Revista HUGV 2012 n.1 - Hospital Universitário Getúlio Vargas

Transcrição

Revista HUGV 2012 n.1 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
ISSN 1677-9169
Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
V.11. N. 1 JAN./JUN. - 2012
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
1
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
revistahugv
Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
V.11. N. 1 JAN./JUN. – 2012
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revistahugv
Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
The Journal of Getulio Vargas University Hospital
v.11. n. 1. jan./jun. – 2012
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CDU 61(051)
R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas.
Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 11, n. 1 (2012) / Manaus: Editora da Universidade
Federal do Amazonas, 2012
91 p.
Semestral
Título da revista em português inglês
ISSN – 1677-9169
1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas.
CDU 61(051)
Sumário
Editorial
11
Fernando Luiz Westphal
Artigos Originais
Resistência do Staphilococcus Aureus aos Antibióticos Empregados em Hospitais da Rede
Pública de Manaus (Am)
13
Maria Auxiliadora N. Carvalho, Maria Cristina B. Santos, Spartaco Astolfi Filho, Rose Mary Corrêa Santos, Bruna
Cecília Neves de Carvalho, Silvya Cristina Silva Barreto
Análise dos Motivos Suspensivos de Cirurgias no Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestório
do Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas
20
Joan Faber, Rubem Alves da Silva Júnior, Amanda Alcântara
História da Neurocirurgia: das Trepanações Pré-Históricas à Neurocirurgia Minimamente
Invasiva
25
Rodolfo Fagionato de Freitas, Bárbara Iasmine Gomes Abreu Christo, Breno Gonçalves Medeiros
Avaliação do Pós-Operatório de Pacientes com Miastenia Gravis Submetidos à Timectomia
32
Rebecca Souza Mubarac, Ingrid Loureiro de Queiroz Lima, Luiz Carlos de Lima, Fernando Luiz Westphal, José Correa
Neto
Relato de Caso
Carcinoma Verrucoso de Laringe: Variante Incomum de Carcinoma Epidermoide
38
Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho,
Marcos Antônio Fernandes, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca
Lipoma de Palato Mole – Relato de Caso
41
Marcos Antônio Fernandes, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho,
Renata Farias de Santana, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca
Morte Súbita Abortada em Paciente Chagásico Crônico da Amazônia Brasileira: Relato de
Caso
Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques, João Marcos Barbosa Ferreira, Jaime Arnez Maldonado, Frederico
Gustavo Cordeiro Santos, Danielle Abreu da Costa, Gilmara Anne da Silva Resende, Jorge Augusto de Oliveira
Guerra, Maria das Graças Vale Barbosa
44
Miocardiopatia Periparto: Relato de Caso
49
Ana Márcia Freitas Carlos, Michelle Masuyo Minami Sato, Carla Daniela Fank, Marlúcia do Nascimento Nobre
Evolução de um Ano de uso de Galsulfase em um Caso de Mucopolissacaridose Tipo VI
54
Renata de Almeida Lemos,Vânia Mesquita Gadelha Prazeres
Diagnóstico de Pericardite Tuberculosa por PCR: Relato de Caso
60
Alice Carvalho do Nascimento, Gilmara Anne da Silva Resende, Michelle Masuyo Minami Sato, Ana Márcia Freitas
Carlos, Gleide Elane Braga Ferreira, Marlúcia do Nascimento Nobre
Tumor Desmoide em Parede Abdominal:um Relato de Caso
Rubem Alves da Silva Júnior, Carlos Eduardo Alves da Costa, Márcio Neves Stefani, Raimundo Monteiro Maia Filho,
Carmen Oliveira de Carvalho
65
Contents
Editorial
11
Fernando Luiz Westphal
Original Articles
Staphylococcus Aureus Resistance to Antibiotics Used In Public Hospitals Of Manaus (Am)
13
Maria Auxiliadora N. Carvalho, Maria Cristina B. Santos, Spartaco Astolfi Filho, Rose Mary Corrêa Santos, Bruna
Cecília Neves de Carvalho, Silvya Cristina Silva Barreto
Analysis Memorandum of Surgeries in Suspensive Service Digestive Surgery Instrument of
University Hospital Getúlio Vargas the Federal University of Amazon
20
Joan Faber, Rubem Alves da Silva Júnior, Amanda Alcântaraz
History Of Neurosurgery: From The Pre-Historical Trepanations To Minimally Invasive
Neurosurgery
25
Rodolfo Fagionato de Freitas, Bárbara Iasmine Gomes Abreu Christo, Breno Gonçalves Medeiros
Postoperative evaluation of patients undergoing with Myasthenia gravis to thimectomy
32
Rebecca Souza Mubarac, Ingrid Loureiro de Queiroz Lima, Luiz Carlos de Lima, Fernando Luiz Westphal, José Correa
Neto
Case report
Verrucous Carcinoma of The Larynx: An Uncommon Variant Squamous Cell Carcinoma
38
Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho,
Marcos Antônio Fernandes, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca
Lipoma Soft Palate - Case Report
41
Marcos Antônio Fernandes, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho,
Renata Farias de Santana, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca
Aborted Sudden Death in a Chronic Chagas Disease Patient From the Brazilian Amazon
Region: a Case Report
Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques, João Marcos Barbosa Ferreira, Jaime Arnez Maldonado, Frederico
Gustavo Cordeiro Santos, Danielle Abreu da Costa, Gilmara Anne da Silva Resende, Jorge Augusto de Oliveira
Guerra, Maria das Graças Vale Barbosa
44
Peripartum Myocardiopathy: Case Report
49
Ana Márcia Freitas Carlos, Michelle Masuyo Minami Sato, Carla Daniela Fank, Marlúcia do Nascimento Nobre
Evolution Of One Year Of Use Galsulfase In A Case Of Mucopolysaccharidosis Type VI
54
Renata de Almeida Lemos,Vânia Mesquita Gadelha Prazeres
DIAGNOSIS OF Tuberculous Pericarditis PCR: A CASE REPORT
60
Alice Carvalho do Nascimento, Gilmara Anne da Silva Resende, Michelle Masuyo Minami Sato, Ana Márcia Freitas
Carlos, Gleide Elane Braga Ferreira, Marlúcia do Nascimento Nobre
Desmoid tumor ABDOMINAL WALL: A CASE REPORT
Rubem Alves da Silva Júnior, Carlos Eduardo Alves da Costa, Márcio Neves Stefani, Raimundo Monteiro Maia Filho,
Carmen Oliveira de Carvalho
65
Editorial
A RHUGV e a Residência Médica
Estamos alcançando neste ano mais um marco para a RHUGV, que é o aniversário de dez anos deste
periódico. Tudo iniciou em 2002 quando foi lançado o primeiro número sob a responsabilidade do Prof.
Dr. Gerson Nakajima, que sempre foi identificado pelos colegas como importante aliado da Academia da
Universidade Federal do Amazonas.
Concebida como um dos pontos importantes do Hospital Universitário Getúlio Vargas, faz parte do
dia a dia da comunidade hospitalar, com todos os membros preocupados com a continuidade do periódico
RHUGV.
Quando assumimos o Conselho Editorial em 2005, tínhamos um forte compromisso que era manter
ativo o cultivo das publicações e ampliar o número de Revistas anualmente. Nos quatro primeiros anos
só tínhamos um número por ano e, a partir de 2010, conseguimos reduzir a publicação para o período
semestral.
É claro que contamos com uma equipe de primeira linha para a revisão dos artigos que são
submetidos ao Conselho Editorial, que são nossos revisores, pessoas extremamente conectadas ao ideal
da Academia e, desse modo, engrandecem o nosso periódico, com revisões sérias e apropriadas, o que
torna o conteúdo de tão grande qualidade.
Há de se lembrar que, na atual situação de registro dos prontuários médicos no Hospital
Universitário, é muito difícil realizar-se levantamento de dados e produção de artigos baseados nos
prontuários médicos. Talvez a manutenção deste periódico e sua ampliação sejam a única forma de
registro do trabalho realizado neste Hospital. A contextualização dos casos clínicos e da série de casos
é uma das formas de demonstrar a labuta do profissional de saúde oferecer saúde, entretanto sem isso
passamos a nossa história dentro da Instituição como fantasmas.
A pós-graduação, dentro das Instituições de Ensino Superior, naturalmente eleva o nível de produção
científica, visto que a reprodução do saber tem como princípio básico a pesquisa diária nas plataformas
de dados existentes na internet. Isso estimula o jovem que realiza pós-graduação a investir na produção
científica, umas das maneiras mais rápidas de sair do ostracismo e ser reconhecido perante os seus
pares e superiores. A RHUGV é um instrumento que incentiva essa diferenciação entre os residentes que
publicam, notoriamente com mais perspectivas na profissão, diferentemente daqueles que não o fazem.
