Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo da
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Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo da
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE MUSEOLOGIA E CONSERVAÇÃO E RESTAURO CURSO DE BACHARELADO EM CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE BENS CULTURAIS MÓVEIS. Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo da Pintura “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha” de Hélios Seelinger. Consuelo Vaz Robe Pelotas, 2011 1 CONSUELO VAZ ROBE CONSERVAÇÃO DE PINTURAS EM AMBIENTES INADEQUADOS: ESTUDO DA PINTURA “ALEGORIA DO SENTIDO E ESPÍRITO DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA” DE HÉLIOS SEELINGER. Trabalho apresentado ao curso de Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis. Orientadora: Profª. Ms. Andréa Lacerda Bachettini Pelotas, 2011. 2 BANCA EXAMINADORA Profª. Ms. Andréa Lacerda Bachettini Profª. Ms. Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho 3 Dedico este trabalho ao meu querido avô Belarmino e minha avó Dora que despertaram em mim o gosto pela memória quando me contavam histórias da infância. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha mãe, por me ajudar a concluir o curso sem maiores preocupações de cunho financeiro e pelo apoio emocional durante o curso. Ao meu marido Arthur pela paciência, pelo carinho e por me ajudar com a correção de trabalhos, participando da minha jornada acadêmica. A minha filha amada Laura, por entender a minha ausência e pelo amor dado a mim. A minha irmã, Monique, minha avó Dora, minha tia Vera, meu tio Nanato por estarem sempre prontos a me ajudar. Agradeço a todos os professores do curso, que fizeram parte desta trajetória, em especial o Prof. Ms. Roberto Heiden, Prof. Dr. Jaime Mujica Sallés, Profª. Ms. Silvana Bojanoski e o Prof. Dr. Pedro Luis Machado Sanches. Aos meus colegas, por dividirem comigo informações, angústias, alegrias, tristezas e pela amizade e carinho de cada um. Agradeço a minha orientadora, Profª. Ms. Andréa Lacerda Bachettini por me ajudar, com sua experiência, na realização desta pesquisa. Ao Profº. Dr. Cirio Simon, por compartilhar comigo documentos de suas próprias pesquisas. A Angélica Panatieri, diretora do Museu Histórico Farroupilha, que sempre esteve disposta a me ajudar. A restauradora Naida Maria Vieira Correa pela atenção dispensada a mim e pela contribuição com a minha pesquisa. A Profª. Ms. Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho por participar da minha banca e por contribuir para minha pesquisa com seus conhecimentos. 5 “Qualquer obra humana é concebida como um organismo natural em cuja evolução nada deve intervir; este organismo deve gozar livremente a sua vida e o homem pode, quando muito, preservá-lo de uma morte prematura”. Alois Riegl 6 RESUMO ROBE, Consuelo Vaz. Conservação de Pinturas em Ambientes Inadequados: Estudo da Pintura “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha” de Hélios Seelinger. 2011. 57 fls. Trabalho de conclusão de curso - Graduação em Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. A degradação de objetos, causada por fatores ambientais e por acondicionamento inadequado, é fator comum em museus. Sabe-se que uma das causas de degradação estrutural de pinturas em tela é a má localização, às vezes em ambientes impróprios e, muitas vezes, em uma posição totalmente incorreta. É importante ressaltar que, a conservação preventiva da obra de arte é fundamental para que a mesma não chegue a sofrer intervenções de restauro. O trabalho aborda questões relacionadas com a conservação de uma pintura a óleo sobre tela, que permaneceu em local inadequado por décadas e, ainda assim, conservou-se em melhor estado que as demais, encontradas no mesmo local. A tela em questão pertence ao Museu Histórico Farroupilha, localizado no município de Piratini, no estado do Rio Grande do Sul, desde o ano de 1959 e, até o momento desta pesquisa, após passar por um processo de higienização em 2005, encontra-se no saguão da Prefeitura Municipal de Piratini onde foi devidamente fixada. Através da análise das patologias apresentadas, em diagnósticos feitos antes da mudança de local, chegou-se a um resultado das condições que permitiram essa conservação, quando todas as evidências indicavam o contrário. Dessa forma, conclui-se que o ambiente onde se localizam as obras foi quem desempenhou o papel principal na conservação da referida tela. Palavras-chave: Pintura em tela. Conservação. Ambiente. Museu Histórico Farroupilha. 7 ABSTRACT ROBE, Consuelo Vaz. Conservation of Paintings in unsuitable environments: Study of Painting "Allegory of the Sense and Spirit of the Revolution Farroupilha" Seelinger of Helios. 2011. 57 fls. Completion of course work - Degree in Conservation and Restoration of Cultural Property Furniture. Federal University of Pelotas, Pelotas. The degradation of objects, caused by environmental factors and inadequate packaging, is a common factor in museums. It is known that a cause of structural degradation of paintings on canvas is a poor location, sometimes in inappropriate environments and often in a totally incorrect position. Importantly, the preventive conservation of the artwork is essential so that it does not get to experience restoration interventions. The work addresses issues related to the conservation of an oil painting on canvas, which remained in an inadequate place for decades, yet it stood in a better condition than the others, found in the same place. The screen in question belongs to Museu Histórico Farroupilha, located in the city of Piratini in the state of Rio Grande do Sul, from the year 1959 and to date of this research, after undergoing a cleaning process in 2005, it is in the hall of Municipal Government of Piratini was where properly attached. Through analysis of the conditions presented in diagnoses made before the change of venue, it was a result of the conditions that allowed such conservation when all the evidence indicates otherwise. Thus, we conclude that the environment where the works are located was the one who played the main role in the conservation of this screen. Keywords: Painting on canvas. Conservation. Environment. Museu Histórico Farroupilha. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - A obra na sala do Museu _____________________________________________ 25 Figura 2 - A obra onde se encontra hoje _________________________________________ 26 Figura 3 - Parte inferior do quadro ______________________________________________ 31 Figura 4 - Mulher com vestido branco e criança negra ____________________________ 32 Figura 5 - Grupo de cavalarianos que paira no ar _________________________________ 32 Figura 6 - Homem carrega a bandeira do Brasil __________________________________ 33 Figura 7 - Mulher carregando flores _____________________________________________ 36 Figura 8 - Flores no mastro da bandeira _________________________________________ 36 Figura 9 - Composição mostrando as três idades do homem ______________________ 37 Figura 10 - Paredes em pedra __________________________________________________ 40 Figura 11 - Medições de luz ____________________________________________________ 45 Figura 12 - Medições de temperatura e UR_______________________________________ 45 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Medições dia 13 de outubro ..........................................................................46 Tabela 2: Medições dia 14 de outubro ..........................................................................46 Tabela 3: Medições dia 17 de outubro ..........................................................................46 Tabela 4: Medições dia 18 de outubro ..........................................................................46 Tabela 5: Medições dia 19 de outubro ..........................................................................47 Tabela 6: Medições dia 20 de outubro .........................................................................47 Tabela 7: Média geral das medições .............................................................................47 Tabela 8: Medições sala do Museu ...............................................................................48 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...............................................................................................................................11 CAPÍTULO I - A CONSERVAÇÃO: HISTORIA E TEORIA ....................................................................15 1.1 A conservação de objetos históricos e culturais .....................................................................15 1.2 Breve histórico sobre a evolução do conceito de conservação ...............................................17 1.3 Conservação de pinturas em tela...........................................................................................21 CAPÍTULO II - “ALEGORIA DO SENTIDO E ESPIRITO DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA” ...................24 2.1 Histórico da obra....................................................................................................................24 2.2 Biografia do pintor Hélios Seelinger........................................................................................27 2.3 Leitura iconográfica e iconológica..........................................................................................30 2.3.1 Descrição pré-iconográfica ..................................................................................................31 2.3.2 Análise iconográfica ............................................................................................................33 2.3.3 Interpretação iconológica ....................................................................................................35 CAPÍTULO III - ASPECTOS TÉCNICOS DA OBRA ..............................................................................38 3.1 Diagnóstico ambiental do prédio do Museu Histórico Farroupilha ..........................................38 3.1.1 Avaliação dos resultados apresentados no diagnóstico. .......................................................39 3.2 Diagnóstico de patologias referente à obra ............................................................................41 3.2.1 Avaliação do diagnóstico .....................................................................................................41 3.3 Entrevista com a conservadora e restauradora Naida Correa..................................................42 3.4 Procedimentos de higienização sofridos pela obra .................................................................44 3.5 Medições de umidade relativa, temperatura e índices de luz atuais .......................................44 3.5.1 Medições na Prefeitura Municipal, onde a obra encontra-se atualmente ............................44 3.5.2 Medições de luminosidade no prédio do Museu Histórico Farroupilha ................................48 4. CONCLUSÃO.............................................................................................................................49 