsp n. 1.246.622-RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, unânime,
DJe de 16.11.2011, grifei)
Agravo regimental no agravo. Contrato bancário. Capitalização mensal dos
juros. Admissibilidade. Juros remuneratórios. Comissão de permanência cobrança
cumulada com os demais encargos moratórios. Impossibilidade. Imposto sobre
Operações Financeiras. Decisão agravada mantida. Improvimento.
1.- A capitalização dos juros é admissível quando pactuada e desde que
haja legislação específica que a autorize. Assim, permite-se sua cobrança na
periodicidade mensal nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial (DecretoLei n. 167/1967 e Decreto-Lei n. 413/1969), bem como nas demais operações
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
realizadas pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro
Nacional, desde que celebradas a partir da publicação da Medida Provisória n.
1.963-17 (31.3.2000).
2.- Os juros pactuados em taxa superior a 12% ao ano não são considerados
abusivos, exceto quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de
mercado, após vencida a obrigação, hipótese não ocorrida nos autos.
3.- Os juros remuneratórios, quando ausente o percentual contratado, incidem
pela taxa média do mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco
Central do Brasil.
4.- É vedada a cobrança cumulada da comissão de permanência com juros
remuneratórios, correção monetária e/ou juros e multa moratórios, nos contratos
bancários.
5.- Conforme entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção deste
Tribunal, no mesmo passo dos juros remuneratórios, “em relação à cobrança das
tarifas de abertura de crédito, emissão de boleto bancário e IOF financiado, há que ser
demonstrada de forma objetiva e cabal a vantagem exagerada extraída por parte do
recorrente que redundaria no desequilíbrio da relação jurídica, e por conseqüência,
na ilegalidade da sua cobrança” (AgRg no REsp n. 1.003.911-RS, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJe 11.2.2010).
6.- O agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a
conclusão do julgado, o qual se mantém por seus próprios fundamentos.
7.- Agravo Regimental improvido.
(3ª Turma, AgRg no AREsp n. 90.109-RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, unânime,
DJe de 9.5.2012)
Agravo regimental. Recurso especial. Comissão de permanência. Encargos
moratórios. Cumulação. Impossibilidade. Repetição de indébito. Prova de
erro. Desnecessidade. Vedação ao enriquecimento sem causa. Encargos da
normalidade. Cobrança legítima. Mora debendi. Caracterização. TAC. Cobrança.
Possibilidade. Disposição ex officio. Afastamento.
1. “Nos contratos de mútuo bancário, os encargos moratórios imputados
ao mutuário inadimplente estão concentrados na chamada comissão de
permanência, assim entendida a soma dos juros remuneratórios à taxa média de
mercado, nunca superiores àquela contratada, dos juros moratórios e da multa
contratual, quando contratados; nenhuma outra verba pode ser cobrada em
razão da mora. Recurso especial não conhecido” (REsp n. 863.887-RS, Rel. Min. Ari
Pargendler, Segunda Seção, julgado em 14.3.2007, DJe 21.11.2008)
2. Possível a repetição de indébito sempre que constatada a cobrança indevida
de algum encargo contratual, mostrando-se desnecessária prova de erro no
pagamento, porquanto suficiente à justificação da incidência dos institutos, o
repúdio ao enriquecimento sem causa.
314
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, se os encargos da normalidade
exigidos pela instituição financeira não são abusivos, entende-se que a
inadimplência não pode ser atribuída ao credor, razão pela qual há de se entender
configurada a mora debendi.
4. “A alteração da taxa de juros remuneratórios pactuada em mútuo bancário
e a vedação à cobrança das taxas denominadas TAC e TEC dependem da
demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado
e da comprovação do desequilíbrio contratual” (AgRg no REsp n. 1.061.477-RS,
Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 22.6.2010, DJe
1º.7.2010)
5. “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da
abusividade das cláusulas” (Súmula n. 381-STJ).
6. Agravo regimental parcialmente provido.
(3ª Turma, AgRg no REsp n. 897.659-RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, unânime, DJe de 9.11.2010)
A mesma orientação tem sido adotada em decisões singulares, como se
observa, entre outras, no REsp n. 1.269.226-RS (Rel. Ministro Sidnei Beneti,
DJe de 30.3.2012), REsp n. 1.272.084-RS (Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe
de 26.3.2012), REsp n. 1.305.361-RS (Rel. Ministro Massami Uyeda, DJe de
26.3.2012), REsp n. 1.071.290-RN (Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira,
DJe de 29.11.2011) e AREsp n. 1.736-RS (Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe de
10.4.2012).
Consolidando esses diversos precedentes, a 2ª Seção, sob minha relatoria,
sufragou entendimento favorável à possibilidade de cobrança das referidas
tarifas, no julgamento do REsp n. 1.270.174-RS, cuja ementa possui a seguinte
redação:
Civil e Processual Civil. Recurso especial. Cédula de crédito bancário com
garantia de alienação fiduciária. Embargos de declaração. Nulidade. Ausência.
Taxa de Abertura de Crédito (TAC). Taxa de Emissão de Carnê (TEC). Expressa
previsão contratual. Cobrança. Legitimidade.
1. Não viola a norma de regência dos embargos de declaração o acórdão que
apenas decide a lide contrariamente aos interesses da parte.
2. As normas regulamentares editadas pela autoridade monetária facultam
às instituições financeiras, mediante cláusula contratual expressa, a cobrança
administrativa de taxas e tarifas para a prestação de serviços bancários não
isentos.
3. As tarifas de abertura de crédito (TAC) e emissão de carnê (TEC), por não
estarem encartadas nas vedações previstas na legislação regente (Resoluções n.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2.303/1996 e 3.518/2007 do CMN), e ostentarem natureza de remuneração pelo
serviço prestado pela instituição financeira ao consumidor, quando efetivamente
contratadas, consubstanciam cobranças legítimas, sendo certo que somente com
a demonstração cabal de vantagem exagerada por parte do agente financeiro
é que podem ser consideradas ilegais e abusivas, o que não ocorreu no caso
presente (REsp n. 1.246.622-RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, unânime, DJe
de 16.11.2011)
4. Recurso especial conhecido e provido. (DJe de 5.11.2012)
Neste último precedente citado, em resposta a ponderações no sentido
de que as tarifas para o custeio de despesas relacionadas aos serviços bancários
deveriam integrar o cálculo da taxa de juros, observei:
Penso que todos os encargos contratuais devem estar claramente previstos
no contrato. Os valores cobrados no contrato bancário de adesão devem ser
compatíveis com o mercado e claramente divulgados. Não viola o CDC sejam
explicitados no contrato bancário os valores dos custos administrativos do
contrato de conta-corrente, do contrato de financiamento, entre outros; o valor de
cada serviço extra prestado ao consumidor (como emissão de talões de cheques
em número superior ao mínimo estabelecido pelo Bacen, cartões excedentes,
segunda via de extratos, pesquisa de cadastro etc), ao lado do valor da taxa de
juros efetiva. Quanto mais detalhada a informação constante do contrato, mais
transparente será o contrato, maior a possibilidade de o consumidor verificar a
taxa de juros real.
Na linha da preocupação manifestada pelo Ministro Sanseverino, a Resolução
n. 3.517/2007 do CNM, posterior ao financiamento, determina conste do contrato
o Custo Efetivo Total (CET), no qual estão embutidos a taxa de juros, as tarifas,
tributos, seguros e as despesas administrativas contratadas.
Assim, após a Resolução n. 3.517/2007, além da taxa de juros efetiva e dos
demais encargos (inclusive as tarifas), deve constar do contrato o CET, parâmetro
seguro para a comparação dos custos do financiamento almejado nas diferentes
instituições financeiras, pelo consumidor atento aos encargos que irá assumir.
A expressa e discriminada menção no contrato de todos os custos nele
compreendidos – ao invés de serem embutidos na taxa de juros – possibilita
melhor conhecimento e margem de negociação pelo consumidor.
Hoje já é possível, em algumas instituições bancárias, deixar de pagar tarifa
para abertura de crédito (tarifa de cadastro ou qualquer outra tarifa com o mesmo
objetivo), fornecendo o cliente ao banco todas as certidões negativas e demais
pesquisas necessárias ä aferição de sua capacidade econômica. Outros custos
administrativos, como a vistoria de veículos, podem ser objeto de entendimentos
prévios entre as partes, ou pactuados no contrato, dele constando expressamente
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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
o seu custo. Embutir todos os custos administrativos do financiamento na taxa de
juros – cuja finalidade é remunerar o capital emprestado e não, por exemplo, fazer
pesquisa de capacidade financeira ou vistoria de carros financiados, objeto de
leasing – não atende ao princípio da transparência e da boa-fé objetiva.
Engessar a liberdade contratual de especificar a composição dos encargos
do financiamento no contrato não acarretará a redução da taxa de juros real
vigente na economia. Se os bancos forem proibidos de pactuar os custos
administrativos ao lado da taxa de juros, ficará, a meu sentir, prejudicado o
princípio da transparência, porque esses mesmos custos incrementarão da taxa
de juros, como reconhece o próprio voto divergente.
Por fim, tendo em conta as lúcidas ponderações do Ministro Ricardo Cueva,
anoto que eventual deficiência no ambiente de concorrência inerente ao
mercado, porventura observada na prática, entre instituições financeiras, justifica
a atuação segura de órgãos públicos, especialmente o Banco Central e o Conselho
Monetário Nacional, mas não do Poder Judiciário na análise individual de alguns
casos trazidos à sua apreciação.
O Poder Judiciário não tem a visão de conjunto macro-econômica das
autoridades monetárias. Sua atuação em casos isolados, infirmando regras
contratuais compatíveis com a regulamentação do Bacen e não destoantes
das práticas e valores de mercado, implicaria, data maxima vênia, ofensa
aos princípios do pacta sunt servanda, da autonomia da vontade e prejuízo
manifesto à segurança jurídica, ensejando o aumento do risco e dos juros para a
generalidade dos consumidores e não de sua diminuição.
Reafirmo o entendimento acima exposto, no sentido da legalidade das
tarifas bancárias, desde pactuadas de forma clara no contrato e atendida a
regulamentação expedida pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco
Central, ressalvado abuso devidamente comprovado, caso a caso, em comparação
com os preços cobrados no mercado.
Esse abuso há de ser objetivamente demonstrado, por meio da invocação
de parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto, não
bastando a mera remissão a conceitos jurídicos abstratos ou à convicção subjetiva
do magistrado.
Anoto que o Banco Central do Brasil divulga os valores mínimo, máximo, a
periodicidade de cobrança, e a média das diversas tarifas cobradas pelos bancos,
o que permite, a exemplo do que já ocorre com os juros remuneratórios, e em
conjunto com as demais circunstâncias de cada caso concreto, notadamente o
tipo de operação e o canal de contratação, aferir a eventual abusividade, em
relação às práticas de mercado, das tarifas cobradas.
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317
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Custo Efetivo Total (CET) cumpre o objetivo, perseguido pelas
entidades de defesa do consumidor, de esclarecer o somatório dos encargos
incidentes sobre o mútuo. A meu ver, em nada acrescentaria à transparência do
pacto suprimir do contrato as informações referentes ao detalhamento da taxa
real de juros, tarifas de serviços e tributos, embutindo todas as despesas sob
a rubrica “juros”, para obter a mesma informação, já expressa no contrato, do
CET.
Um exemplo prático ilustra a questão: a Tarifa de Avaliação de Bens dados
em Garantia (permitida pela Resolução CMN n. 3.919) somente é cobrada, por
motivos óbvios, em caso de veículo usado. Atualmente, o custo deste serviço de
avaliação constará em item separado do contrato. A prevalecer o entendimento
de que as tarifas devem integrar a taxa de juros, de duas uma: ou os juros de
financiamento de veículo usado serão maiores do que os cobrados em caso de
veículo novo ou a taxa de juros do financiamento do veículo novo será inflada
por custo de avaliação desnecessária.
A Tarifa de Cadastro, hoje permitida apenas no início do relacionamento
entre a instituição financeira e o consumidor, ficaria embutida na taxa de juros
cobrada em sucessivas operações realizadas com o mesmo cliente. Ou haveria
estipulação de taxa de juros maior para o início do relacionamento bancário.
Não vejo, data máxima vênia, como tal procedimento possa favorecer ao dever
de informação e de transparência ou resultar em diminuição do custo do
financiamento.
Quanto à Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) ou Boleto (TEB), a
qual remunerava a comodidade de o cliente, a seu pedido, solver a obrigação
mediante documento liquidável em qualquer banco, não mais subsiste, como
visto, a partir da Resolução CMN n. 3.518, eficaz desde 30.4.2008. Assim, o
custo da emissão do boleto foi incorporado à taxa de juros com a qual deverão
arcar todos os consumidores, independentemente de sua disposição original de
pagar diretamente à instituição financeira credora, sem a necessidade de emissão
do boleto para a compensação bancária.
O embutimento do custo da emissão de carnês de pagamento na taxa
de juros não atende ao dever de informação e transparência e nem implica
necessariamente a diminuição da onerosidade do contrato. A vedação de sua
cobrança em separado deve ser obrigatoriamente observada pelas instituições
financeiras não em decorrência do CDC, mas em respeito à uniformidade de
tratamento dos encargos bancários ditada pela autoridade monetária, a qual,
318
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
dentro de sua competência (CF, art. 192 e Lei n. 4.595/1964, art. 4º e 9º) e com
sua visão técnica e macro-econômica do sistema financeiro, impôs esta conduta,
orientando assim o proceder futuro dos agentes de mercado na pactuação das
cláusulas contratuais.
Como afirmado pelo Ministro Antônio Carlos Ferreira em seu voto no
REsp n. 1.270.174 se as tarifas bancárias “não estiverem previstas claramente no
contrato, certamente estarão adicionadas ao custo da operação, nos juros. Não é
porque o mercado é mau; é porque é racional”.
Prefiro dizer: o mercado é real e inexorável. A racionalidade do mercado
muitas vezes somente é compreendida no futuro. A autoridade monetária pode
não acertar, se vista a sua opção em época posterior. Mas seguir as regras por
ela ditadas em abstrato, no âmbito estrito de sua competência, é imperativo
constitucional e legal.
Os agentes financeiros agem tendo por base as regras do Conselho
Monetário Nacional e do Banco Central. Caberá ao Judiciário, na análise
de cada caso concreto, apreciar alegações de lesão de direito, seja em caso de
indevida aplicação retroativa da regra editada pela autoridade monetária, de
estravasamento de sua competência, do que não se cogita nos autos, de vício de
transparência do contrato ou de abuso nos valores cobrados, tendo em conta os
parâmetros do mercado.
A quebra do sistema, pelo Poder Judiciário, com a declaração de ilegalidade
de taxas expressamente previstas na regulamentação do CMN/Bacen, acarretaria
insegurança jurídica e, em consequência, aumento do risco e da taxa de juros, em
prejuízo do próprio consumidor.
Em síntese, retifico, em parte, a fundamentação de meu voto no REsp n.
1.270.174-RS, para concluir que desde 30.4.2008, data do início da eficácia
da Resolução CMN n. 3.518/2007 e respectiva Tabela I da Circular Bacen n.
3.371/2007, não mais é jurídica a pactuação da Tarifa de Emissão de Carnê
(TEC, TEB ou qualquer outra denominação dada ao mesmo fato gerador) e
da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC ou qualquer outro nome conferido ao
mesmo fato gerador que não seja o da Tarifa de Cadastro). A cobrança da TAC
e da TEC é permitida, portanto, apenas se baseada em contratos celebrados até
30.4.2008. Permanece válida, todavia, até os dias atuais, a Tarifa de Cadastro,
prevista expressamente na Tabela anexa à referida Circular Bacen n. 3.371/2007
e atos normativos que a sucederam, a qual somente pode ser cobrada no início
do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VII - TESES REPETITIVAS
Ficam estabelecidas as seguintes teses para o efeito do art. 543-C, do CPC:
1ª Tese
Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da
Resolução CMN n. 2.303/1996) era válida a pactuação das tarifas de abertura
de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o
mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto.
2ª Tese
Com a vigência da Resolução CMN n. 3.518/2007, em 30.4.2008, a
cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada
às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela
autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação
da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito
(TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida
a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador
da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do
relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.
3ª Tese
Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações
Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo
principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.
VIII - CASO EM JULGAMENTO
No caso específico dos autos, cuida-se de contrato de financiamento (fl.
148) celebrado em 18.7.2006 (fls. 4 e 92), anteriormente portanto à vedação
imposta pela Resolução CMN n. 3.518/2007, de modo que é lícita a exigência
das tarifas de abertura de crédito e de emissão de carnê.
Anoto que o acórdão recorrido reconheceu a pactuação expressa das tarifas
questionadas (fl. 191), não afirmou estivessem sendo exigidas em desacordo com
a regulamentação expedida pelo CMN/Bacen e nem que o valor acordado fosse
abusivo. Sendo assim, aplicou o art. 51, inciso IV, do CDC à situação que a ele
não se subsume, violando, portanto, o referido dispositivo legal, bem como o art.
4º da Lei n. 4.595/1964, sob a égide do qual foi publicada a Resolução CMN n.
2.303/1996.
320
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Acerca da taxa de juros capitalizados, a Segunda Seção adotou, para os
efeitos do art. 543-C do CPC, o entendimento de que “A capitalização de juros
em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A
previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da
mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” (2ª
Seção, REsp n. 973.827-RS, acórdão de minha relatoria, DJe de 24.9.2012). No
caso dos autos, houve previsão de taxa mensal de 2,1129700% (fl. 151) e de taxa
efetiva anual de 28,52%. Dessa forma, legítima a cobrança da taxa efetiva anual
de juros remuneratórios, tal como convencionada.
Em face do exposto, conheço e dou parcial provimento ao recurso especial,
para que sejam observados os juros remuneratórios nas taxas mensal e anual
efetiva, como pactuados, e para restabelecer a cobrança das taxas/tarifas de
despesas administrativas para abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê
(TEC) e a cobrança parcelada do IOF.
Diante da sucumbência recíproca, na forma do art. 21, caput, do CPC,
arcarão as partes com os honorários de seus advogados.
É como voto.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto
por Aymoré Crédito Financiamento e Investimento S.A., com fundamento nas
alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ-RS.
A controvérsia objeto de afetação à 2ª Seção nos moldes do art. 543-C do
CPC se limita em verificar a legitimidade da cobrança de tarifas administrativas
para concessão e cobrança dos créditos oriundos de contratos bancários.
A despeito de ter acompanhado o voto da i. Ministra Relatora em sessão
ocorrida no dia 28.8.2013, peço as mais respeitosas vênias para ressalvar meu
posicionamento quanto à matéria, transcrevendo – no que pertine – voto-vista
que proferi quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.270.174-RS, por
esta mesma 2ª Seção, em 27.6.2012:
(...)
Pedi vista antecipada para melhor apreciação da controvérsia.
Revisados os fatos, decido.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
321
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conquanto a i. Min. Relatora e o i. Min. Villas Bôas Cueva tenham desenvolvido
uma bem lançada linha argumentativa, inclusive elaborando enriquecedor
quadro demonstrativo do panorama regulamentar elaborado pelo Banco Central
relativo à cobrança, pelas instituições financeiras, de tarifas de serviços, entendo
cabível fazer algumas ponderações adicionais acerca do assunto, especialmente
tendo em vista as também substanciais observações lançadas pelo i. Min. Paulo
de Tarso Sanseverino em seu voto divergente.
A primeira questão que salta aos olhos na análise do processo em julgamento,
com todas as vênias à i. Min. Relatora, é a de que o acórdão recorrido, analisando
o contrato de financiamento que deu origem à lide, reconheceu a abusividade da
cláusula contratual que estabeleceu a cobrança das Taxas de Abertura de Crédito
(TAC) e de Emissão de Carnê (TEC). Assim, ao menos em princípio, a revisão dessa
parcela do acórdão esbarraria no óbice do Enunciado n. 5 da Súmula-STJ.
O óbice sumular vem sendo contornado, nesta Corte, mediante a observação
de que o reconhecimento da ilegalidade da cobrança de taxa de abertura de
crédito ou de emissão de boletos bancários dependem de “demonstração cabal
de sua abusividade”. Há inúmeros precedentes nesse sentido, inclusive citados no
voto da i. Min. Relatora.
Contudo, o fundamento pelo qual o TJ-RS afastou referida cobrança não foi
apenas o da abusividade da cláusula, mas também o de que “o contrato não
explica a razão da cobrança desta tarifa e/ou taxa, pois nela apenas consta o seu
valor”. Ou seja, o TJ-RS reputou que a instituição financeira inadimpliu seu dever
de transparência e de informação quanto aos termos e fundamentos do contrato
aqui discutido. Esse dever tem posição de destaque no ordenamento jurídico,
decorrendo não apenas das disposições do CDC (art. 4º, caput e inc. IV, 6º, III,
31, entre tantos outros), como também das inúmeras Resoluções do Conselho
Monetário Nacional indicadas no recurso especial e nos votos precedentes, o que
dá a medida de sua importância.
Se o acórdão recorrido entendeu inadimplido esse dever, com base na
interpretação que deu do instrumento contratual, a revisão, nesta sede, é
impossível, salvo se esta Corte, reapreciando as condições de fato que permeiam
a lide, contrarie a afirmação contida no acórdão recorrido e exponha os motivos
pelos quais o dever de informação foi adimplido. Isso, com todas as vênias, não é
possível fazer.
Mas esse não é o único fundamento do acórdão recorrido. Além da violação
do direito à informação, TJ-RS também reputou que a cobrança das taxas seria
abusiva. Neste ponto, o julgado transita na área já abordada por inúmeros
precedentes desta Corte, de modo que faria sentido, em princípio, exigir que
a abusividade fosse cabalmente demonstrada, mediante o cotejo com a média
cobrada pelas demais instituições financeiras em operações da mesma espécie.
322
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
No entanto, reputo importante observar que, conquanto a jurisprudência
desta Corte já tenha reputado que a transferência deste custo ao consumidor
não pode, por si só, justificar a revisão da cláusula, é intrigante o fato de que o
próprio Conselho Monetário Nacional, posteriormente, veio a editar a Resolução
n. 3.693/2009, do Banco Central, vedando a cobrança de taxa sobre “emissão
de boletos de cobrança, carnês e assemelhados”. Ora, ainda que essa resolução
somente tenha eficácia para vincular as instituições financeiras após 26 de março
de 2009, é inegável o fato de que a própria autoridade reguladora do mercado
financeiro veio, ao final, a reconhecer a abusividade dessa cobrança.
Se essa abusividade foi reconhecida pela própria autoridade reguladora para
o período posterior à Resolução n. 3.693/2009, vedando-se de maneira cabal
sua cobrança, por que não poderia o judiciário, analisando as normas contidas
no CDC, dar a mesma interpretação também com relação à respectiva cobrança
nos contratos mais antigos? Não se está, com isso, fazendo retroagir os efeitos
da Resolução nova, mas apenas tomando-a como cânone interpretativo para as
relações jurídicas anteriores à sua vigência. Neste ponto, é necessário ressaltar
que a norma que regula a elaboração de todos esses contratos, em última
análise, não é a Resolução n. 3.693 do Banco Central, mas o Código de Defesa do
Consumidor, com suas disposições de caráter aberto, carentes de complementos
de interpretação. A Resolução, ao reconhecer a abusividade de uma taxa para
contratos assinados a partir de sua vigência, apenas revela uma abusividade que,
em última análise, sempre esteve presente, mesmo porque as resoluções do CMN,
como ato administrativo secundário, somente podem conter o que já estaria
previamente autorizado pela Lei.
Assim, não basta, novamente com todas as vênias aos ilustres Ministros que
divergem deste raciocínio, dizer que “somente em 2009 (...) é que se nota um
significativo avanço regulamentar e institucional por parte das autoridades
monetárias em busca de maior transparência, segurança jurídica e acesso à
informação no mercado de serviços bancários”. Se a vedação à referida cobrança
é um significativo avanço, se é uma medida que privilegia a transparência e a
segurança jurídica, a medida pode e deve ser reputada como contida na previsão
do art. 51, IV, do CDC, independentemente de qualquer ato administrativo posterior.
E se a taxa de emissão de carnês (TEC), é abusiva pelos motivos descritos
acima, o mesmo destino deve ter a taxa de abertura de crédito (TAC), uma vez que
tanto uma, como outra, consubstanciam cobranças impostas ao consumidor, sem
um serviço a ele prestado como contrapartida. As taxas destinam-se, em verdade, a
cobrir custos da Instituição Financeira com o empréstimo. (...)
Forte nessas razões, acompanho a conclusão da i. Ministra Relatora, no
sentido de dar parcial provimento ao recurso especial, com a ressalva, porém, de
meu entendimento pessoal consignado no presente voto.
RSTJ, a. 26, (233): 265-324, janeiro/março 2014
323
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Sr. Presidente, um dos vetores do
Direito é a segurança jurídica e de uma Corte de precedentes, muito mais.
Não votei quando foram afetadas ao Superior Tribunal de Justiça as
questões das tarifas, mas adiro ao voto da Ministra relatora, porque nenhum fato
aconteceu entre aquele julgamento e este que pudesse importar em alteração do
entendimento desta Corte; caso isso ocorresse, causaríamos uma perplexidade.
Há uma ou outra taxa que eu questionaria, mas não irei fazê-lo. A razão
é muito simples: a Seção, a Corte quando decidiu, pacificou a matéria, e todos
nós passamos a seguir a orientação firmada. Os Tribunais começaram a aplicar
o entendimento com pouca recalcitrância. Reabrir tudo isso seria jogar por terra
a estabilidade da decisão do Superior Tribunal de Justiça e colocar em xeque a
segurança jurídica, princípio essencial à pacificação social.
Por isso, reafirmo meu voto, registrando o excelente trabalho da Ministra
Isabel Gallotti, cujo voto foi percuciente, detalhado e exaustivo.
Acompanho, então, a Ministra relatora.
É como voto.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Sr. Presidente, também
cumprimento a eminente Relatora pelo seu percuciente voto, que também
acompanho, mas ressalvando o meu posicionamento pessoal acerca do tema, que
deixei consignado no meu voto vencido no Recurso Especial n. 1.270.174, que
reconhece de forma mais ampla a abusividade dessas cláusulas.
De todo modo, resolvida a questão em relação aos contratos posteriores
a 2008, a orientação mais razoável é acompanhar o voto da eminente relatora,
consolidando a jurisprudência da Corte acerca desse tema.
Saliento apenas que o controle da abusividade das cláusulas relativas a
contratos anteriores a 2008 pode ser feito com base no CDC, na linha do
disposto no enunciado da Súmula n. 297 do STJ.
Essa abusividade poderá ser verificada no exame do caso concreto na linha
dos precedentes desta Corte.
É o voto.
324
Terceira Turma
RECURSO ESPECIAL N. 887.131-RJ (2006/0170895-7)
Relator: Ministro João Otávio de Noronha
Recorrente: Bolsa de Valores do Rio de Janeiro - BVRJ
Advogados: Joarez de Freitas Heringer e outro(s)
Carlos Eduardo Caputo Bastos
José Ricardo Pereira Lira e outro(s)
Advogada: Beatriz Donaire de Mello e Oliveira e outro(s)
Recorrente: Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda
Advogado: Gian Maria Tosetti
Recorrido: Os mesmos
EMENTA
Processual Civil e Comercial. Corretora de valores. Regime de
liquidação extrajudicial. Embargos de declaração. Omissão. Súmula
n. 211-STJ. DL n. 7.661/1945. Art. 44, VI. Aplicação. Correção
monetária. Cabimento. Súmula n. 43-STJ. Ato ilícito absoluto e ato
ilícito relativo. Juros de mora. Citação.
1. Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito
da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal
a quo (Súmula n. 211-STJ).
2. Decretado o regime de liquidação extrajudicial de corretora de
valores, aplicável o disposto no art. 44, V, da antiga Lei de Falências
(DL n. 7.661/1945) às vendas a termo de títulos e valores mobiliários,
se tanto a comitente vendedora, atuando como intermediária, quanto
a compradora deixam de efetuar o pagamento respectivo no tempo e
na forma pactuados.
3. “É entendimento consolidado da Corte que a evolução dos
fatos econômicos tornou insustentável a não-incidência da correção
monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa
do devedor, constituindo-se ela imperativo econômico, jurídico e
ético indispensável à plena realização dos danos e ao fiel e completo
adimplemento das obrigações” (REsp n. 247.685-AC, relator Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 5.6.2000).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4. O enunciado da Súmula n. 43-STJ refere-se tanto ao ato ilícito
absoluto (extracontratual) quanto ao ato ilícito relativo (contratual).
Precedentes.
5. Conforme disposto no art. 18, alínea d, da Lei n. 6.024/1974,
decretada a liquidação extrajudicial da empresa, não há fluência de
juros enquanto não integralmente pago o passivo. No caso, porém,
não tendo havido recurso da parte interessada quanto ao ponto,
deve ser mantido o entendimento adotado no acórdão recorrido,
que determinou a incidência da norma contida no art. 219 do CPC
e, como consequência, fixou a fluência dos juros moratórios desde a
citação válida.
6. Recurso da primeira recorrente conhecido e parcialmente
provido. Recurso da segunda recorrente parcialmente conhecido e
desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,
prosseguindo no julgamento, por unanimidade, conhecer do recurso especial
da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro - BVRJ e dar-lhe parcial provimento;
e, conhecer em parte do recurso especial da Celton Corretora de Títulos e
Valores Mobiliários Ltda e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso
Sanseverino e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o
Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Dr. Ricardo Ramalho Almeida, pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro BVRJ
Brasília (DF), 16 de maio de 2013 (data do julgamento).
Ministro João Otávio de Noronha, Relator
DJe 14.10.2013
328
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Foram dois processos, relativos a duas
ações ordinárias, envolvendo as mesmas partes, a BVRJ - Bolsa de Valores do
Rio de Janeiro e a Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, ambas
as ações em 1º Grau julgadas separadamente, contudo (embora antes declarada
a conexão, para julgamento conjunto, fls. 2.256), pelo mesmo Magistrado
(sentenças a fls. 2.275 e fls. 2.330-2.333) e, em 2º Grau, em um só julgamento
conjunto (Acórdão, fls. 2.460-2.468), pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro.
As ações são ligadas à crise ocorrida na bolsa de valores e mercado de ações
em junho de 1989.
No fulcro da controvérsia, segundo o relato da BVRJ, a Celton teria sido
uma ativíssima protagonista do escândalo conhecido por “Operações D-Zero”,
mediante operações denominadas “Zé com Zé”, artifício segundo o qual o
mesmo investidor vendia e comprava as mesmas ações para si mesmo, causando
prejuízos aos investidores de boa-fé, ante a inadimplência de corretoras de
títulos e valores mobiliários, entre as quais se destacaria a Celton, tendo a BVRJ
reparado seus prejuízos com haveres próprios e de seu Fundo de Garantia, mas,
tendo diversos investidores dado ordem de venda de ações por intermédio da
Celton, a DTVM - Capitânia Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários,
comprometeu-se a adquirir essas ações, mas, na data do vencimento, não
lhes pagou o preço, de modo que aludidos investidores vieram a ter as ações
restituídas pelo Fundo de Garantia da BVRJ, pela diferença entre a cotação
média das ações no dia anterior à restituição e o preço convencionado nas
operações de venda a termo, corrigido monetariamente.
Ainda no fulcro da controvérsia, a Celton alegou que a BVRJ, agindo de
má fé, teria lançado falácias contra ela visando a acobertar sua parcialidade no
agir em 1989, quando teria buscado soluções atípicas, privilegiando algumas
corretoras, bem como que havia sido reconhecida superavitária pela Comissão
de Inquérito do Bacen - Banco Central do Brasil, afastando-lhe a provocação de
danos ou prejuízos, e, ainda, por fim, levantando a indisponibilidade dos bens de
seus ex-administradores (cf. doc. fls. 205).
2.- No primeiro processo (Autos n. 1993.001.072495-3, sent. fls. 2.3302.335, datada de 27.2.2004), ação movida pela BVRJ contra a Celton, ação em
que interposto o presente Recurso Especial n. 887.131, tendo como recorrentes
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
329
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e recorridas as mesmas litigantes BVRJ e Celson, na primeira ação, repita-se,
movida pela BVRJ contra a Celton, pediu a BVRJ “na forma e para os fins
previstos no artigo 27 da Lei n. 6.024/1974”, a procedência da ação “para
efeito de serem reconhecidos os aludidos créditos, no valor global histórico
de NCz$ 16.132.941,71 (...), para o devido pagamento, com o acréscimo de
correção monetária e juros legais a partir de quando incorridos pela Bolsa e/
ou da data em que se tornaram devidos, com a plena integração de todos os
montantes no quadro geral de credores da Ré” (fls. 30). Essa primeira ação,
foi julgada procedente por sentença (datada de 27.2.2004, fls. 2.330-2.333),
rejeitados Embargos de Declaração interpostos pela Celton, “para declarar o
reconhecimento do crédito em favor da autora (a BVRJ) e, via de consequência,
condenar a ré ao pagamento de NCZ$ 16.132.941,72, monetariamente
corrigida a partir do ajuizamento desta ação, mais juros legais de 0,5% (...) ao
mês, estes a contar da citação (...)” (fls. 2.333).
Interpostos apelação pela Celton (fls. 2.364-2.381) e recurso adesivo pela
BVRJ (fls. 2.387-2.389), foram ambos os recursos improvidos, com rejeição de
Embargos de Declaração de ambas as partes (fls. 2.494-2.500) pelo Acórdão ora
atacado (fls. 2.287-2.293) por intermédio dos presentes recursos especiais (sob o
n. 887.231-RJ), interpostos por ambas as partes.
3.- No segundo processo (autora a Celton, Autos n. 1996.001.006184-3,
fls. 2.449-2.557, sentença datada de 29.4.2004, fls. 2.549-2.557 ou 181-189),
movida pela Celton contra a Valia - Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade
Social e Outras, entre as quais a Bolsa de Valores, ação de que provém o Agravo de
Instrumento n. 818.185-RJ, ora em julgamento conjunto (agravo esse que visa a
determinar a subida a este Tribunal de recurso especial interposto pela autora),
sustentou a ora Recorrente Celton que “antes do processo de liquidação extrajudicial adquiriu várias ações preferenciais nominativas da primeira empresa
demandada, depositando as denominadas ‘margens’ relativas a essa compra”,
mas “a Vale do Rio Doce logo após a referida liquidação solicitou ao liquidante
que promovesse a restituição das ações aos investidores”, porém, “mesmo após a
negativa do liquidante e antes da manifestação do Bacen, a Bolsa de Valores do
Rio de Janeiro, uma das empresas demandadas, em conluio com as demais, em
manifesta desobediência à lei, celebrou com elas, entre outubro e novembro de
1989 o denominado ‘termos de recebimento e outras obrigações’, mediante os
quais dispôs das ações da Vale do Rio Doce que integravam o ativo da sociedade
liquidada, devolvendo-as às fundações”, de modo que pretendeu “a declaração
de nulidade dos contratos e instrumentos negociais; entrega a massa liquidanda
330
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
de todas as ações que constituíam a carteira depositada na custódia da Bolsa de
Valores, ou, na sua impossibilidade, o valor de mercado dessas ações; pagamento
de dividendos que renderam as ações em questão desde o recebimento das
aludidas ações; e, por último, o ressarcimento solidário de perdas e danos e
lucros cessantes” (relatório da sentença, datada de 29.4.2004, fls. 2.549-2.550 –
ou fls. 181-182).
Essa ação movida pela Celton foi julgada improcedente, por sentença
diversa da proferida na primeira ação, mas que veio a ser confirmada pelo
mesmo Acórdão, em julgamento conjunto.
4.- No presente Recurso Especial, sustenta a recorrente Celton, como
resumido pelo voto do E. Relator, que:
VI) Dos recursos especiais
No Recurso Especial da Celton (fls. 2.502-2.533), fundado na alínea a do
permissivo constitucional, busca-se a reforma do r. acórdão a quo, sustentandose ofensa aos arts. 165, 458, I e II, do CPC, 145, IV, do CC/1916 (atual art. 166, V, do
CC/2002), 185 do CC, 31 da Lei n. 6.024/1974, 44 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, 5º,
LX, e 93, IX, da CF.
Aduz, em síntese, que padece de nulidade a sentença por ter omitido, no
seu relatório, a menção à apresentação de contestação pela Celton e à suma
das razões ventiladas nessa peça e por ter incluído a contestação “juntamente
com os documentos a ela acostados, como se tivesse vindo e fizesse parte de
documentos da Autora, aqui Recorrente (BVRJ). Tudo foi englobado na seguinte
frase: ‘com a petição inicial vieram os documentos de fls. 32-2.259’ e, assim,
nenhuma referência existe naquela sentença sobre a resposta (contestação) da
ré/recorrente {Celton}, que está às fls. 255-302” (fl. 2.505).
Afirma-se, ademais, que a Bolsa de Valores não poderia, sem prévia autorização
da Celton, ter alienado “bens mobiliários da recorrente” {Celton} que estavam na
sua custódia” (fl. 2.507).
No apelo nobre da Bolsa de Valores (fls. 2.538-2.553), fundado nas alíneas a e c
do permissivo constitucional, busca-se a reforma da r. acórdão a quo, sustentandose ofensa à Súmula n. 43-STJ, ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito e
aos arts. 458, II, 535, II, do CPC, 1º do Decreto-Lei n. 1.477/1976, 960 do CC/1916,
além de dissídio jurisprudencial.
Aduz-se, em síntese, que o acórdão a quo padece de omissões quanto aos arts.
46 da ADCT, 18, a, 27 da Lei n. 6.024/1974, 1º do Decreto-Lei n. 1.477/1976 e 960
do CC/1916. Anota-se que ele também possui contradições quanto à fixação do
termo inicial da correção monetária a partir do ajuizamento da ação, a despeito
da vedação do enriquecimento ilícito e da Súmula n. 43-STJ.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
331
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Assevera-se, ainda, que não há fundamento legal para que a correção
monetária do crédito da Bolsa de Valores incida a partir do ajuizamento da
presente ação, pois o seu termo inicial deve corresponder à data em que o crédito
se tornou exigível.
Insurge-se, outrossim, contra a incidência dos juros de mora a partir da citação
da Celton.
Às fls. 2.637-2.640, a Celton apresentou as suas contrarrazões, ao passo que a
Bolsa de Valores ofereceu as suas contrarrazões às fls. 2.642-2.663.
VII) Do fato novo:
Posteriormente, o Sr. Raul Pedroza Aguinaga, na qualidade de sóciocontrolador da recorrente Celton juntou petição e documento alegando fato
novo, em razão de o Banco Central do Brasil ter cessado a liquidação extrajudicial
e requer, ao final, a exclusão da recorrente Celton no polo passivo da ação (fls.
2.792-2.805).
5.- O voto do E. Relator, Min. Massami Uyeda, na trilha do que antes
julgara em decisão monocrática, dá provimento ao Recurso Especial, anulando o
processo a partir da sentença, sob a ementa que se segue:
Recurso especial. Nulidade da sentença e do v. acórdão estadual. Alegação
da segunda recorrente de violação aos artigos 165 e 458 do CPC na sentença.
Ocorrência. Alegação da primeira recorrente de violação dos artigos 458, inciso
II e 535, inciso II, do CPC no v. acórdão estadual. Prejudicado, embora pertinente,
ante a nulidade da sentença. Recurso especial da segunda recorrente provido e
prejudicado o recurso especial da primeira recorrente.
I - A apreciação e análise da contestação, quando do julgamento da ação
é essencial para a adequada apreciação imparcial e equânime por parte do
magistrado sentenciante.
II - Não é apropriado e não respeita a boa técnica processual, após a provocação
via embargos de declaração, remeter-se para a segunda instância matéria que
não foi tratada na sentença, suprimindo-se o duplo grau de jurisdição. Essa
prática. Essa prática ofende ao contido nos artigos 165 e 458 do CPC e ao devido
processo legal.
III - O efeito devolutivo da apelação, com o qual se possibilita que a Segunda
Instância possa reapreciar todos os pontos da lide (inicial, contestação e provas),
não afasta ou supre a necessidade de que a sentença de Primeiro Grau julgue a
matéria, pois somente pode haver o rejulgamento do que já foi julgado.
IV - A utilização de fundamento no sentido de que: “O relator não está obrigado
ao exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas
pelas partes, quando já tenha formado juízo de convencimento, ainda que
332
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
contrário a tese da embargante.”, não pode servir de escudo para o julgamento
deixar de se pronunciar sobre questões relevantes, a exemplo de preliminares e
de prejudiciais de mérito.
V - A saudável prestação jurisdicional consiste no pronunciamento do
magistrado a respeito dos pontos fundamentais da ação, apresentados pelo autor
(inicial e provas do autor) e pelo réu (contestação e provas do réu), em especial
nas instâncias ordinárias, nas quais o conjunto fático-probatório é examinado,
pois para o e. Superior Tribunal de Justiça estão reservadas as eventuais
violações legais e de divergência jurisprudencial (art. 105, inciso III, letras a e b da
Constituição Federal), não se adentrando no exame de fatos, provas e cláusulas
contratuais (Súmulas n. 5 e 7-STJ).
VI - Recurso especial da segunda recorrente (Celton) provido e prejudicado o
recurso especial da primeira recorrente (Bolsa de Valores).
6.- O Voto do E. Min. Relator dá provimento ao Recurso Especial da
Celton, declarando a “nulidade da sentença de fls. 2.330-2.333 para que nova
seja proferida em seu lugar, em obediência ao contido nos artigos 165 e 458
do CPC, tornando-se sem efeito o v. acórdão recorrido, o qual não supriu as
nulidades acima apontadas, restando prejudicado o exame do recurso especial da
recorrente Bolsa de Valores”.
É o que se acrescenta ao Relatório do E. Min. Relator.
7.- Meu voto, com o maior respeito pelo cuidadoso voto do E. Min.
Relator, diverge, afastando as alegações de nulidade da sentença – e, indo além,
também de nulidade do Acórdão – de modo que, afastando a preliminar de
nulidade, entende dever-se passar ao julgamento das demais questões, como de
Direito, de modo a superar-se de vez o longo processo em que se digladiam as
partes há décadas.
A sentença, efetivamente, poderia ter sido mais explícita em enfrentar
as diversas e complexas questões trazidas pelo questionamento entre as
partes, mas a verdade é que contém todos os elementos necessários à validade
da manifestação jurisdicional, não se olvidando que, a seguir, veio acórdão
extremamente detido em examinar todas as questões existentes nos autos.
As críticas da recorrente Celton à sentença foram fixadas pelas alegações dos
Embargos de Declaração, que lhe apontaram os pretensos defeitos. Essas críticas,
no resumo do voto do E. Relator, que acolhe a alegação de nulidade, resumemse à omissão de enfoque do seguinte: “i) da contestação; ii) das preliminares
suscitadas na contestação; iii) da audiência de instrução; iv) da determinação de
prosseguimento em conjunto com os autos da Ação n. 96.001.006.184.184-3
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
333
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
movida pela Celton contra a Bolsa de Valores (despacho de fls. 2.256), proferindo
a sentença quando os autos da referida ação encontravam-se fora de Cartório;
v) a exclusão do valor já inscrito no quadro geral de credores; vi) sobre a prova
testemunhal e laudo dos assistentes”.
O acórdão analisou e rejeitou todas essas alegações, com cuidado e detalhe,
em julgamento bem motivado, que deve subsistir, afastando-se a perspectiva
de anulação de processo que vem de há longo tempo – causa mais que madura,
diante do que as partes devem encontrar o desfecho final do penoso digladiar.
i) Arguida na apelação a falta de referência explícita à sentença, o Acórdão
expressamente pronunciou-se sobre a alegação de nulidade, rejeitando-a e
consignando que a falta de referência não causou prejuízo às partes (fls. 2.461),
como, efetivamente, não causou.
