Bruxas? depende dos olhos de quem vê e da cabeça de

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Bruxas? depende dos olhos de quem vê e da cabeça de
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Semanário de Braga · Ano I · Nº8 · Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2007 · www.obalcao.pt
| Reportagem |
Bruxas? Depende dos olhos de quem
vê e da cabeça de quem crê
por
Crer é poder. Qual a chave da
frase? Depende do que se está
a falar. Aqui falamos do oculto,
do misticismo, de esoterismo.
De bruxas e bruxos. Ou melhor,
perguntamos: existem de facto
bruxas e bruxos? É possível adivinhar o futuro, fazer mal aos
outros através de magia negra
ou contactar com espíritos de
pessoas que já morreram? Vamos por partes. O dizer popular “mete tudo no mesmo saco”,
tudo é bruxaria, ou o mal é obra
do demónio, ou alguém deitou
mal-olhado. Foge, que é gato
preto. Usa esta pedra ao pescoço para afastar olho gordo.
a algumas casas, umas grandes
e bem arranjadas, outras rodeadas de pobreza e fortes problemas sociais. O comum? Apesar
de supostamente não ter mal
nenhum e só se fazer o bem,
ninguém quer dar a cara e aparecer no jornal. A quantidade de
pessoas que passam por estes sítios é impressionante, as filas de
gente à espera (pacientemente)
de consulta que vi, muitas vezes em condições decadentes,
às escuras e ao frio, também.
Das portas entreabertas vem
um cheiro a incenso e imagens
de santos e altares repletos de
cores e objectos estranhos. E às
DR
uma pessoa muito religiosa, vai
muitas vezes em peregrinação
até ao Sameiro”. Nada de concreto e congruente que servisse
de explicação ou pelo menos de
identificação.
Abrindo o jornal, não faltam
anúncios de magos, adivinhos,
curandeiros que prometem mundos e fundos, com direito a desconto e tudo. Uma das referências que me deram foi de uma
senhora que faz “trabalhos para
o bem e para o mal”, faz “amarramentos também se for preciso”. Mas cobra muito, uma “consulta” pode ir até 500 euros.
Mas separemos as águas então.
Para lá destes sítios de consulta
clandestinos, com práticas de
facto ocultas, pelo menos a jornalistas metediços, outras áreas
há no mundo do paranormal ou
do misticismo em que as coisas
são mais claras e há pessoas dispostas a falar disso com celeridade e a explicar exactamente
afinal do que estamos a falar.
Um dos grandes desejos de muitas
pessoas é comunicar com o mundo dos mortos, falar com familiares e amigos que partiram, ou
então é difícil não ficar curioso.
O que não conhecemos ou conseguimos explicar é normalmente atraente. Desde tenra idade os
miúdos jogam ao jogo do copo e
contam histórias de fantasmas e
fenómenos paranormais.
“Não pode haver espíritas
comerciantes. Não é uma
profissão nem é vendível.”
Ou queixam-se muito porque
sofrem de mal de inveja. Pois,
cada “macaco no seu galho”.
Espiritismo não é candomblé.
Tarologia não é quiromancia. E
bruxas se as há? Talvez. Depende dos olhos de quem vê mas
principalmente da cabeça de
quem crê. Mas chamar bruxas é
que não, principalmente quando
se está no papel de consultante.
No início da reportagem, quando perguntei às pessoas se conheciam alguém que “atendia”
pessoas, que trabalhavam nesta
área do oculto, foram-me imediatamente apresentados alguns
nomes. A si, que está ler esta reportagem, provavelmente já lhe
ocorreram uma ou duas referências. Ou porque acredita, ou já
ouviu falar, ou consultou alguém
uma vez só por curiosidade.