REFERÊNCIAS ...............................................................................................................................52 Anexos .........................................................................................................................................54 11 INTRODUÇÃO O município de Piratini localiza-se no sul do estado do Rio Grande do Sul, sendo 1789 o ano do início do seu povoamento, por 48 casais vindos das Ilhas dos Açores. Piratini foi a primeira capital farroupilha durante a Guerra dos Farrapos contra o Império, entre os anos de 1835 e 1845 e caracteriza-se por ser uma cidade histórica, palco dos conflitos durante a Revolução. Em fevereiro de 1953, por ato do governo do estado foi criado neste município o Museu Histórico Farroupilha, com a missão de preservar e valorizar as memórias da Revolução Farroupilha. O Museu Histórico Farroupilha ocupa um prédio, em estilo colonial português, construído em 1819 e que serviu de Ministério da Guerra durante o período da Revolta. Seu acervo é composto, principalmente, por objetos utilizados durante a Revolução e objetos pessoais da família do general Bento Gonçalves da Silva, líder da Revolução. No ano de 1959, o Palácio Piratini, sede do governo do estado do Rio Grande do Sul, localizado em Porto Alegre, teve seu acervo de pinturas em tela desmembrado e distribuído entre alguns museus do estado do Rio Grande do Sul. Dentre esse acervo estava uma tela intitulada “Alegoria do sentido e espírito da Revolução Farroupilha” pintada por Hélios Seelinger e que foi então doada ao Museu Histórico Farroupilha de Piratini. Devido a sua grande dimensão, 3,80 m X 5,70 m, a tela permaneceu, em torno de 40 anos, escorada na parede de uma sala do museu, pois sua altura não permitia que fosse colocada adequadamente na mesma. Diferente do que se esperava, esta obra se conservou em melhor estado que as demais pinturas localizadas no mesmo prédio. A obra sofreu apenas danos relacionados ao manuseio inadequado, como por exemplo, pequenos rasgos e lacunas na camada pictórica, assim como ocorreu com as outras obras que não se encontravam tão desfavoravelmente situadas. 12 Sabe-se que uma das causas de degradação estrutural em telas é a má localização, muitas vezes em ambientes impróprios e, no caso desta obra, colocada em uma posição totalmente inadequada. A degradação causada por fatores ambientais e por acondicionamento inadequado é fator comum em museus do estado. O fato desta pintura, localizada no Museu Histórico Farroupilha que, contrariando o usual, conservou-se em bom estado por mais de 40 anos, mesmo estando escorada em uma parede sem a fixação necessária, torna-se curioso e sugere a investigação para se averiguar quais foram os motivos dessa conservação. A pesquisa tem por objetivo identificar as prováveis causas da conservação desta tela, acondicionada em local inadequado por tempo prolongado. Verificar se os materiais empregados na constituição da obra têm relação direta com a sua conservação e compreender a relação entre confecção e a conservação da obra. A preocupação com os motivos da conservação da referida obra justifica-se, não só pelo seu valor histórico, mas principalmente pelo estudo científico das causas que possibilitaram sua melhor conservação. Assim, revelar as causas da sua conservação em relação a outras obras do mesmo prédio pode possibilitar a descoberta de métodos simples que tornam a conservação de obras de arte mais eficientes. Ao considerar-se o baixo orçamento dos museus – e dos demais institutos que pretendem preservar a memória – percebe-se que a importância da investigação ganha destaque na medida que pode trazer à luz formas simples e de baixo custo, para uma tarefa tão importante como a preservação da história. A própria obra conta com uma história, que merece ser mencionada para uma compreensão do seu processo de conservação e restauro. Nesse sentido, é forçoso reportar que, no ano de 2005, a obra passou por uma higienização na cidade de Nova Petrópolis, no estado do Rio Grande do Sul, no ateliê da restauradora Leila Sudbrak. A tela foi desmontada para o adequado transporte e, ao retornar, foi montada no saguão da Prefeitura Municipal de Piratini, onde se encontra atualmente. Optou-se por colocá-la em tal local por ser mais adequado à sua preservação, pois a construção possui pé direito mais alto, ou seja, a altura da parede é maior que as encontradas no prédio do Museu, proporcionando maior estabilidade à peça. O trabalho configura-se em uma pesquisa de natureza básica, descritiva e exploratória quanto aos seus objetivos, que se dará com a realização de procedimentos bibliográficos, documentais e operacionais, tendo por finalidade gerar conhecimento sobre a conservação de pinturas a partir da análise, observação e sugestão de hipóteses para os fenômenos ocorridos na obra em questão. 13 A pesquisa partirá do estudo da conservação e da documentação referente à obra e se dará com a realização de revisão bibliográfica sobre o tema da conservação de pinturas, sobre o autor da obra e os materiais e técnicas utilizadas por ele. Também será realizada entrevista com profissional que manteve contato com a pintura, como por exemplo, a restauradora do Museu de Artes do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, Naida Vieira Correa, que realizou um diagnóstico da obra no ano de 1998. As etapas da pesquisa se baseiam no estudo da documentação referente à obra e dos processos de restauro pelo qual passou, assim como do diagnóstico do estado de conservação, na época em que chegou ao Museu Histórico Farroupilha e também revisão bibliográfica sobre o autor da pintura, Hélios Seelinger, com o apoio de pesquisas já existentes ou em andamento. Uma das metas é a investigação das técnicas e métodos utilizados pelo autor da obra, assim como a verificação do ambiente no qual a obra se encontrava anteriormente à higienização em 2005. A hipótese levantada é que, tanto os materiais quanto a técnica utilizada pelo autor da referida obra, seriam melhores e de maior qualidade que as demais, por isso a peça se conservou em melhor estado. Da mesma maneira acredita-se que o ambiente em que a obra esteve localizada também contribuiu para a sua conservação. Para a verificação da hipótese e estudos sobre a conservação de pinturas em tela, será usada bibliografia atualizada sobre a conservação dentre os quais cito: Teoria da restauração de Cesare Brandi, Teoría contemporánea de La restauración de Salvador Viñas, Conservação: conceitos e práticas organizado por Marilka Mendes, Técnicas e conservação de pinturas de Ana Calvo, Restauración e Conservación del arte pictórico de Diaz Martos e O restauro de pintura de Eva Pascual, entre outros. O trabalho está dividido em três capítulos. Na primeira parte, discorrer-se-á a respeito do que seja e qual a importância da conservação de bens históricos. Procurar-se-á demonstrar quais são as modernas técnicas de conservação, seus antecedentes, e sua evolução até o seu estágio atual. Na segunda parte, será estudada especificamente a obra: sua história e seu autor. Serão analisadas questões referentes ao modo, local e motivos porque foi produzida. Além disso, as razões pelas quais se procedeu a doação ao Museu Histórico Farroupilha serão abordadas. Apresentar-se-á a leitura iconológica e iconográfica da obra e a biografia do pintor Hélios Seelinger. O terceiro capítulo detém informações técnicas sobre os exames realizados para a detecção de patologias da referida obra. Expõem-se quais exames foram realizados e como foram realizados, apresentam-se os diagnósticos já realizados sobre a obra em 14 anos anteriores, realizando uma análise desses resultados e transcreve-se a entrevista realizada com a profissional que manteve contato com a obra. Considerando o proposto, espera-se confirmar a hipótese da presente pesquisa. 15 CAPÍTULO I - A CONSERVAÇÃO: HISTÓRIA E TEORIA A partir do surgimento das discussões sobre a conservação de objetos de arte, históricos e culturais, vários conceitos foram se modernizando, até finalmente chegar ao que hoje concebemos como a correta conservação destes. Através destes conceitos fazse uma análise de como essas obras passam ao status de objetos culturais e como ocorreram essas transformações evolutivas sobre o tema conservação. Num segundo momento, abordam-se questões sobre a conservação de pinturas em tela, seus princípios, técnicas e agentes de deterioração. 1.1 A conservação de objetos históricos e culturais Valores culturais são adquiridos através do ato de relembrar o passado e, a partir disso, surge motivação para colecionar objetos ligados ao mesmo, como fonte de memória. Objetos são guardados por seu valor sentimental, histórico ou mesmo econômicos. A partir do momento em que esses objetos atingem o status de valor cultural, tornando-se bens culturais, carecem então ser preservados, para continuar exercendo o papel de rememorar a história de uma sociedade, família ou indivíduo. De acordo com Gonzales –Varas (1999, p. 43): “ El concepto de monumento implica, como hemos visto, un juicio de valor, amparado en critérios estéticos o históricos, que explicita la importância que una obra u objeto reviste para el desarrollo del arte o de la historia.” A preservação engloba todas as ações que garantam a integridade do objeto, mantendo vivas todas as informações e significados intrínsecos a esse bem, pelo maior tempo possível. Embora em muitos casos, os fatores de degradação não possam ser eliminados na sua totalidade, podem ser minimizados. Podemos identificar e prever as situações de risco para os objetos e desenvolver ações programadas e planejadas, com o objetivo de controlar ou abrandar os danos, que possam vir a provocar degradações nos bens culturais. 16 O principal objetivo da conservação é conhecer e controlar as causas de uma possível degradação a qual os objetos estão sujeitos. Portanto, a conservação se baseia em um trabalho preventivo, desenvolvendo e aplicando técnicas para que estes não sofram, ou pelo menos em menor escala, os processos de degradação natural. Por isso, devem-se estudar de maneira exaustiva a solução formal, o seu conteúdo temático e as condições históricas apoiando-se na investigação documental. “A finalidade de estudar um objeto consiste em aprender o que ele é, para que era usado, de que e como foi feito e como se relaciona com outros objetos similares” (BRADLEY, 2001, p.20). Em diversas ocasiões, juntando o conhecimento dos materiais a uma análise correta e contínua dos objetos, apoiando-se no bom senso e, sempre que for necessário, recorrendo-se ao apoio de profissionais graduados e competentes, podemos colaborar para uma correta manutenção desses objetos. Os fatores que mais contribuem para a degradação dos objetos são aqueles que estão relacionados com as condições do ambiente, (como a temperatura e umidade relativa imprópria), a luz, as infestações, os riscos provocados por incêndio e inundações, e o fator humano, através de atos de roubo, furto, vandalismo, negligência e manuseio inadequado. Para a realização destes estudos, utilizam-se exames técnico-científicos que possibilitam identificar o tipo de material que o compõe, suas características, técnica, estrutura e o grau de deterioração em que se encontra. Dentre os principais exames usa-se a observação visual (exame organoléptico) com luz normal e rasante1, observação com lentes de aumento, análises estratigráficas2, observação com luz ultravioleta, macrofotografias, radiografias, análises químicas em laboratório. O papel do conservador, em instituições de salvaguarda, deve ser compartilhado com os outros setores, pois a conservação é uma matéria multidisciplinar, que abrange desde o conhecimento das condições básicas de armazenagem e exposição até a segurança do acervo. Mas, deve-se ter em conta que os objetos devem ser vistos e devem ser manipulados por pessoal especializado, por isso existem métodos de conservação ativos e métodos passivos que podem ser uma alternativa para os conservadores. Os métodos ativos interferem diretamente no objeto, como tratamentos com produtos químicos. Já os passivos dizem respeito aos exames, recomendações para exposições, condições ambientais, etc (BRADLEY, 2001). 