MEDIAÇÃO ED JUN 2005 COM CAPA.p65

Transcrição

MEDIAÇÃO ED JUN 2005 COM CAPA.p65
NÚMERO 1 • ANO I
ISSN 1808-2564
revista de educação do colégio medianeira
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Diretor
Pe. Raimundo Kroth, S.J.
Vice-diretor
Prof. Adalberto Fávero
Coordenador Administrativo e Financeiro
Gilberto Vizini Vieira
Coord. Comunitário e de Esporte e Cultura
Prof. Francisco Alexandre Faigle
Coordenação Editorial e Redação
Luciana Nogueira Nascimento
(MTB 2927/82v)
Nilton Cezar Tridapalli
Revisão
Nilton Cezar Tridapalli
Projeto Gráfico e Diagramação
Sonia Oleskovicz
Ilustração da Capa
Luiz Rettamozo
Seleção de Imagens
Nilton Cezar Tridapalli
Sonia Oleskovicz
Fotografias
Arquivo Medianeira e
Levis Litz
Colaboraram nesta edição
Adalberto Fávero, Angela Cristina
Raimondi, Júlio Schneider, Rosiclea
Mariano de Camargo, João Carlos de Oliveira,
Denilson Schena, Danielle Mari Stapassoli,
Martinha Vieira, Edilson Ribeiro, Laryssa
Titon, Mauro Michelotto Braga, Vilma Lenir
Calixto, Liliam Martinelli, Eliane Zaionc,
Suzana Braga Bertassoni, Roberta Uceda
Vieira, Elzério da Silva Júnior, Sérgio Luis
do Nascimento, Tânia do Rocio Andretta,
Luciane Hagemeyer, Leandro Guimarães.
(ilustrações) Luiz Rettamozo e Cláudio Kambé.
Tiragem
3.500 exemplares
Papel
Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo)
Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa)
Número de Páginas
60
CTP
SERZEGRAF
Impressão e Acabamento
SERZEGRAF
EQUIPE PEDAGÓGICA
Educação Infantil e Ensino
Fundamental de 1ª à 4ª séries
Coordenadora
Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro
Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries
Coordenadoras
Profª Eliane Zaionc (manhã)
Profª Carolina Queiroz Lopes de Araújo (tarde)
Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries
Coordenadora
Profª Liliam Maria Born Martinelli
Ensino Médio
Coordenador
Prof. Rudi Isidoro Rabuske
ISSN 1808-2564
revista de educação editada e
produzida pelo colégio medianeira
Aventura desenhada - os heróis de papel
Júlio Schneider .................................................................................................................. 6
Informática Educativa – Desafios e Horizontes
Rosiclea Mariano de Camargo e João Carlos de Oliveira ......................................... 12
100 anos da teoria da relatividade
Angela Cristina Raimondi ................................................................................................. 15
História: ciência que estuda o passado?
Denilson Schena ................................................................................................................ 19
A criança e a pesquisa:
a curiosidade como ponto de partida
Danielle Mari Stapassoli ................................................................................................... 23
Improviso (mas nem tanto),
em versos (mas nem tantos)
Martinha Vieira ................................................................................................................... 27
Educação e cultura solidária
Edilson Ribeiro ................................................................................................................... 30
Quem é esse viajante, quem é esse menestrel?
Laryssa Titon ....................................................................................................................... 34
... E a propósito do Fórum Social 2005...
Mauro Michelotto Braga .................................................................................................... 36
Por um olhar investigativo...
Vilma Lenir Calixto e Adalberto Fávero ......................................................................... 40
“Nosso cérebro não é xerox”
Entrevista com Pedro Demo ............................................................................................. 48
Entre um rosto e um retrato
Luciane Hagemeyer ........................................................................................................... 52
Coordenador de Pastoral
Prof. Edílson Ribeiro
Centro de Espiritualidade
Prof. Fernando Guidini
Comunicação e Marketing
Luciana Nogueira Nascimento
Os artigos publicados são de inteira
responsabilidade dos autores e não
refletem necessariamente a opinião dos
editores e do Colégio Nossa Senhora
Medianeira. A reprodução parcial ou
total dos textos é permitida desde que
devidamente citada a fonte e autoria.
Geografia na escola: (re)definindo caminhos
Leandro Guimarães ............................................................................................................ 57
Semente de educação entre os empobrecidos
Jesús Orbegozo, S.J. ........................................................................................................ 60
Poemas
Francisco Carlos Rehme ................................................................................................... 62
BR 476, Km 130, nº 10546
Prado Velho • Curitiba • Paraná
fone 41 3262-7511/ fax 41 3264-7272
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Parabenizamos a Diretoria e toda
a equipe pela excelente revista.
Sugerimos contato especial com
o Centro Pedagógico Pedro Arrupe de nossa Província e CEAP
e também com a AEC Nacional
para uma integração cada vez
maior entre nossas edições pedagógicas.
Pe. Paulo D’Elboux, S.J.
Colégio Santo Inácio
Rio de Janeiro/RJ
Quero agradecer pelos exemplares da revista Mediação,
que gentilmente nos foram enviados, e parabenizar toda a equipe pela bela publicação. Tratase de uma produção cuidadosa
com o seu conteúdo e apresentação. Bem sei do trabalho e do
significado de uma iniciativa
como esta, o que torna maior
ainda minha admiração. Parabéns e uma caminhada de aprendizagem e sucesso.
Um abraço,
Zulamar Aurélio
Coordenadora editorial
Presente! revista de educação
Salvador/Ba
A Revista do Colégio Medianeira
vem mostrar que é possível editar um veículo voltado às informações para o público interno e,
ao mesmo tempo, refletir sobre
questões do mundo contemporâneo, especialmente voltadas à
educação, à arte e à cidadania!
Vida longa à Revista!
Dulcinéia Tridapalli
Jornalista da Justiça
Federal do Paraná
Parabéns ao Colégio Medianeira, mais uma vez justificando
porque é uma das melhores escolas do Brasil!
Parabéns a toda equipe editorial,
de redação e comunicação da
revista!
Arnoldo de Campos
Coordenador de Geração de
Renda e Agregação de Valor Ministério do Desenv. Agrário
Brasília/DF
Por ser jornalista, penso que o
Medianeira completou mais um
pequeno ciclo com sua recémnascida revista. Para uma instituição que propaga o saber, nada
mais adequado que se voltar também à informação, uma forma
valiosa de conhecimento. E Mediação é mais, pelo que percebi em
sua leitura. É uma ponte que permite aos seus leitores avançar até
o outro lado do caminho, para conquistar uma nova margem nessa
interminável exploração pela experiência do pensamento humano. Desejo vida longa a Mediação
(e espero continuar recebendo
exemplares da revista).
Marcio Achilles Sardi
Câmara dos Deputados
Rádio Câmara
Voz do Brasil
Brasília/DF
O primeiro número da revista
Mediação é uma delícia. A produção gráfica é primorosa, de
uma elegância irrepreensível. E,
claro, há tempos não lia uma reflexão local tão sofisticada e estimulante sobre educação. Em especial, gostaria de parabenizar o
artigo sobre a excelência no ensino, que ilumina o caminho que
sempre achei imprescindível e
necessário para todas as escolas.
Faço votos para que a revista tenha vida longa. A cidade precisa.
André Tezza Consentino.
Publicitário e professor
Fico muito feliz em saber que o
Colégio Medianeira está publicando uma revista, cujo objetivo
transpassa as paredes da sala de
aula ao discutir temas extra-curriculares, tais como cinema,
música e literatura. Contudo,
pouco valor ela terá se o acesso
ficar restrito a apenas os alunos
e funcionários da instituição.
Desse modo, espero que a “Mediação” ganhe espaço nas bancas e nas casas dos curitibanos.
Se continuar com a proposta de
provocar ação, propor discussões
e reflexões, enfim, construir pontes e derrubar muros, como diz o
editorial do primeiro número, tenho certeza de que obterão o sucesso. Mais uma vez, parabéns
pelo bom trabalho que fizeram.
Abraços.
Ricardo Kanayama
Ex-aluno do Medianeira
e acadêmico de Direito (UFPR)
Recebemos e agradecemos o
envio da publicação Mediação.
Agradecemos o envio da Revista
Mediação e parabenizamos a todos pela excelente publicação.
Parabenizamos e desejamos
que a iniciativa contribua para
a constante renovação do processo pedagógico.
Cordialmente,
Parabéns!
Pe. Nelson Lopes da Silva, S.J.
Diretor Geral Colégio Loyola
Belo Horizonte/MG
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Sou curitibano, moro em Brasília
e trabalho no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sinto orgulho de ser curitibano quando
iniciativas como a de lançar Mediação são tomadas. Infelizmente, poucos têm essa ousadia...
Pe. Domingos Mianulli, S.J.
Diretor Colégio Antônio Vieira
Salvador/Ba
Caro leitor
leitor,, escreva para a revista Mediação
enviando seus comentários sobre as matérias e
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Antes, o ser humano se engalfinhava com as feras
na batalha pela vida. Era matar ou morrer. Para continuar vivo, precisou usar mais do que a força, que
era em muitos casos menor do que a de muitos outros rivais. Heureca! Com uma pedra grande usada
contra um dos animais, poderia atingi-lo! Depois:
quanto mais pontuda fosse a pedra, maior seria a
possibilidade de subjugá-lo. Depois ainda: se amarrasse um cabo a essa pedra, a força proporcionada
pela alavanca daria mais potência e maior precisão
aos golpes, além de ajudar a manter uma distância
recomendável. E, aos pouco, o homem foi acumulando conhecimentos e dominando, por meio da inteligência, necessidade e curiosidade, a natureza à
sua volta. Veio o fogo, veio a agricultura e veio a
domesticação dos animais, veio a construção de habitações, vieram os impérios, vieram as revoluções
filosóficas, vieram os satélites etc e tal. Quem assistiu
lembra da cena inicial de 2001, uma odisséia no espaço, quando um osso é jogado para cima por um
dos primatas e, em slow motion, o osso vai se transformando em uma sonda espacial, ou algo do gênero. O que há ali, naquela cena que dura alguns segundos? Há toda a história da humanidade, movida pela
– vamos repetir – inteligência, necessidade e curiosidade do bicho-homem. Sem elas, estaríamos, quem
sabe, ainda dentro das cavernas, disputando nossos
alimentos no tapa (algo que, vamos e venhamos, infelizmente ainda acontece hoje, às vezes). Houve inovação, houve o tempo em que essa inovação tornouse obsoleta. Mas, a partir dela, o conhecimento se
reconstruiu, trouxe novidades que aperfeiçoavam a
vida do Homem sobre a terra. E assim foi, e assim é.
E assim seja.
Por esses e outros motivos, o artigo de capa da
nossa Mediação traz o tema da Pesquisa na escola.
Ora, o conhecimento não se constrói nem se renova
de forma mágica, sem lastros com o conhecimento
já construído. E quem trabalha com o conhecimento
já construído e propõe revisitá-lo? Nós acreditamos
que esse seja, sim, um papel vital da educação, seja
ela infantil, fundamental ou média. Porque não basta
transmitir conhecimento e avaliar a repetição. É preciso instigar, reler a aventura humana e reescrever
suas páginas. Por isso, falamos de pesquisa em todas
as faixas etárias que freqüentam a escola. Por isso
também, entrevistamos o professor Pedro Demo.
Porque acreditamos que a pesquisa na escola seja a
grande oportunidade de fazermos do conhecimento
um instrumento de humanização, e não de desumanização, como, infelizmente, vemos por aí. É o espaço
da excelência acadêmica visto com os óculos da excelência humana. Porque conhecimento é poder, e
ele não é, em si mesmo, do “bem” ou do “mal”. Dele
pode nascer a cura de doenças; dele pode nascer a
bomba atômica.
E qual dos caminhos acima queremos trilhar na
escola? A resposta é fácil.
Além desse tema central, Mediação traz também
diversos artigos de fundo educativo, das mais diversas áreas, da Química aos quadrinhos, da literatura de
cordel, do rock e da poesia à informática educativa,
da História e da Geografia ao Fórum Social Mundial.
Como diz o psicólogo estadunidense Michael
Michalko, “quando só se pensa como sempre se pensou, só se vai manter o que sempre se manteve – as
mesmas velhas idéias”. As mesmas velhas idéias não
devem, obviamente, ser postas na lata do lixo; mas,
a partir delas, o conhecimento nasce reconstruído.
Boa leitura. E não esqueça: escreva pra gente!
Nilton Cezar Tridapalli
aluno do 2º ano do EM
Mas anda
difícil ser
sujeito hoje
em dia...
Guilherme Souza -
Desde os
tempos
remotos, o
homem busca
ser o SUJEITO
de sua
história...
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Júlio Schneider
Uma das mídias mais antigas que
conhecemos são as Histórias em
Quadrinhos, ou HQ, para os
íntimos. Faça o tempo que fizer,
elas estão sempre vivas e
renovadas, mesmo com o
surgimento das mais novas
tecnologias. Afinal, seus enredos,
seus desenhos, e os conflitos
humanos que elas desnudam
continuam capazes de atrair as
pessoas e arrebanhar aficionados
em todos os cantos do mundo.
TV a cabo, internet, videogames... há não muitos anos, nada disso fazia parte das formas de distração visual da criançada – criançada dos 8 aos 80
anos, mas também dos 7 aos 70, ou com menos
ou mais anos de idade. Há não muitos anos havia
apenas a TV aberta, o cinema, livros... e gibis! Sim,
gibis, aquelas revistas com histórias fantásticas,
cheia de imagens em quadradinhos seqüenciais,
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com temáticas ora engraçadas, ora aventurosas,
ora de terror... em suma, para todos os gostos. É
um material difundido no mundo todo, como o
americano comics (“cômico”, porque os primeiros
gibis dos Estados Unidos traziam apenas histórias
engraçadas), as francesas “bande dessinée” (“tiras desenhadas”), as portuguesas “histórias aos
quadradinhos” ou “banda desenhada”, as “strips”
(“tiras”) da Europa Oriental, ou os italianos “fumetti” (analogia com os balões de diálogos, que parecem fumacinhas, fumetti). No Brasil, são chamados de “quadrinhos” ou HQ (Histórias em Quadrinhos) ou simplesmente “gibis” (“Gibi”, que significava “moleque”, era uma revista de HQ dos anos
40, e fez tanto sucesso que seu nome virou sinônimo do gênero).
Na Europa, HQ é coisa séria, é vendida em livrarias de renome, é discutida em universidades,
edições antigas são expostas em museus, teses
de mestrado sobre o assunto ajudam a conquistar
diplomas, e grandes nomes são leitores confessos. No Brasil, os quadrinhos sempre tiveram leitores ilustres, como Ruy Barbosa e Carlos Drummond de Andrade – sem contar um dos primeiros
tradutores de gibis importados, Olavo Bilac – e grandes incentivadores, como Roberto Marinho (que
criou várias revistas e uma editora) e Leonel Brizola (quando governador do Rio Grande do Sul quis
criar um sindicato para distribuir gibis por todo o
país). E autores/atores que levaram aos quadrinhos
seus trabalhos, como Chico Anísio, Renato Aragão, Beto Carrero, Ziraldo (o “pai” do Menino Maluquinho), Maurício de Sousa e tantos outros.
Muito antes da “era internet”, os verdadeiros
instrumentos de globalização foram os gibis, que,
ao serem difundidos em vários cantos do planeta
e mostrarem a cultura de um país a outro, deixaram nosso mundo menor e, principalmente, mais
humano. Existem gibis para todos os gostos como
os infantis da Disney (Pato Donald, Tio Patinhas,
Mickey); os do Maurício de Sousa (Chico Bento,
Cebolinha, Mônica); os “da TV” (Cartoon, heróis
japoneses e afins); os juvenis da DC (Batman,
Super-Homem, Mulher Maravilha) e da Marvel
(Homem-Aranha, X-Men), e há as HQ italianas destinadas ao público juvenil e adulto, que se diferenciam de todas as outras por serem verdadeiros
“romances com imagens” em aventuras que literalmente prendem o leitor na poltrona, com tra-
mas inteligentes e com conteúdo. Não é raro ver
um leitor, em seu primeiro contato com essas edições, exclamar meio decepcionado algo como “ah,
que pena, é em preto e branco”, mas basta folhear
meia dúzia de páginas para se sentir vivendo as
mais incríveis aventuras, que nada ficam a dever
aos melhores romances ou filmes. É justamente na
beleza do preto e do branco que reside um dos
segredos dessas edições, pois se observa o profissionalismo, a técnica (e – por que não? – eventuais
defeitos do desenhista, que por vezes poderiam
ser “mascarados” com a colorização). Cada um desses “livros em quadrinhos” garante uma boa hora,
hora e meia, de saudável distração e “viagem mental”, afastando-nos da dureza do dia-a-dia.
Estes heróis têm em comum o fato de não possuírem superpoderes e, sendo seres humanos
como qualquer um de nós, nos fazem sentir mais
próximos. São heróis porque, graças à sua inteligência, perspicácia e senso de justiça, fazem prevalecer o certo sobre o errado, nos fazendo imaginar como seria bom o nosso mundo se efetivamente vivessem no nosso meio.
TEX
Tex Willer é um Ranger do Texas, e suas aventuras são ambientadas no Velho Oeste, uma terra
selvagem e sem lei. Homem íntegro, justo e decidido, não olha para a cor da pele ou para o tamanho da conta bancária dos vilões: corruptos, assaltantes, ladrões, qualquer que seja a categoria do
bandido, todos têm que acertar as contas com Tex.
Ao se casar com Lilyth, filha do chefe Flecha Vermelha, Tex torna- se o
chefe dos índios navajos,
após a morte do velho cacique, e ganha o apelido
de Águia da Noite, o sábio chefe branco, e, como
agente do governo para a
Reserva Navajo, cuida
para que nada falte à tribo. Tex vive suas aventuras junto ao velho parceiro Kit Carson, com quem
protagoniza bate-bocas
memoráveis, ao amigo índio Jack Tigre, e ao filho
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Kit Willer. Quatro parceiros inseparáveis, como os
mosqueteiros de D’Artagnan. Criado em 1948 pelo
romancista Gianluigi Bonelli e pelo desenhista
Aurelio Galleppini, o mito surgiu com base nos
filmes americanos que invadiram os cinemas italianos após a Segunda Guerra mundial, com as fascinantes histórias de índios e caubóis. Verdadeiro
objeto de culto na Velha Bota, seu público se conta na casa do milhão. Ao lado de Mônica e Pato
Donald, é um dos personagens mais longevos da
editoria brasileira.
ZAGOR
Patrick Wilding adotou o nome de Za-gor-tenay (“o espírito da machadinha” em dialeto algonquino) para proteger os índios, manter a paz e combater injustiças na fronteira americana da primeira
metade do Século XIX (por volta de 1830). Seu
território de ação é a lendária Darkwood, uma região de florestas, montanhas, rios e pradarias, um
verdadeiro paraíso das tribos indígenas, mas onde
podem ser encontrados todos os tipos e personagens das histórias, lendas e contos aventurosos.
De vez em quando, Zagor também viaja por vários
cantos do mundo, sempre acompanhado do amigo Chico Felipe Cayetano Lopez Martinez y Gonzales etc., ou simplesmente Chico, um mexicano
baixinho, gorducho, bigodudo e atrapalhado, que
é quem garante uma boa dose de comicidade às
aventuras. Criado em 1961 por Sergio Bonelli (sob
o pseudônimo de Guido Nolitta, para não ser confundido com seu pai Gianluigi Bonelli, o criador de
Tex) e pelo desenhista Gallieno Ferri, é fruto da paixão de seu
criador pela aventura e
por seus heróis preferidos, como Tarzan,
Fantasma, Batman.
Toda a sua epopéia editorial, com desenhos
inéditos e capas de todas as edições, foi
contada numa revista
especial colorida, em
2003, que comemorou
seus 25 anos em nosso país.
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MISTER NO
Jerry Drake ganhou seu apelido durante a Segunda Guerra, por seu gênio rebelde e inconformado que sempre diz não à violência da chamada
civilização. Partiu para a Guerra como idealista, ficou marcado pelos acontecimentos bélicos, voltou como inconformado, e decidiu viver num mundo distante da sua Nova York, indo morar em Manaus. Com uma técnica infalível para se envolver
em encrencas contra sua vontade, sempre cercado de amigos e
belas garotas,
ganha o pão de
cada dia como
piloto de um Piper – que quase
sempre o deixa
na mão – levando turistas e as
famosas encrencas pelos
céus da selvagem Amazônia
de 1950. Simpático e imprevisível, tenaz e
corajoso, Mister No nunca se rende, e na manga
de sua camisa sempre se destaca o trevo de quatro folhas, símbolo da sorte e da fortuna que persegue e da liberdade que busca defender a qualquer custo. Foi criado em 1975 por Guido Nolitta e
Gallieno Ferri como um herói “pé no chão”, que
vive num lugar feito por pessoas, cenário e culturas reais, a nossa Amazônia. Um dos pontos que
impressionam na série é o detalhismo com a História e a Geografia, fruto de muita pesquisa.
MARTIN
MYSTÈRE
Martin Mystère mora em Nova York, é arqueólogo, antropólogo, perito em arte, colecionador de
objetos incomuns e incansável viajante. É chamado de “Detetive do Impossível” porque não investiga casos policiais comuns, mas sim os grandes
enigmas que a ciência oficial não explica, como o
Triângulo das Bermudas, o monstro do Lago Ness,
as pirâmides, os mistérios de Atlântida. Homem
culto e moderno, um dos primeiros personagens de HQ a
usar computador, precursor de
Indiana Jones,
MM une racionalidade e aventura fantástica, caçando a verdade
nos vários mistérios que envolvem a história da
humanidade – sempre com o parceiro Java, um
homem de Neandertal que sobreviveu à extinção.
Recentemente inspirou uma série de TV, mas nela
o herói foi “rebatizado” para Martin Mystery e tornou-se um personagem juvenil. Criado em 1982
pelo escritor Alfredo Castelli e pelo desenhista
Giancarlo Alessandrini, suas histórias são fruto de
pesquisas extremamente minuciosas, que por
vezes nos deixam em dúvida se os relatos não
são mesmo verdadeiros. Não por acaso, a série
conquistou grande parcela de seus leitores entre
professores universitários e pessoas que amam a
leitura e a cultura geral.