Ora, a palavra oculto refere-se
a um "conhecimento não revelado" ou "conhecimento secreto",
em oposição ao "conhecimento
ortodoxo" ou que é associado à
ciência convencional. E oculto
é também este microcosmo, de
pessoas com poderes de adivinhar o futuro, curar diversas
enfermidades e males deste
mundo e do outro, maus-olhados e males de inveja. A partir
de algumas referências, fui ter
vezes ouvem-se assim uns barulhos também estranhos. “Está a
trabalhar”, diz alguém lá fora,
com um ar muito sério e respeitador. Profano e religioso à mistura. Das pessoas que encontrei
que estavam à espera da tal consulta, as respostas e descrições
são muito vagas. Apesar de não
quererem ser identificadas na
reportagem, vão dizendo umas
coisas. Dado que me foi negada
a entrada, perguntei afinal o que
fazia o senhor lá dentro. De repente ninguém sabia muito bem
e estavam lá todos pela primeira
vez. Uma senhora dizia até que
veio de França de propósito para
consultá-lo. E o que faz afinal
este senhor, chamado de bruxo
por alguns? “Faz o bem”, foi a
resposta. “É muito boa pessoa e
tem muitos poderes. Sabe tudo
só de olhar para nós. Às vezes
está aqui a atender pessoas até
às duas da manhã”. E se acreditam que alguém lhes pode fazer
mal através de feitiços ou magia? “Ó menina, há mais pessoas a querem-nos mal que bem”.
Na verdade, de todas as pessoas
que lá estavam, apesar de apresentarem muita fé, nenhuma me
conseguiu explicar exactamente o que o dito senhor fazia. “é
médium”, ou “olhe que ele é
Ulisses Lopes, da Associação
Sócio-cultural Espírita de Bra-
ga, em Nogueira e membro da
Associação de Divulgadores de
Espiritismo de Portugal (ADEP),
explicou ao Balcão o que é o espiritismo, a mediunidade e como
se comunicam os espíritos.
E o que é o espiritismo? “É uma
doutrina com uma componente filosófica, científica e éticomoral. Encarrega-se de estudar
as relações entre nós, seres vivos, que na doutrina espírita,
damos o nome de encarnados,
e aqueles que em espiritismo
se diz serem os desencarnados,
os que chamamos vulgarmente,
mortos. O espiritismo preocupa-se em estudar este tipo de
relações”. Mas o espírita é uma
pessoa normal, que tem a sua
actividade, “nunca fará do espiritismo o seu modo de vida. Não
pode haver espíritas comerciantes. Não é uma profissão nem
é vendível. Sendo espírita não
vai fazê-lo. Mas pode intitularse espírita e fazer. Uma coisa é
eu ser alguma coisa, outra coisa
é eu dizer que sou. E sabemos
que cada vez mais este assunto
vai vendendo. Tem havido muita
curiosidade dos meios de comunicação social sobre este tema.
E se vende nas televisões, também vende a quem precisa de
vender. Há muitas pessoas a intitularem-se espíritas sem terem
a mínima noção daquilo que
é. Tivemos uma experiência há
uns dias de um senhor que fazia
trabalhos mediúnicos em casa,
e no vidro tinha que fazia trabalhos espíritas. E chegou à ADEP
essa informação, e nós, numa
de amizade, fomos lá falar com
essa pessoa. E perguntámos-lhe
se sabia o que era espiritismo.
Laura Machado
Ele disse que não, mas que vendia bem, e que as pessoas apareciam à procura de tratamento.
E então explicámos que espiritismo e mediunidade não são a
mesma coisa e depois acabou
por pedir desculpa e dizer que
pôs o cartaz por ignorância e
acabou por retirá-lo da porta e
pôr outra coisa”. O espiritismo
para além de uma doutrina, tem
também uma parte prática, as
sessões espíritas, que são “tudo
o que se faz dentro de um centro espírita”. O trabalho de uma
sessão espírita faz-se também
através de pessoas dotadas de
mediunidade. Palavra utilizada
por muitos, mas nem sempre da
maneira mais correcta. “A mediunidade é uma ferramenta que
nós utilizamos, que é inerente a
qualquer ser humano e que cruza toda a humanidade. Não é
propriedade de espíritas. Nem
foram os espíritas que inventaram a mediunidade. Ela existe
desde que existe o Homem. E
se formos ver a história da humanidade, vamos ver que o Homem teve sempre capacidade,
nem que fosse de uma forma
intuitiva, de se comunicar com
os mortos. Está escrito e pintado em grutas. Na altura falavase em magia, mas o fenómeno
em si já existia. Há a ideia que
mediunidade é aquilo que faz
voar mesas, que faz com que as
pessoas desmaiem, e não é só
isso. É um fenómeno que varia
em grau e em género. Há muitos
tipos de mediunidade, desde a
simples intuição, até aos fenómenos ostensivos como a vidência, a audiência, a psicografia,
quando os espíritos comunicam
Nuno F. Veiga
cidade
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através da escrita. Os fenómenos como as mesas que voam,
ou os ruídos dentro das casas,
que ainda é muito vulgar, acontecem muitas vezes. Há muitas
pessoas a procurarem o espiritismo porque ouvem ruídos e
procuram com medo em busca
de soluções”. E encontram essas soluções? “Às vezes. Nós
não somos magos, nem revolucionamos nada. Nós prestamos
informações e as pessoas, talvez
com uma mudança de comportamento é que vão fazer com
que aquilo se altere. Porque havendo fenómenos mediúnicos
dentro de uma casa tem que haver pelo menos um médium lá.
