Confiabilidade intra e interexaminadores e repetibilidade

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Confiabilidade intra e interexaminadores e repetibilidade
Vol.
9 No.
3, 2005
ISSN
1413-3555
Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 3 (2005), 327-334
©Revista Brasileira de Fisioterapia
Avaliação Postural pela Fotogrametria
327
CONFIABILIDADE INTRA E INTEREXAMINADORES E REPETIBILIDADE
DA AVALIAÇÃO POSTURAL PELA FOTOGRAMETRIA
Iunes, D. H.,1 Castro, F. A.,2 Salgado, H. S.,2 Moura, I. C.,2 Oliveira, A. S.1 e Bevilaqua-Grossi, D.1
1
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – USP, Ribeirão Preto, SP
2
Universidade de Alfenas – UNIFENAS, Alfenas, MG
Correspondência para: Denise Hollanda Iunes, Rua Professor Carvalho Junior, 53/901, CEP 37130-000,
Alfenas, MG, e-mail: [email protected]
Recebido: 21/7/2004 – Aceito: 15/4/2005
RESUMO
Objetivo: Propor avaliação quantitativa das assimetrias posturais e verificar a confiabilidade intra e interexaminadores e a repetibilidade
do método. Métodos: Participaram 21 voluntários (24 ± 1,9 anos) que tiveram fotografados a face e o corpo todo nos planos frontal
anterior, posterior e sagital. Os ângulos estudados foram traçados nas fotos digitais, a partir de marcadores fixos à pele em vários
pontos anatômicos, que são referências freqüentes na avaliação postural tradicional. A análise da confiabilidade foi efetuada a partir
das medidas angulares de uma mesma foto, obtidas por um único examinador em duas ocasiões (intra-examinadores) intervaladas
por um mês e de uma só medida realizada por um terceiro examinador (interexaminadores). A repetibilidade do método foi analisada
pelas medidas angulares tomadas por um examinador em 2 fotos diferentes do mesmo sujeito, realizadas com intervalo de uma
semana. O coeficiente de correlação intraclasse (ICC) foi aplicado com nível de significância de 5%. Resultados: O método proposto
apresenta significativa confiabilidade intra e interexaminadores para a maioria dos ângulos estudados. No entanto, a cifose torácica
apresentou níveis não aceitáveis de confiabilidade para a análise inter (ICC = 0,603) e intra-examinador (ICC = 0,031). Na
repetibilidade do método, a maioria dos ângulos estudados apresentou baixo nível de confiabilidade, exceto pelos ângulos de inclinação
do pé direito (ICC = 0,863) e triângulos de Talles (esquerdo ICC = 0,922 e direito = 0,867). Conclusão: Nessas condições
experimentais, a maioria dos valores angulares obtidos pelo método proposto apresentou confiabilidade intra e interexaminadores.
No entanto, sua repetibilidade é baixa, sugerindo que o método é pouco indicado para o acompanhamento de mudanças posturais.
Palavras-chave: fotogrametria, postura, avaliação, repetibilidade, confiabilidade.
ABSTRACT
Intra and inter-examiner reliability and method repeatability of postural evaluation via photogrammetry
Objective: To propose a quantitative evaluation for postural asymmetries and verify the intra and inter-examiner reliability and
method repeatability. Method: Twenty-one volunteers aged 24 ± 1.9 years participated. Their faces and bodies were photographed
in the anterior, posterior and sagittal planes. The angles studied were traced onto the digital photos, from markers fixed to the skin
at several anatomic points that are frequent references for traditional postural evaluation. Reliability analysis was done from angular measurements on a single photograph, obtained by a singular examiner on two occasions (intra-examiner) one month apart,
and from a single measurement made by another examiner (inter-examiner). The repeatability of the method was analyzed from
angular measurements taken by a single examiner on two different photos of the same subject, one week apart. The intraclass
correlation coefficient (ICC) was applied with a significance level of 5%. Results: For most angles studied, the proposed method
presented significant intra and inter-examiner reliability. However, there was unacceptable reliability for thoracic kyphosis in inter
(ICC = 0.603) and intra-examiner analysis (ICC = 0.031). Most angles studied presented low reliability regarding method repeatability,
except for inclination angles of the right foot (ICC = 0.863) and for Talles triangles (left ICC = 0.922; right ICC = 0.867). Conclusion: Under these experimental conditions, most angular values presented intra and inter-examiner reliability. However, their
repeatability was low, suggesting that the method is not recommended for observation of postural changes.
