o assessor McAlvany inteligência

Transcrição

o assessor McAlvany inteligência
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
JESUS NÃO TEM DENTES (MAS TEM DENTISTA) NO PAÍS DOS
BANGUELAS
Parafraseando Shakespeare, há algo de
podre no reino odonto-bucal do Brasil.
Ou melhor, na boca dos brasileiros.
Mesmo exibindo os mais invejáveis indicadores na formação de cirurgiõesdentistas, uma população equivalente
à do Canadá nunca passou por uma
cadeira de dentista. Um verdadeiro
exército de excluídos da saúde bucal.
Homero Pereira
Cirurgião-dentista
6
EXUBERÂNCIA
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
7
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O
I N S I G H T
s números são de impressionar. Segundo a Federa
ção Dentária Internacional (FDI), o Brasil possui 11%
dos cirurgiões-dentistas em atividade no mundo.
Neste início de Terceiro Milênio, estavam registra
dos em nosso Conselho Federal de Odontologia nada
mais, nada menos do que 163.317 profissionais.
Para completar, o país possui 125 faculdades de Odontologia, que a cada ano despejam no mercado 11 mil recém-formados. A safra de dentistas diplomados vem aumentando entre 6 e
7% ao ano, enquanto a população brasileira tem crescido 2%
anuais. Estamos, no Brasil, mais ou menos como os advogados
estão para os Estados Unidos, que tem mais “defensores da Justição” do que todo o resto do mundo junto. Um total de 800 mil
advogados, resultando em uma média de 300 profissionais para
cada 100 mil habitantes. Conclusão: mesmo descontando-se os
milhares de dentistas que hoje ganham a vida em países como
Portugal, com tantos formados seria possível atender ao dobro
da população brasileira.
Triste sina é essa do profissional de odontologia, que vê sendo mascateada sua profissão e não encontra espelhada nas estatísticas da saúde pública o resultado do seu mister. Aliás, muito
pelo contrário, a política pública de área de saúde bucal acaba
sendo uma fundamental aliada no caso de desamor existente
entre a profissão do médico-dentista e a grande maioria da população. O aforismo de Ambrose Bierce, no Dicionário do Diabo,
de que somos “prestidigitadores que, colocando metal na boca
alheia, tiramos moedas do bolso do povo” acaba sendo o mínimo
no sentimento popular.
A realidade, porém, mostra que a mão-de-obra especializada é sub-aproveitada. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, feita pelo IBGE, 29,6 milhões de brasileiros nunca consultaram um dentista. Ou seja,
quase 19% da população brasileira. A exclusão é maior entre
as crianças menores de quatro anos: 86% delas jamais sequer
fizeram uma aplicação de flúor. E um entre cada três habitantes da área rural também nunca pôs os pés em um consultório
dentário.
Segundo o IBGE, a falta de dinheiro é a maior barreira
entre a maioria da população e os consultórios. Mais de 7 milhões de pessoas que nunca consultaram um dentista, desde
que vieram ao mundo, são aqueles brasileiros sem rendimentos (o que inclui quem faz os chamados bicos e pensionistas) e
os que recebem até um salário-mínimo por mês. Já aquela rica
faixa da população (para os padrões tupiniquins) que mensal-
8
EXUBERÂNCIA
INTELIGÊNCIA
mente embolsa mais de 20 salários contribui com pouco mais
de 400 mil pessoas as estatísticas dos sem-dentista. Pior para
quem não tem renda, já que, enquanto apenas 20% da população brasileira pode bancar um plano de saúde privada, a saúde bucal coletiva não tem sido exatamente uma prioridade nas
políticas públicas.
O próprio orçamento do Ministério da Saúde, diga-se de passagem, não tem exibido um crescimento muito generoso, nos
últimos anos, levando-se em conta a relação com o Produto Interno Bruto. Em 1994, o ministério desembolsava, para todos os
programas, o equivalente a 2,73% do PIB. Entre 1998 e 2000, o
número estacionou nos 2,11%. E o gasto per capita com a saúde
da população, ano passado, ficou em R$ 136,65. Ou R$ 11,38 por
mês, o que não dá para bancar a consulta nem de um dentista
que recebeu o diploma na véspera.
Mesmo nesse cenário bucalmente caótico e nada bucólico,
por incrível que pareça, nosso Índice de Prevalência de Cárie,
ou CPO-D, no jargão da Organização Mundial de Saúde (dentes cariados, perdidos ou obturados), medido em crianças até
12 anos, até que vem se reduzindo bastante. Em 1986 apresentávamos um resultado alarmante de 6,65, que caiu para
3,1 em 1996, considerado médio para os padrões da Organização (ver Mapa 1). Apesar dessa flagrante evolução, continuamos lá na lanterna do campeonato da saúde bucal: em um
ranking de 186 países, o Brasil ocupa o 129° lugar, em pesquisa concluída em 1999. Ou seja, melhorou muito para continuar quase no fim da fila diante do tamanho do verdadeiro abismo que separa a população das práticas universais de profilaxia dentária, no Brasil. Espanta que, com tamanho mercado
potencial e tantos profissionais, não se perceba efeitos de saudável competição, a saber, “orçamentos” com freqüência equivalentes ao valor de um automóvel. Ora, que diabos, lá vão
mais algumas estatísticas odonto-ilógicas.
Segundo um levantamento de 1996, os brasileiros entre 33
e 44 anos exibem, em média, 16 dentes perdidos. E uma fatia
correspondente a 3% desta população é formada pelo chamado
desdentado total. Mas afinal, o Brasil é mesmo um país dos
sem-dente? Uma resposta precisa sairá em breve, com os resultados da pesquisa mais esperada pelos profissionais de saúde
bucal. É o SB2000, um levantamento que está sendo realizado
com 175 mil pessoas de 250 municípios, desde bebês até idosos, e que vai permitir uma análise mais fiel do sorriso do brasileiro. O trabalho está acontecendo depois de um amplo debate entre instituições, pesquisadores entidades de classe, uni-
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
versidades, cursos de pós-graduação e secretarias estaduais e
municipais de saúde.
Desenvolvida pela Área Técnica de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, a pesquisa vai usar a metodologia da OMS, mas
devidamente adaptada à realidade brasileira, para se levantar
dados sobre incidência de cárie dentária, doença periodontal,
fluorose, oclusopatias e ainda o uso e necessidade de prótese.
Cerca de 1.200 examinadores participam do trabalho de campo,
além dos coordenadores regionais e colaboradores em todos os
municípios.
A Associação Brasileira de Promoção de Saúde teve um papel fundamental no incentivo a essa pesquisa. Desde sua criação, em 1981, a Aboprev foi responsável por uma série de iniciativas que permitiram a sensível queda do CPO-D desde 1986,
como a padronização da fluoretação das águas de abastecimento com a dosagem ideal de flúor e ações junto às industrias fabricantes de cremes dentais, para a incorporação de flúor à
maioria dos produtos. Mas, é claro, trata-se ainda de um despertar singelo frente ao tamanho da trajetória que precisa ser
percorrida.
OS PROGRAMAS DE SAÚDE ORAL
A cárie dentária é uma doença provocada por fatores como o
consumo freqüente de açúcar (sacarose) e falta de higiene oral.
A relação entre consumo de açúcares e cáries é fartamente documentada na literatura científica, inclusive em estudos realizados há mais de 50 anos, logo depois da Segunda Guerra Mundial. Na época comparou-se a saúde oral de alguns povos antes
e depois do contato com a alimentação “civilizada”, rica em sacarose. Como se pode imaginar, a nova dieta só fez estragar o
sorriso de regiões menos desenvolvidas do planeta.
Pesquisas recentes, no Reino Unido, Estados Unidos, Espanha e Nova Zelândia, mostraram que, tanto em crianças quanto
em adultos, o total de todos os fatores alimentares examinados
(quantidade de carboidratos, tipo e freqüência) era responsável
apenas por um aumento muito pequeno da incidência da cárie.
Os fatores alimentares, embora estatisticamente significativos,
eram clinicamente insignificantes, pois eram anulados pelos efeitos do flúor e programas de higiene oral.
O mesmo não se pode dizer do Brasil. Aqui o consumo per
capita, em média, chega a 60 quilos de açúcar por ano, ou mais
de um quilo por semana. Uma recente tese de mestrado da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizada pela Dra. Luciana Bastos, mostrou que em Bom Jesus do Itabapoana, cidade
10 EXUBERÂNCIA
INTELIGÊNCIA
fluminense de economia canavieira, os escolares de 6 a 12 anos
apresentam um CPO-D de 6,5, contra 2,1 ou 1,6 de outras regiões do Estado do Rio de Janeiro. Que, aliás, é um dos que exibe
índices mais baixos no Brasil (ver Mapa 2).
Nessa área, alguns grandes acertos pelo menos já engatinham. Um projeto que hoje serve de base para o Ministério da
Saúde é o Programa Odontológico Escolar de Saúde (Proesa). O
programa nasceu em 1985, na prefeitura de Porto Alegre, conduzido pelo Dr. Rui Oppermann. Como amparo científico, uma
série de trabalhos clínicos e laboratoriais foram realizados desde 1980 na capital gaúcha.
O Proesa começa com um seminário com a comunidade, envolvendo sindicatos, igrejas, lideranças comunitárias, escolas,
pais, professores, órgãos governamentais, cirurgiões-dentistas
e auxiliares que eventualmente estejam participando do projeto. Discute-se cada tratamento, detalhadamente. Tudo com a
proposta de despertar para a importância de uma atenção maior no tratamento odontológico.
Com o acompanhamento de profissionais, as crianças recebem remoção de placa e aplicação de flúor e orientação em escovação seis a oito vezes no espaço de um ano. Em Manaus, por
exemplo, a prefeitura conseguiu uma redução de cárie bastante
significativa na população infantil. O CPO-D na faixa de 12 anos
era 11,7, caiu para 4,6 em quatro anos e, depois de mais quatro
anos, desceu para 3,6.
Outro programa é o desenvolvido pelo Pólo Odontológico, no
Rio, mais precisamente em uma escola municipal, a Dunschee
de Abranches, através de convênio entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Prefeitura. Já se alcançou um índice de
50% das crianças aos 11 anos com CPO-D igual a zero, ou sem,
sem dentes cariados, perdidos ou obturados. Isto em apenas
quatro anos de um bem sucedido programa de promoção da saúde e prevenção.
A inclusão da odontologia no programa Saúde da Família,
do Ministério da Saúde, é a iniciativa mais ampla e importante
para se atingir a população excluída. A meta é formar até 2.500
equipes de saúde bucal. Cada equipe será formada por um dentista, um técnico de higiene oral e um atendente de consultório
dentário. Este programa enfatiza, por exemplo, a educação para
saúde com a incorporação da higiene oral diária, com a distribuição de escovas e cremes dentais fluoretados. A meta inicial é
cobrir, em apenas um ano, 100% das famílias já atendidas pelo
Programa Saúde da Família.
Esses e outros programas deverão possibilitar que a popula-
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
ção de baixa renda tenha acesso a um beneficio básico. Mas,
como se recomenda sempre olhar o exemplo dos mais desenvolvidos, salta aos olhos e o dói nos dentes a comparação: estamos
ainda muito longe das possibilidades e da qualidade de serviço
nas áreas da profilaxia bucal e do atendimento odontológico à
grande maioria, quando relacionados a outras nações.
O EX E MPLO DE FORA
Os países escandinavos, por exemplo, conseguiram um sucesso invejável em seus programas, exibindo resultados como a
ausência de cárie por três gerações consecutivas. E isto sem a
menor necessidade de se formar milhares de cirurgiões-dentistas a cada ano. Os técnicos em higiene oral é que exercem um
papel fundamental. Na Suécia, a redução da necessidade de tratamentos dentários levou ao fechamento de metade das faculdades de Odontologia. E espera-se o corte de vagas nas universidades que ainda existem.
Exatamente na contramão, o Brasil tem aumentado o número de faculdades de odontologia. Isto apesar do altíssimo custo de formação que um dentista representa para as 27 universidades federais, diante da infra-estrutura de ensino necessária.
Resultado: a desestabilização do mercado de trabalho, com achatamento da média salarial e um alto índice de desemprego entre recém-formados.
A odontologia realmente tem sido uma das profissões de
maior procura em nosso país, nos últimos 20 anos. Mas isto respondeu a diversos fatores que hoje não estão mais presentes no
mercado nos dias de hoje. A grande procura gerou um aumento
do número de faculdades. Eram 78 no final da década de 70,
passaram para 90 em 1996 para e, agora, somam 125.
A distribuição dos novos dentistas é desorganizada, e se
concentra nos grandes centros. Em São Paulo, a proporção é
de um cirurgião-dentista para 643 habitantes. Já no Maranhão existe um para 4.919 habitantes. Detalhe: o índice ideal
sugerido pela OMS é de um dentista para 1.500 pessoas. E
graças à concentração nos estados mais ricos, a média brasileira termina ficando em um cirurgião para cada 1.033 habitantes. Por incrível que pareça, sobra dentista, sobra desemprego entre os recém-formados e os orçamentos não diminuem. Estranho, muito estranho.
INTELIGÊNCIA
O Ministério da Educação possui, mas não exerce, o poder
de regular o mercado. A criação de novas universidades em áreas com alta concentração de profissionais tende a ampliar distorções já existentes, como o sub-emprego, maior concentração
de renda em profissionais já estabelecidos, consolidação de empresas de odontologia de grupo, diferenciação ultra-tecnológica
e aumento do faturamento dos cursos de pós-graduação. Ou seja,
tudo o que não ajuda em nada reduzir o gap.
Para completar,os alunos das faculdades de odontologia tem
recebido uma formação baseada no modelo de média tecnologia.
Isto não atende à demanda do mercado privado e também não
corresponde às necessidades do setor público.
Oportunidades estão sendo criadas em diversos segmentos,
com o surgimento de novas especialidades, como implantodontia, odontogeriatria e o diagnóstico através de imagens digitais,
permitindo a tele-odontologia. A terapia a laser também tem
promovido uma revolução na tratamento. Mas estes tratamentos têm sido exclusividade para um segmento reduzido da sociedade, já que poucos são os profissionais que podem se estabelecer nessas especializações.
Com este nível de competição desigual, estabelecido pelo
modelo educacional, o resultado inclui distorções como uma enorme queda de poder aquisitivo dos dentistas e o conseqüente desestímulo à profissão. Isto quando o nosso maior desafio é levar
a saúde oral a toda população, desenvolvendo modelos que permitam o acesso aos serviços e ajustem a capacidade de formação
de profissionais às necessidades do mercado.
Mas convém saber o que pensam os formandos diante de
um quadro tão banguela. Recentemente, a Faculdade de
Odontologia de Araçatuba (SP), uma das mais conceituadas
do país, realizou uma pesquisa com 152 alunos do primeiro e
do quarto ano. As respostas mostraram, por exemplo, que
93% dos quartanistas já consideravam o mercado de trabalho desfavorável. E que, diante das condições financeiras da
população, os então futuros dentistas temiam um verdadeiro colapso da profissão no Brasil do Terceiro Milênio. Pelo
jeito a ponte aérea odontológica Brasil-Portugal vai aumentar, além de uma invasão ao Mercosul.
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
11
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ENTREVISTA
INTEMPESTIVA
WANDERLEY GUILHERME
UM ORIGINAL DE
A
DOS
SANTOS
OCTÁVIO DE FARIA
ntes de ser dispensado do Departamento Nacional do SESC a bem da democracia, em
outubro de 1963, aproveitei-me de sua excelente biblioteca para ler nossos pioneiros
teóricos sociais. Descoberta e tanto, iniciada na seção de obras
raras da Biblioteca Nacional, 1961, em busca de uma história
das idéias filosóficas no Brasil, por orientação de Álvaro Borges Vieira Pinto. Malsucedido na empreitada principal, por
Camargo, née Alcântara, e Sônia Camargo, 21 coleções de
falta de talento e paciência, preferia as análises sociais que
revistas e boletins de editoras, além de sete catálogos ou ma-
filósofos e romancistas pariam vez por outra. Descobri, por
nuais compreendendo um total de 36 volumes de registros
exemplo, que o positivista Luiz Pereira Barreto, um maçante
bibliográficos, de tudo emergindo uma Bibliografia do Pen-
segundo minha particular e ignorante métrica, produzira in-
samento Político-Social Brasileiro, 1870-1965. De bisbilho-
teressante avaliação do Brasil no Limiar do Século XX (o
tice em bisbilhotice, entrevistei Virgínio Santa Rosa, Barbosa
título pode ser, de fato, ligeiramente diferente) e que Eucly-
Lima Sobrinho e Alceu de Amoroso Lima sobre o antiga-
des da Cunha resolvera resumir a História do país em ensaio
mente cultural deles, a década de 1930. Octávio de Faria
“Da Independência à República”. E por aí vai, ou fui assí-
solicitou-me as perguntas por escrito, redatilografou-as, res-
duo bisbilhoteiro de sebos e bibliotecas em busca dessa me-
pondeu-as, corrigiu as respostas a tinta, datou, assinou e foi
mória entorpecida.
levar-me as seis páginas de seu depoimento à Praça XV de
Em 1966, já dispensado do serviço público em outubro
Novembro, 101, sede principal do conjunto que viria a cons-
de 64 por obra do Ato Institucional então único, e igualmen-
tituir a Universidade Candido Mendes, e onde começara a
te em benefício da democracia, andava às voltas com um
funcionar o Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Ja-
levantamento bibliográfico das reflexões nacionais sobre o
neiro. Ali então estava eu, homiziado, como estou até hoje,
Brasil. Terminei por consultar, com a assistência de Aspásia
passados trinta e cinco anos, ainda em parcial reclusão preventiva. Para os estudiosos contemporâneos, aí está, em fac
simile, como Octávio de Faria avaliava o fascismo, cerca de
30 anos depois de havê-lo admirado.
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
25
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ECONOMISTAS DA FGV ENTREVISTAM
Lorde J.M.
Keynes
Renê Garcia, Lauro Vieira de Faria e Jack Schekteman
32 RECATO
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
33
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
U
I N S I G H T
ma certa apreensão toma conta do ambiente. São
17h02 min. É hora doenglish tea. Estamos nós aqui,
Renê Garcia, Lauro Vieira de Faria e Jack Schekte
man, reunidos em volta de boa porcelana. Estranho,
afinal John Maynard nunca tinha se atrasado antes.
Da mesma forma que as outras vezes, colocamos, próximo da
mesa de chá, um botijão de Tatinger de boa safra. Quando o
assunto é etilismo, Lorde Keynes faz questão de discrição. Mas
será que ele viria? Ou nos abandonaria de vez, conforme promessa inúmeras vezes repetida? O silêncio cresce na sala. O
único ruído é o do nervosismo. Se não sabem, a tensão tem o seu
barulho próprio. Mas, uma suave brisa, quase um respiro, traz
a fragrância do vinho espumante e prenuncia a sua eminente
chegada.
O espectro do economista está bem mais esmaecido do que
no último encontro. Keynes parece realmente estar sumindo do
mundo. Ele senta-se com suavidade no sofá da sala, que é para
onde nos dirigimos também. Há formalidade e cerimônia no ar.
O ectoplasma de John Maynard procura o balde do champanhe
com o olhar. Encontrado o dito, faz um sinal para que comecemos a conversação. Tem início então a entrevista com Keynes.
Economistas – Lorde Keynes, V.Sa. tinha noção, ou idéia do
alcance da vossa obra no tempo e no espaço?
JMK – Eu nunca tive dúvida, que estava desenvolvendo uma
interpretação, original e revolucionária do mundo, a teoria econômica, e a economia política do século XX seria marcada pela
minha contribuição. Há inclusive um episódio em 1934, que revela minha percepção do alcance de minha obra: em correspondência com meu amigo George B. Shaw, teci comentários sobre
o meu estado de espírito à época, afirmei que me encontrava
muito angustiado e em período de forte introspecção, pois estava escrevendo uma obra que iria revolucionar a teoria econômica e a percepção do mundo sobre os assuntos e os problema econômicos.
Economistas – O senhor poderia então nos dizer que ingredientes devem fazer parte da composição ou a fórmula para ser
um bom economista?
JMK – Eu não me considero um economista, pelo menos não
sou um profissional de economia, sou quando muito um pensador de economia, alguém que pensa de forma integrada, mas
acredito que o processo de formação intelectual de um economista deve partir de uma profunda análise sobre a natureza
das questões econômicas. O processo começa por uma avaliação
das causas e efeitos, conhecer história, matemática, filosofia e o
34 RECATO
INTELIGÊNCIA
fundamental é ter uma profunda intuição econômica e uma combinação pouco comum entre inspiração, no sentido de intuição e
rigor cientifico. É preciso e fundamental que o estudioso de economia mantenha a mente sempre aberta para o quadro mutante das experiências e esteja sempre ligado na realidade, para
que assim seja capaz de aplicar constantemente à sua interpretação corrente, os princípios do pensamento acadêmico — a economia é uma ciência que ajuda a pensar em termos gerais, em
modelos, pensar em economia e o exercício de uma escolha de e
entre modelos alternativos, aliada à arte de selecionar desta
cesta de ferramentas aquelas que são as mais pertinentes ou
que melhor se encaixam com o mundo contemporâneo.
Economistas – Falando assim parece fácil mas qual o motivo
para termos tão poucos bons economistas?
JMK – Meu caro, vocês latinos como sempre são muitos afetados pelas palavras, para lhe ser mais claro. Os bons economistas são raros porque o dom de usar uma “observação”, entendêla, compreender todo o conjunto de informações em seguida processar e transformar essa massa em algo concreto é difícil, sendo portanto uma tarefa complexa, pois, adicionalmente a esta
fase, é necessário que o economista tenha uma grande capacidade para, a partir das informações obtidas, este ser pensante,
seja capaz de escolher os modelos adequados ou criar alternativos... e usá-los, de forma consistente, talvez seja essa a razão,
para a explicação do porquê, que produzir bons economistas em
academias, seja um evento tão raro e difícil.
Economistas – Meu lorde, vossa obra virou uma verdadeira bíblia para alguns seguidores. Correntes de pensamento e escolas
lutam para expressar, aquilo que entendem como sendo o significado preciso das idéias de V.Sa., ou seja, seguem suas proposições
ao pé da letra. Qual a sua opinião sobre vosso legado intelectual?
JMK – Esse fundamentalismo travestido de iconografia perturba-me e chega a irritar-me, pois tive alunos de diversas matizes ideológicas e políticas, diante de todos sempre guie meus
ensinamentos por uma postura de seriedade com serenidade,
nunca quis ou desejei criar uma seita, ou uma nova religião,
todo o conteúdo de minha obra foi voltado para a compreensão
do capitalismo, e posso até afirmar que o que desejei foi criar
antídotos ou anticorpos para as doenças do capitalismo, sou um
liberal no sentido das idéias e um conservador nas ações de política, a imbecilidade de alguns políticos e o apego formal à tecnoburocracia dos escalões do serviço publico norte-americano é
que não entenderam o conjunto de minhas propostas nem a
abrangência e o significado de minhas recomendações. Em mi-
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
nha conversa com Roosevelt, ficou evidente a total incapacidade
e incompreensão da elite norte-americana para os fenômenos
do mundo real. Voltado ao tema central da questão, eu acredito,
aliás já escrevi que todos somos escravos de filósofos e economistas vivos ou mortos, e que o núcleo do pensamento das principais indagações e a forma de entender o mundo, têm poucas
mudanças no curso da História. Portanto não considero que deveria ser tido como o fundador de uma escola ou um grande
ideólogo. Minha única preocupação é a saúde do capitalismo e a
defesa dos mecanismos de mercado. O que não quer dizer que
algumas vezes por necessidade ou por desvios de curso, não possamos atuar para limitar o mercado, ou ainda para intervir na
atividade econômica para colocar a economia de volta aos trilhos. Nesse aspecto, admito minha contribuição e o papel da
Teoria Geral na reversão de conceitos, criei uma obra que de
fato definiu novos paradigmas. Como escreveu um italiano laureado com o Nobel em economia, Franco Modigliani — agora
todos somos keynesianos. Contudo, quero que todos saibam e
definitivamente que: Eu não deixei, nem sou responsável pela
obra de nenhum suposto herdeiro, seja legítimo ou bastardo.
Economistas – Lorde Keynes, alternando o tema da nossa tertúlia, como V.Sa. vê o papel dos bancos e a verdadeira tirania do
mercado financeiro sobre a economia mundial. O sistema financeiro hoje rege soberanamente destino de países. Como o senhor
analisa a questão?
JMK – Esse fenômeno não é novo, de fato ele é a essência do
capitalismo financeiro, se tomarmos o final do século XIX, vamos observar a influência da City de Londres sobre o destino e o
fluxo financeiro do mundo. De fato só para os senhores terem
uma idéia dos números, na Bolsa de Londres entre 1890 e 1910
cerca de dois terços das companhias norte-americanas eram negociadas na Bolsa de Londres, e setenta
por cento do capital do mundo estavam
“Um homem de
depositado nos bancos ingleses. E pratibem não deve
camente cem por cento do seguro eram
perder mais de
feitos pelo Lloyds. A verdadeira globali20 minutos por
zação ocorreu em Londres. Quanto ao padia se dedicando
pel dos bancos e dos banqueiros, minha
a bolsa, juros ou
opinião sobre essa gente, não mudou nos
câmbio”
últimos setenta anos, continuo achando
que o que move a atividade bancária é a ganância pelo lucro
fácil, os jovens operadores de New York e de Londres são movidos pela chama do dinheiro, pela busca vil e quase que servil do
bônus, se para tanto, países devem ser destruídos, bandas cam-
INTELIGÊNCIA
biais atropeladas — não que não mereçam ser destruídas tudo
pela remuneração extra, eu até acho que de fato essas pessoas
devam ser muito bem remuneradas, pois muitos desses indivíduos são atraídos para esses mercados e para essas atividades,
motivados pelo amor ao jogo, pela natureza dominadora de suas
personalidades, quase que por suas patologias, diria, que são
verdadeiros psicopatas. Se suas energias não encontrarem uma
saída ganhando dinheiro, podem voltar-se para carreiras que
envolvam crueldade gratuita e desenfreada. É muito melhor absorvê-los na City ou em Wall Street, do que deixá-los livres para
praticarem toda sorte de ações ou até mesmo no comando do
crime organizado.
Economistas – Mas, afinal, para ganhar dinheiro: bolsa, juros
ou câmbio?
JMK – Um homem de bem não deve perder mais de 20 minutos por dia se dedicando a tais atividades. Dito isto, prefiro a
bolsa, naturalmente, pois é lá que pulsa o capitalismo. Ademais,
onde podemos encontrar um mercado em que ganham não os
que apostam na mulher mais bela, como num concurso demiss,
mas os que apostam naquela mulher que a maioria considera a
mais bela? É, portanto, um mercado fascinante onde, para lucrar, não basta ter conhecimentos específicos de economia e finanças mas também de política, história, sociologia, psicologia
social e ate ciências ocultas. Por exemplo: um grande banqueiro
da City amigo meu — não direi o nome em deferência à sua
memória — nunca tomava decisões importantes de negócios sem
antes consultar uma famosa sensitiva.
Economistas – Como V.Sa. vê a situação atual da economia
internacional?
JMK – Vejo com preocupação, evidentemente. No espaço de
poucos meses, a economia dos Estados Unidos passou de um
crescimento vigoroso para uma virtual estagnação, as ações do setor de novas tecnologias desabaram mais de
50%, produzindo o temor de uma diminuição catastrófica das propensões
a investir e a consumir. A segunda
maior economia do globo, a do Japão,
encontra-se há anos patinando entre
a recessão e uma taxa medíocre de
crescimento do PIB, devido a um processo similar de deflação
dos preços das ações e dos imóveis. Na Europa, alguma prosperidade ainda se mantém mas, desde muitos anos, nosso continente deixou de liderar a economia mundial. E, lamentavelmenABRIL• MAIO • J UNHO 2001
35
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
te, voltou a ter graves problemas de desemprego depois que os
governos deixaram de lado minhas recomendações. Para completar o quadro negativo, a procura mundial por bens e serviços
sofreu enorme redução devido ao colapso das paridades cambiais em diversos países emergentes, tanto na Ásia quanto na
América Latina. Há, portanto, uma sincronia de crises que pode,
de fato, levar a uma séria recessão mundial.
Economistas – Essa recessão poderia se transformar numa
depressão como a da década de 30?
JMK – Certamente. Tenho observado que alguns economistas
mostram-se cépticos quanto a essa possibilidade. De um lado, existem os que continuam acreditando cegamente nas políticas de
mercado livre como o melhor remédio. Sobre a puerilidade dessa
tese, não preciso mais me manifestar. Mas, de outro lado, existem
aqueles para quem o governo pode quase tudo, o que não é absolutamente verdade. Aliás, continua incrível a capacidade de erro
dos governos na área econômica. Veja-se o caso do Japão. Em
meu último livro mencionei a possibilidade de, numa situação de
depressão e incerteza, a política monetária ser inócua. Chamei a
isso “armadilha da liquidez”. É justamente o que está ocorrendo
no Japão, onde a taxa de juros caiu a zero mas a economia não
melhora (nesse momento, Lorde Keynes sacode a cabeça, como que
num gesto de vaidade). Nesse caso, o remédio da expansão fiscal
é, sem dúvida, o único adequado e deve ser usado numa dose diretamente proporcional à gravidade da doença. Infelizmente, as
autoridades japonesas têm errado na intensidade das medidas,
na sua tempestividade e na consistência destas com as outras
políticas estruturais. Em suma, a teoria das políticas contracíclicas que enunciei em 1936 pode ser entendida em linhas gerais por
qualquer cérebro mediano mas a sua compreensão profunda e
implementação bem-sucedida não são para qualquer um.
Economistas – Mas o governo japonês e os investidores argumentam que com uma dívida pública de mais de 100% do PIB e
um déficit fiscal de mais de 3%, não há possibilidade de continuar a expansão fiscal...
JMK – Bobagem. O problema aí é o financiamento dos gastos
públicos numa situação em que, depois de dez anos de recessão
ou estagnação econômica, há uma sólida expectativa de deflação. Não surpreende, pois, que a população desconfie dos ativos
financeiros. Mas o fato é que ela ainda confia na moeda. Assim,
a solução óbvia é o governo recomprar parte de seus títulos em
poder do mercado e financiar parte dos gastos pela via da emissão de moeda. O governo se beneficiaria com isso pois reduziria
sua dívida, tornando-a palatável para os credores e a população
36 RECATO
INTELIGÊNCIA
também seria beneficiada pois se manteria o estimulo ao consumo e ao investimento. Ademais, uma inflação moderada propiciada pelo aumento da quantidade de moeda seria bem-vinda
pois eliminaria a infeliz espiral da deflação com recessão e desemprego. Quando a situação é grave, tudo é válido. Uma vez,
numa conjuntura de desemprego em massa na Grã-Bretanha,
sugeri ao governo de meu país que contratasse trabalhadores
para abrir buracos na terra e fechá-los em seguida. A prosperidade do Egito sob os faraós, com suas frenéticas construções de
pirâmides e monumentos, é também uma brilhante demonstração da correção de minhas teorias.
Economistas – Há, atualmente, uma impressão de grande desordem no sistema monetário internacional. O que senhor. acha
disso?
JMK – Não chegamos ainda aos extremos da década de 30
mas, de fato, a desordem monetária é evidente. Desde cedo percebi que o Acordo de Bretton Woods não seria tão maravilhoso
quanto se pensava: o sistema tinha um viés deflacionário pois
dependia de uma relíquia bárbara, o ouro, em paridade fixa com
o dólar; o peso dos ajustes de balanço de pagamentos continuava a ser depositado unicamente sobre os países deficitários e o
sistema de taxas fixas de câmbio se tornou rígido demais devido
à vaidade dos políticos e aos dividendos eleitorais (Keynes faz
um parêntese e declara — “disseram-me que algo parecido ocorreu em seu país recentemente”). Mas, apesar disso, o acordo proporcionou 30 anos de expansão gloriosa do comércio internacional, das rendas e do emprego na maior parte dos países. Coisa
muito diversa se vê hoje em dia: o sistema atual apresenta uma
tendência a extremos obviamente neuróticos — as moedas fortes não se ajustam mas saltam violentamente entre si ao sabor
de fluxos especulativos de capitais e as moedas fracas só conseguem alguma estabilidade por meio de esquemas excessivamente
rígidos fadados ao insucesso. Veja-se o caso do peso argentino.
Tudo isso fundamentado em velhas quimeras: as supostas virtudes estabilizadoras da especulação, os malefícios das intervenções dos bancos centrais, a possibilidade de isolamento das
turbulências externas via taxas flexíveis de câmbio, os ganhos
de credibilidade do padrão ouro etc. O que o mundo precisa é de
um novo Bretton Woods que supere, ao mesmo tempo, as fragilidades tanto do padrão ouro-dólar quanto do atual período de
taxas flexíveis e livre movimentação de capitais.
