Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo da

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Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo da
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE MUSEOLOGIA E CONSERVAÇÃO E RESTAURO
CURSO DE BACHARELADO EM CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS
CULTURAIS MÓVEIS.
Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo da
Pintura “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução
Farroupilha” de Hélios Seelinger.
Consuelo Vaz Robe
Pelotas, 2011
1
CONSUELO VAZ ROBE
CONSERVAÇÃO DE PINTURAS EM AMBIENTES INADEQUADOS: ESTUDO DA
PINTURA “ALEGORIA DO SENTIDO E ESPÍRITO DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA”
DE HÉLIOS SEELINGER.
Trabalho apresentado ao curso de Conservação
e Restauro de Bens Culturais Móveis da
Universidade Federal de Pelotas, como requisito
parcial à obtenção do Título de Bacharel em
Conservação e Restauro de Bens Culturais
Móveis.
Orientadora: Profª. Ms. Andréa Lacerda Bachettini
Pelotas, 2011.
2
BANCA EXAMINADORA
Profª. Ms. Andréa Lacerda Bachettini
Profª. Ms. Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho
3
Dedico este trabalho ao meu querido avô
Belarmino e minha avó Dora que despertaram
em mim o gosto pela memória quando me
contavam histórias da infância.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, por me ajudar a concluir o curso sem maiores preocupações de
cunho financeiro e pelo apoio emocional durante o curso.
Ao meu marido Arthur pela paciência, pelo carinho e por me ajudar com a correção de
trabalhos, participando da minha jornada acadêmica.
A minha filha amada Laura, por entender a minha ausência e pelo amor dado a mim.
A minha irmã, Monique, minha avó Dora, minha tia Vera, meu tio Nanato por estarem
sempre prontos a me ajudar.
Agradeço a todos os professores do curso, que fizeram parte desta trajetória, em especial
o Prof. Ms. Roberto Heiden, Prof. Dr. Jaime Mujica Sallés, Profª. Ms. Silvana Bojanoski e
o Prof. Dr. Pedro Luis Machado Sanches.
Aos meus colegas, por dividirem comigo informações, angústias, alegrias, tristezas e pela
amizade e carinho de cada um.
Agradeço a minha orientadora, Profª. Ms. Andréa Lacerda Bachettini por me ajudar, com
sua experiência, na realização desta pesquisa.
Ao Profº. Dr. Cirio Simon, por compartilhar comigo documentos de suas próprias
pesquisas.
A Angélica Panatieri, diretora do Museu Histórico Farroupilha, que sempre esteve
disposta a me ajudar.
A restauradora Naida Maria Vieira Correa pela atenção dispensada a mim e pela
contribuição com a minha pesquisa.
A Profª. Ms. Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho por participar da minha banca e por
contribuir para minha pesquisa com seus conhecimentos.
5
“Qualquer obra humana é concebida como um organismo natural
em cuja evolução nada deve intervir; este organismo deve gozar
livremente a sua vida e o homem pode, quando muito, preservá-lo
de uma morte prematura”.
Alois Riegl
6
RESUMO
ROBE, Consuelo Vaz. Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo
da Pintura “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha” de Hélios
Seelinger. 2011. 57 fls. Trabalho de conclusão de curso - Graduação em Conservação e
Restauro de Bens Culturais Móveis. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.
A degradação de objetos, causada por fatores ambientais e por acondicionamento
inadequado, é fator comum em museus. Sabe-se que uma das causas de degradação
estrutural de pinturas em tela é a má localização, às vezes em ambientes impróprios e,
muitas vezes, em uma posição totalmente incorreta. É importante ressaltar que, a
conservação preventiva da obra de arte é fundamental para que a mesma não chegue a
sofrer intervenções de restauro. O trabalho aborda questões relacionadas com a
conservação de uma pintura a óleo sobre tela, que permaneceu em local inadequado por
décadas e, ainda assim, conservou-se em melhor estado que as demais, encontradas no
mesmo local. A tela em questão pertence ao Museu Histórico Farroupilha, localizado no
município de Piratini, no estado do Rio Grande do Sul, desde o ano de 1959 e, até o
momento desta pesquisa, após passar por um processo de higienização em 2005,
encontra-se no saguão da Prefeitura Municipal de Piratini onde foi devidamente fixada.
Através da análise das patologias apresentadas, em diagnósticos feitos antes da
mudança de local, chegou-se a um resultado das condições que permitiram essa
conservação, quando todas as evidências indicavam o contrário. Dessa forma, conclui-se
que o ambiente onde se localizam as obras foi quem desempenhou o papel principal na
conservação da referida tela.
Palavras-chave: Pintura em tela. Conservação. Ambiente. Museu Histórico Farroupilha.
7
ABSTRACT
ROBE, Consuelo Vaz. Conservation of Paintings in unsuitable environments: Study
of Painting "Allegory of the Sense and Spirit of the Revolution Farroupilha"
Seelinger of Helios. 2011. 57 fls. Completion of course work - Degree in Conservation
and Restoration of Cultural Property Furniture. Federal University of Pelotas, Pelotas.
The degradation of objects, caused by environmental factors and inadequate packaging,
is a common factor in museums. It is known that a cause of structural degradation of
paintings on canvas is a poor location, sometimes in inappropriate environments and
often in a totally incorrect position. Importantly, the preventive conservation of the artwork
is essential so that it does not get to experience restoration interventions. The work
addresses issues related to the conservation of an oil painting on canvas, which remained
in an inadequate place for decades, yet it stood in a better condition than the others,
found in the same place. The screen in question belongs to Museu Histórico Farroupilha,
located in the city of Piratini in the state of Rio Grande do Sul, from the year 1959 and to
date of this research, after undergoing a cleaning process in 2005, it is in the hall of
Municipal Government of Piratini was where properly attached. Through analysis of the
conditions presented in diagnoses made before the change of venue, it was a result of the
conditions that allowed such conservation when all the evidence indicates otherwise.
Thus, we conclude that the environment where the works are located was the one who
played the main role in the conservation of this screen.
Keywords: Painting on canvas. Conservation. Environment. Museu Histórico Farroupilha.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - A obra na sala do Museu _____________________________________________ 25
Figura 2 - A obra onde se encontra hoje _________________________________________ 26
Figura 3 - Parte inferior do quadro ______________________________________________ 31
Figura 4 - Mulher com vestido branco e criança negra ____________________________ 32
Figura 5 - Grupo de cavalarianos que paira no ar _________________________________ 32
Figura 6 - Homem carrega a bandeira do Brasil __________________________________ 33
Figura 7 - Mulher carregando flores _____________________________________________ 36
Figura 8 - Flores no mastro da bandeira _________________________________________ 36
Figura 9 - Composição mostrando as três idades do homem ______________________ 37
Figura 10 - Paredes em pedra __________________________________________________ 40
Figura 11 - Medições de luz ____________________________________________________ 45
Figura 12 - Medições de temperatura e UR_______________________________________ 45
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Medições dia 13 de outubro ..........................................................................46
Tabela 2: Medições dia 14 de outubro ..........................................................................46
Tabela 3: Medições dia 17 de outubro ..........................................................................46
Tabela 4: Medições dia 18 de outubro ..........................................................................46
Tabela 5: Medições dia 19 de outubro ..........................................................................47
Tabela 6: Medições dia 20 de outubro .........................................................................47
Tabela 7: Média geral das medições .............................................................................47
Tabela 8: Medições sala do Museu ...............................................................................48
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................11
CAPÍTULO I - A CONSERVAÇÃO: HISTORIA E TEORIA ....................................................................15
1.1 A conservação de objetos históricos e culturais .....................................................................15
1.2 Breve histórico sobre a evolução do conceito de conservação ...............................................17
1.3 Conservação de pinturas em tela...........................................................................................21
CAPÍTULO II - “ALEGORIA DO SENTIDO E ESPIRITO DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA” ...................24
2.1 Histórico da obra....................................................................................................................24
2.2 Biografia do pintor Hélios Seelinger........................................................................................27
2.3 Leitura iconográfica e iconológica..........................................................................................30
2.3.1 Descrição pré-iconográfica ..................................................................................................31
2.3.2 Análise iconográfica ............................................................................................................33
2.3.3 Interpretação iconológica ....................................................................................................35
CAPÍTULO III - ASPECTOS TÉCNICOS DA OBRA ..............................................................................38
3.1 Diagnóstico ambiental do prédio do Museu Histórico Farroupilha ..........................................38
3.1.1 Avaliação dos resultados apresentados no diagnóstico. .......................................................39
3.2 Diagnóstico de patologias referente à obra ............................................................................41
3.2.1 Avaliação do diagnóstico .....................................................................................................41
3.3 Entrevista com a conservadora e restauradora Naida Correa..................................................42
3.4 Procedimentos de higienização sofridos pela obra .................................................................44
3.5 Medições de umidade relativa, temperatura e índices de luz atuais .......................................44
3.5.1 Medições na Prefeitura Municipal, onde a obra encontra-se atualmente ............................44
3.5.2 Medições de luminosidade no prédio do Museu Histórico Farroupilha ................................48
4. CONCLUSÃO.............................................................................................................................49
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................................52
Anexos .........................................................................................................................................54
11
INTRODUÇÃO
O município de Piratini localiza-se no sul do estado do Rio Grande do Sul, sendo
1789 o ano do início do seu povoamento, por 48 casais vindos das Ilhas dos Açores.
Piratini foi a primeira capital farroupilha durante a Guerra dos Farrapos contra o Império,
entre os anos de 1835 e 1845 e caracteriza-se por ser uma cidade histórica, palco dos
conflitos durante a Revolução.
Em fevereiro de 1953, por ato do governo do estado foi criado neste município o
Museu Histórico Farroupilha, com a missão de preservar e valorizar as memórias da
Revolução Farroupilha.
O Museu Histórico Farroupilha ocupa um prédio, em estilo colonial português,
construído em 1819 e que serviu de Ministério da Guerra durante o período da Revolta.
Seu acervo é composto, principalmente, por objetos utilizados durante a Revolução e
objetos pessoais da família do general Bento Gonçalves da Silva, líder da Revolução.
No ano de 1959, o Palácio Piratini, sede do governo do estado do Rio Grande do
Sul, localizado em Porto Alegre, teve seu acervo de pinturas em tela desmembrado e
distribuído entre alguns museus do estado do Rio Grande do Sul. Dentre esse acervo
estava uma tela intitulada “Alegoria do sentido e espírito da Revolução Farroupilha”
pintada por Hélios Seelinger e que foi então doada ao Museu Histórico Farroupilha de
Piratini.
Devido a sua grande dimensão, 3,80 m X 5,70 m, a tela permaneceu, em torno
de 40 anos, escorada na parede de uma sala do museu, pois sua altura não permitia que
fosse colocada adequadamente na mesma.
Diferente do que se esperava, esta obra se conservou em melhor estado que as
demais pinturas localizadas no mesmo prédio.
