SANTA MARIA DE LORETO: IMAGINÁRIO JESUÍTICO
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SANTA MARIA DE LORETO: IMAGINÁRIO JESUÍTICO
REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 SANTA MARIA DE LORETO: IMAGINÁRIO JESUÍTICO-CHILOTA Profª Drª Graciela Ormezzano1 http://lattes.cnpq.br/3122681952332528 Lorilei Secco2 http://lattes.cnpq.br/4164964700164026 102 RESUMO – Este estudo, focado no caso de Achao, aborda as primeiras relações interculturais como base de entendimento no processo de instalação da missão circular e os povos originários de Chiloé. O objetivo é descrever e interpretar os objetos presentes em cinco imagens fotográficas da igreja de Santa Maria de Loreto, considerando símbolos, arquétipos e mitos que povoaram o imaginário missioneiro. Optou-se por realizar uma pesquisa bibliográfica, de cunho hermenêutico simbólico, embasada na documentação publicada e em dados visuais cuja leitura permitiu a emergência de arquétipos, símbolos e uma mistura de mitos cristãos e indígenas. PALAVRAS-CHAVE – Interculturalidade, imaginário, missão jesuítica circular, indígenas chilotes. ABSTRACT – This study focused on the case of Achao, it addresses the first intercultural relations as a basis for understanding the circular mission installation process and the native peoples of Chiloé. The aim is to describe and interpret the objects present in five photographic images of the church of Santa Maria de Loreto, considering symbols, archetypes and myths into the missionary imagination. It was decided to conduct a literature search of symbolic hermeneutic nature, based on the published documentation and visual data whose reading has allowed the emergence of archetypes, symbols and a mixture of Christian and indigenous myths. DEYWORDS – Intercultural, imaginary, circular Jesuit mission, chilotes natives. 1 Licenciada em Educação Artística pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestra e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Docente do curso de Artes Visuais e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo. Linha de Pesquisa: Leitura e formação do leitor. E-mail: [email protected] 2 Bacharela em Economia pela Universidade Luterana do Brasil. Acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade de Passo Fundo e bolsista de iniciação científica da Fapergs. Linha de Pesquisa: Leitura e formação do leitor. E-mail: [email protected] Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 À guisa de introdução Conta um antigo mito sobre a Criação que, quando existiam somente os Mapuche3, Ten-Tén Vilú e Cai-Cai Vilú se enfrentaram numa grande luta, e, na dinâmica da peleja, formou-se a geografia patagônica. Ten-Tén Vilú é um réptil primordial que representa o elemento Terra, as forças benéficas, os seres humanos e tudo que cresce nos seus domínios. Cai-Cai Vilú também é um réptil, mas simboliza o elemento Água, as forças maléficas e todo mal que pode existir nos rios e lagos ou no mar. Há milhares de anos, a luta personificada pelos répteis míticos provocou uma elevação das águas, ameaçando cobrir o território. Cai-Cai golpeava a água com o rabo, fazendo subir enormes ondas e provocando chuvas intermináveis, enquanto o Vilú protetor, que dormia numa caverna no alto da montanha, encurvava-se a cada golpe para proteger os Mapuche e os animais. A força da água enfurecida tentou matar todos os seres vivos, mas não conseguiu. O mito diz que alguns homens se transformaram em peixes e certos 103 animais em pedras. Nessa luta mortal, o Vilú da destruição ia inundando terras, criando canais e golfos, transformando a cordilheira andina em ilhas, entretanto, o Ten-Tén ia crescendo, elevando o nível da terra, outorgando a alguns seres humanos o poder de voar e de se transformar em pássaros. Assim, no fragor da guerra, surgiu um arquipélago de enorme beleza: Chiloé (MITOS..., [s.d.]). Chiloé está localizado na patagônia chilena, e a presença humana no arquipélago remonta a milhares de anos a.C. O mito do Ten-Tén integra uma cosmogonia originária que envolve a criação do mundo e do ser humano. Esse mito tem origem nos primeiros tempos, sendo uma crença sustentada com fé religiosa pelo grupo étnico que o considera antigo, sagrado e verdadeiro. 