L`O S S E RVATOR E ROMANO

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L`O S S E RVATOR E ROMANO
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L’OSSERVATORE ROMANO
EDIÇÃO SEMANAL
Unicuique suum
EM PORTUGUÊS
Non praevalebunt
Cidade do Vaticano
Ano XLVII, número 8 (2.402)
Quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
A conferência de imprensa do Papa Francisco durante o voo de retorno do México
Riqueza surpreendente
Uma palavra
para Nínive
GIOVANNI MARIA VIAN
As últimas palavras de Francisco
no México, a pouca distância da
fronteira com os Estados Unidos
da América, resumiram conteúdo e
significado da sua décima segunda
viagem internacional. «Sou homem: duro pouco e é enorme a
noite. Mas olhar para cima: as estrelas escrevem. Sem compreender
compreendo: também sou escritura e neste mesmo instante alguém
me soletra». Estes versos lindíssimos do poeta mexicano Octávio
Paz serviram a Bergoglio para saudar o grande país no qual passou
cinco dias muito densos, que se
concluíram em Ciudad Juárez,
uma das cidades mais violentas do
mundo, com gestos eloquentes como a homenagem comovida às vítimas das migrações forçadas, chaga do nosso tempo.
Contudo, na escuridão da noite
o Papa divisou muitas luzes: são
as mulheres e os homens que encontrou nestes dias, verdadeiros
«profetas do porvir» para os quais
implorou a protecção de Nossa
Senhora de Guadalupe a fim de
que sejam missionários, testemunhas de misericórdia e de reconciliação. Estas são palavras que
ecoaram antes de tudo numa prisão, onde Francisco foi para celebrar com os detidos o jubileu e
para lhes garantir que é sempre
possível «escrever uma nova história». Pois quem «experimentou o
inferno» pode, rompendo o círculo da violência e da exclusão»,
tornar-se um profeta na sociedade
na qual impera uma cultura que
descarta as pessoas.
Depois, com os trabalhadores e
empresários, Bergoglio falou da
possibilidade e urgência de um futuro diverso. Com uma abordagem que lhe é congenial: hoje não
podemos dar-nos ao luxo de eliminar as possibilidades de encontro, debate, confronto e busca,
porque o único modo de preparar
o porvir é construir «os pilares necessários» para reatar os vínculos
sociais. Deste modo, empresários e
trabalhadores, estão unidos pela
mesma responsabilidade de criar
trabalho, único caminho para vencer aquela pobreza que é explorada pelo narcotráfico e pela violência. E ainda, o ensinamento social
da Igreja «não é contra ninguém
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O povo mexicano possui «uma riqueza tão grande, é um povo surpreendente». Tem «uma cultura milenar» e «é um povo de grande fé»,
mesmo «se sofreu perseguições religiosas». É um povo que «não se pode explicar» pela sua riqueza, história, alegria, capacidade de festa, não
obstante as tragédias. O Papa sintetizou assim as suas impressões sobre
a viagem ao México, respondendo
às perguntas dos jornalistas no voo
de retorno que na tarde do dia 18 o
trouxe de volta para Roma. Na con-
ferência de imprensa o Pontífice tratou diversos temas da atualidade.
Mas voltou muitas vezes com o pensamento ao acolhimento recebido do
povo mexicano, frisando também a
sua unidade, que lhe permitiu «não
falhar», «não sucumbiu a tantas
guerras». Disse que está convicto de
que se este «povo tem ainda esta vitalidade», isto «só se explica com
Guadalupe: Nossa Senhora está ali.
E interpelado sobre o momento
de silenciosa oração diante da venerada imagem, realizado na tarde do
dia 13, o Papa explicou que invocou
a intercessão da Virgem «pelo mundo, pela paz», enfim, por «muitas
coisas». Francisco confidenciou também que «pediu perdão» e confiou
a Nossa Senhora a esperança de
«que a Igreja cresça sadia» e «que
os sacerdotes sejam verdadeiros
presbíteros, e as religiosas verdadeiras freiras, e os bispos verdadeiros
prelados: como o Senhor os quer».
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A
13
Jubileu da Cúria romana
Suspender as execuções capitais
Comunidade de serviço
Gesto
corajoso
No meio dos fiéis, como um simples peregrino, em procissão rumo
à porta santa. Assim o Papa participou na celebração do jubileu da
Cúria romana, a 22 de fevereiro,
festa litúrgica da Cátedra de São
Pedro. Os funcionários do Vaticano chegaram às 8h30 à sala Paulo
VI onde, na presença do Pontífice,
se reuniram para a oração da Hora terceira e para ouvir a meditação sobre o tema «A misericórdia
na vida diária», pronunciada pelo
jesuíta Marko Ivan Rupnik.
No final da meditação, os fiéis
deixaram a sala e, seguindo a
cruz, dirigiram-se para a basílica,
onde o Pontífice celebrou a missa.
A Cúria romana, o Governatorato
e as instituições ligadas à Santa
Sé, disse o Santo Padre na homilia, constituem uma «comunidade
de serviço» na qual devem ser
conjugadas «fidelidade e misericórdia» e na qual ninguém deveria
sentir-se «desamparado nem maltratado».
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Um «apelo à consciência dos governantes para a abolição da pena
de morte» e a proposta «de cumprir um gesto corajoso e exemplar:
que nenhuma condenação seja
executada neste Ano Santo da Misericórdia»: foram lançados por
Francisco no Angelus de 21 de Fevereiro. Francisco mencionou o
congresso internacional promovido
em Roma pela comunidade de
Santo Egídio, auspiciando um
«renovado impulso ao compromisso para a abolição da pena capital», porque, comentou, é possível
«reprimir eficazmente o crime sem
tirar àquele que o cometeu a possibilidade de se redimir» e pedindo «uma justiça penal aberta à esperança da reinserção».
Comentando com os numerosos
fiéis presentes na praça de São Pedro o Evangelho do domingo, o
Pontífice relacionou o seu conteúdo com os dias passados na terra
mexicana, definindo-os «uma experiência de transfiguração».
Segunda audiência jubilar
Levar
a carícia de Deus
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L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8
No centro da segunda audiência jubilar o vínculo entre compromisso e misericórdia
Levar a carícia de Deus
«As pessoas abandonadas, quantos são
portadores de deficiência muito grave,
os doentes nas piores condições, os
moribundos, quantos não são capazes
de expressar reconhecimento»: são estas
as realidades às quais o cristão está
chamado a levar a carícia de Deus.
Frisou o Papa Francisco na manhã de
sábado, 20 de Fevereiro, falando do
vínculo entre compromisso e
misericórdia, durante a segunda
audiência jubilar na praça de São
Pedro.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
O Jubileu da Misericórdia é uma
verdadeira oportunidade para entrar
em profundidade no âmbito do mis-
tério da bondade e do amor de
Deus. Neste tempo de Quaresma, a
Igreja convida-nos a conhecer cada
vez mais o Senhor Jesus, e a viver
de modo coerente a fé com um estilo de vida que expresse a misericórdia do Pai. É um compromisso que
estamos chamados a assumir para
oferecer a quantos encontramos o sinal concreto da proximidade de
Deus. O meu dia-a-dia, as minhas
atitudes, o modo de andar na vida
deve ser precisamente um sinal concreto do facto que Deus está próximo de nós. Pequenos gestos de
amor, de ternura, de cuidado, que
fazem pensar que o Senhor está con-
Mensagem vídeo aos jesuítas do país latino-americano
Dignidade para o México
«O México sofre mas é grande, possui muitas coisas lindas, tem uma riqueza impressionante, uma história original, quase única na América Latina»: recordou o Papa Francisco numa mensagem vídeo aos jesuítas do
país, que foi gravada durante o encontro com seis deles na sede da nunciatura apostólica por ocasião da recente viagem. Na tarde de domingo,
14 de Fevereiro, voltando da visita ao hospital da capital, o Pontífice encontrou os irmãos de hábito mexicanos que o esperavam para pedir que
gravasse uma mensagem para todos os membros da Companhia de Jesus
que trabalham no país. No vídeo, transmitido na sexta-feira 19, no canal
YouTube Vocaciones Jesuitas México, Francisco dirige em espanhol «uma
saudação como irmão» e exorta a continuar «a trabalhar pela dignidade,
a dignidade de Jesus que está em cada mulher e homem do México».
Um país, frisou o Papa, que «tem um rosto jovem», portanto é preciso
comprometer-se a fim de que esta dignidade não acabe «negociada» na
Cruz, para fazer com que depois «vivam melhor os que crucificam». Por
fim, Francisco garantiu as suas orações e exortou que seja levada em frente a causa do beato mártir Miguel Agustín Pro, do qual recebeu uma relíquia como dom. O jesuíta de Guadalupe foi assassinado em 1927 na Cidade do México durante as perseguições anticatólicas: fuzilado sem processo devido à sua actividade pastoral, foi beatificado por João Paulo II a
25 de Setembro de 1988.
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GIOVANNI MARIA VIAN
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Giuseppe Fiorentino
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Redacção
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nosco, está próximo de nós. E assim
abre-se a porta da misericórdia.
Hoje gostaria de reflectir brevemente convosco sobre o tema desta
palavra que disse: o tema do compromisso. O que é um compromisso? E que significa comprometer-se?
Quando me comprometo, significa
que assumo uma responsabilidade,
uma tarefa em relação a alguém; e
significa também o estilo, a atitude
de fidelidade e dedicação, de atenção especial com a qual levo por
diante esta tarefa. Todos os dias nos
é pedido para dedicar atenção ao
que fazemos: na oração, no trabalho,
no estudo, mas também no desporto, nas actividades livres... Em síntese, comprometer-se significa dedicar
a nossa boa vontade e as nossas forças para melhorar a vida.
E também Deus se comprometeu
connosco. O seu primeiro compromisso foi o de criar o mundo, e não
obstante os nossos atentados para o
destruir — e são tantos — Ele dedicase a mantê-lo vivo. Mas o seu maior
compromisso foi o de nos doar Jesus. Este é um grande compromisso
de Deus! Sim, Jesus é precisamente
o compromisso extremo que Deus
assumiu em relação a nós. Recorda
isto também são Paulo quando escreve que Deus «não poupou o próprio Filho, mas o entregou por todos nós» (Rm 8, 32). E, em virtude
disto, juntamente com Jesus, o Pai
nos proporcionará todas as coisas de
que necessitamos.
E como se manifestou este compromisso de Deus por nós? É muito
simples verificá-lo no Evangelho.
Em Jesus, Deus comprometeu-se de
maneira total para restituir esperança
aos pobres, a quantos estavam privados de dignidade, aos estrangeiros,
aos doentes, aos presos e aos pecadores que acolhia com bondade. Em
tudo isto, Jesus era expressão viva
da misericórdia do Pai. E gostaria de
mencionar um aspecto: Jesus acolhia
com bondade os pecadores. Se pensássemos de modo humano, o pecador seria um inimigo de Jesus, um
inimigo de Deus, mas Ele aproximava-se deles com bondade, amava-os
e mudava o seu coração. Todos nós
somos pecadores: todos! Diante de
Deus todos temos alguma culpa.
Mas não devemos desanimar: Ele
aproxima-se precisamente para nos
dar o conforto, a misericórdia, o perdão. É este o compromisso de Deus
e por isso enviou Jesus: para se
aproximar de nós, de todos nós e
abrir a porta do seu amor, do seu
coração, da sua misericórdia. E isto
é muito bom. Muito bom!
A partir do amor misericordioso
com o qual Jesus expressou o compromisso de Deus, também nós podemos e devemos corresponder ao
seu amor com o nosso compromisso.
TIPO GRAFIA VATICANA EDITRICE
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don Sergio Pellini S.D.B.
director-geral
E isto sobretudo nas situações de
maior necessidade, onde há mais sede de esperança. Penso — por exemplo — no nosso compromisso com as
pessoas abandonadas, com quantos
são portadores de deficiência muito
graves, com os doentes nas piores
condições, com os moribundos, com
quantos não são capazes de expressar reconhecimento... A todas estas
realidades nós levamos a misericórdia de Deus através de um compromisso de vida, que é testemunho da
nossa fé em Cristo. Devemos levar
sempre aquela carícia de Deus —
porque Deus nos acariciou com a
sua misericórdia — levá-la aos demais, aos que têm necessidade, a
quantos têm um sofrimento no coração e estão tristes: aproximar-se com
aquela carícia de Deus, a mesma que
Ele nos deu a nós.
Que este Jubileu possa ajudar a
nossa mente e o nosso coração a ver
concretamente o compromisso de
Deus por cada um de nós, e graças
a isto transformar a nossa vida num
compromisso de misericórdia por todos.
No final da audiência o Santo Padre
saudou em várias línguas os fiéis
presentes, proferindo entre outras as
seguintes palavras.
Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação fraterna
para todos vós. Ao realizardes esta
peregrinação jubilar, que Deus vos
abençoe com uma grande coragem
para abraçardes diariamente a vossa
cruz e um vivo anseio de santidade
para iluminardes com a esperança a
cruz dos outros irmãos. Conto com
as vossas orações por mim! Bom caminho de Quaresma!
Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,
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número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
A Cúria romana, o Governatorato e as
instituições ligadas à Santa Sé
constituem uma «comunidade de
serviço» em que devem ser conjugadas
«fidelidade e misericórdia» e onde
ninguém deveria sentir-se «ignorado
nem maltratado», frisou o Papa
Francisco durante a missa celebrada na
basílica de São Pedro na manhã de
22 de Fevereiro, festividade da Cátedra
do Apóstolo, por ocasião do jubileu dos
funcionários do Vaticano.
A festa litúrgica da Cátedra de São
Pedro vê-nos congregados para celebrar o Jubileu da Misericórdia como
comunidade de serviço da Cúria Romana, do Governatorato e das Instituições ligadas à Santa Sé. Atravessando a Porta Santa, viemos até ao
túmulo do Apóstolo Pedro para fazer a nossa profissão de fé; e hoje a
Palavra de Deus ilumina de modo
especial os nossos gestos.
Neste momento, a cada um de
nós o Senhor Jesus repete a sua pergunta: «E vós, quem dizeis que Eu
sou?» (Mt 16, 15). Uma pergunta
clara e directa, diante da qual não é
possível fugir nem permanecer neu-
À Cúria romana o Papa recordou a necessidade da fidelidade
Comunidade de serviço
tro, e nem sequer adiar a resposta ou
delegá-la a uma outra pessoa. Mas
ela não contém nada de inquisitivo,
aliás, está cheia de amor! O amor do
nosso únco Mestre, que hoje nos
chama a renovar a fé nele, reconhecendo-o como Filho de Deus e Senhor da nossa vida. E o primeiro a
ser chamado a renovar a sua profissão de fé é o Sucessor de Pedro, que
tem a responsabilidade de confirmar
os irmãos (cf. Lc 22, 32).
Deixemos que a graça volte a
plasmar o nosso coração para acreditar, e abra a nossa boca para cumprir
a profissão de fé e alcançar a salvação (cf. Rm 10, 10). Portanto, façamos nossas as palavras de Pedro:
«Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo!» (Mt 16, 16). O nosso pensamento e o nosso olhar permaneçam
fixos em Jesus Cristo, princípio e
fim de qualquer obra da Igreja. Ele
é o fundamento, e ninguém pode
Vida diária e cristianismo na meditação do padre Rupnik
Por que não devemos olhar para as uvas
«É maravilhoso quando alguém, referindo-se a uma cúria qualquer, diz
que encontrou pessoas livres, disponíveis, generosas» e capazes de
abertura. Características que delineiam o perfil de quem desempenha a própria missão na Cúria romana, segundo o jesuíta Marko
Ivan Rupnik, autor da meditação
que, na sala Paulo VI, inaugurou a
jornada jubilar. Exactamente com
esta atitude de abertura, afirmou o
religioso «se inicia a diminuir a distância com o homem contemporâneo que se sente ferido, sofredor e
provado como nós». E só na partilha desta condição seremos deveras
«misericordiosos», envolvendo «as
pessoas num desejo de vida nova».
A ponto que, explicou Rupnik, «se
hoje, nesta sociedade fragmentada,
quisermos seguerir algo às instituições civis do mundo», devemos relançar «um modo de nos estruturar,
de governar, dirigir e gerir que é
comunhão, abrangente, e é manifestação de uma realidade mais profunda».
«Somos chamados — prosseguiu
Rupnik — a suscitar vontade e apetite no mundo por uma vida nova».
E «a nossa fé é sobretudo acolhimento desta vida nova». Certamente que «por detrás de uma Igreja
competente nunca alguém se comprometerá, só aplaudirá». O que
atrai realmente é «uma Igreja bonita que dentro de si — com os seus
gestos, os seus olhares, as suas palavras — faz emergir o Filho e ainda
mais o Pai». Sempre «movidos pelo
Espírito Santo que é a vida como
comunhão». Só assim, observou, «o
homem se torna lugar da vida como comunhão e misericórdia, lugar
da Igreja, lugar da eclesialidade».
O jubileu da Cúria foi uma ocasião propícia, segundo Rupnik,
também para nos prevenir da tentação «tremenda de adquirir um carácter meio paraestatal», acabando
por colocar no centro «a função, a
estrutura, a instituição, o indivíduo
que está em função de algo». Mas
«o indivíduo só pode revelar-se a si
mesmo». E seria escandaloso «fazer
ver ao mundo que vivemos o cristianismo como uma realidade individual». Ao contrário, devemos libertar-nos, exortou Rupnik, da
ideia de «perfeição do indivíduo»,
porque «o cristianismo não pode
prometer a uma pessoa a perfeição
ideal, mas a vida eterna em comunhão com o corpo de Cristo».
Referindo-se também aos estudos
de grandes pensadores cristãos,
Rupnik recordou que «a perfeição
da Igreja consiste na organização,
isto é, a Igreja pode levar ao mundo uma transfiguração da sociedade
porque faz e organiza a vida como
a sinergia trinitária, a manifestação
da divino-humanidade de Cristo,
preparando a nova vinda de Cristo,
libertando o homem na Igreja de
uma dinâmica pecado-redenção,
que é necessária mas deve ser superada». A «segunda etapa — acrescentou — é a do Espírito Santo da
criatividade: liberta uma humanidade que se torna teofânica, revela o
amor de Deus com o seu modo de
ser abrangente e envolvente».