Economistas – Mas, preto no branco Lorde Keynes, taxas fixas
ou flutuantes de câmbio?
JMK – Sou a favor de taxas fixas de câmbio mas ajustáveis de
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
tempos em tempos. Taxas rígidas demais costuma ser recessivas
e atraem a especulação desestabilizadora. O uso da taxa de juros
acoplado a uma rígida paridade cambial é a mais perigosa técnica
para a manutenção do equilíbrio que se pode imaginar. Pois isso
significa eliminar completamente o objetivo de se ter taxas de juros consistentes
“Sei que tenho
com o pleno emprego em proveito da proseguidores no
teção da balança externa. Como na prátiBrasil meio
ca é impossível negligenciar o balanço de
fanáticos, mas a
pagamentos, obriga-se a taxa interna de
eles aviso:
juros a flutuar ao sabor de forças cegas.
não sou Deus
Taxas flexíveis, por seu turno, criam vonem santo”
latilidade e incerteza desnecessárias e,
portanto, prejudicam o desenvolvimento dos negócios internacionais e estão na raiz da transformação dos investidores de longo
prazo em especuladores do dia a dia. Assim, como transformar
beneméritos jogadores de bridge em cowboys viciados em pôquer.
Economistas – Mas não foram justamente os capitais especulativos que explodiram o sistema de Bretton Woods e viabilizaram o sistema de câmbio flexível?
JMK – Não foi bem assim. Um dos grandes problemas de Bretton Woods foi a impossibilidade de obrigar os países credores e
superavitários a revalorizarem suas moedas. Isto posto, todos
os ajustamentos cambiais tinham de ser feitos pelos devedores,
com evidente stress político. É um nonsense completo! Por que
países que têm uma atitude sadia em relação ao dinheiro, usando-o para obter o conforto possível aqui e agora, na única vida
que certamente temos, devem ser penalizados por outros que
insistem em comportamentos irracionais. Dou como exemplo os
japoneses que se comprazem em entesourar e poupar para garantir a segurança dos tataranetos e os alemães que mantêm
sistematicamente taxas elevadas de juros por temor pânico de
qualquer inflação, por menor que seja. Não espanta que os preços nesses países caiam em relação aos do resto do mundo. No
entanto, são os outros que têm de desvalorizar e não esses senhores que revalorizar suas moedas. Minha proposta em Bretton Woods previa severas penalidades para tais países — não
receberiam juros em suas posições credoras no FMI, os saldos
em excesso na banca privada seriam obrigatoriamente transferidos ao Fundo e, caso persistisse o desvio, seriam forcados a
revalorizar. Infelizmente, nada disso foi avante devido à patente obtusidade da delegação norte-americana. Quanto aos capitais, vejo com grande simpatia a proposta de um dos meus discípulos, James Tobin, dos governos aplicarem um imposto mode-
INTELIGÊNCIA
rado sobre transações financeiras de curto prazo de forma a lhes
reduzir o giro, a liquidez e a ganância.
Economistas – O senhor mudou de opinião, pois da leitura de
sua obra Treatise on Money, a impressão que temos é que o senhor pensava de forma oposta?
JMK – Somente os imbecis, as mulas e os falsos profetas, é que são dogmáticos e invariante ao tempo, para
esse tipo, a duvida não existe, pois pensam com base em preconceitos e verdades absolutas, não agem como se fossem cientistas, e como eu tenho sempre dúvidas, logo não sou um homem
de um pensamento único. Posso me dá ao luxo de mudar alguns
pontos de meu pensamento. De fato o que ocorreu foi uma evolução na minha forma de pensar, principalmente depois da publicação do Tract on Monetary Reform.Eu revi minhas convicções e meus modelos. Pois se os fatos mudam, eu também altero
a minha forma de ver o mundo. E vocês o que fazem....?
Economistas – O senhor é conhecido como um patriota extremado. Como avalia a situação atual de seu país?
JMK – Em linhas gerais, a Inglaterra vai melhor agora. Ela
sofreu, na década de 70 os excessos dos sindicatos que exigiam
aumentos salariais incompatíveis com a evolução da produtividade e, portanto, geradores de inflação e, na década de 80, excessos em sentido contrário com Lady Thatcher sendo aconselhada por economistas defensores de uma teoria de fundo religioso, o monetarismo. Agora, tem-se uma situação mais equilibrada. Obviamente, a Grã-Bretanha não pode desejar retomar
tão cedo a posição de absoluto destaque que teve durante dois
séculos na cena internacional. Ela hoje necessita crucialmente
estar integrada à Europa e ao resto do mundo de modo a obter
os bens, serviços e capitais necessários à continuação de sua
prosperidade. Porém, do ponto de vista inglês, uma coisa inteiramente descabida é a adesão à união monetária européia e o
fim da libra, que nos obrigaria a dançar conforme a música da
Alemanha e, um pouco menos, da França. Cá entre nós, o euro é
média de coisas muito heterogêneas, ou seja, não significa nada.
Economistas – E o Brasil, Lorde Keynes, tem jeito?
JMK – Não conheço adequadamente o seu país e, portanto, não
penso que deva responder a essa pergunta. Sei que tenho seguidores meio fanáticos aqui mas a eles aviso: não sou Deus nem santo.
Economistas – Caro mestre, queira nos desculpar, mas, verdade seja dita, V.Sa. foi um grande especulador, inclusive seu mais
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
37
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
recente biógrafo calculou um ganho de vinte milhões de dólares
em suas operações nos mercados de juros e de ações, ao longo de
dez anos, justamente no período que senhor era consultor do
Departamento do Tesouro inglês. Contra fatos, meu Lorde, não
existem argumentos.
[Pela primeira vez em nossa entrevista, Lorde Keynes mostra esboço de impaciência, contrai a tez, baixa a cabeça e desvia
o olhar para a Baía da Guanabara. Todos observamos mudos a
reação de Keynes. O clima é de visível constrangimento. O economista decide sorver um gole do vinho pura vita. Milagres acontecem após uma talagada do frisante néctar. O mestre volta a
sorrir, e, ainda que não serenamente, recomeça a falar.]
JMK – Somente na cabeça de um latino-americano poderia
passar uma idéia com essa, primeiro, nessa época eu era consultor não do Tesouro, mais do escritório que tratava dos assuntos
das colônias, e não tinha nenhuma informação relevante, que
fosse passível de utilização, segundo de fato ganhei muito dinheiro, mas havia perdido muito nos anos anteriores, terceiro
um inglês bem nascido jamais usaria informações obtidas no
exercício de suas atividades públicas para ganhar dinheiro, isso
é coisa de povos bárbaros.
[Buscando reconstruir a cordialidade perdida, falamos sobre as belezas do Rio de Janeiro. Nosso mestre, vetusto e impecável, não abre a guarda, em nenhum momento perde a pose.
Mas, o champanhe trabalha por nós. Keynes afrouxa o semblante e sugere que reengatemos a conversa.]
Economistas – V.Sa. poderia nos falar sobre vossa atividade cultural e literária, assim como as lembranças do grupo de Bloombury.
JMK – De fato nosso grupo era fantástico, Duncan Grant, Virginia Woolf, Lytton Strachey, Dora Carrington, todos nós vive-
Bibliografia
Baterman, B.; Davis, J. – Keynes and Philosophy, Essays on the origin of the
Keynes thought –, Edgar Elgar Publishing, London, UK, 1994.
Crabtree, J. – Keynes and the Bloomsbury Group, The Fourth Keynes Seminar
Held at the University of Kent at Cambridge, 1980
Dobbbs, Z. – “ Sugar Keynes” – http://members.tripod.com/~Bioleft/Keynes.html
Escoffier, J. – Jonh Maynard Keynes, Chelsea House Publishers, London, UK,
1994.
Keynes, “John Maynard Keynes deserves a webpage of his own” - http://
econ161.berkeley.edu/Economist/Keynes.html.
Keynes, J. M - Teoria Geral do Emprego do Juro e Moeda, Editora Atlas, São
Paulo, Brasil, 1982.
Keynes, J.M. – The Collected Writings of John Maynard Keynes – Vols, VI, X XI,
XII e XII, editados por Donald Moggridge, Macmillan, Cambridge University Pres,
London, UK, 1983.
38 RECATO
INTELIGÊNCIA
mos intensamente nossas vidas, vivemos no limite, sem reservas
ou qualquer tipo de restrições derivadas da ética vitoriana. Tudo
que era belo e bom era válido, tudo que era possível ser feito,
fizemos, tivemos momentos incríveis, fortes lembranças, grandes
paixões, a juventude realmente é gloriosa, devo muito de minha
formação intelectual a meus amigos, a oportunidade de conviver
com o melhor de uma geração é uma verdadeira dádiva.
Economistas – Meu Lorde, novamente somos impelidos a pedir desculpas à V.Sa., mas gostaríamos de lhe perguntar sobre
dois temas que julgamos importante para o resgate da História.
O primeiro diz respeito à vossa escolha sexual. O segundo trata
de uma questão polêmica: é atribuído à V.Sa. a influência sobre
o Departamento de Tesouro para a concessão de benefícios e
subsídios aos artistas em plena Segunda Guerra Mundial.
JMK – Eu que agradeço a oportunidade para poder defenderme das acusações de detratores. Há um louco chamado Zigmund
Dobbs, que escreveu um artigo, disponível na WEB, cujo título é:
Sugar Keynes, que trata-me como um verdadeiro devasso, um
libertino, um animal do sexo, todos sabemos a fama dos ingleses
quanto ao assunto, não preciso me alongar nessa matéria, contudo é bom que todos saibam, de uma vez, que minha vida privada
foi totalmente pública, nunca escondi minhas preferências, nem
meus desejos. Meu biógrafo, Lorde Robert Skidelsky, revela todos
os fatos de minha vida, em sua plenitude. Quanto ao segundo
ponto em sua pergunta, devo confessar que, de fato, ajudei na
aprovação da lei que concedeu beneficio fiscal aos artistas. Estávamos no Reino Unido sob bombardeio alemão, portanto, sob forte pressão psicológica e baixa auto-estima, daí a importância da
atividade cultural, para minimizar os efeitos devastadores do horror da guerra, é perfeitamente racional.
Keynes, J.M. – Os Pensadores – Inflação e Deflação, Abril Cultural, São Paulo,
Brasil, 1978.
Moggridgde, D. – Maynard Keynes – An Economist Biography - Routledge Ed,
London, UK. 1994.
Skideslki, R. – A biography – volume I, Viking Penguin, London, UK, 1983.
Skideslki, R. – John Maynard Keynes – Hopes Bertrayed – 1983-1920 – Vol. I,
Viking Penguin, London, UK, 1986.
Skideslki, R. – Keynes, Editora Jorge Zahar, Rio de Janeiro, Brasil, 1999.
Skideslki, R. – John Maynard Keynes – The Economist as Savior – 1920-1937 –
Vol. II, Viking Penguin, London, UK, 1994.
Skidelsky, R. – John Maynard Keynes – Flighting for Britain – 1937-1946 - Vol.
III - Macmillian Publishers Ltd., London, UK, 2000.
Keynes and International Monetary Relations – The Second Seminar held at the
University of Kent at Canterbury 1974 - edited by A.P. Thirlwall, The Macmillan
Press LTD, London, 1976.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
Nesse ponto da entrevista, já estamos bem mais relaxados.
Nosso empenho em criar um ambiente amável, a vista da Guanabara e os eflúvios etílicos permitem algumas ousadias. Indagamos se poderíamos fazer uma série de perguntas curtas,
um pingue-pongue ou bate-bola, conforme se convenciou chamar na mídia burguesa. Keynes concorda. Então, é para já.
Economistas – Um “Homem”?
JMK – Duncan Grant, talento e beleza inenarráveis...
Economistas – Uma “Mulher”?
JMK – Lidia Lopokova (a única).
Economistas – Uma obra?
JMK – A teoria geral do emprego, do juro e da moeda.
Economistas – Uma música?
JMK – Uma noite na Tunísia.
Economistas – Um arrependimento?
JMK – Não ter tomado mais champanhe.
Economistas – Uma arte?
JMK – O balé.
Economistas – Uma aberração?
JMK – O atual FMI.
Economistas – Uma biografia?
JMK – A minha, é óbvio.
Economistas – Um biógrafo?
JMK – O meu, Lorde Robert Skidelsky.
Economistas – Uma tentação?
JMK – Oscar Wilde, tem uma frase que diz tudo — “A melhor
forma de se livrar de uma tentação é ceder a ela”.
Economistas – Um prazer?
JMK – Jogos de cartas com meus amigos do Bloombury’s Group.
Economistas – Um economista brilhante?
JMK – Alfred Marshall.
Economistas – Um opositor respeitável?
JMK – Pigou — sem dúvida.
Economistas – Uma saudade?
JMK – De algumas noites na Tunísia. Ai, como era bom.
Economistas – Um jovem economista promissor em seu tempo?
JMK – A safra era muito boa, mas eu acho que John Hicks merece a referência pelo esforço na formalização de minhas ideais.
Economistas – Um economista ainda vivo?
JMK – Kenneth Arrow e Paul Samuelson, dos Estados são dois
economistas realmente brilhantes. Na Inglaterra temos grandes cabeças, mas nenhum sol.
Economistas – Uma área do conhecimento?
INTELIGÊNCIA
JMK – A matemática e a filosofia.
Economistas – Um país?
JMK – Inglaterra,of course.
Economistas – Um lugar para estudar economia?
JMK – Cambridge.
Economistas – Uma religião?
JMK – Sou agnóstico.
Economistas – Com quem o senhor não tomaria um chá das cinco?
JMK – Com certeza, com Milton Friedman.
Economistas – O segredo para ser um bom economista?
JMK – Intuição feminina, com lógica masculina.
Economistas – O segredo do sucesso?
JMK – “Ver o mundo em um grão de areia... e a eternidade em
uma hora”.
Economistas – Uma frase?
JMK – “No longo prazo estaremos todos mortos”.
Economistas – O dinheiro compra...?
JMK – Prefiro dizer ele serve para...
Economistas – E o ouro?
Quando a relíquia bárbara é mencionada, sentimos que alguma coisa se partiu. Um baque seco soa em algum lugar. Todos
nos sentimos contraídos, tensionados. Keynes parece querer se
levantar. Seu rosto está quase imperceptível. O espectro vai
tornando-se invisível. Nervosos e prostrados em perplexidade,
perguntamos ao querido mestre o quê fazer, o quê fazer…?
JMK – Resolvido a questão básica da subsistência, recomendo
a todos, vivam e deixem os outros viverem, de preferência
com muito prazer, saber e sabor.
E fez-se o silêncio. Na sala, agora, só os três economistas, relutantes em acreditar no momento recém-vivido e já lamentando as dúvidas ingratas que o seu materialismo perverso
trazia sobre o instante passado. Fazer o quê? Acabar o champanhe, certamente. E talvez, quem sabe, passar a vista já com
desabrida saudade sobre um exemplar da Teoria Geral, colocado à mesa, propositalmente, ao alcance visual do mestre.
Aberto o compêndio, eis que na folha-de-rosto, bem lá no local
reservado às dedicatórias, estava escrito com magistral caligrafia de época:
“Para os amigos da FGV, meus sinceros agradecimentos pela
oportunidade de expressão.
Respeitosamente,
JMK”
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
39
CARLOS
SUSSEKIND
SEM DISTINGUIR
ENTRE FICÇÃO E
REALIDADE,
ESCRITOR MENTE
MUITO E INVENTA A
FIQUE-SÃO
Eloí Calage
42 L OROTAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
Cientista Política??
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
43
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
R
I N S I G H T
elato uma viagem pela fronteira entre razão e
loucura. Nada de teoria, que para isso me faltam
andaimes. Para começar, buscava o depoimento
de alguém que já tivesse atravessado para o lado
de lá (supostamente, a redatora está do lado da
razão): como é que esse alguém via, então, o lado de cá?
Mas depoimento de quem? Um surtado qualquer, um surtado ninguém, ou fulano, beltrano... o ideal é que fosse alguém
bom de palavra... Carlos Sussekind, claro! Ninguém melhor:
escritor cult, tradutor chiquérrimo, obra estudada e analisada
em teses e ensaios literários, um must. Tudo caminhando direitinho, o escritor concordou com a proposta, chegou na hora
certa, pergunto se não mudou de idéia, quem sabe algum constrangimento, ele sorri:
— Perdi a vergonha...
Animada, peço para que evoque a memória do surto, ele sorri:
— Perdi a memória...
Disfarço o suspiro de frustração, por que não pensei no
Paulo Coelho? Mancada, Paulo Coelho publicou Verônika decide morrer, ficção baseada na experiência pessoal de adolescente internado numa clínica psiquiátrica, o que prova que
ele tem a memória de que preciso e, além do mais, sendo
Paulo Coelho me garantiria muito mais leitores... Distraída
pelo arrependimento, voltei à situação quando Carlos já me
apresentava ao calhamaço de 260 páginas, a última das suas:
um romance escrito em parceria com o psicanalista (dele,
Carlos) Francisco Daudt. Em crescente alegria, leio a primeira frase do livro: “Carlos Sussekind e Francisco Daudt
acabaram escrevendo este livro por medo do Paulo Coelho.”
Isso é o que se chama um golpe de sorte, apesar de ter errado
na cajadada,eu acabara acertando no Coelho!
Mas comecemos pelo fim, ou seja o texto da quarta capa do
livro — lançamento previsto para junho, pela Dantes — onde os
dois autores contamA verdadeira história deste livro.
“Carlos Sussekind, ficcionista, esteve sob os cuidados do
psicanalista Francisco Daudt. Depois de tratar-se durante
meses e mais meses, anos e mais anos, foi dado como incapaz
de distinguir entre ficção e realidade. Diante de tal imprevisto, e para que não se desperdiçasse o caudal de fantasias desenfreadas que o paciente liberou sem retorno terapêutico no
consultório do dr Daudt, resolveu a dupla associar-se numa
aventura literária — desistindo da cura em favor da diversão
— cujo desfecho é o romance escrito em co-autoria O autor
mente muito, um livro de 260 páginas, com capa, orelha e tudo
44 L OROTAS
INTELIGÊNCIA
(uma realidade, portanto), o que sem dúvida há de inviabilizar definitivamente, para Carlos Sussekind, aquela distinção
que ele nunca aprendeu a fazer. CS&FD”
A idéia de desistir da cura, ou de qualquer outra coisa, em
favor da diversão, me pareceu ótima. Mas,ai de mim, quando vi
já tinha me embrenhando perigosamente num cipoal de fatos,
versões, teorias, verdades e mentiras, do qual certamente não
sairei ilesa. Se há consolo é o de pensar que o psicanalista Francisco Daudt, certamente, vai apanhar muito mais que eu. Só
pela ousadia de associar-se à obra de um ex-analisando (ou analisante, como dizem os mudernos), Daudt vai atrair contra ele a
ira dos Massarandubas do universo psi. Mas tem muito mais:
assumindo despudoradamente o seu próprio nome na personagem do Estagiário de uma clínica psiquiátrica, Daudt, e Sussekind, que também aparece como personagem “real”, se divertem debochando de deuses como Lacan e Deleuze, e não poupam sequer de ironias o trabalho da doutora Nise da Silveira, o
que certamente vai esquentar o clima, já que a falecida doutora
Nise faz parte do panteão sagrado, dos que estão acima de qualquer crítica, mesmo com todo respeito, quanto mais na gandaia
irreverente de O autor mente muito.
DORA ABIGAIL , MÃE E DELEUZIANA
Uma das personagens (ou não) mais fascinantes do livro é
Dora Abigail Parmênides Farpa, mãe de um dos internos da
clínica psiquiátrica Qorpo Santo, oQorpão, no dizer dos usuários. No livro, a coisa só é descoberta lá pelas tantas, mas vale a
pena saber antes: Dora, mãe amantíssima, torna-se proprietária do Qorpão e vive secretamente numa casa geminada à clínica, de onde dirige o negócio das internações e também o tratamento do filho. Dora Abigail não é psiquiatra nem psicanalista
mas, douta em maternidade, tem lá suas teorias sobre o tratamento adequado e só permite que o filho tome eletrochoques de
baixa amperagem, porque naturalmente não está disposta a
deixar que fritem os neurônios do seu rebento. Numa discussão
com o estagiário Francisco Daudt, Dora Abigail busca amparo
teórico num trecho de Gilles Deleuze:
“O plano da imanência é como um corte do caos e age como
um crivo. O que caracteriza o caos, com efeito, é menos a ausência de determinações que a velocidadde infinita com a qual se
esboçam e se apagam: não é o movimento de uma a outra mas,
ao contrário, a impossibilidade de uma relação entre duas determinações, já que uma não aparece sem que a outra já tenha
desaparecido, e que uma aparece como evanescente quando a
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
outra desaparece como esboço. O caos não é um estado inerte ou
estacionário, não é uma mistura ao acaso. O caos caotiza, e desfaz no infinito toda a consistência.”
Radical, arremata a dedicada mãe:
“— Tornei-me uma deleuziana há apenas dez anos quando
descobri nesse autor magnífico a clareza e a transparência que
sempre desejei para minha vida e minha teoria, sua capacidade
de tornar simples os conceitos tem pautado minha vida...”
Em outro momento, para desencorajar o uso de antidepressivos no tratamento do seu herdeiro, Dora Abigail pontua:
“— Deleuze estava tomando Prozac quando se suicidou...”
O que possibilita ao estagiário Francisco Daudt a magnífica
argumentação:
“— Mas d. Dora, isso é um absurdo! Depressivos graves vêm
se suicidando há milênios antes de existir o Prozac, eles se matam porque são depressivos graves e não porque tomam antidepressivos. O que pode acontecer é que, numa situação crítica,
um depressivo não tenha nem forças para se matar, preferindo
ficar na cama, e o antidepressivo dê-lhe forças para sair da cama
e aí se matar. Isso não elimina a vantagem do antidepressivo!”
O PSICANALISTA TOMA A PALAVRA
Na obra conjunta de Carlos Sussekind e Francisco Daudt, a
palavra é do analista, literalmente, foi ele quem escreveu a maior
parte do livro, o escritor trabalhou como um “repórter”, na expressão de Carlos, que afirma ter levado o material para que
Francisco, que a estas alturas já é nomeado como Chico, tratasse da escrita. Carlos reservou para si apenas dois capítulos inteiros, Galhardo Q. Graça (o avô célebre) e A mulher bifocal,
mais alguns pequenos trechos aqui e ali, realizando assim um
sonho de muitos escritores: o de publicar um livro sem ter que
escrevê-lo. Além de Paulo Coelho e da doutora Nise, outras personalidades, vivos ou mortos, atravessam a trama do livro, gente como o psicanalista Hélio Pelegrino, a crítica de teatro Bárbara Heliodora, a cantora Maysa, o escritor Aguinaldo Silva,
que convivem com personagens como a Mulher Bifocal ou Carlinhos Manivela, num jogo hipnótico de idas e voltas no tempo e
no espaço, na rua ou no hospício.
No já citado texto sobre a “verdadeira” história do livro, Carlos Sussekind admite ser incapaz de distinguir entre ficção e
realidade. O que nos interessa aqui não é bem a ficção, mas o
surto, a piração. Por isso, insisti que o escritor tentasse rememorar o tal estado alterado da consciência. Ele respondeu relembrando a última tentativa fracassada: foi durante uma pa-
INTELIGÊNCIA
lestra para psiquiatras e usuários do Instituto Pinel.
Nos últimos anos, Sussekind deu força aos novos esforços
terapêuticos levados naquele instituto, foi um dos incentivadores da TV Pinel, uma linha de vídeos documentais cuja equipe
de realizadores é formada por grupos de psicóticos. Como parte
desta colaboração, o escritor foi chamado a falar para pacientes
e terapeutas, durante um seminário. Na hora de falar, falou.
Dias depois, em casa, assistindo à fita do vídeo, se deu conta de
que o que narrara começava por reproduzir fielmente o que escrevera num de seus livros e que, a partir de um certo momento,
o depoimento já não tinha compromisso nem com a ficção, simplesmente inventara na hora uma série de acontecimentos novos, coisas que sequer tinha pensado antes.
Acredito que, finalmente, estamos transitando pela tal fronteira sonhada e, outra vez, caio na ficção. Mais precisamente
em Armadilha para Lamartine, o segundo livro (1975) do escritor. O livro ganhou prefácio do psicanalista Hélio Pelegrino que,
já no título, advertia tratar-se de umaArmadilha para o leitor.
Estranhamente, o trabalho se apresenta com assinatura dupla: Carlos & Carlos Sussekind. Explica-se: o segundo (ouprimeiro) Carlos é o pai do escritor, o
jurista Carlos Sussekind, autor
A IRONIA ESTÁ
tanto de livros sobre questões
PRESENTE EM
jurídicas quanto de uma HistóTUDO O QUE
CARLOS S USSEKIND ria do Teatro Brasileiro ou ainda um ensaio sobre Sílvio RoESCREVE, MAS NA
mero. Carlos, o pai, foi um penPARCERIA COM
FRANCISCO DAUDT sador polêmico em cuja opinião,
a Igreja Católica “não passa de
IRONIA SE
um partido político estrangeiro”.
TRANSFORMA EM
Mas a grande paixão do jurista
HUMOR RASGADO
Carlos Sussekind foi o diário
que escreveu ao longo de 30
nos, 30 mil páginas minuciosamente manuscritas com registros da vida cotidiana do
autor, sua família, o ambiente de
trabalho, modas, usos, preços das
mercadorias, fatos do mun-
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
45
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
do político, literário e artístico, tudo anotado na sua concretude
mais extrema, fosse uma questiúncula de ciuminhos e fofocas
entre magistrados ou a brutal diarréia que levou o circunspecto
doutor, em situação lastimável e vestindo um terno branco, no
centro do Rio, na hora do pique, a pedir carona num carro da
polícia para poder voltar para casa, para o banho.
O diário do doutor Sussekind se transformou numa paixão
também para seu filho, o então menino Carlos, “pulei direto da
Emília, do Monteiro Lobato, para o diário”. E foi neste diário,
como num fio de Ariadne que o guiava, que o filho Carlos acompanhou o relato do pai sobre a decisão de interná-lo numa clínica psiquiátrica, as dúvidas e sofrimentos, antes, durante e depois da crise. Armadilha para Lamartine, é dividido em duas
partes. Na primeira, “Duas mensagens do pavilhão dos Tranqüilos”, atribuídas ao personagem Lamartine, um interno de
clínica psiquiátrica. Na segunda parte, páginas do diário da personagem do Dr. Espártaco M., na realidade trechos do diário do
doutor Carlos Sussekind,o que levou o filho a assinar o livro
também em nome do pai, já então falecido.
O duplo, a coincidência, o jogo de espelhos constituem marca
da obra de Sussekind, que já trabalhou com a palavra do pai e,
agora, se entrega à palavra do seu analista. Mera preguiça, já
houve quem dissesse. Autor da novela Ombros altos, seu livro
de estréia, e do romance Que pensam vocês que ele fez, escrito
com financiamento da Fundação Vitae e editado pela Companhia das Letras, Carlos Sussekind é tradutor do inglês e seu
grande prazer são as traduções de livros infanto-juvenis, o que
lhe valeu a admiração de um dos seus traduzidos, Will Eisner,
o norte-americano papa da HQ. A ironia está presente em tudo
o que Carlos Sussekind escreve, mas na parceria com Francisco Daudt ironia se transforma em humor rasgado, que seguidamente tem como alvo teorias e práticas do tratamento dado
aos psicóticos. Segundo a trama de O autor mente muito, o
escritor Carlos Sussekind e o estagiário Francisco Daudt se
unem para surripiar as histórias contadas por Teodoro Farpa
— o filho de Dora Abigail — e com elas escrever um livro de
sucesso. O “roubo” das histórias de Teodoro dá vez a uma questão polêmica, que discute o destino das obras de arte produzidas por internos em hospitais públicos. É aí que a doutora
Nise da Silveira entra na história, transitando entre o real e o
ficcional.
Na ficção, em mais uma discussão teórica com o estagiário
Francisco Daudt, Dora Abigail é acusada pelo psiquiatra de
manter o filho prisioneiro na clínica, torpedeando as possibili46 L OROTAS
INTELIGÊNCIA
dades terapêuticas que o poderiam libertar. Indignada, Dora
Abigail afirma que é o filho, e não ela, quem resiste, e conclui:
“— Que posso fazer se ele se recusa a terapias? Houve um
tempo em que admirei Jung, e mesmo a Gestalt-terapia... Mas
Teodoro as acolheria? Nunca! Sou uma admiradora da dra Nise
da Silveira! Ela sim protegeu seus gênios artistas, nunca permitiu que fossem explorados comercialmente. Manteve-os onde
sua criatividade podia prosperar sem os percalços do mundo
externo!”
A citação da dra Nise remete ao episódio ocorrido com o pintor Fernando Diniz, interno do Hospital Engenho de Dentro. Já
bastante doente, Diniz precisava dinheiro para poder se alojar
em espaço próprio, o que provocou mobilização de alguns admiradores do artista, que queriam vender suas obras para financiar uma vida de melhor qualidade ao seu autor. Seguindo orientação da dra Nise, foi negada a autorização para a venda dos
quadros de Diniz, sob o argumento de que, produzidos por um
interno, tais obras faziam parte da documentação do tratamento a que era submetido, portanto pertenciam ao acervo do hospital. A polêmica foi parar nos jornais e o caso foi resolvido com a
doação de trabalhos de artistas famosos, que se solidarizaram
com o colega psicótico. Depois de morto o artista, a obra dele
ganha novos espaços e, ao lado de trabalhos de Bispo do Rosário
(também falecido, ex-interno do Juliano Moreira), está presente
na mega-exposição de arte brasileiraMostra do Descobrimento,
inaugurada no último 18 de abril, em Buenos Aires.
A questão das obras criadas por artistas psicóticos entra na
conversa durante um alegríssimo jantar que reúne Carlos Sussekind, Francisco Daudt e mais alguns amigos. Lembro da tese
de Philippe Julien sobre a possibilidade da cura da psicose “por
uma passagem ao público” e a tirada de Foucault delimitando a
loucura “como uma ausência de obra”. Não faço o menor sucesso. Carlos comenta que nunca soube de alguém que ficasse maluco em conseqüência de uma simples prisão de ventre e Daudt,
fazendo coro com um grande número de colegas de profissão,
responde impaciente que “estes franceses só fazem sucesso no
Brasil”. Pensando bem, a passagem ao público (na suposição
que o reconhecimento pelos outros pudesse dar algum rumo ao
desnorteio do psicótico) não deve trazer benefícios apenas para
psicóticos. Nestes tempos de culto aos famosos todo mundo corre atrás de um momento de glória, como sabe muito bem a Tv
Globo, tentando caçar pontos do ibope com o Sociedade Anônima, um programa de calouros que promete aos participantes os
tais 15 segundos de fama previstos por Andy Wharol.
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 47
A QUESTÃO DAS ORELHAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
Francisco Daudt não gosta de orelhas de livros, acredita que ninguém lê. Carlos Sussekind não
dispensa a tradição, mas os dois chegaram a um consenso e,
assim, o livro terá orelhas mesmo, ou seja, no lugar daquelas
duas abas retangulares,O autor mente muito virá ornado com
duas orelhas recortadas no papel. Ao contrário do agora colega
Sussekind, que já publicou, pelo menos, uma tradução de livro
psi, Teoria e Prática das Psicoterapias, de Hector J. Fiorini, editado pela Companhia das Letras, Francisco Daudt ainda não
publicou ficção, mas é autor de três livros, A criação segundo
Freud, O aprendiz de desejo e O aprendiz de liberdade. A participação de Daudt na obra de Sussekind começou no último livro
do escritor, O que pensam vocês que ele fez, como modelo inspirador da personagem Dr Jaime.
A obra de Carlos Sussekind increve-se numa tradição que
começou com o italiano Italo Svevo, autor de A consciência de
Zeno (onde está, desconfio, boa parte da inspiração de Woody
Allen), um magnífico romance, reconhecido historicamente como
a primeira ficção literária que tem a psicanálise como tema. Em
A consciência de Zeno, a fantasia do autor é que a escrita é um
ato de vingança do psicanalista de Zeno, que abandonara o tratamento frustrando o ardor terapêutico do analista que, de raiva, contou pra todo mundo.
