PATRIMÔNIO HISTÓRICO E TURISMO: Uma Construção Social

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PATRIMÔNIO HISTÓRICO E TURISMO: Uma Construção Social
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PATRIMÔNIO HISTÓRICO E TURISMO:
Uma Construção Social
Patrícia M. Castelo Branco
Mestre/História-Profa. Unifil
Neste trabalho pretendemos demonstrar que o Patrimônio Histórico e Cultural é
uma construção social do seu tempo histórico. Quanto ao envolvimento do turismo nas
questões patrimoniais, este pode desempenhar dois papéis antagônicos: o de agente que
auxilia na manutenção e preservação de uma cultura; ou perpetrador de um monumento
eleito como “excepcional” para uma dada sociedade, o que pode representar uma total
descaracterização dessa cultura.
O conceito de Patrimônio a princípio era relacionado a “Bem de herança que é
transmitido, segundo as leis, dos pais e das mães aos filhos”. Enraizada na área jurídica
familiar, esta palavra antiga é repleta de simbolismo. Já Patrimônio Histórico possui um
conceito mais complexo que envolve diversos meandros de cultura de uma sociedade,
por se referir aos bens incomensuráveis, que é a memória coletiva construída
socialmente e a identidade de um povo. Para a autora Choay (2001, p.11) “Em nossa
sociedade errante, constantemente transformada pela mobilidade e ubiqüidade de seu
presente, “patrimônio histórico” tornou-se uma das palavras chaves da tribo midiática.
Ela remete a uma instituição e a uma mentalidade”.
Preservar o passado sempre foi uma necessidade inconsciente e/ou consciente do
ser humano, mas somente nos séculos XIX e XX é que ocorreu uma consagração
institucional do monumento histórico. A França foi a primeira a criar, em 1837, uma
Comissão de Monumento Histórico, que classificava monumentos da Antigüidade,
Igrejas e castelos da Idade Média. Também é da França a primeira lei sobre Monumento
Histórico criada em 1913 concentrada nos conjuntos arquitetônicos de vista histórica.
As significações dadas às edificações e objetos antigos acabaram por gerar não
somente a simples preocupação de grupos isolados ou familiares de garantir seu legado
para gerações futuras. Nos séculos XIX e XX, esta “preocupação” estendeu-se para o
Estado, que passou a estimular a produção de leis de conservação e restauração,
transformando-se em uma problemática mundial.
O acervo arquitetônico – templos, castelos, fortalezas,
conjuntos residências de várias épocas e diferentes estilos – de países
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como Itália, Turquia, França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Áustria,
Bélgica, Japão, China e outros levou professores e autoridades do
velho Continente, a partir de fins do século XIX, a debater sobre
conservação/restauração/proteção/intervenção/reconstrução/revitaliz
ação de imóveis com valor extraordinário. (FILHO PELLEGRINI,
1993, p.92)
A princípio, as leis patrimoniais se concentravam no Patrimônio Arquitetônico
para somente em meados da década de 1970 abranger o Patrimônio Cultural um
conceito mais amplo e intangível, um pensamento mais abrangente que posteriormente
se encaminhou para o que chamamos hoje de Patrimônio Cultural Imaterial1.
A partir do século XX, qualquer objeto ficou passível de conservação por conter
informações a serem interpretadas que poderiam remontar o processo histórico.
Contudo, esta seleção deveria se concentrar na busca de um monumento que
representasse a identidade coletiva de uma determinada sociedade. Mesmo assim, a
questão mais complexa do processo era saber quais representantes dessa sociedade
seriam mais indicados para eleger seu Patrimônio coletivo. Afinal como selecionavam
esses indivíduos que definiriam qual patrimônio a ser conservado para as futuras
gerações, se estes se pautavam em valores e interesses do seu tempo? Como evitariam
ignorar a significação (política, econômica, religiosa, entre outras) que o monumento
teria para a sua época – além dos próprios interesses pessoais? Certeau não descarta que
os interesses do presente impedem uma suposta neutralidade:
Logo, o corte é o postulado da interpretação (que se constrói
a partir de um presente) e seu objeto (as divisões organizam as
representações a serem reinterpretadas). O trabalho determinado por
este corte é voluntarista. No passado, do qual se distingue, ele faz
uma triagem entre o que pode ser “compreendido” e o que deve ser
esquecido para obter a representação de uma inteligibilidade
presente. (CERTEAU, 2000, p.16)
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De acordo com a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, aprovada pela
Unesco em 17 de outubro de 2003, “entende-se por ‘Patrimônio Cultural Imaterial’ as práticas,
representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e
lugares que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos
reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este Patrimônio Cultural Imaterial, que
se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função
de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade
e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade
humana”. (www.iphan.gov.br, 2005)
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Aparentemente, mesmo não havendo a possibilidade da neutralidade, a resposta
coerente para as indagações referentes a escolha do patrimônio e quem faria essa
seleção, na época foram os profissionais ou órgãos competentes das áreas da arquitetura,
história, sociologia, antropologia, entre outras. Desta forma, no século XX esses
especialistas ficaram responsáveis por auxiliar os Estados na seleção de monumentos
deveriam ser eleitos como patrimônio, além de disponibilizar ferramentas para definir a
identidade cultural das nações (principalmente as ocidentais).