Depois, Rupnik advertiu sobre a
tentação de se comprometer para
obter algo em troca. Fazendo assim
«inteiras realidades da Igreja murcharam, caindo no mero compromisso de práticas religiosas», disse.
Por isso, a atitude correcta é o acolhimento e não «a institucionalização religiosa da fé e da Igreja».
Nas Salas de Rafael, afirmou, o
afresco de Laureti recorda que «o
cristianismo não é a substituição da
religião pagã». De resto, «a tarefa
da Igreja é fazer com que o mundo
veja o que Deus faz de nós quando
escorre através da humanidade».
Na sua reflexão sobre a «misericórdia na vida diária», rica de referências bíblicas e patrísticas, Rupnik afirmou também «que a vida é
um tecido relacional, escorre através
das relações e nas relações o homem revela o seu conteúdo». E a
misericórdia provém da «comunhão
com Deus». A ponto que «o homem se torna lugar da revelação da
misericórdia porque começa a viver
segundo a vida de Deus, isto é, incluindo o outro». A existência de
Deus, como diziam os antigos padres gregos, consiste «no seu modo
de ser: o Pai existe já incluindo o
outro».
Depois, ao repropor a figura do
jovem rico e observante mas temeroso da morte — narrada no capítulo 10 do Evangelho de Marcos —
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pôr outro diferente (cf. 1 Cor 3, 11).
Ele é a «pedra» sobre a qual devemos edificar. Recorda-o santo Agostinho com palavras expressivas,
quando escreve que a Igreja, não
obstante agitada e abalada pelas vicissitudes da história, «não desaba,
porque está fundamentada sobre a
pedra, da qual deriva o nome Pedro.
Não é a pedra que haure o seu nome de Pedro, mas é Pedro que o recebe da pedra; assim como não é o
nome Cristo que deriva de cristão,
mas o nome cristão que provém de
Cristo. [...] A pedra é Cristo, sobre
cujo fundamento também Pedro foi
edificado» (In Joh. 124, 5: PL 35,
1972).
Desta profissão de fé deriva para
cada um de nós a tarefa correspondente ao chamamento de Deus. Em
primeiro lugar, aos Pastores é pedido
que tenham como modelo o próprio
Deus que cuida do seu rebanho. O
profeta Ezequiel descreveu o modo
como Deus age: Ele vai à procura
da ovelha tresmalhada, reconduz ao
aprisco a perdida, cura aquela que se
feriu e restabelece a que está doente
(cf. 34, 16). Um comportamento que
é sinal do amor sem fim. É uma dedicação fiel, constante e incondicional, para que a sua misericórdia possa chegar a todos aqueles que são os
mais frágeis. E, todavia, não devemos esquecer que a profecia de Ezequiel nasce da constatação das faltas
dos pastores de Israel. Portanto farnos-á bem, também a nós, chamados
a ser Pastores na Igreja, deixar que a
Face do Deus Bom Pastor nos ilumine, nos purifique, nos transforme e
nos restitua plenamente renovados à
nossa missão. Que também nos nossos ambientes de trabalho possamos
sentir, cultivar e praticar um forte
sentido pastoral, antes de tudo em
relação às pessoas que encontramos
todos os dias. Que ninguém se sinta
ignorado nem maltratado, mas cada
um possa experimentar, antes de tudo aqui, a atenção carinhosa do
Bom Pastor.
Somos chamados a ser os colaboradores de Deus numa empresa tão
fundamental e única como a de testemunhar com a nossa existência a
força da graça que transforma e o
poder do Espírito que renova. Deixemos que o Senhor nos liberte de
toda a tentação que afasta do essencial da nossa missão, e voltemos a
descobrir a beleza de professar a fé
no Senhor Jesus. A fidelidade ao ministério conjuga-se oportunamente
com a misericórdia, que desejamos
experimentar. Além disso, na Sagrada Escritura fidelidade e misericórdia constituem um binómio inseparável. Onde se encontra uma, lá está
também a outra, e é precisamente na
sua reciprocidade e complementaridade que podemos ver a presença
do próprio Bom Pastor. A fidelidade
que se exige de nós consiste em agir
segundo o Coração de Cristo. Como
ouvimos das palavras do apóstolo
Pedro, devemos apascentar a grei
com um «espírito generoso», tornando-nos um «modelo» para todos.
Deste modo, «quando aparecer o supremo Pastor» poderemos receber a
«a coroa de glória imarcescível» (1
Pd 5, 14).
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8
No Angelus Francisco falou da viagem ao México e pediu a suspensão das execuções capitais
Experiência de transfiguração
«A viagem apostólica ao México foi
uma experiência de transfiguração»:
disse o Papa no Angelus recitado na
praça de São Pedro na manhã de 21
de Fevereiro, relacionando as leituras
do Evangelho dominical com a recente
experiência vivida no grande país
latino-americano. Eis a sua meditação,
durante a qual Francisco recordou
também o encontro em Havana com o
Patriarca Cirilo.
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
O segundo domingo de Quaresma
apresenta-nos o Evangelho da Transfiguração.
A viagem apostólica que realizei
nos dias passados ao México foi
uma experiência de transfiguração.
Porquê? Porque o Senhor nos mostrou a luz da sua glória através do
corpo da sua Igreja, do seu Povo
tantas vezes oprimido, desesperado,
violado na sua dignidade. Com efeito, os diversos encontros vividos no
México foram cheios de luz: a luz
da fé que transfigura os rostos e ilumina o caminho.
O «centro de gravidade» espiritual da minha peregrinação foi o
Santuário de Nossa Senhora de
Guadalupe. Permanecer em silêncio
diante da imagem da Mãe era o que
antes de tudo me propunha. E dou
graças a Deus porque mo concedeu.
Contemplei, e deixei-me olhar por
aquela que tem impressos nos seus
olhos os olhares de todos os seus filhos, e recolhe os sofrimentos devidos à violência, aos raptos, aos assassínios, aos abusos com dano para
tanta pobre gente, tantas mulheres.
Guadalupe é o Santuário mariano
mais frequentado no mundo. De toda a América vão rezar ali onde a
Virgen Morenita se mostrou ao índio
são Juan Diego, dando início à
evangelização do continente e à sua
nova civilização, fruto do encontro
entre as diversas culturas.
Foi precisamente esta a herança
entregue pelo Senhor ao México:
preservar a riqueza da diversidade e,
ao mesmo tempo, manifestar a harmonia da fé comum, uma fé genuína
e robusta, acompanhada por uma
grande carga de vitalidade e de humanidade. Tal como os meus Predecessores, também eu fui para confirmar a fé do povo mexicano, mas
contemporaneamente para ser confirmado; recolhi de mãos-cheias este
dom para que seja em benefício da
Igreja universal.
Um exemplo luminoso do que estou a dizer é dado pelas famílias: as
famílias mexicanas acolheram-me
com alegria como mensageiro de
Cristo, Pastor da Igreja; mas por sua
vez deram-me testemunhos límpidos
e fortes, testemunhos de fé vivida,
de fé que transfigura a vida, e isto
para a edificação de todas as famílias cristãs do mundo. E o mesmo se
pode dizer para os jovens, para os
consagrados, para os sacerdotes, para os trabalhadores e para os presos.
Por isso dou graças ao Senhor e à
Virgem de Guadalupe pelo dom
desta peregrinação. Além disso,
agradeço ao Presidente do México e
às demais Autoridades civis pelo caloroso acolhimento: agradeço vivamente aos meus irmãos no Episcopado, e a todas as pessoas que colaboraram de tantas maneiras.
Elevemos um louvor especial à
Santíssima Trindade por ter querido
que, nesta ocasião, se realizasse em
Cuba o encontro entre o Papa e o
Patriarca de Moscovo e de toda a
Rússia, o querido irmão Cirilo; um
encontro tão desejado inclusive pelos meus Predecessores. Também este evento é uma luz profética de
Ressurreição, da qual hoje o mundo
precisa como nunca. A Santa Mãe
de Deus continue a guiar-nos no caminho da unidade. Rezemos a Nossa Senhora de Kazan’, da qual o Patriarca Cirilo me ofereceu um ícone.
No final da oração mariana o
Pontífice lançou um apelo contra a
pena de morte e saudou os grupos de
fiéis presentes, aos quais foi oferecida
uma caixinha com um rosário e a
imagem de Jesus misericordioso.
Amados irmãos e irmãs!
Amanhã terá lugar em Roma um
congresso internacional com o título:
«Para um mundo sem a pena de
morte», promovido pela Comunidade de Santo Egídio. Faço votos por
que o simpósio possa dar renovado
impulso ao compromisso pela abolição da pena capital. Um sinal de esperança é constituído pelo surgimento, na opinião pública, de uma
contrariedade à pena de morte cada
Vida diária e cristianismo na meditação do padre Rupnik
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 3
Rupnik explicou que Cristo veio
salvar-nos precisamente de «uma
religião vista como um conjunto de
práticas, doutrinas, preceitos, mandamentos e exercícios que o homem deve fazer para atrair sobre si
a benevolência de Deus e para conquistar um prémio». Jesus veio libertar-nos «de um modo de viver a
religião que se torna difícil».
Também o episódio das bodas de
Caná, narrado por João no capítulo
2, é «uma ajuda» neste sentido. As
seis jarras de pedra, vazias, são imagens da «lei que caiu no legalismo,
numa religião moralista que se esvaziou e já não serve para a purificação porque não há nada dentro».
E o vinho que as enche, como recordam as Escrituras, representa «o
sentido da vida». Isto é: «Por que
se casam, se não existe amor?».
Porque «uma religião que acaba em
moralismo legalista vazio já não
serve».
Depois, Rupnik sugeriu uma ulterior chave de leitura na imagem
de Deus como vinhateiro que sabe
podar a fim de que se produzam
frutos, como se lê no capítulo 15 do
Evangelho de João. Só «o Pai sabe
qual é o fruto verdadeiro que deve
trazer uma pessoa» e nunca se esquece que o objectivo final não é o
cacho de uva mas, justamente, o vinho. Por isso «não nos devemos
apaixonar pela uva, mas olhar sempre para o vinho». Desta forma podem ser cortados ramos inclusive
com cachos, contanto que se obtenha o produto melhor, que só o Pai
conhece. Por conseguinte, prosseguiu, «não nos podemos deter na
primeira etapa da vida, quando
criamos, propomos. A passagem
pelo lagar é necessária para o mosto que se torna vinho».
E também a videira, disse, com a
sua unicidade recorda-nos que «se
a humanidade não for atravessada
pela vida filial da vida divina acabará tragicamente, assim como cada
ser da criação». De facto, «o homem só é tal ser for divino-humano, se for de Cristo, se for a divinohumanidade de Cristo». Mas «se
através da nossa natureza humana
não escorrer um princípio distintivo, pessoal, filial, com uma vida
que brota no Pai, podemos elevarnos em muitas obras, mas o túmulo
e os vermes serão a última estação».
Enfim, concluiu, só «se esta vida
de Deus passar através de nós, o
homem será capaz de produzir o
fruto que permanece, de envolver o
seu trabalho no amor que permanece eternamente porque volta ao Pai:
o que o homem pode revelar é a
sua divino-humanidade em Cristo».
E o Pai é «o único que pode preencher a lacuna que separa o homem
perdido, pecador, morto, do Deus
vivo. O homem, sozinho, não o pode fazer: tal capacidade de Deus de
nos alcançar é a própria identidade
de Deus para connosco e para com
a criação, isto é, a misericórdia».
vez mais difundida, até como instrumento de legítima defesa social.
Com efeito, as sociedades modernas
têm a possibilidade de reprimir eficazmente o crime sem privar de modo definitivo aquele que o cometeu
da possibilidade de se redimir. O
problema deve ser visto na óptica de
uma justiça penal que seja cada vez
mais conforme com a dignidade do
homem e com o desígnio de Deus
sobre o homem e sobre a sociedade
e também com uma justiça penal
aberta à esperança da reinserção na
sociedade. O mandamento «não matarás» tem valor absoluto e diz respeito quer ao inocente quer ao culpado.
O Jubileu extraordinário da Misericórdia é uma ocasião propícia para
promover no mundo formas cada
vez mais maduras de respeito da vida e da dignidade de cada pessoa.
Também o criminoso mantém o direito inviolável à vida, dom de Deus.
Faço apelo à consciência dos governantes, para que se alcance um consenso internacional para a abolição
da pena de morte. E proponho a
quantos deles são católicos que façam um gesto corajoso e exemplar:
que nenhuma condenação seja executada neste Ano Santo da Misericórdia.
Todos os cristãos e homens de
boa vontade estão chamados hoje
não só a comprometer-se pela abolição da pena de morte, mas também
a melhorar as condições carcerárias,
no respeito pela dignidade humana
das pessoas privadas da liberdade.
Dirijo uma cordial saudação às famílias, aos grupos paroquiais, às associações e a todos os peregrinos de
Roma, da Itália e de diversos países.
A Quaresma é um tempo propício
para percorrer um caminho de conversão que tem como centro a misericórdia. Por isso, hoje, pensei em
oferecer a vós que estais aqui na praça um «remédio espiritual» chamado Misericordina. Já o fizemos uma
vez, mas esta é de qualidade superior: é a Misericordina plus. Uma caixinha que contém a coroa do Rosário e a imagem de Jesus Misericordioso. Agora será distribuída pelos
voluntários, entre os quais há pobres, desabrigados, prófugos e também religiosos. Aceitai esta oferta
como uma ajuda espiritual para difundir, sobretudo neste Ano da Misericórdia, o amor, o perdão e a fraternidade.
A todos desejo bom domingo.
Por favor, não vos esqueçais de rezar
por mim. Bom almoço e até à próxima!
número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
página 5
Aos jovens do México o Papa pediu que não se resignem a viver sem esperança
Tende a audácia
de sonhar
No estádio de Morélia o Papa
Francisco encontrou-se com a juventude
do México no final do dia 16 de
Fevereiro. A seguir, a tradução do
discurso em grande parte improvisado.
Boa tarde para vós, jovens do México que estais aqui, que nos estais a
ver pela televisão, que nos estais a
ouvir; e quero enviar uma saudação
e uma bênção também aos milhares
de jovens que, na arquidiocese de
Guadalajara, estão reunidos na Praça São João Paulo II a acompanhar
o que se passa aqui e, como eles,
muitos outros; mas fizeram-me saber
que lá estavam reunidos vários milhares a acompanhar-nos. Assim somos dois estádios: a Praça João Paulo de Guadalajara e nós aqui; e, depois, muitos outros por toda a parte.
Eu tinha conhecimento das vossas
questões, porque me fizeram chegar
o rascunho daquilo que mais ou menos íeis dizer. É verdade; porque
mentir-vos? Mas, à medida que íeis
falando, fui também anotando algumas coisas que me pareciam importantes para agora as retomar...
Digo-vos que, quando cheguei a
esta terra, fui recebido com boasvindas calorosas e pude assim constatar algo que sabia há tempos: a vitalidade, a alegria, o espírito festoso
do povo mexicano. Agora mesmo,
depois de vos ouvir e sobretudo depois de vos ver, constato de novo
outra certeza, algo que disse ao Presidente da nação, na minha primeira
saudação: um dos maiores tesouros
desta terra mexicana tem um rosto
jovem, são os seus jovens. Sim, sois
vós a riqueza desta terra. Atenção!
Eu não disse a esperança desta terra,
mas «a sua riqueza».
A montanha pode ter minerais ricos que servirão para o progresso da
humanidade, é a sua riqueza. Mas
esta riqueza deve ser transformada
em esperança com o trabalho, como
fazem os mineiros quando extraem
aqueles minerais. Vós sois a riqueza;
é preciso transformá-la em esperança. E Daniela, no final, lançou um
desafio, mas também nos deu a pista
para a esperança. Mas todos aqueles
que falaram, quando assinalavam as
dificuldades, as coisas que aconteciam, afirmavam uma grande verdade: «todos podemos viver, mas não
podemos viver sem esperança».
Pressentir o amanhã! Uma pessoa
não pode pressentir o amanhã, se
antes não consegue estimar-se, se
não consegue sentir que a sua vida,
as suas mãos, a sua história têm valor. Sentir aquilo que o Alberto dizia: «com as minhas mãos, com o
meu coração e com a minha mente,
posso construir esperança». Se eu
não sinto isto, a esperança não poderá entrar no meu coração. A esperança nasce, quando se pode experimentar que nem tudo está perdido,
mas para isso é necessário exercitarse começando «por casa», começando por si mesmo. Nem tudo está
perdido. Não estou perdido, eu valho, eu valho muito. Peço-vos agora
um momento de silêncio, para que
cada um se questione no próprio coração: É verdade que nem tudo está
perdido? Eu estou perdido, ou: eu
estou perdida? Eu valho? Valho
pouco, valho muito? A principal
ameaça à esperança são os discursos
que te desvalorizam: vão-te sugando
o valor e acabas por terra, não é verdade? Acabas meditabundo, com o
coração triste. Discursos que te fazem sentir um ser de segunda classe,
se não mesmo de quarta. A principal
ameaça à esperança é quando sentes
que ninguém se importa contigo, ou
que te puseram de lado. Esta é a
grande dificuldade para a esperança:
quando numa família ou na sociedade, numa escola ou no grupo de
amigos te fazem sentir que não se
importam contigo. E isto custa, isto
dói. Mas isto acontece, sim ou não?
[respondem: «Sim»] Sim, acontece!
E isto mata, isto aniquila-nos e é
porta de entrada para tanta amargura. Porém há outra ameaça, igualmente importante, à esperança — a
esperança de que esta riqueza que
sois vós cresça e dê fruto — e é fazer-te crer que começas a valer qualquer coisa, quando te mascaras com
roupas de marca, do último grito da
moda, ou que ganhas prestígio, te
tornas importante por teres dinheiro,
mas, no fundo do teu coração, não
crês ser digno de carinho, digno de
amor (e isso o teu coração o intui!).