1 Situar um foco de luz de maneira que ilumine a obra desde um ângulo lateral quase em paralelo com a sua superfície. 2 Método de análise usado para observar as diversas camadas que compõem uma pintura e caracterizá-las quanto ao número e cor dos pigmentos misturados em cada uma. 17 Viñas (2010 p. 19) define de maneira clara e objetiva o conceito mais atual de conservação quando diz: “ La conservación es la atividad que consiste en evitar futuras alteraciones de un bien.” Em publicação no boletim eletrônico da ABRACOR3 de junho de 2010, encontrase a tradução de uma resolução adotada pelos membros do ICOM-CC4 onde uma nova terminologia, sobre a conservação do patrimônio cultural tangível, foi definida por este órgão durante a XV Conferência Trianual em Nova Delhi em setembro de 2008, ficando então deliberados os seguintes termos: conservação preventiva, conservação curativa e restauração. Termos estes distinguíveis entre si pelos objetivos das ações que abrangem. Conservação preventiva- tem como objetivo evitar ou minimizar futuras deteriorações ou perdas, realizadas no contexto ou área circundante ao bem, portanto, não modificam ou interferem diretamente no bem, são ações indiretas. Conservação curativa – ações aplicadas diretamente no bem com o objetivo de deter os processos danosos presentes ou reforçar sua estrutura. Geralmente modificam o aspecto dos bens. Restauração – ações aplicadas de maneira direta a um bem individual e estável, tendo como objetivo facilitar a sua apreciação, compreensão e uso, baseando-se no respeito pelo material original. 1.2 Breve histórico sobre a evolução do conceito de conservação Noções sobre a conservação de obras de arte começam a aparecer, isoladamente, a partir do Renascimento e se consolidam entre o século XV e XVIII. O início de uma maior preocupação com os bens culturais, no século XVIII, tem como consequência o aparecimento de uma consciência da necessidade de proteger o patrimônio cultural, de caráter material, que documenta o desenvolvimento do homem como ser produtor. Essa preocupação alcança uma notável importância no fim do século XIX e início do XX, com o aparecimento de teóricos, que desenvolveram esse pensamento sobre a preservação visando a conservação do patrimônio cultural, que testemunha o 3 Disponível em: http://www.abracor.com.br/novosite/boletim/062010/ArtigoICOM-CC.pdf Conselho Internacional de Museus para a conservação que visa promover a investigação, análise e conservação de obras culturais e historicamente significativos e para promover os objetivos da profissão de conservação. 4 18 passado histórico, representativo de uma época, em sua verdadeira dimensão e definindo a sua individualidade (MARTOS, 1975). Rápidas transformações advindas da Revolução Industrial e destruições causadas pela Revolução Francesa geraram debates acerca da matéria conservação e restauro. Dessa maneira, a preservação de monumentos históricos acaba por assumir significado essencialmente cultural, baseado nos valores formais, históricos, simbólicos e memoriais, em contrapartida às ações práticas. Esse processo evolutivo, combinado a formulações teóricas e às experiências metodológicas, de inventários e intervenções, se desenvolve no século XIX, repercutindo também na legislação de alguns países, o que acaba desenvolvendo então várias correntes, tais como: a que defende a unidade de estilo, a chamada restauração estilística, revival do estilo neogótico baseando-se na busca pelo original e a perfeição formal, deixando de lado a sua historicidade, representada pelo arquiteto Eugène E. Viollet-le-Duc; a que defendia total respeito pela matéria original, defendida por William Morris e John Ruskin. Ruskin defendia a ideia que não podemos mudar as formas de um determinado bem e sim de conservá-lo: [...] a nossa decisão de conservar ou não os edifícios das épocas passadas não é questão de oportunidade ou de sentimento. Nós não temos o direito de tocá-los. Não são nossos. Eles pertencem, em parte, àqueles que os construíram, e em parte a todas as gerações de homens que deverão vir depois de nós (RUSKIN, 1996, p.28). Além do ato de conservar, recomendava manutenções periódicas com o intuito de estender a vida do bem, e aceitando a possibilidade de perda de partes do bem. Ruskin, em meados do século XIX, foi um dos pioneiros ao enfatizar a relação entre natureza e patrimônio histórico, que são bens comuns, por não serem "apropriáveis" somente por um indivíduo, mesmo sendo privado, e que, desta maneira, podem trazer benefícios à sociedade. Existem diversos fatores comuns entre a conservação de bens culturais e a de áreas naturais, sendo de vital importância, tanto em uma como em outra, garantir a diversidade. Ao final do século XIX, Camillo Boito, reúne e sintetiza as várias vertentes que teorizam sobre os conceitos de conservação e restauro atuantes até o momento e aprimora esses princípios. Defende que as intervenções de restauro devem ser mínimas, exaltando a importância do respeito ao original, pelas marcas do tempo (pátina) e pelas diversas fases pelas quais a obra passou, além de introduzir o conceito da mínima intervenção e, no caso de acréscimos, a distinção do ato, para que isto não leve o 19 observador ao engano de considerá-la como antiga5. Mas, admitindo a colocação de materiais novos, quando for indispensável, respeitando a estética conforme relatado: No caso que os acréscimos ou renovações se tornem absolutamente indispensáveis por razões de estabilidade ou por outras razões imperiosas, e no caso em que refiram a partes que nunca tenham existido [....]devem ser executados com caráter diverso daquele do monumento, advertindo que, sempre que possível na aparência as novas formas não agridam o aspecto artístico do monumento (BOITO, 1996, p.19). Boito avalia a conservação como sendo um ato de extrema importância e que esta deve preceder às intervenções diretas sobre o bem. O destaque no valor histórico dos monumentos se consolida no século XX com Alois Riegl, um historiador de arte austríaco, que apresenta elementos que inovam tanto a teoria quanto os métodos práticos da preservação dos monumentos históricos, e define que esse valor será maior quanto menor forem as alterações sofridas, no seu estado original (GONZALES-VARAS, 1999). Riegl foi elemento basilar para que os conceitos sobre a preservação de bens culturais fossem consolidados, abrangendo aspectos normativos e desenvolvendo análises sobre a função dos monumentos históricos e suas maneiras de compreensão, por uma determinada sociedade. Sendo o responsável pela elaboração de teorias prospectivas, que continuam atuais. Segundo Gonzáles-Varas, as publicações de Riegl: [...] supone una profunda reflexión crítica sobre la noción de monumento histórico, tal como se había acuñado y formulado a lo largo del siglo XIX, y sobre los valores que la sociedad comtemporánea reconoce en los monumentos[...] (GONZALES-VARAS, 1999, p.38). Na segunda metade do século XX Cesare Brandi, a partir de suas experiências críticas sobre o assunto, publica o livro A Teoria da Restauração, buscando uma teorização geral quanto às ações aplicáveis em restauro e conservação de bens. Fundamenta sua teoria com o propósito de que o restauro seja um processo científico, baseado em estudos, excluindo o empirismo aplicado até então.6 Explica que deve ocorrer o reconhecimento da obra de arte como tal, desmistificando o conceito de restituição da funcionalidade em relação ao restauro, afirmando que este deve representar um aspecto secundário, nunca fundamental. “O 5 Disponível em: < http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpc/n1/a03n1.pdf> Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S151895542007000100013&script=sci_arttext> 6 20 momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro” (BRANDI 2004, p. 30). Desta maneira, condiciona o ato de restauro à concepção da obra de arte como tal, ou seja, a um juízo crítico de valor, conceito este já defendido por Riegl e que aparece também na Carta de Veneza, ressaltando que este processo deve ser estabelecido de maneira coletiva, não podendo depender do gosto de um único indivíduo. Considera que o processo criativo não deve ser de todo ausente nos trabalhos de restauro. Mantém o conceito de reversibilidade e distinguibilidade nos processos de restauro, já proposto por Boito. Com o aumento dos debates sobre o tema da preservação, após a II Guerra, passa a ser discutido o tema da distinção entre a necessidade de reconstrução e a de modernização das cidades danificadas. Nesse panorama se formula o "restauro crítico", teoria que surge apoiada por Cesare Brandi. A Carta de Veneza, formulada em 1964, foi o resultado desses debates A ênfase no valor documental das obras, respeitando suas várias estratificações ao longo dos séculos, sua configuração, e as próprias marcas da passagem do tempo são posturas que amadureceram na segunda metade do século XIX e início do século XX, portanto são assuntos que estão presentes na referida carta. Tal carta baseia-se principalmente em monumentos e sítios históricos, e abarca tipos cada vez mais variados de bens, relacionados a um passado cada vez mais próximo. Não houve nenhuma novidade em relação aos debates existentes anteriormente. Sobre a conservação, especificamente, formula, entre outros, os seguintes preceitos: Função útil à sociedade sem alterar a disposição nem organização dos monumentos; Exige, antes de tudo, manutenção permanente e o deslocamento do monumento não será tolerado, exceto para salvaguardá-lo e por interesse nacional ou internacional. Já neste século, o teórico que mais se destaca é Salvador Viñas, que critica as teorias clássicas e traduz o panorama mundial atual da restauração; aprofunda a reflexão teórica sobre os conceitos de conservação e restauro, introduzindo novos dados e ajudando a definir, com rigor, os conceitos abordados. Viñas destaca que se fala de “trabalhos de conservação” e de “trabalhos de restauro” como se esses processos fossem claramente discerníveis, mas revela que existe um critério que as distingue: a perceptibilidade da intervenção, explicando que: 21 [...] la palabra conservación es empleada para referirse a la parte del trabajo de Restauración que no aspira a introducir câmbios perceptibles en el objeto restaurado; por el contrario, se habla de restauración para referirse a la parte del trabajo de Restauración que tiene por objeto modificar los rasgos perceptibles del objeto (VIÑAS, 2010, p. 22). O autor estabelece esta distinção, pois frequentemente a preservação está subjacente tanto à conservação quanto ao restauro, e por isso considera o termo conservação preventiva uma redundância, pois ressalta que não há nenhuma conservação não preventiva. Para Viñas (2010 p.23): “[...] toda actividade de conservación intenta mantener el bien en su estado actual, evitando daños ulteriores. En realidad, lo que distingue a esta actividad del resto de la conservación no son sus fines, sino sus métodos de actuación.” 