DYLAN DOG
Dylan Dog tem seu estúdio na Craven Road,
em Londres. Sua profissão: investigador do pesadelo! Numa Londres mágica e enevoada, capital
do fantástico e do horror, DD investiga nossos medos e desejos, os monstros que existem dentro
de nós: fantasmas, magias,
estados de alucinação, outras
dimensões e
esquisitices várias. Dylan investiga os pesadelos de seus
clientes com a
ajuda de seu assistente Groucho – que, com
seu bigodão e
as piadas que
dispara sem parar, é a perfeita imagem de Groucho Marx. E um alerta: se você é uma garota bonita, melhor ainda... Dylan Dog se apaixona por todas as suas clientes! Criado em 1986 por Tiziano
Sclavi e pelo desenhista Angelo Stano, revelouse o maior sucesso editorial europeu nos anos seguintes, em histórias cujos elementos típicos do
gênero horror são usados para representar os males de nossa sociedade.
NICK
RAIDER
Nick Raider é investigador da Divisão de
Homicídios de Manhattan, Nova York, uma cidade violenta onde são
cometidos quatro homicídios por hota. Prender os culpados é a
missão de Nick. Duro,
tenaz, incorruptível e
corajoso, ele trabalha com seu parceiro Marvin Brown, investigador negro e piadista, o informante
Alfie, o sábio e experiente tenente Art Rayan e
todos os homens da Divisão. Foi criado em 1988,
pelo roteirista Claudio Nizzi.
MÁGICO VENTO
Ned Ellis é um soldado da cavalaria americana,
único sobrevivente da explosão de um trem sabotado, que lhe custou uma farpa de metal encravada no cérebro.
Para os brancos,
é um rebelde,
um renegado;
para os índios
sioux, que o
acolheram depois da explosão, é um xamã,
um guerreiro e
um espírito inquieto. A farpa
em seu cérebro
apagou todas as
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lembranças de seu passado, mas lhe deu uma extraordinária capacidade de intuir o futuro, por meio
de perturbadoras visões e premonições. Poderes
que o fazem viver extraordinárias aventuras, sempre prensado entre a cultura branca e a indígena.
Um personagem imprevisível como o vento, em
viagem para além da última fronteira, aquela entre
a realidade e o desconhecido. Criado em 1997 por
Gianfranco Manfredi (romancista, autor teatral, roteirista de cinema e de séries de TV, além de cantor e compositor), MV vive suas aventuras num
Velho Oeste não muito comum, onde temas épicos do faroeste tradicional se encontram com o
fantástico, onde são enfocados fatos históricos e
outros que “poderiam” ter feito parte da História.
Um dos pontos de destaque é o modo de vida dos
índios americanos, que é mostrado de forma real,
sem estereótipos, fruto de muitos estudos e pesquisas histórico-geográficas.
JÚLIA
Júlia Kendall
vive em Garden
City, próximo de
Nova York. É consultora da polícia e
professora de criminologia na universidade. E tem
uma profissão especial: é uma criminóloga, especializada numa
ciência que estuda
o crime em todos
os seus aspectos,
com base na antropologia, psicologia, psiquiatria,
psicanálise, sociologia. O objetivo de Júlia, além
de ver os culpados responderem na Justiça, é, principalmente, o de entender (entender, não justificar) o que os leva a agir de forma ilícita, atuando
como uma “investigadora da alma”. A sensibilidade feminina com que a heroína se envolve nas
mais variadas situações é impressionante, em tramas originais, coerentes e imprevisíveis. Criada
em 1998 pelo escritor Giancarlo Berardi, a série
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logo cativou estudantes e profissionais ligados à
área do Direito (promotores, juizes, advogados)
pela realidade com que o sistema é retratado nos
episódios. Durante a preparação da série, o autor
freqüentou o Instituto de Medicina Legal de Gênova, na Itália, como observador, e um curso universitário de criminologia.
DAMPYR
Harlan Draka é filho de um vampiro e de uma
mulher humana, e – como conta uma crença popular dos Bálcãs – isso faz dele um dampyr, um guardião da humanidade contra os Mestres da Noite,
uma raça vampírica que não
teme cruzes ou
a luz do sol.
Harlan descobre sua condição – e sua
missão – somente depois
de adulto e, de
sua base em
Praga, corre o
mundo para
descobrir
a
verdade sobre
si próprio, sobre seu pai e sobre seus adversários, numa cruzada contínua com seus dois parceiros: Tesla, uma
jovem alemã que foi vampirizada por um Mestre
da Noite, e Kurjak, um ex-mercenário sérvio que
se cansou das barbáries de guerras que não eram
suas e decidiu lutar contra os verdadeiros inimigos da humanidade. Criada em 2000 pelos roteiristas Mauro Boselli e Maurizio Colombo, a série
aborda um mito clássico do cinema e da literatura,
mas de um jeito novo e sem clichês. Dampyr é um
verdadeiro “horror de ação e aventura”, vivido em
lugares que existem de verdade e que aborda tradições que realmente fazem parte da cultura de
vários povos. Dos velhos bairros de Praga, Moscou, Paris, passando pelos ensolarados desertos
africanos e chegando até a América do Sul, todos
os lugares são retratados com fidelidade.
Além de suas séries próprias, alguns destes personagens foram reunidos numa publicação especial recém-lançada no Brasil chamada Tex e os Aventureiros. A série bimestral, com mais de 200 páginas, se mostra uma
chance excelente para se conhecer (ou rever) alguns dos heróis de uma das maiores
editoras da Europa, a Sergio Bonelli Editore
(Bonelli Comics), chamada carinhosamente de
“Fábrica dos Sonhos de Papel”, cujos títulos
são publicados no Brasil pela Mythos Editora,
de São Paulo.
Júlio Schneider ([email protected]) é
advogado, pai de alunos do Colégio
Medianeira, e atua na área editorial
como consultor, tradutor e articulista de HQ para revistas e sites da
Itália e do Brasil, como o
www.texbr.com .
DESVENDANDO OS
QUADRINHOS
AUTOR:
Scott Mccloud
EDITORA M. BOOKS
O livro ‘Desvendando os
quadrinhos’, de Scott McCloud, utilizando a própria
linguagem desse tipo de
história, examina a sua forma artística e funcionalidade. De maneira leve e divertida, o autor conta como
definir os elementos básicos dos quadrinhos e
como a mente processa sua linguagem. A obra
aborda, também, a influência do tempo nas histórias, o que acontece entre um quadro e outro e a
interação entre palavras, figuras e narração. Além
disso, o autor teoriza sobre o processo criativo e
suas implicações na arte em geral.
HISTÓRIA EM QUADRINHOS
NA ESCOLA
AUTOR:
Flávio Kalazans
EDITORA PAULUS
A obra serve como instrumento fundamental de
combate ao preconceito
que envolve as histórias em
quadrinhos como elemento educativo eficiente. O
autor nos mostra que, ao
contrário do lugar comum
defendido por alguns (de
que as chamadas HQs seriam meros meios de entretenimento fácil), é possível utilizar esse recurso
como apoio didático, por meio de uma revisão
da literatura brasileira ou de apresentação de
exemplos concretos – o Projeto “500 Anos da
Descoberta do Brasil em Banda Desenhada”, por
exemplo. O livro apresenta uma face importantíssima dos quadrinhos no processo educativo e
comprova a eficácia no ensino e a excelente aceitação por parte dos alunos.
11
Por Rosiclea Mariano de Camargo
e João Carlos de Oliveira
A informática, o mundo virtual,
a rede de computadores
conectada a todo o planeta
representam uma ameaça? É
necessário proteger-se deles ou
dominá-los? A informática
entrou sorrateiramente no
Brasil e vem hoje se
espalhando por amplos
segmentos da sociedade,
fazendo com que a necessidade
de conhecê-la criticamente se
torne instrumento da
construção de nosso
conhecimento.
12
O Brasil, nos quinhentos anos de história após a
chegada dos portugueses, sofreu um processo de
exploração de suas riquezas. Esse processo começou com o pau-brasil, depois o ouro de Minas Gerais,
a cana-de-açúcar, a borracha, o café. Hoje temos a
soja, o minério de ferro, além da grande invasão de
empresas estrangeiras em nossos nichos de produção. Chamamos de exploração, porque na maioria das
vezes as riquezas geradas ou foram direcionadas para
o exterior ou foram centralizadas em poucas mãos,
não resultando no desenvolvimento industrial de
nosso país. No início da colonização portuguesa, esse
desenvolvimento foi, inclusive, tolhido pela falta de
incentivo em nossas terras para a instalação de teares, engenhos e outros processos manufaturadores.
“Em fins do século XVI, o Brasil tinha não menos de
120 engenhos, que somavam um capital próximo a
dois milhões de libras, mas seus donos, que possuíam as melhores terras, não cultivavam alimentos. Importavam-nos, como importavam uma vasta
gama de artigos de luxo, que chegavam, do ultramar, junto com os escravos e bolsas de sal.”, descreve o escritor Eduardo Galeano, em As Veias Abertas da América Latina. Todo produto tinha de ser
importado de outros países, principalmente da Inglaterra. Esse processo continua em toda nossa história pós-descobrimento, influindo em todas as atividades nacionais, agricultura, comércio, indústria e
principalmente no nosso caminhar político.
Isso nos faz recorrer aos nossos sentimentos mais
nacionalistas sempre que nos defrontamos com situações em que se torna evidente a influência externa
em nossas riquezas. Assim foi com a exploração do
petróleo que levou à criação da Petrobrás: não impediu que grandes empresas estrangeiras (Shell, Esso,
Atlantic, Fox etc) dominassem quase toda a distribuição de combustíveis dentro de nossas fronteiras.
A partir da década de 80, começamos a nos deparar mais intensamente com uma nova “ameaça”:
a informatização.
Praticamente tudo o que se refere à tecnologia
de ponta relacionada à informática é importado.
Mesmo com a criação de uma lei de proteção à informática nacional, que perdurou durante 12 anos,
não conseguimos criar uma indústria capaz de competir à altura com as empresas estrangeiras.
A nossa primeira reação é a de nos proteger contra essa avalanche estrangeira que está cada vez mais
presente em nossas empresas, escolas e lares.
Nossa dependência da tecnologia externa nunca
foi tão grande quanto hoje. Por outro lado, toda essa
tecnologia nos trouxe um novo meio de interconexão, muito mais fácil e barato, pelo menos para aquela
classe que consegue manter essa tecnologia. Apesar
de não ser acessível a todos, estamos começando a
vislumbrar uma nova era, em que as fronteiras não
serão mais empecilhos para a circulação de idéias.
A maior representante dessa avalanche é a Internet, que nos entope de produtos estrangeiros,
nem sempre saudáveis. Isso nos tem preocupado
muito, pois cada vez mais temos cada vez menos
controle daquilo que nos atinge.
No entanto, a humanidade nunca se deparou com
um horizonte de possibilidades tão vasto como o
que nos é apresentado hoje. Pierre Lévy, em A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência, nos diz que “Pela primeira vez, a idéia de
uma Terra sem fronteiras não aparece como uma
aplicação de um princípio abstrato ou como um devaneio utópico, mas como o prolongamento realista
de uma tendência que cada um pode observar”. As
novas gerações estão cada vez mais “interligadas”,
comunicando-se com pessoas de diversos cantos
do mundo, transferindo arquivos de imagens, de
som, entrando em salas virtuais de conversação, em
fóruns de discussão, criando páginas pessoais, fazendo compras de diversas empresas, nacionais e
internacionais, além de diversos outros serviços que
a Internet nos oferece.
A escola se defronta com todas as contradições
que a informática traz, mesmo assim não podemos
nos dar ao luxo de simplesmente descartá-la. Temos que fazer o melhor uso dela e ao mesmo tempo
manter e criar em nossos alunos uma consciência
crítica a seu respeito. Temos que dar aos nossos
alunos acesso a todos os seus recursos educativos
e ao mesmo tempo cuidar para que ela não se torne
um meio de risco à sua formação.
Com todas as mudanças que estão acontecendo
na tecnologia, estamos cada vez mais interativos, o
professor deve acreditar no novo, refletir, aprender a
melhorar a sua postura diante da contemporaneidade.
Nós, educadores, devemos assumir a tarefa de
estar envolvidos dentro de uma proposta pedagógica séria, para que possamos ajudar no desenvolvimento dos conteúdos de cada disciplina utilizando
estas ferramentas.
O primeiro passo na utilização destas ferramentas é o aprendizado. É preciso que se tenha um conhecimento mínimo do que é a Informática, do que
ela é capaz de fazer e quais são as suas limitações;
temos que pensar como vamos educar nossa sociedade diante de toda e qualquer situação.
Papert (1994) diz: “Para encontrar os princípios correspondentes para a aprendizagem, temos que olhar
para dentro de nós mesmos tanto como para dentro
dos computadores: princípios como ‘assumir a responsabilidade’, ‘identidade intelectual’ e ‘apaixonar-se’”.
Como educadores, diante das novas tecnologias, temos que nos adaptar a estas
ferramentas e fazer uso delas para um
conhecimento maior. A Internet é um
13
exemplo bem abrangente, pois o educador poderá
utilizá-la como suporte eletrônico, enriquecendo o
conhecimento do aluno e o seu próprio.
Uma analogia para entender a Internet é defini-la
como sendo similar a uma malha de rodovias (federais e estaduais) por onde trafegam bytes sob a forma de pacotes TCP/IP. A informação contida em textos, som e imagem, trafega em alta velocidade entre qualquer computador conectado a essa rede. Por
esta razão, a internet é também chamada da “Super
Rodovia da Informação”.
Os recursos e possibilidades desta ferramenta
envolvem, além da pesquisa, criação de debates
sobre temas trabalhados em sala, um espaço hipertextual para colaboração dos educadores e alunos;
materiais didáticos, projetos interdisciplinares, entre outras coisas. A internet é uma ferramenta preciosa para trabalhos com conteúdos curriculares, mas,
é claro, exige que o educador pesquise antes e selecione endereços que abordem a temática trabalhada em sala, pois diante de tantas informações armazenadas no www, algumas nem sempre são “verdadeiras”. Por isso, o educador deve sempre planejar como irá aplicar a pesquisa na internet sabendo o
que os alunos irão fazer e o que devem pesquisar,
para não desviar o foco do conteúdo aplicado.
Utilizando estes recursos, poderemos estimular
os alunos para a construção de uma autonomia e
pensamento críticos diante do horizonte de conhecimento que as redes oferecem. Não podemos esquecer que hoje boa parte das crianças vive num mundo fechado, individual, onde suas brincadeiras e conversas são virtuais através da internet, deixando de
lado as brincadeiras em grupo, como a bola e a boneca, para jogarem seus “joguinhos” e se divertirem com
outros atrativos no computador e/ou no videogame.
A internet, sem dúvida, é um ambiente que possibilita a troca e armazena informações. Cabe nova-
Sabemos que não será uma tarefa fácil, mas,
diante dos avanços tecnológicos, a solução certamente não é fugir deles, mas, ao contrário, dominá-los, criando possibilidades de envolver mais
nossos alunos para que possam criar diante do
novo e da realidade virtual, sem perder a sensibilidade e a visão do concreto.
Rosiclea Mariano de Camargo é formada em
Tecnologia em Processamento de Dados pela
FARESC e pós-graduada em Tecnologias
Educacionais pela PUCPR. É responsável pela
Informática Educativa do Jardim à 4ª série do
Ensino Fundamental do Colégio Medianeira.
João Carlos de Oliveira é formado em Ciências
e em Física pela UFPR, pós-graduado em
Currículo e Prática Educativa pela PUC-RIO. É
responsável pela Informática Educativa da 5ª
série do Ensino Fundamental ao 3º ano do
Ensino Médio do Colégio Medianeira.
DO GIZ À ERA DIGITAL
AUTOR:
Maria Lúcia Santos
EDITORA ZOUK
14
mente a nós, educadores, saber utilizar desta teia os
recursos pedagógicos para trabalhar com as disciplinas curriculares. Hoje, não só os alunos, mas todos
os que trafegam em uma rede interligada com o
mundo inteiro, estão bem mais avançados em conhecimentos tecnológicos. As crianças vivem uma
era virtual na qual têm acesso livre a várias informações, e muitas vezes não sabem nem como digerilas. É aí que entra o educador para mostrar as diversidades que esta rede oferece e educá-los para um
melhor aprendizado, dentro e fora de sala de aula.
Estudo que se destina a professores e educadores preocupados
em se atualizar com as novas tecnologias, principalmente o computador. As tecnologias educacionais vêm se impondo rapidamente, mudando a prática docente e a dinâmica das aulas, o que
torna necessário o aperfeiçoamento da formação dos educadores. Este livro é uma importante contribuição para atingir esta meta.
INFORMÁTICA EDUCATIVA –
DOS PLANOS E DISCURSOS À SALA DE AULA
AUTOR:
Ramon de Oliveira
EDITORA PAPIRUS
Esse livro descreve a trajetória da política brasileira de informática educativa,
desde os momentos de sua formulação
até uma experiência concreta de uso de
computador no processo de ensinoaprendizagem. Com essa obra, o autor
busca contribuir para que as atividades
de inserção de computadores no ensino sejam integradas ao cotidiano escolar, como instrumento que propicia a melhoria da qualidade de ensino
nas escolas públicas.
s
o
an
da
Por Angela Cristina Raimondi
“Daqui a poucos anos, praticamente todas as
grandes constantes da Física terão sido
estimadas, e... a única ocupação que restará
aos homens de ciência será aumentar em uma
casa decimal a precisão das medidas.”
James Clerck Maxwell
(físico e matemático escocês), em 1871.
Não se assuste! Vamos falar de Física
Quântica. Ao invés de sair correndo,
leia atentamente esse artigo e
acompanhe as contribuições e os
novos desafios da Física e da Química
numa época em que se comemora o
centenário de Albert Einstein. Aos
poucos, você verá que o que parece ser
um tema inacessível está, na verdade,
bem mais próximo do nosso dia-a-dia
do que imaginamos.
15
Maurits C. Escher, Relatividade, 1953, litografia
Inicialmente, pensei em escrever um artigo que
discorresse essencialmente sobre minhas experiências científicas, no sentido amplo do termo, ao
longo de minha vida acadêmica no campo da Química, como sugestão de meus pares da área de
ciências naturais. Entretanto, escolhi outro pano de
fundo, em que minha trajetória acadêmica, sem
maiores minúcias, fizesse parte de um tema maior:
um olhar sobre a ciência, num momento em que
se comemoram cem anos da teoria da relatividade. De início, um receio momentâneo pode ocorrer aos menos afeitos às ciências exatas, diante
de uma proposta de se falar de Einstein e do risco
de se confinar a discussão no campo da Física. A
intenção aqui, porém, é a de tratar o assunto de
maneira ampla e apontar alguns reflexos desta tão
importante teoria no conhecimento científico do
século XX. Não se pretende aprofundar ou detalhar assuntos de física relativística (ufa!), mas fazer um apanhado das idéias principais que nortearam e das que emergiram dos estudos de Einstein
(numa linguagem acessível), do contexto em que
se situava o conhecimento científico de Física na
época de sua divulgação e das influências e aplicações nos dias atuais.
Considerado o “Homem do Século” pela revista norte-americana Time, a mente brilhante do alemão Albert Einstein (1879-1955) veio para contestar, de forma elegante, o pensamento vigente
no início do século XX, refletido nas palavras de
Maxwell em 1871 (Maxwell, aliás, não era partidá-
16
rio deste pensamento). Em 1905, aos 26 anos, Einstein divulgou suas novas idéias sobre espaço e
tempo e lançou sua teoria da relatividade, causando uma verdadeira revolução no mundo científico.
Retomando uma questão que era fruto de sua curiosidade desde os dezesseis anos de idade (queria saber qual o aspecto que teria uma onda luminosa para alguém que a observasse viajando com
a mesma velocidade que ela!), sua teoria se adequava e respondia a várias interrogações que as
teorias da Física clássica não conseguiam explicar. Rompendo com o conceito de simultaneidade
que se tinha, Einstein soube expressar, através de
uma expressão matemática simples e completa,
que espaço e tempo não são mutuamente independentes. Finalizada em 1916, sua teoria revelou-se uma ferramenta poderosíssima com a qual
a Física redefiniu conceitos como, por exemplo,
as leis da gravitação de Newton.
No campo do estudo sobre a estrutura da matéria, as descobertas de Einstein e suas considerações sobre a natureza da luz financiaram importantes avanços na física quântica – que passava
por um momento de intensas discussões acerca
da inesperada estabilidade do átomo e buscava
uma nova teoria unificada que permitisse definir
sua estrutura – e lhe renderam o Prêmio Nobel de
Física em 1921. A teoria atômica vigente não levava em conta a movimentação de elétrons em
órbitas atômicas, e era necessário ser capaz de
entender, explicar e prever uma série de fenômenos atômicos sem resposta naquele contexto. Se
a grande “sacada” na teoria da relatividade foi a
redefinição de simultaneidade e a consideração
de que não existe velocidade maior que a da luz
[c] (hoje já se sabe que existem feixes energéticos que se propagam com velocidades maiores
que c), para a quântica foi a aceitação da natureza
dual da luz, que pode ser considerada tanto ondulatória quanto corpuscular. Aceitar esta idéia rompia com a filosofia clássica da ciência do exato e
do absoluto, que não admitia contradições ou duplas interpretações.
Emplacar uma nova teoria num contexto tão
tradicional e conservador significava mudar drasticamente paradigmas científicos considerados
como definitivos por muito tempo, e não era nada
fácil. Prova disso, vale a pena mencionar que o
físico alemão Max Planck (este mesmo, o da cons-
tante de Planck), após anos investigando o espectro da radiação do corpo negro, havia chegado a
uma conclusão que ele próprio considerou tão absurda que se negou a divulgá-la. Em 1900, entretanto, apresentou ao mundo científico sua equação que descrevia o espectro em questão. A conclusão bombástica de Planck era de que toda absorção ou emissão de energia no átomo não ocorria de maneira contínua, mas apenas em unidades
discretas (pacotes de energia), que foram denominadas quanta (plural de quantum). Levando em
conta a existência de órbitas eletrônicas nos átomos, um elétron só consegue “saltar” de uma órbita para outra mais energética se absorver um
quantum de energia, que é emitido quando este
elétron retornar à órbita de origem. Aí é que está a
questão, um elétron não consegue transitar entre
as órbitas com múltiplos fracionários de quantum,
assim como, ao subir uma escada, não conseguimos subir meio degrau. Para explicar os fenômenos e apresentar os resultados que lhe renderam
o Nobel (a explicação do efeito fotoelétrico), Einstein usou a teoria de Planck como pressuposto.