A esperança fica amordaçada pelo
que te fazem crer, não ta deixam
despontar. A principal ameaça é
quando uma pessoa sente que tudo
aquilo de que precisa é ter dinheiro
para comprar tudo, inclusive o carinho dos outros. A principal ameaça
é crer que, pelo facto de teres um
grande carro, és feliz. Será verdade
isto? Por teres um grande carro, és
feliz? [respondem: «Não»].
Vós sois a riqueza do México, vós
sois a riqueza da Igreja. Permiti-me
que vos diga uma frase da minha
terra: «No les estoy sobando el lomo»,
não vos estou a acariciar o pêlo, a lisonjear. Compreendo que muitas vezes se torna difícil sentir tal riqueza,
quando nos vemos continuamente
sujeitos à perda de amigos ou familiares nas mãos do narcotráfico, das
drogas, de organizações criminosas
que semeiam o terror. É difícil sentir
a riqueza de uma nação, quando não
se tem oportunidades de trabalho
digno (disseste-o claramente, Alberto), possibilidades de estudo e for-
mação, quando não se sentem reconhecidos os direitos levando-vos depois a situações extremas. É difícil
sentir a riqueza de um lugar, quando, por serdes jovens, vos usam para
fins mesquinhos, seduzindo-vos com
promessas que, no fim, não são
reais, são bolas de sabão. Assim é
difícil sentir-se rico. Tendes dentro
de vós a riqueza e a esperança, mas
não é fácil, por causa de tudo aquilo
que vos disse e vós repetistes: faltam
oportunidades de trabalhar, de estudo (assim o disseram Roberto e Alberto).
Mas, apesar de tudo isto, não me
cansarei de dizer: vós sois a riqueza
do México.
Roberto, disseste uma frase que
provavelmente me escapou quando
li o teu resumo, mas quero sublinhála. Disseste que perdeste alguma coisa, mas não disseste: «perdi o telemóvel, perdi a carteira com o dinheiro, perdi o comboio porque cheguei atrasado». Disseste: «Perdemos
o encanto de apreciar o encontro».
Perdemos o encanto de caminhar
juntos, perdemos o encanto de sonhar juntos; ora, para que esta riqueza, movida pela esperança, possa
crescer, é preciso caminhar juntos, é
preciso encontrar-se, é preciso sonhar. Não percais o encanto de sonhar! Tende a ousadia de sonhar!
Sonhar não é o mesmo que ser dorminhoco, isso não!
E não penseis que vos digo isto —
que vós sois a riqueza do México e
que esta riqueza, com a esperança,
cresce — porque sou bom ou porque
já vejo tudo claro! Não, queridos
amigos, não é por isso. Digo-vos isto, e digo-o convencido, sabeis porquê? Porque, como vós, creio em Jesus Cristo — e creio que Daniela foi
muito forte, quando nos falou disto
— eu creio em Jesus Cristo e por isso
vos digo isto. E é Ele que renova
continuamente em mim a esperança,
é Ele que renova continuamente o
meu olhar. É ele que desperta em
mim, isto é, em cada um de nós o
encanto de apreciar, o encanto de
sonhar, o encanto de trabalhar em
conjunto. É Ele que me convida
continuamente a converter o coração. Sim, meus amigos! Digo-vos isto, porque, em Jesus, eu encontrei
Aquele que é capaz de estimular o
melhor de mim mesmo. E é graças a
Ele que podemos abrir caminho; é
graças a Ele que sempre podemos
recomeçar; é graças a Ele que podemos dizer: é mentira que a única
forma possível de viver, de poder ser
jovem é deixar a vida nas mãos do
narcotráfico ou de todos aqueles cuja única coisa que fazem é semear
destruição e morte. Isto é mentira, e
dizemo-lo por graça de Jesus. É graças a Jesus, a Jesus Cristo Senhor,
que podemos dizer que é mentira
que a única forma que os jovens têm
de viver aqui é na pobreza e na marginalização: marginalização de oportunidades, marginalização de espaços, marginalização da formação e
educação, marginalização da esperança. Jesus Cristo é Aquele que
desmente todas as tentativas de vos
tornar inúteis, ou meros mercenários
de ambições alheias. São as ambições alheias que vos marginalizam,
para vos usarem em todas aquelas
coisas que vos disse e que — como
sabeis — acabam por vos destruir. E
o único que me pode segurar fortemente pela mão é Jesus Cristo; Ele
faz com que esta riqueza se transforme em esperança.
Pedistes-me uma palavra de esperança... A que tenho para vos dizer e
que está na base de tudo, chama-se
Jesus Cristo. Quando tudo vos parecer pesado, quando parecer que o
mundo vos cai em cima, abraçai-vos
à sua cruz, abraçai-vos a Ele e, por
favor, nunca largueis a sua mão, ainda que vos leve para diante a rasto;
e, se alguma vez cairdes, deixai-vos
levantar por Ele. Os alpinistas têm
uma canção muito bonita, que me
apraz repetir aos jovens; enquanto
sobem, vão cantando: «Na arte de
subir, o triunfo não está em não cair,
mas em não ficar caído». Esta é a
arte de subir; e quem é o único que
pode agarrar-te pela mão, para não
ficares caído? Só Jesus Cristo. Ele,
às vezes, envia-te um irmão para falar contigo e ajudar-te. Não escondas a tua mão, quando estás caído;
não lhe digas: «Não me olhes que
estou cheio, ou cheia, de lama. Não
me olhes, que já não há remédio».
Não é verdade! Basta que deixes
agarrar a tua mão e tu agarra-te
àquela mão, e a riqueza que tens
dentro — suja, enlameada, dada como perdida — começará, através da
esperança, a dar o seu fruto. Mas
sempre agarrado à mão de Jesus
Cristo. Este é o caminho; não vos
esqueçais: «Na arte de subir, o triunfo não está em não cair, mas em não
ficar caído». Não vos deixeis ficar
caídos. Nunca! Está bem? E, se virdes um amigo ou uma amiga que teve uma escorregadela na vida e caiu,
vai e dá-lhe a mão, mas dá-lha com
dignidade. Colocai-vos ao lado dele,
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L’OSSERVATORE ROMANO
página 6
quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8
Na capela da penitenciária de Ciudad Juárez
Salvos pela fragilidade
Na manhã de quarta-feira 17 de
Fevereiro, último dia da visita no
México, o Papa despediu-se da
nunciatura na capital e deslocou-se de
avião para Ciudad Juárez, nas
margens do Rio Grande, que marca o
confim com os Estados Unidos da
América. Como primeira etapa foi ao
Centro de readaptación social estatal n.
3 para se encontrar com os presos. Na
capela da prisão improvisou a seguinte
saudação.
Bom dia!
Obrigado pela vossa presença aqui!
Obrigado por todo o bem que aqui
fazeis! Mil maneiras de fazer bem,
que não se vêem.
E cruzais-vos com muitas fragilidades. Por isso, quis trazer esta ima-
gem feita com o que há de mais frágil. O cristal é o material mais frágil,
quebra imediatamente. E Cristo na
Cruz é a maior fragilidade da humanidade e, no entanto, é com esta fragilidade que nos salva, ajuda, faz ir
para diante, abre as portas da esperança.
Desejo que cada um de vós, com
a bênção da Virgem e contemplando
a fragilidade em Cristo — que Se fez
pecado, Se fez morte para nos salvar
—, saibais semear sementes de esperança e de ressurreição. Ave Maria...
Depois da bênção, o Pontífice
acrescentou estas palavras.
E não vos esqueçais de rezar por
mim.
Aos detidos o Papa recordou que segurança e ordem não se obtêm só encarcerando
Esta é a tradução do discurso
pronunciado pelo Pontífice durante o
encontro público realizado no pátio da
prisão onde estavam reunidos setecentos
detidos.
Queridos irmãos e irmãs!
Estou a concluir a minha visita ao
México. Não queria ir embora sem
vos saudar, sem celebrar o Jubileu
da Misericórdia convosco.
De coração agradeço as palavras
de saudação que me dirigistes, nelas
manifestando tanta esperança e tantas aspirações, mas também tantas
amarguras, medos e dúvidas.
Durante a viagem à África, na cidade de Bangui, pude abrir a primeira Porta da Misericórdia para o
mundo inteiro (deste Jubileu, quero
dizer; porque a primeira porta da
Misericórdia abriu-a Deus nosso Pai
ao enviar-nos o seu Filho Jesus).
Hoje, no vosso meio e convosco,
quero reafirmar uma vez mais a confiança a que Jesus nos impele: a misericórdia que abraça a todos, em todos os cantos da terra. Não há lugar
onde a sua misericórdia não possa
chegar, não há espaço nem pessoa
que ela não possa tocar.
Celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco é lembrar o caminho
que devemos urgentemente empreender para romper o ciclo vicioso da
violência e da delinquência. Já se
perderam várias décadas pensando e
crendo que tudo se resolve isolando,
separando, encarcerando, livrandonos dos problemas, acreditando que
estas medidas resolvem verdadeiramente os problemas. Esquecemo-nos
de concentrar-nos naquilo que realmente deve ser a nossa verdadeira
preocupação: a vida das pessoas; as
suas vidas, as das suas famílias, as
daqueles que também sofreram por
causa deste ciclo vicioso da violência.
A misericórdia divina lembra-nos
que as prisões são um sintoma de
como estamos na sociedade; em
muitos casos são um sintoma de silêncios e de omissões provocadas pela cultura do descarte. São sintoma
de uma cultura que deixou de apostar na vida, de uma sociedade que,
Uma sociedade inclusiva
Quem experimentou o inferno pode tornar-se um profeta
pouco a pouco, foi abandonando os
seus filhos.
A misericórdia lembra-nos que a
reinserção não começa aqui dentro
destes muros; começa antes, começa
lá fora nas ruas da cidade. A reinserção ou reabilitação começa criando
um sistema que poderíamos chamar
de saúde social, isto é, uma sociedade que procure não adoecer contaminando as relações no bairro, nas
escolas, nas praças, nas ruas, nos lares, em todo o espectro social. Um
sistema de saúde social que vise gerar uma cultura que seja eficaz procurando prevenir aquelas situações,
aqueles caminhos que acabam por
ferir e deteriorar o tecido social.
Às vezes parece que as prisões se
proponham mais impedir as pessoas
de continuar a cometer delitos do
que promover processos de reinserção que permitam enfrentar os problemas sociais, psicológicos e familiares que levaram uma pessoa a determinada atitude. O problema da
segurança não se resolve apenas encarcerando, mas é um apelo a inter-
vir para enfrentar as causas estruturais e culturais da insegurança que
afectam todo o tecido social.
A preocupação de Jesus pelos famintos, os sedentos, os sem-abrigo
ou os presos (Mt 25, 34-40) pretendia expressar as entranhas de misericórdia do Pai, que se tornam um imperativo moral para toda a sociedade que deseje possuir as condições
necessárias para uma convivência
melhor. Na capacidade que uma sociedade tem de integrar os seus pobres, os seus doentes ou os seus presos, reside a possibilidade de estes
curarem as suas feridas e serem
construtores de uma boa convivência. A reinserção social começa com
a frequência da escola por todos os
nossos filhos e com um emprego
digno para as suas famílias, com a
criação de espaços públicos para os
tempos livres e a recreação, com a
habilitação das instâncias de participação cívica, os serviços de saúde, o
acesso aos serviços básicos… para citar apenas algumas medidas. Aí começa todo o processo de reinserção.
Celebrar o Jubileu da Misericórdia convosco é aprender a não ficar
prisioneiros do passado, de ontem; é
aprender a abrir a porta para o futuro, para o amanhã; é acreditar que
as coisas podem tomar outro rumo.
Celebrar o Jubileu da Misericórdia
convosco é convidar-vos a levantar a
cabeça e empenhar-vos para obter o
tão ansiado espaço de liberdade. Celebrar o Jubileu da Misericórdia
convosco é repetir esta frase que ouvimos há pouco, dita justamente e
com muita força: «Quando pronunciaram a minha sentença, alguém me
disse: “Não te perguntes por que estás aqui, mas para quê”». E que este
«para quê» nos leve para diante, que
este «para quê» nos faça saltar os
precipícios deste engano social que
pensa que a segurança e a ordem só
se conseguem encarcerando.
Sabemos que não se pode voltar
atrás, sabemos que o que foi feito,
feito está; mas eu quis celebrar convosco o Jubileu da Misericórdia para
que fique claro que isso não significa
que não haja a possibilidade de escrever uma página nova daqui para
a frente: «para quê». Vós sofreis a
angústia da queda (oxalá todos nós
sentíssemos a mesma angústia pelas
quedas escondidas e dissimuladas!),
sentis o arrependimento pelos vossos
actos e sei que em muitos casos, entre grandes limitações, a partir da
vossa solidão procurais refazer essa
vida. Conhecestes a força do sofrimento e do pecado; não vos esqueçais, porém, que tendes ao vosso alcance também a força da ressurreição, a força da misericórdia divina
que faz novas todas as coisas. Agora
é possível que vos toque a parte
mais dura, mais difícil, mas talvez
seja a que produz mais fruto; a partir daqui de dentro, lutai para inverter as situações que geram mais exclusão. Falai com os vossos queridos, contai-lhes a vossa experiência,
ajudai a travar o ciclo vicioso da violência e da exclusão. Quem sofreu o
máximo da amargura a ponto de poder afirmar que «experimentou o inferno», pode tornar-se um profeta
na sociedade. Trabalhai para que esta sociedade que usa e joga fora as
pessoas não continue a fazer mais
vítimas.
E, ao dizer-vos estas coisas, recordo as palavras de Jesus: «Quem de
vós estiver sem pecado atire a primeira pedra», e teria de me ir embora. Ao dizer-vos estas coisas, não o
faço como quem fala do alto da cátedra, com o dedo apontado; faço-o
a partir da experiência das minhas
próprias feridas, erros e pecados, de
que o Senhor me quis perdoar e reeducar. Faço-o com a consciência de
que, sem a sua graça e a minha vigilância, poderia voltar a repeti-los. Irmãos, ao entrar numa prisão, sempre
me pergunto: «Porquê eles e não
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número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
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Aos trabalhadores e empresários o convite a criar emprego
Ao meio-dia de quarta-feira 17 de
Fevereiro, o Papa Francisco encontrouse no palácio do desporto de Ciudad
Juárez com os trabalhadores e
empresários mexicanos, aos quais pediu
que criem oportunidades de instrução e
emprego. Eis as suas palavras.
Queridos irmãos e irmãs!
Quis encontrar-me convosco nesta
terra de Juárez, devido à relação especial que esta cidade tem com o
mundo do trabalho. Agradeço-vos
não só a saudação de boas-vindas e
os vossos testemunhos que revelaram
as ânsias, as alegrias e as esperanças
que sentis na vossa vida, mas gostaria também de vos agradecer esta
oportunidade de intercâmbio e reflexão. Tudo o que pudermos fazer para dialogar, para nos encontrar, para
procurar melhores alternativas e
oportunidades já é uma conquista
que merece apreço e destaque. E há
duas palavras que quero sublinhar:
diálogo e encontro. Não vos canseis
de dialogar. A gestação das guerras
dá-se pouco a pouco por causa da
mudez e dos desencontros. Obviamente não é suficiente dialogar e encontrar-se, mas hoje não podemos
permitir-nos o luxo de cortar qualquer possibilidade de encontro,
qualquer instância de discussão, confronto, pesquisa. Esta é a única maneira que temos de poder construir
o amanhã: ir tecendo relações duradouras, capazes de gerar a estrutura
necessária para, pouco a pouco, se
reconstruir os vínculos sociais consumidos pela falta do mínimo de respeito requerido para uma sadia convivência. Obrigado e que esta instância sirva para construir futuro, seja uma oportunidade boa para forjar
o México que o seu povo e os seus
filhos merecem.
Quereria debruçar-me sobre este
último aspecto. Hoje encontram-se
aqui várias organizações de trabalhadores e representantes de câmaras e
associações empresariais. À primeira
vista, poderiam considerar-se antagonistas, mas une-os a responsabilidade comum: procurar criar oportunidades de trabalho digno e verda-
O melhor investimento
Deus pedirá contas aos escravagistas de hoje
deiramente útil para a sociedade e
sobretudo para os jovens desta terra.
Um dos maiores flagelos a que estão
expostos os jovens é a falta de oportunidades de instrução e trabalho
sustentável e rentável, que lhes permitam lançar-se na vida; isso gera
em muitos casos – tantos casos – situações de pobreza e marginalização. E esta pobreza e marginalização
tornam-se o terreno favorável para
cair na espiral do narcotráfico e da
violência. Um luxo que hoje não
nos podemos conceder é deixar só e
abandonado o presente e o futuro
do México e, para isso, são precisos
diálogo, confrontação, fontes de trabalho que vão criando esta senda
construtiva.
Infelizmente, o tempo em que vivemos impôs o paradigma da utili-
investimento é criar oportunidades.
A mentalidade dominante coloca o
fluxo de pessoas ao serviço do fluxo
de capitais, provocando em muitos
casos a exploração dos trabalhadores, como se fossem objectos para
usar e jogar fora e descartar (cf.
Enc. Laudato si’, 123). Deus pedirá
contas aos esclavagistas dos nossos
dias, e nós devemos fazer todo o
possível para que estas situações não
ocorram mais. O fluxo do capital
não pode determinar o fluxo e a vida das pessoas. Por isso, me comprazo com o anseio expresso de diálogo, de confrontação.
Sucede, não raramente, que a
Doutrina Social da Igreja veja as
suas propostas colocadas em questão
com estas palavras: «Estes pretendem que sejamos organizações de
dade económica como princípio das
relações pessoais. A mentalidade dominante, por todo o lado, pretende
a maior quantidade possível de lucro, a todo o custo e imediatamente.