O Acórdão, ainda, ao rejeitar Embargos de Declaração, esclareceu que,
tendo havido extravio dos autos, a ora Celton não juntou a cópia da contestação,
o que foi certificado pelo Cartório, só tendo essa cópia vindo aos autos trazida
pela Bolsa de Valores, como documento anexo à inicial de restauração de autos
(Acórdão, fls. 2.495).
De qualquer forma, ainda que sem referência expressa à contestação, a
verdade é que a sentença não decretou a revelia da Celton, nem lhe atribuiu
o grave efeito da confissão de matéria de fato (CPC, art. 319), nem julgou
antecipadamente com fundamento na revelia (CPC, art. 330, I).
Ao contrário, a sentença julgou detendo-se em examinar provas, analisando,
especificamente, a perícia, e efetuando expressa opção pelas informações
periciais constantes do resumo contábil tomado de empréstimo do trabalho
pericial produzido no outro processo (fls. 2.331-2.332 – com expressa referência
ao número das folhas desse documento, fls. 1.593, 8º Vol., fls. 2.332).
A sentença cuidou de expor que o julgador realizava opção assegurada pelo
princípio da liberdade na interpretação da prova, acolhendo a prova pericial que
destacou, invocando como arrimo o disposto nos arts. 131 e 436 do Cód. de
Proc. Civil.
Além disso, analisando o núcleo da questão central de que se originou
o processo, a sentença ressaltou que “cai por terra a assertiva lançada pela
empresa demandada quando tenta sustentar que os cancelamentos efetuados
pela empresa demandante não restituíram as partes ao statu quo ante” e frisou
que “de acordo com o laudo elaborado pelo expert, quem frustrou o retorno dos
334
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
litigantes ao estado anterior foi a própria empresa demandada, quando deixou
de restituir à autora as importâncias despendidas com a operação rotulada de
‘zé-com-zé’, objeto exatamente do pedido formulado na petição inicial” (fls.
2.332).
Ademais, o Acórdão ora recorrido voltou a examinar as matérias centrais,
cujo enfrentamento, aliás, consta da própria exaustiva ementa do Acórdão (fls.
2.460).
E afastou, com convicção, a sustentação de nulidade: “A douta sentença,
a despeito de relatar sucintamente, tendo em vista os numerosos volumes que
integram os autos, respondeu, suficientemente, às teses deduzidas pelas partes,
respeitou o contraditório e procedeu a instrução implementando provas pericial
e testemunhal requeridas pelas partes, considerando, afinal, suficientemente
provados os fatos constitutivos do direito do autor” (...). “Em tais circunstâncias,
não havendo prejuízo causado às partes, como no caso destes autos, incide
a norma do art. 250, parágrafo único, do CPC, que proclama: ‘pas de nulitté
sans grief’. / Por conseguinte, a r. sentença não profana os princípios basilares
do contraditório e ampla defesa (art. 5º da CRFB/1988), nem o provimento
em separado causou qualquer prejuízo às partes (art. 250, parágrafo único, do
CPC), razões pelas quais se rechaçam, desde logo, as preliminares deduzidas no
recurso” (fls. 2.461).
ii) As preliminares que se vêm na contestação, resumidas pela peça (fls.
255), não poderiam jamais vingar, entrosando-se com o mérito, enfrentado pela
sentença e pelo Acórdão, e tornando-se, diante das conclusões deste, aniquiladas,
glabras, inaptas a grassar vivas diante da força das conclusões vindas do mérito –
tal como fixado pela análise fulcral realizada pela sentença e pelo acórdão.
Como extrair ilegitimidade passiva ad causam (item I, fls. 255) da Celton,
se da análise pericial se extraía sua responsabilidade? Qual o efeito prático
que se poderia imaginar da intimação do Banco Central do Brasil (item II,
fls. 255)? De que valeria a intimação da C.V.M., sob invocação do art. 31 da
Lei n. 6.385/1976 (item III, fls. 255)? Denunciação da lide – genericamente
referida no art. 70 CPC, sem indicação do inciso – para quê? Qual o resultado
que se obteria neste processo – e que, aliás, não pudesse ser perseguido em ação
autônoma (item V, fls. 255)?
iii) Audiência e eventuais outras provas eram de solar inexpressividade,
diante da perícia e da massa de documentos trazidos ao processo, analisados
pelos julgados e base das conclusões a que chegaram.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
335
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Acórdão, ademais, salientou que “o deslinde da demanda pelo douto
Juízo monocrático lastrou-se em prova pericial e documental, afigurando-se de
menor relevância, no contexto, a prova oral, motivo pelo qual não perece censura
o não destaque na r. sentença da prova testemunhal colhida em audiência,
considerando a natureza e a essência da lide destes autos assentar-se em prova
escrita e na lei” (fls. 243).
iv) Nem se deixe de ressaltar que, além de a sentença haver enfrentado o
cerne das alegações da Celton, veio, o mesmo Juízo, julgando o processo movido
por esta contra várias acionadas, inclusive a Bolsa de Valores, cuja apelação foi
julgada em conjunto pelo Acórdão ora recorrido, veio, a sentença, a debruçarse detida e mais alongadamente sobre as alegações da Celton, afastando-as –
julgamento aquele que não passou despercebido do Acórdão ora recorrido, o
qual assinalou que “Demais, a r. sentença do Feito n. 1996.001.006184-3, em
ação conexa proposta pela Apelante 1, proferida em separado, com fotocópia
juntadas a estes autos (fls. 2.322-2.330), não causou nenhum prejuízo às partes,
impondo sua apensação (fls. 2.334), a seguir, para fim de julgamento conjunto
das apelações interpostas” (fls. 2.461).
Na rejeição dos Embargos de Declaração, aliás, o Tribunal de origem
reafirmou, analisando detidamente, a inexistência das nulidades alegadas (fls.
2.494-2.500).
8.- Matéria superada, pois, na origem, deve, com o mais elevado respeito
ao voto do E. Relator, ser afastada a preliminar de nulidade, passando-se ao
julgamento das demais questões trazidas pelos recursos.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Srs. Ministros, com a vênia do
eminente Ministro Massami Uyeda, acompanho integralmente o Sr. Ministro
Sidnei Beneti, seja quanto ao não conhecimento dos segundos embargos
declaratórios opostos pelo terceiro interessado, seja quanto à solução dada ao
recurso especial.
Inviável acolher-se a preliminar de nulidade por irregularidade constante
no relatório da sentença, quando esta já havia sido substituída pelo acórdão do
Tribunal, que enfrentou a questão, reconhecendo que o fato de a sentença não
ter mencionado a contestação e deixado de arrolar as alegações ali vertidas não
teria trazido prejuízo para a parte.
336
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Possível, então, prosseguir-se no julgamento, com enfrentamento das
demais questões trazidas pelos recursos.
Com renovadas vênias do eminente Ministro Massami, acompanho
integralmente o voto do Sr. Ministro Sidnei Beneti.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se, na origem, de ação
ordinária proposta em 1993 por Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) contra
Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., na Vigésima Oitava
Vara Cível do Rio de Janeiro - RJ. Pretende a autora, primeira recorrente, o
reconhecimento de créditos que afirma ter em relação à segunda recorrente
e a consequente condenação desta ao pagamento da importância de NCZ$
16.132.941,72 (dezesseis milhões, cento e trinta e dois mil, novecentos e
quarenta e um cruzados novos e setenta e dois centavos), mais juros, correção
monetária e demais consectários legais (Processo n. 1193.001.072495-3).
Parte dos créditos reclamados seria resultante de saldo negativo coberto
pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e verificado em conta-corrente da Celton
na data da decretação de sua liquidação extrajudicial. Referido sistema de contacorrente é adotado costumeiramente nas bolsas de todo o mundo e é utilizado
para liquidação financeira de operações. Nele as bolsas creditam e debitam,
diariamente, os valores referentes às operações realizadas nos seus pregões.
No caso dos autos, essa conta-corrente era mantida no BANERJ em razão de
convênio firmado entre a instituição financeira, a Bolsa de Valores do Rio de
Janeiro e as corretoras.
Outra quantia refere-se a desembolso feito pelo Fundo de Garantia da
Bolsa de Valores do Rio de Janeiro para cobrir dívidas decorrentes de operações
a termo de responsabilidade da Celton perante investidores.
Finalmente, a última parcela corresponderia a uma chamada de capital
deliberada em assembleia geral extraordinária por meio da qual as corretoras
integrantes da Bolsa – entre as quais se encontrava a Celton – obrigaram-se, cada
uma, a aporte financeiro no valor de NCZ$ 300.000,00, montante que não foi
pago pela recorrida.
Relata a primeira recorrente, Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, que tais
créditos teriam sido habilitados no procedimento de liquidação extrajudicial a
que foi submetida a recorrida, mas foram indeferidos pelo liquidante.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
337
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Já em juízo, o pedido foi julgado procedente em primeiro grau, com a
condenação da Celton ao pagamento do valor reclamado, monetariamente
corrigido a partir do ajuizamento da ação, mais juros legais de 0,5% ao mês a
contar da citação, além de custas e honorários de sucumbência.
Ambas as partes apelaram, sendo adesivo o recurso interposto pela Bolsa
de Valores. Em julgamento realizado em 23.8.2005, a Nona Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, prolatou
acórdão em cuja ementa se lê:
APELAÇÃO n. 33.280. Bolsa de Valores. Corretora. Operações fraudulentas. A
BVRJ ao invés de liquidar suspendeu e depois cancelou as operações rotuladas
Zé com Zé, no pregão de 2.6.1989, por terem sido consideradas fraudulentas, na
forma do artigo 89, da Resolução CMN n. 922/84, conforme comprovou a perícia.
Atendendo às instruções da Celton à Bolsa, os valores devidos por ela foram
repassados ao BMC, efetuando-se a sub-rogação na garantia representada pelas
ações bloqueadas em custódia como garantia do crédito da Bolsa em relação
à Celton, sendo o produto da venda levado a crédito da Celton, abatendo, em
parte o valor da dívida, levado a conhecimento do liquidante. Revela a perícia
que os débitos das operações canceladas foram efetuados até a data de 16.6.1989
gerando vultosos débitos da Celton no sistema BANERJ, cobertos com recursos
da Bolsa “Tudo, porém, antes da liquidação extrajudicial da Corretora, decretada
em 21.6.1989” detalhando que: “o cancelamento das operações só foi possível após
sindicâncias da BVRJ, da CVM e do Banco Central, sendo o registro contábil efetuado
posteriormente, porém, retroativamente à data da compensação; já os registros
bancários em conta corrente Convênio eram feitos no momento da compensação”.
Por isso, afiguram-se certos, líquidos e exigíveis o crédito cobrado na alínea a da
inicial. O recurso adesivo não merece prosperar, eis que, cuidando-se de dívida
de dinheiro, portanto ilícito relativo e não absoluto (Súmulas n. 43 e 54, do E.
STJ), impõe-se a correção monetária do valor apurado em liquidação, a partir do
ajuizamento da ação, para impedir-se o locupletamento injusto do devedor e
dos juros de mora, a contar da citação, por determinação legal (art. 219, do CPC),
observando-se a disposição do artigo 406, do Código Civil, desde o início de sua
vigência. APELAÇÃO n. 33.278. Revelam os autos que a autora/Celton não se
desincumbiu do ônus de demonstrar os alegados fatos que seriam constitutivos
de seu alegado direito (art. 333, I, do CPC), qual seja, a efetiva aquisição e
pagamento das ações cuja indenização reivindica nestes autos, evidenciando,
ao contrário, que nunca foi proprietária dos títulos cuja indenização pretende
receber. Não comprovou, ainda, em nenhum momento, o aporte de qualquer
soma para o pagamento das ações, nem tampouco depositou as margens de
segurança, razões pelas quais não consta consolidado no acervo patrimonial
abrangido pelo regime de indisponibilidade criado pela liquidação extrajudicial,
crédito de ações em seu nome, como bem proclamou a r. sentença destes autos.
Rejeição das preliminares. Desprovimento dos recursos.
338
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Não foram providos os embargos de declaração opostos por ambas as
partes. Transcreve-se a ementa respectiva:
Embargos declaratórios. Obscuridade, contradição e omissões inexistentes.
Rediscussão do julgado no intuito de fazer prevalecer as teses dos embargantes. Via
imprópria. Desprovimento dos recursos.
Contra o acórdão proferido na apelação, integrado por aquele relativo aos
embargos de declaração, foram interpostos recursos especial e extraordinário
também por ambas as partes.
Os recursos apresentados pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro foram
admitidos. Já os da Celton foram inadmitidos. O agravo de instrumento
interposto para destrancar o recurso especial foi, após marchas e contramarchas,
provido por meio de decisão proferida pelo Ministro Humberto Gomes de
Barros (Agravo de Instrumento n. 808.390-RJ), ratificada em agravo regimental
julgado em 25.8.2009, com acórdão publicado em 11.9.2009, transitado em
julgado.
Abro parêntese para registrar alguns fatos relativos a uma ação proposta
por Celton Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. contra a Fundação Vale
do Rio Doce de Seguridade Social (Valia) e outros, entre os quais figura a Bolsa
de Valores do Rio de Janeiro, cuja tramitação ocorreu também na Vigésima Oitava
Vara Cível do Rio de Janeiro (Processo n. 1996.001.006184-3).
Nessa ação, a Celton afirmava que a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro,
mesmo após a decretação da liquidação extrajudicial pelo Banco Central do
Brasil e sem o consentimento do liquidante nomeado, em ofensa à lei, portanto,
devolvera às demais rés 530.000 ações preferenciais nominativas da Cia. Vale
do Rio Doce integrantes do acervo patrimonial da sociedade liquidanda que se
encontravam custodiadas na Bolsa.
Afirmava ainda a Celton que adquirira tais ações poucos dias antes da
decretação da sua liquidação extrajudicial e que depositara também as “margens”
relativas a essas compras, esclarecendo que ditas margens correspondem a
depósito exigido para garantir oscilações na cotação das ações quando as
compras se realizam a termo.
Pedia a Celton, ao final, fosse reconstituída sua carteira de ações, com as
bonificações e os desdobramentos ocorridos, ou indenização correspondente,
e com juros, dividendos e lucros cessantes decorrentes, segundo ela, do ilícito
praticado.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
339
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O registro que ora faço é importante porque, na ação proposta pela Bolsa
de Valores do Rio de Janeiro contra a Celton, cujo recurso ora se aprecia, discute-se
essa questão da devolução das ações à Valia e a outros investidores que foram
os vendedores das ações negociadas a termo. No item 2.1.2 das razões deste
recurso especial, a própria Celton afirma serem essas ações as “mesmíssimas”
referidas em ambas as demandas.
Eventual procedência do pedido da Celton, por isso, teria implicações
diretas no resultado da ação cujo recurso se encontra em julgamento.
O pedido foi julgado improcedente, no entanto. Foi interposta apelação
pela Celton.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu, num mesmo
acórdão, os recursos de apelação referentes a ambas as ações, conforme se viu
da transcrição da ementa feita anteriormente (vide referências às Apelações n.
33.280 e 33.278, sendo a última a que diz respeito à ação proposta pela Celton).
Contra o acórdão regional e o dos embargos de declaração opostos, foi
interposto recurso especial pela Celton, que foi inadmitido. Do agravo de
instrumento apresentado contra o despacho que inadmitiu o recurso especial
não se conheceu por ausência de peças obrigatórias, decisão adotada no AgRg
no AgRg no Ag n. 818.185-RJ, já transitada em julgado.
Em resumo: transitou em julgado o acórdão regional na parte relativa
à Apelação Cível n. 33.278. Menciono, porque importante também para o
deslinde do recurso especial em julgamento, excerto do voto do relator (fls.
2.580):
Em tais circunstâncias, revelam os autos que a autora/Celton não se
desincumbiu do ônus de demonstrar os alegados fatos que seriam constitutivos
de seu alegado direito (art. 333, I, do CPC), qual seja, a efetiva aquisição e
pagamento das ações cuja indenização reivindica nestes autos, evidenciando,
ao contrário, que nunca foi proprietária dos títulos cuja indenização pretende
receber.
Não comprovou, ainda, em nenhum momento, o aporte de qualquer soma
para o pagamento das ações, nem tampouco depositou as margens de segurança,
razões pelas quais não consta consolidado no acervo patrimonial abrangido pelo
regime de indisponibilidade criado pela liquidação extrajudicial, crédito de ações
em seu nome, como bem proclamou a r. sentença (fls. 2.556-2.557) destes autos.
Feito o registro, fecho o parêntese.
340
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Esse o relatório que entendi necessário e suficiente para o bom
equacionamento da controvérsia.
VOTO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Passo à análise do REsp n.
887.131-RJ, em que ambas as litigantes atacam o acórdão estadual na parte
relativa à Apelação Cível n. 33.280.
Aprecio, em primeiro lugar, o recurso especial interposto por Celton
Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., segunda recorrente.
O recurso especial foi interposto com base no art. 105, III, alínea a,
da Constituição Federal e fundamenta-se na contrariedade aos seguintes
dispositivos: arts. 165 e 458, II, do Código de Processo Civil; 145 e 145, VI,
do antigo Código Civil (arts. 166 e 166, V, do atual Código Civil); 31 da Lei
n. 6.024/1974; 44 do DL n. 7.661/1945 (Lei de Falências vigente à época).
Sustenta-se ainda ofensa ao disposto nos arts. 5º, LV, e 93, IX, da Constituição
Federal.
Relativamente à pretensa violação dos dispositivos do Código de Processo
Civil e do Código Civil referidos, com base no que se pediu a anulação do
acórdão impugnado, observo que a controvérsia já foi definida na sessão de
julgamento de 9.10.2012, quando ainda integrava esta Turma e atuava como
relator do processo o Ministro Massami Uyeda, oportunidade em que, por
maioria, decidiu-se pela superação daquela preliminar e pelo retorno dos autos
ao relator para apreciação do mérito.
Com a aposentadoria do Ministro Massami, o feito foi a mim atribuído.
No que toca à alegada ofensa aos dispositivos da Constituição Federal,
anoto que a discussão não cabe em sede de recurso especial, mas em recurso
próprio a ser encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça é pródiga nesse sentido, o que torna despicienda a
transcrição de precedentes. Nada a prover no ponto.
Verifico, quanto à alegação de negativa de vigência do art. 31 da Lei n.
6.024/1974, que a matéria não está prequestionada. Embora arguida nas razões
de apelação da segunda recorrente, o decisum objurgado deixou de apreciar a
questão em termos expressos ou mesmo com a profundidade necessária para
se tê-la como implicitamente debatida. Incidência da Súmula n. 282-STF (“É
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
341
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a
questão federal suscitada”).
Com efeito, não basta que a parte invoque a aplicação de dispositivos
legais que entende pertinentes à solução do conflito. É necessário que sobre
eles se manifeste expressamente o órgão julgador (prequestionamento explícito)
ou, ao menos, que a matéria neles tratada seja ampla e claramente discutida
(prequestionamento implícito) para que do recurso especial se conheça.
No caso dos autos, embora de maneira vaga, a segunda recorrente tentou,
por meio de embargos de declaração, que o Tribunal de origem se manifestasse
a respeito de diversos pontos que, a seu ver, ficaram sem solução, entre os quais
eventual “negativa de vigência das normas da Lei n. 6.024/1974”.
Veja-se que, nem mesmo naquela peça processual, a segunda recorrente
aduziu, de forma precisa, quais dispositivos da Lei n. 6.024/1974 o órgão
julgador deveria abordar.
A Turma julgadora, ao entendimento de que o acórdão hostilizado não
padecia dos vícios de obscuridade, contradição ou omissão, negou provimento
aos referidos embargos de declaração e em nenhum momento promoveu debate
sobre o dispositivo legal invocado pela parte.
Caberia à recorrente, nessas circunstâncias, buscar a declaração de nulidade
do acórdão por violação do art. 535 do CPC, ao invés de alegar a negativa
de vigência do dispositivo legal não prequestionado. Não o fazendo, atraiu a
aplicação do disposto na Súmula n. 211-STJ (“Inadmissível recurso especial quanto
à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo
tribunal a quo”).
De qualquer forma, só teria sentido discutir a aplicação da norma contida
no art. 31 da Lei n. 6.024/1974 se as ações que a segunda recorrente alega
terem sido indevidamente retiradas dos seus ativos fossem realmente de sua
propriedade.
Eis o texto do mencionado dispositivo legal:
Art. 31. No resguardo da economia pública, da poupança privada e da
segurança nacional, sempre que a atividade da entidade liquidanda colidir com
interesses daquelas áreas, poderá o liquidante, prévia e expressamente autorizado
pelo Banco Central do Brasil, adotar qualquer forma especial ou qualificada de
realização do ativo e liquidação do passivo, ceder o ativo a terceiros, organizar ou
reorganizar sociedade para continuação geral ou parcial do negócio ou atividade
da liquidanda.
342
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
No entanto, conforme consta do acórdão recorrido na parte que cuida da
Apelação Cível n. 33.278 e que tem por objeto “as mesmíssimas” ações tratadas
no presente recurso, nas palavras da própria Celton, ficou evidenciado que esta
“nunca foi proprietária dos títulos cuja indenização pretende receber”, tendo atuado
apenas como intermediária nas operações de compra e venda a termo das ações
preferenciais da Cia. Vale do Rio Doce.
A propósito do tema, o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do
professor GUSTAVO TEPEDINO, assim se expressou no Recurso Criminal
n. 99.02.09052-4, interposto contra decisão que rejeitara denúncia formulada
contra os representantes da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro por, supostamente,
terem negociado os títulos em referência que se encontravam custodiados
naquela associação (fls. 2.331-2.338 dos autos da Apelação Cível n. 33.278):
Posta a questão nestes termos, vê-se que andou bem o juízo monocrático, ao
rejeitar a denúncia, restando evidente, por outro lado, terem sido induzidos em
clamoroso erro a Justiça Pública e o renomado criminalista signatário do parecer
em que se fundamentou a denúncia.
O equívoco decorre da falsa premissa segundo a qual a corretora Celton,
intermediária das seis operações a termo destinadas à venda de papéis à
Capitânea, e que sofreu liquidação extrajudicial, seria proprietária das ações
objeto do contrato de compra e venda, custodiadas junto à Bolsa de Valores.
Dito diversamente, considerou-se que as ações objeto da venda pertenciam aos
ativos da Corretora no momento da decretação pelo Banco Central da liquidação
extrajudicial.
[...] Ora, no direito brasileiro, como é de correntia sabença, os contratos
translativos de propriedade não têm eficácia real, limitando-se a produzir efeitos
obrigacionais. Vale dizer que, com a compra e venda, o vendedor se obriga
a transferir os bens no termo pré-fixado e mediante o pagamento do preço,
sendo somente a traditio, em se tratando de bens móveis, ou o registro do título
translativo – a transcrição do título, como se afirma com base no sistema anterior
– no caso de bens imóveis, capazes de transferir o domínio.
Tais considerações, que por tão elementares dispensam a remissão aos artigos
do Código Civil pertinentes, suscitam duas inarredáveis conclusões. Em primeiro
lugar: as ações postas em custódia junto a Bolsa de Valores, no contrato a termo,
permanecem na propriedade dos vendedores até o momento em que, com o
adimplemento do preço, são transferidas aos compradores. Em segundo lugar – e
mais importante: a Bolsa de Valores, diante do não pagamento do preço pelos
compradores no vencimento antecipado, ao restituir aos vendedores as ações que
lhe pertencem, não deflagrou o tipo penal supracitado, já que entregou os bens
aos seus proprietários, sendo impossível, por isso mesmo, falar-se tecnicamente
em negociação, como quis, na previsão do tipo, o legislador penal.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
343
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Já no que diz respeito à alegação de negativa de vigência do art. 44 da
antiga Lei de Falências, subsidiariamente aplicável às liquidações extrajudiciais,
observo que o Tribunal estadual adotou a correta interpretação do dispositivo
legal no caso concreto.
Com efeito, realizada a venda a termo das ações da Cia. Vale do Rio Doce,
tendo como intermediária a Celton e como compradora a Capitânea Distribuidora
de Títulos e Valores Mobiliários, sobrevindo o inadimplemento de ambas, a Bolsa
de Valores do Rio de Janeiro, atendendo a pedido das vendedoras, devolveu-lhes
os títulos que estavam sob sua custódia e as indenizou pela diferença entre o
valor daqueles títulos na data do contrato de compra e venda e aquele vigente na
data da devolução, utilizando recursos do seu fundo de garantia, sub-rogando-se
o direito das vendedoras.
O procedimento adotado pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro foi
completamente aderente ao que diz o art. 44, V, da Lei de Falências, in verbis:
Art. 44 - Nas relações contratuais, abaixo mencionadas, prevalecerão as
seguintes regras:
[...]
V - Tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em Bolsa
ou mercado, e não se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e
pagamento do preço, prestar-se-á a diferença entre a cotação do dia do contrato
e a da época da liquidação.
Manifestando-se nos autos na qualidade de amicus curiae, afirmou a
Comissão de Valores Mobiliários (fls. 2.372-2.376 dos autos da Apelação Cível
n. 33.278):
[...] o que a BVRJ fez foi atender à reclamação dos lesados, mediante pedido
ao Fundo de Garantia, conforme a legislação prevê. É um procedimento
administrativo regular. Ressarciu os vendedores do prejuízo e se sub-rogou no
seu direito, na massa da liquidanda. [...] Não há irregularidade na atuação da BVRJ.
Por sua vez, o Ministério Público Federal, no parecer do professor
GUSTAVO TEPEDINDO, já mencionado, concluiu:
[...] Visto por outro ângulo, verifica-se que a restituição, praticada pela Bolsa
de Valores, equivale à espécie de obrigação de dar, determinada pelo DecretoLei n. 7.661/1945, no art. 44, inciso V, consistente na entrega do bem ao seu
proprietário, não se confundindo com a disposição, associada à transferência de
propriedade.
344
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Também quanto a esse aspecto, nada há a prover.
Acrescente-se que o acórdão recorrido, em todas as questões levantadas nas
razões de apelação, pautou sua fundamentação em premissas fáticas basicamente
extraídas da perícia realizada. Incabível, também por isso, a revisão do julgado,
como decorrência do contido na Súmula n. 7-STJ (“A pretensão de simples
reexame de prova não enseja recurso especial”).
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial interposto por Celton
Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. para negar-lhe provimento.
Analiso, agora, o recurso interposto pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro
com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal.
Ao apreciar a apelação adesiva interposta pela ora recorrente, a Turma
julgadora assim se manifestou:
Pugna a apelante 2, em recurso adesivo (fls. 2.285-2.289) a reforma da
r. sentença, para que dela conste que o valor da condenação corrigido,
monetariamente e juros legais, na forma postulada na inicial, a partir do momento
em que o débito da Celton se tornou exigível, conforme, identificado no laudo
pericial, tão logo foi franqueada à Bolsa a cobrança judicial contra a Celton, no
prazo e na forma determinados na Lei n. 6.024/1974.
Cuidando-se de dívida de dinheiro, portanto, ilícito relativo e não absoluto
(S. 43 e 54, do E. STJ), impõe-se a correção monetária do valor apurado em
liquidação, a partir do ajuizamento da ação, para impedir-se o locupletamento
injusto do devedor e dos juros de mora, a contar da citação, por determinação
legal (art. 219, do CPC), observando-se a disposição do art. 406, do Código Civil,
desde o início de sua vigência.
Contra essa decisão, argui a recorrente violação dos arts. 458, inciso II, e
535, inciso II, do CPC, bem como negativa de vigência do art. 18, letra a, da Lei
n. 6.024/1974, do art. 1º do Decreto-Lei n. 1.477/1976 e do art. 960 do Código
Civil de 1916, além de divergência jurisprudencial.
Sustenta a primeira recorrente que, durante quase quatro anos, ficou
impedida de acionar judicialmente a recorrida em obediência à norma contida
no art. 18, letra a, da Lei n. 6.024/1974, que veda o ajuizamento de ações contra
a sociedade liquidanda enquanto não houver sido publicado o quadro geral de
credores definitivo.
Argumenta que, de 1989 a 1993, quando finalmente pôde ajuizar a presente
demanda, a variação do INPC foi superior a seis milhões por cento e que privá-
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
345
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
la da correção monetária desse período importaria em propiciar à recorrida
injustificável enriquecimento sem causa.
Invoca, em prol da sua tese, ainda a Súmula n. 43-STJ (“Incide correção
monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”).
Quanto aos juros, lembra que o próprio acórdão teria reconhecido a
existência, a certeza e liquidez dos créditos devidos pela Celton e argumenta que
“as parcelas que compõem a dívida da Recorrida deveriam ter sido por esta honradas
na ocasião em que efetuados os correspondentes lançamentos a débito na contacorrente do Sistema BANERJ de liquidação financeira de operações, constituindo-se a
Recorrida em mora, diariamente, em função dos saldos negativos por ela não honrados
e cobertos com aportes de recursos da Recorrente”.
E continua: “[...] ainda que assim não fosse, isto é, ainda que a constituição
em mora dependesse de ato posterior (o que não foi o entendimento do v. acórdão,
como se verá a seguir), o fato é que a própria habilitação do crédito da Recorrente no
processo de liquidação extrajudicial, ocorrida logo em seguida à decretação do regime
de liquidação, em 21.6.1989, já teria, de todo o modo, caracterizado plenamente uma
interpelação, isto é, um ato de cobrança da dívida e de constituição do devedor em
mora, na forma do disposto na segunda parte do mesmo artigo 960 do Código Civil
de 1916 (‘Não havendo prazo assinado, começa ela [a mora] desde a interpelação,
notificação ou protesto’)”.
Entendo caber parcial razão à recorrente.
De fato, é entendimento antigo deste Tribunal que a correção monetária
nada acresce ao valor do débito, mas evita a corrosão do poder aquisitivo da
moeda pelo processo inflacionário. São célebres as decisões de lavra do Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira nesse sentido. Cito, como exemplo:
Direitos Processual Civil e Econômico. Seguro de vida. Correção monetária.
Atualização. Termo a quo. Recurso Especial. Pressupostos. Ausência. Recurso não
conhecido.
I - Sendo a correção monetária mero mecanismo para evitar a corrosão do
poder aquisitivo da moeda, sem qualquer acréscimo do valor original, impõese que o valor segurado seja atualizado desde a sua contratação, para que a
indenização seja efetivada com base em seu valor real, na data do pagamento.
II - É entendimento consolidado da Corte que a evolução dos fatos econômicos
tornou insustentável a não-incidência da correção monetária, sob pena de
prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo-se ela
imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena indenização dos
346
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações. (REsp n. 247.685-AC, DJ
de 5.6.2000.)
Ademais, no caso dos autos, o ajuizamento da ação só se tornou possível
quatro anos após o desembolso dos valores pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro,
dada a demora na publicação do quadro geral de credores da recorrida, havendo
impossibilidade legal de acionamento da devedora antes daquela data, em razão
do disposto da Lei n. 6.024/1974, como apontado pela primeira recorrente.
A Súmula n. 43-STJ ampara plenamente a pretensão, uma vez que seu
enunciado refere-se tanto ao ato ilícito absoluto (extracontratual) quanto ao ato
ilícito relativo (contratual), ao contrário do que decidiu o Tribunal estadual. Cito
como precedentes os acórdãos proferidos nos REsp n. 24.865-0-SP e 31.094-9SP, ambos relatados pelo Ministro Nilson Naves.
Como consequência, entendo que a correção monetária deverá incidir
a partir da ocorrência de saldos devedores não cobertos na conta-corrente da
Celton, mantida, à época, no BANERJ.
No que diz respeito aos juros de mora, no entanto, deve-se manter o
entendimento adotado no acórdão recorrido.
Na verdade, estabelece o art. 18, alínea d, da Lei n. 6.024/1974:
Art. 18. A decretação da liquidação extrajudicial produzirá, de imediato, os
seguintes efeitos:
[...]
d) não fluência de juros, mesmo que estipulados, contra a massa, enquanto
não integralmente pago o passivo.
No entanto, como não houve recurso por parte da Celton quanto à data
do início da contagem dos juros de mora, deve ser mantida aquela definida no
acórdão recorrido, entendimento que, aliás, não discrepa da jurisprudência desta
Corte, como se vê da ementa abaixo:
Liquidação Extrajudicial. Correção monetária. Juros.
1. Os débitos resultantes de decisão judicial, das empresas submetidas a
liquidação extrajudicial, devem ser corrigidos desde o vencimento da obrigação
ou do ajuizamento da ação. Princípio geral da Lei n. 6.899/1981, que não sofreu
restrição com a superveniência do Dec. Lei n. 2.278/1985.
2. Ajuizada ação de adimplemento de obrigação descumprida pela empresa
em liquidação, incide a regra processual sobre a mora (art. 219 CPC) e, como
consequência, fluem os juros moratórios desde a citação válida.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
347
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso não conhecido. (REsp n. 48.606-8-SP, relator Ministro Ruy Rosado de
Aguiar, DJ de 29.8.1994.)
Ante todo o exposto, conheço parcialmente do recurso interposto por Celton
Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. e nego-lhe provimento. Conheço
do recurso interposto pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e dou-lhe parcial
provimento, na forma estabelecida na fundamentação retro.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.152.849-MG (2009/0157602-6)
Relator: Ministro João Otávio de Noronha
Recorrente: Lucas Monteiro Machado Neto e outros
Advogado: Rita Câmara Elian e outro(s)
Recorrente: Maternidade Octaviano Neves S/A
Advogado: Rafael Alkmim Sousa e outro(s)
Recorrido: Os mesmos
EMENTA
Recurso especial. Direito Societário. Violação do art. 535 do
CPC. Não ocorrência. Sociedade anônima. Assembleia geral. Assunto
omisso na publicação da ordem do dia. Nulidade da deliberação.
Higidez da assembleia. Ações preferenciais. Voto contingente.
Desnecessidade de publicação da aquisição de direito a voto. Acordo
de acionistas. Acordo de voto em bloco. Limitação aos votos de
vontade. Impossibilidade quanto aos votos de verdade.
1. Não viola o art. 535 do CPC acórdão que, integrado por
julgado proferido em embargos de declaração, dirime, de forma
expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões
recursais.
348
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
2. Da convocação para a assembleia geral ordinária deve constar
a ordem do dia com a clara especificação dos assuntos a serem
deliberados.
3. A votação de matéria não publicada na ordem do dia implica
nulidade apenas da deliberação, e não de toda a assembleia.
4. Quando da convocação para a assembleia geral ordinária,
não há necessidade de publicação da aquisição temporária do direito
de voto pelas ações preferenciais (art. 111, § 1º, da LSA – voto
contingente).
5. O detentor da ação preferencial que não recebeu seus
dividendos conhece essa situação e deve, no próprio interesse, exercer
o direito que a lei lhe concede. Ao subscrever quotas de capital, o
acionista precisa conhecer as particularidades das ações que adquire,
não podendo arguir o desconhecimento dos termos da lei.
6. O acordo de acionistas não pode predeterminar o voto sobre
as declarações de verdade, aquele que é meramente declaratório da
legitimidade dos atos dos administradores, restringindo-se ao voto no
qual se emita declaração de vontade.
7. Recurso especiais desprovidos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, negar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo
Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.
Brasília (DF), 7 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro João Otávio de Noronha, Relator
DJe 18.11.2013
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
349
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de recursos especiais
interpostos por Lucas Monteiro Machado Neto e Outros e por Maternidade
Octaviano Neves S/A, ambos com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da
Constituição Federal.
Na origem, os primeiros recorrentes, acionistas da referida maternidade,
ajuizaram ação para ver anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral
ordinária (AGO) realizada em 29.4.2005. Apontaram as seguintes nulidades:
a) irregularidade na convocação da AGO: omissão sobre a deliberação da
destinação do lucro e distribuição de dividendos na ordem do dia;
b) vício na convocação e instalação da AGO: ausência de publicidade no
que se refere à aquisição do direito de voto pelos acionistas preferenciais;
c) aprovação irregular das contas da administração: aprovação mediante
votação dos próprios administradores por meio de acordo de acionistas; e
d) nulidade da deliberação quanto à distribuição de dividendos.
Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente
para declarar a nulidade das deliberações no que se refere à distribuição de
dividendos e à aprovação das contas dos administradores.
Ambas as partes apelaram, e o Tribunal a quo manteve a sentença em
acórdão assim ementado:
Declaratória. Sociedade anônima. Assembléia geral ordinária. Convocação
pública. Ordem do dia. Omissão de matéria a ser deliberada. Votação. Questão
decidida. Nulidade. Ação preferencial. Direito ao sufrágio. Prazo legal decorrido.
Aquisição imediata. Acordo de acionistas. “Voto de verdade”. Aprovação de contas.
Vedação. O regime de convocação pública tem por finalidade permitir que o sócio
tome conhecimento prévio da realização da AGO - Assembléia Geral Ordinária,
possibilitando que os titulares das quotas verifiquem a conveniência ou não de
sua presença, razão pela qual, deve ser dada ciência aos interessados quanto às
questões que serão deliberadas no conclave. Caso ocorra a votação de alguma
matéria que não foi mencionada no edital, somente aquela questão específica
deve ser considerada nula, permanecendo hígidas as demais decisões tomadas
em atendimento às determinações legais. Nas ações preferenciais, transcorrido o
prazo estipulado no artigo 111, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 sem que haja rateio dos
dividendos, a aquisição do direito ao sufrágio é automática e imediata. É vedado
ao acordo de acionistas o chamado “voto de verdade”, como, por exemplo, aquele
que aprova as contas da administração (e-STJ, fl. 402).
350
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Os dois embargos declaratórios subsequentemente opostos foram
rejeitados (e-STJ, fls. 422 e 435).
Sustentam os primeiros recorrentes (autores) as seguintes teses:
a) violação do art. 535, II, do CPC, uma vez que o acórdão recorrido
não deliberou acerca de dois pontos: i) a omissão na pauta de publicação da
AGO quanto a alguns dos itens gera prejuízo na deliberação dos demais; e ii) a
publicidade é um princípio informativo da Lei n. 6.404/1976;
b) ofensa aos arts. 124, 132 e 135 da Lei das S.A. em razão do vício
na convocação para a AGO; o edital foi silente acerca da distribuição de
dividendos, mas houve deliberação acerca da matéria;
c) contrariedade ao art. 111, § 1º, da Lei das S.A., tendo em vista o vício na
convocação e instalação da assembleia, que foi realizada sem devida publicidade
acerca da aquisição do direito de voto pelas ações preferenciais.
Requer seja declarada a nulidade total da AGO de 29.4.2005.
As contrarrazões foram apresentadas (e-STJ, fls. 479-485).
A segunda recorrente alega afronta ao art. 118 da Lei das S.A., que admite
o acordo de voto em bloco para aprovação de contas.
Contrarrazões apresentadas às fls. 487-494.
Admitidos os recursos na origem (e-STJ, fls. 503-505), ascenderam os
autos ao STJ.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): No presente caso,
autores e réu interpuseram recurso especial. O acórdão recorrido decretou
a nulidade de duas deliberações tomadas em assembleia geral ordinária:
distribuição de dividendos e aprovação das contas da administração.
Os primeiros recorrentes pretendem a declaração de nulidade de toda a
assembleia; a segunda recorrente pretende que seja mantida a aprovação das
contas.
Passo à análise dos recursos especiais:
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
351
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL DE LUCAS MONTEIRO MACHADO
NETO e OUTROS
I - Art. 535, II, do CPC
Afasto a alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC, porquanto a Corte
de origem examinou e decidiu, de modo claro e objetivo, as questões que
delimitaram a controvérsia, não se verificando nenhum vício que possa nulificar
o acórdão recorrido.
O órgão colegiado tratou das questões que lhe foram submetidas e foi
expresso ao negar a nulidade de toda a assembleia em razão de omissão pontual
na convocação. Foi expresso também ao reconhecer a importância da publicidade
dos atos.
Assim, ateve-se aos pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio,
adotando fundamentos cabíveis à prolação do julgado, ainda que que a parte não
concorde com as conclusões firmadas.
II - Arts. 124, 132 e 135 da Lei das S.A.
Os recorrentes afirmam que duas questões de direito deverão ser debatidas
no especial: a) “saber se a omissão quanto a algumas das matérias objeto
de deliberação em AGO importa na na nulidade de toda a AGO ou só na
deliberação tomada”; e b) “se, por ser a publicidade um princípio informativo da
6.404/1976, a aquisição do direito de voto na hipótese do artigo 111, § 1º da Lei
n. 6.404/1976 deve ser publicada” (e-STJ, fls. 444-445).
As instâncias ordinárias reconheceram que houve a convocação para a
assembleia geral ordinária. Contudo, a ordem do dia foi omissa em relação a
um ponto: a deliberação sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a
distribuição de dividendos. Apesar da omissão, tais matérias foram discutidas na
reunião, por isso a sentença decretou a nulidade da deliberação com a devolução
dos dividendos efetivamente distribuídos.
A convocação para a AGO foi realizada adequadamente, havendo omissão
quanto a uma das matérias tratadas no concílio. Por óbvio, não se pode anular
toda a assembleia, mas tão somente aquele ponto acerca do qual não foi dada a
necessária publicidade.
Houve o chamamento público e foi dada aos acionistas a oportunidade de
avaliar o interesse em comparecer ao ato. Apenas a discussão referente ao lucro
352
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
líquido e dividendos não foi levado ao conhecimento prévio dos interessados,
razão pela qual somente essa deliberação deve ser invalidada.
A ocorrência da assembleia, em si, não foi prejudicada, tendo em vista que
os demais assuntos tratados constaram da ordem do dia. É nítido que a hipótese
retratada nos autos é de nulidade da deliberação, e não de toda a assembleia.
III - Art. 111, § 1º, da Lei das S.A.
Quanto à ausência de divulgação do direito de voto pelas ações
preferenciais, também não há reparos a fazer.
Como contrapartida das prerrogativas patrimoniais que detêm em face
das ações ordinárias do capital da empresa, as ações preferenciais, em princípio,
possuem restrições quanto ao direito de voto. Todavia, adquirem esse direito
na hipótese do art. 111, § 1º, da Lei das S.A., ou seja, quando “a companhia,
pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos,
deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus”. O direito é
conservado até o pagamento dos dividendos atrasados.
No caso dos autos, essa ausência de pagamento foi verificada nos exercícios
de 2001, 2002 e 2003. Logo, foi descumprida a prioridade patrimonial, sendo
concedido aos preferencialistas o direito a voto até então limitado ou suprimido.
Todavia, não se exige que a aquisição do direito ao voto seja divulgada
por ocasião da convocação da AGO. Além do cumprimento das formalidades
do art. 133 da Lei n. 6.404/1976, o art. 124 arrola as informações que devem
constar da convocação para a assembleia e não inclui a informação pretendida
pelos recorrentes:
Art. 124 - A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes,
no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembléia, a ordem do dia, e,
no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria.
A publicidade que informa o regramento das sociedades diz respeito à
divulgação de atos e informações, e não de direitos legalmente expressos.
Como bem explicitado na sentença, o chamado voto contingente é
adquirido pela simples configuração fática da hipótese legal (art. 111, § 1º, da
Lei das S.A.). Transcorrido o prazo sem que haja pagamento dos dividendos, o
direito de voto é adquirido de forma automática e imediata, sendo desnecessário
informar aos acionistas por ocasião da convocação para a assembleia.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
353
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O detentor da ação preferencial que não recebeu seus dividendos conhece
essa situação e deve, no próprio interesse, exercer o direito que a lei lhe concede.