Para isso, aconteceu em Atenas no ano de 1931 a I Conferência Internacional
para Conservação dos Momentos Históricos (em que só participaram especialistas
europeus). Esta Conferência redigiu a primeira carta internacional com recomendações
sobre conservação e restauração de monumentos históricos, a chamada Carta de Atenas.
As principais características da Carta de Atenas foram: eleger o Estado como
responsável pela salvaguarda dos monumentos, aconselhava a criação de legislações
que garantiriam o direito da coletividade suplantando a propriedade privada. Quanto à
restauração, poderiam usar todos os recursos materiais e técnicas modernas, desde que
se mantivessem o aspecto “antigo” do edifício. A carta de Atenas ainda recomendava
que as descobertas científicas fossem compartilhadas entre os países para a manutenção
dos monumentos. Observemos um fragmento do documento:
A conferência convencida de que a conservação do
patrimônio e arqueológico da humanidade interessa à comunidade
dos Estados, guardiã da civilização, deseja que os Estados, agindo no
espírito do Pacto da Sociedade das Nações, colaborem entre si, cada
vez mais concretamente para favorecer a conservação dos
monumentos de arte e de história. (...)
A conferência, profundamente convencida de que a melhor
garantia de conservação de monumentos e obras de arte vem do
respeito e do interesse do próprios povos, considerando que esses
sentimentos podem ser grandemente favorecidos por uma ação
apropriada dos poderes públicos, emite o voto de que os educadores
habituem a infância e a juventude e se absterem de danificar os
monumentos, quaisquer que eles sejam e lhe façam aumentar o
interesse, de uma maneira geral pela proteção dos testemunhos de
toda civilização. (www.iphan.gov.br,2005)
A citação demonstra a consciência patrimonial da época, o Estado se torna o
responsável por construir a identidade da nação. Podemos dizer que nesse momento
histórico estava ocorrendo a ascensão do sistema capitalista nas principais nações
ocidentais.
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Porém, o processo de seleção de um Patrimônio Histórico é de grande
importância, pois pode contribuir para perpetuação do sistema vencedor. Ou seja,
os monumentos eleitos ratificariam determinadas camadas sociais, ou versões históricas
que poderiam só mostrar uma única faceta, produzindo os chamados silêncios da
história. A consolidação se daria através da divulgação desta “história” efetuada por
educadores em campanhas de conscientização patrimonial financiadas pelo sistema
vencedor e pelo incentivo institucional ao turismo.
A Carta de Atenas influenciou a legislação de diversos países, inclusive no
Brasil. Em
30
de novembro de 1937,
durante
o Estado
Novo
de
Getúlio
Vargas, foi criada a primeira legislação patrimonial brasileira, a lei nº 25. Sua
proposição primordial era organizar e proteger o Patrimônio Histórico e Artístico
nacional, e para isto foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN). Composta por capítulos, diversos artigos e parágrafos, a lei nº 25 aborda
questões como: a definição do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tombamento,
as conseqüências do tombamento, entre outras.
O artigo 1º coloca a definição do que seria considerado patrimônio no Brasil:
(...) o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de
interesse público, que por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico.(www.iphan.gov.br,2005)
A legislação brasileira, seguindo a recomendação da Carta de Atenas e a
consciência vigente do seu tempo – como já apontamos anteriormente –, determina uma
seleção do Patrimônio Histórico brasileiro, em que momentos históricos são destacados
e outros relegados ao esquecimento, ou seja:
(...) privilegiou a proteção de monumentos de valor excepcional, com
especial destaque para as obras do Barroco, movimento artístico do
século XVIII, considerado a essência da brasilidade e, também, a
produção material dos colonizadores, como antigos fortes, engenhos,
e igrejas. Os edifícios de período mais recentes, como os numerosos
existentes no centro da cidade de São Paulo, construídos sob
influência do ecletismo a partir do final do século XIX, foram
relegados, pois eram considerados alheios à tradição brasileira.
