como 0 primeiro mundo vê 0 país

Transcrição

como 0 primeiro mundo vê 0 país
COMO 0 PRIMEIRO MUNDO VÊ 0 PAÍ S
Entrevista : CHICO CARUSO
YES ,
SO NO S
RESTARA M
AS
BANANAS
O paraíso tropical, de economi a
promissora, não passa de
lembrança distante na avaliaçã o
da Imprensa internaciona l
m cinco séculos de
História, o Brasil já foi
um pouco de tudo : a terra
onde em se plantando tudo dava, o berço de um Império generoso,
a pátria de um povo ordeiro e cordial, uma
ilha de paz e prosperidade, urna nação em
desenvolvimento acelerado que se prepara va para ser uma potência . . . o país do futuro.
No início dos anos 70, embalado por
taxas de crescimento económico de 10% ao
ano, o Brasil mereceu uma atenção especial
da Imprensa estrangeira - que, ao mesm o
tempo, saudava a. pujança da economia e
denunciava os abusos da ditatura militar.
Mesmo sob o autoritarismo, o país ainda man tinha um certo charme e suscitava inevitávei s
elogios : nosso futebol era o melhor do mundo ; nossa música, a mais envolvente ; nossas
mulheres, as mais belas . A alegria do povo,
as florestas, as belezas naturais - tudo era
bonito e fagueiro, tal corno recitava a catilinária de Affonso Celso no livro Por que Me
Ufano de Meu Pais, cuja análise risonha sobre
nosso destino foi, por décadas, exaustivamente repetida nas escolas brasileiras .
E
Com o fim
do regime militar,
a nova Constituição e a restaura ção da democracia política, o gigante adormecido parecia despertar e, num salto rápido, abandonar o berço esplêndido ond e
permanecera por tanto tempo . Era a hora de
enfrentar os desafios da modernidade, eliminar a inflação com um só golpe, vence r
a miséria e conseguir um lugar no clube
restrito das nações do Primeiro Mundo .
Tudo estaria perfeito, não fosse uma perguntinha incómoda : de que Brasil, afinal ,
estávamos tratando? Do país real, de larga
extensão territorial e quase 150 milhões d e
habitantes, ou do "Brasil dos 30%", que
abriga um mercado ativo de 45 milhões de
consumidores, mas ainda não conseguiu
erradicar as manchas da miséria absoluta ?
Por mais que as técnicas de propaganda e
marketing dos sucessivos governos tenham
se esforçado para fazer do Brasil "do s
30%" a face mais visível do pais,
é sobre os outros 70% que s e
debruçam os observadores estrangeiros . E também sobre os descaminhas
de um governo ciclotí mico, que esquec e
promessas e atropela as leis, que não pune
corruptos e assiste, impassível, à desagregação do ensino e à falência dos sistemas
de saúde pública.
Por maiores que tenham sido os esforços,
a imagem do Brasil no exterior nunca estev e
tão deteriorada. Presta-se muito mais atenção
às vilanias como as ocorridas em Matupá e
aos cadáveres na Baixada Fluminense que à s
eventuais realizações produzidas pela parte
saudável, educada e bem-nutrida da Nação . A
seguir, tuna amostra preocupante do que se
pensa do Brasil lá fora. (L .E .)
29
FRANÇA
Refúgio
de bandidos
por Reali Junior
Nunca a imagem do
Brasil esteve tão des gastada na França,
nem mesmo n a
fase mais negra do
regime autoritário ,
quando um general da Junta
Militar que substituiu o então presidente Costa e Silva, o hoje acadêmico Aurélio de Lira Tavares, era embaixador em
Paris. Naquela época, a imagem política do
Brasil era muito negativa: ausência de liberdade, torturas, prisões, censura etc. . . Mas
existia uma imagem econômica ainda forte ,
"a fase do milagre", só desmascarada bem
mais tarde. A força de um povo alegre,
simpático, do país do carnaval e do futebol,
resistia aos aspectos mais tristes da presença dos militares no poder .
Hoje, todas elas se confundem. O futebol
brasileiro agoniza, a violência tomou conta
dos grandes centros urbanos e do campo e
os escândalos financeiros envolvendo personalidades da República invadem as páginas dos jornais e as telas de televisão da
França quando há espaço para o Brasil .
Estes temas alimentam os noticiários sobr e
o nosso país nesses últimos tempos, sem
que os acomodados diplomatas do Itamaraty saiam em defesa do governo que representam . Trata-se de um costume que vem
desde o regime autoritário, quando a orde m
era silenciar diante de denúncias de prisões
e torturas inexplicáveis. O tempo passou, a
ditadura acabou, mas o hábito do silênci o
diante da critica permanece, ao contrário de
outras diplomacias de choque, cujos embai 30
xadores estão sempre na primeira linha para
responder aos ataques contra seus respectivos governos .
Em setembro, o principal canal privado
da televisão francesa - o F 1, de audiência
comparável à Rede Globo - exibiu uma
comédia interpretada pelo ator canastrão
franco-italiano Aldo Maccione, Si tu vas a
Rio, na qual ele faz o papel de urn bispo que
participa de uma feijoada na favela da Rocinha, temperada com muita cocaína. A
partir daí, vocês podem imaginar como se
desenvolve essa "obra cinematográfica",
co-estrelada por Roberta Close . Na semana
seguinte, a mesma emissora de TV preocu pou-se com um outro tema da moda no
Brasil, o da violência : a chacina de Matupá .
