artes visuais no brasil no contexto da campanha de canudos
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artes visuais no brasil no contexto da campanha de canudos
ARTES VISUAIS NO BRASIL NO CONTEXTO DA CAMPANHA DE CANUDOS – DA REPÚBLICA AO PRÉ-MODERNISMO Jadilson Pimentel dos Santos UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas [email protected] Resumo A guerra fratricida daqueles confins dos sertões pôs Canudos e Conselheiro em todas as pautas noticiosas, sendo o evento e o personagem mais divulgados. Nesse sentido, artistas diversos tais como: Angelo Agostini, Antônio Bernardes Pereira Neto, Manoel Lopes Rodrigues, dentre outros, executaram vários desenhos e charges. Habitantes do Rio de Janeiro, sequer conheciam as realidades dos sertões. Os únicos artistas que estiveram no local do famigerado conflito, e que tiveram a missão de cobrir com imagem a Guerra de Canudos foram apenas dois fotógrafos: Gutierrez, morto no front de combate, e Flávio de Barros, autor das mais conhecidas imagens da guerra que chegaram aos nossos dias. Os demais artistas sequer davam importância para esses temas, pois eram extremamente afeitos às tipologias iconográficas da república. Entre esses artistas, o uso da alegoria feminina, que era uma constante, enfocava valores tais como: apreço pela humanidade, pátria e família, sendo que a república era a forma ideal de organização da pátria. Baseado em desenhos, pinturas e recortes jornalísticos, este trabalho intenta discorrer sobre algumas das obras artísticas produzidas no contexto histórico da Guerra de Canudos, de modo a revelar e divulgar esse legado visual que se encontra cada vez mais ameaçado e esquecido. Palavras-chave: Antônio Conselheiro, Campanha de Canudos, Jornais Ilustrados. Resúmen La guerra de los sertón puso Canudos y Conselheiro en todas las agendas de noticias como el evento y el personaje más publicitado. En este sentido, varios artistas como Angelo Agostini, Antônio Pereira Bernardes Neto, Manoel Lopes Rodrigues, entre otros, realizaron varios dibujos y dibujos animados a la distancia. Habitantes del Río de Janeiro, no conocían la realidad de las tierras del interior. Los únicos artistas que estaban en el lugar del conflicto infame, y que tuvieron la tarea de cubrir la guerra, eran dos fotógrafos: Gutiérrez, muerto en el frente de lucha, y Flávio de Barros, autor de las imágenes de la Guerra de Canudos. Los otros artistas brasileños no dieron importancia a estas cuestiones y como eran, sin embargo, muy acostumbrados a los tipos iconográficos de la República positivista, merecen una referencia aparte. Entre los artistas del positivismo el uso artístico de la alegoría femenina era una constante y se basaba en un sistema de interpretación del mundo de la república cuyos valores positivistas, como agradecimiento por la humanidad, patria y familia era la manera ideal de país organizado. Modelada a partir de informaciones adquiridas en libros, documentos e imágenes fotográficas. El presente artículo tiene como objetivo analizar sobre las obras artísticas producidas en el contexto histórico de la Guerra de Canudos, a fin de rescatar la memoria del patrimonio del sertón de Canudos, que en el correr de los tiempos ha sido olvidado. Palabras clave: Antonio Conselheiro, Campaña de la Guerra de los Canudos, Periódicos Ilustrados. No concernente ao panorama das artes visuais no Brasil, até a década de 80 do século XIX, a produção artística tinha se mantido dentro dos limites do neoclassicismo e do romantismo. Entre 1880 e 1920, houve, sem sombras de dúvidas, entre os artistas brasileiros, um desejo de atualização, os quais absorveram os movimentos que a Europa, e em especial a França, haviam formulado ao longo do século XIX – o realismo, o impressionismo e o simbolismo – e no início do XX, as primeiras vanguardas históricas. Salvo algumas exceções, a produção artística desta geração é muito heterogênea, tanto formal quanto tematicamente, sendo que alguns artistas não se filiam estritamente a um movimento e dialogam com desenvoltura num extenso terreno de possibilidades das linguagens. De acordo com Pereira (2011, p.70), tanto no Brasil quanto na Europa, a versatilidade estilística dos artistas desse período tem origem num fato, que parece estar sendo desprezado pelos estudiosos: a importância das tipologias, isto é, as soluções de compromisso