Não só provoca a perda da dimensão ética das empresas, mas esquece
também que o melhor investimento
que se pode fazer é investir no povo,
nas pessoas, nas famílias. O melhor
beneficência ou que transformemos
as nossas empresas em instituições
filantrópicas». Temos ouvido esta
crítica. Mas a única pretensão que
tem a Doutrina Social da Igreja é
velar pela integridade das pessoas e
das estruturas sociais. Sempre que
esta integridade, por várias razões, é
ameaçada ou reduzida a bem de
consumo, a Doutrina Social da Igreja há-de ser uma voz profética que
nos ajudará a todos a não nos perdermos no mar sedutor da ambição.
Sempre que a integridade de uma
pessoa é violada, de certa forma a
sociedade inteira começa a deteriorar-se. E isto que diz a Doutrina Social da Igreja não é contra ninguém,
mas a favor de todos. Cada sector
tem a obrigação de preocupar-se pelo bem de todos; estamos todos no
mesmo barco. Todos devemos lutar
para que o trabalho seja uma instância de humanização e de futuro; seja
um espaço para construir sociedade
e cidadania. Esta atitude não só cria
uma melhoria imediata, mas, a longo prazo, tornar-se-á uma cultura
capaz de promover espaços dignos
para todos. Esta cultura, nascida
muitas vezes de tensões, vai gerando
um novo estilo de relações, um novo
tipo de nação.
Que mundo queremos deixar aos
nossos filhos? Nisto, julgo que a
grande maioria está de acordo. Eles
são precisamente o nosso horizonte,
são a nossa meta: por eles, hoje, devemos unir-nos e trabalhar. Se é
sempre bom pensar no que gostaria
de deixar aos meus filhos, também é
uma boa medida pensar nos filhos
dos outros. Que quer o México dei-
Uma sociedade inclusiva
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 6
eu?» E é um mistério da misericórdia divina; mas é precisamente esta
misericórdia divina que todos estamos a celebrar hoje com os olhos
fixos no amanhã, na esperança.
Quereria também encorajar o
pessoal que trabalha neste Centro
ou noutros semelhantes: os directores, os agentes da Polícia penitenciária, todos os que realizam qualquer tipo de assistência neste Centro. E agradeço o esforço dos capelães, das pessoas consagradas, dos
leigos, que se dedicam a manter viva a esperança do Evangelho da
Misericórdia na prisão, os pastores,
todos aqueles que vêm até junto de
vós para vos dar a Palavra de
Deus. Todos vós — não vos esqueçais! — podeis ser sinal das entranhas de misericórdia do Pai. Precisamos uns dos outros; há pouco
dizia-nos a nossa irmã, recordando
a Carta aos Hebreus: Sintam-se
presos com eles.
Antes de vos dar a bênção, gostaria que rezássemos em silêncio,
todos juntos; cada qual sabe o que
há-de dizer ao Senhor, cada qual
sabe de que pedir perdão. Mas peço-vos também que, nesta oração
de silêncio, alarguemos o coração
para poder perdoar à sociedade
que não soube ajudar-nos e muitas
vezes nos arrastou para os erros.
Cada um, na intimidade do seu coração, peça a Deus que nos ajude a
acreditar na sua misericórdia. Rezemos em silêncio…
E abramos o nosso coração para
receber a bênção do Senhor.
Que o Senhor vos abençoe e
proteja, faça brilhar o seu rosto sobre vós e vos dê a sua graça, vos
mostre o seu rosto e conceda a
paz. Amém.
E peço que não vos esqueçais de
rezar por mim. Obrigado!
xar aos seus filhos? Quer deixar-lhes
uma recordação de exploração, de
salários insuficientes, de pressão laboral ou de tráfico de trabalho escravo? Ou deixar-lhes na memória a
cultura de um trabalho digno, um
tecto decente e terra para trabalhar?
Os três «tês»: trabalho, tecto e terra.
Em qual cultura queremos ver nascer aqueles que virão depois de nós?
Que atmosfera vão respirar? Um ar
contaminado pela corrupção, a violência, a insegurança e desconfiança
ou, pelo contrário, um ar capaz de
gerar — é uma palavra-chave — gerar
alternativas, gerar renovação ou mudança? Gerar é ser co-criadores com
Deus. Claro, isto custa.
Sei que aquilo que proponho não
é fácil, mas sei também que é pior
deixar o futuro nas mãos da corrupção, da brutalidade e da falta de
equidade. Sei que muitas vezes, numa negociação, não é fácil harmonizar todas as partes, mas sei também
que é pior e acaba por fazer um dano maior a falta de negociação e a
falta de avaliação. Um dirigente
operário já de idade — honesto como mais ninguém, viveu até à morte
com o seu salário, nunca se aproveitou — disse-me uma vez: «Sempre
que nos tínhamos de sentar a uma
mesa de negociação, eu sabia que tinha que perder alguma coisa para
ganharmos todos». Linda a filosofia
deste homem de trabalho! Quando
se vai negociar, sempre se perde algo, mas ganham todos. Sei que não
é fácil viver de acordo num mundo
cada vez mais competitivo, mas é
pior deixar que o mundo competitivo acabe por determinar o destino
dos povos... escravos. O lucro e o
capital não são um bem superior ao
homem, mas estão ao serviço do
bem comum. E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do
lucro e o único a ganhar é o capital,
isto tem um nome, chama-se exclusão. E, assim, se vai consolidando a
cultura do descarte: Descartado! Excluído!
Comecei por vos agradecer a
oportunidade de estar juntos. Ontem, um dos jovens que testemunhou no Estádio de Morelia disse
que este mundo tira a capacidade de
sonhar, e é verdade! Às vezes tiranos a capacidade de sonhar, a capacidade da gratuidade. Quando um
menino ou uma menina vê o pai
e/ou a mãe apenas ao fim de semana, porque vão para o trabalho antes
que ele/a acorde e regressam quando
já está a dormir, esta é a cultura do
descarte. Quero convidá-los a sonhar, a sonhar com um México, onde o pai possa ter tempo para brincar com o seu filho, onde a mãe
possa ter tempo para brincar com os
seus filhos. E isto podeis obtê-lo
dialogando, confrontando, negociando, perdendo para ganhem todos.
Convido-vos a sonhar o México que
os vossos filhos merecem; um México, onde não haja pessoas de primeira, segunda ou quarta classe, mas
um México que saiba reconhecer no
outro a dignidade de filho de Deus.
A Guadalupana, que Se manifestou
a São Juan Diego demonstrando como os que aparentemente não contam sejam as suas testemunhas privilegiadas, vos ajude a todos, independentemente da profissão ou do trabalho que tiverdes, a todos, nesta
terra de diálogo, confrontação e encontro. Obrigado!
L’OSSERVATORE ROMANO
número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
página 8/9
Em Ciudad Juárez na última missa o Papa denunciou a tragédia humanitária dos migrantes
Nunca mais morte nem exploração
Na área da Feira de Ciudad Juárez, na
fronteira com os Estados Unidos da
América, o Papa celebrou na quarta-feira
17 de Fevereiro, a última missa em terra
mexicana. A seguir, a tradução da
homilia.
A glória de Deus é a vida do homem:
dizia Santo Ireneu, no século II; uma
afirmação, que continua a ressoar no
coração da Igreja. A glória do Pai é a
vida dos seus filhos. Não há maior glória para um pai do que ver a realização
dos seus; não há maior satisfação do
que vê-los avançar, vê-los crescer e desenvolver-se. Assim o atesta a primeira
Leitura que escutámos e nos falava de
Nínive, uma grande cidade que se estava autodestruindo em consequência da
opressão e degradação, da violência e
injustiça. A grande capital tinha os dias
contados, pois não era mais tolerável a
violência nela gerada. Então aparece o
Senhor movendo o coração de Jonas;
aparece o Pai convidando e enviando o
seu mensageiro. Jonas é chamado para
receber uma missão: Vai lá! Porque,
«dentro de quarenta dias, Nínive será
destruída» (Jn 3, 4). Vai! Ajuda-os a
compreender que, com esta forma de
comportar-se, regular-se, organizar-se, a
única coisa que estão a gerar é morte e
destruição, sofrimento e opressão. Fazlhes ver que não há vida para ninguém,
nem para o rei nem para o súbdito,
nem para os campos nem para o gado.
Vai e anuncia que eles se habituaram
de tal maneira à degradação, que perderam a sensibilidade perante o sofrimento. Vai e diz-lhes que a injustiça se
apoderou do seu olhar. Por isso, Jonas
parte; Deus envia-o para pôr em evidência o que estava a acontecer; envia-
GAETANO VALLINI
Entre os muitos fotogramas desta intensa viagem ao México, talvez um
permaneça na memória como o mais
sugestivo e rico de significados. No dia
17 de Fevereiro, ao terminar a volta entre os fiéis que o aguardavam para a
missa, Francisco desceu do papamóvel
perto do Rio Grande e da rede metálica que delimita a fronteira entre o México e os Estados Unidos da América.
Foi até à grande cruz posta ali para recordar a sua visita, as vítimas do tráfico
de seres humanos e a violência criminosa. Ali — desde então esse lugar será
chamado El punto — depositou um ramalhete e rezou em silêncio. Depois
benzeu três cruzes menores (destinadas
às dioceses de La Cruz, no Novo México, El Paso, no Texas, e Ciudad Juárez)
e abençoou os fiéis do outro lado da
rede.
Um muro que mede setecentas milhas, contra o qual todos os anos se
despedaçam as esperanças de um número incalculável de migrantes provenientes de diversos países da América
Latina que esperam poder realizar o sonho americano, frequentemente de maneira clandestina, confiando-se a bandos criminosos.
Uma fronteira através da qual também transitam enormes quantidades de
droga, com a sua consequência de violência e morte. Nos últimos quinze
anos ali foram encontrados os cadáveres de mais de cinquenta mil desesperados. Por isso, a presença do Papa em
Ciudad Juárez — a Lampedusa da
América, como foi definida, uma das
cidades mais perigosas do mundo, par-
Fronteira alguma pode impedir-nos de compartilhar o amor misericordioso de Deus
o para despertar um povo inebriado de
si mesmo.
Neste texto, encontramo-nos perante
o mistério da misericórdia divina. A misericórdia sempre rejeita o mal, tomando muito a sério o ser humano; sempre
faz apelo à bondade de cada pessoa,
mesmo que esteja adormecida, anestesiada. Longe de aniquilar, como muitas
vezes pretendemos ou queremos fazêlo, a misericórdia aproxima-se de cada
situação para a transformar a partir de
dentro. Isto é precisamente o mistério
da misericórdia divina: aproxima-se e
convida à conversão, convida ao arrependimento; convida a ver o dano que
está a ser causado a todos os níveis. A
misericórdia sempre entra no mal para
o transformar. É o mistério de Deus
nosso Pai: envia o seu Filho que penetrou no mal, fez-se pecado para transformar o mal. Esta é a sua misericórdia.
O rei ouviu, os habitantes da cidade
reagiram e foi decretado o arrependimento. A misericórdia de Deus entrou
no coração, revelando e manifestando
algo que é a nossa certeza e a nossa esperança: há sempre a possibilidade de
mudar, estamos a tempo de reagir e
transformar, modificar e alterar, converter aquilo que nos está a destruir como
povo, o que nos está a degradar como
humanidade. A misericórdia anima-nos
a olhar o presente e confiar naquilo
que, de são e bom, está escondido em
cada coração. A misericórdia de Deus é
o nosso escudo e a nossa fortaleza.
Jonas ajudou a ver, a tomar consciência. Que se passa depois? O seu
apelo encontra homens e mulheres capazes de se arrepender, capazes de chorar: deplorar a injustiça, deplorar a degradação, deplorar a opressão. São as
lágrimas que podem abrir o caminho à
transformação; são as lágrimas que podem abrandar o coração, são as lágri-
Aos pés da grande cruz
ticularmente marcada pela violência
contra as mulheres — assumiu um valor
imenso. Uma etapa — a última da viagem mexicana — esperada, desejada e
perseguida com tenacidade, porque
deste lugar símbolo devia ser lançada
uma mensagem firme. E assim foi.
Na homilia, pronunciada do palco
construído a oitenta metros daquela rede, depois de ter denunciado com palavras fortes e inequívocas as injustiças e
os abusos ligados ao fenómeno migratório, as violências provocadas pela criminalidade e pelo narcotráfico que
marcam tragicamente uma população
oprimida, lançou o seu apelo: «Nunca
mais morte nem exploração! Há sempre tempo para mudar, há sempre uma
saída e há sempre uma oportunidade,
há sempre tempo para implorar a misericórdia do Pai».
O gesto do Papa foi precedido no
passado mês de Dezembro por um
evento definido histórico pela imprensa
local: os bispos de Ciudad Juárez e de
El Paso, cidade que se encontra do outro lado, encontraram-se juntamente
com os cônsules-gerais do México e Estados Unidos exactamente na linha de
fronteira, a «Ponte internacional Santa
Fé». Celebraram juntos las posadas,
uma oração seguida por um momento
de festa para as crianças, típica da tradição latino-americana no período natalício, a fim de fazer crescer a comunhão na região de fronteira.
Na parte da tarde, o Pontífice chegou à região da cidade onde se encontra o estádio Benito Juárez, no qual foi
montado o grande palco, distante apenas oitenta metros da rede que delimita
o confim. Uma estrutura elevada a fim
de que a missa pudesse incluir também
o lado americano. Saudado por um entusiasmo colorido e alvoroçado de uma
multidão festiva, o mesmo que caracterizou estes dias mexicanos, Francisco
deu uma grande volta entre os numerosíssimos fiéis reunidos na esplanada e
dentro do estádio. Depois, vestiu os
paramentos e, em procissão, chegou ao
altar, feito com três grandes blocos de
uma pedra local, a rosa do deserto,
também utilizada para o ambão em forma de cruz, que depois serão colocados
em quatro paróquias situadas em correspondência aos quatro pontos cardeais da diocese.
Celebraram com o Pontífice, além
dos eclesiásticos do séquito, o ordinário
mas que podem purificar o olhar e ajudar a ver a espiral de pecado em que
muitas vezes se está enredado. São as
lágrimas que conseguem sensibilizar o
olhar e a atitude endurecida, e sobretudo adormecida, perante o sofrimento
alheio. São as lágrimas que podem gerar uma ruptura capaz de nos abrir à
conversão. Foi assim com Pedro, depois
de ter renegado Jesus; chorou e as lágrimas abriram-lhe o coração.
Hoje esta palavra ressoa vigorosamente no meio de nós; esta palavra é a
voz que clama no deserto e nos convida à conversão. Neste Ano da Misericórdia, quero implorar convosco neste
lugar a misericórdia divina, quero pedir
convosco o dom das lágrimas, o dom
da conversão.
Aqui em Ciudad Juárez, como noutras áreas fronteiriças, concentram-se
milhares de migrantes da América Central e de outros países, sem esquecer
(@Pontifex_pt)
tantos mexicanos que procuram também passar para «o outro lado». Uma
passagem, um caminho carregado de
injustiças terríveis: escravizados, sequestrados, objectos de extorsão, muitos irmãos nossos acabam vítimas do tráfico
humano.
Não podemos negar a crise humanitária que, nos últimos anos, levou à migração de milhares de pessoas, quer
por via ferroviária ou rodoviária quer
mesmo a pé atravessando centenas de
quilómetros de montanhas, desertos,
caminhos inóspitos. Hoje, esta tragédia
humana que é a migração forçada, tornou-se um fenómeno global. Esta crise
da diocese, D. José Guadalupe Torres
Campos, numeroso bispos mexicanos e
significativamente alguns provenientes
de outros países latino-americanos — de
onde chegam muitos dos imigrantes
que transitam através do México rumo
ao norte — e alguns pastores americanos, entre os quais os cardeais Sean Patrick O’Malley, arcebispo de Boston, e
Daniel DiNardo, arcebispo de Galveston-Houston, D. Daniel E. Flores, bispo de Browsville, Texas, D. Oscar Cantú, bispo de Las Cruces, Novo México,
estes últimos expressamente designados
pela Conferência episcopal.
Do outro lado da fronteira estava
presente também D. Mark Joseph
Seitz, bispo de El Paso, que organizou
uma manifestação chamada Two nations, one faith (Duas nações, uma fé)
no Sun Bowl Stadium, no campus da
University of Texas, com a transmissão
ao vivo da missa pela televisão. O Papa
saudou-os no final da homilia, frisando
que «com a ajuda da tecnologia — disse
— podemos rezar, cantar e celebrar juntos este amor misericordioso que o Senhor nos dá e que nenhuma fronteira
nos pode impedir de partilhar. Uma só
família, uma mesma comunidade cristã».
Ecrãs gigantes foram instalados também em Las Cruces, outra cidade de
fronteira no Novo México. Desta forma, centenas de milhares de pessoas
puderam participar na missa tanto na
vertente mexicana como na parte americana. Entre eles, grupos de familiares
de vítimas da violência criminosa.
No final do rito, o bispo Torres
Campos agradeceu ao Papa a visita,
que foi preparada e vivida como um
momento de esperança, uma oportuni-
dade de mudança. Testemunharam-no
os grandes cartazes que enchiam as
ruas com a frase Ciudad Juárez es amor.
Antes da viagem aos Estados Unidos, o
Pontífice confidenciara que tinha pensado em fazer etapa no México, entrando no território americano exactamente
dali. Mas o projecto teria exigido mais
dias do que os que Francisco tinha à
disposição. Desta vez, não atravessou a
fronteira, mas chegou perto. Olhou para além da rede. E foi o seu último encontro antes da despedida no aeroporto
da cidade. Por isso, antes de deixar o
palco Francisco dirigiu a última saudação aos mexicanos. E depois de ter citado uma poesia de Octávio Paz, acrescentou que viu neste povo «muitas luzes que anunciam a esperança»: homens e mulheres que com o seu esforço
diário «são profetas do amanhã, sinal
de uma aurora nova».
Sucessivamente, o Papa partiu para o
aeroporto e durante o percurso recolheu mais um testemunho do afecto da
multidão que ainda apinhava as margens das ruas. Uma cena já vista nos
quatrocentos quilómetros — um recorde
— percorridos em automóvel nos seis
dias de permanência no país.