Dessa maneira, a comunidade de funcionários, a Faculdade de Medicina, a Direção do Hospital,
os funcionários da Diretoria de Ensino e Pesquisa estão de parabéns por mais essa conquista e que o
reconhecimento disso será demonstrar para as futuras gerações que saberão que, além da assistência, o
HUGV priorizava a produção científica.
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Carvalho et al
RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS
ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS DA REDE
PÚBLICA DE MANAUS (AM)
Staphylococcus aureus Resistance To Antibiotics Used In Public Hospitals Of Manaus
(AM)
Maria Auxiliadora N. Carvalho,* Maria Cristina B. Santos,** Spartaco Astolfi Filho,*** Rose Mary Corrêa Santos,
**** Bruna Cecília Neves de Carvalho,***** Silvya Cristina Silva Barreto******
RESUMO
O S. aureus, por conta de seu crescente poder de desenvolver resistência aos diversos antibióticos
existentes na prática médica, tem se colocado como um desafio para a área terapêutica. Descrever o seu
comportamento na Amazônia se fez necessário pela gravidade das formas clínicas e o nível de resistência
encontrado entre as cepas circulantes. Esta pesquisa identificou 55 pacientes com cultura positiva para
S. aureus no laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), em um
período de seis meses, num universo de 847 culturas. Por meio de estudo prospectivo observacional
descreveu-se as características clínicas, epidemiológicas e laboratoriais desses pacientes, fazendo uma
análise comparativa entre os pacientes com S. aureus de origem comunitária e S. aureus hospitalar.
Resultados observados: maior incidência em homens (60%), a maioria das infecções ocorreu em área
hospitalar (70%), e apenas 16 pacientes contraíram a infecção fora da área hospitalar (comunidade). A
infecção mais frequente pelo S. aureus hospitalar foi a de pele (30,8%) e pelo S. aureus comunitário foi
a respiratória (50,0%). O antibiograma mostrou alta resistência aos antibióticos beta-lactâmicos nos dois
grupos: comunitário e hospitalar (94,5%), e um maior índice de S. aureus meticilina-resistentes (MRSA)
entre os pacientes com S. aureus hospitalar (61,5%), principalmente entre os pacientes internados nas
Unidades de Tratamento Intensivo (70,5%). Do total de 55 pacientes acompanhados, nove (16,4%) foram a
óbito, todos por infecção hospitalar (p-valor- 0,05). Nenhum isolado mostrou-se resistente à vancomicina.
Palavras-chave: Epidemiologia do hospital, MRSA, Staphylococcus aureus, Resistência à Oxacilina.
Endereço para correspondência:
Universidade Federal do Amazonas, Campus Universitário – Coroado; Ala Sul – Bloco G. Avenida General Rodrigo Otávio Jordão
Ramos, 3.000 – Fone/Fax: (092) 3305-4018 e (092) 3305-4230
* Médica pediatra/mestre em Medicina
** Bioquímica/Ph.D
*** Biólogo/Ph.D
**** Bioquímico/mestre
***** Médica
****** Acadêmica de Medicina da Universidade Nilton Lins
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RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS
DA REDE PÚBLICA DE MANAUS (AM)
ABSTRACT
Given the growing power of S. aureus for developing resistance to many existing antibiotics in medical
practice, it is now considered as a challenge to the therapeutic area. Describing its behavior in the
Amazon Region was necessary due to the severity of clinical forms and the level of resistance found
among the circulating strains. This study identified 55 patients with positive culture for S. aureus in
the Clinical Analysis Laboratory of the Getúlio Vargas University Hospital (HUGV) during a period of six
months, in a universe of 847 cultures. Through a prospective observational study the clinical, laboratory,
and epidemiological characteristics of these patients was described, conducting a comparative analysis
among patients with S. aureus from the community and S. aureus from the hospital. Results observed:
higher incidence in men (60%), with most infections occurring in the hospital (70%), and only 16 patients
contracting the infection outside the hospital (community). The most frequent infection by S. aureus
from the hospital was the skin (30.8%) while S. aureus from the Community was respiratory (50.0%). The
antibiogram showed high resistance to beta-lactam antibiotics in both groups: community and hospital
(94.5%), and a higher rate of Staphylococcus aureus methicillin-resistant (MRSA) among hospital patients
with S. aureus (61.5%), mainly among patients hospitalized in intensive care units (70.5%). Of the 55
patients followed, 9 (16.4%) died, all through nosocomial infection (p-value 0.05). None of the isolates
showed resistance to vancomycin.
Keywords: Hospital epidemiology, MRSA, Staphylococcus aureus, Oxacilin resistance.
às penicilinas semissintéticas ou meticilinas,
mais especificamente a oxacilina, e em 2002
com o aparecimento do S. aureus resistente à
vancomicina [1-3-4].
INTRODUÇÃO
O aumento da incidência de infecções
pelo Staphylococcus aureus tem sido destaque
em diferentes publicações nos últimos anos,
principalmente pela diminuição progressiva
do perfil de sensibilidade aos diferentes
antimicrobianos, o que tem levado a verdadeiros
dilemas terapêuticos na prática clínica. O
Staphylococcus aureus resistente à meticilina
(MRSA) é responsável por mais de 50% das infecções
hospitalares estafilocócicas na atualidade.
Enquanto o número de antibióticos em pesquisa
diminuiu nos últimos anos a resistência às drogas
antimicrobianas cresceu de forma assustadora [12].
Hoje, o S. aureus resistente à meticilina
(MRSA) é considerado um dos mais importantes e
perigosos patógenos responsáveis pelas infecções
hospitalares em todo o mundo [3-5].
Nos hospitais brasileiros o S. aureus é um
dos principais germes responsáveis pelas infecções
nosocomiais, a prevalências de cepas resistentes à
penicilina é de perto de 95% e de cepas resistentes
à meticilina (MRSA) varia de 40 a 80% [6-8].
O S. aureus (MRSA) tem se tornado ao longo
dos anos um grande problema epidemiológico e
clínico, haja vista ter saído do ambiente hospitalar
para o comunitário, levando a infecções na
comunidade [7-9].
Esse aumento de resistência ao longo dos
anos, começando pela resistência à penicilina
em 1944 (descoberta em 1929 por Alexander
Fleming), resistência essa adquirida pelo seu
uso abusivo e indiscriminado, culminou em 1961
com o aparecimento de resistência também
Este trabalho visa mostrar a incidência e as
características de resistência diante dos antibióticos
pelo S. aureus comunitário e hospitalar na cidade
Manaus-AM.
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Carvalho et al
semeadas pelo teste de Maki por meio de rolamento
em Ágar Sangue. Após 24h de incubação foram
realizadas as visualizações macro e microscópicas,
pelo método de Gram. O antibiograma foi realizado
pelo método semiautomatizado no Microscan
Autoscan 4.
MATERIAL E MÉTODOS
Por um período de seis meses (14 de abril
de 2005 a 14 de outubro de 2005) identificou-se
no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital
Universitário
Getúlio
Vargas
(Manaus-AM)
todos os pacientes com cultura positiva para
Staphylococcus aureus em um universo de 847
culturas. Esses pacientes foram submetidos a um
estudo prospectivo observacional desde a sua
identificação no laboratório até a alta ou óbito.
A amostra utilizada na análise foi composta
por 55 pacientes portadores de cultura positiva
para S. aureus procedentes do HUGV (32), Hospital
Francisca Mendes (dez), Ambulatório Araújo Lima
(sete), Pronto-Socorro 28 de Agosto (quatro) e
Maternidade Azilda (dois). O software utilizado foi o
programa Epi-info ™ versão 3.3 for Windows e para
a análise das variáveis e associações o Teste Quiquadrado de Pearson e o Teste de Fisher ao nível de
5% de significância [10].
Nesses pacientes se fez os diagnósticos
epidemiológico, clínico e laboratorial. No
diagnóstico epidemiológico se avaliou a idade, o
sexo, a raça, a moradia, o grau de instrução e o
poder aquisitivo. No diagnóstico clínico considerouse o tipo de doença estafilocócica, a possível
porta de entrada, o grau nutricional, as patologias
associadas, o tempo de internação, a alta ou o óbito
e quanto ao diagnóstico laboratorial caracterizouse o perfil de sensibilidade aos antibióticos.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do
Amazonas sob o número 018/2005.
