A Zoomorfização na Obra Vidas Secas

Transcrição

A Zoomorfização na Obra Vidas Secas
CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
CURSO LETRAS
VALDIR DIAMANTINO DOS SANTOS
A ZOOMORFIZAÇÃO NA OBRA VIDAS SECAS
ENGENHEIRO COELHO
2013
VALDIR DIAMANTINO DOS SANTOS
A ZOOMORFIZAÇÃO NA OBRA VIDAS SECAS
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado para obtenção do titulo de
licenciatura em letras pelo Centro
Universitário Adventista de São Paulo,
campus
engenheiro
Coelho,
sob
orientação do Prof. Ms. Davi da Silva
Oliveira.
ENGENHEIRO COELHO
2013
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,
do curso de Letras apresentado e aprovado em (dia) de (mês) de 2013.
_______________________________________________________________
Orientador: Prof. Ms. Davi da Silva Oliveira
_______________________________________________________________
Segundo leitor: Prof. Ms. Joubert Perez
RESUMO
Ao observarmos os trabalhos realizados sobre o tema, percebemos que há muitas
lacunas no que diz respeito ao processo de zoomorfização. Por isso nesta
pesquisa nos propomos preencher essas lacunas, por meio de uma pesquisa
teórico-bibliográfica. Quanto aos objetivos que nortearam a pesquisa foram,
objetivo geral: compreender como se materializa a animalização na obra “Vidas
Secas” e como a seca contribuiu para esse processo. Os objetivos específicos
são: verificar se a animalização causa algum dano no relacionamento entre os
personagens e em que proporções; identificar o contexto da seca como o
fenômeno causador da insensibilidade dos personagens. A pergunta de pesquisa
que introduzimos foi “de que forma se materializa a animalização na obra e quais
as suas proporções”? “Essa animalização causa algum dano no relacionamento
entre os personagens”? Essas perguntas foram respondidas ao confirmarmos a
hipótese para este trabalho que foi a de que a animalização se materializa no
embrutecimento das personagens. Diante disso, os resultados apontaram para
essa realidade, pois verificou-se que os personagens se tornaram brutos,
assemelhando-se aos animais, pelas condições miseráveis em que viviam, ou
seja, a seca é a grande responsável por essa animalização, fazendo com que a
personalidade dos personagens se tornem mais instintivas dando vazão à
zoomorfização.
Palavras-chave: Zoomorfização, Animalização, Seca, Embrutecimento.
ABSTRACT
By observing the work done on the subject, we realized that there are many
shortcomings with regard to the process of zoomorfização. So in this research we
propose to fill these gaps. Through a theoretical and research literature. As to the
objectives that guided the research were general objective: Understand how
materializes animalization Barren Lives and works in the drought contributed to this
process. The specific objectives are: to verify animalization cause some damage in
the relationship between the characters and what proportions; identify the context
of drought as the phenomenon that causes insensitivity of the characters. The
research question was introduced" so that materializes animalization in the work
and what their proportions”? "This animalization cause some damage in the
relationship between the characters"? These questions were answered to confirm
the hypothesis for this work was that the animalization materializes in the
brutalization of characters. Therefore, the results pointed to this reality because it
was found that the characters have become gross, resembling animals, the
miserable living conditions, ie drought is largely responsible for this animalization,
causing the personality of the characters become more instinctive giving vent to
zoomorfização.
Key-words: Zoomorfização, animalization Drought coarsening.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................06
2 A SECA NO CONTEXTO LITERÁRIO...........................................................08
3 SITUAÇÃO POLÍTICA DO PAÍS ....................................................................13
3.1 Considerações sobre o estilo literário do autor...........................................15
4 A SECA COMO FATOR DA ZOOMORFIZAÇÃO NA OBRA “VIDAS
SECAS”..............................................................................................................22
4.1 A seca como fator climático........................................................................24
5 A ZOOMORFIZAÇÃO NA OBRA....................................................................28
5.1 Zoomorfização em Fabiano.........................................................................34
5.2 Zoomorfização nos meninos........................................................................37
5.3 Zoomorfização em sinha Vitória..................................................................39
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................41
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................43
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade explicar o processo da animalização
na obra “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, com o intuito de preencher algumas
lacunas deixadas por outros trabalhos voltados ao tema. O interesse principal da
pesquisa surgiu da necessidade de relatar mais detalhadamente o modo como se
materializa a animalização dos personagens.
O trabalho será dividido em capítulos e tópicos. O primeiro será a
“Introdução” na qual será feito uma abordagem introdutória ao trabalho. No
segundo “A seca no contexto literário”, aborda sobre a temática “Seca” no
contexto da literatura. É importante entendermos um pouco sobre o contexto
político da época, para isso faremos um capítulo falando sobre a “Situação política
do país”. Faremos ainda um subtópico para falar sobre as “Considerações sobre o
estilo literário do autor”.
No capitulo quatro falaremos sobre “A seca como fator da zoomorfização na
obra vidas secas”. Terá ainda um subtópico intitulado “A seca como fator
climático”. Na quinto capítulo adentraremos no tema propriamente dito da
pesquisa que é “A zoomorfização na obra”. Faremos três subtópicos para
analisarmos os personagens, destacando o processo da zoomorfização presente
neles. Por fim faremos as conclusões finais, mostrando os resultados obtidos da
pesquisa.
A relevância desta pesquisa está em sua contribuição no sentido de
preparar os futuros leitores a terem uma visão mais crítica nas obras literárias,
para que assim os mesmos possam compreender melhor as obras, as opiniões do
autor, as lições que os autores deixam nas entrelinhas e também conhecer a
marca do autor deixada na obra, bem como a cultura envolvida, pois na obra
pode-se perceber que isso é evidente em várias situações.
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Com a finalidade de buscarmos uma resposta possível para os
questionamentos, os objetivos propostos são de forma geral compreender como
se materializa a animalização na obra Vidas Secas e o que a seca contribuiu para
esse processo. Quanto aos objetivos específicos, buscamos verificar se a
animalização causa algum dano no relacionamento entre os personagens em que
proporções, e identificar o contexto da seca como o fenômeno causador da
insensibilidade dos personagens.
A problemática é: de que forma se materializa a animalização na obra e
quais suas proporções? Essa animalização causa algum dano no relacionamento
entre os personagens? Para responder a estes questionamentos, estabelecemos
a hipótese de que a animalização se materializa no embrutecimento das
personagens.
Diante disso, acredita-se que uma pesquisa nesta área contribuirá para que
as pessoas possam conhecer essa realidade em que viviam os sujeitos daquela
época e relacionar com os dias de hoje. Ao olharmos para nossa realidade
questionamos: as pessoas ainda vivem alienadas como eles ou não? Apesar das
mudanças que ocorreram até nossos dias, mesmo com os avanços, podemos
perceber que as pessoas ainda vivem alienadas, talvez outro tipo de alienação.
Esse trabalho servirá para conscientizar as pessoas que precisam conhecer
a realidade em que vivem e não se conformar com as imposições dos governantes
e da própria sociedade.
A presente pesquisa foi realizada no UNASP – campus Engenheiro Coelho
seguindo a linha de pesquisa geral, teorias e críticas da narrativa literária. A
metodologia baseia-se em revisão bibliográfica, pois faz uso de resumo de artigos,
livros e periódicos, e segue os modelos da pesquisa aplicativa, visto que tem o
objetivo de gerar conhecimentos para aplicação prática dirigida à solução de
problemas específicos.
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2 A SECA NO CONTEXTO LITERÁRIO
Ao analisarmos o tema seca na literatura notamos que vários autores
escreveram sobre o assunto. Segundo Emílio Soares Ribeiro (2004), José do
Patrocínio é considerado o primeiro autor a utilizar a temática da seca não só
como fator relacionado ao clima, mas também como um problema cujas
consequências são sentidas e percebidas no meio social. Principalmente o
contexto nordestino tem sofrido grandemente com as secas, o que vem
acarretando pobreza, abandono e êxodo das regiões rurais desta região. Outros
autores, além de Patrocínio, se valeram do tema da seca como motivação para a
produção de suas obras literárias; entre eles, enfatizamos Rodolfo Teófilo, com
sua obra “A Fome”, de 1890; José Américo de Almeida, com “A Bagaceira”, de
1928, e Rachel de Queiroz, em 1930, com “O quinze”.
No entanto, foi Graciliano Ramos que mais se voltou para o drama social
que aflige as pessoas inseridas no contexto da seca, principalmente, em sua obra
monumental “Vidas Secas”, de 1938. Ele deixa de lado a seca como fator climático
e se concentra no homem e o que a seca causa na vida do indivíduo, daí a
percepção clara de características físicas e psicológicas provocadas pela
realidade enfrentada. Nota-se uma animalização das personagens que são
fortemente caracterizadas pela miséria que eles viviam.
Na obra a qual é objeto de nosso estudo, “Vidas Secas”, nota-se uma
animalização das personagens que são fortemente caracterizadas na sua miséria,
chamando-nos a atenção para o inverso também, isto é, os animais trazem
características humanizadas. A condição na qual os personagens da obra se
encontram, através dos relatos do autor, eles parecem como se animais. E é esse
o tema que se propõe abordar nessa pesquisa.