Key words: photogrammetry, posture, evaluation, repeatability, reliability.
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Iunes, D. H., et al.
INTRODUÇÃO
Postura pode ser definida como um arranjo relativo de
partes do corpo. Na boa postura, toda musculatura, articulação
e estruturas esqueléticas estão em estado de equilíbrio.1 Uma
postura equilibrada protege as estruturas corporais contra
lesões ou deformidades.1 Embora haja a concordância que
uma boa postura é importante, trata-se de um fenômeno
complexo e difícil de quantificar. Isso pode explicar porque
há poucos resultados de estudos associando desvios posturais
a problemas físicos específicos.2 A avaliação postural é de
fundamental importância para o planejamento de um
tratamento fisioterapêutico e para o acompanhamento da
evolução e dos resultados do tratamento. Normalmente, a
avaliação postural é feita pelo método clássico, que consiste
da análise visual dos aspectos anterior, lateral e posterior,
com o sujeito em trajes sumários, analisando as assimetrias
de ombro, clavículas, mamilo, cintura, espinhas ilíacas, joelhos
e pés.2,3
Alguns métodos para quantificar a postura corporal têm
sido estudados e descritos na literatura, como: inclinômetro,
radiografias ou câmeras de vídeo. 1,4-7 No entanto, não é
freqüente o emprego desses métodos na prática clínica, seja
porque o fisioterapeuta não tem disponível o equipamento
ou porque o plano de saúde não aceita solicitação do
fisioterapeuta, como no caso da radiografia.
O uso do registro fotográfico tem sido preconizado para
avaliações posturais. Esse recurso pode ser um valioso registro
das transformações posturais ao longo do tempo, pois é capaz
de registrar transformações sutis e inter-relacionar diferentes
partes do corpo que são difíceis de mensurar.8 Porém, a maioria
dos profissionais utiliza esse recurso apenas como uma avaliação
qualitativa e nem sempre adota parâmetros metodológicos que
permitem quantificar a postura e garantir a repetibilidade do
procedimento, dificultando futuras comparações.
Outro recurso que vem sendo divulgado no meio
acadêmico é a fotogrametria computadorizada. Segundo a
American Society of Photogrammetry,9 fotogrametria é “a
arte, ciência e tecnologia de obtenção de informação confiável
sobre objetos físicos e o meio ambiente através de processos
de gravação, medição e interpretação de imagens fotográficas
e padrões de energia eletromagnética radiante e outras fontes”.
A fotogrametria na área médica, também denominada
bioestereometria, tem a finalidade de obter medidas da forma
e das dimensões dos corpos ou de parte deles.9 Esse é um
recurso acessível à maioria dos fisioterapeutas que já utilizam
a fotografia e possuem equipamentos básicos, como uma
câmera digital e um computador, permitindo realizar a
avaliação postural e quantificar as alterações encontradas.
No entanto, a aplicação da técnica para o acompanhamento
Rev. bras. fisioter.
de mudanças temporais e investigação científica não é tão
simples como aparenta, uma vez que requer vários cuidados
metodológicos para padronizar as fotos e evitar efeitos de
distorção.10 As distorções implicam alterações na imagem
fotográfica que podem causar impressão enganosa de
possíveis assimetrias na postura do indivíduo.2 Entre os
cuidados metodológicos descritos na literatura para obter
registros comparáveis estão: o treinamento do fotógrafo,
trabalhar com apenas um fotógrafo ou com um número
limitado, utilizar sempre a mesma câmera, posicioná-la sempre
à mesma distância do paciente, usar tripé e marcas no chão
para posicionar o voluntário.8
Além disso, a fotografia postural deve ser de alta
qualidade, livre de distorções (paralaxe e zoom), ter alta
nitidez e dimensão suficiente para permitir observações e
contrastes, de modo que pequenos detalhes do corpo do
sujeito sejam visíveis na fotografia, não levando o examinador
a cometer equívocos na análise.8 Outros cuidados que devem
ser tomados são: um ambiente livre de interferências,
aquecido, confortável, adequadamente iluminado e privado,
já que é necessário o uso de traje de banho para que a maior
parte do corpo fique exposta.2
Apesar de todos esses cuidados metodológicos, a
utilização da fotogrametria computadorizada ainda necessita
ser melhor fundamentada, uma vez que foram encontrados
trabalhos11 que testaram a confiabilidade e a repetibilidade
das medidas obtidas por este método, porém, não para
avaliação postural. Portanto, não é possível afirmar se as
análises que o método fornece são reprodutíveis e confiáveis.
