ROMANO, M.A. . Dor Relacionada ao Trabalho.

Transcrição

ROMANO, M.A. . Dor Relacionada ao Trabalho.
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Dor Relacionada ao Trabalho – LER/DORT/AMERT
Lin Tchia Yeng
Miriam Aparecida Romano
Manoel Jacobsen Teixeira
Maciel Murari Fernandes
Introdução
As lesões por esforços repetitivos (LERs) ou os distúrbios
osteo-musculares relacionados ao trabalho (DORTs) são
um conjunto de doenças com características próprias,
reunidas entre si porque têm como aspecto comum a dor
crônica musculoesquelética e correlação direta ou indireta com o trabalho que o indivíduo executa.
Segundo o Instituto Nacional de Previdência Social
(INSS – 1998), DORT é uma síndrome clínica caracterizada por dores osteomusculares crônicas, acompanhadas
ou não de alterações objetivas, que se manifestam principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou membros
superiores em decorrência ou agravada pelo trabalho.
A denominação dada a esse grupo de afecções já foi
modificada diversas vezes em muitos países, o que reflete
a procura de um nome que conceitue de maneira mais
ampla e clara essas afecções. No Brasil, no início da
década de 1980, o termo tenossinovite passou a ser utilizado para rotular os casos de dor e desconforto localizados nos membros superiores (MMSS) e relacionados
ao trabalho. Em 1987, o INSS adotou a denominação
LER. Entretanto, esta é uma denominação limitada, pois
as lesões e limitações funcionais muitas vezes só ocorrem nas fases tardias e dificultam a recuperação, assim
como os mecanismos biomecânicos (como os esforços
repetitivos) são apenas uns dos muitos fatores que
contribuem para o desencadeamento e perpetuação do
quadro clínico. Outros mecanismos, incluindo os de
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natureza psicossocial, exercem também papel crucial na
fisiopatologia dessas afecções. Por estas razões, mais recentemente, o termo DORT, tradução da terminologia de
língua inglesa Work Related Musculoskeletal Disorders
(WMSD), apesar de vago e inespecífico, passou a ser utilizado para o diagnóstico e a classificação desse grupo
de afecções.
Importância do Estudo – Impacto Socioeconômico
As várias formas clínicas de manifestação dos DORTs
têm como aspectos comuns a dor e as incapacidades
funcionais que freqüentemente são causas de incapacidade laborativa, temporária ou permanente. Representam enorme custo econômico para o trabalhador,
órgãos de assistência à saúde e para sociedade. O aumento vertiginoso do número de casos de DORT
decorre provavelmente de diferentes fatores: alguns relacionados ao trabalho (a mecanização e a informatização
do trabalho, a intensificação do ritmo das atividades,
a ausência de pausas durante os períodos de trabalho,
as posturas inadequadas, a repetição etc.); fatores psicossociais; os avanços nas técnicas diagnósticas; a divulgação da existência dos DORT que os tornou mais
conhecidos e identificados pela população.
Nos Estados Unidos, estudos realizados demonstram
que as compensações envolvidas em casos de DORT
correspondem, em média, duas a cinco vezes mais que
as outras causas de compensações. As perdas financei-
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ras para o empregado, empregador e sociedade em geral, além do comprometimento da qualidade de vida
dos doentes com DORT, são incalculáveis e, freqüentemente, prolongados. À medida que o indivíduo torna-se
cronicamente incapacitado para o trabalho, as possibilidades de retorno às atividades tornam-se cada vez
mais remotas. Em doentes com lombalgia crônica, a
possibilidade de retorno ao trabalho após seis meses de
incapacidade é de 50%, torna-se de 25% após um ano
e é praticamente nula após dois anos de afastamento.
O grande aumento da ocorrência de DORT no Brasil, à semelhança do que ocorreu em outros países, provavelmente deveu-se, entre outros fatores, a mudanças
nos padrões culturais, sociais e econômicos, à maior
freqüência do diagnóstico e à melhora da notificação.
Poucos estudos brasileiros tiveram como preocupação
central a epidemiologia dos DORTs. O sistema nacional
de informação do Sistema Único de Saúde não discrimina os acidentes de trabalho em geral, nem os DORTs,
o que prejudica a avaliação dos dados epidemiológicos.
As estatísticas disponíveis são fornecidas pelo INSS e se
referem apenas aos trabalhadores do mercado formal e
com contrato trabalhista regido pela Consolidação das
Leis do Trabalho, o que totaliza menos de 50% da população brasileira economicamente ativa. Cabe ressaltar
que os dados são coletados com finalidades pecuniárias
e não epidemiológicas.
Fatores Relacionados ao Aparecimento dos DORTs
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Os DORTs seguem o modelo das diversas doenças, tendo múltiplos fatores causais de natureza biomecânica,
psicossocial, constitucional, hormonal, organizacional,
entre outros havendo predomínio de um fator ou outro
conforme o caso. Alguns desses fatores, principalmente
os biomecânicos, já estão bem estabelecidos. Além dos
movimentos repetitivos, os fatores biomecânicos são
representados pelo uso excessivo de força, posturas incorretas, vibração, falta de repouso e compressão mecânica de estruturas musculoesqueléticas. A presença
de mais de um fator biomecânico numa determinada
atividade aumenta o risco da instalação de uma afecção
e compromete a recuperação funcional das estruturas
comprometidas. A seguir, alguns exemplos de fatores
biomecânicos que levam aos DORTs.
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• Fat
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urais:
– Flexão e extensão extrema do punho – levando a
tenossinovite de extensores e flexores do antebraço; síndrome do túnel do carpo – em costureiras,
cortadores;
– Desvio radial ou ulnar do punho – levando à
doença de De Quervain – em costureiras, cortadores, lavadeiras;
– Elevação do braço acima do nível do ombro; abdução e flexão prolongada do ombro – levando
à síndrome do desfiladeiro torácico; tendinite do
ombro – em motoristas de caminhão, estoquistas, estivadores;
– Flexão extrema do cotovelo – levando à síndrome do túnel cubital – em trabalhadores em bancadas, telefonistas;
– Rotação do antebraço – levando a epicondilites
lateral e medial – em trabalhadores em linha de
montagem, em torção com uso de alicate, eletricistas, tenistas, golfistas, azulejistas.