Em contrapartida, a cachorra “Baleia” parece possuir características de um
ser humano, sendo descrita pelo autor, através do modo como a mesma se
comporta, como um membro da família. “Ela era como uma pessoa da família:
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brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferençavam, rebolavam na areia
do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras”.
(RAMOS, p. 47, 1938).
Além desses autores citados vários outros exploraram assaz esse tema,
temos grandes nomes como Jorge Amado e José Lins do Rego, ambos também
pertenceram ao período do Modernismo na literatura brasileira. Entretanto,
encontramos na obra de Graciliano uma singularidade inigualável. Ele tem um jeito
peculiar de escrever. Isso o torna um autor diferenciado. Como afirma Almir de
Andrade citado por Candido, (1992):
Enquanto José Lins do Rego mostra os problemas sociais do
nordeste em grandes quadros, em visões de conjunto que
surpreendem, Graciliano Ramos nos descreve esses problemas
através dos efeitos que produzem nos pequenos ambientes e na
própria intimidade do homem. Em Vidas Secas não vemos a
sociedade do alto, nos seus planos e nas suas linhas de
movimento coletivo, mas a surpreendemos na repercussão
profunda dos seus problemas, através de vidas humanas que vão
passando, a braços com a miséria, perseguidas por opressões e
sofrimentos. (CANDIDO, 1992, p. 105)
Diante de um trecho como este, verificam-se as grandes críticas com
relação aos problemas sociais que existiam naquele momento. O autor alagoano
denuncia as opressões que enfrenta essa classe de pessoas que são destituídas
de direitos básicos para qualquer individuo.
Em Vidas Secas as personagens vivem de maneira desumana com a
escassez da palavra provocada exatamente pelo excesso de palavras das
autoridades. O romance, portanto, nos faz refletir sobre as injustiças dos
governantes e nos faz pensar também na possibilidade da justiça.
Assim descreve (CANDIDO 2009, p. 104): “Em “Vidas Secas” o escritor
conseguiu ressaltar a humanidade dos que estão nos níveis sociais e culturais
mais humildes, mostrando a condição humana intangível e presente na criatura
mais embrutecida. Saber descobrir essa riqueza escondida, pôr a nu esse filão, é
afinal a grande tarefa do romancista.
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O livro escrito em 1938 é o único livro do autor narrado em terceira pessoa.
“Para conseguir atingir o objetivo, Ramos usa um tipo de discurso especial, que
não é um monólogo nem também intromissão narrativa por um discurso simples.
Ele usa artifício inusitado, uma espécie de procurador personagem, que está
presente e ao mesmo tempo ausente” (CANDIDO, 1992, p. 106).
O autor usa pessoas que estão à margem da sociedade, pessoas sem
dignidade, pessoas que não conseguem expressar seus sentimentos e ideias. O
narrador entra no mundo do personagem, é somente com os relatos dele que
podemos tomar conhecimento dos pensamentos dos mesmos, já que eles quase
não falam. É para isso que Ramos utiliza o discurso indireto livre, o qual é uma
modalidade narrativa em que se misturam os discursos, direto e indireto e também
é uma das principais características da obra. Através desse tipo de discurso o
narrador não apenas reproduz indiretamente as falas, como também o que elas
não falam, e o que elas sonham e almejam. Neste sentido, esse discurso
corresponde ao monólogo interior das personagens, no entanto, expresso pelo
narrador. O objetivo do autor é exatamente adentrar no mundo introspectivo dos
personagens.
O livro “Vidas Secas” tinha antes o título “O mundo coberto de penas” e era
dividido em treze capítulos independentes, é por isso que segundo Rubem Braga,
constitui-se um romance desmontável, pois o autor não tinha intenção de fazer um
livro no início quando escreveu o primeiro capitulo que foi “Baleia”. Na verdade,
ele escreveu um conto descrevendo a morte de uma cachorra. Um texto citado por
Reis (1995) diz que quando escreveu esse conto o próprio Graciliano Ramos em
uma carta à sua esposa Heloisa Ramos mostra as dificuldades que teve na tarefa
e esclareceu suas intenções:
Escrevi um conto sobre a morte duma cachorra, um troço difícil
como você vê: procurei adivinhar o que se passa na alma duma
cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me
importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio
de preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A diferença é
que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite
pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos
somos como a minha cachorra Baleia e esperamos preás. É a
quarta história feita aqui na pensão. Nenhuma delas tem
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movimento, há indivíduos parados. Tento saber o que eles têm por
dentro. Quando se trata de bípedes, nem por isso, embora certos
bípedes sejam ocos; mas estudar o interior duma cachorra é
realmente uma dificuldade quase tão grande como sondar o
espírito dum literato alagoano. Referindo-me a animais de dois
pés, jogo com as mãos deles, com os ouvidos, com os olhos.
Agora é diferente. O mundo exterior revela-se a minha Baleia por
intermédio do olfato, e eu sou um bicho de péssimo faro (REIS,
1995, p. 50).
O romance conta a história de uma família nordestina composta por:
Fabiano, sinhá Vitória, o menino mais velho e o menino mais novo (que de
propósito não tinham nomes, presume-se que Ramos queria fazer uma critica à
sociedade principalmente os governantes que desvalorizava as pessoas de classe
baixa). Já a Cachorra Baleia possui nome, supõe-se que o propósito do autor é
mostrar a desvalorização do ser humano. A cachorra fica no patamar de uma
pessoa da família, já os meninos são tratados como animais. Nota-se aí
humanização do animal e a animalização do homem. Os retirantes saem de sua
terra por causa da seca à procura de um lugar ideal de sobrevivência.
É interessante notar a maneira como são apresentados os meninos. Na
obra há poucas características deles. Há no capítulo intitulado “Menino mais novo”
uma apresentação bem sucinta do aspecto físico dele. Com relação ao andar:
“Rodeou o chiqueiro, mexeu-se como um urubu, arremedando Fabiano”. Com
relação ao corpo: “pernas finas, dedos finos, peito magro” (RAMOS, p. 88-89
1938).
No que diz respeito ao menino mais velho, semelhantemente observam-se
limitadas características. No primeiro capítulo, “Mudança”, quando ele desmaia de
fome e sede e Fabiano queria deixá-lo pelo caminho, é feita a seguinte descrição
do físico do menino: “os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como
cambitos” (RAMOS, p. 44-45 1938). Também no capítulo que recebe seu nome é
dado os seguintes traços do seu porte físico: “dedos magros e sujos;mãos finas, e
unhas sujas, braços magros e dedos finos” (RAMOS, p. 56-61 1938).
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É também curioso observar que Graciliano Ramos não somente não dá
nomes aos meninos, como também nunca enfoca o rosto deles. Como afirma
Malard (1976): “Do físico ressalta apenas a magreza e a sujeira pelo uso dos
adjetivos fino, magro e sujo. Vem acompanhado com as partes do corpo como:
“braços”, “mãos”, “dedos”, “unhas”, “pernas” e “pés” que não singulariza o ser
humano nem o fazem ser reconhecido”.
Além disso, vivem enlameados com porcos, encobertos do barro
com que brincam. Sujos e desprovidos de fisionomia,
transformam-se em animais e, no caso, animais anônimos e
indefesos. Não lhes basta a impiedade das condições sócioeconômicas em seu processo de animalização. Sofrem também a
impaciência, a incompreensão e a injustiça não conscientizada dos
pais (Malard, p 127 1976).
Diante disso nota-se que enquanto a criança é rebaixada ao nível mais
baixo do ser humano, por outro lado a cachorra Baleia é caracterizada numa
condição mais elevada tornando-a como um ser humano. No âmbito psíquico o
autor iguala o animal racional e o irracional, de maneira que dois gêneros se
penetram e se misturam na paisagem seca Malard (1976).
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3 SITUAÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
Antes de falar sobre o autor, é importante discorrer um pouco sobre o
contexto político vigente na época.
No cenário político, inicia-se o Estado Novo e a ditadura de Vargas, tempos
de cesura brutal. De acordo com Corti (2005), Vargas simpatizava com o Nazismo
de Hitler e o Fascismo de Mussolini. Isso fica evidente com a forte perseguição
aos judeus no seu governo. Foi uma época marcada fortemente por sentimento
nacionalista e pela concentração do poder estatal.
Foi um período de grandes turbulências. Falando sobre o envolvimento de
Graciliano Ramos na política, Ferreira (1995) afirma que “Nos anos 30
inauguraram a política na sociedade brasileira. Os grupos organizados no interior
ganharam visibilidade. Grupos como Tenentistas, Católicos, Integralistas e
Comunistas vão construindo identidade”. (FERREIRA, 1995, p. 123).
Nessa época, Graciliano era Diretor de Instituição Pública. Período em que
acontecia o movimento de 30. Movimento este que o levou à primeira experiência
de prisão. O próprio Graciliano Ramos sempre fez ríspidas criticas ao movimento,
principalmente ao tenentismo, a quem falou duras palavras
Parecera-me então que a demagogia tenentista, aquele palavrório
chocho, nos meteria no atoleiro. Ali estava o resultado: ladroagens,
uma onda de burrice a inundar tudo, confusão, mal entendidos
charlatanismo, energúmenos microcéfalos vestidos de verde a
esgoelar-se em discursos imbecis, a semear delações. (RAMOS,
apud FERREIRA, 1995 p. 123).