RESULTADOS
Esses pacientes também foram divididos em
dois grupos: pacientes com S. aureus hospitalar
(aqueles que adquiriram a bactéria após 72h da
internação e até sete dias após a alta hospitalar)
e pacientes com S. aureus comunitário (adquiriram
a bactéria na comunidade). As amostras foram
obtidas por meio da coleta de sangue para frascos
de hemocultura na proporção de 1/10 (sangue/
meio de cultura) e as secreções foram colhidas após
assepsia e antissepsia e colocadas no meio de Stuart
e as pontas de cateteres foram colhidas e colocadas
em tubos de ensaio seco, todas as amostras foram
enviadas ao setor de microbiologia onde foram
processadas.
Dos 55 pacientes analisados com cultura
positiva para S. aureus, 60% eram do sexo masculino
e 58,2% pertenciam à raça branca. As faixas etárias
mais atingidas foram entre 21 e 35 anos (27,3%) e
mais de 65 anos (27,3%) com uma média de 43,8
anos (± 25,0 DP); 90,9% dos participantes ganhavam
até dois salários mínimos, com uma média de 1,7
salário mínimo (± 2,8 DP); 70,9 possuíam ensino
fundamental, 94,5% moravam em casas de um a
três cômodos. Dos 55 pacientes, 46 (83,6%) estavam
internados e nove (16,4%) só receberam tratamento
ambulatorial.
A doença estafilocócica mais frequente foi a
infecção de pele (34,5%), seguida da infecção de
vias aéreas (32,7%). A principal porta de entrada
foi a pele: 56,4%, seguida das vias aéreas (32,7%).
As principais patologias associadas foram Diabetes
Mellitus (18,4%) seguido de Câncer (15,8%). O
resultado do antibiograma (Tabela 1) mostrou alta
resistência aos antibióticos β lactâmicos 94,5% e
uma alta incidência de cepas MRSA (47,3%). De uma
Cada frasco de hemocultura foi colocado em
estufa (BACTEC 9050) a 35 graus Celsius mais ou
menos um e após positividade foram semeados em
Ágar Sangue e Ágar Eosina azul de Metileno (EMB) e
incubados em estufa bacteriológica a temperatura
de 35 mais ou menos um grau Celsius.
Quanto às secreções, foram também
semeadas em AS e EMB e as pontas de cateter foram
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RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS
DA REDE PÚBLICA DE MANAUS (AM)
maneira geral, houve uma resistência global aos
antibióticos testados perto de 39,2%, esse resultado
foi explicado pelo maior percentual de pacientes
com S. aureus hospitalar do que com S. aureus
comunitário (p-valor = 0,596%).
ANTIBIÓTICO
Amoxacilina
Ampicilina
Cefazolina
Cloranfenicol
Ciprofloxacin
Clindamicina
Eritromicina
Gentamicina
Imipenem
Levofloxacin
Linezolid
Nitrofurantoína
Oxacilina
Penicilina
PIP-Tazo
Rifampicina
Synercid
Tetraciclina
Sulfa
Vancomicina
27
52
27
11
24
23
34
25
26
21
0
11
26
52
1
7
2
23
20
0
49,1
94,5
49,1
20,0
43,6
41,8
61,8
45,5
47,3
38,2
0,0
20,0
47,3
94,5
4,3
12,7
4,3
41,8
36,4
0,0
28
3
28
44
31
32
21
30
29
31
46
44
29
3
22
48
44
28
35
55
TOTAL
412
39,2
631
Observou-se também que dos 55 pacientes, 46
(83,6%) necessitaram internação hospitalar (p-valor
= 0,0000018 < 0,05) (Tabela 2). Dos sete pacientes
internados em UTI, cinco 71,4%) eram portadores de
cepas MRSA (Gráfico 1).
RESULTADO ANTIBIOGRAMA
R1
%R
S2
%2
%S
13
%1
50,9
5,5
50,9
80,0
56,4
58,2
38,2
54,5
52,7
56,4
100,0
80,0
52,7
5,5
95,7
87,3
95,7
50,9
63,6
100,0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
3
0
0
0
0
0
0
0
4
0
0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
5,5
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
7,3
0,0
0,0
55
55
55
55
55
55
55
55
55
55
46
55
55
55
23
55
46
55
55
55
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
60,1
7
0,7
1.050
100,0
TOTAL %
R1 – número de resistência; S2 – número de sensibilidade; I2 – número de sensibilidade
intermediária.
R% – percentual de resistência; S% – percentual de sensibilidade; I % – percentual de
sensibilidade intermediária.
Tabela 1 – Resultado do antibiograma dos pacientes com cultura positiva para o S. aureus detectados
no laboratório do HUGV, no período de 14 de abril a 14 de outubro de 2005 em Manaus-AM.
GRUPOS
INTERNAÇÃO
HOSPITALAR
COMUNITÁRIO
FREQ.%
TOTAL %
FREQ.%
Sim
7
43,8
39
100,0
46
83,6
Não
9
56,3
0
0,0
9
16,4
TOTAL
16100,0
39100,0
55100,0
P-valor = 0,0000018.
Tabela 2 – Distribuição do grupo de pacientes com cultura positiva para
S. aureus segundo Internação Hospitalar ou Tratamento Ambulatorial,
que foram detectados no Laboratório de Análises Clínicas do HUGV.
Do total de pacientes, 16 eram portadores
de S. aureus comunitário e não houve óbito nesse
grupo; por outro lado, dos 39 pacientes com S. aureus
hospitalar, nove (23,1%) foram a óbito (Tabela 3).
Ao se avaliar o percentual de resistência à
oxacilina no grupo com S. aureus hospitalar, o nível
de cepas MRSA foi de 61,5%. Dos nove pacientes que
faleceram, cinco (55,6%) eram portadores de cepas
16
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Carvalho et al
MRSA (Gráfico 1). Do total de pacientes, 16 eram
portadores de S. aureus comunitário e não houve
óbito nesse grupo; por outro lado, dos 39 pacientes
com S. aureus hospitalar, nove (23,1%) foram a óbito
(Tabela 3).
Ao se avaliar o percentual de resistência à
oxacilina no grupo com S. aureus hospitalar, o nível
de cepas MRSA foi de 61,5%. Dos nove pacientes que
faleceram, cinco (55,6%) eram portadores de cepas
MRSA (p-valor = 0,428), (Tabela 4).
Ao se avaliar óbito X tempo de internação,
observou-se que 100% dos pacientes que estiveram
internados por mais de 84 dias faleceram (p-valor
= 0,32). O tempo de permanência hospitalar foi
em média 29,8 dias (± 34,9% DP), o aumento do
tempo de internação foi diretamente proporcional
à morbi-mortalidade a tal ponto que os três
pacientes, que tiveram um tempo de internação
superior a 84 dias, faleceram.
GRUPOS
ÓBITO HOSPITALAR
COMUNITÁRIO
FREQ.%
TOTAL %
FREQ.%
Sim
0
0,0
9
23,1
9
16,4
Não
16
100,0
30
76,9
46
83,6
TOTAL
16
100,0
39
100,0
45
100,0
P-valor = 0,033
Tabela 3 – Distribuição segundo a incidência de óbito entre os dois
grupos (comunitário e hospitalar) dos pacientes com cultura positiva
para o S. aureus detectados no Laboratório de Análises Clínicas do HUGV.
GRÁFICO 1
GRUPOS
ÓBITO Sim
Não
TOTAL
SENSIBILIDADE A OXICILICINA
Resistente %
TOTAL %
Sensível%
5
55,6
4
44,4
9
21
45,7
25
54,3
46
26
47,3
29
52,7
55
P-valor = 0,033
Tabela 4 – Cruzamento entre óbito e cepas de S. aureus MRSA e cepas de S. aureus MSSA,
nos pacientes com cultura positiva para S. aureus detectados no Laboratório de Análises
Clínicas do HUGV, no período de 14 de abril a 14 de outubro de 2005, em Manaus-AM.
17
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS
DA REDE PÚBLICA DE MANAUS (AM)
DISCUSSÃO
AGRADECIMENTOS
No Brasil, o S. aureus tem sido um dos
principais responsáveis pelas infecções nosocomiais,
e a prevalência de cepas MRSA tem se mostrado
um das principais responsáveis pelo aumento
dessa prevalência que chega a atingir níveis de
40 a 80% principalmente em grandes hospitais
[7-14], essas cepas são geralmente resistentes a
inúmeros antibióticos como: aminoglicosídeos,
cloranfenicol,
lincomicina,
macrolídeos,
quinolonas,
sulfametoxazol-trimetoprim
e
tetraciclina, com grande sensibilidade somente a
rifampicina [8-12-13-].