entre tema e forma, que eram sugeridas pelos grandes mestres e que passaram a construir a tradição artística ocidental. Ainda conforme a autora, o grande objetivo das artes plásticas desde o Renascimento era contar história, ou seja, a sua função narrativa. Sendo assim, cada tema apresentava um caráter específico, com suas exigências iconográficas e a necessidade de construção de um clima emocional adequado à história narrada. Do ponto de vista da prática artística - e o ensino acadêmico estava particularmente atento a esse fato -, as escolhas dos artistas eram muito mais tipológicas do que estilísticas. Isto explicaria por que os artistas dessa geração apresentam esse comportamento eclético num repertório de tipologias compositivas: o estilo seria escolhido em função da sua adequação ao tema e à função, apoiando-se num repertório de tipologias compositivas sugeridas pela tradição europeia. O período de passagem do século XIX para o XX, tomado pelo esforço de atualização estética nas artes e pelo ímpeto de modernização no urbanismo, fecha-se nos anos 1920, quando novas condições políticas e econômicas começam a se delinear. Por outro lado, muitos artistas dessa época, seguindo a corrente realista em sua temática do cotidiano e o caráter descritivo do ambiente e dos objetos, registram, na maioria das vezes, cenas da sociedade burguesa. Assim, para muitos críticos e historiadores da arte, o legado artístico-visual da segunda metade do oitocentos estava imerso numa alienação generalizada. Muitos só tinham olhos para copiar 436 modelos franceses, sendo que somente poucas exceções se salvavam dessa abordagem. Já enquanto técnica, a litografia, além de muitas outras, foi muito empregada nas ilustrações de jornais e revistas, que aumentaram de número e qualidade de impressão ao longo do século XIX. A revista Semana Ilustrada, por exemplo, foi editada durante 16 anos, de 1860 a 1876, pelo alemão Henrique Fleiuss, estabelecido no Rio de Janeiro desde 1858. Uma feição característica desses periódicos ilustrados era a presença de caricaturas e charges que circularam sobremaneira. Nestas modalidades convém destacar dois artistas: Angelo Agostini e Pereira Neto, que representaram, através de sua pena, na época da grande guerra dos sertões, Antônio Conselheiro, Canudos e um vasto repertório visual dos fatos e sujeitos envolvidos no conflito. Os melhoramentos técnicos possibilitaram o desenvolvimento dessas técnicas, que passaram a ocupar cada vez mais a cultura visual do período. A fotografia também teve enorme expansão nesse momento, sendo utilizada em vários tipos de registros: dos retratos às paisagens, das expedições científicas às obras de modernização (Pereira, 2011 p. 50). Com a proclamação da República, em 1889, um dos elementos marcantes do seu imaginário foi o uso da alegoria feminina para representá-la, moda muito em voga na França. Os republicanos brasileiros de orientação francesa tinham grande riqueza de imagens e símbolos em que se inspirar. O esforço inicial foi feito pelos caricaturistas da imprensa periódica, a grande maioria simpática à República e que apresentaram tipologias femininas antes mesmo do 15 de Novembro, como se pode notar em obras de Ângelo Agostini1. A partir de 16 de novembro de 1889, Pereira Neto2, também da Revista Illustrada, continuou por 1 Ângelo Agostini chegou a São Paulo em 1858 e estabeleceu-se no Rio de Janeiro em 1867, participando de várias publicações, entre elas a Revista Ilustrada, que circulou de 1876 a 1898: em vários números de 1879, Agostini faz uma extensa crítica à XXV Exposição Geral de Belas Artes, aberta de março a maio de 1879, em que a grande polêmica na imprensa girou em torno das duas grandes pinturas de batalhas expostas – a Batalha dos Guararapes de Vitor Meireles e a Batalha do Avaí de Pedro Américo – na tentativa de determinar qual delas seria a melhor (OLIVEIRA, 2006: 104). 