A obra sofreu apenas danos relacionados ao manuseio inadequado, como por
exemplo, pequenos rasgos e lacunas na camada pictórica, assim como ocorreu com as
outras obras que não se encontravam tão desfavoravelmente situadas.
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Sabe-se que uma das causas de degradação estrutural em telas é a má
localização, muitas vezes em ambientes impróprios e, no caso desta obra, colocada em
uma posição totalmente inadequada.
A degradação causada por fatores ambientais e por acondicionamento
inadequado é fator comum em museus do estado. O fato desta pintura, localizada no
Museu Histórico Farroupilha que, contrariando o usual, conservou-se em bom estado por
mais de 40 anos, mesmo estando escorada em uma parede sem a fixação necessária,
torna-se curioso e sugere a investigação para se averiguar quais foram os motivos dessa
conservação.
A pesquisa tem por objetivo identificar as prováveis causas da conservação
desta tela, acondicionada em local inadequado por tempo prolongado. Verificar se os
materiais empregados na constituição da obra têm relação direta com a sua conservação
e compreender a relação entre confecção e a conservação da obra.
A preocupação com os motivos da conservação da referida obra justifica-se, não
só pelo seu valor histórico, mas principalmente pelo estudo científico das causas que
possibilitaram sua melhor conservação. Assim, revelar as causas da sua conservação em
relação a outras obras do mesmo prédio pode possibilitar a descoberta de métodos
simples que tornam a conservação de obras de arte mais eficientes. Ao considerar-se o
baixo orçamento dos museus – e dos demais institutos que pretendem preservar a
memória – percebe-se que a importância da investigação ganha destaque na medida que
pode trazer à luz formas simples e de baixo custo, para uma tarefa tão importante como a
preservação da história.
A própria obra conta com uma história, que merece ser mencionada para uma
compreensão do seu processo de conservação e restauro. Nesse sentido, é forçoso
reportar que, no ano de 2005, a obra passou por uma higienização na cidade de Nova
Petrópolis, no estado do Rio Grande do Sul, no ateliê da restauradora Leila Sudbrak. A
tela foi desmontada para o adequado transporte e, ao retornar, foi montada no saguão da
Prefeitura Municipal de Piratini, onde se encontra atualmente. Optou-se por colocá-la em
tal local por ser mais adequado à sua preservação, pois a construção possui pé direito
mais alto, ou seja, a altura da parede é maior que as encontradas no prédio do Museu,
proporcionando maior estabilidade à peça.
O trabalho configura-se em uma pesquisa de natureza básica, descritiva e
exploratória quanto aos seus objetivos, que se dará com a realização de procedimentos
bibliográficos, documentais e operacionais, tendo por finalidade gerar conhecimento
sobre a conservação de pinturas a partir da análise, observação e sugestão de hipóteses
para os fenômenos ocorridos na obra em questão.
13
A pesquisa partirá do estudo da conservação e da documentação referente à
obra e se dará com a realização de revisão bibliográfica sobre o tema da conservação de
pinturas, sobre o autor da obra e os materiais e técnicas utilizadas por ele. Também será
realizada entrevista com profissional que manteve contato com a pintura, como por
exemplo, a restauradora do Museu de Artes do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, Naida
Vieira Correa, que realizou um diagnóstico da obra no ano de 1998.
As etapas da pesquisa se baseiam no estudo da documentação referente à obra
e dos processos de restauro pelo qual passou, assim como do diagnóstico do estado de
conservação, na época em que chegou ao Museu Histórico Farroupilha e também revisão
bibliográfica sobre o autor da pintura, Hélios Seelinger, com o apoio de pesquisas já
existentes ou em andamento.
Uma das metas é a investigação das técnicas e métodos utilizados pelo autor da
obra, assim como a verificação do ambiente no qual a obra se encontrava anteriormente
à higienização em 2005.
A hipótese levantada é que, tanto os materiais quanto a técnica utilizada pelo
autor da referida obra, seriam melhores e de maior qualidade que as demais, por isso a
peça se conservou em melhor estado. Da mesma maneira acredita-se que o ambiente
em que a obra esteve localizada também contribuiu para a sua conservação.
Para a verificação da hipótese e estudos sobre a conservação de pinturas em
tela, será usada bibliografia atualizada sobre a conservação dentre os quais cito: Teoria
da restauração de Cesare Brandi, Teoría contemporánea de La
restauración de
Salvador Viñas, Conservação: conceitos e práticas organizado por Marilka Mendes,
Técnicas e conservação de pinturas de Ana Calvo, Restauración e Conservación del
arte pictórico de Diaz Martos e O restauro de pintura de Eva Pascual, entre outros.
O trabalho está dividido em três capítulos.
Na primeira parte, discorrer-se-á a respeito do que seja e qual a importância da
conservação de bens históricos. Procurar-se-á demonstrar quais são as modernas
técnicas de conservação, seus antecedentes, e sua evolução até o seu estágio atual.
Na segunda parte, será estudada especificamente a obra: sua história e seu
autor. Serão analisadas questões referentes ao modo, local e motivos porque foi
produzida. Além disso, as razões pelas quais se procedeu a doação ao Museu Histórico
Farroupilha serão abordadas. Apresentar-se-á a leitura iconológica e iconográfica da obra
e a biografia do pintor Hélios Seelinger.
O terceiro capítulo detém informações técnicas sobre os exames realizados para
a detecção de patologias da referida obra. Expõem-se quais exames foram realizados e
como foram realizados, apresentam-se os diagnósticos já realizados sobre a obra em
14
anos anteriores, realizando uma análise desses resultados e transcreve-se a entrevista
realizada com a profissional que manteve contato com a obra.
Considerando o proposto, espera-se confirmar a hipótese da presente pesquisa.
15
CAPÍTULO I - A CONSERVAÇÃO: HISTÓRIA E TEORIA
A partir do surgimento das discussões sobre a conservação de objetos de arte,
históricos e culturais, vários conceitos foram se modernizando, até finalmente chegar ao
que hoje concebemos como a correta conservação destes. Através destes conceitos fazse uma análise de como essas obras passam ao status de objetos culturais e como
ocorreram essas transformações evolutivas sobre o tema conservação. Num segundo
momento, abordam-se questões sobre a conservação de pinturas em tela, seus
princípios, técnicas e agentes de deterioração.
1.1 A conservação de objetos históricos e culturais
Valores culturais são adquiridos através do ato de relembrar o passado e, a
partir disso, surge motivação para colecionar objetos ligados ao mesmo, como fonte de
memória. Objetos são guardados por seu valor sentimental, histórico ou mesmo
econômicos. A partir do momento em que esses objetos atingem o status de valor
cultural, tornando-se bens culturais, carecem então ser preservados, para continuar
exercendo o papel de rememorar a história de uma sociedade, família ou indivíduo. De
acordo com Gonzales –Varas (1999, p. 43): “ El concepto de monumento implica, como
hemos visto, un juicio de valor, amparado en critérios estéticos o históricos, que explicita
la importância que una obra u objeto reviste para el desarrollo del arte o de la historia.”
A preservação engloba todas as ações que garantam a integridade do objeto,
mantendo vivas todas as informações e significados intrínsecos a esse bem, pelo maior
tempo possível.
Embora em muitos casos, os fatores de degradação não possam ser eliminados
na sua totalidade, podem ser minimizados. Podemos identificar e prever as situações de
risco para os objetos e desenvolver ações programadas e planejadas, com o objetivo de
controlar ou abrandar os danos, que possam vir a provocar degradações nos bens
culturais.
16
O principal objetivo da conservação é conhecer e controlar as causas de uma
possível degradação a qual os objetos estão sujeitos. Portanto, a conservação se baseia
em um trabalho preventivo, desenvolvendo e aplicando técnicas para que estes não
sofram, ou pelo menos em menor escala, os processos de degradação natural.
Por isso, devem-se estudar de maneira exaustiva a solução formal, o seu
conteúdo temático e as condições históricas apoiando-se na investigação documental.
“A finalidade de estudar um objeto consiste em aprender o que ele é, para que
era usado, de que e como foi feito e como se relaciona com outros objetos similares”
(BRADLEY, 2001, p.20). Em diversas ocasiões, juntando o conhecimento dos materiais a
uma análise correta e contínua dos objetos, apoiando-se no bom senso e, sempre que for
necessário, recorrendo-se ao apoio de profissionais graduados e competentes, podemos
colaborar para uma correta manutenção desses objetos.
Os fatores que mais contribuem para a degradação dos objetos são aqueles que
estão relacionados com as condições do ambiente, (como a temperatura e umidade
relativa imprópria), a luz, as infestações, os riscos provocados por incêndio e inundações,
e o fator humano, através de atos de roubo, furto, vandalismo, negligência e manuseio
inadequado.
Para a realização destes estudos, utilizam-se exames técnico-científicos que
possibilitam identificar o tipo de material que o compõe, suas características, técnica,
estrutura e o grau de deterioração em que se encontra.
Dentre os principais exames usa-se a observação visual (exame organoléptico)
com luz normal e rasante1, observação com lentes de aumento, análises estratigráficas2,
observação com luz ultravioleta, macrofotografias, radiografias, análises químicas em
laboratório.
O papel do conservador, em instituições de salvaguarda, deve ser compartilhado
com os outros setores, pois a conservação é uma matéria multidisciplinar, que abrange
desde o conhecimento das condições básicas de armazenagem e exposição até a
segurança do acervo. Mas, deve-se ter em conta que os objetos devem ser vistos e
devem ser manipulados por pessoal especializado, por isso existem métodos de
conservação ativos e métodos passivos que podem ser uma alternativa para os
conservadores. Os métodos ativos interferem diretamente no objeto, como tratamentos
com produtos químicos. Já os passivos dizem respeito aos exames, recomendações para
exposições, condições ambientais, etc (BRADLEY, 2001).
1
Situar um foco de luz de maneira que ilumine a obra desde um ângulo lateral quase em paralelo
com a sua superfície.
2
Método de análise usado para observar as diversas camadas que compõem uma pintura e
caracterizá-las quanto ao número e cor dos pigmentos misturados em cada uma.
17
Viñas (2010 p. 19) define de maneira clara e objetiva o conceito mais atual de
conservação quando diz: “ La conservación es la atividad que consiste en evitar futuras
alteraciones de un bien.”
Em publicação no boletim eletrônico da ABRACOR3 de junho de 2010, encontrase a tradução de uma resolução adotada pelos membros do ICOM-CC4 onde uma nova
terminologia, sobre a conservação do patrimônio cultural tangível, foi definida por este
órgão durante a XV Conferência Trianual em Nova Delhi em setembro de 2008, ficando
então deliberados os seguintes termos: conservação preventiva, conservação curativa e
restauração. Termos estes distinguíveis entre si pelos objetivos das ações que
abrangem.