Ao subscrever quotas de capital, o acionista precisa conhecer as particularidades
das ações que adquire, não podendo arguir o desconhecimento dos termos da lei.
Logo, a não comunicação do direito de voto aos detentores das ações
preferenciais não enseja a nulidade da assembleia realizada.
IV - Conclusão no tocante ao recurso dos autores
Todas as questões abordadas no recurso especial foram primorosamente
tratadas na sentença e no acórdão, julgados que devem ser mantidos na sua
inteireza, com o desprovimento do presente recurso.
RECURSO ESPECIAL DE MATERNIDADE OCTAVIANO
NEVES S/A
I - Art. 118 da Lei das S.A.
O acórdão recorrido decidiu pela nulidade da aprovação de contas,
questão deliberada na AGO ora arguida. A recorrente pretende a reforma desse
entendimento, aduzindo ser permitido aprovar contas dos administradores por
voto do acordo de acionistas.
O acordo de acionistas, expressamente permitido no art. 118 da Lei das
S.A., é o pacto celebrado por acionistas em que é definido como cada parte
deve exercer determinados direitos sociais. O acordo possibilita a convergência
dos interesses dos acionistas da sociedade anônima, assegurando-lhes poder de
controle.
Leciona Modesto Carvalhosa:
Trata-se o acordo de acionistas de um contrato submetido às normas comuns
de validade de todo negócio jurídico privado, concluído entre acionistas de
uma mesma companhia, tendo por objeto a regulação do exercício dos direitos
referentes a suas ações, tanto no que se refere ao voto como à negociabilidade
das mesmas. (Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 9.)
O acordo pode ser de comando e defesa, de bloqueio ou de votos em bloco.
No presente caso, merece atenção o conteúdo do objeto do acordo de acionistas
para votos em bloco.
354
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
O voto é o instrumento de aferição do entendimento predominante
entre os acionistas com direito de participar das deliberações sociais. Há
distinção entre o voto de vontade, que envolve manifestação de vontade, e o
voto de verdade, que envolve a apreciação do sócio quanto à correspondência do
documento em apreciação e a realidade do objeto correspondente:
Acerca do tema, Fábio Ulhôa leciona:
Nem todo voto é uma manifestação de vontade. Quando a apreciação tem por
objeto as demonstrações financeiras, as contas dos administradores e os laudos
de avaliação, o voto exterioriza, a rigor, o entendimento do acionista quanto à
correspondência entre o conteúdo desses documentos e a realidade. A aprovação
significa que o acionista os considera fiéis ao respectivo objeto (o balanço retrata
o patrimônio e seus desdobramentos, a prestação de contas indica a regularidade
dos atos de administração, o laudo apresenta o valor de mercado do bem avaliado
etc.), e a reprovação, o inverso. Em vista disso, podem-se configurar dois tipos de
voto de acionistas, o de vontade e o de verdade. A distinção é muito importante,
porque possibilita distinguir entre a negociação lícita do exercício do direito de
voto (que somente pode dizer respeito à manifestação de vontade) e o crime de
venda de voto, tipificado no art. 177, § 2º, do CP (referente à de verdade). (Curso
de Direito Comercial, vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 309.)
Adiante, sintetiza:
O voto pode ser “de vontade” ou “de verdade”. No primeiro, o acionista manifesta
sua opção pela alternativa que mais lhe interessa entre as abertas na apreciação
da matéria. No último, exterioriza o seu entendimento acerca da fidelidade, ou
não, do documento em apreciação ao seu correspondente objeto.
Ao dispor acerca do acordo de acionistas, o jurista apregoa:
Em princípio, os acionistas podem contratar sobre quaisquer assuntos relativos
aos interesses comuns que os unem, havendo, a rigor, um único tema excluído
do campo de contratação válida: a venda de voto. É nula a cláusula de acordo
de acionista que estabeleça, por exemplo, a obrigação de votar sempre pela
aprovação das contas da administração, das demonstrações financeiras ou do
laudo de avaliação de bens ofertados à integralização do capital social. Também
é nula a estipulação de um acionista votar segundo a determinação de outro.
Quanto ao mais, inexiste vedação legal. Assim, sobre o exercício do voto de vontade
e demais aspectos das relações societárias, os acionistas podem livremente entabular
as tratativas que reputarem oportunas à adequada composição dos seus interesses
(op. cit., p. 315).
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
355
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A doutrina declara a invalidade do acordo de acionistas que tenha por
objeto o chamado voto de verdade, aquele que declara a legitimidade dos atos
dos administradores.
Essa é a linha de entendimento de Modesto Carvalhosa:
[...] a convenção de voto não pode ter por objeto voto de verdade, ou seja, aquele
que é meramente declaratória da legitimidade dos atos dos administradores. Tal
convenção constitui fraude à lei, pois não se pode predeterminar, através do voto,
a aprovação de atos de gestão, no pressuposto de sua inconformidade com o
interesse social, o interesse do estado e dos acionistas uti socii.
Restrito o objeto do acordo ao voto de vontade, este poderá abranger qualquer
matéria de natureza funcional [...], política [...] ou estrutural [...] (op. cit., p. 77).
Tratando das matérias que podem ser objeto do acordo de acionistas, José
Waldecy Lucena também discute a vedação aos acordos das declarações de
verdade:
Filiamo-nos à segunda corrente, assim entendendo que quaisquer matérias
podem ser objeto de acordos entre os acionistas, contanto que, como pactos
parassociais que são, obviamente não alterem o estatuto social, e, muito menos,
contenham disposições contra legem.
Costumam os autores, outrossim referir-se às matérias que não podem ser
objeto de acordo de acionistas. Assim, Celso de Albuquerque Barreto listou os
seguintes casos: (...) acordos que tenham por objeto as declarações de verdade
(aprovação de contas, etc.). (Das sociedades anônimas, vol. 1. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 1.135-1.136.)
Não se pode permitir a predeterminação do voto sobre as declarações de
verdade, pois, tratando-se de forma de fiscalização dos atos de administração,
não deve ser exercida nos interesses de determinado grupo de acionistas.
Constatado que o voto do acordo de acionistas foi pela aprovação das
contas dos administradores da recorrente, deve ser reconhecida a sua nulidade,
nos termos do acórdão recorrido.
II - Conclusão no tocante ao recurso da maternidade
Deve ser mantido o acórdão atacado com o desprovimento do recurso
especial.
356
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
CONCLUSÃO
Ante o exposto, nego provimento aos recursos especiais.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.161.941-DF (2009/0204609-0)
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Recorrente: Juliana Almeida e Araújo e outro
Advogado: Renato Oliveira Ramos
Recorrido: Casanova Trajes A Rigor e Promoções S/C Ltda
Advogado: André Vicente Achefer Quintaes e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Direito do Consumidor. Indenização por danos
morais e materiais. Entrega de vestido de noiva defeituoso. Natureza.
Bem durável. Art. 26, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.
Prazo decadencial de noventa dias.
1. A garantia legal de adequação de produtos e serviços é direito
potestativo do consumidor, assegurado em lei de ordem pública (arts.
1º, 24 e 25 do Código de Defesa do Consumidor).
2. A facilidade de constatação do vício e a durabilidade ou não
do produto ou serviço são os critérios adotados no Código de Defesa
do Consumidor para a fixação do prazo decadencial de reclamação de
vícios aparentes ou de fácil constatação em produtos ou serviços.
3. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil
constatação caduca 30 (trinta), em se tratando de produto não durável,
e em 90 (noventa) dias, em se tratando de produto durável (art. 26,
incisos I e II, do CDC).
4. O início da contagem do prazo para os vícios aparentes ou de
fácil constatação é a entrega efetiva do produto (tradição) ou, no caso
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
357
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de serviços, o término da sua execução (art. 26, § 1º, do CDC), pois
a constatação da inadequação é verificável de plano a partir de um
exame superficial pelo “consumidor médio”.
5. A decadência é obstada pela reclamação comprovadamente
formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e
serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser
transmitida de forma inequívoca (art. 26, § 2º, inciso I, do CDC), o
que ocorreu no caso concreto.
6. O vestuário representa produto durável por natureza, porque
não se exaure no primeiro uso ou em pouco tempo após a aquisição,
levando certo tempo para se desgastar, mormente quando classificado
como artigo de luxo, a exemplo do vestido de noiva, que não tem uma
razão efêmera.
7. O bem durável é aquele fabricado para servir durante
determinado transcurso temporal, que variará conforme a qualidade
da mercadoria, os cuidados que lhe são emprestados pelo usuário,
o grau de utilização e o meio ambiente no qual inserido. Por outro
lado, os produtos “não duráveis” extinguem-se em um único ato de
consumo, porquanto imediato o seu desgaste.
8. Recurso provido para afastar a decadência, impondo-se o
retorno dos autos à instância de origem para a análise do mérito do
pedido como entender de direito.
ACÓRDÃO
A Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi,
Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 5 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator
DJe 14.11.2013
358
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial
interposto com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição
Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito e Territórios assim
ementado:
Civil. Indenização por danos materiais e morais. Relação de consumo. Alegação
de entrega pelo fornecedor de vestuário - Vestido de noiva com defeito. Bem não
durável. Art. 26, I, do CDC. Decadência.
1 - Nos termos do art. 26, I, do CDC, o consumidor tem 30 dias para reclamar pelos
vícios aparentes ou de fácil constatação em se tratando de serviço ou de produto não
durável, sob pena de decair do direito de fazê-lo.
2 - Recurso não provido (e-STJ fl. 162 - grifou-se).
Na origem, Juliana Almeida e Araújo e Outra, ora recorrentes, ajuizaram
ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por
danos morais e materiais em desfavor de Casanova Trajes A Rigor e Promoções
S/C Ltda., sob a alegação de que a empresa foi contratada para confeccionar
um vestido de noiva, entregando mercadoria com inúmeros defeitos, diverso do
produto encomendado e de qualidade inferior à contratada.
As autoras aduziram na inicial que
(...) A primeira Autora, em razão do seu casamento realizado no dia 5.8.2006,
comprou da Ré, sob encomenda, um vestido de noiva branco em zibeline e renda
cashmere, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
O referido valor foi dividido em 6 (seis) parcelas, sendo a primeira de R$
2.000,00 (dois mil reais) e as restantes em R$ 1.600,00 (hum mil e seiscentos reais. E
o pagamento foi efetuado por intermédio de cheques emitidos pela segunda
Autora, mãe da primeira, todos com data de vencimento para o dia 15 de cada
mês, a partir de abril/2006 (doc. 02).
Chegando aqui, as Autoras foram obrigadas a contratar, urgentemente, um
respeitado estilista em Brasília - Sr. Paulo Araújo - para reparar e reformar o vestido,
especificamente para substituir o tecido, aplicar plissé e refazer o acabamento em
todo o contorno da barra, conforme se vê da nota fiscal em anexo (...) Em suma,
diante da má qualidade do serviço prestado, as Autoras sustaram o pagamento
dos últimos cheques entregues à Ré, no valor total de R$ 3.200,00 (três mil e
duzentos reais) e desembolsaram R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais) para
reparar e deixar o vestido em perfeito estado (e-STJ fl. 6 - grifou-se).
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
359
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Afirmaram que na “última prova, dia 27.7.2006”, constataram graves
defeitos no vestido contratado, e, apesar da reclamação, não houve nenhum
reparo imediato, motivo pelo qual, após a cerimônia de casamento, notificaram
formalmente a ré, em 21.8.2006, acerca dos alegados vícios. A contranotificação
da fornecedora, negando a existência de possíveis vícios, foi conhecida pelas
autoras em 31.8.2006, tendo sido a presente ação judicial proposta em 4.9.2006.
Ao final, requereram a procedência dos pedidos para ver declarada a
inexistência de crédito em favor da ré, a anulação dos dois últimos cheques
emitidos em pagamento dos serviços, a condenação da requerida ao pagamento
da quantia de R$ 700,00 (setecentos reais) a título de danos materiais ou,
subsidiariamente, ao pagamento de R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais),
caso não anulados os cheques sustados, bem como indenização por danos
morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada parte lesada (noiva e
mãe da noiva).
O juízo de primeira instância extinguiu o feito, com resolução do mérito,
por reconhecer a decadência do direito das autoras, com fulcro no art. 269, IV,
do Código de Processo Civil, em virtude da caducidade do direito pleiteado,
à luz do art. 26, inciso I, do CDC, que prevê o prazo de 30 (trinta) dias para
reclamação de vícios aparentes em produtos e serviços não duráveis, conclusão
que restou mantida pelo Tribunal de origem, nos termos da ementa já transcrita.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fls. 181-185).
Nas razões do recurso especial alegam as recorrentes, em síntese, violação
dos seguintes dispositivos legais e suas respectivas teses:
(i) artigo 535, do Código de Processo Civil, por ausência de negativa
jurisdicional;
(ii) artigo 26, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor,
sustentando que artigo de vestuário não se enquadra na classificação de bem não
durável, tido como aquele que se extingue pelo mero uso, situação incompatível
com a descrita nos autos, que versa sobre defeitos ocasionados em um vestido
de noiva, bem durável por natureza. Assim, incidiria, no caso concreto, o prazo
decadencial de 90 (noventa) dias, não havendo falar em caducidade;
(iii) artigo 26, § 2º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor,
alegando que a notificação extrajudicial que encaminharam à recorrida obstaria,
de todo modo, o curso do prazo decadencial - que não se confundiria com causa
suspensiva. E, concluem, que o direito de agir somente surgiria no momento
360
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
do recebimento da contranotificação da ré, ou seja, com a expressa negativa da
recorrida em solucionar o problema, restando afastada, de um modo ou de outro,
a decadência.
Sem as contrarrazões, e admitido o recurso especial, ascenderam os autos a
esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): O recurso merece
prosperar.
Quanto à alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, ao que
se tem, o Tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, solucionando
a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. Não
há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo fato de o
acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte.
No mérito, assiste razão às recorrentes.
Como se sabe, a garantia legal de adequação de produtos e serviços é
direito potestativo do consumidor, porquanto assegurado em lei de ordem
pública (arts. 1º, 24 e 25 do Código de Defesa do Consumidor.
A professora Cláudia Lima Marques, ao mencionar o regime jurídico dos
vícios no Código de Defesa do Consumidor, afirma que “o novo dever legal
afasta a incidência das normas ordinárias sobre vício redibitório, assim como
o dever legal de informar e cooperar afasta as normas ordinárias sobre o erro.
O vício, enquanto instituto do chamado direito do consumidor, é mais amplo e seu
regime mais objetivo: não basta a simples qualidade média do produto, é necessária a
sua adequação objetiva, a possibilidade de que aquele bem satisfaça a confiança que o
consumidor nele depositou, sendo o vício oculto ou aparente. Da mesma maneira, os
legitimados passivamente, isto é, os responsáveis, são agora todos os fornecedores
envolvidos na produção e não só o cocontratante”. (Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor - Editora Revista dos Tribunais, 3ª Edição - art. 18 - p.
483 - grifou-se)
A facilidade de constatação do vício e a durabilidade ou não do produto ou
serviço representam no Código de Defesa do Consumidor os critérios legais
para a fixação do prazo decadencial para reclamação de vícios aparentes ou de
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
361
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
fácil constatação. Assim, se o produto for durável, o prazo será de 90 (noventa)
dias, caso contrário, se não durável, o prazo será de 30 (trinta) dias, como se vê
da literalidade do seguinte dispositivo:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação
caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não
duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos
duráveis.
§ 1º Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do
produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2º Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o
fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que
deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em
que ficar evidenciado o defeito.
O acórdão recorrido, ao valorar as premissas fáticas postas nos autos,
assentou que o vestuário teria natureza de bem não durável, motivo pelo qual
aplicou o prazo decadencial de 30 (trinta) dias previsto no art. 26, inciso
I, do CDC, extinguindo o feito com resolução do mérito por terem sido
ultrapassados 4 (quatro) dias daquele prazo, como se afere da fundamentação
que ora se transcreve:
(...) Todavia, todos os bens, sejam duráveis ou não, se extinguem com o
uso, mesmo que seja a longo prazo. Tal classificação, que não está explícita
na legislação, mas fora elaborada pela jurisprudência, estabelece os lindes da
questão, adotando o entendimento de que o vestuário se subsume à categoria de
bem não durável, embora, por certo, não se possa falar em extinção imediata da
coisa.(...) Nessa linha de entendimento, adotando o critério de ser o vestuário produto
não durável, mormente em se tratando de vestido de noiva cujo uso se extingue
com a realização da cerimônia e sendo a autora consumidora final do produto,
não havendo falar portanto em reutilização do vestido, correto o entendimento
monocrático no sentido de ter ocorrido a decadência: “Neste contexto fático-legal,
tem-se evidenciada a caducidade do direito vindicado na presente ação, mesmo
a se considerar a notificação encaminhada pelas autoras como causa suspensiva
362
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
do curso do prazo decadencial, reiniciando, por sua vez, após a contra-notificação
conhecida pelas autoras em 31.8.2006” (fl. 122), haja vista o determinado pelo art.
26, I do CDC (e-STJ fl. 165 - grifou-se).
Tal conclusão, contudo, não se sustenta no ordenamento pátrio.
Entende-se por produto durável aquele que, como o próprio nome
consigna, não se extingue pelo uso, levando certo tempo para se desgastar. Ao
consumidor é facultada a utilização do bem conforme sua vontade e necessidade,
sem, todavia, se olvidar que nenhum produto é eterno, pois, de um modo ou de outro,
todos os bens tendem a um fim material em algum momento, já que sua existência está
atrelada à sua vida útil.
O aspecto de durabilidade do bem impõe reconhecer que um dia todo
bem perderá sua função, deixando de atender à finalidade à qual um dia se
destinou. O bem durável é aquele fabricado para servir durante determinado
tempo, que variará conforme a qualidade da mercadoria, os cuidados que lhe
são emprestados pelo usuário, o grau de utilização e o meio ambiente no qual
inserido. Portanto, natural que um terno, um eletrodoméstico, um automóvel ou
até mesmo um livro, à evidência exemplos de produtos duráveis, se desgastem
com o tempo, já que a finitude, é de certo modo, inerente a todo bem.
Por outro lado, os produtos não duráveis, tais como alimentos, os remédios
e combustíveis, em regra in natura, findam com o mero uso, extinguindo-se em
um único ato de consumo. O desgaste é, por consequência, imediato.
Na hipótese dos autos, há que se reconhecer que o bem em objeto de análise
é um vestido de noiva, incluído na classificação de bem de uso especial, tidos
como “aqueles bens de consumo com características singulares e/ou identificação
de marca, para os quais um grupo significante de compradores está habitualmente
desejoso e disposto a fazer um especial esforço de compra (exemplos: marcas e
tipos específicos de artigos de luxo, peças para aparelhos de alta fidelidade,
equipamento fotográfico”. ( José Geraldo Brito Filomeno, Manual de Direitos
do Consumidor, 10ª Edição, São Paulo, Editora Atlas S.A., 2010, p. 47)
Logo, o vestuário, mormente um vestido de noiva, é um bem “durável”, pois
não se extingue pelo mero uso. Aliás, é notório que por seu valor sentimental
há quem o guarde para a posteridade, muitas vezes com a finalidade de vê-lo
reutilizado em cerimônias de casamento por familiares (filhas, netas e bisnetas)
de uma mesma estirpe.
Por outro lado, há pessoas que o mantém como lembrança da escolha de
vida e da emoção vivenciada no momento do enlace amoroso, enquanto há
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
363
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
aquelas que guardam o vestido de noiva para uma possível reforma, seja por
meio de aproveitamento do material (normalmente valioso), do tingimento da
roupa (cujo tecido, em regra, é de alta qualidade) ou, ainda, para extrair lucro
econômico, por meio de aluguel (negócio rentável e comum atualmente).
Desse modo, o vestido de noiva jamais se enquadraria como bem não
durável, porquanto não consumível, tendo em vista não se exaurir no primeiro
uso ou em pouco tempo após a aquisição, para consignar o óbvio. Aliás, como
claramente se percebe, a depender da vontade da consumidora, o vestido de
noiva, vestimenta como outra qualquer, sobreviverá a muitos usos.
Com efeito, o desgaste de uma roupa não ocorre em breve espaço de tempo,
em especial quando cediço que um dos elementos estimuladores do consumo é
a qualidade da roupa. Não é inapropriado dizer que muitas vezes há roupas mais
duradouras que produtos eletroeletrônicos (também considerados duráveis) e,
não por outro motivo, as roupas, em geral, possuem instruções de uso e lavagem
a fim de lhe permitir longa vida útil, ou seja, maior durabilidade. De fato, tanto
as roupas são bens considerados duráveis que, não raro, são objeto de doações,
pois, mesmo já gastas ainda preservam o estado de uso, em especial para aqueles
com menor capacidade econômica, o que deve ser sempre estimulado em um
país cuja miserabilidade cresce a cada dia.
Ademais, é inegável existirem roupas que têm valor sentimental
incomensurável por terem pertencido a membros da família, muitos já falecidos,
ou ainda, por terem sido adquiridas na infância.
No particular, impõe-se reconhecer que todo produto possui uma “vida
útil”. Todavia, o produto durável não tem uma vida efêmera, muito “embora não
se exija que seja prolongada, na medida em que é do próprio capitalismo que
vivemos que cedo ou tarde todos e qualquer produto ou serviço seja substituído
por uma nova aquisição que venha alimentar o ciclo de consumo”. (Caio
Augusto Silva Santos e Paulo Henrique Silva Godoy, em obra Coordenada por
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, O Novo Código Civil – Interfaces
no Ordenamento Jurídico Brasileiro – Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2004,
p. 99)
Registre-se, por oportuno, os inúmeros exemplos de resistência ao tempo
das roupas, citando-se, a título ilustrativo: o manto do imperador D. Pedro II,
até hoje peça das mais apreciadas do acervo do Museu Imperial de PetrópolisRJ; os vestidos de Carmen Miranda, expostos, inclusive, no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro (MAM); as vestimentas oficiais do ex-Presidente
364
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Juscelino Kubitschek mantidas no Museu do Catetinho, em Brasília-DF, e,
ainda, as vestes intactas do Papa João XXIII, cujo corpo está em exposição
permanente em um sarcófago de vidro na Basílica de São Pedro no Vaticano.
Em consequência, o prazo decadencial incidente no caso em apreço é o
aplicável aos bens duráveis, qual seja, o de 90 (noventa) dias, versando hipótese
de vício aparente ou de fácil constatação na data da entrega (tradição), conhecido
como aquele que não exige do consumidor médio nenhum conhecimento
especializado ou apreciação técnica (perícia), por decorrer de análise superficial
do produto (simples visualização ou uso), cuja constatação é verificável de plano,
a partir de um simples exame do bem ou serviço, por mera experimentação ou
por “saltar aos olhos” ostensivamente sua inadequação.
Por outro lado, o CDC estabelece que o prazo decadencial se inicia a partir
da entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço (art. 26, §
1º, do CDC), diferentemente dos vícios ocultos, em que o prazo começa a partir
de sua manifestação (art. 26, §§ 1º e 3º do CDC).
Alegam as autoras que o vestido de noiva entregue não estava em perfeito
estado de uso, nem mesmo representava o modelo previamente combinado
pelas partes, frustrando as justas expectativas da consumidora às vésperas do
evento. Desse modo, por apresentar defeitos substanciais de confecção, precisou
buscar outro profissional para realizar os consertos indispensáveis à utilização da
roupa pela noiva na cerimônia de casamento. Dentre os defeitos alegados pelas
autoras, destacam-se: “o decote foi abaixado, a frente do vestido foi trocada, o
forro foi todo trocado, foi usado outro véu, foi colocado cetim sem costura, o
babado foi adaptado, alguns tecidos foram trocados (estavam do lado avesso),
entre outras alterações” (e-STJ fl. 7)
São irrefutáveis a angústia e a frustração de qualquer pessoa que contrate
um vestido para uma ocasião especial, tal como o dia da cerimônia do casamento,
cujos preparativos permeiam expectativas e sonhos das partes envolvidas,
inclusive de familiares e amigos.
A situação de inadequação que desafia a responsabilidade por vícios do
produto ou serviço apta a merecer reparos pode se referir tanto à quantidade
como à qualidade da mercadoria cuja utilização se reputa imprópria ao consumo,
estando estampadas nos artigos 18 a 25 do Código de Defesa do Consumidor
as alternativas de substituição do produto, o abatimento proporcional do preço,
a reexecução do serviço, ou até mesmo a resolução do contrato, com a restituição
do preço.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
365
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A tradição da mercadoria defeituosa foi realizada uma semana antes do
matrimônio, afirmando as recorrentes que o resultado do objeto do contratado
violou a garantia legal de adequação inerente a qualquer produto posto no
mercado, deixando de satisfazer a necessidade do destinatário final, o consumidor
(art. 24 do CDC), o que deve ser demonstrado na instrução do feito.
Saliente-se que tal insurgência há de ser exercida dentro dos exíguos
prazos previstos no CDC (art. 26, incs. I e II). No caso, as autoras insurgiram-se
tempestivamente, motivo pelo qual não merece guarida a tese da decadência.
Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar sobre a incidência dos
prazos decadenciais nas hipóteses de produtos duráveis e não duráveis, que são
distintos no Código de Defesa do Consumidor, como se vê da seguinte ementa:
Direito do Consumidor. Ação de preceito cominatório. Substituição de
mobiliário entregue com defeito. Vício aparente. Bem durável. Ocorrência de
decadência. Prazo de noventa dias. Art. 26, II, da Lei n. 8.078/1990. Doutrina.
Precedente da Turma. Recurso provido.
I - Existindo vício aparente, de fácil constatação no produto, não há que se falar
em prescrição quinquenal, mas, sim, em decadência do direito do consumidor de
reclamar pela desconformidade do pactuado, incidindo o art. 26 do Código de Defesa
do Consumidor.
II - O art. 27 do mesmo diploma legal cuida somente das hipóteses em que
estão presentes vícios de qualidade do produto por insegurança, ou seja, casos em
que produto traz um vicio intrínseco que potencializa um acidente de consumo,
sujeitando-se o consumidor a um perigo iminente.
III - Entende-se por produtos não-duráveis aqueles que se exaurem no
primeiro uso ou logo após sua aquisição, enquanto que os duráveis, definidos
por exclusão, seriam aqueles de vida útil não-efêmera (REsp n. 114.473-RJ, Rel.
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 24.3.1997, DJ
5.5.1997 - grifou-se).
Em outra oportunidade, a Ministra Fátima Nancy Andrighi, em
laborioso voto, sintetizou, de forma didática, as regras do CDC ora em estudo,
reconhecendo o direito do consumidor de exigir, dentro do prazo legal, a
superação de eventuais vícios de qualidade ou quantidade, bem como que a
garantia legal de adequação não afasta nem conflita com a garantia contratual
eventualmente pactuada entre as partes:
Consumidor. Responsabilidade pelo fato ou vício do produto. Distinção. Direito
de reclamar. Prazos. Vício de adequação. Prazo decadencial. Defeito de segurança.
366
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Prazo prescricional. Garantia legal e prazo de reclamação. Distinção. Garantia
contratual. Aplicação, por analogia, dos prazos de reclamação atinentes à garantia
legal.
- No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência
de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos
produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo
fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de
outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os
vícios por inadequação.
- Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará
vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do
consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade
do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto
ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à
expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos
à sua incolumidade ou de terceiros.
- O CDC apresenta duas regras distintas para regular o direito de reclamar,
conforme se trate de vício de adequação ou defeito de segurança. Na primeira
hipótese, os prazos para reclamação são decadenciais, nos termos do art. 26 do
CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa)
dias para produto ou serviço durável, ambos os prazos contadas da entrega efetiva
do produto ou do término da execução do serviço. A pretensão à reparação pelos
danos causados por fato do produto ou serviço vem regulada no art. 27 do CDC,
prescrevendo em 05 (cinco) anos.
- A garantia legal é obrigatória, dela não podendo se esquivar o fornecedor.
Paralelamente a ela, porém, pode o fornecedor oferecer uma garantia contratual,
alargando o prazo ou o alcance da garantia legal.
- A lei não fixa expressamente um prazo de garantia legal. O que há é prazo para
reclamar contra o descumprimento dessa garantia, o qual, em se tratando de vício de
adequação, está previsto no art. 26 do CDC, sendo de 90 (noventa) ou 30 (trinta) dias,
conforme seja produto ou serviço durável ou não.
- Diferentemente do que ocorre com a garantia legal contra vícios de
adequação, cujos prazos de reclamação estão contidos no art. 26 do CDC,
a lei não estabelece prazo de reclamação para a garantia contratual. Nessas
condições, uma interpretação teleológica e sistemática do CDC permite integrar
analogicamente a regra relativa à garantia contratual, estendendo-lhe os prazos
de reclamação atinentes à garantia legal, ou seja, a partir do término da garantia
contratual, o consumidor terá 30 (bens não duráveis) ou 90 (bens duráveis) dias
para reclamar por vícios de adequação surgidos no decorrer do período desta
garantia. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 967.623-RJ, julgado em
16.4.2009, DJe 29.6.2009 - grifou-se).
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
367
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Extrai-se dos autos que a última prova do vestido ocorreu no dia 27.7.2006,
quando o vestido supostamente danificado foi entregue às consumidoras, tendo
a empresa recorrida sido notificada extrajudicialmente dos alegados vícios em
21.8.2006. Por sua vez, as autoras foram cientificadas da contranotificação em
31.8.2006, tendo sido a presente ação judicial proposta em 4.9.2006.
Como se vê, qualquer que seja a interpretação que se confira ao verbo
obstar constante do art. 26 do CDC, no presente caso não há falar em
decadência, porquanto não transcorrido o prazo de 90 (noventa) dias. Portanto,
independentemente de se reconhecer a suspensão ou a interrupção da noventena
legal, o prazo foi efetivamente “obstado” pela reclamação formalizada pela
notificação extrajudicial da recorrida.
Consigne-se que a reclamação deve ser comprovada pelo consumidor
para que possa se valer do benefício, não exigindo a lei meios específicos para
tanto. Segundo Héctor Valverde Santana, “não há uma forma preestabelecida para
realizar a reclamação. Efetivamente, pode o consumidor, ou quem o represente
legalmente, apresentar sua reclamação perante o fornecedor por todos os meios
possíveis, seja verbal, pessoalmente ou por telefone, nos Serviços de Atendimento ao
Cliente (SAC), por escrito, mediante instrumento enviado pelo cartório de títulos e
documentos, carta registrada ou simples, encaminhada pelo serviço postal ou entregue
diretamente pelo consumidor, e-mail, fax, dentre outros” (Prescrição e Decadência
nas Relações de Consumo, São Paulo, RT, 2002, p. 128).
É recomendável que a reclamação “seja documentada (carta com aviso
de recebimento - AR), podendo ser feita junto a qualquer fornecedor que,
de alguma forma, interveio na cadeia de consumo e tenha se beneficiado da
venda (produtor, comerciante, importador, fabricante), não havendo na lei
qualquer ressalva a respeito”. (Fábio Henrique Podestá, Código de Defesa do
Consumidor Comentado, Editora Revista dos Tribunais, p. 171)
Contudo, esta Corte já se manifestou no sentido de que “a reclamação verbal
seria suficiente a obstar os efeitos da causa extintiva (decadência) se efetivamente
comprovada” (REsp n. 156.760-SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta
Turma, julgado em 4.3.2004, DJ 22.3.2004 - grifou-se), desde que direcionada
à quem interessa, já que “não obsta a decadência a simples denúncia oferecida
oferecida ao Procon, sem que se formule pretensão, e para a qual não há cogitar
de resposta” (REsp n. 65.498-SP, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira
Turma, julgado em 11.11.1996, DJ 16.12.1996).
368
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
No tocante à controvérsia doutrinária acerca do real significado da
expressão “obstam a decadência” (art. 26, § 2º do CDC) a melhor doutrina
assegura maior amplitude à tutela dos consumidores, cuja hipossuficiência, em
regra, norteia as opções do legislador.
Portanto, assiste razão àqueles que entendem que o termo “obstar” versa
sobre uma modalidade de interrupção do prazo decadencial, a exemplo de
Cláudia Lima Marques, Luiz Edson Fachin, Luiz Daniel Pereira Cintra e
Odete Novais Carneiro Queiroz, já que o prazo anterior seria desconsiderado,
beneficiando, sobremaneira, o consumidor, que disporia novamente do prazo
por completo para exercitar seu direito.
Nesse sentido, Rizzatto Nunes observa que “a inserção do termo ‘obstam’
foi justamente para ‘fugir da discussão – especialmente doutrinária – a respeito
da possibilidade ou não de que um prazo decadencial pudesse suspender-se ou
não, interromper-se ou não, o legislador, inteligentemente, lançou mão do verbo
‘obstar’”. (Curso de Direito do Consumidor, Editora Saraiva, São Paulo, 2005,
p. 368)
A propósito, Héctor Valverde Santana apresenta forte argumento em favor
da tese da interrupção, como salientado por Leonardo de Medeiros Garcia:
(...) Segundo o autor, o parágrafo único do art. 27 do CDC foi vetado pelo
Presidente da República por reconhecer nele grave defeito de formulação. O
dispositivo censurado dizia que seria interrompida a prescrição nas hipóteses
do § 1º do art. 26 do CDC (houve um erro de remissão, já que pretendia se referir
às causas obstativas do § 2º do art. 26 do CDC). (Direito do Consumidor, Editora
Impetus, Niterói, RJ, 2008, p. 167)
Não se olvida, ademais, que a interpretação que entende como suspensão,
por ser mais prejudicial aos consumidores, deve ser descartada, como
acertadamente aponta lição do Ministro Herman Benjamin:
(...) Em que pese a dificuldade que a matéria comporta, a melhor posição,
considerando a finalidade de proteção ao consumidor, e que os prazos
decadenciais do CDC são bastante exíguos, é no sentido de se reiniciar a
contagem dos prazos decadenciais a partir da resposta negativa do fornecedor
(incido I) ou da data em que se promove o encerramento do inquérito civil (inciso
III). Obstar, portanto, tem o sentido de invalidar o prazo já transcorrido, o que se
assemelha ou se aproxima das hipótese de interrupção. (Manual de direito do
consumidor, Revista dos Tribunais, 2008, p. 165)
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
369
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Dessa forma, afasto as conclusões do juízo de primeira instância, mantidas
pelo Tribunal de origem, de que,
(...) Neste contexto, fático-legal, tem-se evidenciada a caducidade do direito
vindicado na presente ação, mesmo a se considerar a notificação encaminhada
pelas autoras como causa suspensiva do curso do prazo decadencial, reiniciado, por
sua vez, após a contra-notificação conhecida pelas autoras em 31.8.2006.
Conforme elucida o Eminente Juiz de Direito James Eduardo de Moraes de
Oliveira, em seu Código de Defesa do Consumidor, Ed Atlas 2005, “A reclamação
formulada pelo consumidor acerca dos vícios constatados no produto ou no
serviço e o inquérito civil instaurado pelo Ministério Público constituem causas
suspensivas - e não interruptivas - da decadência. Isso significa que, uma vez
expirada a causa obstativa, o prazo decadencial retoma seu curso até alcançar
os 30 ou 90 dias previstos no caput do art. 26”. Na verdade, com o reinício da
contagem do prazo mencionado, as autoras ajuizaram a demanda em 8.9.2006,
portanto, a destempo vez que o prazo fatal terminou em 4.9.2006 (...) (e-STJ fls.
124-126 - grifou-se).
Desse modo, afasto a decadência do direito potestativo de reclamar os
eventuais vícios do vestido de noiva, reputado impróprio ao uso (arts. 18, § 6º,
e 20, § 2º, do CDC), equivocadamente declarada pelo Tribunal de origem, por
incidir, no caso concreto, o prazo de 90 (noventa) dias pertinentes aos “bens
duráveis”, nos termos do art. 26, inciso II, do CDC.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial e determino o retorno
dos autos às instâncias de origem, para que analise o mérito do pedido de
indenização material e moral como entender de direito.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.191.612-PA (2010/0078010-9)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Sociedade Civil Instituto Vera Cruz
Advogado: Marcelo Augusto Teixeira de Brito Nobre e outro(s)
Recorrido: Associação Universitária Interamericana
Advogado: Haroldo Guilherme Pinheiro da Silva e outro(s)
370
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
EMENTA
Recurso especial. Direito Marcário. Colidência entre nome
empresarial e marca. Nome empresarial. Proteção no âmbito do
Estado em que registrado. Princípio da anterioridade do registro no
INPI. Mitigação pelos princípios da territorialidade e da especialidade.
Recurso especial provido.
1 - Conflito em torno da utilização da marca “Vera Cruz” entre
a empresa sediada em São Paulo que a registrou no INPI em 1986 e a
sociedade civil que utiliza essa denominação em seu nome empresarial
devidamente registrado na Junta Comercial do Estado do Pará desde
1957.
2 - Peculiaridade da colidência estabelecida entre a marca
registrado no INPI e o nome empresarial registrado anteriormente na
Junta Comercial competente.
3 - Aferição da colidência não apenas com base no critério da
anterioridade do registro no NPI, mas também pelos princípios da
territorialidade e da especialidade.
4 - Precedentes específicos desta Corte, especialmente o acórdão
no Recurso Especial n. 1.232.658-SP (Rel. Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 12.6.2012, DJe 25.10.2012): “Para a
aferição de eventual colidência entre marca e signos distintivos
sujeitos a outras modalidades de proteção - como o nome empresarial
e o título de estabelecimento - não é possível restringir-se à análise do
critério da anterioridade, mas deve também se levar em consideração
os princípios da territorialidade e da especialidade, como corolário da
necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários”.
5 - Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, A
Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas
Cueva, Nancy Andrighi e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
371
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 22 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator
DJe 28.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial
interposto por Sociedade Civil Instituto Vera Cruz com fundamento no artigo 105,
inciso III, alíneas a e c da Constituição da República contra acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que restou assim ementado (fl. 282):
Processual Civil. Apelação cível. Propriedade e registro de marca. Princípio da
anterioridade. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e segurança jurídica.
I Apelada utilizava marca desde 1957, mas nunca requereu no órgão
competente o respectivo registro;
II Apelante tem registro de propriedade da marca em questão desde 1979,
circunstância que não foi impugnada pela recorrente;
III Notificação extrajudicial entregue à recorrida datada de 1993.
IV Decurso in albis do prazo para apelada impugnar o registro requerido pela
recorrente. Registro válido. Utilização indevida. Indenização cabível. Decisão
Unânime.
Opostos embargos de declaração, estes restaram rejeitados nos seguintes
termos (fl. 324):
Processual Civil Embargos de declaração Conhecimento e parcial provimento
para efeitos aclaratórios
I Os embargos declaratórios não devem ser utilizados para rediscussão de
matéria já abordada na decisão embargada;
II Conhecimento do recurso, já que presentes os pressupostos de
admissibilidade;
III Parcial provimento em mero efeito aclaratório, acatando a sugestão do votovista da lavra da Exma. Desembargadora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães;
IV Unânime.
372
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Consta dos autos que Associação Universitária Interamericana ajuizou ação
ordinária de abstenção de uso de marca c.c. perdas e danos em desfavor de
Sociedade Civil Instituto Vera Cruz.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido formulado na
petição inicial, condenando a autora ao pagamento das custas e honorários
advocatícios.
Interposta apelação, o Tribunal de origem deu provimento ao recurso
para determinar a cessação do uso da marca pela requerida e o pagamento de
indenização a ser calculada por meio de liquidação, conforme a ementa retro
transcrita.
No presente recurso especial, o recorrente sustentou violação dos art. 8º
do Decreto n. 5.772/1975 e do art. 59 da Lei n. 5.772/1971, além de dissídio
jurisprudencial.
Asseverou que tanto o registro da marca no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial - INPI quanto o registro do nome comercial na Junta
Comercial competente asseguram proteção ao seu titular e que, na hipótese de
conflito de registros, prevalece o realizado em primeiro lugar.
Aduziu que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não
há ilícito e nem dever de indenizar quando o nome comercial foi registrado na
Junta Comercial em momento anterior ao registro da marca perante o INPI.
Requereu o provimento do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes Colegas,
o recurso especial merece guarida.
Inicialmente, vejamos o que asseverou o Tribunal de Justiça paraense
quando do julgamento do recurso de apelação (fls. 284-289):
(...)
A Associação autora possui propriedade industrial da marca Vera Cruz desde
1986, conforme documentos acostados aos autos e, em 1993, foi feita notificação
extrajudicial para que o Colégio Vera Cruz se abstivesse da utilização da referida
marca. Ocorre que, consoante prova dos autos, o Colégio Vera Cruz não se
manifestou sobre a notificação e continuou a utilizar a marca.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
373
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em 1986, a legislação vigente (Lei n. 5.772/1971) determinava:
Art. 59. Será garantida no território nacional a propriedade da marca e o
seu uso exclusivo aquele que obtiver o registro de acordo com o presente
Código, para distinguir seus produtos, mercadorias ou serviços, de outros
idênticos ou semelhantes, na classe correspondente à sua atividade.
Parágrafo único. A proteção de que trata este artigo abrange o uso da
marca em papéis, impressos e documentos relativos à atividade do titular.
(SIC)
Art. 64. São registráveis como marca os nomes, palavras, denominações,
monogramas, emblemas, símbolos, figuras e quaisquer outros sinais
distintivos que não apresentem anterioridades ou colidências com registros
já existentes e que não estejam compreendidos nas proibições legais. (SIC)
Restou claro que o pleito da inicial é referente à marca registrada Vera Cruz
e não ao nome comercial utilizado pela instituição de ensino paraense. No que
concerne a esse assunto, importante diferenciar os institutos.
Conforme definição da Lei n. 9.279/1996, marca é o designativo que identifica
produtos e serviços, não se confundindo com o nome empresarial ou comercial,
que designa, por sua vez, o empresário e o título do estabelecimento, referido ao
local da atividade econômica, ou seja, o nome jurídico da personalidade jurídica
da empresa, de forma a identificar o sujeito que exerce o comércio. (http://
www.carula.hpg.ig.com.br/comercial2.htmlhttp://www.carula.hpg.ig.com.br/
comercial2.html).
Nesse diapasão, a discussão é a utilização da marca Vera Cruz, pelo
estabelecimento comercial paraense, em produtos como uniformes escolares, livros,
apostilas, etc., já que permitiria a confusão entre as empresas que, inclusive, estão
no mesmo ramo comercial. Analisando a situação por esse aspecto, é visível a
probabilidade de confusão.
Constam dos autos documentos comprobatórios do registro no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial da marca Vera Cruz pela apelante. Além disso,
restou provado que o Colégio Vera Cruz, apelado, foi fundado em 1957, ou seja,
em data anterior ao registro da marca. E, por fim, as provas concluem, pelo laudo
pericial, que a recorrida reproduz total e intencionalmente a marca registrada
pela recorrente.
Se levarmos em consideração o sistema utilizado no Brasil, o atributivo,
a prioridade é estabelecida pela data do depósito no órgão público competente.
Acontece que, existem exceções a essa regra, utilizando-se o sistema declarativo, que
tem em conta a utilização para aquisição da propriedade.
(...)
374
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Assim sendo, pelo exposto, a propriedade da marca em questão seria de direito
do Colégio Vera Cruz, quem primeiro utilizou o termo para designar seus serviços e
materiais.