Eloésio Paulo, no ensaio O dentro mais que fora: hospícios
como alegoria em três romances, publicado no nº 12 da revista
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, cita incursões dos nossos escritores no universo da loucura e dos hospícios: Machado de Assis, em O alienista, Lima Barreto, com o
inacabado Cemitério dos vivos, baseado na internação do escritor, por alcoolismo, Campos de Carvalho, em A lua vem da
Ásia, Manoel Lobato, Mentira dos limpos, Fernando Sabino,
O grande mentecapto, Renato Pompeu,Quatro olhos e Sérgio
Sant’Anna, em Confissões de Ralfo. Lembro ainda de Maura
Lopes Cançado, em O hospício é Deus e, evidentemente, Paulo
Coelho, em Verônika decide morrer. Falar nisso, cadê o Paulo
Coelho, que entrou e sumiu da história? Acho mais recomendável deixar esta parte para ler no livro, mas posso informar
que o escritor aceitou de muito bom humor a brincadeira e
autorizou o uso de seu nome na obra, com o que, certamente,
deverá influir muito nas vendas. O próximo livro proposto por
Sussekind ao seu parceiro Francisco Daudt é um romance com
o título de A psicanalista ninfomaníaca. Isso é que é perder
totalmente a vergonha em favor da diversão. Conhecendo-se a
48 L OROTAS
INTELIGÊNCIA
A OBRA DE CARLOS
SUSSEKIND INCREVE-SE
NUMA TRADIÇÃO QUE
COMEÇOU COM O ITALIANO
ITALO SVEVO, AUTOR DE
A CONSCIÊNCIA DE ZENO,
A PRIMEIRA FICÇÃO
LITERÁRIA QUE TEM A
PSICANÁLISE COMO TEMA
trajetória de construção da obra do escritor, colado em personagens e fatos que vive, testemunha ou simplesmente recorta
de notícias ou anúncios de jornal, quem será, desta vez, a personagem real?
OUÇA, UM CASO DE PLÁGIO?
Verdade ou mentira, ficção, realidade ou delírio? Carlos Sussekind dá de ombros, que isso, hoje, nem o preocupa mais. O
fato de ter sido interno de uma clínica psiquiátrica foi para ele
uma grande vergonha só até a edição do livro que tem a internação como episódio central. QuandoArmadilha foi publicado, e a
experiência real se tornou pública sob a forma de ficção, a vergonha passou, e o escritor pode, agora, brincar com sua posição de
“louco oficial”, “louco de carteirinha”:
— Hoje vou aos auditórios e falo, dou entrevistas, a coisa
ficou ótima, viroucolesterol bom...
Esquecimentos e lembranças são recursos ficcionais de Sussekind para estabelecer o jogo entre a verdade e a mentira. Em
O autor mente muito, um dos lances deste jogo é o suposto plágio cometido por Maysa na sua criação mais famosa,Ouça. Desta vez, a observação é de Carlinhos Manivela, também um interno do Qorpo Santo. Referindo-se à música, Carlinhos Manivela afirma categoricamente:
“É plágio! É plágio de uma música francesa da década de
trinta! (...) Só eu sei (...). Apesar de ser uma honra, é muito
aflitivo ser o único homem do mundo a se lembrar de algumas
coisas. (...) Fico muito dividido entre a singularidade de ser o
único homem no mundo que se lembra de certas coisas, e a solidão que isso me produz, até, como dizem certos maledicentes,
com a impressão de que, afinal, estou louco mesmo, e que meu
lugar é no sanatório, coisa de que sempre discordei.”
Falar em discórdia, não são poucas as já enfrentadas por
Carlos Sussekind pelo fato de ter exposto publicamente e sem
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
censura o diário do seu pai, colocado na vitrine em situações
cruéis, como a da diarréia, ou nos seus desejos mais secretos.
Seria isto uma vingança do filho escritor? Mais uma vez, é preciso voltar à ficção, ao episódio deO autor mente muitoem que o
“estagiário” Francisco Daudt horrorizado com a exposição, pelo
escritor, de um trecho doloroso do diário paterno, explode numa
interpretação:
“— Você tem um enorme e reprimido ódio pelo seu pai. É o
complexo de Édipo, Carlos, ninguém escapa dele. No fundo você
queria mesmo era matar seu pai, o escritor do diário, para ter
intimidades com sua mãe,a literatura.”
Ainda no plano da ficção, o escritor repele a interpretação “selvagem”, um chavão que não considera digno sequer
de um estagiário, além de descobrir nela um propósito escuso, para concluir:
“— Ouça, Francisco. Por mais grotesco e estranho que possa parecer, tudo o que eu sempre quis, desde o início, ao transcrever essas misérias humanas de meu pai, foi como se, colocado frente a frente com ele, pudesse dizer-lhe que nunca,
INTELIGÊNCIA
nunca precisaria se envergonhar de suas coisas diante de mim.
Que seu filho acolhia-o tal como era e com tudo o que tinha.
Que, se ele contava ao diário seus horrores, era porque via
graça neles, eram da tragicomédia humana. Gostaria que ele
soubesse que seu filho poderia rir com ele. (O leitor que aceitar, por mais difícil que seja, essa explicação, terá minha amizade para todo o sempre. CS). Nunca pude dizer essas coisas a
ele pessoalmente.”
Agora no plano, digamos, real, Carlos Sussekind termina de
ler, no original do livro, o trecho citado e, por um instante, me
parece ele mesmo, ali, sem nenhum disfarce.
No longo silêncio que se faz fico pensando no menino Carlos
que via a vida por escrito no diário do pai. O escritor Carlos
Sussekind é, pasme, uma das pessoas mais reservadas e discretas que há neste mundo, por isso me sinto honrada de testemunhar o enternecido orgulho que a memória do pai faz brilhar no
seu olhar sem máscara.
e-mail: ?????????????
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
49
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
OS
PEREGRINOS
Luiz Carlos Mello
DO CÍRCULO PERFEITO
(saber o que ele é)
Q
uem visitar o Museu
de Imagens do
Inconsciente irá se
confrontar com
imagens inquietantes e
muitas vezes belas que
compõem o seu
acervo estimado em 300 mil obras acumuladas em seus
55 anos de existência. Ali essas obras foram estudadas
em diferentes áreas do saber humano: antropologia,
psicologia, psiquiatria, história da arte e religião. Com o
intuito de decifrar os misteriosos processos que se
desdobram no interior de indivíduos que vivenciaram
um profundo mergulho no inconsciente.
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
51
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
O Museu de Imagens do Inconsciente nasceu através da produção dos ateliês de
atividades expressivas como pintura, modelagem, xilogravura em 1952.
inco
formada
Isto porque,
n
com os métodos violentos de tratamento psiquiátrico em uso
na época como eletrochoque, o coma insulínico, a lobotomia,
Nise da Silveira encontra na terapêutica ocupacional uma outra forma de tratamento
para o esquizofrênico. Funda então, em maio de 1946,
o Serviço de Terapêutica Ocu pacional no Centro Psiquiátrico Pedro II do Rio de
Janeiro,
que progressivamente atingiu dezessete atividades: sapataria, cestaria,
outras.
teatro, jardinagem, música, carpintaria, encadernação, recreação e várias
CARGOS PÚBLICOS
Dos cargos públicos,
– Repeli – ó povos,
– As indignidades!
E colocai neles,
– Veras dignidades!
– Assim – marcharemos,
E alcançaremos,
Progresso que todos
Almejam – políticos
Brasileiros sedes!
– Porque neles vemos
As iniqüidades
As imoralidades
As puras maldades,
As perversidades:
– Desgraçados vivemos!
Qorpo-Santo
O ateliê de pintura foi aberto em 9 de setembro de 1946, tendo como monitor o artista Almir
Mavignier, hoje pintor de renome internacional e professor de arte. Sua participação
foi fundamental na história deste trabalho, oferecendo,
como também descobrindo, as melhores condições para que
c
esses seres pudessem riar livremente sem que houvesse
qualquer interferência. O Centro Psiquiátrico nesta época tinha
1 mil e quinhentos internos, em sua maioria esquizofrênicos crônicos,
que normalmente ficavam aban don ados nos pátios do hospital. Foi
nesses pátios e nas enfermarias que foi-se descobrindo e reunindo
no ateliê um grupo de
cuja produção logo começou a se destacar.
esquizofrênicos
52 L OROTAS
I N S I G H T
As oficinas da Terapêutica Ocupacional foram atraindo
para seus diversos setores pessoas abandonadas
nos pátios do hospital psiquiátrico ao azar da
não-ação, numa vida completamente incógnita
por trás de seus uniformes. Na luta pela
mudança do ambiente hospitalar, foram surgindo
quase ao mesmo tempo seres excepcionais
como Emygdio, Raphael, Adelina, Isaac, Carlos,
Fernando, Abelardo, Octávio, Lúcio, possuidores de
uma capacidade de expressão extraordinária.
Que força terá unido tantos destinos?
A sombra de uma formiga,
É maior que a de um leão!
É maior que a de um balão,
É que da árvore batinga!
É maior que de elefante;
É maior que a de um barão!
É maior que a de um barcão;
É maior que a de um gigante!
Qorpo-Santo
havia material
meses após a inauguração do ateliê já
suficiente para organizar uma pequena exposição.
Assim, em 22 de dezembro de 1946 foi inaugurada
no antigo Centro Psiquiátrico Nacional, atual
Instituto Municipal Nise da Silveira, a primeira
mostra de imagens pintadas pelos
doentes. A exposição despertou grande
interesse, sendo logo transferida, em feve
Escreveram nos jornais da época
Antônio Bento, Rubem Navarra, Mark Berkosvitz,
etc. Dentre eles destacamos Mário Pedrosa,
de arte do jornal Correio da Manhã,
crítico
cuja compreensão sobre o assunto aparece
de forma clara e profunda. “O artista não é
aquele que sai diplomado da Escola Nacional
de Belas Artes, do contrário não haveria
artista
entre os povos primitivos, inclusive entre os
nossos índios. Uma das funções mais
poderosas da arte – descoberta da
psicologia moderna – é a revelação do inconsciente,
o no
e este é tão misterioso no normal com
chamado anormal. As imagens do
inconsciente são apenas uma linguagem
simbólica que o psiquiatra tem por dever
decifrá-las. Mas ninguém impede que essas
imagens e sinais sejam, além do mais, harmoniosas,
sedutoras, dramáticas, vivas ou belas, enfim
constituindo em si verdadeiras obras de arte.”
QUE FORMIGA!
Três
INTELIGÊNCIA
reiro de
1947, para o edifício-sede do Ministério
da Educação, localizado no centro da
público.
cidade, possibilitando acesso ao grande
Para surpresa da Dra. Nise, os psiquiatras brasileiros se
interessaram menos por essa produção do
que os críticos de arte e o público em geral.
Em 1949 o crítico de arte francês Leon Degand,
então diretor do Museu de Arte Moderna de
São Paulo, visita a convite de Mário Pedrosa a
seção de Terapêutica Ocupacional onde fica
impressionado com a qualidade artística das
obras, propondo então uma exposição para o
público de São Paulo. A seleção realizada por ele
e Mário Pedrosa teve como título 9 artistas
ada em
de Engenho de Dentro, e foi inaugur
12 de outubro de 1949. No prefácio do
catálogo Nise afirma: “O diretor do Mu
seu de
Arte Moderna de São Paulo visitou o estúdio de
pintura e escultura do Centro Psiquiátrico do Rio
e não teve dúvida em atribuir valor artístico
verdadeiro a muitas das obras realizadas por
homens e mulheres aí internados. Talvez esta
opinião de um conhecedor de arte deixe muita
gente surpreendida e perturbada. É que os
loucos são considerados comumente seres
embrutecidos e absurdos. Custará admitir que
indivíduos assim rotulados em hospícios sejam
capazes de realizar alguma coisa comparável às
criações de legítimos artistas – que se afirmem justo
e humana”.
no domínio da arte, a mais alta atividad
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
53
A exposição
9 Artistas de Engenho de Dentro teve
enorme repercussão de público e na imprensa.
Destacamos crônicas de Sérgio Milliet, Quirino da
Silva, Osório Borba, Jorge de Lima, Flávio de
Aquino e outros. Lúcio, um escultor extraordinário,
participou desta exposição. Suas obras, então,
representavam guerreiros para protegê-lo em
sua luta cósmica contra as forças do mal. Foi
lobotomizado na mesma época do evento, apesar
de todas as investidas de Nise da Silveira contra
tal cirurgia. O médico responsável pela operação
publicou artigo na revista de Saúde Mental
onde apresentava o hemisfério cerebral antes e
nte,
depois da operação. Nise, posteriorme
publica na mesma revista a produção plástica de
Lúcio antes e depois da operação. Seus trabalhos
tornaram-se irreconhecíveis, regredindo a mais
primária condição. O alienista que aderiu a
este procedimento escreveu no prontuário, numa
entrevista com Lúcio, após a operação: “ele diz:
enfiaram ferros na minha cabeça e transformaram a
gato e rato.”
luta entre o bem e o mal numa luta de
RATOS
Na minha casa – ratos não há!
Celebridade! por que será?
Se ratos houvessem em casa,
Por certo – barulho faziam;
Mas, eles não andam, não piam,
Nem de dia, nem de noite!
Segue-se que em casa não tenho
– Desses bichinhos roedores!
Senão certamente favores...
– Com esses bichinhos convenho!
Pois tão travessinhos,
Ou tão tranquininhos
Os tais ratinhos,
– São uns diabinhos!
Qorpo-Santo
54
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
Este exemplo de destruição de um indivíduo foi
denunciado por Nise de diversas maneiras: em
livros, palestras, no 1º Congresso Mundial de
izar essas
Psiquiatria. Ela não só se negava a real
práticas como também as combatia com todas as suas
forças. “A beleza das imagens do inconsciente é
denúncia. Denúncia do asilo, do exercício burocrático
das profissões psiquiátricas e da sociedade
que cultiva tais deformidades”. A operação, feita há
tantos anos atrás, não é coisa do passado. A Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,
no ano de 2000, formou caravanas que
visitaram
instituições psiquiátricas por todo o Brasil.
Elas constataram a realização de
neurocirurgias no Estado de Goiás.
Além do reconhecimento do valor artístico do acervo
pelos artistas e experts em arte o Museu realizou ao
longo de seus 54 anos de existência
mais de 100 exposições, no Brasil e no exterior,
dando maior ênfase ao aspecto científico da
coleção, através das pesquisas desenvolvidas pela
Dra. Nise e seus colaboradores. O Museu esteve
presente em 3 congressos mundiais de
psiquiatria: Paris, 1950, Zurique, 1957 e Rio de Janeiro,
grande
1993. As exposições sempre atraíram
público, seja pelo fascínio das formas como também
pela revelação do inconsciente, destacando-se
Imagens do Inconsciente (no Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro por ocasião do centenário de C. G.
Jung em 1975), Os Inumeráveis Estados do Ser
(1987, no Paço Imperial do Rio de Janeiro e 1996
em Roma, como representante dos países de
língua portuguesa por ocasião das comemorações
dos 50 anos da ONU), e Arqueologia da Psique
(1993 na Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, e outras
capitais brasileiras). Em 2000 na Mostra do
Redescobrimento no Parque Ibirapuera (SP),
participamos do Módulo Imagens do Inconsciente
que inseriu de forma definitiva esses artistas
dentro da história das artes brasileiras.
As imagens produzidas no ateliê levantavam questões,
interrogações que não encontravam resposta
na formação psiquiátrica acadêmica. Essas questões
impulsionaram Nise para a busca de conhecimento e
aprofundamento dos processos que se
desdobravam no interior daqueles indivíduos,
revelados através das imagens e símbolos.
Após visita ao Museu, em 1974, Ronald Laing,
expoente da psiquiatria inglesa, deixou escrito
ão
que o trabalho realizado representa uma contribuiç
de grande importância para o estudo científico
do processo psicótico. Essas pesquisas,
contrariamente à visão psiquiátrica predominante,
nunca procuraram descobrir patologia nesta
produção mas penetrar nas dimensões e mistérios
dos processos do inconsciente. As imagens
constituem material sadio, universal e
muitas vezes sua compreensão se faz através da
pesquisa comparada com as histórias da
religião e da arte, mitologia, etc. numa verdadeira
arqueologia da psique. No acervo do Museu
de Imagens do Inconsciente existem centenas de
exemplos desses paralelos constituindo uma
verdadeira viagem através do tempo, desde o período
neolítico, passando pela civilização egípcia,
indo-persa e grega até a alquimia na Idade
Média. A emergência em nossos dias de conteúdos
e símbolos, que fazem parte da história humana
em diferentes épocas e locais, comprova a
ue.
historicidade e a atemporalidade da psiq
Sinto hoje em cada azeitona que
engulo introduzir-se em meu cérebro
o espírito de uma capacidade transcendente
Qorpo-Santo
A ferramenta principal para a prática terapêutica e a
compreensão das imagens que surgiam
espontaneamente nos ateliês veio através da psicologia
junguiana. A Dra. Nise observou que as formas
circulares ou próximas do círculo apareciam em grande
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
quantidade na pintura dos esquizofrênicos. Como
interpretar esta aparente contradição - pessoas definidas
como seres partidos (esquizo = cisão, phrenis =
pensamento) produzindo de forma espontânea o
símbolo universal da unidade, o círculo?
Em 1954, depois de reunir centenas dessas imagens,
escreve carta ao professor Jung enviando fotografias
e levantando questões sobre sua significação
e origem. A resposta afirmativa foi imediata:
eram mandalas que representavam o potencial
auto-curativo existente na psique como
forma de compensar a dissociação. Nise viu-se
diante de uma abertura nova para a compreensão
da esquizofrenia. Este encontro trouxe de forma
definitiva a psicologia junguiana para o Brasil.
C omo fazer estas forças curativas manifestarem-se no
ambiente hostil que normalmente é o hospital
psiquiátrico? Confirmava-se mais uma vez a
importância do ambiente favorável e do afeto para
que o processo de cura possa acontecer. Em seu
espaço de trabalho nunca houvera grades e seus
freqüentadores eram chamados pelo nome. O afeto
catalisador – foi assim que chamou o monitor nas
oficinas, como também a utilização do animal na terapia
– numa analogia à química, que assim classifica as
substâncias que aceleram a velocidade das reações.
Em 1981 publica o livro Imagens do Inconsciente que
foi traduzido para o inglês e a medida que o trabalho
evoluía era enviado juntamente com as fotografias das
imagens para submetê-lo à apreciação de M-L von
Franz, uma das mais importantes colaboradoras de Jung.
Em quase todas as suas respostas, breves e
sintéticas, vinham elogios: “É muito reconfortante
saber que alguém compreendeu tão bem
Jung, do outro lado do mundo. E eu admiro a clareza e
a coragem pela qual você diz o que deve ser dito.”
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
55
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
FÁBRICA
Fiz deputados,
Fiz eleitores;
Fiz sim ministros,
Fiz senadores.
Fiz jornalistas,
Fiz vereadores,
Fiz conselheiros,
Desembargadores.
Qorpo-Santo
Em 1956 funda a Casa das Palmeiras, uma experiência piloto em psiquiatria que tem como princípio evitar o
em regime
ciclo de reinternações e é destinada ao tratamento e à reabilitação, funcionando
de
de externato. A experiência aí desenvolvida abriu portas para o surgimento
diversos tipos de instituições semelhantes, sempre em regime de externato, implantando
uma nova política de saúde mental que procura evitar as onerosas e cruéis internações, colaborando
para a extinção gradual das instituições asilares. Iniciativas como o Espaço Aberto ao
Tempo, no Rio de Janeiro e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) inicialmente
e Santos, espalham-se pelo país.
organizados em Campinas, São Paulo
Seu trabalho renovador na psiquiatria encontrou muitas dificuldades em seu caminho. Por seu espírito
combatente, denunciando as formas agressivas de tratamento e internação, foi
perseguida e boicotada. Pela falta de recursos muitas vezes os trabalhos no ateliê eram
feitos em jornais, nos diários oficiais que pegava na administração para que os freqüentadores não
o
deixassem de desenvolver suas atividades. A incompreensão do seu trabalh
pioneiro no uso de cães e gatos como co-terapeutas levou-a a enormes sofrimentos com o
desaparecimento e envenenamento de animais. Nesta época manteve correspondência
com pesquisadores americanos sobre a relação homem/animal. Um deles, o psicanalista
americano Boris Levinson comentou, sobre a morte dos animais: “Sem dúvida, para
muitos desses doentes os animais eram sua única linha de vida para a saúde mental”
.
O Museu de Imagens do Inconsciente encontra-se à disposição do público para visitas,
estudos e pesquisas. Promove exposições em sua sede e fora dela, cursos, visitas orienta-
das, apresentação de vídeos, grupo de estudos e está aberto de segunda a
sexta-feira de 9 às 16 horas. Neste Museu poderemos constatar a importância de Nise da Silveira que pelo
seu trabalho revolucionário acumulou ao longo de sua vida títulos e
prêmios em diferentes áreas do conhecimento: saúde, educação, arte e
literatura. Seu trabalho e princípios inspiraram a criação de museus, centros culturais e
instituições psiquiátricas no Brasil e no exterior.
Fragmento – p. 81-84, até o verso: “Engana-se o são!”
56
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ronteiras
f
nsaio
obre
e s
fotos de
marcelo carnaval
e obras de artistas do museu de imagens do inconsciente
arthur amora
aurora cursino dos santos
emygdio de barros
fernando diniz
raphael domingues
carla
58 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
59
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
aurora cursino dos santos
60 P RISMAS
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
61
62 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
carla
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
63
64 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
emygdio de barros
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
65
66 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
arthur amora
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
67
68 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
fernando diniz
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
69
70 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
carla
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
71
72 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
arthur amora
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
73
74 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
raphael domingues
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
75
76 P RISMAS
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
aurora cursino dos santos
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001
77
Montagem: Antônio César Caldas Pinto
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ETs, USA,
FED, Pimps:
todos contra nós
ARMINDO AUGUSTO DE ABREU
ECONOMISTA
RECADO1 — “Informações reservadas aconselham cautela até o ano de 2002. Pelo menos.
Nascido em língua alemã, no século XVII, Gottfried Leibnitz demonstrou que tudo aquilo
que existe, existe como conseqüência de alguma causa, não por leviandade. Bem antes
disso, lá pelo século V a.C., nascido em Estagira, Aristóteles não demonstrou, mas sustentou
que tudo que existe, existe dotado de alguma finalidade. Assim, por artes de Aristóteles e
Leibnitz, estabeleceu-se que os acidentes de cada uma de nossas vidas não são acidentes
coisa nenhuma: acontecem por alguma razão e visando objetivo preciso. De onde se segue
que se inventou o conceito de paranóia para iludir pios, convencendo-os de que os males
que porventura os assaltem devem ser creditados à má fortuna. Deslavada mentira. Tudo,
rigorosamente tudo que interfere em nossas existências deve-se à iniciativa de alguém
tendo em vista resultados muito claros. Na maioria das vezes, tais resultados são escusos.
Fique tranqüilo, faz todo sentido viver assustado”.
(Insight-Inteligência nº 10)
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 79
Montagem: Antônio César Caldas Pinto
REVISITANDO A
“PARANÓIA CONSPIRATÓRIA”
“Prepare o seu coração... pras coisas que eu vou contar”.
“Disparada”, GERALDO VANDRÉ
“Só porque você é paranóico não quer dizer que eles não
estejam de fato, lá fora, querendo pegar você”.
DITADO AMERICANO
Definitivamente, CONSPIRAÇÃO é um vocábulo que desafia velhos tabus e preconceitos. Apesar da sinistra conotação
que lhe tem sido dada, freqüenta, cada vez mais assiduamente,
o quotidiano dos estudiosos das verdades históricas, obliteradas
nas versões oficiais dos acontecimentos. Derivada do latim
CONSPIRARE significa, literalmente, “respirar junto”. Traduz
o ato de planejar ou agir secretamente, em parceria, visando a
alcançar objetivos predeterminados. E o alcance de objetivos,
está intimamente ligado à vontade e à possibilidade integrais e
eficazes da aplicação de poder. Sendo o poder, em síntese, a capacidade de se impor a própria vontade a terceiros, conspirar
exprime, em última instância, procurar adquirir, de forma velada, essa competência. A característica fundamental de que se
reveste a atividade conspiratória é o SEGREDO e o combustível
que lhe dá dinâmica é a busca permanente das INFORMAÇÕES
privilegiadas ou estratégicas. Fruto dessa sofisticada extração,
nos Estados Unidos e na Europa o estudo das teorias e possibilidades conspiratórias já se constitui em matéria apreciada, com
a necessária seriedade, por jornalistas, pesquisadores, políticos
e intelectuais respeitáveis. Isso, apesar do árduo combate e do
epíteto de “paranóicos” que, monótona e invariavelmente, recebem dos círculos de proteção do poder. “Quando se cogita dos
segredos mais profundos da nação, às vezes parece que existem
poderes, até mesmo, superiores aos do presidente dos Estados
Unidos e do diretor da CIA”.2 Trabalhos publicados naquele país
evidenciam que altos funcionários públicos, políticos, autores e
pesquisadores não estão sozinhos em suas desconfianças envolvendo supostas atividades conspiratórias. O povo americano também está. Uma pesquisa conjunta, feita em 1997 pela Ohio University e pelo Scripps-Howard News Service, resultou em surpreendentes conclusões: 51% dos entrevistados acreditavam que
80 P ATIFARIA
agentes federais assassinaram o presidente John Kennedy; mais
de um terço suspeitava que a marinha americana, propositalmente ou não, derrubara o avião da TWA que fazia o vôo 800; a
maioria acreditava ser possível que a CIA tivesse, intencionalmente, permitido a traficantes vender cocaína a crianças negras, moradoras das grandes cidades; 60% achavam que o governo escondia informações sobre o “agente laranja” e as causa
da “síndrome da guerra do golfo”; quase a metade suspeitava
que agentes do FBI iniciaram o fogo que matou mais de uma
centena de pessoas de uma seita religiosa, perto de Waco, Texas, em 1993. As reações da Casa Branca a essa pesquisa foram
as usuais: à vista do resultado, Curtis Gans, diretor do Washington Committee for the Study of the American Electorate (Comissão de Washington para o Estudo do Eleitorado Americano),
comentou: “A paranóia está matando este país...” Mas, seria,
mesmo, apenas paranóia, a crença generalizada de que certos
grupos ou indivíduos, detentores de imensa riqueza e poder, geralmente desconhecidos do público, sejam os verdadeiros donos
dos Estados Unidos e, em decorrência, do resto do mundo? Jonathan Vankin, jornalista e estudioso de conspirações que possam envolver o governo dos Estados Unidos, diz que “o poder é
um fato concreto da vida americana, mas a maioria dos americanos não participa dele. O segredo é a sua mola mestra. O governo parece distante, embora, de alguma forma, ainda possa
estar no controle. Estamos, cada vez mais, isolados uns dos outros, mergulhados nas telas dos computadores e das televisões,
prisioneiros dos vidros das janelas e dos pára-brisas. Há um
frustrante sentimento de desconexão na vida americana moderna. As teorias conspiratórias tentam juntar essas peças outra vez...”. “Muitos dos eventos mundiais mais importantes, dentre os que modelam os nossos destinos, ocorrem porque alguém
os planejou nesse sentido. Se nós estivéssemos, meramente, lidando com as leis da probabilidade, metade dos acontecimentos
que afetam o bem estar da nossa nação seriam para o bem da
América. Se nós estivéssemos lidando apenas com mera incompetência, nossos líderes deveriam, de vez em quando, cometer
um erro a nosso favor... Não, nós não estamos lidando com coincidências ou estupidez, mas com planejamento e brilhantismo3 ...”. “As elites, não as massas, governam a América. Numa
era industrial, científica e nuclear, a vida numa democracia, da
mesma forma como nas sociedades totalitárias, é moldada por
um punhado de homens. A despeito das diferenças de aborda- sendo revelado, vem dos doze bancos centrais privados que integem com que estudam o poder na América, intelectuais, cientis- gram o Federal Reserve System. Este poderoso cartel, que gotas políticos e sociólogos concordam em que as decisões chaves verna a economia americana e controla ou influencia a do resde natureza política, econômica e social são tomadas por estrei- tante do planeta, emite e regula a moeda, determinando o voluta minoria”.4 Os fatos demonstram que a idéia de uma minoria me e a intensidade com que cada dólar vai adquirir ou fazer
rica, oligárquica, controlar e governar a América, apropriando- sangrar, via taxa de juros, a prosperidade ou a pobreza universe da maior parte da riqueza ali produzida, não é, apenas, possí- sais. Tão formidável mecanismo de acumulação, ao mesmo temvel, mas absolutamente provável. Para os que insistem em ima- po genial e egocêntrico, faz da máquina econômica, gerencial e
ginar que, somente no Brasil, ou em sociedades periféricas, a militar dos Estados Unidos o único poder inconteste do globo e o
concentração da renda é brutal, convém lembrar que o grosso detentor da maioria das riquezas terrenas. Em conseqüência, é
da riqueza americana, produzida por 265 milhões de habitan- justo perguntar: — Quem controla os Estados Unidos e, a partir
tes, também está repousando em pouquíssimas mãos. Um estu- deles, a riqueza mundial? Todos, sem exceção, acreditam ou pelo
do conduzido pelo Federal Reserve Board, em 1983, revelou que menos já se dispuseram a falar ou ouvir dizer, sem rodeios, que
apenas 2% da população (5,3 milhões) controlavam 54% da ri- algumas poucas pessoas, efetivamente, detém a maior parte das
queza nacional e que apenas 10% (26,5 milhões) detinham 86% riquezas transacionáveis, das reservas minerais, dos ativos fidos ativos financeiros líquidos. A maioria das famílias america- nanceiros. Que elas manipulam estoques, controlam preços, adnas, isto é, 55% da população (140
ministram fartura ou escassez, remilhões), tinham patrimônio zero
pelem os chamados “custos sociou negativo! O ciclo dos ricos ficanais” e evitam pagar impostos.