Graças a estes estudos, foi possível desenvolver
dispositivos como células solares e os sensores
de imagens das câmeras digitais.
As discussões calorosas que nortearam a elaboração do cerne da teoria quântica perduram por
anos, e ainda há postulados a serem comprovados e mesmo aparentes incoerências a serem revisadas e corrigidas. Às custas de embates catedráticos (discussões que só vieram a enriquecer
ainda mais a construção do conhecimento), o
campo das ciências exatas, especialmente a Física e a Química, experimentou uma revolução conceitual cujos reflexos nos proporcionaram um
avanço tecnológico colossal. Não há como pensar na existência de equipamentos como os de
ressonância magnética de imagem, leitores de
CD ou mesmo microchips de computador sem
reverenciar a física quântica.
Especificamente no meu campo acadêmico de
atuação, minha curiosidade acerca da compreensão dos fenômenos naturais e a descoberta de
novos materiais me levou a escolher a Química
como área de estudo. Um dos desafios que nos
cercam hoje, na área de Química Bioinorgânica,
situa-se justamente na busca de sistemas químicos sintéticos que desempenhem funções análo-
gas às de sistemas biológicos, como enzimas, por
exemplo. Investigar a natureza em grau microscópico e mimetizar suas atuações em laboratório
sempre fascinou os químicos e, se o objetivo final
algumas vezes não é a mera demonstração de tal
capacidade, muitas vezes se está interessado nos
segredos dos processos, na compreensão dos
enigmas microscópicos que viabilizam o observável, a busca das causas por trás de instigantes efeitos. E vale enfatizar que o desenvolvimento de ultramicroscópios e equipamentos avançados de análise em nível molecular (frutos das contribuições
de Einstein e da mecânica quântica) é que tornaram cada vez mais viáveis estudos neste sentido.
E começamos este texto falando de Einstein,
justamente por 2005 ser um ano que coroa o centenário de seu “ano miraculoso” (1905). Mas, nos
cem anos que revolucionaram o mundo científico,
atuaram muitos outros nomes de peso, físicos,
químicos e matemáticos que acreditavam que não
há evolução sem rupturas, que a superação exige
empenho, debate, utopia (mesmo numa Alemanha em guerra, o berço da física quântica ainda
contava com a dedicação incondicional e incansável de seus pensadores).
O desafio maior para a física dos dias de hoje, e
que já era perseguido pelos pais da quântica, é o
de se chegar a uma teoria unificada, em outras
palavras, uma teoria do tudo, que abarque todos
os fenômenos naturais, permitindo suas descrições e previsões. Sabe-se que uma teoria-mãe
como esta seria essencialmente pautada em equações matemáticas e teria que comportar tanto as
leis de mecânica gravitacional quanto as leis da
mecânica quântica. Esperamos que os avanços
científicos derivados destes estudos só venham a
trazer benefícios para a humanidade, uma vez que
as descobertas que a todo o momento estão sendo feitas e divulgadas no campo da ciência pura, e
seus reflexos traduzidos em invenções e inovações da ciência aplicada, ajudam o conhecimento
a construir a história do homem.
Angela Cristina Raimondi
é laboratorista e professora
de Química do 2o. ano do Ensino
Médio no Colégio Medianeira.
É Licenciada, Mestre e
Doutoranda em Química
pela UFPR.
17
EINSTEIN
O REFORMULADOR DO UNIVERSO
AUTOR:
AP
ARTE E O TTODO
ODO
PARTE
AUTOR:
Werner Heisenberg
CONTRAPONTO EDITORA
Autobiografia intelectual de um dos
mais importantes cientistas do século
XX. Heisenberg relembra os debates sobre física, filosofia, religião e política - que travou com Einstein, Bohr,
Planck, Dirac, Pauli e outros. Narra sua
experiência pessoal durante o regime
nazista e o esforço alemão para dominar a energia atômica ainda durante a
guerra.
O LIVRO DO CIENTISTA
AUTOR:
Marcelo Gleiser
EDITORA COMPANHIA DAS
LETRAS
O físico Marcelo Gleiser conduz o
leitor numa viagem pela história da
ciência a partir de sua própria experiência. Gleiser refaz a história do
pensamento científico no Brasil e
no mundo, apresentando os principais pesquisadores de áreas
como a astronomia, a matemática,
a química, a biologia e a genética. Essa história começa
antes do surgimento da ciência, quando as discussões
sobre o Universo e sobre a matéria ainda eram ligadas à
filosofia e à religião. Gleiser explica as idéias de cientistas e pensadores como Platão, Aristóteles, Galileu,
Newton, Darwin e Einstein, entre outros. O livro da ciência traz fotos de satélite, mapas, pinturas antigas, gráficos e outros elementos que ajudam a entender a fascinante história das descobertas.
18
Marcelo Gleiser
EDITORA ODYSSEUS
O professor e jornalista Cássio Vieira
Leite desvenda, neste livro, as teorias
revolucionárias e a personalidade fascinante daquele que é considerado o
maior gênio científico da Era Moderna: Albert Einstein.
O leitor de Einstein, o reformulador do
Universo vai entender, através de uma
linguagem clara e acessível, por que o pensamento einsteiniano transformou completamente nossa concepção de
tempo e espaço.
SOBRE OS OMBROS DE GIGANTES
AUTOR:
Alexandre Cherman
EDITORA JORGE ZAHAR
O livro traça um paralelo entre a evolução da física e a nossa própria história social. A física de que esse livro
trata não é aquela da escola, repleta
de fórmulas e conceitos a decorar,
mas uma ‘ciência da natureza’, como
os antigos gregos a definiram. Alexandre Cherman apresenta ao leitor
os primeiros físicos da Grécia antiga, o desenrolar dos
conhecimentos físicos durante a Idade Média, as novas
propostas de Isaac Newton e daí por diante, chegando até
os conceitos e problemas atuais. Procura esboçar assim
uma história da disciplina com ênfase nas figuras humanas
que realizaram as grandes descobertas. Combatendo a visão comumente deformada que temos do conhecimento
científico, esse livro aborda as grandes questões que fundamentam o desenvolvimento da física e mostra que do
diálogo entre necessidades práticas e formulações teóricas é que nasce a beleza desse campo de saber, com sua
busca de explicações para o universo em que vivemos.
Por Denilson Schena
O homem pode ser vítima da
história. Mas pode ser, também,
agente responsável pela sua
construção. O que divide uma
postura da outra? Foi-se o tempo
em que aprender História estava
limitado ao pseudo-aprendizado
de algumas datas e heróis
internacionais ou pátrios. Ao
perceber que a organização social
teve e tem diversos matizes,
estabelecemos parâmetros para
nos situar como sujeitos
marcados historicamente, mas
também como sujeitos que
pensam e constroem o seu mundo
individual e coletivo.
19
O que o ensino da História tem a ver
hoje com uma grande parcela de jovens
adolescentes entre 15 a 17 anos de idade identificados com a chamada geração alunos.com, mac alunos, mac filhos? Jovens vestidos com as mais famosas marcas esportivas da cabeça aos
pés, freqüentadores compulsivos de
shopping centers, pertencentes a uma
das diversas “tribos” urbanas, consumidores confessos dos fast foods da era
da economia e da cultura globalizada?
O que a História tem a ver com o atual
momento em que a sociedade discute
as cotas para negros no ingresso à universidade pública? E o que tem a ver
com a violência urbana que nos afeta
de alguma forma todos os dias? Afinal
de contas, por que estudar História?
Muitos de nós em algum momento da
vida escolar nos perguntamos: por que
motivo estudar o passado se o que importa para grande parte das pessoas, na
maioria das vezes, é a compreensão (ou
melhor, a simples informação) do presente? É possível concordar com o senso comum que insiste em afirmar que a
História consiste simplesmente em estudar o passado?
Perguntas como essas são ouvidas com
certa freqüência dentro e fora da escola, o que
leva certamente à inquietação e reflexão de
alunos, pais e professores. Quando essas perguntas partem dos alunos, evidenciam a falta
de sentido nos conteúdos que lhes são ensinados na escola. Infelizmente, é muito comum
ainda nos dias de hoje o ensino de História ser
visto pelas diferentes gerações escolares como
tedioso e sem muita ou nenhuma importância.
O presente consegue ocupar todas as “manchetes”, todos os sites, enquanto o passado
ainda é visto como algo já superado, artigo de
museu. O preconceito contra o passado representa um dos fatores extremamente prejudiciais ao ensino da História. Por outro lado, felizmente, ainda há aqueles que acreditam que a
história é um saber escolar fundamental para
compreender o homem e a sociedade no presente e a sua relação com o passado.
20
O desafio dos professores de História tem
sido, ultimamente, o mesmo de outros tempos, qual seja, o de despertar o interesse dos
alunos pelas suas aulas. Há professores que
acreditam que os novos recursos e as modernas tecnologias podem tornar as aulas mais
dinâmicas. Alguns professores entendem que
os vídeos e computadores ampliam o acesso a
informações que os alunos procuram e se interessam. Mas a grande questão é: o que exatamente os alunos procuram? Outros professores adotam uma postura mais crítica ao utilizarem debates e discussões de temas polêmicos em sala de aula. Os programas curriculares
nos últimos anos vêm se atualizando para que
as escolas abordem novos conteúdos, de acordo com o interesse e a motivação dos alunos.
Em cumprimento à atual legislação educacional brasileira e de acordo com as modernas
tendências pedagógicas, o ensino de história
busca enfocar novos temas para estudo, visando à ação dos diferentes agentes sociais.
Nesse sentido, os professores têm contemplado a perspectiva do novo conceito de documento histórico, em que as chamadas novas linguagens (oral, gestual, sonora e pictórica) são utilizadas nas aulas de História. O diálogo da História com as demais Ciências Humanas vem favorecendo o desenvolvimento
de novas abordagens interdisciplinares. Esta
perspectiva permite a utilização dessas diferentes linguagens no ensino de História, representando nos últimos anos um grande
avanço metodológico para a concretização do
trabalho em sala de aula.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de
História destacam a seguinte perspectiva:
As pesquisas históricas desenvolvidas a partir
da diversidade de documentos e da multiplicidade de linguagens têm aberto portas para
o educador explorar diferentes fontes de informação como material didático e desenvolver métodos de ensino, que no tocante ao aluno, favorecem a aprendizagem de procedimentos de pesquisa, análise, confrontação, interpretação e organização de conhecimentos históricos escolares. Essas são experiências e vivências importantes para os estudantes distinguirem o que é realidade e o que é repre-
sentação, refletirem sobre a especificidade das
formas de representação e comunicação utilizadas hoje e em outros tempos e aprenderem
a extrair informações de documentos (das suas
formas e conteúdos) para o estudo, a reflexão
e a compreensão de realidades sociais e culturais. (BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: História – Brasília:
MEC/SEF, 1998. (Parâmetros Curriculares Nacionais, 4)).
O trabalho didático-pedagógico desenvolvido pelos professores de História nesses últimos anos tem procurado superar a memorização, operação mental que predominou durante
muitas gerações na aprendizagem do conhecimento histórico. Hoje, cada vez mais, há muitas estratégias didáticas que são capazes de
levar o aluno a ler e a compreender as entrelinhas do fato histórico, sem, contudo, fazer com
que o aluno recorra à tradicional “decoreba”.
Dessa forma, tem-se em vista a valorização da
leitura, da análise, da contextualização e da interpretação das diversas fontes e testemunhos
do passado e do presente. O uso dos mais diversos recursos pedagógicos tem sido bastante eficaz quando o professor relaciona o passado com o presente, o conhecimento histórico
com o saber do aluno. Ao relacionar fatos do
passado com o presente, o professor permite
ao aluno identificar semelhanças e diferenças,
permanências e mudanças ao longo do processo histórico. Outro procedimento fundamental
é permitir ao aluno diferenciar as noções gerais das particulares, o que contribui para a compreensão dos fatos históricos.
Entende-se, portanto, que o ensino de História tem por finalidade preparar o jovem aluno
para o exercício pleno da cidadania, aprimorando-o como pessoa verdadeiramente humana,
com sólida formação ética, autonomia intelectual e pensamento crítico. Sendo assim, os professores de História consideram que o ponto
de partida para uma educação significativa é a
leitura da própria realidade do aluno. Portanto,
os conteúdos e temas abordados em sala de
aula procuram levar o aluno a compreender os
acontecimentos contemporâneos. A História
sempre será uma disciplina escolar essencial
para o desenvolvimento da leitura do mundo,
para a formação de valores e para a construção
da cidadania. Professores e aulas de história,
mais do que importantes, são vitais à sociedade para permitirem que essa sociedade compreenda a si mesma, fazendo com que determinados indivíduos, grupos sociais e instituições deixem de insistir, embora contrariados,
em ter “memória curta”.
Denilson Schena é professor graduado
em História, especialista em Ensino de
História e mestre em História da
Educação (UFPR).
21
O QUE É HISTÓRIA
CULTURAL?
AUTOR: Peter Burke
EDITORA JORGE ZAHAR
O que é história cultural? A pergunta,
formulada há mais de um século, até
hoje não obteve resposta satisfatória.
Sem a pretensão de esgotar um tema
tão complexo, o autor procura explicar a emergência, a partir da década
de 1970, dos aspectos culturais do
comportamento humano como centro privilegiado do conhecimento
histórico, o que ele chama de “virada cultural”. Esse
modo de compreender a história resultou em um certo
abandono dos esquemas teóricos generalizantes, com
a valorização de grupos particulares, em locais e períodos específicos. Assim, surgiram trabalhos sobre gênero, minorias étnicas e religiosas, hábitos e costumes,
incorporando metodologias e conceitos de outras disciplinas. Burke é um historiador cultural que põe em
prática algumas das diferentes abordagens discutidas
nesse livro - como a recusa do conceito de civilização,
a expansão da idéia de cultura e a concepção da história como narrativa. São aqui tratadas, em ordem cronológica, as principais formas pelas quais a história
cultural foi e ainda é escrita, com especial atenção para
as tradições comuns aos atuais historiadores, assim
como para seus conflitos e debates. Ao final do volume, o autor apresenta uma lista de obras que marcaram
o desenvolvimento da disciplina e sugestões de leitura
sobre o tema.
O ENSINO DE HISTÓRIA E A
CRIAÇÃO DO FATO
AUTOR: Jaime Pinski
EDITORA CONTEXTO
Esta obra é uma discussão muito atual
sobre as formas dos historiadores
´criarem´ o fato histórico, dos livros
didáticos reproduzirem essas ´verdades´ e de muitos professores apresentarem-nas como definitivas. Vários
desses trabalhos foram apresentados
no seminário ´Perspectivas do ensino de história´, realizado na USP.
Embora com posições teóricas diferentes, os autores colocam-se numa
postura antipositivista e ressaltam a importância da historicidade e até do subjetivismo como ingredientes da
´leitura´ do passado.
22
Revista mensal vendida nas bancas e livrarias, publicada pela editora Duetto.
NOSSA HISTÓRIA
www.nossahistoria.net
A Fundação Biblioteca Nacional está empreendendo projeto
de publicação de
uma revista ilustrada de História
do Brasil, voltada
para o grande
público e vendida em banca de
jornal. A revista
Nossa História
(lançada em Novembro de 2003)
pretende mensalmente desempenhar papel importante na
difusão da História Nacional, tornandose um veículo privilegiado de divulgação dos acontecimentos do passado do
país e permitindo a seus leitores uma reflexão crítica sobre suas origens e sobre
a sociedade à qual pertencem. Especializada em História do Brasil, Nossa
História se dirige a todos os interessados em temas que marcaram a formação
do Brasil nos últimos 500 anos.
A
a
CRIANÇA
ea
pesquisa:
CURIOSIDADE
como ponto de partida
Por Danielle Mari Stapassoli
Criança pesquisa? Às vezes,
somos culturalmente
condicionados a entender
pesquisa e ciência como tarefa
dos eruditos, das
universidades, ou dos
cientistas com jeito de maluco.
Mas, se a curiosidade é a base
para a pesquisa e para a
efetiva construção do
conhecimento, quem melhor
do que a criança para nos dar
aula disso tudo?
“A curiosidade como inquietação indagadora, como
inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta
verbalizada ou não, como procura de esclarecimento,
como sinal de atenção que sugere alerta faz parte
integrante do fenômeno vital. Não haveria
criatividade sem a curiosidade (...).”
Paulo Freire
A curiosidade indagadora é o que desenvolve
no ser humano o seu conhecimento sobre o mundo e sua capacidade criadora de inovação.
Foi esta curiosidade como fenômeno vital que
fez com que os europeus, além dos interesses
próprios da época – século XV – se lançassem pelo
oceano Atlântico e acabassem por “descobrir”
novas terras, novos povos, novas culturas. Hoje,
é também esta curiosidade que lança o homem
ao espaço à procura de novas formas de vida.
23
23
Com certeza, esta inquietação indagadora trouxe muitas inovações tecnológicas, novos conhecimentos que a cada dia são reelaborados a partir
de novas descobertas, e trouxe, também, o autoconhecimento.
Trabalhando com educação nas séries iniciais
do Ensino Fundamental, é possível perceber nas
crianças o quanto a curiosidade as movimenta e
as incentiva a descobrir, a experimentar, a conhecer o mundo que as cerca.
Paulo Freire observa que “o exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente ‘perseguidora’ do seu objeto. Quanto
mais a curiosidade espontânea se intensifica, mas,
sobretudo, se ‘rigoriza’, tanto mais epistemológica
ela vai se tornando.” Assim, podemos considerar
a curiosidade como ponto de partida para o desenvolvimento da pesquisa científica dentro do
espaço escolar.
Saber estimular a curiosidade nas crianças é
saber que a partir dela estaremos desenvolvendo
o gosto pela pesquisa, que passa pelo gosto de
ler, de comunicar, expressar, compartilhar descobertas... Intensificando a curiosidade e estimulando a forma pela qual a expressamos, estaremos,
processualmente, desenvolvendo também a pesquisa científica.
O ato de pesquisar é considerar a incompletude do conhecimento humano, é considerá-lo como
indissociável do ensino, pois não há ensino sem
pesquisa e pesquisa sem ensino. Esta é uma atitude que faz parte da natureza da prática docente,
esteja ela na figura do professor, na escola, ou na
dos pais, em casa.
O hábito de ler e discutir os mais diferentes
assuntos em casa e na escola estimula nas crianças o desejo de querer saber mais para participar e
dialogar mais. Para desenvolver o ato de pesquisar,
será necessário também que elas tenham como
referência a figura de um pesquisador-leitor que as
incentive à busca, à investigação, à curiosidade, à
produção... Neste caso, pais e professores.
Na escola, trabalhar com a pesquisa exige do
professor uma atitude de constante investigação
para viabilizar com os alunos a troca de conhecimentos, relacionando-os com outros conhecimen-
24
tos e entre as disciplinas, a fim de compreender
melhor o mundo em que vivem, ensinando-os a
observar, descrever, comparar...
Esta proposta de trabalho “enxerga” a construção do conhecimento a partir das relações estabelecidas com o mundo para criar e recriar conceitos, hipóteses, reflexões, críticas, análises e sínteses sobre o próprio conhecimento.
O que muitas vezes acontece na escola ou na
forma como lidamos com o conhecimento é que o
dividimos em “gavetinhas” e, como se houvesse
um arquivo mental, o aluno assiste a uma aula de
história e arquiva os conhecimentos históricos em
uma gaveta e depois, em outra gaveta, os conhecimentos matemáticos; em outra, os conhecimentos geográficos, e assim por diante. Como cada
gaveta está separada, o aluno não consegue perceber que todos os conhecimentos são perspectivas diferentes de uma mesma e única realidade.
Em tais condições, o aluno perde sua aptidão natural para contextualizar os conhecimentos e integrá-los em conjunto.
A fragmentação do conhecimento implica a fragmentação da realidade.
Mas, o que dizer de todo o acesso que as crianças têm hoje às informações, nas mais diferentes
formas? Será realmente possível dividir o conhecimento ou a realidade? Ou ainda, separar o que é
mais importante ou mais interessante para este ou
para aquele aluno, ou para esta e para aquela idade?
Hoje, considerando a complexidade do mundo
em que vivemos, a concepção de conhecimento
se aproxima muito da idéia de uma grande “rede”
ou “teia”, onde cada conhecimento liga-se a outros sem necessariamente existir a supremacia de
um sobre o outro.
Propostas metodológicas como a pesquisa procuram considerar a religação e contribuição de todas as ciências na construção de um conhecimento globalizante e significativo. E, utilizando-se da
grande quantidade de informações a que estamos
submetidos na internet, nas revistas, nos jornais,
nos telejornais, estaremos auxiliando a criança,
desde cedo, na leitura e interpretação da realidade de maneira competente, tornando-se, ela mesma, sujeito do seu próprio conhecimento.
A pesquisa de que trato aqui certamente não é
a mesma que conhecemos dos meios acadêmicos, formal e com rigor científico. Mas, para chegarmos a ela, na forma de monografias, dissertações ou teses, será necessário que alguém, por
algum momento ou vários, nos ensine passo a
passo o “caminho das pedras” e o gosto por esta
estruturação e expressão do conhecimento.
Não pretendo descrever receitas prontas de
como trabalhar a pesquisa em sala de aula, até
porque escrever sobre o assunto faz parte de uma
reflexão teórica e prática ainda inacabada diante
de tantos estudos e relatos já realizados e a serem
considerados. Mas, já temos um ponto de partida
que é natural do ser humano: a curiosidade. Porém, ainda não existirá a pesquisa se não houver
questionamentos, se não houver uma busca por
respostas em uma ou mais fontes, se não houver
o relato destas respostas... Portanto, além da curiosidade precisamos também considerar a importância da linguagem.
Trabalhar com pesquisa nas séries iniciais do
Ensino Fundamental é, digamos, “processualizála” de acordo com a aquisição da linguagem oral e
escrita da criança. É ter presente a necessidade da
“dosagem” desta pesquisa conforme a série, a
necessidade de orientação constante por parte dos
professores e dos pais, e linguagem adequada à
criança. Fontes de pesquisa, por mais interessantes que sejam do ponto de vista do adulto, devem
ser de fácil leitura para as crianças nesta fase de
desenvolvimento. Quando não o são, corremos o
risco de tornar o tema e o próprio ato de pesquisar
desinteressantes.