Deve-se, entretanto, aplicar princípios legais, como direito adquirido, prescrição e
ato jurídico perfeito, com o fito de garantir a segurança jurídica do ordenamento. Em
virtude disso, determina-se limite temporal à preferência citada no artigo supra
transcrito. Assim, a partir da ciência, pelo primeiro usuário da marca, de que esta
é utilizada por outrem, devem ser tomadas providências no sentido de garantir
seu direito com base na anterioridade de uso. Esse prazo é contado de formas
diferentes por correntes doutrinárias divergentes:
(...)
Percebe-se, com isso, que o sistema pátrio protege o direito de precedência,
desde que respeitados os prazos legais, afinal de contas o direito também deve
primar pela segurança jurídica, garantindo os princípios constitucionais do ato
jurídico perfeito e do direito adquirido.
In casu, a apelada foi fundada com o nome Vera Cruz em 1957, porém, data de
1979, o primeiro registro do INPI em nome de empresa que foi incorporada pela
apelante. E somente em 1993 a apelada foi notificada pelo uso irregular de marca
pertencente a outrem, não tomando providências a respeito.
Considerando a legislação vigente à época, qual seja, o Código de 1971,
sublinha-se a jurisprudência abaixo transcrita:
Marca. Registro. Promovido junto ao INPI. Prevalência sobre a “utilização
prolongada”. Decorrente da adoção do nome comercial. Marca e nome
submetidos a regimes jurídicos diversos.
- (...)
- Pelo sistema adotado pela legislação brasileira, afastou-se o
prevalecimento do regime da “ocupação” ou da “utilização prolongada”
como meio aquisitivo de propriedade da marca. O registro no INPI é
quem confere eficácia erga omnes, atribuindo àquele que o promoveu
a propriedade e o uso exclusivo da marca. Precedentes do STJ. Recurso
especial conhecido e provido parcialmente. (STJ, Quarta Turma, Recurso
Especial n. 52.106-SP, Relator: Barros Monteiro, data do julgamento:
17.8.1999).
Pelo exposto, levando em conta o lapso temporal decorrido e a legislação
vigente, restou clara a ausência de direito da apelada em requerer registro da
marca Vera Cruz, já devidamente registrada pela recorrente. Deve, portanto,
ser reformada a sentença no sentido de dar provimento a ação proposta,
determinando a cessação de utilização, pela recorrida, da marca em questão e,
ainda, o pagamento da indenização equivalente, a ser calculada conforme artigos
41, 44 e 208 da Lei n. 9.279/1996, por meio de liquidação. (grifei)
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
375
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Verifica-se, assim, do trecho do acórdão recorrido destacado, que o Tribunal
de origem entendeu que, não obstante a Sociedade Civil Instituto Vera Cruz
(nome de fantasia Colégio Vera Cruz e Escolinha Vera Cruz) estar registrada
desde o ano de 1957, este uso não lhe atribuiu a propriedade da marca, sob os
fundamentos de que a parte adversa levou a efeito o registro da marca no INPI
em 1986 e que, apesar de notificada em 1993, a recorrente restou silente.
Por sua vez, a recorrente vergasta o decisum recorrido com arrimo em
dois argumentos. Inicialmente, a ocorrência de divergência jurisprudencial,
demonstrando dissídio do acórdão recorrido com dois precedentes desta Corte
que julga favoráveis a tese por ela defendida, quais sejam, Recurso Especial n.
306.363-SC, de Relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e o Recurso
Especial n. 67.173-PE, de relatoria do Min. Costa Leite.
Por fim, sustenta a violação das normas do art. 8º do Decreto n. 5.772/1975
e do art. 59 da Lei n. 5.772/1971, ao argumento de que a legislação acima
indicada protege o nome comercial, ainda que não registrado.
Dessa forma, a matéria posta nos presentes autos, cinge-se em determinar
se o registro anterior do nome empresarial garante o direito de uso da expressão
“Vera Cruz” pela recorrente em seus produtos (uniformes escolares, livros e
apostilas) em desfavor da recorrida que realizou o registro da marca junto ao
INPI.
A questão, portanto, é peculiar, não versando acerca do conflito entre
marcas ou da colidência entre nomes empresariais, matérias já exaustivamente
debatidas por esta Corte.
Assim, para melhor análise da questão controvertida, necessário se faz uma
breve análise dos institutos em debate.
Inicialmente, destaca-se que a lei define como marca “os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (art. 122
da Lei de Propriedade Industrial). O detentor da marca possui a prerrogativa
de utilizá-la, com exclusividade, no âmbito de sua especialidade, em todo o
território nacional pelo prazo de duração do registro no INPI.
Por sua vez, o nome comercial consiste na expressão que identifica o
empresário em suas relações jurídicas, ou seja, no âmbito do exercício da
atividade empresarial.
O art. 1.155, caput, do Código Civil estabelece textualmente que “considerase nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com
este Capítulo, para o exercício de empresa.”
376
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Ainda em relação ao nome empresarial, é cediço que, desde o DecretoLei n. 7.903/1945 (Código de Propriedade Industrial), passando pelas Leis
n. 4.726/1965 e 8.934/1994, predomina a orientação de que a proteção do
nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da Junta
Comercial em que arquivado, podendo ser estendida a todo o território nacional
apenas se, à época de vigência do Decreto-Lei n. 7.903/1945, fosse feito registro
simultâneo no Departamento Nacional da Propriedade Industrial (atual INPI)
e, a partir da vigência da Lei n. 4.726/1965, realizado pedido complementar de
arquivamento nas demais Juntas Comerciais.
Nesse sentido o magistério de Rubens Requião (Curso de Direito Comercial,
São Paulo, Saraiva, 1998, p. 198):
(...)
No regime da Lei n. 4.726, de 13 de julho de 1965, que dispunha sobre o
registro do comércio (e que foi revogada pela Lei n. 8.934/1994), c.c. o Código de
Propriedade Industrial, seu contemporâneo, havia o sistema do duplo registro,
um assegurando a proteção do uso exclusivo no âmbito territorial da respectiva
Junta Comercial, e, o outro, de âmbito nacional, consequente do registro no
Departamento Nacional de Propriedade Industrial, hoje Instituto Nacional de
Propriedade Industrial, órgão executivo do sistema de propriedade industrial.
E arremata o ilustre doutrinador:
Como foi dito, a matéria sobre proteção do nome comercial é, finalmente,
objeto de legislação ordinária. A Lei n. 8.934/1994, nos arts. 33 e 34 dispôs que a
proteção ao nome empresarial decorre automaticamente do arquivamento dos
atos constitutivos de firma individual e de sociedade, ou de suas alterações. O
nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade.
Ressalte-se, ainda, que os dois institutos possuem proteção constitucional,
conforme assevera o art. 5º, inciso XXIX, da Constituição da República, in
verbis:
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário
para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das
marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o
interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
Por fim, a atual Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/1996), seguindo
o mandamento da Constituição, estabeleceu proteção aos nomes empresariais e
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
377
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
às marcas, conforme previsão dos arts. 124, inciso V e 129, respectivamente,
daquele diploma legal, cujo teor é o seguinte:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
(...)
V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de
título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar
confusão ou associação com estes sinais distintivos;
Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente
expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso
exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e
de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
Estabelecidos os contornos jurídicos dos institutos em conflito, passo à
análise do caso vertente.
No caso dos autos, conforme consta do acórdão recorrido e anteriormente
esclarecido, a recorrente (Sociedade Civil Instituto Vera Cruz) registrou seu ato
constitutivo na Junta Comercial do Estado do Pará no ano de 1957, sendo certo,
ainda, que a Associação Universitária Interamericana registrou a marca “Vera
Cruz” junto ao INPI em 1986 no Estado de São Paulo.
Não obstante a recorrida tenha realizado o registro da marca “Vera Cruz”
no INPI, órgão próprio para esse fim, esse registro não tem o condão de
interferir no nome empresarial da recorrente que, consoante o próprio Tribunal
de origem reconheceu, está devidamente registrado desde 1º de fevereiro de
1956.
Com efeito, restando provado que a recorrente tem o seu nome empresarial
devidamente registrado na Junta Comercial do seu Estado (Pará), razão não há
para que seja compelida a afastar de sua atividade a denominação “Vera Cruz”
nesse âmbito territorial.
Em primeiro lugar, a expressão “Vera Cruz” não caracteriza a existência de
marca notória, a qual, nos termos do art. 67, caput, da Lei n. 5.772/1971 (antigo
Código de Propriedade Industrial), já gozava de proteção especial, impedindo o
registro de marcas idênticas ou semelhantes em todas as demais classes e itens,
in verbis:
A marca considerada notória no Brasil, registrada nos termos e para os efeitos
deste Código, terá assegurada proteção especial, em todas as classes, mantido
378
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
registro próprio para impedir o de outra que a reproduza ou imite, no todo ou em
parte, desde que haja possibilidade de confusão quanto à origem dos produtos,
mercadorias ou serviços, ou ainda prejuízo par a reputação da marca.
No mesmo sentido a previsão do art. 126 e parágrafos, da Lei n. 9.279/1996:
Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos
termos do art. 6º bis (i) da Convenção da União de Paris para Proteção da
Propriedade industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar
previamente depositada ou registrada no Brasil.
§ 1º A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço.
§ 2º O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que produza
ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida.
Destarte, inexistindo qualquer tipo de notoriedade da expressão, não é
possível determinar a abstenção do uso da expressão pela recorrente que, repitase, está devidamente registrada no âmbito local desde 1º de fevereiro de 1956.
Em segundo lugar, conforme o entendimento desta Corte, a eventual
colidência entre nome empresarial e marca não pode ser resolvida apenas sob a
ótica do princípio da anterioridade do registro, devendo-se ter em conta outros
dois princípios, quais sejam:
a) princípio da territorialidade, relativo ao âmbito geográfico de proteção;
b) o princípio da especificidade, referente ao tipo de produto o ou serviço.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
Comercial. Marca. Proteção. Limites. Aproveitamento parasitário. Requisitos.
Colidência com signos distintivos sujeitos a outras modalidades de proteção.
Aferiação.
1. A proteção conferida às marcas, para além de garantir direitos individuais,
salvaguarda interesses sociais, na medida em que auxilia na melhor aferição da
origem do produto e/ou serviço, minimizando erros, dúvidas e confusões entre
usuários.
2. Essa proteção varia conforme o grau de conhecimento de que desfruta a
marca no mercado. Prevalecem, como regra, os princípios da territorialidade e da
especialidade. Esses princípios, no entanto, comportam exceções, notadamente
quando se verifica o fenômeno do “extravasamento do símbolo”, ou seja, marcas
cujo conhecimento pelo público e/ou mercado ultrapassa o âmbito de proteção
conferido pelo registro.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
379
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. A LPI reconhece duas formas de “extravasamento do símbolo”, atuando no
sentido de mitigar princípios informadores do registro de marcas. Na primeira
hipótese temos o que o art. 125 da LPI denomina marca de alto renome, em que
há temperamento do princípio da especialidade e no segundo caso o que o art.
126 da LPI chama de marca notoriamente conhecida, em que há abrandamento
do princípio da territorialidade.
4. Exceção feita ao caso de alto renome, o registro da marca não confere ao
titular a propriedade sobre o signo ou sinal distintivo, mas o direito de dele se
utilizar, com exclusividade, para o desenvolvimento de uma atividade dentro de
um determinado nicho de mercado.
5. A caracterização do aproveitamento parasitário - que tem por base a noção
de enriquecimento sem causa prevista no art. 884 do CC/2002 - pressupõe,
necessariamente, a violação da marca.
6. Para a aferição de eventual colidência entre marca e signos distintivos
sujeitos a outras modalidades de proteção - como o nome empresarial e o título de
estabelecimento - não é possível restringir-se à análise do critério da anterioridade,
mas deve também se levar em consideração os princípios da territorialidade e da
especialidade, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão
entre os usuários.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp n. 1.232.658-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
12.6.2012, DJe 25.10.2012) grifei.
Propriedade industrial. Mandado de segurança. Recurso especial. Pedido
de cancelamento de decisão administrativa que acolheu registro de marca.
Reprodução de parte do nome de empresa registrado anteriormente. Limitação
geográfica à proteção do nome empresarial. Art. 124, V, da Lei n. 9.279/1996.
Violação. Ocorrência. Cotejo analítico. Não realizado. Similitude fática. Ausência.
1. Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de empresa
serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela é a mesma:
proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e evitar que o
consumidor seja confundido quanto à procedência do produto.
2. A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem
parcimoniosa do art. 65, V, da Lei n. 5.772/1971 - corresponde na lei anterior ao
inciso V, do art. 124 da LPI -, marca acentuado avanço, concedendo à colisão
entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verificação de
colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade
concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência.
3. A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como
tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei n. 5.772/1971), pelo que o
exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no
380
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação
sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas,
é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei n. 5.772/1971, consagradores do princípio da
especificidade. Precedentes.
4. Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação
e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas
deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito
marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfico
de proteção; e (ii) o princípio da especificidade, segundo o qual a proteção da
marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou “notória”, segundo
o art. 67 da Lei n. 5.772/1971), está diretamente vinculada ao tipo de produto
ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão
entre os usuários.
5. Atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unidade
federativa de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos
constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se
for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais.
Precedentes.
6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos
da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou
imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de
terceiros constitua óbice ao registro de marca - que possui proteção nacional
-, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome empresarial não goze
somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre
o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação
seja “suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”.
Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência
entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada.
7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico
entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
8. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo
do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.
(REsp n. 1.204.488-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
22.2.2011, DJe 2.3.2011)
Dessa forma, inexistindo, na hipótese dos autos, qualquer risco de confusão
entre os produtos e/ou serviços das litigantes ou um possível desvio de clientela,
em razão da divergente disposição geográfica existente entres as partes, mostrase perfeitamente possível a convivência do nome empresarial Sociedade Civil
Instituto Vera Cruz e a marca Vera Cruz utilizada e registrada pela Associação
Universitária Interamericana.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
381
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse sentir, considerando que deve ser efetivada a devida proteção ao
nome empresarial e que, igualmente, não pode ficar sem tutela jurídica a marca
devidamente registrada, é de rigor o conhecimento do presente recurso especial
para declarar que a recorrente possui direito ao uso da expressão “Vera Cruz”
apenas no âmbito territorial em que registrado o seu nome empresarial na Junta
Comercial do Estado do Pará.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a
sentença do juízo de primeiro grau.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.321.655-MG (2012/0090512-5)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Luiz Cláudio Teixeira Generoso
Advogado: Alexandre Pimenta da Rocha de Carvalho e outro(s)
Recorrido: Teresa Perez Viagens e Turismo Ltda - Empresa de pequeno
porte
Advogado: Luciana Rodrigues Atheniense e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Direito Civil e Consumidor. Rescisão
contratual. Pacote turístico. Pagamento antecipado. Perda integral dos
valores. Cláusula penal. Abusividade. CDC. Inexistência.
1. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão
recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões
essenciais ao julgamento da lide.
2. Demanda movida por consumidor postulando a restituição
de parte do valor pago antecipadamente por pacote turístico
internacional, em face da sua desistência decorrente do cancelamento
de seu casamento vinte dias antes da viagem.
382
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
3. Previsão contratual de perda total do valor antecipadamente
pago na hipótese de desistência em período inferior a vinte e um dias
da data do início da viagem.
4. Reconhecimento da abusividade da cláusula penal seja com
fundamento no art. 413 do Código Civil de 2002, seja com fundamento
no art. 51, II e IV, do CDC.
5. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, A
Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas
Cueva, Nancy Andrighi e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 22 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator
DJe 28.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial
interposto por Luiz Cláudio Teixeira Generoso com fundamento no art. 105,
inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado (fl. 206):
Rescisão de contrato. Viagem turística. Cerceamento de defesa. Indeferimento
de produção de prova. Prova inútil. Nulidade inexistente. Contrato atípico. Cláusula
penal lícita. Cancelamento da viagem imotivada. Devolução do preço. - A prova se
destina ao convencimento do magistrado, se as provas acostadas aos autos são
suficientes a resolução da lide qualquer requerimento de produção de novas
provas devem ser indeferidas porque restariam inúteis. Não obstante o contrato
de viagem turística ser modalidade dos chamados contratos inominados ou
atípicos, a questão recursal se resume à licitude da multa para o cancelamento da
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
viagem, que se amolda a figura regulada pela lei civil como cláusula penal. É lícita
a estipulação contratual de cláusula penal para o inadimplemento total ou parcial
do contrato desde que não exceda o valor da obrigação principal.
Opostos embargos de declaração, estes restaram rejeitados nos seguintes
termos (fl. 253):
Embargos de declaração. Omissão, contradição e obscuridade. Inexistência.
Reapreciação do caso. Impossibilidade. Rejeitar os embargos.
- Não vislumbro qualquer omissão, contradição ou obscuridade a ser suprida
no acórdão.
- Nos termos do artigo 535, do CPC, os embargos de declaração são
modalidade de recurso especialíssima destinada exclusivamente a suprir
eventuais contradições, omissões e obscuridades apresentadas no julgado. Não
se prestam, pois, à reapreciação das teses defendidas pelas partes a fim de
modificar o acórdão ou para o simples pré-questionamento da matéria.
Na Comarca de Belo Horizonte, o autor Luiz Cláudio Teixeira Generoso,
ora recorrente, propôs ação de rescisão contratual cumulada com repetição do
indébito contra Tereza Perez Tour, postulando a restituição de parte do valor
pago antecipadamente por pacote turístico de 14 dias para Turquia, Grécia
e França, no montante de R$ 18.101,93, em face do cancelamento de seu
casamento.
Na sentença, o Juiz de Direito julgou procedentes os pedidos para declarar
a rescisão do contrato e determinar a restituição ao autor de 90% do valor total
pago.
O Tribunal de Justiça, provendo a apelação da empresa requerida, julgou
improcedentes os pedidos.
Nas suas razões do recurso especial, a parte recorrente alegou violação do
art. 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil, ao argumento de que houve
negativa de prestação jurisdicional.
No mérito, o recorrente alegou a contrariedade ao art. 51, incisos II e IV,
do Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de que é nula a cláusula
penal que estabelece a perda integral do preço pago, tendo em vista que constitui
estipulação abusiva e de que resulta enriquecimento ilícito, circunstância vedada
pelo ordenamento jurídico pátrio.
O recurso especial foi admitido na origem.
É o breve relatório.
384
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Inicialmente, não há
negativa de prestação jurisdicional no acórdão que decide de modo integral e
com fundamentação suficiente a controvérsia posta.
Ademais, o juízo não está obrigado a se manifestar a respeito de todas as
alegações e dispositivos legais suscitados pelas partes.
Nesse sentido:
Agravo regimental no recurso especial. Ofensa ao art. 535 do CPC não
configurada. Fundamentação deficiente. Necessidade de indicação de dispositivo
de lei federal no recurso especial interposto pela alínea c. Súmula n. 284-STF.
1. Não se verifica ofensa ao art. 535 do CPC, tendo em vista que o acórdão
recorrido analisou, de forma clara e fundamentada, todas as questões pertinentes
ao julgamento da causa, ainda que não no sentido invocado pela parte.
2. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que, para ser
apreciado o recurso especial interposto pela alínea c do art. 105 da Constituição
Federal, cabe ao recorrente indicar o dispositivo de lei federal violado, pois o
dissídio jurisprudencial baseia-se na interpretação divergente da norma federal.
Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula n. 284 do Excelso Pretório diante da
deficiência na fundamentação do recurso, na espécie, caraterizada pela ausência
de indicação da norma federal tida por violada.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 1.099.762-RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador
convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 12.5.2009, DJe 25.5.2009)
SFH. Correção monetária do saldo devedor. TR. Execução extrajudicial. DecretoLei n. 70/1966. Constitucionalidade.
- Prevista no contrato, é possível a utilização da Taxa Referencial, como
índice de correção monetária do saldo devedor, em contrato de financiamento
imobiliário.
- É pacífico em nossos Tribunais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça e em
nossa mais alta Corte, a constitucionalidade do Decreto-Lei n. 70/1966.
- Não merece provimento recurso carente de argumentos capazes de
desconstituir a decisão agravada.
(AgRg no Ag n. 945.926-SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira
Turma, julgado em 14.11.2007, DJ 28.11.2007, p. 220)
Quanto ao mérito, assiste razão ao recorrente.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Tribunal de Justiça a quo considerou válida a cláusula penal que
estabelecia a perda integral do valor antecipadamente pago pelo recorrente
(R$ 18.101,93) em virtude de desistência de viagem de turismo internacional
(Turquia, Grécia e França) em decorrência do cancelamento do casamento do
recorrente.
Observe-se o seguinte trecho do acórdão recorrido (fls. 210-211):
No caso presente, o apelado celebrou com a apelante contrato de viagem
turística em que lhe seria fornecida excursão por algumas cidades da Europa com
transporte e hospedagem incluídas, por motivo de sua lua de mel.
Conforme prova dos autos, o apelado buscou a rescisão do contrato 20 dias
antes do início da prestação dos serviços, por causa do cancelamento de seu
casamento. Tal fato não pode ser tido como caso fortuito ou força maior de que
disciplinam o art. 393, do CC. O fato não se subsume a definição do parágrafo
único do dispositivo citado. Pelo contrário, decorre de manifestação negativa de
vontade.
Descabido divagar sobre os motivos do rompimento do relacionamento do
apelado. O fato é que havia um contrato celebrado entre o apelado e a apelante,
e nele estava estipulada a cláusula penal de 100% (cem por cento) do valor pago
pela viagem para o caso de cancelamento da prestação dos serviços até 21 dias
até a data de seu início. Ele buscou o cancelamento 20 dias antes da viagem, o
que impossibilita a restituição dos valores pagos aos fornecedores estrangeiros,
em função das políticas de não reembolsar, comprovada pelos documentos de fls.
66-67, devidamente traduzidos em fls. 68-69.
Por sua vez, sustentou o recorrente que a cláusula penal que estabelece a
perda da integralidade do preço pago em caso de cancelamento da prestação dos
serviços constitui estipulação abusiva, que resulta em enriquecimento ilícito.
Assiste razão ao recorrente.
Com efeito, o valor da multa contratual estabelecido em 100% (cem por
cento) sobre o montante pago pelo pacote de turismo é flagrantemente abusivo,
ferindo a legislação aplicável ao caso seja na perspectiva do Código Civil, seja
na perspectiva do Código de Defesa do Consumidor, que é a fundamentação do
recurso especial.
No Código Civil de 2002, a redução da cláusula penal é regulada pelo seu
art. 413, verbis:
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a
obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade
386
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do
negócio.
Note-se que a regra correspondente ao art. 413 do CC/2002 era o artigo
924 do Código Civil de 1916, que facultava ao Juiz a redução proporcional da
cláusula penal na hipótese de cumprimento parcial da obrigação, sob pena de
afronta ao princípio que veda o enriquecimento sem causa.
A redação do dispositivo era a seguinte:
Art. 924. Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir
proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento.
O Código Civil de 2002 alterou a disciplina da cláusula penal, pois,
em seu artigo 413, passou a determinar que o juiz deve proceder à redução
eqüitativamente, se a obrigação já tiver sido cumprida em parte, ou se o montante
da penalidade for manifestamente excessivo.
Analisando as referidas normas, Jorge Cesa Ferreira da Silva
(Inadimplemento das Obrigações - Comentários aos arts. 389 a 420 do Código Civil
- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 - P. 279-280) preleciona:
A propósito do art. 924 do Código Civil de 1916, não eram raras as vozes
no sentido de ser dispositiva a norma nele contida. Assim, por exemplo,
manifestaram-se Clóvis Bevilaqua (op. cit., p. 72), Pontes de Miranda (op. cit., p.
80), Caio Mário da Silva Pereira (op. cit., p. 110) e Orlando Gomes (op. cit., p. 161).
Partia-se do pressuposto de que cabia à autonomia privada deliberar sobre a
multa, além do fato de que a natureza penal da cláusula seria mais bem atendida
pela possibilidade de afastar a norma que admitia minorá-la.
No plano do direito comparado, tal posição não se sustenta. No direito francês,
após a reforma de 1975, os arts. 1.152 e 1.231 expressamente afirmam a sua
cogência, do mesmo modo que o faz o art. 812º do Código Civil português. Para
o direito italiano, o art. 1.384, tido como excepcional por admitir a revisão judicial,
é assim também compreendido (cf. Giorgio De Nova, op. cit., p. 381), no que se
assemelha ao § 343 do BGB, cujo texto se mantém vigente desde 1990 (cf. Dieter
Medicus, op. cit., p. 225)
Com relação ao Código de 2002, parece ser esta, e não aquela, a melhor
interpretação. Não se trata aqui exclusivamente da utilização da autonomia
privada, mas sim de outros valores especialmente tutelados pelo novo
Código. O art. 413 sustenta-se no equilíbrio e na vedação ao excesso, que são
especialmente garantidos no novo texto (cf., p. ex., arts. 187, 317, 478), sempre
de modo cogente. No mesmo sentido, é da natureza da noção de pena - que,
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387
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
como se buscou demonstrar, representa o elemento conceitual básico da cláusula
penal - que ela se ajuste às circunstâncias concretas do caso. Ademais, partindose do pressuposto de que a regulação da cláusula penal a estrutura de modo
proporcionado ao dano sofrido, caso a norma fosse afastável pela vontade das
partes, a situação de inadimplemento parcial poderia facilmente apresentar-se
muito mais vantajosa ao credor do que a de adimplemento, o que revelaria um
contra-senso. Por fim, não é de ser esquecida a mudança do verbo empregado pelo
legislador. Ao contrário da faculdade posta no art. 924 do Código de 1916, o art. 413
refere agora a dever judicial (“deve ser reduzida”).
Na mesma linha, em comentário ao aludido dispositivo legal, Hamid
Charaf Bodine Jr. assevera (Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência:
5ª ed. Barueri-SP: Ed. Manole, 2011, p. 469):
Diversamente do que estabelecia o art. 924, do Código Civil revogado, o
dispositivo é incisivo: o juiz tem o dever, não a possibilidade de reduzir, ao contrário
do que constava do diploma legal revogado. A norma é de ordem pública, não
admitindo que as partes afastem sua incidência, dispondo que a multa prevista
é irredutível.
(...)
O presente artigo impõe ao juiz a obrigação de reduzir a penalidade nas
hipóteses em que ela for superior à legal e aplica-se à multa moratória e à
compensatória. Em se tratando de de disposição de ordem pública, nada impede
que o juiz a aplique de ofício.
Dessa forma, o entendimento adotado pelo Tribunal de origem
merece reforma, pois não se mostra possível falar em perda total dos valores
antecipadamente pagos por pacote turístico, sob pena de se criar uma situação
que, além de vantajosa para a empresa de turismo (fornecedora de serviços),
mostra-se excessivamente desvantajosa para o consumidor.
Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes:
Recurso especial. Contrato de cessão de uso de imagem. Inadimplemento
parcial. Cláusula penal compensatória. Redução com base no art. 924 do CC/1916.
Possibilidade.
1. Ação de cobrança referente ao valor de cláusula penal compensatória
ajustada em contrato de cessão de uso de imagem diante do inadimplemento de
metade das prestações ajustadas para o segundo ano da relação contratual, que
se renovara automaticamente.
2. Redução do valor da cláusula penal com fundamento no disposto no artigo
924 do Código Civil de 1916, que facultava ao Juiz a redução proporcional da
388
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
cláusula penal nas hipóteses de cumprimento parcial da obrigação, sob pena de
afronta ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa.
3. Doutrina e jurisprudência acerca das questões discutidas no recurso especial.
4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 1.212.159-SP, de minha
relatoria, Terceira Turma, julgado em 19.6.2012, DJe 25.6.2012)
Recurso especial. Contrato bilateral, oneroso e comutativo. Cláusula penal.
Efeitos perante todos os contratantes. Redimensionamento do quantum debeator.
Necessidade. Recurso provido.
1. A cláusula penal inserta em contratos bilaterais, onerosos e comutativos
deve voltar-se aos contratantes indistintamente, ainda que redigida apenas em
favor de uma das partes.
2. A cláusula penal não pode ultrapassar o conteúdo econômico da obrigação
principal, cabendo ao magistrado, quando ela se tornar exorbitante, adequar o
quantum debeatur.
3. Recurso provido.
(REsp n. 1.119.740-RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em
27.9.2011, DJe 13.10.2011)
Em situação semelhante, esta Corte tem o firme entendimento de que, nos
contratos de promessa de compra e venda de imóvel, é cabível ao magistrado
reduzir o percentual da cláusula penal com o objetivo de evitar o enriquecimento
sem causa por parte de qualquer uma das partes.
A propósito:
Agravo regimental. Recurso especial. Promessa de compra e venda. Rescisão
contratual. Inadimplência dos promitentes compradores. Cláusula penal. Perda
da totalidade das prestações pagas. Desproporcionalidade. Contrato anterior à
vigência do Código de Defesa do Consumidor. Incidência do art. 924 do Código
Civil/1916. Possibilidade.
I - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado
antes da sua vigência.
II - Possibilidade de o juiz, com fundamento na regra do art. 924 do Código
Civil/1916, reduzir a pena convencional estatuída a um patamar razoável,
mormente quando se verifica a perda de todas parcelas pagas.
III - Limitação da retenção das parcelas pagas ao percentual de 25% (vinte e
cinco), em favor da promitente vendedora.
IV - Precedentes específicos, em casos similares, deste Superior Tribunal de
Justiça III. Agravo regimental provido
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
389
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(AgRg no REsp n. 479.914-RJ, de minha relatoria, Terceira Turma, julgado em
5.10.2010, DJe 15.10.2010)
Agravo regimental. Recurso especial. Civil e Processo Civil. Liquidação de
sentença. Juros de mora. Ausência de fixação na decisão liquidanda. Súmula
n. 254 do STF e art. 293 do CPC. Compromisso de compra e venda de imóvel.
Rescisão contratual. Devolução de parcelas pagas. Termo inicial dos juros
moratórios. Trânsito em julgado da decisão condenatória.
1. É de ordem pública a matéria atinente à fixação dos juros de mora nas
decisões judiciais. Inocorrência de afronta ao art. 517 do CPC.
2. “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido
inicial ou a condenação” (Súmula n. 254 do STF). Incidência do art. 293 do CPC.
3. A Segunda Seção deste Tribunal Superior sufragou o entendimento de
que “na hipótese de resolução contratual do compromisso de compra e venda
por simples desistência dos adquirentes, em que postulada, pelos autores, a
restituição das parcelas pagas de forma diversa da cláusula penal convencionada,
os juros moratórios sobre as mesmas serão computados a partir do trânsito em
julgado da decisão” (REsp n. 1.008.610-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe
3.9.2008), porquanto somente a partir daí é que surgiu a mora da promitentevendedora.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 759.903-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 15.6.2010, DJe
28.6.2010)
No que tange ao Código de Defesa do Consumidor, está efetivamente
evidenciada a violação ao art. 51, incisos II e IV, conforme alegado pelo
recorrente, cujas disposições estatuem o seguinte:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - (...)
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos
previstos neste código;
III - (...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou
a eqüidade;
Deve-se, assim, reconhecer a abusividade da cláusula contratual em questão
seja por subtrair do consumidor a possibilidade de reembolso, ao menos parcial,
390
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
como postulado na inicial, da quantia antecipadamente paga, seja por lhe
estabelecer uma desvantagem exagerada.
Merece ainda lembrança o disposto no art. 51, § 1º, inciso III, que
complementa o disposto no inciso IV do mesmo dispositivo legal do CDC:
Art. 51.
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
(...)
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a
natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias
peculiares do caso.
Precisa, como sempre, a lição Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Direito do
Consumidor, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 172) sobre o aludido dispositivo legal:
O dispositivo deixa claro, em primeiro lugar, que a onerosidade excessiva
terá que ser apurada no caso concreto (não em abstrato), atentando o julgador
para as circunstâncias particulares do caso, entre as quais a natureza e o
conteúdo do contrato, bem como o interesse das partes. Em segundo lugar,
que a excessividade deve ser aferida com no desequilibrio do contrato ou na
desproporção das prestações das partes, uma vez que ofendem o princípio da
equivalência contratual, princípio esse instituído no art. 4º, inciso III - “sempre com
base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidor e fornecedor” -, bem
como no art. 6º, inciso II - “asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações”.
Por fim, é de se ressaltar que o cancelamento de pacote turístico contratado
constitui risco do empreendimento desenvolvido por qualquer agência de
turismo, não podendo esta pretender a transferência integral do ônus decorrente
de sua atividade empresarial a eventuais consumidores.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar a
redução do montante estipulado a título de cláusula penal para 20% sobre o
valor antecipadamente pago, conforme postulado alternativamente na petição
inicial, incidindo correção monetária desde o ajuizamento da demanda e juros
de mora desde a citação.
Como essa pretensão foi articulada na petição inicial, arcará a empresa
requerida com as custas e honorários do procurador do autor, que fixo em 15%
sobre o valor atualizado da condenação.
É o voto.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 1.323.410-MG (2011/0219578-3)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Paulo Roberto Gomes Ferreira e outro
Advogados: Márcio Gabriel Diniz e outro(s)
Dalton Max Oliveira e outro(s)
Recorrido: Geraldo Magalhães Gomes - Espólio
Representado por: Maria José Mesquita Gomes - Inventariante
Advogado: Fernanda Corrêa Machado Mourão e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Ação renovatória de contrato. Locação
comercial. Accessio temporis. Prazo da renovação. Artigos analisados:
art. 51 da Lei n. 8.245/1991.
1. Ação renovatória de contrato de locação comercial ajuizada
em 9.6.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 7.12.2011.
2. Discussão relativa ao prazo da renovação do contrato de
locação comercial nas hipóteses de “accessio temporis”.
3. A Lei n. 8.245/1991 acolheu expressamente a possibilidade
de “accessio temporis”, ou seja, a soma dos períodos ininterruptos dos
contratos de locação para se alcançar o prazo mínimo de 5 (cinco)
anos exigido para o pedido de renovação, o que já era amplamente
reconhecido pela jurisprudência, embora não constasse do Decreto n.
24.150/1934.
4. A renovatória, embora vise garantir os direitos do locatário
face às pretensões ilegítimas do locador de se apropriar patrimônio
imaterial, que foi agregado ao seu imóvel pela atividade exercida
pelo locatário, notadamente o fundo de comércio, o ponto comercial,
também não pode se tornar uma forma de eternizar o contrato de
locação, restringindo os direitos de propriedade do locador, e violando
a própria natureza bilateral e consensual da avença locatícia.
5. O prazo 5 (cinco) anos mostra-se razoável para a renovação
do contrato, a qual pode ser requerida novamente pelo locatário ao
final do período, pois a lei não limita essa possibilidade. Mas permitir
392
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
a renovação por prazos maiores, de 10, 15, 20 anos, poderia acabar
contrariando a própria finalidade do instituto, dadas as sensíveis
mudanças de conjuntura econômica, passíveis de ocorrer em tão longo
período de tempo, além de outros fatores que possam ter influência na
decisão das partes em renovar, ou não, o contrato.
6. Ouando o art. 51, caput, da Lei n. 8.2145 dispõe que o locatário
terá direito à renovação do contrato “por igual prazo”, ele está se
referido ao prazo mínimo exigido pela legislação, previsto no inciso
II do art. 51, da Lei n. 8.245/1991, para a renovação, qual seja, de 5
(cinco) anos, e não ao prazo do último contrato celebrado pelas partes.
7. A interpretação do art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991,
portanto, deverá se afastar da literalidade do texto, para considerar
o aspecto teleológico e sistemático da norma, que prevê, no próprio
inciso II do referido dispositivo, o prazo de 5 (cinco) anos para que
haja direito à renovação, a qual, por conseguinte, deverá ocorrer, no
mínimo, por esse mesmo prazo.
8. A renovação do contrato de locação não residencial, nas
hipóteses de “accessio temporis”, dar-se-á pelo prazo de 5 (cinco)
anos, independentemente do prazo do último contrato que completou
o quinquênio necessário ao ajuizamento da ação. O prazo máximo da
renovação também será de 5 (cinco) anos, mesmo que a vigência da
avença locatícia, considerada em sua totalidade, supere esse período.
9. Se, no curso do processo, decorrer tempo suficiente para
que se complete novo interregno de 5 (cinco) anos, ao locatário
cumpre ajuizar outra ação renovatória, a qual, segundo a doutrina, é
recomendável que seja distribuída por dependência para que possam
ser aproveitados os atos processuais como a perícia.
10. Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, havendo
sucumbência recíproca, devem-se compensar os honorários
advocatícios. Inteligência do art. 21 do CPC c.c. a Súmula n. 306-STJ.
11. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
393
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram
com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei
Beneti e, ocasionalmente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 7 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJe 20.11.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de Recurso Especial
interposto por Paulo Roberto Gomes Ferreira e Outro, com base no art. 105, III,
a da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais (TJ-MG).
Ação: renovatória de contrato de locação comercial ajuizada por Paulo
Roberto Gomes Ferreira e Outro em face de Geraldo Magalhães Gomes - Espólio,
alegando que exploram atividade de revenda de combustíveis e derivados de
petróleo e álcool, no imóvel dos réus, tendo o primeiro contrato sido firmado em
23.12.1993 e renovado em 23.4.1999, com previsão de término em 23.12.2003.
Pretendem a renovação da locação pelo prazo de 10 (dez) anos.
Contestação: Geraldo Magalhães Gomes - Espólio sustentou,
preliminarmente, a inépcia da petição inicial e, no mérito, (i) o desinteresse na
renovação do contrato, pois pretende construir galerias de lojas no local; (ii) que
a renovação só poderia ocorrer pelo prazo máximo de 56 meses, que é o tempo
da avença anterior, devendo, nesse caso, ser fixado o aluguel provisório no valor
de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais).
Sentença: julgou procedente o pedido, para “renovar a locação não
residencial celebrada entre as partes, no período de 24 de dezembro de 2003 até
23 de dezembro de 2011, cujo valor do aluguel será de R$ 4.942,37 (quatro mil,
novecentos e quarenta e dois reais e trinta e sete centavos”, valor esse que deverá
ser descontado no período de 4 em 4 meses, nos valores equivalentes aos índices
do IGP ou IGPM, bem como sofrerá aumento também de 4 em 4 meses,
sempre tomando-se por base o mês de setembro de 2008 (e-STJ fls. 273-278).
394
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Acórdão: deu parcial provimento à apelação dos recorridos para reduzir o
prazo da renovação da locação ao tempo do último contrato firmado; e negou
provimento ao recurso de apelação interposto pelos recorrentes, nos termos da
seguinte ementa (e-STJ fls. 347-391):
Civil e Processual Civil. Apelação. Ação renovatória de contrato de locação.
Agravo retido. Prova oral dispensável. Recurso não provido. Inépcia da inicial.
Inocorrência. Revelia. Não verificação. Renovação da locação. Requisitos legais.
Presença. Pedido procedente. Prazo da renovação. Limitação ao prazo do último
contrato renovado. Locativo. Perícia conclusiva. Prevalência. Necessidade.
Apelações conhecidas, primeira provida em parte e segunda não provida.
- Não induz cerceamento de defesa a dispensa das provas inúteis ao
julgamento da lide. - Agravo retido conhecido e não provido.
- É apta à formação do contencioso a inicial que cumpre os requisitos do art.
282 do CPC e que é acompanhada de documentos que acobertam as teses nela
narradas.
- O comparecimento do réu, antes de sua citação, pedindo vista dos autos, não
dá ensejo à abertura do prazo de 15 dias para contestar se o requerimento foi por
procurador sem poderes para receber citação e se sequer foi apreciado o pedido
de vista pelo MM. Juiz, não havendo se falar em revelia. - Em se tratando de ação
renovatória, cabe ao locatário a prova dos requisitos exigidos pelos artigos 51
e art. 71 da Lei n. 8.245/1991. Se cumpridos os requisitos legais, o pedido de
renovação do contrato de locação deve ser julgado procedente.
- O prazo para a renovação locatícia é aquele previsto no último contrato,
sendo de no máximo cinco anos à luz do caput do art. 51 da Lei n. 8.245/1991,
devendo ser reduzido se na sentença foi fixado prazo maior. - Havendo laudo
pericial válido e conclusivo, é de se adotá-lo para a fixação do valor dos aluguéis.
- Recursos conhecidos, primeiro provido em parte e segundo não provido.
Embargos de Declaração: os interpostos por Paulo Roberto Gomes Ferreira
e Outro (e-STJ fls. 394-400), foram rejeitados. Os interpostos por Geraldo
Magalhães Gomes - Espólio (e-STJ fls. 403-405), foram acolhidos em parte,
apenas para alteração da distribuição dos ônus da sucumbência (e-STJ fls. 426447).
Recurso especial: interposto por Paulo Roberto Gomes Ferreira e Outro
com base na alínea a do permissivo constitucional (e-STJ fls. 450-464), sustenta
violação dos seguintes dispositivos legais:
(i) art. 51 da Lei n. 8.245/1991, alegando, em síntese, que o prazo da
renovação do contrato locatício não deve ser limitado ao prazo do último
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
395
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
contrato a ser renovado, devendo-se levar em consideração o tempo de
tramitação do processo, sendo desnecessário que o locatário ajuíze nova ação
renovatória em virtude da demora na entrega da tutela jurisdicional;
(ii) arts. 20 e 21 do CPC, pois tendo sido reconhecido o direito à renovação
do contrato, não houve sucumbência recíproca, devendo ser redimensionados os
respectivos ônus.
Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJMG (e-STJ fls. 482-483), tendo sido interposto agravo contra a respectiva
decisão denegatória, ao qual dei provimento para determinar o julgamento do
recurso especial.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia a
definir qual o prazo da renovação de contrato de locação comercial, considerando
a “accessio temporis”.
1. – Do prazo de renovação da locação (art. 51 da Lei n. 8.245/1991).
01. Pelo que se depreende da leitura das decisões recorridas, em 23.12.1993,
Geraldo Magalhães Gomes - Espólio firmou contrato de locação não residencial
com Comercial Gomes e Lage Distribuidora de Petróleo Ltda., cujo prazo de
vigência era até 23.12.2000.
02. Referido contrato, contudo, vigeu efetivamente até 23.4.1999, data em
que foi celebrado um segundo contrato de locação, com os recorrentes Paulo
Roberto Gomes Ferreira e Outro, sócios da locatária originária, cujo prazo de
vigência era de 23.4.1999 a 23.12.2003 – 4 anos e 8 meses, portanto.
03. O Tribunal de origem, após analisar a documentação apresentada
pelas partes, que retratava a evolução da locação, entendeu que houve cessão do
contrato, sendo, por conseguinte, possível a soma dos prazos com a finalidade de
pleitear a renovação do contrato:
Como o primeiro contrato teve vigência real de 23.12.1993 a 23.4.1999 – 5 anos
e 4 meses – e o segundo foi firmado para o período de 23.4.1999 a 23.12.2003 – 4
anos e 8 meses, a soma dos prazos resulta em 10 anos, restando preenchido o
requisito mínimo de 5 anos, previsto no art. 51, II, da Lei n. 8.245/1991 (e-STJ fl. 373).
396
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
04. Por força das Súmulas n. 5 e 7 do STJ, não cabe a essa Corte rever os
fatos e as provas produzidas. Assim, as premissas que devem nortear o presente
julgamento são aquelas já definidas nas instâncias ordinárias.
05. A questão que se coloca, portanto, é unicamente em relação ao prazo
pelo qual o contrato de locação deve ser renovado, tendo em vista o disposto no
art. 51, da Lei n. 8.245/1992 e a “accessio temporis”.