Os fatos demonstram que é
do mais ricos e dos pobres ficando
“Elas” também dominam o mais
possível uma minoria controlar
e
governar
a
América
mais pobres tem se acelerado desavançado conhecimento científico
de a década de 60, tanto nas ade tecnológico, constroem monopóministrações democráticas quanlios de energia, comunicações, arto nas republicanas. Os números atuais são ainda mais drásti- mamentos, remédios. Exercem total influência sobre as mídias,
cos: Segundo o U.S. Census Bureau (equivalente ao nosso IBGE. as maiores universidades, os partidos políticos e os governos,
N.A.), entre 1992 e 1994 a riqueza dos 5% mais abastados cres- através do poder que acumulam ao controlar tanto corporações
ceu 14%, quase o dobro do que ganharam todos os demais ame- multinacionais quanto organizações privadas, como o Council
ricanos nos últimos vinte e cinco anos! Segundo conceituados on Foreign Relations (CFR), a Comissão Trilateral, o Royal Insanalistas, a alarmante concentração da renda no país mais rico titute of International Affairs (Grupo Chatam House)5 , os Bildo mundo não seria, apenas, mera decorrência da aplicação de derberger, a Sociedade Liberal de Mont-Pélérin, o Diálogo Intepolíticas econômicas equivocadas, mas, na verdade, uma estra- ramericano, o Federal Reserve System... “Elas” também pertégia consciente, visando a acumular a riqueza em poucas mãos. tencem a sociedades secretas como a dos Illuminati (IluminaPara que a economia estadunidense se mantenha em pleno fun- dos), os Skull and Bones6 , e aos círculos mais restritos da Livre
cionamento, é necessário que ela demande recursos planetários Maçonaria. Mas, finalmente, quem são “Elas”? “Trezentos hoem proporções muito superiores ao que seria lícito corresponder mens, todos se conhecendo, dirigem os destinos econômicos da
à sua quota-parte populacional ou geográfica. A concentração Europa e escolhem os sucessores entre si”, garantia, em 1909,
das riquezas mundiais em poucas mãos, numa economia cada Walter Rathenau, o principal executivo da General Electric na
vez mais globalizada, fora do alcance do estado, entregue “ao Alemanha. Essa afirmativa histórica, com certeza, serviu de
mercado”, na verdade estaria facilitando a manipulação dos ati- ponto de partida para obra recente, rapidamente esgotada, afirvos físicos e dos fluxos de produção e consumo, em favor de quem mar que um “Comitê de 300” controla um “governo paralelo, de
possui o dinheiro. E o dinheiro do mundo, como aos poucos vai alto nível, secreto, que dirige a Grã-Bretanha e os Estados UniJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 81
dos”.7 Felix Frankfurter, antigo juiz da Corte Suprema, adver- blicação, esses autores responderam, de outra forma, à perguntiu seus pares de que “os reais governantes, em Washington, ta: “Mas quem governa REALMENTE os Estados Unidos??? —
são invisíveis e exercem o poder por trás dos bastidores”. Em “Há muitas forças trabalhando na sociedade dos Estados Unicarta datada de 23/11/1933, o recém eleito presidente Franklin dos, mas a mais poderosa é a resultante da ação dos grandes
Roosevelt, também tido como um
bancos, das corporações e das com“Iluminado”, escrevia ao braço dipanhias de seguros, com o respalreito de Woodrow Wilson, coronel
do de líderes militares”. Ou seja, a
Felix Frankfurter, ex-juiz da Corte
Edward House, personalidade
Suprema, disse que “os reais governanresposta é, em essência, a mesma
tes,
em
Washington,
são
invisíveis
chave na criação da Liga das Naque ficou consagrada na indelével
ções, do Council on Foreign
expressão cunhada pelo ex-presiRelations(CFR) e do Federal
dente Dwight Eisenhower: o “comReserve(FED): “a pura verdade nesta matéria é, como você e eu plexo militar-industrial”... Confrontado com a questão “Quem,
sabemos, que o poder financeiro nos grandes centros tem tido a realmente, governa o planeta?”, pela Revue Internationale et
posse do governo desde os tempos de Andrew Jackson 8 . Regis- Stratégique, o atual ministro do Exterior da França, Hubert
tre-se que durante o governo de Roosevelt, pela primeira vez na Védrine, colocou à frente do presidente dos Estados Unidos os
história, foi posta em circulação uma nota de dólar contendo presidentes de certas corporações, financistas, agências de clasimpressa em seu verso a pirâmide e o olho maçônicos9 . Ratifi- sificação de riscos, jornalistas, cineastas, pesquisadores, lobbies
cando esta convicção familiar, o filho do presidente Roosevelt, e, até mesmo, os fundos de pensão americanos. Mas, antes de se
Elliot, escreveu após a morte do pai: “Há em nosso mundo cerca tentar identificar essas pessoas, é imprescindível investigar como
de doze organizações que modelam as direções de nossos desti- seria feita, na prática, a integração dos seus esforços em torno
nos, de forma tão rígida quanto os governos regularmente cons- de objetivos comuns. A única solução plausível para esta questituídos”. Em 1922, o então prefeito de Nova York, John F. Hylan, tão, dentre as muitas possibilidades pesquisadas pelos especiadeclarava que “a ameaça real à nossa República é o governo listas, seria a existência de uma teia invisível de solidariedade,
invisível que, como um polvo gigantesco, estende seus tentácu- apoios e dedicações, concedidas ou adquiridas a qualquer preço.
los afiados sobre a nossa cidade, nosso estado, nossa nação... Na E essa rede, tecida com fios da mais estrita lealdade, à sombra
cabeça desse polvo estão os interesses da Rockfeller-Standard do anonimato e da dissimulação, seria obra de “Sociedades SeOil e os de uns poucos e poderosos bancos, geralmente referidos cretas”, algumas antiqüíssimas, outras contemporâneas, e de
como banqueiros internacionais que, virtualmente, governam seus membros, investidos de enorme influência, comandando
os Estados Unidos para satisfação de seus propósitos egoístas”. poderosas instituições ou no exercício de funções chaves. Elas
Joseph P. Kennedy, patriarca da notável família, ex-embaixa- não só existem, como desempenharam e continuam desempedor dos Estados Unidos na Inglaterra, certa feita causou perple- nhando importantíssimo papel nos principais eventos doméstixidade pública ao afirmar que “cinqüenta homens governam a cos ou internacionais, do passado e do presente. Por isso, é inteAmérica e este é um número alto”. Respondendo à pergunta ressante que se aprecie, no panorama recente, fatos envolvendo
“quem governa este país?”, em palestras formuladas para estu- o mais elevado círculo do poder nos Estados Unidos: os presidantes secundários, os escritores e autores do popular People dentes americanos, seus principais assessores e os grandes emAlmanac, Irving Wallace e David Wallechinsky, listaram: o pre- presários, com essas misteriosas sociedades. Diz-se, de forma
sidente, as duas casas legislativas e os nove membros da Supre- bem-humorada, que as melhores imagens trazidas à mente das
ma Corte. Mencionaram, também, os governos estaduais e mu- pessoas quando se menciona o nome de Bill Clinton, é o de um
nicipais, ressalvando, entretanto, que muitas de suas leis po- político sorridente e jovial, saxofonista episódico, com um espedem ser invalidadas pelo governo federal, o que os remete a um cialíssimo interesse pelas moças muito bonitas e, às vezes tamcírculo de menor poder e influência. Entretanto, na mesma pu- bém, por outras nem tanto. O que as pessoas geralmente desco82 P ATIFARIA
nhecem é que Clinton está ligado a três das mais importantes tresmalhada” da família. Após abandonar essa faculdade, em
sociedades secretas contemporâneas: o Council on Foreign Re- 1934, trabalhou como peão em poços de petróleo, no Texas. Na
lations (CFR), a Comissão Trilateral e o Grupo Bilderberger. Segunda Grande Guerra lutou no Pacífico, como soldado de inEssas organizações, como seria natural esperar-se, são muito fantaria, regressando a casa, ao seu final, com três importantes
restritas como fontes de informações. A Trilateral costuma pu- condecorações. Dali em diante, dedicou-se a uma vida desregrablicar os nomes de seus membros e certos documentos contendo da de playboy, entregando-se à bebida, às mulheres e ao café
diretrizes de atuação, mas sua agenda interna permanece con- society. Em 1953, cansado daquela rotina, mudou-se para o esfidencial. O CFR também publica o rol dos associados, porém tado de Arkansas, onde, em 1956, recebeu o título de Homem do
exige deles segredo total quanto aos objetivos e às operações. Já Ano de Arkansas. Em 1967, desfrutando de grande prestígio,
os Bilderberger mantêm sua agenda e seu corpo de associados elegeu-se governador. No exercício da função, conheceu um joem sigilo total. Membros destacados da administração Clinton vem promissor, de temperamento semelhante ao seu, rebelde e
pertenceram aos quadros do CFR. Compreenderam, entre mui- boêmio, chamado Bill Clinton. Começava, aí, com a simpatia e a
tos outros, além do próprio presidente, o vice-presidente Al Gore, proteção dos Rockefeller, sua rápida ascensão ao poder. No ouo Secretário de Defesa William Cohen, Warren Christopher, tono de 1998, quando ameaçado de impeachment, Clinton corJames Woolsey, Lloyd Bentsey, Laura Tyson e o Gen. Colin Po- reu a Nova York para pedir proteção aos seus colegas do CFR.
well. Do mesmo governo Clinton, pertencem à Comissão Trila- “Bill Clinton sabe muito bem que é presidente porque os memteral, William Cohen, Alan Greenspan e Donna Shalala, entre bros da sociedade secreta a que pertence o escolheram e espeoutros menos conhecidos no Brasil. Em 1991, quando governa- ram que ele realize seus planos”.11 O ex-presidente George Bush
dor de Arkansas, Bill Clinton foi convidado a se filiar aos Bilder- foi membro do CFR, da Comissão Trilateral e destacado irmão
berger. No ano seguinte, foi eleito presidente dos Estados Uni- da Skull and Bones. Seu filho, o atual presidente, também estudos. Ele nunca mencionou, em público, seus encontros com os dou em Yale e em Harvard, sendo membro da mesma sociedaBilderberger, mas, segundo o tablóide The Spotlight, de Wa- de. Jimmy Carter, antigo assessor de Zbigniew Brzezinski no
shington, que perseguiu reuniões do grupo durante anos, Hilla- CFR e por ele recrutado, teve em seu governo uma plêiade de
ry passou a freqüentá-las em 1997, sendo a primeira mulher de membros daquela organização, inclusive de seu antigo chefe,
um presidente americano a fazê-lo. A partir daí, começaram ru- que lhe serviu como assessor para assuntos de Segurança Nacimores a respeito de uma provável,
onal. Apesar de democrata, seu see importante, futura carreira pocretariado (ministério) abrigou,
lítica para ela. Mas, que ligações
também, trilateralistas do partiClinton está ligado a três das
possuía Clinton antes de se tornar
do republicano, como Henry Kismais importantes sociedades secretas
contemporâneas
governador de estado e presidensinger (Estado, membro do CFR e
te da república? Ao morrer, John
protegido dos Rockefeller), WilliDavison Rockefeller Jr., herdeiro
am Coleman (Transportes), Cardo magnata da indústria petrolífera, deixara uma imensa fortu- la Hills (Habitação), Peter Peterson (Comércio; posteriormente
na, influência política, diversas instituições de poder, prestígio veio a ser presidente do CFR) e Casper Wainberger (Saúde, Edue cinco filhos homens para administrá-los: John III, Nelson, Lau- cação e Trabalho)12 . Também assinaram ponto no governo Carrance, Winthrop e David. A única filha, Abby, morrera de cân- ter, o ex-diretor da CIA e futuro presidente George Bush, e Wicer. Winthrop tinha sido aluno de Yale, uma das universidades lliam Cohen, secretário da Defesa de Clinton e membro do CFR.
financiadas pelo fundo Irmãos Rockefeller, presidido por John Gerald Ford, o vice-presidente de Richard Nixon, era membro
III, e que abriga a enigmática sociedade “Skull & Bones”10 , fa- ativo da Maçonaria, do CFR e dos Bilderberger. Quando Nixon
mosa por recrutar membros para futuro exercício de cargos ele- renunciou, Ford assumiu a presidência e “escolheu” como novo
vados de poder. Não obstante, Winthrop era considerado a “rês vice-presidente dos Estados Unidos Nelson Rockefeller, patroJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 83
no do CFR, membro da Trilateral, dos Bilderberger, etc, pois o
Sistema não deve correr riscos... Aliás, cabe lembrar que Gerald
Ford, antes disso, fora membro da famosa Comissão Warren,
que investigou o atentado contra John Kennedy, concluindo que
a morte do ex-presidente fora obra de um louco homicida e não
de uma conspiração, como até hoje se discute. O governo de Ronald Reagan não foi diferente. O ex-ator e antigo porta-voz da
General Electric, embora não fosse apontado como membro dessas três instituições ou, até mesmo, simpático a elas, após uma
série de acontecimentos políticos estranhíssimos13 , indicou George Bush à vice-presidência e, depois de eleito, nomeou vários
de seus integrantes para cargos de primeiro escalão, sendo vinte e oito membros do CFR, dez dos Bilderberger e, pelo menos,
dez trilateralistas. Esse grupo compreendia o secretário de estado Alexander Haig, o secretário da defesa Casper Wainberger, o secretário do tesouro Donald Regan, todos do CFR, e Alan
Greenspan, o todo poderoso presidente do Federal Reserve,
membro do CFR, Bilderberger e Trilateral!
“AS MODERNAS SOCIEDADES
SECRETAS E SUAS AGENDAS DE
DOMINAÇÃO GLOBAL”.
...“É muito difícil reeducar pessoas criadas sob a idéia do
nacionalismo e levá-las a abandonar parte dele em favor de
um governo supranacional”.
Príncipe Bernhard, da Holanda,
quando presidente do Comitê Bilderberger
Registros históricos evidenciam que, a partir do século XVIII,
o mais poderoso grupo de interesses do planeta decidira ampliar e fixar seus negócios, definitivamente, no Novo Mundo. Essa
decisão estratégica resultaria no surgimento de uma coligação
oligárquica européia/americana, pacientemente construída a
partir do processo da independência dos Estados Unidos. Ela
consolidava, também, um fantástico sincretismo de capitais, milenarmente constituídos em todo o mundo e concentrados na
Europa, com a riqueza recente do Novo Mundo, acumulada com
as descoberta das novas colônias ultramarinas, e agora perceptível diante do poder emergente da América. Esses grupos tinham por sede, desde o século XVII, a Grã-Bretanha e repre84 P ATIFARIA
sentavam interesses de natureza essencialmente econômico-financeira, ligados à rede bancária, ao comércio e à indústria.
Seus integrantes proviriam de diversas nacionalidades, etnias,
credos políticos, filosóficos e religiosos. Nenhuma dessas características, ao que se conhece, prevaleceu necessariamente nesse
arranjo de poder, que se revela supranacional, apátrida, sem
preferências religiosas, de caráter absolutamente materialista.
Sendo sua única motivação ostensiva, portanto, a mais ilimitada ambição, o objetivo da coligação conspiratória seria alcançar
a máxima concentração de poderes políticos e econômicos, o pleno controle da riqueza física ou virtual, o domínio da ciência e
dos processos de alta tecnologia, tudo pela via pacífica do convencimento e do mercado, sem contestações ideológicas e resistências armadas, civis ou militares. Sutilmente caracterizado
como uma “Nova Ordem Mundial”, sempre apresentado como
evolução natural, modernidade, em diversas épocas da história,
o conjunto organizado, sincronizado, de ações dessa elite almejaria, em última instância, a reorganização consentida da humanidade. No plano político, resultaria em governo mundial
único, instituído em torno de princípios comuns. Os mais relevantes desses postulados seriam: a supressão de todas as forças
armadas, substituídas por um contingente policial supranacional com a bandeira da ONU ou da OTAN, capaz de impor a paz
e a ordem em qualquer parte do globo, com o respaldo de uma
corte de justiça universal; a instituição de moeda única, física e
eletrônica, emitida e controlada por um ou mais bancos centrais
privados e independentes de qualquer governo nacional; o afastamento da civilização ocidental dos seus antigos valores morais, éticos e religiosos, de tradição judaico-cristã, submetendoa, tão somente, ao domínio de uma “nova ética” materialista,
com base exclusiva na razão, no conhecimento científico e no
direito positivo; o fim dos estados nacionais, com a abolição de
fronteiras fixas e do conceito de soberania. Como visto, para que
um processo de tamanha ambição e alcance pudesse prosperar
na prática, seria necessária a existência de uma poderosa e atuante rede de instituições e lealdades, mantidas sob pesado véu
de discrição e sigilo. Essa antiga urdidura, que esteve presente
e influenciou fatos primordiais da história, como as revoluções
americana, francesa e russa, e erodiu o poder das monarquias
cristãs formadas a partir da Idade Média, começou a ser tecida,
em sua fase mais contemporânea, no governo do Pres. Woodrow
Wilson, com a criação de três instituições chaves, que assegura- sido conquistados. No dia 30 de maio de 1919, House reuniu-se
ram a perfeita consolidação do sistema secreto de poder: A Liga com os membros americanos e britânicos à Conferência de Paz,
das Nações, o Federal Reserve System, e o Council on Foreign em Paris, no Hotel Majestic, quando resolveram formar um InsRelations (CFR). “Este último, influencia o governo dos Estados tituto de Assuntos Internacionais, visando preparar a opinião
Unidos, fornecendo-lhe quadros de
pública para a aceitação de um
estrita confiança e sugerindo os
“governo mundial único”, ou a
passos de sua política externa e as
“globalização”, tendo uma sede nos
Analistas da imprensa soviética
de seus aliados. Segundo respeiafirmam ser o CFR mais noticiado no
Estados Unidos e outra na InglaPravda
do
que
no
New
York
Times
táveis opiniões..., o CFR é o verdaterra. A sede americana foi incordeiro governo dos Estados Uniporada em 21 de julho de 1921,
14
dos...” mantendo laços estreitos
com o nome de Council on Foreign
com organizações semelhantes e associadas, nos principais paí- Relations (CFR). A sede britânica tornou-se o Royal Institute of
ses, inclusive no Brasil. Registros históricos evidenciam que o International Affairs. O CFR nasceu sob o signo do mais absolumarco de criação da... “mãe de todas as organizações secretas to sigilo. No artigo II de seus estatutos, reza que “qualquer memcontemporâneas...”, o CFR, foi o final da Primeira Grande Guer- bro que venha a revelar detalhes de suas reuniões, contrarianra. Contados os mortos, pensadas as feridas dos sobreviventes e do as regras estabelecidas pelo CFR, será passível de expulsão”.
avaliados os prejuízos, líderes mundiais se reuniram na Confe- Essa aura de sigilo tem sido mantida e respeitada pela grande
rência de Paris, em 1919, para deliberar sobre o traumático pós- mídia americana. Em 1971, o jornalista J. Antony Lucas escreguerra. A intenção declarada seria deflagrar providências e cri- via que... “analistas da imprensa soviética afirmam ser o CFR
ar mecanismos no sentido de eliminar e impedir futuras diver- mais noticiado no Pravda e no Izveztia do que no New York
gências entre os países. Um governo global unificado seria a Times.” De forma coerente com os planos de instruir e governar
solução alvitrada. A delegação americana compreendia, entre todas as fases da política externa americana, foram membros
outros, o presidente Woodrow Wilson, seu assessor e braço di- do Council on Foreign Relations QUASE TODOS os diretores
reito, coronel Edward Mandell House, os banqueiros Paul War- da CIA desde Allen Dulles, TODOS os Secretários de Estado,
burg e Bernard Baruch, financiadores de sua campanha, e uma menos um15 , desde 1940 e TODOS os Secretários da Guerra/
dúzia de líderes proeminentes, pertencentes a um grupo que se Defesa, sem exceção. Esta assertiva abrange o governo George
auto intitulava The Inquiry (os inquiridores). Essa estranha fra- W. Bush, em curso. A face do CFR começou a ser revelada, para
ternidade, de filosofia globalista, defendia um acordo de paz que o público americano, a partir dos anos 70, com o surgimento das
garantisse a remoção de todas as barreiras econômicas, igual- novas tecnologias de comunicação. Num esforço aparentemente
dade nas condições de comércio e a criação de uma “associação destinado a desviar essas atenções, David Rockefeller, então seu
geral de nações”. Desse pleito, nasceria o projeto de criação da presidente, envidou esforços para criar uma organização mais
Liga das Nações, por Wilson, em projeto elaborado e defendido visível, que pudesse servir de “biombo” para as atividades do
pelo coronel House. Curiosamente, fundamentos de uma outra Conselho: a Comissão Trilateral. A idéia de criar a Trilateral
plataforma, implementada por Wilson, apareciam num livro de lhe fora ofertada por Zibigniew Brzezinski, chefe do Departaficção escrito, pouco antes, por Edward House, denominado “Phi- mento de Estudos sobre a Rússia, da Universidade de Columbia
lip Dru: Administrator – A Story of Tomorrow”. Nesse livro, o (New York), e autor de inúmeros documentos e livros que tisocialista marxista House descrevia uma conspiração (sic) ocor- nham servido de linhas mestras para o estabelecimento de direrida nos Estados Unidos, visando à criação de um banco central trizes de políticas e estratégias pelo CFR. Ele pesquisara, anteprivado, um imposto de renda gradual e o controle dos partidos riormente, uma forma de “cooperação mais próxima” entre as
republicano e democrata. Um par de anos após a publicação do nações da Europa, da América do Norte e da Ásia, assim defenlivro, pelo menos dois desses objetivos, senão os três, tinham dida: “Uma nova e mais ampla aproximação é necessária: a criJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 85
ação de uma comunidade de nações desenvolvidas que possa, culando a moeda americana do padrão-ouro. Mas, havia, ainda,
efetivamente, se dedicar às maiores preocupações relativas à outras razões de inquietação entre os presentes àquela fechahumanidade... Uma Comissão representando os Estados Uni- díssima reunião: eram as novas sobretaxas aplicáveis às impordos, a Europa Ocidental e o Japão, com reuniões periódicas de tações americanas, visando à redução do seu déficit externo; a
seus chefes de Estado, bem como uma pequena infra-estrutura política de détente iniciada com a China, de olhos no seu potende apoio, seria um bom começo”.16
cial de comércio; e o gradativo, poEle também vislumbrava uma sorém brutal, aumento de preços do
ciedade “...que fosse moldada culpetróleo. Os países produtores tiA Comissão Trilateral de
tural, psicológica, social e econonham reagido, de pronto, à astroBrzezinski foi fundada, oficialmente,
em 1 de julho de 1973
micamente pelo impacto da tecnonômica depreciação do dólar, que
logia e da eletrônica, particularelevara o preço do ouro às nuvens
mente na área dos computadores
(passou de US$ 800,00/onça), reae das comunicações...”. Os pensamentos de Brzezinski começa- justando, também eles, sua valiosa e finita matéria-prima, coram a suscitar suspeitas entre todos aqueles que já se opunham nhecida no jargão do mercado como “ouro negro”. Afinal, os peà consolidação de um poder político e econômico unificado, ao trodólares não poderiam mais ser convertidos no metal amaredeclarar: “...a soberania nacional não é mais um conceito viá- lo, ao preço de US$ 35,00 a onça, conforme estipulara o acordo
vel...” e prever que “...as nações desenvolvidas mover-se-iam na de Bretton Woods, desde o pós-guerra. Para os países produtoformação de uma comunidade mais ampla... através de uma res, vender petróleo, dali em diante, em troca de uma moeda
série de laços indiretos e de limitações, já iniciadas, nas suas agora inconversível e desvalorizada, representaria, como num
soberanias nacionais..., e com um sistema de coleta global de passe de mágica, transformar sua poupança monetária (os peimpostos”. Explicando que um organismo de cooperação, como a trodólares) em areia e reduzir, pesadamente, o valor econômico
Trilateral, deveria preparar o palco para a conformação desse de suas reservas de óleo, dos contratos de fornecimento de longo
cenário, entendia que “...o objetivo inicial de formar uma gran- prazo, de sua receita bruta e dos estoques formados. Essa foi, na
de comunidade de nações, embora menos ambicioso do que for- verdade, a causa real dos chamados “choques do petróleo” que
mar um governo mundial, seria mais factível”. Em sua concep- se seguiram, em 1973 e 1979. Não obstante, esse gravíssimo
ção geopolítica, Brzezinski não pretendia deixar de fora dessa fato foi transmitido ao grande público, pela mass media, como
sociedade global nem mesmo as nações submetidas ao marxis- atitude “gananciosa e monopolista” do cartel de países produtomo, que ele considerava... “um estágio posterior de maturidade res, decididos a “levar à bancarrota” a economia ocidental... Toda visão universal do homem, vital e criativo”, e “uma vitória do das essas questões, que estavam amargurando os aliados dos
homem exterior sobre o homem interior, passivo, uma vitória americanos, causavam deterioração nas relações externas dos
da razão sobre a fé”. A Comissão Trilateral de Brzezinski foi Estados Unidos, especialmente com o Japão. Ele era o principal
fundada, oficialmente, em 1 de julho de 1973, tendo David Ro- prejudicado, face à sua total dependência de combustíveis fósckefeller como presidente, mas os planos de sua criação e funci- seis e das exportações maciças de produtos de alta tecnologia
onamento foram apresentados, em primeiríssima mão, aos mem- para os Estados Unidos. A reunião entre os Bilderberger, entrebros do ultra-secreto grupo dos Bilderberger, em abril de 1972, tanto, tinha lhes dado mostras de que houvera certa precipitana pequenina cidade belga de Knokke-Heist. Ali, a reação ao ção em se deflagrar, quase simultaneamente, medidas tão duprojeto foi entusiástica. A grande preocupação do fechado gru- ras e explícitas visando a resultados financeiros convergentes,
po, nesse dia, era quanto às vigorosas, porém esperadas, rea- concentradores. Era imprescindível, portanto, abrandá-las e, por
ções da comunidade internacional, especialmente da Europa e isso, a proposta de Brzezinski, sugerindo um estágio intermedido Japão, à devastadora desvalorização do dólar, representada ário, tripartícipe, na unificação desse poder, com especial destapelo rompimento do pacto de Bretton Woods, por Nixon, desvin- que para o Japão, na liderança do que viria a ser um futuro
86 P ATIFARIA
bloco asiático, foi aclamada, unanimemente. A Trilateral esta- pelas corporações multinacionais”.19 No princípio de 1977, até
va informalmente criada e liberada para iniciar seus trabalhos, mesmo o jornal conservador Washington Post, sustentáculo do
o que ocorreu, apenas três meses depois, numa propriedade par- establishment, comentava em editorial que... “há alguma coisa
ticular da família Rockefeller, em Pocantico Hills, Tarritown, preocupante sobre a Comissão Trilateral. O presidente eleito
estado de New York, nos dias 23 e 24 de julho de 1972. Partici- (Carter) é um membro. O vice-presidente Walter Mondale, tamparam desse primeiro encontro diversas personalidades, ao que bém, da mesma forma que os novos Secretários de Estado, Detudo indica selecionadas apenas por Rockefeller e Brzezinski. fesa e Tesouro, Cyrus Vance, Harold Brown e Michael BlumenSomente um ano depois ocorreria a cerimônia oficial. David tal. Brzezinski, um antigo diretor da Trilateral e assessor de
Rockefeller, então, nomeou Brzezinski fundador e diretor do segurança nacional de Carter, também é, assim como um grupo
ramo norte-americano da Comissão, que abrigava, ainda, o go- de outros que farão a política externa da América nos próximos
vernador Jimmy Carter, o congressista John B. Anderson (ou- quatro anos”. Entre esse “grupo de outros”, releva destacar o
tro candidato presidencial) e Hedley Donovan (editor-chefe do nome de Paul Volker, indicado para presidir o Federal Reserve.
grupo Time, Inc.). Entre os demais fundadores estavam Regi- Conhecido na praça como pessoa “ligada a David Rockefeller”,
nald Maulding, Lord Eric Roll, Alistair Burnet (editor do Econo- Volker tinha sido presidente do ramo norte-americano da Trilamist), Giovanni Agnelli (presidente da FIAT), Raymond Barre teral e era membro das organizações secretas CFR e Bilderber(França) e um grupo de representantes da elite japonesa, à frente ger. A despeito de todas essas credenciais, acabou sendo apeaSujiro Fujino (Mitsubishi). Segundo a revista Trialogue, publi- do, durante o governo Reagan, do cargo de presidente do FED,
cação oficial, espécie de relatório anual da Comissão Trilateral, substituído pelo atual, Alan Greespan, coincidentemente, como
“ela foi fundada em 1973 por cidadãos particulares da Europa visto, membro da Comissão Trilateral, do CFR e dos BilderberOcidental, Japão e América do Norte, para promover uma coo- ger...20 A despeito de declarações públicas, nas quais nega ser
peração mais próxima, entre as três regiões, a respeito de seus uma entidade secreta, a Comissão Trilateral não pode deixar de
problemas comuns”. Autores mais cépticos, entretanto, inter- ser incluída nesse rol, uma vez que suas reuniões são sempre
pretam a expressão “cooperação próxima” como um “conluio en- fechadas, com acesso negado ao público. “A mais nova cabala
tre banqueiros e corporações multinacionais, de olho no governo internacional de David Rockefeller21 (a Trilateral)... planeja ser
mundial único”.17 A Comissão mantém, hoje, sedes em New York, o veículo para a consolidação multinacional dos interesses coParis e Tóquio, sendo seus principais financiadores os Fundos merciais e bancários, pela tomada do controle político dos EstaIrmãos Rockefeller, German Marshall e Lilly Endowment, bem dos Unidos”.22 “Ela consiste num grupo, cujo objetivo é acelerar
como empresas do porte do The Time, Bechtel, Exxon, General a era do Governo Mundial e promover uma economia global conMotors, Wells Fargo e Texas Instrolada, atrás dos bastidores, pela
truments”. “Muitos dos membros
Irmandade Secreta (os Iluminada Comissão Trilateral estão hoje
dos).”23 Há quem garanta que esAté o conservador Washington Post
em posições de poder, de onde poses Iluminados, invariavelmente
comentou que “há alguma coisa preocupante
sobre
a
Comissão
Trilateral”
dem implementar políticas recoabrigados na penumbra, costumendadas pela Comissão; medidas
mam se materializar nas reuniões
que eles mesmos prepararam
dos Bilderberger. Esta revelação
como membros da Trilateral. É por esta razão que ela adquiriu nos remete a uma outra questão crucial: — quem são os Bildera reputação de ser o governo oculto do ocidente”.18 “Os tentácu- berger? O modo mais prosaico de se defini-los é como um grupo
los da Comissão Trilateral foram tão longe na esfera política e de poderosos, homens e mulheres, muitos pertencentes à realeeconômica que ela tem sido descrita, por muitos, como prova za européia, que se encontram secretamente, todos os anos, para
cabal de que homens poderosos podem controlar o mundo, atra- discutir assuntos de seu interesse. Pesquisadores afirmam que
vés da criação de uma comunidade supranacional, dominada eles conspiram para “fabricar” e “administrar” acontecimentos
J ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 87
de âmbito mundial. Apesar da presença de figuras exponenciais internacionalistas conhecido como The Inquiry (os Inquiridoda mídia em suas reuniões, nada, ou quase nada, transpira ou é res) e dos banqueiros Warburg e Baruch. O RII, entretanto, foi
noticiado. Eles, também, costumam ser filiados às demais soci- montado a partir de uma outra sociedade secreta já existente, o
edades secretas. O grupo, pelas características de sigilo absolu- Round Table Groups (Grupos da Távola Redonda) estabelecida
to, não possui sequer um nome oficial. A designação atual foi em 1910 pelo legado de Cecil Rhodes, o magnata inglês dos diaoutorgada por pesquisadores, quando vazou para o público, pela mantes.”24 “O Royal Institute foi criado em 1919 para perpetuprimeira vez na história, a notícia de uma reunião feita, em ar o poder britânico no mundo e ajudou a criar o Council on
1954, no Hotel Bilderberger, em Oosterbeek, Holanda. Após uma Foreign Relations como parte de um esforço para unir as elites
série de encontros informais, realizados na Europa, entre mem- inglesas e seus interesses de política externa, com os dos Estabros da realeza e importantes nomes de suas mais altas elites, dos Unidos.”25 O RII fica na conhecida Chatam House (Mansão
foi decidida, em 1950, a criação desse comitê altamente secreto. Chatam), situada em Londres, na praça de Saint James, em
A sessão inaugural teve a presença de vários ministros das rela- frente à residência da multimilionária família Astor.26 Costuções exteriores europeus, o príncipe Bernhard da Holanda e o ma-se dizer, mundo afora, talvez sem muita atenção para a cosocialista polonês Joseph Retinger, fundador do movimento eu- nexão implícita, que a política externa inglesa é emanada da
ropeu após a Segunda Guerra Mundial. Já o primeiro encontro Chatam House... Além de sua atuação direta na área de política
do grupo em solo americano foi feito em 1957, na ilha de Saint externa, o RII atua na esfera da preparação de quadros para o
Simons, próximo à paradisíaca ilha de Jekill (em frente ao esta- futuro, especialmente na concessão de bolsas universitárias a
do da Georgia), onde, em 1910, outros conspiradores se reuni- pessoas de alto potencial, segundo critérios próprios. “As bolsas
ram para planejar a criação do FED. Nas suas reuniões tem Rhodes (Clinton foi bolsista)... são conhecidas de todos. O que
sido registrada, quase sempre, a presença de membros das fa- não é tão abertamente divulgado é o fato de que Rhodes, em
mílias reais britânica, sueca, holandesa e espanhola. O príncipe cinco testamentos, deixou sua fortuna para formar uma socieBernhard foi o chairman do grupo até 1976, quando renunciou dade secreta que deveria dedicar-se à preservação e à expansão
devido às denúncias de que recebera uma grande importância do império britânico. E, o que parece ser também desconhecido
da Lockheed, para promover vendas de aviões. A partir de 1991, de todos, é que essa sociedade secreta continua a existir até os
a presidência tem sido ocupada por Lord Carrington, ex-minis- dias de hoje”.27 Como se depreende, a inegável conexão entre
tro, ex-Secretário Geral da OTAN e presidente do Royal Institu- alguns dos mais importantes líderes americanos e essas organite of International Affairs, organização gêmea do CFR. Outros zações já não podem mais ser ignoradas. Muito embora o conmembros, não menos ilustres, foram ou são Brzezinski, Dean ceito de se criar uma comunidade global de nações venha de
Rusky, Robert McNamara, genemuitos séculos passados, foi com o
ral Lyman Leminitzer, todos tamsurgimento dessas modernas sobém do CFR, e Henry Ford II, Gisciedades secretas que ele adquiriu
O Royal Institute foi criado
card d´Estaing, George Pompidou,
a dimensão e a materialização conem 1919 para perpetuar o poder
britânico
no
mundo
Helmut Schmit, Margaret Thatemporâneas. Apesar da importcher e o barão francês Edmond
tante presença da família Rockede Rothschild. Segundo o autor e
feller no CFR e também na cooranalista de inteligência, Dr. John Coleman, “...A Conferência de denação das demais organizações secretas mencionadas, é preBilderberger é uma criação do M16 (o serviço secreto britânico), ciso ficar claro que outras importantes forças políticas e finansob a direção do Royal Institute of International Affairs...”. Mas, ceiras, apesar de poderosíssimas, existem e se mantém ao abrie do Royal Institute (RII), o que dizem as más línguas? “...Da go da luz, nesse contexto. É chegado o momento de se lhes lanmesma forma que o CFR, o RII foi criado sob auspícios do coro- çar algum ar fresco. O grande patriarca da família Rockefeller
nel House, braço direito de Woodrow Wilson, do seu grupo de foi John Davison, considerado como o milionário mais conhecido
88 P ATIFARIA
da história americana até os dias de hoje, muito embora tenha uma máquina corporativa conspiraram (sic) contra seus concimorrido em 1937. Nenhuma outra família teve mais notorieda- dadãos. Em nome da segurança da República, essa perigosa consde do que ela, não só pela imensa fortuna acumulada, como pe- piração (sic) deve ser encerrada até o próximo dia 15 de novemlos laços poderosos que a ligava às elites européias, especial- bro. A Standard Oil de Ohio foi, então, dividida em diversas
mente as inglesas. Esses laços, ao que parece, não eram somen- novas corporações, das quais oito, de início, mantiveram a exte de amizade. O pai de John D.,
pressão Standard Oil em seus noWilliam, era conhecido como Big
vos nomes. Mais tarde, para dar
Bill e viveu da venda de frascos de
ao público a impressão de que o
Muitos autores denunciaram que os
uma poção, supostamente destinadesmembramento da empresa oriMorgan se tornaram testas de ferro dos
Rothschild nos Estados Unidos
da à cura do câncer, num carroção
ginal fora mesmo efetivo, essas
que ele mesmo guiava em suas anempresas foram assim reagrupadanças pelo país, ao melhor estilo
das e renomeadas: Mobil Oil (fudos filmes de faroeste. No começo da guerra civil americana, são da Standard de New York com a Vacum Oil); Amoco Corp.
