PHILIPPE PINEL Philippe Pinel fundou a tradição da clínica como
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PHILIPPE PINEL Philippe Pinel fundou a tradição da clínica como
PHILIPPE PINEL Philippe Pinel fundou a tradição da clínica como orientação consciente e sistemática. Pinel fez parte do grupo dos Ideólogos, que sintetizou os pensamentos inovadores e radicais do século XVIII. Eles consideravam que o conhecimento era um processo cuja base era a observação empírica dos fenômenos que constituíam a realidade. Esses fenômenos deviam ser agrupados e classificados em função de suas analogias e de suas diferenças, para em seguida constituírem classes, gêneros e espécies, evitando introduzir nesse trabalho de análise e síntese sua própria subjetividade. As categorias extraídas da experiência receberiam o nome adequado, o que situa os Ideólogos como herdeiros da tradição nominalista. Condillac dizia o seguinte: “a ciência não é mais do que uma língua bem feita”. Isto é, uma língua que funcionasse corretamente nomearia o real. O modelo para essa orientação e o seu ideal era a disciplina da História Natural e a obra de Buffon. A obra de Pinel, segundo ele mesmo diz, é uma abordagem da loucura recorrendo ao “espírito de ordem e de pesquisa que reina em todas as partes da História Natural [estudo e descrição dos seres vivos]”. Pinel aplicou rigorosamente essa doutrina em todo o campo da prática médica: - no campo clínico. - na nosologia. - no campo específico da alienação mental – com a obra Tratado médico-filosófico da alienação mental (1801). Século XVIII Sydenham: foi um dos iniciadores do retorno a Hipócrates: retorno à observação empírica e clínica, ultrapassando os dogmas explicativos de Galeno. Sydenham ► Locke e Condillac ► Ideólogos ► confiança na observação e desconfiança da teoria ► Pinel ► Bichat ▼ Augusto Comte Obs: O galenismo saiu da sistematização das doutrinas de Hipócrates, mas, neste, elas estavam em equilíbrio com um verdadeiro culto da observação clínica, que desapareceu em Galeno, por detrás do sistema criado. Comte: - o homem pode confiar em suas faculdades de observação e análise. 2 - os fenômenos não são a essência última da realidade, mas são-lhe suficientemente “paralelos” para se basear neles um saber que é sempre aproximativo, mas válido. - o real jamais será conhecido tal como Deus o conhece e, assim, é inútil esgotar-se em vãos sistemas explicativos. - o conhecimento do real será suficiente para extrair um conhecimento pragmaticamente eficaz e só isso tem importância. Pinel atribuía uma grande importância à clínica e recomendava igualmente o estudo da História Natural e a prática das matemáticas, acreditando que a observação simplesmente empírica permanece intuitiva, não adquire nenhum estatuto na ciência e não é cumulativa. Ou seja, ela tem que ser bem escrita, passar para a linguagem, adquirir uma estrutura passível de ser enunciada. A clínica deve, aos poucos, converter-se num texto escrito na “língua bem feita” de Condillac. Pinel também sustentava que a clínica devia criar para si uma linguagem própria, com palavras novas e sentido preciso que evocassem imediatamente os fenômenos aos quais eles se referiam. Através disso, um saber cada vez mais preciso iria se constituindo, ainda que sempre limitado ao campo dos fenômenos. Com essa epistemologia, Pinel inaugurou a exploração sistemática de um campo e a ordenação dos fenômenos que o constituíam. Essa orientação foi a base sobre a qual depois se constituiu o saber realmente positivo da psiquiatria. O postulado de Pinel e de Comte – da incognoscibilidade da essência real dos fenômenos – não é inteiramente verdadeiro porque “a cada etapa do progresso dos conhecimentos, parte de que parecia constituir o problema da essência na etapa anterior cai na ordem do conhecido e do explicado” (Bercherie, Fundamentos da clínica, p. 34). O postulado positivista de Comte o levou a rejeitar o conhecimento da constituição físico-química dos planetas, a constituição física da matéria, a matematização, os estudos microscópicos em biologia etc. Da mesma forma, o que Pinel considerava inaccessível revelaria, na segunda metade do século XIX, fundamentar um conhecimento concreto. No campo da clínica médica, Pinel baseou-se na observação e na análise sistemáticas