06. O acórdão recorrido entendeu que o art. 51 da Lei de Locações,
quando menciona que o locatário tem direito à renovação do contrato “por
igual prazo”, está fazendo referência ao prazo do “contrato renovando e não ao
prazo resultado da soma dos períodos de vigência dos contratos consecutivos
e ininterruptos”. Assim, a renovação deveria se dar por 4 (quatro) anos e oito
meses – de 23.12.2003 a 23.8.2008 (e-STJ fls. 380).
07. Afirma o TJ-MG, outrossim, que é totalmente desinfluente, para se
definir o prazo da renovação do contrato, o fato da sentença de primeiro grau ter
sido proferida apenas no ano de 2009, porque (i) a renovação por novo período
exige ação própria e (ii) nada impedia que os locatários a ajuizassem antes do
julgamento definitivo da presente ação.
08. Os recorrentes, por sua vez, sustentam que a renovação da locação
deve ser deferida por prazo superior “ao daquele referido no dispositivo legal
pertinente [art. 51, II, da Lei n. 8.245/1991]” (e-STJ fl. 461), devendo, ainda, ser
considerado o tempo de tramitação do processo, que, na hipótese, foi superior
a 6 (seis) anos. Pleiteiam, assim, a manutenção da sentença de primeiro grau, a
qual concedeu a renovação do contrato até 23.12.2011.
09. A ação renovatória do contrato de locação comercial remonta ao início
do século passado, tendo sido regulada pelo Decreto n. 24.150/1934 (conhecido
como a “Lei de Luvas”), visando proteger o “fundo de comércio” das investidas
abusivas do locador, que, quase sempre, exigia do locatário o pagamento de altos
valores (“luvas”) para renovar o contrato.
10. A Lei n. 6.649/1979 que, posteriormente, veio dispor sobre as regras
da locação predial urbana, não tratou do tema da renovatória, que permaneceu
regulada pelo Decreto n. 24.150/1934, conforme determinado no art. 1º, § 2º da
própria lei.
11. Assim, conforme a “Lei de Luvas”, exigia-se como requisitos para a
renovação, que (i) o contrato de locação dissesse respeito a imóvel comercial ou
industrial; (ii) fosse firmado por prazo determinado e de, no mínimo, 5 anos;
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
397
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(iii) a atividade comercial ou industrial fosse exercida pelo locatário por no
mínimo 3 anos ininterruptos.
12. Com a entrada em vigor da nova Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991),
que, por sua vez, tratou expressamente do tema, ampliou-se o direito à renovação,
que deixou de visar apenas à proteção do fundo de comércio, para também
proteger as outras atividades empresariais, e até as sociedades civis que não
têm como objeto a atividade empresarial, desde que visem o lucro. É o caso das
escolas, das clínicas, consultórios, etc.
13. Além disso, a novel legislação acolheu expressamente a possibilidade de
“accessio temporis”, ou seja, a soma dos períodos ininterruptos dos contratos de
locação para se alcançar o prazo mínimo de 5 (cinco) anos exigido para o pedido
de renovação, o que já era amplamente reconhecido pela jurisprudência, embora
não constasse do Decreto n. 24.150/1934.
14. Contudo, a redação do caput do art. 51 da Lei n. 8.245/1991, ao dispor
que “Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito
a renovação do contrato, por igual prazo” - desde que preenchidos os demais
requisitos legais, cumulativamente, previstos nos respectivos incisos -, acabou
por suscitar discussões e diferentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais
sobre qual seria esse prazo de renovação, principalmente, nas hipóteses de
“accessio temporis”.
15. Com efeito, a dúvida que surgiu está relacionada ao alcance da expressão
“por igual prazo”. Discute-se, nesse sentido, se ela estaria se referindo (i) ao
prazo de 5 (cinco) anos exigido para que o locatário tenha direito à renovação
(inciso II do art. 51 da Lei n. 8.245/1991); ou (ii) à soma dos prazos de todos
os contratos celebrados pelas partes; ou (iii) ao prazo do último contrato, que
completou o quinquênio.
16. A Súmula n. 178-STF editada sob a égide do antigo Decreto n.
24.150/1934, mencionava ser de 5 (cinco) anos o prazo máximo da renovação
contratual, ainda que o prazo previsto no contrato a renovar fosse superior. E
a doutrina aponta como principal justificativa, para essa limitação temporal, as
questões inflacionárias da época, que tornariam inviável a renovação por período
de tempo maior, sem prejuízo do próprio locador.
17. Ademais, vale consignar que a renovatória, embora vise garantir os
direitos do locatário face às pretensões ilegítimas do locador de se apropriar
patrimônio imaterial, que foi agregado ao seu imóvel pela atividade exercida
pelo locatário, notadamente o fundo de comércio, o ponto comercial, também
398
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
não pode se tornar uma forma de eternizar o contrato de locação, restringindo
os direitos de propriedade do locador, e violando a própria natureza bilateral e
consensual da avença locatícia.
18. Nesse contexto, 5 (cinco) anos mostra-se um prazo razoável para a
renovação do contrato, a qual pode ser requerida novamente pelo locatário
ao final do período, pois a lei não limita essa possibilidade. Mas permitir a
renovação por prazos maiores, de 10, 15, 20 anos, poderia acabar contrariando
a própria finalidade do instituto, dadas as sensíveis mudanças de conjuntura
econômica, passíveis de ocorrer em tão longo período de tempo, além de outros
fatores que possam ter influência na decisão das partes em renovar, ou não, o
contrato.
19. Esse entendimento propagou-se na jurisprudência pátria, tendo essa
Corte, em inúmeros julgados, também decidido pelo limite máximo de 5 (cinco)
anos para a renovação contratual. Observe-se nesse sentido: AR n. 4.220-MG,
Rel. Min. Jorge Mussi, 3ª Seção, DJe de 18.5.2011; REsp n. 693.729-MG, Rel.
Min. Nilson Naves, DJU 23.10.2006; REsp n. 267.129-RJ, Rel. Min. José Arnaldo
da Fonseca, DJU 6.11.2000; REsp n. 170.589-SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU
12.6.2000; REsp n. 202.180-RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 22.11.1999; REsp
n. 195.971-MG, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 12.4.1999.
20. Mesmo diante da redação do art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991,
vozes importantes da doutrina permaneceram defendendo o prazo máximo
de 5 (cinco) anos para a renovação, cumprindo mencionar nesse sentido: José
Roberto Neves Amorim, Revisional e Renovatória de Locação, in Francisco
Antonio Casconi e José Roberto Neves Amorim (coord.), Locações Aspectos
Relevantes, aplicação do Novo Código Civil, São Paulo: Método, 2004, p. 113121; Sylvio Capanema de Souza, A Lei do Inquilinato Comentada, 6ª ed., Rio de
Janeiro: GZ Editora, 2009, p. 215.
21. Não se desconhece, por outro lado, o entendimento de alguns
doutrinadores, no sentido de que, se o contrato inicial já fora celebrado por
prazo superior e o art. 8.245/91, caput, afirma que a renovação deve-se dar por
igual prazo, não haveria razão para limitá-lo a 5 (cinco) anos, sob pena de ferir
a própria autonomia das partes. Nesse sentido: Silvio de Salvo Venosa, Lei do
Inquilinato Comentada – Doutrina e Prática, São Paulo: Atlas, 2010, p. 228; José
Carlos de Moreira Salles, Ação Renovatória de Locação Comercial, 2ª ed, São
Paulo: RT, 2002, p. 61.
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399
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
22. Contudo, pelas razões já expostas, notadamente, a contrariedade à
própria finalidade do instituto, bem como o perigo de eternização do contrato
de locação, aliados à própria praxe comercial, no sentido de que há direito à
renovação da avença locatícia por 5 (cinco) anos, não vejo razão para alterar esse
entendimento, inclusive já firmado por esta Corte.
23. Por essa razão, a pretensão inicial dos recorrentes, no sentido de que a
renovação do contrato deveria se dar por 10 anos, haja vista ser esse o resultado
da soma da vigência dos dois contratos celebrados pelas partes, não merece
prosperar. Repita-se: o prazo máximo da renovação é de 5 (cinco) anos. Nesse
sentido, outrossim, a lição de José Carlos de Moreira Salles:
De fato, firmando contratos sucessivos e com prazos inferiores a cinco anos,
locador e locatário manifestaram, inicialmente, a intenção de não submeter a
locação ao regime do art. 51 da Lei n. 8.245/1991. Se, posteriormente, por desídia
ou até por mudança de intenção, o locador aquiesceu em firmar um último
contrato, sabendo que a soma do prazo deste com os prazos dos anteriores
faria a locação cair sob o domínio da ação renovatória, não se eximirá ele dos
efeitos desta. Porém, não será justo que, nesta hipótese, se submeta à renovação
por prazo superior ao de cinco anos porque nunca, nos contratos anteriores,
se sujeitou sequer ao prazo mínimo para o exercício daquela ação (cinco
anos). Também não será justo que o locatário – que pelos contratos anteriores,
isoladamente considerados, não tinha nenhum direito à renovação – passe, pela
soma dos prazos contratuais, a ter esse direito e, ainda, por prazo superior ao
mínimo exigido pela lei para o exercício da ação renovatória” (Op. Cit. p. 61)
24. Estabelecido o prazo máximo da renovação na hipótese, resta definir
qual deve ser o prazo mínimo. A questão ganha relevância quando é necessária
a soma dos prazos dos contratos para se chegar ao mínimo de 5 anos (“accessio
temporis”).
25. Com efeito, nessas hipóteses, o último contrato de locação, que serviu
para completar o prazo, pode ter sido firmado por períodos reduzidos de tempo,
como 1 (um), 2 (dois) anos, ou até menos.
26. Nesse particular, ao interpretar o art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991, a
3ª Seção desta Corte firmou entendimento no sentido de que a renovação devese dar pelo prazo previsto no último contrato, seja ele qual for. Assim é o teor
dos julgados já mencionados no item 20 supra.
27. Todavia, quando o artigo de lei supramencionado dispõe que o locatário
terá direito à renovação do contrato “por igual prazo”, entendo que ele esteja se
referido ao prazo mínimo exigido pela legislação, previsto no inciso II do art.
400
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
51, da Lei n. 8.245/1991, para a renovação, qual seja, de 5 (cinco) anos, e não ao
prazo do último contrato celebrado pelas partes. É esse, no meu sentir, o espírito
da lei.
28. Admitir o contrário implicaria termos de conviver com situações
absurdas, como aquela apontada por Sylvio Capanema de Souza:
Se o último contrato, que é objeto da renovação e que completou o
quinquênio, foi celebrado pelo prazo de um ano, por exemplo, qual deverá ser o
prazo do contrato novo?
Se adotarmos uma interpretação literal, o novo contrato será, também, de um
ano, para se respeitar o mesmo prazo.
Mas isso nos levará a situações absurdas, contrárias ao espírito da lei e que
colidem, inclusive, com o princípio da economia processual.
Se a renovação, no exemplo acima formulado, se fizer por um ano, teria o locatário
que ajuizar ações renovatórias semestrais, assoberbando o Poder Judiciário, e criando
um grande tumulto processual, já que as ações se atropelariam, em pleno curso
(Op. Cit., p. 214) (sem destaque no original)
29. A interpretação do art. 51, caput, da Lei n. 8.245/1991, portanto,
deverá se afastar da literalidade do texto, para considerar o aspecto teleológico e
sistemático da norma, que prevê, no próprio inciso II do referido dispositivo, o
prazo de 5 (cinco) anos para que haja direito à renovação, a qual, por conseguinte,
deverá ocorrer, no mínimo, por esse mesmo prazo.
30. No mesmo sentido, a lição de Amador Paes de Almeida, Locação
Comercial – Ação renovatória, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 53; José Carlos
de Moreira Salles, Ação Renovatória de Locação Comercial, 2ª ed., São Paulo: RT,
2002, p. 57; José Roberto Neves Amorim, Revisional e Renovatória de Locação,
in Francisco Antonio Casconi e José Roberto Neves Amorim (coord)., Locações
Aspectos Relevantes, aplicação do Novo Código Civil, São Paulo: Método, 2004,
p. 113-121; Silvio de Salvo Venosa, Lei do Inquilinato Comentada – Doutrina
e Pratica, São Paulo: Atlas, 2010, p. 228; e o Enunciado n. 6 do extinto 2º
Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo.
31. Em síntese, nos termos do art. 51 da Lei n. 8.245/1991, a renovação
do contrato de locação não residencial, nas hipóteses de “accessio temporis”,
dar-se-á pelo prazo de 5 (cinco) anos, independentemente do prazo do último
contrato que completou o quinquênio necessário ao ajuizamento da ação. O
prazo máximo da renovação também será de 5 (cinco) anos, mesmo que a
vigência da avença locatícia, considerada em sua totalidade, supere esse período.
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401
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
32. Outrossim, no que tange ao argumento dos recorrentes de que deve
ser levado em consideração o tempo de tramitação da ação renovatória, para se
definir o prazo de renovação do contrato, podendo, em razão disso, ser superado
o limite de 5 (cinco) anos, conforme entendeu a sentença de primeiro grau, não
merece prosperar.
33. Nesse ponto, o acórdão foi preciso: “ao Juiz não é dado renovar por
período que exige ação própria”. E, conquanto demorado, nada impedia que, no
curso do processo, os locatários ajuizassem nova ação renovatória.
34. Com efeito, o art. 51, § 5º, da Lei n. 8.245/1991 dispõe sobre o
prazo decadencial para propositura da ação renovatória, que, como todo prazo
decadencial, não se interrompe nem se suspende.
35. Consequentemente, se, no curso do processo, decorrer tempo suficiente
para que se complete novo interregno de 5 (cinco) anos, ao locatário cumpre
ajuizar outra ação renovatória, a qual, segundo a doutrina, é recomendável
que seja distribuída por dependência para que possam ser aproveitados os atos
processuais como a perícia. Nesse sentido, mencione-se Silvio de Salvo Venosa,
Lei do Inquilinato Comentada – doutrina e Pratica, São Paulo: Atlas, 2010, p.
228; e Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe, Locação Questões Processuais e
Substanciais, São Paulo: Malheiros, 5ª ed., 2009, p. 215.
36. Diante de todo o exposto, o acórdão recorrido deve ser reformado
para que a vigência do contrato renovado seja de 5 (cinco) anos, ou seja, de
23.12.2003 a 23.12.2008.
2. Dos honorários advocatícios (violação dos arts. 20 e 21 do CPC)
37. Sustentam os recorrentes que, na hipótese, a sucumbência não foi
recíproca, mas parcial, não podendo, assim, ser igualmente distribuídos os ônus e
compensados os honorários.
38. Contudo, conforme o acórdão recorrido, na hipótese, houve
sucumbência dos recorrentes quando ao prazo de renovação do contrato e
também quanto ao valor do aluguel oferecido, justificando-se a distribuição
equitativa dos respectivos ônus.
39. Esse entendimento coaduna-se com a jurisprudência pacífica desta
Corte, no sentido de que, havendo sucumbência recíproca, devem-se compensar
os honorários advocatícios. Inteligência do art. 21 do CPC c.c. a Súmula n. 306STJ.
402
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
40. Assim, ausente qualquer violação dos arts. 20 e 21 do CPC.
Forte nestas razões, dou parcial provimento ao recurso especial apenas para
alterar o prazo de vigência do contrato renovado, nos termos do voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.351.005-RJ (2012/0225898-0)
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Recorrente: Inducom Comunicações Ltda
Advogados: Herlon Monteiro Fontes
Márcio Vieira Souto Costa Ferreira e outro(s)
Frederico Jose Ferreira
Recorrente: Telecomunicações Brasileiras S/A - Telebrás
Advogados: Gabriel Francisco Leonardos
Elisa Bastos Mutschaewski e outro(s)
Rafael Lacaz Amaral e outro(s)
Recorrido: Os mesmos
Recorrido: Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPI
Advogado: Márcia Vasconcelos Boaventura e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Direito Civil. Propriedade industrial. Invenção.
Patente. Sistema Automático para Chamadas Telefônicas a Cobrar.
Ação anulatória do cancelamento do registro da patente. Violação do
art. 58 da Lei n. 5.772/1971. Falta de prequestionamento. Novidade.
Suficiência descritiva do depósito. Reexame de provas. Inadequação da
via. Súmula n. 7-STJ. Compartilhamento da titularidade da invenção
entre o autor e terceiro. Pedido não compreendido nos limites da lide.
Julgamento extra petita. Arts. 128 e 460 do CPC. Saneamento do
vício. Art. 257 do RISTJ.
1. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no
recurso especial, a despeito da oposição de embargos declaratórios,
impede o conhecimento do recurso especial (Súmula n. 211-STJ).
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
403
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. O conhecimento do recurso especial, no que se refere à aferição
da natureza de novidade da invenção objeto do depósito de patente,
bem como da suficiência descritiva deste, demanda nova incursão
fático-probatória, inviável tendo em vista a incidência da Súmula n.
7-STJ.
3. O interesse em recorrer resulta da conjugação de dois fatores: (i)
da utilidade da interposição do recurso - que consiste na possibilidade
de obtenção pelo recorrente de um resultado que corresponda à
situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela
resultante da decisão recorrida e (ii) da necessidade de sua utilização
- que se revela por sua imprescindibilidade para que o recorrente
alcance a vantagem almejada.
4. Carece de interesse recursal a parte ré quanto à pretensão de
extipar do acórdão impugnado matéria estranha, configuradora de
julgamento extra petita, mas que não lhe diz respeito por versar sobre
relação jurídica distinta - havida entre a parte autora da demanda e
terceiro não chamado a integrar a lide.
5. Reconhecido o cabimento do especial, cumpre ao Superior
Tribunal de Justiça julgar a causa aplicando o direito à espécie, a teor
do art. 257 do RISTJ.
6. Consoante o disposto pelo art. 128 do CPC, o autor fixa os
limites da lide e da causa de pedir na petição inicial, cabendo ao juiz
decidir de acordo com esse limite. É justamente por tal motivo que
não é dado ao julgador proferir sentença acima, fora ou aquém daquilo
que foi postulado.
7. Estando o pedido autoral adstrito à anulação da decisão
administrativa do INPI, que, a pedido da Telebrás, cancelou o registro
da patente do “Sistema Automático para Chamadas Telefônicas a
Cobrar”, não é dado ao julgador, sob pena de incorrer em julgamento
extra petita, decidir sobre a existência de relação jurídica diversa,
relativa à eventual necessidade de divisão da titularidade do registro
entre a parte autora e empresa distinta, que não pretendeu tal solução
em juízo e sequer chegou a integrar a presente lide.
8. Recurso especial da Telebrás não conhecido e recurso especial
da Inducom provido para, aplicando o direito à espécie, afastar do
acórdão recorrido o capítulo que configurou julgamento extra petita.
404
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
ACÓRDÃO
A Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso
especial de Inducom Comunicações Ltda e não conhecer do recurso especial
de Telecomunicações Brasileiras S/A - Telebrás, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti
e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,
justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Dr(a). Frederico Ferreira, pela parte recorrente: Inducom Comunicações
Ltda
Brasília (DF), 1º de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator
DJe 7.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de dois recursos
especiais, o primeiro interposto por Inducom Comunicações Ltda. (e-STJ fls.
2.080-2.087) e o segundo interposto por Telecomunicações Brasileiras S.A. Telebras (e-STJ fls. 2.093-2.113), ambos com fulcro na alínea a do artigo 105,
inciso III, da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal
Regional Federal da 2ª Região.
Consta dos autos que, em junho de 1980, Adenor Martins de Araújo, então
empregado da Telecomunicações de Santa Catarina - TELESC (subsidiária, à
época, do sistema Telebras) depositou no Instituto Nacional de Propriedade
Industrial - INPI pedido de registro de patente de invenção a que denominou
“Sistema Automático para Chamadas Telefônicas a Cobrar”, que também se
tornou conhecida como “DDC” - abreviação de “discagem direta a cobrar”.
Durante o processamento do pedido de registro da patente, o depositante,
pretenso inventor do sistema, transferiu sua titularidade à primeira recorrente
- Inducom Comunicações Ltda. Esta, tão logo concedido o registro da patente
(por despacho publicado em janeiro de 1984), passou a contactar as diversas
empresas de telefonia do Brasil objetivando estabelecer negociações para fins de
recebimento dos royalties que lhe seriam devidos pelo uso do invento patenteado.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ocorre que, em 17.1.1985, a segunda recorrente - Telebras - protocolizou
no INPI pedido de cancelamento da carta patente expedida (de n. 8003673-0).
Naquela oportunidade, a então requerente fundou seu pleito em dois principais
argumentos: (i) que a suposta invenção, na data do depósito, não teria a
característica da novidade, por já estar compreendida no estado de técnica e (ii)
que o relatório descritivo apresentado pelo depositante seria insuficiente para a
concessão da patente, por tornar inexequível o sistema por técnico no assunto.
Após o regular trâmite administrativo, mais especificamente em 2.7.1985,
deferiu-se o pedido de cancelamento da patente. Referida decisão foi objeto,
ainda, de recurso administrativo, indeferido por decisão publicada em 13.1.1987.
Diante dos fatos narrados, Inducom Comunicações Ltda. ajuizou, em maio
de 1988, a ação que deu origem aos presentes autos, objetivando única e
exclusivamente a anulação da decisão administrativa de cancelamento, para que
seja a patente considerada em plena valia.
O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido formulado na
exordial para declarar “nulo o ato administrativo do INPI, através do qual
cancelou a Carta Patente n. 8003673 (depósito), de 24.1.1984, bem como os
atos administrativos posteriores, ao depósito vinculados” e reconhecer “a validade
da carta patente, n. do depósito 8003673, desde a sua expedição em 24.1.1984”.
Na ocasião, condenou o INPI e a Telebras ao pagamento das custas judiciais e
dos honorários periciais e sucumbenciais, estes últimos fixados em 20% (vinte
por cento), incidentes sobre o valor atualizado da causa (e-STJ fl. 1.276).
Inconformados, INPI e Telebras interpuseram recursos de apelação (e-STJ
fls. 1.292-1.295 e 1.309-1.353).
A Corte de origem, por maioria de votos, deu provimento aos apelos
interpostos, bem como à remessa necessária, para, reformando a sentença,
concluir pela legalidade do ato administrativo de cancelamento da patente,
invertendo os ônus sucumbenciais (e-STJ fls. 1.677-1.772).
A autora da demanda - Inducom - interpôs embargos infringentes (e-STJ
fls. 1.831-1.867), pretendendo fazer prevalecer o voto vencido, que negava
provimento aos apelos e à remessa necessária, para confirmar a sentença primeva
(e-STJ fls. 1.764-1.765).
A Primeira Seção Especializada do TRF da 2ª Região, também por maioria
de votos, deu parcial provimento aos embargos em aresto assim ementado:
Propriedade industrial. Patente. Invenção. Novidade. Estado da técnica.
Inventor. Definição.
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
1. Nos embargos infringentes, o órgão julgador não está adstrito às razões
invocadas no voto minoritário, não obrigando, com isso, o recorrente a proceder
a uma repetição dos fundamentos esposados no voto vencido. Assim, o que
prevalece efetivamente é a divergência entre a conclusão dos votos vencedores e
vencidos e não, exclusivamente, fundamentos.
2. A novidade de um determinado pedido de patente é excluída pelo uso
anterior ou pela divulgação anterior do seu objeto. No caso vertente, o voto
vencedor menciona o fato de que vários jornais haviam se manifestado sobre o
invento em si e que isso seria suficiente para revelar o conteúdo do pedido da
patente. Ocorre que, uma leitura das aludidas notícias jornalísticas demonstra que
estas guardavam um cunho meramente informativo e comercial, não divulgando
dessa forma, os pontos característicos da patente.
3. Define-se estado da técnica como tudo aquilo tornado acessível ao público
antes da data do pedido de patente, por uso ou por qualquer meio no Brasil ou
no exterior. Tornar público um conhecimento implica necessariamente em se
constatar suficiência na divulgação, isto é, uma transmissão de conhecimento da
regra técnica que não esteja subordinada a uma obrigação de guardar segredo,
ainda que implícita, vez que o direito à proteção não pode ser afetado por fatos
que configuram a própria dinâmica da inovação.
4. Quando o INPI define que há suficiência descritiva, que é um dado
objetivo, não pode, posteriormente, modificar a sua opinião, principalmente se
a insuficiência descritiva era em relação a aspectos meramente formais. Se fosse
um aspecto material, ainda seria razoável, mas não em se tratando de um aspecto
meramente formal.
5. À causa em análise deve ser aplicado o art. 42 do antigo CPI, considerando
que o empregado desenvolveu um invento de moto-próprio, sem qualquer
colaboração, mas ele precisou do empregador para proceder aos testes, ou seja,
ele precisou de recursos, dados, meios, materiais, instalações, equipamentos, do
empregador para empregar nos testes. Assim, seria o caso de se dividir meio a
meio qualquer ganho relacionado ao invento.
6. Embargos infringentes parcialmente providos (e-STJ fls. 2.029-2.030).
Ao assim decidir, a Corte de origem, consoante se extrai da parte dispositiva
do voto condutor do julgado, anulou o ato administrativo que cancelou a Carta
Patente n. 8003673, determinando, contudo, a aplicação do art. 42 da Lei n.
5.772/1971 para dividir os ganhos advindos da invenção entre a pessoa de
seu inventor e sua empregadora à época do invento, Telecomunicações de Santa
Catarina - TELESC (a que o Tribunal Regional afirmou ter sido sucedida pela
Telebras).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Contra o julgado, tanto a Telebras quanto a Inducom opuseram embargos
de declaração (e-STJ fls. 2.036-2.044 e 2.048-2.051).
Em suas razões de embargar, a Telebras apontou a existência de
obscuridades, objetivando, nesse particular, conferir efeitos infringentes ao aresto
embargado. Afirmou a existência de erro material, visto que, ao contrário do
decidido, a TELESC (empregadora do suposto inventor do sistema cuja patente
se discute) teria sido sucedida pela Brasil Telecom S.A., parte que sequer figurou
na demanda. Sustentou, ainda, que a Corte de origem promoveu julgamento
extra petita, haja vista não estar a questão relativa à necessidade de divisão dos
ganhos oriundos da patente compreendida no pedido autoral, mesmo porque
diz respeito à relação jurídica existente entre autora e pessoa jurídica distinta,
que não foi chamada a integrar o polo passivo da demanda.
A Inducom, por sua vez, afirmou omisso o julgado no tocante à distribuição
dos ônus sucumbenciais. Pugnou, ainda, que fosse levado em consideração, para
o afastamento da incidência do art. 42 da Lei n. 5.772/1971, o teor de despacho
proferido pelo então Diretor de Operações da TELESC, no qual se revelaria a
abdicação, por parte da empresa, de quaisquer direitos pelos testes do sistema
“DDC” ali realizados.
A Corte de origem acolheu parcialmente ambos os embargos apenas para:
(i) com relação aos primeiros, admitir a existência de erro material na indicação
da sucessora da TELESC, reconhecendo como tal a Brasil Telecom S.A., e (ii)
com relação aos segundos, fixar a distribuição dos ônus sucumbenciais.
Segue a ementa do aresto dos aclaratórios:
Processual Civil. Embargos de declaração em apelação cível.
1. Os embargos de declaração não são meio próprio ao reexame da causa,
devendo limitar-se ao esclarecimento de obscuridade, contradição ou omissão.
2. O acórdão incorreu em erro material, uma vez que a Telecomunicações
Brasileiras S/A - Telebrás, ao contrário do afirmado no acórdão embargado, não é
sucessora da TELESC, papel que cabe, na verdade, a Brasil Telecom S/A. Além disso,
o acórdão incorreu em omissão em relação à fixação dos ônus de sucumbência,
razão pela qual, considerando que o acórdão concluiu por dar parcial provimento
aos embargos infringentes, mostra-se razoável a fixação do pagamento de custas
e honorários de sucumbência no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor
atualizado da causa, pro rata.
3. Embargos de declaração parcialmente providos (e-STJ fl. 2.076).
408
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Diante de tais circunstâncias, deu-se a interposição dos recursos especiais
que ora se apresentam.
Em suas razões (e-STJ fls. 2.080-2.087), a primeira recorrente - Inducom
Comunicações Ltda. - aponta ofensa ao art. 42 da Lei n. 5.772/1971 (atual art. 91
da Lei n. 9.279/1996), sob dois fundamentos: (i) porque “a melhor interpretação
da norma em referência não pode permitir que a simples execução de testes pelo
empregador se equipare aos mecanismos facilitadores descritos no texto legal”,
não se justificando, assim, a divisão da propriedade da patente entre a TELESC
- empregadora - e seu empregado, o inventor (e-STJ fl. 2.085) e (ii) porque o
referido dispositivo legal não teria aplicação à hipótese por força de despacho
proferido pelo superior hierárquico do empregado inventor nos seguintes
termos: “o teste poderá ser executado e a aplicação pela TELESC do projeto
não implicará em direitos por parte da mesma e sim como mero consentimento
pelo inventor” (e-STJ fl. 2.087).
Por seu turno, a segunda recorrente - Telecomunicações Brasileiras S.A.
- Telebras - aduz, em seu arrazoado recursal (e-STJ fls. 2.093-2.113), estar
configurada a violação dos arts. 6º, caput e §§ 1º e 2º, 7º e 55, alínea a, todos da
Lei n. 5.772/1971. Nesse ponto específico, insiste na alegação de que o invento,
quando do depósito, não era mais patenteável. Reafirma que os testes públicos
do sistema “DDC” realizados pela TELESC, com autorização de seu pretenso
inventor, em momento anterior ao depósito da patente, retiraram sua novidade,
requisito legalmente indispensável para o registro, que, desse modo, teria sido
acertadamente cancelado pelo INPI.
Afirma que a Corte de origem negou vigência ao art. 58 da Lei n.
5.772/1971, tendo em vista que este autorizaria o cancelamento, pelo INPI, do
registro da patente não só pela falta de novidade suscitada, mas, também, pela
constatada insuficiência do relatório descritivo do depósito da patente.
Ao final, aponta como violado o art. 460, caput, do Código de Processo
Civil, porquanto configuraria julgamento extra petita a incursão promovida pelo
aresto recorrido na questão relativa à eventual divisão dos ganhos resultantes do
reconhecimento da validade da Carta Patente n. 8003673 entre o empregado
inventor e a TELESC. Sustenta, nesse particular, que o objeto da presente ação
está adstrito à discussão a respeito da validade da patente e, que, além disso,
a Brasil Telecom S.A., sucessora da TELESC, sequer figurou como parte na
demanda.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 2.218-2.232 e 2.234-2.246), e
admitidos ambos os apelos nobres, ascenderam os autos a esta Corte Superior.
O Ministério Público Federal emitiu parecer (e-STJ fls. 2.268-2.271),
opinando pelo não conhecimento dos recursos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Antes de proceder
à análise das pretensões encartadas nas razões dos dois recursos especiais ora
trazidos à apreciação, impõe-se discorrer brevemente sobre as premissas fáticas
da demanda e que, seja porque incontroversas, seja porque definitivamente
dirimidas pelas instâncias ordinárias com esteio no acervo probatório carreado
aos autos, devem ser tomadas por verdadeiras.
No final da decáda de 70, o Sr. Adenor Martins de Araújo, então empregado
da TELESC, inventou, com recursos próprios, o sistema que permite a realização
de chamadas telefônicas a cobrar de forma totalmente automatizada. Com ele,
permitiu-se ao usuário do serviço de telefonia que, na realização de chamada
telefônica, a partir da inclusão do dígito 9 (nove) ao número de telefone
chamado precedido do prefixo nacional (zero) e do código de área de destino
(composto de dois outros dígitos), conseguisse realizar chamada que, de modo
automático, possibilitasse ao destinatário assumir o ônus de custear a ligação
que recebia, o que se dava pelo simples fato de o destinatário permanecer “na
linha”, aguardando a reprodução da gravação: “Chamada a cobrar. Para aceitá-la,
continue na linha após a identificação”.
A invenção, antes de ter seu uso massificado, foi objeto de testes realizados
em Municípios do interior de Santa Catarina, com autorização concedida ao
inventor pela própria TELESC.
O Sr. Adenor, em junho de 1980, depositou o requerimento do registro da
patente, que foi concedida e anos depois cancelada pelo INPI. Cancelamento
este que se deu a requerimento da Telebras.
A ação que deu origem aos presentes recursos especiais foi ajuizada em
maio de 1988 e encerra, tão somente, a pretensão da empresa Inducom (que
adquiriu do inventor - Sr. Adenor - a titularidade dos direitos da patente) de ver
reconhecida a nulidade da decisão que, administrativamente, cancelou a Carta
Patente n. 8003673-0, relativa ao invento supra descrito.
410
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Integram o polo passivo da demanda somente o INPI e a Telebras.
Após mais de 22 anos em curso, a causa foi definitivamente julgada
pela Primeira Seção Especializada do TRF da 2ª Região que, ao dar parcial
provimento aos embargos infringentes interpostos pela empresa autora,
reconheceu a procedência do único pedido formulado na exordial - de nulidade
do cancelamento do registro e, consequentemente, da declaração de validade da
Carta Patente n. 8003673-0). No entanto, foi além, decidindo também sobre
a necessidade de aplicação à hipótese da inteligência do art. 42 do revogado
Código da Propriedade Industrial (Lei n. 5.772/1971), dividindo, assim, entre a
autora da demanda e a TELESC (na condição de empregadora do inventor) a
titularidade da patente.
O objeto de ambos os recursos especiais que se afiguram é o aresto naquela
ocasião exarado.
Feita a breve introdução, passa-se à apreciação pontual de cada um dos
recursos, a começar pelo especial intentado pela Telebras, apenas para facilitar o
desencadeamento lógico de ideias.
DO RECURSO ESPECIAL DE TELECOMUNICAÇÕES
BRASILEIRAS S.A. - TELEBRAS (e-STJ fls. 2.093-2.113).
Consoante o já relatado, a irresignação recursal da Telebras está assentada
nas alegações de supostas ofensas aos seguintes dispositivos legais com as
respectivas teses:
(i) arts. 6º, caput e §§ 1º e 2º, 7º e 55, alínea a, da Lei n. 5.772/1971
- porque resultaria evidente das provas colhidas nos autos que o sistema
“DDC”, quando do depósito não era mais patenteável. Isso porque os testes
públicos realizados pela TELESC, com autorização de seu pretenso inventor,
em momento anterior ao depósito da patente, retiraram sua novidade,
requisito legalmente indispensável para o registro que, deste modo, teria sido
acertadamente cancelado pelo INPI;
(ii) art. 58 da Lei n. 5.772/1971 - porque este dispositivo legal autorizaria
o cancelamento, pelo INPI, do registro da patente não só pela falta de novidade
suscitada, mas, também, pela constatada insuficiência do relatório descritivo de
seu depósito, e
(iii) art. 460, caput, do Código de Processo Civil - pois configuraria
julgamento extra petita a incursão promovida pelo aresto recorrido no ponto
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
relativo à eventual divisão dos ganhos resultantes do reconhecimento da validade
da Carta Patente n. 8003673 entre o empregado inventor e a TELESC, matéria
que não está adstrita ao pedido formulado na inicial, além de ser de interesse
de pessoa jurídica que não integrou a lide, a empresa Brasil Telecom S.A., real
sucessora da TELESC.
Como se vê, cingem-se as pretensões da recorrente ao cancelamento da
patente e ao reconhecimento de que a Corte de origem promoveu julgamento
extra petita ao avançar sobre a discussão acerca da aplicação ao caso do art. 42 da
Lei n. 5.772/1971.
Não merecem acolhida as pretensões recursais. Isso porque, o apelo nobre
não se faz merecedor de conhecimento.
Com efeito, no tocante à aludida violação do art. 58 da Lei n. 5.772/1971,
verifica-se que a matéria versada no referido dispositivo legal - relativa à
possibilidade de cancelamento administrativo do privilégio da patente - não foi
objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, apesar
da oposição de embargos declaratórios. Por esse motivo, ausente o requisito do
prequestionamento, incide o disposto na Súmula n. 282-STF: “É inadmissível
o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão
federal suscitada”.
Desatendido, portanto, o requisito do prequestionamento também nos
termos da Súmula n. 211-STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão
que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo
Tribunal a quo”.
Nesse sentido:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso especial. Execução.
Princípio da menor onerosidade. Interesse do credor. Prequestionamento. Súmula
n. 211-STJ. Reexame de provas. Súmula n. 7-STJ.
1.- O princípio da menor onerosidade ao devedor deve estar em harmonia
com o interesse do credor.
2.- O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto
do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência
inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial,
impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Não
examinada a matéria objeto do especial pela instância a quo, mesmo com a
oposição dos embargos de declaração, incide o Enunciado n. 211 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça.
412
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
(...).
4.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 158.707-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,
julgado em 22.5.2012, DJe 5.6.2012).
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ausência de prequestionamento.
Súmula n. 211-STJ. Ação rescisória. Violação à coisa julgada. Verificação.
Impossibilidade. Reexame de provas. Súmula n. 7-STJ.
1. Carece do necessário prequestionamento a matéria não debatida pelo
Tribunal de origem, ainda que opostos embargos de declaração.
Incidência da Súmula n. 211-STJ.
(...).
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag n. 1.327.008-GO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira
Turma, julgado em 15.3.2012, DJe 21.3.2012).
Ademais, não há como aferir, na via especial, se existente a suscitada ofensa
aos arts. 6º, caput e §§ 1º e 2º, 7º e 55, alínea a, da Lei n. 5.772/1971.
Isso porque, nesse ponto específico, a pretensão da recorrente repousa
no anseio de ver infirmadas as conclusões da Corte de origem pela novidade
da invenção e suficiência descritiva do depósito. Tais requisitos, acaso
afastados, revelariam a viabilidade do cancelamento pretendido pela Telebras
administrativamente.
Todavia, da simples leitura do voto condutor do julgado hostilizado, extraise que as mencionadas conclusões resultaram do exame de provas e fatos que
permearam a demanda.
A propósito, merece destaque o seguinte excerto do aresto impugnado:
Inicio a minha análise pela avaliação do requisito da novidade.
Uma breve cronologia dos fatos revela que, em outubro de 1979, ocorreu o
pedido do Sr. Adenor Martins de Araújo à Telecomunicações de Santa Catarina S.A.
- TELESC S.A. para realização dos testes, tendo estes se iniciado em dezembro de
1979, e, em 12 de junho de 1980, o pedido da patente de invenção foi depositado.
Com efeito, a novidade de um determinado pedido de patente é excluída pelo
uso anterior ou pela divulgação anterior do seu objeto.
Em relação às notícias de jornal, a douta Juíza Federal convocada Márcia Helena
Nunes, menciona, no voto vencedor, que vários jornais haviam se manifestado sobre
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o invento em si e que isso seria suficiente para revelar o conteúdo do pedido da
patente.
Ocorre que, uma leitura das aludidas notícias jornalísticas demonstra que estas
guardavam um cunho meramente informativo e comercial, não divulgando, dessa
forma, os pontos característicos da patente.
Em outras palavras, as características essenciais da patente não foram
desvendadas a ponto de um técnico no assunto poder, efetivamente, produzir o
mesmo objeto. Tal circunstância está, inclusive, disposta na resposta ao quesito n. 6
do laudo do perito judicial (fls. 1.090).
Assim, entendo que, com relação às noticias publicadas nos jornais, não houve
ferimento à obrigatoriedade da novidade.
Já com relação aos testes realizados pela Telecomunicações de Santa Catarina
S.A. - TELESC S.A., o voto vencedor se pronunciou nos seguintes termos:
(...) Que os testes tenham sido realizados em Blumenau (15.1.1980 central 22), até então concordo com a autora e com o perito: era necessário.
Entretanto, creio que a situação escapou ao controle de Adenor, na
medida em que, de acordo com o noticiado nos autos do procedimento
administrativo, antes mesmo do depósito da patente, o sistema já havia
sido instalado comercialmente em várias cidades do Estado de Santa
Catarina, com Brusque, Itajaí, Balneário de Camboriú, Itapema, Porto Belo
e Piçarras (desde 15.2.1980), Florianópolis (desde 10.4.1980, e também
6.5.1980, central 44) e Criciúma (também 6.5.1980), tudo conforme as
notícias no jornal catarinense O Estado, de 15.12.1980 (fl. 106 do apenso),
de 10.4.1980 (fls. 107-8 do apenso) e 6.5.1980 (fl. 109 do apenso).
Além disso, a matéria no jornal O Estado dizia que: ‘Este sistema foi
testado e aprovado em Blumenau e até o final do ano a Telesc pretende
implantá-lo em todos os municípios do estado que dispõe de DDD (fls.
1.634-1.635).
Resta, pois, definir se os testes feitos pela TELESC correspondem, efetivamente, a
uso, considerando que a questão está sob a égide do antigo Código de Propriedade
Industrial, uma vez que os fatos datam de 1980.
Nessa seara, observa-se que, com base no antigo Código de Propriedade
Industrial, assim como o faz a LPI, a definição do que seja novidade exclui o teste.
Define-se estado da técnica como tudo aquilo tornado acessível ao público
antes da data do pedido de patente, por uso ou por qualquer outro méio no Brasil
ou no exterior.
Tornar público um conhecimento implica necessariamente em se constatar
suficiência na divulgação, isto é, uma transmissão do conhecimento da regra
técnica que não esteja subordinada a uma obrigação de guardar segredo, ainda
414
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
que implícita, vez que o direito à proteção não pode ser afetado por fatos que
configuram a própria dinâmica da inovação.
Nesse sentido, inexiste, nos autos, prova de que o produto tenha sido divulgado a
terceiros que não à TELESC, demonstrando, ainda que implicitamente, a existência de
uma obrigação de segredo travada entre esta e o inventor.
Ademais, um teste não pode ser tido como a mesma coisa que uso, ou seja, esses
dois conceitos não podem ser equiparados.
Desta forma, entendo que o teste feito pela TELESC não impede a concessão da
patente de invenção.
Passo, em seguida, a avaliar se a questão saiu realmente do controle do inventor,
assim como entendeu a douta Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes no voto
vencedor.
Com efeito, teria saído do controle apenas se tivesse havido exploração comercial,
o que não ocorreu na hipótese em tela, na qual houve apenas a continuação dos
testes.
Outro aspecto alegado é a insuficiência descritiva.
Nesse particular, o voto do eminente Desembargador Federal Sérgio Feltrin
Côrrea bem abordou a questão:
O relatório descritivo contém a definição do invento, sua área de aplicação,
o estado da técnica considerado pelo depositante, a solução proposta para o
problema técnico existente, bem como as vantagens do invento.
Observa-se que o INPI, inicialmente, entendeu que o relatório descritivo era
suficiente, tanto que deferiu a patente e, posteriormente, chegou à conclusão de
que a descrição era insuficiente.
Ocorre que, como bem ponderado no voto vencido, as exigências realizadas
pelo INPI possuíam aspecto meramente formal, como, por exemplo, deslocar uma
reivindicação de um item para outro.
Cumprida a exigência, o parecer final do INPI foi dados nos seguintes termos:
O depositante cumpriu, satisfatoriamente, as exigências publicadas na
RPI n. 632 e o pedido se encontra agora em condições de obter o privilégio
requerido. Opinamos pelo deferimento, devendo integrar a carta-patente
os seguintes documentos (...)
Assim, os aspectos meramente formais foram amplamente superados, tanto que o
parecer da autarquia marcária foi favorável, ou seja, o examinador do INPI analisou e
entendeu que houve a suficiência descritiva.
Destaque-se que a suficiência descritiva se constitui em um dado objetivo do
processo administrativo.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Partindo dessa premissa, surge a pergunta: se objetivamente o INPI entendeu
que havia suficiência descritiva, um outro técnico, em um, momento posterior,
pode concluir por sua inexistência, tratando-se de um dado objetivo?