Constituiu-se desse modo, um conjunto de bens que, além de
representar a história da nação, teve o sentido de representar o
passado da arquitetura brasileira, manifestação cultural que, a essa
época, começava a se firmar. (RODRIGUES, 2000, p.21)
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Esta legislação acaba mexendo com os direitos a propriedade, apesar de não
haver risco de perda do bem. Contudo, o artigo 6º diz que o tombamento podia ser
voluntário ou compulsório. Vejamos o artigo 9º que se refere ao tombamento
compulsório:
1º) O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao
tombamento, dentro do prazo de quinze dias, (...)
2º) no caso de não haver impugnação dentro do prazo
assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional mandará por simples despacho que proceda à
inscrição da coisa no competente Livro do Tombo;
3º) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado,
far-se-à vista da mesma (...). (www.iphan.gov.br, 2005)
Em maio de 1964, na cidade de Veneza, se realizou outro encontro considerado
de suma importância para a os especialistas interessados na preservação do patrimônio,
II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos. Neste
encontro também foi produzida uma carta internacional que visava a conservação e
restauração de monumentos e sítios, a Carta de Veneza.
A Carta de Veneza redigida em outro momento histórico (década de 60)
empregava um discurso diferenciado em relação à antiga Carta de Atenas (década de
30), não era mais o Estado que deveria se responsabilizar pela escolha e conservação
dos monumentos, e sim a humanidade.
Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras
monumentais de cada povo perduram no presente como o testemunho
vivo de suas tradições seculares. A humanidade, cada vez mais
consciente da unidade de valores humanos, as considera um
patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece
solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o
dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade.
(www.iphan.gov.br, 2005)
Essa Carta de Veneza era dividida em artigos, e sua primordial consideração foi
verbalizar que não somente grandiosos monumentos deveriam ser destacados para
preservação, mas também criações modestas com significado cultural. O artigo 1º
coloca que: A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica
isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização
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particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico.
(www.iphan.gov.br, 2005)
Outro ponto que devemos destacar é a valorização dos sítios arqueológicos, que
ganham destaque com seus próprios artigos:
Artigo 15º - Os trabalhos de escavação devem ser executados
em conformidade com padrões científicos e com a “Recomendação
Definidora dos Princípios Internacionais a serem aplicados em
Matéria de Escavações Arqueológicas”, adotadas pela UNESCO em
1956.
Devem ser asseguradas as manutenções das ruínas e as
medidas necessárias à conservação e proteção permanente dos
elementos arquitetônicos e dos objetos descobertos. Além disso,
devem ser tomadas todas as iniciativas para facilitar a compreensão
do monumento trazido à luz sem jamais deturpar seu significado.
(www.iphan.gov.br, 2005)
Também aconteceram encontros na América, um deles foi em1967 na cidade de
Quito, que redigiu as Normas de Quito, nela foram feitas indagações referentes à
conservação e utilização dos monumentos e lugares de interesse histórico no Continente
Americano. Este documento demonstrou preocupações por parte dos profissionais das
áreas patrimoniais com o empobrecimento de vários países (os chamados
subdesenvolvidos) da América Central e Sul, e consequentemente ao abandono dos seus
monumentos. Uma questão importante discutida foi a preservação e o incentivo na
busca de sítios arqueológicos referentes aos Ameríndios anteriores à colonização
européia. Sobretudo, estas Normas colocam a utilização econômica de monumentos
para a própria sobrevivência dos mesmos, solução a muito empregada pelos europeus.
Observem trecho:
V – Valorização Econômica dos Monumentos.
Partimos do pressuposto de que os monumentos de interesse
arqueológico, histórico e artístico constituem também recursos
econômicos da mesma forma que as riquezas naturais do país.
Consequentemente, as medidas que levaram a sua preservação
adequada utilização náo só guardam relação com os planos de
desenvolvimento, mas fazem ou devem fazer parte deles.
