O PSICOPATA QUE O DIREITO PENAL DESCONHECE
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O PSICOPATA QUE O DIREITO PENAL DESCONHECE
O PSICOPATA QUE O DIREITO PENAL DESCONHECE LEME, Fabrício Augusto Aguiar de Abreu Doutorando em Direito pela Universidad de Buenos Aires Advogado, Professor Universitário LEME, Michele Oliveira de Abreu Mestre em Direito Penal pela PUC-SP Advogada, Professora Universitária Destacamos o presente trabalho para apresentar o perfil do psicopata e desmistificar a figura de que tais indivíduos são sempre criminosos e que apenas podem ser encontrados em ambientes sociais mais propícios para a prática de condutas antissociais. A necessidade da abordagem do assunto se dá em razão da equivocada visão que a sociedade possui acerca da psicopatia. Sob uma perspectiva mais abrangente, consideram psicopatas todos os indivíduos que praticam delitos de forma cruel e de modo reiterado. A sociedade está acostumada a designar psicopata qualquer criminoso que age desconforme à própria ‘normalidade da prática criminosa’. No campo jurídico a psicopatia é tratada de modo simplório. A matéria ainda é quase que desconhecida. Considerando o desconhecimento do assunto bem como a necessidade de maiores conhecimentos acerca do assunto, dedicamos esse trabalho à abordagem do perfil do psicopata consoante os ditames preconizados pela Psiquiatria moderna. Com o fim de apresentarmos com clareza e eloquência o perfil do psicopata, preferimos adotar a classificação apresentada pelo psiquiatra canadense Robert D. Harex – sem deixar de considerar as características pontuadas por outros estudiosos. O perfil retrata as características mais notáveis desse transtorno, obtidas mediante avaliações com o emprego do Psycopathy checklist Revisedxi ou PCL-R. Robert D. Hare dividiu o perfil do psicopata consoante suas relações interpessoal/emocional e seu estilo de vida. Apontando os comportamentos do indivíduo por meio da sua relação ‘emocional’/interpessoal, verificaremos a capacidade do Ano 3, nº 3, p.73-85, Dez 2011 psicopata de expressar seus sentimentos a terceiros. Quanto ao seu estilo de vida, analisaremos a relação do psicopata com as normas sociais ‘vigentes’. 1. Área Emocional/Interpessoal Essa primeira classificação tem por fim apresentar o componente humano mais básico do ser humano: a capacidade de sentimento em relação a terceiros. Nesse contexto, analisamos qualquer sentimento capaz de unir duas pessoas em afeto, sentimentos de pena e arrependimento. Os psicopatas são pessoas insensíveis. São incapazes de vivenciar sentimentos puros. Pesquisadores atentam para o fato de que os psicopatas são perfeitamente capazes de externar ‘seus sentimentos’, mas que tais atos devem ser revistos com ressalvas, uma vez que qualquer demonstração de afeto ou sentimentalismo é fruto de aprendizagem. O psicopata é incapaz de conhecer sua essência. Assim, todos os atos demonstrativos de pena, arrependimento, amor etc. são frutos de seu poder de simulação. Delineado por tal perfil, podemos previamente concluir que os psicopatas são indivíduos carentes dos sentimentos humanos mais puros e que, em razão disso, são profundamente egocêntricos, mentirosos, manipuladores e cruéis. Robert D. Hare ressalva que “muitas pessoas são impulsivas, simples, frias, insensíveis ou anti-sociais, mas isso não significa que sejam psicopatas. A psicopatia é uma síndrome: um conjunto de sintomas relacionados”xii. 1.1 Eloquência e encanto superficial O psicopata geralmente se expressa muito bem e apresenta-se socialmente como uma pessoa divertida, agradávelxiii e bem articulada. Frequentemente conta histórias fascinantes e pouco prováveis, mas de alguma maneira – agindo com charme e o seu poder atraente – consegue convencer os demais. Ano 3, nº 3, p.74-85, Dez 2011 Uma das suas características é que pouco se importa se as falsas histórias são detectadas. Uma vez constatada ausência de veracidade do que foi contado, o psicopata é capaz de permanecer pautado na mesma história ou ainda mudar de assunto a qualquer momento sem maiores constrangimentos. Os psicopatas estão tão habituados às mentiras que, muitas vezes, não se dão conta de que as contam. Orgulham-se desse poder de enganar os outros. A seu ver, o mundo é feito de caça e predadores e, assim, não há porque deixar de aproveitar-se da boa-fé dos mais vulneráveis para ‘vencerem o mundo’. Esse tipo de psicopata é muito comum no mercado de trabalho, já que