Conservação preventiva- tem como objetivo evitar ou minimizar futuras deteriorações
ou perdas, realizadas no contexto ou área circundante ao bem, portanto, não modificam
ou interferem diretamente no bem, são ações indiretas.
Conservação curativa – ações aplicadas diretamente no bem com o objetivo de deter os
processos danosos presentes ou reforçar sua estrutura. Geralmente modificam o aspecto
dos bens.
Restauração – ações aplicadas de maneira direta a um bem individual e estável, tendo
como objetivo facilitar a sua apreciação, compreensão e uso, baseando-se no respeito
pelo material original.
1.2 Breve histórico sobre a evolução do conceito de conservação
Noções sobre a conservação de obras de arte começam a aparecer,
isoladamente, a partir do Renascimento e se consolidam entre o século XV e XVIII.
O início de uma maior preocupação com os bens culturais, no século XVIII, tem
como consequência o aparecimento de uma consciência da necessidade de proteger o
patrimônio cultural, de caráter material, que documenta o desenvolvimento do homem
como ser produtor.
Essa preocupação alcança uma notável importância no fim do século XIX e
início do XX, com o aparecimento de teóricos, que desenvolveram esse pensamento
sobre a preservação visando a conservação do patrimônio cultural, que testemunha o
3
Disponível em: http://www.abracor.com.br/novosite/boletim/062010/ArtigoICOM-CC.pdf
Conselho Internacional de Museus para a conservação que visa promover a investigação,
análise e conservação de obras culturais e historicamente significativos e para promover os
objetivos da profissão de conservação.
4
18
passado histórico, representativo de uma época, em sua verdadeira dimensão e definindo
a sua individualidade (MARTOS, 1975).
Rápidas transformações advindas da Revolução Industrial e destruições
causadas pela Revolução Francesa geraram debates acerca da matéria conservação e
restauro.
Dessa maneira, a preservação de monumentos históricos acaba por assumir
significado essencialmente cultural, baseado nos valores formais, históricos, simbólicos e
memoriais, em contrapartida às ações práticas.
Esse processo evolutivo, combinado a formulações teóricas e às experiências
metodológicas, de inventários e intervenções, se desenvolve no século XIX, repercutindo
também na legislação de alguns países, o que acaba desenvolvendo então várias
correntes, tais como: a que defende a unidade de estilo, a chamada restauração
estilística, revival do estilo neogótico baseando-se na busca pelo original e a perfeição
formal, deixando de lado a sua historicidade, representada pelo arquiteto Eugène E.
Viollet-le-Duc; a que defendia total respeito pela matéria original, defendida por William
Morris e John Ruskin. Ruskin defendia a ideia que não podemos mudar as formas de um
determinado bem e sim de conservá-lo:
[...] a nossa decisão de conservar ou não os edifícios das épocas
passadas não é questão de oportunidade ou de sentimento. Nós não
temos o direito de tocá-los. Não são nossos. Eles pertencem, em parte,
àqueles que os construíram, e em parte a todas as gerações de homens
que deverão vir depois de nós (RUSKIN, 1996, p.28).
Além do ato de conservar, recomendava manutenções periódicas com o intuito
de estender a vida do bem, e aceitando a possibilidade de perda de partes do bem.
Ruskin, em meados do século XIX, foi um dos pioneiros ao enfatizar a relação
entre natureza e patrimônio histórico, que são bens comuns, por não serem
"apropriáveis" somente por um indivíduo, mesmo sendo privado, e que, desta maneira,
podem trazer benefícios à sociedade. Existem diversos fatores comuns entre a
conservação de bens culturais e a de áreas naturais, sendo de vital importância, tanto em
uma como em outra, garantir a diversidade.
Ao final do século XIX, Camillo Boito, reúne e sintetiza as várias vertentes que
teorizam sobre os conceitos de conservação e restauro atuantes até o momento e
aprimora esses princípios. Defende que as intervenções de restauro devem ser mínimas,
exaltando a importância do respeito ao original, pelas marcas do tempo (pátina) e pelas
diversas fases pelas quais a obra passou, além de introduzir o conceito da mínima
intervenção e, no caso de acréscimos, a distinção do ato, para que isto não leve o
19
observador ao engano de considerá-la como antiga5. Mas, admitindo a colocação de
materiais novos, quando for indispensável, respeitando a estética conforme relatado:
No caso que os acréscimos ou renovações se tornem absolutamente
indispensáveis por razões de estabilidade ou por outras razões
imperiosas, e no caso em que refiram a partes que nunca tenham
existido [....]devem ser executados com caráter diverso daquele do
monumento, advertindo que, sempre que possível na aparência as novas
formas não agridam o aspecto artístico do monumento (BOITO, 1996,
p.19).
Boito avalia a conservação como sendo um ato de extrema importância e que
esta deve preceder às intervenções diretas sobre o bem.
O destaque no valor histórico dos monumentos se consolida no século XX com
Alois Riegl, um historiador de arte austríaco, que apresenta elementos que inovam tanto
a teoria quanto os métodos práticos da preservação dos monumentos históricos, e define
que esse valor será maior quanto menor forem as alterações sofridas, no seu estado
original (GONZALES-VARAS, 1999). Riegl foi elemento basilar para que os conceitos
sobre a preservação de bens culturais fossem consolidados, abrangendo aspectos
normativos e desenvolvendo análises sobre a função dos monumentos históricos e suas
maneiras de compreensão, por uma determinada sociedade. Sendo o responsável pela
elaboração de teorias prospectivas, que continuam atuais.
Segundo Gonzáles-Varas, as publicações de Riegl:
[...] supone una profunda reflexión crítica sobre la noción de monumento
histórico, tal como se había acuñado y formulado a lo largo del siglo XIX,
y sobre los valores que la sociedad comtemporánea reconoce en los
monumentos[...] (GONZALES-VARAS, 1999, p.38).
Na segunda metade do século XX Cesare Brandi, a partir de suas experiências
críticas sobre o assunto, publica o livro A Teoria da Restauração, buscando uma
teorização geral quanto às ações aplicáveis em restauro e conservação de bens.
Fundamenta sua teoria com o propósito de que o restauro seja um processo científico,
baseado em estudos, excluindo o empirismo aplicado até então.6
Explica que deve ocorrer o reconhecimento da obra de arte como tal,
desmistificando o conceito de restituição da funcionalidade em relação ao restauro,
afirmando que este deve representar um aspecto secundário, nunca fundamental. “O
5
Disponível em: < http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpc/n1/a03n1.pdf>
Disponível em:
<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S151895542007000100013&script=sci_arttext>
6
20
momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e
na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro”
(BRANDI 2004, p. 30).
Desta maneira, condiciona o ato de restauro à concepção da obra de arte como
tal, ou seja, a um juízo crítico de valor, conceito este já defendido por Riegl e que aparece
também na Carta de Veneza, ressaltando que este processo deve ser estabelecido de
maneira coletiva, não podendo depender do gosto de um único indivíduo.
Considera que o processo criativo não deve ser de todo ausente nos trabalhos
de restauro. Mantém o conceito de reversibilidade e distinguibilidade nos processos de
restauro, já proposto por Boito.
Com o aumento dos debates sobre o tema da preservação, após a II Guerra,
passa a ser discutido o tema da distinção entre a necessidade de reconstrução e a de
modernização das cidades danificadas. Nesse panorama se formula o "restauro crítico",
teoria que surge apoiada por Cesare Brandi. A Carta de Veneza, formulada em 1964, foi
o resultado desses debates
A ênfase no valor documental das obras, respeitando suas várias estratificações
ao longo dos séculos, sua configuração, e as próprias marcas da passagem do tempo
são posturas que amadureceram na segunda metade do século XIX e início do século
XX, portanto são assuntos que estão presentes na referida carta.
Tal carta baseia-se principalmente em monumentos e sítios históricos, e abarca
tipos cada vez mais variados de bens, relacionados a um passado cada vez mais
próximo. Não houve nenhuma novidade em
relação aos debates
existentes
anteriormente.
Sobre a conservação, especificamente, formula, entre outros, os seguintes
preceitos: Função útil à sociedade sem alterar a disposição nem organização dos
monumentos; Exige, antes de tudo, manutenção permanente e o deslocamento do
monumento não será tolerado, exceto para salvaguardá-lo e por interesse nacional ou
internacional.
Já neste século, o teórico que mais se destaca é Salvador Viñas, que critica as
teorias clássicas e traduz o panorama mundial atual da restauração; aprofunda a reflexão
teórica sobre os conceitos de conservação e restauro, introduzindo novos dados e
ajudando a definir, com rigor, os conceitos abordados.
Viñas destaca que se fala de “trabalhos de conservação” e de “trabalhos de
restauro” como se esses processos fossem claramente discerníveis, mas revela que
existe um critério que as distingue: a perceptibilidade da intervenção, explicando que:
21
[...] la palabra conservación es empleada para referirse a la parte del
trabajo de Restauración que no aspira a introducir câmbios perceptibles
en el objeto restaurado; por el contrario, se habla de restauración para
referirse a la parte del trabajo de Restauración que tiene por objeto
modificar los rasgos perceptibles del objeto (VIÑAS, 2010, p. 22).
O autor estabelece esta distinção, pois frequentemente a preservação está
subjacente tanto à conservação quanto ao restauro, e por isso considera o termo
conservação preventiva uma redundância, pois ressalta que não há nenhuma
conservação não preventiva. Para Viñas (2010 p.23): “[...] toda actividade de
conservación intenta mantener el bien en su estado actual, evitando daños ulteriores. En
realidad, lo que distingue a esta actividad del resto de la conservación no son sus fines,
sino sus métodos de actuación.”
1.3 Conservação de pinturas em tela
O que conhecemos de pintura sobre tela são as obras executadas a partir do
final do século XV e início do século XVI, geralmente usando como suporte o tecido de
linho ou o cânhamo, montadas sobre grade de madeira (chassi). Sobre o suporte,
apresentam uma fina camada de uma base de preparação (imprimação), composta
geralmente por cola e cargas como gesso ou carbonato de cálcio, cobrindo todo o tecido
conseguindo com isso uma superfície apta para a pintura.
As pinturas a óleo sobre tela caracterizam-se pelo seu suporte têxtil e pela
técnica pictórica à base de um óleo secativo.
Além do óleo, há outras técnicas pictóricas usadas nas pinturas de cavalete,
como os diferentes tipos de têmperas, aquarela guache, pastel e tintas acrílicas. O que
distingue estas técnicas é o aglutinante7 utilizado em cada uma delas.
Nas pinturas a óleo, usam-se como aglutinantes os óleos secativos como o de
linho ou de nozes. O emprego de óleos como aglutinante deve-se aos pintores
flamengos, pois foram estes que, através de pesquisas de materiais e aprimoramento
técnico introduziram esta técnica, além de iniciarem pesquisas sobre perspectiva linear,
aérea e efeitos de cor, luz e brilho.
