Marés lunares e solares
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Marés lunares e solares
Marés lunares e solares Resumo: Com conceitos simples de Fı́sica, mostra-se quais são as principais causas das marés oceânicas. Ao passo que muitos estudantes dizem que as marés são devidas à força gravitacional da Lua, eles não sabem a verdadeira causa: a variação da atração lunar de um lado para o outro da Terra. Sem usar cálculo diferencial, mostra-se como se calcular as “forças geradoras de marés” devidas a um dado astro. Com esse conhecimento à mão, mostrase que o Sol tem uma contribuição, para as marés, menor que a da Lua. Uma breve discussão mostra como é simples se estender esse novo conceito para outros pares de astros, e.g., para os sistemas Sol-Júpiter e Júpiter-Io. Palavras chave: Gravitação, marés oceânicas. Mareas lunares e solares Resumen: Con conceptos simples de Fı́sica se muestra cuáles son las principales causas de las mareas oceánicas. Al paso que muchos estudiantes dicen que las mareas son devidas a la fuerza gravitacional de la Luna, ellos no saben la verdadera causa: la variación de la atracción lunar de un lado para el otro de la Tierra. Sin utilizar el cálculo diferencial, se muestra como se calcula las “fuerzas generadoras de las mareas” devidas a un dado astro. Con ese conocimiento a la mano, se muestra que el Sol tiene una contribución, para las mareas, menor que la de la Luna. Una breve discusión muestra como es simple de entenderse este nuevo concepto para otros astros similares, por ejemplo, para los sistemas Sol-Júpiter y Júpiter-Io. Palabras clave: Gravitation, mareas oceanicas 1 Lunar and solar tides Abstract: Using simple physics concepts, it is shown what are the basic causes of sea tides. While most students think that sea tides are due to the moon’s gravitational effect on the oceans, they do not know the real cause: the variation of the moon’s attraction from one to the other side of the earth. Without using differential calculus, it is shown how to calculate the “tide generating forces”, due to a given celestial body. With this knowledge, it is shown that the sun is less effective in producing sea tides than the moon. A brief discussion shows how easy it is to extend the new concept to other pairs os celestial bodies, e.g., the sun-Júpiter and the Júpiter-Io systems. Keywords: Gravitation, ocean tides 1 Qual a causa das marés? À pergunta “Qual é a causa das marés?”, estudantes respondem prontamente: é a atração gravitacional dos oceanos pela Lua. Se perguntamos, a seguir, por que o Sol, sendo muito mais massivo, exerce menos efeito que a Lua, vem a seguinte resposta: “Porque, apesar de ser muito maior que a Lua, o Sol está tão longe, que sua força sobre os oceanos é menor.” Devido à regularidade com que se ouve essa resposta, poder-se-ia concluir que muitos professores também comungam dessa idéia. Essas pessoas concordam com Newton [New78] em seus “Princı́pios Matemáticos”, onde diz “E porque (como a experiência nos diz) a força da Lua é maior que a do Sol, a maior altura das águas acontecerá em torno da terceira hora lunar.” Cuidado! Nesse caso, Newton está errado, como verificaremos, agora que temos muito mais informações do que êle dispunha. Quando Newton escreveu isso, êle ainda não tinha tido a brilhante idéia da teoria da gravitação, ou seja, que a gravidade terrestre era de mesma natureza da força que mantinha o planetas e a Lua em suas órbitas. Uma componente das marés é sabida ser solar ou lunar, quando seu perı́odo é múltiplo ou submúltiplo dos perı́odos de rotação aparente do Sol (24 h) ou da Lua (24h 50.47m) em torno da Terra. Devido a isso, as marés lunares se atrasam, a cada dia, de aproximadamente 51 minutos. 2 2 Os campos gravitacionais do Sol e Lua, na Terra Vamos calcular a força de cada um dos astros, sobre 1 Kg de matéria, na Terra. Por definição, esse é o campo gravitacional do referido astro, naquela posição. Usaremos valores aproximados para as grandezas, eliminando muitas casas decimais, para clareza. Isso não afeta o nosso argumento. Os dados usados são dos apêndices da coleção Halliday [HRW03]. O campo gravitacional de um astro, a uma grande distância, r, do mesmo, é dada por g= GM r2 (1) onde G = 6.7 × 10−11 , é a constante da gravitação universal, expressa no sistema MKS (ou SI.) M é a massa do astro em questão, em quilogramas, e r é expressa em metros. A