Como já mencionado, Graciliano simpatizou pelo partido Comunista e em
1936 foi preso por ser acusado de envolver-se com o grupo deste partido. Foi
através das experiências que teve na prisão que mais tarde produziria um de seus
livros mais importantes “Memórias do Cárcere”.
Após a revolução de 30 expandem-se os grupos comunistas no Brasil. Para
conter o “perigo vermelho”, o presidente Getúlio Vargas declarou estado de sítio
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no final de 1935. Nesse momento, dá-se início a uma perseguição a todos aqueles
que eram considerados “uma ameaça à paz nacional”. Dois líderes comunistas
foram bastante perseguidos. Luís Carlos Prestes e Olga Benário foram presos e
torturados pelo governo federal. Olga, por ser judia, foi deportada para a
Alemanha e mais tarde foi morta no campo de concentração.
Graciliano Ramos também se envolveu com o partido comunista;
perseguido, acabou sendo preso por causa de suas ideias contrárias ao governo,
sendo acusado de publicar livros que defendiam esta filosofia política, mas foi
liberto por falta de provas. Ele recebeu influências de comunistas dentro da
cadeia, e também em sua própria casa após ter sido solto, pois se reuniam
intelectuais comunistas em sua residência para debaterem sobre o fim do Estado
Novo, e também sobre reorganização do partido comunista, do qual ele veio fazer
parte mais tarde.
Mesmo sendo a favor do movimento e partido comunista, Graciliano nunca
se envolveu totalmente com o comunismo, pois o partido contava apenas com sua
contribuição intelectual, já que ele estava preocupado apenas com a realidade
social do país na época, e não quis se envolver com nenhuma oposição que o
colocasse numa situação de rebelde. Além disso, numa viagem à antiga URSS, o
autor criticou o sistema político deste país. Por causa disso, o partido tentou
impedir a publicação de duas de suas obras, sendo essas “Memórias do Cárcere”
(1953) e “Viagem” (1954). O primeiro, obra que relata as lembranças da prisão
que padeceu durante o período do Estado Novo e o segundo reúne relatos e
impressões que teve quando viajou à União Soviética na década de 1950.
Como o Brasil estava passando por um período de autoritarismo, devido à
concentração de poder nas mãos do executivo federal, e à união com hierarquia
militar e com setores das oligarquias, deram condições para o golpe político de
Getulio Vargas em novembro de 1937. Esse foi o um dos períodos mais
autoritários da história do Brasil, conhecido como Estado Novo. O presidente
justificou o golpe alegando que precisava impedir um “complô comunista” que
ameaçava tomar conta do país, o qual ficou conhecido como Plano Cohen.
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Provavelmente, pelo fato de que o país estava passando por um período de
muito autoritarismo, o escritor Graciliano utilizou uma linguagem subjetiva para
retratar o descaso político pela região nordestina, na qual seus personagens
vivem. O fato é que o próprio autor vivenciou todas aquelas mazelas descritas na
obra, o que nos faz entender que seus personagens são uma forma de relatar
tudo aquilo que ele viu e viveu, mas de uma forma que não deixasse a entender
que era uma crítica ao governo, nem ao descaso político que o Brasil tinha com a
região nordestina daquele período, pois se suas críticas fossem diretas e
explícitas, certamente o autor poderia ser perseguido por causa disso, seja por
exílio ou mesmo por prisão. Tudo isso devido ao autoritarismo da época.
Conforme Pereira (2000), no cenário mundial este foi um período de
grandes turbulências. Em 1939, deu início a Segunda Guerra Mundial. Cujas
consequências são desastrosas, como a explosão da bomba atômica, Por
exemplo,
que
causou
estragos
grandiosos.
Com
uma
temperatura
aproximadamente de 4.000 graus Celsius, a bomba explodiu na cidade de
Hiroshima a 600m de altura e em Nagasaki a explosão aconteceu a 503m do
chão, dizimando assim, milhares de pessoas. Ocorreu também massacre de
populações civis e muitas perseguições por motivações raciais.
3.1 Considerações sobre o estilo literário do autor
Neste tópico será feita uma descrição do estilo literário do autor da obra em
estudo. Antes disso, porém, faremos uma breve contextualização dos diferentes
estilos literários que antecederam o Modernismo, o qual teve destaque na Semana
de Arte Moderna de 1922, abrangendo diferentes áreas, como por exemplo, a
literatura.
A principal característica da literatura modernista é a maneira diferente de
pensar sobre a realidade brasileira, valorizando o interior, o sertão. Os autores
queriam que as pessoas renovassem o pensamento. Como afirma Proença
(2004), o modernismo brasileiro nasceu do encontro e da consciência de algumas
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insatisfações presentes nos meios artísticos de todo o país, bem como nos
grandes centros como Rio e São Paulo, pois novas ideias ganharam prestígio por
parte de personalidades de projeção nacional.
Além disso, com relação ao romance modernista “Vidas Secas”, de
Graciliano, pode-se dizer que, segundo Bregadioli (2011), este regionalismo
modernista trouxe para a literatura muito mais do que uma simples obra, pois foi
considerado herdeiro de um movimento literário que rendeu muitos frutos em solo
brasileiro, que é o naturalismo, fazendo com que o caráter social e político
tornasse os prosadores da segunda geração modernista herdeiros do movimento
oitocentista.
A obra “Vidas Secas”, segundo Bregadioli (2011), tornou-se símbolo do
romance modernista de caráter regionalista nordestino, pois entre tantas outras
obras de Graciliano que têm o Nordeste brasileiro como pano de fundo, essa é
aquela que retrata principalmente o nordestino de nenhum privilégio social,
sofrendo tanto as agruras do meio geográfico quanto aquelas que são resultado
do sistema político estabelecido.
No Romantismo, fazia-se a junção do pensamento com o sentimento. Deste
modo, admite Dias (apud PROENÇA, 2004, p. 207):
Casar assim o pensamento com o sentimento, a ideia com a
paixão, colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com o
sentimento da religião e da divindade, eis a poesia – A poesia
grande e santa – a Poesia como eu a compreendo sem a poder
definir, como eu a sinto sem poder traduzir.
O escritor faz da natureza um lugar de refúgio, a paisagem é idealizada. Há
na verdade um culto à natureza. Na sua fuga, o autor romântico busca na
natureza o lugar de refrigério, de calmaria, onde seu espírito pode achar a paz e o
sossego. É importante lembrar também que o mito do bom selvagem é explorado
no romantismo, a ideia que o homem natural é bom, sem ainda ter sido
contaminado pela civilização. Filho (2004) afirma ainda que a natureza é
participante, que exprime de maneira enfática e com significado, e não somente
como pano de fundo. No entanto, o refúgio da natureza liga-se ao
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descontentamento com a cultura e a sociedade da época. Segundo Dias (apud
PROENÇA, 2004, p. 221):
Gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena política para ler
em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o
pensamento que me vem de improviso, e as ideias que em mim
desperta a vista de uma paisagem ou do oceano - o aspecto enfim
da natureza.
No Modernismo, essa idealização é deixada de lado para dar lugar ao
nacionalismo crítico. É como se no Romantismo fosse retratado apenas o
relacionamento de duas pessoas no namoro, em que tudo é maravilha, tudo é
belo. Nesta fase moderna, através da literatura, os autores fazem uma revisão das
mazelas e denunciando-as como problemas de caráter público. A linguagem é
mudada de maneira drástica e são deixadas todas as normas, dando lugar à
linguagem mais coloquial, tornando-a espontânea e até alguns erros gramaticais
são permitidos.
Como afirma Pereira (2000), essa linguagem lúdica, com jogos e
brincadeiras, foi um dos recursos utilizados pelos autores modernistas para chegar
à libertação das formas. A linguagem mais direta e certo tom de humor tornam os
textos desse período mais fáceis de serem compreendidos. Com o contato que
tiveram com as vanguardas europeias, a geração modernista empenha-se na
renovação da linguagem e das formas.
Os autores dão prioridade aos temas especificamente brasileiros. O ponto
alto do modernismo, como já mencionado, foi a Semana de Arte Moderna que
aconteceu em fevereiro de 1922, data que se tornou um marco em nossa
literatura. Com esse novo estilo literário, os escritores queriam libertar a literatura
do estilo formal e acadêmico que se praticava no século XIX, com o objetivo de
aproximar a língua portuguesa falada no Brasil.
Segundo Bosi (2004, p. 332), o termo modernista se caracteriza como um
“código novo”, diferente dos códigos parnasiano e simbolista. Para ele “moderno”
abrange também: motivos, temas, mitos modernos. “Modernismo entende-se
exclusivamente como uma ruptura com os códigos literários do primeiro vintênio”.
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Percebe-se então que o Modernismo está muito além de um conjunto de
experiências de linguagem, pois por meio da literatura os autores fazem uma
crítica
às
estruturas
mentais
das
velhas
gerações,
demonstrando
um
inconformismo com a forma de pensar das pessoas da época.
Geralmente as mudanças ocorrem devido à nova maneira de pensar de
alguns. Percebemos isso no decorrer da história e nos períodos literários não é
diferente. Durante um período aceitava-se uma determinada postura sobre um
determinado assunto ou tema, mas de repente alguém ou alguns começaram a
pensar diferente e aí acontece uma ruptura, um quebra de paradigma.
