Flora Morena Maria Martini de Araujo e Matheus Vieira

Transcrição

Flora Morena Maria Martini de Araujo e Matheus Vieira
AS REVISTAS JÚNIOR E CAPRICHO E A CONSTRUÇÃO DAS
SUBJETIVIDADES E IDENTIDADES
Flora Morena Maria Martini de Araújo
([email protected])
Mestranda em História PPG Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Matheus Machado Vieira
([email protected])
Mestrando em História PPG Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Resumo: O corpo, apesar de por muito tempo ter sido considerado um produto natural, passivo e sem intervenções
sociais ou culturais, nas recentes discussões vem sendo pensado como um produto construído histórico e socialmente.
Não podemos falar em indivíduo sem pensar em corpo, já que ele contribui para a formação da subjetividade. E como
é que estas construções são feitas ao longo de nossas vidas? Como será que os meios de comunicação interferem em
nossa relação com nossos corpos e assim com a formação de nossas subjetividades? Tendo em mente que não são
apenas os corpos infantis que estão em constante aprendizagem, já que as subjetividades e identidades vão sendo
moldadas ao longo da vida dos indivíduos e que esta construção parte da materialidade dos corpos e da sexualidade.
Este trabalho pretende analisar duas publicações do mercado editorial brasileiro, a revista Júnior e Capricho.
Atentando, sobretudo no que diz respeito à sua colaboração na construção das subjetividades e identidades na
contemporaneidade. Dois periódicos que, por meio um de caráter pedagógico altamente normatizador se colocam
como guias de comportamento calcados em modelos de gênero, corporalidades e sexualidades altamente excludentes.
E desta forma contribuem para as formações individuais de jovens e adolescentes. Influenciando a forma em que
esses percebem o mundo ao seu redor e a si mesmos.
Palavras Chave: Corpo; Gênero; Construção;
Introdução
Quando pensamos em “corpo”, automaticamente remetemo-nos a
materialidade, sempre encaixada em padrões. Mesmo sem nos darmos conta, estes
padrões estéticos nos acompanham e classificam os corpos que nos cercam. Quantas
vezes, mesmo sem intenção, nos admiramos com um corpo belo, bem construído, na
contramão nos causa estranhamento o que consideramos desvios – principalmente
aqueles corpos que estão alheios às nossas premissas de sexo e gênero. Estas
normatizações apontam o que é considerado certo e errado, normal e abjeto, belo e
monstruoso. A partir disto é gerada a diferenciação entre o “dentro” e “fora”, “eu” e o
“outro”, bem como o controle de si.
Outra classificação feita a partir da materialidade corpórea é a noção de
feminino e masculino. Talvez esta seja a definição mais importante e procedente dos
corpos, pois a partir do momento que uma mãe descobre se seu bebê será menino ou
menina, até os últimos dias de sua vida, os indivíduos são orientados por sua condição
material do sexo biológico. Desta forma, o corpo, apesar de por muito tempo ter sido
considerado um produto natural, passivo e sem intervenções sociais ou culturais, hoje é
visto como um produto construído histórica e socialmente.
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.257
Não podemos falar em indivíduo sem pensar em corpo, já que ele contribui
para a formação da subjetividade. E como é que estas construções são feitas ao longo de
nossas vidas? Como será que os meios de comunicação interferem em nossa relação
com nossos corpos e assim com a formação de nossas subjetividades?
Tendo em mente que não são apenas os corpos infantis que estão em constante
aprendizagem por meio da relação com o outro, e partindo das discussões
contemporâneas sobre gênero, corpo e subjetividades, neste trabalho pretendemos
analisar as revistas Capricho e Júnior no que diz respeito à sua colaboração na
construção das subjetividades e identidades femininas e homossexuais na
contemporaneidade.
Objeto de análise
A revista Capricho está no mercado brasileiro a mais de cinquenta anos, e é
considerada a primeira revista feminina do Brasil1. Desta forma, se propõe a circular
pelo universo feminino e tratar de temas considerados pertinentes às mulheres, do que
faz parte do seu cotidiano. Logo, esta publicação baseia-se na naturalização de gênero,
onde é entendido que devido às características inerentes às mulheres, todas partilham
dos mesmos gostos, interesses e rumam ao mesmo destino.
