provincianismo português - CECC - Universidade Católica Portuguesa
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provincianismo português - CECC - Universidade Católica Portuguesa
MARINA GUIOMAR PROJECTO DE PÓS-DOUTORAMENTO CENTRO DE ESTUDOS DE COMUNICAÇÃO E CULTURA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA OBJECTIVOS O objectivo estruturante do projecto é repensar o discurso sobre o “provincianismo português” e reconfigurá-lo à luz de uma perspectiva transcultural abrangente. A primeira fase da investigação tem como principal objectivo traçar a genealogia da palavra “provincianismo” e circunscrever os limites do seu significado, a partir de textos ficcionais e ensaísticos portugueses. O momento intermédio do trabalho visa isolar duas das acepções mais correntes de “provincianismo”, as vertentes “Insularidade/Cosmopolitismo”, e explorar a sua complexidade e interdependência, com base em casos paradigmáticos da cultura europeia. Finalmente, tenciono demonstrar de que modo a ideia de “provincianismo” se organiza enquanto discurso teórico e ideológico, enquanto modelo de falsa consciência, e enquanto uma construção necessariamente transcultural. PLANO DETALHADO A ideia de “provincianismo português” pertence a um discurso amplamente disseminado em Portugal. Do ponto de vista linguístico, é repetidamente operacionalizado pelos falantes nativos. De uma perspectiva cultural mais abrangente, o discurso contribui de forma decisiva para a auto-representação do português (a língua, o povo, o pensamento), que assim desenha uma imagem identitária do Mesmo, e do Outro, à luz do atavismo, da idiossincrasia, da repetição de padrões comportamentais e sociais veiculados pelo efeito tutelar e cristalizador do mitema. Numa primeira fase da investigação, considero imperativo proceder à revisão histórica da locução “provincianismo português”, a partir da sua ocorrência em textos filosóficos e literários, com vista a uma redefinição dos seus limites semânticos, culturais e políticos. Acredito que, antes de problematizado, o discurso sobre o “provincianismo português” deve ser sujeito a uma sistematização e a uma contextualização que permitam fixar uma genealogia e fundar uma descrição suficientemente robustas para permitir a dialéctica de posições e argumentos. São fundamentais para este estudo os autores da geração de 70 e o neogarretismo. Será dada particular atenção a “O Provincianismo Português” e “O Caso Mental Português”, de Fernando Pessoa, por me parecerem 1 um ponto de viragem na enunciação teórica do discurso sobre o “provincianismo português” e um instrumento imprescindível para a reconfiguração da narrativa do mitema. Conto ainda comentar pontos centrais das reflexões acerca da cultura portuguesa de Eduardo Lourenço e José Gil. A palavra “provincianismo” parece sugerir uma tensão permanente entre o isolamento do “eu” e o fascínio perante entidades e objectos excêntricos e extrínsecos ao sujeito. Tenciono, pois, num segundo momento da investigação, discutir a polaridade “Insularidade/Cosmopolitismo” e concentrar-me no estudo de alguns casos paradigmáticos da dicotomia. A polémica alimentada nas páginas da Seara Nova, em 1939, entre José Régio e Álvaro Cunhal é central para esta fase da investigação. A contenda intelectual sedimenta a cisão que até hoje se faz sentir no meio cultural português e eterniza questões relacionadas com a prevalência do discurso sobre o “provincianismo português” em Portugal. O facto de a literatura neo-realista ter pugnado por ser uma literatura “ética”, contra as condições de vida do português e o atraso das condições laborais terá exacerbado a vertente insular do discurso sobre o “provincianismo português” e contribuído afinal para a manutenção de valores veiculados pelo próprio discurso que se propunha transformar. No entanto, porque influenciada por fontes externas (soviéticas e francesas), a “Insularidade” na literatura neo-realista assumiria um carácter retórico, não programático. No extremo oposto, a defesa da “arte pela arte” de Régio operacionaliza-se através da importação de referentes estrangeiros (parisienses, na sua maioria) e da reorganização da representação identitária da literatura portuguesa. A permeabilidade a influências excêntricas a Portugal, se em grande parte positiva, abre também vias para a exacerbação da vertente do “Cosmopolitismo”, o que potencia, poder-se-ia pensar, a inadequação dos textos paradigmáticos ao capital cultural português (Fernando Pessoa diria “Paio Pires a falar francês”) e a adopção de uma posição derrogatória e de descarte da auto-ironia perante o contexto intelectual português. A tensão “Insularidade/Cosmopolitismo” é visível noutros momentos capitais da história da cultura europeia, aos quais darei forte relevo. Em França, Blanchot e Sartre discutem o “romance de tese” e “o que é a literatura?”