Assim, este estudo tem por objetivo propor um método de
quantificação das assimetrias e desvios posturais a partir da
avaliação postural pela fotogrametria, bem como: a) analisar
a confiabilidade interexaminadores para as medidas angulares
das assimetrias e desvios posturais; b) verificar a confiabilidade intra-examinador das mensurações angulares em
duas avaliações diferentes; e c) verificar a repetibilidade do
método de obtenção das medidas angulares das assimetrias
e desvios posturais em fotos diferentes do mesmo voluntário.
MATERIAIS E MÉTODOS
Amostra: Foram analisados 21 estudantes universitários
voluntários, com média de idade de 24,19 ± 1,3 anos, sendo
4 do sexo masculino e 17 do sexo feminino, com média de
peso de 59,10 ± 12,27 kg e média de altura de 1,66 ± 0,05
m. Os voluntários foram escolhidos aleatoriamente desde
que tivessem bom estado geral de saúde, não relatassem dor,
doenças sistêmicas ou neurológicas e lesões ou deformidades
musculoesqueléticas evidentes na inspeção. Os critérios de
exclusão, baseados na literatura,11 foram alterações posturais
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evidentes, encurtamento dos grupos musculares das cadeias
anterior e posterior, dor musculoesquelética e/ou diminuição
da amplitude de movimento. Todos os voluntários receberam
informações para a participação no projeto e assinaram um
termo de consentimento formal, concordando em participar
da pesquisa, de acordo com a resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde. O protocolo experimental deste estudo
foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa envolvendo seres
humanos da Universidade de Alfenas (UNIFENAS).
Registro fotográfico: Os registros fotográficos foram
realizados com uma máquina digital (SONY – MAVICA FD
200) posicionada paralela ao chão, sobre um tripé nivelado.
A sala era bem iluminada, com fundo não reflexivo e
reservada, permitindo a privacidade do sujeito a ser fotografado.
As imagens digitais obtidas com resolução 1600 x 1200 pixels
foram armazenadas em disquetes para posterior análise. Foram
realizados os registros fotográficos da face e do corpo todo
nos planos frontal anterior, posterior e sagital, com os
voluntários trajando biquíni ou calção de banho. Em cada
posição foram feitos três registros fotográficos intervalados
por 1 minuto cada (1a série). Sete dias após o primeiro registro
fotográfico, as seqüências de fotos foram repetidas sob as
mesmas condições experimentais (2a série). Todos os registros
fotográficos foram realizados por um único fotógrafo,
respeitando o mesmo horário de coleta para a primeira e
segunda séries. Os marcadores foram sempre posicionados
pelo mesmo experimentador.
Posicionamento do voluntário: Para o registro fotográfico, os participantes permaneceram em ortostatismo e foram
posicionados em local previamente marcado, com uma
distância-padrão da máquina fotográfica também previamente
marcada. Nesse posicionamento, o voluntário estava 15 cm
afastado da parede. Para manter essa distância fixa, um
retângulo em etil vinil acetato (EVA) de 15 cm de largura,
60 cm de comprimento e 5 cm de espessura foi colocado
entre a parede e o voluntário. Outro retângulo desse mesmo
material, de 7,5 cm de largura, foi colocado entre os pés do
voluntário para mantê-lo na postura-padrão.3 A máquina
permaneceu a 2,4 m de distância do voluntário, enquanto
o tripé foi posicionado a uma altura de 1,0 m do chão para
fotografar o corpo inteiro, sendo que essa distância permitiu
enquadrar o topo da cabeça e a base das clavículas dos
voluntários. As fotos da face foram realizadas com a máquina
distanciada 94 cm do voluntário e o tripé a 1,53 m do chão.12
A distância do voluntário e da máquina em relação à parede
lateral direita foi de 1,75 m.
