do lixo nasce a praça terra viva

Transcrição

do lixo nasce a praça terra viva
Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído
GRUPO DE TRABALHO EM DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
11 ENCONTRO NACIONAL E I ENCONTRO LATINO
AMERICANO SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES
SUSTENTÁVEIS
I
Canela, RS, 24 a 27 de abril de 2001
DO LIXO NASCE A PRAÇA TERRA VIVA
Sandra Maria Furiam Dias, Eng". Civil, Mestre.
Equipe de Educação Ambiental (EEAlUEFS)
Rua Venezuela, 49 - Capuchinhos - Feira de Santana - Bahia - Cep: 44035- 500 - Brasil - Tel: (75)
625-7019 - Fax: (75) 224-8105 - e-mail: [email protected]:
Selma Nascimento, Farmacêutica Bioquimica. Especialista.
Presidente da Associação Comunitária do Arraial de São Francisco da Mombaça.
Luiz Antonio Ferraro Junior, Eng. Agrônomo. Mestre.1
Equipe de Educação Ambiental (EEAlUEFS)
Ar1ene Bitencourt de Castro Novaes, Contadora .. Especialista.
Equipe de Educação Ambiental (EEAlUEFS)
Jamaei Avelino do Nascimento, Eng. Sanitarista. Mestre.
Equipe de Educação Ambiental (EEAIUEFS)
Andrea Campos Reis. Advogada
Grupo de Promoção e Incentivo à Leitura. Catadores de Pérola como Contadora de Histórias.
Mareio Almeida Silva
Monitor aprendiz do Projeto À Sombra de uma Jaqueira. Regente auxiliar do:Coral Terra Viva do
Arraial de São Francisco da Mombaça. Desenvolve a Proposta Cant'ação
Musicalização e Ações em Educação Ambiental.
•
RESUMO
Este artigo relata as ações desenvolvidas para a resolução do problema do lixo
produzido no Arraial de São Francisco da Mombaça, distrito de Conceição do Almeida,
Bahia, através do gerenciamento sustentável dos Residuos Sólidos. Para a consecução
deste objetivo, foi desenvolvido o Projeto "Terra Viva - O que queremds", coordenado
pela Associação Comunitária local, apoiado pela Equipe de Educaçã6 Ambiental da
Universidade Estadual de Feira de Santana. A metodologia adotada foi participativa,
buscando o estimulo e a capacitação da comunidade para a solução I dos problemas
locais. Foi proposta a organização do lixo nos próprios terrenos baldios onde é
usualmente
descartado buscando uma melhoria estética do local com a sua
transformação em área verde pública. Alguns ajustes deverão ser realizados como
definição do local para materiais de podas, entulhos e resíduos de varrição além da
conquista de um maior comprometimento da Prefeitura na freqüência da coleta do lixo.
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ABSTRACT
This paper reports the actions taken towards the sustainable management of the solid
waste produced in São Francisco da Mombaça, district of Conceição da Almeida,
Bahia, Brazil. In order to achieve this goal it has been developed the project "Land
alive - what we want", coordinated by the local community association and supported
by the Environmental Education Group of Feira de Santana State University. It has
been developed due to a participatory approach, motivating and training local people to
the solution oftheir own problems. The organization ofwaste in the unoccupied places,
where it was usually disposed, was proposed in order to improve the esthetics and to
tum it into a public green area. Some adjustments have to be done to find places to
dispose waste originated from gardening, building and streets c1eaning and also to get a
greater compromise of local govemment with the collect ofwaste.
PALA VRAS - CRA VE
Residuos sólidos; educação ambiental, participação comunitária; gerenciamento do lixo.
INTRODUÇÃO
O Arraial de São Francisco da Mombaça é um pequeno distrito com 700 habitantes, a maIOrIa
subsistindo ligada a atividades rurais. A localidade dista 6 km do Municipio de Conceição do
Almeida e 180 km de Salvador, Bahia. A realidade local modificou-se bastante ao longo do tempo,
no passado o arraial possuia maior pujança econômica e ordenação dos espaços. Os trabalhadores
ocupavam-se da lavoura de fumo e café, florescia também o setor relacionado ao beneficiamento do
fumo. A transformação ocorrida na região transformou áreas agrícolas em pastagens (pecuária),
com pouca necessidade de mão de obra. O arraial entrou em declínio econômico e num processo
de crescente desorganização e decadência dos espaços.
Nos últimos cinco anos, os moradores vêm se reunindo, de modo espontâneo para relembrar o
passado, os passeios pelos campos e riachos; a lavagem da roupa; a arte de fazer charuto; o canto da
colheita no cafezal. Dessas conversas emergiram sonhos, e a vontade de revalorizar Mombaça,
retomar as rédeas da história do local, esses aparentes devaneios começaram a se concretizar através
do projeto "A Sombra de Uma Jaqueira" - Escola Pública/Comunidade Rural/Cidadania que
privilegiava o campo da Leitura, com enfoque interdisciplinar buscando-se uma avaliação crítica,
com a percepção, indispensável, da relações entre o texto e o contexto. Outra conquista foi a
criação,
em 1998, da Associação
Comunitária
do Arraial de São Francisco
da
Mombaça/ ACASFMombaça.