Periódico quinzenal da Editora Abril, a revista é distribuída para todo Brasil,
com aproximadamente 2,8 milhões de exemplares vendidos a cada edição 2. A revista
destina-se a um grupo específico, às pré-adolescentes e adolescentes. Período da vida
que estas meninas passam por intensas mudanças. O que gera grande insegurança com
seu corpo, relacionamento e amizades. É o período também que as meninas passam a
menstruar, e que a maioria delas beija e tem relações sexuais pela primeira vez. Ou seja,
as leitoras da revista estão descobrindo um mundo novo, estão deixando de ser criança
para se tornarem mulheres. Muitas delas estão à espera do namorado dos sonhos, pela
festa de quinze anos. E é como guia neste novo universo que a revista se coloca – esta é
outra característica do periódico: a pedagogização das leitoras.
Já a revista Júnior é um periódico de publicação mensal voltada ao publico gay
masculino, está há cinco anos no mercado brasileiro e português. Júnior distingue- se
das outras revistas voltadas ao segmento existentes no país. A revista foge, por exemplo,
de um conteúdo erótico explicito se comparada com a G Magazine, no mercado
brasileiro desde 1997 sendo que até hoje sustenta o posto de revista mais bem sucedida
do gênero.
A proposta da Júnior opõe-se a G. Ela não deixa de lado a imagem de belos
corpos masculinos, mas, não se presta a nudez explicita. O periódico explora o lado
artístico dos corpos de rapazes, colocando o corpo como uma obra de arte. O corpo na
Júnior, perpassa pela sensualidade sem vulgaridade. A revista desafia a
heteronormatividade por meio de diversas corporalidades que constroem a subjetividade
1
A revista capricho foi criada em 1952 por Victor Civitae nos seus primeiros trinta anos, foi uma revista
de fotonovela – histórias com fotos, em formato das tradicionais “Histórias em Quadrinhos” que
narravam histórias de amor. Porém, aos poucos, a revista passou a tratar de outros temas, como moda,
beleza e comportamento. E em 1998 se firmou como revista especializada para o público adolescente.
Fonte: «http://capricho.abril.com.br/revista/historia.shtml» Acesso em: 28 dez. 2012.
2
A revista tem quase metade das suas leitoras concentradas na região sudeste, quase 70% tem entre 10 e
15 anos e com abrangência, sobretudo, entre as classes B e C (cerca de 87% das leitoras estão nestas
classes sociais). Fonte: «http://capricho.abril.com.br/revista/historia.shtml» Acesso em: 28 dez. 2012.
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.258
de uma cultura homossexual. Essa subjetividade é construída não só em imagens de
corpos, mas também no conteúdo da revista como um todo, nas matérias e na forma que
o periódico sustenta seu discurso.
Na revista capricho buscaremos apontar como a referida revista contribui para
a perpetuação da essencialização do feminino e na Júnior pela definição de um padrão
gay a ser seguido. Ou seja, como os periódicos partem da materialidade dos corpos para
pensar e definir seus leitores. E como, a partir desta concepção, busca introduzi-los no
“mundo feminino” e “homossexual padronizado”. Os periódicos impõem assuntos
considerados pertinentes à condição “natural” de mulher e gay.
Na revista Júnior utilizamos a discussão acerca do número 45 de novembro de
2012, edição especial que traz na capa um beijo entre dois homens sendo um deles
negro e outro branco, incitando a quebra de tabus não só sexuais, mas também raciais. A
capa expressa a defesa ao direito de pessoas do mesmo sexo beijarem-se em publico,
algo de grande importância em um país com preconceito sexual muitas vezes camuflado
como o existente no Brasil. Porém o foco de nossa discussão acerca da Revista Júnior é
a normatização dos corpos presente na publicação.
A ditadura da beleza é notável na revista Júnior quando nos deparamos com o
corpo masculino sarado, a boa aparência difundida por meio de fotos de belos homens
com corpos esculturais, em ensaios provocantes. Corporalidades que ao mesmo tempo
são “transgressoras3” e “normatizadoras”. São transgressoras, pois ousam mostrar o
afeto homossexual de forma naturalizada em uma sociedade calcada em fortes padrões
heteronormativos. São normatizadas, pois ao mesmo tempo que transgridem, imputam
um padrão de corpo, estilo e beleza dentro do universo gay. O corpo belo no periódico
não deixa de ser um objeto de desejo e consumo.