(www.iphan.gov.br, 2005)
Voltando novamente ao Brasil, no ano de 1970 aconteceu a primeira reunião
para discussão sobre patrimônio realizada em Brasília, em que se firmou o chamado
Compromisso de Brasília. O documento escrito em pleno regime ditatorial foi
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subordinado ao Ministério da Educação e Cultura, tendo como órgão controlador a
Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN). Foi um período
conturbado para as questões patrimoniais, as verbas destinadas ao Ministério da
Educação e Cultura não priorizavam o patrimônio. Além disso, estava ocorrendo uma
massificação da educação, em detrimento da qualidade, impossibilitando uma
conscientização voltada para a compreensão que levaria o povo brasileiro a construir
sua própria identidade coletiva cultural, sem uma interferência tão castradora do Regime
Militar. (FILHO PELLEGRINI, 1993, p. 106)
O Compromisso de Brasília quase se tornou letra morta, devido ao regime
político vigente – como foi mencionado acima – muitas das sugestões nem chegaram a
sair do papel. Um exemplo foi a determinação de que a responsabilidade para com o
patrimônio não deveria recair somente nos ombros do Estado Federal, mas dividida
entre os governos dos estados, prefeituras e municípios, que redigiriam suas próprias
diretrizes de preservação e restauro.
Mas nesse momento histórico somente funcionaram iniciativas individuais e o
surgimento de órgãos paralelos ao DPHAN, de fundo privado. Um dos maiores
incentivadores de uma participação mais prática na preservação patrimonial no Brasil
foi Aloísio Sérgio de Magalhães. Vejamos algumas das mudanças que conseguiu
implementar:
Provocou uma evolução conceitual que nos faz compreender
patrimônio cultural incluindo não apenas artefatos da elite mas
também os de grupos minoritários (indígenas, negros, ciganos e
outros) e os estratos populacionais não privilegiados. Realmente, na
seleção e na preservação de bens representativos, não interessa
exclusivamente a casa-grande mas também a senzala, não apenas as
mansões de barões do café ou de primeiros industriais mas também
humildes conjuntos residenciais de colonos e de primeiros
trabalhadores da industria, bem como interessa registrar o artesanato
pobre rural e urbano, as modas-de-viola, o processo evolutivo da
macumba/umbanda (passando de caso de polícia para culto religioso
reconhecido e até procurado pela elite), a medicina tradicional
popular, a chamada arte plumária e as pinturas corporais indígenas,
os movimentos reivindicatórios de operários etc. (FILHO
PELLEGRINI, 1993, p. 106-107)
Posteriormente, com a redemocratização do sistema político brasileiro foi
promulgada a Constituição 1988. Os artigos referentes ao patrimônio tiveram um
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avanço significativo, pela primeira vez surge o conceito Patrimônio Cultural e a ação
popular tem explicitada em seu texto suas responsabilidades perante o patrimônio da
união.
Artigo 5° - Todos são iguais Perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da suculência;
(www.iphan.gov.br, 2005)
Outro artigo que atraiu nossa atenção foi que o Estado ficaria responsável em
promover e divulgar as manifestações culturais, mas com a preocupação de observar
toda a formação étnica diversificada brasileira: 1º O estado protegerá as manifestações
das culturas populares, indígenas e afro-brasileras e das de outros grupos
participantes do processo civilizatório.(www.iphan.gov.br, 2005)
A percepção referente a imaterialidade do patrimônio e da cultura também foi
empregada nessa constituição, no artigo 216º encontramos uma alusão na definição do
que deveria ser considerado patrimônio:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem. (www.iphan.gov.br, 2005)
O texto da constituição segue recomendações estabelecidas no Compromisso de
Brasília e outras cartas internacionais. Quando coloca no artigo 23º:
É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios:
III -proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e
os sítios arqueológicos;
IV -impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de
arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V- proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
(www.iphan.gov.br, 2005)
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Portanto, como podemos testemunhar ficou registrado o dever dos municípios
em confeccionar suas próprias legislações. Imbuído desse pensamento, Londrina
finalmente vem discutindo a implementação de suas próprias leis patrimoniais.
Acreditamos que nesse ano de 2005 possa ser encaminhado a Câmara Municipal de
Londrina, o Projeto de Lei de Preservação do Patrimônio Cultural e a criação da
Diretoria de Patrimônio Artístico e História-Cultural, vinculado a Secretaria Municipal
da Cultura.