fingem sua qualificação profissional sem, muitas vezes, terem feito um curso superior ou técnico consoante as exigências do cargo exercido. Tais indivíduos fazem de tudo para conseguir o que querem. Utilizam-se, ainda, do seu poder de sedução, carisma, encanto e talento para constatar e preencher as carências dos demais. Suas principais vítimas são pessoas que se mostram sentimentalmente vulneráveis. Vicente Garrido exemplifica tal característica ao citar o caso de Dionisio Rodríguez Martín, também conhecido por Dioni. Segundo o autor, Dionisio era um ladrão muito conhecido na Espanha quando, em julho de 1989, roubouxiv o furgão blindado de uma companhia de segurança na qual trabalhava e fugiu para o Brasil com mais de dois milhões de dólares. Vicente Garrido relata que os que o conheciam apontavam, principalmente, sua grande facilidade em atrair o público com simpatia e confiança. Tamanho era seu talento que, após o cumprimento da pena, empreendeu as carreiras de cantor e escritorxv. 1.2 Personalidade egocêntrica e presunçosa O psicopata possui uma visão supervalorizada da sua importância e poder. Sente-se tão importante que acredita ser a pessoa mais importante do mundo, por isso cria suas normas. Robert D. Hare cita um trecho escrito por Ann Rule acerca de Diane Downs, condenada em 1984 por efetuar disparos de arma de fogo contra seus três filhos: “Eu. Eu. Eu... Para ela o mundo teria que girar ao seu redor; não lhe bastava ser a estrela mais brilhante, mas ser a única estrela”xvi. Ano 3, nº 3, p.75-85, Dez 2011 Como pudemos observar, os psicopatas possuem uma visão narcisista da vida. Muitas vezes se apresentam de modo arrogante, autoconfiantes, dogmáticos e dominadores. Sentem-se realizados quando têm poder e controle sobre os demais e parecem incapazes de crer que os outros possam ter opiniões válidasxvii. Acham-se tão importantes que pouco se preocupam com dívidas contraídas, pendências financeiras ou mesmo problemas de ordem legal ou pessoal. Acreditam que tais problemas são apenas transitórios ou fruto de falta de sorte, infidelidade de amigos ou de um sistema econômico e social injusto, coordenado por pessoas incompetentes. Mergulhados nesse mundo de superioridade, demonstram falta de interesse por uma educação direcionada ou uma qualificação, haja vista entenderem que suas habilidades lhes proporcionam adquirir o que quiserem ao longo da vida. 1.3 Ausência de remorso ou culpa Os psicopatas demonstram total ausência de culpa ou remorso pelos efeitos decorrentes dos atos praticados. Por onde passam, devastam a vida de outras pessoas (pessoal, sentimental, financeira) sem sentirem qualquer ressentimento. Em sua mentalidade, a culpa não passa de um pressuposto ilusório empregado pelo Sistema para controlar a vida das pessoas. O psicopata pode até externar qualquer sentimento de remorso ou pena, porém não passará de uma demonstração superficial do sentimento na qual foi ‘obrigado’ a aprender para conseguir seus intentos ou até mesmo para se ajustar socialmente. “Uma das primeiras coisas que os psicopatas aprendem é a importância da palavra remorso e como devem elaborar um bom discurso para demonstrar esse sentimento”xviii. Importante destacar que a ausência de remorso e culpa está associada com uma notória habilidade de racionalizar e assim safar-se da responsabilidade de suas ações. 1.4 Ausência de empatia Muitas das características presentes nos psicopatas estão estritamente associadas à falta de empatia, ou seja, à capacidade para construir uma ligação mental e emocional com outra pessoa. Ano 3, nº 3, p.76-85, Dez 2011 Os psicopatas são insensíveis aos sentimentos alheios; não possuem a capacidade de respeitá-los e reconhecê-los. É impossível colocarem-se no lugar dos outros porque nunca foram capazes de experimentar os sentimentos humanos mais genuínos. Tais indivíduos são incapazes de vivenciar as experiências reais humanas. O que se passa com outras pessoas não lhes interessa, já que o egocentrismo lhes permite apenas olhar para si e para seus interesses. Os demais indivíduos (inclusive a própria família) são vistos como coisas e obstáculos para o alcance de seus objetivos. Jamais sentirão a intensa angústia resultante de uma traição, da prática de um crime ou de um ato que venha a causar decepção, mágoa, privação e até a morte de outro indivíduo. A falta de compreensão e preocupação com o sentimento alheio não é obstáculo para alcançar seus objetivos. Mesmo sem essa percepção, são capazes de consegui-los sem qualquer remorso e praticar delitos brutais. 