Terpenóides e xantonas de Tovomita brasiliensis Walp.
Transcrição
Terpenóides e xantonas de Tovomita brasiliensis Walp.
1 Terpenóides e xantonas de Tovomita brasiliensis Walp. (Guttiferae) Lílian Helena da Costa Tavares1 , Rose Grace Lima Brito1, Giselle Maria Skelding Pinheiro Guilhon2, Lúcia Maria Conserva3 1 Iniciação Científica – CNPq; 2 Orientadora/Departamento de Química – CCEN Universidade Federal do Pará; 3 Universidade Federal de Alagoas. Resumo A investigação química do extrato hexânico do caule de Tovomita brasiliensis Walp (Guttiferae/Clusiaceae) foi conduzida fornecendo ésteres graxos do lupeol e do sitosterol, o triterpeno ciclo-arta-24-en-3β-ol e a dicromenoxantona brasilixantona A, isolada inicialmente apenas da raiz dessa espécie. Foram obtidas quantidades adicionais dos triterpenos friedelina, lupeol, α e β-amirina, lanosta-7,24-dien-3β-ol e da dicromenoxantona brasilixantona B, isolados inicialmente do extrato clorofórmico do caule. As estruturas foram caracterizadas com base nos dados espectrais de RMN de3 1H e de 13C. Abstract The chemical investigation of the hexanic extract of the stems of Tovomita brasiliensis Walp (Guttiferae/Clusiaceae) was carried out affording the long chain esters of lupeol and sitosterol, the triterpene cicloarta-24-en-3β-ol, a mixture of the steroids sitosterol and stigmasterol, together with the dichromenexantone brasilixanthone A, first isolated only from the roots of this species. The triterpenes friedelin, lupeol, α and β-amirin, lanosta-7,24dien-3β-ol and the dichromenexanthone B that were first obtained from the chloroformic extract of the stems, were reisolated. The structures were characterized on the basis of 1H and 13C NMR spectral data. INTRODUÇÃO A família botânica Guttiferae (Clusiaceae) comporta 25 gêneros que se distribuem em nove tribos pertencentes a seis subfamílias, engloba mais de 1.000 espécies que ocorrem nas regiões tropicais do globo, com exceção do gênero Hypericum que é encontrado em regiões temperadas1. Do ponto de vista químico, as espécies dessa família são reconhecidas como fontes de xantonas, benzofenonas, terpenos e esteróides2,3,4. Ensaios farmacológicos com xantonas naturais mostraram diferentes atividades, como antiinflamatória, antileucêmica, antitumoral, anti-hepatotóxica, antiulcerogênica, antiviral (herpes), antifúngica, estimulante do miocárdio e do sistema nervoso central, hipertensora, antimicrobiana, analgésica, bactericida e imunossupressora, o que evidencia o potencial desses metabólitos especiais como agentes medicinais2. O gênero Tovomita Aubl., pertencente à família Guttiferae (subfamília Clusioideae e tribo Clusieae), inclui cerca de 80 espécies, a maioria árvores, cuja distribuição inclui a América Central, Amazônia e Mata Atlântica, até o Estado do Rio de Janeiro. A espécie amazônica Tovomita brasiliensis Walp. é conhecida como “manguarana ou taxiubarana”, a infusão de suas flores é utilizada no tratamento de diarréia, o óleo dos frutos é usado em casos de reumatismo articular e a madeira é boa para marcenaria5. Um estudo químico anterior com o caule de T. brasiliensis Walp. levou ao isolamento de uma xantona simples (A) e do terpeno ácido betulínico e do esteróide Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA http://www.ufpa.br/revistaic Vol 1, No 2, Julho 2001 Página 1 de 7 2 sitosterol, juntamente com três prováveis artefatos (B, C, D) produzidos pela presença de fungos na extrato trabalhado pertencentes à classe das isocumarinas (Figura 1)6. Levando-se em conta a importância etnobotânica da espécie e a ocorrência de metabólitos com importantes