Informativo n. 1 Out.2009

Transcrição

Informativo n. 1 Out.2009
INFORMATIVO
n. 1, outubro, 2009
Este Informativo pode ser acessado no site do CEBID – www.cebid.com.br
Editorial
Qual a razão para
a criação do Centro de
Estudos em Biodireito CEBID? Antes de responder, quero trazer algumas indagações: em
matéria de pesquisas e
reprodução
humana,
tudo o que é tecnicamente possível também
o será ética e juridicamente? Que relação a
pessoa mantém com o
seu genoma? Qual a
proteção que deve ser
dada ao embrião humano? Como tratar a possibilidade de mães pósmenopausa ou substitutas? Há uma liberdade
de morrer? Hão de ser
empregados todos os
recursos biotecnológicos
para prolongar a vida de
um paciente terminal?
Hão de ser utilizados
processos terapêuticos
cujos efeitos são mais
nocivos do que os efeitos
do mal a curar? O que
fazer com os nascituros
portadores de doenças
congênitas do sistema
nervoso central, cujas
vidas, se mantidas obstinadamente, significarão a condenação ao sofrimento permanente ou
a estado vegetativo de
vida? Menores com discernimento podem ser
doadores de órgãos?
Quais os principais aspectos da relação médico-paciente? E a redesignação sexual: quais
os principais reflexos no
Direito?
Acho que respondi
a primeira pergunta com
os vários questionamentos acima. O conflituoso
avanço da área biomédica traduz a preocupação
da sociedade e de diversas áreas do saber com
situações emergentes e
persistentes. As primeiras, proporcionadas por
avanços como os alcançados no campo da engenharia genética e conseqüentes
desdobramentos; as segundas,
situações persistentes,
diretamente relacionadas à falta de acesso de
inúmeras pessoas à utilização igualitária de
consumo sanitário.
Lidar com avanços
biotecnológicos implica
enfrentar situações problemáticas que se originam de realidades que,
embora em princípio não
passem de meras pretensões científicas, tornam-se efetivas, reclamando por um debate
crítico e responsável,
que não as incriminem
por meio de argumentos
transcendentais, nem as
vangloriem a partir de
afirmações precipitadas,
mas que as analisem a
partir de uma perspectiva crítico-discursiva. Daí
afirmarmos a existência
do microssistema do Biodireito.
A criação do CEBID se deu porque pretendemos “levar o Direito à sério” e, para tanto,
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visamos estabelecer discussões acadêmicas correlacionando Direito e
Biomedicina, nessa intrincada rede de interlocuções. Como primeira
atividade, o Congresso
de Bioética, Biodireito e
Biotecnologia, ocorrido
em setembro, em parceria com o Programa de
Pós-graduação em Direito da PUC Minas. E ficamos felizes com o sucesso. As discussões foram muito proveitosas e,
acredito, fomos felizes
na seleção de palestras
ministradas não só por
profissionais do Direito,
mas também por biólo-
gos e médicos, todos
com reflexões comprometidas com a garantia
de
iguais
liberdades
fundamentais. A participação dos professores
convidados Prof. Dr.
Nelson Rosenvald e Profa. Dra. Márcia Fernandes do Direito e dos médicos, Prof. Dr. João Pedro Junqueira, Prof. Dr.
Paulo Franco Taitson e
Prof. Dr. José Geraldo
de Freitas Drumond foram fundamentais para
o sucesso desse primeiro
encontro que se repetirá
no ano vindouro, com
outros temas igualmente
instigantes e com a pre-
sença do Prof. Dr. Carlos Maria Romeo Casabona, grande parceiro
da PUC Minas, Diretor
da Cátedra Interuniversitária de Direito e Genoma
Humano,
em
Deusto, Espanha.
Criamos um site e
convidamos a todos que
o acessem. Assim, poderão acompanhar as novas atividades e o trabalho dos membros do
CEBID.
Maria de Fátima Freire de Sá
Presidente do CEBID
Opinião
DIREITO DE MORRER
Apresentamos ao
leitor um pouco da antítese vida e morte. E, para
tanto, relataremos alguns casos ocorridos pelo mundo afora, onde
pessoas, de diferentes
origens e culturas, passaram ou passam ainda,
pelo doloroso processo
do morrer.
Em todos os casos
alguém que esteve ou
esteja permanentemente
inconsciente ou incapaz
não nasceu nesta condição. Nossos personagens
têm pontos em comum, e
um deles é que a tragé-
dia aconteceu no fim de
suas vidas, avidamente
conduzidas.