No final, com o mesmo entusiasmo
com o qual se saúda um familiar que
parte para uma longa viagem depois de
uma visita tão esperada, os mexicanos
despediram-se de Francisco no aeroporto, onde estava presente o presidente
Enrique Peña Nieto com a esposa Angelica Rivera. Um até logo, mais do
que um adeus, espera-se, que teve a
voz de cinquenta mil jovens, os quais
com os seus cantos serviram de moldura para a cerimónia.
Obrigado ao México
e a todos os mexicanos
Que o Senhor e a
Virgem de Guadalupe
nos acompanhe sempre
que se pode medir em números, queremos medi-la por nomes, por histórias,
por famílias. São irmãos e irmãs que
partem, forçados pela pobreza e a violência, pelo narcotráfico e o crime organizado. No meio de tantas lacunas legais, estende-se uma rede que apanha e
destrói sempre os mais pobres. À po-
breza que já sofrem, vem juntar-se o
sofrimento de todas estas formas de
violência. Uma injustiça que se radicaliza ainda mais contra os jovens: como
«carne de canhão», eles vêem-se perseguidos e ameaçados quando tentam
sair da espiral de violência e do inferno
das drogas. E que dizer de tantas mulheres a quem arrebataram injustamente
a vida?
Peçamos ao nosso Deus, o dom da
conversão, o dom das lágrimas. Peçamos-lhe a graça de ter o coração aberto, como os Ninivitas, ao seu apelo no
rosto sofredor de tantos homens e mulheres. Não mais morte nem exploração! Há sempre tempo para mudar, há
sempre uma saída e sempre há uma
oportunidade, é sempre tempo para implorar a misericórdia do Pai.
Hoje, como sucedeu no tempo de
Jonas, também apostamos na conversão; há sinais que se tornam luz no caminho e anúncio de salvação. Conheço
o trabalho de muitas organizações da
sociedade civil em favor dos direitos
dos migrantes. Estou a par também do
trabalho generoso de muitas irmãs reli-
giosas, de religiosos e sacerdotes, de
leigos votados ao acompanhamento e à
defesa da vida. Prestam ajuda na vanguarda, muitas vezes arriscando a própria vida. Com a sua vida, são profetas
de misericórdia, são o coração compreensivo e os pés da Igreja que acompanha, que abre os seus braços e apoia.
É tempo de conversão, é tempo de
salvação, é tempo de misericórdia. Por
isso, juntamente com o sofrimento de
tantos rostos, digamos: «Pela vossa
imensa compaixão e misericórdia, Senhor, tende piedade de nós (...), purificai-nos dos nossos pecados e criai em
nós um coração puro, um espírito novo» (cf. Sl 51 [50], 3.4.12).
E daqui, neste momento, desejo saudar também os nossos queridos irmãos
e irmãs que nos acompanham em simultâneo do outro lado da fronteira,
especialmente aqueles que estão congregados no Estádio da Universidade
de El Paso (conhecido como o Sun
Bowl) sob a guia do seu bispo, D.
Mark Seitz. Com a ajuda da tecnologia, podemos rezar, cantar e celebrar,
juntos, este amor misericordioso que o
Senhor nos dá e que nenhuma fronteira
nos pode impedir de partilhar. Obrigado, irmãos e irmãs de El Paso, por nos
fazerdes sentir uma só família e a mesma comunidade cristã.
No final da celebração Francisco agradeceu aos fiéis o acolhimento
Surpresa mexicana
No final da celebração, o Papa Francisco
despediu-se dos presentes com as palavras
que publicamos a seguir.
Senhor Bispo de Ciudad Juárez
José Guadalupe Torres Campos
Queridos irmãos no Episcopado
Ilustres Autoridades
Senhoras e Senhores
Queridos Amigos!
Muito obrigado, Senhor Bispo, pelas
suas sentidas palavras. É o momento
de dar graças a Nosso Senhor por me
ter permitido esta visita ao México,
que sempre nos surpreende. México,
tu és uma surpresa!
Não quero partir sem agradecer o
esforço de quantos tornaram possível
esta peregrinação. Agradeço a todas as
autoridades federais e locais o interesse e a solícita ajuda com que contribuíram para o bom andamento dos
eventos destes dias. Ao mesmo tempo,
gostaria de agradecer, cordialmente,
àqueles que colaboraram, de várias
maneiras, para esta visita pastoral. A
tantos servidores anónimos, que, no silêncio, deram o seu melhor para que
estes dias fossem uma festa de família,
obrigado! Senti-me acolhido, recebido
pelo carinho, a festa, a esperança desta
grande família mexicana: obrigado por
me terdes aberto as portas da vossa vida, da vossa nação.
No seu poema Irmandade, assim se
expressa o vosso escritor Octávio Paz:
«Sou homem: duro pouco e é enorme a
noite. Mas olho para o alto: as estrelas
escrevem. Sem entender, compreendo:
também sou escritura e, neste mesmo instante, alguém me está decifrando»
(«Un sol más vivo»: Antología poética, México 2014, 268).
Valendo-me destas estupendas palavras, ouso sugerir que aquele que nos
decifra e traça o caminho é a presença
misteriosa mas real de Deus na carne
concreta de todas as pessoas, especialmente dos mais pobres e necessitados
do México. A noite pode parecer-nos
enorme e muito escura, mas, nestes
dias, pude constatar que, no povo mexicano, há tantas luzes que anunciam
esperança; pude ver, em muitos dos
seus testemunhos, nos seus rostos, a
presença de Deus que continua a caminhar nesta terra guiando-os e sustentando a esperança; muitos homens
e mulheres, com o seu esforço de cada
dia, tornam possível que esta sociedade mexicana não fique às escuras.
Quando passava, muitos homens e
mulheres ao longo das estradas levantavam os seus filhos, mostravam-mos:
são o futuro do México; cuidemos deles, amemo-los. Estas crianças são profetas do amanhã, são sinal dé um novo amanhecer. E asseguro-vos que algum momento houve em que me emocionei ao ver tanta esperança num povo tão atribulado.
Que Maria, a Mãe de Guadalupe,
continue a visitar-vos, continue a caminhar por estas terras — sem Ela, não
se entende o México — ajudando-vos a
ser missionários e testemunhas de misericórdia e reconciliação.
Mais uma vez, muito obrigado por
esta hospitalidade mexicana tão calorosa!
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8
Depois da visita do Papa ao México
Compromisso a longo prazo
ALBERTO SUÁREZ INDA*
deveras difícil expressar o que
vivemos a 16 de Fevereiro em
Morelia com a presença entre
nós do Papa Francisco. Dom Mauricio Rueda Beltz, novo coordenador
das viagens do Papa, confidencioume que ficou sem palavras. Também
eu fiquei atónito, mas ao mesmo
tempo contente e grato a Deus.
Ciente de que a graça recebida empenha todos nós, e a mim primeiro,
na resposta ao Senhor fonte de qualquer bênção.
Antes de tudo gostaria de frisar o
enorme esforço e a generosidade do
Papa, o seu dedicar-se totalmente e
o testemunho, a palavra clara e directa, a sua alegria e simplicidade, a
paciência quase ilimitada, a sua hu-
É
manidade que se manifesta também
na corajosa denúncia diante dos
comportamentos que impedem o
projecto de Deus. Ao Papa Deus
concedeu um carisma e grande capacidade de trabalho, intuição para
captar a realidade e, além disso, sentido do humorismo.
Depois, admirei-me com a resposta do povo. Multidões nas ruas e
nas praças. Milhares de pessoas provenientes de todas as partes do México e dos Estados Unidos. Em toda
a parte se respirava ar de festa e de
harmonia: crianças no colo dos pais,
jovens rumorosos, doentes e idosos
que pediam uma bênção. Com pessoas apinhadas nas varandas das casas, lojas e escritórios, nos terraços e
até em cima das árvores. Felizes, depois de muitas horas de espera, por
ter visto mesmo só por um instante,
passar o Papa.
Milhares de homens e mulheres
prestaram serviço, suportando o frio
e o calor, animando e acalmando a
multidão, e permitindo assim que o
Papa percorresse mais de vinte quilómetros saudando sorridente e
abençoando à direita e à esquerda.
Foi grande a colaboração das forças
da ordem, respeitadoras e eficientes.
Foram magníficos os três encontros. A missa no estádio Venustiano
Carranza foi celebrada, com fervor e
devoção, na presença de cerca de
vinte e cinco mil pessoas. A maioria
eram sacerdotes, religiosas, religiosos
e seminaristas. Animou a celebração
um coro de trezentas vozes, acompanhado pela orquestra sinfónica do
Michoacán.
O encontro na catedral com centenas de crianças foi comovedor, em
particular a saudação do Papa à menina milagrosamente curada por intercessão do beato José Sánchez del
Río. Comovedora foi também a breve catequese oferecida às crianças
deficientes. E dois coros, dentro e à
entrada da igreja, dedicaram ao Papa cânticos jubilosos com as suas
vozes límpidas.
Mas sem dúvida o ápice do dia
atingiu-se durante o encontro com
os jovens que encheram o estádio
José María Morelos, chegando a
ocupar também o estacionamento
adjacente: Depois de ter ouvido os
testemunhos francos e apaixonados
de dois jovens e de duas moças, o
Papa pronunciou uma maravilhosa
catequese, elogiando a riqueza, a esperança e a dignidade que a juventude do nosso país representa.
Antes das críticas devo frisar a atitude corajosa das autoridades civis
que saudaram o Papa com respeito e
veneração, sem comprometer o carácter laico do Estado mexicano, que
respeita e valoriza a liberdade religiosa de todos os cidadãos, crentes e
não crentes.
É preciso reler as mensagens do
Papa. Tão incisivas, claras e estimulantes que merecem ser assimiladas e
aplicadas à vida de todos os dias. A
visita do sucessor de Pedro deixanos um compromisso e uma tarefa a
longo prazo. Com a ajuda de Deus,
a sementeira promete abundantes
frutos. Bendigamos ao Senhor por
nos ter concedido acolher o missionário da paz.
*Cardeal, arcebispo de Morelia
Aos jovens mexicanos o pedido a não se resignarem a viver sem esperança
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 5
ao lado dela, escutai-o; não lhe digas: «Trago-te a receita». Isto não;
mas, como amigo, lentamente, dálhe força com as tuas palavras, dálhe força com a escuta (eis uma medicina que está a ser esquecida: a
«escutoterapia»). Deixa-o falar, deixa que desabafe e então, pouco a
pouco, estender-te-á a sua mão e tu
ajudá-lo-ás em nome de Jesus Cristo. Mas, se entras à valentona, e começas a fazer-lhe um sermão e a
censurá-lo, censurá-lo, assim, coitado
dele, ficará pior do que estava. É
claro? [respondem: «Sim»]. Nunca
largueis a mão de Jesus Cristo, nunca vos afasteis d’Ele; e se acontecer
afastar-vos, levantai-vos e continuai
para diante. Ele compreende como
são estas coisas. Com efeito, juntamente com Ele é possível viver plenamente, juntamente com Ele é possível crer que a vida vale a pena, que
vale a pena dar o melhor de vós
mesmos, ser fermento, ser sal e luz
no meio dos amigos, no meio do
bairro, no meio da comunidade, no
meio da família (depois, Rosário, falarei um pouco daquilo que tu disseste sobre a família). Por isso, queridos amigos, em nome de Jesus peço que não vos deixeis excluir, não
vos deixeis desvalorizar, não vos deixeis tratar como mercadoria. Jesus
deu-nos um conselho para isto, para
não nos deixarmos excluir, para não
nos deixarmos desvalorizar, para não
nos deixarmos tratar como mercadoria: «Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas».
As duas virtudes juntas. Aos jovens,
não falta vivacidade; falta-lhes às vezes a prudência para não serem ingénuos. As duas coisas: prudentes,
mas simples, amáveis. É certo que,
por este caminho, talvez não tenhais
à porta o último modelo de carro,
que não tenhais a carteira cheia de
dinheiro, mas tereis algo que ninguém vos poderá jamais roubar: a
experiência de vos sentirdes amados,
abraçados e acompanhados. É o encanto de apreciar o encontro, o encanto de sonhar com o encontro de
todos. É a experiência de vos sentirdes família, de vos sentirdes comunidade. E é a experiência de olhar o
mundo, olhos nos olhos e de testa
erguida, sem o carro, sem o dinheiro, mas de testa erguida: a dignidade. Três palavras que vos peço para
repetir: Riqueza, porque nos foi dada; Esperança, porque queremos
abrir-nos à esperança; Dignidade.
Repetimos: riqueza, esperança e dignidade. A riqueza que Deus vos
deu; vós sois a riqueza do México.
A esperança que vos dá Jesus Cristo
e a dignidade que vem de não vos
deixardes lisonjear e ser mercadoria
para a carteira dos outros.
Hoje o Senhor continua a chamar-vos, continua a convocar-vos
como fez com o índio Juan Diego.
Convida-vos a construir um santuário; um santuário que não é um lu-
gar físico, mas uma comunidade: um
santuário chamado paróquia, um
santuário chamado nação. A comunidade, a família, o sentir-vos cidadãos são alguns dos principais antídotos contra tudo o que nos ameaça,
porque nos faz sentir parte desta
grande família de Deus. E não para
nos refugiarmos, não para nos fecharmos a fim de escapar às ameaças
ou aos desafios da vida; antes, pelo
contrário, para sairmos a convidar
outros, para sairmos a anunciar a
outros que ser jovem no México é a
maior riqueza e, por conseguinte,
não pode ser sacrificada. E porque
tal riqueza é capaz de ter esperança
e de nos dar dignidade. Digamos
outra vez as três palavras: riqueza,
esperança e dignidade. Mas riqueza,
riqueza, ou seja, aquela que Deus
nos deu e que temos de fazer crescer.
Jesus, que nos dá a esperança,
nunca nos convidaria a ser sicários,
mas chama-nos discípulos, chamanos amigos. Jesus nunca nos mandaria à morte, mas tudo n’Ele é convite à vida: uma vida em família, uma
vida em comunidade; uma família e
uma comunidade a favor da sociedade. E aqui, Rosário, retomo, o que
tu disseste, uma coisa muito bela:
«Na família, aprende-se proximidade».
Aprende-se
solidariedade,
aprende-se a partilhar, a discernir, a
resolver os problemas uns dos outros, a pegar-se e corrigir-se, a discutir e a abraçar-se e beijar-se. A famí-
lia é a primeira escola da nação, e na
família está a riqueza que vós tendes. A família é como a guardiã dessa riqueza, na família ides encontrar
esperança, porque nela está Jesus, e
na família ides ter dignidade. Nunca, nunca ponhais de lado a família;
a família é a pedra fundamental da
construção de uma grande nação.
Vós sois riqueza, tendes esperança e
sonhais (a Rosário também falou de
sonhar). Vós sonhais ter uma família? [«sim»].
Queridos irmãos, vós sois a riqueza deste país e, quando tiverdes dúvidas sobre isto, olhai para Jesus
Cristo, que é a esperança, aquele
que desmente todas as tentativas de
vos tornar inúteis ou meros mercenários de ambições alheias.
Agradeço-vos este encontro e peço
que rezeis por mim. Obrigado!
No final do encontro com os jovens, o
Papa convidou a rezar à Virgem.
Convido-vos a rezar juntos a Nossa
Senhora de Guadalupe, pedindoLhe que nos torne conscientes da riqueza que Deus nos deu, que faça
crescer em nós, nos nossos corações,
a esperança em Jesus Cristo e que
avancemos pela vida fora com a dignidade de cristãos.
[Recitação da Ave-Maria e a Bênção Apostólica].
E, por favor, não vos esqueçais de
rezar por mim. Obrigado!
número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
página 11
Conferência de imprensa do Pontífice durante o voo de regresso do México
Riqueza surpreendente
Durante o voo que de Ciudad Juárez o trouxe de volta para Roma no
final da sua viagem à América Latina, na noite de quarta-feira 17 de Fevereiro, o Papa Francisco encontrouse com os jornalistas a bordo do
avião numa conferência introduzida
pelo director da Sala de imprensa da
Santa Sé, padre Federico Lombardi.
Publicamos uma síntese das perguntas e a transcrição das respostas do
Pontífice.
Maria Eugenia Jiménez Cáliz, do jornal mexicano «Milenio», recordou os
desaparecidos do seu país e em particular o caso emblemático dos 43 estudantes de Ayotzinapa, perguntando ao Papa por que não se tinha encontrado
com os seus familiares e pedindo também uma mensagem para as famílias
dos milhares de desaparecidos.
Na realidade, se a senhora ler as
intervenções feitas, encontra referências contínuas aos assassinatos, às
mortes, à vida arrancada por todos
estes gangues do narcotráfico, dos
traficantes de seres humanos. Ou seja, verá que falei destes problemas
como uma das chagas que faz sofrer
o México. Houve qualquer tentativa
de receber pessoas; mas eram muitos
grupos, até mesmo opostos entre
eles, com lutas internas. Então preferi dizer que, na Missa, os veria a todos: na Missa de Juárez, se preferissem, ou noutra; eu estava aberto a
esta possibilidade. Praticamente era
impossível receber todos os grupos,
que aliás se contrapunham uns aos
outros. É uma situação difícil de
compreender, para mim — claro —
que sou estrangeiro. Mas penso que
até mesmo a sociedade mexicana seja vítima de tudo isto: os crimes, o
desaparecimento das pessoas, o descarte das pessoas. Nos discursos em
que pude, falei disto e a senhora pode constatá-lo. É uma amargura
muito grande que trago comigo,
porque este povo não merece um
drama assim.
Javier Solorzano, do «Canal 11», tratou o tema da pedofilia, que no México
tem raízes muito dolorosas. O caso do
padre Maciel deixou marcas fortes, sobretudo nas vítimas. Estas continuam
a sentir-se não protegidas pela Igreja;
muitas delas continuam a ser pessoas
de fé, e algumas até seguiram o sacerdócio. O jornalista perguntou ao Pontífice se pensou num encontro com as vítimas e como considera a prática de se
limitar a mudar de paróquia os sacerdotes que cometem abusos.