1.5 Talento para mentiras e manipulações Mentir, enganar e manipular são talentos natos para os psicopatasxix. A mentira é uma de suas maiores aliadas, ainda que contada sem qualquer finalidade. O simples fato de contá-la e verificar que os ouvintes prestam atenção e confiabilidade no dito, já lhe proporciona grande satisfação. Se são capazes de mentir sem qualquer motivação, não se importam em mentir quando necessitam alcançar seus intentos. Seu alto poder de imaginação e manipulação permite criar histórias convincentes, sedutoras e acompanhadas de um discurso teatral. Quando flagrados em suas mentiras, não se desconsertam, nem demonstram qualquer vergonha ou perplexidade. O simples fato de mentir lhes parece sedutor. Imaginar que possuem o poder de manipular qualquer pessoa, inclusive pela mentira, lhes dá uma sensação de poder e satisfação pessoal. Robert D. Hare ressalta que muitos estudiosos têm a impressão de que os psicopatas não se dão conta de quando mentem; é como se as palavras tomassem vida própriaxx. O autor ainda salienta que o poder de manipulação e de contar estórias Ano 3, nº 3, p.77-85, Dez 2011 mentirosas é empregado dentro do sistema prisional quando da avaliação para a concessão de benefícios da execução penalxxi. Ao descrever o psicopata de “colarinho branco”, Robert D. Hare afirmou que os psicopatas que têm ânsias empreendedoras são um modelo de como usar a educação e as relações sociais para subtrair grandes quantias em dinheiro de pessoas e instituições sem o emprego da violência. O que os diferencia dos criminosos comuns é que aqueles enganam e manipulam não somente os que lhes podem proporcionar grandes quantias de dinheiro, mas também todos que encontram ao seu redor (família, amigos e até o sistema Judiciário)xxii. 1.6 Emoções superficiais Emoção vem a ser qualquer forma de sentimento expressado ou apenas internalizado em relação a outra pessoa. Em virtude de uma disfunção cerebral, o psicopata não é capaz de sentir qualquer emoção. Quando externam qualquer reação emocional, é porque foram frutos de uma educação social – aprenderam ao longo do tempo os conceitos dos sentimentos. Muitas vezes demonstram-se frios e calculistas; porém, quando lhes interessa, demonstram emoções superficiais. As reações e emoções externadas são sempre frutos de um criterioso plano. Pesquisas experimentais desenvolvidas em laboratório revelam que o psicopata não aponta as respostas psicofisiológicas associadas com o medo ou a ansiedadexxiii. 2. Estilo de Vida Em análise crítica aos aspectos intrínsecos do psicopata, não nos resta outra dúvida acerca do seu desviado estilo de vida. Além de incorrer em desvios interpessoais, o psicopata apresenta-se à sociedade com um comportamento instável e sem direção, delineado pela sua tendência à violação das normas sociais. Passemos agora às principais características que denotam seu comportamento social. Ano 3, nº 3, p.78-85, Dez 2011 2.1 Impulsividade A impulsividade no psicopata retrata a figura do indivíduo que, apesar de racional e consciente dos atos e das respectivas consequências, é capaz de praticá-los sem considerá-las, apenas desejando obter satisfação momentânea. Se tais atos são propícios para lhe dar uma sensação de prazer ou apenas um obstáculo para alcançar seu intento, ele os pratica sem qualquer pudor. Situação inversa acontece quando esse sentimento passa; o psicopata é capaz de largar tudo sem qualquer explicação. Após traçada tal característica, verifica-se que o psicopata tende a viver apenas as satisfações que o momento presente pode lhe proporcionar. Imprescindível destacar que a impulsividade não lhe retira a consciência dos atos praticados e dos que pretende praticar, já que o psicopata traça todos os seus passos premeditadamente. 