No início, na educação infantil, a pesquisa poderá estar presente em pequenas perguntas e respostas orais. Nesta fase, muitas vezes o relato dos
familiares serve como fonte de pesquisa.
Já em processo de aquisição da linguagem escrita, a criança poderá ser motivada a realizar pequenas pesquisas através da busca por respostas
curtas a perguntas lançadas pela professora durante a aula e sobre um assunto, em forma de roteiro, que tenha despertado a curiosidade dos alunos. A pesquisa poderá estar presente também na
leitura de pequenos textos curiosos do tipo Você
sabia? e em livros emprestados da biblioteca es-
colar, em jornais, em documentários... Mais tarde,
quando a criança já domina a linguagem escrita,
estas respostas poderão ser registradas no caderno após uma discussão coletiva sobre o assunto.
A pesquisa avançará conforme o domínio que a
criança vai demonstrando sobre a leitura e a produção textual. Assim, conforme a série, podemos aumentar e aprimorar as perguntas a serem respondidas sobre um assunto, bem como a consulta às fontes bibliográficas. Isto porque a aprendizagem e o
desenvolvimento das crianças estão intimamente
ligados ao sucesso deste processo de investigação, ao conhecimento sobre a relação entre os seres vivos e o meio ambiente, entre as diferentes
formas de organização social, na diversidade religiosa e cultural... Neste momento, é importante também que a criança perceba que sobre um mesmo
assunto podem existir diferentes opiniões.
A orientação do professor é fundamental nas
séries iniciais, pois é lá que observamos também
a intencionalidade no desenvolvimento de algumas habilidades cognitivas, como a capacidade de
selecionar informações que respondam às questões apresentadas, análise, síntese, organização e
seqüência. Neste momento, a cópia ainda se faz
bastante presente. Porém, é interessante orientar
os alunos para que pelo menos algumas partes da
pesquisa possam ser elaboradas com textos de
própria autoria, com suas próprias palavras e opiniões, com uma introdução e uma conclusão.
O assunto não se esgota aqui. É bem provável
que você mesmo tenha outras experiências sobre a
pesquisa e como ela poderia ser encaminhada com
as crianças. De qualquer maneira, explorar a curiosidade da criança e ampliá-la já é uma forma de pesquisa que merece uma contínua reflexão sobre sua
importância na escola, em casa e na sociedade.
Danielle Mari Stapassoli é
professora de História e Geografia
a
da 4 . série do Ensino Fundamental
no Colégio Medianeira. É graduada
em Pedagogia pela PUC/PR, com
especialização em Organização do
Trabalho Pedagógico pela UFPR, e
em Currículo e Prática Educativa
pela PUC/RJ.
25
25
A CIÊNCIA NO COTIDIANO
COMO APROVEIT
AR A CIÊNCIA NAS A
TIVID
ADES DO DIA
APROVEITAR
ATIVID
TIVIDADES
AUTOR:
Len Fischer
EDITORA JORGE ZAHAR
Aqui vão algumas
sugestões de consulta para
ajudar a saciar a
curiosidade das crianças!
LIVROS:
Todos os que interessarem às crianças, que tenham linguagem acessível e sejam de bons autores, como
Ziraldo, Lygia Bojunga, Ana Maria
Machado...
‘A Ciência no Cotidiano’ mostra como
um cientista encara as atividades de
um dia comum - do café da manhã à
cerveja com os amigos, assim como
nos esportes, nas compras do
supermercado etc. Em meio a casos
engraçados e explicações precisas, o
autor nos propõe uma forma divertida
e acessível de saber como as leis da
ciência tornam possíveis pequenos atos do nosso dia-a-dia.
Sem trivializar a ciência, aproxima o método científico do
nosso cotidiano e humaniza os pesquisadores, ao revelar
como suas interrogações se aproximam das nossas.
A CURIOSIDADE PREMIADA
Coleção: P
ASSA ANEL
PASSA
O importante é que elas possam comentar a leitura, fazendo uma apreciação. Em muitos livros de literatura, é possível encontrar conhecimentos da história, da geografia, de ciências, que poderão contribuir com o
que estiverem estudando, no momento, na escola.
AUTOR: Fernanda
Lopes de Almeida
EDITORA ÁTICA
Glorinha pergunta sobre
tudo, incomoda todo
mundo. Mas logo todos
percebem que este é um
bom jeito de descobrir
o mundo.
SITES para crianças:
www.recreioonline.abril.com.br
www.oportaldosestudantes.com.br
www.ibge.gov.br- IBGE teen
www.nestle.com.br/maisdivertido
CURIOSIDADE E PRAZER
APEL D
A CURIOSID
ADE NA
DA
CURIOSIDADE
DE APRENDER O PPAPEL
APRENDIZAGEM CRIA
TIV
A
CRIATIV
TIVA
www.ziraldo.com.br
AUTOR:
Hugo Assmann
EDITORA VOZES
Estes sites auxiliam na pesquisa,
ampliam conhecimentos através de
curiosidades, e alguns apresentam
diferentes atividades recreativas e
de raciocínio lógico.
26
26
O livro leva o leitor a construir
pacientemente a sua própria
percepção acerca do tema
curiosidade e sua relevância
em todo o processo de
aprendizagem criativa.
Por Martinha Vieira
Muito diferente da cultura de massa, pronta para o
consumo irrefletido, o cordel tem suas raízes
cravadas na tradição popular, rica de sabedoria e
vivência. Trata-se de uma literatura que influenciou
e influencia até hoje segmentos importantes da
nossa música, com uma combinação de versos que
se embalam na hora da leitura.
27
Uma dica: leia o texto
abaixo em voz alta!
Meu senhor, minha senhora, vou agora lhes
contar que já desde outrora havia o verso popular.
Sempre rimado, beirando o rumo do sertanejo, o
cordel vem coroado de quase tudo que eu vejo.
De sertão afora, de tantas vidas severinas, nem só
de peleja, nem só de agonia, que o cordel também
representa a voz da maioria. Voz que nasce da necessidade de dizer, voz que celebra o desejo de
ser, abrindo a estrada do pensamento, e aquele
que ouve leva adiante pra não cair no esquecimento. E a memória popular desperta na próxima
geração o desejo de conversa, de prosa e de criação. E acordando o passado pressente as rugas do
tempo, e sem ressentimento prepara o chão, semeando no presente os frutos que virão.
sob ela dura e endurece o caroço de pedra”1 . “Verso feito a foice, do cassaco cortar cana, sendo de
cima pra baixo tanto corta como espana, sendo de
baixo pra cima voa do cabo e se dana”.2 “É canção
de lavadeira, peixeira de Lampião, as luzes do vagalume, alpendre de casarão, a cuia do velho cego,
terreiro de amarração, o ramo da rezadeira, o banzo
de fim de feira, é janela de caminhão.”3
Histórias contadas, histórias cantadas, desejo
de literatura: e nasce o alfabetizado pela leitura do
cordel cantado na viola do caboclo menestrel.
Muito mais que a assinatura, versos e rimas escritas no papel, é ele agora quem vai escrever o próprio cordel. Poder de dizer e deixar escrito é muito
mais que fazer bonito, é fazer valer a linguagem da
gente de todas essas paragens, de rio seco e cabo
de enxada, de folia colorida e mão calejada, de
calor do sol e do abraço, da força do pensamento e
do braço de quem não come o que planta, de quem
não almoça e não janta.
De fantasia e realidade, do sertão ou da cidade, de amores ou de crueldades, das lendas aos
problemas sociais, do sobrenatural, de Deus ou
do fogo infernal, de histórias perdidas no tempo
ou de fatos do momento se faz a poesia popular,
narrativa em versos de impressão artesanal, pendurada num barbante e vendida num instante nas
feiras do local.
Entre veredas do grande sertão brasileiro, entre
sujeitos e objetos, entre diversos fazeres, olhares
e falares, entre parabólicas e parábolas, um jeito
global de ser, de fazer, de olhar se insinua. Mas entre global e local a proposta do fazer e sentir poético local nos versos e canções de sujeitos que propõem a existência (ainda) de um povo brasileiro.
“É pelo resgate da cultura local que se reafirma
hoje uma cultura brasileira no mundo globalizado”.
(Chico Science, no Programa da TV Cultura “Globalização, Arte e Cultura”, exibido em 1996).
Assim se diz a literatura de cordel, rimando de
começo a fim as palavras do sertanejo, palavraspedra, palavras-confeito, palavras sem jeito, palavras sem terra, palavras sem pão, palavras de tantas bocas, palavras de qualquer João. E o sertanejo falando tem seu próprio jeito, calado pelo preconceito de tanta gente que vê como defeito a fala
popular. Mas o cordel vem perpetuando o direito
do sertanejo se expressar: sua fala “lisa adocicada,
28
1 João Cabral de Melo Neto, no poema O Sertanejo Falando.
2 Manoel Chudu, versos de Cordel.
3 Lirinha, do Grupo Cordel do Fogo Encantado.
Martinha Vieira é professora de Língua Portuguesa da 8a. série do Ensino Fundamental, no
Colégio Medianeira. É formada em Letras pela
UFPR e especialista em Currículo e Prática
Educativa (PUCRJ). De 1993 a 1995, foi produtora cultural do programa “Todos os cantos”,
da rádio Educativa do Paraná.
Alguns trabalhos de resgate da cultura local na poesia e na música:
Líricas - Zeca Baleiro
(CD MZA Music – 1999)
Da Lama ao Caos – Chico
Science & Nação Zumbi
(CD Chaos- Sony Music)
Domínio Público – Caboclada
(CD MCD – 2000)
A CORDEL ADOLESCENTE, O XENTE
AUTOR:
Sylvia Orthof
ILUSTRADOR:
Tato
EDITORA QUINTETO EDITORIAL
Neste livro um valentão do nordeste, um
cangaceiro muito do sedutor, mas metido
que só ele tirou um barato de Bertulina,
uma moça nordestina que estava caidinha
por ele, depois do primeiro beijo. Mas
coitado do valentão, porque a menina não
é de tirar farinha não. Nem queira saber o
que aconteceu na volta do bonitão.
Na Pressão – Lenine
(CD – BMG 1999)
CORDEL - PATATIVA DO ASSARÉ
AUTOR:
Patativa do Assaré
COLEÇÃO:
Fuá na Casa de Cabral –
Mestre Ambrósio
(CD Chaos- Sony Music – 1999)
Biblioteca de Cordel
EDITORA HEDRA
O que faz a força e o sabor da poesia de
Patativa do Assaré é o vínculo existente
entre o poeta, o sertão e a cidade. Seu
canto nasce da matéria cotidiana, com seu
labor, suas alegrias e seus sofrimentos. A
afeição com que é tratado pelos sertanejos que vêm visitá-lo, o sucesso de suas
excursões e os cordéis escritos em sua homenagem
são prova irrefutável de que ele se tornou um personagem-chave do panteão nordestino.
Cordel do Fogo Encantado
(CD – REC BEAT
Produções Artísticas)
29 29
Por Edilson Ribeiro
O progresso de uma civilização se mede pelo
aumento da sensibilidade pelo outro.
(Teilhard de Chardin)
Muitas vezes, a vontade de
mudar o mundo esbarra no
desânimo de quem se acha a
única pessoa com essa
intenção. Com o trabalho
voluntário, descobrimos o
outro, descobrimos sua
humanidade e, assim, nos
vemos também mais belos,
mais fraternos. E a ajuda
voluntária, além de uma
grande descoberta da
alteridade, acaba revelando
muito de nós mesmos...
30
Educação é um processo muito complexo que
ultrapassa o espaço da escola e da sala de aula,
ainda mais em uma época com tanta velocidade e
acesso ao mundo da informação. Todo aprendizado se dá numa rede de relações complexas que
supõe implicações culturais, ambientais e genéticas. Educar é ensinar o encanto da possibilidade
para que cada um desenvolva seu projeto de vida.
Quando você tem um projeto de vida, você é autônomo e se você é autônomo, é solidário, é o
sujeito da ação. Por força do mercado, a tendência
das escolas é a de formar os seus alunos para a
competição, que se inicia no vestibular e continua
depois no mercado de trabalho.
A educação é um método de produção de sentido para a vida, no qual buscamos introduzir novos modos de ser, agir, pensar, imaginar, reagir e
sonhar. Produzir sentido é ensinar crianças e jovens a se interrogarem, manifestarem dúvidas, colocarem certezas em xeque, cultivarem a vida interior, abraçarem o itinerário que conduz às fontes
e aos limites da existência. O pragmatismo moderno aposta no consumo o sentido do existir e
atrela o ser humano ao jogo das vaidades e ambições que abrem um profundo fosso entre a nossa
existência e nossa essência.
Todas as escolas deveriam ter programas comunitários que estivessem vinculados ao conjunto de disciplinas. Toda escola deveria estimular o
voluntariado, a associação de idéias, o choque cultural. No trabalho comunitário, tudo tem que ser
um lugar de aprendizado, qualquer um pode ser
um educador, qualquer um pode ser um aprendiz.
A escola reproduz, muitas vezes, uma forma
de encarar o conhecimento de maneira reducionista, pela qual o conhecimento é um grupo de
matérias, de informações das quais você tem que
dar conta em um prazo x de tempo. Isso não forma
pessoas em uma sociedade que exige muita criatividade, intuição, trabalho em grupo, muitas habilidades relacionais e cognitivas.
O conhecimento teórico não é suficiente para
levar as pessoas a uma atitude solidária. A solidariedade não é um problema pontual que pode ser
resolvido com alguma matéria específica ou com
a introdução de temas transversais. Há uma interdependência entre o trabalho de cada disciplina
em sala de aula e a atitude solidária do aluno. Uma
visão fragmentada do conhecimento, das disciplinas e da educação – ou seja, matérias entendidas
como autônomas e independentes – não considera a inter-relação entre os fenômenos. Tudo isso é
fruto de uma cosmovisão fragmentada e mecanicista do mundo que apostou na especialização das
ciências como caminho para encontrar verdades
definitivas e que vê na escola o meio de transmitir
estas verdades.
Todos os espaços de aprendizagem devem
ser planejados a partir de uma matriz multidisciplinar e interdisciplinar, buscando não apenas
mudanças nos conteúdos, mas no próprio conceito de ciência e, portanto, da educação. Pen-
sar uma epistemologia solidária é buscar um
modo de conhecer, refletir e inter-relacionar o
conhecimento de maneira complexa e aberta
desde a sua mais profunda raiz, e ao longo de
todo o processo ensino-aprendizagem. O pensamento solidário deve ser complacente com os
paradoxos, respeitar as diferenças não só como
uma dialética de opostos rígidos, mas como harmonização das ações e dos conflitos, da finitude, do pluralismo e da transitoriedade.
Como diz Edgar Morin:
As mentes formadas pelas disciplinas perdem
suas aptidões naturais para contextualizar os saberes, do mesmo modo que para integrá-los em
seus conjuntos naturais. O enfraquecimento da
percepção do global conduz ao enfraquecimento
da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada),
assim como ao enfraquecimento da solidariedade
(cada qual não mais sente os vínculos com seus
concidadãos).
Por isso, a comunidade-escola pode ser transformada num espaço comunitário de aprendizagem. A praça pode virar uma sala de aula, um beco
pode virar uma galeria, os galpões viram espaço
de arte, dança, música, esporte.
Para que esta realidade escola-comunidade se
torne possível, é preciso investir na capacitação
dos professores para saberem fazer a articulação
com a comunidade, de pais e professores na escola, para saberem aproveitar toda a riqueza de
uma comunidade. Este trabalho exige tempo e diálogo com as lideranças locais e a organização própria de cada instituição ou projeto social. Cada lugar vai ter que criar os seus espaços de integração
de acordo com as necessidades locais.
Há diferentes formas de ser solidário. Uma
delas são as campanhas humanitárias imprescindíveis nas situações de miséria, injustiças sociais e calamidades públicas. Por outro lado, o
exercício da cidadania, a participação no espaço
público, na vida política, a defesa dos direitos
individuais e coletivos são outras formas de ser
solidário. Ser solidário é tanto ajudar o amigo
doente como lutar pela qualidade de vida da coletividade. É preciso ter conhecimento das questões sociais mais urgentes do país, sensibilizarse por elas, refletir sobre os valores e princípios
31
a serem assumidos coletivamente. Conhecimento, vivências e reflexão são espaços que devem
estar entrelaçados para gerar uma consciência
solidária.
O voluntariado efetuado gratuita e solidariamente leva, naturalmente, o jovem a dar um novo
e profundo significado à própria vida e à dos demais, acelerando o processo da construção da sua
identidade e fazendo-o compreender que, ajudando os outros, ajuda a si mesmo. O voluntariado:
• Propicia a descoberta de si mesmo, de suas
riquezas humanas e de suas potencialidades;
• Desperta para o espírito de liderança e trabalho em grupo;
• Contribui para o aumento da autonomia, orientada para a responsabilidade pessoal e social;
• Favorece o amadurecimento afetivo por meio
do exercício do aperfeiçoamento na capacidade de amar e na disponibilidade de doar-se;
• Orienta para o futuro, propiciando o desenvolvimento da capacidade positiva de projeção, que funciona como eixo estruturador da
personalidade e como motivação para a elaboração de projetos, a reconsideração das
próprias escolhas, o empenho no bem do próximo, a reflexão sobre o sentido da vida etc.
• Organização de espaços de atuação, campanhas de saúde e preservação do meio ambiente ajudam o aluno a responsabilizar-se
pelo espaço público e a buscar alternativas
aos problemas reais da comunidade;
• Pesquisa no bairro ou na cidade para averiguar o número de crianças que não estão estudando e fazer campanhas de matrículas;
• Monitoria nas diversas disciplinas para ajudar os colegas;
• Reforço escolar;
• Escolinha de instrumentos musicais, canto,
danças;
• Organização de grupos que lutem pela melhora na qualidade de ensino;
• Preservação do meio ambiente: reciclagem do
lixo, cuidado das plantas, horta comunitária;
• Rádio escolar;
• Organização de bibliotecas e murais escolares;
• Formação de grupos para discussão da cidadania;
• Divulgação de ONG’s que atuam na cidade;
• Atividades em creches ou instituições que
acolhem crianças carentes;
• Leitura para cegos – doação da voz;
Outros aspectos do voluntariado como escola
de educação sócio-política:
• Contadores de histórias;
• Visitas aos idosos, em asilos;
• A educação para a responsabilidade como
exigência moral, destinada a despertar a
consciência do educando de modo a sensibilizá-lo em relação ao próprio destino do
outro a ele confirmado;
• A educação para a cultura da solidariedade
como compromisso ético para com a eqüidade social;
• A educação para o empenho político, que significa colocar-se a serviço do outro, solidarizar-se com ele e comprometer-se na defesa
e promoção dos direitos humanos.
Dentre as muitas possibilidades de programas
comunitários, que podem ser desenvolvidos nas
escolas, podemos dar alguns exemplos:
32
• Atividades circenses para divertir crianças;
• Monitoramento em museus e conservação
dos bens culturais;
• Palhaços que atuem nos setores infantis dos
hospitais.
Além disso, é possível organizar, durante as
férias ou feriados prolongados, os Campos de Estágios Sociais, onde grupos de alunos se reúnem,
partindo para lugares pobres que precisem de ajuda e formação. Durante dez ou quinze dias, organizam-se atividades com as crianças, os jovens, idosos, com as pastorais, movimentos sociais e a comunidade. Ao mesmo tempo, durante um período
do dia, esses voluntários se reúnem para estudar,
capacitar-se e refletir sobre as atividades que es-
tão desenvolvendo. O importante é
que essa ação sensibilize toda a comunidade e mexa com as autoridades locais, a fim de motivá-las a promover a dignidade e o direito social
dessa gente.
Com essas atitudes, estaremos
contribuindo para que se consolide
a cultura da solidariedade e para que
a sociedade se transforme, na medida de seus sonhos!
Edilson Ribeiro é filósofo pela
PUCPR, especialista em Currículo
e Prática Educativa pela PUCRJ
e coordenador de Pastoral do
Colégio Medianeira.
COMPETÊNCIA E SENSIBILIDADE SOLIDÁRIA
EDUCAR P
ARA A ESPERANÇA
PARA
AUTOR: Hugo Assmann e
Jung Mo Sung
EDITORA VOZES
Pode a humanidade superar a brutal exclusão social que marca o nosso tempo?
Os autores deste livro apostam que sim.
É um desafio imenso e difícil, mas possível. E a educação tem um papel central
nessa verdadeira virada de civilização
que a humanidade está atravessando.
Uma educação que abra horizontes de
esperança e que seja capaz de articular
competência e sensibilidade social. É
fundamental que o desejo de solidariedade comece a fazer parte da dinâmica do desejo das pessoas e da
sociedade. Para isso, a sensibilidade solidária precisa fazer parte
intrínseca do modo de educar, aprender, conhecer e viver das pessoas e de grupos sociais. Este livro é uma contribuição ao tema tão
fundamental e complexo que é educar para a esperança.
PRÁTICAS DE CIDADANIA
ORGANIZADOR: Jayme Pinsky
EDITORA CONTEXTO
Que importantes ações, no sentido de
estender a cidadania a todos, estão sendo executadas em nosso país - e por
quem? Quais os obstáculos que estão
sendo enfrentados para que essas ações
se concretizem? Em ‘Práticas de cidadania’, cidadãos narram suas próprias
experiências e, a partir delas, oferecem
exemplos valiosos, com o objetivo de
auxiliar a elaboração de novas políticas públicas, novas ações coletivas e novas práticas empresariais mais comprometidas com a
responsabilidade social. Um livro que, por meio da multiplicidade
de respostas oferecidas por seus autores, aponta os vários caminhos possíveis para a criação de uma sociedade mais digna, mais
solidária e mais cidadã. José Renato Nalini, Gilberto Dimenstein,
Galeno Amorim, Claudia Costin, Stephen Kanitz, Oded Grajew, Marina Silva, Cândido Malta, entre outros, são alguns dos cidadãos
que relatam suas experiências, reunidas nesta obra organizada pelo
professor Jaime Pinsky.
33
Quem é esse
viajante,
quem é esse
menestrel?
Por Laryssa Titon
Mediação presta uma breve
homenagem a um dos grandes
poetas de todos os tempos e
lugares, que cantou sobretudo
o amor, mas também tomou
posturas políticas marcantes
na defesa de uma sociedade
mais justa. Você sabe quem é
ele? Você sabe quem é Neftalí
Reyes Basoalto?
O Chile, país de grande diversidade geográfica, com seus desertos, suas muralhas de pedras e
o frio do Oceano Pacífico, tem a vocação para ser
um território de hombres fuertes e o berço de grandes poetas.