Bem, começo pelo segundo ponto. Um bispo que muda de paróquia
um sacerdote quando se verifica um
caso de pedofilia, é um inconsciente,
e a melhor coisa que pode fazer é
apresentar a renúncia. Está claro?
Em segundo lugar, recuando na pergunta: o caso Maciel. Aqui gostaria
de prestar homenagem a um homem
que lutou, num momento em que
não tinha força para se impor, até
conseguir impor-se: Ratzinger. O
Cardeal Ratzinger — uma salva de
palmas para ele! — é um homem que
teve na mão toda a documentação.
Quando era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé teve tudo
nas suas mãos, fez as investigações e
avançou sem se deter... mas não pôde ir mais longe na execução. Contudo, se vos lembrais, dez dias antes
da morte de São João Paulo II, naquela Via-Sacra de Sexta-Feira Santa, ele disse a toda a Igreja que era
necessário limpar as «imundícies»
da Igreja. E, na Missa Pro eligendo
Pontifice — não era ingénuo, ele sabia
que era um candidato — não se importou com mascarar a sua posição,
mas disse exactamente a mesma coisa. Por outras palavras, foi o homem
corajoso que ajudou muitos a abrirem esta porta. Por isso quero lembrá-lo, porque às vezes esquecemonos daqueles trabalhos escondidos
que foram os que prepararam as bases para se destapar a panela. Em
terceiro lugar, já se fez bastante trabalho. Falei com o Cardeal Secretário de Estado e também com o grupo dos novos Cardeais conselheiros
e, depois de os ter ouvido, decidi
nomear um terceiro Secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé que se ocupe apenas destes casos, porque a Congregação não
consegue dar conta de tudo aquilo
que tem para fazer; ou seja, um que
saiba gerir isto. Além disso, foi constituído o Tribunal de Apelação, presidido por D. Scicluna, que se ocupa
dos casos de segunda instância,
quando se recorre da sentença; de
facto, quem examina a primeira instância é a «feria quarta» — assim designada porque se reúne à quartafeira — da Congregação para a Doutrina da Fé. Quando havia recurso,
tornava-se à primeira instância. Isto
não estava certo, pelo que se criou o
Tribunal de Apelação, já com perfil
judicial, com o advogado de defesa.
Entretanto é preciso apurar o motivo
do considerável atraso que se verifica
no tratamento dos casos, porque casos há. Em terceiro lugar, outra realidade que está a trabalhar muito
bem é a Comissão para a Tutela dos
Menores; não reservada estritamente
para os casos de pedofilia, mas para
a tutela dos menores. Nesta sede,
encontrei-me uma manhã inteira
com seis deles — dois alemães, dois
irlandeses e dois ingleses — homens
e mulheres, abusados, vítimas. E encontrei-me com as
vítimas também em
Filadélfia: lá, uma
manhã, tive um encontro com as vítimas. Em suma, estáse a trabalhar. Entretanto agradeço a
Deus que se tenha
destapado a panela,
mas é preciso continuar a destapá-la e
tomar consciência. E,
finalmente, quero dizer que é uma monstruosidade, pois um
sacerdote é consagrado para conduzir
uma
criança
até
Deus, mas assim
«come-a» num sacri-
fício diabólico, destrói-a. Quanto a
Maciel — voltando à Congregação —
fez-se uma ampla intervenção e hoje
a Congregação, o governo da Congregação é semicomissariado, ou seja, o Superior-Geral é eleito pelo
Conselho, pelo Capítulo Geral, mas
quem elege o Vigário é o Papa. Dois
conselheiros-gerais são eleitos pelo
Capítulo Geral e o Papa elege outros dois, para ajudá-los na revisão
de contas antigas.
Quem não percebeu, peça a um
espanhol que lhe explique o que eu
disse.
Phil Pulella, da agência «Reuters»,
fez referência às declarações de um dos
candidatos à Casa Branca, o republicano Donald Trump, que numa entrevista disse que o Pontífice é um homem
político, declarando que, se for eleito,
quer construir 2.500 km de muro ao
longo da fronteira entre os Estados
Unidos e o México e deportar 11 milhões de imigrantes ilegais, separando
assim as famílias. Então, perguntoulhe, o que pensava de tais declarações e
se um católico norte-americano pode
votar para tal pessoa.
Bem, graças a Deus, que disse que
sou político, porque Aristóteles define a pessoa humana como «animal
politicus». Pelo menos sou uma pessoa humana! Quanto a ser um peão,
bem, talvez seja melhor nem comentar... deixo isso ao vosso juízo, ao
juízo das pessoas. E, depois, uma
pessoa que só pensa em fazer muros,
onde quer que seja, e não em fazer
pontes, não é cristã. Isto não está no
Evangelho. Quanto àquilo que me
perguntava sobre o conselho que daria de votar ou não votar: não me
intrometo. Digo apenas: se diz estas
coisas, este homem não é cristão. É
preciso ver se ele disse estas coisas;
por isso lhe dou o benefício da dúvida.
Jean-Louis de la Vaissière, da «France
Presse» falou sobre o encontro com o
Patriarca russo Kirill, a Declaração
Conjunta e o facto de que na Ucrânia
os greco-católicos se sentem traídos. Depois, perguntou ao Papa se foi convidado pelo Patriarca a visitar Moscovo ou
se pensa em ir a Creta para o Concílio
Pan-Ortodoxo.
Começo pelo fim. Estarei lá presente espiritualmente e com uma
mensagem. Gostaria de ir saudá-los
ao Concílio Pan-Ortodoxo: são irmãos; mas devo respeitar. Entretanto
sei que eles querem convidar observadores católicos, e isto é uma bela
ponte; por detrás dos observadores
católicos, estarei eu, rezando e formulando os melhores votos para que
os ortodoxos continuem sempre para
diante, pois são irmãos e os seus bispos são bispos como nós. Quanto a
Kirill, o meu irmão: beijámo-nos,
abraçámo-nos e seguiu-se um colóquio de uma hora...
Padre Lombardi observou: «duas horas!»...
...Duas horas! Duas horas, durante as quais falámos como irmãos,
sinceramente, e ninguém sabe as coisas que abordámos; apenas o que
dissemos no fim, publicamente, a
propósito do que sentimos durante o
colóquio. Terceiro: aquele artigo,
aquelas declarações na Ucrânia.
Quando li aquilo, fiquei um pouco
preocupado ao ver que teria sido
precisamente Sviatoslav Shevchuk
quem disse que o povo ucraniano,
ou alguns ucranianos, ou muitos
ucranianos se sentem profundamente
decepcionados e traídos. Antes de
mais nada, conheço bem Sviatoslav:
trabalhámos juntos em Buenos Aires, durante quatro anos. Quando
foi eleito Arcebispo-Mor — tinha 42
anos, um homem bom! — voltou a
Buenos Aires para levar as suas coisas. Veio ter comigo e ofereceu-me
um ícone — pequeno assim — de
Nossa Senhora da Ternura e disseme: «Este ícone acompanhou-me a
vida inteira: quero deixá-lo a ti que
me acompanhaste durante estes quaCONTINUA NA PÁGINA 12
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L’OSSERVATORE ROMANO
quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8
Riqueza surpreendente
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 11
tro anos». É uma das poucas coisas
que trouxe de Buenos Aires e tenhoo na minha mesa. É um homem por
quem tenho respeito e também familiaridade — tratamo-nos por «tu» —
e, por isso, pareceu-me um pouco
estranho. E lembrei-me de algo que
já vos disse: para compreender uma
notícia, uma declaração, é preciso
procurar a hermenêutica do conjunto. Quando disse isso? Foi dito numa declaração do passado dia 14 de
Fevereiro, domingo, domingo passado. Uma entrevista que deu, registada pelo padre... não me lembro, um
sacerdote ucraniano; registada e publicada na Ucrânia. A notícia — numa entrevista de pouco mais de duas
páginas — aquela notícia aparece no
antepenúltimo parágrafo, pequeno
assim! Li a entrevista e posso dizer
isto: Shevchuk declara-se — e é a
parte dogmática — filho da Igreja,
em comunhão com o Bispo de Roma, com a Igreja; fala do Papa, da
solidariedade do Papa, e dele, da
sua fé, e também da fé do povo ortodoxo. Na parte dogmática, nenhuma dificuldade: é ortodoxa no bom
sentido da palavra, isto é, doutrina
católica. Depois, como em todas as
entrevistas — nesta, por exemplo —
cada um tem o direito de dizer as
suas coisas, mas isto não o fez em
relação ao Encontro pois a propósito
deste afirma: «É uma coisa boa e
devemos avançar». Neste segundo
capítulo, aparecem as ideias pessoais
que uma pessoa tem. Por exemplo,
uma coisa é aquilo que eu disse sobre os bispos que mudam de paróquia os padres pedófilos — o melhor
que podem fazer é demitir-se — não
é uma coisa dogmática, mas aquilo
que eu penso. E, de igual modo, ele
tem as suas ideias pessoais, sobre as
quais se pode dialogar, e tem direito
a tê-las. Tudo o que ele diz sobre o
documento: aqui estaria o problema.
Sobre o facto do encontro, diz: «Isto vem do Senhor, do Espírito que
caminha, o abraço...»: está tudo
bem. E o Documento? É um documento discutível. E há outra coisa a
acrescentar: a Ucrânia está num período de guerra, de sofrimento, com
muitas interpretações. Eu nomeei
muitas vezes o povo ucraniano, pedindo orações e solidariedade, tanto
no «Angelus» como nas Audiências
de quarta-feira. Mas, sobre o facto
histórico de uma guerra, cada um
tem a sua ideia: Como é esta guerra?
Quem começou? Como se faz? Como não se faz? É claro que se trata
de um problema histórico, mas também um problema existencial daquele país, e fala do sofrimento. E, neste contexto, eu insiro este parágrafo,
compreende-se aquilo que dizem os
fiéis... Porque Sviatoslav diz: «Muitos crentes telefonaram-me, ou escreveram, dizendo que se sentem profundamente decepcionados e traídos
por Roma». Compreende-se que um
povo naquela situação sinta isto. O
Documento é opinável sobre esta
questão da Ucrânia, mas nele pedese que cesse a guerra e tudo se resolva por acordos. Eu mesmo almejei
pessoalmente que os Acordos de
Minsk valham, e não se apague com
o cotovelo aquilo que foi escrito à
mão. A Igreja de Roma, o Papa
sempre disse: «Procurai a paz». Recebi ambos os Presidentes. E por is-
so, quando ele diz que ouviu isto do
seu povo, eu compreendo, compreendo-o. Mas isto não é «a» notícia.
A notícia é tudo. Se lerdes toda a
entrevista, vereis que há coisas dogmáticas sérias, que permanecem; há
um desejo de unidade, de avançar,
ecuménico: ele é um homem ecuménico. E há algumas opiniões. Ele escreveu-me, quando se soube da viagem, do encontro, mas como um irmão, dando as suas opiniões de irmão. A mim não me desagrada o
Documento, assim como está; não
me desagrada no sentido de que devemos respeitar as coisas que cada
um tem a liberdade de pensar e...
naquela situação tão difícil. E da
parte de Roma? Agora o Núncio está na fronteira onde se combate, ajudando os soldados, os feridos; a
Igreja de Roma enviou muita ajuda,
tanta ajuda para lá. E sempre anima
a buscar a paz, os acordos. Seja respeitado o Acordo de Minsk. Isto é o
conjunto; não é preciso assustar-se
com aquela frase. Esta é uma lição:
uma notícia deve ser interpretada
com a hermenêutica do conjunto, e
não de uma parte só.
O jornalista francês perguntou de novo
se recebeu o convite do Patriarca Cirilo
para ir a Moscovo.
O Patriarca Kirill... Eu preferiria
não falar, porque, se digo uma coisa,
terei de dizer outra, outra e outra.
Preferiria que aquilo de que falamos
a sós seja apenas o que dissemos em
público. O que dissemos em público
é um dado. Mas, se digo uma coisa,
deveria dizer outra e não! Aquilo
que eu disse em público, aquilo que
ele disse em público, isso é o que se
pode dizer do colóquio privado. Caso contrário, não seria privado. Mas
posso dizer-lhe: eu saí de lá feliz. E
ele também.
Carlo Marroni, do «Sole 24 Ore»
mencionou o debate no Parlamento italiano da lei sobre as uniões civis, que
se refere também ao tema das adopções
e direitos das crianças e dos filhos.
Antes de mais nada, não sei como
estão as coisas no Parlamento italiano. O Papa não se intromete na política italiana. Na primeira reunião
que tive com os Bispos [italianos],
em Maio de 2013, uma das três coisas que disse foi: «Com o governo
italiano, entendei-vos vós!» Porque
o Papa é para todos, e não pode entrar na política concreta, interna de
um país: o papel do Papa não é este. E aquilo que penso eu é o que
pensa a Igreja; e já o disse em tantas
ocasiões. Porque este não é o primeiro país que faz esta experiência:
são muitos. Penso aquilo que a Igreja sempre disse.
A espanhola Paloma García Ovejero,
de «Cope», expressou preocupações pelo
vírus «Zika» que provoca riscos sobretudo às mulheres grávidas, ao ponto
que algumas autoridades propuseram o
aborto. E perguntou ao Pontífice se a
Igreja pode considerar o conceito de
«mal menor».
O aborto não é um «mal menor».
É um crime. É eliminar uma pessoa
para salvar outra. É aquilo que faz a
máfia. É um crime, é um mal absoluto. Quanto à aplicação do «mal
menor» ao evitar a gravidez: falamos
em termos de conflito entre o quinto
e o sexto mandamento. Paulo VI — o
grande! — numa situação difícil, na
África, permitiu às Irmãs usar contraceptivos para os casos de violência. É preciso não confundir o mal
de apenas evitar a gravidez com o
mal do aborto. O aborto não é um
problema teológico: é um problema
humano, é um problema médico.
Mata-se uma pessoa para salvar outra — na melhor das hipóteses! — ou
para a nossa comodidade. É contra
o Juramento de Hipócrates, que os
médicos devem fazer. É mal em si
mesmo, não um mal religioso — na
raiz, não; é um mal humano. E, obviamente, uma vez que é um mal
humano — como cada assassinato —
é condenável. Caso diferente é evitar
a gravidez, que não é um mal absoluto, e em certos casos — como
aquele que mencionei do Beato Papa
Paulo VI — era claro. Dito isto, gostaria de animar os médicos para que
façam o máximo possível por encontrar as vacinas contra estas duas melgas portadoras deste mal: nisto, há
que trabalhar. Obrigado!
O alemão Ludwig Ring-Eifel, da Katholische-Nachrichten-Agentur mencionou o facto de que daqui a poucas semanas Francisco receberá o Prémio
Carlos Magno, um dos mais prestigiosos da Comunidade europeia — como o
seu predecessor João Paulo II — num
momento em que a União Europeia dá
a impressão de estar a desabar, primeiro com a crise do euro e agora com a
dos refugiados.
Em primeiro lugar, o Prémio Carlos Magno. Eu tinha o hábito de
não aceitar honorificências nem doutorados; sempre fui assim, não por
humildade, mas porque não gosto
destas coisas. Um pouco de estultícia é bom tê-la, e disso não gosto!
Mas neste caso fui, não digo «forçado», mas «convencido» com a santa
e teológica obstinação do Cardeal
Kasper, que foi escolhido por Aachen para me convencer. E eu disse:
«Sim, mas no Vaticano». Disse isso;
e ofereço-o pela Europa: seja uma
condecoração, um prémio para que a
Europa possa fazer aquilo que lhe
almejei em Estrasburgo: possa ser,
não a «avó Europa», mas a «mãe
Europa». Em segundo lugar, a crise.
No outro dia, ao ler as notícias sobre estas crises — leio pouco, limitome a folhear um jornal (não digo o
nome, para não despertar ciúmes,
mas é sabido), olho-o quinze minutos e, depois, recebo a informação
da Secretaria de Estado — vi uma
expressão de que gostei (não sei
quem a aprova e quem não, mas
gostei): «a refundação da União Europeia». E pensei nos grandes Pais
dela... Mas onde há, hoje, um Schuman, um Adenauer? Estes grandes,
que no pós-guerra fundaram a
União Europeia. Gosto desta ideia
de refundação: talvez se possa fazer!
Com efeito, eu não quero dizer que
a Europa seja única, mas tem uma
força, uma cultura, uma história que
não se pode desperdiçar, e temos de
fazer todo o possível para que a
União Europeia tenha a força e também a inspiração para nos fazer
avançar. Não sei; isto é o que penso.
Anne Thompson, de «Nbc News» perguntou como pode uma Igreja, que
afirma ser «misericordiosa», perdoar
mais facilmente um assassino do que
quem divorcia e volta a casar.
Gosto da pergunta! Sobre a família, falaram dois Sínodos e o Papa
falou todo o ano nas Catequeses da
quarta-feira. E a pergunta é verdadeira; gosto dela, porque a senhora
a apresentou plasticamente bem. No
documento pós-sinodal que sairá talvez antes da Páscoa, num dos capítulos — porque tem bastantes — retoma-se tudo aquilo que disse o Sínodo sobre os conflitos ou sobre as famílias feridas, e a pastoral das famílias feridas. É uma das preocupações. Outra é a preparação para o
matrimónio. A senhora pense que,
para se tornar sacerdote, há oito
anos de estudo, de preparação, e em
seguida, depois de algum tempo, se
não o consegues ser, pedes a dispensa e sais; e está tudo resolvido. Ao
passo que, para fazer um Sacramento que é para toda a vida, temos três
ou quatro conferências... A preparação para o matrimónio é muito,
muito importante, porque penso que
se trata de algo que a Igreja, na pastoral comum — pelo menos no meu
país, na América do Sul — não valorizou muito. Por exemplo, no meu
país — agora nem tanto, mas há alguns anos — estávamos habituados
ao chamado «casamiento de apuro»:
casarem-se à pressa, porque chegava
um filho; e para cobrir socialmente a
honra da família... Em tais condi-
número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
estrada da integração. E
aqueles dois eram felizes! Usaram uma frase
muito bela: «Não comungamos Jesus eucarístico, mas comungamos Jesus na visita ao
hospital, neste e naquele
serviço». A sua integração ficou por ali. Se há
algo mais, o Senhor dilo-á a eles, mas... é um
caminho, uma estrada...