Alguém dotado de uma capacidade mediúnica ostensiva. Havendo alguém num lar com essa
capacidade ostensiva essa pessoa tem que ser de alguma forma educada”. Mas quem é que
provoca esses fenómenos? “É o
espírito através da pessoa com
mediunidade. A mediunidade é
orgânica, pertence ao Homem
enquanto corpo físico também.
O médium tem que ser educado
para os fenómenos acontece-
Semanário de Braga · Ano I · Nº8 · Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2007 · www.obalcao.pt
grande parte das vezes, ou procuram para resolver problemas
de fenomenologia, ouvem vozes, vêem coisas, vêem vultos,
ouvem ruídos dentro de casa,
objectos que se movem. Há outras pessoas com problemas depressivos, problemas de ordem
existencial, há muita gente que
vive na dúvida, desgostoso. E
quando chegam a um centro espírita já bateram a muitos outros
lados”. Há pessoas que aparecem a perguntar, por exemplo,
se a namorada o anda a trair?
“Também. Mas as sessões mediúnicas são à porta fechada. Se
um dia for a um centro espírita e lhe permitirem assistir às
sessões, desconfie logo. Uma
sessão funciona com aquilo a
que chamamos de intercâmbio
mediúnico, há espíritos que
se apresentam, através de médiuns, não é incorporação, que
é muitas vezes confundida com
a psicofonia, quando o espírita
utiliza as cordas vocais do médium e fala”. Mas afinal, podese “fazer mal” a alguém através
do espiritismo?” Se for mesmo
espírita nunca o fará. E se for
Nuno F. Veiga
tos que vão aparecendo, e
existem os esteios, que estão a pensar no que está a
acontecer, a sugerir bons
pensamentos, a libertar
bons fluidos, é um seguro que está ali em termos
fluidicos. O objectivo é
conversar e muitas vezes encaminhar. Existem
muitos espíritos que são
ignorantes, não sabem o
que lhes aconteceu, não
sabem que morreram, e
há pessoas que sabem que
desencarnaram mas estão
cá com um objectivo. Ou
querem estar connosco
para nos ajudarem, ou
para nos prejudicar. Muitos médiuns querem fazer
passar a ideia que controlam a vontade dos espíritos. Isto
não é verdade. Nós fazemos tratamentos direccionados, quando alguém nos procura a pedir
ajuda, ficamos com os dados
dessa pessoa e fazemos aquilo
que se pode chamar uma invocação. E vão aparecendo. Mas
nem sempre é certo, há sempre espíritos a tentarem furar
o sistema, são muito ardilosos
muitas vezes. Um médium tem
que estar bem treinado”. E para
onde vamos quando morremos?
“O plano espiritual é paralelo
a este. O espiritismo explica e
subscreve também a reencarnação, a lei de causa efeito, e
a pluralidade dos mundos. E o
espírito vai manter-se no plano
espiritual até que volte a reencarnar”.
“Não existe o predizer, o
futuro não está pronto”
rem quando ele permitir e não
quando os espíritos quiserem,
ser ele a usar da sua capacidade. Mas outra idiotice que dizem em alguns centros espíritas
é que os médiuns têm que trabalhar, isso é falso. Os médiuns
têm que educar a sua faculdade mediúnica para poderem
ser autónomos. Há muita desinformação e não-formação”.
