SECURITIZAÇÃO: UMA OPORTUNIDADE PARA O ESPORTE

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SECURITIZAÇÃO: UMA OPORTUNIDADE PARA O ESPORTE
SECURITIZAÇÃO: UMA OPORTUNIDADE PARA O ESPORTE
Pedro Trengrouse L. de Souza1 e Felipe Portugal2
A indústria do esporte no Brasil cresceu 12,2% entre 1996 e 2000, figurando hoje
entre as maiores do mundo, empregando mais de 300.000 pessoas e girando anualmente
US$ 16,2 bilhões em negócios, o equivalente a 3,2% do PIB nacional, com importância
similar à indústria petroquímica. Entretanto, os clubes e federações não parecem estar
aproveitando plenamente suas oportunidades, como demonstra pesquisa recente sobre a
situação financeira de 19 clubes, a maior parte integrante do chamado Clube dos Treze,
em que apenas sete tiveram resultado positivo, sendo que a receita somada destes clubes
foi de R$ 825 milhões em 2004, representando apenas 0,047% do PIB nacional.
Segundo informações do Ministério da Previdência Social, os clubes de futebol
possuem uma dívida de R$ 433 milhões e as Federações, R$ 62 milhões. Para que se
compreenda a gravidade deste quadro deve-se ressaltar que: (a) a capacidade de
investimento dos clubes encontra-se bastante limitada; (b) as dívidas previdenciárias
não totalizam o montante integral dos débitos; (c) as fontes de receita dos clubes
brasileiros limitam-se, principalmente, aos recursos oriundos dos contratos relativos aos
direitos de transmissão dos jogos e às transferências esporádicas de jogadores, sendo
necessário investimento considerável para sua diversificação, como o requerido para a
construção de um estádio próprio ou centro de treinamento, por exemplo. Neste
contexto, a operação de securitização de recebíveis se traduz em um meio adequado
para que se obtenham os recursos necessários aos investimentos que se precisa fazer
para que os agentes diretos da indústria do esporte possam aproveitar seu crescimento.
A operação de securitização consiste na emissão de títulos ou valores mobiliários
com lastro em direitos creditórios, recebíveis no jargão jurídico, geralmente de longo
prazo, onde o emissor os oferece como garantia, independentes de sua origem, mas
avaliados segundo seu risco. O principal objetivo dessa operação é permitir que uma
pessoa, física ou jurídica, que tenha créditos a receber, recebíveis, possa obter os
recursos financeiros de que necessita, antecipadamente ao vencimento dos recebíveis,
sem que isto afete seu limite de crédito junto a credores e contratos comerciais já
existentes ou ainda sem que prejudique os índices de endividamento de seu balanço.
1
Pedro Trengrouse L. de Souza é Mestre em Direito Desportivo pela Université de Neuchâtel, Suíça, e
advogado do escritório Fadel e Giordano.
2
Felipe Portugal é Mestre em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Universidade de Londres e
advogado do escritório Barbosa, Mussnich e Aragão.
Ainda relativamente recente no Brasil, a securitização de recebíveis tem desempenhado
importante papel na economia norte-americana, onde os títulos imobiliários representam
mais de 60% do PIB, enquanto no Brasil, apenas 1%.
A estrutura básica da operação envolve a incorporação de uma empresa com
propósito específico (Special Purpose Vehicle - ”SPV”) de adquirir os recebíveis da
companhia originadora dos créditos, para que, posteriormente, emita valores mobiliários
garantidos pelos recebíveis. São inúmeras as espécies de recebíveis passíveis de serem
securitizados e podemos citar como exemplos mais comuns as faturas de cartão de
crédito, contratos de venda a prazo, contratos de locação, prestações de planos de saúde
e até mensalidades escolares. É importante ressaltar que através da securitização é
possível conseguir financiamento a custos muito inferiores ao das operações
convencionais de financiamento bancário, cujos juros são altíssimos, e até mesmo
inferiores à emissão de valores mobiliários através de instituição financeira sem que
haja a cessão de créditos a um SPV, pois a estrutura da operação de securitização
permite que os valores mobiliários emitidos pelo SPV obtenham melhor classificação de
risco que da própria companhia originadora dos créditos. Com efeito, o SPV consegue
pagar juros mais baixos aos investidores e ter maior liquidez de seus papéis no mercado.
Na seara desportiva, as operações de securitização, principalmente nos Estados
Unidos, já são utilizadas com o objetivo de obter financiamento para a construção de
Estádios, como ocorreu nos seguintes casos: Staples Center, MCI Center, Pepsi Center,
Oakland Raiders Coliseum e Golden State Warriors. Para financiar a construção do
Pepsi Center, em Denver, Colorado, foi realizada uma operação que levantou US$ 139,8
milhões com a securitização dos recebíveis relativos aos camarotes executivos,
patrocínios futuros e direitos de imagem (naming rights). O mesmo ocorreu na
contrução do Staples Center, em Los Angeles, Califórnia, onde se levantou US$ 315
milhões com a securitização dos créditos futuros oriundos das vendas dos assentos,
direitos de imagem (naming rights) e camarotes executivos. Ambas operações emitiram
títulos de 20 anos.
Em novembro de 2001, a FIFA securitizou seus direitos referentes à Copa do
Mundo de 2002, realizada na Coréia. Os lastros garantindo os papéis emitidos
decorriam da venda dos direitos de marketing sobre a competição e a FIFA obteve a
antecipação de direitos de crédito no valor de US$ 420 milhões. No mesmo sentido, o
time de hockey New York Islanders idealizou uma operação de securitização para
levantar US$ 200 milhões, com lastro nas receitas futuras oriundas da Liga Nacional de
Hockey (U.S. National Hockey League) em virtude dos contratos de direito de
transmissão dos jogos por redes de televisão a cabo e propaganda nos seus jogos em
casa. No Brasil, o valor dos direitos de transmissão pagos pelo Campeonato Brasileiro
de Futebol subiu de US$ 55 milhões em 1998 para US$ 88 milhões em 2003 e, para
garantir a exclusividade nos direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006, a Globo
pagou US$ 860 milhões. Em 2002, os investimentos em patrocínio esportivo
totalizaram R$ 328 milhões e representaram mais de 50% dos investimentos de
empresas brasileiras no setor. A securitização se apresenta, destarte, como uma
oportunidade concreta para clubes e demais organizações desportivas buscarem
financiamento para a construção de estádios, compra de equipamentos, investimentos
em seu plantel ou simplesmente melhorarem seu fluxo de caixa, lastreados, por
exemplo, nas receitas de estádio, direitos de transmissão e de imagem relativos a
eventos esportivos futuros.
Além disso, os próprios atletas podem cogitar a securitização de seus ativos. O
cantor inglês David Bowie, na década de 90, securitizou seus royalties utilizando suas
músicas e discos como garantia para a emissão de títulos mobiliários, numa operação
inovadora que abriu caminho para que pessoas físicas pudessem ser “securitizadas”.
Pode-se, portanto, imaginar atletas fazendo uso da operação de securitização, lastreados,
por exemplo, nos seus direitos de imagem, cujos riscos poderiam ser medidos pelo
método atuarial utilizado pelas companhias seguradoras para calcular o risco/prêmio do
segurado, e emitindo títulos que poderiam ser colocados no mercado através de private
placements, subscrições privadas e fechadas, e, num futuro próximo, até mesmo através
da subscrição aberta ao público.