ções, não eram livres, e muitas vezes
estes matrimónios são nulos. E eu,
como bispo, proibi aos sacerdotes de
o fazerem, quando se tratava disso...
Deixai que venha a criança, que
continuem como namorados e,
quando sentirem vontade de se casar
para toda a vida, que o façam. Mas
há uma carência na [preparação] para o matrimónio. Aparece, depois,
outro capítulo muito interessante: a
educação dos filhos. As vítimas dos
problemas das famílias são os filhos.
Mas são vítimas também de problemas da família que nem o marido
nem a esposa querem: por exemplo,
a necessidade de trabalhar. Quando
o pai não tem tempo livre para conversar com os filhos, quando a mãe
não tem tempo livre para conversar
com os filhos. Quando confesso um
casal que tem filhos, pergunto ao
cônjuge: «Quantos filhos tens?». Alguns ficam assustados, imaginando:
«O padre perguntar-me-á por que
não tenho mais». Mas eu digo:
«Far-lhe-ei uma segunda pergunta:
brinca com os seus filhos?» E a
maioria — quase todos — dizem:
«Padre, não tenho tempo; trabalho
o dia inteiro». E os filhos são vítimas de um problema social que fere
a família. É um problema! Gosto da
sua pergunta. E uma terceira coisa
interessante! No encontro com as famílias, em Tuxtla, havia um par de
recasados em segunda união, integrados na pastoral da Igreja. Aqui
está a palavra-chave que usou o Sínodo e que eu retomarei: «integrar»
na vida da Igreja as famílias feridas,
as famílias de recasados e tudo isso.
Mas — não esqueçais! — no centro,
estão as crianças! São as primeiras
vítimas, quer das feridas, quer das
condições de pobreza, de trabalho,
de tudo isso.
Anne Thompson interveio, perguntando
se isto significa que poderão fazer a comunhão.
Isso é outra coisa... é o ponto de
chegada. Integrar na Igreja não significa «receber a Comunhão»; pois
conheço católicos recasados que vão
à igreja, uma ou duas vezes por ano.
E dizem: «Mas, eu quero receber a
Comunhão!», como se a Comunhão
fosse uma honorificência. É um trabalho de integração... todas as portas estão abertas. Mas não se pode
dizer: daqui para diante «podem receber a Comunhão». Isto seria uma
ferida também para os cônjuges, o
casal: não lhes fazer percorrer esta
Antoine-Marie Izoard, de
«Imedia», referindo-se à
resposta precedente, disse
que já não tem tempo para brincar com os filhos.
Referindo-se ao clamor a
propósito da correspondência entre João Paulo II e
a filósofa americana Anna Tymieniecka,
perguntou se um Papa pode ter uma
relação tão íntima com uma mulher.
Eu já sabia da relação de amizade
entre São João Paulo II e esta filósofa, quando estava em Buenos Aires:
era uma coisa sabida, inclusive os livros dela são conhecidos, e João
Paulo II era um homem inquieto... A
propósito, eu diria que um homem
que não sabe ter uma boa relação de
amizade com uma mulher — não falo de misóginos! Estes são doentes —
é um homem a quem falta algo. E
eu, inclusive por experiência pessoal,
quando peço um conselho, dirijo-me
a um colaborador, a um amigo, um
homem, mas gosto também de ouvir
o parecer de uma mulher. Elas dãote tanta riqueza! Vêem as coisas de
maneira diferente. Gosto de dizer
que a mulher é aquela que constrói
a vida no ventre, e tem este carisma
— mas esta é uma comparação que
faço — de dar-te coisas para construir. Uma amizade com uma mulher não é pecado. Falo de uma amizade; uma relação amorosa com uma
mulher que não seja tua esposa, é
pecado. O Papa é um homem; o Papa precisa também do pensamento
das mulheres. E o Papa também tem
um coração, que pode ter uma amizade sã, santa com uma mulher. Há
Santos amigos: Francisco e Clara,
Teresa e João da Cruz... Mas as mulheres ainda são um pouco... não
bem consideradas, não inteiramente... Não compreendemos o bem que
uma mulher pode fazer à vida do
padre e da Igreja, na linha de aconselhamento, de ajuda, de uma sã
amizade. Obrigado.
Franca Giansoldati, de «Il Messaggero», voltou a falar do debate político
na Itália sobre as uniões civis, recordando o documento da Congregação
para a Doutrina da Fé de 2003, que
diz expressamente que os os parlamentares católicos não devem votar estas
leis. E perguntou se este documento
ainda tem valor. Em seguida, comentou
outro degelo que se vislumbra no horizonte depois de Moscovo: isto é, o encontro que o Pontífice gostaria de ter
com o Grão-Imã de Al-Azhar, ou seja,
com o islão sunita.
A propósito, na semana passada,
monsenhor Ayuso foi ao Cairo encontrar o Vice do Grão-Imã e saudar
também o Imã. Monsenhor Ayuso é
Secretário do Pontifício Conselho
para o Diálogo Inter-Religioso, pre-
sidido pelo Cardeal Tauran. Desejo
encontrar o Imã, sei que ele também
gostaria, e estamos a procurar o modo, sempre através do Cardeal Tauran, porque esta é a estrada. Mas
havemos de o conseguir... Quanto
ao primeiro ponto: não me lembro
bem daquele documento de 2003 da
Congregação para a Doutrina da Fé.
Mas um parlamentar católico deve
votar segundo a sua consciência bem
formada. Eu diria apenas isto; acho
que é suficiente. E digo «bem formada», porque não é a consciência
«daquilo que me parece». Quando
foi votado o matrimónio das pessoas
do mesmo sexo em Buenos Aires,
lembro-me que havia um empate de
votos; no fim, um disse para o outro: «Mas isto é claro para ti?» —
«Não!» — «Nem para mim!» —
«Saímos» — «Se sairmos, não atingimos o quórum». E o outro disse:
«Mas, se atingimos o quórum, damos o voto a Kirchner!» E o outro:
«Prefiro dá-lo a Kirchner que a Bergoglio!»... e continuaram. Esta não é
consciência bem formada! E sobre as
pessoas do mesmo sexo, repito o
que disse na viagem de regresso do
Rio de Janeiro e que está no Catecismo da Igreja Católica.
Javier Martínez Brocal, de «Rome
Reports», perguntou ao Papa quando
irá à Argentina, quando voltará à
América Latina ou quando irá à China.
A China... ir lá. Gostaria imenso!
Quero dizer uma coisa, uma coisa
justa, sobre o povo mexicano. É um
povo de uma riqueza, de uma riqueza tão grande que surpreende. Tem
uma cultura milenária... Sabeis que
hoje, no México, se falam 65 línguas, contando as indígenas? 65! É
um povo de uma grande fé, também
sofreu perseguições religiosas, existem mártires: irei canonizar dois ou
três. É um povo... que não se pode
explicar. E um povo não se pode explicar, simplesmente porque o termo
«povo» não é uma categoria lógica;
é uma categoria mística. E o povo
mexicano não se pode explicar: esta
riqueza, esta história, esta alegria, esta capacidade festiva, e também estas tragédias sobre as quais me interrogastes. Eu não sei que dizer! Como conseguiu esta unidade, como
conseguiu este povo não falir, não
acabar com tantas guerras? E as coisas que sucedem agora... Lá, em
Ciudad Juárez, havia um pacto de 12
horas de paz para a minha visita;
depois continuarão a lutar entre eles,
os traficantes... Um povo que ainda
tem esta vitalidade só se explica por
Guadalupe. E convido-vos a estudar
seriamente o fenómeno de Guadalupe. Nossa Senhora está lá. Eu não
encontro outra explicação. Seria
bom se vós, como jornalistas... Há
alguns livros bons que explicam; explicam também o quadro, como é,
que significa... E deste modo poderse-á compreender um pouco deste
povo tão grande, tão maravilhoso.
Caroline Pigozzi, de «Paris Match»,
perguntou ao Papa o que pediu à Virgem de Guadalupe, e se sonha em italiano ou em espanhol?
Diria que sonho em esperanto...
Verdadeiramente não sei como responder a isto. Às vezes sim, lembro-
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me de qualquer sonho noutra língua; mas sonhar em línguas, não;
com figuras, sim. A minha psicologia é assim. Com palavras sonho
pouco. E a primeira pergunta, qual
era?
Caroline Pigozzi disse: sobre Nossa Senhora...
Pedi pelo mundo, pela paz... Tantas coisas. Coitada d’Ela! Acabou
com a cabeça cheia assim. Pedi perdão, pedi que a Igreja cresça saudável, pedi pelo povo mexicano. E
uma coisa que pedi muito é que os
padres sejam verdadeiros padres, as
irmãs verdadeiras irmãs e os bispos
verdadeiros bispos como o Senhor
quer. Isto pedi-lho tanto! Mas as
coisas que um filho diz à mãe são
secretas. Obrigado, Carolina.
No final o padre Lombardi quis festejar Alberto Gasbarri na sua última
viagem. E o Papa interveio com algumas expressões durante a entrega de
alguns dons.
Uma palavra apenas! Também eu
repito o que disse no princípio: muito obrigado! E deu-me bons conselhos. Só tem um defeito: não sabe
calcular bem os quilómetros!
Depois do bolo o Papa concluiu com
estas palavras.
Boa viagem. Muito obrigado pelo
vosso trabalho e rezai por mim. Sabeis que estou ao vosso dispor. E
brincai com os vossos filhos!
Uma palavra
para Nínive
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mas a favor de todos», para que
«todos estejam no mesmo barco»,
explicou Francisco com simplicidade.
Último encontro do Pontífice
na viagem mexicana foi a grande
missa na fronteira com os Estados
Unidos. Num dos lugares símbolo daquela «tragédia humana» representada pelo fenómeno mundial das migrações forçadas, que
causa milhares de vítimas e deve
ser medido pensando nos nomes,
nas histórias, nas famílias: de «irmãos e irmãs que partem constrangidos pela pobreza e violência, pelo narcotráfico e crime organizado», frisou mais uma vez o
Papa.
A glória de Deus é a vida do
homem, afirmava Ireneu num trecho querido a Paulo VI e que hoje
o seu sucessor repetiu comentando a história de Jonas. O profeta
foi enviado por Deus a Nínive, a
«grande cidade que estava a autodestruir-se, fruto da opressão e da
degradação, da violência e da injustiça». Assim Jonas foi «despertar um povo inebriado de si mesmo» com a palavra da misericórdia, para afirmar que «há sempre
a possibilidade de mudar». Nínive converteu-se, como pediu
Francisco de novo, implorando o
dom das lágrimas e da conversão.
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8
Missa em Santa Marta
Entre o fazer e o dizer
De nada serve autoproclamar-se cristãos, porque «Deus é real» e é pelo
«fazer», não certamente pela «religião do dizer». Foi uma evocação à
essencialidade da vida cristã a que o
Papa propôs — com o convite a um
exame de consciência sobre as bemaventuranças e em particular sobre o
próprio testemunho em família — na
missa celebrada a 23 de fevereiro, na
capela de Santa Marta.
«A liturgia da palavra hoje introduz-nos na dialética evangélica entre
o fazer e o dizer» observou imediatamente Francisco, referindo-se ao
trecho do livro do profeta Isaías (1,
10.16-20). «O Senhor chama o seu
povo a fazer: Vinde, tratemos». Falemos e «deixai de praticar o mal,
aprendei a praticar o bem, procurai
a justiça, socorrei o oprimido, fazei
justiça ao órfão, defendei a causa da
viúva». Resumindo «fazei, praticai
obras», porque «Deus é real».
De resto, o próprio Jesus afirmou:
«Não aqueles que me dizem: “Senhor, Senhor” entrarão no reino dos
céus mas aqueles que fizerem
obras!». Portanto «não os que dizem» e chega, mas os que «fizerem
a vontade do Pai». Assim o Papa recordou que «o Senhor nos ensina o
caminho do fazer». E, acrescentou,
«quantas vezes encontramos pessoas
— inclusive nós mesmos — na Igreja»
que proclamam: «Sou muito católico!». Mas, temos vontade de perguntar, «o que fazes?». Por exemplo, observou Francisco, «quantos
pais se dizem católicos mas nunca
têm tempo para falar com os seus filhos, para brincar com eles, para os
ouvir». Ou ainda, prosseguiu, «os
seus pais estão numa casa de repouso, mas eles estão sempre ocupados
e não podem ir visitá-los, deixandoos abandonados». Contudo repetem:
«Sou muito católico! Pertenço à associação tal...».
Esta atitude, afirmou o Papa, é típica da «religião do falar: digo que
sou assim, mas pratico a mundanidade. Como os clérigos sobre os
quais falava Jesus». Eles «gostavam
de se mostrar, da vaidade, mas não
da justiça; gostavam de ser chamados mestres, gostavam do dizer e
não do fazer».
Uma realidade evocada também
pelo trecho evangélico da liturgia, tirado do capítulo 23 de Mateus (112). «Pensemos — disse o Papa — naquelas dez jovens que eram felizes,
porque naquela noite deviam esperar
o esposo. Estavam felizes! Mas cinco
delas fizeram o que deviam para esperar o esposo; as outras cinco estavam nas nuvens». E assim, prosseguiu, quando «chegou o esposo faltava-lhes o óleo: eram insensatas».
«Dizer e não fazer é um engano»
advertiu o Pontífice. É «um engano
que nos leva exatamente à hipocrisia». Precisamente «como Jesus diz
daqueles clérigos». Mas «o Senhor
vai além: que diz àqueles que se
aproximam dele para fazer?». As
suas palavras são: «Coragem, vinde
e falemos! Mesmo se os vossos pecados fossem vermelhos como escarlate, tornar-se-iam brancos como a neve. Se fossem como púrpura, tornarse-iam como lã».
Por isso, explicou Francisco, «a
misericórdia do Senhor consiste em
fazer». Assim «àqueles que batem à
porta e dizem: “Mas, Senhor, recordas, eu disse...”», ele responde:
«Não te conheço!». Ao contrário, a
quantos «fazem» diz: «És pecador
como o escarlate, tornar-te-ás branco
como a neve». Deste modo «a misericórdia do Senhor vai ao encontro
de quantos têm a coragem de se
confrontar com ele, mas confrontarse sobre a verdade, sobre as coisas
que faço ou não faço, para me corrigir». «Este é o grande amor do Senhor, nesta dialética entre o dizer e
o fazer».
Eis que, relançou o Papa, «ser
cristão significa fazer: fazer a vontade de Deus». «No último dia — porque todos nós teremos um — o que
nos perguntará o Senhor? Dir-nos-á:
“O que dissestes sobre mim?”. Não!
Quererá saber quais as obras que fizemos». Resumindo, nos interpelará
sobre «as coisas concretas: “Tive fome e destes-me de comer; tive sede e
destes-me de beber; estava doente e
viestes ter comigo; estava preso e
viestes visitar-me”». Porque «esta é
a vida cristã». Ao contrário, «só fa-
Phoebe Anna Traquair, «A parábola das dez virgens»(1901)
lar leva-nos à vaidade, àquele fazer
de conta que somos cristãos. Mas,
assim não somos cristãos!».
No centro do tempo que nos
aproxima da Páscoa «neste caminho
de conversão quaresmal», Francisco
propôs um exame de consciência,
sugerindo que nos façamos algumas
perguntas: «Sou daqueles que falam
muito e nada fazem ou faço algo?
Procuro fazer mais?». O objetivo,
afirmou, é «fazer a vontade do Senhor para praticar o bem aos meus
irmãos, àqueles que estão próximos
de mim».
Na conclusão, antes de retomar a
celebração eucarística, o Papa convidou a rezar a fim de que «o Senhor
nos dê esta sabedoria de compreender bem onde está a diferença entre
o dizer e o fazer e nos ensine o caminho do fazer ajudando-nos a segui-lo, porque a via do dizer nos leva ao lugar onde estão os doutores
da lei, os clérigos que gostavam de
se vestir e parecer como reizinhos».
Mas «esta não é a realidade do
Evangelho!». Eis então a oração a
fim de que «o Senhor nos ensine este caminho».
Diálogo com o director internacional da Rede mundial de oração do Papa
Conectados com o mundo
NICOLA GORI
O mundo mudou nas últimas décadas e assim também o Apostolado
da oração se adequa aos tempos.
Começando pelo nome, que a fim
de frisar melhor o vínculo directo
com o Pontífice se tornou «Rede
mundial de oração do Papa». Além
disso, procura-se utilizar cada vez
mais as social networks e as novas
tecnologias que os meios de comunicação social põem à disposição:
em breve será lançado um aplicativo, enquanto desde Janeiro as mensagens em vídeo de Francisco já estão na rede. Novidade também para as intenções mensais: a partir de
2017 àquela publicada se acrescentará de cada vez uma segunda decidida pelo Pontífice sobre argumentos
de estreita actualidade. Sobre tudo
isto falou o director internacional, o
jesuíta Frédéric Fornos, nesta entrevista concedida ao nosso jornal.
Por que se sentiu a necessidade de
mudar nome?
O objectivo da Rede mundial de
oração do Papa (Apostolado da
oração) é rezar pela missão da Igreja e despertar a dimensão missionária dos católicos através de uma relação pessoal e profunda com Jesus,
com o seu coração. É uma oração
conectada com o mundo, que põe o
movimento ao serviço deste mundo.
Iniciámos um processo de «recriação» há cinco anos para um melhor
serviço universal da missão confiada pelo Papa à Companhia de Jesus porque consideramos esta rede
de oração mundial, presente em 89
países, necessária como nunca à
missão da Igreja. Precisamente a
fim de que esta rede seja mais conhecida pelas pessoas — muitos não
sabem que somos um serviço oficial
da Igreja — mudámos o nome.
Como nasceu a iniciativa das mensagens mensais em vídeo do Papa Francisco?