atividades biológicas, foi conduzido estudos químico e farmacológico do caule e raízes daquela espécie, em colaboração com o grupo de pesquisa de Química Orgânica da Universidade Federal de Alagoas, cabendo ao último o estudo químico das raízes. OH O OH O O HO MeO O OH B A OH OH O O Cl O O MeO OMe C D Figura 1: Constituintes químicos identificados em estudo anterior com o caule de Tovomita brasiliensis Walp6. Na primeira etapa do estudo fitoquímico do caule de T. brasiliensis Walp., a fase clorofórmica do extrato etanólico foi investigada e levou ao isolamento de um produto natural novo da classe das xantonas (X-1), juntamente com os triterpenos friedelina (1), ácido betulínico (2), lupeol (3), α e β-amirina (4 e 5), lanosta-7,24-dien-3β-ol (6) e o esteróide sitosterol (7). Esses resultados, juntados aos obtidos do estudo químico das raízes, foram recentemente publicados7. Para dar continuidade ao estudo químico da planta, o extrato hexânico do caule da espécie foi investigado, tendo sido obtidos o triterpeno cicloart-24-en-3β-ol (8), uma mistura de sitosterol e estigmasterol (7 e 9) e ésteres graxos do lupeol e sitosterol (10 e 11), além de quantidade adicional de friedelina, lupeol, α e β-amirina, lanosta-7,4-dien-3-ol e da xantona X-1 e uma segunda xantona (X-2), obtida anteriormente apenas das raízes (Figuras 2 e 3). Os terpenóides isolados são compostos conhecidos e de ocorrência freqüente nos vegetais, por outro lado, as xantonas X-1 e X-2, quando isoladas, representavam metabólitos secundários novos. Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA http://www.ufpa.br/revistaic Vol 1, No 2, Julho 2001 Página 2 de 7 3 H COOH O 1 HO H 2 H H RO HO 3 R=H 11 R=CH3(CH2)nCO H H 4 H 6 H HO H 5 HO H HO RO 7 R=H 9 R=H; ∆22 11 R= CH3(CH2)nCO 8 Figura 2: Estrutura dos terpenóides isolados do caule de Tovomita brasiliensis Walp. Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA http://www.ufpa.br/revistaic Vol 1, No 2, Julho 2001 Página 3 de 7 4 5" 4" O 5" OH 4" 4' O 5' O OH O 9 HO 5 O 4 O HO 5 X-1 O X-2 O 4' 5' Figura 3: Estruturas das dicromenoxantonas X-1 e X-2 isoladas do caule de T. brasiliensis Walp . RESULTADOS E DISCUSSÃO Os triterpenos e esteróides obtidos do caule de T. brasiliensis Walp. (substâncias 1-11) foram identificados através da comparação de seus dados espectrais com aqueles encontrados na literatura para essas substâncias8-11. As substâncias X-1 e X-2 foram isoladas na forma de sólidos amorfos. Os espectros no IV dessas substâncias apresentaram absorções características de grupos hidroxílico (3491 e 3491 cm-1) e carbonílico conjugado (1621 e 1628 cm-1), além de absorções de anel aromático. Os dados de RMN 1H de X-1 e X-2 (Tabela 1) evidenciaram a presença de um grupo hidroxílico quelado (δH 13,63 e 13,40), de dois hidrogênios aromáticos isolados (X-1: δH 6,26 e 6,86; X-2: δH 6,20 e 6,83), juntamente com sinais de dois anéis 2,2-dimetilpirânicos em cada molécula (Tabela 1). A análise desses dados caracterizaram a presença de dicromenoxantonas 1,3,6,7-tetraoxigenadas. A localização de um dos grupos 2,2dimetilpirano tanto em X-1 como em X-2 foi proposta com base nos deslocamentos químicos de um dos hidrogênios olefínicos do anel (H-4”), sugestivos de um arranjo peri à grupo carbonílico, uma vez que encontravam-se desprotegidos ( X-1 δH 8,02; X-2 δH 7,99)12 em relação a hidrogênios olefínicos sem esse tipo de arranjo. As diferenças espectrais entre X-1 e X-2 observadas tanto nos dados de RMN 1H como nos de RMN 13C eram sugestivas da presença de substâncias isoméricas com um segundo anel pirânico linear ou angular. A comparação dos deslocamentos