Através de oficinas de "práticas leitoras" emergiram falas e escritos das pessoas da comunidade
local. Os registros levantados revelaram uma forte preocupação com o meio ambiente, como a
deterioração da estética do povoado e com as condições sanitárias precárias e, em especial, com o
lixo acumulado e exposto em vários pontos do povoado, surgindo as indagações: "Porque o Rio dos
Pilões está secando e as fontes, antes de águas cristalinas, estão desaparecendo? Porque o lixo se
acumula em frente a Escola?"
Das indagações e da inquietudes surgiram varIas propostas de ações, sendo uma delas a
transformação do ponto de' lixo em frente à Escola na Praça Terra Viva.
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METODOLOGIA
A proposta da comunidade para a resolução do problema do lixo foi a de um gerenciamento
sustentável, entendido pelas pessoas de Mombaça como o controle da disposição destes materiais,
impedindo que contribuam para a degradação da paisagem local e da reciclagem, com destaque
para a compostagem doméstica. Para transformar estas expectativas em nklidade o Projeto A
Sombra de uma Jaqueira, contribuiu oferecendo uma oportunidade de observar e vivenciar outras
experiências no manejo do lixo urbano. Além de oficinas de sucatas e dd papel realizadas na
Escola do Arraial, um grupo da Associação Comunitária visitou a sede da Equipe de Educação
Ambiental da Universidade Estadual de Feira de Santana para observar o manejo d~do ao lixo
produzido no campus há mais de sete anos: coleta seletiva, a compostagem,1 armazenamento dos
recicláveis e a oficina de papel. Visitaram ainda a Usina de Lixo da cidade de Sapeaçu - BA. A
impressão dos moradores sobre o gerenciamento do lixo nestes locais foi a de que a população deve
participar de todo o processo, esta percepção é bem ilustrada pelo depoimento de uma pessoa da
comunidade "Na Usina de compostagem a gente tem a impressão de que os \noradores da cidade
não conhecem para onde vai o seu lixo. Seria melhor se houvesse um trabalho para conscientizar
os moradores para a coleta seletiva, isso possibilitaria um trabalho de melhor qualidade e economia
de espaço". "Na Universidade vi o que é lixo separado - coleta seletiva. O lixo orgânico virando
adubo para voltar para a terra e embelezar as plantas e fortalecer a horta".
Após as visitas o objetivo do projeto foi caracterizar fisicamente o lixo produzido no Arraial, que
constou das seguintes etapas:
I
a. Identificação dos pontos de lixo existentes no local e confecção do mapa com os arruamentos.
b. Divulgação para a comunidade do Arraial de São Francisco da Mombaça através de carta
aberta com instruções para o procedimento com o lixo nos dias de caracterização.
Para cada
casa, foram doados dois sacos plásticos: um deveria conter o lixo úmido e' o outro o lixo seco.
Esta tarefa ficou a cargo de integrantes da Associação, contando com o apoio da Prefeitura
Municipal. Foi usado para a divulgação um carro de som nos dias que antecederam a coleta.
Paralelamente à caracterização foram realizadas oficinas de papel e construção de brinquedos com
sucata, na escola, com o objetivo de chamar a atenção da comunidade sobre as possibilidades de
reciclagem do lixo urbano.
c. A coleta para a caracterização foi realizada por um trator com caçamba acoplada. Foram
I
coletados os sacos dispostos na calçada, em frente às residências. De forma aleatória foram
marcados os sacos para a amostragem, em torno de I()() kg. Os gerado~es desse lixo foram
entrevistados a fim de obter-se o número de pessoas residentes no domicíli~ e também uma idéia
geral da compreensão destas pessoas acerca da questão do lixo. A coleta foi acompanhada por
alunos da escola local e por membros da Associação.
I
d. A pesagem foi feita em locais públicos, sendo a primeira amostragem realizada
em frente à
,
escola e a segunda, na praça principal do Arraial. Todo o lixo coletado foi pesado. Os sacos
numerados foram pesados separadamente; em seguida, o seu conteúdo foi d~spejado em uma lona
e selecionou-se: papel, metal ferroso e não ferroso, vidros, plástico, entulho, trapos, borrachas,
madeira, orgânico. A produção per capita e a densidade do lixo foram também calculados.
I
Idealização da Praça
Nas oficinas de Práticas Leitoras os jovens da comunidade discutiram como, deveria ser a praça,
e as idéias foram sendo expressas através de imagens e desenhos. A partir dessas idéias a Equipe
I
de Educação Ambiental da UEFS (EEA) construiu uma maquete onde era possível observar o
lixão, antes e depois da Praça Terra Viva. Coube também a EEA criar ~m texto base para a
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cartilha, que seria utilizada para a sensibilização dos moradores usuários do lixão bem como a
planta baixa da praça.