A primeira premissa que trazemos à baila é
o que seria melhor para
cada um. E, quando perguntamos isto, não estamos apenas julgando o
futuro de cada pessoa e
ignorando seu passado.
Nossa preocupação é
com o efeito do último
estágio da vida do indivíduo sobre o caráter dela
como um todo.
Ronald
Dworkin,
em Life’s dominion, ao
discutir princípios bioju-
rídicos, tais como autonomia, beneficência e
dignidade, relata sete
casos de arrepiar. O
primeiro deles é o de
Nancy Cruzan, que teve o
córtex cerebral destruído
após acidente. Sua vida
se prolongou por sete
anos, de forma vegetativa. A história desta senhora, além de triste, é
curiosa porque, a primeira vista, a Suprema
Corte Americana pareceu
reconhecer que deveria
honrar o fator vontade.
Contudo, Nancy Cruzan
não havia providenciado
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o living wills, declaração
de vontade em vida, ainda que a família e os
médicos se posicionassem na direção de que a
morte seria a melhor escolha para a paciente.
Como houve recurso da
decisão de primeira instância pelo curador então nomeado, a Corte
Americana entendeu por
bem reformar a decisão e
manter a paciente viva.
O segundo caso é o
de Nancy B., 25 anos,
vítima de doença neurológica rara, cuja conseqüência foi a paralisação
total dos movimentos, da
altura do pescoço para
baixo. Através de justificativa desesperadora, a
própria paciente requereu em juízo que se lhe
desligassem as máquinas que a mantinham
viva. Seu pedido foi acatado e Nancy B. morreu
em fevereiro de 1992.
Lillian Boyes foi
paciente de Nigel Cox,
durante treze anos. De
tal contato nasceu sólida
amizade e, em razão desta amizade, Dr. Cox prometeu à sua paciente
que jamais a deixaria
sofrer. Quando os medicamentos não funcionavam mais, Lillian pediu
ao médico que a ajudasse a morrer. Uma injeção
de cloreto de potássio foi
suficiente para acabar
com
seu
sofrimento.
Contudo, o médico, de
maneira escrupulosa, fez
constar o ato no prontu-
ário da doente. O caso
foi levado à direção do
hospital por uma enfermeira. Como o corpo havia sido cremado, não se
provou a causa da morte
de Lillian. Levado a juri,
Dr. Cox foi condenado a
um ano de prisão, cuja
pena foi suspensa pelo
Juiz Ognall.
Em 1991, Timothy
Quill prescreveu pílulas
barbitúricas a Patricia
Trumbulll. O próprio médico relatou o fato ao The
New England Journal of
Medicine. Segundo Dr.
Quill, o New York State
Health Department solicitou a um corpo de conduta médica que decidisse se a licença do médico
deveria ser revogada ou
se ele deveria ser punido.
Prevaleceu o entendimento de que o profissional deveria ser absolvido, sob a alegação de
que não houve culpa de
falta de conduta. O corpo
médico fez pequeno paralelo entre a conduta do
Dr. Quill e do famoso Dr.
Jack Kevorkian, o Dr.
Morte de Detroit. Este
último construiu máquinas de suicídio, descritas
inclusive na televisão, as
quais foram utilizadas
por, pelo menos, nove
pessoas. Demonstrando
a diferença entre a conduta dos profissionais, o
corpo médico frisou a
consciência do primeiro
e a frieza do segundo em
relação aos próprios pacientes.
O quinto caso relatado por Dworkin é o de
uma senhora viúva de
setenta e seis anos, que
nunca deixou a UTI do
hospital em que se encontrava. Após a realização de uma cirurgia cardíaca, suportou crise após crise, pedindo para
ser ressuscitada após
uma próxima crise. Sofreu parada respiratória
e precisou do uso de
máquinas. Ao ser indagada sobre a possibilidade de se desligar os aparelhos, a filha recusouse, sob o fundamento de
que a tradição da família
era enfrentar as adversidades da vida.
Em abril de 1989,
Anthony Bland foi esmagado em um estádio de
futebol na Inglaterra.
Passou, em razão do acidente, a viver de maneira
vegetativa. Em 1992,
seus pais requereram à
Corte que lhe permitissem morrer, tendo sido
“bem sucedidos”.
Por
fim,
Helga
Wanglie, mulher ativa de
85 anos. Em 1989 quebrou seu quadril, daí advindo problemas cardiopulmonares no curso do
tratamento. Sofreu grave
anoxia no ano seguinte e
passou a viver vegetativamente. Passados dois
anos, o hospital em que
encontrava a doente sugeriu o desligamento dos
aparelhos.