Possibilidades de análise
A relação social de gênero e a própria caracterização de homens e mulheres,
foram durante séculos baseadas na percepção corpórea. Para (ARAÚJO, 2011. p.20)
Desde a Antiguidade, filósofos e médicos buscaram, por meio de observações de
corpos, definir e caracterizar homens e mulheres. E a partir destes apontamentos
determinavam seus lugares na sociedade e também as posições que deveriam ocupar na
família.
Desta forma, com argumentação legitimada no natural, homens e mulheres
foram dotados de características que lhes eram consideras próprias de seu sexo. No
século XVIII, período de grande ênfase na racionalidade e progresso humano e social, a
racionalidade, por exemplo, era considerada um atributo inexistente nas mulheres. Por
isto muitos filósofos e pedagogos defendiam que a educação feminina era inútil, ou até
mesmo prejudicial. Às mulheres cabiam a sensibilidade, a piedade e a maternidade.
Desta forma, ela deveria ficar restringida à esfera doméstica. Já o gerenciamento social,
bem como a política e os campos do saber, deveriam ficar reservados aos homens.
Logo, desde a modernidade os discursos sobre os corpos, sexualidade e reprodução
3
Trata-se de homens sensuais, que usam o corpo para incitar o desejo e consumo de outros homens. Algo
que não foge a lógica heterossexual quando essa transforma o corpo da mulher em outdoors e capas de
revista em objeto de prazer e gozo. O corpo belo em si tem se prestado na contemporaneidade a se
colocar como algo a ser adquirido.
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foram considerados como pertencentes à ciência, campo considerado irrefutável, e a
natureza. E assim, desvencilhadas das influências culturais ou sociais.
Esta prática perdurou até a metade do século XX, as características masculinas
e femininas foram consideradas como fruto de sua biologia, definidas a priori. Suas
qualificações são estabelecidas junto ao sexo biológico, e desta forma, imutáveis.
Pensada em pares de oposição, estas características eram entendidas como
complementares - assim como a mulher e o homem. Assim, a sensibilidade, como já
dito, continuou sendo concebida como uma qualidade inerente às mulheres e a
racionalidade ao homem.
Porém, nas últimas décadas, apesar de durante séculos o corpo ter sido
entendido como um atributo natural, algo dado pela natureza e imutável, esta percepção
tem mudado, graças às recentes pesquisas de teóricos pós-estruturalistas e das
discussões feministas acerca das relações entre natureza e cultura - bem como devido
aos intensos debates no campo da História do Corpo de Estudos Culturais. Para estes
pesquisadores, embora a materialidade não seja negada, o corpo não é algo dado a
priori, passivo às ações da cultura. É algo que é construído histórico e socialmente.
Onde a materialidade ganha significações por meio da linguagem e da sociedade à sua
volta.
Michel Foucault foi um pesquisador muito importante para a desnaturalização
do corpo. Em suas pesquisas ele procurou demonstrar como o corpo é historicamente
demarcado e circunscrito, e como as instituições tais como escola, família, igreja,
fábricas e hospitais, exerceram poder sobre ele, investindo-o de normas disciplinadoras.
Ou seja, para (FOUCAULT, 1982, p.99) as regras de decência, grosseria, obscenidade,
assim como as normas disciplinadoras e padrões corporais, são construídos histórica,
social e culturalmente.
Outra importante contribuição para os estudos de desnaturalização do corpo e
do sexo, além dos modelos dicotômicos, é a teórica feminista de Judith Butler. Sem
negar a materialidade, Butler foge das definições tradicionais de corpo. (BUTLER,
2005, p.23) coloca como representação, como um “estar no mundo”, onde sua condição
existencial é o que o define. Desta forma, segundo ela, não há corpos ou posição
subjetiva fora dos discursos, da experiência.