Em outra oficina, com a comunidade, o texto foi trabalhado, reescrito e enriquecido com
ilustrações, surgindo a Cartilha " Sonhar com Dias Melhores - Do lixo Nasce A Praça Terra
Viva", um exemplo bastante interessante de construção coletiva para subsidiar trabalhos de
educação ambiental.
Implantação
da Praça
Os meninos do coral e monitores do Projeto foram responsáveis pela divulgação e construção de
duas baias de bambu, uma para receber o lixo orgânico e a outra para receber o lixo seco. Os
moradores foram incentivados a levar o lixo até o terreno de forma separada: orgânico e secos. O
orgânico é descartado em composteira coletiva e os secos em outra baia. Como o lixo ficou
confinado em um pequeno espaço o restante do terreno pode ser utilizado para a implantação de
uma praça, planejada e implementada com as pessoas da comunidade.
RESULTADOS
A tabela O I apresenta o resultado da caracterização em duas amostragens do lixo do Arraial .
Tabela OI. Percentual dos vários componentes do lixo produzido no Arraial de São Francisco da
M om b aca o b tt'd o a partir. de d uas amostragens r eaI'lza das em 1999
AMOSTRA02
Média
Tipo de Lixo
AMOSTRA01
%
%
Orgânico
Plástico
Ferroso
NãoFerroso
Pano,borracha,madeira
PapeVPapelão
Vidro
Inerte
TOTAL
76,1
8, I
2,7
0,1
5,2
3,2
2,3
2,3
100.0
68,4
8,1
4,9
0,1
3,2
4,5
9,7
1,1
100.0
(%)
72,2
8,1
3,8
0,1
4,2
3,9
6,0
1,7
100.0
A produção per capita foi de 1,2 kg/pessoa.dia e os pesos específicos médios encontrados foram:
orgânico 418,05 kglm3, plástico 60,5 kg/m3, papel 59,6 kg/m3, metal 82,6 kg/m3 e vidro 231,3
kg/m3. Observou-se, pelo aspecto das latas e garrafas encontradas na amostra, que muitos
moradores "limparam" seus quintais nos dias da amostragem, refletindo no valor de produção per
capita encontrado.
A preparação da área, se InICIOUcom a retirada do lixo pela prefeitura. O grupo local se
incumbiu de preparar o terreno, limpando-o, retirando vidros, pedras e sacos plásticos
acumulados ao longo do tempo. Com o terreno preparado houve a demarcação dos canteiros para
receber a mudas de plantas.
Em um dia especialmente marcado para este fim foi realizado o plantio das mudas que
embelezarão o local com ampla participação dos moradores e dos alunos da Escola. Muitas das
senhoras que participaram do mutirão de plantio trouxeram mudas de seus jardins,
espécies
medicinais e principalmente ornamentais, foi significativo que um espaço público, até então visto
como" terra de ninguém" , a partir daquele momento passava a pertencer a todos, e todos traziam
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um pouco de si, de suas casa para povoar aquele espaço. Encerrado o plantio, o coral local
homenageou a todos com uma apresentação especialmente preparada e a cÓmunidade abraçou a
praça entoando cantigas de rodas dos tempos das plantações de fumo.
CONCLUSÃO
A transformação do lixão presente em frente a Escola do Arraial de São Francisco da Mombaça é
um exemplo bastante significativo de trabalho participativo. Favoreceu a superação da inércia e
da apatia frente à degradação ambiental do local. As pessoas puderam despertar-se como agentes
de mudanças e senhores de seu próprio futuro.
projeto disponibilizou informações
contextualizadas, fomentou a organização comunitária, partiu da solução 'de problemas locais
concretos, estimulou a formação de educadores ambientais locais e iniciou um processo de
agendamento das prioridades da ação transformadora local, ou seja, o projeto contém todos os
elementos destacados pelos tratados de educação ambiental como chaves para a construção de
sociedades sustentáveis, " objetivo da educação ambiental é consegJir que as pessoas
desenvolvam condutas corretas em seu entorno de acordo com valores assumidos livre e
responsavelmente",
NOVO, 1996.
°
Para que a ação não sofra descontinuidade alguns ajustes deverão ser realizados, destacando-se:
construção de baias com materiais mais resistentes, comprometimento da Prefeitura em coletar o
lixo a cada 15 dias e defmição de locais para o recebimento do material de poda, resíduos de
varrição e do entulho.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, S.M.F, NASCIMENTO, S. et ai. Diagnóstico dos resíduos sólidos produzidos no Arraial
de São Francisco da Mombaça, Bahia: uma contribuição para o desenvolvÜnento sustentável da
comunidade no Programa Terra Viva - o que queremos". In: Anais do IX Simpósio Luso
Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, Porto Seguro, BA, 2000.
I
NOVO, M. La Educación Ambiental. Bases éticas, conceptuales y metodológicas. Madrid.
Universitas, 1996
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