Apontaremos nesse momento a posição atual do turismo nas questões
patrimoniais. Como já colocamos no inicio dessa discussão o Turismo é uma força de
mercado que pode contribuir para a preservação/conservação/interpretação dos
monumentos e da cultura. Por outro lado, também pode provocar teatralização dessa
cultura, a exclusão da comunidade e a ratificação de patrimônios escolhidos por
interesses oficiais ou econômicos: As forças de mercado que movem o turismo tendem a
transformar alguns sítios históricos em meros cenários e as comunidades que aí vivem em
museus performáticos. (MURTA apud. MENESES, 2004, p.53)
O turista busca uma fuga do seu cotidiano, em um momento histórico em que a
globalização, a massificação da informação e o consumo exacerbado são as marcas
atuais das sociedades ocidentais. Desta forma, em qualquer cultura as experiências
passadas possuem um valor lúdico inquestionável, resta ao Turismo vender esses locais
de lembranças.
O turismólogo tem em suas mão à responsabilidade de atuar como um
instrumento de preservação do patrimônio, ou de destruição do mesmo. Portanto o
turismo:
(...) se vê em uma encruzilhada definidora de rumos bem distintos: ou
se apresenta como uma proposta econômica de inclusão social e,
assim, contribui para novas perspectivas de valorização da vida, do
consumo de produtos culturais e de distribuição de renda, ou, por
outro lado, alia-se a uma economia que exclui parcelas imensas da
população da participação na produção econômica. É triste
observamos cidades onde o chamado Turismo Histórico exclui a
comunidade, que preservou e guardou o bem histórico, do usufruto de
sua apreensão e das perspectivas de melhoria da qualidade de vida a
partir da comercialização sustentável desse bem patrimonial.
(MENESES, 2004, p.13)
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Para evitarmos essa massificação do Patrimônio Histórico e Cultural, a exclusão
de opinião e até mesmo física das populações, o Turismo deve desenvolver novas
alternativas para conciliar economia e preservação patrimonial.
Uma dessas alternativas foi defendida por Stela Maris Murta e Celina Albano no
livro, “Interpretar o Patrimônio: um exercício do olhar”. Em vários artigos
pesquisadores apresentam a questão da “Interpretação do Patrimônio”, que funciona no
intuito de valorizar locais de patrimônio para atrair visitantes. Contudo essa iniciativa
vai mais longe, pois auxiliam esses visitantes a compreenderem aspectos culturais dos
lugares visitados. As autoras defendem que para isso devemos utilizar todos os recursos
possíveis:
Para atingir seus objetivos, a interpretação utiliza várias
artes de comunicação humana – teatro, literatura, poesia, fotografia,
desenho, escultura, arquitetura – sem todavia se confundir com os
meios de comunicação ou equipamentos que lhe servem de veículo
para expressar as mensagens: placas, painéis, folders, mapas, guias,
centros, museus, etc. Nada substitui, no entanto, a interpretação ao
vivo, quando realizada por guias e condutores sensíveis ao ambiente e
às necessidades dos visitantes.(MURTA, 2002, p.14)
Um exemplo bem sucedido seria o recurso da “luz” e “imagem”. Atualmente,
museus utilizam de projeções de slides que revelarem curiosidades do acervo, além de
iluminações diferenciada acabam por atrair e informar os visitantes. No Brasil o Museu
Imperial de Petrópolis possui o espetáculo “Som e Luz”, um diferencial a mais além do
belo acervo sobre o Brasil Monárquico de D. Pedro II.
Tentamos nesse trabalho justificar através das legislações e autores de áreas
afins, que tanto o Turismo quanto o Patrimônio Histórico e Cultural são construções
artificiais do seu tempo presente, e as palavras de Eunice R. Durham expressa com
maestria nosso entendimento em relação a este aspecto: O homem é um animal que
constitui, através de sistemas simbólicos, um ambiente artificial no qual vive e o qual
está continuamente transformado. A cultura é, propriamente, esse movimento de
criação, transmissão e reformulação desse ambiente artificial. (PELEGRINI, 1993, p.
95)
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BIBLIOGRAFIA
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 5 ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
CERTEAU, Michel. A escrita da História. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2000.
CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001.
FILHO PELLEGRINI, Américo. Ecologia Cultura e Turismo. 7 ed. Campinas:
Papirus, 1993. (Coleção turismo)
FUNARI, Pedro Paulo (Org). Turismo e patrimônio cultural. São Paulo: Contexto,
2001.
MENESES, José Newton Coelho. História & Turismo Cultural. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
MURTA, Stela Maris; ALBANO, Celina (Org.). Interpretar o Patrimônio: um
exercício do olhar. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. 3
ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
www.iphan.gov.br (07/09/2005)

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