Outro apontamento da teoria de Butler é a normatização imposta à
materialidade. Isto porque, segundo ela, o sexo funciona como uma prática reguladora
que demarca e circunscreve os corpos que controla. Desta forma, não é um elemento
natural, é uma construção ideal que se materializou obrigatoriamente através do tempo
(ibidem, p.24). Logo, são as maneiras reguladoras do sexo que constroem os modos de
performacividade da materialidade dos corpos, e também a diferença sexual.
Nesta mesma linha teórica, outra importante contribuição neste debate foram as
pesquisas de Teresa Lauretis. Que também destaca a contribuição da cultura, mesmo
quando nos referíamos à natureza. Para (LAURETIS, 1994, p.47) a percepção do
natural parte das estruturas mentais, que por sua vez são datadas localizadas no interior
de determinada sociedade e cultura. Assim, a ideologia influencia diretamente a
compreensão da biologia dos corpos. É ela que a define, que lhe garante uma estrutura
conceitual e linguística. Logo, para Lauretis, a compreensão da natureza parte de
determinadas culturas, percepções e experiências.
E por mais que desde a primeira onda do feminismo, e que a crítica pósAnais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.260
estruturalista tenha questionado as bases do pensamento científico ocidental, a
igualdade entre a constituição racional, emocional e psicológica esteja sendo defendida,
a ideia de que homens e mulheres são diferentes por dentro e por fora, ainda impera na
sociedade. Percebemos ainda como desde muito jovens a vida de meninas e meninos
são guiadas por esta concepção.
Décadas após Simone de Beauvoir declarar sua célebre frase “não se nasce
mulher, se torna”, e essa ficar conhecida mundialmente e ser amplamente discutida por
pesquisadoras feministas, ao olharmos com mais atenção para os bens de consumo e
culturais, notamos como eles ainda se pautam na naturalização e nos estereótipos de
gênero.
No caso das meninas, a materialidade de seus corpos define algo a mais, a
condição de mãe. Segundo (BORDO, 2000, p.21) desde seu primeiro ano de vida, elas
ganham bonecas, brincam de casinha, de “mamãe e filhinha”. Ou seja, desde muito
novas é introjetado nas garotas que elas têm algo diferente: um órgão que lhes garante a
condição de mãe. Que seus corpos foram moldados pela natureza para que elas
desempenhem esta função.
Meninas aprendem que devem valorizar esta condição. E a praticar as virtudes
que são inerentemente femininas, como a sensibilidade, a delicadeza e o capricho – que
está diretamente relacionado com o cultivo da beleza estética. E é esta peculiaridade
feminina que deverá ser o centro de sua formação, e importante fator na formação de
suas subjetividades e desta forma, de sua identidade. Fica evidente que a revista
capricho trabalha em cima da formação da identidade e de sua importância na vida das
adolescentes – e o corpo, com certeza é o principal personagem nesta construção. É nele
que vão inscritas as marcas desta identidade, seja nas roupas, nos body piercings
adotados, nas tatuagens escolhidas ou no uso de maquiagens e acessórios.
A construção das subjetividades nas revistas Capricho e Júnior
A revista Capricho explora a construção da identidade por meio dos usos de si.
Matérias como “Volta às aulas: escolha a mochila e tênis de acordo com seu estilo” são
frequentes. Bem como, o incentivo do uso da maquiagem de acordo com o “estilo” da
garota – estilos que apesar de terem algumas variações, ainda sim são muito
normatizados. Segundo (ANDRADE, 2003, p.128) a revista Capricho, assim como
várias outras que circulam no Brasil, é uma “instância de construir identidades
adolescentes”. Identidades, no plural, pois segundo a pesquisadora não podemos falar
em uma única identidade adolescente, ou em algo fixo. Pois elas são construídas e
representadas a partir de diferentes grupos regionais, sociais e religiosos. Ela ainda
afirma que:
A construção e a negociação das diferentes identidades passam hoje,
necessariamente, pelo corpo e são associadas ao consumo, alimentando um
mercado milionário que cresce incrivelmente a cada dia, junto com a obsessão pelo
corpo belo, malhado, magro, saudável. (ANDRADE, 2003, p.113)
A partir disto, observamos que as subjetividades de cada indivíduo sofrem
grande influência de sua condição corpórea. Já que tudo que lhe é pertinente, familiar ou
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mesmo considerado adequado é extremamente circunscrito devido ao seu gênero.