Normalmente há resistência, porque mudança gera desconforto e causa
descontentamento.
Foi isso que aconteceu nesta fase da literatura brasileira. Havia uma
maneira de pensar e de repente um grupo de artistas começou a se inconformar
com essa maneira de ver a literatura. Sobre a nova estética do “modernismo”, Bosi
(2004), afirma que as novas ideias estéticas modernas, não vieram de um ato
repentino, ou seja, de súbito, mas alguns escritores brasileiros vieram da Europa e
trouxeram noticias das mudanças que estavam acontecendo na literatura
europeia, mais precisamente da literatura francesa, que por sinal influenciou muito
a literatura brasileira.
Nessa época, Oswald de Andrade conheceu em Paris o Futurismo de
Marinetti, Manoel Bandeira trocava ideias com Paul Éduard, Ronal de Carvalho,
ajudou na fundação de uma revista de vanguarda futurista portuguesa. Foi nesse
contexto de mudanças e de grandes turbulências no mundo artístico que
aconteceu a semana de “Arte Moderna”, que deu o ponta pé inicial para o
modernismo:
A semana foi ao mesmo tempo, o ponto de encontro das várias
tendências que desde a I Guerra se vinham firmando em São
Paulo e no Rio, e a plataforma que permitiu a consolidação de
grupos, a publicação de livros, revistas e manifestos, numa
palavra, o seu desdobrar-se em viva realidade cultural. (BOSI,
2004, p. 340).
19
De acordo com Pereira (2000), nesta época surge o nacionalismo como o
principal tema do período, dando ênfase no Brasil interiorano, rústico, valorizando
o camponês: também o índio e o mestiço acabam ganhando espaço e são
incorporados à literatura; surge também nas obras o folclore. Valorizam-se os três
componentes da nacionalidade brasileira, o índio, o europeu e o negro.
O modernismo serviu para mostrar a realidade do povo brasileiro de uma
forma mais direta. É nesse contexto que entra Graciliano Ramos, numa época de
grandes desafios no cotidiano.
Quanto a Graciliano Ramos, autor de “Vidas Secas”, Nicola afirma (1986, p.
253):
Graciliano Ramos é hoje considerado por grande parte da crítica o
melhor romancista moderno de nossa literatura. E mais, é tido
como o autor que levou ao limite o clima de tensão presente nas
relações homem/meio natural, homem/meio social, tensão essa
geradora de um relacionamento violento, capaz de moldar
personalidades e transfigurar o que os homens tem de bom. Nesse
contexto violento, a morte é uma constante; é o final trágico e
irreversível, decorrente de um relacionamento impraticável:
encontramos suicídios em “Caetés” e “São Bernardo”, assassinato
em Angustia as mortes do papagaio e da cachorra Baleia em
“Vidas secas”.
Dessa forma o que está presente em sua obra é a luta pela sobrevivência,
há um ponto de contato grande entre os personagens e a lei maior é a lei da selva.
Isso explica a presença de palavras como “bicho” ou “viventes”, no começo de
“Vidas Secas”, ou seja, aqueles que só têm uma coisa a defender a vida Nicola
(1986).
Conforme Andrade (2009), percebe-se em cada página da obra que autor
pretende analisar as pessoas por meio de seus comportamentos. Uma vez que
estão voltados para a natureza e para os animais, visto que existe uma fusão
entre ambos. Com seus personagens, o autor alagoano mostra aquele mundo
complexo posto pelo modernismo, ou seja, o mundo debruçado nas admiráveis
galerias do espírito humano. Portanto, além de uma literatura social, Ramos busca
descobrir os enigmas que abarcam o ser humano.
20
Segundo Candido (1992, p. 102):
Graciliano Ramos tem uma maneira diferente de escrever e essa
característica o distingue dos demais romancistas de seu tempo,
especialmente os do nordeste, “a cujo grupo pertence. De fato, é
notório que, por exemplo, a parte mais importante da obra de José
Lins do Rego consiste na retomada dos mesmos temas, no
mesmo ambiente e que há muito disso na de Jorje Amado.
Graciliano Ramos queimava meticulosamente cada etapa, no
sentido quase próprio de quem destrói a forma para recomeçar
adiante”.
O escritor alagoano possui uma maneira exímia de escrever. Há uma união
perfeita entre o estilo e a realidade que deseja revelar, ele tem competência de
escrever o essencial dos dramas humanos de maneira precisa e direta.
Aliás, essa é uma característica marcante na obra de Graciliano Ramos, ele
trabalha com muito esmero a palavra com uma perfeição sem igual. Como ele
mesmo afirma em entrevista concedida em 1948:
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavandeiras lá de
Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira
lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,
torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o
anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão
mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o
pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais
outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente
depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na
corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia
fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita pra enfeitar, brilhar
como ouro falso; a palavra foi feita para dizer (RAMOS, 1948).
Graciliano Ramos possui um estilo peculiar, que trabalha de maneira
criteriosa as palavras com muita moderação, uma evidencia disso é que ele
dispensa os adjetivos desnecessários, isenta-se também de uma linguagem muito
enfeitada. Dispõe de uma maneira própria de manifestar suas ideias. Como afirma
(CANDIDO 1992, p. 102): “Esse medo de encher linguiça é um dos motivos da sua
eminência, de escritor que só dizia o essencial e, quanto ao resto, preferia o
silêncio”. Na verdade, o silêncio é algo muito marcante que se torna até uma
obsessão. Quando fazia correção em seus textos nunca aumentava, mas só
cortava. Possuía uma atração pelo nada. O nada o qual arrancava a sua matéria,
ou seja, palavras que criam as coisas.
21
Falando sobre a característica literária de Graciliano, Pereira, (2000, p. 394395) afirma:
A prosa de Graciliano Ramos caracteriza-se por uma linguagem
direta, enxuta, em que não sobram nem faltam palavras. Seu
estilo, tenso e ao mesmo tempo contido, revela um escritor
preocupado com o equilíbrio e a exatidão na forma. Seus temas
contemplam o mundo rural do Nordeste, cujas desigualdades ele
denuncia. Ao produzir uma literatura engajada, Graciliano não
abandona suas preocupações com o texto. Sua técnica narrativa
supera as limitações típicas dos escritores engajados, que muitas
vezes se deixam levar pela matéria a ser narrada, descuidando do
modo de narrar.
No posfácio do livro “Vidas Secas”, Álvaro Lins diz:
Admirável estilo de concisão, unidade entre as palavras e os seus
sentidos, rígido ascetismo, tanto na narração como nos diálogos,
rápidos, exatos, precisos. Diálogos e narração que fazem do Sr.
Graciliano Ramos um mestre de seu ofício de romancista. Um
mestre da arte de escrever, acrescento, sem nenhum medo de
estar errado.” (LINS, 1938, p. 136)
22
4 A SECA COMO FATOR DA ZOOMORFIZAÇÃO NA OBRA “VIDAS SECAS”
Neste capítulo falaremos sobre o fator seca, a responsável pela
animalização do homem na obra em questão. A seca é a grande responsável pela
realidade em que vivem os personagens. É por causa dela que eles saem de seus
lugares de habitação à procura de um lugar melhor para sobreviver. Porque a
sobrevivência estava extremamente difícil. Ela afeta não somente a vida física
como também a vida emocional. Elas são pessoas psicologicamente secas e
rudes que quase não demonstram sentimentos afetivos.
Nessa obra o autor deixa bem evidente a natureza da seca como um
fenômeno maléfico. Andrade (2009), afirma que, em “Vidas Secas”, Graciliano
Ramos mostra a seca como um mal. Percebe-se então que a natureza é tratada
como um monstro por causa dos extensos períodos de estiagem que devastam a
vida. E acrescenta:
A natureza em Vidas secas perde o tom romântico, a caatinga é
uma ameaça à sobrevivência, o sertanejo bucólico de outrora cede
espaço a um homem duro, grosso e calado, o qual da experiência
com a seca só obteve a desgraça de ver a morte diariamente,
além de ser expulso da sua terra. O sentimento nacionalista da
literatura do século XIX é abandonado e aquilo que dava orgulho
ao brasileiro – a natureza –, no romance de 30 hostiliza a vida
dele. (ANDRADE, 2009, p. 07)
Em carta a João Condé, citado por Reis (1995 p. 50), o próprio escritor
declara:
Fiz um livrinho sem paisagens, sem diálogos. E sem amor. A
minha gente quase muda, vive numa casa velha de fazenda. As
pessoas adultas, preocupadas com o estômago, não têm tempo de
abraçar-se. Até a cachorra é uma criatura decente, porque na
vizinhança não existem galãs caninos.
No momento em que o autor comenta sobre o fato de que as pessoas
adultas estavam tão preocupadas com o estômago que não tinham tempo de se
abraçar, em outras palavras, pode-se entender que é por causa da falta que
23
tinham de suprir suas necessidades sócio-afetivas, demonstradas na teoria de
Maslow e citado por Costa:
Estão arranjadas numa hierarquia que ele denominou de
hierarquia dos motivos humanos. Conforme o seu conceito de
premência relativa, uma necessidade é substituída pela seguinte
mais forte na hierarquia, na medida em que começa a ser
satisfeita. Assim, por ordem decrescente de premência, as
necessidades estão classificadas em: fisiológicas, segurança,
afiliação, auto-estima e auto-realização. A necessidade fisiológica
é, portanto, a mais forte, a mais básica e essencial, enquanto a
necessidade de auto-realização é a mais fraca na hierarquia de
premência (COSTA, 1980, p. 59).