2.2 Autocontrole deficiente Os psicopatas possuem deficiência quanto ao poder de autocontrole. Diferentemente dos não psicopatas, rapidamente perdem o controle dos seus atos e agem desproporcionalmente a qualquer insulto, frustração e ameaça. Robert D. Hare preleciona que os psicopatas reagem diversamente dos não psicopatas diante de uma frustração ou ataque pessoal. Enquanto o não psicopata consegue facilmente frear os sentimentos mais primitivos em tais situações, os psicopatas reagem agressivamente diante de, inclusive, pequenas trivialidades – já que possuem baixo poder inibitório da sua agressividadexxiv. Ainda que perca o controle da situação, o psicopata não perde a consciência dos atos que estão por vir, como magoar, amedrontar ou machucar uma pessoaxxv. Aponta-se que, com a mesma velocidade que o psicopata atinge o estágio de fúria, esse sentimento logo passa e o indivíduo passa a agir como se nada tivesse ocorrido. Ano 3, nº 3, p.79-85, Dez 2011 A deficiência no seu poder de autocontrole não lhe retira a consciência dos atos praticados. Mesmo agindo com frieza e violência, são incapazes de vivenciar a verdadeira emoção consequente da sua conduta. 2.3 Necessidade de excitação continuada Os psicopatas têm grande necessidade de viver em contínua excitação. São avessos às circunstâncias que os levam ao tédio ou à rotina. Estão sempre em busca de situações que lhe deem a sensação de excitação – de preferência, de caráter permanente. Na obra The Mask of Sanityxxvi, Hervey Clekley descreveu a um psiquiatra a forma de vida que levava um psicopata. Segundo o autor, ele jamais havia infringido a lei, porém não tolerava por muito tempo o autocontrole que sua vida profissional lhe exigia. Assim vivia emocionalmente desenfreado. Muitos psicopatas procuram nas drogas ilícitas, em atos perigosos, proibidos e ilegais a sensação prazerosa da excitação. Em razão dessa busca incessante pelo ‘novo’ (excitação), dificilmente encontrar-se-á um psicopata em uma mesma posição na empresa ou em um estilo de vida. A sensação de adrenalina soa, para o psicopata, como algo vital; por isso, não há de se esperar muito desses indivíduos, já que sempre procurarão formas antissociais para suprirem esse vazio interno. 2.4 Falta de responsabilidade Para os psicopatas, as obrigações e os compromissos não merecem atenção. Para esse grupo, é quase impossível prender-se a qualquer situação que lhes remeta ao cumprimento de obrigações. A irresponsabilidade dos psicopatas se estende a todas as áreas da sua vida. São incapazes de tornar-se exemplo, onde quer que estejam. Em suas relações interpessoais, não são capazes de honrar seus compromissos, exceto se tal conduta for meio para alcançar o fim desejado. Nas relações de trabalho, a irresponsabilidade se reflete nas inconstantes ausências injustificadas, nas violações da política empresarial e no emprego indevido dos recursos da empresa. Ano 3, nº 3, p.80-85, Dez 2011 No seio familiar, agem com indiferença e irresponsabilidade. Há de se notar que quando um psicopata constitui família, o faz apenas para criar uma falsa percepção sobre sua seriedade. A externalização dessa falsa realidade muitas vezes é demonstrada com comportamentos de ciúmes (o que configura um sentimento de posse e não de afeto e consideração). No ambiente prisional, por exemplo, o psicopata age conforme os preceitos administrativos do sistema onde se encontra. O psicopata tem consciência de que somente se agir consoante tais normas alcançará com maior brevidade quaisquer benefícios. Por outro lado, quando não está sob supervisão de qualquer autoridade, o psicopata age silenciosamente e é capaz de provocar os mais trágicos atos como desordens e rebeliões. 2.5 Problemas de conduta na infância Os psicopatas desde muito cedo demonstram atitudes indicativas de um possível diagnóstico de psicopatia. São sinais precoces demonstrativos do perfil psicopático: divertimento com o sofrimento alheio, constantes mentiras para se safarem de punições, roubos e furtos, fugas de casa e da escola, uso de substâncias ilícitas, violência, provocação de incêndios, vandalismo, sexualidade precoce e arrogância no agir, falar e no modo de se vestir. Já no ambiente doméstico, apresentam condutas desafiadoras e agressivas em relação aos familiares. Importante referência indicativa dos traços precoces de psicopatia é a conduta agressiva contra animais. Psicopatas costumam, desde cedo, maltratar os animais como forma de diversão, sem demonstrar qualquer remorso. O maltrato a outras crianças, inclusive amigos e irmãos, também pode indicar um futuro psicopático. Quando os atos de violência (física ou moral), ou ainda as brincadeiras acompanhadas com ‘segundas intenções’, são praticados continuamente e de forma intencional no ambiente escolar, estamos diante do ‘bullying escolar’1xxvii. Importante destacar que a expressão bullying também pode ser empregada quando tais atos forem praticados em qualquer ambiente social, inclusive no seio Ano 3, nº 3, p.81-85, Dez 2011 familiar e profissional, independente da idade das partes envolvidas. Não precisam ser, necessariamente, crianças ou adolescentes ou encontrar-se no ambiente escolar. Contudo, para melhor explicitarmos uma das características marcantes do psicopata, apontaremos apenas o bullying escolar, já que é desde cedo que se manifesta o seu lado sombrio, e o bullying é, muitas vezes, o instrumento por eles praticado. De acordo com a tradução da expressão, bully significa indivíduo valentão, tirano, mandão, brigão. Bullying vem a ser uma forma de assédio interpretado por alguém que está, de qualquer forma, em uma situação de superioridade em relação a outrem, ou grupo mais fraco. Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva, bullying pode ser dividido em duas categorias: direto e indireto. O bullying direto é a forma mais comum entre os agressores masculinos. Já o indireto é a forma mais comum entre mulheres e crianças pequenas, caracterizado por forçar a vítima ao isolamento social mediante certas condutas, como: espalhar comentários, recusar socializar com a vítima, intimidar outras pessoas que manifestam desejo de com ela socializar e criticar aspectos socialmente significativos (roupa, etnia, religião, incapacidades etc.). Antes de encerrarmos o presente item, imperioso declinarmos que o fato de crianças ou adolescentes apresentarem condutas antissociais não implicam, necessariamente, o diagnóstico de psicopatia. Muitas vezes tais condutas não passam de uma fase de rebeldia. O verdadeiro psicopata, por sua vez, apresenta tal comportamento desde a mais tenra idade e evolui até alcançar a fase adulta. 2.6 Comportamento antissocial na fase adulta Uma vez diagnosticado com psicopatia, o indivíduo demonstrará seus traços ao longo da vida. Dados dão conta, porém, que somente aos 45 anos de idade inicia-se a remissão dos traços psicopáticos. De acordo com Michael H. Stone, “pessoas antissociais com poucos traços psicopáticos e hábitos não violentos podem, à medida que se aproximam da quarta década, cessar seus atos antissociais, mas outras tendem a permanecer antissociais à medida que envelhecem”. O psicopata não é necessariamente um delinquente ou um serial killer. Seus planos podem apenas ficar no plano emocional e moral. Assim, é bem provável que Ano 3, nº 3, p.82-85, Dez 2011 seus atos se aproximem de atos delituosos, ou, ainda, que chegue a praticá-los sem que sejam descobertos. Esse é o perfil dos psicopatas que se aproximam de outras pessoas no trabalho, para criar laços de amizade e iniciar relacionamentos íntimos. O predador pode passar toda sua vida sem chamar maiores atenções. Nessa circunstância, provavelmente estará manipulando os outros, aproveitando-se de suas qualidades ou buscando o que lhe provoque interesse. Nos relacionamentos amorosos e de amizade, o psicopata primeiramente traça o perfil da sua presa e conquista sua confiança. Nesse momento, o indivíduo passa a ser vítima. A partir daí, o psicopata abstrai tudo o que o relacionamento tem a lhe oferecer: dinheiro, bens, status, carros, empréstimos etc. Quando a vítima se dá conta, infelizmente não há mais o que fazer. Nas relações de trabalho, segundo Paul Babiak e Robert D. Harexxviii, o psicopata percorre alguns caminhos. Na contratação, apresentar-se-á emocionalmente estável e contará histórias que lhe beneficiem. Assim que contratado, descobrirá quem são as pessoas mais importantes da empresa que possam lhe oferecer alguma vantagem. O psicopata utilizar-se-á de todos os meios para afastar seus possíveis concorrentes. Alcançado seu intento, o psicopata afastar-se-á daqueles que inicialmente nele confiaram e passará a humilhá-los. No estabelecimento prisional, a conduta do psicopata não será diferente. Assim como poderão manipular os demais detentos a realizar uma rebelião, são capazes de influir na recuperação dos outros encarcerados e de manipular os psicólogos e assistentes sociais e todos aqueles que possam de alguma forma favorecê-lo. CONCLUSÃO Como pudemos verificar, os psicopatas são indivíduos que se apresentam na sociedade descaracterizados da própria figura, a fim de instalar-se nos mais diversos ambientes sociais. Para realizar esse primeiro intento, bem como outros que importem necessários, empregam os mais variados meios de manipulação. Estórias mentirosas são constantes. O alto poder de convencimento e sedução é instrumento imprescindível para alcançar a confiança das suas vítimas. São capazes de fingir um