Parece-me que se sujeitar a diversas opiniões, sobretudo quando
diametralmente opostas, em situações limites, significaria nunca dar fim ao
processo. Cada vez que um servidor examinasse, ia achar que havia suficiência e
um outro achar que havia insuficiência.
Dessa forma, creio que, quando o INPI define que há suficiência descritiva, que é
um dado objetivo, não pode, posteriormente, modificar a sua opinião, principalmente
se a insuficiência descritiva era em relação a aspectos meramente formais.
Se fosse um aspecto material, ‘ainda seria razoável, mas não em se tratando de
um aspecto meramente formal (e-STJ fls. 2.021-2.025 - grifou-se).
Assim como posta a matéria, a verificação da procedência dos argumentos
expendidos no recurso - pela ausência de novidade da invenção no momento do
depósito ou pela insuficiência descritiva deste - exigiria que esta Corte Superior
promovesse, na via especial, profundo reexame de matéria fático-probatória, o
que é vedado pela Súmula n. 7-STJ, consoante iterativa jurisprudência desta
Corte.
No tocante à alegação de que malferido o art. 460, caput, do CPC, a
pretensão da recorrente de extipar do acórdão impugnado matéria estranha,
configuradora de julgamento extra petita, encontra óbice em sua falta de
interesse recursal para tanto.
Como consabido, a noção de interesse processual está diretamente
relacionada à conjugação da utilidade da providência judicial almejada e da
necessidade da via escolhida para que tal providência seja alcançada.
O interesse da parte em recorrer é aferido a partir dessa mesma ótica,
sendo oportuna, nesse particular, a lição de José Carlos Barbosa Moreira,
para quem o interesse em recorrer “resulta da conjugação de dois fatores: de
um lado, é preciso que o recorrente possa esperar, da interposição do recurso,
a consecução de um resultado a que corresponda situação mais vantajosa, do
ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida; de outro lado,
que lhe seja necessário usar o recurso para alcançar tal vantagem” (Comentários
ao Código de Processo Civil, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 298).
Com efeito, a incursão da Corte de origem no debate acerca da possibilidade
de divisão dos ganhos advindos da patente entre o empregado inventor e sua
empregadora TELESC não atinge em nada os direitos da Telebras, fato que, por
si só, já revela sua ausência de interesse recursal quanto ao tema.
416
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
O eventual provimento do presente recurso, para que fosse ceifada do
acórdão atacado a discussão referente à aplicação ou não do art. 42 da Lei n.
5.772/1971, não resultaria, do ponto de vista prático, em situação mais vantajosa
para a Telebras. Além disso, não se pode admitir que seja por ela formulada
pretensão em defesa de direito alheio, no caso, eventual direito da Brasil Telecom
S.A. de, na condição de sucessora da TELESC, demandar a titularidade da
patente em tela através do ajuizamento de ação própria.
Desse modo, também no que diz respeito à suscitada ofensa ao art. 460
do CPC, não merece conhecimento o recurso especial, desprovido que é de
utilidade prática aos interesses da Telebras.
Antecipe-se, todavia, que a questão relativa à ocorrência, no caso em
apreço, de julgamento extra petita não está completamente superada. Será
retomada logo adiante, quando da apreciação do recurso especial interposto por
Inducom Comunicações Ltda.
DO RECURSO ESPECIAL DE INDUCOM COMUNICAÇÕES
LTDA. (e-STJ fls. 2.080-2.087).
Versa o recurso especial de Inducom Comunicações Ltda. apenas sobre
a suposta violação do art. 42 da Lei n. 5.772/1971 (atual art. 91 da Lei n.
9.279/1996).
Pretende a recorrente afastar a conclusão da Corte de origem pela divisão
da titularidade da patente entre ela (atual titular dos direitos do empregado
inventor) e a Brasil Telecom S.A. (sucessora da TELESC - empregadora do
inventor). Para tanto, firma sua irresignação recursal no fundamento de que “a
melhor interpretação da norma em referência não pode permitir que a simples
execução de testes pelo empregador se equipare aos mecanismos facilitadores
descritos no texto legal” (e-STJ fl. 2.085).
Aduz, ainda, que o referido dispositivo legal não teria aplicação à hipótese
vertente por força de despacho proferido pelo superior hierárquico do empregado
inventor nos seguintes termos: “o teste poderá ser executado e a aplicação pela
TELESC do projeto não implicará em direitos por parte da mesma e sim como
mero consentimento pelo inventor” (e-STJ fl. 2.087).
Impõe-se destacar, inicialmente, que aberta está a via especial. O recurso
preenche os requisitos de admissibilidade. É tempestivo, teve regularmente
realizado seu preparo e a matéria federal inserta no dispositivo legal apontado
como malferido encontra-se devidamente prequestionada.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
417
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Reconhecido o cabimento do especial, cumpre ao Tribunal julgar a causa
aplicando o direito à espécie, a teor do art. 257 do Regimento Interno desta
Corte Superior.
Importante firmar tal premissa porque, no caso concreto, o exame acurado
dos autos chama a atenção para a peculiaridade de que o único tema ventilado
no especial diz respeito à questão que, por não estar compreendida nos limites
da lide, não deveria ter sido apreciada pela Corte Regional.
Consoante o disposto pelo art. 128 do CPC, o autor fixa os limites da lide
e da causa de pedir na petição inicial, cabendo ao juiz decidir de acordo com
esse limite. É justamente por tal motivo que não é dado ao julgador proferir
sentença acima, fora ou aquém daquilo que foi postulado. Dessa ordem de ideias
é que resulta a inteligência do art. 460 do CPC, segundo o qual “É defeso ao
juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como
condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi
demandado.
Na ação anulatória em apreço, o pedido formulado pela recorrente, a
autora, se restringiu única e exclusivamente à anulação da decisão administrativa
que cancelou o registro da patente do “Sistema Automático para Chamadas
Telefônicas a Cobrar”. O debate a ser promovido durante o processamento
e julgamento da demanda deveria, assim, permanecer adstrito a saber se o
procedimento administrativo que concedeu o registro originário da patente
carregava mácula que ensejasse seu posterior cancelamento pelo INPI.
O juízo de origem, como já relatado, julgou procedente o pedido autoral.
Reconheceu ser nulo o ato administrativo de cancelamento da Carta Patente n.
8003673, restabelecendo sua plena valia.
A Corte de origem, em sede apelação e remessa necessária, entendeu de
modo diametralmente oposto, mantendo hígida a decisão administrativa de
cancelamento.
Até então, ambas as instâncias ordinárias mantiveram-se adstritas ao
pedido, situação que se altera quando do julgamento dos embargos infringentes.
A Primeira Seção Especializada do TRF da 2ª Região, ao dar parcial
provimento aos embargos infringentes interpostos pela empresa autora,
reconheceu a procedência do único pedido formulado na exordial - de nulidade
do cancelamento do registro e, consequentemente, da declaração de validade da
Carta Patente n. 8003673-0.
418
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Nesse ponto, não se pode imputar ao julgado nenhum vício relativo à
observância da necessidade de restringir a decisão ao pedido e à causa de pedir.
Ocorre, porém, que a Corte Regional foi além do que devia, decidindo, por
equívoco - provavelmente decorrente do fato de acreditar ser a Telebras e não a
Brasil Telecom S.A. a sucessora da TELESC - sobre a necessidade de aplicação
à hipótese da inteligência do art. 42 do revogado Código da Propriedade
Industrial (Lei n. 5.772/1971), dividindo entre a autora da demanda e a
TELESC (na condição de empregadora do inventor) a titularidade da patente.
Ao assim decidir, a Corte de origem extrapolou os limites da demanda,
proferindo julgamento extra petita, pois, repita-se, o pedido formulado
pela recorrente se restringiu única e exclusivamente à anulação da decisão
administrativa que cancelou o registro da patente, consoante se extrai da peça
inaugural:
(...) B) Se desacolhida a preliminar, no mérito, seja a ação julgada procedente,
para o fim de ser anulada a decisão administrativa e seja considerada a patente, em
plena valia, com condenação daquelas na forma da lei (e-STJ fl. 34 - grifou-se).
Ademais, a um só tempo, impôs à autora da demanda o ônus de dividir
a patente com empresa que nunca formulou tal pretensão e retirou desta, que
sequer integrou a lide, o direito de pretender a integral titularidade do registro
em ação própria.
É clara a ofensa ao art. 460 do CPC. Impõe-se chamar o presente feito a
ordem e extirpar daquele julgado, por óbvio, apenas aquilo que excedeu o pedido
e a causa de pedir insculpidos na petição inaugural.
Solução nesse sentido importa no reconhecimento da procedência do
pedido autoral para, tal como fez o juízo de primeiro grau, (i) declarar “nulo
o ato administrativo do INPI, através do qual cancelou a Carta Patente n.
8003673 (depósito), de 24.1.1984, bem como os atos administrativos posteriores
ao depósito vinculados”; (ii) reconhecer “a validade da carta patente, n. do
depósito 8003673, desde a sua expedição em 24.1.1984” e (iii) condenar o INPI
e a Telebras ao pagamento das custas judiciais e dos honorários periciais e
sucumbenciais, estes últimos fixados em 20% (vinte por cento) incidentes sobre
o valor atualizado da causa (e-STJ fl. 1.276).
Não se afigura razoável entendimento distinto, que imporia a esta Corte
Superior a tarefa de decidir sobre a aplicação do art. 42 da Lei n. 5.772/1971
e definir se existente ou não eventual direito de compartilhamento da patente
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
419
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
entre a autora e a Brasil Telecom S.A., que não é parte na presente demanda.
Título judicial nesse sentido, por estar carregado do vício de descumprimento do
princípio da correlação entre pedido e sentença, se revelaria ineficaz, porquanto
incapaz de produzir os efeitos da coisa julgada.
Assim, reconhecida, de ofício, a ofensa ao art. 460 do CPC, e decotado do
aresto recorrido a parte relativa ao julgamento extra petita, fica prejudicada a
análise acerca da suposta violação do art. 42 da Lei n. 5.772/1971.
DO DISPOSITIVO.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial interposto por
Telecomunicações Brasileiras S.A. - Telebras (e-STJ fls. 2.093-2.113) e conheço do
recurso especial interposto por Inducom Comunicações Ltda. (e-STJ fls. 2.0802.087) para, aplicando-se o direito à espécie, dar-lhe provimento para afastar
do acórdão recorrido o capítulo que configurou julgamento extra petita, pelo
que fica reconhecida a higidez da Carta Patente n. 8003673, com a condenação
das partes recorridas, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e
honorários periciais e advocatícios, estes últimos fixados em 20% (vinte por
cento) do valor atualizado da causa.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.370.109-DF (2011/0151132-8)
Relator: Ministro Sidnei Beneti
Recorrente: Emília Silva Mello e outros
Advogado: Antônio Carlos de Oliveira e outro(s)
Recorrido: ASMUT - Associação dos Mutuários e Consumidores de
Imóveis e outros
Advogado: Claudio Maranhao Queiroz e outro(s)
EMENTA
Direito Processual Civil. Ação de prestação de contas. Interesse
de agir. Interesse de agir. Adequação da via eleita.
420
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
1.- A ação de prestação de contas não comporta a decretação de
rescisão ou resolução contratual ou a anulação de negócios jurídicos
nem tampouco a condenação pela prática de atos ilícitos.
2.- Não há que se falar em inadequação da via eleita, porém,
quando se discute se o desconto dos valores repassados pelo advogado
ao seu cliente correspondiam, de fato, aos honorários contratuais
avençados.
3.- Admite-se, no âmbito da ação de prestação de contas, o
acertamento das questões fáticas e jurídicas relacionadas à alegação de
descumprimento contratual.
4.- Recurso Especial provido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo
Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 22 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Sidnei Beneti, Relator
DJe 4.11.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Emília Silva Mello e Outros interpõem
Recurso Especial com fundamento nas alíneas a e c, da Constituição Federal,
contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relator
o Des. Jose Divino de Oliveira, assim ementado (fls. 290):
Processo Civil. Ação de prestação de contas. Serviços advocatícios. Propósito
de discutir as cláusulas relativas aos percentuais de êxito sobre as demandas
propostas.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
421
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Inadequação da via eleita. Extinção do processo.
1- A ação de prestação de contas não é a via adequada para discutir eventual
abusividade de cláusulas relativas a contrato de prestação dos serviços
advocatícios.
11 - Negou-se provimento.
2.- Os Embargos de Declaração foram rejeitados (e-STJ fl. 305-306).
3.- Os recorrentes alegam que o Tribunal de origem teria violado o artigo
535 do Código de Processo Civil ao deixar de se manifestar adequadamente
sobre os temas suscitados nos embargos de declaração.
Alegam ofensa ao artigo 551 do Código de Processo Civil, porque a
revisora teria recebido os autos em um dia e no dia seguinte, pedido dia para
julgamento, o que demonstra, segundo sustentam, que ela não teria estudado o
processo e, portanto, não teria exercido com critério o papel de revisora. Ressalta
que o seu voto não foi suscinto, mas inexistente.
Argumentam que a ação de prestação de contas seria via adequada para
discutir a distribuição e recebimento de verba honorária entre advogados e
cliente, sendo que que o Tribunal de origem, assim não entendendo, teria violado
os artigos 914; 915, I; e 917 do Código de Processo Civil e ainda divergido do
entendimento fixado em precedente desta Corte indicado como paradigma.
4.- Não admitido na origem, o Recurso Especial teve seguimento por força
de Agravo provido em sede de Agravo Regimental (fls. 424).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 5.- Consta dos autos que os
Recorrentes, condôminos do edifício Place Vendôme, teriam contratado os
Recorridos para ajuizar três ações judiciais contra o Grupo OK:
A primeira delas, uma ação cautelar, tinha por objetivo consignar as
prestações que alguns adquirentes deviam ao Grupo OK. A segunda ação, a
principal, visava a condenar o Grupo OK a indenizar defeitos de construção. A
terceira ação, tinha por objetivo a outorga das escrituras públicas referentes às
unidades habitacionais.
6.- Nesta última ação foi concedida tutela antecipada, determinadose a expedição das escrituras públicas, sob pena de multa diária. Transitada
422
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
em julgado a sentença que confirmou a antecipação de tutela, deu-se início
à execução da multa, com levantamento pelos Recorridos, da quantia de R$
173.482,56, dos quais teriam sido repassados aos Recorrentes, após descontados
os honorários advocatícios contratados, apenas R$ 21.616,79.
7.- Os Recorrentes ajuizaram, então, ação de prestação de contas contra
os Recorridos (fls. 05-16), alegando que estariam estes cobrando honorários
indevidos. Argumentam que o contrato celebrado entre as partes estipulava
estipulava a remuneração dos Recorridos com base em duas cláusulas de êxito:
uma correspondente a 3% sobre o valor venal dos imóveis e outra de 10% sobre
o montante que eventualmente viesse a ser recebido pelos Recorrentes, em razão
do trabalho contratado.
Afirmaram que não poderia ser cobrada a remuneração referente à 3%
sobre o valor venal dos imóveis, porque, segundo contratado, isso somente seria
possível depois que estivessem resolvidas todas as pendências existentes sobre a
documentação dos imóveis, o que não teria ocorrido.
Da mesma forma sustentaram que não poderia ter siso cobrada a verba
correspondente a 10% sobre o montante recebido a título de multa cominatória,
porque esse percentual remuneratório, estava relacionado aos valores que
eventualmente viessem a ser recebidos na ação principal de indenização por
vícios de construção, e não na ação proposta com o objetivo de receber as
escrituras públicas dos imóveis.
Além disso, a cláusula em referência teria sido revogada por outro contrato,
não escrito, que estipulava a incidência do percentual de 10% sobre o valor dos
imóveis indicados no IPTU ou no ITBI, e não sobre o valor venal do imóvel.
8.- A sentença extinguiu o feito sem julgamento do mérito, afirmando que
os Autores, ora Recorrentes, pretendiam, em última análise, revisar as cláusulas
do contrato, o que seria inviável em sede de ação de prestação de contas (fls.
232-234).
9.- O Tribunal de origem negou provimento ao recurso de apelação, sob o
fundamento de que a ação de prestação de contas não era via adequada para se
discutirem a validade e a forma de incidência das cláusulas contratuais relativas
à remuneração dos serviços contratados.
10.- O Recurso Especial colhe êxito apenas em parte.
11.- Não prospera a indicada ausência de prestação jurisdicional, porquanto
a matéria em exame foi devidamente enfrentada, emitindo-se pronunciamento
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
423
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de forma fundamentada e sem contradições. A jurisprudência desta Casa é
pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar
o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os
argumentos utilizados pela parte.
12.- Também não se acolhe a alegação de ofensa ao artigo 551 do Código
de Processo Civil. A alegação de que o revisor não poderia ter pedido dia
para julgamento da apelação no dia seguinte ao do recebimento do processo
não serve para sustentar a tese de ofensa à regra prevista naquele dispositivo
legal, muito pelo contrário serve para ratificar que o procedimento formal foi
regularmente observado.
O que ocorre é que os Recorrentes, muito embora tenham apontado como
violado o artigo 551 do Código de Processo Civil questionam, na verdade, a
própria fundamentação ou ausência de fundamentação do voto revisor e, nesse
sentido, o artigo tido por violado é insuficiente. Incide, assim, nesse particular, a
Súmula n. 284-STF.
13.- A matéria de fundo merece aprofundamento maior.
14.- A ação de prestação de contas apresenta, como se sabe, duas fases. Na
primeira fase, diz o caput do artigo 915 do Código de Processo Civil: “Aquele
que pretender exigir a prestação de contas requererá a citação do réu para, no
prazo de 5 (cinco) dias, as apresentar ou contestar a ação”.
Nessa fase, que é a do presente processo, o que se decide, portanto, ao
menos em princípio, é apenas se o réu da ação está ou não obrigado a prestar as
contas exigidas pelo autor, ou seja, se as partes estão ligadas em relação jurídica
de que decorra, por sua natureza, o dever de prestar contas e, bem assim, se tal
obrigação foi descumprida de modo a justificar a exigência judicial.
Na segunda fase é que cabe, propriamente, examinar as contas apresentadas
de modo a definir a eventual existência de saldo credor em favor de alguma das
partes. A sentença que encerra essa segunda fase é que vai, não só declarar a
conta certa, mas também criar a certeza quanto à existência de saldo devedor,
afirmando quem é credor e quem é devedor desse saldo.
Enquanto a natureza condenatória da sentença proferida na primeira fase
dessa peculiar ação funda-se, eminentemente, em declaração de obrigação de
fazer - de prestar contas, a natureza condenatória daquela proferida na segunda
fase estabelece concretamente, uma obrigação de pagar, inclusive com eficácia
executiva.
424
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
15.- No caso dos autos, o pedido de prestação de contas é dirigido a
Advogados que teriam recebido, em nome dos autores recorrentes, valores a
estes devidos.
Não há dúvida, portanto, de que, ao menos em princípio, está configurada
a obrigação de prestar contas resultante do princípio universal segundo o qual
todos aqueles que administram ou têm sob sua guarda bens alheios, devem
contas do fruto de sua gestão ao titular do direito administrado. No caso
específico do profissional Advogado, essa obrigação ainda mais se impõe ante
o disposto no artigo 34, XXI, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil), nos termos do qual constitui infração disciplinar do
advogado “recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias
recebidas dele ou de terceiros por conta dele”.
16.- As instâncias de origem, como relatado, extinguiram o processo sem
julgamento de mérito, por falta de interesse de agir.
16.1.- A mera existência de uma relação jurídica material de gestão de
bens ou interesses alheios não basta, como se pode imaginar, para afirmar que
a prestação de contas deva sempre ser feita em juízo. Se as partes se dispõem
ao acerto direto ou extrajudicial das contas, faltará, por óbvio interesse de agir,
configurando-se hipótese de carência de ação.
Havendo, porém, recusa de prestar contas, ou, ainda, verificada controvérsia
sobre a composição das verbas que hajam de integrar a o acerto, aí sim estará
presente o interesse de agir, assim entendido como o interesse-necessidade.
No caso dos autos, não há notícia de que as contas prestadas
extrajudicialmente tenham sido aceitas pelos Recorrentes, o que permite
concluir pela presença, em concreto, do interesse-necessidade no ajuizamento da
ação de prestação de contas.
16.2.- Também não falta aos Recorrentes interesse de agir sob a perspectiva
da utilidade no ajuizamento da ação (interesse-utilidade). Admitindo-se que
a segunda fase da prestação de contas pode resultar em provimento judicial
condenatório passível de execução, é de se concluir, por força de consequência,
no sentido de consubstanciar-se posição jurídica favorável aos Recorrentes.
16.3.- Finalmente, no que concerne à adequação da via eleita (interesseadequação) é de se reconhecer que, ao contrário do que afirmado pelas instâncias
de origem, a pretensão deduzida não está voltada, ao menos não em sua
integralidade, à revisão de cláusulas contratuais.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
425
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A sentença, destaca uma passagem da petição inicial (tópico 15) para
sustentar que a pretensão deduzida tem caráter revisional (fls. 09): Não assiste
razão aos réus quando pretendem receber 3% sobre o valor dos imóveis de cada um dos
autores; além de pretender mais 10% sobre o montante eventualmente recebido pelos
autores, a título de cláusula de êxito.
A interpretação de uma peça processual não pode ser feita, todavia, a partir
de partes estanques, devendo-se buscar o pedido e a causa de pedir manifestados
pela parte a partir da interpretação conjunta de toda a petição inicial.
No caso, não se podem desconsiderar as seguintes passagens (fls. 09-10):
15. Não assiste razão aos réus quando pretendem receber 3% sobre o valor dos
imóveis de cada um dos autores; além de pretender mais 10% sobre o montante
eventualmente recebido pelos autores, a título de cláusula de êxito.
16.- A uma, porque nos contratos de prestação de serviços advocatícios
firmados pelas partes a cláusula de êxito tem a seguinte redação:
(...)
16.- Ora, está evidente que a obrigação assumida pelos réus foi de resolver
todas as pendências existentes sobre a documentação dos imóveis em questão,
inclusive a indisponibilidade determinada (...).
18.- A duas, porque os autores não firmaram contrato com os réus para
pagamento desta cláusula de êxito de 10% sobre eventual recebimento de
quantias. É importante destacar que esta cláusula de êxito de 10% sobre eventuais
recebimentos de quantias ficou estipulada para a propositura da ação principal
que teve por objeto a indenização por defeitos de construção nas áreas comuns
do Condomínio e também nas áreas privativas das unidades (...)
19.- Assim, os réus, valendo-se dessa situação, tentam confundir os autores
para cobrar honorários que são indevidos. (...)
Como se vê, a tônica do pedido não remete à pretensão de revisão de
cláusulas. O que os Recorrentes sustentaram na petição inicial, em síntese, foi
que os Recorridos retiveram a título de honorários contratuais, valor superior
àquele que, nos termos do próprio contrato, estavam autorizados a reter.
Afirmou-se que os Recorridos não poderiam reter 3% sobre o valor venal
dos imóveis, na ação destinada à regularização da situação registrária relativa a
eles, porque esse seria o percentual devido em caso de adimplemento integral
das obrigações assumidas para aquele feito. Assim, se não foi realizado o serviço
contratado, não seria possível cobrar o percentual integral. A questão, como se
426
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
vê, não suscita revisão do contrato, mas a apuração do alegado descumprimento
contratual.
Afirmou-se, também, que, igualmente, não poderia ser retido o valor
correspondente a 10% sobre o valor recebido, porque essa era a remuneração
contratualmente estipulada para o êxito da ação em que se discutia os vícios
de construção do empreendimento. Assim, havia uma remuneração prevista
de forma independente, para caso de êxito de cada ação. Também aqui
inexiste qualquer pretensão revisional, sendo o caso, unicamente, de saber se
os Recorridos estavam ou não autorizados, por contrato, a reter o valor em
referência.
14.- HUMBERTO THEODORO JÚNIOR ensina que o objeto do
procedimento especial em análise não comporta a definição de situações
complexas, como as que envolvem a decretação de rescisão ou resolução
contratual ou a anulação de negócios jurídicos. Tampouco seria possível obter,
em sede de ação de prestação de contas, acrescenta o autor, a condenação pela
prática de atos ilícitos. Esses acertamentos devem ser todos realizados pelas
vias ordinárias (Curso de Direito Processual Civil. v. III. 42ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010. p. 82).
Esta Corte já teve a oportunidade de reconhecer essa circunstância,
conforme, aliás, bem identificado pelo próprio Tribunal de origem, no
julgamento do AgRg no Ag n. 276.180-MG, 4ª Turma, Relator o E. Ministro
Aldir Passarinho, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa:
Processual Civil. Ação de prestação de contas.
Propósito de discutir a validade de cláusulas contratuais.
Impropriedade da via eleita.
I. Configurado, segundo o quadro fático dos autos delineado na instância
a quo, o real propósito da autora em discutir a própria validade das cláusulas
contratuais, inservível a tanto o uso da ação de prestação de contas.
II. Agravo improvido.
(AgRg no Ag n. 276.180-MG, 4ª Turma, Relator o E. Ministro Aldir Passarinho, DJ
de 5.11.2001).
No caso dos autos, porém, como assinalado, não se busca solucionar
questão de elevada complexidade. A pretensão formulada, ao menos em sua
maior parte, não é de revisar, nem de anular, nem de rescindir o contrato. O que
se pede, essencialmente, que se seja verificado os Recorridos estavam ou não
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
427
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
autorizados, pelo próprio contrato, a reter a título de remuneração pelos serviços
prestados, o valor que efetivamente retiveram.
Com efeito, a única parte da petição inicial em que se veicula, realmente
uma pretensão revisional, é aquela, em que os Recorrentes afirmam que a
remuneração correspondente a 3% sobre o valor do imóvel deveria tomar por
base o valor do bem indicado no IPTU, e não o valor venal, como consta do
contrato escrito, porque assim, acordado verbalmente.
Quanto ao mais, o acertamento das questões fáticas e jurídicas envolvidas
na causa está absolutamente compreendido nos parâmetros normais que,
ordinariamente, se apresentam em uma ação de prestação de contas, não
havendo, por isso, que se falar em falta de interesse de agir, por inadequação da
via eleita.
15.- Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial,
determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de 1º Grau a fim de que, superada
a preliminar de carência de ação, prossiga no julgamento da causa como entender
de direito.
RECURSO ESPECIAL N. 1.371.842-SP (2012/0218194-1)
Relator: Ministro Sidnei Beneti
Recorrente: Ricardo Nicotra
Advogados: Reinaldo José Fernandes
André Luis Bergamaschi e outro(s)
Recorrido: União Central Brasileira da Igreja Adventista do Sétimo Dia
Advogados: Misael Lima Barreto Júnior
Adriana C F L de Carvalho
José Sérgio Miranda e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Ação de revogação de doação com restituição
de valores. Dízimos e outras contribuições. Improcedência do pedido.
428
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
1.- A contribuição do dízimo como ato de voluntariedade,
dever de consciência religiosa e demonstração de gratidão e fé não
se enquadra na definição do contrato típico de doação, na forma em
que caracterizado no art. 538 do Código Civil, não sendo, portanto,
suscetível de revogação.
2.- Ademais, a doação lato sensu a instituições religiosas ocorre
em favor da pessoa jurídica da associação e não da pessoa física do
pastor, padre ou religioso que a representa. Desse modo, a rigor, a
doação não pode ser revogada por ingratidão, tendo em vista que o
ato de um membro - pessoa física - não tem o condão de macular
o pagamento do dízimo realizado em benefício da entidade, pessoa
jurídica.
3.- Recurso Especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas
Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Dr(a). José Sérgio Miranda, pela parte recorrida: União Central Brasileira
da Igreja Adventista do Sétimo Dia
Brasília (DF), 19 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Sidnei Beneti, Relator
DJe 17.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Ricardo Nicotra interpôs Recurso
Especial fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra
Acórdão unânime do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Rel. Des.
Alvaro Passos), assim ementado (e-STJ fls. 360):
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Revogação de doação c.c. restituição de valores. Improcedência. Contribuição
do dízimo. Dever de consciência religiosa que não tem natureza de doação.
Pagamentos que se constituíam em obrigação. Devolução. Descabimento.
Quantias que foram dadas em cumprimento a regra estabelecida pela igreja
e aceita espontaneamente pelo fiel. Ratificação dos fundamentos do decisum.
Aplicação do art. 252 do RITJSP. Recurso improvido.
2.- Houve a interposição de Embargos de Declaração (e-STJ fls. 367-370),
que foram rejeitados (e-STJ fls. 372-376).
3.- As razões recursais alegaram violação dos arts. 538 e 557, III, do
Código Civil, além de dissídio jurisprudencial, sustentando, em síntese, que
as doações realizadas pelo recorrente à igreja são passíveis de revogação por
ingratidão.
4.- Contra-arrazoado (e-STJ fls. 468-480), o recurso não foi admitido
(e-STJ fls. 485-486), ensejando a interposição de Agravo (e-STJ fls. 491-499),
o qual foi improvido (e-STJ fls. 511-513), tornando-se sem efeito essa decisão,
com a determinação de reautuação do Agravo como Recurso Especial, em juízo
de reconsideração em Agravo Regimental (e-STJ fls. 539-540).
É o breve relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 5.- Narram os autos que o
autor, ora recorrente, frequentou a igreja ré, ora recorrida, para a qual destinou
contribuições em dinheiro, no período compreendido entre 16.12.1992 e
1.12.1999, atingindo a importância de R$ 34.179,70 (já acrescidos de juros de
6% ao ano e correção monetária), e que a partir do ano de 2000, teria deixado de
fazer as referidas contribuições.
6.- Todavia, em 23.3.2002, um pastor da igreja ter-lhe-ia dirigido palavras
ofensivas, quando saía de um culto na companhia da namorada, ocasião em que
teria sido chamado de “diabo, invejoso e vagabundo”, vindo a ser expulso da
instituição religiosa.
7.- Afirmou que o comportamento do representante da igreja teria sido
causado por um artigo denominado “Pastor do Milhão”, publicado na internet,
cuja autoria lhe teria sido equivocadamente imputada.
8.- Sustentou que os fatos narrados o levaram a solicitar a instauração de
inquérito policial para apuração de crime contra a honra, o qual foi arquivado, e
430
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
a ajuizar ação de indenização por danos morais no Juizado Cível, bem como a
propor a presente ação de revogação das doações, com a consequente restituição
das quantias doadas.
9.- Julgado improcedente o pedido (e-STJ fls. 314-319), o autor, ora
recorrente, apelou (e-STJ fls. 321-329), tendo sido o recurso improvido pelo
Tribunal estadual, aos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 363):
(...).
Como sustentado com singular precisão na r. sentença apelada, os pagamentos
ao longo dos anos se deram em razão do cumprimento de preceito religioso,
apoiado na crença do autor que o levou a aceitar e a se submeter ao pagamento
de dízimo como prova, justamente, de sua fé e aceitação dos mandamentos de
sua igreja. Neste sentido, os pagamentos vão muito além de meras doações, feitos
por liberalidade ou gratidão. Eram mais do que isso, constituíam-se em obrigação
e como tal foram cumpridas.
10.- Duas são as finalidades deduzidas no presente recurso: primeiro,
definir a qualificação jurídica das contribuições feitas por fiéis a entidades
religiosas – em especial da contribuição denominada “dízimo” – como sendo
contrato de doação; e, segundo, determinar a consequência da revogação por
ingratidão.
11.- O art. 5º , VI, da Constituição Federal consigna que é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às
suas liturgias.
12.- Por sua vez, a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação com base na Religião ou
Crença, adotada em 1981, documento fundamental que protege os direitos
religiosos, inclui entre os direitos relativos à liberdade de pensamento, consciência
e religião, o de solicitar e receber contribuições financeiras voluntárias e outras
de indivíduos e instituições.
13.- É longa a história do denominado dízimo religioso, cujas características
vem se ajustando nos diversos sistemas jurídicos. Clássicas exposições históricas
colhem-se em MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA DE LOBÃO (“Dízimos
Eclesiásticos e Oblações Pias”, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867) e DOM
OSCAR DE OLIVEIRA, Arcebispo de Mariana (“Os Dízimos Eclesiásticos
do Brasil nos Períodos da Colônia e do Império”, Belo Horizonte, Universidade
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
431
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de Minas Gerais, 1964). Inquestionáveis nos tempos históricos, “a partir do
século XIII, o poder laico inicia contra os dízimos uma luta, de que se encontram
abundantes traços nos estudos comunais” (Enciclopedia Italiana di Scienze,
Lettere ed Arti”, Istituto Giovanni Treccani, MCMXXXXI-X, p. 461, Verbete
“Le Decime Ecclesiatiche”).
Na “História da Igreja em Portugal”, de FORTUNATO DE ALMEIDA,
anota-se que “era antiga na igreja e foi tirada do Antigo Testamento a tradição
dos dízimos eclesiásticos, aos que se deu também o nome de décimas, por
consistirem no pagamento da décima parte dos frutos” (“História da Igreja em
Portugal, Porto, Portucalense Editora, Nova Edição preparada e dirigida por
Damião Peres, Nova ed., vol. 1, p. 114).
14.- Ressalta JOSÉ FERNANDO SIMÃO (Natureza jurídica do dízimo
e da doação: aparente semelhança, mas grandes e insuperáveis diferenças, RIDB,
Ano 2 (2013) n. 9, 10.357) que “Ao lado das ofertas, sacrifícios ou oferendas de
cunho religioso, cujo primeiro registro bíblico sobre o tema aponta Caim trazendo
à Divindade os frutos que plantara, e Abel, as primícias do seu rebanho (Gen. 4,
3-4), um dos registros mais antigos do ato de dizimar encontra-se também na Torah,
constituída pelos Cinco Livros de Moisés (Pentateuco), livro considerado sagrado pelos
hebreus e fonte primeira do direito da-quela nação (cerca de 1500 anos antes da era
cristã), conforme ensina Vicente Ráo, e verifica-se no fato de Abraão – considerado
pai dos hebreus e dos árabes –, após sair-se vitorioso em batalha que empreendera
contra cinco reis que haviam levado cativo seu sobrinho Ló juntamente com diversos
morado-res e bens de cidades adjacentes, como ato de gratidão pelo êxito na libertação
dos cativos e recuperação de seus bens, ao ser saudado e abençoado por Melquisedeque,
rei de Salém, mencionado também como ‘sacerdote do Deus Altíssimo’, entregou-lhe o
dízimo de tudo quanto possuía (Gen. 14, 12-20). obra “Ao lado das ofertas, sacrifícios
ou oferendas de cunho re-ligioso, cujo primeiro registro bíblico sobre o tema aponta
Caim trazendo à Divindade os frutos que plantara, e Abel, as primícias do seu
rebanho (Gen. 4, 3-4), um dos registros mais antigos do ato de dizimar encontrase também na Torah, cons-tituída pelos Cinco Livros de Moisés (Pentateuco), livro
considerado sagrado pelos hebreus e fonte primeira do direito da-quela nação (cerca
de 1500 anos antes da era cristã), conforme ensina Vicente Ráo, e verifica-se no fato
de Abraão – considerado pai dos hebreus e dos árabes –, após sair-se vitorioso em
batalha que empreendera contra cinco reis que haviam levado cativo seu sobrinho
Ló juntamente com diversos moradores e bens de cidades adjacentes, como ato de
gratidão pelo êxito na libertação dos cativos e recuperação de seus bens, ao ser saudado
e abençoado por Melquisedeque, rei de Salém, mencionado também como ‘sacerdote do
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Deus Altíssimo’, entregou-lhe o dízimo de tudo quanto possuía (Gen. 14, 12-20).”
(ob. cit, p. 10.362 e ss).
15.- Nesse norte histórico, extrai-se que a contribuição realizada pelos
membros das igrejas, como regra, decorre de um dever de consciência religiosa,
representado por ato que caracteriza como manifestação da própria fé, bem
como da gratidão pelas dádivas recebidas, sendo de se salientar que nenhuma
instituição religiosa teria condições de manter as suas atividades sem as
contribuições financeiras dos fiéis.
16.- Diante da sua origem no dever religioso, avulta a dificuldade de se
inserir o pagamento do dízimo no conceito de doação, previsto no Código Civil
como o “contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio
bens ou vantagens para o de outra.”
É de se ter presente que o vocábulo doação admite duas acepções: a
doação em sentido amplo, assim como é entendido pelo senso comum, e o
negócio jurídico denominado doação, este último, como contrato típico, é objeto
do dispositivo legal retro transcrito. Em sentido amplo, qualquer atribuição
patrimonial a alguém, sem contrapartida, pode ser considerada doação, mas no
sentido estrito, só a doação como contrato típico sujeita-se às disciplinas deste,
entre as quais a revogabilidade.
17.- Uma doação que ocorre como cumprimento de um dever de
consciência, porém, como é o caso das contribuições realizadas às instituições
religiosas, é, sob o aspecto jurídico, fruto de liberalidade derivada da consciência
religiosa. Lembre-se que, segundo o magistério de J. M. CARVALHO
SANTOS, nem toda liberalidade é doação:
De fato, a liberalidade não é incompatível com o pagamento, mas este o é com
a doação, o que é coisa muito diversa, de vez que nem toda liberalidade é doação.
Para que haja doação, é essencial que a liberalidade seja toda espontânea, sem
nenhum resquício de constrangimento nem de violência. Por isso mesmo, onde
há o cumprimento de uma obrigação, não é de doação, em suma, embora seja
liberalidade, exige mais alguma coisa do que esta.
Essa alguma coisa que ela exige é precisamente que o doador não empobreça
ou desfalque seu patrimônio, enriquecendo o do donatário.
Ora, na hipótese de pagamento de uma obrigação de consciência, em rigor,
não há o enriquecimento do credor, por isso que, ele, para ser havido como
credor, embora sem direito à ação para exigir o pagamento, algum serviço
prestou, alguma importância desembolsou.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
433
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Quer dizer: pagando uma obrigação de consciência, não faz uma doação o
devedor. Cumpre um dever, faz uma liberalidade, que não é doação.
(Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XVI, 1986, Ed. Livraria Freias Bastos,
12ª ed., p. 322).
18.- Nessa linha de entendimento, deve-se concluir que o pagamento do
dízimo não constitui contrato típico de doação, o qual pressupõe a existência
do animus donandi, ou seja, o desejo do doador de que a vantagem implique em
enriquecimento do donatário.
19.- Em verdade, no caso em análise, corretamente ressaltou o Juiz
sentenciante, Alexandre David Malfatti: “quando o autor contribuiu com os
chamados ‘dízimos santos’ para a igreja ré (fls. 25-80), o fez como parte de sua
fé e dentro de uma liberalidade sua, mas para satisfação dos preceitos de sua
religião. Poderia se dizer, fora do campo da pura liberalidade, que cumpriu uma
obrigação religiosa - aliás, o dízimo é figura comum a várias religiões, como é
cediço.” (e-STJ fls. 317)
Anote-se, destacando a exaustiva fundamentação, Acórdão de natureza
penal do Superior Tribunal Militar, concluiu, com a maior largueza, que “o
Estado não pode controlar dízimos” (Rel. Min. Maria Elizabeth Guimarães
Teixeira Rocha, DJe 22.2.2011, em “Ciência Jurídica”, ano XXV, vol. 159, Maio/
junho/2011, p. 99-138).
20.- Há que se considerar, outrossim, que a doação lato sensu a instituições
religiosas ocorre em favor da pessoa jurídica da associação e não da pessoa física
do pastor, padre ou da autoridade religiosa que a representa. Nesse contexto, a
doação não pode ser revogada por ingratidão, tendo em vista que o ato de um
membro - pessoa física - não tem o condão de macular a doação realizada em
benefício da entidade, pessoa jurídica, como dever de consciência religiosa.
Nessa esteira, quanto à Igreja Adventista do Sétimo Dia, ora recorrida,
veja-se que no art. 8º, § 1º, do seu Estatuto Social dispõe:
A União Central é a única entidade patrimonial, sendo vedado aos Órgãos
Administrativos Regionais e demais estabelecimentos formalizar a aquisição em
nome destes.
21.- Em suma, o que se deve concluir é que o dízimo como ato de
voluntariedade fundado no dever de consciência religiosa e demonstração de
gratidão e fé não se enquadra na definição de doação, como contrato típico, na
434
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
forma do que dispõe o art. 538 do Código Civil, não sendo suscetível, portanto,
de revogação.
Assim, em que pese a injúria já submetida a julgamento no âmbito penal,
não cabe, no presente caso, impor a devolução das quantias que foram dadas
em cumprimento à regra estabelecida pela igreja e aceitas espontaneamente em
razão da crença religiosa.
22.- Destaque-se, todavia, que o presente julgamento atém-se aos
fundamentos jurídicos e ao pedido em que formulados, os quais fornecem a
identificação da lide ora julgada, não abrangendo outros eventuais fundamentos
jurídicos e pedidos diversos, ensejados pela questão relativa a pagamento de
dízimo (p. ex., vício de ato jurídico, coação moral irresistível etc), matéria
passível de variada espécie de questionamentos (p. ex., por todos, LUIZ
FELIPE RIBEIRO COELHO, “O Dízimo Ilegal”, Direito & Justiça, Correio
Braziliense, 6.10.2008, p. 3), de modo que outras eventuais questões que
em outros processos porventura se apresentem sobre a matéria deverão ser
solucionadas ao exame de cada caso concreto.
23.- Pelo exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
RECURSO ESPECIAL N. 1.413.192-RJ (2013/0219831-9)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Recorrido: Clube de Regatas do Flamengo
Advogados: Rafael Cavalcanti Cid
Andre Toste Van e outro(s)
EMENTA
Civil. Consumidor. Estatuto do Torcedor. Recurso especial.
Programa Sócio Torcedor. Passaporte rubro-negro. Validade.
1. Ação coletiva de consumo ajuizada pelo recorrente em
fevereiro de 2010. Recurso especial distribuído em 27.8.2013. Decisão
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
determinando a reautuação do agravo em recurso especial publicada
em 9.10.2013.
2. Recurso especial no qual se discute a validade de parte do
programa de relacionamento do Clube de Regatas Flamengo, e seus
torcedores, denominado “cidadão rubro-negro”, notadamente do
chamado passaporte rubro-negro, que outorga facilidades na aquisição
de ingressos para jogos de futebol, entre outras prerrogativas.
3. O torcedor, frente ao ordenamento protetivo, acha-se
resguardado, primeiro, por Lei específica (Lei n. 10.671/2003 Estatuto do Torcedor) e também, pelo CDC - Lei n. 8.078/1990 -, a
segunda sendo utilizada em caráter subsidiário, tanto na sua aplicação
principiológica, quanto normativa – quando não houver regulação
específica.
4. Os programas de relacionamento entre clubes e torcedores,
têm, por característica comum, a fidelização do torcedor aos eventos
do clube – mormente às partidas de futebol nas quais o mando de
campo pertença ao time – sendo esse o objetivo primário perseguido
pela agremiação desportiva, da qual decorrem, por óbvio, acréscimos
financeiros diretos – oriundos das contribuições dos torcedores e do
aumento da freqüência aos estádios –, e indiretos – como aumento
no valor de quotas de transmissão televisiva e de negociações de
patrocínios, existindo vantagens, também para o torcedor, que além
do imaterial amor ao clube, recebem como estímulo, para a filiação ao
programa, descontos na compra de ingressos, facilidades na obtenção
desses, pagamento direto na catraca, no dia do jogo, etc.