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orça:
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Força:
– Fricção de tesoura ou ferramentas na face lateral
do dedo – levando à compressão de nervos digitais – costureira e estoquistas;
– Preensão com força exagerada na palma das
mãos de instrumentos com quina dura – levando à tenossinovite estenosante (dedo em gatilho)
– em frentistas de posto de combustíveis;
– Força aplicada com o punho em flexão – levando à compressão do nervo ulnar no canal de
Guyon – em carpinteiros, pedreiros.
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itiiv idade:
– Movimentos repetitivos em linha de montagem –
levando à tenossinovite dos flexores e/ou extensores das mãos, tendinite umeral – em cortadores, polidores, moedores;
– Movimentos repetitivos das mãos – levando à
síndrome do túnel do carpo, tenossinovite das
mãos – em datilógrafos, digitadores, músicos,
empacotadores.
Há evidências de que fatores psicossociais estejam
envolvidos na etiologia dos DORTs e de lombalgias
ocupacionais. Os fatores psicossociais, segundo a Organização Mundial de Saúde e o Órgão Internacional de
Trabalho, estão relacionados ao ambiente de trabalho,
ao ambiente fora dele e ao indivíduo. A interação dos
três afeta o bem-estar e o desempenho no trabalho, assim como agrava a condição psicológica. Em relação ao
trabalho, a expressão fatores psicossociais é freqüentemente utilizada para se referir a questões específicas,
como falta de autonomia, pressão de trabalho aumentada, dificuldade de relacionamento interpessoal.
Além dos fatores biomecânicos e psicossociais, existem os fatores ligados à organização do trabalho, aspec-
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tos psicológicos individuais, contextos sociais e econômicos que são temas de grandes discussões e teorias,
reforçando a complexidade do estudo do homem como
um ser que interage com o ambiente e com os semelhantes a ele.
Fisiopatologia dos DORTs
As substâncias liberadas pelos microtraumatismos teciduais e o acúmulo de catabólitos gerados pela atividade muscular e durante os fenômenos isquêmicos (bradicinina,
prostaglandinas, serotonina, íons potássio, histamina, radicais ácidos, fator de necrose tumoral, entre outros) exercem atividades algiogênicas, sensibilizam e excitam os
nociceptores. Os potenciais de ação induzidos nos aferentes primários, por mecanismos reflexos, liberam retrogradamente neurotransmissores com atividade vasodilatadora
e mediadora da inflamação, como substância P, peptídeo
relacionado à calcitonina, neuroquinina A e B e outros neuropeptídeos. Esses neurotransmissores ativam os macrófagos e outros leucócitos, células de
Schwann e fibroblastos e ocasionam o fenômeno da
inflamação neurogênica. O sistema nervoso neurovegetativo simpático, hiperativo em condições de estresse e da
dor aguda e sob ação da bradicinina, libera noradrenalina e prostaglandina que sensibilizam os nociceptores. A
sensibilização dos nociceptores pelas substâncias algiogênicas, a inflamação neurogênica e a hiperatividade neurovegetativa simpática contribuem para o agravamento e
a manutenção do ciclo vicioso dor-espasmo-inflamaçãoespasmo-dor.
No SNC, os neurônios são ativados e sensibilizados
pela ação de neurotransmissores liberados pelos aferentes primários. A sensibilização das unidades neuronais
na medula espinal, no tálamo e nas áreas envolvidas no
comportamento psíquico gera deformações plásticas
que as tornam hipersensíveis a estímulos que, em situações normais seriam insuficientes para deflagrar sensações dolorosas, traduzidos clinicamente por alodínea,
hiperalgesia secundária, ampliação da área de referência
de dor e aumento da sensação dolorosa. Secundariamente, ocorre imobilismo e hipofunção do sistema
supressor de dor e, reflexamente, devido à aferência dolorosa, sensibilização dos neurônios sensitivos do corno
posterior da medula espinal. São ativados, então, interneurônios que ativam motoneurônios da substância
cinzenta do corno anterior da medula espinal que, por
sua vez, acionam unidades musculares, resultando em
compensações posturais e hiperatividade muscular (espasmo com tensão contínua, sem relaxamento) e instalação de síndromes dolorosas miofasciais. A ativação
concomitante de neurônios da coluna intermediolateral da
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medula espinal causa hiperatividade neurovegetativa, e esta
sensibiliza os nociceptores, agravando a dor.
As afecções neuropáticas decorrem, em geral, da
compressão dos nervos periféricos em áreas em que há
estreitamento anatômico dos canais onde trafegam,
como ocorre em inflamações das bainhas tendíneas, em
casos de cistos sinoviais, hipertrofia muscular (compressão do nervo mediano entre os dois ramos do músculo pronador redondo), alterações anatômicas primárias
ou decorrentes de traumatismos e vícios de postura.
Após a lesão de nervos periféricos, surgem atividades
ectópicas neuronais, que aumentam na primeira semana
e decaem progressivamente. Correntes efáticas (curtos
circuitos) parecem ocorrer entre fibras sensitivas motoras, neurovegetativas nos neuromas de amputação das
fibras nervosas em degeneração. Concomitantemente,
surgem alterações anatômicas nos gânglios dos nervos
sensitivos e nas projeções centrais das raízes nervosas.
Há evidências de que, em casos de dor neuropática periférica, exista participação concomitante de mecanismos centrais e periféricos. Há hiperatividade neuronal
no corno posterior da medula espinal e, tardiamente,
no tálamo contralateral à lesão das raízes nervosas. A
desinibição das vias nociceptivas e a excitação das
sinapses centrais estão envolvidas no mecanismo de
hiperatividade neuronal nas células da medula espinal.