A seqüência dos seqüestradores queimados
vivos pela população foi exibida com todo s
os detalhes, inclusive a agonia de um do s
bandidos solicitando que acabassem de ve z
com sua vida .
Amigo do rei - Os jornais franceses
acompanham este clima de depressão gene ralizada. A única exceção parece ser o piloto Ayrton Senna . Si) quando se fala do
campeão da Fórmula 1 o comentário é positivo, o que explica para alguns analistas
europeus o fato de Senna ser, hoje, no Brasil, o ídolo que é. 0 austero Le Monde tem
analisado com realismo a evolução d a
situação político-económico-social no
Brasil, através do seu novo correspondente, Denis Hautin Guiraut . O retrato não é
muito animador : reformas da Constituição bloqueadas, greves que ameaçam se
estender, inflação novamente próxima
dos 20%, escândalos em série, tudo iss o
paralisa o pais e mantém em ponto mort o
as "cruzadas" do presidente Collor.
Outro exemplo é o Liberation, o matuti no criado por Jean -Paul Sartre que tem
aberto algum espaço para análises pareci das, desenvolvidas por Jean Jacques Sevilla, seu correspondente no Brasil . Desde a
história de amor da ex-ministra da Econo-
mia com o ex-ministro da Justiça ao som d e
"Besarne Mucho", até a das desavenças
matrimoniais do presidente da Repúblic a
com a primeira-dama têm sido reveladas
pela Imprensa francesa com uma pequen a
dose de ironia e uma grande de ridículo .
Isso sem falar dos comentários sobre as
atividades da "República de Alagoas", en volvendo os negócios atribuídos a Paulo
Cesar Farias, o "amigo do rei" que circul a
em jatinhos alugadas pela Europa ; e a família Malta, apresentada como chefe do "cangaço de Canapi" .
Fora da pauta - Em Paris, o antigo
correspondente do New York Times no Brasil, Alain Riding, hoje ocupando esse mesmo posto na França, ainda acompanha de
perto tudo o que se diz do nosso país por
aqui : "Atualmente, a imagem do Brasil na
França está no chão," diz Riding . A seu ver,
normalmente os correspondentes num país
refletem com seus artigos o ambiente nacio nal, não havendo como esconder, no momento, o pessimismo . Alain Riding lembra
que nos últimos dois anos, a competiçã o
pelo espaço é enorme e o Brasil não te m
sido privilegiado. 0 interesse se deslocou
para outras áreas - o Leste europeu, a
URSS e a Iugoslávia - a ponto de o correspondente atual do New York Times n o
Brasil ter sido enviado para Moscou, de
onde pode colocar melhor seus artigos.
0 leitor pode até imaginar que se trat a
de uma paranóia, mas é a pura realidade :
o paraíso dos bandidos no cinema passou
a ser o Brasil, em particular o Rio d e
Janeiro . Em todo filme do tipo "série B",
policial, após um bem-sucedido golpe, o
bandido sonha sempre com uma fuga para
o Brasil . Talvez o exemplo do inglês Ronald Biggs que participou do "assalto d o
século" na Grã-Bretanha, tenha influenciado os roteiristas internacionais, convencidos de que o Brasil é o pais da
impunidade . Tudo isso tem contribuído
para reduzir a nossa credibilidade no exterior e o próprio interesse pelo pais .
0 desinteresse pelo Brasil é um fat o
notório na França, refletindo inclusive n o
próprio trabalho dos correspondente s
brasileiros . Há quase 20 anos em Paris ,
hoje reconheço ser muito mais difícil obter uma entrevista com uma grande personalidade desse país, do que no inicio da
década anterior . No momento, o Brasil
saiu da pauta na França .
EMPRFNSA - OUTUBRO 1991
PORTUGAL
A razão
embriagad a
por Cristina Durán
Para os jornalistas
portugueses, fala r
sobre o Brasil é qua se como um caso
de amor por um a
mulher distante . Que m
nunca o tocou, o deseja .
Quem já o fez, ficou irremediavelmente seduzido. Amarrados aos laços históricos e culturais que unem os dois povos,
os portugueses gostam da maneira como os
brasileiros levam a vida, se embriagam com
a natureza do país, mas não escondem su a
perplexidade diante da péssima distribuição de renda patrocinada pelos gestores da
economia brasileira . Os portugueses têm
muita dificuldade em interpretar o fato de o
Brasil ainda não ser uma grande potência .
E é exatamente neste ponto que abandona m
o plano das emoções subjetivas para mergulhar na dureza da crua racionalidade .
Ainda que produzida por jornalistas em
geral apaixonados pelo país, é a opção pel o
racional que norteia a Imprensa portugues a
quando o assunto é Brasil . Raramente se 1 E
ou se vê na televisão algo sobre o chamado
"Brasil dos 30%" - aquela parcela do pai s
desenvolvida, industrializada e bem-educada . Em compensação, sabe-se tudo sobre a
inflação, a mendicância, o extermínio d e
meninos de rua, seqüestros, aculturamento
dos índios e devastação da Amazônia . E
também sobre as excentricidades do presidente Collor .