3 Neste artigo, não será encontrada a flexão para o plural, pois, mesmo no sentido coletivo, escreve-se os “Mapuche”, não os “Mapuches”, porque, na maioria dos casos, tendo em vista que os nomes dos povos indígenas se originam de suas próprias línguas, como no mapudungun (fala da terra), acrescentar um “s” resultaria em um hibridismo idiomático. O termo provém da fusão de duas palavras, mapu (terra) e che (gente), ou seja, gente da terra (informação verbal obtida de nativos da região). Encontra-se unificado sob o termo “Mapuche” o grupo indígena constituído de Araucano, Ranquel, Voroga, Picunche, Huilliche, Pehuenche, Pampa, Moluche e outros, que, em sua trajetória nômade, abarcou desde o extremo sul chileno até a pampa argentina. Termos que denominam outros povos nativos terão o mesmo tratamento. Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 Os Chono4 foram os primeiros habitantes conhecidos. Esses indígenas eram nômades, provavelmente originários de outras ilhas, mais ao sul, conjunto hoje denominado de “Arquipélago de Chonos”. Entretanto, Barcelos (2007) afirma que sua cultura pode ser da Terra do Fogo, ou, talvez, oriunda de Chiloé, de onde podem ter sido expulsos pelos Huilliche5. Pressupõe-se que estes últimos tenham migrado da região da Araucania para Chiloé em busca de novas terras, estabelecendo-se no norte da Ilha Grande. Estes eram sedentários, viviam em assentamentos formados por grupos familiares, compartilhando uma área comum e obedecendo a um lonko, termo Mapuche para designar o cacique, que era escolhido considerando a idade, a riqueza ou a nobreza de caráter (CÁRDENAS; VERA; HALL, 1991). Nem os Huilliche nem os Chono adoravam ídolos ou edificavam templos, mas entre as deidades mais importantes estavam: Nguenechén, o Pai, o Mestre, o Ancião, associado ao Sol; Nguenemapún, o criador e dono da Terra; e Pillán, o representante dos fenômenos naturais, como relâmpagos, tempestades, raios, inundações e, também, das 104 boas colheitas (Id.). Tanto uns quanto outros, pelo contato com o mundo não indígena, seja por meio dos conquistadores espanhóis ou dos jesuítas procedentes de diversos países da Europa Central, tiveram suas crenças e seus destinos paulatinamente alterados. As modalidades culturais foram misturadas aos interesses dos colonizadores, levando-os a uma grande mestiçagem e à sua extinção como etnias singulares, passando a ser generalizados pela denominação de “índios chilotes”6. Os espanhóis ocuparam, efetivamente, o território a partir de 1567, quando Martín Ruiz de Gamboa, acompanhado de cerca de cem homens, fundou a cidade de Santiago de Castro, situada na metade da Ilha Grande, de frente para o continente; foi levado em consideração, de modo superficial, que o lugar tinha boas defesas naturais e fácil acesso ao mar, bem como a garantia de recursos indispensáveis como água e pescado (VÁSQUEZ DE ACUÑA, 1956). 4 O vocábulo indica, em língua Mapuche: homens de canoa (informação verbal). O termo indica huilli (sul) e che (gente), significando, portanto, gente do sul. Esses indígenas são também chamados de Veliche ou Velinche (informação verbal). 6 A partir do século XVIII, a palavra “chilote”, com suas variações castelhanas de gênero e número, foi utilizada para denominar os ilhéus de Chiloé. 5 Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 Em 1593, chegaram ao Chile os padres da Companhia de Jesus, que, entendendo a ação evangelizadora como uma nova Cruzada, tiveram a incumbência de impulsionar o desenvolvimento moral, espiritual e material de indígenas e colonos. A Companhia instalou-se na Província Jesuítica do Paraguai em 1607 e manteve o território chileno como uma vice-província, que, depois de vários anos, passou a ser Vice-Província do Peru, até quando se criou a Província Jesuítica do Chile em 1693 (BARCELOS, 2007). Os atores da pesquisa, então, foram os indígenas pertencentes às etnias Chono e Huilliche, que, à chegada dos europeus, ocupavam o Arquipélago de Chiloé. Além deles, figuram os sacerdotes pertencentes à ordem jesuítica fundada por Inácio de Loyola [14911556], que, no final do século XVI, chegaram às ilhas meridionais chilenas. A missão circular foi ideada pelos jesuítas para evangelizar a população indígena dispersa nas ilhas, comunicando-se pelo mar e idealizando uma comunidade religiosa. Os padres seguiram o lema da Companhia de Jesus, que pretendia acabar com os infiéis para “a maior glória de Deus e o maior bem das almas”. Assim, navegando pelos canais, entre 105 as ilhas, iam visitando diversas aldeias indígenas ao longo do ano, ficando poucos dias em cada uma e deixando um fiscal nativo para levar adiante o processo evangelizador que se concretizou dada a