seguir, calculamos a expressão (1) para o Sol, cuja massa é MS e sua distância à Terra é rST e para a Lua ( ML , rLT .) Assim, obtemos a razão entre os campos da Lua e do Sol, no centro da Terra, gL ML = gS MS µ rST rLT ¶2 7 × 1022 = 2 × 1030 µ 1, 5 × 1011 4 × 108 ¶2 ≈ 5 × 10−3 (2) Esse resultado indica que o campo gravitacional da Lua, na Terra, é cinco milésimos do campo do Sol! Isso elimina a explicação errônea, mais comum, para o fenômeno, de que o campo gravitacional seria a causa das marés. Se esse fosse o caso, a maré solar dominaria. Agora resta investigar a verdadeira causa das marés, na qual a contribuição solar deverá ser menor, como observada na experiência (marés solares tem perı́odo associado com o dia solar, ao passo que as marés lunares seguem o perı́odo lunar (e são as mais fortes.) A seguir, investigamos a causa das marés oceânicas, devidas a um astro genérico. Depois aplicamos a teoria ao Sol e à Lua e comparamos os resultados. A mesma teoria pode ser aplicada a marés no Sol, devidas a Júpiter e Saturno. 3 Marés oceânicas devidas a um astro Veremos agora que a verdadeira causa das marés oceânicas é a variação do campo gravitacional entre um lado e o outro do planeta. Mais precisamente, 3 as marés são devidas à variação do campo gravitacional do astro, com a distância, “ao longo” do planeta. Para calcular essa variação, sem usar o conceito de derivadas, calculamos a diferença entre o campo gravitacional no ponto mais distante do astro e no centro da Terra: "µ ¶2 µ ¶2 # 1 1 ∆g = glonge − gcentro = GM − (3) r0 + R r0 onde r0 é a distância do astro ao centro da Terra e, R, o raio da Terra. Como r0 >> R, podemos fazer aproximações, para simplificar essa expressão. Note que (detalhes são dados no Apêndice) µ 1 r0 + R ¶2 ≡ (r0 + R)−2 ≡ r0−2 (1 + R/r0 )−2 ≈ 1 R (1 − 2 ) 2 r0 r0 (4) Na expressão (4), o sı́mbolo “≡” representa identidades, já que os termos foram rearranjados, sem alterar o valor da expressão. O sı́mbolo “≈” indica que o termo da direita é uma aproximação para a expressão da esquerda. Substituindo isso em (3), obtemos · ¸ 1¢ R 1¢ ∆g = GM ¢2 − 2 3 − ¢2 r0 ¢r0 ¢r0 ou ∆g = −2GM R r03 O sinal negativo indica que o campo gravitacional do astro sobre partes do planeta diminui, quando se vai do centro do planeta para o ponto mais distante do astro. Agora comparamos essa variação, para o Sol e para a Lua: ∆gL ML = ∆gS MS µ r0S r0L ¶3 7 × 1022 = 2 × 1030 µ 1, 5 × 1011 4 × 108 ¶3 ≈2 (5) mostrando que a variação do campo gravitacional da Lua é duas vezes mais rápida (em termos de distância) que a do Sol, quando se vai do centro da Terra para o extremo oposto ao Sol ou à Lua. Se repetirmos o cálculo acima, para obter a variação do campo gravitacional de um astro, quando se vai do ponto mais próximo ao astro até o centro da Terra, obtemos o mesmo valor. Verifique! 4 4 Os dois lóbulos da maré lunar A famosa figura das marés, de Newton, pode ser reproduzida, a partir do cálculo acima. Considere que a Terra, e tudo que nela há, caia em direção à Lua, com a acelaração gravitacional igual ao campo g. Se o centro da Terra, e toda parte “sólida”, cai com g, isso não é verdade para os oceanos: a parte dos oceanos mais próxima da Lua cai com g − ∆g, ao passo que a parte dos oceanos mais distante da Lua cai com g + ∆g (mais lentamente, já que ∆g < 0.) Assim, a massa dos oceanos se “estica”, no sentido que aponta para a Lua e no sentido oposto, também, criando dois lóbulos, um de cada lado da Terra (vide figura 1). Para o Sol, repetimos a explicação, só que a intensidade da distorção, devida ao Sol, é duas vêzes menor que a da Lua, como vimos em (5). Esse fator 2 é o observado na prática. Por quê os dois lóbulos são idênticos? Isso se dá porque podemos aproximar a curva que representa o pontencial gravitacional versus distância por uma reta, para distâncias pequenas, tais como o diâmetro da Terra (pequeno com relação à distância Terra-Lua.) Se a variação é ao longo dessa reta (variação linear), a diferença do campo gravitacional entre o ponto extremo e o centro da Terra é a mesma que desse centro para o ponto da Terra mais próximo ao astro, por semelhança de triângulos (vide figura 1) 5 Efeito da latitude Por coincidência, a explicação de Newton valia para a Inglaterra, mas não vale para a região equatorial. Em latitudes da Inglaterra e São Paulo, a explicação de Newton [New78], que é parecida com a nossa, funciona: Lua acima de nossa