sentimento para não despertar qualquer suspeita acerca da sua verdadeira personalidade. Diante do todo o Ano 3, nº 3, p.83-85, Dez 2011 apontado, podemos defender que os psicopatas não são necessariamente criminosos, mas quando se dedicam a essa atividade, podem se tornar os mais cruéis infratores, como também os mais cruéis companheiros da vida social. x Robert D. HARE, Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean, p. 55-99. Robert D. HARE esclarece que o PCL é uma ferramenta clínica para o diagnóstico da psicopatia de uso e manuseio exclusivos de profissionais qualificados. Outrossim, elucida a possibilidade de indivíduos não psicopatas apresentarem um ou alguns dos traços mencionados e ressalta que tal compatibilidade não pressupõe o diagnóstico (Robert D. HARE, op. cit. p. 56-57). xii Robert D. HARE, Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean, p. 57. xiii Martha STOUT equipara o modus operandi do psicopata com o de mamíferos predadores. Segundo a autora, “o charme do sociopata se assemelha ao carisma de outros mamíferos predadores. Observamos os grandes felinos, por exemplo, e ficamos fascinados com seus movimentos, sua independência e seu poder. Mas o olhar direto de um leopardo, no lugar errado e na hora errada, é inescapável e paralisante, e o charme fascinante do predador costuma ser a última coisa que a presa vivencia” (Martha STOUT, Meu vizinho é um psicopata, p. 103). xiv De acordo com o autor, trata-se de crime de roubo; mas não se sabe ao certo se o crime praticado foi o de furto. xv Vicente GARRIDO, O Psicopata: um camaleão na sociedade atual, p. 37. xvi Ann. RULE apud Robert D. HARE, Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean, p. 61. xvii Robert D. HARE, Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean, p. 6162. xviii Ana Beatriz Barbosa SILVA, Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado, p. 72. xix Martha STOUT salienta que os psicopatas, “por serem atores natos, indivíduos sem consciência, podem se valer dos papéis sociais e profissionais que constituem excelentes máscaras pré-fabricadas através das quais os outros relutam em espiar. Os papéis ajudam a organizar nossa complexa sociedade e são extremamente importantes para nós” (Martha STOUT, Meu vizinho é um psicopata, p. 107). xx Robert D. HARE, Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos roden, p. 72. xxi Idem, ibidem, p. 75. xxii Robert D. HARE, Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean, p. 139. xxiii Vicente GARRIDO, O psicopata: um camaleão na sociedade atual, p. 42-43. xxiv Robert D. HARE, Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean, p. 8586. xxv Ana Beatriz Barbosa SILVA, Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado, p. 80. xxvi Hervey CLEKLEY, The mask of sanity, p. 208. xxvii Nas palavras de Ana Beatriz Barbosa SILVA, a palavra bullying ainda é pouco conhecida do grande público. De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil, é utilizada para qualificar comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas. Dentre esses comportamentos, podemos destacar as agressões, os assédios e as ações desrespeitosas, todos realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos agressores (Ana Beatriz Barbosa SILVA, Mentes Perigosas nas Escolas: bullying. Como identificar e combater o preconceito, a violência e a covardia entre alunos, p. 21). xxviii Paul BABIAK; Robert D. HARE, Snakes in Suits: when psychopaths go to work. Nova York: Harper Collins, 2007. xi Ano 3, nº 3, p.84-85, Dez 2011 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BABIAK, Paul; HARE, Robert D. Snakes in Suits: when psychopaths go to work. Nova York: Harper Collins, 2007. CHECKLEY, Hervey. The Mask of Sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976. GARRIDO, Vicente. O Psicopata: um camaleão na sociedade atual. Trad. Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005. HARE, Robert D.. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean. Trad. Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003. STOUT, Martha. Meu vizinho é um psicopata. Trad. Regina Lyra. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. ________________________. Mentes Perigosas nas Escolas: Bullying. Como identificar e combater o preconceito, a violência e a covardia entre os alunos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. Ano 3, nº 3, p.85-85, Dez 2011
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