2 Antônio Bernardes Pereira Neto foi professor desenhista, litógrafo e caricaturista, Morreu no Rio de Janeiro em 1907. Trabalhou na Revista Illustrada que foi um periódico de circulação semanal, com cerca de oito paginas. Em seu interior as imagens humorísticas ocupavam o mesmo numero de paginas dos textos (quatro para textos e quatro para desenhos). Além de Agostini e Pereira Neto, colaboraram na Revista os caricaturistas Antonio Bernardes, Bento Barbosa e Hilarião Teixeira. Entretanto, até o ano de 1888, a maior parte dos desenhos 437 vários anos a reproduzir a imagem feminina, vestida à romana, com barrete frígio, descalça ou de sandálias, geralmente com uma bandeira em uma das mãos (Figura 01). Às vezes, a figura feminina ia adquirindo um aspecto belicoso, sendo, no geral, a belicosidade indicada apenas por uma espada, como na charge de número 729 de 1897 da Revista Illustrada (Figura 02), em que a República saúda os mortos na Campanha de Canudos ou no número 734 de 1897 (Figura 03), em que a Revista Illustrada faz uma homenagem aos vencedores de Canudos. No mais as representações permaneciam dentro do modelo clássico. Todavia, já no começo do século, esses mesmos artistas, sobretudo os da imprensa, começam a ridicularizar o novo regime, pela caricaturização da representação da mulher, não se afastando do modelo estabelecido pela Revista Illustrada. publicados foi de autoria de Agostini, que, aos 32 anos de idade, na condição de proprietário assumiu a responsabilidade também pela editoria, e pelas partes comercial e empresarial. Dentre os periódicos do final do século XIX, foi o que teve o maior tempo de circulação, de 1876 a 1898, com uma breve interrupção entre outubro de 1893 e novembro de 1894, totalizando 739 edições (OLIVEIRA, 2006: 104). Uma trajetória marcada de significativas oscilações que contribuíram tanto para o êxito como para os insucessos da Revista (OLIVEIRA, 2006: 104). 438 Figura 01: “Glória à pátria” Pereira Neto, Revista Illustrada, 16/11/1889. Fonte: Fundação Biblioteca Nacional 439 Figura 02: A República saúda os mortos na campanha de Canudos Pereira Neto, Revista Illustrada, 1897. Fonte: Fundação Biblioteca Nacional. 440 Figura 03: Homenagem aos vencedores de Canudos Pereira Neto, Revista Illustrada, 1897. Fonte: Fundação Biblioteca Nacional. 441 Os artistas que foram extremamente afeitos às tipologias iconográficas da República foram os positivistas, os quais merecem uma referencia à parte. Conforme Carvalho (2009, p.81), entre esses sujeitos do positivismo artístico, o uso da alegoria feminina se baseava em um sistema de interpretação do mundo do qual a república era apenas parte, embora importante, e no qual evocavam-se valores positivistas tais como: apreço pela humanidade, pátria e família, sendo que a república era a forma ideal de organização da pátria e mulher representante ideal da humanidade. Os pintores, excetuando-se os positivistas, praticamente ignoraram o simbolismo feminino na representação do novo regime. O único quadro que talvez mereça referência é o do baiano Manuel Lopes Rodrigues3, intitulado Alegoria da República (Figura 04). Datada de 1896, essa obra foi executada em Roma, onde o pintor se encontrava, nesse período. Nessa obra em questão, nota-se que, mesmo o artista tendo executado sua factura baseando-se em modelo vivo, não foge, por outro lado, à estilização dos caricaturistas. No mais, a influência clássica domina a obra: os louros, as palmas, a espada, a cabeça da Medusa no medalhão, dentre outros. A República não chegou a produzir uma estética própria, nem buscou redefinir politicamente o uso da estética já existente, como fizeram os artistas na França. Os positivistas foram um caso isolado. A pintura histórica e demais vertentes continuaram nos mesmos moldes que já eram utilizados por artistas como Pedro Américo, Vítor Meireles, etc. De modo geral, a pintura de cunho histórica perdeu terreno após a proclamação do novo regime. Os poucos quadros cívicos que foram produzidos limitavam-se à tentativa de criar heróis republicanos, como no caso de Marechal Deodoro e Prudente de Moraes, ou de cantar loas às novas instituições. Com o passar do tempo, e bem depressa, os caricaturistas já não cantavam a personificação da república, pelo contrário passam a ridicularizá-la. 3 Manoel Lopes Rodrigues nasceu em 31 de dezembro de 1859 ou 1860. Era filho e discípulo de João Francisco Lopes Rodrigues (1825 – 1893), também pintor muito conceituado. Manoel integrou a chamada Escola Baiana de Pintura do século XVIII e XIX. Autor de alguns desenhos sobre os eventos de Canudos e publicados originalmente em O Álbum. Uma de suas pinturas mais conhecidas é A República, de 1896, em exposição no Museu de Arte da Bahia. Foi para o Rio de Janeiro em 1882, sendo pensionista do Imperador e do Governo Republicano, desde 1890 (PIEDADE, 2002, p. 258). 