Agradeço a todos que de alguma forma me
ajudaram a concretizar este trabalho, à minha
família pela paciência e a Deus pela persistência.
REFERÊNCIAS
1 - Rossi F, Andreazzi DB. Resistência
Bacteriana Interpretando o Antibiograma. São
Paulo: Atheneu; 2005.
2 - Von Eiff, C Becker K. Machka K. Nasal
carriage as a source of Staphylococcus aureus
bacteremia. Study Group. The New England
Journal of Medicine. 2001; 344: 11-16.
Na Amazônia, o número dos clones de cepas
MRSA foi extremamente elevado, atingindo níveis
de 61,5%, principalmente nas UTIs, aonde dos
sete pacientes internados, cinco ou 71,4% eram
portadores de cepas MRSA. Em todo o mundo, o S.
aureus é responsável por mais de 50% das infecções
hospitalares [3-18-20]. No Brasil, a situação tem
se tornado cada vez mais séria pelo limitado uso
de procedimentos microbiológicos-padrão nos
hospitais [11], e também por conta do uso empírico
de agentes antimicrobianos [17-19-21].
3 - Teixeira LA, Resende CA, Ormonde L.R
et al. Geografic spreadof endemic multiresistant
Staphylococcus aureus clone in Brazil. J. Clin
Microbiol. 1995; 33: 2400-4.
4 - Ayliffe GAJ, Buckles A, Casewell MW et
al. Revised guidelines for control of methicilinresistant Staphylococccus aureus infection in
hospitals. J. Hosp Infect. 1998; 39: 253-290.
Vale ressaltar ainda que, neste estudo,
53,5% dos pacientes internados possuíam cepas
MRSA e dos pacientes que foram a óbito (55,6%)
possuíam estas cepas.
5 - Melter O, Sanches IS, Schindler J et al.
Methicillin-resistant Staphylococcus aureus clone
types in the Czech Republic. J. Clin. Microbiol.
1999; 798-893.
A disseminação de clones de cepas MRSA tem
ocorrido de forma endêmica em vários hospitais
brasileiros, da América do Sul e Europa [5-14-1516-18].
6 - Pannuti CS, Grinbaum RS. An overview
of nosocomial infection control in Brazil. Infect
Control Hosp Epidemiol. 1995; 16: 170-4.
7 - Wey SB. Infection control in a country
with annual inflation of 3,600%. Infect Control
Hosp Epidemiol. 1995; 16: 175-178.
No país, além de São Paulo, já existem
casos descritos de S. aureus com resistência
intermediária à Vancomicina (VISA) com MIC
≥8μ/ml, e resistentes à Vancomicina (VRSA) com
MIC≥32μ/ml, também no Rio de Janeiro [19-2223]. Ressalta-se que neste estudo não se detectou
S. aureus resistente à vancomicina.
8 - Rezende EM, Couto BRGMC, Starling CEF,
Modena CM. Prevalence of nosocomial infections in
general hospital in Belo Horizonte. Infect. Control
Hosp. Epidemiol. 1998; 19: 872-6.
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infecções hospitalares sem a utilização de critérios
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19
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Faber et al
ANÁLISE DOS MOTIVOS SUSPENSIVOS DE CIRURGIAS
NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO APARELHO
DIGESTÓRIO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO
VARGAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
Analysis Memorandum Of Surgeries In Suspensive Service Digestive Surgery Instrument
Of University Hospital Getúlio Vargas The Federal University Of Amazon
Joan Faber,* Rubem Alves da Silva Júnior,** Amanda Alcântara*
RESUMO
Buscando identificar as causas de suspensão de procedimentos cirúrgicos no Serviço de Cirurgia do
Aparelho Digestório do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), da Universidade Federal do Amazonas
(Ufam), foi realizado um levantamento retrospectivo durante o ano de 2008 dos dados referenciados nos
prontuários que determinavam o motivo da não realização da cirurgia.
Do total de 1.640 cirurgias programadas, 374 (22%) foram suspensas por diversas causas considerando-se
fatores relacionados aos pacientes, à organização da unidade, a recursos humanos e à falta de materiais
e equipamentos. Constatou-se que o número de procedimentos suspensos está em concordância com
o achado em outras instituições similares e que 265 (70,85%) das suspensões estavam diretamente
relacionadas ao paciente, sendo o não comparecimento à internação o achado mais prevalente.
Conclui-se que possivelmente, dada à grande extensão territorial do Estado, dificultando a locomoção até
o hospital e o tempo longo de espera para a internação hospitalar após solicitação de cirurgia, ocorrendo
nesse hiato de tempo a desistência ou a procura por outro hospital terem sido as causas relacionadas aos
pacientes o achado mais prevalente neste trabalho.
Palavras-chave: Suspensão de cirurgias; causas de suspensão de cirurgia; cirurgias suspensas em hospital
universitário.
ABSTRACT
Seeking to identify the cancelling causes on elective surgeries scheduled at the Getúlio Vargas University
Hospital (HUGV) a retrospective search was made through hospital data involving all surgeries from
January 2008 to December 2008 scheduled with the Department of Digestive Surgery.
One thousand, six hundred and forty surgeries were scheduled, of which 374 (22%) were suspended
involving patients causes, human resources, hospital organization, and lack of equipment and materials.
These findings are in line with the findings from other institutes and demonstrated that 265 (70.85%)
surgeries were cancelled due to the absence of the patient.
* Residentes de Cirurgia Geral do HUGV,
**Médico cirurgião do HUGV
20
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
ANÁLISE DOS MOTIVOS SUSPENSIVOS DE CIRURGIAS NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO APARELHO DIGESTÓRIO DO
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
It is possible that the vastness of the state and the time spent waiting for hospital admittance were
responsible for patient’s abandonment or their seeking of other hospitals resulted in the data found in
this study.
Key Words: Cancelled surgeries; motives for surgeries suspension; surgeries suspended on university
hospital.
INTRODUÇÃO
de Cirurgia do Aparelho Digestório do Hospital
Universitário Getúlio Vargas – AM, e apontar quais
os fatores implicados nas suspensões.
A suspensão de intervenções cirúrgicas
tem recebido atenção por parte de pesquisadores
da área de saúde. A análise da taxa de suspensão
de cirurgias objetiva a melhoria da qualidade e
eficiência do serviço oferecido à população, bem
como a racionalização dos recursos financeiros e
humanos. 1
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de natureza
exploratória, descritiva, transversal e com
abordagem quantitativa e qualitativa realizado
no Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestório do
Hospital Universitário Getúlio Vargas – AM (HUGV).
Referendado como de média complexidade
ao atendimento da rede SUS do Estado do
Amazonas, cujo atendimento é pautado na livre
demanda oriunda do atendimento ambulatorial
e da rede emergencial da cidade de Manaus.
O centro cirúrgico possui oito salas cirúrgicas e
realiza, em média, 107 procedimentos cirúrgicos
ao mês. Foram analisadas todas as cirurgias
correspondentes ao Serviço de Cirurgia Geral que
integraram o mapa cirúrgico do período de 1.º de
janeiro a 31 de dezembro de 2008. Foi definida
como suspensão de operação programada toda
aquela que, por qualquer razão, não ocorreu.
O Ministério da Saúde define como taxa
de suspensão de cirurgia o número de cirurgias
suspensas dividido pelo total de cirurgias
programadas em determinado período e
multiplicado por cem. 2
Avalia-se a eficiência de um serviço de
cirurgia pela taxa de suspensão de operações,
a qual demonstra o desempenho da unidade
hospitalar. Para a construção desse indicador
devem ser considerados todos os motivos de
suspensão de cirurgias, como os relacionados
ao paciente (condição clínica desfavorável, não
comparecimento, falta de jejum e outras); e ao
hospital, tais como organização da unidade (como
erro na programação cirúrgica e prioridade para
urgências) e alocação de recursos humanos e
materiais. 1
O cancelamento cirúrgico foi levantado
com base nos dados do mapa cirúrgico e livro
de cirurgias. As causas de cancelamento das
cirurgias foram classificadas em: relacionadas
ao paciente (condição clínica desfavorável, não
comparecimento e outras) e ao hospital, tais como
organização da unidade (erro na programação
cirúrgica e prioridade para urgências) e alocação
de recursos humanos e materiais.
O cancelamento de cirurgias traz
repercussões para o paciente e sua família, como
afastamento das atividades laborativas e do
convívio familiar.
A suspensão de uma cirurgia interfere na equipe
de saúde, e no consumo de tempo e de recursos
materiais, indo de encontro à preocupação dos
administradores hospitalares em aperfeiçoar as
atividades, reduzir gastos e evitar desperdícios.3
Os dados foram tabulados no programa Excel –
Microsoft Office® 2007.