Os brasileiros. residentes em Portugal re clamam e consideram que os portuguese s
têm prazer em mostrar o lado ruim do Brasil . Os jornalistas portugueses, porém, não
concordam com a crítica . "A Imprensa portuguesa não é preconceituosa com o Brasil", garante Adelino Gomes, repórte r
especial do Público - o jornal mais dinâmico e um dos mais lidos de Portugal . Licinio Martins, editor de Internacional d o
Correio da Manhã - um jornal sensacionalista, mas campeão em tiragem em Portugal - também discorda : "Temos uma
IMPRENSA - ()I1rl1RRO 1991
Carnaval ,
calor e futebol
O embaixador
/talo Zappa, de 65
anos, é considera do um dos melhores quadros co m
que já póde contar,
nos últimos anos, o
Ministério das Relações Exteriores
do Brasil. Zappa forjou sua experiência
internacional ocupando cargos delicados
- como as embaixadas do Brasil em Moçambique, China e Cuba -, além de postos nas representações brasileiras e m
Genebra, Washington, Buenos Aires,
Montevidéu e Lima Seus 40 anos de ser viço diplomático o credenciaram a fazer ,
para IMPRENSA, uma avaliação sobre a
imagem que se faz do Brasil lá fora . Foi
sobre isso que halo Zappa conversou, no
Rio, com Vania Mezzonato, da Agência
Frilas A seguir, os principais trechos d a
entrevista.
Imprensa - Qual a imagem que o
Brasil tem no exterior ?
Ítalo Zappa - Prevalece o tamanho e a
expressão do país, que está entre os cinco
maiores do mundo. Mas para um embaixador
é dificil captar o que realmente as pessoas
pensam. Há reservas e depende muito do
nível social do interlocutor. O futebol, o carnaval e o calor são muito associados a o
Brasil, mas não são determinantes para o qu e
pensam do pais A condição de país do Terceiro Mundo, em desenvolvimento, está muito
presente nas elites Mas há os que pensam n o
Brasil por seus recursos naturais, sua poten cialidade, e destacam ainda o milagre d a
unidade nacional - para eles isso assegur a
ao Brasil a condição de país do futuro.
Imprensa - Que idéia de Brasi l
têm os seus interlocutores do Primeiro
Mundo ?
Ítalo Zappa - Eles têm a idéia de u m
país com imensos recursos, mas submers o
numa grave crise económica. Em Genebra, onde tive funções de informar empresários e industriais sobre o Brasil que eles
iriam conhecer, eu receava que ficasse m
chocados com a falta de horário, de conforto, de limpeza etc. Mas minha grande
surpresa foi constatar que voltavam, sem pre, muito entusiasmados com o Brasil.
Comecei a compreender que nós não valorizamos a pujança e a beleza do país
tropical que somos.
Imprensa - O senhor também serviu
em países africanos . Qual a impressão qu e
lá se recolhe do Brasil ?
Ítalo Zappa - Os países africanos
vêem o Brasil com muito orgulho . Como
nos encontramos em um nível superior e
somos mais industrializados, aos olho s
dos africanos representamos o futuro .
Imprensa - E na China ?
Ítalo Zappa - A China nos observa
com o máximo de atenção porque podemos representar experiências úteis. Hoje
eles ensaiam a criação de zonas de livr e
comércio, com práticas capitalistas . Já superaram o estágio do dogmatismo e são
pragmáticos. O slogan atual é "um pals,
dois sistemas".
Imprensa - Quais são os aspectos
considerados os mais positivos e os mais
negativos no exterior ?
Ítalo Zappa - A criminalidade e a
questão indígena preocupam muito algun s
setores do Primeiro Mundo. Eu entendo
isso como uma forma de mostrar atenção
com o Brasil, que ainda conserva remanescentes da cultura indígena É um cuidado com o património que ainda temos.
relação de irmãos e nos preocupamos co m
tudo o que acontece por lá . Infelizmente, o
Brasil passa por uma situação difícil e nó s
temos que falar sobre ela . "
Adelino Gomes foi enviado ao Brasi l
para fazer uma reportagem sobre os 100
dias de governo do presidente Fernando
Collor . Durante a viagem, presenciou um
pouco de tudo, de manifestações de funcionários públicos em Brasilia a greves em São
Paulo. "0 brasileiro é expressivo, autocritico, tem orgulho de ser brasileiro . Renasce
a cada dia e isso me enternece", diz. Essa
ternura deixa transparecer um lado violent o
quando o jornalista se dá conta da vertiginosa queda de credibilidade do governo
Collor. "O Brasil precisa de uma chicotad a
psicológica . Nos últimos meses tenho percebido que há algo de incontrolável por lá",
diz Gomes.
Fase dificil - O jornalista Manuel
Gama, de O Diabo - um jornal semanal
reacionário, também bastante lido aqui - ,
tem uma maneira peculiar de retratar esse s
problemas. Todas as semanas ele escreve
uma página sobre o Brasil . Seus textos se
assemelham a romances policiais de segunda categoria e reforçam a visão estereotipada de uma "república das bananas" - ou
de Alagoas, agora. Esse procedimento não
costuma pautar o trabalho de Jorge de Almeida Femandes, editor de Internaciona l
do Público . Ele diz que seu jornal trata o
Brasil "como qualquer outro país" . Infelizmente, para Fernandes, o mundo está em
crise . "Por isso, a América do Sul e o Brasi l
ficam apagados do noticiário em função d o
que acontece no Oriente Médio e na Europ a
do Leste", diz.