Contudo,
houve recusa do marido.
Segundo ele, a mulher
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compartilhava do seu
entendimento de que a
vida deveria ser mantida
tanto quanto possível,
não importando em que
condições. O hospital foi
vencido em juízo. Helga
morreu quatro dias depois, ainda ligada ao
respirador.
Não
precisamos
atravessar o oceano para
depararmos com casos
como os relatados por
Dworkin, ocorridos na
Inglaterra e nos Estados
Unidos.
Também
no
Brasil muitas são as
pessoas vítimas de doenças degenerativas, ou
infortunadamente
acometidas de graves acidentes que lhes roubaram a possibilidade de
uma existência sadia.
Assim, em muitos casos,
pacientes, embora inconscientes, não estão
para morrer. Alguns acidentes ou doenças levam
suas vítimas a persistentes estados vegetativos.
Em algumas circunstâncias, têm movimentos de
olhos, gerados por pequenos reflexos. Precisam ser vestidos e virados, o que é difícil, porque freqüentemente têm
espasmos. Mas se forem
alimentados e hidratados, através de tubos,
podem viver indefinidamente.
Poderíamos relatar
vários casos brasileiros,
que só teriam o condão
de levar o leitor à reflexão de que nem sempre
a vida é justa. Lembrálo, ainda, que a morte
não se encontra à margem da vida, mas ao
contrário, ocupa posição
central nela. Outra questão é que não se pode
compreender o que a
morte significa para as
pessoas, porque alguns
preferem estar mortos a
viver permanentemente
sedados ou incapazes,
ou porque outros gostariam de continuar lutando, até mesmo sob grande dor. Certo é que possuímos idéias desordenadas, e não teorias filosóficas a respeito do que
seria uma boa vida. Há
grandes formas de ambição, seja inventando ou
descobrindo algo, seja
escrevendo música ou
poesia. Outros, acreditam que uma boa vida
passa pelo conforto material. O certo é que cada
um se orgulha de uma
determinada coisa.
Veja o leitor, que
todos os casos e considerações acima tecidos ocorrem em razão da alta
tecnologia médica e da
biotecnologia. Foi-se o
tempo em que a vida tinha um ciclo natural. E
foi-se também o tempo
em que o médico permitia que este ciclo se
completasse, sem que
precocemente fosse interrompido. Neste novo
pano de fundo de progresso da medicina e de
descobertas de recursos
para a cura de doenças,
é imprescindível indagar:
onde está a linha divisória entre não ser mantido vivo e ser morto? Pacientes terminais têm
direito de morrer em paz
e com dignidade? Ou devem sobreviver, mesmo
que vegetativamente, até
a parada respiratória ou
a morte cerebral? Será
que o direito de viver pode se transformar em
dever de sofrimento?
Como escrevemos
no livro Direito de Morrer,
a resposta não está em
defender ou não a prática da eutanásia, mas
construir a norma a partir do caso concreto,
tendo em vista a diversidade de valores próprios
a cada indivíduo, além
da situação fática, peculiar a cada um. O professor João Baptista Villela,
ao escrever sobre o tema,
afirma que o conflito vida
versus morte pode ser
entendido também como
a oposição entre segurança e liberdade, onde o
discurso médico é tendencialmente pró-vida e
exprime a opção de segurança, ao contrário da
autonomia do paciente,
inscrita na ordem da liberdade, reconhecendo à
morte os mesmos direitos que à vida.
Assim,
pedimos
licença ao brilhante Professor para concluirmos
nossas breves considerações com suas sábias
palavras:
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“Mas entre segurança
e liberdade há mais
que uma antinomia.
Na sua intimidade esconde-se a força incomensurável de um paradoxo. Não é renunciando à liberdade, senão exercendo-a, que
se chega à segurança
plena. Pela ressurreição, o que quer que is-
so signifique para cada
um.” (VILLELA, João
Baptista. Entre a Vida
e a Morte: Um Estudo
Bibliográfico. In: Cidadania e Justiça – Revista do Curso de Direito de Ituiutaba, ano 3,
n
5,
p.
11-13,
Jan/Jun. 2000.)
Maria de Fátima Freire de Sá
Professora dos cursos de Graduação, Especialização, Mestrado e
Doutorado em Direito da PUC
Minas; Mestra em Direito pela
PUC Minas e Doutora em Direito
pela UFMG. Autora do livro Direito de Morrer (2ª ed.), pela Editora
Del Rey.