idiossincrasia pacífica dos nativos. Dentre todas as ilhas, interessa particularmente uma delas, situada a 39 km de Castro, a Ilha de Quinchao, por abrigar a igreja de Achao, cuja padroeira é Santa Maria de Loreto. A escolha deve-se a dois motivos: por ser a igreja mais antiga da missão circular de Chiloé, apesar das discrepâncias a respeito da data de sua fundação c.1740 e, também, por ser, provavelmente, a única igreja totalmente construída pelos indígenas junto com os jesuítas, embora não haja documentos provando tal teoria. Segundo informação verbal de funcionários da Fundación de Amigos de las Iglesias de Chiloé, a igreja de Achao foi, provavelmente, a única concluída pelos jesuítas, embora conste no inventário de 1769 que apresentava três naves por concluir7. Esta investigação buscou descrever e interpretar os objetos presentes em imagens fotográficas de Santa Maria de Loreto, considerando símbolos, arquétipos e 7 No mesmo inventário, consta que o prédio já tinha o teto, o piso, o coro, o presbitério e dois confessionários. Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 mitos que povoaram o imaginário missioneiro, no período compreendido entre a instalação da Companhia de Jesus e sua expulsão. Entende-se que nesses anos houve um processo intercultural que amalgamou as diferentes culturas indígenas e as não indígenas. Segundo Beuchot (2006), as bases da interculturalidade estão na interpretação e na interpenetração das culturas, no diálogo, na compreensão, no convívio e nos benefícios mútuos provocados pelos intercâmbios. Aspectos teórico-metodológicos Na tentativa de atingir o objetivo do estudo, optou-se por realizar uma pesquisa bibliográfica embasada na documentação publicada e em fotografias clicadas pelas autoras. Apesar de se ter consciência de que a bagagem cultural, a sensibilidade e a criatividade do fotógrafo interferem no produto fotográfico, não houve intenção de realizar uma interpretação da fotografia como obra artística, tampouco como mera ilustração do texto escrito, uma vez que a imagem também é uma modalidade textual 106 que fala sobre o mundo com outro código linguístico diferente da palavra. Trata-se aqui da fotografia na condição de testemunho visual de um conteúdo que indica o estado de conservação de um objeto antigo na contemporaneidade, podendo classificar-se como fonte-objeto (KOSSOY, 2003). Nas últimas décadas, tem se utilizado, frequentemente, dados visuais para o estudo da arte, da literatura, das ciências humanas e sociais. Desse modo, a imagem parece ser essencial para compreender o imaginário jesuítico-chilota dos séculos XVII e XVIII. A abordagem escolhida para a investigação é de cunho hermenêutico simbólico, pautada pela transdisciplinaridade, incrementando aos estudos descritivos do método histórico-antropológico (GINZBURG, 2006) uma narrativa simbólica, na tentativa de articular o plano histórico com o não histórico, trazendo à escrita historiográfica uma amplitude epistemológica (SILVA; ARAÚJO, 2014) que discutiu os achados. A hermenêutica expressa a interface da filosofia com outras áreas do saber quando busca compreender o sentido da realidade. Assim, a transdisciplinaridade permite interpretar o ser e o mundo, no ponto de encontro expresso pela linguagem, de modo dialógico, intersubjetivo e antidogmático. Entende-se que hermenêutica implica Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 interpretar. Interpretar significa definir a tarefa de mediar entre os diferentes e as suas diferenças, quer se trate de objetos ou de sujeitos diferenciados. Portanto, a interpretação é a compreensão do diferente; não se trata aqui de realizar tão só uma mediação entre contrários, mas de apontar uma abertura original considerando os diversos significados (ORTIZ-OSÉS, 2003). À hermenêutica é preciso somar o sentido simbólico. O sentido não é apenas algo que se diz, algo que se quer dizer, ou o que algo quer dizer para os humanos. Portanto, ao considerar que o ser humano é um animal simbólico, a linguagem hermenêutica é uma linguagem simbólica, e a interpretação da realidade implica na compreensão das coisas por parte do humano. Por isso, com base na teoria junguiana, é possível afirmar que o simbolismo é universal. Trata-se da “[...] sutura hermenêutica entre o dado e o posto, a natureza e a cultura, a realidade e a surrealidade, o empírico ou material e o formal ou espiritual.” (ORTIZ-OSÉS, 2003, p. 102). Ao inserir uma narrativa simbólica no âmbito da