John D. era um jovem corretor de commodities agrícolas em (fusão das Standard de Indiana, Nebraska e Kansas); Chevron
Cleveland, no estado de Ohio. Nessa atividade, percebeu que o Corp. (Standard Oil da California e de Kentucky); Exxon (Stanfuturo estaria, não na agricultura, mas no petróleo. Em 1863, dard de New Jersey); Atlantic Richfield; Buck-eye Pipe Line;
ele e alguns sócios construíram uma refinaria. Em 1870, já ha- Pennzoil e Union Tank Car Co. Curiosamente, o fracionamento
via criado a Standard Oil Company of Ohio. O dinheiro para da empresa de Rockefeller só fez-lhe aumentar a fortuna. Ele
toda essa empreitada, garantindo-lhe a formação do monopólio foi o primeiro bilionário da história da América. Ao morrer, John
de refino, veio do National City Bank of Cleveland, cidade onde Davison e seu único filho John Jr., tinham construído não só um
John D. residia. Isso seria absolutamente normal, não fora um império do petróleo, como instituições do porte do Banco Chase
pequeno detalhe: o National City Bank de Cleveland pertencia Manhattan, da Fundação que lhes leva o nome, da Universidaà família européia dos barões Rothschild, a mais rica e poderosa de de Chicago, da Lincoln School, da Universidade Rockefeller,
em todo o planeta... Rockefeller não gostava de competidores. em New York, e do Instituto Rockefeller de Pesquisas Médicas.
Seu objetivo era absorver todo o mercado, formando um mono- Dizem os especialistas que, se algum dia, alguém rivalizou em
pólio privado. Sob o lema “a competição é um pecado”, John D. riqueza e poder com John D. Rockefeller, foi John Pierpont Morinvestia contra os adversários, comprando ou absorvendo seus gan, um homem, ainda mais do que ele, ligado às elites britâninegócios. Quando não conseguia fazê-lo, reduzia seus preços até cas. Sua mãe, Juliet Pierpont Morgan, era filha do reverendo
que o competidor quebrasse. Em 1902, essa tática começou a John Pierpont, um conhecido anglófilo, e neta de um dos fundalhe trazer problemas. Ida Tarbell, filha de um produtor de óleo dores da Universidade de Yale. Seu pai, Junius Spencer Morda Pensilvânia, arruinado por John D., escreveu uma série de gan, financista, mudou-se para a Inglaterra em 1850 e lá virou
artigos sob o título: “A História da Standard Oil Company”, pu- sócio de outro americano, George Peabody, um antigo associado
blicados na revista McClures. Um crítico da época registrou que da família Rothschild (ramo inglês). Formaram uma empresa
o trabalho de Ida Tarbell “significava o corajoso desmascara- financeira denominada Peabody, Morgan & Co. Com a retirada
mento de uma moral criminosa, disfarçada sob o manto da res- do sócio Peabody, em 1864, Junius e o filho John assumiram
peitabilidade e do cristianismo.”28 O monopólio de Rockefeller integralmente o negócio, mudando-lhe o nome para Morgan &
começou a ser combatido por uma América sinceramente religi- Co. Os Morgan logo se tornaram íntimos dos Rothschild, até
osa, defensora da moral nos negócios e profundamente indigna- mesmo se hospedando em sua casa. Muitos autores denunciada. Em 1906, a companhia foi condenada por violação da lei ram o fato de que os Morgan se tornaram testas de ferro dos
antitruste. A sentença da Suprema Corte, prolatada em 15 de Rothschild nos Estados Unidos. Eustace Mullins, o americano
maio de 1911, era vazada nos seguintes termos: “Sete homens e que primeiro revelou, em 1952, as manobras secretas que resulJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 89
taram na criação do Federal Reserve pela banca privada, também denunciou que os interesses do barão britânico Nathan
Mayer Rothschild eram defendidos, na América, pelos Morgan.
“Apesar deles manterem um agente registrado nos Estados Unidos... era extremamente vantajoso possuir um representante
americano não identificado com os Rothschild. Por isso, preferiam operar anonimamente, naquela praça, atrás da fachada de
J.P.Morgan & Co...”.
ORA, DIREIS, OUVIR ESTRELAS...
“O Segredo é a Alma do Negócio”
VELHO ADÁGIO PORTUGUÊS
Sabendo, anteriormente, que os fundamentos das ações de
conquista e manutenção do poder são o sigilo e as informações
estratégicas ou privilegiadas, compreende-se porque pesquisar segredos, de forma legal ou clandestina, pode ser considerada atividade de altíssimo interesse, apesar do risco envolvido. Não é de todo repulsivo que ao Estado, através das polícias
e dos serviços secretos, seja dado bisbilhotar a vida alheia, desde
que os produtos dessa xeretice se destinem, apenas e tão somente, à sua defesa ou à inteira proteção dos cidadãos. Como,
às vezes, a investigação é percebida ainda a meio, sem que se
possa, ou se deseje, instruir acusações contra o observado, o
remédio é negar, sempre que possível, o feito, considerá-lo “apenas um caso fortuito”, naturalmente atribuível a “interesses
escusos” ou aos “inimigos das liberdades democráticas”. O complicado, desde tempos imemoriais, mesmo antes de se inventarem os telefones e os grampos, tem sido distinguir entre as
operações feitas no legítimo interesse público e aquelas em prol
das causas restritas, particulares. Como todos percebemos, os
mercados, principalmente os das informações, já governam tudo
nos dias de hoje, até mesmo certos governos..., por que conhecimento é poder. Conhecimento exclusivo é poder restrito e,
portanto, matéria-prima preciosa para qualquer um que dele
possa se valer. Daí fica-nos a certeza de que os grampos, apesar de incompatíveis com os discursos líricos ou oficiais em
favor da privacidade do cidadão e da mais irrestrita democracia, continuarão a ser commodity ambicionada pelo mercado,
público ou privado. Afinal, como reza o adágio, “...o preço da
90 P ATIFARIA
liberdade é a eterna vigilância...”, o que certamente não exclui
as conversas e os movimentos alheios. Ante essa evidência,
não se deve deixar de apreciar os meios, lícitos ou espúrios,
ostensivos ou secretos, as conspirações enfim, de que se valem
os humanos para se manterem adequadamente informados,
ou, apenas, para impedirem essa possibilidade aos adversários. Como é universalmente bem aceito, não pairam muitas
dúvidas quanto ao fato de que a sede das forças que detém o
poder mundial esteja, mesmo, localizada nos Estados Unidos
muito embora, deva-se ressaltar, isso não signifique, necessariamente, que o poder mundial seja os Estados Unidos. Intelectos respeitáveis têm assumido que aquele país possa vir a
ser, apenas, a materialização física, visível, desse poder, consubstanciado em pujança física, riqueza e capacidade militar
inigualáveis. De outro lado, é razoável supor-se que o “mercado de informações secretas”, essencial às atividades concernentes à ampliação do poder, como qualquer outro mercado
nos dias de hoje, também tenha evoluído sob forte tendência
concentradora. Isto posto, não é difícil aceitar o fato de que a
sede do “observatório universal”, centro mundial da espionagem, também fique em território norte-americano, não apenas
recebendo e processando informações de sua rede de aliados
como, igualmente, controlando-a. E isso, registre-se, é a pura
verdade. A luta tem-se revelado tão pesada e profissional nesse terreno que, além das pessoas físicas e dos estados nacionais, os próprios mercados comuns, meninas dos olhos do status globalizante e sonho dourado dos trilateralistas, já sofrem
as incômodas conseqüências da desconfiança e da bisbilhotice
internacional. É cobra comendo cobra. O Parlamento Europeu,
órgão legislativo da União Européia, denunciou a existência
de um aparato de espionagem internacional denominado Échelon, desenvolvido a partir do fim da Segunda Guerra Mundial
para monitorar a antiga URSS e seus aliados. Com o fim da
guerra fria, o sistema foi adaptado para farejar as “comunicações civis do século XXI”. Com tal manobra, o núcleo de poder
conseguiu preservar o orçamento de bilhões de dólares do tempo da bipolaridade ideológica e militar. Ativo desde os anos 70,
o Échelon consistiria numa rede capaz de filtrar e ordenar informações a partir de palavras-chave pronunciadas, da mesma forma que sistemas existentes para rastrear informações
na Internet. Essa denúncia foi responsável por dezenas de reu-
niões de especialistas, entre os quais o investigador neozelan- sua maior concorrente no mercado, a Bombardier, seria um
dês Nicky Hager, autor do livro Poder Secreto. Nele, Hager dos alvos preferenciais do sistema.29 Todo o universo seria vulconfirma a denúncia de que o sistema central do Échelon fica nerável ao esquema eletrônico desse conjunto, que possui o
em Fort Meade, próximo a Washington, onde opera a National mais espetacular, amplo e sofisticado sistema de satélites do
Security Agency (NSA), Agência de Segurança Nacional dos mundo. A América Latina seria monitorada pelo Canadá, o
Estados Unidos, e possui, entre outros, um braço australiano, Pacífico pela Austrália e a Nova Zelândia, e toda a Europa,
o Government Communications Security Bureau (GESB), que pela Inglaterra. Na Ásia, dois países são o alvo principal do
lhe municia com informações a respeito de tudo que se passa aparato: o Japão, adversário econômico, e a China, que pode
nos países da área do Pacífico, colhidas em Waihopai (Nova vir a se tornar o grande rival militar. Hager e Campbell contiZelândia) e Geraldtown (Austrália). Segundo o livro, os agen- nuam as investigações, mantendo estreito intercâmbio, e já
tes do GESB que, na verdade, é o próprio serviço secreto da levantaram a existência de outros sistemas secundários, sob
Nova Zelândia, passam os dias lendo as correspondências ele- uma única bandeira, ainda não inteiramente revelados para o
trônicas e as transcrições dos telefonemas entre governantes, público30 . Essa é a lógica cruel e fria do negócio, não poupando,
políticos e empresários da região, repassando os achados “in- sequer, a privacidade de nenhum cidadão, deste ou de qualteressantes” para a NSA, em Washington. O “poder secreto”, a quer outro país onde se viva. Câmeras de televisão, nos Estaque alude Hager, transcende à política e atua em questões pu- dos Unidos e em diversos outros países industrializados, moramente comerciais, incluindo espionagem industrial nos cha- nitoram permanentemente as ruas, os shopping centers, os esmados “países amigos”. Antigamente, 52 conjuntos de monito- tacionamentos, os edifícios públicos e privados, sob a alegação
ramento trabalhavam de forma independente, porém nos anos de prevenção do crime, proteção aos clientes e moradores, pro80 foram reunidos sob um sistema integrador denominado Pla- gramas de prevenção ao uso de drogas, segurança patrimonial
tform. Toda a estrutura desses conjuntos foi unificada, nos dias etc. A espirituosa frase “Sorria, você está sendo filmado”, vista
de hoje, sob o nome de United States Sigint System (USSS). aqui e em todos esses países, é apenas uma cortesia adicional
Nem mesmo os grandes aliados dos Estados Unidos escapam do status quo, para que você se lembre de ser socialmente bem
dos “olhos eletrônicos”, estruturados a partir do importante comportado e não cometa pequenos delitos. Ela não significa,
centro de Menwith Hill, na Inglaterra. A França decidiu se em hipótese alguma, que você não possa estar sendo vigiado,
precaver contra essa vigilância montando aparato próprio de em qualquer ocasião, por outros meios não anunciados ou perinterceptação, na certeza de que é vítima dos olhares malignos ceptíveis. Em sociedades que se vão sofisticando, a polícia e
do big brother e atribuindo a eles a perda do contrato para a algumas organizações conhecem amplamente a vida privada
construção do nosso Sivam. Essa
de cada cidadão, dispondo do reinformação é suportada por Dungistro completo de seus movimencan Campbell, o jornalista que retos. Fique despreocupado, mesmo
Câmeras de televisão em países ricos
digiu a denúncia do Parlamento
que pouco organizado com seus
monitoram as ruas, os shoppings, os
Europeu, o qual afirma haver a
estacionamentos e os edifícios
papéis, documentos e registros de
empresa francesa Thomson, em
informações pessoais, pois, prova1995, quando concorrente à licivelmente, eles já estarão a salvo,
tação para a construção do Sivan, denunciado que o Brasil tam- devidamente catalogados por pessoas mais cuidadosas do que
bém estaria sendo alvo dessa rede de espionagem. A norte- você, ao alcance de olhares atentos à frente de um computaamericana Raytheon teria se valido de informações privilegia- dor. Junto a esses dados, é provável que estejam, também, os
das da Thomson, obtidas por meio do USSS, para vencer a registros completos dos destinos de suas viagens, dos seus procorrida pela encomenda. Até mesmo a nossa EMBRAER, se- gramas sociais e amizades favoritas, preferências por livros,
gundo informações veiculadas no Canadá, onde fica a sede de restaurantes, jornais, revistas, filmes, chats e sites favoritos
J ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 91
na Internet, programas de TV paga ou aberta, multas de trânsito, com fotografias do carro e seus passageiros, registrando
locais e horários das infrações, bem como todos os pagamentos
efetuados com seus cartões de crédito ou de débito automático
em conta corrente. Permaneça sempre atento. Olhos curiosos
podem conhecer por onde e com quem você anda, fazendo o
que, com quanta pressa e a que custo. Se você vive no Brasil,
país onde ainda se convive com costumes e práticas consideradas um tanto primitivas por outras sociedades, acredite: até
mesmo suas declarações do imposto de renda podem ter sido
“disponibilizadas” em algum mercado informal de balcão ou da
esquina mais próxima da sua casa...
LIBERDADE, LIBERDADE,
ABRE AS ASAS SOBRE NÓS...
“O Povo Quer Saber!!!”
SÉRGIO MALLANDRO, APRESENTADOR DE TV.
Apesar do exacerbado culto à privacidade e do discurso populista universal da “democracia a qualquer preço”, leis severas
e restritivas têm sido aprovadas em várias partes do mundo
ocidental, reduzindo a presença popular nas grandes decisões e
enfeixando poderes quase discricionários nas mãos dos dirigentes eleitos, sem que disso o cidadão se aperceba ou venha a ser
alertado. As tenazes totalitárias vão sendo apertadas e as liberdades reais murcham, quase imperceptivelmente. A “democracia das medidas provisórias” não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Mesmo o sistema americano, paradigma para o
resto do mundo, acompanha, ou lidera, essa inquietante tendência. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o Congresso
dos Estados Unidos vem concedendo, ao presidente, poderes executivos que lhe permitem, solitariamente, controlar a máquina
governamental e as forças armadas, em caso de um ataque nuclear inimigo ou de qualquer outra emergência nacional. Entende-se que, na eventualidade de uma ameaça de calibre atômico,
seja natural que o presidente disponha de poderes legais para
atuar, sem restrições, na defesa do país e dos cidadãos. O que
eminentes americanos questionam é o fato de que, sendo a lei
pouco clara nas definições do que seja uma efetiva “emergência
nacional”, possa um futuro presidente vir a declarar como tal
92 P ATIFARIA
uma situação que lhe sirva, apenas, de pretexto para fazer passar medidas que o Congresso negaria em circunstâncias normais. O medo de que uma ditadura se estabeleça em solo da
“soi-disante” maior democracia do planeta existe, de fato, entre
muitos. Eles alegam que tais poderes discricionários, colocados
nas mãos do presidente em situações de definição imprecisa,
seriam iguais ou maiores dos que possuíram Adolf Hitler e Joseph Stalin nos períodos de suas ditaduras. Isso, porque a leis
de exceção em vigor facultariam ao presidente, a seu único e
exclusivo critério, o direito de declarar tal estado de emergência. A partir daí, e sem qualquer ingerência do Congresso, ele
poderia invocar, no conjunto ou em parte, os decretos de números 10.995 a 11.005 que lhe permitem, entre outras medidas:
arrestar todo e qualquer material impresso ou elementos de comunicação e mídia eletrônica; combustíveis e geradores de energia elétrica; minerais, suprimentos alimentares, todos os veículos e meios úteis de transporte público ou privado; mão de obra
para trabalhos forçados, podendo, inclusive, separar famílias
para tal fim, e, também, transferir cidadãos ou determinar-lhes
o abandono de áreas residenciais. Compreender o alcance dessas medidas, se efetivamente aplicadas em situações de extrema gravidade, não é difícil. O que, entretanto, causa perplexidade e temor é a possibilidade de um outro decreto legislativo, o
de número 11.051, vir a ser utilizado por pressões externas irresistíveis, principalmente do sistema financeiro internacional. É
que ele, simplesmente, “autoriza o Office of Emergency Planning (Secretaria de Planejamento das Situações de Emergência) a colocar em efeito todas as medidas de exceção acima citadas, em casos de grave tensão internacional ou de crise financeira”. O jornal Washington Report, em editorial nos anos 90,
ressaltou que o presidente também poderia, sob força da lei conhecida como McCarran Act-Title II (Lei McCarran, parágrafo
segundo), deflagrar a chamada Operação DRAGNET (rede de
arrastão), suspendendo a vigência da Constituição, com um simples telefonema, e impondo a lei marcial. Fontes confiáveis relatam que agências governamentais acumulam os nomes de mais
de um milhão de americanos em Washington, num computador
Univac de alta velocidade, como candidatos à prisão, no caso de
uma emergência nacional vir a ser declarada no futuro.31 Comprovando que as esquerdas podem estar mesmo no poder, as
mesmas fontes sugerem que essa lista contém nomes de mem-
bros da chamada direita cristã, hoje abrigada sob o “guarda- licópteros) da reserva estratégica americana para um organischuva” do Partido Republicano, e de todos os cidadãos que já mo chamado FINCEN: Financial Crimes Enforcement Network
expressaram, publicamente, preocupações com a Nova Ordem (Rede para a Imposição da Lei contra Crimes Financeiros), desMundial e a formação de um governo globalmente unificado, tinado a operações especiais, ao custo de $12,8 bilhões de dólapondo fim à soberania e à liberdade da América. Agências fede- res. Essas aeronaves foram inteiramente pintadas de negro, sem
rais, como o FBI, poderiam prenqualquer identificação externa, e
der rapidamente as pessoas consestão sendo usadas pela FINCEN
tantes dessas listas e confiná-las
e outras forças tarefas especiais
Timothy McVeigh foi condenado à
em “campos de detenção”. Numede jurisdição múltipla, incluindo
morte, mas o resultado das investigações nunca ficou claro para o público
rosas fontes confirmam que esses
tanques e equipamentos pesados
campos já existem em vários estacomo, por exemplo, as que teriam
dos americanos e podem estar recausado a tragédia de Waco, no
lacionados com o programa de Segurança Nacional do presiden- Texas, em 1993, onde um grupo, dito religioso, incluindo mulhete Reagan, conhecido como Rex 84, que criou onze centros fede- res e crianças, em suposta sedição, encontrou a morte num parais de detenção na Flórida, Virgínia, Geórgia, New York, Penn- voroso incêndio provocado por armamento de grosso calibre. 33
silvania, Winsconsin, Arkansas, Arizona e Califórnia32 . Outras As mais recentes investigações desse episódio, causadoras de
fontes confiáveis asseguram que unidades da Guarda Nacional embaraços para o governo, evidenciam, não só, que agentes fee do Exército estão treinando em réplicas de cidades america- derais atacaram primeiro, como o referido grupo parecia ter monas, construídas em unidades do exército, para, em operações tivações políticas preponderando sobre quaisquer interesses reporta a porta, atacar civis portadores de armas de fogo e confis- ligiosos. O revide não se fez esperar. Em 1995, no exato dia do
cá-las à força. Elas também afirmam que os interessados em segundo aniversário da tragédia, em episódio também ainda
submeter os Estados Unidos ao governo mundial sabem que nebuloso, uma poderosa bomba destruiu o prédio federal Alfred
tanto civis armados quanto segmentos militares poderosos re- P. Murray, quartel do FBI na cidade de Oklahoma, também no
presentariam séria ameaça ao seu intento. A estratégia ade- Texas, onde, além da imensa perda material, morreram civis e
quada de neutralização será, portanto, desarmar os civis e en- crianças abrigadas numa creche ali existente, exclusiva para
fraquecer, progressivamente, todos os militares, enquanto for filhos de funcionários daquela Agência. O resultado das investiarmado um poderoso exército para a ONU. Lembram que, já em gações, à moda dos desastres aéreos, nunca ficou claro para o
1961, o Pres. John Kennedy ordenara ao Departamento de Es- público pagante, tendo o cidadão Timothy McVeigh, ex-militar
tado que produzisse um programa denominado “Libertação da combatente, sido condenado à morte pela autoria material do
Guerra: o Programa dos Estados Unidos para o Total e Comple- atentado. Hoje, ele está preso na penitenciária federal de Terre
to Desarmamento em um Mundo Pacífico” (Publicação do De- Haute, Indiana. Apesar de sua execução ter sido fixada para o
partamento de Estado nº 7.277). É um projeto a ser desenvolvi- dia 16 de maio de 2001 (e adiada para junho), por injeção letal,
do em três fases: primeiramente, diminuir os efetivos do Exérci- suas reais motivações ainda não tinham sido inteiramente reto, da Marinha e da Força Aérea. Em seguida, implementar o veladas até o momento da sentença. Apesar dos silêncios ou das
estágio atual, em que a força de paz das Nações Unidas seria negativas governamentais, tais focos de resistência ao governo
formada e progressivamente fortalecida. O terceiro e último es- e à mundialização prosperam rapidamente. Como tem sido usutágio, de desmobilização controlada, impediria que quaisquer al nesses casos, os grupos rebeldes recebem da imprensa o títuforças armadas, inclusive as dos Estados Unidos, pudessem de- lo genérico de “milícias” e seus integrantes de “fanáticos religiosafiar o fortalecido contingente da ONU. Significativamente, lem- sos”. Os que não se satisfazem com as inconsistentes versões
bram que o Presidente Bush (pai) assinou uma ordem executiva dos governos e da mídia, são referidos como “paranóicos”. Com
em 1990, transferindo a terça parte das aeronaves (aviões e he- isso, o cerco às possibilidades de defesa, moral ou física, indiviJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 93
dual ou organizada dos cidadãos, se estreita. Mas, em contra- fferson, ao redigir a Declaração de Independência dos Estado
partida, aumenta a reação popular ostensiva. A persistente cam- Unidos (1776), subscrita por todos os membros do Segundo Conpanha deflagrada pela erradicação das armas de fogo comerci- gresso Continental, inspirando-se nas idéias racionalistas de
alizadas legalmente, na quase totalidade entre cidadãos de bem, John Locke (1632/1704), argüia que: “Os homens possuem dipara sua legítima defesa, sob a convincente chantagem emocio- reitos naturais à vida, liberdade e propriedade. Os governos são
nal da “paz” e da “bala perdida”,
estabelecidos não por Deus, mas
nunca trouxe à discussão pública
pelos homens para proteger esses
dois aspectos de grande relevândireitos. Se o governo falhar em
Corrupção, subversão e o comunismo
cia: primeiro, a de que é uma bacumprir seus deveres, os homens
foram as determinantes para as reações
talha travada, simultaneamente,
a governos declarados ilegítimos
têm o pleno direito de se revoltar,
em âmbito mundial, especialmendepor o governo que eles criaram
te junto ao povo dos Estados Uniantes e estabelecer novo governo
dos; segundo, a de que visa, em verdade, a impedir, em qual- de sua preferência”. É claro que os cidadãos americanos, para
quer parte do globo, que a população, organizada, pegue em ar- quem “todo o poder emana do povo”, e, em conseqüência, “os
mas contra um governo que considere espúrio, opressor, contrá- governos devem ser do povo, pelo povo e para o povo”, percebem
rio aos seus interesses, aspirações e necessidades ou aos objeti- o perigo que os anda rondando e prometem reagir, até pela força
vos nacionais. Esses “novos valores”, que reformulam ou substi- como fizeram no passado, se preciso for, para que tais princípios
tuem antigas aspirações cristalizadas no “sonho americano,” e ideais continuem a governar a sociedade e a inspirar sua consaliados às crescentes desconfianças contra a ONU, o Governo ciência cívica. Em várias partes do mundo, essas idéias têm sido
Federal, o FBI e outras agências governamentais ou multilate- simpáticas à intelectualidade militar desde o século XIX, inclurais, têm tornado duríssima a batalha entre autoridades e a sive no Brasil, quando adeptos do racionalismo positivista desociedade, pelo banimento das armas de fogo. Durante o gover- fenderam e proclamaram a república. Aqui, elas têm sido, tradino democrata de Bill Clinton, os desarmamentistas consegui- cionalmente, debatidas e acolhidas por civis e militares que curram alguns avanços sensíveis, como a proibição do porte de ar- sam a Escola Superior de Guerra – ESG34 . De certa forma, tais
mas pesadas e de repetição pelos cidadãos, permanecendo em fundamentos filosóficos deram respaldo doutrinário, não só envigor a permissão para o porte de armas leves, semi-automáti- tre nós, como em toda a América Latina e em outras partes do
cas. Entretanto, com o retorno dos republicanos de George W. mundo, a movimentos insurrecionais que originaram freqüenBush ao poder, que julgam simpáticos a sua causa, grupos ar- tes e longos períodos de governos de exceção. Corrupção, submamentistas, liderados pela combativa National Rifle Associa- versão, quebra da hierarquia, da disciplina e o comunismo fotion, presidida pelo veterano ator Charlton Heston, esperam re- ram as determinantes para as reações a governos declarados
cuperar o espaço perdido no período democrata. A tese raciona- ilegítimos. A etiologia e a geopolítica do poder, entretanto, mulista/iluminista da legitimidade na derrubada de um regime daram radicalmente após a guerra fria, quando têm início os
opressor, consolidada com a guerra da independência america- movimentos pela etapa radical da mundialização e da concenna, veio a ser mundialmente aceita, especialmente a partir da tração dos poderes e interesses supranacionais, muito acima e
Revolução Francesa. Ela serviu de sustentação político-filosófi- além daqueles jamais detidos pelo estado-nação. Esta nova quesca para a derrocada, pacífica ou revolucionária, das monarquias tão, como se percebe, é séria demais para ser decidida apenas
européias, respaldadas desde a Idade Média pelo “direito divi- nas esferas filosófica, política ou econômica. “Os militares reno” do cristianismo, e dos impérios coloniais surgidos posterior- presentam a expressão física do instinto de preservação e sobremente, fortalecendo os parlamentos e a chamada “democracia vivência de uma nação”.35 A globalização e a falência dos estaparticipativa”. Aos céticos e incrédulos, que costumam desde- dos nacionais, pela desnacionalização acelerada das economias;
nhar dessas possibilidades, convém lembrar que Thomas Je- a rendição ao mercado, entidade cada vez mais excelsa, fria e
94 P ATIFARIA
distante do homem, a quem seria suposto servir ao invés de nome do equilíbrio orçamentário e da “democratização” do país.
subordinar; a submissão servil a desígnios espúrios e legisla- Já o neonato CEBRI, organização de direito privado, demonsções de cunho mundialista poderiam vir a despertar esse pode- trando força e prestígio, surge rica e abundantemente apadrirosíssimo instinto. Daí, não seria demasiado surpreendente se nhado com recursos públicos, que lhe repassaram o Itamarati e
ele viesse a se converter no leviatã de novas inquietações ou uma plêiade de poderosas estatais, além do generoso mecenato
rebeldias entre as tropas, que hoje se vêem enfraquecidas, em de prestigiosas empresas privadas ou recém privatizadas, e de
gradual extinção, juntamente com os estados que juraram ser- financiamentos externos do Banco Interamericano de Desenvir e defender com o sacrifício das próprias vidas. Exatamente volvimento (BID) e do Programa das Nações Unidas para o Depor isso, no novo cenário que se está desenhando, em longo pra- senvolvimento (PNUD).36 A sua força motriz é tão poderosa que
zo, não haveria mais espaço, em país algum, o que não exclui o já se sobrepôs, até mesmo, aos interesses do povo do Rio de JaBrasil e os Estados Unidos, para a influência do pensamento neiro, cidade que abriga o seu quartel-general. Segundo impormilitar e dos seus centros de excelência intelectual sobre o po- tante órgão da nossa imprensa, “foi preciso que viessem pedidos
der civil. O simples cogitar dessa possibilidade, em qualquer de deuses de Brasília para fazer Artur da Távola, secretário mulocal do globo, será, futuramente, vista peloestablishment como nicipal de Cultura, desistir de pedir de volta o casarão da Rua
anacrônica, ameaçadora aos interesses globais e desencadeará Dona Mariana, que pertenceu a Afonso Arinos de Melo Franco.
reações e retaliações em bloco. Isso, pelo menos, é o que preten- O imóvel da prefeitura foi cedido na gestão passada (do ex-prede o sistema. Resta saber se todas as partes interessadas no feito Conde-N.A.) para o Centro Brasileiro de Relações Internaprocesso estarão, em quaisquer circunstâncias, inteiramente de cionais (Cebri), ONG dirigida pelo ex-chanceler...”37 O CEBRI
acordo com essas novas regras do jogo... Tamanho conjunto de se define, peculiarmente, como uma “ONG, um espaço autônofatos bastaria para explicar, sem excessiva dose de paranóia, o mo e independente”, que “embora apoiado pelo Governo Fedeesvaziamento orçamentário e o sucateamento a que vêm sendo ral, por meio do Ministério das Relações Exteriores, não é uma
submetidas as Forças Armadas brasileiras e as de muitos ou- instituição governamental”. Informa, ainda, que “foi criado com
tros países dispersos pelo globo. Em decorrência, a ESG, agora a finalidade de ser o mais importante think-thank de políticas
jurisdicionada ao Ministério da Defesa, outra invenção maquia- públicas na área externa do país” e de exercer “influência no
vélica dos que desejam aumentar distâncias entre os comandos processo decisório governamental e na atuação do governo em
militares e os centros de decisão governamental, também vai negociações internacionais”. Tem como principal objetivo “auxisendo aliviada de apoios institucionais, de recursos materiais, liar na definição dos interesses nacionais e estratégias de atuahumanos e de seu, outrora, inabalável e merecido prestígio. Sua- ção na área externa”. Sua pauta de intenções, um tanto peculiar
vemente, a ESG vai sendo obrigada a ceder espaço para “think- e ambiciosa, pretende, ainda, “produzir conhecimento específitanks” de extração exclusivamenco na área externa e propostas
te civil, internacionalista e globapara a elaboração de políticas púlizante, como o recém-criado CEblicas”.38 Enquanto a atual direSuavemente, a ESG vai sendo obriBRI-Centro Brasileiro de Relações
ção do CEBRI foi confiada ao digada a ceder espaço para “think-tanks”
de
extração
exclusivamente
civil
Internacionais, correspondente
plomata e ex-chanceler Felipe
brasileiro do todo poderoso CounLampreia, que, ao deixar, subitacil on Foreign Relations (CFR). À
mente, o Ministério das Relações
tradicional instituição militar, dedicada exclusivamente aos in- Exteriores, assumiu tamanha honraria, o Comando da ESG soteresses nacionais, conforme consagra o slogan pespegado ao freu um downgrade, sendo agora destinado a oficiais generais
seu frontispício, “Nesta casa estuda-se o destino do Brasil”, tem de três estrelas, ainda com possibilidades e naturais aspirações
sido oferecido a mesma dieta espartana das demais unidades de progressão funcional. Isso não conforta tanto aos atuais titumilitares: pão escasso, pensamentos e vozes intramuros, em lares desse comando, obrigados, por dever de ofício, a formular
J ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 95
críticas às políticas e estratégias de governo, quanto favorecia
aos generais de quatro estrelas de um passado recente, assegurando ao cargo a independência e a autoridade de quem já atingira o topo da carreira. Muito embora não se possa, a rigor, inferir que tal medida tenha sido arquitetada para impor limites à
atuação técnica e política da ESG, é inegável que ela certamente contribuirá, pelo menos, para a adoção de cuidados adicionais
aos relatórios críticos ali elaborados. Outra questão que não pode
mais ser negligenciada pelos intelectuais, em geral, e analistas
de inteligência, em particular, é a do pensamento doutrinário.