cabeça ou abaixo de nossos pés (no outro lado da Terra) implica maré cheia. Entretanto, no equador, isso é diferente. Nessa região temos um panorama mais poético: a luz da Lua, no horizonte, reflete-se nas águas da maré cheia. Mais poético ainda: quando a Lua cheia nasce, perto do equador, ela se reflete na maré cheia. Isso indica que temos maré cheia quando a Lua está no horizonte – e não no zênite ou nadir. Como isso pode ser possı́vel, depois das nossas explicações? Laplace fez um estudo mais detalhado das marés, levando em conta o fenômeno da ressonância: como a Lua gira em torno da Terra, seu efeito deve entrar em ressonância com o movimento das águas, mas pode haver 5 atrasos na resposta das porções de água em diferentes partes da Terra. O que êle fez foi estudar essa ressonância, considerando canais circulares de água, cirncundando o planeta a cada latitude. Então, mostrou que para diferentes raios desses canais, diferentes atrasos (fases) das marés ocorriam, em relação à passagem da Lua pelo zênite. As equações de Laplace explicam os diferentes comportamentos das mare para altas (Londres, São Paulo, Nova Iorque) e baixas (Natal, Recife) latitudes. Se a ressonância fôsse perfeita, a elevação de nı́vel dos oceanos seria tanta que não seria possı́vel o tipo atual de vida, na Terra. Isso não acontece, pois a profundidade dos oceanos, para que isso ocorresse, deveria ser de 22 km [EH69] (o que não acontece, felizmente.) 6 As fases da Lua e as marés Outro engano comum é acreditar que as fases da Lua afetam as marés. Quando a Lua está cheia ou em quaisquer de suas fases, isso é apenas devido ao nosso ponto de observação, da iluminação da Lua pelo Sol, que é sempre a mesma, em termos de área iluminada. A fase da Lua não muda seu efeito sobre os oceanos. Entretanto, as fases da Lua são uma boa indicação entre as posições relativas Sol-Terra-Lua, o que afeta a relação entre as fases das marés solares e lunares e, em diferentes fases lunares, a maré composta é diferente. Nesse caso, as fases da Lua e as marés são efeitos de uma mesma causa – posições relativas dos astros — e não causa e efeito. 7 Marés atmosféricas Além das marés oceânicas, a Lua causa marés na atmosfera terrestre. O problema aqui se torna muito complicado, pois trata-se de se estudar ondas na atmosfera, onde nem existe uma profundidade, semelhante à dos oceanos. Apesar da teoria ser complicada, as evidências experimentais são simples: elas derivam de medidas barométricas desde épocas remotas, em [EH69], por exemplo, os autores dão uma excelente introdução experimental sobre essas marés, além de uma explicação medieval das mesmas, usando o antigo conceito de “abóboda celeste.” Essa referência contém, também, os detalhes do tratamento fı́sico moderno. 6 Figura 1: Topo: linearização do campo gravitacional (g) da Lua para dois raios terrestres. “∆g” representa a variação (negativa) de g ao longo de um raio terrestre. Em baixo: campo gravitacional sobre ponto mais próximo do astro, centro da Terra e ponto mais distante. A linha pontilhada representa, exageradamente, a deformação dos oceanos. 7 8 Marés no sistema solar e além Com o que se viu, aqui, é possı́vel se entender que devem existir marés em outros sistemas de astros. Por exemplo, um planeta como Júpiter pode deflagar marés no Sol. Io está sujeita a marés, devido a Júpiter, que a mantém em permanente atividade vulcânica. a diferença, aqui, é que no Sol, temos um plasma imerso em campo magnético e, em Io, trata-se de maré em terreno sólido e pastoso (magma.) O ingrediente principal, então, é a diferença de força gravitacional de um lado e do outro do astro considerado, com isso pode se imaginar as aplicações mais gerais possı́veis: existem marés entre galáxias? 9 Conclusão Nem sem cálculo é tão simples. A teoria da ressonância, então, é bem mais complicada. Mas desde que se passe para os alunos que a diferença de força da Lua entre um lado da Terra e o outro é o ingrediente principal das marés, a missão do educador foi cumprida. Algo importante foi deixado de fora: no nosso modelo, os lóbulos da maré aumentam indefinidamente, já que não incluı́mos a força da própria Terra sobre as águas e a mudança de posição da Lua, em sua rotação aparente em torno da Terra. Nesse nı́vel de discussão é impossı́vel se fazer isso. O conceito de campo gravitacional como sendo a força gravitacional por unidade de massa, no caso, o