A partir do século XVI, a pintura sobre tela fica estreitamente ligada ao
desenvolvimento da pintura a óleo. Esta técnica permitia trabalhar com mais comodidade,
pois secava lentamente possibilitando a correção ou alteração nos aspectos
7
Substância que permite que os pigmentos se mantenham coesos e aderidos ao suporte.
22
compositivos, permitindo também que os tons se fundissem melhor, recriando com mais
facilidade o espaço e o ambiente nos quadros.
Desde esse tempo até os dias atuais, esta vai ser uma das técnicas pictóricas
mais utilizadas.
Alguns artistas tentaram fazer experimentos com outros aglutinantes, que
consistiam em uma mistura de óleos e resinas com restos de cor da paleta do pintor, mas
estes provocavam quebra, pois secavam rapidamente, causando sérios problemas de
conservação (CALVO, 2006).
Para que a conservação de pinturas seja eficaz, do ponto de vista material, há
duas alternativas: a prevenção da deterioração ou a reparação dos danos já existentes.
A conservação curativa ou o restauro torna-se necessário quando as ações de
prevenção não foram eficientes ou não ocorreram.
Desta maneira, o melhor método, devido aos custos que pressupõe o restauro, é
a conservação preventiva, que atua no meio em que a pintura está inserida, sem uma
intervenção direta na obra.
Portanto, para que a preservação possa acontecer é necessário o total
conhecimento da obra, seus materiais constituintes assim como sua trajetória no tempo.
A estabilidade de ambas as partes constituintes de uma pintura, tem significativa
importância para a obra de arte, pois quaisquer alterações nas suas materialidades
podem comprometer a pintura e/ou a proteção (PASCUAL, 2003).
A degradação causada por fatores ambientais e por acondicionamento
inadequado é fator comum em diversos museus. Sabe-se que uma das causas de
degradação estrutural em telas é a má localização, pois muitas vezes são
acondicionadas em ambientes impróprios ou expostas de maneira inadequada.
A própria mobilidade deste tipo de obra já é um fator de risco e de deterioração,
se as medidas adequadas para o transporte e embalagem não forem tomadas.
Quando falamos em conservação de pinturas em tela, devemos ter em conta
que este tipo de obra é composto por diversos tipos de materiais, o que torna os
procedimentos mais complexos. Todos os elementos, que compõem uma pintura, devem
ser objeto de conservação. Segundo Ana Calvo:
As grades são um dos elementos fundamentais para a correcta
conservação das pinturas sobre tela. Estas estruturas de madeira
evoluíram ao longo dos séculos e, se inicialmente eram umas simples
réguas de madeira coladas [...] desde o século XVIII apresentam uniões
moveis que se abrem através de umas cunhas que esticam a tela
(CALVO, 2006, p. 34).
23
Como podemos ver, todos os elementos são fundamentais para uma correta
conservação, e o conhecimento desses elementos deve estar em primeiro plano, antes
de qualquer tipo de intervenção.
1.3.1 Agentes de deterioração das pinturas
Além dos efeitos de envelhecimento natural das pinturas, existem diversos
outros fatores que provocam a sua degradação. Dentre eles podemos esclarecer
brevemente alguns que contribuem para a deterioração de pinturas em tela, segundo
Calvo (2006):
Catástrofes naturais são mais difíceis de prevenir, mas podem ser
implementados planos de prevenção de forma que seus efeitos possam ser minimizados.
Desaparecimento ou roubo podem ser controlados com a correta catalogação
das obras e um sistema de segurança.
Umidade relativa do ar, quando muito elevada ou muito baixa, afeta todos os
materiais orgânicos, que compõem a maior parte das pinturas. Sua oscilação provoca
tensões e estiramento através de pequenos movimentos nos materiais higroscópios.
Desta maneira, manter a umidade relativa em níveis constantes é um dos principais
desafios da conservação. Os níveis mais adequados de umidade estão em torno dos
60%.
Temperatura tem influência direta sobre a umidade. Subindo a temperatura, a
umidade relativa baixa e baixando a temperatura, a umidade pode ligeiramente aumentar.
A temperatura mais adequada é de aproximadamente 22° C.
Radiações luminosas causam muitos problemas em pinturas. Para minimizar
estes problemas temos de considerar três fatores: o tipo de luz, a intensidade desta e o
tempo de exposição. A maior parte dos compostos orgânicos presentes nas pinturas são
sensíveis às radiações ultravioletas e às visíveis próximas ao violeta, infravermelho e
solar. Pinturas devem ser exibidas com a menor intensidade de luz possível, e menor
tempo.
Elementos biológicos como bactérias, fungos e insetos proliferam com a
umidade e a temperatura elevada, provocando alterações físico-químicas nos materiais,
além de manchas de diversas cores. Limpeza meticulosa ou até mesmo armadilhas são
os métodos mais simples de prevenção.
Uma correta conservação exige cuidados contínuos, dando prioridade aos
trabalhos de manutenção das obras e uma intervenção mínima, sempre baseada em uma
metodologia científica.
24
CAPÍTULO II - “ALEGORIA DO SENTIDO E ESPÍRITO DA REVOLUÇÃO
FARROUPILHA”
A obra em questão, citada no início do trabalho, foi pintada em 1925, pelo pintor
Hélios Aristides Seelinger, com a função de decorar as salas do Palácio do Governo do
Estado do Rio Grande do Sul, o Palácio Piratini. A tela, com moldura, mede 3,70m X
5,80m. Por determinados motivos esta obra foi doada, em 1959, ao Museu Histórico
Farroupilha, localizado no município de Piratini, sul do estado do Rio Grande do Sul. E,
por diversos anos, esta obra permaneceu em local inadequado, devido às suas
dimensões. Hoje, a tela encontra-se devidamente fixada na parede do saguão da
Prefeitura Municipal de Piratini.
Neste
capítulo,
abordam-se
questões
referentes
à
obra
estudada,
desenvolvendo a sua trajetória ao longo dos anos, juntamente com a biografia do autor e
realiza-se uma leitura iconográfica e iconológica da pintura.
2.1 Histórico da obra
A pintura “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha” antes
intitulada “O Rio Grande do Sul para o Brasil” foi pintada no ano de 1925 pelo artista
Hélios Seelinger.
Consta em documentos pessoais 8 do artista que esta obra foi uma encomenda
do então intendente no município de Alegrete, Oswaldo Aranha, com a finalidade de
decorar as salas do Palácio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
De acordo com o relato de Fernando Corona em seu diário:
Em principios de 1924, o famoso pintor simbolista e carioca dos quatro
costados Hélios Seelinger se encontrava entre nós. Aquí ficou uma longa
temporada esperando o contrato com o Govêrno para a execução de um
quadro histórico (CORONA, 1924, fl.220).
8
Disponível em: .< http://www.defender.org.br/uploads/Telas.pdf >
25
O que de fato comprova a estada deste pintor em Porto Alegre, em data próxima
à realização do quadro. E como o próprio artista relata em uma entrevista dada: “No Rio
Grande do Sul, em duas viagens que fiz, realizei diversos trabalhos, inclusive os da
ornamentação do palácio governamental” (COSTA, 1927, p.164).
Em vista da necessidade de preservação do acervo histórico do estado em
1955, no governo de Ildo Meneguetti, forma-se uma comissão para discutir o destino das
obras pictóricas que decoravam as salas do Palácio do Governo, ficando então decidido:
Encostados às paredes, ao lado da escadaria central, já referida, existem
ainda os seguintes quadros emoldurados: tela de Hélios Seelinger,
figurando o povo em armas sob a inspiração dos feitos do passado; telas
representando Anita Garibaldi, de Dakir Parreiras, e Bento Gonçalves, de
autor não identificável; retrato à óleo do Presidente Getúlio Vargas, de
Sàenz Cànovas [...] Aliás, as duas últimas, conforme sugestões já
aprovadas pelo Senhor Governador, destinam-se ao Museu Piratini,
devendo serem entregues à Divisão de Cultura. È aconselhável dar igual
destino à tela referida de Hélios Seelinger (CORONA, 1973, p.17).
Foi então definido que a referida tela de Hélios Seelinger seria doada ao Museu
Histórico Farroupilha, fundado em 1953, na cidade de Piratini.
Mas, somente em 1959 esta obra chega ao Museu Histórico Farroupilha já com
o titulo “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha”.
Em razão da sua dimensão (3,80m X 5,70m), a obra foi colocada apenas
escorada na parede da sala frontal do piso inferior, do prédio que abriga o Museu (Fig. 1).
A altura da obra com moldura é maior do que a altura da sala, por isso permaneceu nesta
posição por diversos anos.
Figura 1 - A obra na sala do Museu.
Fonte: Arquivo do Museu Histórico Farroupilha.
26
Durante o tempo que permaneceu neste local, a sala só era aberta quando havia
visitantes, ficando na maior parte do tempo fechada, sem luminosidade natural ou
artificial.
No ano de 1998, a obra passou por um diagnóstico realizado pela restauradora
Naida Maria Vieira Correa, o qual se encontra em anexo e será comentado no próximo
capítulo.
Já no ano de 2005, a referida pintura foi levada até a cidade de Nova Petrópolis
na serra gaúcha, para que fosse realizada uma higienização pela restauradora Leila
Sudbrak. Maiores informações e relatório da intervenção realizada não foram
encontrados no Museu Histórico Farroupilha. Não há informações de como foi realizado o
transporte.
Ao retornar para a cidade de Piratini, ficou deliberado que a pintura seria então
colocada em um local mais adequado, em que a altura da parede fosse compatível com
as dimensões da obra. Definiu-se então que o melhor espaço seria o saguão da
Prefeitura Municipal de Piratini (Fig.2).
Figura 2 - A obra onde se encontra hoje.
Fonte: Arquivo pessoal.
27
Atualmente, a obra ainda encontra-se neste local, devidamente afixada na
parede.
2.2 Biografia do pintor Hélios Seelinger
Hélios Aristides Seelinger (1878 – 1965) é natural do Rio de Janeiro,
descendente de alemães, pelo lado paterno, que se estabeleceram no Brasil por volta de
1860. Foi pintor, desenhista e caricaturista, e estudou na Escola Nacional de Belas Artes
entre os anos de 1891 e 1896. Nesta instituição foi aluno dos irmãos Rodolfo e Henrique
Bernardelli.9
Em 1896 fez uma viagem de estudos à Alemanha, por influência de Bernardelli,
que reconheceu nos trabalhos de Hélios um fundo místico muito acentuado, além de
perceber que a vida boêmia, que este vinha levando, estava consumindo seus dias.
Desta maneira, Bernardelli aconselhou a tia de Hélios, que mantinha sua guarda após a
morte de seus pais, que fizesse uma viagem de estudos em pintura. Em uma entrevista,
Hélios declara:
Bernardelli era eloqüente e tinha autoridade para aconselhar, de sorte
que, ajustadas as coisas, em pouco ia eu buscar á Allemanha aquella
“disciplina” que o mestre julgava indispensável á minha formação. Vi-me,
assim, transportado a Munich, onde me fiz alumno de Franz Stuck,
estudando com esse grande mestre, durante quatro annos (COSTA,
1927, p.160).