Partindo dessas discussões podemos problematizar o discurso e a construção das
subjetividades presentes nas revistas Capricho e Júnior. No site da editora a revista
capricho está definida como:
A revista CAPRICHO é líder absoluta na comunicação com as garotas brasileiras!
Traz, quinzenalmente, os assuntos sobre os quais as adolescentes querem saber de
uma maneira objetiva, clara e informal. As páginas de CAPRICHO oferecem uma
combinação de alto apelo, com uma fórmula que vai ao encontro das necessidades
das adolescentes: celebridades + moda e beleza + comportamento + atualidades +
diversão e entretenimento. Sua abordagem acolhe e, ao mesmo tempo, alerta e
orienta a leitora, criando intimidade com o público. Hoje são mais de 2,8 milhões
de leitoras por edição.4
Isto está muito claro na revista Capricho. Há muitas matérias que ensinam as
meninas a comerem de maneira saudável e sem exagero de calorias. Outras que
incentivam as atividades físicas, que destacam a importância do cuidado com a saúde.
Mas fica evidente que o maior apelo é o da estética. Isto ocorre, por exemplo, na edição
número 1162, de novembro de 2012 (pouco antes das férias escolares) um dos destaques
da capa é: “Um cardápio e planos de exercícios para você chegar linda à praia”.
Na matéria há uma garota com roupa de fazer exercícios físicos e um sorriso no
rosto – dando a entender o prazer que terá com aquele programa de exercícios. O que
causa espanto é que é uma menina magra, que teoricamente não precisaria emagrecer ou
fazer dieta – que é o caso da maioria das leitoras que o fazem - mas que está ao lado de
uma tabela de exercícios e dieta, que juntamente com os exercícios irá a preparar seu
corpo para o verão, estação onde as idas à praia são frequentes por grande parte das
meninas brasileiras.
Fica evidente então, que a preocupação nestas matérias não são os benefícios
de uma alimentação saudável ou mesmo de atividades físicas, mas sim um corpo belo
para ir à praia. Na matéria, as garotas também têm a oportunidade de aprender qual é o
biquíni ideal para o seu tipo de corpo. Para que assim “valorizem as partes certas, e
disfarcem as que incomodam”. Desta forma, percebemos que estas matérias apontam
que além dos benefícios para a saúde, os ganhos são com a aparência – muitos deles
apontam de que forma cada exercício pode melhorar cada parte do corpo. A revista
convida suas leitoras a cuidarem de seus corpos. Coloca que é dever delas zelar além de
sua saúde, por sua beleza.
[...] a disciplina, a dor, e a angústia da imposição não são vistas como uma
violência, mas são construídas como um prazer, uma realização pessoal
diretamente relacionada a autoestima. Ser magra, jovem, esbelta, estar na moda,
etc., portanto, “ser bela” é uma conquista. (ROSA, 2005, p. 12)
4
Disponível em «http://www.publiabril.com.br/marcas/capricho/revista/informacoes-gerais» Acesso em 2
jan. 2012.
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Silvana Vidore Goellner destaca como filmes, músicas, revistas e livros,
propagandas são também locais pedagógicos, que nos ensinam como devemos nos
portar, vestir, ou mesmo como devemos ser. (GOELLNER, 2003, p.29) chama atenção
de como estes discursos agem e chegam até nós. Segundo ela, esta orientação não é feita
através de um discurso direto e objetivo. Muitas vezes este discurso está colocado de
forma tão sutil, que não percebemos o quanto somos capturados por ele, e o quanto
nossa subjetividade é formada pelo que ele nos diz - não só apenas no que apresentam,
mas também pelo que ocultam.
É na mesma direção seguida pela linha editorial da revista Capricho, que
caminha a revista Júnior com a simples diferenciação do segmento que a acompanha.
Enquanto a Capricho é destinada a meninas adolescentes, a Júnior é uma publicação
para o público homossexual masculino, mais especificamente para jovens gays. A
revista parte de três conceitos chave: o de “informar, fazer pensar e entreter”. Periódico
que possui um público alvo, rapazes gays de classe média que, em tese, são “críticos”,
consumistas e perpassados pela ditadura estereotipada de um mundo que valoriza a
moda, a aparência e a beleza. O periódico está presente na versão digital e possui um
site oficial5. Encontra-se também disponível nas redes sociais, Twitter 6 e Facebook. Em
seu perfil no Facebook a revista diz estar direcionada ao “público gay, sem conteúdo
adulto, destacando-se em comportamento, cultura, moda, música, arte, cinema e homens
brasileiros.” Júnior se descreve como pop e sexy sem ser sexista7.
