ROMANO, M.A. . Dor Relacionada ao Trabalho.
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ROMANO, M.A. . Dor Relacionada ao Trabalho.
43 Dor Relacionada ao Trabalho – LER/DORT/AMERT Lin Tchia Yeng Miriam Aparecida Romano Manoel Jacobsen Teixeira Maciel Murari Fernandes Introdução As lesões por esforços repetitivos (LERs) ou os distúrbios osteo-musculares relacionados ao trabalho (DORTs) são um conjunto de doenças com características próprias, reunidas entre si porque têm como aspecto comum a dor crônica musculoesquelética e correlação direta ou indireta com o trabalho que o indivíduo executa. Segundo o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS – 1998), DORT é uma síndrome clínica caracterizada por dores osteomusculares crônicas, acompanhadas ou não de alterações objetivas, que se manifestam principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou membros superiores em decorrência ou agravada pelo trabalho. A denominação dada a esse grupo de afecções já foi modificada diversas vezes em muitos países, o que reflete a procura de um nome que conceitue de maneira mais ampla e clara essas afecções. No Brasil, no início da década de 1980, o termo tenossinovite passou a ser utilizado para rotular os casos de dor e desconforto localizados nos membros superiores (MMSS) e relacionados ao trabalho. Em 1987, o INSS adotou a denominação LER. Entretanto, esta é uma denominação limitada, pois as lesões e limitações funcionais muitas vezes só ocorrem nas fases tardias e dificultam a recuperação, assim como os mecanismos biomecânicos (como os esforços repetitivos) são apenas uns dos muitos fatores que contribuem para o desencadeamento e perpetuação do quadro clínico. Outros mecanismos, incluindo os de DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO natureza psicossocial, exercem também papel crucial na fisiopatologia dessas afecções. Por estas razões, mais recentemente, o termo DORT, tradução da terminologia de língua inglesa Work Related Musculoskeletal Disorders (WMSD), apesar de vago e inespecífico, passou a ser utilizado para o diagnóstico e a classificação desse grupo de afecções. Importância do Estudo – Impacto Socioeconômico As várias formas clínicas de manifestação dos DORTs têm como aspectos comuns a dor e as incapacidades funcionais que freqüentemente são causas de incapacidade laborativa, temporária ou permanente. Representam enorme custo econômico para o trabalhador, órgãos de assistência à saúde e para sociedade. O aumento vertiginoso do número de casos de DORT decorre provavelmente de diferentes fatores: alguns relacionados ao trabalho (a mecanização e a informatização do trabalho, a intensificação do ritmo das atividades, a ausência de pausas durante os períodos de trabalho, as posturas inadequadas, a repetição etc.); fatores psicossociais; os avanços nas técnicas diagnósticas; a divulgação da existência dos DORT que os tornou mais conhecidos e identificados pela população. Nos Estados Unidos, estudos realizados demonstram que as compensações envolvidas em casos de DORT correspondem, em média, duas a cinco vezes mais que as outras causas de compensações. As perdas financei- 401 ras para o empregado, empregador e sociedade em geral, além do comprometimento da qualidade de vida dos doentes com DORT, são incalculáveis e, freqüentemente, prolongados. À medida que o indivíduo torna-se cronicamente incapacitado para o trabalho, as possibilidades de retorno às atividades tornam-se cada vez mais remotas. Em doentes com lombalgia crônica, a possibilidade de retorno ao trabalho após seis meses de incapacidade é de 50%, torna-se de 25% após um ano e é praticamente nula após dois anos de afastamento. O grande aumento da ocorrência de DORT no Brasil, à semelhança do que ocorreu em outros países, provavelmente deveu-se, entre outros fatores, a mudanças nos padrões culturais, sociais e econômicos, à maior freqüência do diagnóstico e à melhora da notificação. Poucos estudos brasileiros tiveram como preocupação central a epidemiologia dos DORTs. O sistema nacional de informação do Sistema Único de Saúde não discrimina os acidentes de trabalho em geral, nem os DORTs, o que prejudica a avaliação dos dados epidemiológicos. As estatísticas disponíveis são fornecidas pelo INSS e se referem apenas aos trabalhadores do mercado formal e com contrato trabalhista regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, o que totaliza menos de 50% da população brasileira economicamente ativa. Cabe ressaltar que os dados são coletados com finalidades pecuniárias e não epidemiológicas. Fatores Relacionados ao Aparecimento dos DORTs 402 Os DORTs seguem o modelo das diversas doenças, tendo múltiplos fatores causais de natureza biomecânica, psicossocial, constitucional, hormonal, organizacional, entre outros havendo predomínio de um fator ou outro conforme o caso. Alguns desses fatores, principalmente os biomecânicos, já estão bem estabelecidos. Além dos movimentos repetitivos, os fatores biomecânicos são representados pelo uso excessivo de força, posturas incorretas, vibração, falta de repouso e compressão mecânica de estruturas musculoesqueléticas. A presença de mais de um fator biomecânico numa determinada atividade aumenta o risco da instalação de uma afecção e compromete a recuperação funcional das estruturas comprometidas. A seguir, alguns exemplos de fatores biomecânicos que levam aos DORTs. or es P ost ur ais: • Fat ator ores Post ostur urais: – Flexão e extensão extrema do punho – levando a tenossinovite de extensores e flexores do antebraço; síndrome do túnel do carpo – em costureiras, cortadores; – Desvio radial ou ulnar do punho – levando à doença de De Quervain – em costureiras, cortadores, lavadeiras; – Elevação do braço acima do nível do ombro; abdução e flexão prolongada do ombro – levando à síndrome do desfiladeiro torácico; tendinite do ombro – em motoristas