Os produtos da degradação neuronal, durante o processo de degeneração, e a proliferação das células gliais alteram a constituição bioquímica do meio ambiente na
medula espinal, resultando em hiperatividade neuronal
segmentar e em expansão do campo receptivo dos neurônios espinais e talâmicos. Havendo neuropatias, os
neurônios predominantemente excitados pelos estímulos nociceptivos passam a reagir também a estímulos de
baixa intensidade. O comprometimento das conexões
sinápticas normais, o aumento do número de receptores da membrana neuronal, o aumento das dimensões
dos botões remanescentes, o aumento do volume celular e da superfície dos dendritos proximais justificam a
hipersensibilidade por desnervação segmentar em neuropatias periféricas.
A síndrome dolorosa miofascial caracteriza-se pela
ocorrência de dor e aumento da tensão dos músculos
afetados. Sua fisiopatologia é controversa. É disfunção
localizada, secundária à contração muscular isométrica
prolongada, repetição de movimentos, posturas inadequadas e/ou estresses psíquicos. Essas condições geram
acúmulo de substâncias algiogênicas e anormalidades
circulatórias, caracterizadas, fundamentalmente, pela
isquemia nos músculos acometidos.
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O espasmo muscular compromete o suprimento sangüíneo devido à compressão vascular e conseqüentemente a oferta de energia para acionar a bomba de Ca++
torna-se insatisfatória e o relaxamento muscular é bloqueado. O acúmulo de substâncias algiogênicas agrava o
ciclo vicioso de dor-espasmo muscular-dor. O espasmo
muscular reflexo decorre da sensibilização dos neurônios
sensitivos na substância cinzenta do corno posterior da
medula espinal e da ativação dos interneurônios que, por
sua vez, acionam os motoneurônios do corno anterior
da substância cinzenta da medula espinal. A sensibilização dos neurônios de coluna intermédio-lateral é
causa de anormalidades neurovegetativas reflexas. A
sensibilização neuronal na medula espinal é causa da instalação dos pontos-gatilho. O desequilíbrio entre a demanda e a necessidade metabólica predispõe à fadiga
muscular e ao comprometimento do desempenho funcional. Parece haver predisposição individual para o desenvolvimento de síndromes dolorosas crônicas.
A intensidade da dor, da inflamação, da fadiga e da
incapacidade funcional nos doentes com DORT depende da interação de vários fatores representados principalmente pelo tempo de evolução da doença, natureza
das estruturas envolvidas, manutenção dos mecanismos geradores das lesões, resposta aos procedimentos
terapêuticos apropriados ou inapropriados, perfil biopsicossocial dos doentes, incluindo as atitudes ativas ou
passivas de enfrentamento das doenças, perdas, interesses e ganhos secundários.
Diagnóstico
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O diagnóstico de DORT é essencialmente clínico. Depende da história clínica bem elaborada (enfatizando informações sobre ocorrência de dor, déficit, incapacidades e
antecedentes pessoais), do exame físico cuidadoso, da
avaliação dos fatores psicossociais e da anamnese ocupacional detalhada. O ideal seria o conhecimento do local
de trabalho e a observação direta da atividade realizada
pelo doente. Deve-se solicitar ao indivíduo que reproduza
os gestos e as posturas assumidas durante a realização das
tarefas no trabalho e também em casa.
Deve ser investigada a existência de outros fatores
concorrentes, tais como doenças metabólicas ou reumáticas, condições das atividades fora do ambiente profissional, ocorrência de afecções associadas, prática de
esportes e hábitos de lazer. Como as repercussões biopsicossociais dos DORTs são inúmeras, estes distúrbios
requerem enfoque amplo e multidimensional e, portanto, o diagnóstico das condições psicológicas e sociais
daquele indivíduo.
Os exames subsidiários não possuem grande valia
para o diagnóstico, apenas complementam o raciocínio
clínico e podem, quando mal interpretados, gerar diagnósticos incorretos.
A precisão e o detalhamento diagnóstico dos DORTs
permitem estabelecer programas terapêuticos, reabilitacionais e preventivos de novas lesões, específicos para o
indivíduo. Por isso, é imperioso o conhecimento das
estruturas do aparelho locomotor acometidas, da natureza das lesões (inflamatórias, compressivas, degenerativas), da fisiologia e biomecânica do movimento.
O médico do trabalho, conhecendo o tipo de afecção
da qual aquele indivíduo é acometido e as condições em
que esse indivíduo realiza seu trabalho, é capacitado
para estabelecer o nexo entre a afecção e o trabalho.
O estabelecimento do nexo causal, bem como a caracterização daquela afecção como DORT, significa que o
trabalho é seu fator causal, mas não necessariamente o
único desencadeante ou mantenedor. No Brasil, em termos legais, para efeito de afastamento e recebimento de
benefícios, há necessidade de que o médico perito do
INSS reconheça a existência do nexo causal e caracterize
as afecções como DORT.
Caracterização Clínica dos DORTs
História
Os doentes com DORT geralmente queixam-se de dor,
dormência, parestesias, sensação de peso e fadiga nos
membros superiores e região cervical, podendo ocorrer
dor na região dorso-lombar e nos membros inferiores
insidiosamente. As queixas podem não traduzir exclusivamente a dimensão das lesões; o ciclo auto-alimentador de dor-inflamação-espasmo-dor induz, perpetua
e/ou agrava os sinais e sintomas dos DORTs.
A dor pode ser localizada, referida ou generalizada,
superficial ou profunda, de origem somática, neuropática e/ou psicogênica. Quando resultante do acometimento de estruturas musculoesqueléticas profundas, é
vaga e descrita como peso, pressão, queimor, latejamento ou tensão exagerada. É freqüentemente referida
em estruturas distantes daquelas comprometidas. A dor
neuropática é descrita como queimor, formigamento ou
choques e pontadas em áreas em que a sensibilidade, a
motricidade e as funções neurovegetativas estão alteradas. A dor psicogênica é rara nos doentes com DORT.