Conforme acaba de ser citado, os personagens não tinham condições de
suprir nem mesmo suas necessidades básicas, e conforme dito na teoria de
Maslow, uma necessidade só é substituída quando primeiramente atendida, o que
significa que para que as necessidades afetivas sejam atendidas, é necessário
que anteriormente as necessidades fisiológicas sejam atendidas, o que em ambos
os casos seria se alimentar. Por isso, o autor comenta que “as pessoas estavam
tão preocupadas com o estomago que não tinham tempo de se abraçarem”.
Na obra percebe-se uma completa secura em tudo e os personagens lutam
para sobreviver em meio a tudo isso. Como afirma Barreto (2005), esses viventes
lutam para sobreviverem apesar de todos os reveses que a vida lhes impõe.
Apesar da seca, apesar da falta de estudos, apesar da falta de
comunicação entre os membros da família, apesar do abuso de
poder, apesar das perdas, apesar da falta de perspectivas futuras,
apesar de suas próprias vidas secas. A angústia toma conta da
história. Os sonhos são pequenos. Seus nomes são pequenos.
Seus filhos são pequenos. Seus vocábulos são pequenos, seus
sons guturais, secos de certas palavras, assim como de palavras
certas. Secas são suas vidas. Secas estão suas esperanças. Seca
e dura é a cama de Sinhá Vitória. Secos são os sentimentos de
Fabiano. Seca é a terra. Seco é o céu. Seca é a história sobre os
viventes. (BARRETO, 2005, p. 583),
Falando sobre essa realidade, Reis (1995) diz que o livro mostra o tecido
das necessidades e das carências. No relacionamento da família não existe trocas
de carinho e aconchego. E o agente causador de tudo isso é a terrível seca. A
seca que causa a escassez de alimento e de vida gera a fome. Essa fome é tão
grande que eles são condicionados a viverem dessa maneira.
24
Ao analisarmos o título da obra podemos perceber dois contrastes, vidas e
secas. A palavra “vida” denota vitalidade, subsistência, animação, entusiasmo,
expressividade. “Seca” por sua vez é um adjetivo que exprime sem vida, sem
umidade, também uma pessoa seca é alguém severo, ríspido.
Importante notar também que o titulo está no plural. Analisando a obra, a
escritora Zenir Campos Reis afirma que esse é um dos títulos mais prolixos de
Graciliano Ramos. “Vidas, no entanto; secas, no entanto vidas” (REIS, 1995, p.
51). Antes de continuarmos no tema da seca como agente causador de toda a
realidade dos personagens, falaremos um pouco sobre a seca como fator
climático.
4.1 A seca como fator climático
A seca é um fenômeno que causa tristeza e angústia às pessoas,
principalmente as que vivem no campo que dependem da plantação e da criação
de gado para a sobrevivência. No Brasil, a região Nordeste é a que mais tem
sofrido com esse problema. No Ceará, por exemplo, entre os anos 1877 e 1879
houve uma terrível seca que deixou marcas desastrosas. Essa ficou conhecida
como “A grande seca”. O escritor Thomas Pompeu citado por Brito (2013, p. 11,
12), descrevendo os efeitos dessa seca diz:
Em março o sertão já acusava falta de chuvas, em abril, perdidas
as esperanças de inverno, começou o êxodo dos habitantes do
interior para o litoral. Os gados morriam à falta d´aguadas, as
lavouras extinguiram-se e a ligeira provisão de víveres,
conservadas como reserva por muitos, pouco a pouco se esgotou.
De setembro em diante a fome era geral, os socorros públicos, mal
administrados, não chegavam regularmente aos lugares mais
afetados (sic); quem possuía algum bem ou valor desfazia-se dele
a troco de farinha ou de outro gênero de primeira necessidade. As
poucas e afetadas aguadas, como açudes e poços deixados no
leito dos rios depois das cheias, evaporaram-se, rara ficando em
um outro ponto da província. Mesmo as pessoas que eram
reputadas abastadas, receosas de ficarem bloqueadas e sem
comunicação com o litoral, longe de qualquer auxílio, fugiram,
25
desampararam suas casas e fazendas. O sertão tornou-se quase
deserto.
Ao abordar sobre esse tema é importante falar também sobre “os
retirantes”, fenômeno que acontece com muitas pessoas nas aéreas atingidas
pela seca. São pessoas que saem de seu lugar de moradia à procura de um lugar
melhor para sobreviver. Elas partem exatamente devido a esse motivo, isto é, as
dificuldades de morar em um lugar onde a falta de recursos básicos para a
sobrevivência é muito grande. Este fenômeno está muito presente na literatura.
Por exemplo, a já citada obra do escritor Rodolfo Teófilo, “A Fome”, (1890), que
conta a história de Manuel Freitas e sua família, que devido a “Seca”, luta para
fugir das áridas terras do sertão. Ele, um fazendeiro bem de vida, acaba entrando
em decadência devido à falta de chuvas. É então compelido, assim como várias
pessoas da região, a ir para Fortaleza à procura de uma vida melhor. O caminho é
muito penoso e a morte está presente por perto. O autor conta com muita
perfeição os detalhes, a fome que sentem os personagens e os cadáveres que
encontram no decorrer da viagem. Para piorar a situação, além da fome, que não
para quando chegam à cidade, são forçados a viver com uma epidemia de varíola
que tira a vida de diversas pessoas na cidade.
Esses indivíduos recorrem à migração devido à falta de possibilidade de
sobrevivência. Esse é um drama vivido por muitos brasileiros que, sem auxílio por
parte do governo, levam tudo que possuem para buscar uma vida melhor.
Com isso acontece o êxodo rural, que é a saída ou emigração do povo da
zona rural para as grandes cidades. Essa saída acontece exatamente devido
problemas econômicos e sociais. Nesse sentido, a seca é um fenômeno
desastroso, pois é por causa dela que esses indivíduos saem de suas terras. Esse
fenômeno sempre acontece no sertão nordestino, onde a sobrevivência é quase
que impossível por causa da falta de chuva.
A única solução é partir, pois ficar significar morrer. Com o coração partido
eles põem-se a caminho, pesarosos eles vão, pois têm que abandonar tudo, toda
a vida, toda a rotina que vivem. Têm que vender todos seus pertences.
26
Essa realidade é retratada no poema de Patativa do Assaré, intitulado “A
triste Partida”, onde é narrada a história dramática de uma família nordestina, que
com a chegada da seca é obrigada a abandonar sua terra, seu lar, para tentar
uma nova vida na grande cidade de São Paulo. O poema começa assim:
Setembro passou, com oitubro e novembro/ já tamo em
dezembro./Meu deus, que é de nós?/Assim fala o pobre do seco
Nordeste,/ com medo da peste,/ da fome feroz. Agora pensando
segui ôtra tria,/ chamando a famia/ começa a dizer:/ Eu vendo meu
burro, meu jegue e o cavalo,/ nós vamo a São Paulo/ vivê ou
morrê. Nós vamo a São Paulo, que a coisa ta feia;/ por terras aléia/
nós vamo vagá./ Se o nosso destino não fô tão mesquinho,/ pro
nosso cantinho/ nós torna a vortá. (Oliveira, 2011 p 216-218)
Ao refletir sobre essa realidade descrita no poema, percebemos a
associação do indivíduo com o espaço onde ele está inserido. Esses indivíduos
construíram uma história no local de habitação. Ao saírem ficam para traz partes
de cada um deles. Na obra A Poética do Espaço, o escritor Bachelar (1974, p.
201) faz um estudo sobre as relações que existem entre o universo e a imagem
poética do espaço. Falando sobre a casa ele argumenta o seguinte:
Assim, a casa não vive somente o dia a dia, no fio de uma história,
na narrativa de nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas
de nossa vida se interpretam e guardam os tesouros dos dias
antigos. Quando, na nova casa, voltam as lembranças das antigas
moradias, viajamos até o país da Infância Imóvel, imóvel com o
Imemorial.
Vivemos
fixações,
fixações
de
felicidade.
Reconfortamo-nos revivendo lembranças de proteção. Alguma
coisa fechada deve guardar as lembranças deixando-lhes seus
valores de imagens. As lembranças do mundo exterior nunca terão
a mesma tonalidade das lembranças da casa, acrescentamos
valores de sonho; nunca somos verdadeiros historiadores, somos
sempre um pouco e nossa emoção traduz apenas quem sabe, a
poesia perdida.
Nesse sentido a casa é um espaço de proteção e também torna evidente o
ponto de referência no mundo para os seres humanos. A casa permite ligar os
pensamentos, as lembranças e as divagações do homem.
Mas como afirma Lima (2005), a realidade que eles vivem os impede de
sonhar, nem mesmo quando vislumbram uma possibilidade de fugir daquele meio
inabitável, por causa da extrema escassez e carência máxima e a exclusão que a
eles sofriam.
27
Ao analisar essa temática da seca, pode-se notar a importância da
paisagem no cenário. Na escola romântica a paisagem era pintada como um
cenário natural em que se valorizava tanto a paisagem quanto povo brasileiro.