. Sartre, Paulhan e Rivière debatem o mutismo e a misantropia de origem campesina de Parain e Renard. Em Itália, a “polémica Vittorini e Togliatti” remete para o debate em torno das relações entre política e cultura e polariza a normatização da literatura e a “art for art’s sake”. As considerações de Gramsci acerca da literatura “nazionale-popolare” e as suas críticas, por um lado, a Manzoni e aos “nipotini di padre Bresciani” e, por outro, ao “Cosmopolitismo” da tradição intelectual italiana reflectem a dualidade implícita no termo “provincianismo” e acrescentam complexidade à questão. A fase final da investigação caracteriza-se pela colocação da hipótese de que a ideia de “provincianismo” remete mais para questões políticas e transculturais do 2 que para a descrição essencialista de uma só cultura. Nesse sentido, o “provincianismo português” pode ser entendido como uma forma de falsa consciência. Marx e Engels criticavam os jovens hegelianos pela aplicação cega de ideias francesas ao contexto alemão e pela consequente criação de uma filosofia que descia do “céu para a terra”. Da mesma forma, o discurso do “provincianismo português” reproduz teorias apriorísticas (francesas, na sua maioria) e desenha um percurso no sentido do abstracto para o concreto. Este procedimento causa, à partida, alguns problemas: o teórico coloca-se, geralmente, na posição do observador que se auto-exclui do universo observado (e assim descarta a auto-ironia); o teórico tende a replicar, numa espécie de círculo vicioso, um discurso construído segundo os moldes daquilo que pretende criticar. Falta, por isso, desconstruir a identidade “portuguesa” que se esconde por detrás do “provincianismo português” para perceber que, provavelmente, este nunca existiu. METODOLOGIA O primeiro ponto da investigação irá desenvolver-se sob uma perspectiva historicista. Pretendo actualizar o discurso sobre o “provincianismo” através do levantamento da ocorrência da ideia na literatura e ensaio português. Do ponto de vista metodológico, na segunda fase do programa de trabalhos darei maior ênfase ao close-reading e à interpretação de objectos textuais (pontualmente, os argumentos serão reforçados com referências a textos de natureza fílmica ou musical). Interessam-me sobretudo as páginas que expõem o debate intelectual e materializam a dicotomia entre “provincianismo” enquanto isolamento e atavismo e “provincianismo” enquanto deslumbramento e anseio em relação a estímulos excêntricos. A mesma metodologia será empregue no momento conclusivo da investigação, embora o foco incida já sobre a hipótese de que o discurso sobre o “provincianismo” é uma construção teórica e ideológica, cujos postulados são fixados a priori e sem uma correspondência efectiva entre o real e o discurso idealizado. ESTRATÉGIAS DE DIVULGAÇÃO É meu intuito organizar um workshop, relativo à primeira parte do programa de trabalhos, dirigido a alunos de estudos pós-graduados e jovens investigadores (embora a sessão, com a duração aproximada de duas horas, seja aberta a todos os interessados). A actualidade e a dimensão do discurso sobre o “provincianismo português” devem ser material bastante para estimular o conflito de interpretações entre os participantes, mas, através da leitura de alguns dos textos que compõem a bibliografia do projecto de investigação, espero evidenciar as hipóteses 3 levantadas ao longo da primeira fase da investigação e indicar, ao compasso das intervenções, algumas pistas para a problematização das principais questões subjacentes ao discurso sobre o “provincianismo português”, sobretudo nas vertentes histórica e meta-narrativa. Para a divulgação do segundo momento do trabalho, será decisiva a organização de um seminário em torno da dicotomia “Insularidade/Cosmopolitismo”. O seminário será igualmente aberto à participação de