Entretanto, na dor crônica, anormalidades psicoafetivas
contribuem significativamente para o agravamento e a
manutenção da dor. Depressão, angústia, ansiedade, insegurança, desconfiança e medo são freqüentemente
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observados. Os doentes vivenciam situações de extrema
dificuldade no ambiente de trabalho e nos círculos familiares e sociais. As atividades de vida diária, o lazer, o
sono e o apetite tornam-se significativamente comprometidos em decorrência da dor, das alterações psicoafetivas, das manipulações e das iatrogenias induzidas
durante os procedimentos terapêuticos. A dor e as suas
repercussões passam a ser razões de sua existência, distanciam-se progressivamente da possibilidade de recuperação e de reabilitação profissional e social, prolongam o
período de afastamento e impossibilitam o retorno ao
trabalho, gerando incerteza em relação ao futuro.
Exame Físico
Em todo doente que apresente história clínica sugestiva de DORT, o exame físico geral, com ênfase no aparelho locomotor, sistema nervoso e do psiquismo, deve
ser realizado. É importante que o exame seja sistematizado: inspeção, palpação, avaliação da amplitude dos
movimentos (ADM) passivos e ativos, avaliação de sensibilidade e da força, assim como realização dos testes
específicos.
Afecções Musculoesqueléticas
Cervicalgias
A causa mais comum de anormalidades cervicais relacionadas ao trabalho é a sobrecarga muscular estática que
resulta de posturas inadequadas e sustentadas, além de
estresses psicológicos. A dor cervical e no ombro é quase
tão comum quanto a lombalgia, e é representada por
grande variedade de afecções, predominando as síndromes dolorosas miofasciais. Nessas situações, ocorre solicitação de músculos envolvidos para suporte de carga
na região cervical e na cintura escapular (trapézio, elevador da escápula, rombóide) que atuam com intenso
componente estático.
díneas, levando a reações inflamatórias e predisposição
para ocorrência de tendinopatias. Em algumas regiões
do corpo, a circulação depende dos ângulos do deslocamento articular, podendo-se comprimir o tendão, prejudicando o seu suprimento sangüíneo. No ombro,
flexão acima de 60º reduz o aporte de sangue no tendão
do músculo supra-espinhoso e acarreta isquemia crônica. A ausência de períodos suficientes de recuperação
para que as estruturas possam voltar ao seu estado de
homeostase normal, após o seu uso prolongado e repetido, contribui para o aparecimento de lesões. A inflamação é uma reação protetora com finalidade de iniciar
a reparação tecidual; entretanto, quando crônica, pode
ocasionar anormalidades indesejáveis e irreversíveis.
Lesões do Manguito Rotator
As tendinopatias e lesões do manguito rotator nos ombros causam dor regional, principalmente durante a realização de certos movimentos como abdução, rotação
externa e elevação do membro superior, que se irradia
para a região escapular ou braços. Além de gerar incapacidade funcional, podem resultar na instalação da
capsulite adesiva (ombro congelado) ou síndrome ombro-mão (distrofia simpático-reflexa, ou síndrome complexa de dor regional), entre outros. A tendinite da
bainha dos rotatores é observada em trabalhadores atuando em linhas de montagem e/ou que trabalham com
abdução ou flexão mantida dos braços, repetindo os
movimentos com força.
Tendinite Bicipital
A tendinite bicipital pode ser primária, devido a traumatismos diretos e indiretos do ombro, exercícios excessivos ou
repetitivos do braço ou, mais freqüentemente, secundária à
lesão da bainha dos rotatores. Caracteriza-se por sensação de
peso ou de dor localizada nas proximidades da pequena tuberosidade do úmero e na face anterior do braço.
Tendinites/Tenossinovites
Epicondilites
Os músculos e tendões trabalham como uma unidade
funcional. Portanto, na maioria dos casos nos quais há
tendinite, ocorre que o músculo também é comprometido. A circulação sangüínea nos tendões é inversamente
proporcional ao aumento da tensão muscular. À medida
que aumenta o trabalho muscular, há redução da perfusão sangüínea e, como conseqüência, ocorre deformação e perda da capacidade tênsil dos tendões, do que
resulta aumento da fragilidade estrutural, aumento da
força de estresse em arrancamento nas junções mioten-
A epicondilite caracteriza-se pela ocorrência de dor na
região do epicôndilo lateral ou medial, na proximidade
da inserção dos músculos extensores ou flexores. A dor
pode ser desencadeada pela palpação da musculatura
adjacente aos epicôndilos, pelos movimentos fortes e
bruscos de prono-supinação com o cotovelo em flexão
ou durante a movimentação das mãos e punhos. A epicondilite lateral decorre de movimentos repetitivos
com força do punho e antebraço, principalmente em atividade de extensão do punho e/ou pronação e supina-
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ção, alternadamente. A epicondilite medial decorre da
execução de movimentos repetitivos de flexão de punho
e de rotação do antebraço. Em caso de epicondilite medial, pode haver comprometimento do nervo ulnar e,
em caso de epicondilite lateral, do nervo radial.
Tenossinovite de De Quervain
A tenossinovite de De Quervain decorre do espessamento do ligamento anular do carpo no primeiro compartimento dos extensores, por onde trafegam dois
tendões: o longo abdutor e o extensor curto do polegar.
Apresenta-se com dor de instalação insidiosa e sinais
inflamatórios na apófise estilóide do rádio e, em alguns
casos, crepitação durante a movimentação do polegar.
A dor pode irradiar-se para o polegar, antebraço e cotovelo e acentuar-se com os movimentos do polegar.