1.3 Conservação de pinturas em tela O que conhecemos de pintura sobre tela são as obras executadas a partir do final do século XV e início do século XVI, geralmente usando como suporte o tecido de linho ou o cânhamo, montadas sobre grade de madeira (chassi). Sobre o suporte, apresentam uma fina camada de uma base de preparação (imprimação), composta geralmente por cola e cargas como gesso ou carbonato de cálcio, cobrindo todo o tecido conseguindo com isso uma superfície apta para a pintura. As pinturas a óleo sobre tela caracterizam-se pelo seu suporte têxtil e pela técnica pictórica à base de um óleo secativo. Além do óleo, há outras técnicas pictóricas usadas nas pinturas de cavalete, como os diferentes tipos de têmperas, aquarela guache, pastel e tintas acrílicas. O que distingue estas técnicas é o aglutinante7 utilizado em cada uma delas. Nas pinturas a óleo, usam-se como aglutinantes os óleos secativos como o de linho ou de nozes. O emprego de óleos como aglutinante deve-se aos pintores flamengos, pois foram estes que, através de pesquisas de materiais e aprimoramento técnico introduziram esta técnica, além de iniciarem pesquisas sobre perspectiva linear, aérea e efeitos de cor, luz e brilho. A partir do século XVI, a pintura sobre tela fica estreitamente ligada ao desenvolvimento da pintura a óleo. Esta técnica permitia trabalhar com mais comodidade, pois secava lentamente possibilitando a correção ou alteração nos aspectos 7 Substância que permite que os pigmentos se mantenham coesos e aderidos ao suporte. 22 compositivos, permitindo também que os tons se fundissem melhor, recriando com mais facilidade o espaço e o ambiente nos quadros. Desde esse tempo até os dias atuais, esta vai ser uma das técnicas pictóricas mais utilizadas. Alguns artistas tentaram fazer experimentos com outros aglutinantes, que consistiam em uma mistura de óleos e resinas com restos de cor da paleta do pintor, mas estes provocavam quebra, pois secavam rapidamente, causando sérios problemas de conservação (CALVO, 2006). Para que a conservação de pinturas seja eficaz, do ponto de vista material, há duas alternativas: a prevenção da deterioração ou a reparação dos danos já existentes. A conservação curativa ou o restauro torna-se necessário quando as ações de prevenção não foram eficientes ou não ocorreram. Desta maneira, o melhor método, devido aos custos que pressupõe o restauro, é a conservação preventiva, que atua no meio em que a pintura está inserida, sem uma intervenção direta na obra. Portanto, para que a preservação possa acontecer é necessário o total conhecimento da obra, seus materiais constituintes assim como sua trajetória no tempo. A estabilidade de ambas as partes constituintes de uma pintura, tem significativa importância para a obra de arte, pois quaisquer alterações nas suas materialidades podem comprometer a pintura e/ou a proteção (PASCUAL, 2003). A degradação causada por fatores ambientais e por acondicionamento inadequado é fator comum em diversos museus. Sabe-se que uma das causas de degradação estrutural em telas é a má localização, pois muitas vezes são acondicionadas em ambientes impróprios ou expostas de maneira inadequada. A própria mobilidade deste tipo de obra já é um fator de risco e de deterioração, se as medidas adequadas para o transporte e embalagem não forem tomadas. Quando falamos em conservação de pinturas em tela, devemos ter em conta que este tipo de obra é composto por diversos tipos de materiais, o que torna os procedimentos mais complexos. Todos os elementos, que compõem uma pintura, devem ser objeto de conservação. Segundo Ana Calvo: As grades são um dos elementos fundamentais para a correcta conservação das pinturas sobre tela. Estas estruturas de madeira evoluíram ao longo dos séculos e, se inicialmente eram umas simples réguas de madeira coladas [...] desde o século XVIII apresentam uniões moveis que se abrem através de umas cunhas que esticam a tela (CALVO, 2006, p. 34). 23 Como podemos ver, todos os elementos são fundamentais para uma correta conservação, e o conhecimento desses elementos deve estar em primeiro plano, antes de qualquer tipo de intervenção. 1.3.1 Agentes de deterioração das pinturas Além dos efeitos de envelhecimento natural das pinturas, existem diversos outros fatores que provocam a sua degradação. Dentre eles podemos esclarecer brevemente alguns que contribuem para a deterioração de pinturas em tela, segundo Calvo (2006): Catástrofes naturais são mais difíceis de prevenir, mas podem ser implementados planos de prevenção de forma que seus efeitos possam ser minimizados. Desaparecimento ou roubo podem ser controlados com a correta catalogação das obras e um sistema de segurança. Umidade relativa do ar, quando muito elevada ou muito baixa, afeta todos os materiais orgânicos, que compõem a maior parte das pinturas. Sua oscilação provoca tensões e estiramento através de pequenos movimentos nos materiais higroscópios. Desta maneira, manter a umidade relativa em níveis constantes é um dos principais desafios da conservação. Os níveis mais adequados de umidade estão em torno dos 60%. Temperatura tem influência direta sobre a umidade. Subindo a temperatura, a umidade relativa baixa e baixando a temperatura, a umidade pode ligeiramente aumentar. A temperatura mais adequada é de aproximadamente 22° C. Radiações luminosas causam muitos problemas em pinturas. Para minimizar estes problemas temos de considerar três fatores: o tipo de luz, a intensidade desta e o tempo de exposição. A maior parte dos compostos orgânicos presentes nas pinturas são sensíveis às radiações ultravioletas e às visíveis próximas ao violeta, infravermelho e solar. Pinturas devem ser exibidas com a menor intensidade de luz possível, e menor tempo. Elementos biológicos como bactérias, fungos e insetos proliferam com a umidade e a temperatura elevada, provocando alterações físico-químicas nos materiais, além de manchas de diversas cores. Limpeza meticulosa ou até mesmo armadilhas são os métodos mais simples de prevenção. Uma correta conservação exige cuidados contínuos, dando prioridade aos trabalhos de manutenção das obras e uma intervenção mínima, sempre baseada em uma metodologia científica. 24 CAPÍTULO II - “ALEGORIA DO SENTIDO E ESPÍRITO DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA” A obra em questão, citada no início do trabalho, foi pintada em 1925, pelo pintor Hélios Aristides Seelinger, com a função de decorar as salas do Palácio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, o Palácio Piratini. A tela, com moldura, mede 3,70m X 5,80m. Por determinados motivos esta obra foi doada, em 1959, ao Museu Histórico Farroupilha, localizado no município de Piratini, sul do estado do Rio Grande do Sul. E, por diversos anos, esta obra permaneceu em local inadequado, devido às suas dimensões. Hoje, a tela encontra-se devidamente fixada na parede do saguão da Prefeitura Municipal de Piratini. Neste capítulo, abordam-se questões referentes à obra estudada, desenvolvendo a sua trajetória ao longo dos anos, juntamente com a biografia do autor e realiza-se uma leitura iconográfica e iconológica da pintura. 2.1 Histórico da obra A pintura “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha” antes intitulada “O Rio Grande do Sul para o Brasil” foi pintada no ano de 1925 pelo artista Hélios Seelinger. Consta em documentos pessoais 8 do artista que esta obra foi uma encomenda do então intendente no município de Alegrete, Oswaldo Aranha, com a finalidade de decorar as salas do Palácio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. De acordo com o relato de Fernando Corona em seu diário: Em principios de 1924, o famoso pintor simbolista e carioca dos quatro costados Hélios Seelinger se encontrava entre nós. Aquí ficou uma longa temporada esperando o contrato com o Govêrno para a execução de um quadro histórico (CORONA, 1924, fl.220). 8 Disponível em: .< http://www.defender.org.br/uploads/Telas.pdf > 25 O que de fato comprova a estada deste pintor em Porto Alegre, em data próxima à realização do quadro. E como o próprio artista relata em uma entrevista dada: “No Rio Grande do Sul, em duas viagens que fiz, realizei diversos trabalhos, inclusive os da ornamentação do palácio governamental” (COSTA, 1927, p.164). Em vista da necessidade de preservação do acervo histórico do estado em 1955, no governo de Ildo Meneguetti, forma-se uma comissão para discutir o destino das obras pictóricas que decoravam as salas do Palácio do Governo, ficando então decidido: Encostados às paredes, ao lado da escadaria central, já referida, existem ainda os seguintes quadros emoldurados: tela de Hélios Seelinger, figurando o povo em armas sob a inspiração dos feitos do passado; telas representando Anita Garibaldi, de Dakir Parreiras, e Bento Gonçalves, de autor não identificável; retrato à óleo do Presidente Getúlio Vargas, de Sàenz Cànovas [...] Aliás, as duas últimas, conforme sugestões já aprovadas pelo Senhor Governador, destinam-se ao Museu Piratini, devendo serem entregues à Divisão de Cultura. È aconselhável dar igual destino à tela referida de Hélios Seelinger (CORONA, 1973, p.17). Foi então definido que a referida tela de Hélios Seelinger seria doada ao Museu Histórico Farroupilha, fundado em 1953, na cidade de Piratini. Mas, somente em 1959 esta obra chega ao Museu Histórico Farroupilha já com o titulo “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha”. Em razão da sua dimensão (3,80m X 5,70m), a obra foi colocada apenas escorada na parede da sala frontal do piso inferior, do prédio que abriga o Museu (Fig. 1). A altura da obra com moldura é maior do que a altura da sala, por isso permaneceu nesta posição por diversos anos. Figura 1 - A obra na sala do Museu. Fonte: Arquivo do Museu Histórico Farroupilha. 