história, ganha proeminência a 107 inclusão dos aspectos culturais, psicossociais e espirituais. Então, se está no campo do transdisciplinar que envolve questões referentes à Tradição ou aos diferentes sistemas de crenças junto da filosofia, das ciências e das artes. O alargamento da busca compreensiva do imaginário histórico-social apresenta implicações metodológicas, e, para alcançá-lo, optou-se pelo embasamento na obra de Gilbert Durand. De acordo com esse autor, o mito se constitui na dinâmica e na soberania dos símbolos que se organizam em relatos ou dramas discursivos. Não há drama sem a existência de um conflito, então, o método durandiano assume a luta e, por meio dela, estabelece uma vinculação entre o texto e o contexto. Mitos, arquétipos e símbolos formam parte de um conjunto de regimes estruturais que produzem uma lógica do antagonismo e do conflito (DURAND, 2001). O antropólogo do imaginário afirma que os acontecimentos históricos e os comportamentos humanos repetem situações dramáticas dos grandes mitos. Os personagens mitológicos e as configurações simbólicas são imagens arquetípicas capazes de dar conta da universalidade dos comportamentos humanos. No livro Estruturas antropológicas do imaginário, Durand fala da existência de dois regimes: o diurno Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 (imagens da ascensão, da iluminação e da purificação) e o noturno (imagens da inversão, da intimidade, do misticismo). Posteriormente, refere que, no momento, chamará de “modalidades” o que antes chamara de “estruturas” e que não incluirá a modalidade sintética no regime noturno, pois ela participa, também, do diurno. Uma vez que os mitos, os arquétipos e os símbolos são atemporais, considerouse pertinente a escolha epistemológica e metodológica que permitiu olhar o passado sob uma perspectiva contemporânea. Nesse sentido, a narrativa simbólica articula passado e presente na materialidade dos objetos fotografados com a expressão de um sentido que emerge por meio deles e neles se esgota, trazendo à escrita da história uma amplitude que envolve o conhecimento metafórico. Para divulgar os achados, foi necessário utilizar um discurso cujo fio condutor vai do esquema psicológico ao sociocultural. O imaginário implica um processo ativo por meio do qual a imaginação cria imagens apreendidas anteriormente pela percepção, atualizando suas modalidades e articulando-as entre si. As construções imaginárias são o 108 resultado de uma dinâmica organizada que exige uma compreensão simbólica. Das fotografias utilizadas como dados visuais, emergiram vários arquétipos e símbolos, mas, dada a exiguidade que permite a redação de um artigo científico, foram escolhidos somente os que mostram as cinco imagens selecionadas. Santa Maria de Loreto: mitos, arquétipos e símbolos Talvez não tenha chegado a ser completamente um processo intercultural o que aconteceu nas missões circulares, mas uma associação arquetipal e simbólica, com o empréstimo de rituais católicos e chilotes, ou, quiçá, até, uma reinterpretação da mensagem bíblica comunicada pelos padres e da literatura oral dos Chono e dos Huilliche, porque, nas comunidades indígenas, o narrador transmitia o saber da comunidade. O convívio entre nativos e europeus não foi muito fácil nos alvores da época colonial, porém, a lenda sobre a Cidade dos Césares atraía em alto grau a cobiça dos invasores, deixando em segundo plano as dificuldades de coexistência. Da mixagem entre a mitologia indígena e a tradição cristã, surgiu a história de uma cidade perdida, situada à Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 beira de um rio cujas pedras eram diamantes e pérolas, escondida na alta cordilheira para ocultar suas ruas pavimentadas de prata e ouro e suas árvores pródigas em frutos de juventude eterna. Comentam que, a cada ano, na Sexta-Feira Santa, desde as montanhas mais altas da Ilha Grande, é possível ver o brilho das cúpulas da igreja e sua enorme cruz de ouro. Dizem, também, que, quando alguém entra na cidade, pode perder o caminho de retorno e, se por acaso a deixar, esquecerá nesse mesmo instante tudo o que viu, se converterá em pó, por causa dos centos de anos sem envelhecer que viveu na Cidade dos Césares, e escutará o sino gigante a anunciar a chegada do Juízo Final. Então, a cidade perdida aparecerá em meio à Cordilheira dos Andes e se tornará visível para convencer aqueles que duvidaram de sua existência (MITOS..., [s.d.]). Não foram cidades, mas