A Neftalí Reyes Basoalto o destino lhe presenteou com um fato memorável: o encontro com a grande poetisa, Nobel de Literatura, Gabriela Mistral.
Essa mulher alta, de rosto araucano, chegou a
Temuco, povoado onde morava Neftalí, para ocupar a posição de diretora do Liceu. Timidamente,
ele lhe ofereceu seus poemas gravados em seus
cadernos escolares. Após a leitura dos poemas de
Neftalí, Gabriela Mistral chamou o menino de então
16 anos e profetizou: “eu estava doente, mas comecei a ler seus versos e melhorei, porque tenho certeza de que aqui existe um poeta de verdade e uma
afirmação desta natureza eu nunca fiz antes”.
Esse rapaz, nascido em 12 de julho de 1904,
não só confirmou como transcendeu a profecia de
Gabriela Mistral. Além de Nobel de Literatura, foi
cônsul na Birmânia, Ceilão, além de outros países
asiáticos. Filiou-se ao Partido Comunista, pelo qual
foi candidato, veja só, à presidência de seu país
em 1969! Renunciou à empreitada em favor de
Salvador Allende, que o nomeou embaixador em
Paris assim que venceu as eleições.
Neftalí... ou melhor, chega de mistério e formalidade, não é? Você já percebeu que esse menino poeta ficou mundialmente conhecido como...
Pablo Neruda, o poeta do amor.
Neruda foi lírico e épico. Sua obra é o reflexo
de sua vida, de seus amores, de suas viagens, de
34
seus ideais, de sua postura política muitas vezes
polêmica. Cantou em verso e prosa a beleza de
sua terra, as moléstias sociais dos nossos tempos
e, como nenhum outro, utilizou-se de metáforas
belíssimas para cantar o amor. Um amor que apenas os homens de grande sensibilidade são capazes de sentir. Um amor intenso, que caminha pelos extremos, algumas vezes visita contradições
e, em outras, atinge a serenidade.
Yo te soñé u
na tarde
Mujer, hech
a de todas
mis ficciones
Has vibrado
reunidas
en mis nerv
ios como un
Llorando en
a realeza,
los senderos
de la ilusión
Siempre he
sentido el ro
perdida
ce de tu igno
ta belleza.
Marchitando
mis sueños
y mis buenas
Te he forjado
quimeras
a pedazos ce
lestes y carn
Como un re
surgimiento,
ales
como una pr
En la selva
imavera
de tantos es
túpidos idea
les.
He soñado
tu carne divi
na y perfum
En medio de
ada
un morboso
torturar de m
Y aunque er
i ser,
es imprecisa,
sé como eres
Ficción hech
, amada,
a realeza en
carne de
m uj er.
(de Cuadern
os de
Te m uc o)
El esperar doliente
No ha venido la amada
ni vendrá todavía,
No han llegado las
manos que debían
llegar.
Y para cuando llegue
florecerán los días
Alumbrando la suave
dulcelumbre de amar...
O poeta morreu em 23 de setembro de 1973,
ainda a tempo de ver o golpe de estado que depôs
o governo do Presidente Allende.
Porque Neruda fue muchas cosas o, muchas personas desde sus comienzos... se escogemos un
Neruda en desmedro de otro, nos quedamos con
una visión incompleta de su personalidad y, en
consecuencia, de su obra. Hay que seguirlo, por
el contrario, en todo su viaje... (Jorge Edwards)
A obra de Neruda pode ser encontrada nas
grandes livrarias de todo o mundo, traduzida em
diversos idiomas; porém, seus versos na língua
de Cervantes têm um ritmo e uma sonoridade que
fazem com que o sentimento do poeta chegue
sem dúvida de maneira mais intensa.
Sobre o seu trabalho de “fazedor de metáforas”, também o cinema nos brinda com uma pequena obra-prima sobre o autor. Trata-se do filme
El Cartero y el poeta, com a direção de Michael
Redford. O filme está disponível em qualquer locadora. Não deixe de assistir!
Obras principais: A canção da festa (1921),
Crepusculário (1923), Vinte poemas de amor e
uma canção desesperada (1924), Tentativa do
homem infinito (1925), Residência na terra [vol.I,
1931; vol.II, 1935; vol.III,1939, que inclui “Espanha no coração” (1936-1937)], Ode a Stalingrado
(1942), Terceira residência (1947), Canto geral
(1950), Odes elementares (1954), Navegações e
retornos (1959), Canção de gesta (1960), ensaios
(Memorial da ilha negra, 1964) e a peça teatral Esplendor e morte de Joaquín Murieta (1967).
Em 1974, foi publlicado o volume autobiografico Confesso que vivi. (Prêmio Nobel de Literatura, 1971).
Laryssa Titon é professora de Espanhol
no Ensino Médio do Colégio Medianeira.
Graduada em Letras-Espanhol pela UTP.
Y todos los dolores se apagarán. La luna
Saldrá mucho más bella tras el monte ideal,
La mirarán los ojos extasiados en una
Comunión de sentires alta y espiritual.
No ha venido la amada ni vendrá todavía,
Pero, mientras que llega, vivamos la alegria
De tener en la vida una esperenza más.
Ahora por encima de dudas y temores
Y engañando la herida de los viejos dolores
Esperemos la amada que no vendrá jamás.
CONFESSO QUE VIVI –
MEMÓRIAS
AUTOR: Pablo Neruda
EDITORA BERTRAND BRASIL
35
... e a propósito do
Por Mauro Michelotto Braga
Fotos Levis Litz
“O Fórum Social Mundial, além de
representar o mais significativo
espaço de resistência organizada
contra a imposição unilateral da
mundialização econômica
neoliberal, arquitetada pelos
poderosos de Davos, é o embrião
de uma nova sociedade-mundo
fundamentada em valores de
cidadania planetária. Estar ali
entre os milhares de “INGs”
(“indivíduos não-governamentais”
– conforme a expressão talhada
por Frei Betto), acima de tudo,
encheu-me do orgulho do
pertencimento a algo muito, muito
importante.”
36
Freqüentar as ruas, oficinas, feiras, exposições,
debates, shows e tudo o mais dentre as centenas
de espaços e atividades que compõem esse evento absolutamente estonteante que é o Fórum Social Mundial – ao lado de duzentas mil pessoas de
mais de cem países diferentes – antes de tudo me
trouxe duas certezas: a de ainda estar vivo e a de
perceber o quanto ainda há de gente viva por aí...
E foi com essa felicidade de sentir o sangue vivo
pulsando nas veias que me dei conta de algumas
reflexões, as quais simplesmente relaciono aqui,
sem qualquer hierarquização:
Quisera toda essa gente guerreira, que nunca
esmorece diante de tudo de ruim que está tão bem
instalado e alicerçado nesse nosso mundo, assimilasse a fundo aquele que talvez tenha sido o
ensinamento maior de Ghandi: “seja você mesmo
a transformação que você pretende realizar”, e
assim se ocupasse primeiro da mais difícil tarefa:
a do próprio renascimento... Para só então se preocupar em contagiar os outros e ter legitimidade
em exigir deles. Quisera cada um ali se tornasse
um verdadeiro instrumento vivo de todas as reivindicações pleiteadas.
Quisera todos esses intelectuais bem intencionados, que não se esqueceram da dívida social
incorporada às oportunidades formativas que desfrutaram, tivessem claro que, se para eles um outro
mundo é possível, para os dois bilhões de famintos
do planeta – que, aliás, não estavam em Porto Alegre (e nem poderiam estar...) – um outro mundo é
urgentíssimo, tem que ser imediato, ou ainda, que
para os que já acordaram para a gravíssima situação
da ecologia, um outro mundo é uma questão de
vida ou morte para a humanidade. Tudo, ao que
parece, é uma questão de perspectiva – e isso ficou explícito no desabafo da moça palestina que
veio de Ramalah (Cisjordânia) na oficina sobre os
países que vivem sob ocupação: “estamos fartos
de discussão: esse já é o 5º fórum onde todos discutem e se indignam, mas nada foi feito e Israel
continua a nos massacrar impunemente!”
e menos pelo velho “sexo, drogas e rock n’roll”.
Até porque estes – símbolos clássicos da eterna
rebeldia transgressora da juventude – sem a devida fundamentação ideológica, ficam restritos a
mero entretenimento a serviço da construção da
mesma apatia política e social contra a qual os jovens buscam rebelar-se. Desconectar-se do propósito de tudo isso só facilitaria o trabalho dos que
controlam o mundo, que querem perpetuar exatamente essa apatia. Com maior cuidado para não
incorrer nesse erro, talvez o espetáculo de abertura desse magnânimo evento, no belíssimo, energético e democrático espaço do anfiteatro “Pôr do
Sol”, tivesse mais a cara e a solidez de um ato
cívico e desafiador contra os poderosos do mundo, e menos a de uma reunião de “alternativos” –
fortalecendo exatamente aquela imagem “irresponsável” que as elites tentaram divulgar...
Quisera que os pretensiosos “donos da verdade” da pseudo-intelectualidade midiática brasileira, que se divertem fazendo o jogo da extremadireita e “zoando” com os desmandos da esquerda – embora jamais admitam o quanto são decisivos no que se refere a contribuir para que um outro mundo nunca seja de fato possível (leiam-se
aqui desde os Bóris Casoy/Diogo Mainardi da vida,
até os piores momentos de quem já mereceu créditos, como Arnaldo Jabor, entre dezenas de outros...) – trocassem temporariamente de papel com
os grandes pensadores que arrastavam multidões
no Fórum (como em qualquer outro lugar no planeta onde exponham suas idéias), tais como os
palestrantes Eduardo Galeano, José Saramago,
Frei Betto, Leonardo Boff, Ignacio Ramonet ou os
ausentes (mas ainda assim sempre presentes)
Chomsky, Hobsbawn, Capra, Kurz. Seria interessante a visão inversa: esses últimos com todo o
Quisera cada um desses jovens – e eles eram a
maioria no FSM, transformando o Acampamento
Internacional da Juventude quase que num evento à parte – sedentos por ocupar o papel histórico
que sempre lhes coube e por inventar o seu próprio Woodstock ou maio de 68, fossem todos atraídos mais pelo ato político que o Fórum representa
37
espaço e financiamento da mídia, invadindo todos os lares e levando sua
mensagem livremente a todos os
povos, e ao mesmo
tempo aqueles outros, baluartes da
mediocridade, desentocando-se da segurança da
telinha ou das frias páginas das
revistas, e experimentando a sensação de enfrentar e inflamar uma
multidão verdadeiramente crítica – pois
falar para cabos eleitorais e enganar ignorantes é ligeiramente mais fácil. Viver,
quem sabe, a experiência vivida por Frei Betto no
Fórum, falando para duas mil pessoas e levandoas a deixar de lado as polêmicas inquietações com
a atual política econômica e a explodirem de alegria numa manifestação espontânea de orgulho por
viver num país onde – como ele disse, contando aos
colegas franceses da mesa – “ um miserável provou
a teoria de Paulo Freire: tornou-se um verdadeiro
sujeito histórico e hoje é Presidente da República!
Isso aconteceu no meu país!”. E olha que o próprio
Lula não havia sido poupado anteriormente num
outro evento do Fórum Social. Fica aqui o desafio,
então: querem trocar um pouco de papel com os
verdadeiros intelectuais, senhores?
Quisera alguns políticos de carreira que adoraram participar das mesas ao lado de tantas feras,
mas que têm os péssimos hábitos de também adorarem microfones e holofotes, e de fingirem que
não reparam quando são descaradamente inconvenientes, lembrassem mais o velho ditado: “Deus
nos deu dois ouvidos e uma boca para ouvirmos
mais e falarmos menos” e compreendessem de fato
o quão importante é o seu papel nesse projeto de
transformação. Quisera fossem “contagiados” pelo
Fórum a ponto de cada um perceber a urgência de
rever compromissos, prioridades e atitudes.
Quisera todos aqueles cidadãos que gostam de
conversar sobre política e atualidades em suas
rodinhas de amigos, muitas vezes alfinetando a
tudo e a todos com o sarcasmo despretensioso de
quem adora reclamar (mas que a cada quatro anos
repete sempre os mesmos velhos votos, com
38
medo de colocar em risco o maior ou menor conforto que desfrutam), construindo argumentos a
partir das “informações” (?) que obtiveram pela
mídia (e como é traiçoeira a confiança cega nas
fontes de informação...), pudessem compreender
como a discussão política que dá espaço à contradição, ao contraponto, à discordância, e que se
ocupa em ouvir as histórias reais contadas por
pessoas reais – cada qual uma fonte preciosa de
dados – pode ser enriquecedora. O Fórum é um
espaço privilegiado para isso: ouvidos atentos podem sintonizar-se tanto na fala inflamada e desafiadora de Hugo Chavez contra os EUA – evento
grandioso – como também nas pequenas e riquíssimas informações sobre a realidade das lutas em
todos os cantos desse planeta, que são obtidas
“olho no olho” em cada uma das vielas e esquinas
do Fórum. É incrível como a boa vontade em partilhar experiências supera qualquer dificuldade com
idioma: é o angolano sorridente que se torna sério
ao descrever a situação das minas terrestres em
seu país, é o ativista basco que não se intimida
diante da pergunta marota sobre o ETA, é o vietnamita que tenta trazer de volta alguma atenção às
seqüelas vividas até hoje por sua gente, mesmo
depois da vitória na guerra contra os EUA. Como é
diferente discutir a situação do atual governo do
Zimbabwe diretamente com cidadãos daquele país
e diversos outros ativistas de ONG’s africanas, ao
invés de “fundamentar-se”, por exemplo, numa
matéria de meia página de uma revista como a
Veja. É rico! Muito rico! Me fez lembrar e vivenciar
a letra daquela canção dos Mutantes: “Não sou
daqui, nem sou de lá, eu sou de qualquer lugar /
meu passaporte é espacial, sou cidadão da Terra”.
Quisera eu me transformar numas 50 pessoas para
conseguir estar em todos os lugares do Fórum,
falando com todos com quem eu conseguisse...
Não! Acho que eu teria que ser 100... No mínimo...
Quisera que todos aqueles que assumem discursos ou se propõem a encaminhar projetos de
transformação não ignorassem o espaço conquistado pelo Fórum Social. Ali é a troca, o ponto de
encontro, a reavaliação de experiências e, acima
de tudo, a injeção revigorante de ânimo. Negar
isso ou afastar-se disso constituem-se equívocos
estratégicos imperdoáveis, afinal a empreitada é
extremamente árdua (é lógico: nenhuma elite detém o poder por acaso, pois capacitou-se para dominar todas as técnicas imagináveis para se per-
petuar), e só lograremos algum êxito se
bem organizados, conscientes de que somos ativistas heterogêneos de lutas heterogêneas, porém que se afinam numa convergência vital: um imenso “NÃO!” ao modelo que aí está. O Fórum Social nos traz a
sensação do real. Teorizar em excesso, ignorando os ensinamentos dessa overdose de realidade, é um convite ao fracasso
de qualquer iniciativa isolada, por mais
bem intencionada que seja.
Quisera ainda que lá em Davos e em
todas as demais esferas de poder que conduzem essa globalização neoliberal assassina (pois condena milhares à fome e às
guerras), mentirosa (pois promete o irrealizável), desrespeitosa (pois busca a
massificação, ignorando a linda diversidade de povos, culturas, religiões, etc...) e
insana (pois nos obriga, como humanidade, a marchar diretamente para o caos total – ecológico e/ou social), as elites abandonassem momentaneamente a sua soberba, saíssem um pouco de seu estado
catatônico inebriado pelas posses, riquezas, confortos e convicções, e pudessem
enxergar Porto Alegre sem o olhar míope
imposto pela mídia tendenciosa. Vissem
de fato as articulações ali traçadas. Quem
sabe a visão lhes despertasse, lhes tocasse um pouco a alma tão endurecida pelo
capital, e assim viessem engrossar os cordões dos que clamam por vida, justiça, paz,
solidariedade, amor, e tudo mais. Ou então quem sabe, caso o sarcasmo e o cinismo ainda prevaleçam, a visão faria com que
de fato tremessem, se apavorassem, diante da verdade histórica inquestionável que
o Fórum Social mais uma vez evidencia:
estamos vivos, senhores. Vivos, articulados, e cada vez mais numerosos.
O geógrafo Mauro Braga, que no
Medianeira leciona na 8ª série do Ensino
Fundamental e 2º ano do Ensino Médio,
foi um dos milhares de “INGs”
(“indivíduos não governamentais”:
ativistas autônomos que não
representam ou não estão vinculados a
nenhuma ONG ou instituição) presentes
ao Fórum Social Mundial de Porto
Alegre, em janeiro de 2005.
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL:
MANUAL DE USO
AUTOR:
Boaventura de Sousa Santos
CORTEZ EDITORA
O Fórum Social Mundial é a manifestação mais consistente e global da resistência contra o neoliberalismo. Nele se
congregam movimentos e associações
dos mais diversos países, atuando nas
mais diversas áreas de intervenção, irmanados na luta contra a exclusão, as
desigualdades e as discriminações sociais e a destruição da natureza produzidas ou intensificadas pela globalização neoliberal. Fazem-no
em nome da aspiração comum de que um outro mundo é
possível, um mundo mais justo, mais solidário e mais equilibrado nas suas relações com a natureza. O FSM é um fenômeno político novo, e este livro procura dar conta das suas
principais novidades nos domínios cultural, político e organizativo. Analisa-se em detalhe a evolução do FSM desde a
sua criação em 2001, as tensões que o atravessam e os principais desafios com que se confronta.
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
A HISTÓRIA DE UMA INVENÇÃO POLÍTICA
COLEÇÃO:
Brasil Urgente
AUTOR:
José Correa Leite
EDITORA PERSEU ABRAMO
O Fórum Social Mundial é uma das grandes inovações políticas do começo do
século XXI, o lugar em que, desde janeiro de 2001, boa parte do movimento global se encontra e articula suas lutas seguindo um método inovador. Ele estabelece uma nova forma de fazer política,
que tem como referência a idéia de rede, estruturada horizontalmente, e não a pirâmide hierárquica, de modo a reduzir os pontos de disputa e potencializar a dinâmica de encontro, diálogo e colaboração. É um espaço aberto e não uma
organização ou uma instituição, em que a quase totalidade
das atividades é auto-organizada pelos participantes, os partidos políticos são deslocados do centro da cena para a condição de coadjuvantes. É a invenção e o aprimoramento dessa nova forma de ação política que nos mostra este livro de
José Corrêa Leite, membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.
39
Por Vilma Lenir Calixto e Adalberto Fávero
Saber o que a humanidade já sabe é
importante; saber o que as diversas
civilizações construíram com suas
invenções, descobertas e
conhecimentos também é, sem
dúvida. Mas todos somos também
parte de um determinado contexto
construído historicamente, ou seja,
também temos um papel de construir
nosso saber, inventar, descobrir,
conhecer. Por isso, a escola deve
procurar ser um amplo espaço de
pesquisa, pois é a pesquisa – instigada
pela curiosidade – a força motriz para
novas contribuições ao mundo que
nos envolve.
40
Não fossem cinco minutos, Brasília teria o formato
de dois quadrados e um retângulo. Em um dia
quente e chuvoso – 12 de março de 1957 –, um
carro estacionou desajeitadamente na frente do
Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Desceram duas estudantes, Maria Elisa, de 22 anos, e
Helena, de 16. Era o último dia de inscrições para
o concurso que escolheria o projeto urbanístico
para a nova capital do país. Esbaforidas, as duas
entraram no prédio e correram pelos corredores.
Faltavam os tais cinco minutos para o guichê fechar quando elas entregaram um relatório de onze
páginas datilografadas, recheado por um desenho colado com rolinhos de fita adesiva. Missão
cumprida, Maria Elisa e Helena voltaram para o
carro, onde as esperava o pai, o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, autor do relatório. Do outro lado
do guichê, alguns dos seis arquitetos que escolheriam o projeto vencedor olharam para o texto
como se estivesse escrito em sânscrito. Parecia
mesmo. Era a descrição de uma cidade maluca.
Não havia centro, esquinas, calçadas nem cruzamentos. Revisado e corrigido pelo poeta Carlos
Drummond de Andrade – o primeiro a ler o relató-
Leste, Sul, apenas o mar e o que havia de superposição a isso: o céu. Imaginemos que foi em
respeito a esse céu infinito e misterioso que a criação de Brasília se fez como uma borboleta (como
queria Lúcio Costa – não um avião, como a que ficou
consagrada) – muito mesmo uma visagem – uma
cidade que não existia – um olhar criativo (sem dúvida a partir do que Lúcio Costa já sabia e havia vivido),
mais um olhar para o que estava ainda para existir.
Quem faz isso? Quem é capaz desse olhar diferente sobre as coisas e o mundo? A maioria de
nós diríamos “ah, os gênios”, ou “ah, os artistas”!
Tolice! Olhar muito limitador sobre a realidade que
vivemos. Nós realmente temos um povo maravilhoso que não se conhece (olhar cheio de ufanismo – vai lá – como não ser?). Somos criaturas singulares, mesmo com todos nossos defeitos e incompletudes (quais seriam?).
rio – o texto pouco lembrava o projeto de urbanismo. Era belíssimo, falava de um lugar desenhado
a partir de uma cruz, como “quem assinala um
lugar ou dele toma posse”. Três dias depois, Lúcio
Costa ganhou o concurso. Brasília levou o formato
de um avião, ou de uma borboleta, como proferia
o autor. Em segundo lugar, ficou o projeto que
queria a capital na forma de quadrados e retângulos. (Revista Veja, 13 de janeiro de 1999.)
Ao pensarmos a origem/gênese de Brasília,
sem sabermos oficialmente qual foi a primeira
idéia, o que achamos é que seria de um trabalho
longo, formal, extenuantemente pré-preparado,
apresentado assim em pastas – formal – com cópias – com formatação (a palavra ainda não existia...), índice, objetivos, bibliografia...
Não foi assim. Primeiro imaginemos o autor
Lúcio Costa em viagem de navio. Algum tempo
sem referências terrestres. Nada de nada das nossas referências geográficas normais, de Norte,
O que há é que em tudo de diferente que temos e criamos há uma idéia criativa. Brasília é uma
grande e luminosa criação. Não criamos Brasílias
todos os dias, mas todos os dias, para todas as
inúmeras dificuldades que vivemos, há muitas
Brasílias criadas. Somos criativos, não há dúvidas. Somos filhos de pessoas cheias de vontades,
pois só com muita vontade e trabalho para vencer
a floresta, o clima, a incompetência e corrupção
administrativa de vários governos e todos os outros males e dificuldades para se fazer o Brasil.