6. As balizas para a verificação de possível perpetração de
ilegalidade, passa então pela análise, in casu, de possível agressão
dos contornos garantistas preconizados nos arts. 13 e 20, § 2º, da
Lei n. 10.671/2003 – o primeiro exigindo a segurança dos locais
das competições antes, durante e depois dos eventos, e o segundo
prevendo a agilidade e acesso à informação, na venda de ingressos.
7. Essa proteção é impositiva, mas a circunstância de um
determinado programa de fidelização prever facilidades outras,
não o torna discriminatório, ou ilegal, tão só pelo plus que agrega.
É necessário se constatar a existência de vulneração ao mínimo,
legalmente ou contextualmente, fixado.
436
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
8. A singela homogeneização de tratamento entre os sócios
torcedores e os demais torcedores, ou possíveis expectadores de um
determinado jogo de futebol, frustra a implementação desse válido
sistema de apoio ao Clube, pois, os programas que premiam, de alguma
forma, a participação do torcedor na vida financeira do seu clube
têm, por ínsito, a outorga de vantagens aos sócio-torcedores, essas
tidas como qualquer elemento diferenciador em relação aos demais
torcedores não participantes do programa, que superam os padrões
legais mínimos, pois esses são garantias mínimas, não vantagens.
9. Possível inadequação do clube em relação ao legal dever de
qualidade no fornecimento do serviço deve ser discutida judicialmente,
de forma solteira, sem o indevido atrelamento ao lídimo programa de
relacionamento estabelecido pelo clube recorrido.
10. Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.Os Srs. Ministros
Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram
com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João
Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 19 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJe 29.11.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto
por Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, fundamentado na alínea a do
permissivo constitucional.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
437
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ação: coletiva de consumo, com pedido liminar, ajuizada pelo recorrente,
em face de Clube de Regatas do Flamengo, pela qual se busca fixar obrigação
de fazer consistente na disponibilização a todos os torcedores interessados,
sem custo prévio, do cartão pré-pago, recarregável, denominado passaporte
rubro-negro, assim bem como, a devolução do que já foi cobrado dos atuais
possuidores do referido cartão.
Sentença: julgou improcedente o pedido.
Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, em
julgado assim ementado:
Apelação Cível. Ação Civil Pública. Sentença de improcedência. Práticas
abusivas por Clube de Futebol não comprovadas. Programa que visa benefícios
para o torcedor filiado. Sentença que se mantém. Desprovimento do recurso.
Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados.
Recurso especial: alega violação dos arts. 6º do CDC; 13, 20 e 21 do
Estatuto do Torcedor.
Sustenta que a prática de condicionar a venda com facilidades à aquisição
do passaporte rubro-negro fere a igualdade nas contratações de onde se origina
sua abusividade.
Aponta também, que as referidas vantagens ofertadas não se
consubstanciam como tal, porquanto são serviços que deveriam ordinariamente
ser oferecidos aos torcedores.
Parecer do Ministério Público Federal: de lavra do Subprocurador-Geral
da República Moacir Guimarães Morais Filho, pelo não provimento do recurso
especial.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): 1. Cinge-se a controvérsia em
dizer da validade de parte do programa de relacionamento do Clube de Regatas
Flamengo, e seus torcedores, denominado “cidadão rubro-negro”, notadamente
do chamado passaporte rubro-negro que outorga facilidades na aquisição de
ingressos para jogos de futebol, entre outras prerrogativas.
438
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
1. Do prequestionamento
2. Embora o acórdão recorrido seja extremamente sintético na apreciação
da insurgência construída pelo Ministério Público Estadual, na origem, é
possível se vislumbrar o debate que é mote central deste recurso especial, o que
basta para suprir a exigência de prequestionamento da matéria.
3. De outro turno, a questão, tal qual formulada no recurso especial,
não atrai o empeço da S. n. 7-STJ, pois se trata, na essência de se discutir a
possibilidade, frente às leis de defesa dos torcedores e dos consumidores, de se
criar prerrogativas para alguns destes, mediante paga e filiação à programa de
relacionamentos clube-torcedor.
2. Lineamentos gerais
4. Os programas de relacionamento que atualmente proliferam entre os
clubes e seus torcedores, de regra, estabelecem uma determinada contribuição ao
Sócio-Torcedor que, além de obter algumas vantagens como compra antecipada
de ingressos e descontos variados no valor dos mesmos, proporciona-lhe o
retorno imaterial de estar ajudando seu clube.
5. Colhe-se, do site do recorrido, os padrões de regulamentação do
programa de relacionamentos que mantém, atualmente denominado Nação
Rubro-Negra:
O que é o Nação Rubro-Negra?
É a chance de cada um dos 40 milhões de torcedores fazer a diferença. Você
assina e ajuda o Flamengo a se transformar no time que você sempre quis ver
em campo: com muitos títulos para o Mengão! E ainda ganha uma série de
benefícios, como compra de ingressos, promoções exclusivas e acesso à rede de
descontos do Movimento por Um Futebol Melhor.
Para onde vai o dinheiro do pagamento do Nação Rubro-Negra?
O Nação Rubro-Negra é uma nova fonte de receitas do Mengão para investir
em contratações e infraestrutura. Com a sua assinatura e a da massa rubro-negra
seremos a grande potência esportiva do planeta.
O que eu ganho ao me tornar um integrante do Nação Rubro-Negra?
Além de colaborar para o Flamengo voltar a ser o maior time de futebol do
mundo, você também recebe benefícios como: compra online antecipada de
ingressos, acesso à rede de descontos do Movimento Por Um Futebol Melhor,
cartão ingresso personalizado, perfil no site oficial do clube e participação em
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
439
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
promoções exclusivas. Os integrantes dos planos +Paixão, Paixão e +Amor
também tem direito a uma comunicação direta sobre informação de abertura de
venda de ingressos e countdown de fechamento das vendas.
(Disponível em “https://www.nrnoficial.com.br/site/faq/categoria/1”).
6. Em seu recurso especial, o Ministério Público Estadual pugnou pela
declaração da ilegalidade do chamado “passaporte rubro-negro” item constante
do programa de relacionamento, sobre o qual discorre:
(...) é manifesto o equívoco do posicionamento adotado. Não colhe argumentar
que se trata de mero programa de estreitamento de laços com o clube. Dúvida
não padece que o Flamengo pode instituir um programa de relacionamento
(Cidadão Rubro Negro) com seus torcedores, concedendo benefícios àqueles que
se associarem. No entanto, ao estipular entre as vantagens do referido programa
o “Passaporte Rubro Negro”, cartão recarregável que possibilita a aquisição de
ingressos para os jogos com, no mínimo, dois dias de antecedência da abertura
das vendas na bilheteria e que pode ser usado diretamente nas catracas dos
estádios, mediante a cobrança de R$ 396,00, o Clube recorrido está outorgando
ao portador do passaporte aquilo que tem a obrigação legal de conceder a todos
os torcedores: a compra do seu ingresso com agilidade, segurança, racionalidade
e conforto. (fls. 312-313, e-STJ).
3. Da validade do passaporte rubro negro – violação dos arts. 13, 20 §
2º e 21 da Lei n. 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor –, e art. 6º, II e IV do
CDC.
7. A validade dos programas de relacionamento entre clubes de futebol
e seus torcedores, como bem salientou o próprio recorrente, nas razões de seu
recurso, não é questionada neste recurso especial, que apenas se volta contra uma
fração desse programa implementado pelo recorrido.
8. No entanto a matriz orientadora da criação desses programas tem
reflexos em todos os aspectos do seu desenvolvimento, repercutindo, in casu,
inclusive no denominado passaporte rubro negro.
9. Vislumbrando, por primeiro, a condição do torcedor frente ao
ordenamento protetivo, vê-se que, embora haja umbilical aproximação entre
o torcedor e o consumidor, que é dessumida, inclusive, do amarrilho feito
pelo legislador quando equiparou, por exemplo, a entidade organizadora
da competição e a agremiação detentora do mando do jogo, a fornecedores
caracterizados pela Lei n. 8.078/1990 (art. 3º da 10.671/2003), impossível não
440
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
se reconhecer que o torcedor ostenta traços distintivos, que exigem ponderações
próprias, tanto assim que mereceram legislação protetiva particular.
10. Fração desses peculiares estigmas é vislumbrada na redação do art. 2º
do Estatuto do Torcedor, onde se fixa que “Torcedor é toda pessoa que aprecie,
apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a
prática de determinada modalidade esportiva” (sem grifos no original).
11. As várias facetas admitidas como forma de ser torcedor: o apreciador,
o apoiador, o associado ou o mero expectador que obtém informações ou assiste
aos eventos esportivos pela televisão, dão o tom singular desses relacionamentos,
pois a cada um se reservam expectativas protegidas legalmente, e outras tantas
não amparadas pela lei consumerista, pois dizem respeito às peculiaridades
desse microcosmo.
12. Note-se, não se está repudiando a aplicação do CDC à espécie, mas tão
só, dando-lhe caráter subsidiário, tanto na sua aplicação principiológica, quanto
normativa – quando não houver regulação específica.
13. Assim, cabe se analisar a existência da alegada abusividade ou
vulneração da obrigatoriedade de igualdade nas contratações, sob o foco
conjugado do Estatuto do Torcedor e suas singularidades e do Código de
Defesa do Consumidor.
14. Rizzato Nunes, tratando do tema isonomia, em sua obra sobre o
Direito do Consumidor, afirma que:
Mas para aferição da adequação ao princípio da igualdade é necessário levar
em conta outros aspectos. Todos eles têm de ser avaliados de maneira harmônica:
se adotado o critério discriminatório, este tem de estar conectado logicamente
com o tratamento jurídico atribuído em face da desigualdade apontada. Além
disso, há que existir afinidade entre essa correição lógica e os valores protegidos
pelo ordenamento constitucional. Ou seja, nenhum elemento, isoladamente,
poderá ser tido como válido ou inválido para verificação da isonomia. É o conjunto
que poderá designar o cumprimento ou não da violação da norma constitucional
(NUNES, Rizzato, in: Curso de direito do Consumidor, 7ª ed., São Paulo: Saraiva,
2012, p. 74).
15. E sob esse enfoque, solve-se a controvérsia, não pela vedação de
situações distintas – essas não impedidas por lei –, mas pela verificação sobre a
efetividade dos padrões legais mínimos de atendimento para qualquer torcedor
– circunstância que fragilizada, daria ensejo à declaração de abusividade ou de
agressão à igualdade.
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
441
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
16. Além dessa questão, também merece crivo a justificativa lógica da
desigualdade verificada, porque somente atendido esse requisito, se perquirirá
sobre o anterior. E quanto a esse, de se dizer que a fórmula de marketing
denominada de “marketing de relacionamento dirigido” se calca em três
elementos básicos, descritos por Tatiana de Albuquerque como triplo pilar:
O primeiro é o relacionamento, que estabelece um canal de comunicação
direta com o cliente, uma relação interativa. O outro pilar é o reconhecimento,
a oferta de benéficos que diferencie o cliente dos demais, que o faça se sentir
parte de um grupo especial, e por último, a recompensa, que oferece prêmios
proporcionais ao seu consumo, visando incentivar o cliente a aumentar o seu
consumo tradicional. (disponível em: http://www.mktdireto.com.br/mrd.html).
17. Tratando especificamente de programas de relacionamento entre
clubes e torcedores, têm, por característica comum, a fidelização do torcedor
aos eventos do clube – mormente às partidas de futebol nas quais o mando
de campo pertença ao clube – sendo esse o objetivo primário perseguido pela
agremiação desportiva, da qual decorrem, por óbvio, acréscimos financeiros
diretos – oriundos das contribuições dos torcedores e do aumento dos torcedores
em estádios –, e indiretos – como aumento no valor de quotas de transmissão
televisiva e de negociações de patrocínios.
18. De parte do torcedor, também existem vantagens consubstanciadas no
que o excerto denomina de vantagens, que além do imaterial amor ao clube, vêm
como estímulo à filiação ao programa, e se traduzem em descontos na compra
de ingressos, facilidades na obtenção desses, pagamento direto na catraca, no dia
do jogo, etc.
19. Recente matéria jornalística, analisando esse fenômeno que cada vez
mais se dissemina no desporto nacional, traduziu bem esse relacionamento:
Ser torcedor fiel de um time se tornou bom negócio dentro e fora dos
estádios. Frequentadores habituais dos jogos de seus clubes têm vantagens
como preferência na compra dos ingressos, que em muitas situações podem
ser adquiridos com desconto. E mesmo quem não tem o hábito ou não pode
acompanhar o time in loco tem benefícios. Dispõe, por exemplo, de descontos no
preço de centenas de produtos e de vários serviços.
Para isso, é preciso fidelidade, estar ligado ao clube por meio de um plano de
sócio-torcedor. Tais programas já existem há alguns anos no País e atualmente
são adotados pelos principais clubes. Têm passado por mudanças constantes,
dentro de um processo de aperfeiçoamento, e em janeiro deste ano ganharam
442
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
um significativo empurrão: o lançamento do Movimento por um Futebol Melhor,
que agregou benefícios aos projetos tocados pelos clubes.
(Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/esportes, clubes apostam-em-programas-de-socio-torcedor-como-fonte-de-renda,1085059,0.
htp).
20. Agrega-se a todos esses dados, um elemento imaterial que talvez seja
a principal força motriz desses programas: a paixão do torcedor pelo seu clube,
fato que, não raras vezes, leva-o a se associar a um programa de relacionamento,
tão-só para ajudar seu clube financeiramente.
21. Assim, não é possível se divisar nesses programas de relacionamento
– mesmo quando tisnam alguns torcedores com algumas vantagens – alguma
abusividade ou vulneração da obrigatoriedade de igualdade nas contratações (art.
6º, II e IV do CDC), pois dizem de relacionamento ímpar, onde a motivação
nem sempre é a obtenção de regalias, mas sim de contribuição efetiva com a
melhoria do clube.
22. Bordas objetivas, que transpassadas, inquinem um desses programas
com ilegalidade, somente ocorrerão se os serviços mínimos preconizados em lei
não forem disponibilizados a todos, e sim, somente aos associados a determinado
programa de relacionamento.
23. Vem daí os contornos garantistas dos arts. 13 e 20, § 2º, da Lei n.
10.671/2003 – o primeiro exigindo a segurança dos locais das competições
antes, durante e depois dos eventos, e o segundo prevendo a agilidade e acesso à
informação, na venda de ingressos.
24. Essa proteção é impositiva, mas a circunstância de um determinado
programa de fidelização prever facilidades outras, não o torna discriminatório,
ou ilegal, tão só pelo plus que agrega. É necessário, repita-se, constatar-se a
existência de vulneração ao mínimo, legalmente ou contextualmente, fixado.
25. E aqui, em subsunção do contexto fático à tese firmada, o sintético
acórdão recorrido consignou que:
como bem salientado pelo juízo a quo, “ao contrário do afirmado na inicial, não
constitui condição para aquisição do ingresso, pela internet ou pelo call center, a
prévia aquisição do Passaporte Rubro Negro”.
Não há duvida de que o passaporte não é um cartão pré-pago, tanto que o
torcedor de posse do referido passaporte terá que recarrega-lo para comprar o
ingresso. (fls. 287-288, e-STJ).
RSTJ, a. 26, (233): 325-445, janeiro/março 2014
443
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
26. Vê-se, do excerto, que diferentemente do que foi afirmado pelo
Ministério Público estadual, os torcedores mesmo sem aderirem ao programa
de relacionamento do clube recorrido, continuam tendo acesso à compra de
ingressos, tanto fisicamente quanto por meio eletrônico.
27. Frise-se, pela apreciação dos fatos na origem, o programa de
relacionamento não cria, por meio do referido passaporte rubro-negro, empeço
intransponível ou dificuldade maior na aquisição dos ingressos, tanto assim,
que dificilmente se verifica a completa lotação dos estádios de futebol e, mesmo
quando essa ocorre, não se veda a aquisição de ingressos àqueles que não tenham
o passaporte, mas apenas os remete para os meios comuns.
28. De outra banda, não se descura das dificuldades hoje existentes para
o cidadão adquirir ingressos para determinados espetáculos esportivos, tanto
assim, que Luiz Flávio Gomes, e outros, afirmam sobre o tema que:
O que se vê, na maioria das vezes, é o sacrifício do torcedor-consumidor em
filas enormes, casos de violência causada pela desorganização das vendas e o
assédio de cambistas que usam dos mais condenáveis artifícios para achacar
torcedores e “obrigá-los” a optar pela compra por preços escorchantes, ao invés
de busca-los nos pontos de venda oficiais e previamente estabelecidos. (GOMES,
Luiz Flávio ...[et al.], in: Estatuto do Torcedor comentado, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 63).
29. Porém, se esse serviço ofertado ao torcedor é tão deficiente quanto
pugna o recorrente, a solução passa por pedido expresso de cumprimento das
determinações do Estatuto do Torcedor, notadamente dos próprios dispositivos
citados, e não pela homogeneização de tratamento entre os sócios torcedores
e os demais torcedores, ou possíveis expectadores de um determinado jogo de
futebol.
30. A própria norma é o fiel para verificação das garantias mínimas do
torcedor: disponibilização de ingressos com o mínimo de 72 h (art. 20, caput,
da Lei n. 10.671/2003); implementação de sistemas de facilitação de compra
de ingressos (art. 20, § 2º, da Lei n. 10.671/2003); pulverização dos pontos de
venda (art. 20, § 2º, da Lei n. 10.671/2003) etc.
31. As prerrogativas que venham a ser instituídas em favor do sóciotorcedor, personagem, que como dito anteriormente, representa relevante aporte
de recursos diretos e indiretos ao clube, não infirmam esse mínimo legal.
32. Os programas que premiam, de alguma forma, a participação do
torcedor na vida financeira do clube têm, por ínsito, a outorga de vantagens aos
444
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
sócio-torcedores, essas tidas como qualquer elemento diferenciador em relação
aos demais torcedores não participantes do programa, devendo ainda, superarem
os padrões legais mínimos, pois esses são garantias, não vantagens.
33. Atendidos esses pressupostos, não se vislumbra a ilegalidade do
denominado passaporte rubro-negro.
34. Possível inadequação do clube em relação ao legal dever de qualidade
no fornecimento do serviço deve ser discutida judicialmente, de forma solteira,
sem o indevido atrelamento ao lídimo programa de relacionamento estabelecido
pelo clube recorrido.
35. Forte em tais razões, nego provimento ao recurso especial.
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445
Quarta Turma
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL N. 737.860-PR (2005/0049322-1)
Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira
Agravante: GEAP Fundação de Seguridade Social
Advogados: Chrystian Junqueira Rossato e outro(s)
Rafael D’alessandro Calaf
Agravado: Ademar José Pamplona e outros
Advogados: Karine Saggin e outro(s)
Wilton Vicente Paese e outro(s)
EMENTA
Direito Civil. Plano de Pecúlio Facultativo – evento morte.
Rescisão do contrato. Ação ordinária para restituição de todas as
prestações pagas. Obrigação de natureza pessoal. Prescrição vintenária
(art. 177 do CC/1916).
1. Prescreve em 20 (vinte) anos, nos termos do art. 177 do
CC/1916 (fatos e ajuizamento da ação ocorridos na vigência do
Código revogado), ação ordinária na qual se postula, em decorrência
da rescisão do contrato com a ré por vontade dos autores, a restituição de
todas as parcelas pagas ao longo da relação contratual. Isso porque
se discutem as consequências obrigacionais, de natureza pessoal, da
mencionada rescisão contratual. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo
regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo (Presidente) e Maria Isabel
Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 19 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator
DJe 3.12.2013
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se de agravo regimental
interposto pela Fundação de Seguridade Social – GEAP (e-STJ fls. 1.134-1.140)
contra decisão desta relatoria que, reconsiderando decisão anterior apenas
relativamente ao tema da prescrição, negou provimento integralmente ao recurso
especial da ora agravante “para declarar que o prazo prescricional é de 20 (vinte)
anos, na forma do art. 177 do CC/1916” (e-STJ fl. 1.130).
Alega ser aplicável a prescrição quinquenal, pois se trata de Plano de
Pecúlio Facultativo, cujo benefício decorre do evento morte. “Logo, a qualquer
momento em que ocorresse o evento morte, os beneficiários receberiam o pecúlio
delimitado por força contratual. Por isso, a Geap vem cumprindo sua obrigação
em relação aos associados. Trata-se de cumprimento contratual e faz menção à
Estabilidade das Relações Jurídicas” (fl. 1.139). Acrescenta que as diretrizes
definidas legalmente “compõem as premissas atuariais dos planos, sendo
componentes fundamentais dos cálculos de equilíbrio. Guardam ainda, relação
com a preservação do propósito previdenciário dos planos, ou seja, se todo
cancelamento de inscrição possibilitasse o resgate de contribuições, as entidades teriam
caráter meramente depositário e nenhum plano suportaria arcar com os compromissos
prometidos” (e-STJ fl. 1.139).
Conclui que, “nessa conformidade, a ação pretende cobrar as contribuições
vertidas ao PPF, sendo que estas são as únicas fontes de custeio deste. É dizer:
pretendem os Agravantes parcelas devidas por planos de previdência privada”
(e-STJ fl. 1.139). A prescrição seria, então quinquenal.
Cita o acórdão proferido no julgamento do REsp n. 450.352-RS, Relator
Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ de 3.2.2004.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): A insurgência não
merece ser acolhida.
A agravante apresentou razões pertinentes ao mérito da ação, informando
que a pretensão deduzida não teria respaldo nenhum. Entretanto, o que se
decidiu na decisão agravada foi, apenas, o prazo prescricional para a demanda.
450
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Ademais, o precedente indicado no regimental (REsp n. 450.352-RS)
aplicou o prazo prescricional de 5 (cinco) anos porque, naquela hipótese,
postulou-se judicialmente a revisão de pensão decorrente de previdência privada
e o recebimento das respectivas diferenças pretéritas, o que, evidentemente, não
ocorre no caso presente.
Enfim, a agravante não trouxe nenhum argumento capaz de afastar os
termos da decisão agravada, razão pela qual deve ser mantida por seus próprios
fundamentos:
Agravo regimental interposto por Ademar José Pamplona e outros contra
apenas parte da decisão de fls. 1.085-1.089, especificamente no ponto em que
proveu o recurso especial da ora agravada para aplicar a Súmula n. 291 do STJ,
declarando “que o prazo prescricional é de cinco anos”, não de vinte anos.
Alegam os agravantes que o acórdão do Tribunal de origem deve ser mantido,
“uma vez que trata a presente demanda de ação visando à restituição de parcelas
que os ora Agravantes pagaram ao Plano de Pecúlio Facultativo mantido pela
Agravada, o prazo a ser aplicado é o vintenário, nos termos do artigo 177, caput,
do Código Civil de 1916, já que se trata de ação de âmbito de direito pessoal” (fl.
1.111).
Citam precedentes e impugnam a Súmula n. 291 do STJ e os julgados referidos
na decisão agravada, os quais, segundo os recorrentes, não servem para o caso
dos autos.
É o relatório.
Decido.
Com efeito, não se postulam, neste processo, parcelas ou diferenças de
complementação de aposentadoria nem saldos de reservas de poupança pagas
em valor menor que o devido, no âmbito da vigente relação contratual.
A ação ordinária foi proposta pelos agravantes contra a agravada requerendo
a restituição dos “valores de parcelas de contribuição ao Plano de Pecúlio
Facultativo-PPF” (fl. 11). Para tanto, narram na petição inicial que “os Autores são
funcionários autárquicos aposentados na função de Auditor-Fiscal da Previdência
Social, e como funcionários públicos têm direito aos benefícios previstos nos
Planos instituídos pela GEAP, a qual tem por finalidade promover a melhoria
da qualidade de vida dos Participantes, mediante a administração de planos
solidários de Previdência Complementar, Saúde e Assistência Social” – grifos
meus (fl. 7). Explicam os autores, igualmente, que, “desde quando os Autores se
associaram ao referido Plano de Pecúlio Facultativo-PPF, têm recolhido através de
desconto em folha o percentual em espécie do valor referente ao pagamento do
prêmio, estabelecido com relação ao valor do pecúlio instituído” (fl. 8).
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
451
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ainda na petição inicial, alegam que, após encerrados os contratos de trabalho
em decorrência de aposentadorias, “os Autores requereram o desligamento em
caráter definitivo do referido Plano de Pecúlio Facultativo-PPF, com a expectativa
de receber em devolução o valor das contribuições pagas mediante desconto em
folha” (fl. 8). Entretanto, “em resposta aos requerimentos [...] receberam da GEAP a
comunicação de que o pleito de resgate das contribuições pagas não poderia ser
atendido, porque o cancelamento voluntário implicaria na perda do benefício” (fl.
8).
A ré, por sua vez, na sua contestação, confirmou que o efetuado cancelamento
de inscrição no plano de pecúlio “decorrente da volição do próprio participante
não autoriza a devolução das contribuições suportadas para tal plano” (fls. 306307).
Resumidamente, pede-se na inicial, em decorrência da rescisão do contrato com
a ré, a restituição de todas as parcelas pagas ao longo da relação contratual, agora
extinta por vontade dos autores. Com isso, tem-se que debater, não o contrato
propriamente dito, mas as consequências obrigacionais, de natureza pessoal, da
mencionada rescisão por vontade de apenas uma das partes.
O prazo prescricional, assim, não é o quinquenal previsto na Súmula n. 291 do
STJ, mas vintenário, na forma do art. 177 do CC/1916 (considerando que a ação foi
ajuizada em 21.11.2000).
Nesse sentido, os seguintes precedentes das Turmas de Direito Privado:
Agravo regimental no recurso especial. Previdência privada. Ação de
rescisão contratual. Prescrição. Relação obrigacional. Aplicação do art. 177
do Código Civil de 1916 vigente à época dos fatos.
1. A prescrição da ação de cobrança de parcelas devidas por planos de
previdência privada é quinquenal, consoante entendimento cristalizado na
Súmula n. 291-STJ.
2. Na hipótese de ação de rescisão do contrato firmado com a entidade
de previdência privada, uma vez configurada relação obrigacional de
natureza pessoal, incide a prescrição vintenária, prevista no art. 177 do
Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos.
3. O participante do plano de previdência privada tem direito à
restituição da totalidade das contribuições pessoais vertidas ao plano,
atualizado monetariamente, quando do seu desligamento, sob pena de
enriquecimento ilícito da entidade contratada.
4. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp n. 623.855-RS, Relator
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 13.3.2013).
Agravo regimental no agravo em recurso especial. Previdência privada.
Ação de rescisão contratual c/ devolução de valores pagos. Violação aos
452
Jurisprudência da QUARTA TURMA
artigos 165, 458 e 535 do CPC. Inocorrência. Prescrição. Súmula n. 83 do
STJ. Reexame fático-probatório e interpretação de cláusulas contratuais.
Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ. Agravo a que se nega provimento.
1. Não há que se cogitar e ofensa aos artigos 165, 458 e 535, do CPC,
quando o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes à solução
da lide e declinou os fundamentos nos quais suportou as conclusões
assumidas, de forma lógica e coerente.
2. Estando o acórdão recorrido em harmonia com a orientação firmada
nesta Corte Superior, o recurso especial não merece ser conhecido, ante a
incidência da Súmula n. 83 do STJ.
3. Alterar a conclusão da Corte local, acerca da restituição das parcelas
pagas, demandaria reexame do acervo fático-probatório e interpretação
de cláusulas contratuais, o que atrai a incidência das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ,
impedindo o conhecimento do recurso.
4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp n.
104.452-MS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de
20.9.2013).
Agravo regimental. Previdência privada. Restituição de valores referentes
a contribuições pagas à entidade de previdência privada. Prescrição. Não
ocorrência. Precedentes. Recurso improvido (AgRg no Ag n. 1.376.456-MS,
Relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe de 13.9.2012).
Agravo regimental no agravo de instrumento. Recurso que deixa de
impugnar especificamente todos os fundamentos da decisão agravada.
Incidência, por analogia, da Súmula n. 182 do STJ. Precedentes. Ausência de
prequestionamento de dispositivo legal. Incidência da Súmula n. 282-STF. O
CDC é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e
seus participantes. Súmula n. 321-STJ. Não pretende o agravado a anulação
do contrato mas sim a sua rescisão. Não violação das Súmulas n. 291 e n.
427-STJ. O agravado não se enquadra na situação de ex-contratante ou de
atual segurado da entidade previdenciária. Inaplicabilidade da prescrição
quinquenal. Pretensão de rescisão contratual. Possibilidade. Restituição da
totalidade das contribuições pessoais vertidas ao plano.
Agravo regimental improvido (AgRg no REsp n. 692.959-RS, Relator
Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 31.8.2010).
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Previdência privada.
Devolução integral do montante. Rescisão de contrato de trabalho.
Prescrição. Prazo vintenário. Divergência jurisprudencial. Não
demonstração. Fixação dos honorários advocatícios. Súmula n. 7-STJ.
1 - Tratando-se de ação na qual os associados a plano de previdência
privada, em razão da rescisão do contrato, buscam a restituição de
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
453
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
montante pago antes da implementação do termo, esta ação possui
natureza obrigacional, cujo prazo de prescrição é vintenário, a teor do art.
177 do Código Civil. Precedentes.
2 - Impossível aferir, em recurso especial, percentuais e valores da
condenação para concluir ou não pela sucumbência em parte mínima do
pedido, tampouco há espaço para fixação minuciosa do quantum de custas
e de honorários advocatícios, pois são intentos que demandam inegável
incursão na seara fático-probatória de cada demanda, vedada pela Súmula
n. 7-STJ.
3 - Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante
das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único, do
Código de Processo Civil, c.c. o art. 255 do RISTJ), de confronto entre o
acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas como divergentes,
mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os
casos confrontados - indispensável inclusive nas hipóteses de divergência
notória. Ausente a demonstração analítica do dissenso, incide a censura
Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal.
4 - Agravo regimental desprovido (AgRg no Ag n. 685.136-RS, Relator
Ministro Fernando Gonçalves, DJe de 31.8.2009).
Previdência privada. Previ. Restituição das contribuições a exempregado. Prescrição vintenária. Artigo 177 do Código Civil de 1916.
Atualização monetária. Inclusão dos expurgos inflacionários. Cabimento.
Termo inicial. Março de 1980.
I – Nos casos em que os associados, em razão da rescisão do contrato,
buscam a restituição dos valores pagos, antes da implementação do termo,
revela a ação relação obrigacional de natureza pessoal, sujeita, portanto,
à prescrição vintenária, em consonância com o artigo 177 do Código
Civil de 1916; não a qüinqüenal, nos termos do artigo 178, § 10, II, desse
mesmo diploma legal, cuja aplicação está adstrita à percepção das parcelas
oriundas de planos de previdência privada, assim entendidas as prestações
de trato sucessivo, representadas por rendas vitalícias ou temporárias.
II – A restituição das contribuições destinadas às entidades de
previdência privada deve se dar de forma plena, utilizando-se no cálculo da
atualização monetária índice que reflita a real desvalorização da moeda no
período, ainda que outro tenha sido avençado.
III - À mingua de determinação legal obrigando a devolução das
contribuições efetivadas enquanto custeado o sistema sob a forma de
repartição de capital de cobertura e levando-se em conta que o atual
estatuto somente passou a viger quando de sua aprovação pela Portaria n.
2.033, de 4.3.1980, esta é a data a partir da qual deverão ser devolvidas as
contribuições do ex-associado.
454
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Recurso especial parcialmente provido (REsp n. 665.300-RS, Relator
Ministro Castro Filho, Terceira Turma, DJe de 23.5.2005).
Para afastar qualquer dúvida, os Recursos Especiais n. 1.110.561-SP e n.
1.111.973-SP, Relator Ministro Sidnei Beneti, Segunda Seção, DJe de 6.11.2009,
julgados na mesma sessão sob o regime dos recursos repetitivos, firmaram
jurisprudência, tão somente, no sentido de que “a prescrição quinquenal
prevista na Súmula do STJ n. 291 incide não apenas na cobrança de parcelas de
complementação de aposentadoria, mas, também, por aplicação analógica, na
pretensão a diferenças de correção monetária incidentes, sobre restituição da
reserva de poupança, cujo termo inicial é a data em que houver a devolução
a menor das contribuições pessoais recolhidas pelo associado ao plano
previdenciário”.
O caso dos repetitivos acima referidos, sem dúvida, não guarda semelhança
com o presente feito.
Diante do exposto, reconsidero a decisão agravada apenas na parte relativa
à prescrição – única objeto deste regimental –, para declarar que o prazo
prescricional é de 20 (vinte) anos, na forma do art. 177 do CC/1916, conforme
reconhecido pelo Tribunal de origem, e negar provimento integralmente ao
recurso especial da GEAP.
Publique-se e intimem-se (e-STJ fls. 1.127-1.131).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 169.172-SP (2010/0067246-5)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Impetrante: Daniel Adolpho Daltin Assis
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: R A A C (internado)
EMENTA
Habeas corpus. Ação civil de interdição cumulada com internação
compulsória. Possibilidade. Necessidade de parecer médico e
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
455
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
fundamentação na Lei n. 10.216/2001. Existência na espécie.
Exigência de submeter o paciente a recursos extra-hospitalares antes
da medida de internação. Dispensa em hipóteses excepcionais
1. A internação compulsória deve ser evitada, quando possível,
e somente adotada como última opção, em defesa do internado
e, secundariamente, da própria sociedade. É claro, portanto, o seu
caráter excepcional, exigindo-se, para sua imposição, laudo médico
circunstanciado que comprove a necessidade de tal medida.
2. A interdição civil com internação compulsória, tal como
determinada pelas instâncias inferiores, encontra fundamento jurídico
tanto na Lei n. 10.216/2001 quanto no artigo 1.777 do Código Civil.
No caso, foi cumprido o requisito legal para a imposição da medida de
internação compulsória, tendo em vista que a internação do paciente
está lastreada em laudos médicos.
3. Diante do quadro até então apresentado pelos laudos já
apreciados pelas instâncias inferiores, entender de modo diverso, no
caso concreto, seria pretender que o Poder Público se portasse como
mero espectador, fazendo prevalecer o direito de ir e vir do paciente,
em prejuízo de seu próprio direito à vida.
4. O art. 4º da Lei n. 10.216/2001 dispõe: “A internação, em
qualquer de suas modalidades, só será iniciada quando os recursos extrahospitalares se mostrarem insuficientes.” Tal dispositivo contém ressalva
em sua parte final, dispensando a aplicação dos recursos extrahospitalares se houver demonstração efetiva da insuficiência de tais
medidas. Essa é exatamente a situação dos autos, haja vista ser notória
a insuficiência de medidas extra-hospitalares, conforme se extrai dos
laudos invocados no acórdão impugnado.
5. É cediço não caber na angusta via do habeas corpus, em razão de
seu rito célere e desprovido de dilação probatória, exame aprofundado
de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as
instâncias inferiores formaram sua convicção.
6. O documento novo consistente em relatório do Subcomitê
de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes - (SPT) da Organização das Nações
Unidas (ONU) não pode ser apreciado por esta Corte sob pena de
supressão de instância.
456
Jurisprudência da QUARTA TURMA
7. A internação compulsória em sede de ação de interdição,
como é o caso dos autos, não tem caráter penal, não devendo ser
comparada à medida de segurança ou à medida socioeducativa à que
esteve submetido no passado o paciente em face do cometimento de
atos infracionais análogos a homicídio e estupro. Não se ambiciona
nos presentes autos aplicar sanção ao ora paciente, seja na espécie de
pena, seja na forma de medida de segurança. Por meio da interdição
civil com internação compulsória resguarda-se a vida do próprio
interditando e, secundariamente, a segurança da sociedade.
8. Não foi apreciada pela Corte de origem suspeição ou
impedimento em relação à perícia, questionamento a respeito da
periodicidade das avaliações periciais, bem como o pedido de inserção
do paciente no programa federal De Volta Para Casa. A jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que
não se conhece de habeas corpus cuja matéria não foi objeto de decisão
pela Corte de Justiça estadual, sob pena de indevida supressão de
instância. (HC n. 165.236-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta
Turma, julgado em 5.11.2013, DJe 11.11.2013; HC n. 228.848-SP,
Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em
24.10.2013, DJe 4.11.2013).
9. Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem de “habeas corpus”,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo
(Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 10 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 5.2.2014
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Cuida-se de writ impetrado pelo
advogado Daniel Adolpho Dantin Assis a favor de RAAC, decorrente de ação
de interdição cumulada com determinação de internação hospitalar compulsória
proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face do paciente.
Na inicial da ação de interdição o Parquet narra que o réu, ora paciente,
praticou delito grave e de grande repercussão nacional - quando ainda menor
-, alegando ainda que este possui transtorno orgânico de personalidade e
retardamento leve; intensa agressividade latente, impulsividade, irritabilidade
e periculosidade, não estando apto ao retorno ao convívio social, carecendo de
tratamento em regime de internação compulsória, em local adequado, o que
o impediria de praticar por si os atos da vida civil, bem como de conviver em
sociedade.
O magistrado de piso decretou a interdição de RAAC, declarando-o
absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, bem
como determinou sua internação compulsória em estabelecimento psiquiátrico
compatível e seguro (fls. 33-41).
Sobreveio habeas corpus no Tribunal de origem, que manteve a decisão do r.
Juízo a quo, nos termos da seguinte ementa (fls. 43-54):
Habeas corpus. Interdição. Internação compulsória. Jovem adulto que, quando
adolescente, participou de duplo latrocínio praticado com requintes de extrema
crueldade, violência sexual e demonstração de frieza. Vários diagnósticos,
omitidos no writ de mal psicológico que o torna perigoso para si e para outrem.
Necessidade da internação para conter a tendência violenta do jovem. Medida
terapêutica necessária na tentativa de recuperação de doente mental.
Irresignado, Daniel Adolpho Daltin Assis impetrou o presente habeas
corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, em favor
de RAAC, aduzindo que o paciente se encontra atualmente privado de sua
liberdade em razão de ordem manifestamente ilegal, em estabelecimento
absolutamente desconforme denominado Unidade Experimental de Saúde, e
que a medida não encontra guarida em qualquer diploma legal.
Sustenta que a contenção experimentada pelo paciente é
fundamentadamente distinta de internação psiquiátrica compulsória,
preconizada pela Lei n. 10.216/2001.
458
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Afirma que o acórdão recorrido buscou fundamento no procedimento
para apuração de ato infracional que resultou na internação socioeducativa do
paciente - provas não trazidas por nenhuma das partes -, o que é descabido por
não haver em tal procedimento administrativo nada acerca do comportamento
clínico do paciente que evidencie a necessidade de internação psiquiátrica.
Aduz não ter havido a produção de laudo médico circunstanciado
recomendando a internação, nos termos do art. 6º da Lei n. 10.216/2001.
Assevera ser o caso de concessão da ordem ao menos para se outorgar um
modelo de desinternação progressiva, a exemplo do programa federal De Volta
Para Casa.
Pretende, pois, a decretação da nulidade do acórdão impugnado e a
cassação da sentença na parte em que determina a internação compulsória do
paciente. Subsidiariamente, requer seja determinada a imediata transferência do
paciente para hospital psiquiátrico, com duas ressalvas: a) não poderá aguardar
sua transferência por mais de cinco dias no local onde se encontra, de modo
que, superado o prazo, poderá aguardar a vaga em liberdade; b) assim que
encaminhado para um hospital psiquiátrico ficará a critério do corpo clínico do
referido equipamento decidir se o caso é de internação ou não, segundo critérios
exclusivamente médicos, independentemente de alvará judicial.
Subsidiariamente, ainda, pleiteia que seja concedida a ordem para
determinar reavaliações sobre a necessidade da custódia a cada três meses, no
máximo, por equipe multiprofissional da qual não participem os peritos que já
avaliaram o caso.
Por fim, requer seja o paciente incluído no programa federal De Volta Para
Casa, nos termos da Lei n. 10.708/2003, bem como seja o causídico intimado
para sustentação oral.
A liminar foi indeferida pelo então relator originário, Ministro Arnaldo
Esteves Lima (fl. 71).
Informações prestadas às fls. 79-178, 198-203, 207-246, 250-255, 256451, 529-530, 533-535, 536-705, 708-710 e 711-714.
Nos autos da ação de interdição com determinação de internação
compulsória, após o julgamento da apelação, foram interpostos recursos especial
e extraordinário, denegados na origem. O agravo de instrumento ao Superior
Tribunal de Justiça (Ag n. 1.320.086) não foi conhecido, com trânsito em
julgado em 13.9.2011. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, proferiu
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
459
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
decisão em 18.10.2011 dando provimento ao Agravo de Instrumento n. 810.193
e determinando sua conversão em recurso extraordinário, reautuado como RE n.
667.307, com vista ao Ministério Público Federal desde 6.6.2013.
Outrossim, o Juízo informou que foi agendada perícia no interditado na
data de 28.11.2013 (fl. 709).
O Ministério Público Federal ofertou parecer nos seguintes termos (fls.
182-188):
Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente: medida socioeducativa.
Interdição: internação hospitalar
1) A medida de internação compulsória decorrente de interdição (art. 1.777
do CC), ainda que não tenha caráter penal, pode ser questionada por meio de
habeas corpus, pois implica privação ou restrição da liberdade de locomoção do
internado.
2) No caso em análise, foram elaborados laudos psicológicos e psiquiátricos, os
quais são unânimes e coerentes em afirmar a inaptidão do paciente/interdito ao
convívio social.
3) Embora a Lei n. 10.216/2001 (dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadores de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental) contenha a previsão de que a internação só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º), no caso
em análise, é notória a insuficiência de medidas extra-hospitalares, conforme se
extrai dos laudos psicológicos e psiquiátricos. Não se pode olvidar também o ato
infracional praticado pelo adolescente, ora paciente, o qual deu ensejo à aplicação
da medida socioeducativa de internação (estupro e homicídio de um casal de
jovens). Assim, ao cabo do cumprimento da medida socioeducativa de internação
pelo prazo de três anos, torna-se desnecessário e temerário experimentar-se
outro recurso terapêutico, extra-hospitalar, que lhe propicie o convívio social que
os peritos desacolheram.
4) A internação decorrente da interdição tem natureza diversa daquela a
que o paciente estava sujeito. A primeira, de natureza socioeducativa, tinha
também aspecto retributivo, pelo ato infracional por ele praticado. A presente, é
de natureza civil e tem finalidade médica, além de proteção da sociedade.
Parecer pela concessão parcial da ordem, apenas para que o paciente seja
recolhido em estabelecimento correcional onde se encontra, mas isolado de outros
adolescentes que cumprem medida socioeducativa por ato infracional.
O impetrante peticionou sustentando a existência de fato novo consistente
em relatório sobre a visita ao Brasil do Subcomitê de Prevenção da Tortura e
460
Jurisprudência da QUARTA TURMA
outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, tecendo
comentários a respeito da Unidade Experimental de Saúde (fls. 467-504).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A controvérsia em
exame é quanto à possibilidade ou não de internação compulsória, no âmbito
de ação de interdição, quando escoado o prazo de cumprimento de medida
socioeducativa de internação.
O paciente, quando adolescente, em 1º de novembro de 2003, esteve
envolvido em crime bárbaro (estupro e homicídio), com ampla repercussão
nacional, tendo-lhe sido aplicada a medida socioeducativa de internação. Ocorre
que, em data próxima à extinção do cumprimento de 3 anos de internação,
o Ministério Público ingressou com ação de interdição, cumulada com
determinação de internação psiquiátrica compulsória.
A sentença, após rejeitar as preliminares, dispôs (fls. 33-41):
[...]