A revista Júnior é o “paraíso da carne”, a revista é recheda de homens bonitos,
com corpos definidos uma beleza digna de ser comparada com as estátuas gregas e
romanas que representavam o corpo do homem. Nos editoriais de moda e beleza as
grifes imperam, sendo que o homossexual obrigatoriamente deve destacar-se “causar”
na gíria gay, vestindo-se bem, cuidando dos cabelos e da barba, frequentando academias
e estéticas para manter não só o corpo, mas também a pele perfeita e jovem.
Cabe aqui analisarmos a obsessão gay pela masculinidade, beleza e juventude.
A Revista Júnior por si só é uma vitrine de homens jovens, bonitos, sarados, másculos e
aparentemente bem sucedidos. Trata-se de um produto destinado a outros homens com
as mesmas características. A impressão que temos é que o gay afeminado, feio, velho e
pobre não possui lugar no mundo “homonormativo” proposto pela Júnior. Contudo,
notamos que no discurso do editorial da revista, a publicação se diz direcionada para
todos os homens homossexuais. Todavia em seu conteúdo podemos perceber que na
prática a publicação atingiria um nicho específico de gays. Provavelmente homens de
classe média e das elites, jovens, másculos e acima de tudo com boa aparência e corpo
perfeito.
Na própria edição de novembro de 2012, a matéria de capa estampa a questão
da masculinidade e da perfeição corporal. A proposta da matéria central do presente
número é discutir a questão do beijo gay em locais públicos (ruas, praças, shoppings,
cinemas), uma proposta desafiadora para o combate a homofobia e a agressão física a
homossexuais constantemente destacados na mídia. Contudo na capa o destaque que se
coloca para abordar a problematização acerca do beijo entre homens é a imagem de dois
5
Site da Revista Júnior: «www.revistajunior.com.br»
Página da Revista Júnior no Twitter: «https://twitter.com/revistajunior»
7
Página da Revista Júnior no Facebook: «http://www.facebook.com/revistajunior/info»
6
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.263
lindos rapazes, de corpos, rostos e curvas perfeitas. 8 Algo que leva os leitores a reforçar
um perfil de beleza imposto. Os homossexuais que não atendem a tal pré-requisito
automaticamente estão excluídos da publicação, diríamos, da comunidade de homens
que gostam de homens. Nesse sentido entendemos que o periódico somente reproduz
aquilo que se materializa na prática cotidiana do universo gay. Tal exclusão torna-se um
contrassenso, pois deparamo-nos com a exclusão dentro da exclusão.
A matéria de capa da revista destaca a fala de alguns entrevistados acerca da
ojeriza maior sobre o beijo entre dois homens “másculos” sem estereótipos, assim
acaba-se notando uma tendência da revista em desqualificar os homossexuais
caricaturados. A “bicha passiva” escandalosa está para os gays “masculinos” como um
corpo abjeto, assim como a homossexualidade está para a sociedade heteronormativa.
A figura do homossexual é normatizada nas páginas da revista Júnior sendo
que esse veículo de comunicação destinado a esse segmento não deixa de fazer uso das
tecnologias de gênero para representar a figura ideal de homem gay. Esse homem de
preferência deve ser másculo e não afetado, algo que nitidamente vemos perpassar em
vários momentos da matéria de capa. Por mais que a intenção do periódico tenha sido o
de incentivar os casais homossexuais a não se esconderem e sim exporem seu afeto em
público, a dubiedade do periódico está presente a partir do momento que encontramos
esse duplo discurso em suas páginas.
Ao impactar de frente com a norma hétero, mostrar a força da suposta “abjeção
sexual”, algo necessário na atualidade devido a inúmeros motivos, não apaga a exclusão
dentro da “comunidade de excluídos.” Acreditamos que ao segmentar a publicação ao
um modelo e estilo de homem homossexual, o periódico que a priori teria um discurso
acolhedor acerca das diferenças sexuais, acabou se tornando tão normativo como outras
formas de exclusão, mesmo que essa não seja abertamente a intenção da publicação.