E que tipo de pessoas recorrem
a um centro espírita, com que
tipo de problemas? “De todo o
tipo. Há dois grandes factores,
são problemas de ordem física
um centro espírita idóneo, para
começar, nunca pode levar dinheiro. Qualquer centro é gratuito. Digo isto porque sei que
há muitas casas que o fazem.
Está mal. E se queremos um
centro espírita cheio, é levar
dinheiro, aumenta logo a credibilidade. [se formos] a algum
sítio e nos apresentarem uma
conta, estamos no sítio errado”.
Presentes nas sessões espíritas
“ para além dos médiuns, estão presentes aqueles a quem
chamamos os doutrinadores,
que conversam com os espíri-
Outro dos universos que desperta a curiosidade e interesse
em muitas pessoas é a tarologia. E toda a gente conhece
as figuras do tarot, a morte, o
dependurado, a esperançosa
estrela ou a auspiciosa roda da
fortuna. Para desvendar este mundo do tarot, Clara
Belletti, estudiosa
de esoterismo, de
teosofia, numerologia, tarot falou
ao Balcão do seu
trabalho. Estudiosa destas matérias
desde os treze anos
de idade, fez o curso de pedagogia, e
especializou-se em
psicopedagogia e
psicanálise. Mais
tarde defrontou-se
com “Gustaf Carl
Jung, que tem uma
abordagem bastante interessante dos
arquétipos que a
gente pode fazer
uma relação com as
lâminas do tarot”.
E qual o objectivo
numa consulta de
tarot? “Esta abordagem dos arquétipos
pode ajudar-nos a
entender melhor a
nós mesmos. Qual
é a minha preten-
Nuno F. Veiga
são no atendimento dos meus
clientes? É ajudar a encontrar o
seu ponto de equilíbrio através
de três degraus, ajudar a entender quem é a pessoa, o que está
previsto para a jornada dessa
pessoa no caminho dela, o que
é que carrega na bagagem. A
primeira pretensão é o conhecete e ti mesmo e para isso eu uso
duas chaves do conhecimento
antigo, a chave da numerologia
pitagórica e a chave do tarot”.
Contudo, isto não significa que
se adivinhe o futuro, “não existe o predizer, o futuro não está
pronto. O destino existe, arma a
situação, a circunstância e depois diz: vira-te, joga o teu jogo
da vida; usa o teu livre arbítrio,
a tua inteligência. Nós temos
discernimento e escolha. Nós
não somos marionetas na mão
do destino. Estas chaves servem
muitas vezes para prevenir, mas
não para predizer. Na numerologia, se eu somar a sua data de
nascimento, eu encontro o seu
caminho, a sua jornada. O tarot
ajuda a descodificar mensagem
que muitas vezes estão no nosso
inconsciente. É um instrumento
que vai ajudar a prevenir as situações”. Sem falsas modéstias
diz considerar-se “uma espécie
de explicadora. Existe a escola
da vida, existe o mestre maior
da escola da vida e eu explico. Mas resolver os problemas
quem resolve é quem está na
escola da vida”. Tudo isto assenta numa base de conhecimento, e numa fé, “nós temos
três corpos, um corpo físico, e
um corpo anímico, anima vem
do latim e significa alma. Neste
corpo estão sedeadas as emoções, os sentimentos, medos,
percepções, é o que anima o
físico e desanima também. E
temos a consciência, que eu
entendo ser a centelha de Deus
que vive em nós, que podemos
chamar de espírito”. Relativamente ao tarot, qualquer pessoa pode comprar, e aprender
a dispô-las mas a interpretação
é outra história, “no tarot há
uma componente intuitiva, uma
chave. Todas as pessoas podem
aprender a ler o tarot, mas as
disposições do tarot são símbolos, têm uma mensagem”. Mas,
pergunto, se eu chegar aqui a
uma consulta e lhe perguntar
se, por exemplo, um negócio
que agora iniciei vai correr
bem? “Podemos usar a chave da
numerologia e o tarot, e outras,
a astrologia, as runas, sou estudiosa de todas elas mas ainda
não as aplico”.
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