E o mundo esta aí, feito Frankstein a querer
saber de seu criador para que veio ao mundo.
E para que estamos aqui no mundo? Aí somos
muitos de nós com muitas respostas, mas com
uma egoísta verdade: para sermos felizes! Como
ser feliz nesse nosso mundo? Outras tantas possibilidades, porém aponto e assumo agora um eu:
Só com o coletivo em 1º lugar. Não sou feliz se
não vejo felicidade e possibilidade de vida plena
do meu lado/comigo. Posso estar feliz por alguns
vários momentos (tenho sorte?!), mas não sou. Aí
vem Paulo Freire, dizendo que “ninguém liberta
ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens
se libertam em comunhão”.
Essa crise de não ser é já nossa velha conhecida. Não somos mais de esquerda (o que seria isso,
hoje?), mas não sou mais jandaiense, não sou curitibana, não somos mais católicos, não somos mais
solidários, não somos... E o que somos?
41
Talvez a coisa mais indispensável que possamos
fazer no nosso dia-a-dia, enquanto seres humanos, seja recordar a nós próprios e aos outros a
complexidade, a fragilidade, finitude e singularidade que nos caracterizam. É claro que essa não
é uma tarefa fácil: tirar o espírito de seu pedestal
em algum lugar não localizável e colocá-lo num
lugar bem mais exato, preservando ao mesmo
tempo sua dignidade e sua importância; reconhecer sua origem humilde e sua vulnerabilidade e
ainda assim continuar a recorrer à sua orientação
e conselho. Uma tarefa indispensável e difícil, mas
sem a qual talvez seja melhor que o erro de Descartes fique por corrigir. (Antonio Damásio).
Na maioria das vezes uma soma de quereres
não totalmente realizados, porque muitos desses
se mostram impossíveis! Impossíveis pelo próprio sistema que na verdade quer matar a possibilidade de que o querer se realize. Não! O que interessa é o querer que não se acabe e queira e consuma e queira, queira...
Voltaremos ao ser feliz – nosso motor/mote. A
busca pela felicidade pressupõe conhecer-se, inquietar-se, procurar, perguntar, duvidar – pesquisar.
Pesquisar o que somos, o que queremos agora,
o que queremos ser pelos próximos anos – na vida.
Talvez estivesse aí o olhar de Lúcio Costa ao
criar Brasília: uma cidade em que houvesse o urgente ritmo de busca – aquela de sempre, a mesma: a busca pela felicidade. Pensemos o que tal-
TRABALHO COM PROJETOS
DE PESQUISA
do Ensino Fundamental
ao Ensino Médio
AUTOR:
Jorge S. Martins
vez Lúcio Costa sentiu depois de criar Brasília
(“pensada em doze horas, enquanto cruzava o
Atlântico numa viagem de navio”). Teve um momento de felicidade...?
O que tudo isso tem em comum com Pesquisa
como atitude e como projeto? É simples: ser feliz.
Mas ser feliz não a partir de um olhar fácil e tolo,
nada que recupere ludicidade. Ser feliz não é brincadeira. É busca nossa muito antiga e deverá ir
para a eternidade. Nós somos egoístas antes de
tudo. Nesse egoísmo é que se deve pensar o que
pesquisar com os alunos.
Como fazer pesquisa nas várias áreas do conhecimento? Qual a via para instrumentalizar o aluno do ensino fundamental e médio na perspectiva
de ser leitor da realidade, do livro, da prática, da
vida e da felicidade?
Ora, temos ousado sonhar que no ensino fundamental e médio seja possível ir além da mediocridade da transmissão de informações e fatos...
algo que a mídia tem buscado dar a impressão
de que faz bem.
Temos sonhado ir além da informação, do fato,
do texto, do pré-texto, da imagem e buscar a criticidade e criatividade da Brasília de todos nós.
Certamente, não é nessa faixa etária que estarão
concentradas as grandes descobertas científicas da
humanidade, mas aqui poderá ser encontrada e reconstruída a humanidade das grandes descobertas.
PESQUISA ESCOLAR
PASSO A PASSO
AUTOR:
Sonia Marta
Junqueira
EDITORA
FORMATO
EDITORA PAPIRUS
42
Esse livro apresenta uma proposta pedagógica baseada no princípio de que
é fundamental mobilizar e envolver o
aluno para que seu aprendizado seja
significativo. O autor explica como utilizar atividades calcadas em projetos de
trabalho escolar, integrando diversos conteúdos das
disciplinas regulares e do cotidiano da comunidade.
Neste livro, o aluno irá aprender
passo a passo a
realizar uma pesquisa escolar. A
autora Sônia Junqueira ensina às crianças o que é uma pesquisa e como pesquisar em diversas fontes
como jornais, revistas, internet entre outros.
O aluno, nessa faixa etária, e o educador fazem uma audaciosa trajetória de
aventura com o conhecimento, primeiro
com o motor da afetividade que motiva e
aproxima e depois com a busca de ousadia em ser feliz ao reconstruir esperanças
e sonhos de presente e de futuro.
Nesse momento da vida, a atitude de
pesquisa é o projeto de desafiar para a pesquisa e precisa, por isso mesmo, ter a ousadia de formar na esteira da criatividade e
criticidade competente e humana.
O que quer dizer isso? Formar pessoas
inquiridoras da realidade; sensíveis à dor
da periferia, do sinaleiro, da casa sem pão
e sem educação; abertas à construção do
novo; repletas de tempo, história de família, de cidade e de país; sujeitos pesquisadores da vida, da ciência e da felicidade.
Não se pesquisa sem sonhar, pois não
é possível viver sem sonhos. A imaginação, a fantasia, a ousadia, o sentir-se poeta
por um significativo e insubstituível momento, o sentir-se sabedor de coisas, conhecedor de novidade, reconstrutor de saberes, farol de futuro para alguém, pensador de um novo país, brilhante “olhador”
da realidade, ilustre conhecedor da vida e
da felicidade... tudo contribui para a construção das Brasílias de cada dia.
Muitos seriam os exemplos de como
fazer educação com essas características,
desafiar novos sujeitos do presente e do
futuro, caminhar abrindo caminhos...
Pensamos em alguns deles, buscando
transitar entre a simplicidade do dia-a-dia
e a experiência fascinante da construção
pessoal e coletiva de uma escola.
Vilma Lenir Calixto é professora de
Língua e Literautra do Ensino Médio
do Colégio Medianeira; formada em
Letras e pós-graduada em Currículo
e Prática Educativa (PUCRJ)
Adalberto Fávero é vice-diretor do Colégio Medianeira; é formado em Filosofia,
Teologia e História e pós-graduado em
Filosofia da Educação (PUCPR) e em
Currículo e Prática Educativa (PUCRJ)
Os
ea
CICLOS
PESQUISA
Desejamos um aluno com o perfil de quem precisa
aprender durante toda a vida, renovando sempre o que
aprendeu, desconstruindo as próprias certezas, convivendo com a instabilidade que obriga a rever o que faz, mantendo-se flexível e aberto diante de novos desafios, cultivando a formação continuada. A pesquisa, então, é a estratégia ideal para viabilizar este perfil.
Assim, em 5ª. e 6ª. séries, dadas as características próprias dessa faixa etária, do nível de envolvimento afetivo
e, em respeito a uma verticalidade/espiralidade de conceitos que se constroem, o trabalho pode ser um pouco
diferenciado dos demais ciclos que se seguem; isto é,
talvez não seja o caso de, de fato, produzir um projeto de
pesquisa, com toda a formalização que este exige.
Nesse ciclo, há dois grandes desafios: a motivação para a
pesquisa e a percepção da importância do trabalho coletivo,
percorridos a partir de um tema comum, que será desenvolvido ao longo do ano.
No primeiro semestre, os alunos de ambas as séries
devem entrar em contato com estratégias diversificadas:
ora palestra, ora atividade fora do espaço escolar (aulas de
campo), ora assistindo a um filme... Estas estratégias visam à motivação para o ato de pesquisar e à desmistificação do cientista como alguém inalcançável e distante do
mundo real. Paralelamente, cada disciplina deve fazer o
aluno “pôr a mão na massa”: ler muito para aceitar, refutar,
construir, desconstruir... reconstruir de modo significativo; em outras palavras: é o momento da pesquisa individual e da elaboração própria.
Dados estes passos, os alunos já têm maiores condições de desenvolver o trabalho, agora em equipe, nas diferentes disciplinas e em conformidade com os conteúdos centrais delas. Já na 6ª série, os alunos desenvolverão o trabalho em equipe, mas agora definidos por linhas
de pesquisa que lhes podem ser oferecidas.
Percebe-se, assim, uma gradação no desenvolvimento
da pesquisa da 5ª. para a 6ª. série. Enquanto naquela a
preocupação com o aspecto formal não é relevante, nesta
aparecem as primeiras preocupações, isto é, os alunos devem apresentar um pré-projeto, com problematização, justificativa para o problema e os anexos do trabalho. As de-
43
mais etapas de um projeto serão apreendidas no
ciclo seguinte.
Em suma, neste ciclo, o preponderante é fomentar a prática da pesquisa, como atitude constante
no aluno, vinculada à percepção da importância do
trabalho individual e coletivo para viabilizá-la.
No ciclo de 7ª e 8ª séries, é importante desenvolver ainda mais a atitude de pesquisa e o fortalecimento do trabalho individual em função do
coletivo. Levando em conta a faixa etária e suas
características, é interessante trabalhar com temas
que propõem um olhar cuidadoso sobre o adolescente, o seu mundo particular, o mundo em geral
e suas aflições, enfatizando a questão da violência
e a possibilidade de posicionar-se criticamente
diante dessa realidade.
O início do ano letivo é sempre um momento
definidor de caminhos possíveis. Após a apresentação das linhas de pesquisa de cada série, o aluno
pode se inscrever em uma delas, produzindo um
texto individual em que justifique de forma qualificada a opção que deseja fazer. A avaliação destes
textos definirá sua permanência na linha ou não.
Neste ciclo, inicia-se o trabalho com as questões formais da apresentação de um trabalho de
pesquisa. A 7ª. série estará mais voltada para a
produção qualificada do projeto até a formulação
de hipóteses. A 8ª. desenvolverá o projeto completo, fazendo uso de normas básicas de apresentação de trabalhos acadêmicos.
É importante salientar que o desenvolvimento
do projeto deve ser conduzido por meio de trabalhos específicos de orientação aos grupos e também de produção.
Diante das experiências com o método científico, vividas nas séries anteriores, a proposta do Ensino Médio se baseia na capacidade de o aluno realizar múltiplas sínteses de conhecimento. Essas sínteses presentes na etapa de terminalidade da educação escolar geral aparecem na pesquisa como a
capacidade de se levantar a questão proposta pelo
tema do ciclo, que pode ser um tema já ligado à
juventude e à própria construção do conhecimento, envolvendo o ciclo numa discussão que passa
por questões de ordem formal e política.
A 1ª. série do EM será pioneira nesta modalidade de trabalho por ciclo, o que fará com que tenha
mais tempo para leituras de base para o desenvolvimento do tema do ciclo e também reencaminhe questões metodológicas que ficaram pendentes no que se refere à construção de significado e de escrita propriamente dita. A 2ª. série do
EM parte do mesmo princípio, porém com encaminhamentos e sistematizações diferenciadas e
específicas da série, ou seja, trabalha com o mesmo tema – o tema do ciclo – mas neste momento
realiza sistematizações mais completas e complexas, até porque já passou pelo processo de
estudo sobre a pesquisa científica desde a 5ª. série
do Ensino Fundamental.
Colaboraram Liliam Martinelli e Suzana Bertassoni, integrantes do Serviço de Orientação
Educacional e Eliane Zaionc, coordenadora de 5ª e 6ª séries, do Colégio Medianeira.
A pesquisa em
Matemática...
Pedro Demo costuma salientar pelo
menos quatro pressupostos para a
pesquisa científica na escola:
vo com qualidade formal e política é o cerne do processo de
pesquisa;
• A educação pela pesquisa é a
especificidade mais própria da
educação escolar;
• Há necessidade de fazer da
pesquisa atitude cotidiana no
professor e no aluno;
cia Matemática pode focar a reali-
• O questionamento reconstruti-
• É preciso buscar definir a edu-
das possibilidades de se trabalhar
44
cação como processo de formação da competência histórica humana.
Para realizar tal utopia, a Ciêndade social brasileira. Assim, uma
a pesquisa na educação escolar é
o trabalho com a conscientização
desta realidade.
A Matemática pode, por exemplo, fazer uma leitura do mundo
que gravita ao redor do aluno enfocando a problemática das habitações populares da cidade em
que vive. A partir daí, podem-se
lançar algumas questões, esperando também questões propostas pelos próprios alunos. Como
exemplo: qual o perfil da família
com acesso a uma casa popular?
Qual a porcentagem de brasileiros com casa própria? Quais motivos levam à multiplicação do valor da casa, desde a construção
até o valor de sua prestação? O
que é o Movimento dos Sem Terra? E o Movimento dos Sem Teto?
Quais suas reivindicações?
Esse projeto pode ser uma
ponte interessante, pois possibilita o trabalho de conteúdos cen-
trais da Matemática de determinada série – como proporcionalidade, álgebra, geometrias plana e
espacial, desenho geométrico e
números – e também conteúdos
periféricos – como estatísticas,
gráficos e noções de informática
(planilha eletrônica) –, além, é claro, de usar esse conteúdo formal
e investi-lo de qualidade humana.
Em um primeiro momento, os
alunos podem fazer os projetos
das casas (plantas, cortes e vistas), orçar todos os custos e construir as maquetes. Até este momento, não se fala em pesquisa
científica. Esta é a rotina de sala,
pois os conteúdos centrais e periféricos são trabalhados ali.
Num segundo momento,
como motivação para a pesquisa
científica, podem ser feitas visitas a conjuntos habitacionais populares, a favelas espalhadas pela
cidade. Os alunos, mergulhados
na realidade e tomando consciência das reais condições de vida de
vários moradores da mesma cidade em que ele vive, vivenciam
o lugar e tomam nota de alguns
aspectos relevantes, como ofício
dos moradores, aspectos e dimensões das moradias, acesso à
rede de água e esgoto, condições
gerais de saúde, alimentação e
vestuário. Esse conhecimento
pode, posteriormente, ser pensado teoricamente e, alimentada
por essa teoria, a pesquisa pode
propor soluções práticas.
O terceiro momento é o de
aprofundamento destas relações
sociais. Ou seja, são delimitados
os aspectos sociais que serão desenvolvidos na pesquisa.
Assim, a pesquisa científica
pode se tornar uma atitude cotidiana de professor e aluno, ajudando a ler o mundo e a propor
novas escrituras para ele.
Colaborou o Prof. Elzério da Silva Junior, da área de Matemática do Colégio Medianeira
O sentido da pesquisa no
Ensino Religioso...
O pressuposto que fundamenta a pesquisa na área de Educação Religiosa deve ser, ao que parece, a abertura ao diálogo interreligioso, possibilitando assim o
conhecimento, a compreensão, a
tolerância e o respeito ao outro,
que possui liberdade de pensamento, de expressão e de manifestação de sua compreensão de
mundo. O diálogo inter-religioso
baseia-se na consciência viva do
valor da alteridade, da riqueza da
diversidade cultural e da percep-
ção de que ela se manifesta de
diferentes formas, no tempo e no
espaço. Utiliza-se, como ferramenta principal para essa compreensão,
o conhecimento, não como uma
Verdade que não possibilita o confronto, a troca de idéias, a inquietude, o inusitado, mas sim a verdade
enquanto um ponto de partida para
uma nova busca de respostas para
indagações e especulações.
Na medida em que ocorre o
confronto de verdades, que são
distintas, mas não necessariamente contraditórias, processa-se
uma transformação em cada um
dos interlocutores. Eles são provocados a descobrir uma nova
fórmula de apropriação, de posicionamento diante da realidade
que irá impulsionar uma ruptura
em relação ao que está posto, ao
que está dado, proporcionando
assim posicionamentos éticos
para a construção de um mundo
melhor, através de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.
45
A pesquisa na área de Educação Religiosa deve provocar no estudante a abertura e acolhida aos
sinais dos tempos, a disponibilidade para a alteridade e a sensibilidade dialogal da compreensão e
leitura da realidade enquanto fato,
bem como pensar a sua superação. Nesse sentido, a pesquisa
deverá instigar todos os estudantes a apontar caminhos e soluções
para construir um mundo melhor.
Cabe também ao Ensino Religioso
a discussão de alguns dos temas
mais relevantes no que concerne
aos problemas existenciais: a diversidade religiosa, as relações interpessoais, a ética, a cultura...
Colaborou o Prof. Sérgio Luis do Nascimento, da área de Ensino Religioso do Colégio Medianeira
A pesquisa em
Ciências...
Pensando, de modo geral, nas
Ciências da Natureza, pode-se partir, por exemplo, de um objeto de
estudo que esteja em bastante
evidência na agenda das preocupações locais e mundiais: a água.
Mais do que substância inorgânica e composta de seus respectivos átomos, ela é fonte de vida.
Por meio de aulas práticas,
pode-se demonstrar a eletrólise da
água e as mudanças de estado da
água x temperatura. Aos poucos,
o aluno vai percebendo essa relação de proporcionalidade entre os
dois fatores, começando a ter condições de transferir essa experiência para fora da sala de aula, problematizando o meio ambiente.
Através do estudo da hidrosfera, destacam-se características,
importância e propriedades, bem
como o ciclo da água, suas aplicações e seus agentes poluidores.
Para reflexão das ações no cotidiano, pode-se estimular o aluno pesquisador a buscar respostas para algumas perguntas sobre
o consumo e o desperdício da
água, assim como também do lixo
e dos resíduos e sobre os combustíveis e energia, traçando, desse modo, um perfil de consumo.
ambiente promovidas pelo homem estão repercutindo na conservação desses rios.
Finalmente, como construção
coletiva, é importante recorrer às
fontes bibliográficas também,
que já trazem grandes contribuições para que se entenda o problema e se apontem caminhos
para soluções. A leitura é tão fundamental quanto o trabalho prático. Portanto, é vital ler sobre vários temas: água como recurso
natural, tipos de água, consumo
atual, o ciclo da água e, mais diretamente, as várias formas de poluição. Nessa pesquisa, é inevitável – e saudável – transitar também por outras ciências, como a
Política e a Filosofia, para que se
discutam questões como progresso e conservação, a despoluição
como questão de cidadania...
Mesmo as aparentemente distantes Artes e a Matemática podem participar do processo, na coleta de imagens, na recriação
dessas imagens, nos cálculo de
áreas, de volume de água etc.
Pode-se ainda trabalhar em
conjunto com a disciplina de
Geografia, organizando aulas de
campo, nas quais é possível
constatar a realidade dos nossos
rios e nascentes, perceber também como as alterações no meio
Também não se pode esquecer
do quão importante é a coletivização do processo. Como toda pesquisa, ela será tanto mais válida
quanto maior for o público que
toma conhecimento de seus resultados. Para isso, podem ser chamados os pais, os alunos de outras
séries, enfim, pessoas convidadas
a partilhar desse conhecimento.
Assim, ao se pensar a pesquisa
em Ciências, parte-se do entendimento desta prática como processo diário de investigação, reflexão
e análise. O desenvolvimento de
espírito crítico e criativo, na perspectiva de busca de alternativas
que visem à superação das dificuldades percebidas, deve aparecer
nos próprios conteúdos objetivados pela disciplina na série.
Colaborou a Profa. Carmen Lúcia Martins, da área de Ciências do Colégio Medianeira
46
A pesquisa em
História...
A pesquisa, nesse caso, visa a
proporcionar instrumentos de
análise, interpretação e ação para
que alunos e professores possam
assumir, individual e coletivamente, atitudes de sujeitos pesquisadores, adquirindo conhecimentos,
habilidades, competências e comportamentos.
Priorizando a autonomia, a
metodologia científica é aplicada
de acordo com o nível de desenvolvimento da série em questão,
objetivando o exercício da cidadania e da crítica social.
Leitura e pesquisa individuais
são muito importantes para o processo de formação do sujeito crítico e criativo, fazendo com que o
aluno interaja com os colegas do
grupo e se torne agente atuante
e transformador, relevando não a
simples coleta de dados, mas uma
postura reflexiva frente aos desafios propostos.
O acesso a leituras, coleta de
dados, elaboração de textos, aulas de campo e à utilização de recursos audiovisuais são oportunidades que fazem o professor e os
alunos exercerem o aprimoramento de uma conduta ativa, crítica e
elaborada. A prática da leitura deve
ser abordada como processo dialético de compreensão, reflexão,
crítica e transformação. “A escola
precisa estar alerta à não submissão ao texto, ler é transcender estruturas castradoras, livro é zona
de luta”. (Paulo Venturelli)
O professor deve estar atento, pois todo momento na escola é um momento educativo, que
incentiva o uso de mapas, dicionário, explora a oralidade dos
alunos, como a clareza da fala, a
postura etc.
Um exemplo ilustrativo: nas
aulas de História, pode-se, em
primeiro lugar, estudar como trabalha o historiador, quais as fontes que utiliza, buscando compreender a importância e preservação da memória e da história oral.
Há alguns materiais audiovisuais (documentários, por exemplo) sobre paleontologia e topografia que desenvolvem uma
nova teoria da ocupação do continente americano. Paralelamente
a isso, também podem ser trazidos à sala de aula, estudiosos sobre assuntos afins ao do documentário Este trabalho perpassa
os conteúdos de Pré-História,
para que se percebam as transformações (especialização do trabalho, estratificação social, centralização do poder etc) que consolidaram um novo modo de
vida, passando do nomadismo –
dando relevo aos diferentes tempos e culturas – ao sedentarismo
– com a origem das cidades e a
revolução urbana.
A partir de um conhecimento
que começou a se construir teoricamente, a aula de campo seria
uma oportunidade para se visualizar, in loco, o estudo desenvol-
vido na sala de aula. No Paraná, há
o Parque Estadual de Campinhos.
Uma visita a esse parque é um
momento de extrema riqueza,
pois além de contar com o conhecimento de um espeleólogo,
tem-se a oportunidade de estar
em um local que fornece elementos para uma exploração
mais detalhada da formação de
espeleotemas, do ambiente cavernícola, desenvolvendo consciência crítica referente às transformações estabelecidas na interação homem-natureza e na administração do espaço urbano.