Pontos marcados: Os seguintes pontos anatômicos foram
marcados bilateralmente no corpo dos voluntários para servir
como referência para traçar os ângulos avaliados: articulação
esternoclavicular, articulação acrômio clavicular, espinha
329
ilíaca ântero-superior (EIAS), tuberosidade da tíbia,
protuberância occipital, processo espinhoso de C4, processo
espinhoso de C7, processo espinhoso de T7, processo espinhoso
de T12, processo espinhoso de L3, processo espinhoso de L5,
ângulos inferiores da escápula, olécrano da ulna, espinha ilíaca
póstero-superior (EIPS), espinha ilíaca póstero-inferior (EIPI),
linha poplítea, trocânter maior, cabeça da fíbula, maléolo lateral
e tuberosidade da diáfise distal do 5º metatarso – aspecto lateral.
Essas marcações foram realizadas com etiquetas autoadesivas
brancas da marca Pimaco de 0,9 mm de diâmetro, para os
pontos que seriam visualizados no plano frontal anterior e
posterior, e com hastes cilíndricas plásticas de cor laranja
de 3,5 cm presas por fita adesiva dupla face nos pontos
visualizados nos registros do plano sagital. Em razão da
presença de cabelo na região da protuberância occipital, a
marcação do ponto foi adaptada colocando uma faixa com
velcro na cabeça do voluntário para adequada fixação. Outros
cinco pontos analisados, o ângulo orbicular externo, a
comissura labial, o centro do tragus da orelha, o maléolo
medial e o bordo interno do pé, não precisaram de marcação
em decorrência de sua fácil visualização. Os pontos
anatômicos utilizados neste estudo foram sugeridos em estudos
prévios.1,2,7,8,12
Determinação dos ângulos analisados: Os seguintes
ângulos foram traçados, nos registros do plano frontal anterior,
para análise da simetria da postura dos voluntários: espinhas
ilíacas ântero-superiores (AS), tuberosidades tibiais (TT),
triângulo de Tales – formado pela intersecção da reta que
passa pelo bordo medial do membro superior com a reta que
passa adjacente à cintura (∆T); angulação do joelho – formada
pela intersecção da reta que unia a EIAS e a tuberosidade
da tíbia com a reta perpendicular ao solo (AJ). No plano
frontal posterior, os seguintes ângulos foram avaliados:
ângulos inferiores da escápula (IE), espinhas ilíacas pósterosuperiores (PS), linhas poplíteas (LP) e inclinação do pé –
formada pela intersecção da reta que unia o maléolo medial
e o bordo interno do pé com a reta paralela ao solo (IP), sendo
IPd referente à inclinação do pé direito e IPe, à inclinação
do pé esquerdo. Nas fotos das faces foram avaliados os
ângulos: orbiculares externos (OE), comissuras labiais (CL),
articulação acrômio clavicular (AO) e articulação esternoclavicular (EC). Os ângulos traçados nos registros da face e
do corpo todo no plano frontal anterior e posterior foram
determinados pela intersecção das retas traçadas unindo o
ponto anatômico marcado à direita de seu correspondente
à esquerda e pela reta traçada na horizontal, paralela ao solo,
determinada pelo programa de análise.
No plano sagital, os ângulos assim denominados:
protusão da cabeça – formado pela intersecção da reta que
unia o tragus da orelha e o processo espinhoso de C7 e a reta
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Iunes, D. H., et al.
paralela ao solo (PC), lordose cervical – formado pela
intersecção da reta que unia a protuberância occipital ao
prolongamento horizontal do processo espinhoso de C4 no
fio de prumo e a reta que unia o processo espinhoso de C7
ao prolongamento horizontal do processo espinhoso de C4
no fio de prumo (LC), cifose torácica – formado pela
intersecção da reta que unia o processo espinhoso de C7 ao
prolongamento horizontal do processo espinhoso de T7 no
fio de prumo e a reta que unia o processo espinhoso de T12
ao prolongamento horizontal do processo espinhoso de T7
no fio de prumo (CT), lordose lombar – formado pela
intersecção da reta que unia o processo espinhoso de T12
ao prolongamento horizontal do processo espinhoso de T7
no fio de prumo e a reta que unia o processo espinhoso de
L5 ao prolongamento horizontal do processo espinhoso de
T7 no fio de prumo (LL), báscula pélvica – formado pela
intersecção da reta que unia a EIAS à EIPI e à reta paralela
ao solo (BP), flexo de joelho – formado pela intersecção
da reta que unia o trocânter maior do fêmur à cabeça da fíbula
e a reta traçada da cabeça da fíbula até o maléolo lateral (FJ);
ângulo tíbio társico – formado pela intersecção da reta que
unia a cabeça da fíbula ao maléolo lateral e a reta traçada
do maléolo lateral até a tuberosidade da diáfise distal do 5o
metatarso (ATT).