pequenos povoados que se formaram durante a missão circular. Neles, desenvolveu-se, inicialmente, uma arquitetura com forte influência europeia, pois, ao mesmo tempo em que os espanhóis e os jesuítas tiraram proveito das técnicas construtivas nativas, afetaram a maneira indígena de habitar seus espaços. A 109 interculturalidade favoreceu a aprendizagem mútua de um sistema construtivo que envolveu a soma das diferentes tecnologias. As relações interculturais implicam o respeito pela diversidade, embora seja inevitável e imprevisível o aparecimento de conflitos, os quais, porém, podem ser resolvidos por meio do respeito e do diálogo. Nesse caso, uma das culturas perdeu mais do que a outra na criação da nova urbanidade. Beuchot assim comenta sobre isso: “El hecho de que hay diferencias es innegable; pero el hecho de que hay elementos idénticos o por lo menos semejantes también es innegable, so pena de no poder explicar la comunicación (por poca que se quiera), y de quedar todos aislados, y que entonces no tenga caso ni siquiera iniciar el diálogo”8 (2006, p. 267). O marco intercultural permitiu que os espanhóis estabelecessem seus casarios seguindo o padrão da orientação indígena leste-oeste, buscando manter a relação das casas com o meio marítimo, tanto visual, pela utilização de varandas e mirantes, quanto funcional, com acesso a plataformas e ancoradouros. A maioria dos assentamentos 8 Não é possível negar as diferenças, tampouco os elementos idênticos ou semelhantes, porque desse modo não se poderia explicar a comunicação, ficando todos isolados e, então, não teria sentido iniciar o diálogo. Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 formou-se de maneira espontânea, não obedecendo a um modelo urbano predeterminado. Achao não se diferenciou do restante dos povoados chilotes, recorrendo à proteção das montanhas contra os ventos vindos do Pacífico, tendo na igreja seu centro dominante e marco visual em destaque. O arquiteto Roberto Montandón afirma que a fundação deu-se em 1730, embora não haja um consenso entre os pesquisadores do tema, pois outros autores consideram que pode ter ocorrido em 1750 (ANSELMO GARCIA, 1998; GUTIÉRREZ et al., [s.d.]). Já em fontes referidas pela Fundación de Amigos de las Iglesias de Chiloé e pelo Obispado de Ancud, em fôlder informativo sobre as igrejas, a data da fundação é 1740 (CHILE, [s.d.]). No arquipélago, não existiu povoado sem igreja, a qual se constituiu no elemento essencial de congregação populacional e no centro ordenador do espaço vital, partindo dela outros elementos arquitetônico-urbanísticos, como a praça, o cemitério, as edificações comunitárias e as casas. O centro e as casas são arquétipos místicos do regime 110 noturno. Os arquétipos da intimidade dominam as casas dos mortais, e o templo é a casa de Deus. A relevância concedida à casa indica a primazia dada às imagens do centro paradisíaco e feliz. A igreja cristã soube assimilar para os recintos fechados habitáveis a potência simbólica da caverna e da gruta como matriz universal. A casa constitui um lugar para se viver, um microcosmo íntimo, repousante e acolhedor (DURAND, 2001). Ao lado da igreja, foi construída uma casa menor ou casemita, onde ficavam os sacerdotes durante o tempo destinado à sua permanência em Achao. Dadas as particularidades da missão circular, não se conhece espaço determinado especificamente para estudos do catecismo, sendo provável que ocorressem dentro da igreja ou na casemita, por se tratar de uma casa de exercícios espirituais. Tampouco há indicação de local para o ensino das primeiras letras às crianças de Achao até o século XVIII, ao contrário do que aconteceu em outras missões da Província Jesuítica do Paraguai, em que havia escola ou sala de estudos e, em alguns casos, biblioteca. O templo encontra-se numa das laterais da praça de Achao, definida originariamente pelos desníveis do terreno. Orienta-se de frente para o mar, distante aproximadamente 300 metros da praia. Está localizada seguindo orientação geográfica Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 solar, voltada para o leste, considerada sagrada pelos indígenas, o que facilitou a sua conversão à nova religião. Essa tradição arquitetônica foi mantida ao longo do tempo e deu origem à Escola Chilota de Arquitetura Religiosa em Madeira, a que pertencem sessenta igrejas espalhadas por Chiloé, das quais, a partir do ano 2000, dezesseis foram declaradas Monumento Nacional de Chile e Patrimônio