Mas no Modernismo, período no qual se insere a obra Vidas Secas, muda
totalmente o modo de ver essa paisagem. Como afirma Andrade (2009):
A natureza passa a ser declarada hostil ao brasileiro, o nordestino
sofre com a seca do semi-árido e já não se conforma somente em
observá-la porque agora ele é vítima da degradação gerada pelo
espaço. A harmonia que unia o homem ao ambiente numa
simbiose é rompida, no romance de 30 a seca retira do sertanejo a
condição de viver. (ANDRADE, 2009 p. 04)
Na obra, a seca do sertão revela-se como um mal. Logo, pode-se admitir a
natureza como um monstro que causa todo o problema para o povo, devido às
grandes estiagens que assolam a vida. A seca atua como um agente que modifica
diretamente a vida dos personagens. Pode-se perceber que o sertanejo pintado
por Graciliano é um tipo de gente que, devido à severidade do sofrimento da seca,
é transformado em um ser que se comporta como um bicho, deixando-o sem
muitas perspectivas de viver.
Segundo (ANDRADE 2009, p. 04):
Em cada capítulo o autor procura analisar as “pessoas” através de
seu comportamento, que está voltado para a natureza e para os
animais, já que existe uma fusão entre eles. Através de seus
personagens Graciliano vai oferecendo aquele mundo complexo
posto em voga pelo modernismo, isto é, o mundo debruçado nas
surpreendentes galerias do espírito humano. Por isso, além de
uma literatura social, o autor procura desvendar os mistérios que
envolvem os seres humanos.
Através dessa afirmação, o que se pode perceber na obra Vidas Secas é o
fato de que tudo gira em torno da problemática do âmbito climático espacial, que
no caso é a seca no sertão nordestino. É por causa da seca que os personagens
são obrigados a saírem em busca de lugar melhor e mais adequado para
sobreviver e é por causa dela também, que eles se tornam pessoas secas, pois o
livro é um romance em que é mostrada a característica da natureza não somente
como parte da paisagem, mas também revela a seca como algo que penetra no
28
espírito das personagens, e que segundo Andrade (2009) as personagens são
fisicamente secas e psicologicamente áridas também.
Discorrendo sobre o romancista alagoano e sua obra, Bosi (2004), afirma
que em Vidas Secas a paisagem é retratada como uma realidade hostil. É essa
realidade hostil que causa todo o problema para as personagens. A descrição da
paisagem no primeiro capitulo intitulado Mudança, percebe-se um ambiente sem
cor e sem brilho. Conforme declara Ramos (1938, p. 3). “Na planície avermelhada
os juazeiros alargavam duas manchas verdes [..] Os infelizes tinham caminhado o
dia inteiro, estavam cansados e famintos.”
Falando ainda sobre as características da paisagem, Andrade (2009)
afirma:
A seca, em seus vários níveis, agride tanto a vida quanto a
concepção de natureza brasileira bela cunhada no século XIX, as
plantas são amarelas, cinzentas, os galhos poderiam dar idéia de
fragilidade por serem finos, contudo eram cheios de espinhos, o
verde não passava de manchas na tela presentes aqui e acolá.
Não havia água, os rios estavam torrados pelo sol, o leito rachado
e onde havia água era na verdade lama, revelando a condição
sub-humana, animalesca em que viviam os sertanejos
(ANDRADE, 2009, p. 07).
5 A ZOOMORFIZAÇÃO NA OBRA
No presente capítulo, adentraremos no tema do trabalho propriamente dito,
que é o processo de “Zoomorfização” na obra “Vidas secas”, nosso objeto de
estudo. Todavia, antes de falarmos desse processo na obra, faz-se necessário
conceituar o termo. A palavra “zoomorfização” se refere à atribuição de
características de animais ao homem, ou seja, o homem é tratado e muitas vezes
comparado com o animal.
Segundo Castro (2000, p. 109), a zoomorfização é:
29
Transformação de seres humanos em animais. Os retirantes, na
busca de sustento e de um lugar estável para viver, beiram a
perfeição instintiva dos animais. A animalização a que são
submetidos é, na verdade, uma tentativa de representação dos
limites superiores do homem, uma avaliação de sua capacidade de
sobrevivência em ambientes agressivos.
Isso significa que a zoomorfização presente na obra foi um recurso utilizado
pelo escritor para demonstrar a condição na qual as personagens se encontravam,
de maneira que a seca era a causa principal de sua animalização, pois os
obrigava a viver de acordo com seus instintos, semelhantemente aos animais.
O processo da zoomorfização é o mesmo que a animalização do homem.
Tal fenômeno pode ser abordado de várias maneiras. Desde a consideração de
que o homem se torna animalizado, quando realiza atos que não são humanas e
também quando são tratados pela sociedade como animais, assim como a
animalização na forma de fábulas ou histórias em quadrinhos.
Em Animalização do Homem: uma Visão Ontológica do ser individual e do
Ser Social (1998), os autores Lacaz-Ruiz, Correa, Tavares e Scoton, falam sobre
o homem no sentido biológico, afirmam que o ser humano não é o ser mais
valioso da natureza, isto tomando como critério a forma biológica, com relação à
independência do existir. Neste sentido, o homem é inferior às plantas e aos
animais, porque as plantas apresentam o cume da independência dos seres vivos.
Segundo eles, a nutrição dos animais depende dos organismos vegetais.
Se
assim, dentro do reino animal, o homem se torna o menos independente de todos.
Dessa forma eles afirmam que se o valor essencial fosse a única medida de valor,
seria necessário reconhecer que o homem seria um animal doente.
Para fundamentar essa ideia, eles mostram alguns fatos, por exemplo, o
olfato do ser humano é o mais imperfeito dos animais, sua proteção natural contra
o feio é praticamente inexistente, etc. Além disso, ao nascer, é a espécie que mais
depende de cuidados. Os animais são bem diferentes, logo que nascem os
filhotes começam a caminhar, e em pouco tempo passam a ter os mesmos
hábitos, inclusive alimentares, enquanto que as crianças dependem dos pais até à
adolescência.
30
Entretanto, para preencher sua fraqueza animal, o homem usa a
inteligência e prudência. Biologicamente o homem continua sendo um animal, por
um lado doente, por outro acrescido com sua dignidade. Por sua vez, a dignidade
é não apenas um privilégio, mas uma grande prova disso.
Porém, ao falar sobre a animalização do homem, questionam onde fica
essa liberdade do ser humano. Os autores consideram que o homem possui
capacidade como uma entidade independente que é capaz de lembrar o passado
e visualiza o futuro, usa a razão para entender e conceber o mundo.
Para eles animalizar é:
Colocar o homem nesta galeria pré-humana, que na realidade
nunca existiu. As comparações, quando envolvem seres humanos,
costumam ser deletérias para o convívio social. Se alguém
infelizmente já presenciou o início de uma inimizade entre duas
pessoas, pode reparar que esta começou com uma maledicente
comparação; e quem fala mal dos outros, fala mal de si mesmo.
Mas quando se compara o homem a um animal, quer dizer que ele
se animalizou. LACAZ-RUIZ, CORREA, TAVARES e SCOTON
(1998, p. 36).
Dessa forma os autores dizem que é importante lembrar que no homem, a
razão predomina sobre o instinto, enquanto nos animais só é usado o instinto, e se
o animal faz algo, o faz por instinto. Já o homem, se deixa de usar a razão, como
seu instinto é rudimentar, ele faz algo que não é próprio do homem. Animalizar é
um eufemismo, pois infelizmente ele reduziu seu atuar a um reflexo, com algo que
tem de mais precário: seus instintos.
Os escritores, para mostrar seu ponto de vista com relação à sociedade, o
fazem através dos livros, com os romances. De maneira disfarçada, fazem críticas
denunciando os erros e as mazelas do homem. Um livro é a comosvisão do autor,
no qual colocam no papel suas ideias e questionamentos sobre a situação da
sociedade em sua época. Uma das críticas mais relevantes é sobre a política,
alguns escritores por se mostrarem contra o sistema político, foram perseguidos e
até exilados, como foi o caso de Graciliano Ramos. Como já mencionado, ele foi
preso durante o regime militar, por se filiar a um partido comunista.
31
O escritor alagoano, para fazer uma crítica à situação em que se
encontravam os jagunços, os retirantes, criou a história de Fabiano e sua família e
se apodera deste artifício zoomorfização. Através de Fabiano, ele mostra a
marginalização a qual é submetido o homem de classe social baixa, vivendo em
condições sub-humanas. Critica também a exploração por parte do governo, por
meio do personagem soldado amarelo, que em nome do governo maltrata Fabiano
e o coloca na prisão sem motivo.
A mesma exploração é feita por parte do fazendeiro para quem Fabiano
trabalha como vaqueiro. Quando vai receber o pagamento, o sertanejo é
humilhado, e tenta argumentar que estava errada a quantia do salário, mas o
patrão diz que ele não tem razão para discutir, devia pegar o dinheiro e não
contestar. O patrão era um sujeito ignorante, assim o diz o autor: “Tudo era seco
em redor. E o patrão era seco também, arreliado, exigente e ladrão, espinhoso
como um pé de mandacaru” Ramos (1938, p. 24).