dos fenômenos perceptíveis da doença. Em 1798, ele publicou sua Nosografia filosófica ou método de análise aplicada à medicina, e baseou a classificação das doenças mais nos órgãos lesados do que nos sintomas. Essa classificação teve uma influência no desenvolvimento de anatomia patológica de Xavier Bichat. O método anátomo-clínico de Bichat tinha o seguinte princípio básico: a lesão local explica o quadro clínico e este é a manifestação externa daquele. Michel Foucault, em Nascimento da clínica, opõe excessivamente essas duas etapas: uma saiu da outra, a organização da clínica forneceu as bases do método anátomo-clínico e este não 3 acabou com ela. Do mesmo modo, Falret e sua descendência ultrapassariam e subverteriam a clínica de Pinel e Esquirol, mas numa referência à fundamentação criada pela observação pura. Pinel considerava a alienação mental como uma doença no sentido de doenças orgânicas, um distúrbio das funções intelectuais, das funções superiores do sistema nervoso, por isso as situou na classe de neuroses, isto é, afecções do sistema nervoso “sem inflamação nem lesão estrutural”. O cérebro era a sede da mente e a alienação mental fazia parte das neuroses cerebrais, que eram de dois tipos: - abolição da função – afecções comatosas. - perturbação da função – vesânias (doenças mentais). As vesânias eram as doenças mentais, a loucura propriamente dita, e outras doenças mentais que não faziam do sujeito um alienado: - hipocondria. - sonambulismo – loucura limitada ao período do sono. - hidrofobia – raiva. Vesânias: 1. Mania propriamente dita – na época, mania era sinônimo de loucura, donde o termo manicômio (asilo), donde igualmente o título da primeira edição do tratado Sobre a alienação mental ou mania. O delírio era generalizado e concernia a todos os objetos, ficando lesadas várias “funções do entendimento” (percepção, memória, julgamento, afetividade, imaginação etc) e era acompanhado por viva excitação. Pinel distinguiu uma sub-variedade: a mania sem delírio ou mania racional, na qual as funções do entendimento permaneciam intactas, ocorrendo alterações da afetividade e excitação. 2. Melancolia – o delírio se limitava a um objeto ou a uma série particular de objetos, permanecendo intactas as faculdades mentais fora desse “núcleo delirante”. O comportamento era coerente e compreensível, se levadas em conta as idéias delirantes. O estado afetivo e o tema do delírio podiam ser tristes ou alegres e exaltados. 3. Demência ou abolição do pensamento – Pinel entendia pensamento no sentido de juízo (Condillac). A demência era uma incoerência na manifestação das faculdades mentais. 4. Idiotismo – obliteração das faculdades intelectuais e afetivas. Supressão da atividade mental, ficando o sujeito reduzido a uma existência vegetativa. 4 Constituiria um profundo erro tentar identificar essas categorias, puramente sintomáticas, com as nossas entidades atuais, embora alguns termos tenham sobrevivido. Por exemplo, a mania de Pinel abarcava os estados de agitação, fossem eles maníacos (no nosso sentido atual), ou epiléticos, confusionais, esquizofrênicos, delirantes, ansiosos e histéricos. A doutrina de Pinel: - a mente era uma manifestação do funcionamento do cérebro. - as relações entre o físico e o moral são fundamentais e permanentes. - a loucura é um desarranjo das faculdades cerebrais, através das seguintes causas: 1) causas físicas: - diretamente cerebrais - simpáticas – atingindo o cérebro em conseqüência da ligação deste com outros órgãos do corpo. - fisiológicas – parto, menopausa e embriaguez. 2) hereditariedade 3) causas morais – duas rubricas em constante interação: - paixões intensas e muito contrariadas ou prolongadas. - excessos de todos os tipos, irregularidades dos costumes e hábitos de vida, educação perniciosa (brandura ou dureza excessivas). Mais da metade dos casos de alienação mental tinham como causa, para Pinel, as causas morais. Pinel citou longamente Crichton, que organizou um catálogo dos diversos efeitos exercidos por paixões como a alegria, a cólera, o medo e a tristeza no estado das vísceras e das grandes funções: a circulação e a respiração. As causas não eram específicas dos diferentes tipos de loucura. Pinel atribuía a forma do ataque ao tipo físico: cor dos cabelos ou dos