"O Brasil está a passar ao lado do futuro", acredita o repórter-fotográfico Guilherme Verãncio, da agência noticiosa
Lusa . "É um gigante adormecido. Já houv e
e há politicos sérios, mas ainda não lhes foi
dada nenhuma oportunidade", concord a
Eugênio Alves, presidente do Clube dos
Jornalistas Portugueses . Numa de suas viagens ao Brasil, Alves ficou horrorizado
quando viu famílias inteiras dormindo na s
ruas de Copacabana .
Celestino Amaral, repórter do Expresso ,
nunca foi ao Brasil mas sonha em fazer
essa viagem. "Há a afinidade da língua e a
mescla de raças me fascina . As mulatas
esculturais seduzem qualquer homem normal", imagina . Ele não se deixa influenciar
pela idéia generalizada de que quem for a o
Rio só sairá morto . "A violência faz parte
do cotidiano de qualquer grande cidade" ,
concede .
As opiniões sobre o Brasil produzida s
por jornalistas ouvidos por IMPRENSA em
Portugal tendem a um mesmo ponto de
convergência, que pode ser resumido nu m
comentário do repórter Adelino Gomes :
"Não posso acreditar que um pais que no s
últimos dois séculos mostrou tanta van guarda cultural - na música e na literatura ,
por exemplo - esteja vivendo uma fase tão
difícil quanto a atual . "
ITÁLIA
Tão rico ,
tão infeli z
por Araujo Neto e Lisa Maria
Silva
Nos anos 70 e 80 fa lava-se muito e ma l
do Brasil . Na Itália e
em toda a Europ a
nossa imagem era a
de um país continente
dominado por uma ditadura
de extrema direita, tão cruel quanto
feroz, exercida por militares e tecnocrata s
cínicos, corruptos . Éramos progressistas
pelo futebol-arte que sabíamos jogar e pel a
excelente música popular criada por artistas
e poetas admiráveis. Atualmente fala-se
cada dia menos, mas sempre mal do Brasi l
na Itália e na Europa . A imagem que dele
se afirma é a de um imenso, degradado e
grotesco país de Terceiro Mundo . Da igrej a
progressista ninguém fala mais . E a admiração por nossos craques de futebol, pelos
poetas, compositores e músicos da MPB fo i
substituída pela escandalosa popularidad e
dos travestis - "i viados brasiliani", como
os italianos aprenderam a chamá-los .
Hoje, sabe-se que os militares voltaram
aos quartéis e que no Brasil vive-se perigo samente uma experiência democrática .
Com governantes que se desmoralizam e
exaurem a cada fracasso dos reiterados pla nos de combate à inflação, impotentes dian te do incontrolável extermínio dos meninos
de rua . E com um presidente mais imatur o
do que jovem - apresentado pela mídia da
Itália como um Rambo provinciano, produ to de uma custosa e bem-sucedida operação
de marketing .
Difícil, senão impossível, é responder a
uma pergunta que na Itália e Europa sempre
é feita pela gente mais simples de grande s
e pequenas cidades: "Por que um país tã o
rico e tão grande conseguiu ser tão infeliz?"
Vai-e-vem - As principais informações sobre Brasil que a Imprensa italiana
oferece aos seus leitores referem-se à destruição progressiva da Amazónia, ao tráfico
de bebês para o exterior, criminalidade urbana e a incerteza sobre o futuro de um a
economia que evolui a ritmo espasmódico .
"Mas existe uma enorme escassez de informações sobre como realmente vivem seus
cidadãos, o que acontece nas favelas ou
sobre a situação das milhões de crianças
abandonadas", diz Ettore Vittorini, de 50
anos, chefe da editoria de Internacional d o
Corriere della Sera .
Carlo Rebecchi, editor de Internacional da agência italiana de notícias Ansa ,
já fez quatro viagens ao Brasil e prepara
mais uma para o próximo ano . Quando
esteve pela primeira vez em São Paulo,
em 1982, ficou impressionado . "Aquel a
tensão e o vai-e-vem das pessoas no centro, o smog e o tráfego congestionado, me
davam a impressão de estar em urn país
totalmente industrializado", lembra Rebec chi . Mas a partir da segunda viagem passo u
a ter a "nítida impressão" de que o Brasil e
os brasileiros "vivem como se estivesse m
em uma encruzilhada" .
Para Guido Olimpo, repórter especial do
Corriere delta Sera, a Imprensa italiana
muitas vezes peca por reduzir o perfil do
país unicamente aos aspectos da criminalidade urbana, propagação da Aids e devastação da floresta amazônica, sem oferecer
ao leitor informações mais detalhadas sobre
o cotidiano e a economia do Brasil . "Esses
elementos nutrem os estereótipos e constituem um espetáculo, no sentido negativo d o
termo", critica Olimpo . O editor de Interna cional da revista semanal Panorama, Giorgio Oldrini, acrescenta uma dúvida : "Nã o
compreendo como um país potencialmente
rico ainda permaneça em condições de precariedade desenfreada no que se refere ao
nível de vida da população "
GRÃ-BRETANH A
Solução
monárquic a
por Oscar Pilagallo e Beatriz Aless i
"O Brasil não é um
país sério." A famos a
frase atribuída a o
ex-presidente frances Charles De
Gaulle - e repetida à
exaustão - foi tirada mais
uma vez do baú . Desta vez por Christina Lamb, correspondente do Financia l
Times no Rio de Janeiro . Foi com essa
citação que ela abriu um longo artigo par a
seu jornal sobre as confusões que cercaram
a frustrada tentativa de privatização da Usiminas, no final de setembro .