quilograma, deve ser enfatizado, pois liga um conceito mais abstrato (campo) a algo mais “real” (a força). Durante a confecção desse trabalho, descobri que muito mais pessoas, não só alunos, tem a idéia de que as marés são devidas principalmente à Lua, devido à errônea conclusão de que “a força do Sol sobre a Terra é menor que a da Lua, pois o Sol está mais longe”. Isso é um tipo de “superstição cientı́fica”, difı́cil de se corrigir. Essa superstição é incentivada pela falta de tratamentos adequados do assunto, em livros-textos. O capı́tulo sobre gravitação, da coleção “Halliday”, em versão recente [HRW03], nem menciona marés. Por outro lado, o que é louvável, o livro de Moisés Nussenszveigh [Nus81] dá uma correta descrição do assunto. Depois que se aborda, dessa forma, o conceito de marés, não há limite para a investigação de marés em outras configurações de astros, tais com Júpiter-Io, Sol-Júpiter, etc. Pode confundir o aluno, o fato de Isaac Newton ter feito afirmações como 8 a que menciono, no inı́cio do artigo. Deve-se levar em consideração que, quando Newton enunciou sua “Leis”, ele ainda não sabia que a força entre o Sol e os planetas era de mesma natureza da força que faz os corpos cairem, na superfı́cie da Terra. No caso da Lua, ele já suspeitava disso, quando dizia o seguinte: “E de maneira análoga à que um projétil, pela força da gravidade, pode revolver em torno da Terra, a Lua, também, pela força da gravidade, se é que ela é imbuı́da de gravidade, ou por qualquer outra força, que a impele em direção à Terra,...” [New78]. Um trabalho bem completo sobre as marés pode ser encontrado, com mais cálculo e com animações, na página de astronomia dos professores Kepler S. Oliveira Filho e Maria de Fátima O. Saraiva, da UFRGS [OS]. 10 Apêndice A: Aproximação para pequenos números Muito útil, em Fı́sica, é a expansão binomial para pequenos números. Considere a expressão que apareceu no texto (4), 1 , para R << r0 (1 + R/r0 )2 Ela é um caso particular de (1 + x)n , para x << 1 no caso em que n = −2. A forma geral da aproximação usada é (1 + x)n ≈ 1 + nx Como aplicação, veja a aproximação para 0,9982 : 0, 9982 = (1 − 0, 002)2 ≈ 1 − 2 ∗ 0, 002 = 0, 996, quando o valor exato é 0, 9982 = 0, 996004. Bom, não é? Aqui usamos x = −0, 002. O expoente n não precisa ser inteiro, nem positivo. Assim, (1 + x)−2 ≈ 1 − 2x que é o caso do artigo e, por exemplo, p 1 (1 + x) = (1 + x)1/2 ≈ 1 + x 2 e assim por diante. 9 Figura 2: Aproximação do campo gravitacional (g) versus distância, por segmentos de reta que ligam alguns pontos da curva exata. O eixo horizontal representa a distância, a partir da Lua, com marcas espaçadas de dez raios terrestres. Note que, na posição da Terra (r = 50R), o segmento de reta coincidiria com a curva exata passando pelos dois pontos consecutivos (correspondentes a r=40R e r=50R). 10 11 Apêndice B: linearização de curvas Os alunos podem entender melhor, a linearização de g(r) versus r, da figura 1, com ilustrações gráficas. Por exemplo: podese se começar com uma parábola y = ax2 e se mostrar que a reta tangente, em qualquer ponto, sempre coincide com um “pedacinho” da curva. Aumentando-se a escala da figura, mostrase que as partes curvas se aproximam de segmentos de retas. Isso feito, mostra-se que o campo gravitacional g(r) = C/r2 se comporta como uma reta, para distâncias “pequenas” como o diâmetro da Terra. Isso é ilustrado, em forma de esboço, na figura 2. Na figura, a aproximação por segmentos de reta já é boa para distãncias de 10 raios terrestres, perto da posição da Terra (de r=40R até r=50R). Para dois raios terrestres, então, a aproximação é excelente. A distância Terra-Lua foi considerada como 300.000 km e o raio da Terra como 6.000 km. 11 Referências [EH69] William C. Elmore and Mark A. Heald. McGraw-Hil, Kogakusha, Tokyo, 1969. Physics of Waves. [HRW03] David Halliday, Robert Resnick, and Jearl Walker. Fundamentos de Fı́sica. Livros Técnicos e Cientı́ficos, Rio de Janeiro, 2003. [New78] Isaac Newton. Mathematical principles of natural philosophy. In Great Books of the Western World, volume 34, pages 1–376. Encyclopaedia Britannica, University of Chicago, 1978. [Nus81] Herch Moysés Nussenzveig. Curso de Fı́sica Básica. Edgar Bluchër, São Paulo, 1981. [OS] Kepler Souza Oliveira and Maria Oliveira Saraiva. Marés. Página na rede mundial de computadores (versão 2001), em http://astro.if.ufrgs.br/fordif/node3.htm. 12