Este estudo tem como objetivo definir a taxa
de suspensão de cirurgias eletivas do Serviço
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Faber et al
RESULTADOS
No período de 1.º de janeiro a 31 de
dezembro de 2008 foram programadas 1.640
cirurgias, dentre as quais 35 foram urgências
(2,13%) e 1.605 (97,86%) de caráter eletivo, sendo
computadas 374 (22%) suspensões. Neste estudo,
das 374 cirurgias suspensas tiveram como principal
justificativa: problemas relacionados ao paciente
(70,85%), sendo o não comparecimento (54,71%)
e condições clínicas desfavoráveis (40,37%) os dois
pilares desse evento.
Destacaram-se também as justificativas de
operações suspensas relacionadas à organização da
unidade (10,96%), tais como falta de sala cirúrgica
(26,82%) e falta de exames específicos (36,58%).
Causas
n
%
N
%
Relacionadas ao paciente26570,85
Não Comparecimento
145
54,71
Sem Condições Clínicas
107
40,37
Recusa do Paciente
2
0,75
Paciente Recebeu Alta 9
3,39
Evasão 2
0,75
Relacionadas à Organização da Unidade
4110,96
Falta de Exames Específicos
15
36,58
Falta de Sala Cirúrgica11
26,82
Erro de Marcação 8
19,51
Prioridade para Urgência
2
4,87
Relacionadas aos Recursos Humanos4010,69
Tempo Cirúrgico Excedido
17
42,5
Falta de Cirurgião e Auxiliar16
40
Falta de Anestesista 2
5
Falta de Liberação Anestésica
2
5
Falta de Concentrado de Hemácias
2
5
Pré-operatório Inadequado 1
2,5
Relacionadas aos Materiais e Equipamentos
287,48
Falta de Material Específico
20
71,42
Falta de Equipamento 8
28,57
Total374100
Tabela 1 – Causas de suspensão de cirurgias eletivas (n = 374)
DISCUSSÃO
Problemas relacionados à alocação de
recursos humanos (10,69%) também foram
responsáveis por uma parcela significativa de
cancelamentos. Dentre eles, destacam-se o tempo
cirúrgico excedido (42,50%), a falta de cirurgião e
médico auxiliar (40%).
Um meio de avaliar a eficiência de
um serviço cirúrgico é por intermédio de
índices apontados pela taxa de suspensão de
operações. Baixos índices mostram o grau de
desempenho das unidades hospitalares.1 O
cancelamento de uma cirurgia implica prejuízos
envolvendo a ocupação As causas de suspensão de operações
eletivas relacionadas à alocação de materiais e
equipamentos representaram apenas 7,48% do
total dos motivos de cancelamento, sendo a falta
de materiais específicos (71,42%) a causa principal
desse tópico.
A taxa de suspensão leva em consideração
todos os motivos pelos quais o procedimento
proposto não foi realizado. Ao conhecer a taxa de
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
ANÁLISE DOS MOTIVOS SUSPENSIVOS DE CIRURGIAS NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO APARELHO DIGESTÓRIO DO
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
suspensão de cirurgias e suas causas, a instituição
pode evitar ou reduzir o número de cancelamentos.9
fatores sobressalta o tempo cirúrgico excedido
(42,5%) e a falta de equipe cirúrgica (40%),
resultados similares,11 porém invertidos em
relação aos achados em outro estudo.1
A taxa de suspensão de cirurgias no
presente estudo é de 22%, indo ao encontro
com as pesquisas realizadas em um hospital
universitário na cidade de São Paulo, onde a
taxa foi de 19,91%,3 e em outro que, em 200
pacientes oftalmológicos, foram encontradas
39 suspensões, apresentando taxa de 19,50%.4
CONCLUSÃO
O Hospital Universitário Getúlio Vargas,
sendo uma unidade do Sistema Único de Saúde
– SUS do Estado do Amazonas, responde pelo
atendimento e realização de grande parte das
cirurgias eletivas da cidade de Manaus, incluindose pacientes oriundos do interior do Estado e de
Estados vizinhos.
A taxa de suspensão encontrada no Hospital Mário
Covas em Santo André foi de 12,25%.10 Outros
estudos mostram taxas maiores de cancelamento
de cirurgias. Um estudo realizado na cidade
de Fortaleza, Estado do Ceará, aponta que
encontrou 33% de suspensão de cirurgias em um
hospital público e universitário.5 No Paquistão,
num hospital-escola, houve 25% de suspensão dos
procedimentos programados.6
Das cirurgias agendadas houve suspensão
pela recusa do paciente em submeter-se
ao procedimento, falta de leito, exames
desatualizados, condições clínicas que impediam
a anestesia ou o procedimento cirúrgico em si,
no momento da internação. Uma vez que os
pacientes agendados também são provenientes
de localidades distantes no Estado do Amazonas
e Estados vizinhos, a dificuldade no deslocamento
até o hospital colabora para o não comparecimento
à internação e suspensão do procedimento.
Outros estudos demonstraram uma taxa
de suspensão menor. Um levantamento mostrou
que, no período de três meses, foram programadas
4.870 cirurgias num hospital de ensino no interior
de São Paulo, dentre as quais 249 foram suspensas
perfazendo um total de 5,1% de suspensões.1 Em
um hospital da Austrália observou que 13,2% das
cirurgias eletivas foram suspensas.7
No Serviço de Cirurgia do HUGV-AM existe a
busca ativa de pacientes na véspera da confecção
do mapa cirúrgico e entrevista à internação a
fim de avaliar as condições clínicas do paciente
candidato ao procedimento. 8, 9
REFERÊNCIAS
1 - Perroca MG, Jericó MC, Facundin SD.
Monitorando o cancelamento de procedimentos
cirúrgicos:
indicador
de
desempenho
organizacional. Rev Esc Enferm, USP. 2007; 41(1):
113-9.
Em um estudo apontou resultados similares
quanto à prevalência do não comparecimento do
paciente ao procedimento programado.2
Neste estudo, as causas relacionadas à
organização da unidade hospitalar, a falta de
exames específicos foi responsável por 36,58%
das suspensões, sendo seguida pela falta de salas
cirúrgicas (26,82%), pelo erro nos agendamentos
e, pela prioridade para urgências, 19,51 e 4,87%,
respectivamente.
2 - Ministério da Saúde. Secretaria Nacional
de Organização e Desenvolvimento de Serviços
de Saúde. Normas e padrões de construções e
instalações do Serviço de Saúde. 2.ª ed. Brasília;
1978.
3 - Paschoal MLH, Gatto MAF. Taxa de
suspensão de cirurgia em um hospital universitário
e os motivos de absenteísmo do paciente à cirurgia
Quarenta procedimentos foram suspensos
pelos recursos humanos (10,69%). Dentre esses
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
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programada. Rev Latino-am Enfermagem. 2006;
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catarata e suas causas. Rev Saúde Pública. 2001;
35(5): 487-9.
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um hospital-escola: um estudo exploratório. Rev
Latino-am Enfermagem. 2000; 8(4): 59-65.
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Med J Aust. 2005; 182(12): 612-5.
8 - Landim FM (In memoriam) et al. Análise
dos fatores relacionados à suspensão de operações
em um serviço de cirurgia geral de média
complexidade. Rev. Col. Bras. Cir. 2009; 36(4):
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9 - Perroca MG, Jericó MC, Facundin SD.
Cancelamento cirúrgico em um hospital-escola:
implicações sobre o gerenciamento de custos. Rev
Latino-am Enfermagem. 2007, setembro-outubro;
15(5) www.eerp.usp.br/rlae
10 - Bedoni F, Sobrinho GR, Teixeira J,
Scarpa MZ, Paula VS. Análise do desempenho
do centro cirúrgico do hospital estadual Mário
Covas de Santo André. Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao Curso MBA em Gestão de
Organizações Hospitalares e Sistemas de Saúde
Pós-Graduação lato sensu, Nível de Especialização
Programa FGV Management; mar.; 2005.
11 - Perroca MG, Jericó MC, Facundin SD.
Monitorando o cancelamento de procedimentos
cirúrgicos:
indicador
de
desempenho
organizacional. Rev. Esc. Enferm., USP, vol. 41, n.º
1, São Paulo; mar.; 2007.