da Humanidade pela Unesco: Achao, Quinchao, Castro, Rilán, Nercón, Aldachildo, Ichuac, Detif, Vilupulli, Chonchi, Tenaún, Colo, San Juan, Dalcahue, Caguach e Chelín (CHILE, [s.d.]). As igrejas do arquipélago apresentam características bastante idênticas, inspiradas em Santa Maria de Loreto. O modelo básico serviu não apenas aos construtores dessa igreja, como também aos dos demais templos chilotes, mesclando soluções arquitetônicas que os jesuítas conheceram em seus países de origem, onde as igrejas seguiam o estilo barroco bávaro, à experiência de outras missões jesuíticas espalhadas pela América, onde era realizado o máximo de aproveitamento dos recursos do meio natural. Os carpinteiros chilotes, por sua vez, além de doarem a mão de obra e 111 os materiais, acrescentaram técnicas próprias inspiradas na construção das dalca9 e das habitações nativas. Além disso, elas foram adaptadas para um local marítimo insular, tendo como elemento de identificação dos povoados as torres-farol, que serviam de guia para os navegantes que percorriam as ilhas. A torre da fachada da igreja de Achao não é original, tendo sido remodelada na segunda metade do século XIX (CHILE, [s.d.]). O prédio foi construído com madeiras duras e resistentes à umidade – cipreste, alerce, tepa e mañio10 –, utilizando, inclusive, tarugos em substituição aos pregos. Apresenta uma planta retangular, medindo 46 metros de comprimento por 14,2 metros de largura. A fachada compreende um pórtico com átrio de cinco arcos arredondados, assim como as aberturas que se encontram no primeiro andar e na base da torre. A torre, com 21 metros de altura, tem forma octogonal apoiada sobre uma base quadrangular. O telhado é de duas águas, e as paredes são revestidas com telhas de madeira, seguindo a tradição alemã, como se observa na fotografia abaixo. 9 Embarcação de madeira criada pelos Chono. Quatro tipos de árvores nativas da região chilota. 10 Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 Figura 1 Igreja de Achao, vista frontal, foto de Graciela Ormezzano (2011) A igreja é composta de três naves separadas por pilares apoiados em uma grande pedra bruta e, posteriormente, revestidos em madeira. As naves laterais são forradas com teto plano, e a central, com abóbada de casquetes, lembrando o fundo de uma dalca, e com uma grande rosácea ao centro, como ilustra a Figura 2. A barca e a rosa são 112 símbolos noturnos femininos e místicos da tradição cristã. A esse respeito, Durand (2001) lembra de Heinrich Von Ofterdingen, de Novalis, quando o poeta nada entre as paredes de uma caverna, onde as ondas parecem ser corpos femininos dissolvidos nas águas, e, embriagado nessa beatitude, sonha que uma rara flor azul se metamorfoseia em mulher-mãe azul. Desse modo, essas imagens novalisianas gravitam numa dinâmica do arquétipo maternal que envolve água, barca, mar, flor, mulher, mãe, noite, azul. Nessa parte do teto, observa-se a representação da Igreja expressa pela barca, na qual os fiéis ocupam seus lugares para vencer as tempestades das paixões. A barca no mar é um elemento que abriga, protege e embala, mas, como todo símbolo, guarda muitas significações e pode estar indicando o temor dos nativos ante o “Caleuche”. Trata-se de um mito que fala de um barco batizado com esse nome que navega por cima e por baixo d’água; a música dos bruxos tripulantes atrai os navegantes para serem capturados e trabalharem durante cem anos, tempo em que permanecem com a mesma idade que tinham quando raptados. Algumas pessoas do lugar contam que conseguiram escapar do rapto à noite, rezando sem parar até o amanhecer (MITOS..., [s.d.]). Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 Figura 2 Nave central da igreja, foto de Graciela Ormezzano (2011) A rosácea é uma mandala, circular, e simboliza o trajeto percorrido entre o 113 interior e o exterior. A figuração floral reforça o simbolismo do centro e a procura da intimidade. Na rosa, está expresso o sangue de Cristo, o amor, e, mais especificamente, essa rosa azul pode simbolizar o impossível (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002). Figura 3 Rosácea, Graciela Ormezzano (2011) A cor natural da madeira mostra o que foi restaurado no prédio, e a predominância do azul em diversos tons, talvez inspirados pela cor do céu e do mar, indica o que ainda há da construção original. De acordo com Portal (1996), na língua Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 divina, o azul celeste é