de caminhão, estoquistas, estivadores; – Flexão extrema do cotovelo – levando à síndrome do túnel cubital – em trabalhadores em bancadas, telefonistas; – Rotação do antebraço – levando a epicondilites lateral e medial – em trabalhadores em linha de montagem, em torção com uso de alicate, eletricistas, tenistas, golfistas, azulejistas. A t orça: • iv idades que E Exx ig igeem F Força: – Fricção de tesoura ou ferramentas na face lateral do dedo – levando à compressão de nervos digitais – costureira e estoquistas; – Preensão com força exagerada na palma das mãos de instrumentos com quina dura – levando à tenossinovite estenosante (dedo em gatilho) – em frentistas de posto de combustíveis; – Força aplicada com o punho em flexão – levando à compressão do nervo ulnar no canal de Guyon – em carpinteiros, pedreiros. m que Há Ele • Ativ idades eem Elevvada rreepetit itiiv idade: – Movimentos repetitivos em linha de montagem – levando à tenossinovite dos flexores e/ou extensores das mãos, tendinite umeral – em cortadores, polidores, moedores; – Movimentos repetitivos das mãos – levando à síndrome do túnel do carpo, tenossinovite das mãos – em datilógrafos, digitadores, músicos, empacotadores. Há evidências de que fatores psicossociais estejam envolvidos na etiologia dos DORTs e de lombalgias ocupacionais. Os fatores psicossociais, segundo a Organização Mundial de Saúde e o Órgão Internacional de Trabalho, estão relacionados ao ambiente de trabalho, ao ambiente fora dele e ao indivíduo. A interação dos três afeta o bem-estar e o desempenho no trabalho, assim como agrava a condição psicológica. Em relação ao trabalho, a expressão fatores psicossociais é freqüentemente utilizada para se referir a questões específicas, como falta de autonomia, pressão de trabalho aumentada, dificuldade de relacionamento interpessoal. Além dos fatores biomecânicos e psicossociais, existem os fatores ligados à organização do trabalho, aspec- DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO tos psicológicos individuais, contextos sociais e econômicos que são temas de grandes discussões e teorias, reforçando a complexidade do estudo do homem como um ser que interage com o ambiente e com os semelhantes a ele. Fisiopatologia dos DORTs As substâncias liberadas pelos microtraumatismos teciduais e o acúmulo de catabólitos gerados pela atividade muscular e durante os fenômenos isquêmicos (bradicinina, prostaglandinas, serotonina, íons potássio, histamina, radicais ácidos, fator de necrose tumoral, entre outros) exercem atividades algiogênicas, sensibilizam e excitam os nociceptores. Os potenciais de ação induzidos nos aferentes primários, por mecanismos reflexos, liberam retrogradamente neurotransmissores com atividade vasodilatadora e mediadora da inflamação, como substância P, peptídeo relacionado à calcitonina, neuroquinina A e B e outros neuropeptídeos. Esses neurotransmissores ativam os macrófagos e outros leucócitos, células de Schwann e fibroblastos e ocasionam o fenômeno da inflamação neurogênica. O sistema nervoso neurovegetativo simpático, hiperativo em condições de estresse e da dor aguda e sob ação da bradicinina, libera noradrenalina e prostaglandina que sensibilizam os nociceptores. A sensibilização dos nociceptores pelas substâncias algiogênicas, a inflamação neurogênica e a hiperatividade neurovegetativa simpática contribuem para o agravamento e a manutenção do ciclo vicioso dor-espasmo-inflamaçãoespasmo-dor. No SNC, os neurônios são ativados e sensibilizados pela ação de neurotransmissores liberados pelos aferentes primários. A sensibilização das unidades neuronais na medula espinal, no tálamo e nas áreas envolvidas no comportamento psíquico gera deformações plásticas que as tornam hipersensíveis a estímulos que, em situações normais seriam insuficientes para deflagrar sensações dolorosas, traduzidos clinicamente por alodínea, hiperalgesia secundária, ampliação da área de referência de dor e aumento da sensação dolorosa. Secundariamente, ocorre imobilismo e hipofunção do sistema supressor de dor e, reflexamente, devido à aferência dolorosa, sensibilização dos neurônios sensitivos do corno posterior da medula espinal. São ativados, então, interneurônios que ativam motoneurônios da substância cinzenta do corno anterior da medula espinal que, por sua vez, acionam unidades musculares, resultando em compensações posturais e hiperatividade muscular (espasmo com tensão contínua, sem relaxamento) e instalação de síndromes dolorosas miofasciais. A ativação concomitante de neurônios da coluna intermediolateral da DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO medula espinal causa hiperatividade neurovegetativa, e esta sensibiliza os nociceptores, agravando a dor. As afecções neuropáticas decorrem, em geral, da compressão dos nervos periféricos em áreas em que há estreitamento anatômico dos canais onde trafegam, como ocorre em inflamações das bainhas tendíneas, em casos de cistos sinoviais, hipertrofia muscular (compressão do nervo mediano entre os dois ramos do músculo pronador redondo), alterações anatômicas primárias ou decorrentes de traumatismos e vícios de postura. Após a lesão de nervos periféricos, surgem atividades ectópicas neuronais, que aumentam na primeira semana e decaem progressivamente. Correntes efáticas (curtos circuitos) parecem ocorrer entre fibras sensitivas motoras, neurovegetativas nos neuromas de amputação das fibras nervosas em degeneração. Concomitantemente, surgem alterações anatômicas nos gânglios dos nervos sensitivos e nas projeções centrais das raízes nervosas. Há evidências de que, em casos de dor neuropática periférica, exista participação concomitante de mecanismos centrais e periféricos. Há hiperatividade neuronal no corno posterior da medula espinal e, tardiamente, no tálamo contralateral à lesão das raízes nervosas. A desinibição das vias nociceptivas