A compreensão do que é uma
rocha calcária, a influência da formação dos Andes, fossilização em
rochas sedimentares, exploração
calcária, a pedra carbureto, são algumas descobertas que nos auxiliam no processo da pesquisa.
Vários subtemas nascem daí,
como a sustentabilidade turística,
a segurança para os visitantes,
ordenamento das atividades desenvolvidas, condições de preservação do patrimônio natural
(ação de mineradores e visitantes sem consciência ambiental e
preservacionista).
Para a reconstrução do conhecimento histórico, é vital partilhar
dados coletados em revistas, mapas, livros, internet, fotos e documentos, o que ajuda a caracterizar aspectos sociais, culturais e
econômicos de diversas realidades históricas.
Colaborou a Profa. Tânia do Rocio Andretta, da área de História do Colégio Medianeira
47
com
Pedro Demo
Ninguém poderia falar melhor sobre Pesquisa e Educação que o
catarinense Pedro Demo. Seu incansável e contínuo trabalho com
os temas pode ser encontrado nas mais variadas formas como
artigos, livros, palestras e atividade docente. Nosso espaço seria
pequeno para apresentar o professor Pedro Demo. Ele próprio faz
uma breve e prática apresentação de si mesmo, no site
www.pedrodemo.sites.uol.com.br :
Bem Vindos, Estudantes e Amigos
Sou PhD em Sociologia pela
Universidade de Saarbrücken,
Alemanha, 1967-1971, e pósdoutor pela University of California at Los Angeles (UCLA),
1999 - 2000.
Atualmente, sou Professor Ti-
tular da Universidade de Brasília (UnB), Departamento de Sociologia (Mestrado e Doutorado
em Sociologia).
Minhas áreas de atuação sistemáticas são: POLÍTICA SOCIAL
e METODOLOGIA CIENTÍFICA.
Política Social
48
Metodologia Científica
•
Pobreza Política e Combate à Pobreza
•
Dialética da Realidade
•
Educação e Cidadania
•
Dinâmica não linear
•
Emancipação e Redistribuição
•
Pesquisa Qualitativa
•
Exclusão Social e Sociedade Capitalista
•
Débito social da ciência
•
Aprendizagem Reconstrutiva Política
•
Discutibilidade
Antenado aos seus leitores e produzindo sempre, Pedro Demo também
possui um blog
(www.pedrodemo.blog.uol.com.br),
espaço de discussão sobre o tema
Educação. Ele é, entre outras coisas, o
que se poderia chamar de um “pesquisador da pesquisa”, propondo a substituição do ensino baseado meramente
na reprodução das informações (algo
que nossa sociedade já faz em abundância, sem precisarmos de um professor para isso) pelo ensino e prática da
pesquisa como princípio educativo. É
algo sobre o que Pedro Demo já fala há
vários anos: a pesquisa é matriz para o
conhecimento reconstrutivo.
Procurado por Mediação, o professor foi objetivo: Pesquisa? Vamos
conversar. E foi sobre esse tema, a
pesquisa, a entrevista de Mediação
com o professor Pedro Demo.
MEDIAÇÃO: Na educação que ainda trabalha,
em geral, com uma tendência reprodutiva, qual
o espaço para a metacognição, ou seja, como
fazer para o aluno, de fato, aprender a aprender e criar autonomia para pensar o próprio
pensar?
Pedro Demo: Permito-me dizer que não se trata de
“metacognição”, mas de aprendizagem adequada,
com base em procedimentos autopoiéticos, reconstrutivos, interpretativos, que mantêm o aluno como sujeito de sua autonomia. Em vez de aula,
é preciso introduzir pesquisa, elaboração própria,
leitura assídua, feitura de textos, argumentação...
O senhor fala bastante da pesquisa como um
“princípio educativo”. Para que esse princípio
se instale efetivamente, como deve ser, na sua
opinião, a relação entre o professor e o aluno?
Pedro Demo: Primeiro, o professor precisa saber
pesquisar, também para evitar a banalização do que
seria pesquisa. Depois, se ele souber pesquisar,
pode ter condições mínimas para fazer o aluno
pesquisar. A relação é “maiêutica”, na posição de
orientação, provocação, cuidado.
Para o senhor, que viaja por diversas partes do
Brasil, já é possível perceber uma certa mudança de paradigma educacional, ou seja, já
existem escolas que estão – além de trabalharem com a transmissão do conhecimento – caminhando em direção à pesquisa e à construção (mais do que repetição) de um conhecimento reconstrutivo?
Pedro Demo: O paradigma dominante é terrivelmente instrucionista, porque é nossa tradição, é
nossa “pedagogia”, é nosso atraso. Mas existe, em
todo o país, a discussão em torno da aprendizagem do aluno, movida também pelos dados muito
negativos do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica)*. Cada vez mais os professores percebem que suas aulas não levam a
nada: aumentamos os dias letivos e diminuiu o
aproveitamento escolar.
Ainda há uma sensação – não sabemos se real
ou estereotipada – de que o lugar da pesquisa é
na universidade, enquanto à escola caberia a
tarefa de transmitir o conhecimento historicamente acumulado. O senhor acha que essa ainda é uma idéia forte atualmente?
Pedro Demo: Confunde-se pesquisa como princípio científico (sofisticação metodológica) com princípio educativo. Faz parte do entendimento autopoiético pesquisar, porque representa a habilidade do aluno de fazer seu próprio conhecimento.
Transmitir conhecimento, a rigor, sequer é viável,
porque o reconstruímos naturalmente – nosso cérebro não é xerox.
Às vezes, os educadores têm dificuldade para
trabalhar a pesquisa com seus alunos. Parece
realmente difícil criar alunos leitores/pesquisadores/reflexivos se o educador não é nem
leitor, nem pesquisador, nem tem uma postura
reflexiva, não lhe parece?
Pedro De
mo: O professor pode ser problema, mas
Demo:
é sobretudo a grande solução: o aluno pesquisa
se o professor pesquisa, aprende se o professor
aprende, faz texto se o professor faz texto. É preciso investir forte e sistematicamente no professor, para que ele seja a imagem viva da aprendizagem adequada.
49
Quando o senhor fala do ser humano como um
“eterno aprendiz”, há uma aproximação bastante grande entre a educação e a poesia, já
que a poesia busca sempre trazer olhares novos sobre o mundo. Como o senhor vê essa
aproximação entre o encantamento poético e
o encantamento proporcionado pelo saber?
nas). Em algum sentido, o aluno está desinteressado, porque a escola não é interessante. Seria
bom vestir esta carapuça. Mas há muitos outros
problemas, é claro, porque a infância e a adolescência vivem hoje ambientes muito diferentes,
disparatados, agressivos etc.
Pedro Demo: O eterno aprendiz sempre se encanta com o mundo e suas vibrações e mudanças.
Sempre busca ver além da colina e procura sentido nas coisas. Percebe que nada se esgota, porque na história não há ponto de partida e de chegada. Sempre estamos nos fazendo e desfazendo.
É preciso estudar sempre, até porque quem não
estuda não tem aula para dar.
A tecnologia que existe hoje e parece já ter um
grande trânsito por toda a parte, inclusive na
escola, precisa ser incorporada de modo sistêmico na educação. Como o senhor acha que
essas novas tecnologias podem ajudar a criar
um novo jeito de ser, pensar, agir e ensinar?
O mundo contemporâneo é marcado pela fragmentação, em que se fala de tudo, mas, ao
mesmo tempo, não se fala de nada com profundidade. Como trabalhar hoje com essa imensa
quantidade de informações à nossa disposição,
de modo que não nos sobrem apenas retalhos
descontextualizados dessas informações? O
pensamento complexo seria uma alternativa?
Pedro Demo: Abundância de informação é, de si,
um legado pertinente e motivador. É preciso superar o instrucionismo que apenas informa, instrui, ensina. A idéia da complexidade pode ser banal
também, porque muitas vezes não vai além da
“complicação”. Mas, bem entendida, coloca o desafio de dar conta de uma realidade da qual nunca
se dá conta inteiramente.
Muitas vezes, o aluno, mergulhado em uma profusão de estímulos extra-sala de aula, apresenta dificuldades na hora de concentrar sua atenção em terrenos mais áridos da pesquisa e da
leitura. Como canalizar a atenção desse aluno
de modo que possa também enfrentar situações mais complexas na construção de seu conhecimento?
Pedro Demo: É complicado reter a atenção dos alunos, por vários motivos. Primeiro, porque aula é
invenção do professor para o professor. Nada tem
a ver com aluno. Para um cérebro de sete anos de
idade, aula não é referência nenhuma. Segundo,
porque a motivação do aluno é bem diferente da
nossa; não é que não se motive, mas tem outras
motivações (por exemplo, não gosta de ler; mas
se receber um manual de instruções para um jogo
eletrônico, lê tudo, mesmo que tenha 300 pági-
50
Pedro Demo: É fundamental saber lidar com isso,
também porque é motivante. Entretanto, esta tecnologia é da ordem dos meios. Aprender não é
gesto tecnológico, mas autopoiético. Sabendo
usar, a tecnologia nos oferece um meio muito interessante para a reconstrução do conhecimento. Na educação à distância – dizem os mais azedos – geralmente só há distância! Falta educação, aprendizagem, tudo se copia, nada se cria.
Mas isto é o abuso.
Acompanhe alguns dados sobre leitura
apontados pelo Saeb em junho de 2004 e
perceba que, apesar da melhora em alguns
índices, o resultado ainda é abaixo do
satisfatório (fonte: www1.folha.uol.com.br/
folha/educacao):
Prova de leitura
do Saeb apresenta
melhora inédita
LUCIANA CONSTANTINO
da Folha de S. Paulo, em Brasília
Pela primeira vez desde 1995, a
média de desempenho dos alunos da
4ª série do ensino fundamental na prova de leitura do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica)
melhorou em relação ao exame anterior. Porém, ainda ficou abaixo do satisfatório.
Na prova de 2003, a última feita, a
média ficou em 169,4 (o máximo é 500
pontos) – os alunos acharam informações explícitas em textos narrativos
mais longos e em anúncios de classificados, além de reconhecerem o
tema de um texto simples.
Mas não compreenderam textos
mais complexos e informativos. Para
ser considerada satisfatória, a média
deveria ficar em 200 pontos. Em 1995,
a média foi 188,3. Caiu para 186,5, em
1997, e chegou a 165,1, em2001.
Nas outras séries avaliadas – 8ª. do
ensino fundamental e 3ª. do médio – e
em matemática, a média dos alunos
de escolas públicas e particulares se
manteve estável.
Veja mais esses dados de setembro
de 2003, também retirados do Saeb
por meio da Folha Online:
Mais de 50% dos
alunos da 5ª série não
sabem ler nem escrever
da Folha Online
A educação mundial vem se desenvolvendo a cada ano, mas o Brasil não está acompanhando essa evolução. O desempenho de alunos com
até 15 anos foi avaliado em 32 países e o Brasil ficou com uma das piores posições, superando apenas a
Macedônia, Indonésia, Peru e Albânia. Segundo pesquisa do Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico,
do Ministério da Educação), do total
das crianças brasileiras que cursam a
quinta série do ensino fundamental,
64% não sabem ler, nem escrever.
Confira alguns livros do autor:
EDUCAR PELA
PESQUISA
Coleção: EDUCAÇÃO
CONTEMPORÂNEA
AUTOR: Pedro Demo
EDITORA AUTORES ASSOCIADOS
COMPLEXIDADE E A dinâmica não linear
APRENDIZAGEM do conhecimento
AUTOR: Pedro
EDITORA ATLAS
Demo
A complexidade tem ocupado lugar central do debate epistemológico e teórico, representando emblema principal da mudança de paradigma. Significa o reconhecimento de que é impraticável devassar o
real, já que toda dinâmica complexa contém componentes refratários
ao ordenamento metodológico.
Essa idéia de complexidade é fundamental tanto para a epistemologia, que precisa aprender a
adaptar ao real não linear, colocando o método a seu serviço, quanto para processos educativos, em particular para a
aprendizagem. Recomeça a superação do instrucionismo para possibilitar ao educando estilos formativos de dentro
para fora, capazes de gerar autonomia. A Inteligência Artificial tem abusado da perspectiva linear dos computadores
atuais, ao insistir, por exemplo, em hipertextos não lineares,
quando, na prática, são procedimentos tipicamente algorítmicos.
POBREZA DA POBREZA
AUTOR:
Pedro Demo
EDITORA VOZES
O texto realça a “pobreza política”,
que não é outra pobreza, mas face
política. Assim como a fome é substancialmente questão política, não
apenas agrícola ou técnica, a pobreza é a face mais negra de uma sociedade injusta que ainda pretende viver no privilégio de pequena minoria contra grandes maiorias. O livro é dirigido
aos estudiosos e interessados em analisar a realidade brasileira de maneira mais interdisciplinar, sociólogos, antropólogos, assistentes sociais, educadores, economistas, dispos51
tos a rever as idéias surradas sobre pobreza no Brasil.
51
Entre um
e um
Por Luciane Hagemeyer
52
“As revistas,
As revoltas,
As conquistas da juventude
São heranças, são motivos
Pras mudanças de atitude...”
Quando nos debruçamos sobre um
assunto que para nós é novo, é
sempre bom procurarmos
estabelecer um diálogo com o que
já sabemos e nos é significativo.
Isso nos faz descobrir que um
discurso pode ter várias faces. Às
vezes, “basta a cara e a coragem, a
cor, o corpo, o coração, uma
canção da banda preferida, uma
descida ao porão...”
1986. Último ano do “antigo” magistério. Estava em dúvida entre fazer Letras ou Publicidade.
Apesar das aulas de Literatura serem as minhas
favoritas, achava que fazer Publicidade teria mais
a ver comigo. Queria trabalhar com a linguagem.
Contudo, era necessário decidir logo, afinal o vestibular já estava chegando e eu tinha que tomar a
fatídica decisão.
Bem, confesso que optei por fazer o vestibular
para Publicidade e Propaganda. E aí, não passei.
Resultado: mais um ano de estudos. Ainda continuava me interessando por tudo o que tivesse por
base a palavra, só que dessa vez, acabei mudando
de opção. Tentei Letras. Descobri, um tanto tardiamente, que a minha professora de Literatura
havia me influenciado muito mais do que eu imaginava. Foi por meio dela que comecei a me dar
conta do profundo significado que a poesia tinha
para mim. E observava que naquele contexto, havia mais gente pensando como eu. Era o final da
década de 80 e havia muita poesia no ar. Quer dizer, não só no ar, nas rádios também.
Naquele momento surgiam novos letristas e
compositores que faziam parte de uma geração
que marcou história. Uma galera que trouxe um
grande fôlego à MPB veiculada pelas rádios daquela época. Este período, que se configurou como
o boom do Rock Nacional, foi chamado por Arthur
Dapieve de “BRock”. Foi um movimento que, de
forma geral, revelava uma atitude punk que chegava da Inglaterra, embora de forma atrasada por
aqui. Era um novo rock, que falava dos problemas
comuns de uma geração que começava a encontrar espaço para veicular suas idéias sobre política, governo, religião, amor e sexo num momento
em que o Brasil vivia um processo de redemocratização, decorrente do Movimento das Diretas.
Carregava em si diversas vozes, fruto de discursos anteriores, e com elas dialogava. Mais do que
isto, foi uma época que influenciou de alguma forma todos aqueles que cresceram ouvindo as canções de Cazuza, Renato Russo, Herbert Vianna,
Arnaldo Antunes, Nando Reis (e os demais Titãs)
e Humberto Gessinger. Este último, mesmo tendo sido sempre o mais alvejado pela crítica, me
parecia o que mais se diferenciava dos demais.
Curiosamente, o segundo LP da banda formada por Humberto Gessinger, Augusto Licks e Carlos Maltz – os Engenheiros do Hawaii – foi intitulado A Revolta dos Dândis, nome que havia sido
retirado de um capítulo do livro O Homem Revoltado, do escritor e filósofo franco-argelino Albert
Camus. Este mesmo autor também havia escrito
um ensaio intitulado O Mito de Sísifo baseado na
lenda grega do mesmo nome. De fato, esta era a
lenda mais rock’n roll da Grécia Antiga, pois se
tratava de uma descrição do homem condenado
eternamente a empurrar uma pedra para o alto de
uma colina, de cujo topo ela sempre rolaria, obrigando-o a um trabalho exaustivo e infinito.
Assim, neste e nos subseqüentes quatro discos da banda, os Engenheiros do Hawaii, cuja figura principal foi e continua sendo a de Gessinger,
o que se revelou foi a presença de um grande “time
do contra” no cenário do Rock Brasil. De um lado,
porque de punks eles nada tinham (e nada têm).
Suas referências melódicas mais imediatas eram
as bandas Pink Floyd e Rush, denotando, segundo
Sílvio Gessinger, “uma aversão à modernidade da
música pop e aos lances previsíveis dos seus contemporâneos”. Isto fez do grupo liderado por Humberto “uma espécie de reserva moral da música
jovem brasileira”, conceito definido por Silvio Gessinger, em 10.000 destinos ao vivo.
Na verdade, talvez fosse justamente esta aversão à modernidade presente nas temáticas das
letras de Gessinger, um dos seus principais diferenciais. Mas havia outros. Algumas de suas letras, tomando por base outros exemplos contidos
nos demais LPs, eram evidências de uma qualida-
53
de formal surpreendente, caracterizada por variados recursos de linguagem, como as aliterações
fascinantes de “Somos quem podemos ser ”
(“Quem ocupa o trono tem culpa/ quem oculta o
crime também/ Quem dúvida da vida tem culpa/
quem evita a dúvida também tem...”), de “Alívio
Imediato” (“Que a chuva caia como uma luva, um
dilúvio, um delírio/ que a chuva traga alívio imediato...”) ou da impecável “O Papa é Pop” (“...o pop
não poupa ninguém...”), que, além das aliterações,
também envolviam o uso de trocadilhos, outra
marca genial de Gessinger.
Como se não bastasse, Humberto tinha uma
incrível habilidade para subverter clichês e ditados populares, revigorando-os, e atribuindo-lhes
novos e ambíguos significados, como em “Tribos
e Tribunais”, em parceria com Augusto Licks (“Isso
me sugere/ muita sujeira/ isso não me cheira nada
bem/ tem muita gente se queimando na fogueira
e muito pouca gente se dando muito bem...”). As
letras sempre têm como tema recorrente o ser
humano, percebendo a cena urbana de forma irônica, num contexto de incertezas pós-modernas.
Acredito que estes fatores já lhe inspiravam tantas imprecisões diante das “rápidas transformações” que ocorriam na sociedade daquela época.
Com o passar do tempo, comecei a perceber
que as letras das canções de Gessinger possuíam
um traço típico das poéticas modernas, como a
cidade, a contradição, a solidão inerente ao ser
humano. E estas eram sempre retomadas, quase
como se fossem organismos autônomos, “variações” sobre estes temas. Curiosamente, foram
estas composições de que me chamaram a atenção para um poeta bastante distante do nosso tempo e espaço: um dos primeiros e grandes poetas
líricos que refletia sobre a condição humana na
modernidade, Charles Baudelaire. E quem era ele?
Bem, vamos dar uma “descida ao porão”.
Baudelaire nasceu em 1821, era parisiense e...
um dândi! Um dândi, segundo Ana Balakian, corresponderia em meados do século XIX, a um homem um tanto egocêntrico, de meia-idade, bem
vestido, é claro, embora excêntrico e entediado, e
que por ter experimentado todas as idéias e tido
muitas experiências, reduziu-as a um vazio de sentido. Na verdade, Baudelaire escreveu as primeiras poesias cosmopolitas. Através da sua poética,
denunciava as dissonâncias existentes nas gran-
54
des cidades, a ironia da condição humana, a beleza
que provinha do que não era comumente considerado belo. Sua principal obra? As Flores do Mal.
Para ele, a escrita da poesia era uma atividade intelectual, era trabalho, mais do que inspiração. Talvez, daí, a sua genialidade.
Foi assim que comecei a perceber certa aproximação entre as duas poéticas que me chamavam a atenção. Mas como confrontar duas linguagens tão distantes no tempo e no espaço, a
de um poeta do século 19 e a de um compositor
do século 20? E mais, não poderia desconsiderar
o fato de que quando se trata de falar em composição, corremos sempre o risco de mutilar a criação artística, detendo-nos mais sobre um de seus
aspectos, sejam eles ou só a letra, ou só a melodia. É sempre um risco.
Acreditando que estabelecer este diálogo valeria a pena, encontrei primeiramente alguns elos
na cadeia que ligava os dois artistas em questão: a
filosofia existencialista de Jean Paul-Sartre, e o
movimento beatnik, da década de 50, nos Estados
Unidos, que foi fortemente influenciado pela poética de Baudelaire. Um dado interessante neste
diálogo é que, para Hal Chase, a chave para o movimento beatnik foi o tédio, da mesma forma que
a temática do “enfadado” era recorrente em Baudelaire. E assim, influenciados pelo livro-símbolo
do movimento beatnik, On the Road, de Jack Kerouac, muitos jovens de classe média largaram
tudo “e pegaram a estrada”. Era uma geração que
vinha surgindo entre as décadas de 30 e 40 e foi
chamada por Jean-Paul Sartre de “’The Lost Generation”, a geração perdida. Uma geração que passava o sentimento do desespero, do abandono e
da angústia presentes naquele período. O mais
legal de tudo isso é que a literatura beatnik começou a chegar por aqui na década de 80. Seria uma
simples coincidência?
A partir daí, a “Infinita Highway” passou a fazer
cada vez mais sentido. Era puro movimento beatnik!
...Mas não precisamos saber pra onde vamos, nós
só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos
Nós só queremos viver
Sem motivos, nem objetivos
Estamos vivos e isto é tudo
É sobretudo a lei/ Da infinita Highway...
Eu vejo um horizonte trêmulo, eu tenho os olhos úmidos
Eu posso estar completamente enganado
Eu posso estar correndo pro lado errado
Mas “a dúvida é o preço da pureza”
E é inútil ter certeza
Eu vejo as placas dizendo não corra
Não morra/ Não fume
Eu vejo as placas cortando horizontes
Elas parecem facas de dois gumes...