Esta falta de seriedade parece ser, ainda, a
imagem mais forte que o Brasil projeta no
exterior - pelo menos para o leitor britânico
medianamente informado sobre assuntos d o
além-mar. "Foi um maneirismo estilístico de
Christina para interessar o leitor, já que a
maioria não tem um conhecimento profundo
sobre o Brasil", diz William Keeling, de 27
anos, responsável pela editoria de América s
do Financial Times, a publicação britânica
que mais cobre o Brasil . Mesmo na chamada
"Imprensa de qualidade", a recorrência a clichés reducionistas para explicar a realidade
brasileira, como a frase de De Gaulle, ainda é
bastante generalizada .
Retrato
chamuscado
por Bussunda
Na primeira semana de setembro,
o programa Doris
para Maiores, d a
TV Globo, resolveu fazer uma re portagem em Nova
York Eu, por sorte,
fui escalado como
uni dos repórteres
a participar de mais essa "bocada " paga
pelo sr. Roberto Marinho. O espírito da
reportagem era exatamente esse : dois brasileiros típicos que ganham uma passage m
e vão para a América trajando seus uni formes da seleção brasileira de futebol e
dispostos a mostrar porque o brasileiro é
mais "esperto" do que os gringos.
Em três momentos a matéria se referia
ao conhecimento que os americanos tê m
sobre o Brasil. A primeira pergunta de rua
era um teste para saber se o prestígio do
Rei do Futebol continuava em alta. E a
conclusão é que, mesmo nas novas geraO editor de America Latina da revista
The Economist, Nick Harman, 58 anos e há
35 trabalhando na revista, concorda com
Keeling : "E muito difícil para um observa dor estrangeiro acompanhar a vida política
brasileira", diz. Ele acredita que sua revist a
dá ao Brasil menos espaço do que o paí s
merece, embora admita que The Economist
leve o Brasil "muito a sério" . "Primeiro
porque é a décima maior economia do mun do, depois porque se trata da terceira democracia e também por causa da questã o
ambientalista", acrescenta.
ções Pelf ainda é um ponto de referência
quando se fala de Brasil. Das 25 pessoas
entrevistadas, apenas uma declarou nunca ter ouvido falar do Negeo.
As outras duas perguntas eram semelhantes Primeiro abordávamos o cidadão perguntando o que ele sabia sobre o Brasil e,
logo em seguida, pedíamos para que ele
assinalaste num mapa-múndi o local onde
imaginava que ficasse o pais. O resultado fo i
supreendente. Por se tratar de uma reportagem do chamado "humorismo verdade ", s6
foram para o aras respostas mais estapafrirdias, gente que apontava a África, a Austrália e atéa União Soviética... Mas a realirinfle
é que a grande maioria das pessoas soube
identificar exatamente onde fica nosso país
E o mais impressionante : 100% dos entrevistados responderam que seu conhecimento
sobre o Brasil se restringia d Floresta Amazónica, "um lugar onde se queimam árvores . ou coisa do género.
Fiquei com a impressão de que o pais é
hoje bastante conhecido. Mas nada abala
a minha firme convicção de que, por pio r
que seja a nossa imagem lá fora, dificilmente ela será pior do que aqui dentro.
&ainda é editor da Camera morar e colunista
esportivo de O Dia.
Relatório especial - O tratamento dispensado às questões relativas ao meio ambiente brasileiro é o assunto que mai s
interessa ao leitor britânico não-especializa do. Na televisão britânica, por exemplo, o
Brasil só é visto por esse ângulo . Para o
telespectador britânico que não 16 jornais de
qualidade (a grande maioria), a imagem do
Brasil é a de uma selva imensa, pegando fogo
e provocando urna cortina de fumaça que
contribui para a aceleração do efeito estufa .
Nos jornais, o assunto é tratado com mai s
rigor . 0 desmatamento é um dos pratos
preferidos do The Guardian, que conta com
a correspondente Jan Rocha cobrindo a
Amazônia, ainda que quase sempre a partir
de sua base em São Paulo. Mas as transformações ocorridas no Leste europeu fizeram
com que o Brasil perdesse espaço na cobertura internacional . "Com tantas coisas
-acontecendo em outros lugares, nós publicamos muito pouco sobre o Brasil", admite
Jeanette Davis, de 31 anos, secretária da
editoria de Internacional do The Guardian .
Correspondentes estrangeiros, é óbvio ,
publicam o que interessa ao seu leitor, e não
necessariamente o que interessa ao país
objeto de sua cobertura . O desmatamento ,
portanto, só interessa porque ameaça a vid a
dos leitores daqui, ou a de seus descendentes . No caso dos jornais britânicos, o
mesmo acontece com a monarquia, pel o
fato de ser este o regime de governo na
Grã-Bretanha . O conservador Sunday Telegraph, por exemplo, dedicou recentemente
um espaço nobre do jornal à discussão do
retomo à monarquia no Brasil - possibilidade prevista na Constituição e que irá a
plebiscito em 7 de setembro de 1993 .