e a excitação das sinapses centrais estão envolvidas no mecanismo de hiperatividade neuronal nas células da medula espinal. Os produtos da degradação neuronal, durante o processo de degeneração, e a proliferação das células gliais alteram a constituição bioquímica do meio ambiente na medula espinal, resultando em hiperatividade neuronal segmentar e em expansão do campo receptivo dos neurônios espinais e talâmicos. Havendo neuropatias, os neurônios predominantemente excitados pelos estímulos nociceptivos passam a reagir também a estímulos de baixa intensidade. O comprometimento das conexões sinápticas normais, o aumento do número de receptores da membrana neuronal, o aumento das dimensões dos botões remanescentes, o aumento do volume celular e da superfície dos dendritos proximais justificam a hipersensibilidade por desnervação segmentar em neuropatias periféricas. A síndrome dolorosa miofascial caracteriza-se pela ocorrência de dor e aumento da tensão dos músculos afetados. Sua fisiopatologia é controversa. É disfunção localizada, secundária à contração muscular isométrica prolongada, repetição de movimentos, posturas inadequadas e/ou estresses psíquicos. Essas condições geram acúmulo de substâncias algiogênicas e anormalidades circulatórias, caracterizadas, fundamentalmente, pela isquemia nos músculos acometidos. 403 O espasmo muscular compromete o suprimento sangüíneo devido à compressão vascular e conseqüentemente a oferta de energia para acionar a bomba de Ca++ torna-se insatisfatória e o relaxamento muscular é bloqueado. O acúmulo de substâncias algiogênicas agrava o ciclo vicioso de dor-espasmo muscular-dor. O espasmo muscular reflexo decorre da sensibilização dos neurônios sensitivos na substância cinzenta do corno posterior da medula espinal e da ativação dos interneurônios que, por sua vez, acionam os motoneurônios do corno anterior da substância cinzenta da medula espinal. A sensibilização dos neurônios de coluna intermédio-lateral é causa de anormalidades neurovegetativas reflexas. A sensibilização neuronal na medula espinal é causa da instalação dos pontos-gatilho. O desequilíbrio entre a demanda e a necessidade metabólica predispõe à fadiga muscular e ao comprometimento do desempenho funcional. Parece haver predisposição individual para o desenvolvimento de síndromes dolorosas crônicas. A intensidade da dor, da inflamação, da fadiga e da incapacidade funcional nos doentes com DORT depende da interação de vários fatores representados principalmente pelo tempo de evolução da doença, natureza das estruturas envolvidas, manutenção dos mecanismos geradores das lesões, resposta aos procedimentos terapêuticos apropriados ou inapropriados, perfil biopsicossocial dos doentes, incluindo as atitudes ativas ou passivas de enfrentamento das doenças, perdas, interesses e ganhos secundários. Diagnóstico 404 O diagnóstico de DORT é essencialmente clínico. Depende da história clínica bem elaborada (enfatizando informações sobre ocorrência de dor, déficit, incapacidades e antecedentes pessoais), do exame físico cuidadoso, da avaliação dos fatores psicossociais e da anamnese ocupacional detalhada. O ideal seria o conhecimento do local de trabalho e a observação direta da atividade realizada pelo doente. Deve-se solicitar ao indivíduo que reproduza os gestos e as posturas assumidas durante a realização das tarefas no trabalho e também em casa. Deve ser investigada a existência de outros fatores concorrentes, tais como doenças metabólicas ou reumáticas, condições das atividades fora do ambiente profissional, ocorrência de afecções associadas, prática de esportes e hábitos de lazer. Como as repercussões biopsicossociais dos DORTs são inúmeras, estes distúrbios requerem enfoque amplo e multidimensional e, portanto, o diagnóstico das condições psicológicas e sociais daquele indivíduo. Os exames subsidiários não possuem grande valia para o diagnóstico, apenas complementam o raciocínio clínico e podem, quando mal interpretados, gerar diagnósticos incorretos. A precisão e o detalhamento diagnóstico dos DORTs permitem estabelecer programas terapêuticos, reabilitacionais e preventivos de novas lesões, específicos para o indivíduo. Por isso, é imperioso o conhecimento das estruturas do aparelho locomotor acometidas, da natureza das lesões (inflamatórias, compressivas, degenerativas), da fisiologia e biomecânica do movimento. O médico do trabalho, conhecendo o tipo de afecção da qual aquele indivíduo é acometido e as condições em que esse indivíduo realiza seu trabalho, é capacitado para estabelecer o nexo entre a afecção e o trabalho. O estabelecimento do nexo causal, bem como a caracterização daquela afecção como DORT, significa que o trabalho é seu fator causal, mas não necessariamente o único desencadeante ou mantenedor. No Brasil, em termos legais, para efeito de afastamento e recebimento de benefícios, há necessidade de que o médico perito do INSS reconheça a existência do nexo causal e caracterize as afecções como DORT. Caracterização Clínica dos DORTs História Os doentes com DORT geralmente queixam-se de dor, dormência, parestesias, sensação de peso e fadiga nos membros superiores e região cervical, podendo ocorrer dor na região dorso-lombar e nos membros inferiores insidiosamente. As queixas podem não traduzir exclusivamente a dimensão das lesões; o ciclo auto-alimentador de dor-inflamação-espasmo-dor induz, perpetua e/ou agrava os sinais e sintomas dos DORTs. A dor pode ser localizada, referida ou generalizada, superficial ou profunda, de origem somática, neuropática e/ou psicogênica. Quando resultante do acometimento de estruturas musculoesqueléticas profundas, é vaga e descrita como peso, pressão, queimor, latejamento ou tensão exagerada. É freqüentemente referida em estruturas distantes daquelas comprometidas. A dor neuropática é descrita como queimor, formigamento ou