442 Figura 04: Alegoria da República, 1896. MANUEL L.R (1861 – 1917): Óleo sobre tela, 230x120cm. Fonte: Museu de Arte da Bahia. 443 Contudo, essas imagens, que tardiamente passaram a circular, a partir de 1895, são litogravuras e, às vezes, xilogrvuras publicadas em periódicos nordestinos, que utilizaram, como ponto de partida, para a criação do retrato falado do profeta, o relatório do capuchinho Frei Evangelista do Monte Marciano que esteve em Belo Monte em maio, desse mesmo ano. Sabe-se que poucas imagens de Antônio Conselheiro chegaram aos nossos dias. Embora alguns fotógrafos e desenhistas a partir da segunda metade do século XIX, tivessem passado em incursões etnográficas registrando o Nordeste e alguns flagelados da grande seca de 1877, sobre o beato e o seu povo, pouco se sabe acerca de possíveis registros. Como as os documentos imagéticos que se preservaram foram aqueles articulados durante a Campanha de Canudos, muitas dessas representações estão sobrecarregadas de grande carga de intolerância, que beiram, por vezes, o etnocentrismo. Lê-se, constantemente, como título dessas imagens, frases provocativas e que desqualificam o trabalho do peregrino. Palavras como; fanático, megalomaníaco, o asceta, o messias esquálido, o inimigo da república, o psicótico místico, o líder político dos desvalidos e sem terra, dentre outras, as quais reafirmavam, sobremaneira, a forma de pensar de Euclides da Cunha (2003), quando este dizia: “seu único milagre: conseguia não se tornar ridículo, e ainda por cima realizava o absurdo de ser útil”. Reiterando o que diziam alguns intelectuais da época, bem como o relatório do frei italiano João Evangelista do Monte Marciano, também eivado de visões equivocadas, e de alguns padres contrários à atuação do beato, algumas frases de efeitos depreciativas vinham à baila, pois para estes, o articulador dos Canudos era um monomaníaco religioso, que soube ser útil e ocupar o vácuo do Estado e da Igreja nas caatingas, criando, com isso, uma nova ordem comunitária. A guerra fratricida daqueles confins dos sertões pôs Canudos e Conselheiro em todas as pautas jornalísticas, sendo o evento e o personagem mais divulgados. Nesse sentido, artistas diversos tais como: Angelo Agostini, Antônio Bernardes Pereira Neto, Manoel Lopes Rodrigues, dentre outros, executam seus desenhos, charges, etc., à distância, servindo-se apenas dos comentários, por vezes, depreciativos que circulavam nesses veículos de comunicação. Contudo, cabe ressaltar que a imprensa foi inundada por todo tipo de notícias referentes a Antônio Conselheiro e Canudos, pois era notória a existência de um fascínio geral pelas historias de “fanáticos religiosos” ensandecidos. O conflito invadia 444 não apenas editoriais e colunas, mas, também crônicas e histórias humorísticas. Pela primeira vez os jornais brasileiros estavam sendo usados com o intuito de criar um pânico generalizado. “Notícias sobre o Conselheiro apareciam constantemente, quase sempre na primeira página, marcando com isso, o primeiro acontecimento a ter cobertura diária na imprensa brasileira” (LEVINE, 1995, p.53 e 54). Os jornais mais efêmeros eram na verdade simples volantes satíricos e maldosamente provocativos. Na nascente República era comum a troca de insultos e críticas violentas entre editores monarquistas e republicanos. Algumas dessas injúrias eram cômicas. Muitos jornais imprimiam artigos falsamente atribuídos a Antônio Conselheiro – todos altamente sarcásticos. Em todo o Brasil, qualquer publicação referente ao Belo Monte ou ao Conselheiro vendia muito bem; por isso os editores rodavam quase tudo o que tivesse relação com o assunto. Autêntico ou não, o que interessava era estimular a circulação. Os jornais do país usavam episódios de Canudos para apresentar um novo tipo de reportagem sensacionalista nunca antes vista no país, que, apesar de contar com um jornalismo prolífico, gozava também da tradição de ter uma imprensa razoavelmente séria. REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Editora Martim Claret, 2003. GOMES, Sônia Pereira. Arte brasileira no século XIX. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2011. LEVINE, Robert M. O sertão prometido: o massacre de Canudos. São Paulo: EDUSP, 1995. PIEDADE, Amaro Lélis. Histórico e relatório do Comitê Patriótico da Bahia. Salvador: Portfolium Editora, 2002. 445