símbolo do Espírito Santo, da verdade que ilumina os seres humanos, de Deus, do Redentor da humanidade. Já na língua sagrada, essa cor, quando emana do branco, indica a verdade da fé e o batismo natural; e, quando emana do preto, indica o mundo que nasce das águas originárias e o primeiro grau da iniciação – é a regeneração que abre os pórticos celestiais. Assim, a utilização da cor azul pode ter simbolizado as forças naturais correspondentes à água e ao ar que os indígenas tanto valorizavam, pois, para os nativos chilotes, na natureza tudo possui vida e é manifestação do transcendente. O interior foi decorado a partir de influências barrocas, porém mais lúdicas e com rasgos autóctones. O estilo missioneiro chilote está caracterizado por detalhes com motivos indígenas na representação de frutas, flores e guardas estilizadas. Nos detalhes da guarda que separa o altar dos bancos, repetem-se motivos vegetais, em que a madeira foi trabalhada de tal forma que lembra uma delicada renda (ver Figura 4). Também, há formas talhadas em longas guardas ornamentadas que se repetem na sacristia e no 114 púlpito. Em algumas partes da decoração, são utilizadas as vieiras, conchas em forma de semicírculo, as quais eram, e ainda são, carregadas pelos peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela. Figura 4 Ornamento em madeira, foto de Graciela Ormezzano (2011) Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 O retábulo mostra uma rica ornamentação, com aplicações que lembram a ondulação marítima, tanto nas cores quanto no movimento. O altar central retoma a tradição dos retábulos medievais e cria uma hierarquia religiosa pela disposição das imagens, uma escultura do Cristo na cruz no centro, a Virgem do Carmo em madeira policromada à direita, o livro com as regras da Companhia de Jesus e São Francisco Xavier com a cruz de missionário à esquerda. Não há informações a respeito da origem e da data de produção das imagens. O franciscano Alonso Reyna, do Colégio de Ocopa, construiu o retábulo maior e quatro laterais depois da expulsão dos jesuítas. Dessa data em diante, Achao foi objeto de múltiplas interferências nas reconstruções que foram realizadas por causa de vendavais, incêndios e terremotos, mas, em 1937, o Monsenhor Munita Eyzaguirre recomendou que, para fazer qualquer reparo, fosse necessário obedecer ao estilo dessa relíquia colonial (informação verbal). No centro do teto, acima do altar-mor, sobre o Cristo crucificado, observa-se uma forma semelhante à de um grande cocar indígena, um cocar flamígero, talhado em 115 madeira, pintado nas cores branca, amarela e vermelha, hoje com uma luz interior que ilumina os símbolos diurnos esquizomórficos ou heroicos: a cruz no topo de uma esfera, dentro de um oito, com os raios solares envolvendo esse número (ver Figura 5). No cristianismo, o número oito marca a salvação dos justos e a condenação dos ímpios. A cruz cravada na esfera, dentro do oito, pode expressar a relação entre a Terra e o Céu; quando a cruz está enterrada, indica a fé em bases profundas, que se ergue com esperança em direção ao alto. Ao apresentar somente um braço transversal, indica que se trata da cruz do Evangelho, cujos quatro braços abarcam o conjunto de todos os seres espalhados pelos quatro cantos do mundo (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002). Infere-se que houve, nessa expressão de poder real simbolizada no cocar, uma tentativa de expressar a identidade de Jesus como Rei dos judeus, Senhor da Luz que, de acordo com a mitologia cristã, purifica e ilumina as almas de todos os seres indiferenciadamente. Lembra-se que, desde o período gótico, a luz foi utilizada para simbolizar a presença divina e sacralizar o espaço dos templos cristãos. Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 Figura 5 Detalhe do retábulo, foto de Graciela Ormezzano (2011) A espacialidade religiosa, para além do templo, que se constituiu no modelo do ideal barroco em busca do divino, da verdade cristã e da fé, representou a expressão artística e arquitetônica do encontro das culturas indígenas chilotas com a jesuítica 116 europeia, simbolizando o processo intercultural ocorrido em Chiloé desde a implantação da missão circular. Tal espaço, também, tinha em comum a praça, a princípio destinada às procissões e a outras diversas cerimônias ligadas ao processo evangelizador. No entanto, esse local, com a formação do povoado, tornou-se a condensação de todas as funções de uma comunidade: religiosas, civis, lúdicas e comerciais. Considerações finais A diversidade, no contexto geográfico, cultural e econômico apresentado no Arquipélago de Chiloé, impediu que o projeto missioneiro seguisse o modelo de grande parte das reduções implantadas na América Latina. Criou-se, por meio da missão circular, uma peculiar estratégia de conversão para um amplo conjunto de ilhas dispersas, desvinculadas do continente e com uma baixíssima densidade populacional. Ao tentar descrever e interpretar a produção artístico-arquitetônica presente nas fotografias, para entender a influência europeia na população indígena, observou-se que houve uma integração dos saberes de ambas as culturas. Testemunhas da atuação jesuítica no fortalecimento desse sistema colonial, as igrejas em madeira de Chiloé foram origem Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 de toda uma rede de povoados que cresceram informalmente. A arte manifesta na arquitetura dessas igrejas que compõem a Escola Chilota de Arquitetura em Madeira significa o emblema central, material e simbólico da transformação ocorrida no arquipélago após a entrada dos jesuítas. Destaca-se, em Santa Maria de Loreto, sua arquitetura. Apesar da existência de imagens correspondentes à Sagrada Família (Jesus, Maria e José) e a alguns santos no retábulo e nos nichos laterais, não foi possível identificar sua data ou procedência. As fontes consultadas, verbais e publicadas, sugerem que não havia produção escultórica local e que as imagens foram importadas pelos religiosos. Entretanto, a arte trazida da Europa, mesmo seguindo padrões estéticos barrocos, não objetivava somente o ornamento da casa de Deus; visava ser instrumento de evangelização, o que favoreceu a incorporação dos elementos locais nas técnicas, nos materiais e nos aspectos decorativos, criando um estilo original e mestiço que mostra, visualmente, um processo intercultural. Esse intercâmbio não se manifestou apenas no campo material, tendo se 117 conjugado, também, com outros elementos culturais, como as festas patronais de Chiloé, que substituíram, parcialmente, a religiosidade indígena. A organização jesuítica das festas religiosas chilotas fortaleceu uma crença popular sincrética apoiada no culto às imagens, com certa diversidade literária, ao considerar orações, cantos poéticos, cantos litúrgicos e rezas, forjada conjuntamente com as antigas formas rituais dos nativos. O conteúdo da celebração do nguillatún, a mais importante cerimônia Huilliche, foi assimilado nessas festividades. Salienta-se com isso que, embora tenham se tornado um povo católico, os nativos chilotes mantêm até hoje um complexo sistema de crenças sobre um mundo mítico onde a bruxaria é um tema popular bastante presente, como em “A Loba”11, “Mulher enferma”12, “Dois amigos”13 e outros (MITOS..., [s.d.]). 11 A lenda trata de um caçador que matou uma loba do mar, esposa do capitão do “Caleuche”, e do castigo que ele teria, porque a cada novo ano seria raptado um membro de sua família. 12 Esse mito aborda o poder dos bruxos sobre a saúde e a doença das pessoas e os pagamentos que são aceitos para realizar todo tipo de maldade. 13 Essa lenda conta o que aconteceu ao sair de uma festa com muita chicha de maçã e vinho quente; um amigo levou o outro nas costas voando por cima dos bosques, mas, ao pronunciar o nome de Deus, ambos caíram no vazio. Graciela Ormezzano & Lorilei Secco REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 Arte e arquitetura apresentavam como objetivo primordial cristianizar os infiéis para “a maior Glória de Deus”. Missionários, patronos e fiscais mancomunaram-se na utilização de todo tipo de recurso que inebriasse os sentidos e as almas dos Chono e dos Huilliche para atingir as metas estipuladas pela Companhia. Então, procurou-se evidenciar que, nesses anos, houve um processo intercultural que amalgamou as diferentes culturas indígenas e não indígenas e que se concretizou num amplo leque de intercâmbios culturais. Houve muitas perdas, mas não uma destruição total, ainda que a cultura indígena se visse prejudicada ao criar uma terceira, produzida pela mestiçagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANSELMO GARCIA, Ana Elisa. Restauración de imaginería policromada en Chiloé. Conserva, [s.l.], n. 2, p. 47-56, 1998. Disponível em: < http://www.dibam.cl/dinamicas/DocAdjunto_1177.pdf > Acesso em: 13 ago. 2015. 118 BARCELOS, Artur. 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