choques e pontadas em áreas em que a sensibilidade, a motricidade e as funções neurovegetativas estão alteradas. A dor psicogênica é rara nos doentes com DORT. Entretanto, na dor crônica, anormalidades psicoafetivas contribuem significativamente para o agravamento e a manutenção da dor. Depressão, angústia, ansiedade, insegurança, desconfiança e medo são freqüentemente DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO observados. Os doentes vivenciam situações de extrema dificuldade no ambiente de trabalho e nos círculos familiares e sociais. As atividades de vida diária, o lazer, o sono e o apetite tornam-se significativamente comprometidos em decorrência da dor, das alterações psicoafetivas, das manipulações e das iatrogenias induzidas durante os procedimentos terapêuticos. A dor e as suas repercussões passam a ser razões de sua existência, distanciam-se progressivamente da possibilidade de recuperação e de reabilitação profissional e social, prolongam o período de afastamento e impossibilitam o retorno ao trabalho, gerando incerteza em relação ao futuro. Exame Físico Em todo doente que apresente história clínica sugestiva de DORT, o exame físico geral, com ênfase no aparelho locomotor, sistema nervoso e do psiquismo, deve ser realizado. É importante que o exame seja sistematizado: inspeção, palpação, avaliação da amplitude dos movimentos (ADM) passivos e ativos, avaliação de sensibilidade e da força, assim como realização dos testes específicos. Afecções Musculoesqueléticas Cervicalgias A causa mais comum de anormalidades cervicais relacionadas ao trabalho é a sobrecarga muscular estática que resulta de posturas inadequadas e sustentadas, além de estresses psicológicos. A dor cervical e no ombro é quase tão comum quanto a lombalgia, e é representada por grande variedade de afecções, predominando as síndromes dolorosas miofasciais. Nessas situações, ocorre solicitação de músculos envolvidos para suporte de carga na região cervical e na cintura escapular (trapézio, elevador da escápula, rombóide) que atuam com intenso componente estático. díneas, levando a reações inflamatórias e predisposição para ocorrência de tendinopatias. Em algumas regiões do corpo, a circulação depende dos ângulos do deslocamento articular, podendo-se comprimir o tendão, prejudicando o seu suprimento sangüíneo. No ombro, flexão acima de 60º reduz o aporte de sangue no tendão do músculo supra-espinhoso e acarreta isquemia crônica. A ausência de períodos suficientes de recuperação para que as estruturas possam voltar ao seu estado de homeostase normal, após o seu uso prolongado e repetido, contribui para o aparecimento de lesões. A inflamação é uma reação protetora com finalidade de iniciar a reparação tecidual; entretanto, quando crônica, pode ocasionar anormalidades indesejáveis e irreversíveis. Lesões do Manguito Rotator As tendinopatias e lesões do manguito rotator nos ombros causam dor regional, principalmente durante a realização de certos movimentos como abdução, rotação externa e elevação do membro superior, que se irradia para a região escapular ou braços. Além de gerar incapacidade funcional, podem resultar na instalação da capsulite adesiva (ombro congelado) ou síndrome ombro-mão (distrofia simpático-reflexa, ou síndrome complexa de dor regional), entre outros. A tendinite da bainha dos rotatores é observada em trabalhadores atuando em linhas de montagem e/ou que trabalham com abdução ou flexão mantida dos braços, repetindo os movimentos com força. Tendinite Bicipital A tendinite bicipital pode ser primária, devido a traumatismos diretos e indiretos do ombro, exercícios excessivos ou repetitivos do braço ou, mais freqüentemente, secundária à lesão da bainha dos rotatores. Caracteriza-se por sensação de peso ou de dor localizada nas proximidades da pequena tuberosidade do úmero e na face anterior do braço. Tendinites/Tenossinovites Epicondilites Os músculos e tendões trabalham como uma unidade funcional. Portanto, na maioria dos casos nos quais há tendinite, ocorre que o músculo também é comprometido. A circulação sangüínea nos tendões é inversamente proporcional ao aumento da tensão muscular. À medida que aumenta o trabalho muscular, há redução da perfusão sangüínea e, como conseqüência, ocorre deformação e perda da capacidade tênsil dos tendões, do que resulta aumento da fragilidade estrutural, aumento da força de estresse em arrancamento nas junções mioten- A epicondilite caracteriza-se pela ocorrência de dor na região do epicôndilo lateral ou medial, na proximidade da inserção dos músculos extensores ou flexores. A dor pode ser desencadeada pela palpação da musculatura adjacente aos epicôndilos, pelos movimentos fortes e bruscos de prono-supinação com o cotovelo em flexão ou durante a movimentação das mãos e punhos. A epicondilite lateral decorre de movimentos repetitivos com força do punho e antebraço, principalmente em atividade de extensão do punho e/ou pronação e supina- DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO 405 ção, alternadamente. A epicondilite medial decorre da execução de movimentos repetitivos de flexão de punho e de rotação do antebraço. Em caso de epicondilite medial, pode haver comprometimento do nervo ulnar e, em caso de epicondilite lateral, do nervo radial. Tenossinovite de De Quervain A tenossinovite de De Quervain decorre do espessamento do ligamento anular do carpo no primeiro compartimento dos extensores, por onde trafegam dois tendões: o longo abdutor e o extensor curto do polegar. Apresenta-se com dor de instalação insidiosa e sinais inflamatórios na apófise estilóide do rádio e, em alguns casos, crepitação durante a movimentação do polegar. A dor pode irradiar-se para o polegar, antebraço e cotovelo e acentuar-se com os movimentos do polegar. A manobra de Finkelstein gera dor intensa localizada na apófise do rádio e pode irradiar-se ao