24
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Freitas et al
HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES
PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE
INVASIVA
History Of Neurosurgery: From The Pre-Historical Trepanations To Minimally Invasive
Neurosurgery
Rodolfo Fagionato de Freitas,* Bárbara Iasmine Gomes Abreu Christo,** Breno Gonçalves Medeiros**
RESUMO
Desde a Pré-história, o homem cultiva a importância da cabeça para a manutenção da vida e para
a execução de atividades diárias, desde motoras e sensitivas até místicas. Essas teorias acerca da
função das estruturas intracranianas serviram como ponto de partida para a elaboração de estratégias
terapêuticas com relativo sucesso, variando de trepanações primitivas à neurocirurgia minimamente
invasiva. Este trabalho tem como objetivo relatar o progresso da Neurocirurgia como ciência e o estudo
de métodos diagnósticos e tratamentos antigos para a compreensão da perspectiva e as tendências do
presente. Métodos: Consiste em uma revisão de literatura, narrando os progressos da Neurocirurgia como
ciência, enfatizando as figuras históricas e as novas abordagens terapêuticas. Conclusão: O progresso no
conhecimento acerca da neuroanatomia e da neurofisiologia foi essencial para a elaboração de abordagens
terapêuticas e as figuras de destaque nesse processo histórico são importantes para a compreensão das
condutas atualmente preconizadas e o surgimento de curiosidades e novas teorias para o futuro da
neurocirurgia e suas subespecialidades.
Palavras-chave: História; História da Medicina; Neurocirurgia; Neuroendoscopia; Neuronavegação.
ABSTRACT
Since Pre-historic times, man has focused on the importance of the head for maintaining life and performing daily
activities, such as motor, sensory, and mystical aspects. The theories regarding the function of the intracranial
structures served as starting point for developing therapeutic strategies with relative success, ranging from primitive
trephination to minimally invasive neurosurgery. The main purpose of this paper is to report on the progress of
neurosurgery as a science and the study of ancient diagnostic methods and treatments for the understanding
of perspectives and trends for the present. Methods: A review of the literature, chronicling the progress of
neurosurgery as a science, emphasizing the historical figures and new therapeutic approaches. Conclusion:
The progress in knowledge of the neuroanatomy and neurophysiology were essential for the development of
therapeutic approaches and leading figures in this historic process are important for understanding the currently
recommended behavior and the emergence of new theories and curiosities for the future of neurosurgery and
its subspecialties.
Key words: History; History of Medicine; Neurosurgery; Neuroendoscopy; Neuronavigation.
* Professor da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam
** Acadêmicos de Medicina da Ufam
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA
INTRODUÇÃO
óssea do crânio sugere que tais procedimentos foram
realizados com relativo sucesso.13
O registro mais antigo de trepanação tem sua
origem no período Neolítico, há aproximadamente
dez mil anos no continente europeu.4, 13 Entretanto,
as civilizações que mais executaram perfurações
cranianas primitivas foram as andinas pré-colombianas,
que datam de dois a três mil anos, e nos registros das
civilizações da região de Cuzco, no Peru, estima-se
um índice de sobrevivência de 60 a 80% das pessoas
submetidas a esses procedimentos.13
Desde a Pré-história o homem cultiva a
importância da cabeça para a manutenção da vida e
para a execução de atividades diárias, desde motoras
e sensitivas até místicas.4, 13 Essas teorias acerca da
função das estruturas intracranianas serviram como
ponto de partida para a elaboração de estratégias
terapêuticas com relativo sucesso. Os gregos e os
romanos se destacaram pelo aprimoramento do uso
do trépano e do estudo da neuroanatomia, e pela
elaboração de teorias sobre suas possíveis funções.
Os séculos 17 e 18 foram marcados pelo registro
minucioso de estruturas neuroanatômicas, e o século
19 inaugurou o estudo da neurofisiologia e da anatomia
cirúrgica. Por fim, o século 20 foi importante marco
na neurocirurgia pelo surgimento de novas técnicas
operatórias minimamente invasivas. Este trabalho tem
como objetivo relatar o progresso da Neurocirurgia
como ciência, enfatizando figuras históricas.
Além disso, almeja-se destacar a importância da
Neurocirurgia como especialidade médica e do estudo
de métodos diagnósticos e tratamentos antigos para
a compreensão da perspectiva e das tendências do
presente.
Os egípcios reconheciam a gravidade de uma
lesão na cabeça e enfatizaram a importância de
alinhar uma fratura com afundamento de crânio.3
Não há registros sobre o tratamento de traumatismos
cranianos nem múmias com indícios de que foram
submetidas à trepanação, porém há relatos de 48
casos de lesões cranioencefálicas e raquimedulares de
origem traumática no papiro de Edwin Smith.4, 9
Na Grécia, a dissecação humana não era
aceita, o que dificultou o avanço da neuroanatomia
e da neurocirurgia.4, 13 Entretanto, um dos primeiros
registros de hemorragia subaracnoidea está nos
aforismos de Hipócrates: “Quando pessoas de boa
saúde de repente tomadas de dores na cabeça,
logo são estabelecidas sem palavras e a respiração
com estertores, morrem em sete dias a menos que
a febre acenda”.3 Ele reconhecia a importância do
cérebro e sugeria que este seria a sede de episódios
de convulsão.13
MÉTODOS
Consiste em uma revisão de literatura,
narrando os progressos da Neurocirurgia como ciência,
enfatizando as figuras históricas e as novas abordagens
terapêuticas.
Em relação à Neurocirurgia, Hipócrates
descreveu o uso do trépano e o indicava somente em
casos de contusões cerebrais que necessitavam de
abordagem imediata com precauções a fim de evitar
superaquecimento e lesão da dura-máter subjacente.
Todavia, ele não deveria ser utilizado em casos de
fratura com afundamento do crânio com o argumento
de que o quadro seria muito grave para uma possível
intervenção.3, 4
HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA
A relação do conteúdo presente no interior do
crânio com as funções vitais do ser humano cultivou
nos povos mais antigos a tentativa de abordagem
terapêutica por meio da execução de perfurações
cranianas que variam desde trepanações a
craniotomias, principalmente nos casos de fratura de
crânio com afundamento.4 A presença de consolidação
Entretanto, o desenvolvimento intelectual
acerca dessa especialidade só teve início na Grécia,
na escola de Alexandria em 300 a.C. Eles iniciaram
esse desenvolvimento com dissecação e ensinamento
sobre a neuroanatomia com destaque de alguns
26
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Freitas et al
neuroanatomistas, como Herophilus e Erasistratus.3,
13
Herophilus estudou o cérebro, o cerebelo e os
ventrículos, identificou nervos sensitivos e motores e
descreveu a tórcula que une os seios venosos sagital,
reto e transversos, que atualmente carregam o seu
nome, e Erasistratus preocupou-se com a dissecação
e comparação do cérebro entre diversas espécies.13
Não houve um grande desenvolvimento ao
longo do período da Idade Média, porém houve
contribuições de Avicena, como o primeiro desenho
anatômico de um cérebro, e Mundino dei Luzzi,
que realizou as primeiras dissecações humanas no
continente europeu, em 1316.13
O período do Renascimento é conhecido pela
liberdade de dissecação humana e pelo grande
avanço da medicina. Dentre os registros dessa época,
destacam-se a obra De Humani Corpori Fabrica de
Andrea Vesalius, as ilustrações e o estudo acerca
dos ventrículos encefálicos de Leonardo da Vinci, e
as ilustrações das circunvoluções cerebrais de Julius
Casserius.13, 14 Utilizando todo o conhecimento da
época em relação à neuroanatomia e à neurocirurgia,
Ambroise Paré (1510-1590) determinou os
fundamentos básicos da cirurgia e desenhou várias
trepanações.13
A neurocirurgia não estava restrita a um
determinado grupo de cirurgiões especialistas.
A incidência de lesões na região da cabeça era
muito elevada por conta da ocorrência de guerras,
o que ofereceu uma oportunidade de avanço no
desenvolvimento de técnicas neurocirúrgicas, apesar
da ausência de técnicas de antissepsia e anestesia.3
Herophilus dissecou o sistema nervoso e
identificou todas as fibras nervosas da medula
espinhal e dividiu-as em fibras motoras e sensitivas.
Além disso, ele foi o primeiro a descrever o sistema
ventricular, a drenagem venosa do cérebro e o plexo
coroide, que recebeu esse nome pela semelhança
com a membrana fetal. Além disso, ele foi pioneiro na
descrição do quarto ventrículo e seu arranjo peculiar
na base, que ele nomeou de calamus scriptorius.3, 4
Os séculos 17, 18 e 19 foram marcados por
registros de estruturas neuroanatômicas que foram
descritas detalhadamente, onde destacam-se
Franciscus de la Böe, Raymond Vieussens, com a sua
obra Neurographia Universalis, Godefroid Bidloo, Feliz
Vicq d’Azyr, Johann Christian Reil e Hebert Mayo.13, 14
Durante o período romano, Celsus descreveu
um caso de hematoma epidural secundário a uma
ruptura da artéria meníngea média e recomendava
que o cirurgião realizasse suas operações em sintonia
com a dor, sendo a trepanação realizada onde a dor era
mais intensa, um conceito importante considerando a
inervação da dura-máter e sua sensibilidade à pressão.