26 Durante o tempo que permaneceu neste local, a sala só era aberta quando havia visitantes, ficando na maior parte do tempo fechada, sem luminosidade natural ou artificial. No ano de 1998, a obra passou por um diagnóstico realizado pela restauradora Naida Maria Vieira Correa, o qual se encontra em anexo e será comentado no próximo capítulo. Já no ano de 2005, a referida pintura foi levada até a cidade de Nova Petrópolis na serra gaúcha, para que fosse realizada uma higienização pela restauradora Leila Sudbrak. Maiores informações e relatório da intervenção realizada não foram encontrados no Museu Histórico Farroupilha. Não há informações de como foi realizado o transporte. Ao retornar para a cidade de Piratini, ficou deliberado que a pintura seria então colocada em um local mais adequado, em que a altura da parede fosse compatível com as dimensões da obra. Definiu-se então que o melhor espaço seria o saguão da Prefeitura Municipal de Piratini (Fig.2). Figura 2 - A obra onde se encontra hoje. Fonte: Arquivo pessoal. 27 Atualmente, a obra ainda encontra-se neste local, devidamente afixada na parede. 2.2 Biografia do pintor Hélios Seelinger Hélios Aristides Seelinger (1878 – 1965) é natural do Rio de Janeiro, descendente de alemães, pelo lado paterno, que se estabeleceram no Brasil por volta de 1860. Foi pintor, desenhista e caricaturista, e estudou na Escola Nacional de Belas Artes entre os anos de 1891 e 1896. Nesta instituição foi aluno dos irmãos Rodolfo e Henrique Bernardelli.9 Em 1896 fez uma viagem de estudos à Alemanha, por influência de Bernardelli, que reconheceu nos trabalhos de Hélios um fundo místico muito acentuado, além de perceber que a vida boêmia, que este vinha levando, estava consumindo seus dias. Desta maneira, Bernardelli aconselhou a tia de Hélios, que mantinha sua guarda após a morte de seus pais, que fizesse uma viagem de estudos em pintura. Em uma entrevista, Hélios declara: Bernardelli era eloqüente e tinha autoridade para aconselhar, de sorte que, ajustadas as coisas, em pouco ia eu buscar á Allemanha aquella “disciplina” que o mestre julgava indispensável á minha formação. Vi-me, assim, transportado a Munich, onde me fiz alumno de Franz Stuck, estudando com esse grande mestre, durante quatro annos (COSTA, 1927, p.160). Hélios frequentou a academia Azbe e a Academia de Munique, onde foi aluno do pintor Franz Stuck, cujos trabalhos possuíam intensa semelhança com as ditas tendências advindas do Simbolismo, muito em evidência na Europa de então. A influência de Stuck sobre Seelinger foi enorme. Em razão disso e da sua visão da arte alemã de então, o pintor declarou a Angyone Costa: De Stuck recebi a influencia pantheista que é fácil descobrir nos meus trabalhos. O mysticismo, revelado nos meus estudos de “atelier”, desenvolveu-se fortemente ao influxo do idealismo allemão. [...] A arte allemã obriga á reflexão, á pesquisa, não philosophica, mas poetica, na procura do lado ideal das coisas. Esta maneira “empresta” á arte germanica o caracter um tanto nebuloso e confuso, de que a minha pintura tem sido accusada (COSTA, 1927, p.160). 9 Disponível em: < http://www.dezenovevinte.net/artistas/artistas_hs.htm> 28 Fica claro na maioria das suas obras, a influência germânica, inclusive nas vestimentas das figuras representadas. Hélios incorpora aspectos da estética de Stuck a sua própria e, com isso seus trabalhos passam a apresentar elementos de cunho alegórico. E, se no princípio da sua carreira suas obras eram repletas de figuras do folclore alemão e da mitologia, após retornar dessa viagem passaram a figurar em seus trabalhos, toda uma iconografia brasileira, lendas indígenas, carnaval, macumba entre outros. Após retornar ao Brasil, Hélios participou em 1902, da Exposição Geral de Belas Artes expondo seis trabalhos e, com isso obteve uma Menção Honrosa. Ainda em 1902 realizou uma exposição individual na sede da revista O Malho, com algumas obras de sua produção realizada em Munique. No ano seguinte, participou novamente da Exposição Geral com dois trabalhos: “Remorso” e “Boêmia” com a qual ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior, indo desta vez a Paris, novamente por sugestão de Bernardelli: “Bernardelli dissera-me, naquelle momento, que, para o Brasil, a arte allemã era de difficil comprehensão e, por isso, julgava mais útil que eu me transportasse a Paris” (COSTA, 1927, p.161). Essa nova etapa na vida artística de Seelinger trouxe a ele uma maneira diversa de pintar na qual se percebe a distinção entre as duas estéticas nacionais com as quais teve contato. A arte alemã, mais livre, mais intuitiva e a arte francesa, mais calculada e mais perfeccionista. Em 1907, passa a trabalhar como assistente do pintor Eliseu Visconti em Paris. 10 Em entrevista, o pintor brasileiro esclarece a maneira como percebia as mudanças que se deram em sua pintura após a viagem e elucida a sua ideia da arte francesa: Perdi muito da minha maneira, apprendendo a fazer o bem acabado, o perfeito, que é tudo quanto em arte está produzindo o gênio francez. Os artistas francezes atingiram a um afinamento tão grande que, hoje, o único esforço realizado por elles visa, exclusivamente, obter o máximo de correcção. Já não cream, melhoram, apenas, o que já crearam (COSTA, 1927, p.161). Essas diferenças, na maneira de pintar, nas técnicas, nos temas e em outros aspectos da pintura provavelmente tenham sido a motivação pela qual Bernardelli tenha 10 Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biogra fia&cd_verbete=2026&cd_idioma=28555> 29 aconselhado Hélios a fazer esta segunda viagem a um país diferente, para que este pudesse ter contato com diferentes mestres da pintura absorvendo conhecimentos distintos e ampliando significativamente suas experiências no campo artístico. E, a partir de suas viagens frequentes ao exterior e de suas experiências com pintores consagrados, Hélios adquire um estilo próprio para a sua arte. Técnicas e estilos de pintura que combinam a maneira formal e acadêmica dos franceses com a maneira mais livre dos alemães. Traço este que pode ser verificado na obra estudada. Outro ponto que deve ser ressaltado é quanto ao material de pintura usado por ele, como por exemplo, as tintas, que provavelmente devido a essas constantes viagens, eram importadas, ou seja, quando vinha ao Brasil trazia seu material, pois a qualidade do material de pintura nacional era inferior aos estrangeiros e a importação destes produtos ainda não era liberada (SIQUEIRA, 2009). Tendo em vista o que disse um grande pintor brasileiro, Iberê Camargo, quase 50 anos depois, deduz-se que, quem possuía condições financeiras para tal e oportunidades de viagens internacionais podia perfeitamente aproveitar-se deste beneficio para dar maior qualidade aos seus trabalhos. De acordo com Siqueira: “O pintor (Iberê Camargo) chama os materiais artísticos nacionais de “falsos”, dado que são incapazes de garantir a própria existência física dos trabalhos, o que gera, em seu limite, a impossibilidade de formar uma tradição” (SIQUEIRA, 2009, p. 65). Ao se fixar definitivamente no Brasil, por volta de 1910, continuou expondo seus trabalhos no Salão Nacional de Belas Artes onde, em 1951, recebe medalha de honra. Fazia frequentes viagens a São Paulo e Porto Alegre para participar de exposições e mostras das suas pinturas. Hélios, assim como a maioria dos grandes pintores, teve diversas fases de temáticas nas suas pinturas. Em determinado momento pintou temas ligados ao mar, com caravelas, barcos etc. Outra fase foi marcada por paisagens, natureza, ciprestes e lagos. E, em outro momento de sua trajetória artística, retratou diversas alegorias, lendas mitos e, a tela em questão neste trabalho faz parte desta fase, estilo este visível herança de sua experiência com artistas alemães. Mais tarde, no Brasil, comecei a pintar caravellas. Coalhei os mares com esses velhos barcos portuguezes. Os meus estaleiros não paravam. Não houve sala, de portuguez, intelligente e patriota, que não tivesse ao menos um desses navios, pendurado na parede. Cansei de fazer caravellas e passei a pintar o lago, a lua e o cypreste. Estes tres factores deram-me um motivo que explorei largamente, seguindo as variações de sentimento, da nossa indole romantica. Enquanto foi possivel despertar corações, pintei o cypreste (COSTA, 1927, p.163). 30 Hélios fazia grande investimento nas exposições individuais para, desta maneira, se manter inserido no meio artístico. Outra maneira de se projetar profissionalmente, usada por ele, foi a participação na criação de diversas associações artísticas independentes, que ampliavam o campo de atuação dos artistas nacionais, descentralizando os meios de ação atuantes. Exemplo disso foi a participação no grupo gaúcho chamado “Os treze”: Certa noite estávamos reunidos naquele Bar de costume quando o Helios sugeriu a fundação de uma sociedade inspiradora das artes, quem sabe lá até a organização de um Salão que fôsse amplo, sem seleção de valores, com o intuito de saber quantos somos. Resolvemos criar o grupo denominado “Os treze”, simplesmente porque eramos 13 os amigos mais chegado e mais dispostos a trabalhar no assunto (CORONA, 1924, fl.222). Esse grupo era composto por nomes em evidência na pintura, nas letras e no jornalismo local da época. E, em maio de 1925, aconteceu em Porto Alegre o Salão de Outono, organizado por Hélios Seelinger e seus companheiros do grupo Os Treze. A mostra coletiva de artes plásticas reuniu velhos e jovens artistas da Capital. O evento teve lugar nos salões da Prefeitura Municipal sendo expostas 305 obras de 62 artistas, visando uma exposição do que estava sendo produzido no Estado em matéria de artes plásticas. O Salão de Outono teve o mérito de por em evidência talentos desconhecidos e marcou, sem dúvida, a primeira iniciativa do gênero. Hélios continuou participando de salões de arte e recebendo premiações e, a partir da década de 30 e até o fim da vida, Hélios trabalhou no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. Faleceu em 1965, deixando como legado um estilo único retratado em diversas obras, tanto pinturas como desenhos. 2.3 Leitura iconográfica e iconológica Da mesma maneira que as histórias, as imagens também nos transmitem informações. Capturamos imagens através da visão e com a ajuda dos outros sentidos podemos realçar seu significado. Significado este que se transforma invariavelmente, resultando em uma linguagem de imagens traduzidas em palavras, e de palavras reveladas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender significados intrínsecos existentes. As imagens que formam nosso universo pictórico traduzem-se em símbolos, sinais, mensagens e alegorias (MANGUEL, 2001). 31 Se pudermos ler imagens, assim como lemos histórias, então ao ler uma imagem devemos converter essas imagens em palavras. Neste caso, especificamente, a obra estudada insere-se no campo da alegoria. Mas o que caracteriza uma alegoria? Ainda que evidencie um caráter narrativo não se pode deixar de admitir o conteúdo, também descritivo, das representações alegóricas. Para Panofsky (2011, p. 51): “...alegorias, em oposição a estórias, podem ser definidas como combinações de personificações e/ou símbolos”. Seguindo os métodos de leitura de obras proposto por Panofsky (2011, p.47) devemos dividir esta tarefa em três níveis: Descrição pré-iconográfica, que compreende a identificação das formas, linhas e cores, seres humanos, plantas, animais, etc. baseando-se em nossa experiência prática. Análise iconográfica, realizada através da ligação entre os motivos artísticos e as combinações das composições com assuntos e conceitos. Uma classificação das imagens, que depende da familiaridade com temas ou conceitos específicos. Interpretação iconológica, que possui um significado intrínseco e se baseia na interpretação das características da composição e de valores simbólicos. 