longo do trajeto dos tendões. Decorre de movimentos com desvio ulnar do punho (por exemplo o uso de tesouras etc.) e de movimentos associados ou não à supinação do punho (torção de roupas, por exemplo). Tendinite dos Flexores e Extensores dos Punhos e Dedos As tendinites dos flexores e extensores do punho e dos dedos são normalmente acompanhadas de outras afecções inflamatórias distais do membro superior e causam prejuízo funcional, principalmente da articulação do punho, dos dedos e das metacarpofalangianas. A tenossinovite ou tendinite dos flexores e dos extensores dos dedos e do punho é causada por movimentos repetitivos que decorrem do uso intensivo das mãos durante a execução de tarefas com ciclos pequenos, especialmente se combinados com a ação de preensão com força. Dedo em Gatilho É a dificuldade para extensão forçada do dedo, contra obstáculo, após sua flexão máxima, condição que gera sensação de ressalto e, freqüentemente, dor. Decorre da constricção da polia dos flexores, fenômeno que dificulta o deslocamento dos tendões e causa reação inflamatória. mentos como abdução, rotação externa e elevação do membro superior. Síndrome Dolorosa Miofascial (SDM) A SDM é uma afecção álgica do aparelho locomotor que acomete os músculos e suas fáscias. A SDM constitui condição primária e acompanha quase todas as condições álgicas. Os músculos mais comumente acometidos são os mm. extensores de punho e dedos, os mm. intrínsecos das mãos, m. trapézio, m. cutura escauplar e cervical entre outros. A dor originada nos músculos da parede torácica, como no músculo peitoral maior, a pseudo-angina de peito, é comum em indivíduos que executam atividades que exigem intensa sobrecarga, com os membros superiores em elevação e abdução, ou que manipulem as peças com as mãos. A cefaléia de origem cervical ou cervicogênica é outra condição que pode estar associada aos DORTs; é ocasionada por SDMs cervicais e/ou do segmento cefálico. Síndrome Fibromiálgica (SFM) É caracterizada pela ocorrência de dor generalizada, com duração superior a três meses, simetricamente distribuída nos quatro quadrantes do corpo e, em alguns doentes, tensão muscular mais intensa durante a manhã e no início da noite, fadiga, falta de energia, alteração na qualidade do sono, diminuição da resistência para atividades físicas, agravadas durante a execução de exercícios físicos, esforços mentais e ocorrência de estressores psicológicos. As anormalidades do sono são comuns e caracterizadas por dificuldade para iniciá-lo, despertar freqüente durante a noite, dificuldade para retornar a dormir, sono agitado e superficial, despertar precoce e sono não reparador. As cefaléias crônicas são também comuns nesses casos, geralmente diárias, muitas vezes intensas e freqüentemente tensionais, às vezes com características cervicogênicas. As anormalidades sensitivas múltiplas, ou síndrome de sensibilidade química múltipla, hipocondria com intolerância medicamentosa, ocorrem em muitos casos e associam-se à síndrome da fadiga crônica, além da síndrome do intestino e bexiga irritados. Bursites 406 Caracterizam-se pela ocorrência de processos inflamatórios nas bursas. As bursites localizam-se mais freqüentemente nos ombros e causam dor regional, principalmente durante a realização de certos movi- Neuropatias Várias neuropatias podem ser diagnosticadas em doentes com DORT, sendo a grande maioria de origem compressiva. DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO Síndrome do Desfiladeiro Torácico (SDT) A compressão de estruturas neurovasculares na região cervicobraquial é conhecida como síndrome do desfiladeiro torácico. Essas estruturas são representadas pelas veias e artérias subclávias e elementos do plexo braquial. A compressão pode estar situada no triângulo interescalênico, espaço costoclavicular e espaço subpeitoral menor. Variações anatômicas congênitas, fibromusculares e ósseas nesses espaços podem tornar os indivíduos susceptíveis ao desenvolvimento de SDT. Comumente, há compressão sintomática em indivíduos que adotam postura de ombros caídos ou exercem atividades como o transporte de cargas pesadas nos ombros, execução de tarefas com a cabeça ou membro superior elevado. Dor, parestesia e adormecimento, principalmente na face ulnar do braço, antebraço e mão, são sintomas predominantes em 90% a 95% dos doentes. A dor é, em geral, descrita como peso, latejamento, dolorimento e queimor. Os sintomas são normalmente intermitentes, variando de acordo com a postura e posição dos segmentos da região cervical e do membro superior; podem ocorrer também durante o sono. As atividades que implicam a elevação dos MMSS acima do ombro freqüentemente exacerbam os sintomas. As anormalidades vasculares incluem palidez e cianose distal, que se agravam durante o frio, intolerância ao frio e fenômeno de Raynaud. Claudicação vascular é incomum. A manobra de Adson, Allen ou Hausted e o teste de compressão costoclavicular podem ser positivos nestes casos, mas podem ser anormais em indivíduos assintomáticos. Síndrome do Pronador Redondo Decorre da compressão do nervo mediano distalmente à prega do cotovelo, entre os dois ramos musculares do músculo pronador redondo, fáscia do bíceps ou arcada dos flexores dos dedos. Dor espontânea na região proximal do antebraço e nos três primeiros dedos, indução de dor quando é realizada pronação do antebraço contra resistência com o punho firmemente cerrado, déficit da oponência do polegar e dos flexores dos três primeiros dedos e comprometimento sensitivo da eminência tenar podem ser constatados nestes doentes. Esta síndrome pode manifestar-se em doentes que executam movimentos repetitivos e força de prono-supinação ou quando há hipertrofia dos músculos do antebraço. Síndrome do Túnel do Carpo Decorre da compressão do nervo mediano no túnel do carpo. Devido ao espessamento do ligamento do car- DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO po, eleva-se a resistência ao livre trânsito dos flexores dos dedos que ali trafegam, gerando conseqüentemente, aumento do atrito entre os tendões e os ligamentos, do que resulta desenvolvimento de tenossinovite e tendinite. Observam-se dor e parestesias que acometem primordialmente a face palmar dos 1o, 2o e 3o dedos e a região tenar; impotência funcional, principalmente do oponente do polegar; positividade da manobra de Phalen, que consiste em flexão máxima dos punhos durante no mínimo um minuto, resultando na ocorrência dos sintomas da síndrome do túnel do carpo. Síndrome do Nervo Interósseo Posterior O nervo interrósseo posterior, ramo motor do nervo radial, pode ser comprimido entre as duas porções da cabeça do músculo supinador, causando síndrome caracterizada pela ocorrência de dor na região do epicôndilo lateral do úmero e terço proximal dorsal do antebraço na ausência de alterações sensitivas. Síndrome do Túnel Cubital Manifesta-se em indivíduos que apóiem o cotovelo em bancadas duras ou que executem flexão prolongada do cotovelo. Síndrome do Canal de Guyon Caracteriza-se pelo comprometimento do nervo ulnar no canal de Guyon, que é um espaço limitado lateralmente pelo osso pisiforme e medialmente pelo hamato no punho. Dor, parestesias, impotência funcional e amiotrofia dos músculos interósseos e lumbricais e, mais raramente, garra ulnar podem ser evidenciados nestes casos. Pode decorrer da pressão direta em alavanca de instrumentos desenhados ou utilizados inadequadamente. Distrofia Simpático Reflexa (DSR), Causalgia ou Síndrome Complexa de Dor Regional (SCDR) Caracterizam-se pela ocorrência de dor em queimor, latejamento ou peso e paroxismos de choque ou pontadas, associadas a alodínea, hiperestesia, hiperpatia, hiperalgesia, alterações vasomotoras e sudomotoras, comprometimento da função motora, amiotrofia, atrofia do tegumento, anexos, ossos e articulações, retrações musculotendíneas e fixações articulares. A distrofia simpático reflexa, ou SCDR tipo I, manifesta-se quando não há lesão nervosa e a causalgia, ou SCDR tipo II, manifesta-se quando há lesão parcial de um nervo ou de seus ramos principais. 407 408 Os vários componentes destas síndromes podem variar expressivamente entre os doentes, tendo como conseqüência numerosos padrões de apresentação. Classicamente, as SCDR evoluem em três fases: a alodínea aguda, caracteriza-se pela ocorrência de dor constante, alterações neurovegetativas e discrasias; a distrófica, caracteriza-se pela ocorrência de dor, alterações neurovegetativas mais expressivas que as da primeira fase e sinais incipientes de distrofia; na fase atrófica, prevalecem a atrofia e a limitação funcional do segmento acometido e a dor tende a reduzir de intensidade ou desaparece. Dependendo da magnitude do quadro clínico, do atraso no diagnóstico e da instituição do tratamento apropriado, pode ocorrer déficit funcional significante, muitas vezes irreversível, do membro acometido. Em doentes com DORT, não raramente a SCDR desenvolve-se após procedimentos como imobilizações prolongadas, cirurgias para descompressão dos tendões e dos nervos periféricos. Nestes casos, freqüentemente, as alterações neurovegetativas, sensitivas e motoras, não são muito significativas, mas a síndrome dolorosa miofascial exerce papel importante na geração ou manutenção da dor. A SCDR acarreta a adoção de um padrão auto-alimentador caracterizado por dorimobilização-edema-desuso-dor. Quando cronificada, limita a função motora, causa alterações tróficas irreversíveis, compromete o humor, o sono, o apetite e as atividades familiares, sociais e profissionais dos doentes. nos doentes com DORT o acometimento de mais de uma estrutura e por mais de uma afecção. A ocorrência concomitante de tendinites, síndromes neuropáticas e SDM exige terapêuticas específicas para cada uma delas. A identificação dos fatores que perpetuam ou agravam a dor e as incapacidades, como anormalidades posturais e psicocomportamentais, e dos fatores ambientais desfavoráveis é fundamental para o programa de reabilitação dos doentes com DORT. A reabilitação deve ser abrangente, e não dirigida unicamente para o segmento doloroso. Quanto mais precoce a instituição do programa de reabilitação, melhor o resultado do tratamento. A elaboração de estratégias básicas para o controle da dor, a modificação de hábitos e atitudes de enfrentamento dos processos dolorosos e dos conflitos cotidianos, o estímulo para o desenvolvimento de atividades lúdicas, físicas e culturais que melhorem a qualidade de vida, a readaptação das atividades físicas e a expansão das possibilidades de comunicação interpessoal, objetivando independência e autonomia dos doentes, são fundamentais para cumprir o compromisso de reabilitação. O tratamento em centros multidisciplinares de dor, que utilizam modelos de tratamentos multi e interdisciplinares, possibilita resultados mais satisfatórios e otimistas quanto à possibilidade de reinserção dos doentes com dor crônica na sociedade, no âmbito familiar, profissional e social. Estratégias para Tratamento e Reabilitação Tratamento Medicamentoso Em consonância com a necessidade da avaliação física, psíquica e social, o tratamento dos doentes com DORT obedece ao modelo da interdisciplinaridade e pressupõe a formulação individualizada de planos diagnósticos e terapêuticos. As intervenções realizadas em doentes com DORT não devem ter como objetivo único a eliminação completa da dor, principalmente naqueles indivíduos com dor crônica. Os recursos terapêuticos utilizados são variados e visam ao controle da dor, à recuperação e exploração do potencial remanescente da capacidade funcional, à recuperação da auto-estima e à reinserção do indivíduo no seu ambiente de trabalho, familiar e social. O objetivo final do tratamento deve ser a melhora da qualidade de vida