O artigo do Sunday Telegraph, assinado
por Adam Zamoyski, é francamente monarquista. Ele argumenta que a monarquia, no
Brasil, "daria nova vida às tradições liberais, reduziria a ameaça de intervenção militar e devolveria dignidade ao país e às suas
instituições" . Aos dados e argumentos bem
alinhados, ele adiciona uma retórica de palanque e chega a comparar o presidente
Fernando Collor de Mello a um persona gem saído da série americana de TV Dinas' tia. É verdade que não é preciso ser
monarquista roxo para criticar o presidente
brasileiro. "Collor é visto como uma pessoa
de iniciativas dramáticas cujas conseqüências ainda não estão claras . Eu tinha grandes
esperanças nele, mas estou desapontado" ,
confessa Nick Harman.
"País do futuro" é outra imagem recorrente
das editores britânicos ao se referirem ao
Brasil. "As primeiras coisas que vêm à cabeça
36
quando se pensa em Brasil são exotismo,
carnaval, Rio, praias e catolicismo", di z
William Keeling. E acrescenta: 'O Brasil
também é visto como urn país de tecnologia
relativamente avançada, mas que tem dificuldade de se manter atualizado ness a
ares "
As imagens e os mitos brasileiros na
Imprensa britânica ganharão em breve uma
nova perspectiva. A promessa é da revista
The Economist, que planeja para o começo
de 1992 um relatório especial de doze páginas sobre o Brasil, nos moldes do que foi
publicado cinco anos atrás e que serviu de
texto-base para jornalistas britânicos durante um bom tempo. O trabalho, segundo
informou Nick Harman, ficará a cargo de
Jim Rower, correspondente da revista na
China . Harman explica a lógica da escolha:
"Reportagens especiais como essas ficam
muito mais interessantes quando feitas por
um leigo com interesse no assunto." E Rower, diz Harman, adora o Brasil .
JAPÃO
Inflação
e desastres
por Helder Guimarães
Com circulaçã o
combinada de 21 mi lhões de exempla res, os três grandes
diários japoneses
- Yomiuri Shimbum ,
Asahi Shimbum e Nihon Keizai - dão pouco destaque às notícias
referentes à política brasileira. 0 lugar onde
é mais fácil encontrar matérias sobre o Brasil é nas páginas de Economia desses jornais - embora, mais recentemente, os
pauteiros japoneses venham dando alguma
ênfase às informações sobre a ecologia e
preservação da Amazônia .
Ao mesmo tempo, o trabalho dos dekassegui é freqüentemente abordado pela Imprensa japonesa - tratado aqui mais como
tema doméstico que matéria internacional .
A palavra dekassegui (que etimologicamente quer dizer "sair para trabalhar") serve para qualificar os cerca de 150 mi l
brasileiros de origem nipônica que trabalham no Japão. Matérias sobre a maciç a
presença desses brasileiros não são rara s
nas páginas de Economia e Nacional .
Kenji Kitayama, do liberal Asahi Shim bum (8,3 milhões de exemplares diários) ,
trabalhou como correspondente em São
Paulo entre 1980 e 1984 e pertence à editoria de América Latina do jornal . Segund o
ele, nos últimos dois anoso noticiário sobr e
o Brasil tem perdido espaço para os grande s
acontecimentos mundiais, como a situaçã o
na União Soviética e as mudanças no Lest e
europeu . "Transformações históricas como
essas são grandes notícias", justifica Kitayama, acrescentando que "até por questão
de espaço" é difícil divulgar informações
sobre o Brasil.
Importância crescente - Uma estranha "teoria das catástrofes" justifica, par a
Ryuji Nakazono, do Yomiuri Shimbum (9,7
milhões de exemplares por dia), as pouca s
informações sobre o Brasil . "Somente por
ocasião de grandes acidentes há mais divul gação do país", ressalta . Já Masatoshi Hara ,
da editoria internacional da influente red e
estatal de televisão NHK, aponta o mei o
ambiente e a economia como as áreas
onde se pode obter mais informações sobre o Brasil na Imprensa japonesa . "0
espaço para a política brasileira foi reduzido desde o fim do governo militar", di z
Hara, que entre 1982 e 1985 foi correspondente da NHK no Rio . "A economi a
brasileira só é notícia no Japão quando h á
relação direta com os interesses japoneses " , comenta .
As altas taxas de inflação no Brasil, porém, eliminam qualquer distância entre a s
idéias de pauta e as matérias publicadas . E
o público japonês é razoavelmente bem-in formado sobre elas . "Embora o leitor comum não conheça a realidade brasileira,
sabe que existe um sofrimento grande na
população com a persistência da inflação",
acredita Masatoshi Hara. Em reforço a ess a
idéia, Yoshihiro Hirata, do diário econômico
ILdDQ PVC
♦- nl m MOO 1001
Keizai Shimbum, vê na inflação brasileira uma das fontes mais ricas do noticiári o
sobre o Brasil . "Como de costume, ela continua", sintetiza.
O diário Nikkei (três milhões de exemplares) é o veículo que mais espaço destin a
ao noticiário brasileiro . O jornal não evita
retratar os descaminhos por que passa a
economia brasileira, como numa recent e
série de matérias sob o título "O mistério da
fuga de capitais" . A reportagem do Nikkei
revelou detalhes da evasão de divisas brasileiras - o que, segundo Hirata, contribui
para outro tipo de fuga : o fechamento das
multinacionais instaladas no Brasil .