Sendo as doutrinas, no sentido mais amplo, genérico, estruturas organizadas de pensamentos, embasadas em sólida sustentação axiológica (de valores), conceitual, metodológica, normativa, destinadas a fundamentar sistemas religiosos, políticos, filosóficos, científicos e militares, são ferramentas indispensáveis
a uma disciplina intelectual de visão ampla, abrangente, forma
preferentemente confiável de permitir, aos pensadores, a melhor visão crítica do universo. Como as doutrinas, com base no
perfeito conhecimento da realidade, têm a pretensão de indicar
caminhos para modificá-la39 em busca do Bem Comum, são indispensáveis à percepção global dos problemas coletivos e à formulação das suas soluções mais criativas. Já as especializações
científicas, hoje tão em voga, ao contrário das doutrinas, fracionam o conhecimento ao dissecá-lo, contribuindo para que desapareçam os generalistas em favor de especialistas, a visão universal em prol do confinamento de limites, mesmo que altamente aprofundados. Com isso, as doutrinas estão virando letra
morta e sepultando, com elas, a capacidade e o adestramento
para se pensar amplo, holisticamente. A doutrina da Igreja Católica, por haver perdido muito do seu vigor operacional, face às
sucessivas baixas sofridas no contingente de fiéis, resultando
no seu fracionamento em múltiplas facções e seitas de resultados. Nessas novas “igrejas”, surgidas sob o dogma da liberdade
religiosa, em que até iletrados podem ser, em algumas delas,
pastores, o que menos importa são os fundamentos axiológicos,
a essencialidade da boa doutrina, a perspectiva de se alcançar
amplos horizontes teológicos ou filosóficos. Essas competências,
como em qualquer outro mercado meramente terreno, foram
substituídas por ações de resultados exclusivamente práticos,
dirigidos, como o combate sem quartel a todos os demônios ou a
recuperação da saúde e do emprego, atividades financiadas por
96 P ATIFARIA
convincente e eficaz sistema de coleta dos dízimos... Prepara-se,
também, para abandonar o púlpito, a última geração de competentes marxistas, adeptos de uma organização de idéias e de
princípios polêmicos, mas, sem dúvidas, capazes de despertar
visões macroscópicas e de provocar pensamentos de grande acuidade e ampla visão. Sua doutrina, subitamente condenada ao
julgamento da história, vai deixando o cenário, extinguido-se
por decurso de prazo... Já as militares, as das três forças singulares, e a doutrina política da ESG, com seu eficaz método de
planejamento para a ação política, perderam o viço num mundo
que desmonta o estado e onde não se faz mais necessário, nem
permitido, planejar, para não serem “contrariadas as forças livres do mercado...” Vão-se, portanto, as doutrinas e a capacidade de pensar grande e à longa distância. Vêm o marketing agressivo e as “reflexões instantâneas” da comunicação de massa,
formas modernas, porém banalmente previsíveis, da unificação
programada dos corações e das mentes humanas...
O TEMPLO DOS DOZE DINHEIROS
“O poder do dinheiro corrói a nação nos tempos de paz e
conspira contra ela nas épocas de adversidade. Ele é mais
despótico do que a monarquia, mais insolente que a autocracia, mais egoísta que a burocracia. Eu vejo, num futuro
próximo, uma crise se aproximando que me inquieta e faz
temer pela segurança do meu país. As grandes corporações
foram entronadas, uma era de corrupção se instalará nos altos
escalões e o poder do dinheiro, neste país, imporá à força o seu
reinado, contra o interesse do povo, até que a riqueza esteja
concentrada em poucas mãos e a república destruída”.
ABRAHAN LINCOLN,
no exercício da presidência dos Estado Unidos.
Em plena era do New Deal, no ano de 1937, quando o Presidente Roosevelt liderava o fantástico esforço de reconstrução
dos Estados Unidos, povo e país devastados pela monumental
depressão que se abatera sobre a nação como praga bíblica, um
belíssimo prédio em estilo clássico, revestido de mármore branco, acabara de ser erguido em meio a uma repousante paisagem
verde, na Constitution Avenue, próximo ao Lincoln Memorial.
De linhas sóbrias, marcantemente caracterizadas por colunas
gregas, sem excessos decorativos ou a monumentalidade arqui- desse impor, como haviam feito antes à França, Inglaterra e
tetônica dos prédios públicos de Washington, estaria mais ade- Alemanha, um Banco Central independente do governo e... TOquado a abrigar uma organização religiosa do que a sede do TALMENTE PRIVADO! O que na verdade eles desejavam, há
maior e mais fantástico centro de poder financeiro da face da muito tempo, era constituir uma base sólida, segura, uma nova
Terra. Ante essa característica física e pela verdadeira devoção sede para os seus negócios no Novo Mundo onde, vislumbraao mais desenfreado materialismo, ali praticado, a instituição vam, além do paraíso terrestre, o futuro do business mundial.
nele abrigada ficou conhecida, por
Uma tentativa feita, anos antes no
muitos, como O Templo. Ao cruBrasil, em Pernambuco, fracassazar suas portentosas portas de
ra por motivos religiosos. Os solO Templo, totalmente às escâncaras,
bronze, o visitante passará sob
dados holandeses, que garantiam
sem deixar margem a dúvidas, revela
suas origens e inspirações pagãs
uma imponente águia americana,
a segurança das operações agrícotambém em mármore branco, ali
las e mercantis da Companhia das
estrategicamente instalada para
Índias Ocidentais (ramo da mulque se tenha a sensação de estar penetrando, sob a proteção de tinacional que controlava, a ferro e fogo, sob bandeira holandesuas asas, nas próprias entranhas da nacionalidade. Ao final do sa, os interesses do centro mundial dos negócios), eram calvinisamplo corredor de entrada, chega-se ao lobby, cujo teto foi fina e tas. Subitamente, de forma inesperada para seus superiores,
artisticamente decorado com desenhos em alto relevo, repre- começaram a hostilizar os católicos brasileiros, profanando-lhes
sentando, certamente não ao acaso, moedas gregas circundan- as igrejas e os altares. O episódio deflagrou violento sentimento
do a deusa Cybele, símbolo da abundância e da estabilidade.40 O de revolta na região, antes pacífica e tolerante com a presença
Templo, totalmente às escâncaras, sem deixar margem a dúvi- estrangeira, e se transformou no estopim da revolta, fazendo de
das, revela logo na entrada suas origens e inspirações pagãs... Pernambuco, como sabemos, o berço da nacionalidade brasileiNaquele amplo saguão, devidamente entronados em retratos a ra. Expulsa a guarnição, os negócios fugiram atrás. Após breve
óleo, o Federal Reserve System, apenas FED para os íntimos, passagem pela Holanda, para reorganização, a comitiva, que
homenageia e cultua dois dos principais responsáveis pela sua incluía, entre outros, os empresários que viveram em Recife e
criação e lucrativa existência: o presidente Woodrow Wilson, no interior, voltou ao mar do Novo Mundo, dessa vez um pouco
que sancionou a lei, e o Senador Carter Glass, da Virgínia, que mais para o norte, desembarcando numa ilha que adquiriram,
patrocinou o projeto no Congresso americano, em 1913. Embora aos locais, por ninharias. Ali, fundaram a cidade de New Amsamplamente reveladora, essa homenagem de gratidão se revela terdam, em homenagem ao porto de origem, e reiniciaram seus
historicamente injusta, pois mantém envoltos nas sombras de afazeres, dessa vez em paz absoluta. Posteriormente, quando
profundo anonimato os mais importantes personagens da tra- seu quartel-general migrou da Holanda para a Grã Bretanha, a
ma que deu à luz o sistema de bancos centrais dos Estados Uni- “filial” americana, ajustando-se aos novos tempos, teve seu nome
dos: o Coronel Edward Mandel House, alter ego do presidente trocado de New Amsterdam para... New York, assim permaneWilson, o Senador Nelson Aldrich, presidente da Autoridade Na- cendo até hoje. O Brasil perdera, por muito pouco, a oportunidacional Monetária, e Paul Moritz Warburg, financista, represen- de de ser o berço do primeiro mundo, sede do poder mundial
tante e homem de confiança da poderosa família de banqueiros secreto... Enfim, os centros financeiros europeus haviam fincaRothschild, ramificada pela Alemanha, França e Inglaterra, de do, definitivamente, profundas raízes nas terras do Novo Munquem era sócio na propriedade do Reischbank. Desde que o eixo do e lá começaram a se organizar e a prosperar, sempre na exdo poder econômico começara a se mover da Inglaterra para os pectativa de lançar sementes para colher o maior entre os maiEstados Unidos, antes das lutas pela independência americana, ores instrumentos do poder e da opulência: seu próprio banco
sabiam os banqueiros e negociantes europeus que só poderiam, central ultramarino. Em 1902, Paul Warburg, sócio dos Rothsefetivamente, controlar a economia daquele colosso se lhe pu- child e perito em operações de bancos centrais na Europa, viaJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 97
jou para os Estados Unidos a fim de se associar à poderosa fir- Warburg e o Reischbank, viajou para a América a fim de tamma financeira “Kuhn, Loeb & Co”. Dado que apenas palavras bém assumir uma participação na Kuhn, Loeb & Co, e acabou
empenhadas e lealdades juradas não pareciam garantias sufici- casando-se com Frieda, filha de Jacob Schiff. Tornou-se, como
entes para selar projeto de tamanha envergadura, Abraham na velha piada, sobrinho do próprio irmão...42 Garantido o negóKuhn e Solomon Loeb, fundadores da empresa, haviam-se casa- cio, por acordos de honra e deveres de família, Paul Warburg
do um com a irmã do outro, torpassou a coordenar, dos bastidonando-se duplamente cunhados.
res, o desenrolar da fantástica opePosteriormente, o cabeça da emração de montagem de um banco
Paul Warburg coordenou a
presa passara a ser Jacob Schiff,
central privado para os Estados
fantástica operação de montagem de
tornado sócio da firma, instantaum banco central privado americano
Unidos, ao juntar as forças desse
neamente, por casamento com Tegrupo com os Rockefeller e os Morresa, filha do senhor Loeb. Paul
gan... A constituição americana dá
Warburg, então, ao assumir sua parte na sociedade, casou-se ao seu congresso o poder de “cunhar moeda, regular o seu valor
com Nina, a outra filha de Solomon Loeb, o que o tornara cu- e o valor de moedas estrangeiras” proibindo que os estados fanhado de Schiff. Jacob Schiff, aliás, numa parceria ainda muito çam com que “qualquer coisa, exceto moedas de ouro e prata,
pouco esmiuçada, socorreria os comunistas russos com um do- sirva de meio legal para o pagamento de dívidas”. Exercitando
nativo de 20 milhões de dólares em ouro, garantindo, financei- esse poder, e atendendo a uma recomendação de Alexander Haramente, o sucesso da revolução bolchevique.41 Esse mistério se milton, o congresso aprovou, em 2 de abril de 1792, uma lei de
adensa quando vêm a lume os fatos de que Lord Milner, da Bri- cunhagem, definindo a moeda americana como sendo o “dólar”.
tish Round Tables, também foi generoso contribuinte dos revo- Ele teria moedas divisionárias em bases decimais, sendo estipulucionários russos, e que os banqueiros de Wall Street sempre lados seus pesos em ouro e prata, e autorizada a livre cunhasocorreram financeiramente os dirigentes soviéticos, quando seu gem, aberta a todos e isenta de ônus. A recomendação de Haregime claudicava. São muitas as evidências de que possa ter milton agradara aos bancos, que logo foram liberados para cuhavido, circunstancialmente ou de forma irrestrita, um pacto nhar seu próprio dinheiro. Entretanto, à falta de uma autoridasecreto, nunca abertamente explicitado ou admitido, entre os de central coordenadora, cada banco operava apenas segundo
socialistas marxistas e os barões da fortuna. Tudo, ao que pare- seus próprios interesses, tornando o sistema caótico. Isso levara
ce, resumia-se à melhor, mais eficiente e rápida forma de apro- o país a registrar, no primeiro terço do século XIX, cerca de 12.000
priação e acumulação do capital. A via de mercado, milenar, tipos de moedas em circulação, nacionais e estrangeiras, das
evoluía de forma lenta, cheia de acidentes de percurso, restri- quais, perto de 5.000, eram totalmente fraudulentas ou falsas.
ções legais, muitos impostos a pagar. A comunista, instantânea A primeira tentativa de se criar uma verdadeira moeda única
pela luta revolucionária armada, representava uma forma total nacional, durante a guerra civil, fracassara. O dinheiro da União,
e imediata de acumulação e apropriação, bastando, apenas, as- conhecido como Greenbacks (costas verdes), por pressão dos
sumir o férreo comando do estado capturado. O resto, o tempo bancos sobre o congresso, temerosos de perder os privilégios da
resolveria, com a criação de uma estrutura confiável de lealda- emissão própria, tivera circulação restrita, não podendo ser usado
des, quando, então, seria viável e seguro devolver a economia e no pagamento de taxas e impostos. Ao final da guerra civil, tiseus enormes custos sociais, antes centralizados, às forças do nha perdido cerca de 70 % do poder liberatório inicial, sendo
“livre mercado”. Ao que tudo indica, em se tratando de empol- repudiado pela população. Em 1907, ocorreu mais uma severa
gar ou acumular poder, Wall Street e seus tentáculos invisíveis crise. Com os bancos fechados e as pessoas sem dinheiro, trabanunca demonstraram preocupações com qualquer prurido ideo- lhadores desempregados perambulando pelas ruas, o pânico se
lógico... Felix Warburg, o irmão de Paul que ficara na Alemanha instaurou. Desta vez, a crise parecia ter nome certo: os Morgan
ajudando a administrar os negócios bancários da família, a Casa foram responsabilizados, de tal forma, pela convulsão nacional,
98 P ATIFARIA
que o congresso criou, em 1908, uma “Autoridade Monetária noso, onde não constassem as palavras banco nem central. E, o
Nacional”, administrada pelo senador Nelson Aldrich, de Rhode mais importante de tudo, ele teria de se assemelhar com uma
Island, visando a uma solução definitiva, que afugentasse situ- agência oficial do governo americano. Em conseqüência, ficou
ações críticas para sempre, ao que se supunha, ministradas in- acertado que o banco deveria parecer controlado pelo congresso,
tencionalmente pelos banqueiros. Essa decisão federal era tudo mas a maioria do seu corpo diretor seria eleita pelos bancos prique eles queriam.43 Chegara a hora de conquistarem seu banco vados, donos integrais de suas ações. Evitando a percepção púcentral privado. Aldrich era ligadíssimo aos Rockefeller, tanto blica de que o FED seria administrado a partir de Wall Street
que sua filha se casara com John Davison II e um dos filhos do (New York), foi criado um sistema múltiplo, de doze bancos cencasal recebera, na pia batismal, o nome de Nelson Aldrich Ro- trais, designados por números de um a doze e por letras maiúsckefeller, em homenagem ao avô. Em 1910, um grupo de traba- culas de A até L, tendo cada um deles limites bem definidos de
lho, formado por Aldrich, A. Andrews (vice-secretário do Tesou- atuação regional, com sedes nas cidades e estados constantes
ro), Frank Vanderlip (presidente do National City Bank/New dos respectivos nomes. Esses doze bancos são: 1-Federal ReserYork, dos Rockefeller), H. Davison (sócio sênior do J.P. Mor- ve Bank of Boston/Massachussets (A); 2-Federal Reserve Bank
gan), Charles Norton (presidente do First National Bank of New of NewYork/NewYork (B); 3-Federal Reserve Bank of PhiladelYork, dos Morgan), Benjamin Strong (outro preposto da família phia/Pennsilvania (C); 4-Federal Reserve Bank of Cleveland/
Morgan) e Paul Warburg deixou a cidade de Hoboken, New Jer- Ohio (D); 5-Federal Reserve Bank of Richmond/Virginia (E); 6sey, num trem fechado, e dirigiu-se à ilha de Jekill, na Geórgia, Federal Reserve Bank of Atlanta/Georgia (F); 7-Federal Reserhospedando-se num paraíso de caça pertencente à família Mor- ve Bank of Chicago/Illinois (G); 8-Federal Reserve Bank of St.
gan. O encontro foi tão secreto que ninguém podia ser chamado Louis/Missouri (H); 9-Federal Reserve Bank of Minneapolis/Minpelo próprio nome e novos empregados, desconhecidos de todos nesota (I); 10-Federal Reserve Bank of KansasCity/Missouri (J);
os presentes, foram contratados para servi-los, sem saber a quem. 11-Federal Reserve Bank of Dallas/Texas (K) e 12-Federal ReFrank Vanderlip, presente à reunião, assim a descreveu, mui- serve Bank of San Francisco/California (L). Apesar de possuítos anos mais tarde (1935), no The Saturday Evening Post: “Hou- rem diretorias individuais, respondem a um comando central,
ve uma ocasião, em 1910, em que eu agi tão secretamente, de cujo poder emana de New York, constituindo-se num cartel deforma tão furtiva, como qualquer conspirador... pois teria sido nominado “Federal Reserve System. Esse grupo empresarial prifatal para os planos do senador Aldrich se alguém soubesse que vado, como acertado no plano secreto de Warburg, Aldrich e do
ele estava convocando pessoas de Wall Street para ajudá-lo a coronel House mantém as aparências de submissão ao congrespreparar seu projeto de lei... Penso que não há nenhum exagero so americano nas suas relações com a área federal, assumindo a
em me referir a nossa expedição à Ilha de Jekill, como a ocasião forma de uma “agência reguladora”, sob o nome de “Federal Reem que foi feita a concepção real
serve Board”. A junta de governadaquilo que, eventualmente, veio
dores desse Board deveria ser esa ser conhecido como o Federal Recolhida pelo presidente dos EstaO encontro na ilha de Jekill foi
serve System”. Em Jekill, Wardos Unidos, entre diretores inditão secreto que ninguém podia ser
chamado
pelo
próprio
nome
burg assumiu a função de relator
cados pelo FED e pessoas da condo projeto que, por ter-se baseado
fiança do governo, mas, nas palana organização do Reichbank (o
vras do coronel House, “...O Board
banco central alemão), cujos acionistas majoritários eram as fa- exercerá seu mandato de forma a se manter longe do alcance de
mílias Rothschild e Warburg, viria a refletir, integralmente, a qualquer poder do presidente”. Isso é tão verdadeiro que, desde
vontade dos banqueiros. O plano era muito simples. O novo banco a sua criação, até o dia de hoje, o Fed nunca sofreu uma auditocentral não podia ser assim denominado porque o povo america- ria, sequer, do governo americano. Confirmando a previsão do
no não o desejava. Por isso, ele teria que receber um nome enga- coronel House, os primeiros cargos no Fed foram logo preenchiJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 99
dos pelos que engendraram sua criação. Benjamin Strong, do fora... O Federal Reserve tornou-se uma força-chave na econogrupo Morgan, tornou-se o primeiro governador do Federal Re- mia mundial, fazendo com que todos os mercados financeiros do
serve Bank de Nova York, carro chefe do sistema. O primeiro mundo prestem a máxima atenção quando ele se manifesta. O
governador do Federal Board (a agência reguladora federal) foi mais rico país do mundo, os Estados Unidos, possui, paradoxalo próprio Paul Warburg, logo depois presidente do Federal Re- mente, a maior dívida do planeta, que pode já haver ultrapassaserve System (o cartel privado, de propriedade dos demais ban- do a cifra de seis trilhões de dólares! A quem deve o povo dos
cos). Os doze bancos centrais privados do sistema, mantendo as Estados Unidos essa monumental fortuna? Claro, aos maiores
tradições do passado, quando cada banco particular imprimia financiadores da América, isto é, ao Federal Reserve Bank e aos
sua moeda, assumiram essa concessão pública terceirizada, ape- seus afortunados acionistas privados, que acumulam o mais fansar de proibida pela constituição, passando também a emitir, tástico tesouro da humanidade: o moto perpétuo de fabricar dicada um deles, seu próprio dinheiro individual. Há, portanto, no nheiro, objeto do desejo da humanidade consumista, a partir de
mercado, doze dólares diferentes, embora de aspecto (desenho e brisa, papel e tinta!44 Mas a maior lufada da fortuna, que benecores) padronizado, e com a mesma denominação legal. As dife- ficiou ainda mais esse grupo de poderosos felizardos, foi o histórenças entre essas moedas existem claramente, e resumem-se rico fato ocorrido em agosto de 1971, quando caiu por terra o
aos selos contendo as letras identificadoras e os nomes dos ban- acordo de Bretton Woods, regulador do sistema financeiro incos a que pertencem. Ambos estão inseridos numa coroa circu- ternacional. Ali, Richard Nixon “fechou para sempre o guichê
lar, à esquerda da efígie presidencial. Os números correspon- do ouro”, tornando letra morta a obrigação assumida pelos Esdentes a cada banco vêm indicados nos cantos interiores das tados Unidos de converter ao metal, no preço fixo de US$ 35,00/
notas, junto aos valores expressos em algarismos. Hoje, com a onça, os dólares amealhados pelos governos estrangeiros. Estaglobalização e a dolarização de alguns países, que cedem sua va definitivamente quebrado o padrão metálico em todo o munsoberania, não a outra potência, mas a um sistema bancário do e o FED deixava de se obrigar, por uma simples canetada
privado e internacionalista, o FED está mudando a aparência presidencial e, mais uma vez, contrariando a constituição amedos seus doze dinheiros, unificando suas estampas de modo a ricana, a emitir o dinheiro com lastro em espécie, ouro ou prata!
fazê-los parecer um só. Nas notas da nova emissão, onde as efí- “Antes de 1971, toda moeda importante, desde tempos imemogies presidenciais aparecem em formato ampliado, foi suprimi- riais, estivera vinculada direta ou indiretamente a uma mercado o selo circular contendo o nome de cada banco e sua letra doria. Ocorriam afastamentos ocasionais de um vínculo fixo, mas
correspondente. Agora, aparece apenas uma logomarca, tam- só em épocas de crise. Como resultado, esperava-se que tais epibém circular, do Federal Reserve System. É o novo “dólar tipo sódios fossem temporários, e de fato o foram. Mas o vínculo foiexportação”, de uso geral, mas particularmente dedicado a paí- se enfraquecendo, cada vez mais, até ser eliminado, de todo,
ses como o Panamá, o Equador e
pelo ato do presidente Nixon. Desoutros na fila de espera que, abande então, nenhuma outra moeda
donando a “prata da casa”, adotaimportante teve qualquer vínculo
O FED está mudando a aparência
ram-no como moeda corrente...
com uma mercadoria”.45 Apesar da
dos seus doze dinheiros, unificando suas
estampas para fazê-los parecer um só
Caso o prezado leitor seja do tipo
famosa advertência de Irving Ficurioso, observador, olhe atentasher, escrita em 1911, de que “o
mente para as notas do novo dópapel moeda inconversível quase
lar e perceba que na numeração delas ainda é possível distin- invariavelmente revelou-se uma maldição para o país que a adoguir as letras (A/L) e os números (1/12) aqui descritos, só que tou”, os Estados Unidos, melhor dizendo, os bancos privados
em tamanho muito reduzido. Quando for viajar divirta-se, iden- que constituem o Federal Reserve System, desobrigaram-se, pratificando quais, entre os doze dinheiros, você levará em seu bol- zerosamente, dessa tremenda e onerosa responsabilidade. O
so, pois, apesar de escondido, o gato continua com o rabo de dólar, para o bem ou para o mal, passou a valer, em essência,
100 P ATIFARIA
além do papel e da tinta de sua impressão, aquilo que a enorme das por dois bancos: 6.389.445 ações (32,35%) pertencem ao
e magistral propaganda faz com que as pessoas acreditem que Chase Manhattan Bank (agora fundido ao Chemical Bank) e
ele possa valer. Estava, assim, inaugurada a era do “castelo de 4.051.851 ações (20,51%) ao Citibank, N.A., perfazendo
cartas” em que se transformou o sistema financeiro internacio- 10.441.295 ações (52,86%), isto é, controle total e absoluto!
nal. Enquanto o mundo, preocupado ante a gravidade do fato, perÉ TARDE, EU
manecia em vigília insone, os diJÁ VOU INDO...
O homem do povo, ingenuamente, dá
rigentes e acionistas do Fed celelegitimidade ao sistema, pelo voto, que
imagina exercer de forma democrática
bravam, felizes, às gargalhadas.
Um intrincado conjunto de feNunca tantas rolhas dos mais finômenos políticos, econômicos,
nos champanhes franceses esposociais, científicos, tecnológicos e
caram, simultaneamente, na calada de uma noite tão longa e militares, têm sido, há muitos anos, ocultados ou cuidadosasilenciosa. “Quando se menciona o nome do Federal Reserve, a mente apresentados à opinião pública de forma destorcida, tenatenção é garantida”, escreveu Kim Clark do U.S. News & World denciosa, como se fossem conquistas inexoráveis, incontestáReport, “uma vez que a mínima alteração nas taxas de juros veis frutos da genialidade alcançada pela civilização contempode derrubar mercados e criar ou destruir milhões de empre- porânea, para o bem de toda a humanidade. A elas, segundo
gos”. Mas, o maior segredo do FED é saber quem o controla e seus mentores, deveríamos, portanto, reverenciar e cultuar,
com que finalidade. “Usar um banco central para criar períodos contritos, agradecidos, sem qualquer contestação. Expressões
alternados de inflação e deflação e depois explorar o povo para e conceitos como “Nova Ordem Mundial”, “Globalização”, “Liobter enormes lucros, é uma atividade que os banqueiros inter- vre Comércio”, ”Mercados Globais”, “Liberdade”, ”Democranacionais aperfeiçoaram como uma ciência exata”.46 “Algumas cia”, “Modernidade”, “Reformas”, “Cidadania”, “Tendência
vozes importantes se levantaram, à época, contra a criação do Mundial”, “Investidores Internacionais”, divulgadas por órgãos
FED. Talvez a mais incisiva tenha sido a do congressista Lind- oficiais de comunicação e pelas diversas mídias privadas, como
bergh, pai do famoso ás da aviação, que em 1913 declarou: “...O pilares dessa “nova e moderna” organização planetária, acoFederal Reserve estabelece o mais gigantesco trust da face da bertam, engenhosamente, brutal concentração de poder e riterra”. “...Quando o presidente assinar esse ato, o governo invi- quezas, beneficiando privilegiada minoria oligárquica, em desível, do poder do dinheiro, será finalmente legitimado. Então, a trimento do homem comum. O mundo, como visto, é governanova lei vai criar inflação quando os trusts quiserem inflação. do por uma autocracia oculta, através de um sistema gerenciDaqui por diante, as depressões serão criadas cientificamente.”47 al de altíssima lealdade aos seus princípios e objetivos, que
Mas, a quem pertence, finalmente, o poder de todos os poderes, opera em seu favor sob o manto do interesse público, da demoisto é, o Federal Reserve System? A resposta já pode ser conhe- cracia e da liberdade. É lobo em pele de cordeiro. O homem do
cida. Ele é propriedade de seus doze membros, bancos perten- povo, tratado como massa de manobra, joão-teimoso da menticentes a acionistas privados. “Um exame dos maiores acionistas ra, da propaganda, das jogadas e armações políticas, contidos principais bancos de Nova York, mostra, claramente, que nua, ingenuamente, a dar legitimidade ao sistema, pelo voto,
umas poucas famílias, relacionadas pelo sangue, casamentos ou que imagina exercer de forma livre e democrática. A toda e
interesses comuns, controlam todos os bancos daquela cidade qualquer tentativa de reação ao embuste, os leões de chácara
que, por sua vez, possuem o controle acionário do Federal Re- do poder reagem, com a truculência e a arrogância dos que só
serve Bank de Nova York, controlador dos demais bancos do parecem possuir certezas. Afinal, ganham para isso. Desse comsistema. Entre essas famílias estão os Rothschild, Morgan, Ro- bate desigual, sem ética ou compaixão, surgem os ataques da
ckefeller, Warburg e outras.48 Os 19.752.655 de ações do Fede- moda, quando os que procuram iluminar caminhos são trataral Reserve Bank de N. York são, majoritariamente, controla- dos como “obscurantistas”, “conservadores”, “atrasados”, ”meJ ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 101
dievais”, “dinossauros”, “terroristas”, “retrógrados”, “reacionários”, “vanguardeiros do atraso”, “arautos do caos”, “catastrofistas”, viúvas da ditadura ou, simplesmente, “paranóicos”. Às
verdades que procuram revelar, se lhes dão o tratamento de
“teorias conspiratórias”. À motivação dos que não lhes têm
concedido sereníssima trégua, designam como “paranóia conspiratória”, imaginando, inutilmente, remetê-los ao limbo entre a burrice e a loucura... A todos os leitores de mentes sãs,
que já perceberam, na epiderme ou na alma, os incômodos desse
patrulhamento persecutório, e a quem o direito à verdade tem
1 Editorial da Insight/Inteligência. (Publicado originalmente no
site da editora, apresentando o número 10 da revista à rede da
Internet.).
2 MARRS, Jim in “rule by SECRECY” New York, HarperCollins
Pub. Inc. 2000.
3 ALLEN, Gary, escritor, filósofo e intelectual conservador.
4 DYE, Thomas R. e ZEIGLER, L. Harmon, in “The Irony of Democracy.”
5 MARRS, Jim in “rule by SECRECY”.
6 “Caveira e Ossos”, como o símbolo das antigas bandeiras dos
piratas. Fraternidade Secreta que recruta seus membros mais jo-
sido, sistematicamente, negado, dedicamos este texto, com a
recompensadora certeza de que, apesar da odiosa opressão e
dos ataques virulentos, nunca estiveram, nem estarão, inteiramente sós e desprotegidos.
O Autor agradece ao Diretor da Revista, Luiz César Faro e ao
seu Editor, Wanderley Guilherme dos Santos, pelas inspiradas
sugestões que o levaram ao título escolhido.
“rule by SECRECY”, de Jim Marrs, pág. 29/30.
14 ROBERTSON, Pat, in “The New World Order”.
15 N.A. A exceção a esta regra foi o ex-Gov.James Byrnes, da Carolina do Sul. A lista completa desses secretários pode ser encontrada em Robertson, Pat, in “The New World Order,” pág 98.
16 In “Foreign Affairs” (órgão de divulgação oficial do CFR), 1970.
17 MARRS, Jim, ibidem.
18 ERINGER, Robert, jornalista e pesquisador.
19 STRAND, Laurie K. in “Who is in charge-Six Possible Contenders”, for Peoples Almanac#3.
vens entre alunos e ex-alunos da Universidade de Yale. N.A.
20 MARRS, Jim in “rule by SECRECY”
7 COLEMAN, John in “Conspirators Hierarchy: The Story of The
21 N.A. A família Rockefeller é cristã, do ramo batista. Por isso, a
Committee of 300”, Carson City, America West Pub.1992.
8 Trata-se do sétimo presidente americano, que governou o país de
1829 a 1837. Está retratado nas notas de vinte dólares. N.A.
9 VANKIN, Jonathan e WHALEN, John, in “The 70 Greatest Conspiracies of All Times”. Carol Pub. Group, New Jersey, .1998
10 Recomenda-se assistir ao filme “A SOCIEDADE SECRETA”
(The Skull), de 2001, já exibido no Brasil, que retrata magistralmente os bastidores dessa sociedade. N.A.
11 McManus, John, editor, in “rule by SECRECY”, HarperCollins
palavra cabala, de origem hebraica, empregada em relação a David Rockefeller, na frase original de Goldwater traduzida do inglês, não possui qualquer conotação de etnia, crença ou religião,
significando, apenas, no texto transcrito, uma trama secreta, conspiração.”
22 GOLDWATER, Barry in “With no apologies”, 1979.
23 MARRS, Texe, presidente da editora Living Truth, Austin,
Texas.
24 MARRS, Jim, ibidem.
Pub. New York. 2000.
25 GIBSON, Donald. Escritor.
12 U.S.News & World Report, 1978.
26 O patriarca da família, Jacob Astor, morreu no naufrágio do
13 N.A. Para maiores detalhes recomendo a leitura do assunto em
102 P ATIFARIA
Titanic. Aliás, faleceram também nessa tragédia outros potentados, associados ao grande círculo secreto de poder, que celebra-
vam, nessa viagem, seu sucesso e as conquistas políticas, finan-
38 Boletim Informativo do CEBRI número 1, maio de 2000, ibi-
ceiras e tecnológicas até ali alcançadas. Desafortunadamente, a
dem.
celebração terminou em desgraça, razão pela qual, mesmo sem
revelação explícita ao público, esse naufrágio pertence ao rol das
fatalidades inesquecíveis pelos poderosos. N.A.
27 QUIGLEY, Caroll. Historiador e professor de história na Escola de Relações Exteriores da Universidade de Georgetown, mentor acadêmico de Bill Clinton.
28 MARRS, JIM, in “rule by SECRECY”.
29 NASSIF, Luis in ”O projeto “Echelon”, São Paulo, na Folha de
S.Paulo de 05/12//2000, fls B3.