e a reintegração social, ou seja, a valorização do indivíduo como cidadão, com deveres e direitos e o resgate da auto-estima, não apenas o alívio da dor e a reabilitação física. O diagnóstico e o tratamento dos DORTs devem ser instituídos precocemente, pois podem proporcionar resolução completa da condição nosológica. É comum Os medicamentos são um importante aliado na reabilitação, pois, além de possibilitarem o controle da dor e de suas repercussões, facilitam a participação ativa dos doentes nos programas de reabilitação. O uso de analgésicos e antiinflamatórios não hormonais (AAINHs) controla a dor e a inflamação. Devem ser utilizados em todos os indivíduos na fase aguda de dor e quadro inflamatório, e em alguns na fase crônica, principalmente quando apresentam crises de agudização da dor. Os miorrelaxantes mais utilizados são os de ação central como a ciclobenzaprina e a tizanidina. Os de ação periférica como o carisoprodol, em geral, estão associados aos AAINHs. Nos casos crônicos, devem-se associar os psicotrópicos como os antidepressivos e os neurolépticos, que contribuem para melhorar a analgesia e o relaxamento muscular, resgatando o sono, o apetite e o humor. Os antidepressivos mais administrados são a amitriptilina, a nortriptilina, a imipramina, a clorimipramina, a maprotilina, a venlafaxina e a duloxetina; são utilizados em dosagens geralmente inferiores às DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO utilizadas para tratar síndromes depressivas. Os anticonvulsivantes, como, por exemplo, a carbamazepina, a fenitoína, a gabapentina e o topiramato, também podem ser utilizados quando há neuropatias associadas. As fenotiazinas são recomendadas quando há importante componente emocional na dor ou na dor neuropática. As mais utilizadas são a clorpromazina, a propericiazina e a levopromazina. Os ansiolíticos devem ser evitados, pois propiciam dependência física, psíquica e tolerância, podendo ainda contribuir para piorar a depressão, a dor e a qualidade de sono. Os medicamentos devem ser administrados programadamente, e não apenas quando necessário. Em alguns doentes, a dor crônica pode ser tão intensa e incapacitante, comprometendo seriamente a qualidade de vida, que se torna necessário o uso de analgésicos mais potentes como os opióides. Tratamento Fisioterápico Os meios físicos, a reeducação postural, a cinesioterapia, a acupuntura e a inativação dos pontos gatilhos miofasciais, com técnicas de digitopressão, agulhamento seco ou infiltração com anestésicos locais, podem ser necessários para facilitar a execução de exercícios ou de outras atividades de fisioterapia, bem como de terapia ocupacional. Na fase aguda, a cinesioterapia deve respeitar o grau de lesão para não agravar a condição clínica. É fundamental a execução de exercícios de relaxamento e alongamento para reduzir a tensão, aumentar o grau de elasticidade das fibras musculares e o seu desempenho mecânico. Essas medidas habilitam o músculo a melhorar sua potência e o tornam mais resistente à fadiga. Exercícios de fortalecimento devem ser introduzidos nas fases mais adiantadas da reabilitação, com bom senso e gradualmente, para não reagutizar o processo inflamatório ou agravar a fadiga. Atividades de condicionamento cardiovascular e físicas globais devem ser estimulada a fim de ser manter a saúde e evitar a recorrência. O programa de manejo da dor e da incapacidade deve utilizar instrumentos que alertem os doentes quanto aos efeitos nocivos da inatividade e que esclareçam a importância e o benefício dos exercícios quanto à melhora da flexibilidade, da força e da função do aparelho locomotor, do condicionamento cardiovascular e respiratório, e do corpo como um todo. As atividades físicas são talvez uma das mais importantes recomendações para tratar e reverter os sintomas e anormalidades físicas ou psicológicas em doentes com dor crônica. O alongamento muscular procura devolver ao músculo fadigado e encurtado o seu comprimento de repouso, condição fundamental para que adquira sua potência máxima. DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO Disto resulta ser importante o exame do doente como um todo, e não apenas de uma mão, braço ou de um dedo. Acupuntura A acupuntura é muito útil para o tratamento de doentes com DORT. Costuma ser eficaz mesmo naqueles doentes que não se beneficiaram com os procedimentos fisiátricos tradicionais. As agulhas, quando aplicadas em pontos previamente selecionados, promovem relaxamento muscular e estimulam o sistema supressor de dor. Uso de Órteses Podem ser úteis na fase aguda, principalmente quando há artrite, artralgia, tendinite, tenossinovite inflamatória ou síndromes compressivas nervosas como a síndrome do túnel do carpo. A imobilização gessada deve ser evitada, pois pode acarretar amiotrofia e agravar a impotência funcional. As órteses devem ser utilizadas por menor tempo possível como, por exemplo, durante a realização das atividades domésticas e profissionais, e durante o sono, para evitar posturas viciosas ou movimentação de repetição de determinados segmentos do corpo, devendo ser removidas periodicamente para a execução de procedimentos de reabilitação como automassagem e cinesioterapia. Não há benefício no uso crônico, pois ela pode agravar a sensação de incapacidade, o descondicionamento, a dependência física e psicológica e a síndrome do desuso. Terapia Ocupacional A terapia ocupacional, a execução de atividades laborais e as simulações das atividades de vida diária devem ser programadas em escala progressiva, respeitando-se a melhora paulatina da flexibilidade e da força do segmento corpóreo acometido. Abordagem Ergonômica A correção dos fatores que desencadearam ou que perpetuam o quadro clínico é possível após a avaliação das condições ergonômicas e das situações de estresse nos ambientes de trabalho e no lar, buscando-se a reorganização