A manobra de Finkelstein gera dor intensa localizada na
apófise do rádio e pode irradiar-se ao longo do trajeto
dos tendões. Decorre de movimentos com desvio ulnar
do punho (por exemplo o uso de tesouras etc.) e de
movimentos associados ou não à supinação do punho
(torção de roupas, por exemplo).
Tendinite dos Flexores e Extensores dos Punhos e Dedos
As tendinites dos flexores e extensores do punho e dos
dedos são normalmente acompanhadas de outras afecções inflamatórias distais do membro superior e causam
prejuízo funcional, principalmente da articulação do
punho, dos dedos e das metacarpofalangianas. A tenossinovite ou tendinite dos flexores e dos extensores dos
dedos e do punho é causada por movimentos repetitivos que decorrem do uso intensivo das mãos durante
a execução de tarefas com ciclos pequenos, especialmente se combinados com a ação de preensão com força.
Dedo em Gatilho
É a dificuldade para extensão forçada do dedo, contra
obstáculo, após sua flexão máxima, condição que gera
sensação de ressalto e, freqüentemente, dor. Decorre da
constricção da polia dos flexores, fenômeno que dificulta
o deslocamento dos tendões e causa reação inflamatória.
mentos como abdução, rotação externa e elevação do
membro superior.
Síndrome Dolorosa Miofascial (SDM)
A SDM é uma afecção álgica do aparelho locomotor
que acomete os músculos e suas fáscias. A SDM constitui condição primária e acompanha quase todas as
condições álgicas. Os músculos mais comumente acometidos são os mm. extensores de punho e dedos, os
mm. intrínsecos das mãos, m. trapézio, m. cutura escauplar e cervical entre outros. A dor originada nos músculos da parede torácica, como no músculo peitoral maior,
a pseudo-angina de peito, é comum em indivíduos que
executam atividades que exigem intensa sobrecarga,
com os membros superiores em elevação e abdução, ou
que manipulem as peças com as mãos. A cefaléia de origem cervical ou cervicogênica é outra condição que
pode estar associada aos DORTs; é ocasionada por
SDMs cervicais e/ou do segmento cefálico.
Síndrome Fibromiálgica (SFM)
É caracterizada pela ocorrência de dor generalizada,
com duração superior a três meses, simetricamente distribuída nos quatro quadrantes do corpo e, em alguns
doentes, tensão muscular mais intensa durante a manhã
e no início da noite, fadiga, falta de energia, alteração na
qualidade do sono, diminuição da resistência para atividades físicas, agravadas durante a execução de exercícios físicos, esforços mentais e ocorrência de estressores
psicológicos.
As anormalidades do sono são comuns e caracterizadas por dificuldade para iniciá-lo, despertar freqüente
durante a noite, dificuldade para retornar a dormir, sono
agitado e superficial, despertar precoce e sono não reparador. As cefaléias crônicas são também comuns nesses
casos, geralmente diárias, muitas vezes intensas e freqüentemente tensionais, às vezes com características
cervicogênicas. As anormalidades sensitivas múltiplas, ou
síndrome de sensibilidade química múltipla, hipocondria
com intolerância medicamentosa, ocorrem em muitos
casos e associam-se à síndrome da fadiga crônica, além
da síndrome do intestino e bexiga irritados.
Bursites
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Caracterizam-se pela ocorrência de processos inflamatórios nas bursas. As bursites localizam-se mais
freqüentemente nos ombros e causam dor regional,
principalmente durante a realização de certos movi-
Neuropatias
Várias neuropatias podem ser diagnosticadas em doentes com DORT, sendo a grande maioria de origem
compressiva.
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Síndrome do Desfiladeiro Torácico (SDT)
A compressão de estruturas neurovasculares na região
cervicobraquial é conhecida como síndrome do desfiladeiro torácico. Essas estruturas são representadas pelas
veias e artérias subclávias e elementos do plexo braquial.
A compressão pode estar situada no triângulo interescalênico, espaço costoclavicular e espaço subpeitoral menor. Variações anatômicas congênitas, fibromusculares e
ósseas nesses espaços podem tornar os indivíduos susceptíveis ao desenvolvimento de SDT. Comumente, há
compressão sintomática em indivíduos que adotam
postura de ombros caídos ou exercem atividades como
o transporte de cargas pesadas nos ombros, execução de
tarefas com a cabeça ou membro superior elevado. Dor,
parestesia e adormecimento, principalmente na face ulnar do braço, antebraço e mão, são sintomas predominantes em 90% a 95% dos doentes. A dor é, em geral,
descrita como peso, latejamento, dolorimento e queimor. Os sintomas são normalmente intermitentes, variando de acordo com a postura e posição dos segmentos
da região cervical e do membro superior; podem ocorrer também durante o sono. As atividades que implicam
a elevação dos MMSS acima do ombro freqüentemente
exacerbam os sintomas. As anormalidades vasculares
incluem palidez e cianose distal, que se agravam durante
o frio, intolerância ao frio e fenômeno de Raynaud.
Claudicação vascular é incomum. A manobra de Adson,
Allen ou Hausted e o teste de compressão costoclavicular podem ser positivos nestes casos, mas podem ser
anormais em indivíduos assintomáticos.
Síndrome do Pronador Redondo
Decorre da compressão do nervo mediano distalmente
à prega do cotovelo, entre os dois ramos musculares do
músculo pronador redondo, fáscia do bíceps ou arcada
dos flexores dos dedos. Dor espontânea na região proximal do antebraço e nos três primeiros dedos, indução
de dor quando é realizada pronação do antebraço contra resistência com o punho firmemente cerrado, déficit da oponência do polegar e dos flexores dos três
primeiros dedos e comprometimento sensitivo da eminência tenar podem ser constatados nestes doentes. Esta
síndrome pode manifestar-se em doentes que executam
movimentos repetitivos e força de prono-supinação ou
quando há hipertrofia dos músculos do antebraço.