É importante ressaltar aqui toda a simbologia
destes versos de Infinita Highway, pois as placas,
simbolizando as proibições, nos “cortam os horizontes”, mas não de maneira a nos fazer “enxergar” alguma novidade; pelo contrário, multiplicam-se num contexto que nos restringe a liberdade
cada vez mais. Assim, seria perceptível em Infinita Highway um exemplo claro do diálogo com a lírica moderna, onde a criação se dirige, em
uma instância, a um destinatário em
especial, o futuro incerto. Neste
sentido, a visão de um “horizonte
trêmulo” dispensaria comentários.
Vale lembrar ainda que o verso “a
dúvida é o preço da pureza” foi tomado emprestado de um dos textos de Sartre.
Mas havia outros aspectos dominantes na poética moderna e em
algumas composições de Gessinger. Um deles era a relação entre
os temas que apareciam constantemente contrapostos, assimilando e sinalizando o mesmo viés paradoxal de Baudelaire, perceptível
na canção título do LP, A Revolta
dos Dândis:
Entre um rosto e um retrato, o real e o abstrato
Entre a loucura e a lucidez
entre o uniforme e a nudez
Entre o fim do mundo e o fim do mês
Entre a verdade e o rock inglês
Entre os outros e vocês
Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem
Que não passa por aqui, que não passa de ilusão
Entre gritos e gemidos, entre mortos e feridos
(A mentira e a verdade, a solidão e a cidade)
Entre um copo e outro da mesma bebida
Entre tantos corpos com a mesma ferida
Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem
Que não passa por aqui, que não passa de ilusão
Entre americanos e soviéticos, gregos e troianos
Entra ano e sai ano, sempre os mesmos planos...
A canção “A Revolta dos Dândis”, plena de significados, evidenciava o paradoxo entre os elementos da canção, denotando uma moral em transição, um estado intermediário entre uma coisa e
outra. A música denotava a ausência de um salto
necessário para sair de uma determinada situação,
embora o “estrangeiro” não se identificasse com
ela. Esta falta de impulso para uma transformação
também denunciava algumas assimilações características da lírica inaugurada por Baudelaire, porque manifestava o ceticismo diante de uma época
entendida mais como uma civilização técnica. Daí
a sugestividade da capa do LP e do próprio símbolo incorporado à imagem dos Engenheiros, as engrenagens, marca da revolução industrial: “o homem transforma-se numa peça de engrenagem, e
sua tarefa, em que não há mais o caráter artesanal,
pode ser realizada indiferentemente por qualquer
indivíduo. O automatismo é o preço do progresso”, afirma A. GOMES, no livro O poético: magia e
iluminação. Vale lembrar também que o “estrangeiro” a que Gessinger se referia não apenas possuía uma relação direta com o personagem de Camus, de O Homem Revoltado, mas também denotava a falta de enquadramento de alguém num
sistema como este.
Enfim, Gessinger, Licks e Maltz sempre se diferenciaram por sublinhar a contradição e o paradoxo na condição humana. Talvez seja por isso
mesmo que eles nunca foram uma unanimidade,
até mesmo porque, se assim fosse, os Engenheiros não teriam a menor graça.
Mas é sempre bom dar uma olhada por aí e
ficar atento ao que as novas “e as velhas” bandas
de rock estão acrescentando hoje no cenário do
BRock. Ou será que a juventude continua sendo
“uma banda numa propaganda de refrigerantessss... ?” “Se for, já era”...
* Ah, mais uma curiosidade. Humberto
Gessinger estudou no colégio jesuíta
de Porto Alegre, o Anchieta.
Luciane Hagemeyer é professora do Ensino
Fundamental no Colégio Medianeira, formada em Letras
Português/Inglês pela UFPR, com pós-graduação em
Currículo e Pratica Educativa pela PUC-Rio e
mestranda em Estudos Literários pela UFPR.
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PERGUNTE AO PÓ
AUTOR: John Fante
EDITORA JOSÉ OLYMPIO
No clássico que influenciou Charles Bukowski, John Fante relata o sentimento de
exclusão de um jovem escritor que, no
auge de seus 20 anos, utiliza o submundo
de Los Angeles como laboratório de vida.
Arturo Bandino, protagonista de Pergunte
ao Pó, vive em um hotel barato de LA e se
apaixona por uma garçonete mexicana,
Camila Lopez. Juntos, os dois compartilham uma história
complicada regada a amor, ódio, liberdade e loucura. Embora tudo aconteça na década de 30, os conflitos de Bandino e sua busca pelo autoconhecimento e realização pessoal
são atuais e reais na vida de qualquer jovem de 20 e poucos.
GUIA DE ROCK EM CD
ORGANIZADORES: Arthur
Dapieve e Luiz Henrique
Romanholli
EDITORA JORGE ZAHAR
Esse ‘Guia de Rock em CD’ não apenas
indica e comenta os 300 discos essenciais do gênero como conta resumidamente a história dos
170 intérpretes ou grupos que os gravaram, do AC/DC ao Yes,
de Arnaldo Baptista ao Ultraje a Rigor. Os críticos de rock
Arthur Dapieve e Luiz Henrique Romanholli selecionaram para
esse guia CDs de todas vertentes do rock. O leitor encontrará
nas páginas deste livro tanto textos sobre Cake, Hüsker Dü e
Sepultura, quanto nomes obrigatórios como Beatles, The
Clash e Nirvana.
Sinopse disponível em: http://saraiva.com.br
TITÂNICOS CAMINHOS
AUTOR: Felipe Mendes
EDITORA GRYPHUS
Trotta
O livro comenta, segundo Jamari França,
“a trajetória sonora dos Titãs que foi do
new wave para o mais radical trash metal, num direcionamento que levou a banda a um estouro de massa e depois reverteu para um mercado segmentado. (...) Os Titãs são um dos
melhores exemplos da alquimia sonora do rock: oito personalidades fortes que souberam administrar suas diferenças em
proveito da criação de uma personalidade musical comum, de
impecável qualidade sonora e cultural.”
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ON THE ROAD
AUTOR: Jack Kerouac
EDITORA L&PM
Quem já assistiu a Diários de
Motocicleta, longa dirigido
pelo brasileiro Walter Salles, baseado na viagem de
Che Guevara pela América Latina, vai entender
como ninguém a essência de On The Road. Ao se
deliciar com os textos de Jack Kerouac, o pai da
geração beatnik, a vontade que se tem é a de sair
correndo, sem rumo e sem compromisso algum.
Em Pé na Estrada, título traduzido para o português, o escritor conta a história de dois amigos
que decidem viajar de uma costa à outra da América do Norte em busca de um estilo de vida totalmente controverso ao “american way of life”. Embalados pelo jazz vigoroso do final de década de
50 e entorpecidos por estimulantes e álcool, Dean
Moriarty e Sal Paradise curtem aquilo que seria e foi - a viagem de suas vidas. Alguém duvida?
Sinopse disponível em:
www.igeducação.ig.com.br.
BROCK
O ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 80
AUTOR: Arthur
EDITORA 34
Dapieve
Escrito de forma brilhante pelo
jornalista Arthur Dapieve, o livro foi lançado em 1995 pela
Editora 34 e está em sua terceira
edição. Chamado por Dapieve
de Brock, o pop-rock brasileiro
que se consolidou naquela década é retratado e analisado em
vários detalhes. Do começo de tudo, passando
pela Jovem Guarda, Raul Seixas e Mutantes até a
explosão roqueira nos anos 80, o autor dá um
panorama social e político do Brasil daqueles tempos. E os clássicos são todos devidamente homenageados.
Titãs, RPM, Ultraje a Rigor, Legião Urbana, Blitz,
Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso e Engenheiros do Hawaii têm capítulos próprios, tamanha sua importância à frente do movimento.
GEOGRAFIA
na escola:
(re)definindo
caminhos
Por Leandro Guimarães
Nenhuma ciência é neutra. Ela está sempre se posicionando
diante do mundo por meio de seu objeto de estudo, impregnado
de discursos que desnudam ou acentuam os enigmas do homem.
Como a Geografia ocupa o seu território? Como é capaz de
subverter o papel destinado a ela nas épocas difíceis de uma
educação conservadora? Como ela se renova e encara os desafios
de buscar coordenadas para a leitura do mundo contemporâneo?
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O que a Geografia anda fazendo nas escolas?
Preenchendo o horário dos alunos, apenas desenvolvendo a capacidade de memorização e transformando-os em mini-Atlas ambulantes ou ainda
estimulando discursos vazios, sem nenhuma base
de preparação? Não se pode saber exatamente o
andar da carruagem dentro das salas de aula em
todos os colégios, mas é sabido que, há muito tempo, o ensino recebido por nossos tios, pais e avós
passa por mudanças profundas.
É extensa a lista de estudiosos que, ao longo
do tempo, refletem a respeito destas mudanças.
Germán Wettstein, um renomado geógrafo uruguaio, acredita que essa disciplina deve, em alguns casos, é claro, fazer uso de termos usados
em medicina, como a “geografia curativa” e a “geografia preventiva”. Aproveitando o gancho desta
concepção, muitas vezes a disciplina realmente
precisou passar por um verdadeiro tratamento
médico. Jean-Michel Brabant, por sua vez, afirmava de forma muito curiosa: a crise da geografia na
escola se resume essencialmente na crise de sua
finalidade. Aliás, como foi comum o termo “crise”
não só ao mencionar o ensino de geografia, mas
seu próprio estabelecimento como ciência.
Por vários anos, a geografia constituía-se nas
salas de aula como uma disciplina neutra, sem
postura e sem foco. O que não é muito difícil de
se compreender, bastando ver nosso passado
histórico de repressão à liberdade individual e
até mesmo a falta de espaço de trabalho por certos profissionais de ensino. Claro, em um ambiente mergulhado profundamente nas águas de
um sistema capitalista, estes acabavam aderindo à mesma estrutura escolar que preparava (e
ainda prepara) alunos “domesticados” para o
mercado de trabalho.
Muito bem, detectado o fato de que realmente passamos por crises (pode-se comparar a um
relacionamento. Isso, por sinal, é bom, pois muitas vezes foi passando por elas que acabamos
descobrindo nossas falhas e nos conhecendo
melhor), a geografia da sala de aula se identifica com o quê?
Propõe-se aqui uma atividade: ligar a televisão
(talvez nem isso seja preciso, pois ela parece possuir uma tendência natural a permanecer ligada!)
e observar o conteúdo dos programas “informati-
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vos” (lamento dizer a muitos, mas as novelas não
entram nessa categoria). É impressionante como
quase tudo aquilo que pode ser conectado ao ensino de geografia se assemelha a efeitos catastróficos. Imagens aéreas de uma região urbana mostram um moto-boy esfacelado no chão. Critica-se
o moto-boy por perambular como um louco nas
cidades, mas não se comentam as horrorosas condições de trabalho pelas quais passa. Muito menos fornecem os dados de quantos outros se encontram torcendo realmente pelo seu tombo, porque a fila de emprego destes motociclistas (que
no futuro provavelmente também tombarão) é
maior do que a quantidade de moto-boys trabalhando. Ainda: vítimas de alagamento são filmadas tentando desesperadamente se agarrar a um
poste ou a algo do gênero. Critica-se a administração local em um verdadeiro jogo político, mas dificilmente se esclarecem as condições e os efeitos
que desencadeiam as cheias dos rios nas regiões
urbanas. Os deslizamentos que ocorrem sempre
são acompanhados de uma maca carregando o
corpo enlamaçado daquela criança que estava dormindo no momento. Ah, mas a ocupação era ilegal. Ilegal por quê? Por opção destes moradores?
Um tsunami atinge a Ásia e a maioria dos telespectadores fica horrorizada com o fenômeno, quando sequer sabe quais regiões e sob que circunstâncias isso pode ocorrer (mesmo os recentes
documentários oferecidos na TV paga apresentam
situações de tragédia, como corpos empilhados e
cenas reais de uma pessoa sendo arrastada pelas
ondas. Raramente discute-se a degradação do
meio ambiente como agente causador de tragédias). Notícias alarmantes ressaltam os problemas da seca em determinadas regiões, mostrando produtores que necessitaram negociar toda
sua infra-estrutura para pagar as dívidas existentes. Os sistemas de crédito agrícola prevêem
eventos econômicos atípicos como este? O risco-país aumenta! Pronto, o PIB vai cair, os investimentos desaparecem, o dólar sobe. É um verdadeiro “vai-e-vem” de “altos e baixos”, tudo no
mais belo linguajar econômico.
É neste ambiente de informação imprecisa,
desordenada e manipuladora que acabam por proliferar seres apáticos, sem perspectivas, incrédulos e maniqueístas de toda espécie. E pode apostar, proliferam-se na sala de aula. Entretanto, a sociedade caminha sob estas circunstâncias, mes-
mo que “aos trancos e barrancos”. E o crescimento e queda desta atinge todas as esferas: seja do
ponto de vista econômico (e isto preocupa a maioria das pessoas, por mais que não entendam como
a alta da SELIC interfere no preço do pão que elas
irão comprar amanhã na padaria), seja social, cultural e moral. O mesmo Germán Wettstein afirmava que a vida cotidiana é um grande livro com o
qual se pode aprender sempre. Entretanto, árdua
tarefa essa do professor de geografia: filtrar o que
é instrumento de manipulação, sensacionalismo e
argumentos vazios (aliás, a internet colabora muito para isso, especialmente porque os jovens de
hoje formam uma nova geração, extremamente
conectada sob todos os sentidos ao computador)
e o que definir como parâmetros sólidos para a
verdadeira compreensão do espaço geográfico.
Um recente filme do diretor argentino Adolfo
Aristarain, Lugares Comuns, conta a história de
Fernando Robles, um professor que é obrigado a
se aposentar por determinação do governo, justamente por causa da crise econômica pela qual o
país vinha (e podemos ainda dizer que vem) passando. Em determinado momento, num de seus
últimos dias de trabalho, o personagem se dirige
aos alunos – que se tornarão futuros professores –
afirmando que não devem jamais ensinar algo que,
ao simples sair da sala de aula, já irá cair no esquecimento. Este é um espaço muito importante para
ficar fadado ao mero desperdício de tempo (do
professor e o aluno). E conclui de forma magnífica: o que os alunos devem aprender é a “dor da
lucidez”. Pode apostar que a geografia, apesar de
seus desvios de percurso ao longo de sua história,
anda fazendo isso muito bem!
GEOGRAFIA DA FOME
O DILEMA BRASILEIRO: PÃO OU AÇO
AUTOR:
Josué de Castro
EDITORA CIVILIZAÇÃO
BRASILEIRA
Um ensaio sobre o fenômeno da fome generalizada, numa época em
que esta se torna cada
vez mais visível em tempos de globalização.
Josué de Castro foca seu
estudo no continente americano, dando especial atenção à fome no Brasil.
GEOGRAFIA HUMANA
SOCIEDADE, ESPAÇO E CIÊNCIA SOCIAL
AUTOR:
Graham Smith,
Derek Gregory e
Ron Martin
EDITORA JORGE ZAHAR
A progressiva globalização da produção, das
finanças e da cultura; os
desafios enfrentados
pela nação-estado; a
importância do ambientalismo; a forma como
determinadas regiões e suas identidades cultural e política vêm sendo
resgatadas na esteira da internacionalização e do localismo; estes são
alguns dos temas de ‘Geografia humana’, livro que coloca o leitor a par
da drástica reorientação por que vem
passando esta disciplina, símbolo da
pós-modernidade.
Leandro Guimarães é geógrafo, professor
da 1a. série do Ensino Médio, no Colégio
Medianeira. É graduado pela UFPR.
59
Fé y Alegria
SEMENTE de
Educação
entre os
EMPOBRECIDOS
O “Movimento Internacional de Educação Popular Integral e Promoção Social Fé e Alegria” nasceu há 50 anos, na Venezuela, da indignação diante da situação de injustiça educacional dos pobres.
A visão audaz de seu fundador e a colaboração de
inúmeras pessoas e organizações, cristalizaram
uma obra de história rica de proteção ao futuro.
Hoje são 1,232 milhão de alunos na educação formal e programas comunitários.
A Fundação Fé e Alegria foi concebida como
um instrumento para melhorar as condições de
vida dos homens e mulheres marginalizados pela
sociedade. Assim, começou a trabalhar, em 1955,
o Pe. José Maia Velaz, S.J., acompanhado por um
grupo de estudantes da Universidade Católica
Adrés Bello, nos bairros de Caracas, Venezuela.
No contato direto com os pobres, surgiu a percepção de que a causa fundamental de todas as injustiças sofridas pelo povo é sua própria ignorância.
Se constatou a necessidade da Educação.
Fé e Alegria se propõem a contribuir para a
melhoria dos níveis de educação da população
mais pobre e para uma melhor qualidade de vida
deste povo. E a educação dos pobres exige um
projeto próprio, a partir da cultura da pobreza que
é seu pão de cada dia. Esta é a proposta do Fé e
Alegria que se define como “movimento de educação popular integral”. O projeto educativo da
Fundação está construído a partir da periferia e da
marginalização. “Onde termina o asfalto, começa
Fé e Alegria”, se descreve o projeto de uma forma
tanto gráfica quanto dramática.
As estratégias de trabalho fundamentais têm
sido a educação e a organização das comunidades; dizer aos sujeitos individual e socialmente,
que são capazes de assumir em sua mão as decisões de suas vidas, sua própria história. Desde o
começo, com a criação de escola e a extensão de
trabalho comunitário, se promove um estilo parti-
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cipativo e responsável, que se traduz em relações
abertas e diretas entre os que constituem os centros educativos. Hoje, Fé e Alegria tem experiência reconhecida de mais de 40 anos de trabalho.
A Fundação encontrou terra fértil para expandir-se: Equador (1964), Panamá (1965), Peru
(1966), Bolívia (1966), El Salvador (1968), Colômbia (1972), Nicarágua (1974), Guatemala (1976) e
Brasil (1980). Mais tarde se funda Fé e Alegria na
República Dominicana (1991), Paraguay (1992) e
se organiza o surgimento do projeto na Argentina
(1995). Sentindo a necessidade de estruturarse como instituição, é criada uma Federação Internacional, com estatuto e regulamento. Hoje a
Fundação atua como organização consultora da
UNESCO e da UNICEF. A unidade da missão de
Fé e Alegria tem sustentação nas reuniões internacionais, realizadas todos os anos, que servem para troca de experiências e qualificação
dos processos.
Fé e Alegria formula sua Proposta Pedagógica
como resposta à dramática realidade em que vivem as populações mais pobres. A Fundação, portanto, se caracteriza pela criatividade na busca de
metodologias e modalidades educativas, formais
e não formais, que respondam à problemática das
comunidades e pessoas atendidas.
Sua estrutura organizativa é baseada na autonomia funcional de países, regiões e centros. Neste sentido, se busca o desenvolvimento de uma
democracia real, com mecanismos participativos
que permitam a justiça, a igualdade e a solidariedade. Em respeito à diversidade, às características regionais e locais, assim como aos problemas
e necessidades particulares, se justifica a autonomia funcional da gestão administrativa. E para que
isto seja possível, fomentamos o exercício da participação responsável em todos os níveis – escolas, centros, regiões, país. Fé e Alegria como edu-
cação popular é impossível sem participação.
A nível de Instituição global, o projeto participativo preserva a autonomia institucional de cada
país e, de acordo com os Estatutos da Federação
Internacional, se vinculam diversas instâncias organizativas e diretivas do Movimento com o projeto: leigos, comunidades religiosas, em particular a Companhia de Jesus, fundadora e incentivadora do Movimento.
A concepção e prática de um Estado Docente
tem sido tradição arraigada nos países da América
Latina. Fé e Alegria, desde o começo e até hoje,
luta contra o monopólio paralisante do Estado que
impede o desenvolvimento de iniciativas sociais.
A gestão privada da Fundação Fé e Alegria não
se contrapõe ao caráter de “educação pública” que
professa. Se considera educação pública porque
persegue direitos para o bem comum de todos os
cidadãos, estabelecidos nas Constituições dos respectivos países, e luta para que se leve educação
àqueles que são sistematicamente discriminados
e excluídos dos benefícios sociais básicos de nossas sociedades. E é de gestão privada porque em
sua administração goza de independência com respeito a participação do poder público.
Fé e Alegria estabelece convênios com diversos governos, diretamente ou por meio de associações de educação católica, para ter acesso a fundos que permitam o funcionamento dos centros
existentes e a expansão de novos centros. Os financiamentos de fontes não governamentais tem
sido decisivo para a construção, dotação e financiamento dos centros.
Educação pública, gestão privada, iniciativa
social são a chave para a multiplicação de eficiência, e de fortalecimento das instituições sociais.
Autonomia funcional, participação responsável,
democratização dos níveis locais de gestão são a
chave para elevar a qualidade educativa.
O sentido universalista é uma marca que caracteriza Fé e Alegria. Sua vocação de serviço às
maiorias empobrecidas transcende as fronteiras
geográficas, étnicas e culturais. A experiência de
trabalhar em 13 países com uma mesma missão,
em contextos culturais distintos, com autonomia
de ação, mostra que se pode dar unidade mantendo e respeitando profundamente a diversidade que
caracteriza cada um de nossos países.
Esta é a experiência de Fé e Alegria. Em mais
de 40 anos de existência, o movimento tem se
revelado como um modelo pedagógico válido,
e um exemplo concreto do “serviço da fé e
promoção da justiça” no
âmbito da cultura e educação popular.
Jesús Orbegozo, S.J.
(Anuário da Companhia
de Jesus)
61
(fonte:
w w w. f e y a l e g r i a . o r g )
falando do
ZÉ RIBAMAR
ferreira
Sim,
Gullar
é singular.
____ x ____
Ah...
essa vontade
de escrever tão grandes letras
arrastar o prego na parede
até rasgar o reboco,
não arrepiar
não tremer
não encobrir
desenrolar a língua
afrouxar a gravata
e então.....
...............
.?.!..!.?.!..?
...............
tudo está consumado
Minha dieta
é direta:
eu masco os erres.
uma
ha
n
a
r
t
s
e
ORTE
na
M
cidade
. L.
No I. M m o peito
ira
lhe abr ção aberto
ra
e no co grava –
an
– que s am
rar
encont de voz.
to
um res
Francisco Carlos Rehme
(o Chicho) é geógrafo, professor
da 3a. série do Ensino Médio no
Colégio Medianeira.
Além de poeta, é claro.
Mande seus poemas, contos, crônicas... para
62
MEDIANEIRA
Alunos da 2ª série do Colégio Medianeira, ano de 1960
63

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