do trabalho e das atitudes dos doentes durante a execução de suas tarefas. A reformulação das condições laborais, não apenas quanto aos aspectos ergonômicos como também psicossociais e emocionais, e a indução de independência e autonomia dos doentes com DORT são fundamentais para cumprir o compromisso da reabilitação. A redefi- 409 nição do significado da noção do limite e do conceito de incapacidade, retirando o estigma da incapacidade total, substituindo-o pelo conceito de restrição às atividades nocivas, é instrumento necessário para que os doentes vislumbrem possibilidades de recuperação. Situações aparentemente extrínsecas aos problemas de saúde propriamente ditos, como o suporte familiar e social, as condições financeiras dos indivíduos e de suas famílias, a receptividade, o apoio da empresa e a atitude previdenciária, interferem na evolução e no resultado do tratamento. Portanto, é necessário contemplar esses aspectos e construir parceria e relação de co-responsabilidade com os doentes durante o programa de tratamento e de reabilitação. Algumas vezes, é necessária a readaptação para outras funções, que deve ser avaliada sob a ótica da capacidade funcional do doente e dos riscos que oferece para agravamento das lesões. Para cumprir esta etapa, o condicionamento e o treinamento para executar outras atividades profissionais são essenciais. Outros Procedimentos Alguns doentes com quadro de síndrome complexa de dor regional podem apresentar melhora da sintomatologia por meio de alguns tipos de bloqueios do sistema nervoso periférico, como o bloqueio anestésico do gânglio estrelado simpático, bloqueio regional de Bier com guanetidina, infusão endovenosa de lidocaína, cateter peridural de fármacos com anestésico associado ou não a morfina e/ou bloqueador (como a clonidina), entre outros procedimentos. A finalidade desses bloqueios é a obtenção de analgesia que pode durar de horas a dias, facilitando a realização de cinesioterapia, manipulação e outros procedimentos de reabilitação. A estimulação elétrica da medula espinal ou do encéfalo pode ser necessária para controlar a dor neuropática e as anormalidades neurovegetativas associadas. O implante de bombas destinadas à infusão de fármacos analgésicos no SNC pode ser útil em casos de dores por nocicepção e/ou por desaferentação rebeldes. to à estabilidade no trabalho e às perspectivas futuras. Crenças inadequadas e, especialmente, o medo e evitações com relação às atividades físicas e aos exercícios são as maiores barreiras à reabilitação. A atitude da equipe deve ser polida, esclarecedora, evitando informações contraditórias ou catastróficas. A psicoterapia de apoio individual ou em grupo, as técnicas de relaxamento, o biofeedback, a hipnose e as técnicas não convencionais como a biodança, a ioga, o tai chi chuan parecem ser úteis. As estratégias cognitivo-comportamentais são úteis para melhorar anormalidades afetivas não passíveis de controle farmacológico ou para auxiliar esse controle, além de proporcionar mudanças na cognição e no comportamento dos doentes com dor crônica. Tratamento: o Modelo Biopsicossocial e os Programas Multidisciplinares Os programas multidisciplinares de tratamento da dor passaram a se desenvolver após a aceitação da interação biopsicossocial em doentes com dor crônica. O modelo biopsicossocial demonstra que a experiência da dor pode ser induzida ou agravada por transtornos psicológicos via mecanismos modulatórios sediados no SNC. Desta forma, apenas a remoção das causas das lesões não deve ser mais aceita como suficiente para tratamento da dor crônica. Os programas multidisciplinares mais avançados utilizam grande gama de intervenções cognitivocomportamentais e outras ações como medicina física, fisioterapia e terapia ocupacional. O objetivo é melhorar o condicionamento e o desempenho físico, minimizar os estressores ambientais, os aspectos psicossociais e as estratégias de enfrentamento. Os métodos cognitivo-comportamentais de tratamento de dor objetivam tratar a dor e as expressões do sofrimento ao modificar a percepção e a cognição da dor e das incapacidades associadas. A modificação do comportamento dos doentes pode reduzir a dor e maximizar a colaboração deles com a reabilitação. Programas Educativos Cognitivo-Comportamentais Abordagem Psicológica 410 A atenção para com os aspectos psicossomáticos é muito importante na reabilitação dos doentes com dor crônica. Os doentes, em geral, são ansiosos e deprimidos, freqüentemente mantêm posturas inadequadas e os músculos em estado de tensão permanente, mesmo fora do ambiente do trabalho. Muitos sentem-se inseguros quanto ao retorno às atividades e amedrontados quan- A educação é aparentemente a estratégia mais eficaz na prevenção e mesmo no tratamento das mais variadas doenças crônicas, incluindo as musculoesqueléticas. Os programas educativos cognitivo-comportamentais foram criados para estimular a elaboração de estratégias básicas para o controle da dor, a modificação dos hábitos e atitudes de enfrentamento dos processos dolorosos e dos conflitos cotidianos, o desenvolvimento de DOR: MANUAL PARA O CLÍNICO atividades lúdicas, físicas e culturais, a melhora da qualidade de vida, a readaptação à atividade física regular e a expansão das possibilidades de comunicação entre os indivíduos. Oferecem informações que aumentam a autoeficácia dos doentes, aprendizado de novas habilidades; compartilhamento de experiências; esclarecimento sobre a fisiologia e a funcionalidade do organismo e saúde mental, entre outros temas. Há evidências de que alguns desses programas modificam as respostas de enfrentamento e são eficazes, pelo menos parcialmente, em induzir mudanças na reação dos indivíduos diante de problemas relacionados à dor. Bibliografia Consultada 1. Arnstein PM, Caudil M, Wells-Federman CL. 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