O novo dicionário Aurélio (1999) diz que “animalizar” significa “tornar bruto,
embrutecer e bestializar”. Essa palavra também denota reduzir o homem aos seus
instintos, aos apetites, aos gostos dos animais, reduzir-se ao estado de animal e
entregar-se às paixões brutas e vis.
Descrevendo os sentimentos de Fabiano quando foi preso pelo soldado
amarelo, o narrador expõe dessa maneira: “Ele, Fabiano, um bruto, não contava
nada. Só queria voltar para junto de sinhá Vitória, deitar-se na cama de varas. Por
que vinham bulir com um homem que só queria descansar? Deviam bulir nos
outros” Ramos (1938, p. 34).
Essa é uma característica muito marcante na obra, a condição de Fabiano,
como alguém destituído de habilidade de expressar seus sentimentos. Isso o
deixa numa condição marginalizada. O fato dele não conseguir se defender,
apesar de ser um homem direito que tinha uma família, era um cidadão de bem,
no entanto foi injustiçado e punido. Nesse aspecto percebemos a animalização
presente na vida do personagem.
32
Alguns outros autores usaram esse artifício na literatura, como o escritor
Aluízio Azevedo, um grande escritor brasileiro do período naturalista. Dentre suas
obras mais importantes estão “O Mulato” e “O Cortiço”, nas quais ele explora
bastante a zoomorfização.
Outro autor que fez uso do recurso da zoomorfização, foi o escritor norte
americano John Ernst Steinbeck, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em
1962, com a obra “Of Mice and Men” (Ratos e homens), traduzido para o
português por Érico Veríssimo. De acordo com Souza, Casaril e Polidório no artigo
“Ratos e Homens” (1937) a literatura inglesa no contexto escolar (2010), o tema
da zoomorfização está presente em quase todos os momentos no texto de
Steinbeck.
Denise Azevedo Duarte Guimarães, assim como Steinbeck (1937), também
aborda o processo de zoomorfização baseado nas obras de outros autores,
objetivando levantar, dentro do livro-poema Antônio Chimango de Amaro Juvenal
os indícios formais reveladores de um processo de zoomorfização do personagem
central do texto, relacionando-os como conteúdo temático.
Mas, além disso, zoomorfização também é uma concepção do Naturalismo,
quando o homem é retratado como um animal. Exprime-se a ideia da época,
influenciada pelas ideias de Charles Darwin, que acredita que o ser humano não
passa de um ser instintivo, considerado um ser irracional é condicionado pelo
meio em que vive.
O Naturalismo surgiu na França no ano de 1970, com a publicação da obra
do escritor Émile Zola, “O Germinal”, o livro fala da vida dos operários em uma
mina de carvão na França no século XIX, os trabalhadores viviam em condições
desumanas, o que eles ganhavam não dava nem para manterem a família.
Incomodado com a situação dos operários, com a exploração que os homens
eram submetidos, um homem por nome Etienne organiza um combate contra a
exploração e convence todos os demais a se unirem com ele.
No Brasil o Naturalismo tem início com a publicação do livro “O Mulato” de
Aluízio Azevedo, em 1881. Nesse livro é abordo temas como critica social,
33
oposição ao preconceito racial, aspecto sexual, e anticlericalismo. O Naturalismo
atinge o auge em 1890, com o livro “O Cortiço”, do mesmo Aluízio Azevedo. Uma
obra carregada de personagens marginalizados.
Na literatura brasileira no período chamado Naturalismo, o tema é bastante
presente. Por exemplo, em “O cortiço” de Aluízio Azevedo, o cortiço era o
precursor das favelas, no Rio de Janeiro moravam apenas as pessoas mais
humildes e, consequentemente, separadas da burguesia e afastadas da
sociedade, recebendo a influência do meio em que viviam.
A corrente naturalista é uma ramificação do Realismo. Suas principais
características são: cientificismo exagerado, que transforma o homem e a
sociedade em objetos de experiências, tem preferência por temas como: miséria,
crimes, adultério, problemas sociais, explora temas das mazelas humanas suas
patologias, mostra o lado animalesco do homem, enfim retrata a realidade bem
objetiva. Essa realidade é mostrada de forma tão materialista que o ser humano é
encarado como um produto biológico que passa a agir conforme seus instintos
chegam até a ser comparado com os animais é aí que entra o processo da
zoomorfização.
Nessa época, os autores exploraram o “Determinismo”. Segundo o
dicionário Houais da Língua Portuguesa (2001, p. 1023),
Determinismo é um princípio segundo o qual tudo no universo, até
mesmo a vontade humana, está submetido a leis necessárias e
imutáveis, de tal forma que o comportamento humano está
totalmente determinado pela natureza e o sentimento de liberdade
não passa de ilusão subjetiva.
Ou seja, essa teoria diz que o meio, o momento e o lugar em que a pessoa
vive a influenciam. Nesse sentido, a seca determina a situação em que vivem os
personagens.
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5.1 Zoomorfização em Fabiano
Graciliano Ramos, embora não seja do Naturalismo, retoma esse tema na
obra “Vidas Secas”. Como já citado, o livro aborda tanto o zoomorfismo como o
antropomorfismo que é o processo de dar características do homem nos animais.
Podemos ver isso quando o personagem Fabiano questionava sobre sua
condição, quando nem ele mesmo sabia, ao certo, se era um homem ou um bicho,
e muitas vezes o autor o descreve como parecendo um tatu no meio do mato. Por
outro lado, a cachorra Baleia era descrita como tendo sentimentos, pois o autor a
descreve como se a mesma se sentisse parte da família, a ponto de caçar preás
para os donos, de modo que isso desse a entender que a mesma se sentia na
obrigação de ajudar no sustento das pessoas.
De acordo com Castro (2000, p. 67), o nome Fabiano é descrito pelo
dicionário da língua portuguesa Aurélio Buarque de Holanda como um “individuo
qualquer”, “pobre diabo”, “João-ninguém”. Isso significa que o nome Fabiano e seu
significado é uma denotação de sua personalidade e condição social na qual está
inserido.
No livro “Vidas Secas”, o autor Graciliano Ramos descreve um monólogo do
personagem Fabiano, no qual ele avalia sua existência, se colocando em papéis
diferentes, sendo este o de homem e o de bicho. A verdade é que Fabiano se
considerava como um bicho, e é neste ponto em que está presente a
zoomorfização. Nesta parte na história, Fabiano é descrito como um homem que
se sentia inferior na presença dos brancos, julgando-se cabra. Os cabras eram os
descendentes de negros, e por estes terem sido escravos, eram considerados à
margem da sociedade, e era como Fabiano se sentia. Abaixo, apresenta-se parte
deste monólogo.
- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se,
notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se
ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era
apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros.
Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos
ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais
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alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e
julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os
meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a,
murmurando: - Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo
de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.
Chegara naquela situação medonha - e ali estava, forte, até gordo,
fumando o seu cigarro de palha. - Um bicho, Fabiano. Era.
Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passara
uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a
trovoada. (RAMOS, 1938, p. 18).
Na obra os personagens são retratados como sem nenhuma condição
social adequada às suas necessidades, consequentemente os mesmos não
teriam como sobreviver de maneira digna, e por isso a vida deles passa ser
avaliada da mesma maneira como a de um animal, não havendo diferença. É por
isso que a zoomorfização se faz presente na obra, pois o autor descreve os
personagens vivendo numa situação na qual não parece haver perspectiva de vida
de forma digna aos seres humanos, tornando-os insensíveis, instintivos, não
havendo diferença entre a vida deles com a de um bicho qualquer.
Tudo isso acontece porque ao mesmo tempo em que o autor descreve os
personagens como pessoas que careciam de uma boa linguagem, por serem
incapazes de se expressar, cria a utilização de monólogos interiores, os quais
eram apenas murmúrios que representavam sua indigência verbal, ao mesmo
tempo em que eles se comparavam com os animais, tendo como referência a
cachorra Baleia, a qual eles indagavam a possibilidade de saber pensar. Essa
decorrência é ocasionada pelo meio no qual eles vivem, sendo a seca a principal
causadora da animalização do ser humano e da humanização da cachorra Baleia,
pois os personagens assim indagam esta possibilidade.
Além das características psicológicas, são apresentadas também as físicas
de animais, as quais mostram alguns exemplos de zoomorfismo, pois apresentam
nas personagens a maneira como os animais se comportam, conforme afirma
Malard (1976, p.124):
Complementando sua aparência animal, a descrição do corpo,
maneira de andar e posições, por duas vezes comparados com os
próprios animais: cabeça inclinada, espinhaço curvo, cambaio,
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torto, feio, corcunda, peito cabeludo, duro, lerdo como tatu, jeito de
bicho lerdo. Uma única vez está forte e gordo, mas andando como
um macaco.
Este é apenas mais um exemplo de zoomorfização presente na obra, que
mostra como Fabiano era descrito pelo autor, quando este o descreve enquanto
vivia no sertão nordestino.
Durante a narrativa, o fenômeno da zoomorfização é constantemente
percebido, pelo fato de as personagens estarem endurecidos com o sertão, e seu
comportamento passa a ser de homem-animal, conforme foi mencionado pelo
autor no momento em que Fabiano e sua família vão para uma cerimônia de Natal
que iria acontecer na igreja. Nesta cena, eles usam trajes típicos para a cerimônia,
mas pelo fato de não estarem acostumados a usar roupas desse tipo, já que as
deles eram roupas surradas, como as de vaqueiro, por exemplo, por mais que
tivessem ficado felizes por estarem vestidos de modo que possibilitasse a
socialização com as outras pessoas, eles não se sentiram à vontade, por falta de
costume.