30 CARLOS, Newton in “PODER SECRETO”, Rio de Janeiro, no
J. Brasil de 28.08.2000.
31 McALVANY, Don, McAlvany Intelligence Advisor. Phoenix, Dec.
1993
32 McAlvany Intelligency Advisor, 1995.
33 JEFFREY, Grant R., Oregon, Harvest House Pub.,1982.
34 Manual Básico, Rio de Janeiro, ESG, 1983, páginas 44 e 45.
39 MAFRA, Roberto Cel., Geopolítico, Professor Emérito da Eceme, Chefe da Divisão de Pesquisa e Doutrina da ESG, em depoimento ao autor, em documentos escritos e palestras na Esg.
40 GREIDER, William, in “SECRETS of the TEMPLE.” Touchstone, N.York, 1987.
41 ROBERTSON, Pat in “The New World Order”Word Pub. New
York, 1991, pág.123.
42 SACHAR, Howard M. in “A History of the Jews in America.”
Vintage Books, Ramdom House, New York,1993, pág. 92.
43 ROBERTSON, Pat. ibiden, pág. 124.
44 ROBERTSON, Pat. In “The New World Order”.
45 FRIEDMAN, Milton em “Episódios da História Monetária”
Rio de Janeiro: Record, 1994, pág. 27.
46 ALLEN, Garry, pesquisador e escritor.
47 Muito embora, nada leve a provar qualquer relação entre o
duro combate movido pelo senador Lindbergh aos defensores da
35 BOAVENTURA, Jorge, em entrevista pessoal e palestras na
criação do FED e a desgraça familiar que lhe ocorreu, trazendo
ESG.
revolta e consternação mundial, cabe lembrar que o neto do se-
36 CEBRI, Boletim Informativo, n. 1, Maio 2000. Colaboração gentilmente oferecida pelo Prof. Jorge E.F.Barbosa, Cel., ex-Reitor da
UFF.
37 GOIS, Ancelmo, in No Ponto, J. do Brasil, de 10 abril, 2001,
pág. 04.
nador, filho do ás da aviação Charles Lindbergh, foi seqüestrado
em seu berço e morto, apesar da família ter pagado o seu resgate. N.A.
48 MULLINS, Eustace in “The Secrets of the Federal Reserve”,
N.Y., 1983.
J ANEIRO• F EVEREIRO• MARÇO 2001 103
À
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
primeira vista, parece que o governo federal anda encantado com a idéia de
reformar o Estado e sua atuação econômica, criando agências reguladoras
cujas principais características são a independência com relação a pressões — tanto
de grupos de interesse como do próprio governo — e, por decorrência, o caráter técnico
das decisões. Os mecanismos institucionais que garantem que as agências se pautem
pelo interesse público manifestado nas leis que lhes cabe aplicar são a sua
composição — membros de notório saber e ilibada reputação —, com mandatos fixos,
no vigor dos quais os membros não podem ser afastados de suas funções, mesmo
contrariando interesses poderosos, e o caráter colegiado das decisões.
Xerife
O ETERNO RETORNO DO
LUCIA HELENA SALGADO
ECONOMISTA
104 P REMONIÇÃO
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 105
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
M
I N S I G H T
ovido por esse encantamento, o governo
teria enviado projetos ao Congresso para
a criação da Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações), da ANP (Agência Nacional do Petróleo), da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e, não resistindo ao entusiasmo,
criou por medida provisória — supostamente por se tratarem
de assuntos urgentes e de enorme relevância — a ANVS (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a ANS (Agência Nacional de Saúde) e ANA (Agência Nacional de Águas). No caminho ainda está a Agência Nacional de Aviação Civil e, finalmente, a recém-proposta ANC, a Agência Nacional de Defesa
do Consumidor e da Concorrência.
Ocorre que esse encanto é só aparente. Em primeiro lugar,
note-se que as três últimas agências foram criadas por medida
provisória, das 5.750 baixadas até o final do ano passado, cifra
que representa mais da metade das 10.204 leis promulgadas
desde a Constituição de 1946. Notar para quê? Ora, é uma boa
indicação do traço autoritário que revela o aparente encanto
pela idéia de agências independentes. Um outro traço: as leis
que criam tais agências determinam, logo no primeiro parágrafo, que cabe a elas executar as políticas definidas pelo Poder
Executivo e pelo Poder Legislativo. Uma agência independente
que aplica a política indicada pelo governo — Poder Executivo
— é uma contradição em termos. Em todo o mundo o conceito de
agência independente significa uma entidade que aplica a lei de
acordo com as regras e princípios técnicos indicados pelo Poder
Legislativo nos termos definidos pela mesma lei e por mais quantas se sobrepuserem.
Quero chamar a atenção para um fato: o governo nunca amou
de verdade as agências independentes. Têm sido criadas
com o papel de estruturar
mercados onde antes havia
a iniciativa estatal e de garantir que tais mercados
como outros pautem-se por
determinadas regras. Quanto à independência das agências, isso é só na aparência.
A profusão de agências
propostas ou impostas pelo governo traduz, de um lado, a legítima vontade de dar continuidade ao processo de mudança do
Estado, Traduz também, por outro lado, um traço fortemente
QUERO
CHAMAR A
ATENÇÃO PARA
UM FATO:
O GOVERNO
NUNCA AMOU
DE VERDADE
AS AGÊNCIAS
INDEPENDENTES.
106 P REMONIÇÃO
INTELIGÊNCIA
autoritário presente na cultura burocrático-política deste país:
o costume de diagnosticar falhas e limitações no processo de
regulação econômica como problemas de autoridade, a serem
resolvidas com o braço forte do governo.
Para exemplificar esse raciocínio, analisemos a última “proposta” do governo nessa direção, o anteprojeto para a criação de
mais uma agência, dessa vez a ANC (Agência Nacional de Defesa do Consumidor e da Concorrência). O anteprojeto, exposto à
consulta pública a princípio por míseros trinta dias, que foram
estendidos duas vezes por pressão de entidades da sociedade
civil, cria a nova agência e altera as leis n° 8.884/94 (lei de defesa da concorrência) e n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). O anteprojeto foi duramente criticado por algumas das
entidades mais representativas da sociedade, como a OAB e a
“ong” IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor).
Não é necessário retroceder muito na História — Vargas
pode descansar em paz — para notar a espantosa regularidade
com que sucessivos governos federais recorrem aos mesmos métodos, após diagnósticos equivalentes. Em 1968, após o saneamento fiscal e financeiro promovido pela dupla Roberto Campos
e Octávio Bulhões no comando da política econômica, assumiu
Delfim Netto, que conduziu a retomada do crescimento econômico e, para afastar a inflação crescente, termômetro de desequilíbrio mais profundo na economia brasileira, concebeu o CIP,
o Conselho Interministerial de Preços. O objetivo era instituir o
controle de preços de monopólios e oligopólios e com isso dominar a inflação. Todos os setores concentrados da economia — o
que significa na prática quase toda a indústria brasileira, com
pouquíssimas exceções como brinquedos, calçados, têxteis — estavam sujeitos ao regime de controle de preços — o que a cartelizou com uma competência que talvez os próprios setores não
fossem capazes de demonstrar. Um exemplo de como isso funcionava: para simplificar o controle, o ministério econômico, com
o nome da ocasião, requeria da associação representante de uma
indústria que apresentasse uma planilha de custos consolidada, quer dizer, um quadro que trouxesse os custos diretos e indiretos de cada empresa ponderados pela sua participação no
mercado. Ora, informações de custos e participações de mercado são estratégicas e valiosíssimas, e o concorrente só pode conhecê-las se tiver deixado de sê-lo e virado parceiro. Pois então,
essa grande camaradagem foi por décadas estimulada pelo próprio governo. Os resultados, na forma de inflação crônica, descaso pelo consumidor, ineficiência, desmotivação para o investimento em aprimoramento tecnológico, todos nós conhecemos.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
Décadas depois, a equipe do presidente recém-eleito Fernando Collor traçava as linhas do programa do novo governo (no
Bolo de Noiva, lembram-se?) em que se destacavam a abertura
comercial e o fim do controle de preços, este pelo menos parcialmente responsável, já se percebia, pela superindexação e pelas
cartelização e ineficiência da indústria brasileira.
“Mas o quê fazer se as empresas em setores concentrados
abusarem da nova liberdade de preços?”, perguntou um dos integrantes da equipe. Outro lembrou que havia o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), ao que um terceiro
retrucou que seria bobagem contar com o Cade, existente desde
1962, que com procedimentos tão complicados previstos em lei
seria incapaz de dar respostas na velocidade requerida pelos
integrantes da equipe econômica. Era necessário criar uma autoridade monocrática sob o braço político do governo, capaz de
comandar processos mais ágeis sempre que acionada, em substituição ao Cade e seu tortuoso “devido processo legal”. Nasceu
então, por MP (Medida Provisória), a SDE (Secretaria de Direito Econômico) do Ministério da Justiça.
Logo em seguida percebeu-se que a SDE não dispunha de
pessoal técnico nem deexpertise acumulada para instruir com a
complexidade necessária os processos de abuso de poder econômico. Já naquele início de década (de 90) era fácil perceber o
erro estratégico que fora a sua criação. Por meio de um decreto
de regulamentação da lei n° 8.158 originada pela mencionada
MP, o Ministério da Fazenda foi introduzido na matéria, ficando responsável por emitir pareceres, a princípio quando requeridos pela SDE. Era também uma forma de utilizar o pessoal
técnico que ficara ocioso em função da extinção do controle de
preços. A vinculação acabou se desdobrando, a ponto de o Ministério da Fazenda, por força de medidas provisórias, ter se tornado autoridade em defesa da concorrência e hoje muito contribuir para a sobreposição de instâncias — ou seja, ironicamente
para o alongamento de processos antes criticado pela equipe
econômica — e pela sobreimposição de custos ao setor privado.
Em 1992, novamente o viés autoritário se manifestou: com o
recrudescimento da inflação e a evidência do fracasso da SDE,
ganharam força os apelos vindos de dentro do governo para “combater os oligopólios” (assim mesmo, como se oligopólio fosse infração econômica). A solução brilhante que ocorreu à então equipe
econômica foi transformar a Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento), outra entidade de grande atuação durante os anos de chumbo, como o CIP — e heterodoxos métodos
— em agência de defesa da concorrência. Alguém lembrou que
INTELIGÊNCIA
havia o Cade, a quem cabia zelar pela concorrência e cuja estrutura colegiada, inspirada pela congênere FTC norte-americana
(em inglês Comissão Federal de Comércio) mais se aproximava
da proposta agência. Acabou
ganhando o interesse público ao não prosperar a idéia
de uma Sunab toda-poderosa para controlar a economia
brasileira e o Cade continuou ali, tolerado por mais
algum tempo.
Agora, novamente, retorna a velha proposta, guiada pela índole autoritária
que historicamente impulsiona a tecnoburocracia instalada na
capital federal: a criação da ANC. Pensa-se em aperfeiçoar os
mecanismos de defesa da concorrência e do consumidor? Então
(re)cria-se uma autoridade monocrática, substituindo o Cade,
esse animal estranho à cultura política do país, uma autoridade
colegiada que, além do mais, mostrou-se em muitos momentos
independente do governo de plantão! O anteprojeto que cria a
ANC propõe a substituição da autoridade colegiada — que legitima a figura da agência regulatória como órgão independente e
primordialmente técnico — por uma fusão de autoridades monocráticas, diretores que se reúnem em colegiado para manter
as aparências, discutindo assuntos administrativos. Atrela os
mandatos dos diretores ao do presidente da República, para que
não haja risco de que os integrantes da agência tenham qualquer veleidade de autonomia decisória. E por aí vai o projeto.
Exposto à consulta pública, que originalmente era também para salvaguardar aparências, já que o período definido
coincidiu justamente com as festas e recessos de fim de ano,
resultou em enorme volume de sugestões e críticas — literalmente três grandes caixas de papel — que, supostamente, estão agora sendo examinadas por grupo técnico, o mesmo responsável pela confecção do projeto. Dito isso, não é muito o
que se pode esperar em termos de incorporação das críticas da
sociedade ao anteprojeto inicial. Somando-se ao apreço tantas
vezes demonstrado pelo governo federal pelo instrumento da
medida provisória, resta-nos aguardar para ver até onde o
governo pretende ir, em pleno vigor do regime democrático,
contra a vontade da sociedade organizada.
AGORA RETORNA A VELHA
PROPOSTA,
GUIADA PELA
ÍNDOLE
AUTORITÁRIA
DO GOVERNO:
A CRIAÇÃO
DA ANC
e-mail: ?????????????
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 107
O MELHOR É CHAMAR O
Bom
Octavio Amorim Neto
Paulo Tafner
108 TRANSFORMISMO
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
beiro
Mecanismo de Alarme de Incêndio no
Controle Legislativo das Medidas Provisórias
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 109
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O
I N S I G H T
desenho institucional brasileiro e, particularmente da capacidade legislativa do executivo, tem tido destaque no debate político
desde a última década. Diversos autores têm
argumentado que o atual sistema político
forma um dos desenhos institucionais mais ineficazes no que
concerne à consolidação democrática e à implementação de políticas. Diz-se que em nosso país há, de um lado, uma presidência
hipertrofiada em seus poderes legislativos, tendo inclusive a
capacidade de emitir medidas provisórias — o que lhe confere
enormes vantagens estratégicas no seu relacionamento com o
Congresso, sobretudo no que toca à definição da agenda legislativa do país e ao seu ritmo de implementação — e, de outro, um
Poder Legislativo fragmentado e operado por partidos com reduzida coesão adequada e cuja principal motivação tende a ser o
atendimento de demandas individuais e locais.
Nesse debate, destaca-se uma questão principal: saber, tal
como põem Figueiredo e Limongi, se o uso de Medidas Provisórias pelo Poder Executivo significa que os parlamentares abdicaram ou não de suas prerrogativas legislativas em favor daquele. Essa questão permanece inconclusa, a despeito de enorme proliferação de textos sobre o tema.
Duas grandes matrizes têm se consolidado no debate. Ambas divergem, porém de forma não radical, quanto ao significado das medidas provisórias. A primeira, entende que o uso recorrente das MPs constitui verdadeira usurpação dos poderes
do Congresso pelo Executivo ou subordinação daquele a este. A
segunda, reconhece que o Congresso brasileiro tem sido passivo
demais frente à elevada taxa de emissão de MPs pelo Executivo, mas não vê nisso uma conseqüência de uma intenção deliberada do Executivo de emascular o Congresso. Tratar-se-ia apenas de uma correção funcional à inércia legislativa decorrente
da elevada fragmentação partidária do Poder Legislativo e da
reduzida coesão dos partidos governantes.
Mais recentemente, no entanto, tem surgido uma diferente
interpretação da dinâmica das relações entre os dois poderes
que enfatiza o processo mútuo de delegação e checagem. Tratase de uma literatura promissora que busca identificar elementos que possam enquadrar essas relações e, em especial, o processo delegatório do Legislativo ao Executivo como uma ação
racional do primeiro. É sobre a dinâmica das relações executivolegislativo, em geral, e daquelas subjacentes ao uso das MPs,
em particular, que o debate tem se centrado e é o que faremos
aqui.
110 TRANSFORMISMO
INTELIGÊNCIA
Medidas Provisórias: breve histórico
Na Constituição Federal promulgada em 1988 ficou evidente o esforço dos legisladores em ampliar os poderes do Congresso, devolvendo-lhes competências que lhe haviam sido retiradas
durante o período militar. Ao mesmo tempo, parte substantiva
dos poderes do Executivo foi preservada, entre os quais se destaca o poder privativo de emitir MPs que entram em vigor imediatamente e têm prazo de 30 dias para a apreciação do Congresso.
A permissão de edição de MPs adaptou o antigo decretolei, instituto incorporado à Constituição outorgada de 1967,
que concedia ao presidente o poder de, em casos de urgência
e relevância para o interesse público, emitir decretos com
força de lei (decreto-lei) que entravam em vigor imediatamente após sua publicação e estabelecia prazo de 60 dias
para apreciação pelo Congresso. Na hipótese de não apreciação, o decreto-lei era automaticamente aprovado por decurso de prazo e, mesmo quando votado, não eram permitidas
quaisquer emendas. Na ocorrência de rejeição pelo Congresso, os efeitos provocados pelo decreto-lei, durante sua vigência, não eram revogados.
Ao contrário dos antigos decretos-leis, a atual MP, se não
apreciada pelo Congresso, é considerada automaticamente rejeitada, cabendo ao próprio Congresso legislar os efeitos da MP
entre a data de sua publicação e sua rejeição. A possibilidade da
reedição de MPs, concedida ao presidente, porém — e isso é um
capítulo à parte, pois o texto constitucional não prevê a reedição
de medidas provisórias pelo Poder Executivo e apenas por conta
de uma não-decisão passou a vigorar no país1 — tornou essa
diferença legal inócua.
É certo que a legislação constitucional trata com imprecisão
e dubiedade o que sejam relevância e urgência, condições
exigidas para a utilização de MPs — o que tem levado juristas a
argumentar que essa dubiedade deveria ser objeto de regulamentação específica. Esta exigência, na prática, não tem impedido ou mesmo constrangido a iniciativa presidencial no uso desse
instituto legal.
A conjugação da capacidade de reedição com a imprecisão do
texto constitucional quanto à relevância e urgência requeridas
para o uso de MPs produziu o que se poderia chamar de excepcionalidade legislativa no Brasil, pois, a MP — definida pelo
legislador constituinte como uma exceção delimitada e provisória — passou a ser amplamente utilizada pelos governos desde
então. Vejamos os dados:
INTELIGÊNCIA
I N S I G H T
Tabela 1
Projetos de Lei e Medidas Provisórias por ano
Ano
Projetos de Lei
Originais
Edição
Reedição
+ Reedição
Reedição c/
Transformadas
alteração
em lei
Rejeitadas
1988
n.d.
15
15
0
0
11
1
1989
170
83
95
12
2
80
6
1990
102
87
160
73
20
74
9
17
28
11
0
18
2
90 Sarney
90 Collor
70
132
62
20
56
7
1991
216
8
11
3
2
7
2
1992
197
10
11
1
1
7
2
7
7
0
0
3
2
92 Collor
92 Itamar
3
4
1
1
4
0
1993
189
47
96
49
12
28
0
1994
56
91
405
314
37
40
0
1995
192
30
438
408
86
45
0
1996
158
39
648
609
69
15
0
1997
129
33
716
683
71
31
0
1998
128
55
807
752
228
15
1
1999
89*
45
1018
973
108
33
0
2000
n.d.
25
1103
1078
114
18
0
Total
1626
580
5533
4953
561
402
21
(*) Dado até novembro de 1999
Fonte: Mesa da Câmara dos Deputados e Casa Civil da Presidência da República
Tabela 2
Coeficientes de Correlação (I)
MPs Originais
MPs originais
Reed c/ alt
Índice
Eleição
1
Reed com alteração
-0,0403
1
Índ. Coalescência
-0,4834
0,5844**
1
Eleições
0,8589*
0,1025
-0,5626
1
Está excluído o ano de 1988 e, em 1990 (Collor), estão incluídas as MPs de Sarney. N=12
* Significante ao nível de 0.01.
** Significante ao nível de 0.05.
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 111
Dados sobre as MPs
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
Desde sua primeira utilização em 21 de outubro de 1988,
publicada no Diário Oficial do Congresso em 24 de outubro do
mesmo ano, até dezembro de 2000, foram editadas 5.533 Medidas Provisórias (1,25 MPs por dia!). A maior parte do total de
MPs (Tabela 1) refere-se à reedição (4.953 ou 89,5%), sendo 580
as MPs originais, das quais a grande maioria foi aprovada em
plenário (404, 69,7%) e apenas aproximadamente duas dezenas
foram rejeitadas (dessas, praticamente a metade por inadmissibilidade).
Apesar de pouco mais de dez por cento do total serem efetivamente novas MPs, a quantidade total tem sido consistentemente crescente. Destaque-se ainda que o número de reedições
com alterações de texto, que a partir de 1994 muda de patamar,
tem um valor particularmente elevado no ano de 1998.
A edição (e reedição) parece ser a forma predominantemente adotada pelo Executivo na consecução de sua agenda legislativa, principalmente no governo de Cardoso. Aliás, este é um
dos aspectos mais paradoxais do atual regime presidencial brasileiro, uma vez que Cardoso, em seu primeiro mandato, contou
com um apoio parlamentar mais sólido do que dos seus antecessores. Em realidade, os dados parecem sugerir uma particular
forma de interação entre Legislativo e Executivo que muito se
distancia de vozes correntes, seja da opinião pública ou mesmo
de segmentos mais informados da sociedade,que costumam ver
no Congresso um fator limitativo à ação governamental.
As evidências parecem corroborar a hipótese de que as MPs
têm sido utilizadas pelo Executivo como elemento estratégico
na condução de suas prioridades governativas, especialmente
no que concerne à condução da política econômica (política monetária, fiscal e tributária), à reorganização do estado e do serviço público e à mobilidade de recursos no âmbito das agências
do governo. Como se pode observar (Gráfico 4 e Tabela 4, ao
final), os objetos das MPs revelam relativa constância, independentemente dos governos analisados. Matérias econômicas — e
dentro dessas, as atividades de orçamento e finanças, impostos
e regulação econômica se destacam — respondem, em média,
por 61% do total de MPs originais editadas pelos governos, enquanto as administrativas, por 21%, restando, às demais, 18%
do total. Alterações tributárias, flexibilidade no remanejamento de recursos orçamentários e regulação econômica, pode-se
dizer, compõem a agenda dos governos
Diante disso é imperioso se questionar se a utilização de MPs
é um abuso ou se pode, sob certas circunstâncias e dada a estru112 TRANSFORMISMO
INTELIGÊNCIA
tura legal e institucional que torna disponível esse recurso ao
presidente, ao contrário de boa parte das vozes correntes, representar uma particular forma de interação entre o Executivo e o
Legislativo em que não haja nem usurpação, nem tampouco
abdicação. É necessário examinarmos as condições que permitem os presidentes emitir MPs a uma taxa elevada sem que isso
constitua usurpação por parte do executivo ou abdicação da parte
do Congresso. Em poucas palavras: a delegação do Legislativo
ao Executivo de parte de sua capacidade legislativa pode ser
entendida como uma ação racional do primeiro?
Presidencialismo e Delegação
O presidencialismo é um regime no qual o eleitorado designa dois agentes para representá-lo e para os quais delega poderes, isto é, o presidente e o Congresso. Porém, “a cadeia delegativa” do presidencialismo não pára por aí. O presidente, por sua
vez, delega poderes aos ministros e à burocracia, assim como o
Congresso delega, externamente, poderes ao presidente e, internamente, aos partidos e comissões.
Relações de delegação são, por definição, relações hierárquicas e para entendê-las, podemos utilizar o modelo mandanteagente, inicialmente formulado por estudiosos da organização
industrial, mas que, hoje, é amplamente utilizado na ciência
política.
Esse modelo é um instrumento analítico extremamente apropriado para o estudo de processos delegatórios na política porque visa justamente esclarecer questões de controle hierárquico
em contextos de assimetria de informações e de conflito de interesses. Uma parte, o mandante, entra em um acordo contratual
com outra parte, o agente, na expectativa de que este, subseqüentemente, escolherá ações que produzam o resultado desejado pelo mandante.
Ao contratar um agente, um mandante está sempre sob a
incerteza de não saber se o agente escolherá as ações que produzam os resultados por ele esperados. Os agentes podem explorar a vantagem estratégica que sua posição lhes confere para
promover seus próprios interesses em detrimento dos interesses do mandante. Este é o significado da assimetria de informações. Os mandantes se antecipam racionalmente à perspectiva
destes resultados adversos construindo um estrutura de interação que permita evitá-los.
O relacionamento entre agente e mandante é, por natureza, conflitivo, o que gera dois tipos de perdas que podem ser
expressas pela noção de custos de transação. São eles: (1) per-
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
das decorrentes das ações dos agentes contrárias aos interes- Sua complexidade envolve altos custos de transação que a coorses do mandante; e (2) perdas que resultam dos esforços envi- denação dessas delegações exige. Se por um lado, esta complexidados pelo mandante para controlar as ações do agente. As- dade aumenta a probalidade de paralisia decisória e de instabisim, nessa relação sempre há custos de informação para o man- lidade, por outro, esta mesma complexidade oferece várias aldante, na medida em que este procura descobrir possíveis ações ternativas de controle do Executivo e das Casas do Congresso.
ocultas do agente. A obtenção dessas informações e os meios Porém, o Executivo nacional é controlado menos por mecanispara eliminar ações ocultas geram
mos institucionais de supervisão à discustos de transação e esses podem
A mais estável presidência desde
posição do Legislativo do que por meio
crescer até o ponto em que a utilidadas negociações realizadas no seio das
1988, a de Cardoso entre 1995
de da delegação torna-se menor do
coalizões inter-partidárias formadas
e 1999, caracterizou-se pela
que aquela que obteria o mandante
para sustentar o governo.
combinação da liderança
caso não houvesse contratado agenHá duas modalidades hipotéticas
presidencial com o apoio dos
te nenhum.
e extremas para a realização da taremaiores partidos do Congresso
Como podem os mandantes mitifa de coordenação no Brasil: (1) o gogar as perdas por agenciamento? Existem várias formas, uma verno partidário; e (2) a liderança presidencial. Essa, em virtudas quais tem particular interesse para nós: os mecanismos de de de sua centralidade e por ser um ator individual, age como o
monitoramento: os mandantes podem acionar uma terceira parte polo de fixação do sistema e emerge como a modalidade mais
(ou nesse caso, se utilizar dela) no intuito de fazê-la atuar como viável de coordenação do processo político, razão pela qual o prese fosse um “alarme contra incêndio”.
sidente deve acomodar-se freqüentemente com as Casas do ConComo aplicar esses princípios ao caso particular do presi- gresso para operar em sintonia fina os processos delegatórios.
dencialismo brasileiro, tratando apenas das delegações exter- Obviamente, a tarefa da presidência é facilitada se for respaldanas entre os poderes do Estado? O eleitorado brasileiro delega da pelos maiores partidos do Congresso.
autoridade a três agentes encarregados de representá-lo e fazer
A mais estável presidência desde 1988, a de Cardoso entre
valer seus interesses: o presidente, a Câmara dos Deputados e o 1995 e 1999, caracterizou-se pela combinação da liderança preSenado. Entre estes, estabelecem-se também várias delegações. sidencial com o apoio dos maiores partidos do Congresso. Neste
O presidente delega poderes aos membros das duas casas legis- caso, a coordenação presidencial foi simplificada porque o chefe
lativas quando compõe seu gabinete com membros do Congres- de governo, em seu esforço de acomodação com o Legislativo,
so e quando constitui líderes que o representem no processo le- partia de uma posição majoritária no Congresso.
gislativo. Estas são delegações informais, pois que não se enconQuais são os cenários políticos possíveis quando o chefe do
tram inscritas na Constituição.
governo não tem apoio majoritário no Congresso? Há duas alA Câmara e o Senado delegam poder legislativo ao Executi- ternativas: ou o presidente rende-se à necessidade de acomodavo quando da decretação de MPs, concedem legislação delegada ção em posição minoritária, uma situação que pode ser facilsolicitada pelo presidente e autorizam a execução do orçamento mente por ele percebida como de alto risco de abdicação de seu
da União. Estas são delegações formais cujos procedimentos são mandato ou ele pode agir unilateralmente, se valendo de suas
traçados pela Constituição. Entre a Câmara e o Senado, a ne- prerrogativas constitucionais e acionando também o potencial
cessidade de envio de propostas de emenda à Constituição e de plebiscitário da presidência e reivindicar para si, um mandato
projetos de lei aprovados em uma Casa para revisão na outra mais legítimo do que o do Congresso. Collor é um evidente exempode ser concebida como um controle institucional estabelecido plo desse segundo caso.
por seus mandantes, o eleitorado, para que uma verifique o deO paradoxo do presidencialismo brasileiro, hoje, é que a presempenho da outra. Da mesma forma, o veto presidencial é tam- sidência que mais contou com apoio parlamentar, a de Cardoso,
bém um mecanismo de controle institucional do Executivo so- foi aquela que mais emitiu MPs. Significa isto que o Congresso
bre o Legislativo.
abdicou de seus poderes legislativos? Para responder, precisaO modelo institucional brasileiro, em sua dinâmica, pode ser mos saber em que condições a delegação se torna abdicação.
definido como um conjunto complexo de delegações cruzadas.
Duas condições determinam o resultado de um processo de
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 113
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
delegação: a condição de conhecimento e a condição de incentivo. A primeira é satisfeita se e somente se um mandante pode
corretamente inferir se a proposta de ação que um agente lhe
faz é melhor para ele ou não do que o status quo (situação na
qual o agente não faz nenhuma proposta). A segunda, se o agente tem algum incentivo para fazer uma proposta que é melhor,
para o mandante, do que o status quo. Se as duas condições são
satisfeitas, então, a delegação é exitosa. Se apenas uma é satisfeita, prevalece o status quo, resultado neutro do ponto de vista
do mandante. Por último, se as duas condições não são satisfeitas, a delegação vira abdicação.
Traduzindo as duas condições para o caso específico das MPs
no Brasil, devemos, então, fazer duas perguntas baseados na
suposição de que, no que concerne à edição de MPs, o Executivo
seja o agente constitucional do Congresso. Primeira, têm as
maiorias legislativas como saber se uma MP é melhor para si do
que o status quo? Segunda, tem o Executivo algum incentivo
para enviar ao Congresso MPs que sejam melhores para a maioria legislativa do que o status quo?
Quanto à primeira, o senso comum nos levaria a crer que a
resposta é negativa — dada a baixa capacidade informacional e
técnica do Congresso brasileiro. Todavia, um dos mecanismos de
monitoramento mais utilizados por mandantes, em regimes democráticos, é o uso de “alarme contra incêndios.” Neste sentido,
não é preciso que o Congresso possua sofisticados conhecimentos
técnicos para saber se uma MP vai ou não ao encontro a seu interesse. Basta que o Congresso ouça as partes que serão afetadas
por uma MP para que saiba se uma MP é melhor do que ostatus
quo. O problema é que uma MP altera o própriostatus quo.
Mas não podemos esquecer que o Congresso tem o poder de
regular os efeitos de uma MP entre sua data de publicação e sua
de data de rejeição. Se isto é fato, então, tais efeitos não se sobrepõem completamente ao status quo no cálculo dos parlamentares. Assim, o intervalo entre a emissão de uma MP pelo Executivo e sua votação pelo Congresso é justamente o período que
tem o último para escutar possíveis “alarmes contra incêndio”
acionados pelos grupos sociais afetados por uma MP. Ou seja, o
Congresso usaria esse mecanismo de monitoramento eficiente e
de baixo custo, adequado a um Congresso notoriamente despreparado, do ponto de vista técnico, para avaliar o impacto de decisões governamentais.
Nesse sentido, a alta taxa de reedição de MPs pode ser entendida como o resultado não da passividade, incapacidade ou
desinteresse do Congresso em apreciá-las, mas como conseqü114 TRANSFORMISMO
INTELIGÊNCIA
ência de uma escolha da maioria parlamentar no que concerne
à maneira mais eficaz de obter informações sobre seus efeitos.
Posto de outra maneira, o atraso com que o Congresso decide
sobre MPs é uma forma dele adaptar-se às perdas decorrentes
do agenciamento legislativo feito pelo Executivo. Sendo assim,
é plausível afirmar que o Congresso brasileiro tem como saber
(indiretamente) se uma MP é melhor do que o status quo.
Quanto à segunda questão — tem o Executivo algum incentivo para enviar ao Congresso MPs que sejam melhores para a
maioria legislativa do que ostatus quo? — podemos dizer que de
acordo com uma vertente da literatura, a resposta seria negativa, uma vez que há um conflito estrutural entre os interesses “modernos” representados pelo primeiro e os “atrasados,”
pelo último.
Em primeiro lugar, nenhuma evidência há de que o Executivo e o Legislativo tenham monopólio da representação respectivamente do “moderno” e do “atraso”. Parece mais sensato que
os dois poderes contenham parcelas de representação de ambos,
ainda que em doses diferentes. Como já demonstrada, a convivência de gramáticas políticas diferentes — e, em alguns casos
antagônicas — antes de representar a exceção, tem sido a regra
na política brasileira. Assim, invés de um conflito estrutural de
interesses entre Executivo e Legislativo, o que existe é um conjunto de interesses e preferências múltiplas que podem ser circunstancialmente coordenados ou não pelos membros de ambos
os poderes.
A questão então é: como é feita tal coordenação no Brasil? É
praticamente consensual entre os analistas que o melhor instrumento para a consecução desta tarefa é a formação de governos de coalizão, que visam garantir, de um lado, o devido apoio
legislativo ao Executivo e, de outro, a adequada participação
dos partidos na condução do Executivo. Aliás, tal solução não é
nenhuma surpresa dado o sistema multipartidário brasileiro. É
bem verdade que nem todos os presidentes têm incentivos para
formar governos de coalizão. Em geral, presidentes filiados a
partidos com pequena representação parlamentar têm preferido (ou sidos obrigados a) governar unilateralmente a ceder às
demandas dos partidos majoritários no Congresso. Collor é o
melhor exemplo.