Além disso, em sua obra De re medicina há descrições
minuciosas a respeito de hidrocefalia, neuralgia facial
e a presença de sintomas como vômito, dificuldade
para respirar e paralisia de membros dependendo do
nível da lesão na coluna espinhal.3, 5
Os termos “hemisfério” e “lobo cerebral”
foram utilizados pioneiramente por Thomas Willis
no século 17. Luigi Rolando, porém, em seu registro
Della Strutura degli Emisferi Cerebrali, foi o primeiro
a descrever de forma minuciosa os sulcos e os giros
cerebrais. Gratiolet registrou uma das primeiras
divisões topográficas do hemisfério cerebral, foi o
primeiro a utilizar o termo plis de passage, que se
referia às conexões existentes entre giros adjacentes,
e relatou com mais detalhes os sulcos cerebrais,
diferenciando-os de acordo com o seu aparecimento
ao longo da filogênese.4,13 Em Portugal, a primeira
neurocirurgia foi realizada em 1710 a fim de tratar um
caso de fratura de crânio com afundamento, sendo
esse mesmo procedimento realizado pela primeira
vez no Brasil aproximadamente na mesma época.4,6,16
Galeno enfatizava o que Erasistratus já havia
documentado com relação à importância do cérebro
sem estabelecer vínculo dos giros cerebrais com o
intelecto do ser humano. De todos os seus registros,
destacou-se a descrição da cadeia simpática e
dos gânglios autonômicos.13 Além disso, Celsus e
Galeno publicaram um trabalho que determinava
minuciosamente cada indicação e a técnica cirúrgica
a ser utilizada em cada caso de fratura de crânio.4
O século 19 foi marcado pelas obras que
descrevem correlações entre as estruturas nervosas
e suas funções neurofisiológicas, tendo como
pioneiros nessa descoberta Pierre Paul Broca com
27
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v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA
sua obra Sobre a Topografia Craniocerebral em 1876,
na França, e John Hughlings Jackson, na Inglaterra.
Além disso, houve o conhecimento da topografia
exata das principais funções do córtex cerebral
por meio de reparo da superfície craniana, o que
permitiu estimar a localização específica de lesões
intracranianas potencialmente cirúrgicas pelo exame
físico neurológico.13
Pierre Broca, em 1876, ao realizar uma abordagem
terapêutica em um paciente com abscesso na
área cerebral responsável pela linguagem baseada
em conhecimentos clínico-topográficos. Victor
Horsley (1857-1916) executou com sucesso diversas
neurocirurgias, incluindo a exérese de um tumor
intramedular, em 1887, foi um dos pioneiros em
estimulação cortical transoperatória dos giros pré e
pós-central em humanos e afirmou, em 1885, que a
maior representação do córtex motor encontra-se
anteriormente ao sulco central. Com isso, Horsley foi
considerado o Pai da Neurocirurgia.5,13
A transição do século 19 para o 20 foi marcada
pelo estudo da neuroanatomia cirúrgica a partir de
pontos cranianos de fácil identificação e, com isso, o
aprimoramento das técnicas operatórias.4,13 Dentre as
obras francesas, destacam-se Championniere, Poirier,
Le Fort e Chipault e, dentre as obras alemãs, Krönlein,
com a obra Topographie cranio cérébrale, e Kocher,
com o trabalho Chirurgishe operationslehre.13
Em 1908, houve o surgimento do conceito de
estereotaxia, desenvolvido por Victor Horsley e R.
H. Clark, que consistia na introdução de eletrodos
em algumas porções do sistema nervoso central
com possibilidade de uma visão em três dimensões
e resultou na publicação do primeiro atlas sobre o
assunto e serviu como base para o surgimento da
neuronavegação.2,10,13
Victor Darwin L’Espinasse, em 1910, realizou
a primeira endoscopia ventricular utilizando um
cistoscópio com objetivo de analisar os ventrículos
laterais e coagular o plexo corióideo. Entretanto, Dandy
foi considerado o Pai da Neuroendoscopia por relatar
o mesmo procedimento no boletim do Hospital Johns
Hopkins e aprimorar as técnicas de neuroendoscopia.14
Walter Dany elaborou a pneumoencefalografia
em 1918, que consiste em uma técnica de análise
radiográfica da superfície encefálica e dos seus
ventrículos contrastados pelo ar injetado no espaço
subaracnóideo. Esse recurso permitiu uma localização
mais precisa de estruturas e pontos de reparo profundos
de lesões intracranianas. Houve o surgimento da
angiografia pelo neurologista português Egas Moniz
e pelo neurocirurgião Almeida Lima, em 1926, com
o objetivo de avaliar possíveis lesões vasculares
intracranianas.1,13
Com a descoberta da radiação X por Wilhelm
Korand Röntgen, em 1895, houve o surgimento de
estudos com o objetivo de identificar estruturas
encefálicas sobre as imagens radiográficas do crânio,
como o trabalho “Relações radiográficas existentes
entre os sulcos e os giros cerebrais e suturas cranianas”
publicado por P. Marie, Foix e Bertrand, em 1915,
durante a Primeira Guerra Mundial.4,13
Augusto Brandão Filho e Manoel de Abreu
realizaram a primeira ventriculografia em 14 de
fevereiro de 1924, bem como as primeiras experiências
em retirada de tumores cerebrais, inaugurando a
neuroendoscopia e a neurocirurgia oncológica no
Brasil.5,14
Além disso, foram publicados tratados e atlas
que ilustram a relação entre as suturas cranianas e a
superfície cerebral, destacando o Tratado de Anatomia
Topográfica de Testut e Jacob (1932), o Tratado de
Anatomia Regional de Medicina e Cirurgia do Cérebro
e da Medula Espinhal de Krause (1912) e o Atlas de
Anatomia Humana Topográfica e Aplicada de Pernkoff
(1980), cuja primeira edição foi publicada em 1963.