Análise dos dados e estatística: Os registros fotográficos
digitais foram analisados por meio do programa ALCimagem2000 Manipulando Imagens, versão 1,5. O programa permite
traçar digitalmente as retas que determinaram valores
angulares em graus para pontos de referência correspondentes
posicionados assimetricamente em relação aos dímeros direito
e esquerdo do corpo. A seqüência de análise dos ângulos
estudados foi aleatorizada por sorteio. Os examinadores
receberam instruções para padronização das medidas, como
a localização da marcação do ponto com o indicador do cursor
do programa sempre do ponto localizado à direita do monitor,
traçando uma linha até o ponto localizado à esquerda do
monitor e retornando com uma reta paralela ao solo. A cada
análise, o examinador realizou três medidas consecutivas,
repetindo o procedimento de traçar as retas e anotar os valores
angulares. Os valores de cada um dos ângulos analisados
correspondem à média aritmética dessas três medidas.
Análise de confiabilidade interexaminadores: As medidas
angulares comparadas para avaliação da confiabilidade
interexaminadores foram obtidas em um único dia, dos registros
fotográficos da 1a série, por três examinadores fisioterapeutas
previamente treinados para utilizar o programa e que não
tiveram conhecimento mútuo dos valores anotados.
Análise da confiabilidade intra-examinador ou testereteste: As medidas angulares comparadas para avaliação
Rev. bras. fisioter.
da confiabilidade intra-examinador foram obtidas, por um
único examinador, em duas ocasiões diferentes, nos registros
fotográficos da 1a série, com intervalo mínimo de 4 semanas,
para que ele não memorizasse as marcações e os resultados.
Análise da repetibilidade do método: As medidas
angulares obtidas, por um único examinador, dos registros
da 1 a e 2a séries foram comparadas para avaliação da
repetibilidade do método. A análise estatística da
confiabilidade inter e intra-examinadores e da repetibilidade
do método foram averiguadas pelos resultados do índice de
correlação intra-classe (ICC), considerando um nível de
significância de p < 0,05. Um valor de ICC igual a 1 indica
que os valores angulares são idênticos nas comparações
realizadas intra, interexaminadores ou na repetibilidade do
método. Valores de ICC abaixo de 0,70 foram considerados
não aceitáveis, entre 0,71 a 0,79, aceitáveis, entre 0,80 a
0,89, como muito bons e acima de 0,90, excelentes.12 Também
são apresentados os valores correspondentes a duas vezes
o erro-padrão das medidas angulares obtidas na repetibilidade
do método, ou seja, na comparação dos dados obtidos em
registros distintos.
RESULTADOS
A análise dos valores de ICC para confiabilidade
interexaminadores (Tabela 1) mostrou que os ângulos CT
(ICC = 0,603, p = 0,0000) e LL (ICC = 0,667, p = 0,0000),
obtidos no plano sagital, e IPd (ICC = 0,586, p = 0,0000)
e IPe (ICC = 0,594, p = 0,0000), no plano frontal posterior,
apresentaram níveis não aceitáveis de confiabilidade. Os
demais valores angulares tiveram níveis aceitáveis (2 ângulos),
muito bons (3 ângulos) e excelentes (12 ângulos).
A análise dos valores de ICC para confiabilidade intraexaminadores ou teste-reteste (Tabela 2) mostrou que os
ângulos CT (ICC = 0,031, p = 0,4046) e FJ (ICC = 0,385,
p = 0,0009), obtidos no plano sagital, e PS (ICC = 0,636,
p = 0,0000), no plano frontal posterior, apresentaram níveis
não aceitáveis de confiabilidade. Os demais valores angulares
tiveram níveis aceitáveis (2 ângulos) e excelentes (16 ângulos).