Hélios frequentou a academia Azbe e a Academia de Munique, onde foi aluno
do pintor Franz Stuck, cujos trabalhos possuíam intensa semelhança com as ditas
tendências advindas do Simbolismo, muito em evidência na Europa de então. A influência
de Stuck sobre Seelinger foi enorme. Em razão disso e da sua visão da arte alemã de
então, o pintor declarou a Angyone Costa:
De Stuck recebi a influencia pantheista que é fácil descobrir nos meus
trabalhos. O mysticismo, revelado nos meus estudos de “atelier”,
desenvolveu-se fortemente ao influxo do idealismo allemão. [...] A arte
allemã obriga á reflexão, á pesquisa, não philosophica, mas poetica, na
procura do lado ideal das coisas. Esta maneira “empresta” á arte
germanica o caracter um tanto nebuloso e confuso, de que a minha
pintura tem sido accusada (COSTA, 1927, p.160).
9
Disponível em: < http://www.dezenovevinte.net/artistas/artistas_hs.htm>
28
Fica claro na maioria das suas obras, a influência germânica, inclusive nas
vestimentas das figuras representadas. Hélios incorpora aspectos da estética de Stuck a
sua própria e, com isso seus trabalhos passam a apresentar elementos de cunho
alegórico.
E, se no princípio da sua carreira suas obras eram repletas de figuras do folclore
alemão e da mitologia, após retornar dessa viagem passaram a figurar em seus
trabalhos, toda uma iconografia brasileira, lendas indígenas, carnaval, macumba entre
outros.
Após retornar ao Brasil, Hélios participou em 1902, da Exposição Geral de Belas
Artes expondo seis trabalhos e, com isso obteve uma Menção Honrosa. Ainda em 1902
realizou uma exposição individual na sede da revista O Malho, com algumas obras de
sua produção realizada em Munique.
No ano seguinte, participou novamente da Exposição Geral com dois trabalhos:
“Remorso” e “Boêmia” com a qual ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior, indo desta
vez a Paris, novamente por sugestão de Bernardelli: “Bernardelli dissera-me, naquelle
momento, que, para o Brasil, a arte allemã era de difficil comprehensão e, por isso,
julgava mais útil que eu me transportasse a Paris” (COSTA, 1927, p.161).
Essa nova etapa na vida artística de Seelinger trouxe a ele uma maneira diversa
de pintar na qual se percebe a distinção entre as duas estéticas nacionais com as quais
teve contato. A arte alemã, mais livre, mais intuitiva e a arte francesa, mais calculada e
mais perfeccionista.
Em 1907, passa a trabalhar como assistente do pintor Eliseu Visconti em Paris. 10
Em entrevista, o pintor brasileiro esclarece a maneira como percebia as
mudanças que se deram em sua pintura após a viagem e elucida a sua ideia da arte
francesa:
Perdi muito da minha maneira, apprendendo a fazer o bem acabado, o
perfeito, que é tudo quanto em arte está produzindo o gênio francez. Os
artistas francezes atingiram a um afinamento tão grande que, hoje, o
único esforço realizado por elles visa, exclusivamente, obter o máximo
de correcção. Já não cream, melhoram, apenas, o que já crearam
(COSTA, 1927, p.161).
Essas diferenças, na maneira de pintar, nas técnicas, nos temas e em outros
aspectos da pintura provavelmente tenham sido a motivação pela qual Bernardelli tenha
10
Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biogra
fia&cd_verbete=2026&cd_idioma=28555>
29
aconselhado Hélios a fazer esta segunda viagem a um país diferente, para que este
pudesse ter contato com diferentes mestres da pintura absorvendo conhecimentos
distintos e ampliando significativamente suas experiências no campo artístico.
E, a partir de suas viagens frequentes ao exterior e de suas experiências com
pintores consagrados, Hélios adquire um estilo próprio para a sua arte. Técnicas e estilos
de pintura que combinam a maneira formal e acadêmica dos franceses com a maneira
mais livre dos alemães. Traço este que pode ser verificado na obra estudada.
Outro ponto que deve ser ressaltado é quanto ao material de pintura usado por
ele, como por exemplo, as tintas, que provavelmente devido a essas constantes viagens,
eram importadas, ou seja, quando vinha ao Brasil trazia seu material, pois a qualidade do
material de pintura nacional era inferior aos estrangeiros e a importação destes produtos
ainda não era liberada (SIQUEIRA, 2009). Tendo em vista o que disse um grande pintor
brasileiro, Iberê Camargo, quase 50 anos depois, deduz-se que, quem possuía condições
financeiras para tal e oportunidades de viagens internacionais podia perfeitamente
aproveitar-se deste beneficio para dar maior qualidade aos seus trabalhos. De acordo
com Siqueira: “O pintor (Iberê Camargo) chama os materiais artísticos nacionais de
“falsos”, dado que são incapazes de garantir a própria existência física dos trabalhos, o
que gera, em seu limite, a impossibilidade de formar uma tradição” (SIQUEIRA, 2009, p.
65).
Ao se fixar definitivamente no Brasil, por volta de 1910, continuou expondo seus
trabalhos no Salão Nacional de Belas Artes onde, em 1951, recebe medalha de honra.
Fazia frequentes viagens a São Paulo e Porto Alegre para participar de exposições e
mostras das suas pinturas.
Hélios, assim como a maioria dos grandes pintores, teve diversas fases de
temáticas nas suas pinturas. Em determinado momento pintou temas ligados ao mar,
com caravelas, barcos etc. Outra fase foi marcada por paisagens, natureza, ciprestes e
lagos. E, em outro momento de sua trajetória artística, retratou diversas alegorias, lendas
mitos e, a tela em questão neste trabalho faz parte desta fase, estilo este visível herança
de sua experiência com artistas alemães.
Mais tarde, no Brasil, comecei a pintar caravellas. Coalhei os mares com
esses velhos barcos portuguezes. Os meus estaleiros não paravam. Não
houve sala, de portuguez, intelligente e patriota, que não tivesse ao
menos um desses navios, pendurado na parede. Cansei de fazer
caravellas e passei a pintar o lago, a lua e o cypreste. Estes tres factores
deram-me um motivo que explorei largamente, seguindo as variações de
sentimento, da nossa indole romantica. Enquanto foi possivel despertar
corações, pintei o cypreste (COSTA, 1927, p.163).
30
Hélios fazia grande investimento nas exposições individuais para, desta maneira,
se manter inserido no meio artístico.
Outra maneira de se projetar profissionalmente, usada por ele, foi a participação
na criação de diversas associações artísticas independentes, que ampliavam o campo de
atuação dos artistas nacionais, descentralizando os meios de ação atuantes. Exemplo
disso foi a participação no grupo gaúcho chamado “Os treze”:
Certa noite estávamos reunidos naquele Bar de costume quando o
Helios sugeriu a fundação de uma sociedade inspiradora das artes,
quem sabe lá até a organização de um Salão que fôsse amplo, sem
seleção de valores, com o intuito de saber quantos somos. Resolvemos
criar o grupo denominado “Os treze”, simplesmente porque eramos 13 os
amigos mais chegado e mais dispostos a trabalhar no assunto
(CORONA, 1924, fl.222).
Esse grupo era composto por nomes em evidência na pintura, nas letras e no
jornalismo local da época. E, em maio de 1925, aconteceu em Porto Alegre o Salão de
Outono, organizado por Hélios Seelinger e seus companheiros do grupo Os Treze. A
mostra coletiva de artes plásticas reuniu velhos e jovens artistas da Capital. O evento
teve lugar nos salões da Prefeitura Municipal sendo expostas 305 obras de 62 artistas,
visando uma exposição do que estava sendo produzido no Estado em matéria de artes
plásticas. O Salão de Outono teve o mérito de por em evidência talentos desconhecidos e
marcou, sem dúvida, a primeira iniciativa do gênero.
Hélios continuou participando de salões de arte e recebendo premiações e, a
partir da década de 30 e até o fim da vida, Hélios trabalhou no Museu Nacional de Belas
Artes no Rio de Janeiro.
Faleceu em 1965, deixando como legado um estilo único retratado em diversas
obras, tanto pinturas como desenhos.
2.3 Leitura iconográfica e iconológica
Da mesma maneira que as histórias, as imagens também nos transmitem
informações. Capturamos imagens através da visão e com a ajuda dos outros sentidos
podemos realçar seu significado. Significado este que se transforma invariavelmente,
resultando em uma linguagem de imagens traduzidas em palavras, e de palavras
reveladas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender significados
intrínsecos existentes. As imagens que formam nosso universo pictórico traduzem-se em
símbolos, sinais, mensagens e alegorias (MANGUEL, 2001).
31
Se pudermos ler imagens, assim como lemos histórias, então ao ler uma
imagem devemos converter essas imagens em palavras.
Neste caso, especificamente, a obra estudada insere-se no campo da alegoria.
Mas o que caracteriza uma alegoria?
Ainda que evidencie um caráter narrativo não se pode deixar de admitir o
conteúdo, também descritivo, das representações alegóricas. Para Panofsky (2011, p.
51): “...alegorias, em oposição a estórias, podem ser definidas como combinações de
personificações e/ou símbolos”.
Seguindo os métodos de leitura de obras proposto por Panofsky (2011, p.47)
devemos dividir esta tarefa em três níveis:
Descrição pré-iconográfica, que compreende a identificação das formas, linhas e
cores, seres humanos, plantas, animais, etc. baseando-se em nossa experiência prática.
Análise iconográfica, realizada através da ligação entre os motivos artísticos e as
combinações das composições com assuntos e conceitos. Uma classificação das
imagens, que depende da familiaridade com temas ou conceitos específicos.
Interpretação iconológica, que possui um significado intrínseco e se baseia na
interpretação das características da composição e de valores simbólicos.
2.3.1 Descrição pré-iconográfica
A obra estudada retrata homens, mulheres e crianças, de diferentes faixas
etárias e até mesmo etnias, caminhando em marcha, de mãos dadas. Os olhares se
apresentam em diversas direções (Fig.3).
Figura 3 - Parte inferior do quadro.
Fonte: Arquivo pessoal.
32
Um homem, bem à frente encontra-se de costas e carregando uma arma de fogo
no ombro, com a camisa na mão e um lenço branco na cabeça. Outro homem mais atrás,
segura um mastro com uma bandeira e, na ponta do mastro um ramo de flores rosa.
Uma mulher, ao lado do homem com a bandeira, com vestido branco carrega
uma coroa de flores (várias espécies e cores). Ao lado desta mulher, encontra-se, quase
imperceptível uma criança negra (Fig.4).
Figura 4 - Mulher com vestido branco e criança negra.
Fonte: Arquivo pessoal.