Segundo Kazuo Ince, 35 anos e 18 de
profissão, atualmente trabalhando na redação
brasileira da revista Elk, "os japoneses acham
que o Brasil é uma Amazônia cheia de inflação " . Ince viveu no Japão, entre 1990 e 1991 ,
e lá recolheu a impressão que, do ponto d e
vista dos negócios, os empresários japoneses
vêem com muita desconfiança o Brasil . "Mas
todos têm muita curiosidade pelas coisas da
Natureza brasileira, embora o noticiário que
chegue até eles retrate um verdadeiro brej o
económico", diz Ince .
A questão ecológica tem crescido de importância na Imprensa japonesa, com destaque para a cobertura do Yomiuri
Shimbum . Um grande número de jornalistas
nipónicos deverá ser enviado ao Brasil para
a cobertura da Eco-92, a ser realizada n o
ano que vem, no Rio .
Nihon
ESTADOS UNI DOS
Um país
sem destino
por Hermano Henning
Michael Finnigan, o
Mike, tem 33 anos .
Nasceu e cresceu no
Takoma Park região noroeste d e
Washington, a capita l
dos Estados Unidos . Só uma
vez ele saiu do país quando, aos 1 1
anos, seus pais o levaram para conhecer a
terra dos avós, a Irlanda. Agora Michae l
não pensa noutra coisa : quer conhecer o
Brasil, onde acha que estão as mulheres
IMPRENSA - OUTUBRO 1991
mais bonitas do mundo.
- How do they say it? . . . Fio dental? . ..
Mike não fala português, mas pronunci a
"fio dental" com todas as letras, sem sota que. . . Ele é o meu cinegrafista, há um ano,
e tem uma imagem do Brasil que já completou mais de 50 : a do país do carnaval.
Mike quer ver o carnaval do Rio. Ele acredita que o Brasil é um país feliz, onde os
negros casam com mulheres brancas . E as
brancas namoram negros.
Em Nova York, Boston ou Miami o ame ricano médio pensa diferente. Os brasileiros ali disputam subempregos co m
mexicanos e salvadorenhos e se encarrega ram de desfazer a imagem do país de Carmem Miranda - que, por incrivel qu e
pareça, ainda permanece viva em algun s
pontos dos Estados Unidos. Em Washington já se encontra com freqüência brasileiras se oferecendo como diaristas e m
trabalhos domésticos e fritando hambúrguer no McDonald's . É uma situação diversa da que se encontra em Roma ou Paris :
não há travestis nas ruas nem brasileiras se
oferecendo nas esquinas . Nos bares e restaurantes de Georgetown, o bairro boêmi o
da capital americana, o Brasil é sempre
lembrado como um país onde se faz boa
música. Um garçom do Blues Alley, templ o
do jazz de Washington, acha que brasileir o
já nasce com música dentro da alma .
Baixinho e careca - Roberto Garcia ,
ex-correspondente da Manchete, Veja ,
Jornal do Brasil e IstoÉ/Senhor, e agora
no SBT, já está aqui há 30 anos . No iníci o
dos anos 60, quando chegou, a imagem
do garçom de Washington era generaliza da . Era tempo da bossa nova . De futebol ,
ninguém falava, mas a tenista Maria Este r
Bueno eles conheciam . O Brasil era o país
das férias, do mar azul, de Copacabana ,
das mulheres bonitas . Era também o país
do futuro.
"Depois do golpe de 64", diz Garcia,
"esta imagem ainda resistiu . Não havia tanta prevenção contra os militares quant o
hoje . Mesmo as pessoas bem informadas,
achavam que o Brasil era um país que havi a
se salvado dos comunistas ."
Hoje, o México e os chamados "tigre s
asiáticos" - Taiwan, Coréia e Singapura
- tomaram o lugar do Brasil . "A impressão
que a gente tem é que o Brasil perdeu uma
grande chance de se modernizar. É um país
que ficou para trás", analisa George Tamerlain, editor-chefe da Visnews em Washing ton . Tamerlain nunca foi ao Brasil . Em
compensação já esteve dezenas de vezes na
Asia e Oriente Médio . Ele lembra do presi dente Bush falando de Collor : "He's my
kind of guy . . ." (é do tipo que eu gosto...). E
acha que, no início do governo, a impressã o
do presidente aqui era ótima . A imagem de
Indiana Jones (dada pelo próprio Bush) acabou se desgastando mesmo entre os burocratas da Casa Branca e do Departament o
de Estado . Hoje eles dedicam maior atenção ao México e a seu presidente baixinho ,
careca e de bigode cafona .
Com z - Para os americanos, o Brasil é uma nação que até hoje não conseguiu botar um político corrupto na
cadeia . Um lugar onde a polícia tortura presos com incrível naturalidade .
Onde o negro é discriminado . Onde os
índios são massacrados e onde marido
pode assassinar à mulher em "legítim a
defesa da honra", segundo os funcioná rios da Human Rights Watch, organização de defesa dos direitos humanos, com
sede em Nova York .
País do carnaval e das mulheres gostosas para o americano que lê pouco jorna l
e vive longe das concentrações de imigrantes brasileiros . E um país não muit o
diferente da Bolívia, El Salvador e Cost a
Rica, para a classe média de Nova York ,
Boston e Miami .
Este é o Brazil . Brasil com z.