Síndrome do Túnel do Carpo
Decorre da compressão do nervo mediano no túnel do
carpo. Devido ao espessamento do ligamento do car-
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po, eleva-se a resistência ao livre trânsito dos flexores
dos dedos que ali trafegam, gerando conseqüentemente,
aumento do atrito entre os tendões e os ligamentos, do
que resulta desenvolvimento de tenossinovite e tendinite. Observam-se dor e parestesias que acometem primordialmente a face palmar dos 1o, 2o e 3o dedos e a região
tenar; impotência funcional, principalmente do oponente
do polegar; positividade da manobra de Phalen, que consiste em flexão máxima dos punhos durante no mínimo
um minuto, resultando na ocorrência dos sintomas da
síndrome do túnel do carpo.
Síndrome do Nervo Interósseo Posterior
O nervo interrósseo posterior, ramo motor do nervo
radial, pode ser comprimido entre as duas porções da
cabeça do músculo supinador, causando síndrome
caracterizada pela ocorrência de dor na região do epicôndilo lateral do úmero e terço proximal dorsal do
antebraço na ausência de alterações sensitivas.
Síndrome do Túnel Cubital
Manifesta-se em indivíduos que apóiem o cotovelo em
bancadas duras ou que executem flexão prolongada do
cotovelo.
Síndrome do Canal de Guyon
Caracteriza-se pelo comprometimento do nervo ulnar no
canal de Guyon, que é um espaço limitado lateralmente
pelo osso pisiforme e medialmente pelo hamato no punho. Dor, parestesias, impotência funcional e amiotrofia
dos músculos interósseos e lumbricais e, mais raramente, garra ulnar podem ser evidenciados nestes casos. Pode
decorrer da pressão direta em alavanca de instrumentos
desenhados ou utilizados inadequadamente.
Distrofia Simpático Reflexa (DSR), Causalgia ou Síndrome
Complexa de Dor Regional (SCDR)
Caracterizam-se pela ocorrência de dor em queimor,
latejamento ou peso e paroxismos de choque ou pontadas, associadas a alodínea, hiperestesia, hiperpatia,
hiperalgesia, alterações vasomotoras e sudomotoras,
comprometimento da função motora, amiotrofia, atrofia do tegumento, anexos, ossos e articulações, retrações
musculotendíneas e fixações articulares. A distrofia simpático reflexa, ou SCDR tipo I, manifesta-se quando
não há lesão nervosa e a causalgia, ou SCDR tipo II,
manifesta-se quando há lesão parcial de um nervo ou de
seus ramos principais.
407
408
Os vários componentes destas síndromes podem variar expressivamente entre os doentes, tendo como
conseqüência numerosos padrões de apresentação.
Classicamente, as SCDR evoluem em três fases: a alodínea aguda, caracteriza-se pela ocorrência de dor
constante, alterações neurovegetativas e discrasias; a distrófica, caracteriza-se pela ocorrência de dor, alterações
neurovegetativas mais expressivas que as da primeira
fase e sinais incipientes de distrofia; na fase atrófica, prevalecem a atrofia e a limitação funcional do segmento
acometido e a dor tende a reduzir de intensidade ou
desaparece. Dependendo da magnitude do quadro
clínico, do atraso no diagnóstico e da instituição do
tratamento apropriado, pode ocorrer déficit funcional
significante, muitas vezes irreversível, do membro
acometido. Em doentes com DORT, não raramente a
SCDR desenvolve-se após procedimentos como imobilizações prolongadas, cirurgias para descompressão dos
tendões e dos nervos periféricos. Nestes casos, freqüentemente, as alterações neurovegetativas, sensitivas e
motoras, não são muito significativas, mas a síndrome
dolorosa miofascial exerce papel importante na geração
ou manutenção da dor. A SCDR acarreta a adoção de
um padrão auto-alimentador caracterizado por dorimobilização-edema-desuso-dor. Quando cronificada,
limita a função motora, causa alterações tróficas irreversíveis, compromete o humor, o sono, o apetite e as atividades familiares, sociais e profissionais dos doentes.
nos doentes com DORT o acometimento de mais de
uma estrutura e por mais de uma afecção. A ocorrência
concomitante de tendinites, síndromes neuropáticas e
SDM exige terapêuticas específicas para cada uma delas.
A identificação dos fatores que perpetuam ou agravam a dor e as incapacidades, como anormalidades posturais e psicocomportamentais, e dos fatores ambientais
desfavoráveis é fundamental para o programa de reabilitação dos doentes com DORT. A reabilitação deve ser
abrangente, e não dirigida unicamente para o segmento
doloroso.
Quanto mais precoce a instituição do programa de
reabilitação, melhor o resultado do tratamento. A elaboração de estratégias básicas para o controle da dor, a
modificação de hábitos e atitudes de enfrentamento dos
processos dolorosos e dos conflitos cotidianos, o estímulo para o desenvolvimento de atividades lúdicas, físicas e culturais que melhorem a qualidade de vida, a
readaptação das atividades físicas e a expansão das possibilidades de comunicação interpessoal, objetivando
independência e autonomia dos doentes, são fundamentais para cumprir o compromisso de reabilitação.
O tratamento em centros multidisciplinares de dor,
que utilizam modelos de tratamentos multi e interdisciplinares, possibilita resultados mais satisfatórios e otimistas quanto à possibilidade de reinserção dos doentes
com dor crônica na sociedade, no âmbito familiar, profissional e social.
Estratégias para Tratamento e Reabilitação
Tratamento Medicamentoso
Em consonância com a necessidade da avaliação física,
psíquica e social, o tratamento dos doentes com DORT
obedece ao modelo da interdisciplinaridade e pressupõe
a formulação individualizada de planos diagnósticos e
terapêuticos. As intervenções realizadas em doentes com
DORT não devem ter como objetivo único a eliminação
completa da dor, principalmente naqueles indivíduos
com dor crônica. Os recursos terapêuticos utilizados são
variados e visam ao controle da dor, à recuperação e exploração do potencial remanescente da capacidade
funcional, à recuperação da auto-estima e à reinserção
do indivíduo no seu ambiente de trabalho, familiar e social. O objetivo final do tratamento deve ser a melhora
da qualidade de vida e a reintegração social, ou seja, a
valorização do indivíduo como cidadão, com deveres e
direitos e o resgate da auto-estima, não apenas o alívio
da dor e a reabilitação física.