A grande maioria dos homens representados segura arma com ou sem
acessório na ponta e usam chapéus ou lenços brancos amarrados na cabeça com
resquícios de sangue. Meninos seguram espadas de madeira ou tambor de brinquedo.
Mais ao fundo um homem a cavalo empunha uma espada.
As mulheres usam vestidos esvoaçantes, roupas estampadas, colares e
pulseiras.
Sobre o grupo de pessoas pairam homens montados em cavalos carregando
lanças e uma bandeira. Apresentam roupas rasgadas, botas e esporas (Fig.5).
Figura 5 - Grupo de cavalarianos que paira no ar.
Fonte: Arquivo pessoal.
33
As cores que predominam na pintura são basicamente vermelho, verde, azul,
branco.
A pincelada do artista é bem marcada, e na parte superior a pintura é realizada
em traços. Além disso, o artista se valeu de outro recurso ao representar o grupo de
pessoas, na parte superior do quadro. O recurso constitui-se de uma técnica de pintura
que, usando cores claras e branco acinzentado proporciona um efeito de transparência.
2.3.2 Análise iconográfica
As
pessoas
representadas
possuem
características
físicas
de
origem
germânicas e com vestes próprias da década de 20. O fato de o autor representar figuras
com traços germânicos, mesmo no Brasil, está diretamente ligado a sua forte influência
artística, de origem alemã.
Bem à frente da composição, um homem carrega um fuzil e usa roupas do tipo
militar, contrastando com o que vem logo atrás segurando uma bandeira. Mais atrás,
outro homem ergue uma bandeira do Brasil, representando ser o líder enquanto condutor
e disseminador das idéias, de acordo com a sua caracterização. Assim como líder de
família, uma vez que aparece acompanhado de uma mulher e crianças. (Fig. 6).
Figura 6 - Homem carrega a bandeira do Brasil.
Fonte: Arquivo pessoal.
34
Logo atrás do homem que carrega a bandeira, um tipo mais rústico, próprio do
homem que vai ao campo de batalha.
A maior parte dos homens carrega fuzis, alguns com baionetas na ponta.
O grupo de cavalarianos que se encontra na parte superior carrega uma
bandeira do Rio Grande do Sul.
A pintura, provavelmente, representa a Revolução Federalista de 1923, a qual
teve cunho nacionalista e que possibilitou uma frente política única: os dois principais
partidos existentes (partidários de Borges de Medeiros – borgistas ou chimangos - e
aliados de Joaquim Francisco de Assis Brasil – assisistas ou maragatos), lutando juntos
por direitos políticos. E, pela data da pintura, era o que estava acontecendo no momento,
ou seja, a realidade vivida pelo próprio autor.
Até o ano de 1923, os gaúchos não interferiam na política, somente após a
unificação entre maragatos e chimangos surge essa possibilidade (acabando com a
política café com leite – São Paulo e Minas Gerais)11.
O quadro do Seelinger, mesmo referindo-se a um fato bem posterior à
Revolução Farroupilha, a Revolução Federalista de 1923, traz no título uma referência ao
passado, a partir do momento que fala sobre do espírito farroupilha. Mais
especificamente representa a chamada Coluna Prestes, que foi um movimento políticomilitar, que nasceu no Rio Grande do Sul a partir dos conflitos da Revolução de 1923 e
foi comandada por Luis Carlos Prestes.
O quadro faz menção aos personagens que formaram a Coluna Prestes, que
eram liderados por tenentes revoltosos que saíram de confrontos ocorridos no sudeste do
país e do Rio Grande do Sul, como Mario Maestri destaca:
[...] Até o fim dos combates, o núcleo central da futura Coluna Prestes foi
formado por agricultores, caboclos, ervateiros, peões e pobres da região,
os tradicionais “pelos-duros” das regiões do Planalto Médio e das
Missões. [...] duas ou mais dezenas de mulheres incorporaram-se às
tropas rebeldes, lavando, cozinhando e, não raro, lutando ao lado dos
maridos e companheiros, algumas delas até os últimos momentos da
Coluna (MAESTRI, 2005, p. 121).
O que explica a representação de mulheres e crianças na pintura, junto aos
combatentes, pois de fato estas tiveram participação ativa nas atividades revolucionárias.
11
A chamada política café-com-leite se configurou em um revezamento do poder nacional que
aconteceu durante o período da República Velha (1898-1930) no qual os presidentes civis eram
fortemente influenciados pelos estados de São Paulo – mais poderoso economicamente devido ao
domínio da produção de café do país- e Minas Gerais – maior pólo eleitoral do período e produtor
de leite.
35
2.3.3 Interpretação iconológica
A pintura representa a união entre os estados do sul e nordeste do Brasil lutando
em conjunto sob uma herança gaúcha.
Representa uma unidade, a partir do momento que coloca homens, mulheres e
crianças de diversas idades e classes sociais como representantes de uma revolução,
pois a Revolução de 1923 foi de certa forma, pacífica e mobilizou toda a população para
que todos pudessem ter uma participação mais ativa nas decisões políticas do país.
Trata-se de uma interpretação do pintor, realizada em um contexto específico,
sobre o espírito que teria sido movido pelos farrapos. É uma grande idealização, não há
dúvidas, e pode compreender equívocos, do ponto de vista histórico.
O fato de haver entes representando estar fora do plano físico, foi proposital pelo
artista, fazendo ver aos espectadores que o ideário dos rebeldes de então transpôs os
tempos, visto que o próprio nome da obra “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução
Farroupilha” remonta à dita epopéia numa tentativa de, embora em uma atualidade
distante cronologicamente do fato, retornar a esse passado, pois acima das personagens
que erguem bandeiras e caminham de mãos dadas pairam entes inspiradores da suposta
ação revolucionária.
Segundo Panofsky (2011) o fato de pessoas ou objetos não apresentarem apoio
em uma pintura, não revelam, por si só, que configure uma aparição. É preciso distinguir
o tipo de pintura que está sendo analisada, se é uma pintura que possui qualidades
“realísticas” ou “irrealísticas”.
Neste caso, especificamente, além de se configurar uma pintura realista as
figuras do plano superior, que aparecem na pintura, não apresentam qualquer tipo de
apoio e apresentam um efeito de transparência.
Os farroupilhas, representados no plano superior, são como uma idealização da
força e da luta dos farrapos, que deveriam estar conduzindo o povo.
A figura de uma criança negra, que pouco se vê na pintura, é um enigma visto
que é difícil entender seu significado. Supõe-se que ele quis representar que o negro,
mesmo estando diretamente ligado aos conflitos como combatente, nunca teve o
reconhecimento do seu valor, ficando sempre relegado à “pequenas aparições”.
36
As flores representadas nas mãos de uma moça simbolizam a coroação dos
vencedores (Fig.7). Tal personagem poderia representar uma alegoria da vitória.
Figura 7 - Mulher carregando flores.
Fonte: Arquivo pessoal
As flores no mastro da bandeira aparecem como um sinal de enaltecimento
(Fig.8).
Figura 8 - Flores no mastro da bandeira.
Fonte: Arquivo pessoal.
A composição em triângulo invertido representa as três idades do homem: no
presente, o jovem bem sucedido; no passado o velho colonizador com aparência
37
cansada da luta e a criança, carregando uma espada de brinquedo, que no futuro será
também um lutador (Fig. 9).
Figura 9 - Composição mostrando as três idades do homem.
Fonte: Arquivo pessoal.
A iconografia pode auxiliar no estabelecimento de datas, origens e muitas vezes
até autenticidade das obras.
A leitura iconológica se baseia em um método de interpretação das formas,
cores e linhas, provenientes da síntese da obra como um todo.
Tal interpretação, assim como a iconografia se torna significante, pois através
dessa análise e interpretação conseguimos atribuir um juízo crítico de valor aos objetos.
Valor este que pode ser cultural, histórico e/ou econômico e, a partir disso surge a
motivação para a conservação destas obras.
Diante disso, uma leitura bem desenvolvida da obra em estudo deve ser
realizada e assim contribuir para as ações de conservação.
38
CAPÍTULO III - ASPECTOS TÉCNICOS DA OBRA
Exames e diagnósticos técnicos, referentes à obra que se deseja estudar, são
imprescindíveis para um correto conhecimento de todos os elementos que a compõem.
Neste caso, especificamente, a obra não se encontra no local de origem, por isso
recorreu-se a análise de diagnósticos já realizados anteriormente à higienização e à
mudança da mesma para outro local. A cada subcapítulo realiza-se uma avaliação sobre
os resultados apresentados. Além disso, foram realizadas medições de luminosidade,
pela autora da pesquisa, na sala onde a obra esteve exposta, e no local onde se encontra
no momento. Da mesma maneira, mediu-se também a temperatura e umidade relativa.
Os diagnósticos são apresentados em ordem cronológica.
Também se expõe, neste capitulo, entrevista realizada com profissional que teve
contato com a obra no período que compreende o referido estudo.
3.1 Diagnóstico ambiental do prédio do Museu Histórico Farroupilha
No ano de 2002, um grupo de alunos do curso de Pós-graduação em Artes,
Especialização em
Patrimônio Cultural:
Conservação de Artefatos da UFPel,
coordenados pela Prof. Teresa Cristina Toledo de Paula, realizou um Diagnóstico e
Proposta de Intervenção no Museu Histórico Farroupilha de Piratini. O processo foi
realizado no período compreendido entre junho a dezembro de 2002.
Este diagnóstico faz parte de um projeto de revitalização do Museu Histórico
Farroupilha, realizado em 2002, abrangendo um histórico do município de Piratini, assim
como do próprio Museu, um levantamento físico e diagnóstico ambiental do prédio, um
laudo técnico de conservação do acervo, um projeto de comunicação e de educação
patrimonial. O projeto de revitalização do Museu Histórico Farroupilha encontra-se nos
arquivos do próprio Museu.
39
Para esta pesquisa somente foi utilizado um subcapítulo do capítulo que trata do
diagnóstico ambiental do prédio, pois este é o assunto que tem relevância para o
trabalho.
Dentro deste diagnóstico, foi realizado um estudo que trata da análise das
condições físicas e ambientais da edificação levando-se em conta parâmetros legais,
sem interferir na leitura arquitetônica da edificação. Foi feito um levantamento dos dados
ambientais internos e externos com o objetivo de coletar informações sobre a
variabilidade da umidade relativa do ar, da temperatura e da velocidade dos ventos. As
medições foram realizadas em momentos que se supôs serem de picos e depressões,
nas primeiras horas da manhã, ao meio-dia, e no fim da tarde, durante o período de
estudo.
Os instrumentos utilizados para a medição de temperatura e umidade foram
termômetro, higrômetro, anemômetro e termômetro tríplice de globo digital.
A obra em questão encontrava-se no piso térreo (frontaria leste) na primeira
sala, a qual contém três portas formadas por duas folhas, com marcos em madeira.