Na comparação dos valores angulares obtidos dos
registros fotográficos da 1a e 2a sessões por um mesmo
examinador, 14 ângulos não mostraram níveis aceitáveis de
repetibilidade do método (Tabela 3). Os demais valores
angulares foram considerados aceitáveis (4 ângulos), muito
bons (2 ângulos) e excelente (1 ângulo). Os erros-padrão
referentes às medidas angulares obtidas para análise de
repetibilidade do método (Tabela 3) indicaram que as maiores
variações são para medidas tomadas no plano sagital (0,6º
a 1,6º).
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Avaliação Postural pela Fotogrametria
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Tabela 1. Valores de ICC, duas vezes o erro-padrão e nível de confiabilidade para as medidas angulares obtidas interexaminadores nos três
planos A (anterior), P (posterior), S (sagital) e F (face). A média representa os valores angulares obtidos a partir de três medidas (n = 21).
Planos
A
Ângulos
AS
ICC
Média
o
0,905
0,23
2 x Erro-padrão
Nível
0,31
Excelente
o
A
AJd
0,984
174,94
0,29
Excelente
A
AJe
0,943
177,29o
0,33
Excelente
A
∆Td
o
0,74
Muito bom
A
∆Te
0,904
o
15,25
0,76
Excelente
A
TT
0,885
–0,40o
0,37
Muito Bom
P
IE
0,992
–0,64o
0,51
Excelente
o
0,854
14,03
P
PS
0,954
–1,00
0,29
Excelente
P
LP
0,909
–0,37o
0,24
Excelente
o
P
IPd
0,586
91,95
0,78
Ñ-aceitável
P
IPe
0,594
92,86o
0,74
Ñ-aceitável
0,897
o
1,96
Muito bom
S
PC
54,35
o
S
LC
0,748
64,81
2,94
Aceitável
S
CT
0,603
126,91o
2,45
Ñ-aceitável
S
LL
0,667
85,60o
3,30
Ñ-aceitável
S
BP
0,996
3,45o
0,74
Excelente
o
0,63
Excelente
o
S
FJ
0,996
182,78
S
ATT
0,840
113,12
1,96
Muito bom
F
OE
0,962
–2,24o
0,31
Excelente
0,714
o
0,27
Aceitável
o
F
CL
–2,51
F
AC
0,957
–1,89
0,27
Excelente
F
EC
0,941
–2,75o
0,47
Excelente
*p > 0,05 (não concordantes).
DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo mostram que o método
proposto para a quantificação das assimetrias posturais pela
fotogrametria é satisfatoriamente confiável para a maioria
das medidas angulares estudadas, quando avaliadas por um
mesmo examinador em ocasiões diferentes e por examinadores
diferentes em um mesmo registro fotográfico.
Por se tratar de uma proposta de avaliação para o corpo
todo, vários ângulos medidos neste estudo não foram descritos
anteriormente na literatura e suas confiabilidades inter (CT,
EC, ATT, BP, PS, LP, ∆T) e intra-examinador (BP, PS, PL,
∆T, AS, AJ, OE, CL, EC) não foram testadas. Dos trabalhos
anteriormente relatados na literatura1,2,7,11,13,14 que utilizaram
métodos semelhantes para o estudo da postura, poucos
testaram a confiabilidade inter e intra-examinador, como
realizado neste estudo. Os ângulos encontrados na literatura,
cujos resultados coincidem com aqueles deste estudo, foram
OE,14 CL,14 AC,2 AJ2 e IE,2 que apresentaram excelente
confiabilidade interexaminadores, e ATT,2 LL2 e PC,15 que
apresentaram excelente confiabilidade intra-examinadores.
Neste estudo, o ângulo IP apresentou nível não aceitável de
confiabilidade interexaminadores, como descrito anteriormente
por outros autores.2
O nível de confiabilidade das medidas angulares de LC,
LL e FJ na análise interexaminadores foi considerado aceitável
e esse achado discorda daqueles encontrados em estudos
anteriores.2,16 Esses resultados negativos podem ser atribuídos
ao fato de os estudos anteriores terem utilizado critérios
qualitativos de análise dos registros fotográficos, indicando
que a sistemática quantitativa utilizada no presente estudo
reduziu os erros de medida de tais ângulos.