O diagnóstico e o tratamento dos DORTs devem ser
instituídos precocemente, pois podem proporcionar resolução completa da condição nosológica. É comum
Os medicamentos são um importante aliado na reabilitação, pois, além de possibilitarem o controle da dor e
de suas repercussões, facilitam a participação ativa dos
doentes nos programas de reabilitação. O uso de analgésicos e antiinflamatórios não hormonais (AAINHs)
controla a dor e a inflamação. Devem ser utilizados em
todos os indivíduos na fase aguda de dor e quadro inflamatório, e em alguns na fase crônica, principalmente
quando apresentam crises de agudização da dor.
Os miorrelaxantes mais utilizados são os de ação
central como a ciclobenzaprina e a tizanidina. Os de
ação periférica como o carisoprodol, em geral, estão associados aos AAINHs. Nos casos crônicos, devem-se
associar os psicotrópicos como os antidepressivos e os
neurolépticos, que contribuem para melhorar a analgesia e o relaxamento muscular, resgatando o sono, o apetite e o humor. Os antidepressivos mais administrados
são a amitriptilina, a nortriptilina, a imipramina, a clorimipramina, a maprotilina, a venlafaxina e a duloxetina; são utilizados em dosagens geralmente inferiores às
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utilizadas para tratar síndromes depressivas. Os anticonvulsivantes, como, por exemplo, a carbamazepina, a
fenitoína, a gabapentina e o topiramato, também podem ser utilizados quando há neuropatias associadas. As
fenotiazinas são recomendadas quando há importante
componente emocional na dor ou na dor neuropática.
As mais utilizadas são a clorpromazina, a propericiazina
e a levopromazina. Os ansiolíticos devem ser evitados,
pois propiciam dependência física, psíquica e tolerância,
podendo ainda contribuir para piorar a depressão, a dor
e a qualidade de sono. Os medicamentos devem ser administrados programadamente, e não apenas quando necessário. Em alguns doentes, a dor crônica pode ser tão
intensa e incapacitante, comprometendo seriamente a
qualidade de vida, que se torna necessário o uso de analgésicos mais potentes como os opióides.
Tratamento Fisioterápico
Os meios físicos, a reeducação postural, a cinesioterapia,
a acupuntura e a inativação dos pontos gatilhos miofasciais, com técnicas de digitopressão, agulhamento seco
ou infiltração com anestésicos locais, podem ser necessários para facilitar a execução de exercícios ou de outras
atividades de fisioterapia, bem como de terapia ocupacional. Na fase aguda, a cinesioterapia deve respeitar o
grau de lesão para não agravar a condição clínica.
É fundamental a execução de exercícios de relaxamento e alongamento para reduzir a tensão, aumentar o
grau de elasticidade das fibras musculares e o seu desempenho mecânico. Essas medidas habilitam o músculo a
melhorar sua potência e o tornam mais resistente à fadiga.
Exercícios de fortalecimento devem ser introduzidos nas
fases mais adiantadas da reabilitação, com bom senso e
gradualmente, para não reagutizar o processo inflamatório
ou agravar a fadiga. Atividades de condicionamento cardiovascular e físicas globais devem ser estimulada a fim de
ser manter a saúde e evitar a recorrência.
O programa de manejo da dor e da incapacidade deve
utilizar instrumentos que alertem os doentes quanto aos
efeitos nocivos da inatividade e que esclareçam a importância e o benefício dos exercícios quanto à melhora da
flexibilidade, da força e da função do aparelho locomotor, do condicionamento cardiovascular e respiratório,
e do corpo como um todo. As atividades físicas são talvez uma das mais importantes recomendações para tratar e reverter os sintomas e anormalidades físicas ou
psicológicas em doentes com dor crônica.
O alongamento muscular procura devolver ao músculo
fadigado e encurtado o seu comprimento de repouso, condição fundamental para que adquira sua potência máxima.
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Disto resulta ser importante o exame do doente como um
todo, e não apenas de uma mão, braço ou de um dedo.
Acupuntura
A acupuntura é muito útil para o tratamento de doentes
com DORT. Costuma ser eficaz mesmo naqueles doentes
que não se beneficiaram com os procedimentos fisiátricos tradicionais. As agulhas, quando aplicadas em pontos
previamente selecionados, promovem relaxamento muscular e estimulam o sistema supressor de dor.
Uso de Órteses
Podem ser úteis na fase aguda, principalmente quando
há artrite, artralgia, tendinite, tenossinovite inflamatória ou síndromes compressivas nervosas como a síndrome do túnel do carpo. A imobilização gessada deve ser
evitada, pois pode acarretar amiotrofia e agravar a impotência funcional. As órteses devem ser utilizadas por
menor tempo possível como, por exemplo, durante a
realização das atividades domésticas e profissionais, e
durante o sono, para evitar posturas viciosas ou movimentação de repetição de determinados segmentos do
corpo, devendo ser removidas periodicamente para a
execução de procedimentos de reabilitação como automassagem e cinesioterapia. Não há benefício no uso
crônico, pois ela pode agravar a sensação de incapacidade, o descondicionamento, a dependência física e psicológica e a síndrome do desuso.
Terapia Ocupacional
A terapia ocupacional, a execução de atividades laborais
e as simulações das atividades de vida diária devem ser
programadas em escala progressiva, respeitando-se a
melhora paulatina da flexibilidade e da força do segmento corpóreo acometido.