De acordo com o diagnóstico realizado, os parâmetros de umidade e
temperatura verificados no lado externo do prédio, especificamente na sala onde se
encontrava a obra, foram 55,5% UR e 22,10° C e, para o lado interno 57,4% UR e 22,30°
C.
Para o prédio em geral os valores apresentados ficaram entre 50% e 55% de UR
e temperatura em torno dos 20° C.
O diagnóstico em questão indica, sem maiores informações, que a espessura
das paredes minimiza a capacidade de absorver as variações climáticas externas.
3.1.1 Avaliação dos resultados apresentados no diagnóstico.
Os resultados apresentados pelos alunos, considerando a totalidade da estrutura
predial, ficam entre 50% e 55% de UR e ± 20°C de temperatura. Tais resultados foram
considerados excessivamente baixos pelos alunos, mas na bibliografia estudada não é o
que se verifica. De acordo com Craddock (2001, p.68): “O clima ideal para a maioria dos
materiais tem sido descrito como uma temperatura de 68°± 2°F (20° ± 1°C) e uma
umidade relativa de 50% ± 5%.”
O que revela que, tanto a umidade encontrada como a temperatura medida, está
em conformidade com os padrões mais indicados de controle climático. E, além disso,
deve-se levar em consideração o período em que foram coletados os dados, entre julho e
40
dezembro, período este que compreende a estação do inverno e primavera, sendo o
inverno a estação que apresenta umidade maior que as outras estações do ano.
Para a conservação de pinturas, Calvo (2006, p. 71) recomenda: “...as condições
de umidade relativa entre os 40 e os 60%, ou em redor dos 50% são as mais favoráveis à
conservação das pinturas...”
No caso especifico da sala onde se encontrava a obra em estudo, os resultados
apresentados, para a parte interna, foram de 57,4% de UR e 22,30°C de temperatura.
Resultados estes considerados ideais para esta tipologia, segundo Calvo:
[...] as obras sobre tela e sobre madeira portam-se melhor com uma
umidade relativa próxima dos 60% já que as suas camadas permanecem
mais flexíveis. [...] recomendam-se temperaturas determinadas em
função da habitabilidade e do conforto humano em redor dos 22°C
(CALVO, 2006 p. 72).
Como foi dito no diagnóstico, o prédio possui paredes grossas, de pedra,
minimizando as oscilações de temperatura e umidade que ocorrem no exterior (Fig. 10).
Figura 10 - Paredes em pedra.
Fonte: Arquivo pessoal.
E, de acordo com Calvo (2006, p. 73), esta condição é bastante favorável para
abrigar coleções de pintura:
As pinturas antigas que melhor se conservaram são aquelas que se
mantiveram em condições ambientais muito estáveis, em caves
fechadas e em catedrais com paredes grossas sem aquecimento nem ar
condicionado ocasionais (CALVO, 2006 p. 73).
41
O prédio não possui refrigeração artificial, o que também é um forte indício de
que este prédio é perfeitamente adequado, em termos ambientais, para abrigar obras
pictóricas.
3.2 Diagnóstico de patologias referente à obra
No ano de 1998, foi realizado um diagnóstico de patologias referente à obra.
Esse diagnóstico foi feito pela conservadora e restauradora do Museu de Arte do Rio
Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), Naida Maria Vieira Correa.
O referido diagnóstico fez parte de um relatório de visita, feito pela conservadora
à cidade de Piratini, no qual relata a análise realizada sobre a obra. A análise constatou
as seguintes patologias na obra: dois furos próximos à base e um rasgo central na altura
dos olhos. Revela a inclinação da obra em relação ao chão, a qual formava um ângulo de
77°, o que forçaria a tela a depositar parte de seu peso nas travas de sustentação do
suporte. Outra questão relatada pela conservadora é sobre a pouca iluminação do local
onde a obra encontrava-se exposta.
A conservadora Naida supôs que a obra foi estirada no local, após ser
desmontada para o transporte de Porto Alegre para Piratini no momento da doação e que
esta não foi estirada de maneira correta, pois a obra apresentava ondulações na base.
Ao final do relatório, afirma que a obra não está muito danificada e que vem se
mantendo conservada. Indica que a obra não pode permanecer na posição encontrada,
pois o peso poderá romper as fibras do tecido que compõe a tela.
Ressalta a importância de uma segurança maior na instituição, pois o local onde
se encontra a obra tem acesso direto para a rua e nenhum tipo de segurança. Revela
ainda que o restauro da obra não poderá ser feito no lugar onde se encontra.
A cópia do relatório original encontra-se em anexo.
3.2.1 Avaliação do diagnóstico
O diagnóstico apresenta que a posição em que obra se encontrava, na época da
avaliação, se configurava como um perigo a sua estrutura, pois este fator poderia ter
causado diversas patologias na obra.
A posição em que a tela se manteve por anos justificaria, entre outras
patologias, estiramento irregular do tecido causado por forças de tensão em partes
42
localizadas e, a partir disso, poderia atingir as camadas de pintura causando craquelês e
deslocamento da camada pictórica (PASCUAL, 2003).
Mas, como se pôde perceber no decorrer do diagnóstico, estas alterações não
foram verificadas.
A pouca iluminação da sala, onde a obra se encontrava, foi relatada pela
restauradora, mas talvez este fator tenha sido favorável a sua conservação, visto que a
luz, tanto natural como artificial, é um dos fatores que mais prejudica obras pictóricas.
A luz, tanto a visível quanto a invisível, é prejudicial à maioria dos objetos
[...] A radiação ultravioleta é extremamente nociva a muitos materiais; [...]
A luz solar natural deve ser eliminada das áreas de armazenamento,
fechando-se todas as janelas que houver no recinto ou cobrindo-as com
cortinas ou persianas pretas pesadas. [...] as lâmpadas de
tungstênio/halogênio [...] devem ser cobertos por filtros que absorvam o
componente ultravioleta de sua luz [...] (BACHMANN; RUSHFIELD,
2001, p.87).
Nota-se, portanto, que a luz tanto a natural como a artificial, é prejudicial para as
obras compostas por materiais orgânicos, como os materiais que compõe uma pintura
em tela. As radiações ultravioletas e as visíveis próximas ao violeta provocam alterações
fotoquímicas nas pinturas (CALVO, 2006).
Outro fator que devemos considerar, é que os efeitos nocivos causados pela luz
são cumulativos, por isso, quanto menor o tempo de exposição à luz, menor serão seus
efeitos.
3.3 Entrevista com a conservadora e restauradora Naida Vieira Correa
Realizou-se uma entrevista, por e-mail, com 3 perguntas para a conservadora e
restauradora do Museu de Artes do Rio Grande do Sul Ado Malagoli que, em 1998, teve
contato com a obra, realizando um diagnóstico sobre as patologias encontradas na
pintura. As perguntas, juntamente com as respostas, estão transcritas abaixo:
1. A Srª manteve contato com a obra “Alegoria do Sentido e Espírito da
Revolução Farroupilha” no ano de 1998 realizando um diagnóstico de patologias e
nele consta que a obra permaneceu, por anos, escorada na parede, num ângulo de
aproximadamente 77°. De acordo com sua experiência como conservadora e
restauradora, que patologias esta posição poderia ter causado na obra?
43
Resposta: Esta obra me surpreendeu. A posição inclinada que permaneceu por
diversos anos, não causou nenhum tipo de dano à obra, também o fato do espaço ser
pouco visitado evitou assim os deslocamentos de ar no ambiente. Creio que esta
inclinação era perfeita pra conservação, pelo que foi observado, não houve marcas do
bastidor e este não empenou com o peso da tela, assim como não houve rompimento
das fibras pela gravidade do peso da tela. Por isso, a conclusão de que a inclinação foi
ideal. Existe uma inclinação tolerável para exposição de tapeçarias de grandes
dimensões, creio que o quadro estava em inclinação semelhante.
2. O fato de esta pintura permanecer em local com pouca luminosidade
poderia ter favorecido a sua conservação?
Resposta: Sem dúvida nenhuma que o fato da obra permanecer em um
ambiente fechado, sem iluminação direta, contribuiu para a sua boa conservação. Na
verdade funcionou como uma RT (reserva técnica), onde o escuro e a permanência da
estabilidade de umidade e temperatura combinados com pouca visitação do local, foi
ideal a sua conservação.
3. Levando em consideração seus conhecimentos, em relação aos pintores
brasileiros, a Srª acredita que este pintor, Hélios Seelinger, por ter ido
frequentemente ao exterior, usava materiais de pintura importados?
Resposta: Creio que este artista foi bastante consciente da qualidade das suas
obras. Acho que todas as suas pinturas foram feitas com muito cuidado inclusive com a
escolha dos materiais empregados. Tendo a sua formação no exterior, ajudou no contato
com os materiais de qualidade existentes na época. Em particular desta obra sem dúvida
nenhuma foi realizada com bons produtos, caso contrário não teria resistido ao tempo.
A conservadora confirma que a falta de iluminação contribuiu, sem dúvida, para
a conservação adequada da obra.
Afirma que há uma inclinação tolerável para grandes obras e que o fato desta
pintura ter permanecido por um longo período inclinada, pode não ter causado danos de
maior importância.
Concorda que os materiais usados pelo pintor provavelmente sejam de ótima
qualidade, fator este que também tem importância no processo de conservação.
44
3.4 Procedimento de higienização sofrido pela obra
No ano de 2005, a obra passou por um processo de limpeza e higienização
realizado pela restauradora Leila Sudbrack. Na página de internet, mantida pela
restauradora em questão, consta que a obra foi desmontada e transportada até o atelier
de restauro da referida restauradora, em Nova Petrópolis, na serra gaúcha. Nos arquivos
do museu foi encontrado um termo de empréstimo da obra com o objetivo de
higienização para a restauradora Leila Sudbrack.
O termo de empréstimo da obra para a restauradora e a visualização da página
de internet encontra-se em anexo.
Em um primeiro contato, por e-mail, com a restauradora, esta afirmou ter
mandado um relatório com todos os procedimentos realizados na obra para o Museu
Histórico Farroupilha, inclusive com fotos mostrando o andamento dos trabalhos. Mas,
nenhuma documentação a respeito do processo de restauro da obra foi encontrada no
arquivo do Museu Histórico Farroupilha.
3.5 Medições de umidade relativa, temperatura e índices de luz atuais
Foram realizadas, pela autora da pesquisa, medições atuais de temperatura,
umidade relativa do ar e luminosidade no local onde a obra se encontra atualmente e na
sala do Museu Histórico Farroupilha onde a obra esteve até o ano de 2005.
3.5.1 Medições na Prefeitura Municipal, onde a obra encontra-se atualmente
As medições foram realizadas durante o período de uma semana e, no final, fezse uma média dos valores encontrados. De acordo com Cassar (2001, p.314): “[...] o
levantamento ambiental deve incluir pelo menos um ano inteiro de monitoramento
abrangente da UR, da temperatura e da luz”.