2.3.1 Descrição pré-iconográfica A obra estudada retrata homens, mulheres e crianças, de diferentes faixas etárias e até mesmo etnias, caminhando em marcha, de mãos dadas. Os olhares se apresentam em diversas direções (Fig.3). Figura 3 - Parte inferior do quadro. Fonte: Arquivo pessoal. 32 Um homem, bem à frente encontra-se de costas e carregando uma arma de fogo no ombro, com a camisa na mão e um lenço branco na cabeça. Outro homem mais atrás, segura um mastro com uma bandeira e, na ponta do mastro um ramo de flores rosa. Uma mulher, ao lado do homem com a bandeira, com vestido branco carrega uma coroa de flores (várias espécies e cores). Ao lado desta mulher, encontra-se, quase imperceptível uma criança negra (Fig.4). Figura 4 - Mulher com vestido branco e criança negra. Fonte: Arquivo pessoal. A grande maioria dos homens representados segura arma com ou sem acessório na ponta e usam chapéus ou lenços brancos amarrados na cabeça com resquícios de sangue. Meninos seguram espadas de madeira ou tambor de brinquedo. Mais ao fundo um homem a cavalo empunha uma espada. As mulheres usam vestidos esvoaçantes, roupas estampadas, colares e pulseiras. Sobre o grupo de pessoas pairam homens montados em cavalos carregando lanças e uma bandeira. Apresentam roupas rasgadas, botas e esporas (Fig.5). Figura 5 - Grupo de cavalarianos que paira no ar. Fonte: Arquivo pessoal. 33 As cores que predominam na pintura são basicamente vermelho, verde, azul, branco. A pincelada do artista é bem marcada, e na parte superior a pintura é realizada em traços. Além disso, o artista se valeu de outro recurso ao representar o grupo de pessoas, na parte superior do quadro. O recurso constitui-se de uma técnica de pintura que, usando cores claras e branco acinzentado proporciona um efeito de transparência. 2.3.2 Análise iconográfica As pessoas representadas possuem características físicas de origem germânicas e com vestes próprias da década de 20. O fato de o autor representar figuras com traços germânicos, mesmo no Brasil, está diretamente ligado a sua forte influência artística, de origem alemã. Bem à frente da composição, um homem carrega um fuzil e usa roupas do tipo militar, contrastando com o que vem logo atrás segurando uma bandeira. Mais atrás, outro homem ergue uma bandeira do Brasil, representando ser o líder enquanto condutor e disseminador das idéias, de acordo com a sua caracterização. Assim como líder de família, uma vez que aparece acompanhado de uma mulher e crianças. (Fig. 6). Figura 6 - Homem carrega a bandeira do Brasil. Fonte: Arquivo pessoal. 34 Logo atrás do homem que carrega a bandeira, um tipo mais rústico, próprio do homem que vai ao campo de batalha. A maior parte dos homens carrega fuzis, alguns com baionetas na ponta. O grupo de cavalarianos que se encontra na parte superior carrega uma bandeira do Rio Grande do Sul. A pintura, provavelmente, representa a Revolução Federalista de 1923, a qual teve cunho nacionalista e que possibilitou uma frente política única: os dois principais partidos existentes (partidários de Borges de Medeiros – borgistas ou chimangos - e aliados de Joaquim Francisco de Assis Brasil – assisistas ou maragatos), lutando juntos por direitos políticos. E, pela data da pintura, era o que estava acontecendo no momento, ou seja, a realidade vivida pelo próprio autor. Até o ano de 1923, os gaúchos não interferiam na política, somente após a unificação entre maragatos e chimangos surge essa possibilidade (acabando com a política café com leite – São Paulo e Minas Gerais)11. O quadro do Seelinger, mesmo referindo-se a um fato bem posterior à Revolução Farroupilha, a Revolução Federalista de 1923, traz no título uma referência ao passado, a partir do momento que fala sobre do espírito farroupilha. Mais especificamente representa a chamada Coluna Prestes, que foi um movimento políticomilitar, que nasceu no Rio Grande do Sul a partir dos conflitos da Revolução de 1923 e foi comandada por Luis Carlos Prestes. O quadro faz menção aos personagens que formaram a Coluna Prestes, que eram liderados por tenentes revoltosos que saíram de confrontos ocorridos no sudeste do país e do Rio Grande do Sul, como Mario Maestri destaca: [...] Até o fim dos combates, o núcleo central da futura Coluna Prestes foi formado por agricultores, caboclos, ervateiros, peões e pobres da região, os tradicionais “pelos-duros” das regiões do Planalto Médio e das Missões. [...] duas ou mais dezenas de mulheres incorporaram-se às tropas rebeldes, lavando, cozinhando e, não raro, lutando ao lado dos maridos e companheiros, algumas delas até os últimos momentos da Coluna (MAESTRI, 2005, p. 121). O que explica a representação de mulheres e crianças na pintura, junto aos combatentes, pois de fato estas tiveram participação ativa nas atividades revolucionárias. 11 A chamada política café-com-leite se configurou em um revezamento do poder nacional que aconteceu durante o período da República Velha (1898-1930) no qual os presidentes civis eram fortemente influenciados pelos estados de São Paulo – mais poderoso economicamente devido ao domínio da produção de café do país- e Minas Gerais – maior pólo eleitoral do período e produtor de leite. 35 2.3.3 Interpretação iconológica A pintura representa a união entre os estados do sul e nordeste do Brasil lutando em conjunto sob uma herança gaúcha. Representa uma unidade, a partir do momento que coloca homens, mulheres e crianças de diversas idades e classes sociais como representantes de uma revolução, pois a Revolução de 1923 foi de certa forma, pacífica e mobilizou toda a população para que todos pudessem ter uma participação mais ativa nas decisões políticas do país. Trata-se de uma interpretação do pintor, realizada em um contexto específico, sobre o espírito que teria sido movido pelos farrapos. É uma grande idealização, não há dúvidas, e pode compreender equívocos, do ponto de vista histórico. O fato de haver entes representando estar fora do plano físico, foi proposital pelo artista, fazendo ver aos espectadores que o ideário dos rebeldes de então transpôs os tempos, visto que o próprio nome da obra “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha” remonta à dita epopéia numa tentativa de, embora em uma atualidade distante cronologicamente do fato, retornar a esse passado, pois acima das personagens que erguem bandeiras e caminham de mãos dadas pairam entes inspiradores da suposta ação revolucionária. Segundo Panofsky (2011) o fato de pessoas ou objetos não apresentarem apoio em uma pintura, não revelam, por si só, que configure uma aparição. É preciso distinguir o tipo de pintura que está sendo analisada, se é uma pintura que possui qualidades “realísticas” ou “irrealísticas”. Neste caso, especificamente, além de se configurar uma pintura realista as figuras do plano superior, que aparecem na pintura, não apresentam qualquer tipo de apoio e apresentam um efeito de transparência. Os farroupilhas, representados no plano superior, são como uma idealização da força e da luta dos farrapos, que deveriam estar conduzindo o povo. A figura de uma criança negra, que pouco se vê na pintura, é um enigma visto que é difícil entender seu significado. Supõe-se que ele quis representar que o negro, mesmo estando diretamente ligado aos conflitos como combatente, nunca teve o reconhecimento do seu valor, ficando sempre relegado à “pequenas aparições”. 36 As flores representadas nas mãos de uma moça simbolizam a coroação dos vencedores (Fig.7). Tal personagem poderia representar uma alegoria da vitória. Figura 7 - Mulher carregando flores. Fonte: Arquivo pessoal As flores no mastro da bandeira aparecem como um sinal de enaltecimento (Fig.8). Figura 8 - Flores no mastro da bandeira. Fonte: Arquivo pessoal. A composição em triângulo invertido representa as três idades do homem: no presente, o jovem bem sucedido; no passado o velho colonizador com aparência 37 cansada da luta e a criança, carregando uma espada de brinquedo, que no futuro será também um lutador (Fig. 9). Figura 9 - Composição mostrando as três idades do homem. Fonte: Arquivo pessoal. A iconografia pode auxiliar no estabelecimento de datas, origens e muitas vezes até autenticidade das obras. A leitura iconológica se baseia em um método de interpretação das formas, cores e linhas, provenientes da síntese da obra como um todo. Tal interpretação, assim como a iconografia se torna significante, pois através dessa análise e interpretação conseguimos atribuir um juízo crítico de valor aos objetos. Valor este que pode ser cultural, histórico e/ou econômico e, a partir disso surge a motivação para a conservação destas obras. Diante disso, uma leitura bem desenvolvida da obra em estudo deve ser realizada e assim contribuir para as ações de conservação. 38 CAPÍTULO III - ASPECTOS TÉCNICOS DA OBRA Exames e diagnósticos técnicos, referentes à obra que se deseja estudar, são imprescindíveis para um correto conhecimento de todos os elementos que a compõem. Neste caso, especificamente, a obra não se encontra no local de origem, por isso recorreu-se a análise de diagnósticos já realizados anteriormente à higienização e à mudança da mesma para outro local. A cada subcapítulo realiza-se uma avaliação sobre os resultados apresentados. Além disso, foram realizadas medições de luminosidade, pela autora da pesquisa, na sala onde a obra esteve exposta, e no local onde se encontra no momento. Da mesma maneira, mediu-se também a temperatura e umidade relativa. Os diagnósticos são apresentados em ordem cronológica. Também se expõe, neste capitulo, entrevista realizada com profissional que teve contato com a obra no período que compreende o referido estudo. 3.1 Diagnóstico ambiental do prédio do Museu Histórico Farroupilha No ano de 2002, um grupo de alunos do curso de Pós-graduação em Artes, Especialização em Patrimônio Cultural: Conservação de Artefatos da UFPel, coordenados pela Prof. Teresa Cristina Toledo de Paula, realizou um Diagnóstico e Proposta de Intervenção no Museu Histórico Farroupilha de Piratini. O processo foi realizado no período compreendido entre junho a dezembro de 2002. Este diagnóstico faz parte de um projeto de revitalização do Museu Histórico Farroupilha, realizado em 2002, abrangendo um histórico do município de Piratini, assim como do próprio Museu, um levantamento físico e diagnóstico ambiental do prédio, um laudo técnico de conservação do acervo, um projeto de comunicação e de educação patrimonial. O projeto de revitalização do Museu Histórico Farroupilha encontra-se nos arquivos do próprio Museu. 