Abordagem Ergonômica
A correção dos fatores que desencadearam ou que perpetuam o quadro clínico é possível após a avaliação das
condições ergonômicas e das situações de estresse nos
ambientes de trabalho e no lar, buscando-se a reorganização do trabalho e das atitudes dos doentes durante a
execução de suas tarefas.
A reformulação das condições laborais, não apenas
quanto aos aspectos ergonômicos como também psicossociais e emocionais, e a indução de independência e
autonomia dos doentes com DORT são fundamentais
para cumprir o compromisso da reabilitação. A redefi-
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nição do significado da noção do limite e do conceito
de incapacidade, retirando o estigma da incapacidade
total, substituindo-o pelo conceito de restrição às atividades nocivas, é instrumento necessário para que os
doentes vislumbrem possibilidades de recuperação.
Situações aparentemente extrínsecas aos problemas
de saúde propriamente ditos, como o suporte familiar e
social, as condições financeiras dos indivíduos e de suas
famílias, a receptividade, o apoio da empresa e a atitude
previdenciária, interferem na evolução e no resultado
do tratamento. Portanto, é necessário contemplar esses
aspectos e construir parceria e relação de co-responsabilidade com os doentes durante o programa de tratamento e de reabilitação.
Algumas vezes, é necessária a readaptação para outras funções, que deve ser avaliada sob a ótica da capacidade funcional do doente e dos riscos que oferece para
agravamento das lesões. Para cumprir esta etapa, o condicionamento e o treinamento para executar outras atividades profissionais são essenciais.
Outros Procedimentos
Alguns doentes com quadro de síndrome complexa de
dor regional podem apresentar melhora da sintomatologia por meio de alguns tipos de bloqueios do sistema
nervoso periférico, como o bloqueio anestésico do gânglio estrelado simpático, bloqueio regional de Bier com
guanetidina, infusão endovenosa de lidocaína, cateter
peridural de fármacos com anestésico associado ou não
a morfina e/ou bloqueador (como a clonidina), entre
outros procedimentos. A finalidade desses bloqueios é a
obtenção de analgesia que pode durar de horas a dias,
facilitando a realização de cinesioterapia, manipulação
e outros procedimentos de reabilitação.
A estimulação elétrica da medula espinal ou do encéfalo pode ser necessária para controlar a dor neuropática e as anormalidades neurovegetativas associadas.
O implante de bombas destinadas à infusão de fármacos analgésicos no SNC pode ser útil em casos de dores
por nocicepção e/ou por desaferentação rebeldes.
to à estabilidade no trabalho e às perspectivas futuras.
Crenças inadequadas e, especialmente, o medo e evitações com relação às atividades físicas e aos exercícios são
as maiores barreiras à reabilitação. A atitude da equipe
deve ser polida, esclarecedora, evitando informações
contraditórias ou catastróficas. A psicoterapia de apoio
individual ou em grupo, as técnicas de relaxamento, o
biofeedback, a hipnose e as técnicas não convencionais
como a biodança, a ioga, o tai chi chuan parecem ser
úteis. As estratégias cognitivo-comportamentais são
úteis para melhorar anormalidades afetivas não passíveis
de controle farmacológico ou para auxiliar esse controle,
além de proporcionar mudanças na cognição e no comportamento dos doentes com dor crônica.
Tratamento: o Modelo Biopsicossocial e os
Programas Multidisciplinares
Os programas multidisciplinares de tratamento da dor
passaram a se desenvolver após a aceitação da interação
biopsicossocial em doentes com dor crônica. O modelo
biopsicossocial demonstra que a experiência da dor
pode ser induzida ou agravada por transtornos psicológicos via mecanismos modulatórios sediados no SNC.
Desta forma, apenas a remoção das causas das lesões
não deve ser mais aceita como suficiente para tratamento
da dor crônica.
Os programas multidisciplinares mais avançados
utilizam grande gama de intervenções cognitivocomportamentais e outras ações como medicina física,
fisioterapia e terapia ocupacional. O objetivo é melhorar o condicionamento e o desempenho físico, minimizar os estressores ambientais, os aspectos psicossociais e
as estratégias de enfrentamento.
Os métodos cognitivo-comportamentais de tratamento de dor objetivam tratar a dor e as expressões do
sofrimento ao modificar a percepção e a cognição da
dor e das incapacidades associadas. A modificação do
comportamento dos doentes pode reduzir a dor e maximizar a colaboração deles com a reabilitação.
Programas Educativos Cognitivo-Comportamentais
Abordagem Psicológica
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A atenção para com os aspectos psicossomáticos é muito importante na reabilitação dos doentes com dor crônica. Os doentes, em geral, são ansiosos e deprimidos,
freqüentemente mantêm posturas inadequadas e os
músculos em estado de tensão permanente, mesmo fora
do ambiente do trabalho. Muitos sentem-se inseguros
quanto ao retorno às atividades e amedrontados quan-
A educação é aparentemente a estratégia mais eficaz na
prevenção e mesmo no tratamento das mais variadas
doenças crônicas, incluindo as musculoesqueléticas.
Os programas educativos cognitivo-comportamentais foram criados para estimular a elaboração de estratégias básicas para o controle da dor, a modificação dos
hábitos e atitudes de enfrentamento dos processos dolorosos e dos conflitos cotidianos, o desenvolvimento de
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atividades lúdicas, físicas e culturais, a melhora da qualidade de vida, a readaptação à atividade física regular e
a expansão das possibilidades de comunicação entre os
indivíduos. Oferecem informações que aumentam a autoeficácia dos doentes, aprendizado de novas habilidades;
compartilhamento de experiências; esclarecimento sobre a fisiologia e a funcionalidade do organismo e saúde mental, entre outros temas. Há evidências de que
alguns desses programas modificam as respostas de enfrentamento e são eficazes, pelo menos parcialmente, em
induzir mudanças na reação dos indivíduos diante de problemas relacionados à dor.
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