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Iunes, D. H., et al.
Rev. bras. fisioter.
Tabela 2. Valores de ICC, duas vezes o erro-padrão e nível de confiabilidade para as medidas angulares obtidas intra-examinadores nos três
planos A (anterior), P (posterior), S (sagital) e F (face). A média representa os valores angulares obtidos a partir de três medidas (n = 21).
Planos
Ângulos
ICC
Média
o
2 x Erro-padrão
Nível
0,41
Excelente
0,37
Excelente
A
AS
0,903
0,21
A
AJd
0,923
174,97o
0,955
177,13
o
0,39
Excelente
o
0,94
Excelente
A
AJe
A
∆Td
0,980
14,07
A
∆Te
0,981
15,41o
0,92
Excelente
A
TT
0,996
–0,85
0,41
Excelente
o
P
IE
0,990
–0,54
0,63
Excelente
P
PS
0,636
–0,75o
0,47
Ñ-aceitável
P
LP
0,972
–0,25o
0,27
Excelente
P
IPd
0,700
90,74o
1,10
Aceitável
0,783
92,59
o
0,94
Aceitável
o
0,63
Excelente
2,65
Excelente
17,25
Ñ-aceitável
2,74
Excelente
P
IPe
S
PC
0,983
54,12
S
LC
0,966
54,78o
o
S
CT
0,031*
124,25
S
LL
0,999
71,42o
S
BP
0,999
3,55
o
0,88
Excelente
o
1,25
Ñ-aceitável
0,59
Excelente
o
S
FJ
0,385
182,71
S
ATT
0,988
113,07o
F
OE
0,990
–2,44
0,39
Excelente
F
CL
0,962
–2,68o
0,33
Excelente
0,992
–1,90
o
0,33
Excelente
–2,63
o
0,55
Excelente
F
F
AC
EC
0,957
*p > 0,05 (não concordantes).
É importante destacar dos resultados obtidos que, apesar
de a maioria dos valores angulares ser estatisticamente confiável
para as análises inter e intra-examinador, os ângulos do plano
sagital tiveram índice de confiabilidade menor que aqueles
do plano frontal. Isso condiz com os relatos da literatura5 sobre
análises no plano sagital, especialmente aquelas medidas
relativas às curvaturas da coluna, uma vez que se trata de uma
avaliação unidimensional, sendo que as alterações vertebrais
são normalmente tridimensionais.17 Assim, parece ser crítico
definir valores de normalidade para interpretação das medidas
relativas às curvaturas vertebrais obtidas pela fotogrametria,
pois no plano frontal é esperado que o valor do ângulo seja
próximo de zero, ou seja, mínima assimetria, enquanto no plano
sagital, o esperado é haver valores diferentes de zero, que
representem as lordoses cervical e lombar e a cifose dorsal.
Resumidamente, o fato de essas medidas serem consideradas
estatisticamente confiáveis não corresponde à sua capacidade
de representar as condições de normalidade ou alteração das
curvaturas vertebrais e novos estudos devem ser realizados
para estabelecer valores de normalidade, considerando o
método proposto.
Dos ângulos testados, o ângulo CT apresentou pobre
confiabilidade tanto inter quanto intra-examinador, o que
reflete uma inconsistência da medida. Embora o experimentador que posicionou os marcadores seja experiente, cabe
ressaltar que a palpação para colocação dos marcadores nos
processos espinhosos da região torácica deve ser cuidadosa,
pois a orientação de tais processos muda de acordo com o
nível da vértebra palpada e as referências móveis, como a
escápula, devem ser evitadas para orientar tal palpação.
Vol. 9 No. 3, 2005
Avaliação Postural pela Fotogrametria
333
Tabela 3. Valores de ICC, duas vezes o erro-padrão e nível de confiabilidade para as medidas angulares obtidas na repetibilidade do método
de avaliação nos três planos A (anterior), P (posterior), S (sagital) e F (face). A média representa os valores angulares obtidos a partir de três
medidas (n = 21).