químicos do carbonos não substituídos (C-5) do anel A ( X-1: δ C 94,28; X-2: δ C 102,52) com dados da literatura para dicromenoxantonas lineares e angulares era sugestiva de um arranjo linear em X-14. As propostas estruturais estão de acordo com os dados no UV obtidos para soluções de X-1 e X-2 em metanol. A adição do reagente de AlCl3 à solução de X-1 causou um deslocamento batocrômico após 30 minutos de experimento, enquanto que a adição à solução de X-2 causou deslocamento imediato. Esse comportamento de X-1 é típico de um composto com grupo 1-OH quelado, com substituinte em 2 4. Os dados dos espectros de RMN bidimensionais de X-1 e X-2 estão em concordância com as propostas estruturais. X-1 e X-2 foram denominadas de brasilixantona B e A, respectivamente. Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA http://www.ufpa.br/revistaic Vol 1, No 2, Julho 2001 Página 4 de 7 5 MATERIAIS E MÉTODOS Coleta e identificação da planta: a planta foi coletada no Município de Acará (Pará) e identificada no Herbário João Murça Pires do Museu Emílio Goeldi, onde uma exsicata foi depositada (MG-0151737 ). Extração e Partição: o caule de T. brasiliensis Walp foi seco ao ar livre e moído em moinho de facas. O material moído (2.400 g) foi extraído sucessivamente a frio com os solventes hexano e etanol. As soluções hexânica e etanólica foram concentradas sob vácuo resultando nos extratos hexânico (4,4 g) e etanólico (240,0 g). Parte do extrato etanólico (160,0 g) foi suspendido em mistura metanol-água e submetido à partição com hexano, clorofórmio, acetato de etila e n-butanol. As soluções obtidas, após concentração sob vácuo, resultaram nas fases hexânica (4,0 g), clorofórmica (20,0 g), acetato de etila (30,9 g) e butanólica (14,3 g). Isolamento dos constituintes químicos do extrato hexânico: o extrato hexânico do caule de T. brasiliensis (4,4 g) foi fracionado através de cromatografia em coluna em sílica gel utilizando-se como solventes de eluição misturas de hexano - acetato de etila de polaridades crescentes. As frações obtidas foram reunidas através de monitoramento por cromatografia em camada delgada comparativa, resultando em oito grupos de frações (frações f-1 a f-8). As frações f-3, f-5 e f-8 foram purificadas através de recristalização em misturas de hexano – acetato de etila, enquanto que as frações f-2, f-4 e f-6 foram purificadas através de cromatografia em coluna em sílica gel utilizando-se como solvente de eluição misturas de hexano - acetato de etila . A fração f-7 foi fracionada através de cromatografia em camada delgada preparativa em sílica gel com a mistura hexano - acetato de etila 15% como fase móvel. Isolamento dos constituintes químicos da fase clorofórmica do extrato etanólico: parte da fase clorofórmica (18 g) foi fracionada por cromatografia em coluna, utilizando-se sistema semelhante ao anterior, o que resultou em vinte grupos de frações (frações g-1 a g20). As frações g-3 e g-17 foram purificadas através de recristalização em misturas de hexano-acetato de etila, enquanto que as frações g-6, g-9 e g-11 foram purificadas por sucessivos processos de cromatografia em coluna em sílica, com misturas de hexano acetato de etila como eluentes. Identificação dos constituintes químicos: a identificação das substâncias foi proposta a partir da análise de seus dados espectrais (ressonância magnética nuclear - 1H, 13C e DEPT – espectrometria de massas e espectroscopia no infravermelho e ultravioleta. As frações f e g foram identificadas como se segue: f-2 = substâncias 10-11 (10 mg); f-3 = substância 1 (75 mg); f-4 = substância 3 (438 mg); f-5 = substâncias 3-6 e 8 (50 mg); f-6 = substâncias 7 e 9 (31 mg); f-7 = substâncias X-1 (11 mg) e X-2 (13 mg); g-3 = substância 1 (320 mg); g-6 = substâncias 3-6 (776 mg); g-9 = substâncias 7 (9 mg); g-11 = substâncias X-1 (6 mg); g-17 = substância 2 (300 mg). 