olhos, conformação física e sexo: - homens robustos e de cabelos pretos – predispostos aos ataques de excitação. - mulheres, sobretudo as louras – mais inclinadas à melancolia. Tratamento: As mesmas idéias fundamentam a concepção geral do tratamento. Pinel considerava os empíricos e sua busca de um remédio “específico” através do ensaio e erro com toda a charlatanice que isso podia comportar. Ele rejeitava a prática da sangria (que veio substituir os purgativos e os vomitórios dos antigos), pois recebia freqüentemente pacientes exangues e moribundos, que muitas vezes, quando escapavam, ficavam dementes e incuráveis. De Hipócrates, Pinel retomou a idéia de que a doença, tal como nos aparece, é essencialmente uma reação salutar do organismo contra a ação de causas que perturbam seu 5 equilíbrio e de que sua conclusão natural é a cura. Assim, o médico deve abster-se ao máximo de qualquer intervenção que venha a perturbar o desenrolar do ciclo natural da doença – este é o chamado “método expectante” de Hipócrates. Ele parte do princípio de que, quando o organismo tiver desenvolvido sua reação, sobrevirá a “crise” por meio da qual a doença chegará ao fim, através da eliminação da “matéria morbífica”. Ao médico restava o papel de ajudar durante o ciclo mórbido, utilizando medicamentos com critério para ajudar o organismo em sua tarefa. Por outro lado, Pinel introduziu o tratamento moral que, com o auxílio de uma instituição de atendimento, visava reconduzir o espírito perturbado à razão. Os conteúdos da mente dependeriam das percepções e das sensações e, modificando-se estas, se modificava todo o estado mental. Logo, o ambiente desempenhava um papel capital no tratamento. O paciente era isolado numa instituição especial para ser afastado de suas percepções habituais e ser acompanhado. Na instituição, o doente era submetido a uma disciplina severa e paternal, num mundo inteiramente regido pela lei médica. (Ler páginas 42 e 43 de Bercherie – o tratamento moral.) O chamado tratamento moral consistia em ameaças e recompensas bem dosadas, demonstração de grande solicitude e de grande firmeza, sendo o doente submetido à tutela médica e à lei coletiva da instituição, ao “trabalho mecânico” e ao “policiamento interno” que a regiam. O objetivo era despertar o respeito e a confiança do alienado, “subjugar e domar o alienado, colocando-o na estreita dependência de um homem que, por suas qualidades físicas e morais, seja adequado pra exercer sobre ele uma influência irresistível e para modificar a cadeia viciosa de suas idéias”. Para isso, Pinel preconizava nunca empregar a violência, somente intimidar o alienado com um “aparelho imponente de repressão”, isto é, enfermeiros numerosos e decididos, e usar a doçura e a compreensão. Pinel também criou encenações que pretendiam “realizar” o delírio do paciente para desconstruí-lo, como o caso do melancólico convencido de que estava na lista de suspeitos da Convenção e que foi confrontado com 3 homens que se disfarçaram de juízes e lhe conferiram um certificado atestando seu patriotismo. O asilo era concedido em suma como um centro de “reeducação modelar” (pois a educação mal-feita é o que predispõe à loucura) e “panóptico” [Cf. o Panopticum de Jeremy Bentham, espécie de prisão na qual tudo era vigiado a partir de um único ponto central], onde a submissão fosse o primeiro passo para a cura. A postura de Pinel em relação à anátomo-patologia da alienação mental era de rejeição, pois não aceitava as teorias que explicavam a loucura pela lesão material do cérebro, uma vez que fez exames de cadáveres onde isso não foi constatado. Como Pinel acreditava que, na loucura, o cérebro não era atingido e apenas a mente estava perturbada em seu funcionamento, ele se ergueu contra o dogma da incurabilidade da loucura muito difundido na época. 6 Bibliografia: Bercherie, Paul, Os fundamentos da clínica, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989. ____________, Les fondements de la clinique, Paris, Navarin, 1980. Foucault, Michel, O nascimento da clínica, Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1977. Miller, Jacques-Alain, “A máquina panóptica de Jeremy Bentham”, Lugar, nº 8, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1976.
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