Planos
A
Ângulos
AS
ICC
0,563
Média
0,02
o
2 x Erro-padrão
Nível
0,396º
Ñ-aceitável
o
0,211º
Ñ-aceitável
0,312º
Aceitável
15,20
o
0,802º
Muito bom
o
0,863º
Excelente
A
AJd
0,575
175,85
A
AJe
0,765
175,57o
A
∆Td
A
∆Te
0,922
15,77
A
TT
0,023*
–0,65
0,369º
Ñ-aceitável
o
0,543º
Ñ-aceitável
0,426º
Ñ-aceitável
0,867
P
IE
0,198*
1,49
P
PS
0,454
–1,22o
P
P
LP
IPd
0,489
0,863
0,02
o
0,288º
Ñ-aceitável
90,89
o
0,708º
Muito bom
o
P
IPe
0,729
90,34
0,469º
Aceitável
S
PC
0,737
52,02o
0,602º
Aceitável
0,451
35,09
o
1,345º
Ñ-aceitável
o
1,605º
Ñ-aceitável
1,486º
Ñ-aceitável
S
LC
S
CT
0,329
83,29
S
LL
0,482
56,30o
S
S
BP
FJ
0,501
0,782
2,84
o
0,682º
Ñ-aceitável
184,48
o
0,979º
Aceitável
o
S
ATT
0,680
109,91
0,751º
Ñ-aceitável
F
OE
0,688
–0,75o
0,482º
Ñ-aceitável
0,560
–1,01
o
0,430º
Ñ-aceitável
o
0,341º
Ñ-aceitável
0,602º
Ñ-aceitável
F
CL
F
AC
0,535
–1,22
F
EC
0,300
–1,11o
*p > 0,05 (não concordantes).
Na literatura consultada não foram encontrados trabalhos
que realizassem a análise de repetibilidade do método de
avaliação postural de forma quantitativa por meio da
fotogrametria. Esse tipo de análise avalia o erro da medida
inerente ao procedimento experimental, que compreende desde
a preparação e a iluminação do ambiente, posicionamento
do tripé, da câmera e do voluntário, colocação dos marcadores,
registro fotográfico digital de qualidade adequada e,
finalmente, a medida dos ângulos.
Os resultados deste estudo mostraram que a
repetibilidade do método não foi considerada satisfatória para
15 dos 22 ângulos analisados. Esse achado desmistifica
qualquer provável concepção de simplicidade no processo
de aquisição das imagens para avaliação da postura, pois
apesar da padronização de todas as condições experimentais
relativas ao registro fotográfico e da obtenção dos valores
angulares, o erro inerente à repetibilidade do método é
considerável. Esse resultado aconteceu tanto em ângulos
determinados a partir de marcadores quanto em pontos sem
marcadores, como OE e CL, sugerindo que tal erro não
decorre exclusivamente da palpação e do posicionamento
do marcador ou de sua não utilização.
Também se deve considerar que a postura estática pode
ser influenciada por diferentes situações do dia-a-dia, como,
por exemplo, o fator emocional,18 e que uma análise
quantitativa, como proposta neste estudo, pode ter sido
sensível o bastante para registrar tais mudanças, caracterizando
uma baixa repetibilidade, que pode ser tanto inerente do
procedimento de obtenção dos valores angulares quanto da
postura per si.
334
Iunes, D. H., et al.
A observação do erro-padrão é importante para
caracterizar a variação esperada em cada ângulo, em medidas
repetidas, especialmente para as medidas angulares
consideradas confiáveis na análise da repetibilidade do
método.19 O valor referente a duas vezes a medida do erropadrão deve ser deduzido da variação angular obtida em
registros repetidos da postura por fotogrametria, a fim de
refletir apenas as alterações decorrentes das mudanças
fisiológicas, da evolução natural ou da intervenção, com nível
de confiança de 95%.
CONCLUSÃO
O método proposto para a quantificação das assimetrias
posturais pela fotogrametria apresentou confiabilidade
aceitável inter e intra-examinador para a maioria das medidas
angulares propostas. No entanto, nessas condições
experimentais, a análise da postura proposta não é
recomendada para o acompanhamento da história natural
ou da evolução de intervenção clínica da postura estática,
sendo mais indicado para triagem ou avaliações de risco de
assimetrias e desvios posturais de caráter preventivo.
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