Notícias
TRANSEXUALISMO
Revista Época
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,ERT98524-15228-98524-3934,00.html
MENINO MUDA DE SEXO AOS OITO ANOS NOS ESTADOS UNIDOS
Família diz que, desde que aprendeu a falar, a criança dizia que era uma
menina
NA TV
A história de Josie
virou
documentários
com exibição nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Josie Romero é
uma menina de oito anos. Josie já foi Joey, um
menino. A história sobre
a mudança de sexo e de
como isso foi enfrentado
pela família da criança,
nos Estados Unidos, é
tema de um documentário que será transmitido
na semana que vem no
canal Channel 4, na Inglaterra. Os relatos também estão nos sites dos
jornais britânicos (Telegraph, Daily Mail, The
Sun) nesta quinta-feira
(15) e foram contados no
documentário "Sex, lies,
and gender", no canal
National Geographic, em
setembro.
A mãe de Josie,
Venessia, diz que, desde
que a filha começou a
falar, sempre afirmava:
"Eu sou uma menina".
Os pais a corrigiam:
"Não, você é um menino". Josie, à época Joey,
insistia em tentar transformar seus brinquedos
de garotos em brinquedos de menina. A mãe
afirma que a brincadeira
preferida da filha era enrolar seus cachecóis na
cintura e fingir que eram
saias.
A família viveu até
o ano passado no Japão.
O pai de Josie, Joseph
Romero, é engenheiro
das Forças Armadas americanas.
Quando Josie tinha quatro anos, os Romeros adotaram uma
menina chinesa de dois.
Os pais temeram que a
filha mais velha ficasse
com ciúmes, mas dizem
que ela gostou muito da
chegada de Jade. As duas brincavam como duas
garotas.
Venessa
afirma
que, no início, achava
que tinha um filho homossexual. Porém, depois se deu conta que
era uma criança transexual. Ela conta que começou a comprar roupas
de menino e de menina e
deixar o guarda-roupa
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dividido com as duas
opções. Josie sempre
optava pelas vestimentas
femininas.
Na base militar em
que a família morava e
as crianças iam à escola,
Joseph diz que o preconceito era grande. Ele
mesmo afirma que foi
difícil aceitar que seu
filho era uma menina.
Segundo Joseph, o primeiro sentimento que
teve foi de que havia
perdido seu filho. Depois, percebeu havia ganhado uma filha.
Sociedade: notícias de
trabalho, educação, saúde e família
AS IRMÃS
Josie [...] e sua irmã adotiva, Jade, dois
anos mais nova.
Os Romeros voltaram para os Estados Unidos no ano passado.
Josie recebe atendimento
médico e psicológico. Ela
tomará
medicamentos
para evitar a puberdade
masculina.
Quando
completar 12 anos, deve
ingerir hormônios femininos. A mãe diz que Josie já sabe que terá de
passar por uma cirurgia
de mudança de sexo
quando for adulta. No
Arizona, onde vivem,
Josie participa de
grupos de apoio para
famílias de transexuais,
incluindo crianças. Ela
conta sua história. Venessa diz que a filha é
muito feliz por poder
compartilhar a sua experiência, para ajudar outros pais e filhos que
passam pela mesma situação.
No ano passado,
todos os documentos de
Josie foram alterados.
Ela é considerada, legalmente, uma pessoa
do sexo feminino.
Del Rey, do livro Direito
Civil: Atualidades IV, de
coordenação dos membros do CEBID Dra. Maria de Fátima Freire de
Sá e Dr. Bruno Torquato
de Oliveira Naves, juntamente com o Dr. Cézar
Fiuza. Na obra, serão
abordados temas atuais
do Direito Civil, tendo
em vista a sua aplicação
prática e o tratamento
pelos
tribunais.
Os
membros do CEBID Participam da publicação
que é uma produção ligada à PUC Minas.
Outra publicação,
sobre Direito e Biomedicina, também será lançada em breve pela Editora Del Rey, produzida
pelo CEBID .
Publicações do CEBID
A lista das publicações dos membros do
CEBID pode ser acessada
no
site
–
www.cebid.com.br
–,
junto ao link “livros e
produções” e adquiridos
junto às editoras, bem
como nas livrarias jurídicas e afins.
Em breve, haverá a
publicação, pela Editora
Membros do CEBID
Profa. Dra. Maria de Fátima Freire de Sá
Profa. Dra. Ana Carolina Brochado Teixeira
Prof. Dr. Bruno Torquato de Oliveira Naves
Prof. Ms. Rogério Monteiro Barbosa
Prof. Ms. Diogo Luna Moureira
Profa. Iara Antunes de Souza
www.cebid.com.br
[email protected]