39 Para esta pesquisa somente foi utilizado um subcapítulo do capítulo que trata do diagnóstico ambiental do prédio, pois este é o assunto que tem relevância para o trabalho. Dentro deste diagnóstico, foi realizado um estudo que trata da análise das condições físicas e ambientais da edificação levando-se em conta parâmetros legais, sem interferir na leitura arquitetônica da edificação. Foi feito um levantamento dos dados ambientais internos e externos com o objetivo de coletar informações sobre a variabilidade da umidade relativa do ar, da temperatura e da velocidade dos ventos. As medições foram realizadas em momentos que se supôs serem de picos e depressões, nas primeiras horas da manhã, ao meio-dia, e no fim da tarde, durante o período de estudo. Os instrumentos utilizados para a medição de temperatura e umidade foram termômetro, higrômetro, anemômetro e termômetro tríplice de globo digital. A obra em questão encontrava-se no piso térreo (frontaria leste) na primeira sala, a qual contém três portas formadas por duas folhas, com marcos em madeira. De acordo com o diagnóstico realizado, os parâmetros de umidade e temperatura verificados no lado externo do prédio, especificamente na sala onde se encontrava a obra, foram 55,5% UR e 22,10° C e, para o lado interno 57,4% UR e 22,30° C. Para o prédio em geral os valores apresentados ficaram entre 50% e 55% de UR e temperatura em torno dos 20° C. O diagnóstico em questão indica, sem maiores informações, que a espessura das paredes minimiza a capacidade de absorver as variações climáticas externas. 3.1.1 Avaliação dos resultados apresentados no diagnóstico. Os resultados apresentados pelos alunos, considerando a totalidade da estrutura predial, ficam entre 50% e 55% de UR e ± 20°C de temperatura. Tais resultados foram considerados excessivamente baixos pelos alunos, mas na bibliografia estudada não é o que se verifica. De acordo com Craddock (2001, p.68): “O clima ideal para a maioria dos materiais tem sido descrito como uma temperatura de 68°± 2°F (20° ± 1°C) e uma umidade relativa de 50% ± 5%.” O que revela que, tanto a umidade encontrada como a temperatura medida, está em conformidade com os padrões mais indicados de controle climático. E, além disso, deve-se levar em consideração o período em que foram coletados os dados, entre julho e 40 dezembro, período este que compreende a estação do inverno e primavera, sendo o inverno a estação que apresenta umidade maior que as outras estações do ano. Para a conservação de pinturas, Calvo (2006, p. 71) recomenda: “...as condições de umidade relativa entre os 40 e os 60%, ou em redor dos 50% são as mais favoráveis à conservação das pinturas...” No caso especifico da sala onde se encontrava a obra em estudo, os resultados apresentados, para a parte interna, foram de 57,4% de UR e 22,30°C de temperatura. Resultados estes considerados ideais para esta tipologia, segundo Calvo: [...] as obras sobre tela e sobre madeira portam-se melhor com uma umidade relativa próxima dos 60% já que as suas camadas permanecem mais flexíveis. [...] recomendam-se temperaturas determinadas em função da habitabilidade e do conforto humano em redor dos 22°C (CALVO, 2006 p. 72). Como foi dito no diagnóstico, o prédio possui paredes grossas, de pedra, minimizando as oscilações de temperatura e umidade que ocorrem no exterior (Fig. 10). Figura 10 - Paredes em pedra. Fonte: Arquivo pessoal. E, de acordo com Calvo (2006, p. 73), esta condição é bastante favorável para abrigar coleções de pintura: As pinturas antigas que melhor se conservaram são aquelas que se mantiveram em condições ambientais muito estáveis, em caves fechadas e em catedrais com paredes grossas sem aquecimento nem ar condicionado ocasionais (CALVO, 2006 p. 73). 41 O prédio não possui refrigeração artificial, o que também é um forte indício de que este prédio é perfeitamente adequado, em termos ambientais, para abrigar obras pictóricas. 3.2 Diagnóstico de patologias referente à obra No ano de 1998, foi realizado um diagnóstico de patologias referente à obra. Esse diagnóstico foi feito pela conservadora e restauradora do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), Naida Maria Vieira Correa. O referido diagnóstico fez parte de um relatório de visita, feito pela conservadora à cidade de Piratini, no qual relata a análise realizada sobre a obra. A análise constatou as seguintes patologias na obra: dois furos próximos à base e um rasgo central na altura dos olhos. Revela a inclinação da obra em relação ao chão, a qual formava um ângulo de 77°, o que forçaria a tela a depositar parte de seu peso nas travas de sustentação do suporte. Outra questão relatada pela conservadora é sobre a pouca iluminação do local onde a obra encontrava-se exposta. A conservadora Naida supôs que a obra foi estirada no local, após ser desmontada para o transporte de Porto Alegre para Piratini no momento da doação e que esta não foi estirada de maneira correta, pois a obra apresentava ondulações na base. Ao final do relatório, afirma que a obra não está muito danificada e que vem se mantendo conservada. Indica que a obra não pode permanecer na posição encontrada, pois o peso poderá romper as fibras do tecido que compõe a tela. Ressalta a importância de uma segurança maior na instituição, pois o local onde se encontra a obra tem acesso direto para a rua e nenhum tipo de segurança. Revela ainda que o restauro da obra não poderá ser feito no lugar onde se encontra. A cópia do relatório original encontra-se em anexo. 3.2.1 Avaliação do diagnóstico O diagnóstico apresenta que a posição em que obra se encontrava, na época da avaliação, se configurava como um perigo a sua estrutura, pois este fator poderia ter causado diversas patologias na obra. A posição em que a tela se manteve por anos justificaria, entre outras patologias, estiramento irregular do tecido causado por forças de tensão em partes 42 localizadas e, a partir disso, poderia atingir as camadas de pintura causando craquelês e deslocamento da camada pictórica (PASCUAL, 2003). Mas, como se pôde perceber no decorrer do diagnóstico, estas alterações não foram verificadas. A pouca iluminação da sala, onde a obra se encontrava, foi relatada pela restauradora, mas talvez este fator tenha sido favorável a sua conservação, visto que a luz, tanto natural como artificial, é um dos fatores que mais prejudica obras pictóricas. A luz, tanto a visível quanto a invisível, é prejudicial à maioria dos objetos [...] A radiação ultravioleta é extremamente nociva a muitos materiais; [...] A luz solar natural deve ser eliminada das áreas de armazenamento, fechando-se todas as janelas que houver no recinto ou cobrindo-as com cortinas ou persianas pretas pesadas. [...] as lâmpadas de tungstênio/halogênio [...] devem ser cobertos por filtros que absorvam o componente ultravioleta de sua luz [...] (BACHMANN; RUSHFIELD, 2001, p.87). Nota-se, portanto, que a luz tanto a natural como a artificial, é prejudicial para as obras compostas por materiais orgânicos, como os materiais que compõe uma pintura em tela. As radiações ultravioletas e as visíveis próximas ao violeta provocam alterações fotoquímicas nas pinturas (CALVO, 2006). Outro fator que devemos considerar, é que os efeitos nocivos causados pela luz são cumulativos, por isso, quanto menor o tempo de exposição à luz, menor serão seus efeitos. 3.3 Entrevista com a conservadora e restauradora Naida Vieira Correa Realizou-se uma entrevista, por e-mail, com 3 perguntas para a conservadora e restauradora do Museu de Artes do Rio Grande do Sul Ado Malagoli que, em 1998, teve contato com a obra, realizando um diagnóstico sobre as patologias encontradas na pintura. As perguntas, juntamente com as respostas, estão transcritas abaixo: 1. A Srª manteve contato com a obra “Alegoria do Sentido e Espírito da Revolução Farroupilha” no ano de 1998 realizando um diagnóstico de patologias e nele consta que a obra permaneceu, por anos, escorada na parede, num ângulo de aproximadamente 77°. De acordo com sua experiência como conservadora e restauradora, que patologias esta posição poderia ter causado na obra? 43 Resposta: Esta obra me surpreendeu. A posição inclinada que permaneceu por diversos anos, não causou nenhum tipo de dano à obra, também o fato do espaço ser pouco visitado evitou assim os deslocamentos de ar no ambiente. Creio que esta inclinação era perfeita pra conservação, pelo que foi observado, não houve marcas do bastidor e este não empenou com o peso da tela, assim como não houve rompimento das fibras pela gravidade do peso da tela. Por isso, a conclusão de que a inclinação foi ideal. Existe uma inclinação tolerável para exposição de tapeçarias de grandes dimensões, creio que o quadro estava em inclinação semelhante. 2. O fato de esta pintura permanecer em local com pouca luminosidade poderia ter favorecido a sua conservação? Resposta: Sem dúvida nenhuma que o fato da obra permanecer em um ambiente fechado, sem iluminação direta, contribuiu para a sua boa conservação. Na verdade funcionou como uma RT (reserva técnica), onde o escuro e a permanência da estabilidade de umidade e temperatura combinados com pouca visitação do local, foi ideal a sua conservação. 3. Levando em consideração seus conhecimentos, em relação aos pintores brasileiros, a Srª acredita que este pintor, Hélios Seelinger, por ter ido frequentemente ao exterior, usava materiais de pintura importados? Resposta: Creio que este artista foi bastante consciente da qualidade das suas obras. Acho que todas as suas pinturas foram feitas com muito cuidado inclusive com a escolha dos materiais empregados. Tendo a sua formação no exterior, ajudou no contato com os materiais de qualidade existentes na época. Em particular desta obra sem dúvida nenhuma foi realizada com bons produtos, caso contrário não teria resistido ao tempo. A conservadora confirma que a falta de iluminação contribuiu, sem dúvida, para a conservação adequada da obra. Afirma que há uma inclinação tolerável para grandes obras e que o fato desta pintura ter permanecido por um longo período inclinada, pode não ter causado danos de maior importância. Concorda que os materiais usados pelo pintor provavelmente sejam de ótima qualidade, fator este que também tem importância no processo de conservação. 44 3.4 Procedimento de higienização sofrido pela obra No ano de 2005, a obra passou por um processo de limpeza e higienização realizado pela restauradora Leila Sudbrack. Na página de internet, mantida pela restauradora em questão, consta que a obra foi desmontada e transportada até o atelier de restauro da referida restauradora, em Nova Petrópolis, na serra gaúcha. Nos arquivos do museu foi encontrado um termo de empréstimo da obra com o objetivo de higienização para a restauradora Leila Sudbrack. O termo de empréstimo da obra para a restauradora e a visualização da página de internet encontra-se em anexo. Em um primeiro contato, por e-mail, com a restauradora, esta afirmou ter mandado um relatório com todos os procedimentos realizados na obra para o Museu Histórico Farroupilha, inclusive com fotos mostrando o andamento dos trabalhos. Mas, nenhuma documentação a respeito do processo de restauro da obra foi encontrada no arquivo do Museu Histórico Farroupilha. 