O mundo mudou. As estruturas
e os meios que se usavam no século
XIX, no qual se desenvolveu o
Apostolado da oração, e que eram
necessários devido às distâncias
geográficas e ao tempo exigido para a impressão dos boletins e revistas, já não funcionam. Hoje com a
globalização da comunicação, num
mundo digital sem fronteiras, com
a imediação das redes sociais, onde
quase em toda parte se pode e se
deseja estar em comunhão com o
Papa, precisamos de outros meios
para continuar esta missão. Por isso, pensamos, com o apoio da
agência La Machi, que o vídeo seria uma boa maneira para fazer conhecer estes desafios da humanidade e da missão da Igreja. Os vídeos, mais facilmente, permitem
que o Papa Francisco crie uma relação pessoal e que os corações se comovam para mobilizar oração e acção.
Que novidades tendes em programa?
As intenções de oração do Papa
são preparadas quase dois anos antes: é um processo longo de discernimento orante e de selecção, onde
se recebem centenas de propostas
do mundo inteiro, dos dicastérios e
das diversas congregações vaticanas.
O director-geral, superior-geral da
Companhia de Jesus, um ano antes
O Papa Francisco durante a gravação das intenções de oração
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número 8, quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
INFORMAÇÕES
Audiências
O Papa Francisco recebeu em audiências particulares:
A 19 de Fevereiro
O Senhor Cardeal Jean-Louis
Tauran, Presidente do Pontifício
Conselho para o Diálogo Interreligioso, com o Secretário do
mesmo Dicastério, D. Miguel Ángel Ayuso Guixot, M.C.C.J.
A 23 de Fevereiro
O Senhor Cardeal Reinhard
Marx, Arcebispo de München
und Freising (Alemanha), Coordenador do Conselho para a Economia.
Renúncias
O Santo Padre aceitou a renúncia:
No dia 18 de Fevereiro
De D. Andrea Mugione, ao governo pastoral da Arquidiocese
metropolitana de Benevento (Itália), em conformidade com o cânone 401 § 1 do Código de Direito Canónico.
Nomeações
O Sumo Pontífice nomeou:
A 18 de Fevereiro
Arcebispo Metropolitano de Benevento (Itália), o Rev.do Pe. Felice Accrocca, do clero da Diocese
de Latina-Terracina-Sezze-Priverno, até esta data Pároco, Vigário
episcopal para a Pastoral e Professor de História Medieval na
Pontifícia Universidade Gregoriana.
D. Felice Accrocca nasceu a 2 de
Dezembro de 1959, em Cori (Itália). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 12 de Julho de 1986.
A 20 de Fevereiro
Bispo de Alaminos (Filipinas), D.
Ricardo Lingan Baccay, até à presenta data Auxiliar de Tuguegarao.
A 22 de Fevereiro
Bispo de Zacapa Y Santo Cristo
de Esquipulas (Guatemala), o
Rev.do Pe. Ángel Antonio Recinos
Lemus, do clero da Diocese de
Japala e até esta data Pároco da
paróquia de Nossa Senhora de
Lourdes em El Progreso Achuapa.
D. Ángel Antonio Recinos Lemus
nasceu no dia 2 de Agosto de 1963,
em Azulco (Guatemala). Recebeu a
Ordenação sacerdotal a 3 de Dezembro de 1994.
A 24 de Fevereiro
Bispo Coadjutor da Prelazia Territorial de Borba (Brasil), o Rev.do
Pe. Zenildo Luiz Pereira da Silva,
C.SS.R., até esta data Pároco da
Catedral de Santana e São Sebastião na Diocese de Coari.
D. Zenildo Luiz Pereira da Silva, C.SS.R., nasceu a 6 de Junho
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Credenciais de novos embaixadores
de 1968, em Linhares, diocese de
Colatina (Espírito Santo, Brasil).
Aos cinco anos transferiu-se com a
família para Cacoal, diocese de JiParaná, no Estado de Rondônia.
Emitiu os votos religiosos em 27 de
Dezembro de 1997 na Congregação
do Santíssimo Redentor (Redentoristas), e foi ordenado Sacerdote a
11 de Agosto de 2001 em Cacoal.
Frequentou o seminário dos Redentoristas em Aparecida. Em seguida,
cursou Filosofia e Teologia no CENESCH — Centro de Estudos do
Comportamento Humano, em Manaus (1994-2000). Frequentou o
curso «Gestão de Pessoas», Literatus, em Manaus. Durante o ministério sacerdotal desempenhou os seguintes cargos: Pároco da Paróquia
de Nossa Senhora de Nazaré em
Manacapuru (2001-2008); Pároco
da Paróquia de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro em Manaus
(2008-2011) e Superior da ViceProvíncia Redentorista da Amazônia (2011-2014).
Timor-Leste
Na manhã de segundafeira 22 de Fevereiro o
Papa Francisco recebeu em
audiência Sua Excelência
o Senhor Egas da Costa
Freitas, embaixador de
Timor-Leste, para a
apresentação das cartas
com as quais é acreditado
junto da Santa Sé
Sua Excelência o Senhor Egas da Costa Freitas, novo embaixador de TimorLeste junto da Santa Sé, nasceu em Baucau a 24 de Março de 1968. Formou-se
em filosofia e teologia (Sekolah Tinggi Filsafat Driyarkara Jakarta Pusat-Rawasari, Indonésia, 1989), e desempenhou as seguintes actividades: quadro médio
no grande Movimento de libertação de Timor-Leste e responsável na Resistência nacional para as actividades de agitação e propaganda política nas zonas
ocupadas da Indonésia; enviado pelo ministério dos Negócios estrangeiros a
fim de participar num curso de orientação para os futuros chefes de missão da
República de Timor-Leste na Malásia (2013); actualmente é docente na High
School 298 em Vemase e vice-secretário do conselho pastoral da Diocese de
Baucau e membro activo da comissão para a catequese.
Prelados falecidos
Argentina
Adormeceram no Senhor:
No dia 16 de Fevereiro
D. Carlos Quintero Arce, Arcebispo Emérito de Hermosillo (México).
O saudoso Prelado nasceu em
Etzatlán (México), a 13 de Fevereiro de 1920. Recebeu a Ordenação
sacerdotal no dia 8 de Abril de
1944. Foi ordenado Bispo em 14 de
Maio de 1961.
D. Gregorio Garavito Jiménez, religioso da Companhia de Maria,
Bispo Emérito de Villavicencio
(Colômbia).
O venerando Prelado nasceu no
dia 9 de Março de 1919, em Junín
(Colômbia). Foi ordenado Sacerdote
a 24 de Julho de 1942. Recebeu a
Ordenação episcopal em 11 de Fevereiro de 1962.
Início de Missão
de Núncio Apostólico
D. Luciano Suriani, Arcebispo Titular de Amiternum, na Sérvia (5
de Fevereiro).
No final da manhã de
segunda-feira 22 de
Fevereiro o Papa Francisco
recebeu em audiência Sua
Excelência o Senhor Rogelio
Francisco Emilio Pfirter,
embaixador da Argentina,
para a apresentação das
cartas com as quais é
acreditado junto
da Santa Sé
Sua Excelência o Senhor Rogelio Francisco Emilio Pfirter, novo embaixador da
República Argentina junto da Santa Sé, nasceu em Santa Fe a 25 de Agosto de
1948. Formou-se em direito na Universidad Nacional del Litoral. Empreendeu
a carreira diplomática em 1974, desempenhando os seguintes cargos: diplomata
da missão permanente argentina junto da Organização das Nações Unidas em
Nova Iorque; diretor para os Assuntos nucleares e para a Segurança junto do
ministério dos Negócios estrangeiros; subsecretário para a Política estrangeira
(1992-1994 e 2002); presidente da assembleia gera da Organização marítima internacional (1995-1997); embaixador em Londres (1995-2000); representante permanente da República da Argentina na Comissão administradora de Río de la
Plata (2000-2002); diretor-geral da Organização para a proibição das armas
químicas (2002-2010). É membro do Conselho argentino para as Relações internacionais; é titular da cátedra de direito penal internacional na Universidade
Kennedy e de Políticas públicas na Universidad Austral.
Rede mundial de oração do Papa
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 14
apresenta as sugestões ao Papa Francisco e depois ele nos envia a versão
oficial. Em seguida é preciso traduzir nas línguas principais, enviá-las
aos directores nacionais do Apostolado da oração e aos bispos de todo
o mundo, publicá-las em diversos
folhetos e revistas, fazê-las conhecer
a todos os meios de comunicação
católicos. É um longo processo. E
devemos dizer que estas intenções
de oração, correspondentes aos grandes desafios do nosso mundo e portanto sempre actuais, contudo muitas vezes parecem demasiado generalizadas e não suficientemente vincu-
ladas à actualidade que preocupa o
Papa.
Por conseguinte o que propondes?
Por isso, a partir de 2017, haverá
em cada mês uma ulterior intenção
do Papa em relação a um evento de
actualidade, que requeira a oração
de toda a Igreja. Isto significa que a
partir do próximo ano — como resulta do calendário publicado recentemente — teremos uma só intenção de
oração por mês preparada em antecipação, enquanto a segunda será decidida pelo Pontífice em conformidade com a estreita actualidade. Isto
ajudará a mobilizar-se mais facil-
mente pela oração e acção pelo desafio da humanidade. Assim, a intenção de oração mensal do Papa será com mais facilidade uma orientação para as nossas vidas, uma chave
para a missão da Igreja.
Tendes alguma iniciativa particular
para este ano santo?
Neste jubileu da misericórdia, no
qual a Igreja exorta os peregrinos a
rezar pelas intenções do papa, além
do vídeo (que é um projecto extra
para a evangelização) lançaremos
um aplicativo para ajudar os católicos a unirem-se às intenções de oração da Igreja universal.
L’OSSERVATORE ROMANO
página 16
quinta-feira 25 de Fevereiro de 2016, número 8
Na audiência geral a admoestação do Papa contra a arrogância e os abusos
Jogos de poder
Também hoje há quem explora a autoridade para alimentar a corrupção
Se perdermos a dimensão do serviço, «o poder
transforma-se em arrogância, tornando-se domínio e
opressão» para alimentar os «jogos sujos feitos pelos
seres humanos», recordou o Papa Francisco durante
a catequese da audiência geral de quarta-feira 24 de
Fevereiro, na praça de São Pedro.
Bom dia, prezados irmãos e irmãs!
mensão do serviço, o poder transforma-se em arrogância, tornando-se domínio e opressão. É precisamente isto que acontece no episódio da vinha
de Nabot. Sem escrúpulos, a rainha Jezabel decide eliminar Nabot e põe em acção o seu plano.
Serve-se das aparências enganadoras de uma legalidade perversa: em nome do rei, envia cartas aos
anciãos e aos notáveis da cidade, ordenando que
falsas testemunhas acusem publicamente Nabot
de ter amaldiçoado a Deus e ao rei, um crime que
devia ser punido com a morte. Assim, assassinando Nabot, o rei pode apoderar-se da sua vinha. E
não se trata de uma história de outros tempos,
mas é uma história também dos nossos dias, dos
poderosos que, por terem mais dinheiro, exploram os pobres, exploram o povo. É a história do
tráfico de pessoas, do trabalho escravo, dos simples que labutam clandestinamente, com um salário mínimo, para enriquecer os poderosos. É a
história dos políticos corruptos, que querem cada
vez mais! Por isso eu dizia que seria bom ler este
livro de santo Ambrósio, porque se trata de um livro de actualidade.
Eis para onde leva o exercício de uma autoridade sem respeito pela vida, sem justiça e sem misericórdia. E eis para onde leva a sede de poder:
torna-se ganância que deseja possuir tudo. A este
propósito, há um texto do profeta Isaías que é
particularmente iluminador. Nele, o Senhor alerta
contra a avidez os ricos latifundiários que querem
possuir cada vez mais casas e terrenos. E assim
diz o profeta Isaías:
Prossigamos as catequeses sobre a misericórdia na
Sagrada Escritura. Em vários trechos fala-se dos
poderosos, dos reis, dos homens que estão «no alto», e também da sua arrogância e dos seus abusos. A riqueza e o poder são realidades que podem ser boas e úteis para o bem comum, se forem postas ao serviço dos pobres e de todos, com
justiça e caridade. Mas quando, como muitas vezes acontece, são vividas como privilégio, egoísmo
e prepotência, transformam-se em instrumentos
de corrupção e morte. Foi o que aconteceu no
episódio da vinha de Nabot, descrito no capítulo
21 do primeiro Livro dos Reis, sobre o qual hoje
meditaremos.
Neste texto narra-se que o rei de Israel, Acab,
quer comprar a vinha de um homem chamado
Nabot, porque aquela vinha confina com o palácio real. A proposta parece legítima, até generosa,
mas em Israel as propriedades rurais eram consideradas quase inalienáveis. Com efeito, o livro do
Levítico prescreve: «A terra não se venderá para
sempre, porque a terra é minha, e vós estais na
minha casa como estrangeiros ou hóspedes» (Lv
25, 23). A terra é sagrada, porque constitui um
dom do Senhor que, como tal, deve ser guardado
e preservado, pois é sinal da bênção divina que passa de geração em geração,
e garantia de dignidade para todos.
Compreende-se assim a resposta negativa de Nabot ao rei: «Deus me livre de
te ceder a herança dos meus pais!» (1
Rs 21, 3).
O rei Acab reage a esta rejeição com
amargura e indignação. Sente-se ofendido — ele é o rei, o poderoso — diminuído na sua autoridade de soberano e
frustrado na possibilidade de satisfazer
o seu desejo de posse. Vendo-o tão
abatido, a sua esposa Jezabel, uma rainha pagã que tinha aumentado os cultos idolátricos e mandava matar os profetas do Senhor (cf. 1 Rs 18, 4) — não
era feia, mas maldosa! — decide intervir. As palavras com as quais se dirige
ao rei são muito significativas. Escutai
a maldade que está por detrás dessa
mulher: «Não és tu, porventura, o rei
de Israel? Vamos! Come, não te incomodes. Eu dar-te-ei a vinha de Nabot
Thomas Matthews Rooke, «Elias condena Acab e Jezabel» (séc. XIX)
de Jezrael» (v. 7). Ela põe em evidência
o prestígio e o poder do rei que, segundo o seu modo de ver, são postos em discussão
«Ai de vós, que ajuntais casa a casa / e que
pela rejeição de Nabot. Um poder que, ao contrá- acrescentais campo a campo / até que não haja
rio, ela considera absoluto e mediante o qual to- mais lugar / e que sejais os únicos / proprietários
dos os desejos do rei se tornam uma ordem. O da terra» (Is 5, 8).
grande santo Ambrósio escreveu um livrinho soE o profeta Isaías não era comunista! No enbre este episódio. Chama-se «Nabot». Seria bom tanto, Deus é maior do que a malvadez e os jogos
lê-lo neste tempo de Quaresma. É muito bonito e sujos feitos pelos seres humanos. Na sua miserideveras concreto.
córdia envia o profeta Elias para ajudar Acab a
Recordando tudo isto, Jesus diz-nos: «Sabeis converter-se. Agora viremos a página, e como
que os chefes das nações as subjugam, e que os continua a história? Deus vê este crime e bate
grandes as governam com autoridade. Não seja também à porta do coração de Acab; e o rei, posassim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se to diante do seu pecado, compreende, humilha-se
grande entre vós, que se faça vosso servo. E o que e pede perdão. Como seria bom se os poderosos
quiser tornar-se o primeiro entre vós, que se faça exploradores de hoje fizessem o mesmo! O Sevosso escravo» (Mt 20, 25-27). Se perdermos a di- nhor aceita o seu arrependimento; no entanto, um
inocente foi assassinado, e a culpa cometida terá
consequências inevitáveis. Com efeito, o mal praticado deixa os seus vestígios dolorosos, e a história dos homens traz as suas feridas.
Também neste caso, a misericórdia indica a via
mestra que deve ser percorrida. A misericórdia
pode curar as chagas e inclusive mudar a história.
Abre o teu coração à misericórdia! A misericórdia
divina é mais forte do que o pecado dos homens.
É mais forte, este é o exemplo de Acab! Nós conhecemos o seu poder, quando recordamos a vinda do Inocente Filho de Deus que se fez homem
para destruir o mal com o seu perdão. Jesus Cristo é o verdadeiro rei, mas o seu poder é completamente diferente. O seu trono é a cruz. Ele não é
um rei que mata mas, ao contrário, dá a vida. O
seu ir ao encontro de todos, sobretudo dos mais
frágeis, derrota a solidão e o destino de morte para o qual leva o pecado. Com a sua
proximidade e ternura, Jesus Cristo leva os pecadores ao espaço da graça e
do perdão. É nisto que consiste a misericórdia de Deus.
No final da audiência geral, o Santo
Padre saudou os vários grupos linguísticos
presentes na praça. Publicamos em
seguida algumas das suas expressões.
Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, particularmente os fiéis de Leiria-Fátima, Nova Oeiras e Lisboa, bem
como os fiéis vindos do Brasil. Faço
votos de que a vossa peregrinação quaresmal a Roma fortaleça em todos a fé
e consolide, no amor divino, os vínculos de cada um com a sua família, com
a comunidade eclesial e com a sociedade. Que Nossa Senhora vos acompanhe
e proteja!
Dou as cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua árabe, em particular
aos provenientes do Médio Oriente!
Estimados irmãos e irmãs, recordai-vos
sempre que a misericórdia divina é mais forte do
que o nosso pecado; ela pode curar as nossas feridas e mudar a nossa história. Que o Senhor vos
abençoe!
Enfim, saúdo os jovens, os enfermos e os recém-casados. A Quaresma é um tempo favorável
para intensificar a vida espiritual: estimados jovens, a prática do jejum vos sirva de auxílio, para
adquirir um maior domínio sobre vós mesmos;
amados doentes, a oração seja para vós o instrumento para confiar a Deus os vossos sofrimentos
e para o sentir sempre próximo; e finalmente,
queridos recém-casados, que as obras de misericórdia vos ajudem a viver a vossa existência conjugal abrindo-a às necessidades dos irmãos.