A divisão existente entre os gays é algo latente e não coube explorar esse viés
na presente discussão, porém, por meio da análise da Revista Júnior e seu estilo
“transgressor”, formador de “subjetividades” e “corporalidades” notamos que muito do
que existe na imprensa gay acaba legitimando tal divisão. Isso se torna claro, mesmo
que se faça por meio de um pequeno recorte como o que desenvolvemos aqui.
Em relação a revista Capricho outro quesito que nos chama atenção é o
editorial de moda. O editorial é a sessão que muitas das leitoras gostam, seja pelas
roupas de marcas e da moda que apresentam, ou pela admiração pela posição de modelo
que meninas de sua idade se encontram – na grande maioria das vezes, as meninas estão
completamente dentro do padrão de beleza. São garotas novas, com peles homogêneas,
sem espinhas ou mesmo sardas e pintas – muito diferente da pele das meninas
adolescentes. Além de serem meninas magras, de cabelos lisos e longos, com unhas e
dentes perfeitos.
Outra exclusão que é feita na Capricho é com meninas negras. São poucos os
editorias que trazem modelos negras, e quando o fazem são editoriais muito específicos
- As meninas negras aparecem bem menos na revista ainda que a região nordeste seja a
segunda com maior número de leitoras. Além disto, as marcas são o que mais aparecem
nestes editoriais, além de a maioria ser restrita à alta burguesia, possuem roupas com
modelagem restrita. Suas roupas são para meninas com um único tipo de corpo, o magro
com poucas curvas. Há casos inclusive de lojas que produzem apenas até a numeração
8
Revista Júnior, nº45, Novembro de 2012.
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.264
“M” – médio.
Considerações Finais
A partir dessa análise percebemos como os meios de comunicação de massa
reproduzem em seus discursos os padrões de beleza. Impõem a normatização do belo,
do eu da feminilidade, do eu da masculinidade. Esses veículos legitimam a exclusão dos
corpos abjetos, que passam a ser tratados como o “outro”, criam frustrações e
culpabilidade pelas imperfeições tanto em moças quanto em rapazes, o que leva muitas
vezes a distúrbios psíquicos, alimentares e físicos.
Neste movimento quem lucram são as indústrias. A de cosméticos, que
prometem a juventude e a beleza eternas, além de transformações que irão deixar cada
homem e mulher com a imagem que garantirá a felicidade e a fidelidade nos
relacionamentos amorosos. A de vestuário, que promete a exteriorização das identidades
– se você é uma executiva, se vista de salto alto e blaser; se você é romântica, coloque
um vestido rodado e florido, mas se você gosta de rock, use um jeans rasgado, cintos
com taxas e um tênis – e assim, a reconhecerão por aquilo que você é. Se você é um
cara que curte skate use calças largas, bonés e tênis Adidas se curte pegar pesado na
academia procure usar camisetas mais coladas ao corpo para exibir a massa muscular, se
você tem tendência a calvície procure uma clínica de estética para fazer um tratamento
hormonal e recuperar os fios.
Podemos também falar das clínicas de cirurgias plásticas, que não param de
crescer e angariar novos clientes. Notamos que o consumo, a exibição de corpos
perfeitos e a imposição de uma norma a ser seguida por meninas adolescentes e jovens
rapazes homossexuais estão presentes nos dois periódicos. Tanto a revista Capricho
quanto a Júnior normatizam, disseminam um discurso excludente, procuram
homogeneizar as contradições em corpos femininos e masculinos e para isso possuem
fortes e fiéis consumidores seja no meio adolescente feminino ou na comunidade gay.
Afinal, sempre queremos mudar algo aqui ou ali, para nos sentirmos um pouco
mais felizes com nosso corpo, e assim com nossas vidas, já que através destas pequenas
mudanças acreditamos estar um pouco mais próximos do ideal de beleza. Da utopia
estética, que nunca será realmente alcançada. Afinal, será que até mesmo mulheres e
homens considerados mais belos e mais felizes, acreditam ter a encontrado?
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