todos os interessados (investigadores, docentes, alunos de pós-graduação) e terá a duração de duas horas. A minha função será apresentar um conjunto de questões iniciais (kick-off) seguidas da leitura de textos de origem transcultural (obras literárias, ensaísticas, fílmicas, musicais), de modo a pôr em evidência a dialéctica entre os dois pólos do discurso sobre a ideia do “provincianismo” e o presuntivo alcance da locução “provincianismo português”. A terceira fase do programa de trabalhos será divulgada através da organização de um colóquio. Haverá espaço para a recepção de propostas de análise por parte de outros investigadores e académicos através da abertura de um call for papers. Tenciono também convidar oradores cujo trabalho seja determinante para o aprofundamento da discussão acerca do “provincianismo”. Este colóquio terá a duração de um dia útil. Outras estratégias de divulgação incluem a publicação de ensaios da minha autoria sobre o tópico e a participação em encontros organizados por instituições universitárias portuguesas e estrangeiras, nomeadamente o colóquio subordinado ao tema “Pré-Guerras” e a conferência anual de Estudos Pós-graduados, ambos organizados pelo CECC. BIBLIOGRAFIA CUNHAL, Álvaro. “Numa Encruzilhada dos Homens (A propósito das Cartas Intemporais de José Régio publicadas na Seara Nova nºs 608 e 609)”, in Seara Nova: Revista de Doutrina e Crítica. Lisboa, nº 615, 27 Maio 1939, 285287. -----------, “Ainda na Encruzilhada”, in Seara Nova: Revista de Doutrina e Crítica. Lisboa, nº 626, 12 Agosto 1939, 151-154. FUMAROLI, Marc. Quand L’Europe Parlait Français. Paris: Editions de Fallois, 2001. GIL, José. Portugal, Hoje: O Medo de Existir. Lisboa: Relógio d'Água, 2004. GRAMSCI, Antonio. Quaderni del cárcere, Valentino Gerratana (org.). Torino: Einaudi, 2007, 4 vol. LOURENÇO, Eduardo. “Orfeu e Presença”, Revistas, Ideias e Doutrinas: Leituras do Pensamento Contemporâneo, Zília Osório de Castro (org.). Lisboa: Livros Horizonte, 2003. 4 -----------, Sentido e Forma na Poesia Neo-Realista. Lisboa: D. Quixote, 1983. -----------, “Uma Literatura Desenvolta ou os Filhos de Álvaro de Campos”, in O Tempo e o Modo – Revista de Pensamento e Acção. Nº 42, Out. 1966, 923-935. MARTINS, Oliveira. Portugal Contemporâneo. Porto: Lello & Irmão, 1981. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: Crítica da Filosofia Alemã Mais Recente na Pessoa dos seus Representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do Socialismo Alemão na dos seus Diferentes Profetas. Lisboa: Presença, 1980. OLIVEIRA, Alberto de. Palavras Loucas. Porto: Civilização, 1984. PAULHAN, Jean. Œuvres Complètes, Bernard Bauillaud (org.). Paris: Gallimard (nrf), 2006-2011, 3 vol. PESSOA, Fernando. “O Provincianismo Português” e “O Caso Mental Português”. Textos de Crítica e Intervenção. Lisboa: Ática, 1980. RÉGIO, José. ‘Página Indiscreta (Divagação mais ou menos pessoal sôbre uma “blague” do sr. Álvaro Cunhal...),’ in presença. Lisboa, nº1, Série II, Ano XII, Nov. 1939, 59–61. -----------, ‘Cartas Intemporais do Nosso Tempo (A um moço camarada, sobre qualquer possível influência do romance brasileiro na literatura portuguesa),’ in Seara Nova: Revista de Doutrina e Crítica. Lisboa, nº 608, 8 Abril 1939, 151-153 e nº 609, 15 Abril 1939, 167-169. SARTRE, Jean-Paul. Situations I. Paris: Gallimard (nrf), 2010. VITTORINI, Elio. Letteratura Arte Società, Raffaella Rodondi (org.). Torino: Einaudi, 2008. CRONOGRAMA O programa de trabalhos tem a duração de doze meses, com início em 1 Janeiro 2013. A primeira secção do projecto tem a duração de quatro meses (1 Jan. – 30 Abril 2013). O workshop terá lugar depois de decorridos os primeiros três meses da investigação (5 Abril 2013). O segundo quadrimestre do ano será ocupado com a fase intermédia dos trabalhos (1 Maio – 31 Agosto 2013). O seminário “Insularidade/Cosmopolitismo” terá lugar no dia 9 de Setembro de 2013. O último trimestre do ano será dedicado à secção final (1 Set. – 30 Nov. 2013). O colóquio realizar-se-á no dia 18 de Dezembro, o mesmo mês que reservo para fazer uma avaliação do trabalho realizado, organizar as relações de interdependência transcultural de modo definitivo, fixar as conclusões mais relevantes, estabelecer metas futuras para a redação de um volume de ensaios sobre o tema, que espero publicar sob a forma de livro. 5