No caminho, quando Fabiano e sua família estão indo para a cerimônia,
tiveram que tirar parte dos acessórios das roupas e também os sapatos, que
incomodavam seus pés e os faziam andar desajeitados, como descreve o autor,
“pezunhavam nos seixos como bois doentes dos cascos”. Como já foi
mencionado, o recurso da zoomorfização utilizado pelo autor para descrever estas
cenas, serve para confirmar que eles realmente estavam totalmente fora dos
padrões da sociedade, pois os mesmos não tinham como adaptar-se aos
costumes dos demais, por viver uma realidade dura que os animalizava.
A exemplo disso Ramos (1938, p. 19 e 20), relata que:
Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A
sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa,
como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achavase ali de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que
demorava demais, tomava amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro
das cabras, ao juazeiro que os tinha abrigado uma noite [...] Vivia
longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés
duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra.
Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava
uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o
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companheiro entendia. A pé, não se aguentava bem. Pendia para
um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio.
Este é mais um exemplo da realidade dura na qual Fabiano vivia,
denotando o seu modo animalizado do qual era acostumado a se comportar. Ele
gostava de conviver com os animais, pois perto de homens se sentia inferior,
menosprezado.
Castro (2000, p. 62 e 63), considera que o que acontece com Fabiano é
semelhante ao que acontece com os animais, pois estes se desnorteiam quando
seu habitat natural se altera, e Fabiano não se mostra diferente diante disso. Isso
faz com que o romance Vidas Secas apresente os símbolos da cultura sendo
gradativamente devorados pelos índices da sobrevivência.
Falando sobre animalização de Fabiano, Reis (1995, p. 52) afirma:
Homem e bicho confinam: a comunicação entre Fabiano e Baleia
estabelece-se mediante palmas e aboio, vocalização que não
chega a ser linguagem plenamente articulada. Essa voz, no
entanto, é eficiente como instrumento de trabalho: vale como
linguagem. A limitação cultural e linguística do vaqueiro dá a
medida do que se requer dele: trabalho mecânico e submissão.
Percebe-se neste contexto a zoomorfização, pois a autora coloca Fabiano
na mesma condição da cachorra. Ao falar dessa comunicação entre eles, Fabiano
fica no mesmo patamar da Baleia, dessa maneira o animaliza.
5.2 Zoomorfização nos meninos
Quanto aos meninos, o que se pode dizer acerca deles é que têm suas
próprias indagações, mas suas condições sociais os privam de conhecimento. A
realidade que viviam seus pais constitui um fator importante para a realidade deles
também, pois seus pais nunca tinham ido à escola, não tinham conhecimento para
passar para eles.
Certa vez, o menino mais velho ouve uma palavra desconhecida e fica
intrigado para saber o que significava tal palavra. Ele vai até seu pai interrogar,
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mas este ficou aborrecido por incomodá-lo e diz: “sai daqui menino”. Ele, então,
saiu de perto e foi perguntar para a mãe. Esta não sabendo responder irrita-se e
acaba batendo nele. Esta foi a reação de sinhá Vitória e da criança. “Aí sinha
Vitória se zangou, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote. O menino saiu
indignado com a injustiça, atravessou o terreiro, escondeu-se debaixo das
catingueiras murchas, à beira da lagoa vazia” (RAMOS, 1938, p. 54).
Eles tinham vontade de conhecer, mas o local onde viviam e a família à
qual pertenciam os condicionavam a não ter perspectiva de nada. Isso os
animalizava, fazendo presente o uso da zoomorfização em diferentes partes do
texto para explicar esta condição que a eles se aplicava.
Há outro momento que fica evidente nos meninos esse processo, é quando
os meninos chegam à casa todos sujos, tinham barro até nas meninas dos olhos,
sinhá Vitória então repreende os dizendo: “Safadinhos! Porcos! Sujos como...
Deteve-se. Ia dizer que eles estavam sujos como papagaios” Ramos (1938, p. 44).
Apesar de ser uma comparação banal que costumeiramente as mães fazem com
os filhos, mas não deixa ser uma zoomorfização.
Segundo Castro (2000, p. 77), na parte em que o menino é citado como
tendo o vocabulário tão minguado como o do papagaio que havia morrido, nota-se
a comparação feita com o animal, pois tinha um vocabulário limitado. Este é mais
um exemplo de zoomorfização presente na obra que foi percebido pelos outros
autores.
Outro ponto que mostra a animalização dos meninos são seus
comportamentos e suas características físicas apresentadas pelo autor quando
diz: “Rodeou o chiqueiro, mexeu-se como um urubu, arremedando Fabiano”. Com
relação ao corpo: “pernas finas, dedos finos, peito magro” (RAMOS, p. 88-89
1938).
Como já mencionado, há evidências da importância com a qual a cachorra
baleia é tratada em comparação aos meninos. Ela fica no patamar de uma pessoa
da família, enquanto que os meninos são tratados como animais. Nota-se aí
humanização do animal e a animalização do homem.
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Também como já falado anteriormente é curioso observar que Graciliano
Ramos, não somente não dá nomes aos meninos, como também nunca enfoca o
rosto deles. Como afirma Malard (1976): “Do físico ressalta apenas a magreza e a
sujeira pelo uso dos adjetivos “fino”, “magro” e “sujo”. Vem acompanhado com as
partes do corpo como: braços, mãos, dedos, unhas, pernas e pés que não
singulariza o ser humano nem o faz reconhecido”.
Além disso, vivem enlameados com porcos, encobertos do barro
com que brincam. Sujos e desprovidos de fisionomia,
transformam-se em animais e, no caso, animais anônimos e
indefesos. Não lhes basta a impiedade das condições sócioeconômicas em seu processo de animalização. Sofrem também a
impaciência, a incompreensão e a injustiça não conscientizada dos
pais (Malard, p 127 1976).
Diante disso, nota-se que enquanto a criança é rebaixada ao nível mais
baixo do ser humano, por outro lado a cachorra Baleia é caracterizada numa
condição mais elevada tornando-a como um ser humano. No âmbito psíquico o
autor iguala o animal racional e o irracional, de maneira que dois gêneros se
penetram e se misturam na paisagem seca Malard (1976).
5 3 Zoomorfização em sinha Vitória
Com relação à sinhá Vitória, ela é a personagem mais esperta comparando
com os demais. Ela tem um pouquinho de conhecimento, consegue fazer contas.
Ela fez a soma do valor que Fabiano devia receber do patrão. Fabiano dizia que
não sabia de nada, mas que sua mulher era inteligente. Quando recebeu o salário
“Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se
perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro
no papel do branco” Ramos (1938, p. 93).
Entretanto o processo de zoomorfização está presente em sinha Vitória
também, primeiramente pela condição em que ela vivia, a ausência de diálogo, a
escassez de linguagem, a dificuldade na comunicação são evidências da
animalização dela.
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Outra evidência e esta de maneira mais enfática é na atitude de sinhá
Vitória, quando esta por instinto de sobrevivência, lambe o focinho da cachorra
para aproveitar o sangue que estava acumulado.
Percebe-se aí a condição miserável em que ela chegou, a ponto de praticar
um ato tão absurdo desses. A fome era tão grande que ela não se preocupou em
fazer tal coisa, algo que é totalmente desumano. Ao praticar tal ato, ela agiu
totalmente por instinto, assemelhando-se aos animais, pois um ser humano
normalmente não age dessa maneira.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que este trabalho atendeu aos objetivos propostos na
introdução, como por exemplo, a pergunta citada na problemática, que indagava a
materialização da animalização e a que proporções a mesma poderia chegar nos
seres humanos. Como resposta à primeira pergunta, pode-se dizer que a seca é o
principal fator responsável pela animalização dos personagens, devido ao
embrutecimento dos mesmos, pelo fato de estes não conseguirem atender às
suas necessidades básicas, nas quais se incluem principalmente a alimentação e
conforto.
O trabalho atendeu a problemática que indagava a possibilidade de haver
danos no relacionamento vivido entre os personagens, o que fica evidente por
causa de seu embrutecimento, pela falta de diálogos e principalmente, como foi
citado no texto, estavam tão preocupados com o estômago que não tinham tempo
de se abraçar.
Quanto ao ponto a que a animalização pode chegar nos seres humanos,
podemos
lembrar
que
a
personagem
sinhá
Vitória
lambeu
o
focinho
ensanguentado da cachorra Baleia. Nesta parte da obra, é evidente que o autor
faz com que a personagem use totalmente o instinto de sobrevivência sem
nenhum resquício de razão, ou seja, é dada neste momento a proporção máxima
na qual um ser humano pode chegar dentro da animalização, pois esta
característica de lamber o focinho de um animal só caberia a outro animal, o qual
sobrevive com seus instintos e não faz uso da razão.
Por fim, o trabalhou atendeu seu último objetivo que era apresentar um
assunto não tão explorado em outros trabalhos do gênero, que era demonstrar
que a seca é mais do que um fator climático ou mesmo um problema regional
brasileiro ou descaso do governo, e sim a causadora da animalização nos
personagens da obra “Vidas Secas”, e suas proporções.
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