Do Merito Os pedidos formulados são procedentes. Da interdição “A ação e a
sentença de interdição tem por fito organizar a defesa do incapaz e assegurar a
eficácia erga omnes.” (Pontes de Miranda - Comentários ao Código de Processo
Civil, Tomo XVI. Forense. RJ. 1977. p. 368). Durante o cumprimento da medida
sócio educativa na Fundação do Bem Estar do Menor, o interditando foi submetido
a avaliações psicológicas e sociais (fls. 115-122; 144-147) que apuraram uma
deficiência no jovem que deveria ser melhor apreciada por uma junta de
profissionais da área, bem como submetê-lo a exames. Nesta fase inicial chamou
a atenção o histórico familiar do interditando, que mostrou dificuldade em se
expressar; dificuldade na escola, destacando que foi reprovado cinco vezes na
terceira série primária até que desistiu; fez uso de drogas, tem uma avó com
problemas psiquiátricos; familiares com antecedentes criminais, aos quinze anos
submeteu-se à exame neurológico com eletroencefalograma e usou
medicamento com prescrição médica (fls. 122). O médico psiquiatra da Febem Dr.
Paulo Sérgio Calvo, em dezembro de 2003 (fls. 123), concluiu que o jovem
apresentava desenvolvimento mental retardado de grau moderado, demonstrando
comprometimento das capacidades de discernimento, entendimento e
determinação. O médico Dr. Merval Marques Figueiredo Junior (fls. 146) avaliou o
jovem destacou o desenvolvimento intelectivo e a tendência anti-social do
interditando, suspeitando na oportunidade da deficiência mental, em razão de
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
461
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente. Submetido a exames na
Sociedade Rorschach (fls. 174-180) no resultado dos exames a que o jovem se
submeteu consta: A) quanto ao pensamento: “No protocolo em exame verificamos
a ausência de fatores determinantes indicativos da intervenção no pensamento
de processos cognitivos racionais (...), prevalecendo os determinantes que
traduzem imaturidade psíquica (...). Apesar da intervenção de concepções
irracionais no pensamento lógico, o examinando mostra-se capaz de voltar a sua
atenção para o que ocorre no ambiente, e mesmo de aprender com experiências
concretas (...), mobilizando sua memória e seu recursos subjetivos ao enfrentar
situações novas (...).” “O nível de elaboração e integração das experiências
apresenta-se demasiadamente rebaixado em ambos os conjuntos de estímulos,
indicando que as concepções do examinando pautam-se em impressões
imediatas, com elaboração mínima do significado das situações.” (grifo nosso). B)
Faixa de interesse e categorização verbal: “A comunicação verbal do examinando
é precária, ele tem dificuldade em expressar suas idéias e de nomear os objetos
percebidos durante a prova. O ritmo de suas verbalizações é instável demasiadamente lento, com intervalos longos entre as frases, ou mais rápido,
quando a sua voz se eleva ligeiramente e as palavras se atropelam.” (...) “O
examinando não foi capaz de expressar qualquer interesse socialmente mais
diferenciado (arte, cultura, paisagem, abstração, ciêncía=O) e apenas elaborou
uma imagem humana integral, prevalecendo apenas as imagens parciais de mãos,
braços, olhos, tronco sem cabeça (...). Tal fato indica extrema pobreza de
conhecimentos culturalmente mais diferenciados mas sobretudo dificuldade em
compreender a complexidade do comportamento humano - tanto em relação a si
próprio (...) como no que se refere no comportamento alheio (...). A elaboração da
única figura humana percebida foi distorcida e sem qualquer recurso ao processo
de abstração: Uma mulher que cortou um braço, perdeu uma perna e só tem a outra.
E mulher porque usa tamanco” (III) - conteúdo mórbido que ressalta a deformidade
da imagem. A fragmentação da imagem humana em partes isoladas (...) indica no
caso, percepção imatura e parcial do comportamento alheio.” (grifo nosso). C)
Processo de adaptação à realidade: (...) O examinando não consegue adaptar-se
às condições da realidade de modo racional e flexível, embora mantenha ligação
emocional e interesse pelo que ocorre no ambiente (...)”. “Adaptação à realidade
não deve ser confundida com noção de realidade. O examinando tem noção de
realidade, porém, concebe os fatos de modo pueril e imaturo, reagindo segundo
impulsos afetivos primários em detrimento do julgamento de realidade e afastase de valores e normas sociais em circunstâncias onde diminui a consciência
refletida e prevalece o impacto afetivo. Apenas em condições afetivamente
neutras é que o examinando consegue expressar sociabilidade adequada, porém,
submete-se à elas de modo rígido, sem qualquer auto afirmação ou criatividade.”
D) - Disposições conativas: “(..) A instabilidade conativa e a reduzida capacidade
de planejamento afetam a adaptação criadora e produtiva ao ambiente, o que
provoca uma discrepância entre as aspirações do examinando e a auto-confiança
para realizá-las” E) - Condições afetivo emocionais - “O examinando não dispõe de
462
Jurisprudência da QUARTA TURMA
recursos subjetivos suficientemente amadurecidos e racionais para controlar a
sua impulsividade quando se encontra sob tensão emocional. Ainda que em
experiências da vida cotidiana quando o estímulo afetivo se limita à mobilização
do interesse pelos eventos externos (conjunto monocromátíco), o examinando
atue de modo concreto estereotipado, submetendo sua conduta às regras sociais
de convívio com os demais, quando baixa a sua consciência (cansaço; tensão ou
sob ação de drogas) e sob impacto de provocações afetivas ele perde o controle
de seus impulsos agressivos.” O interditando foi, novamente, submetido à
avaliação médica e a conclusão foi no sentido da existência de distúrbio de
personalidade, retardo mental leve, conduta anti-social, ausência de crítica e
julgamento (fls. 197-200). Já com dezessete anos e nove meses novo relatório (fls.
228-241) foi feito à respeito do jovem cuja conclusão foi “Roberto é um jovem com
limitações na complexidade em desenvolver-se enquanto pessoa de direito.” Outros
relatórios da Febem instituição que nos últimos anos está em contato direto com
o interditando foram redigidos como o mesmo resultado. Entretanto, já com 20
(vinte) anos de idade Roberto foi submetido a exames por psicólogos e psiquiatras
do Hospital das Clínicas que apuraram que o Interditando não apresenta
transtornos mentais que determinem necessidade de internação e tratamento
(fls. 1.229-1.235), destacaram que ele tem deficiência intelectual, mas que não
tem benefícios a auferir de qualquer medida de internação, na fundação casa, ou
outra instituição para transtornos mentais. Estes mesmos profissionais que
concluíram a assertiva acima deixaram expresso no laudo que: No período em
que foi acompanhado pela nossa equipe, Roberto demonstrou interesse em sua
situação, e ao longo do acompanhamento não revelou resposta significativa de
abstração que sugerisse indicativos de uma melhor adaptação, já que por suas
limitações intelectuais e personalidade imatura, ele carece de habilidade para
julgar adequadamente situações sociais, tendendo agir conforme as orientações
que recebe. (grifo nosso)” Vale dizer, mesmo da avaliação feita pelos profissionais
do Hospital das Clínicas de São Paulo é possível aferir que Roberto, por si só, não
consegue gerir sua vida, pois “ele carece de habilidade para julgar adequadamente
situações sociais.” Por derradeiro, Roberto foi submetido à equipe do Instituto de
Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo, doravante designado
apenas de IMESC que realizou a perícia no Interditando para este processo (fls.
1.263-1.266). Este exame, que observa os ditames legais, levou em consideração
todos os já realizados, contato pessoal com o interditando e concluiu (fls. 1.266):
“O examinando Roberto Aparecido Alves Cardoso é portador de história objetiva,
subjetiva, dados objetivos e exame psíquico compatível com Retardo Mental de Leve
para Moderado (CID F70/71) e Transtorna de Personalidade Dissocial (CID F 60.2),
piorado pelo uso de alcoólicos e drogas, tendo sua capacidade de entendimento
reduzida e, por conta da somatória de problemática de ordem mental, absolutamente
incapaz de auto determinação. Assemelha-se e gera efeitos, neste caso, estritamente
sob o ponto de vista médíco legal, á doença mental. É sob o ponto de vista médico
legal, absoluta e permanentemente incapaz de reger sua vida e administrar seus bens
e interesses.” Pois bem, as provas são suficientes a indicarem que o interditando é
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463
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
absolutamente incapaz, pois, por enfermidade e deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para os atos da vida civil (artigo 1.767, inciso I do CPC).
De efeito, conforme classificação do Código Internacional de Doenças (CID) F60
transtorno de personalidade, trata-se de distúrbios graves da constituição
caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo, não diretamente
imputáveis a uma doença, lesão ou outra afecção cerebral ou a um outro
transtorno psiquiátrico. Estes distúrbios compreendem habitualmente vários
elementos da personalidade, acompanham-se em geral a angústia pessoal e
desorganização social; aparecem habitualmerute durante a infância ou a
adolescência e persistem de modo duradouro na idade adulta. Segundo a perícia
do IMESC, Roberto é portador de personalidade anti-social (fls. 1.307), que segundo
CID - F60.2 consiste na personalidade dissocial, isto é: “Transtorno de
personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de
empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento
e as normas sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio
considerável, entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O
comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas,
inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e a um baixo
limiar de descarga de agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a
culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um
comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.
Personalidade (transtorno da): amoral; anti-social; associal; psicopática,
sociopática. A interdição civil abrange as pessoas dotadas de sociopatia
(personalidade dissocial) como no vertente caso, porque, conforme a legislação
vigente, dar-se-á curatela aos que sofrem de enfermidade ou deficiência mental
grave que os privem completamente da razão, “nessa situação os portadores de
alguma anomalia psíquica, como os alienados mentais e os psicopatas. (nesse
sentido: professor Militon Paulo de Arvalho Filho - Código Civil Comentado. São
Paulo, Manole. 2007. coordenador Ministro Cezar Peluso, p. 1.752).
Insofismavelmente, a compreensão dos problemas da mente é complexa para a
Medicina e para o Direito, visto existir uma variação de pequenos distúrbios, até a
completa alienação. Porém, quando o legislador tratou do absolutamente
incapaz, os que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos (artigo 3, inciso II do Código Civil) quis na
verdade abranger a qualquer distúrbio mental que comprometa a vida civil do
sujeito; ora, “Tanto na expressão do texto revogado como, no texto atual, a lei
refere-se a qualquer distúrbio mental que possa afetar a vida civil do indivíduo. A
expressão abrange desde os vícios mentais congênitos até aqueles adquiridos do
decorrer da vida, por qualquer causa. Por essa razão, era muita criticada a expresso
loucos de todo gênero. De qualquer forma a intenção do legislador sempre foi a
de estabelecer uma incapacidade em razão do estado mental. Uma vez fixada a
anomalia mental, o que é feito com a auxílio da Psiquiatria, o individuo pode ser
considerado incapaz para os atos da vida civil.” (Sílvio de Salvo Venosa -Direito
Civil. Parte Geral. 4 edição. Atlas. P. 177). Portanto, no vertente caso, uma vez
464
Jurisprudência da QUARTA TURMA
constatada a enfermidade e o transtorno dissocial, que inviabiliza o interditando de
gerir a si próprio, outras pessoas, seus bens, manifestar validamente seu
consentimento decreto a interdição do mesmo. Dos limites da interdição A
interdição, no caso é ampla e plena. O jovem encontra-se em estabelecimento
diverso do convívio doméstico, segundo o perito oficial, ele: “Necessita de
estímulos na área psico-pedagógica, bem como acompanhamento psicológico,
avaliação neurológica e acompanhamento psiquiátrico em local especializado,
conforme preconizado pela psicóloga da Febem-SP. (fls.32). O acompanhamento
psicológico e psiquiátrico mencionado deverá ser realizado em regime fechado já que
o periciando não reúne ainda condições de ser reengajado ao meio social.” Os laudos
deixaram claros que o interditando revela periculosidade e personalidade voltada
a delitos, impondo-se sua internação compulsória, o fato dos profissionais do
Hospital das Clinicas terem uma opinião diversa dos profissionais do IMESC e da
EDEN sobre a efetividade ou não da internação, não gera dúvida que o interditando
tenha deficiêcias que comprometam a gestão de sua vida e o seu convívio em
sociedade, bem como não comprometem neste juízo a escolha da medida que seja a
mais adequada, por ora, já que não foi apresentada outra medida apta a defender o
próprio interditando e a sociedade da sua incapacidade. Não obstante, a medicina
não forneça ainda solução às patologias da personalidade, chegando o perito à
conclusão de que “Não existe tratamento para o Transtorno de Personalidade já
que não se trata de doença mental.” (fls. 1.307), que a própria medicina abandone
as pessoas dotadas desta patologia, ou que o direito ignore esta situação.
Cumprindo o artigo 1.771 do Código Civil, este juízo, pessoalmente argüiu o
jovem, colheu detalhes de personalidade e comportamento que, embora não sob
o aspecto médico, trazem elementos de convicção (fls. 1.209-1.213) e as
impressões que deixou neste juízo foi insensibilidade e frieza ao responder as
perguntas formuladas. Por estes fundamentos entendo nos termos do artigo
1.777 do Código Civil e artigo 60, parágrafo único, inciso III da Lei n. 10.216/2001
deva o interditando ser recolhido em estabelecimento adequado, distinto do
convívio doméstico e social, em hospital psiquiátrico ou similar compulsoriamente,
com a segurança que o caso requer. Insta expor, “Como ensinava Carnelutti, na
interdição o juiz não decide frente a duas partes, com interesse em conflito, senão
em face de interesse do próprio incapaz.” (Humberto Theodoro Junior. Curso de
Direito Processual Civil. 32 edição. Forense. P. 399). Do exposto, decreto a
interdição de Roberto Aparecido Alves Cardoso, declarando-o absolutamente
incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, na forma do artigo 3º, II, do
Código Civil; decreto sua internação, compulsória em estabelecimento psiquiátrico
compatível e seguro face à debilidade do interditado, nos termos do artigo 1.777
do Código Civil e art. 9º da Lei n. 10.216/2001 e nomeio-lhe Curadora a Sra. Maria
as Graças Figueiredo Cardoso, intimando-a para prestar compromisso em cinco
dias, bem como para Informar se Roberto herdou bens e, em caso positivo,
proceda à especialização da hipoteca legal em bens de sua propriedade. Em
obediência ao Imposto no artigo 1.184 do Código de Processo Civil e no artigo 12,
inciso, III, do Código Civil, inscreva-se a presente no Registro Civil e publique-se na
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
465
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
imprensa local e no Órgão oficial, 03 vezes, com intervalo de 10 dias. Oficie-se à
Secretaria de Saúde com urgência para que providencie local apropriado ao
interditado, isto é, estabelecimento psiquiátrico compatível com o tratamento
necessário, com contenção e segurança apropriada, informando que o interditando é
atualmente maior e incapaz. Mantenho tutela antecipada de fls. 1.063-10.641, não
obstante eventual recurso de apelação tenha apenas efeitos devolutivos.
Expeçam-se ofícios via fax, para comunicação do DEIJ desta sentença, bem como
para requisitar à Febem que o jovem seja transferido apenas para o
estabelecimento indicado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, não
podendo ser liberado sem que haja estabelecimento apropriado, eis que, é
absolutamente incapaz e atualmente, encontra-se já separado dos adolescentes,
recebendo tratamento por esta instituição. P.R.I.C. Embu-Guaçu, 28 de novembro
de 2007. Patricia Padilha Juíza de Direito.
O acórdão mantenedor da decisão de primeira instância asseverou (fls. 4354):
[...]
A questão em exame é objeto também da Apelação Cível n. 560.901-4/1-00,
à qual foi negado provimento, por votação unânime, para manter a interdição e
a internação. Trata-se do então menor participante de estupro e homicídio, no
qual foi brutalmente assassinado um casal de jovens que resolveram acampar
num sítio, no Município de Embu-Guaçu, no final do ano de 2003, fato esse
que teve repercussão ao menos nacional e provocou forte comoção pública,
dada a extrema crueldade com que foi praticado e a torpeza do motivo do seu
cometimento.
Peço venia para transcrever o relatório do Inquérito Policial, constante dos
autos da Apelação Cível n. 560.901-4/1-00, porque, embora ausente dos autos, de
relevância indiscutível para fundamentar o julgamento deste writ.
“Durante as investigações, procederam-se à exaustivas oitivas tanto de
familiares como de possíveis testemunhas da eventual localização das vítimas,
acerca dos locais em que possivelmente teriam transitado ou sido visualizadas,
como até mesmo a hipótese de terem sido vítimas de alguma ação criminosa,
momento em que foram mobilizados também equipes da Delegacia Seccional de
Policia de Taboão da Serra e do Município de Juquitiba.
No curso dessas mesmas investigações, foram inquiridos diversos moradores
daquela região, dentre os quais Antonio Caitano da Silva, que preliminarmente
em declarações prestadas em data de 10.11.2003, afirmou ter visto o adolescente
Roberto Aparecido Alves Cardoso, vulgo “Champinha”, na companhia de
uma jovem, com os traços fisionômicos da vitima Liana. Realizado auto de
reconhecimento fotográfico Antonio Caitano da Silva apontou com certeza e
466
Jurisprudência da QUARTA TURMA
firmeza de convicção ser a pessoa de Liana Bei Friedenbach a jovem que estaria na
companhia de “Champinha”, na oportunidade em que os avistara.
Foram determinadas ainda naquele mesmo dia, diligências com a finalidade
precípua de localizar e apresentar nesta Unidade o adolescente Paulo Roberto
Alves Cardoso o qual encontrava-se ausente de sua residência há vários dias
segundo seus familiares sendo posteriormente localizado no município de
Itapecerica da Serra-SP, onde encontrava-se escondido.
Conduzido a esta Unidade Policial Roberto Aparecido Alves Cardoso,
vulgo “Champinha” confessou sua participação no homicídio perpetrado em
relação à vitima Felipe Silva Caffé, atribuindo a autoria ao indivíduo de alcunha
“Pernambuco”, todavia, alegara a princípio que a vítima Liana Bei Friedenbach
estaria sob o domínio desse último, que exigiria o pagamento de resgate por sua
libertação.
Realizadas diligências com o adolescente, infrator, fora apontado pelo mesmo
o local em que o corpo da vítima Felipe Silva Caffé, jazia oculto no interior da mata
nativa, já em adiantado estado de putrefação, razão pela qual representou-se a
custódia do menor ao r. Juízo de Direito da Comarca de Embu-Guaçu-SP, tendo a
pretensão sido deferida.
Face à inconsistência das declarações apresentadas pelo adolescente em
relação à localização da vítima Liana, bem como das divergências apontadas em
seus depoimento, foram empreendidas novas diligências naquela noite, onde o
menor acabou confessando a morte de Liana, apontando inclusive o local em que
o corpo encontrava-se escondido, também no interior da mata.
Apurou-se através das declarações prestadas pelo adolescente infrator, que
o arrebatamento das vitimas ocorrera em data de 1º.11.2003, Sábado, no local
do acampamento, tendo as mesmas sido conduzidas à residência de Antonio
Caitano da Silva, onde pernoitaram, tendo sido a vítima Liana, neste ínterim,
submetida à prática de conjunção carnal, enquanto Felipe era mantido em outro
cômodo.
Pela vitima Felipe haver alegado aos autores não ser pessoa detentora de
posses, os autores “Pernambuco” e “Champinha”, com (...) desígnios e finalidade
de propósitos, decidiram na manhã de 2.11.2003, Domingo, em retirar sua vida,
conduzindo as vítimas até una trilha no interior da mata, onde Champinha
permaneceu com Liana, enquanto Pernambuco desferiu um disparo
com a espingarda calibre 28 que portava, na nuca de Felipe, matando-o
instantaneamente.
Após a ação criminosa, Pernambuco evadiu-se do local, devolvendo a arma do
crime ao adolescente infrator, enquanto a vítima Liana fora por este conduzida
novamente ao local de cativeiro, onde permaneceu durante todo aquele dia,
sendo obrigada a manter com aquele conjunção carnal.
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
467
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apurou-se ainda, que em data de 3º.11.2003, Segunda-feira, os autores
Antonio Caitano da Silva e Agnaldo Pires retomaram àquela casa, por volta das
l4hs00min, deparando-se com o adolescente infrator “Champinha” e a vitima
Liana completamente nua, tendo aquele oferecido a vitima a ambos, a fim de
como ele, satisfazerem sua lascívia, oportunidade em que o segundo aceitou a
oferta, passando também a mante conjunção carnal com aquela jovem. Destacase que apesar de recusar-se a participar das sevícias sexuais, Antonio Caitano da
Silva quedou-se inerte, concordando com a prática daquele crime, no interior de
sua residência.
No dia seguinte, 4.11.2003, Terça- feira, por volta das 12hs00nin, o grupo
integrado por Agnado Pires, Antonio Caitano da Silva, vitima Liana e o adolescente
“Champinha”, compareceram à residência de Antonio Matias de Barros, onde
passaram a pescar junto a uma pequena represa, tendo permanecido naquele
local por aproximadamente quatro horas, sendo que ali compareceu o irmão
de “Champinha”, de nome Gilberto Alves Cardoso, o qual lhe entregava uma
notificação da Delegacia de Policial de Emba-Guaçu-SP, a fim de comparecer
naquela Unidade, no dia seguinte, visando prestar esclarecimentos a respeito do
desaparecimento das vitimas uma vez que todo os moradores daquela região
estavam sendo inquirido acerca dos fatos, tendo dali se retirado em seguida,
acreditando que a jovem que acompanha seu irmão seria sua namorada.
O grupo retornou para a casa do autor Antonio Matias de Barros, onde
enquanto este preparava o jantar para todos, Antonio Caitano da Silva, ausentouse daquela, indo embora para sua residência. A vitima permaneceu no interior
de um dos quartos, onde assistia televisão, sendo posteriormente submetida à
conjunção carnal tanto com o adolescente “Champinha” como com Agnaldo Pires,
fatos estes presenciados pelo proprietário do imóvel, Antonio Matias de Barros.
Na madrugada do dia 5º.11.203, Quarta-feira, por volta das 2hs00min,
Champinha solicitou a seu comparsa Antonio Matias para que guardasse a
arma de fogo calibre 28, e o acompanhasse juntamente com Liana à residência
de Antonio Caitano, enquanto Agnaldo Pires, permaneceria naquele imóvel,
dormindo. Segundo o adolescente, Agnaldo Pires teria sido noticiado da
pretensão de eliminar a vitima Liana.
Em comparecendo na residência de Antonio Caitano, Antonio Matias
permaneceu em sua companhia, enquanto o adolescente Champinha, alegando
a ambos que levaria Liana para o ponto de ônibus, com a finalidade de retornar
para sua residência, retirou-se com ela daquele local.
Caminhando pela denominada “Estrada do Pai”, a qual permite o acesso até
um ponto de ônibus, de maneira dissimulada Champinha adentrou com a vítima
Liana no interior da mata, onde de maneira cruel, sem qualquer possibilidade
de defesa por parte desta, passou a desferir golpes de faca contra seu pescoço,
peito, cabeça, braços e costas, extinguindo sua vida impiedosamente, deixando
seu cadáver ocultado naquela vegetação fechada.” (Fls. 794-798, dos autos da
Apelação Cível n. 560.901-4/1-00).
468
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Também não consta dos autos a conclusão do exame realizado no IMESC que
assim concluiu:
“0 examinando Roberto Aparecido Alves Cardoso é portador de história
objetiva, subjetiva, dados objetivos e exame psíquico compatível com Retardo Mental
de Leve para Moderado (CID F 70/71) e transtorno de Personalidade Dissocial (CID F
60.2), piorado pelo uso de alcoólicos e drogas tendo sua capacidade de entendimento
reduzida e, por conta da somatória de problemática de ordem mental, absolutamente
Incapaz de auto determinação. Assemelha-se e gera efeitos, neste caso, estritamente
sob o ponto de vista médico legal, à Doença Mental
É, sob o ponto de vista médico legal, absoluta e permanentemente incapaz de
reger sua vida e administrar seus bens e interesses. (fls. 1.226, dos autos da Apelação
Cível n. 560.901-4/1-00).
Por óbvio que também não constam deste writ as conclusões dos vários exames
realizados na Febem-SP, na Sociedae Roscach, todos conclusivos para o diagnóstico
de Doença mental e necessidade de medidas protetivas ao paciente e à sociedade.
O paciente, comprovadamente padecente de doença mental agravada por
alcoolismo e toxicomania e que concretamente o levou a prática de crime de
extrema violência e crueldade, se liberado de qualquer tipo de confinameno ficaria
evidentemente sujeito a cometer inclusive suicídio, ou novo ataque físico a qualquer
pessoa do qual poderia resultar inclusive em novo homicídio ou, se confinado em local
inadequadamente estruturado geraria esse mesmos riscos, não havendo portanto
outra alternativa senão o seu confinamento em estabelecimento apropriado para
o tratamento do seu mal psíquico até que esteja definitivamente curado e deixe de
representar perigo à sociedade.
O paciente, através de atitudes concretas, exauriu as sua tendências
comportamentais nocivas a si próprio e às pessoas em geral, demonstrou que é
realmente capaz de praticar as maiores atrocidades contra quem sequer conhecia,
nenhum mal lhe fez, apenas teve a infelicidade de estar vulnerável em local
desprotegido e ao seu alcance, ou seja, representa o paciente perigo iminente erga
omnes e também corre o risco de acabar sendo gravemente ferido, ou morto através
de eventual reação bem sucedida de alguma de suas futuras vítimas.
A realidade do comportamento do interditando no caso concreto se
compatibiliza com as condições psiquiátricas no sentido da sua internação em
estabelecimento apropriado que evidentemente não é o comumente utilizado
em casos de menor gravidade de patologia psíquica.
A Secretaria de Saúde, por outro lado, prestou informações noticiando que
todas as providências necessárias à adequação e cumprimento da ordem judicial
estão sendo observadas (cf. fls. 73-75).
Destaco tratar-se de caso gravíssimo que resultou em crime praticado com
inaceitáveis requintes de frieza, brutalidade, crueldade e barbaridade.
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
469
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não há afronta ou desconformidade à disposições contidas na Lei n.
10.216/2001. Entretanto, prevalece e se aplica à espécie o imperioso princípio da
igualdade que proclama o tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais
na proporção de suas desigualdades.
Inexiste amparo legal para a liberdade do paciente que represente perigo a si
próprio e à sociedade.
Ademais, como assinalado anteriormente, a questão já foi decidida por esta
Corte no apelo, consolidando o farto conjunto probatório e a estrita observância
da simetria processual.
Não há ilegalidade ou abuso de poder.
Diante do exposto, voto pela denegação da ordem.
Releva notar que o agravo de instrumento ao Superior Tribunal de Justiça
(Ag n. 1.320.086) não foi conhecido, com trânsito em julgado em 13.9.2011.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, proferiu decisão em 18.10.2011
dando provimento ao Agravo de Instrumento n. 810.193 e determinando sua
conversão em recurso extraordinário, reautuado como RE n. 667.307, com vista
ao Ministério Público Federal desde 6.6.2013.
3. É bem de ver que a internação compulsória deve ser evitada, quando
possível, e somente adotada como última opção, em defesa do internado
e, secundariamente, da própria sociedade. É claro, portanto, o seu caráter
excepcional, exigindo-se, para sua imposição, laudo médico circunstanciado que
comprove a necessidade de tal medida.
O art. 6º da Lei n. 10.216/2001 - que dispõe acerca da proteção e
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais estabelece: “A internação
psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que
caracterize os seus motivos”.
No que concerne à internação compulsória, o artigo 9º estabelece, ainda,
que esta é determinada segundo a legislação vigente, pelo juiz competente, que
deverá examinar, também, as condições de segurança do estabelecimento quanto
à salvaguarda do paciente, dos demais internados e dos funcionários.
Diante desse quadro, observo que a Juíza de piso discorreu de forma
exaustiva sobre as avaliações psicológicas e psiquiátricas pelas quais foi
submetido o paciente, afirmando que, por meio delas, foi atestada a inaptidão do
paciente para reger a própria vida, bem como para o convívio social.
470
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Ademais, observo também que, tanto no corpo da sentença quanto
do acórdão, foi feito menção ao laudo do Instituto de Medicina Social e de
Criminologia do Estado de São Paulo - IMESC, no qual ficou consignado que
“O examinando Roberto Aparecido Alves Cardoso é portador de história objetiva,
subjetiva, dados objetivos e exame psíquico compatível com Retardo Mental de
Leve para Moderado (CID F70/71) e Transtorna de Personalidade Dissocial
(CID F 60.2), piorado pelo uso de alcoólicos e drogas, tendo sua capacidade de
entendimento reduzida e, por conta da somatória de problemática de ordem
mental, absolutamente incapaz de auto determinação. Assemelha-se e gera efeitos,
neste caso, estritamente sob o ponto de vista médico legal, à Doença Mental. É, sob
o ponto de vista médico legal, absoluta e permanentemente incapaz de reger sua
vida e administrar seus bens e interesses.”
Além desse laudo, a Juíza de piso fez menção a inúmeros outros laudos
médicos que juntamente com a oitiva do paciente foram suficientes para firmar
e balizar o seu convencimento.
4. Nesse passo, a interdição civil com internação compulsória, tal como
determinada pelas instâncias inferiores, encontra fundamento jurídico tanto
na mencionada Lei n. 10.216/2001 (antes referida), quanto no artigo 1.777 do
Código Civil:
Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão
recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao
convívio doméstico.
James Eduardo Oliveira comenta o dispositivo:
Entre as pessoas que estão sujeitas à curatela (art. 1.767), esse artigo trata
dos enfermos ou deficientes mentais, dos ébrios habituais e viciados em tóxicos,
dos excepcionais sem completo desenvolvimento mental, editando que, na
hipótese de eles não se adaptarem ao convívio doméstico, sendo impossível
ou inseguro mantê-los no seio da família, serão recolhidos em estabelecimento
adequado (casas de saúde, estabelecimentos psiquiátricos, clínicas ou centros de
recuperação, etc.)
(OLIVEIRA, James Eduardo. Código civil anotado e comentado: doutrina e
jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 1.620-1.621).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Junior sobre o mesmo
artigo:
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
471
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Interdição por doença mental com internamento. Sua admissibilidade,
independentemente da extinção da punibilidade, pelo cumprimento da pena, de
crimes cometidos pelo interdito;
(NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 1.286).
Fabrício Zamprogna Matiello, em seu Código Civil comentado, leciona:
A permanência do incapaz na residência própria ou do curador nem sempre
será possível e recomendável, seja como decorrência do estado mental em que
se encontra ou das necessidades de recuperação em estabelecimento adequado.
Os curatelados agressivos, furiosos ou cuja inserção no convívio familiar não se
mostre viável em determinado momento, deverão ser encaminhados a locais
especializados no tratamento dos males que os acometem.
(MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comentado. 4a ed. São Paulo: LTr,
2011. p. 1.167-1.168).
Assim, tenho que, ao contrário do que afirma o impetrante, foi cumprido o
requisito legal para a imposição da medida de internação compulsória, tendo em
vista que a internação do paciente está lastreada em laudos médicos, conforme
preceitua a Lei n. 10.216/2001 e o Código Civil.
Nesse contexto, diante do quadro até então apresentado pelos laudos
já apreciados pelas instâncias inferiores, entender de modo diverso, no caso
concreto, seria pretender que o Poder Público se portasse como mero espectador,
fazendo prevalecer o direito de ir e vir do paciente, em prejuízo de seu próprio
direito à vida.
Gabriel Figueiredo, professor titular de psiquiatria da faculdade de
medicina da PUC-Campinas pondera:
Às vezes, hesitamos diante de uma necessária internação. Pior ainda que
a hesitação é a radicalização de alguns profissionais da saúde mental que se
recusam terminantemente a qualquer tipo de internação, interpretando-a como
uma regressão ao Estado autoritário.
(FIGUEIREDO, Gabriel. Políticas de saúde mental no Brasil. Revista Jurídica
Consulex. Ano XIV. N. 320-15 de maio de 2010).
5. Quanto à argumentação do impetrante de que não houve priorização de
recursos extra-hospitalares, não lhe socorre melhor sorte.
472
Jurisprudência da QUARTA TURMA
O art. 4º da Lei n. 10.216/2001 dispõe: “A internação, em qualquer de suas
modalidades, só será iniciada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem
insuficientes.”
Tal dispositivo contém ressalva em sua parte final, dispensando a aplicação
dos recursos extra-hospitalares se houver demonstração efetiva da insuficiência
de tais medidas.
Essa é exatamente a situação dos autos, haja vista ser notória a insuficiência
de medidas extra-hospitalares, conforme se extrai dos laudos acima mencionados
e invocados no acórdão impugnado.
Nesse contexto, o acórdão denegatório da ordem asseverou (fls. 52-53):
[...]
O paciente, comprovadamente padecente de doença mental agravada por
alcoolismo e toxicomania e que concretamente o levou a prática de crime de
extrema violência e crueldade, se liberado de qualquer tipo de confinamento ficaria
evidentemente sujeito a cometer inclusive suicídio, ou novo ataque físico a qualquer
pessoa do qual poderia resultar inclusive em novo homicídio ou, se confinado em local
inadequadamente estruturado geraria esse mesmos riscos, não havendo portanto
outra alternativa senão o seu confinamento em estabelecimento apropriado para
o tratamento do seu mal psíquico até que esteja definitivamente curado e deixe de
representar perigo à sociedade.
O paciente, através de atitudes concretas, exauriu as sua tendências
comportamentais nocivas a si próprio e às pessoas em geral, demonstrou que é
realmente capaz de praticar as maiores atrocidades contra quem sequer conhecia,
nenhum mal lhe fez, apenas teve a infelicidade de estar vulnerável em local
desprotegido e ao seu alcance, ou seja, representa o paciente perigo iminente erga
omnes e também corre o risco de acabar sendo gravemente ferido, ou morto através
de eventual reação bem sucedida de alguma de suas futuras vítimas.
A realidade do comportamento do interditando no caso concreto se compatibiliza
com as condições psiquiátricas no sentido da sua internação em estabelecimento
apropriado que evidentemente não é o comumente utilizado em casos de menor
gravidade de patologia psíquica.
A Secretaria de Saúde, por outro lado, prestou informações noticiando que
todas as providências necessárias à adequação e cumprimento da ordem judicial
estão sendo observadas (cf. fls. 73-75).
Destaco tratar-se de caso gravíssimo que resultou em crime praticado com
inaceitáveis requintes de frieza, brutalidade, crueldade e barbaridade.
Não há afronta ou desconformidade à disposições contidas na Lei n.
10.216/2001.
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
473
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Diante do exposto, não vislumbro constrangimento ilegal apto a justificar
a concessão da presente ordem. Ademais, é cediço não caber na angusta via do
habeas corpus, em razão de seu rito célere e desprovido de dilação probatória,
exame aprofundado de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos
quais as instâncias inferiores formaram sua convicção.
Em situação análoga esta Corte já decidiu:
Habeas corpus. Ação civil de interdição cumulada com internação compulsória.
Competência das Turmas da Segunda Seção. Verificação. Internação compulsória.
Possibilidade. Necessidade de parecer médico e fundamentação na Lei n.
10.216/2001. Existência, na espécie. Exigência de submeter o paciente a Recursos
extra-hospitalares antes da medida de internação. Dispensa em hipóteses
excepcionais. Exame de periculosidade e inexistência de crime implicam dilação
probatória. Vedação pela via do presente remédio heroico. Habeas corpus
substitutivo de recurso ordinário conhecido para denegar a ordem.
I - A questão jurídica relativa à possibilidade de internação compulsória, no
âmbito da Ação Civil de Interdição, submete-se a julgamento perante os órgãos
fracionários da Segunda Seção desta a. Corte;
II - A internação compulsória, qualquer que seja o estabelecimento escolhido
ou indicado, deve ser, sempre que possível, evitada e somente empregada como
último recurso, na defesa do internado e, secundariamente, da própria sociedade.
III - São modalidades de internação psiquiátrica: a voluntária, que é aquela
que se dá a pedido ou com o consentimento do paciente (mediante declaração
assinada no momento da internação); a involuntária, que é a que se dá sem
o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e, por fim, a internação
compulsória, determinada por ordem judicial.
IV - Não há constrangimento ilegal na imposição de internação compulsória,
no âmbito da Ação de Interdição, desde que baseada em parecer médico e
fundamentada na Lei n. 10.216/2001. Observância, na espécie.
V - O art. 4º da Lei n. 10.216/2001, fruto de uma concepção humanística, traduz
modificação na forma de tratamento daqueles que são acometidos de transtornos
mentais, evitando-se que se entregue, de plano, aquele, já doente, ao sistema de
saúde mental.
VI - Todavia, a ressalva da parte final do art. 4º da Lei n. 10.216/2001, dispensa
a aplicação dos recursos extra-hospitalares se houver demonstração efetiva da
insuficiência de tais medidas.
Hipótese dos autos, ocorrência de agressividade excessiva do paciente.
VII - A via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória, exame
aprofundado de matéria fática ou nova valoração dos elementos de prova.
474
Jurisprudência da QUARTA TURMA
VIII - Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário conhecido para denegar
a ordem.
(HC n. 130.155-SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em
4.5.2010, DJe 14.5.2010).
6. Sustenta o impetrante, ainda, ilegalidade na manutenção do paciente na
Unidade Experimental de Saúde de São Paulo desde maio de 2007.
Em reforço a seu argumento, colaciona aos autos documento novo
consistente em relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (SPT) da
Organizações das Nações Unidas (ONU) (fls. 467-504).
De início, este Tribunal Superior tem entendimento no sentido de que
“Alegações formuladas e documentos novos, apresentados apenas perante o STJ, não
podem ser apreciados por esta Corte, sob pena de supressão de instância.” (HC n.
195.988-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Ministra
Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 27.8.2013, DJe 10.10.2013).
Nesse sentido, a via estreita do habeas corpus não comporta dilação
probatória. Ademais, quando proferido o acórdão combatido em setembro de
2008, o paciente já se encontrava na Unidade Experimental de Saúde de São
Paulo, e foi dito pelo Tribunal de origem que: “A realidade do comportamento
do interditando no caso concreto se compatibiliza com as condições psiquiátricas no
sentido da sua internação em estabelecimento apropriado que evidentemente não é o
comumente utilizado em casos de menor gravidade de patologia psíquica. A Secretaria
da Saúde, por outro lado, prestou informações noticiando que todas as providências
necessárias à adequação e cumprimento da ordem judicial estão sendo observadas.”
(fls. 53-54).
Outrossim, a internação compulsória determinada pelas instâncias
inferiores está vinculada à sua interdição civil, nos termos do art. 1.777 do
Código Civil e da Lei n. 10.216/2001, não tendo qualquer relação com o
Estatuto da Criança e do Adolescente, como faz parecer o dito documento.
Vale lembrar que a internação compulsória em sede de ação de interdição,
como é o caso dos autos, não tem caráter penal, não devendo ser comparada à
medida de segurança ou à medida socioeducativa à que esteve submetido no
passado o paciente em face do cometimento de atos infracionais análogos a
homicídio e estupro.
Não se ambiciona nos presentes autos aplicar sanção ao ora paciente, seja
na espécie de pena, seja na forma de medida de segurança.
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
475
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Por meio da interdição civil com internação compulsória resguarda-se a
vida do próprio interditando e, secundariamente, a segurança da sociedade.
7. Quanto ao pleito do impetrante para que sejam determinadas
reavaliações sobre a necessidade da custódia do paciente a cada 3 meses, por
equipe multiprofissional da qual não participem os peritos que já avaliaram o
caso, observo do acórdão que não foi apreciada pela Corte de origem suspeição
ou impedimento em relação à perícia, bem como qualquer questionamento a
respeito da periodicidade das avaliações periciais.
Igualmente, não há apreciação no acórdão combatido - proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - quanto ao pedido de inserção do
paciente no programa federal De Volta Para Casa.
Em informações prestadas pelo Juízo de piso foi esclarecido que, sobre o
programa de inclusão social em questão, o advogado do interditando deixou
de trazer à colação qualquer informação acerca do endereço e qualificação
dos parentes interessados e aptos a receber o paciente (fl. 537). O Ministério
Público estadual alertou para que fosse realizada nova avaliação médica antes
da próxima audiência (fls. 691) e que nova perícia foi agendada para o dia
28.11.2013 (fl. 709).
Sobre tais pontos, conforme já esclarecido, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que não se conhece de habeas
corpus cuja matéria não foi objeto de decisão pela Corte de Justiça estadual, sob
pena de indevida supressão de instância. (HC n. 165.236-SP, Rel. Ministro
Moura Ribeiro, Quinta Turma, julgado em 5.11.2013, DJe 11.11.2013; HC n.
228.848-SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado
em 24.10.2013, DJe 4.11.2013).
8. Ante o exposto, denego a ordem.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 512.406-SP (2003/0018532-5)
Relator: Ministro Raul Araújo
Recorrente: Banco do Brasil S/A
476
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Advogados: Carlos Jose Marcieri e outro(s)
Patrícia Netto Leão e outro(s)
Recorrido: Empresa de Transportes Pantera Ltda. - Massa falida
Advogado: Cláudio Ghirardelo Gonzaga - Síndico
EMENTA
Recurso especial. Falência. Decreto Lei n. 7.661/1945.
Habilitação retardatária de crédito. Movimentação da máquina
judiciária. Necessidade de recolhimento de custas iniciais (DL n.
7.661/1945, arts. 23, 82, § 1º, e 98; Lei n. 11.101/2005, art. 10).
Recurso desprovido.
1. Embora os arts. 82 e 98 da anterior Lei de Falências, que
disciplinavam o procedimento de habilitação de créditos, não fizessem
menção expressa ao recolhimento de custas processuais, pela leitura
do art. 23 do mesmo diploma legal constata-se que, em algumas
situações, havia a necessidade de recolhimento.
2. A análise do art. 98 da anterior Lei de Falências demonstra
que, em razão da inércia do credor que não se habilitou no prazo
determinado, toda máquina judiciária é novamente movimentada para
o processamento da habilitação retardatária.
3. Confirmando o entendimento acima, a nova Lei de Falências
e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005), em seu art. 10,
expressamente prevê que, na falência, os créditos retardatários
perderão o direito a rateios eventualmente realizados e ficarão sujeitos
ao pagamento de custas.
4. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
A Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti,
Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr.
Ministro Relator.
RSTJ, a. 26, (233): 447-564, janeiro/março 2014
477
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília (DF), 27 de agosto de 2013 (data do julgamento).
Ministro Raul Araújo, Relator
DJe 14.2.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Raul Araújo: Nos autos da habilitação de crédito
quirografário que o Banco do Brasil S/A ajuizou contra Massa Falida de Empresa
de Transportes Pantera Ltda., o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca
de Santo André-SP determinou o recolhimento das custas iniciais, em despacho
assim fundamentado:
A distribuição do presente feito se deu por ocasião de se tratar a presente de
Habilitação de Crédito intempestiva (art. 98 e seus incisos, da Lei n. 7.661/1945(LF),
por não atendido no prazo fixado no art. 82 da referida lei.
Assim, este é um processo autônomo apesar de sua distribuição por
dependência ao processo original, por não atendidos no prazo fixado nos artigos
acima mencionados.
Prazo para recolhimento: 5(cinco) dias. (fl. 111)
Inconformado, o Banco habilitante interpôs agravo de instrumento perante
o eg. Tribunal de Justiça de São Paulo que, por unanimidade de votos, manteve
o entendimento acima exarado, em aresto que guarda a seguinte ementa:
Falência. Habilitação retardatária de crédito. Credor que não se habilitou
no prazo assinalado pela sentença declaratória de quebra. Procedimento
autônomo que transcende a economia do próprio processo falimentar. Sujeição
ao recolhimento da taxa judiciária. Recurso improvido. (fl. 153)
Opostos embar