ART PRESSE
t♦ Comunicação Dirigida t•
ARGENTINA
Faroeste
inflacionário
por Paulo Toai
lied-ir
Desenvolve e opera projetos
de comunicação dirigid a
para políticas e estratégias d e
marketing, utilizando-se dos
seguintes instrumentos :
•Assessoria de Imprensa
•Organização de eventos
esportivos e culturais
• Ações promocionai s
Associada à ANECI - Associação Nacional das
Empresas de Comunicação Social, ABERJE Associação Brasileira de Comunicação Empresarial e sócia-fundadora do SINCO - Sindicat o
Nacional das Empresas de Comunicação Social .
ART PRESSE
Al _lad 1506. 1 .' e 2 .' andares - Tels. : 1011 1
6+-2915 e 853-4418 - Teles 1.132811- Fax 1011 1
852--B+00.
. argentinos têm a
Os
mpressão de que j á
viram esse filme outras vezes, dublado
em espanhòl . Em
-.
sua primeira versão, o
presidente (Raul Alfonsin)
era obrigado a renunciar, cinco meses
antes de terminar o mandato. Na segunda,
Carlos Saúl Menem interpretava o herói
que, com a ajuda essencial de um novo
roteirista (Domingo Cavallo, ministro d a
Economia), se não abateu o bandido com
um só tiro, ao menos conseguiu algemá-lo.
Por isso, o que está acontecendo no Brasi l
é a versão falada em português de históri a
conhecida dos latino-americanos.
Nela o mocinho morre no final ou, co m
a providencial ajuda da cavalaria norteamericana, consegue salvar o comboio e o
conduz, airoso, ao Primeiro Mundo .
As notícias que o argentino lê, vê ou ouve
sobre o Brasil lhe chegam pelas agência s
internacionais . Nenhum jornal de Buenos
Aires tem correspondente no Brasil e a
televisão se limita à reprodução do noticiário da CNN ou da TV espanhola. De quando
em quando, os jornais mandam um repórte r
ao Brasil que, depois de três dias no aviã o
entre São Paulo, Rio e Brasília, algumas
entrevistas e muita leitura dos jornais 1o
cais, redige duas ou três matérias como
relato de "um enviado ao caos do Brasil" ,
conforme despacho publicado na primeir a
página do jornal de economia e negócio s
Ambito Financiero, em 7 de outubro.
Realmente um caos" - Os editores dos
jornais argentinos já fizeram muitas viagen s
a serviço ou em férias às nassas plagas, ma s
quando se fala em Brasil já não lhes ocorre m
imagens de sol, mulatas, samba e ritmo d e
10% de crescimento anual da economia.
"Aquele Brasil de desenvolvimento está
apenas na minha memória . Hoje, Brasi l
para mim representa deterioração", diz Roberto Garcia, diretor de redação do Ambito
38
Financiem, com circulação de 130 mil
exemplares por dia. Concordam com el e
Ricardo Kirschbaum, subeditor-geral de El
Clarín (600 mil exemplares/dia) e Daniel
Sosa, editor de Economia do Página 1 2
(110 mil exemplares/dia) .
Para Kirschbaum, o Brasil de hoje parec e
a Argentina de urn ano e meio atrás, "perdido
na hiperinflação e com falta de pulso politico
para mudar a situação" . Soca, que tem poucas
simpatias pela fórmula adotada pelo governo
Menem para chegar à inflação mensal de 1 %
- adoção ortodoxa das receitas do Fundo
Monetário Internacional (FMI) -, considera
que até para executar essa politica o govern o
brasileiro teria dificuldades. "Basta a foto do
pontapé no traseiro do privatizador para demonstrar que no Brasil a situação é mais
peleada do que na Argentina", diz Soca, referindo-se aos incidentes à frente da Bolsa de
Valores do Rio no dia do frustrado leilão de
privatização da Usiminas. "A sensação que o
Brasil me dá agora é de descontrole, alt a
inflação, confusão politica, instabilidade, in satisfação, decadência, até o futebol não é
mais o mesmo . Quando a Argentina e outros
países como México e Chile procuram a mesma saída para a solução de seus problemas, o
Brasil ficou parado, hesitante. Às vezes parece-me que desejaria sair por outra porta",
arremata .
Kirschbaum preocupa-se com o fato d e
o Brasil ter interrompido seu processo de
desenvolvimento. "O principal problema
do Brasil é a marginalidade social . Parando
de crescer, não sei como vai encontrar um a
solução para esses enormes contingentes da
população . E fico a imaginar como seria
impressionante o impacto da integraçã o
desses marginalizados ao processo de produção", analisa .
Escaldados por duas hiperinflaçães 196% em julho de 1989, no governo Alfonsin, e 96% em março de 1990, no governo
Menem - os argentinos acham que, com
esses índices, a imagem do governo se deteriora, dentro e fora de suas fronteiras. Daniel
Sosa acrescenta : "Como na Argentina a esta bilidade foi conseguida, embora precária e
talvez de existência efêmera, os argentino s
passam a achar que o Brasil é realmente u m
caos . 0 pior é que o presidente Collor não
consegue transmitir ao exterior, e, creio que
também internamente, a imagem de algué m
que pode inverter esse processo . Muito menos
dá esperanças de começar a resolver o problema social, que é muito sério . "
X
IMPRENSA - OUTUBRO 1991

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