3.5 Medições de umidade relativa, temperatura e índices de luz atuais Foram realizadas, pela autora da pesquisa, medições atuais de temperatura, umidade relativa do ar e luminosidade no local onde a obra se encontra atualmente e na sala do Museu Histórico Farroupilha onde a obra esteve até o ano de 2005. 3.5.1 Medições na Prefeitura Municipal, onde a obra encontra-se atualmente As medições foram realizadas durante o período de uma semana e, no final, fezse uma média dos valores encontrados. De acordo com Cassar (2001, p.314): “[...] o levantamento ambiental deve incluir pelo menos um ano inteiro de monitoramento abrangente da UR, da temperatura e da luz”. O ideal seria realizar medições por um período de no mínimo doze meses para abarcar todas as estações do ano, mas como não havia tempo hábil para tal procedimento optou-se por fazer apenas uma verificação das condições ambientais, de acordo com as possibilidades (tab.1 a 6). Fica a necessidade de novas pesquisas e de um monitoramento ambiental adequado, de acordo com os métodos mais indicados. Foram coletadas medidas de temperatura e umidade relativa com um termohigrômetro da marca Minipa e medidas de luminosidade com um luxímetro. 45 As medidas de luminosidade foram feitas em três pontos da obra: na parte esquerda, no meio e na parte direita, para poder contemplar todas as partes da pintura, visto que a obra apresenta grandes dimensões (Fig.11). Figura 11 - Medições de luz. Fonte: Arquivo pessoal. Foram realizadas medições no turno da manhã e da tarde, pois sabe-se que as mudanças de temperatura e umidade variam conforme as horas do dia. Os valores apresentados foram somados e divididos por três, obtendo com isso uma média diária dos valores de lux12. A temperatura e a umidade relativa do ar foram medidas nos turnos da manhã e da tarde, colocando-se o termohigrômetro no chão, ao centro da obra (Fig. 12). Figura 12 - Medições de temperatura e UR. Fonte: Arquivo pessoal. 12 Os níveis de luz são medidos em lux ( lumens por metro quadrado) com um aparelho chamado luxímetro. 46 As tabelas com as medidas encontram-se a seguir: MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA - DIA: 13 de outubro – com chuva, céu encoberto MANHÃ Temp: 19,6°C UR%: 85% Lux: 210 TARDE Temp: 20,4°C UR%: 83% Lux: 183 Tabela 1: Medições dia 13 de outubro. MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA - DIA: 14 de outubro – nublado, com pouco sol, sem chuva MANHÃ Temp: 18,9°C UR%: 77% Lux: 273 TARDE Temp: 20,4°C UR%: 68% Lux: 250 Tabela 2: Medições dia 14 de outubro. MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA - DIA: 17 de outubro – pouco sol, com nuvens MANHÃ Temp: 20,6°C UR%: 56% Lux: 297 TARDE Temp: 20,2°C UR%: 58% Lux: 321 Tabela 3: Medições dia 17 de outubro. MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA - DIA: 18 de outubro – sol com poucas nuvens MANHÃ Temp: 21,9°C UR%: 51% Lux: 367 TARDE Temp: 21,5°C UR%: 52% Lux: 385 Tabela 4: Medições dia 18 de outubro. 47 MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA DIA: 19 de outubro – sol, com bastante nuvens MANHÃ Temp: 19,8°C UR%: 53% Lux: 365 TARDE Temp: 20,9°C UR%: 51% Lux: 374 Tabela 5: Medições dia 19 de outubro. MEDIÇÕES DO SAGUÃO DA PREFEITURA DIA: 20 de outubro – nublado, com pouco sol MANHÃ Temp: 18,6°C UR%: 56% Lux: 258 TARDE Temp: 20,4°C UR%: 54% Lux: 270 Tabela 6: Medições dia 20 de outubro. Após a obtenção dos valores, fez-se uma média geral dos níveis de temperatura, umidade e luz (tab.7). A temperatura ficou entre 19,9°C e 20,6°C, a UR entre 61% e 63% e a luminosidade entre 295 e 297,1. Abaixo, apresenta-se a tabela com os valores médios gerais: MÉDIAS GERAIS DA PREFEITURA - MÉDIA MANHÃ Temp: 19,9°C UR%: 63% Lux: 295 TARDE Temp: 20,6°C UR%: 61% Lux: 297,1 Tabela 7: Média geral das medições. Os níveis de temperatura e umidade, na média geral, apresentam-se bons, pois a temperatura verificada fica em torno dos 20°C o que, de acordo com a bibliografia estudada e já citada no subcapitulo 3.1.1 revela-se adequada. Da mesma forma, a umidade encontrada ultrapassa muito pouco o nível adequado, que deve ser de 60%. 48 A luz encontra-se acima dos níveis considerados satisfatórios, que não devem ultrapassar 150 lux, pois os raios ultravioletas podem prejudicar a pintura. 3.5.2 Medições de luminosidade no prédio do Museu Histórico Farroupilha Não foi possível realizar medições de umidade relativa no prédio do Museu Histórico Farroupilha, pois este ainda encontra-se em obras, o que aumenta significativamente os níveis de umidade, levando-se em consideração o fato de que os rebocos ainda estão molhados. Medições de luminosidade foram realizadas em um dia, com portas fechadas (tab. 8). A seguir, apresenta-se uma tabela com os valores verificados: MEDIÇÕES DA SALA PRINCIPAL – MUSEU HISTÓRICO FARROUPILHA - DIA: 13 de outubro – Temp: 18,1°C Lux Porta fechada: 00 Tabela 8: Medições sala do Museu. Com as portas fechadas, como era quando a obra se encontrava nesta sala, os níveis apresentados de luminosidade foram 00. O que significa que realmente, na maior parte do tempo, a pintura permaneceu sem contato com os raios solares, o que contribui para a sua conservação, visto que o nível adequado para pinturas é de aproximadamente 50 lux. A medida de temperatura marcou 18,1°C, configurando um bom índice, pois em relação ao que foi estudado e apresentado anteriormente, a temperatura ideal não deve ultrapassar os 22°C. Após analisar os dados, verificou-se que o ambiente no qual a obra permaneceu exposta até o ano de 2005 enquanto esteve no Museu Histórico Farroupilha, era perfeitamente adequado à conservação de pinturas, pois apresentava níveis de temperatura abaixo dos 20° C e umidade relativa, de acordo com o diagnóstico feito em 2002, entre 50% e 55%. Além disso, mantinha pouca iluminação, o que poderia prejudicar a pintura. 49 4. CONCLUSÃO As principais causas de degradação em obras são, normalmente, provocadas pela ação do homem, principalmente por condições ambientais inadequadas. Compreendê-las é um fator importante para a efetiva conservação dos bens. A situação ideal é aquela onde a restauração se torna desnecessária devido à constante e bem sucedida conservação. Para tal, a conservação de um bem deve ser pensada dentro de um contexto econômico, político e urbano. Conhecer e analisar os fatores que podem iniciar, favorecer ou degradar inteiramente um objeto é imprescindível para diagnosticar as patologias que apresenta, assegurar uma correta intervenção e ajudar na sua conservação. No caso das pinturas, para se fazer um correto diagnóstico das degradações sofridas, é necessário compreender a estrutura da pintura como um todo, pois em pinturas, todas as partes se relacionam. Além da compreensão da pintura como uma totalidade, um diagnóstico eficiente deveria contar com todas as possibilidades de realização de exames técnicos. Na presente pesquisa, não foi possível a realização de exames técnicos mais aprofundados sobre a obra, pois não há aparelhamento adequado disponível e não há como realizar a retirada de amostras da obra, pois não é possível movê-la de seu local, devido às suas grandes dimensões e por estar presa à parede. Análises da estratigrafia da pintura poderiam atestar a qualidade dos pigmentos, exames microscópios do tecido que compõe a tela também poderiam ser eficientes na qualificação dos materiais utilizados pelo artista, assim como a análise da madeira utilizada para a confecção do bastidor. Possivelmente, se esses exames tivessem sido feitos, poderiam ser solucionadas, com mais clareza, algumas questões que foram apenas deduzidas. De qualquer forma, sabe-se que a conservação de pinturas está diretamente ligada ao ambiente em que se encontra. Neste caso, a referida pintura permaneceu em uma posição inadequada por longo tempo, fato este que poderia ter levado a obra a diversos problemas estruturais. 50 As hipóteses de que o ambiente a que a obra esteve exposta e que os materiais usados pelo artista foram importantes para sua conservação foram confirmadas, pois se observou que a falta de iluminação foi um fator decisivo, tendo em vista a degradação causada pelos raios UV, assim como os materiais, pois se não fossem de qualidade não teriam se conservado em bom estado. A falta de determinados exames não torna possível precisar o papel da qualidade dos materiais utilizados na feitura da obra. Todavia, através de pesquisa histórica sobre o autor desta, supõe-se que os materiais usados eram de boa qualidade e possuem relação direta com a conservação. O local onde a obra esteve acondicionada demonstrou-se importante, pois influenciou, de forma decisiva, elementos considerados chaves para uma perfeita conservação, tais como a iluminação, a umidade e a temperatura. Os bons níveis de umidade e a pouca variação destes, foi importante para que a madeira não sofresse o processo de inchamento e nem de retração, o que poderia causar alterações na camada pictórica. Quanto ao peso, localizado na parte inferior do quadro, não foi suficiente para que a obra sofresse danos em decorrência de sua posição. Sugere-se que isto tenha acontecido por conta do limite de inclinação para obras de grandes dimensões, tal como foi citado pela conservadora e restauradora Naida Correa. Outrossim, o próprio prédio que abrigava a obra, por ser antigo, com paredes grossas em pedra, certamente contribuiu para a conservação desta pintura, pois a estrutura das paredes ameniza de forma bastante eficaz, as alterações de umidade e temperatura provenientes do lado externo. Quanto ao local em que a obra se encontra atualmente, foi possível verificar que a iluminação, tanto natural quanto artificial, é o maior degradante da pintura. Com isso, uma forma de proteção da luz para a obra se faz necessário. Sugere-se um vidro, com filtro de raios UV, para que a luz, demasiadamente alta, não prejudique a pintura. Diante do exposto conclui-se que, o fator que maior contribuiu para a conservação da obra em questão, foi o ambiente ao qual esteve exposta por longo período. Níveis ideais de temperatura e umidade, e principalmente pouca exposição às radiações são os fatores fundamentais para que a aludida obra pictórica se conservasse em bom estado até o presente momento. A falta dos cuidados exigidos, para uma conservação considerada satisfatória da obra estudada, evidencia a necessidade de mais pesquisas na área de conservação de pinturas. Técnicas de como conservar adequadamente uma pintura deveriam ser exaustivamente estudadas para que as mesmas não sofram degradação por fatores 51 ambientais, de forma que se preservem por maior tempo, principalmente obras com grande valor artístico, histórico e cultural como é o caso da tela estudada. 52 REFERÊNCIAS BACHMANN; RUSHFIELD, Konstanze; Rebecca Anne. Princípios de armazenamento. In: Conservação: conceitos e práticas. Org. Marylka Mendes.Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. BOITO, Camilo. Os restauros em arquitetura. Apresentação, Tradução e Comentários críticos: Odete Dourado. n° 3 (Pretextos, série b, Memórias 2). Salvador: UFBA, 1996. BRADLEY, Susan M. Os objetos tem vida finita? In: Conservação: conceitos e práticas. Org. Marylka Mendes.Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. 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