O ideal seria realizar medições por um período de no mínimo doze meses para
abarcar todas as estações do ano, mas como não havia tempo hábil para tal
procedimento optou-se por fazer apenas uma verificação das condições ambientais, de
acordo com as possibilidades (tab.1 a 6). Fica a necessidade de novas pesquisas e de
um monitoramento ambiental adequado, de acordo com os métodos mais indicados.
Foram coletadas medidas de temperatura e umidade relativa com um
termohigrômetro da marca Minipa e medidas de luminosidade com um luxímetro.
45
As medidas de luminosidade foram feitas em três pontos da obra: na parte
esquerda, no meio e na parte direita, para poder contemplar todas as partes da pintura,
visto que a obra apresenta grandes dimensões (Fig.11).
Figura 11 - Medições de luz.
Fonte: Arquivo pessoal.
Foram realizadas medições no turno da manhã e da tarde, pois sabe-se que as
mudanças de temperatura e umidade variam conforme as horas do dia. Os valores
apresentados foram somados e divididos por três, obtendo com isso uma média diária
dos valores de lux12.
A temperatura e a umidade relativa do ar foram medidas nos turnos da manhã e
da tarde, colocando-se o termohigrômetro no chão, ao centro da obra (Fig. 12).
Figura 12 - Medições de temperatura e UR.
Fonte: Arquivo pessoal.
12
Os níveis de luz são medidos em lux ( lumens por metro quadrado) com um aparelho chamado
luxímetro.
46
As tabelas com as medidas encontram-se a seguir:
MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA
- DIA: 13 de outubro – com chuva, céu encoberto
MANHÃ
Temp: 19,6°C
UR%: 85%
Lux: 210
TARDE
Temp: 20,4°C
UR%: 83%
Lux: 183
Tabela 1: Medições dia 13 de outubro.
MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA
- DIA: 14 de outubro – nublado, com pouco sol, sem chuva
MANHÃ
Temp: 18,9°C
UR%: 77%
Lux: 273
TARDE
Temp: 20,4°C
UR%: 68%
Lux: 250
Tabela 2: Medições dia 14 de outubro.
MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA
- DIA: 17 de outubro – pouco sol, com nuvens
MANHÃ
Temp: 20,6°C
UR%: 56%
Lux: 297
TARDE
Temp: 20,2°C
UR%: 58%
Lux: 321
Tabela 3: Medições dia 17 de outubro.
MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA
- DIA: 18 de outubro – sol com poucas nuvens
MANHÃ
Temp: 21,9°C
UR%: 51%
Lux: 367
TARDE
Temp: 21,5°C
UR%: 52%
Lux: 385
Tabela 4: Medições dia 18 de outubro.
47
MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA
DIA: 19 de outubro – sol, com bastante nuvens
MANHÃ
Temp: 19,8°C
UR%: 53%
Lux: 365
TARDE
Temp: 20,9°C
UR%: 51%
Lux: 374
Tabela 5: Medições dia 19 de outubro.
MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA
DIA: 20 de outubro – nublado, com pouco sol
MANHÃ
Temp: 18,6°C
UR%: 56%
Lux: 258
TARDE
Temp: 20,4°C
UR%: 54%
Lux: 270
Tabela 6: Medições dia 20 de outubro.
Após a obtenção dos valores, fez-se uma média geral dos níveis de temperatura,
umidade e luz (tab.7). A temperatura ficou entre 19,9°C e 20,6°C, a UR entre 61% e 63%
e a luminosidade entre 295 e 297,1. Abaixo, apresenta-se a tabela com os valores
médios gerais:
MÉDIAS GERAIS DA PREFEITURA - MÉDIA
MANHÃ
Temp: 19,9°C
UR%: 63%
Lux: 295
TARDE
Temp: 20,6°C
UR%: 61%
Lux: 297,1
Tabela 7: Média geral das medições.
Os níveis de temperatura e umidade, na média geral, apresentam-se bons, pois
a temperatura verificada fica em torno dos 20°C o que, de acordo com a bibliografia
estudada e já citada no subcapitulo 3.1.1 revela-se adequada. Da mesma forma, a
umidade encontrada ultrapassa muito pouco o nível adequado, que deve ser de 60%.
48
A luz encontra-se acima dos níveis considerados satisfatórios, que não devem
ultrapassar 150 lux, pois os raios ultravioletas podem prejudicar a pintura.
3.5.2 Medições de luminosidade no prédio do Museu Histórico Farroupilha
Não foi possível realizar medições de umidade relativa no prédio do Museu
Histórico Farroupilha, pois este ainda encontra-se em obras, o que aumenta
significativamente os níveis de umidade, levando-se em consideração o fato de que os
rebocos ainda estão molhados.
Medições de luminosidade foram realizadas em um dia, com portas fechadas
(tab. 8). A seguir, apresenta-se uma tabela com os valores verificados:
MEDIÇÕES DA SALA PRINCIPAL – MUSEU HISTÓRICO
FARROUPILHA
- DIA: 13 de outubro –
Temp: 18,1°C
Lux Porta fechada: 00
Tabela 8: Medições sala do Museu.
Com as portas fechadas, como era quando a obra se encontrava nesta sala, os
níveis apresentados de luminosidade foram 00. O que significa que realmente, na maior
parte do tempo, a pintura permaneceu sem contato com os raios solares, o que contribui
para a sua conservação, visto que o nível adequado para pinturas é de aproximadamente
50 lux.
A medida de temperatura marcou 18,1°C, configurando um bom índice, pois em
relação ao que foi estudado e apresentado anteriormente, a temperatura ideal não deve
ultrapassar os 22°C.
Após analisar os dados, verificou-se que o ambiente no qual a obra permaneceu
exposta até o ano de 2005 enquanto esteve no Museu Histórico Farroupilha, era
perfeitamente adequado à conservação de pinturas, pois apresentava níveis de
temperatura abaixo dos 20° C e umidade relativa, de acordo com o diagnóstico feito em
2002, entre 50% e 55%. Além disso, mantinha pouca iluminação, o que poderia
prejudicar a pintura.
49
4. CONCLUSÃO
As principais causas de degradação em obras são, normalmente, provocadas
pela ação do homem, principalmente por condições ambientais inadequadas.
Compreendê-las é um fator importante para a efetiva conservação dos bens. A situação
ideal é aquela onde a restauração se torna desnecessária devido à constante e bem
sucedida conservação. Para tal, a conservação de um bem deve ser pensada dentro de
um contexto econômico, político e urbano.
Conhecer e analisar os fatores que podem iniciar, favorecer ou degradar
inteiramente um objeto é imprescindível para diagnosticar as patologias que apresenta,
assegurar uma correta intervenção e ajudar na sua conservação. No caso das pinturas,
para se fazer um correto diagnóstico das degradações sofridas, é necessário
compreender a estrutura da pintura como um todo, pois em pinturas, todas as partes se
relacionam. Além da compreensão da pintura como uma totalidade, um diagnóstico
eficiente deveria contar com todas as possibilidades de realização de exames técnicos.
Na presente pesquisa, não foi possível a realização de exames técnicos mais
aprofundados sobre a obra, pois não há aparelhamento adequado disponível e não há
como realizar a retirada de amostras da obra, pois não é possível movê-la de seu local,
devido às suas grandes dimensões e por estar presa à parede.
Análises da estratigrafia da pintura poderiam atestar a qualidade dos pigmentos,
exames microscópios do tecido que compõe a tela também poderiam ser eficientes na
qualificação dos materiais utilizados pelo artista, assim como a análise da madeira
utilizada para a confecção do bastidor. Possivelmente, se esses exames tivessem sido
feitos, poderiam ser solucionadas, com mais clareza, algumas questões que foram
apenas deduzidas.
De qualquer forma, sabe-se que a conservação de pinturas está diretamente
ligada ao ambiente em que se encontra. Neste caso, a referida pintura permaneceu em
uma posição inadequada por longo tempo, fato este que poderia ter levado a obra a
diversos problemas estruturais.
50
As hipóteses de que o ambiente a que a obra esteve exposta e que os materiais
usados pelo artista foram importantes para sua conservação foram confirmadas, pois se
observou que a falta de iluminação foi um fator decisivo, tendo em vista a degradação
causada pelos raios UV, assim como os materiais, pois se não fossem de qualidade não
teriam se conservado em bom estado.
A falta de determinados exames não torna possível precisar o papel da
qualidade dos materiais utilizados na feitura da obra. Todavia, através de pesquisa
histórica sobre o autor desta, supõe-se que os materiais usados eram de boa qualidade e
possuem relação direta com a conservação.
O local onde a obra esteve acondicionada demonstrou-se importante, pois
influenciou, de forma decisiva, elementos considerados chaves para uma perfeita
conservação, tais como a iluminação, a umidade e a temperatura.
Os bons níveis de umidade e a pouca variação destes, foi importante para que a
madeira não sofresse o processo de inchamento e nem de retração, o que poderia
causar alterações na camada pictórica.
Quanto ao peso, localizado na parte inferior do quadro, não foi suficiente para
que a obra sofresse danos em decorrência de sua posição. Sugere-se que isto tenha
acontecido por conta do limite de inclinação para obras de grandes dimensões, tal como
foi citado pela conservadora e restauradora Naida Correa.
Outrossim, o próprio prédio que abrigava a obra, por ser antigo, com paredes
grossas em pedra, certamente contribuiu para a conservação desta pintura, pois a
estrutura das paredes ameniza de forma bastante eficaz, as alterações de umidade e
temperatura provenientes do lado externo.
Quanto ao local em que a obra se encontra atualmente, foi possível verificar que
a iluminação, tanto natural quanto artificial, é o maior degradante da pintura. Com isso,
uma forma de proteção da luz para a obra se faz necessário. Sugere-se um vidro, com
filtro de raios UV, para que a luz, demasiadamente alta, não prejudique a pintura.
Diante do exposto conclui-se que, o fator que maior contribuiu para a
conservação da obra em questão, foi o ambiente ao qual esteve exposta por longo
período. Níveis ideais de temperatura e umidade, e principalmente pouca exposição às
radiações são os fatores fundamentais para que a aludida obra pictórica se conservasse
em bom estado até o presente momento.
A falta dos cuidados exigidos, para uma conservação considerada satisfatória da
obra estudada, evidencia a necessidade de mais pesquisas na área de conservação de
pinturas. Técnicas de como conservar adequadamente uma pintura deveriam ser
exaustivamente estudadas para que as mesmas não sofram degradação por fatores
51
ambientais, de forma que se preservem por maior tempo, principalmente obras com
grande valor artístico, histórico e cultural como é o caso da tela estudada.
52
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54
Anexos
55
ANEXO A - Relatório de diagnóstico da obra realizado por Naida Correa.
56
57
ANEXO B- site da restauradora Leila Sudbrack
58
ANEXO C – Termo de empréstimo da obra para a restauradora Leila Sudbrack

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