Ainda assim, é possível afirmar que no Brasil, o Executivo
tem incentivos para editar MPs que atendam aos interesses da
maioria parlamentar na medida em que se crie um mecanismo
político — uma coalizão multipartidária — que permita — ex
post — ajustes nas propostas feitas pelo Executivo de acordo
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
Tabela 3
Coeficientes de Correlação
MPs Originais
MPs originais
Reed com alteração
(II)
Reed c/ alt
Índice
Eleição
1
-0,1790
1
Índ. Coalescência
-0,5788**
0,5812**
1
Eleições
0,8642*
0,0434
-0,6031
1
N=11
* Significante ao nível de 0.01.
×
** Significante ao nível de 0.1.
Dados Utilizados para os Coeficientes de Correlação
Governos
Anos
Medidas Provisórias
originais
Reedição com Taxa de Coalescência
alterações
do Gabinete
Eleições
nacionais
Sarney
89
83
2
0,41
1
Collor
90
91
87
8
20
2
0,40
0,40
1
0
Franco
92
10
1
0,62
0
93
94
47
91
12
37
0,53
0,22
0
1
Cardoso I
95
96
97
98
30
39
33
55
86
69
71
228
0,57
0,59
0,60
0,60
0
0
0
1
Cardoso II
99
45
108
0,64
0
00
25
114
0,55
0
Tabela 4
Medidas Provisórias Originais
Classificadas por Tema e por Governo*
Temas
Sarney
Collor
Franco
Economia
61
58
85
98
43
345
- Orçamento e finanças
- Regulação Econômica
- Preços e salários
- Impostos
- Outros
13
17
4
18
9
10
12
10
14
12
26
15
9
15
20
24
19
12
21
22
11
8
5
9
10
84
71
40
77
73
Administrativa
24
14
33
35
16
122
- Pessoal
- Org/Reforma do estado
13
11
8
6
15
18
15
20
7
9
58
64
Outras Genéricas
30
13
23
24
11
101
115
85
141
157
70
568
Total
Cardoso I Cardoso II
Total
×
100
80
60
40
Economia
20
Administrativa
0
Sarney
Outras
Collor
Franco
FHC I
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 115
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
com os interesses da maioria parlamentar. Esse é exatamente o
caso de reedição de MPs com modificações. Esse mecanismo
permite que o Congresso se adapte às perdas por agenciamento
geradas pela delegação que faz ao Executivo, fazendo com que
essa tenha êxito ou não vire abdicação. Não fosse assim, a única
alternativa que restaria ao Congresso seria uma obstinada obstrução ao Executivo ou, em casos mais agudos, o conflito aberto.
INTELIGÊNCIA
mos entre 1946 e 1964 e entre 1985 e 1999, Collor foi o que
menos nomeou ministros filiados a partido algum (52%).
Passemos ao primeiro governo de Cardoso. Ao final de 1998,
eram filiados ao PSDB 5 dos 19 membros civis do primeiro escalão (26% do ministério) enquanto seus deputados representavam 24% dos 396 deputados da base de apoio do governo. Um
percentual muito próximo à proporcionalidade perfeita. Todavia, PFL e PMDB, com 28% e 22% dos deputados da base de
Testando Hipóteses
apoio parlamentar, respectivamente, chefiavam 16% e 11% dos
Inicialmente, é necessário definirmos precisamente o que ministérios civis.
seja coalizão. Como se sabe, todos os ministérios formados no
No segundo mandado de Cardoso, podem ser identificadas
Brasil entre 1988 e 2000 tiveram políticos de mais de um parti- duas estruturas ministeriais: a primeira, composta no início de
do. Isso dá a aparência de que todos os ministérios são de coali- seu segundo mandato e mantida até agosto de 1999, tendo rezão. Idealmente as coalizões se armam em torno de um acordo presentantes do PSDB, PFL, PMDB, PPB, PTB e PPS; e a seprogramático, por meio do qual os partidos buscam conciliar suas gunda, mais reduzida e composta a partir daí, contando com
diferenças ideológicas. No Brasil, assim como na grande maio- representantes do PSDB, PFL, PMDB, PPB e PPS
ria dos sistemas multipartidários, sejam eles presidencialistas
Uma forma de medir a correspondência entre o peso parlaou parlamentaristas, ainda que baseadas em programas bási- mentar dos partidos e sua representação ministerial pode ser
cos de governo, as coalizões são cimentadas principalmente por feita de forma agregada através de um índice aritmético. Chameio da partilha de postos ministeriais. Mas, há partilhas e par- memos tal índice de Taxa de Coalescência do Gabinete. Um gatilhas do bolo ministerial, e estas variam de acordo com o tipo de binete cujas pastas estejam distribuídas em perfeita harmonia
sistema de governo sob o qual se opera.
com o peso parlamentar dos partidos que o integram, terá uma
Uma regra comum de partilha é aquela que dá aos partidos taxa de coalescência máxima (valor 1). Qualquer desbalanceauma participação no governo equivalente ao seu peso eleitoral. mento em relação a este padrão é detectado pelo valor numérico
No caso brasileiro, a partilha nem sempre segue essa norma de do índice. Supomos, obviamente, que quanto mais alto o valor
proporcionalidade: às vezes, mais; às vezes, menos. Lembremos de C, mais sólida é a coalizão entre os partidos e o presidente.
que os presidentes no Brasil têm a faculdade de nomear livreNossa hipótese básica é que quanto maior o índice de coalesmente seus ministros. É uma deliberação privada do chefe de cência do ministério, menor será a taxa de edição de MPs origigoverno. Entretanto, uma breve incursão na história ministeri- nais, preferindo o chefe do Executivo uma negociação permaal do presidencialismo (democrático) no Brasil mostra que os nente com sua base parlamentar de modo a corrigir ou aprimopresidentes que mais seguiram o crirar dispositivos legais através da reeO grande paradigma foi JK.
tério da proporcionalidade foram os
dição de MPs com alterações. PortanSua distribuição de ministérios,
que mais apoio parlamentar tiveram.
to, quanto maior o índice de coalesmuito próxima da proporO caso paradigmático foi o presicência do ministério, maior deverá ser
cionalidade perfeita,
dente Juscelino Kubitscheck. Sua disa taxa de reedição de MPs com alteratribuição de ministérios, muito próxipermaneceu constante ao
ções de texto, refletindo a negociação
ma da proporcionalidade perfeita, perlongo de sua presidência
do executivo com sua base parlamenmaneceu constante ao longo de toda a
tar. No caso oposto, quando o chefe do
presidência de JK, mesmo após a ampla e única substituição de Executivo opta — ou por qualquer outra razão é levado a - por
titulares realizada em junho de 1958. No outro extremo, encon- governar sem amplo apoio parlamentar, o recurso das MPs oritra-se o governo de Collor. O PFL que foi seu esteio parlamen- ginais torna-se a forma predominante de ação governativa.
tar (em média, representava 50% dos deputados que lhe davam
Sendo o apoio parlamentar uma variável determinante da
apoio no Congresso), dirigiu apenas dois ministérios, aproxima- dinâmica de edição de MPs (originais e reeditadas com alteradamente 20% do total. Além disso, dos 11 presidentes que tive- ção) e esta, por sua vez, é influenciada pelo ciclo eleitoral de
116 TRANSFORMISMO
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
âmbito nacional, pode-se esperar que a dinâmica de edição de
MPs seja também influenciada por esse ciclo. Nossa hipótese
— como corolário da hipótese principal formulada acima — é
que nos anos eleitorais de âmbito nacional, o congresso, dedicado às atividades vinculadas ao processo eleitoral, transfira
ao executivo a capacidade legislativa — pois, dada a dinâmica
de reedições, sempre será possível, a posteriori, negociar com
o executivo suas preferências e corrigir MPs nas futuras reedições. A conseqüência dessa transferência pode ser expressa
nos seguintes termos: em anos eleitorais, eleva-se a taxa de
edição de MPs originais e reduz-se a taxa de reedição com alterações.
Uma forma simples de verificar a validade dessas proposições é avaliar os coeficientes de correlação linear entre as séries
de dados. Tomadas ano a ano, as séries de dados do número de
MPs originais editadas pelos governos, do número de reedições
com alterações de seus respectivos coeficientes de coalescência
(desprezados os anos de 1988, posto que as MPs começaram
apenas em outubro daquele ano e para os anos nos em que houve alteração do ministério, calculados através da média ponderada do período de cada Gabinete) e da ocorrência de eleições
nacionais, pode-se calcular os coeficientes de correlação linear entre
as variáveis (dados completos ao final do texto) (ver Tabela 2).
Como se pode verificar, os sinais dos índices de correlação
se mostram adequados, indicando, como se esperava, correlação negativa entre a taxa média ponderada de coalescência
dos gabinetes e edição de novas MPs e correlação positiva entre a taxa de coalescência e a reedição de MPs com alterações.
Porém, a primeira correlação se revelou significante apenas
acima do nível de 0.1. A segunda, todavia, é significante ao
nível de 0.05. Também como se esperava, verifica-se uma correlação positiva e altamente significante entre eleições e a
edição de MPs originais.
É sabido que o último ano do governo de Collor e os primeiros meses do governo de Franco (1992), logo após a destituição
de Collor, foi um ano atípico, facilmente identificável como ponto destoante na série de dados. Utilizando-se o mesmo procedimento, mas expurgando-se esse ano das séries, obtém-se um
resultado mais expressivo, conforme se observa na Tabela 3.
Obviamente, os resultados devem ser vistos de forma indicativa e não conclusiva, dado o reduzido tamanho da amostra.
No entanto, se essa pequena série de fato representar uma tendência e não apenas um evento de uma série mais longa, o entendimento da relação executivo-legislsativo no Brasil, tal como
INTELIGÊNCIA
aqui apresentada, pode ter uma conclusão diferente daquelas
que têm dominado o debate sobre o tema.
Esta conclusão, não custa repetir, é de que o recurso às MPs
é tanto maior quanto mais fraca é a coordenação entre o Executivo e o Legislativo que pode ser evidenciado por uma distribuição desproporcional de postos ministeriais aos partidos. Porém,
quando o presidente opta por oferecer aos partidos uma participação ministerial aproximadamente proporcional ao peso parlamentar de cada um, ou seja quando uma sólida coalizão multipartidária é constituída, a reedição modificada de MPs serve
como mecanismo de controle do Executivo pelo Congresso e como
mecanismo de ajuste das preferências de ambos os poderes. Essa
particular interação entre os poderes é também, como procuramos evidenciar, fortemente influenciada pelo ciclo eleitoral,
modificando, nesses momentos, o balanceamento entre delegação e controle.
Conclusão
A elevada emissão de MPs por parte do Executivo brasileiro
tem ensejado um conjunto de análises que identificam, de um
lado, um crescente risco de conflitos de poderes e, eventualmente, o predomínio do Executivo sobre o Legislativo e, de outro,
combinada com características de nosso sistema político e partidário, ausência de controle institucionais sobre as ações do Executivo. O argumento que apresentamos procura abarcar ambos
os aspectos, divergindo em gênero quanto ao primeiro e em grau
quanto ao segundo.
Para nós, o presidencialismo brasileiro desenvolveu uma
particular forma de interação entre o Executivo e o Legislativo, que foge à visão clássica de que este deve controlar aquele
por meio de instrumento legais e formais, indo da simples interpelação de ministros em plenário, um papel ativo e independente das comissões na elaboração das leis, até votações
contrárias às propostas do governo. No Brasil, porém, o controle do Executivo pelo Legislativo tem se dado principalmente pela compatibilidade dos incentivos políticos que têm os
membros das maiorias parlamentares e o chefe do executivo,
compatibilidade esta que se realiza com a formação de coalizões governativas. Assim, havendo compatibilidade de incentivos, o recurso aos instrumentos clássicos de controle se faz
menos necessário.
Ao participarem de coalizões governativas, os partidos estabelecem mecanismos não institucionais de supervisão e controle sobre a ação do Executivo, entre os quais o acesso e partiABRIL• MAIO • J UNHO 2001 117
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
cipação na formulação de políticas do governo. Destaca-se aí
senão a participação na formulação, pelo menos a participação
efetiva na revisão das MPs editada pelo governo. Este padrão
de interação, amiúde, tem sido negligenciado pela literatura, o
que tem levado ao entendimento de que o Executivo, no Brasil,
tem agido de modo a emascular o Legislativo.
Como tentamos demonstrar, não apenas é possível como factível que a delegação estabelecida entre os poderes Legislativo e
Executivo no Brasil seja realizada de modo a endogeneizar, no
âmbito das coalizões partidárias, formas não institucionais de
supervisão e controle através da ativação de “alarmes de incêndio” por grupos afetados por MPs.
Como vimos em nossa seção empírica, a despeito do reduzido conjunto de dados disponíveis, os resultados parecem confirmar ser essa uma forma de delegação viável e eficaz para o nosso Congresso, sabidamente desprovido de instrumentos de controle técnico de políticas de governo.
Trata-se, certamente, de um mecanismo institucional de
ajustes ex post, mas adequado e conveniente a um legislativo
como o brasileiro. Na sua ausência, a única alternativa que
restaria ao Congresso para fazer valer suas preferências seria
uma permanente obstrução do Executivo. No caso oposto, quando o chefe do Executivo optasse ou fosse levado a governar
sem sólido apoio parlamentar, o recurso das MPs originais tor-
INTELIGÊNCIA
nar-se-ia a forma predominante de ação governamental. Os
resultados obtidos foram amplamente satisfatórios, mesmo
quando mantidas observações que discrepam da tendência
central da série de dados.
Cumpre lembrar, contudo, que a operação do mecanismo de
“alarme de incêndio” tem um viés favorável aos interesses sociais bem organizados, uma vez que estes têm maior facilidade de
vocalizarem suas reivindicações e de pressionarem por mudanças nas MPs ou mesmo a rejeição de MPs que os tenham afetado negativamente.
Por fim, cabe destacar que o problema das MPs não reside
no seu impacto sobre relações Executivo-Legislativo. Todavia,
isto não quer dizer que sejam um instrumento plenamente
adequado de governo democrático. Como bem têm advertido
vários juristas, seu uso abusivo tem causado uma grande instabilidade na ordem jurídica do país. Mudar freqüentemente
as principais leis do país por fiat executivo com posterior chancela legislativa é um convite permanente à violação de direitos individuais e à destruição da capacidade de planejamento
dos agentes econômicos. Por essa razão, a regulamentação e a
limitação do uso de MPs são certamente benfazejos à desenho
institucional do país.
e-mail: ?????????????
1 No início de 1989, o Governo Sarney editou a MP nº 29, de 15/01/89, parte integrante do conjunto de MP´s que compunham o Plano Verão. Vencido
o prazo constitucional sem que tivesse sido apreciado pelo Congresso, criou-se verdadeiro “impasse” político, pois sua rejeição implicaria em sérios
impactos na vida econômica do país. O Congresso, tendo a opção de votar — e, eventualmente, aprovar a medida — se absteve de decidir e permitiu a
reedição da medida provisória, abrindo precedente que se consolidou na jurisprudência brasileira.
118 TRANSFORMISMO
ROTEIRO PARA CONCENTRAR
RENDA
(FINGINDO QUE NÃO):
UMA FICÇÃO GUATEMALTECA
120
120 ENGODO
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
INTELIGÊNCIA
O Vampiro
Príncipe
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 121
121
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
A
I N S I G H T
possibilidade de aumentar o bem-estar da
comunidade guatemalteca mediante a
produção de bens públicos — os quais, por
seus atributos e tipos de hemoglobina, di
ficilmente seriam produzidos privada
mente — é em geral reconhecida como
uma das bases legítimas de interferência
governamental na soberania do mercado,
à exceção dos radicais libertários e dos seguidores da escola
austríaca.1 Mas estes foram exilados para as FARC colombianas (a redundância é necessária, pois, ao que parece, já existem narco-FARCs brasileiras do lado de cá) entre as quais,
surpreendentemente, sentem-se à vontade. Em The Calculus
of Consent, volume estraga-prazeres dos fetichistas da engenharia social, Gordon Tullock e James Buchanan já haviam
acendido uma luz amarela, demonstrando que a única regra
de decisão capaz de evitar externalidades (conseqüências a
terceiros), no caso, externalidades negativas derivadas da ação
coletiva governamental, mesmo quando se trata de produção
de bens públicos, é a regra da unanimidade. Somente se todos
os membros da sociedade participam do processo decisório e
concordam com a decisão é que a probabilidade do surgimento
de externalidades negativas é reduzida a zero.2 Ainda que
excluindo-se as comunidades maias, a enormidade dos custos
de organizar a participação e obter consenso unânime em qualquer coletividade, exceto as drasticamente minúsculas e que
não incluam dois guatemaltecos, inviabiliza a regra da unanimidade como condição única para legitimar escolhas coletivas. Daí a necessidade de investigar sistematicamente as implicações de regras alternativas, associadas a diferentes tipos
de decisões e a “tamanhos” variados de governo. Do experimento guatemalteco dependem os destinos de Burundi,
Botswana e Rússia, entre outros países em busca da consolidação idealizada por Juan Linz e Guilhermo O’Donnell — olha
a extensão da responsabilidade.
Devagar com o andor, porém. Um bom estadista há de se
perguntar, precavidamente, o que pode eventualmente ocorrer quando se abandona a regra de unanimidade para decidir
sobre a produção de bens públicos? Esta é uma das questões
também investigadas por James Buchanan, em outro volume,3 mas não me parece que sua conclusão tenha sido em favor dos guatemaltecos. Não importa. Formulada ou não para
prejudicar os guatemaltecos, como é de praxe com assessores
norte-americanos, é de toda conveniência corrigir as propos122 ENGODO
INTELIGÊNCIA
tas do autor. Venham a fazer parte da Alca, do Mercosul ou da
União Européia, ou ausente de todas estas associações, optando por desaparecer como seus antepassados maias, merecem
os guatemaltecos tomar ciência de frutífera possibilidade heterodoxa, meio caminho andado no sentido de alcançar o purgatório (os leitores conhecem muito bem em que círculo dantesco os guatemaltecos tiveram amarrados os seus burros).
A possibilidade constitucional de produção de bens públicos, segundo Buchanan, cria-se pelo que denomina de “contrato social”, o qual, juntamente com o que classifica como “contrato constitucional”, constituem os requisitos fundamentais
para a emergência da ordem socioeconômica, contraposta à
anarquia hobbesiana. Por “contrato constitucional” entendese o contrato sobre a distribuição original de direitos a títulos
de apropriação com base no equilíbrio derivado da “distribuição natural” da propriedade. A “distribuição natural” da propriedade, por sua vez, resulta da interação de tipo hobbesiano,
pré-contrato, em que parte do tempo das pessoas, guatemaltecos, no caso, é alocado à produção e parte investido na predação de bens produzidos por outros.4 Pau puro.
Verificadas as diferentes funções de produção de cada guatemalteco em si, por si e para si — os talentos desiguais para
a produção de múltiplos bens e para o roubo e vandalismo contra os semelhantes —, conclui-se que o bem-estar de todos os
membros da coletividade guatemalteca seria aumentado caso
os custos de predação fossem internalizados e a totalidade do
tempo disponível alocado à honesta produção. E isto ocorre se
e quando os guatemaltecos abundem no reconhecimento mútuo dos direitos de propriedade, que todos comprometem-se a
não violar, surgindo daí o Estado protetor, neutro, cuja única
finalidade é impedir a violação do contrato e estatuir compensações quando violações ocorrerem.
O “contrato social” especifica as condições para a produção
de bens públicos — de onde emerge o Estado produtor — face
às dificuldades de seguir a regra da unanimidade (lembrar
que a comunidade compreende mais de dois guatemaltecos).
Duas variantes básicas são então possíveis: o abandono incondicional da regra ou o estabelecimento de outra cuja vigência
é fixada por parâmetros extrínsecos à regra, mas igualmente
“contratados” constitucionalmente.
Ignorando a alternativa em que o abandono da regra de
unanimidade é irrestrito, isto é, abandonando o caso em que,
escolhida constitucionalmente outra regra de decisão — maioria simples, maioria absoluta, dois-terços dos votantes etc. —
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
nada mais é requerido para a produção legítima de bens públicos além da aplicação do procedimento escolhido (constituição
estritamente procedimental), veja o que acontece com o caso
menos óbvio no qual a regra adotada deve obedecer a constrangimentos externos à própria regra. Este é o ponto preliminarmente tratado no capítulo 3 e extensamente reelaborado
nos capítulos 5 e 6 de The Limits, de Buchanan. Para o presente escriba, foi a sutileza deste sendero que se bifurca o indício mais seguro de que falava-se sibilinamente, e, por assim
dizer, pelas costas, dos guatemaltecos.
Sucintamente, os constrangimentos sugeridos por Buchanan são os seguintes: a) que o bem público a ser produzido
seja um “puro” bem público; 5 e b) que seu financiamento
esteja previamente definido por apropriada estrutura fiscal.
Pois bem, o resultado da investigação de Buchanan sugere
que o somatório de decisões tomadas em obediência a tais
constrangimentos pode resultar em violação de normas constitucionais, violação que jamais seria aprovada se explicitamente submetida a escrutínio. Ah, é? A seguir revelo plausível e diabólico exercício numérico para mostrar como tal possibilidade se converte em realidade, mas deduzo uma norma
constitucional inteiramente oposta às conclusões conservadoras de Buchanan. Durante todo o exercício terei presente
o fato, clandestino nas reflexões de Buchanan, de que estamos tratando de guatemaltecos, não de bolivianos, nem mesmo de brasileiros, salvo seja.
Suponha-se a benéfica fantasia de uma coletividade altamente participativa e relativamente altruística regida pelas
seguintes cláusulas:
a) todos os membros participam do processo decisório (atributo democrático);
b) a regra de decisão é por maioria absoluta (51% como
equivalente a 50% + 1); requisito de decisão moderadamente
forte, considerando que todos participam do processo – cláusula a);
c) todos admitem normativamente que “puros” bens públicos devem ser produzidos e por todos financiados (primeiro
constrangimento à regra de decisão);
d) todos admitem revelar a preferência efetiva votando contra ou a favor da produção de determinado bem público (condição que, violada, permitirá o comportamento altruístico);
e) a estrutura fiscal prevalecente estipula que cada estrato de renda financie a produção do bem público proporcionalmente à sua participação percentual na renda total da comu-
INTELIGÊNCIA
nidade e não sob a forma de divisão per capita (segundo constrangimento à regra de decisão).
Está claríssimo, sem necessidade de fulanização, de que
comunidade se trata. Começa com a letra G.
A população total da comunidade G é estratificada como
segue:
1) Classe Alta (A) = 25% da população detendo 40%
da renda total.
2) Classe Média (M) = 25% da população detendo 30%
da renda total.
3) Classe Baixa (B) = 50% da população, subdividida em
B1 = 16% da população detendo 10%
da renda total ecom acesso a serviços
privados de saúde.
B2 = 34% da população detendo 20%
da renda total esem acesso a serviços
privados de saúde.
O ordenamento social da classe mais baixa para a mais
alta é B2>B1>M>A,6 e a coletividade G deve agora decidir sobre quatro propostas, de acordo com as cláusulas a-e estabelecidas. Trata-se portanto de aplicar a “constituição”em um contexto de escolha entre bens públicos alternativos.
I) Proposta originada em A (classe alta): construção
de sala para saraus literários tendo em vista o aprimoramento cultural, garantida ao público gratuidade de acesso (característica que atribui “publicidade” ao bem).
Votação:
25% (A) + 20% (M) + 6% (B1) = 51% a favor
0% (A) + 5% (M) + 44% (B1 + B2) = 49% contra
Rationale da votação: os 25% de A votam a favor por “paternidade” da proposta; os 5% de M que votam contra são os
que não se deixam seduzir pelos indicadores de prestígio da
classe superior (infensos ao efeito-demonstração); os 6% de B1
a favor da proposta são alienados.
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 123
II) Proposta originada em M (classe média): construção de parque ginástico para aprimoramento da saúde de crianças e adolescentes.
Votação:
20% (A) + 25% (M) + 6% (B1) = 51% a favor
5% (A) + 0% (M) + 44% (B1 + B2) = 49% contra
Rationale : os 25% de M a favor votam por “paternidade” e
os 6% de B1 são os mesmos alienados da votação anterior; os
5% de A que votam contra constituem o núcleo aristocrata
irredutível que prefere manter clube exclusivo.
III) Proposta originada em B1: construção de parque
público (exemplo clássico trivial).
Votação:
15% (A) + 20% (M) + 16% (B1) = 51% a favor
10% (A) + 5% (M) + 34% (B2) = 49% contra
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
Rationale: os 16% de B1 votam a favor por “paternidade”;
os 10% de A que votam contra são constituídos pelos 5% aristocratas que não aceitam conviver com M, mais 5% que aceitam conviver socialmente com M mas não com B1 e B2; os 5%
de M constituem o seu núcleo aristocrático irredutível em
relação aos grupos socialmente inferiores.
IVa) Proposta originada em B2: sistema gratuito de
postos de saúde infantil.
Votação: (todos aderindo à cláusula d na seqüência a-e)
0% (A) + 0% (M) + 0% (B1) + 34% (B2) = 34% a favor
25% (A) + 25% (M) + 16% (B1) + 0% (B2) = 76% contra
Rationale: 34% de B2votam a favor por “paternidade”;
25% de A e 25% de M votam contra pelas mesmas razões das
votações I e III; e 16% de B1 votam contra porque, pelo constrangimento da eqüidade fiscal, seus gastos em saúde seriam consideravelmente elevados posto que continuariam preferencialmente a valer-se dos serviços privados, ao mesmo
tempo em que contribuiriam para o financiamento do serviço público.
IVb) Proposta: mesma proposta que em IVa.
124 ENGODO
INTELIGÊNCIA
Votação: (A e M aderem à cláusula d, B1 tem comportamento altruístico).
0% (A) + 0% (M) + 16% (B1) + 34% (B2) = 50% a favor
25% (A) + 25% (M) + 0% (B1) + 0% (B2) = 50% contra
Proposta derrotada por ficar aquém do mínimo exigido (primeiro constrangimento para a produção do bem público, cláusula b, na seqüência a-e).
Neste sistema altamente participatório e relativamente
altruístico, estamos na comunidade G, não no Brasil ou na
Inglaterra, orientando-se por exigente regra de decisão e submetido a dois constrangimentos, escolhas sucessivas de bens
públicos induzem transferência de renda de no mínimo 34%
da população de mais baixa renda (votação III) e no máximo
de 44% das duas de renda mais baixa (votações I e II) para os
estratos de renda mais elevada. 7 Em acréscimo, um bem público preferido por um mínimo de 34% da população (votação
IVa) e um máximo de 50%! (votação IVb) deixa de ser produzido. É óbvio que a dinâmica da transferência de renda de baixo
para cima jamais viria a se transformar em norma constitucional como decorrência de qualquer “contrato social” explicitamente debatido e votado. Não entre os guatemaltecos, embora
perfeitamente aceitável no Brasil e na Nigéria.
É conhecido o argumento conservador segundo o qual,
mediante decisões seqüenciais sobre a produção de diferentes
bens públicos, de acordo com regras em princípio legítimas e
aceitas, subrepticiamente o que se obtém são violações das
normas constitucionais que garantem títulos de propriedade.
As críticas concentram-se no poder dos sindicatos operários
que, associado ao comportamento demagógico de “empresários” políticos irresponsáveis degradariam o “compacto” constitucional, parcelando-o no mercado de votos sob a forma de promessa de produção de bens públicos cujo efeito agregado sobre
a distribuição de renda seria, na aparência, neutro ou aleatoriamente assimétrico. Do argumento deriva-se a conclusão de
que o poder sindical é ilegítimo (inconstitucional) e de que é
necessário limitar a participação política. Como se sabe, a participação política na Guatemala sempre foi extensíssima, livre, com resultados jamais postos em dúvida ou desrespeitados. Um amorável exemplo de país.
O exercício aqui realizado revela que o problema constitucional é genuíno mas que, por isso mesmo, deve ser tratado no estágio do “contrato social” antes que no estágio dos
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
I N S I G H T
procedimentos e regras de comportamento político pós-pacto. A proposta conservadora de reformular as regras de participação admite, sem discussão, que a distribuição dos títulos de propriedade resultantes da operação do mercado, no
contexto estipulado pelos primitivos “contrato constitucional” e “contrato social”, são intocáveis. Entretanto, a própria
teoria de Buchanan reconhece que, para cada geração (de
guatemaltecos), a existente estrutura de direitos aparece
como a primitiva “distribuição natural”, pré-contrato.8 Por
isso, em princípio, o pacto fundamental (“contrato constitucional” plus “contrato social”) deve estar sempre aberto à
renegociação, em decorrência de mudanças na “função de
produção” de cada grupo social, isto é, na capacidade propriamente produtiva de cada um, associada à sua capacidade
“predatória” que, no caso, não significa outra coisa senão sua
capacidade de organização e reivindicação. Em geral, as línguas oficiais nessas demonstrações são o maia, o espanhol e
o inglês. Português, nem pensar.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Exemplo de posição radical libertária encontra-se em Robert Nozick,
Anarchy, State and Utopia, New York, Basic Books, Inc., 1974; a escola
“austríaca” é constituída pelos seguidores da linguagem Menger-MisesHayek, e uma resenha de suas posições encontra-se nos diversos artigos
de Louis M. Spadaro (ed.), New Directions in Austrian Economics, Kansas City, Sheed Andrews and MacMeel, 1978.
2. James Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent — Logical
Foundations of Constitutional Democracy (1962), Ann Arbor, Paperback,
second printing, 1967.
3. James Buchanan, The Limits of Liberty — Between Anarchy and Leviathan, The University of Chicago Press, 1975. Neste exercício serão abordados apenas os aspectos mais imediatamente relevantes para a discussão.
4. A proposta de existência de um estado de equilíbrio mesmo em condições de anarquia encontra-se em Winston Busch, “Individual Welfare in
Anarchy”, in Gordon Tullock (ed.), Explorations in the Theory of Anarchy,
Blacksburg, Virginia, Center for the Study of Public Choice, 1972.
5. A rigor, para os efeitos desta discussão, é necessário apenas que do
consumo do bem produzido não se possa ou se contrate que não se deva
excluir nenhum membro da coletividade, caso algum guatemalteco deseje
consumi-lo. O significado desta qualificação ficará claro adiante, nota 7.
INTELIGÊNCIA
A solução do problema do “pacto” requer antes o alargamento da participação — única forma de todos os grupos sociais revelarem sua “função de produção” (produtiva e “predatória”) —, do que sua limitação. Em outras palavras, ao contrário de discutir a “necessidade” de impor-se limites à participação política para proteção do pacto, impor-se-ia, no exemplo
aqui apresentado, renegociar o “contrato social” em torno da
seguinte (pedestre) formulação: Fica constitucionalmente vedada a produção de bens públicos que implique transferências
de renda de baixo para cima.
Lida a proposição com algum cuidado, verifica-se que ela
alarga o escopo do conflito e da participação de partidos políticos e associações no Legislativo, no Executivo e no Judiciário,
geralmente em torno das características de políticas que venham a ser propostas (constituem bens públicos ou não?), da
ordem de prioridades para sua produção, assim como sobre a
direção da transferência de renda que implicam. 9 Aguarda-se
para breve a decisão do governo da Guatemala.
6. O coeficiente de Gini para esta coletividade é de aproximadamente .640.
7. Isto porque o critério de não-exclusão, característico de “puros” bens
públicos, somente em casos extremos é equivalente à impossibilidade de
não-rejeição, ou seja, é de consumo compulsório. Do fato de que alguém
não possa ser excluído do consumo de um bem não se segue que ele o
consumirá necessariamente. Quando não deseja consumi-lo, isto é, quando ele não figura em seu ordenamento de preferência por bens públicos, o
consumidor putativo tenderá a sentir que sua contribuição para financiálo constitui uma perda de renda (“financial loss”, na terminologia de Buchanan, The Limits, cap. 6, The Paradox of Being Governed”). Para a
importância da distinção entre impossibilidade de exclusão e impossibilidade de rejeição, ver John Head, Public Goods and Public Welfare, North
Carolina, Duke University Press, 1974, cap. 3, “The Theory of Public Goods”, pp. 82/83.
8. Buchanan, The Limits, cap. 5, “Continuing Contract and the Status Quo”.
9 - Deve estar claro que, com isso, transfere-se o problema da definição
do bem público da esfera do debate estritamente técnico (cujas dificuldades e ambigüidades conhecidas não devem servir de obstáculo à sua produção), para a esfera da dinâmica social e política que reflete mais acuradamente mudanças sociais e mudanças de preferência.
ABRIL• MAIO • J UNHO 2001 125

Documentos relacionados