1,6-diidróxi-6’,6’-dimetilpirano(2’,3’:2,3)-6”,6”-dimetilpirano (2”,3”:7,8) xantona (X-1 ou brasilixantona B). 1,6-diidróxi-6’,6’-dimetilpirano(2’,3’:3,4)-6”,6”-dimetilpirano (2”,3”:7,8) xantona (X-2 ou brasilixantona A). Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA http://www.ufpa.br/revistaic Vol 1, No 2, Julho 2001 Página 5 de 7 6 CONCLUSÕES As substâncias identificadas nos extratos orgânicos do caule de Tovomita. brasiliensis Walp. pertencem a classes gerais de substâncias comuns em espécies de Guttiferae. As xantonas, metabólitos secundários com importantes atividades biológicas, são de ocorrência freqüente em espécies de Guttiferae e em um reduzido número de famílias botânicas As dicromenoxantonas, no entanto, são de ocorrência mais restrita, tendo sido a segunda ocorrência no gênero Tovomita. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. MELCHIOR, H. Engler´s syllabus der pfanzen familien 12ª ed. Gebrüder Bomtrager, Berlim, 1964. BENNET, G. J.; Lee, H. H. Xanthones from Guttiferae. Phytochemistry 28:967-998, 1989. GOTTLIEB. O. R. ; GABRIEL, S. J. Tovoxanthone from Tovomita choisyana. Phytochemistry 11:3035-3036, 1972. DELLE MONACHE, G.; DELLE MONACHE, F; WATTERMAN, P. G. CRINCHTON, E. G.; ALVES de LIMA, R. Minor xanthones from Rheedia gardneriana. Phytochemistry 23:1757-1759, 1984. LE COINTE, P. A Amazônia Brasileira III. Árvores e plantas úteis (indígenas e aclimatadas). Livraria Clássica, Belém, 1934. BRAZ FILHO, R.; MIRANDA, C. A. S.; GOTTLIEB, O. R.; MAGALHÃES, M. T. Acta Amazônica 12:801, 1982. MARQUES, V. L. L.; OLIVEIRA, F. M. de; CONSERVA, L. M.; BRITO, R. G. L; GUILHON, G. M. S. P. Dichromenexantones from Tovomita brasiliensis. Phytochemistry 55:815-818, 2000. MAHATO, S. B.; KUNDU, A. P. 13C NMR spectra of pentacyclic triterpenoids – a compilation and some important features. Phytochemistry 36:1517-1575, 1994. AHMED, W.; AHMAD, Z.; MALIK, ª Stigmasteryl galactoside from Rhynchosia minima. Phytochemistry 31:4038-4039, 1992. NES, W. D.; NORTON, R. A. BENSON, N. Carbon-13 NMR studies on sitosterol biosynthesized. Phytochemistry 31:805-811, 1992. ROQUE, N. F.; GALLEGOS, R. S. Análise de misturas de triterpenos por RMN de 13 C. Química Nova 13:278-281, 1990. Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA http://www.ufpa.br/revistaic Vol 1, No 2, Julho 2001 Página 6 de 7 7 Tabela 1: Dados de RMN 1H e 13C de X-1 e X-2. 1 H/13C X-1 δH X-1 δC (J em Hz) (multiplicidade do carbono) 1 159,56 (C) 2 104,47 (C) 3 158,61 (C) 4 6,26 s 94,28 (CH) 4a 155,12 (C) 5 6,83 s 102,44 (CH) 6 150,94 (C) 7 135,76 (C) 8 121,50 (C) 8a 110,14 (C) 9 182,12 (C) 9a 103,78 (C) a 10 152,47 (C) 4’ 6,72 d (10,0 Hz) 115,69 (CH) 5’ 5,57 d (10,0 Hz) 127,19 (CH) 6’ 77,43 (C) Me-6’,Me-6’ 1,47 s 28,38 (CH3) 4” 8,02 d (10,3 Hz) 120,99 (CH) 5” 5,83 d (10,3 Hz) 132,31 (CH) 6”,6” 1,49 s 27,39 (CH3) 1-OH 13,63 s 6-OH 6,29 sl X-2 δH (J em Hz) 6,20 s 6,83 s 6,76 d (10,0 Hz) 5,57 d (10,0 Hz) 1,47 s 7,99 d (10,2 Hz) 5,82 d (10,2 Hz) 1,49 s 13,40 s 6,29 sl X-2 δC (multiplicidade do carbono) 163,30 (C) 99,26 (CH) 160,17 (C) 100,59 (C) 151,38 (C) 102,52 (CH) 151,15 (C) 137,12 (C) 119,97 (C) 108,65 (C) 182,64 (C) 104,03 (C) 153,08 (C) 115,28 (CH) 126,98 (CH) 77,43 (C) 28,46 (CH3) 121,08 (CH) 132,58 (CH) 27,53 (CH3) Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA http://www.ufpa.br/revistaic Vol 1, No 2, Julho 2001 Página 7 de 7