Em relação aos textos neurocirúrgicos, o Tratado de
Cirurgia Neurológica de Rhoton editado por Youmans
menciona de forma detalhada algumas relações
topográficas básicas.13
Durante a década de 50, vários autores
publicaram atlas estereotáxicos com imagens
angiográficas e estimulações neurofisiológicas, como
Talairach e Szikla, de 1967.10,13 Além disso, houve o
progresso de outros procedimentos por meio da técnica
estereotáxica, como a radiocirurgia, que consiste na
aplicação da radioterapia a uma região encefálica
A Neurocirurgia Moderna foi inaugurada por
28
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Freitas et al
precisamente limitada, elaborada por Lars Leksell
em 1951.7,10 Esse avanço comprova o grande auxílio
da estereotaxia no acesso a regiões mais profundas
do sistema nervoso central e no aprimoramento de
técnicas diagnósticas e cirúrgicas.7
sob endoscopia.11,14 Esse marco acrescido pela
elaboração de técnicas cirúrgicas de base de crânio e
neurocirurgias com acesso endonasal para tratamento
de tumores e doenças localizadas nessa região criou
um ponto em comum entre otorrinolaringologistas e
neurocirurgiões.11
Sven Ivar Seldinger descreveu uma técnica de
introdução de contraste por cateterização em 1953,
que aumentou a relação custo-benefício na utilização
de angiografia cerebral para investigação de lesões
vasculares. Além disso, B. G. Ziedes des Plantes, em
1961, registrou a técnica de subtração com objetivo
de melhor visualização das estruturas vasculares.1
A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia foi fundada
em 26 de julho de 1957 por médicos que exerciam a
especialidade no Brasil.5,15
A descoberta da tomografia computadorizada
marcou um período de pesquisa para fins de
aprimoramento da técnica para melhor visualização
do parênquima cerebral e culminou com a descoberta
da ressonância nuclear magnética, com destaque
dos autores Damadian (1971), Lauterbur (1973), e
Mansfield e Grannell (1973).13
Griffith, em 1977, realizou a ressecção do
plexo corióideo e foi o primeiro a utilizar o termo
endoneurocirurgia.14 Na França, em 1978, De
Brun relatou sua primeira experiência no uso de
cateter balão como abordagem terapêutica nos
casos de aneurismas cerebrais inacessíveis por via
neurocirúrgica, que culminou com o surgimento da
neurorradiologia intervencionista.1
Após um período de treinamento, Yasargil
inaugurou a microneurocirurgia em 1963 com o auxílio
do neurocirurgião M. Peardon Donaghy. Já no campo
da microanatomia neurocirúrgica destaca-se a escola
de Albert Rhoton Jr., iniciada logo após a década de
1970 e contribuiu com diversos estudos acerca da
microanatomia craniana e encefálica.5,13 A pesquisa
dessa área da neurocirurgia foi de tal importância que
constitui até hoje o alicerce do raciocínio topográfico
neurocirúrgico e aumentou a precisão do raciocínio
neuroclínico.13
O neurocirurgião de maior destaque no
reconhecimento da neurocirurgia como especialidade
médica foi Harvey Cushing, que desenvolveu os
pilares da neurocirurgia prática nos Estados Unidos
pela elaboração de técnicas cirúrgicas e casuísticas
em diferentes áreas da neurocirurgia, resultando na
obra Somatic motor and sensory representation in
the cerebral cortex of man as studied by electrical
stimulation (1981).13
Em 1970, houve a descoberta da tomografia
computadorizada por G. Hounsfield, que permitiu
a visualização direta das estruturas encefálicas e
das lesões intracranianas, principalmente as lesões
potencialmente cirúrgicas. Esse progresso acrescido
das novas técnicas estereotáxicas auxiliou na exérese
de tumores cerebrais de forma precisamente dirigida
e limitada de acordo com Patrick Kelly (1988).5,13
No campo da neurorradiologia intervencionista,
Higashida (1990) e Moret (1991) relataram experiências
com balões descartáveis, e Hilal (1989) publicou a
técnica de utilização de molas para tratamento de
aneurismas cerebrais, comumente conhecidas como
coils.1 Em 1990, Fitzpatrick e Wickham sugeriram
o termo “Cirurgia minimamente invasiva” em
referência aos tratamentos endoscópicos e, em 1992,
Hellwig e Bauer inauguraram o termo “Neurocirurgia
endoscópica minimamente invasiva”.14
Guiot foi o primeiro a utilizar endoscopia
no acesso transefenoidal e reintroduziu a
ventriculostomia por neuroendoscopia no acervo de
técnicas neurocirúrgicas.14 Isso ocorreu em 1970,
quando, juntamente com Bushe e Halves, eles
reportaram o uso de endoscópios para acesso às lesões
pituitárias, que eram ressecadas sob microscopia.
Entretanto, Jho e Carrau foram os pioneiros na
realização de neurocirurgias endoscópicas puras,
onde o acesso e ressecção eram todos realizados
Em relação ao Amazonas, os procedimentos
neurocirúrgicos eletivos são realizados pelo Hospital
Universitário Getúlio Vargas e a Fundação Centro
de Controle de Oncologia se destaca no campo
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v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA
Pronto-Socorro João Lúcio Pereira Machado
é responsável pelo atendimento e suporte
neurocirúrgico de urgência.
O futuro da neurocirurgia gira em torno
da estereotaxia sem moldura, na introdução
de substâncias no sistema nervoso central
que influenciariam no prognóstico de doenças
causadas por transtornos na neurotransmissão e
no transplante neural.7
CONCLUSÃO
O progresso no conhecimento acerca
da neuroanatomia e da neurofisiologia foi
essencial para a elaboração de abordagens
terapêuticas, desde simples craniotomias
até a neuronavegação, a neurorradiologia
intervencionista, a microneurocirurgia e a
neuroendoscopia. Além disso, as figuras de
destaque nesse processo histórico são de grande
importância para a compreensão das condutas
atualmente preconizadas e o surgimento de
curiosidades e novas teorias para o futuro da
neurocirurgia e suas subespecialidades.
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papel atual da neurorradiologia diagnóstica e
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neuronavegação:
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histórica das contribuições da neuroanatomia
e das técnicas de neuroimagem à prática
30
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Freitas et al
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Mubarac et al
AVALIAÇÃO DO PÓS-OPERATÓRIO DE PACIENTES COM
MIASTENIA GRAVIS SUBMETIDOS À TIMECTOMIA
Postoperative evaluation of patients undergoing with Myasthenia gravis to thimectomy
Rebecca Souza Mubarac*, Ingrid Loureiro de Queiroz Lima,* Luiz Carlos de Lima**,
Fernando Luiz Westphal***, José Correa Neto***
Correspondência: Luiz Carlos de Lima. Endereço: Rua Paraíba, n 1501, apto 902. Bairro Adrianópolis. CEP: 69057-021. E-mail:
[email protected]
Órgão Financiador: Fapeam – Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas
Não há conflitos de interesses.
RESUMO
Introdução: A miastenia gravis (MG) é uma doença autoimune decorrente de alterações da junção
neuromuscular, ocorrendo produção de autoanticorpos contra os receptores nicotínicos de acetilcolina
presentes nos músculos voluntários. A terapêutica clínica é baseada no uso de drogas anticolinesterásicas,
cujo mecanismo de ação é pelo bloqueio da colinesterase e no uso de imunossupressores. Adota-se
também a timectomia como terapêutica. Métodos: O estudo não controlado avaliou a resposta à
timectomia em vinte e três (23) pacientes com miastenia gravis, atendidos no Ambulatório de Neurologia
e encaminhados para a cirurgia torácica no período de janeiro de 1991 a junho de 2006 no Hospital
Sociedade Portuguesa Beneficente e Hospital Universitário Getúlio Vargas, localizados na cidade de
Manaus-AM, Brasil. Resultados: A melhora clínica dos pacientes ocorreu no pós-operatório independente
de sua classificação de Osserman, ou seja, pacientes com muitas manifestações clínicas tiveram boa
resposta à cirurgia assim como aqueles com pouca manifestação. Conclusão: A timectomia proporcionou
redução da medicação e melhora clínica mesmo em pacientes com grau avançado de doença.
Palavras-chave: Miastenia gravis, timectomia, pós-operatório.
ABSTRACT
Introduction: Myasthenia gravis (MG) is an autoimmune disease resulting from changes in the
neuromuscular junction, affecting production of autoantibodies against nicotinic acetylcholine
receptors present on voluntary muscles. The therapy is based on the clinical use of anticholinesterase
drugs whose action mechanism is through the blocking cholinesterase. Thymectomy is also adopted
as therapeutics. Methods: This uncontrolled study evaluated the response to thymectomy in twentythree (23) patients with myasthenia gravis, received at a neurology outpatient clinic and referred for
thoracic surgery in the period from January 1991 to June 2006 at the Sociedade Portuguesa Beneficente
Hospital and Getúlio Vargas University Hospital, located in the city of Manaus-AM, Brazil. Results: Clinical
improvement in patients occurred postoperatively, regardless of their classification of Osserman, ie, with
many patients there was good clinical response to surgery as well as in those with little manifestation.
*Residente de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas
**Doutor em Medicina pela UNIFESP e chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas
***Cirurgião do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas
32
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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VALIAÇÃO DO PÓS-OPERATÓRIO DE PACIENTES COM MIASTENIA GRAVIS SUBMETIDOS À TIMECTOMIA
da neurocirurgia oncológica.12 Além disso, o Hospital Conclusion: Thymectomy provided a reduction of
medication and clinical improvement, even in patients in advanced stages of the disease.
Key words: Myasthenia gravis, thimecthomy, postoperative.
INTRODUÇÃO
Hospital Universitário Getúlio Vargas.
A miastenia gravis (MG) é uma doença
autoimune decorrente de alterações da
junção neuromuscular a partir da produção de
autoanticorpos contra os receptores nicotínicos
de acetilcolina presentes nos músculos
voluntários. Tais anticorpos competem com o
neurotransmissor determinando uma ampla
gama de acometimento muscular da doença.1,2
É caracterizada por distúrbios da
transmissão neuromuscular ao nível de placa
motora, os quais resultam em fraqueza e fadiga
da musculatura voluntária em intensidade
flutuante, ou crescente, no transcorrer do dia
e após exercícios físicos. A terapêutica clínica
é baseada no uso de drogas anticolinesterase
(piridostigmina e neostigmina), cujo mecanismo
de ação é o bloqueio da colinesterase, enzima
responsável pela degradação da acetilcolina
liberada na placa motora.3,4 Imunossupressores
são também eficazes na indução da remissão da
doença; a plasmaférese e as imunoglobulinas
podem ser indicadas na crise miastênica.5
O primeiro caso de uma paciente com
miastênia grave foi descrito em 1939, ela era
portadora de timoma e foi após a realização da
timectomia.6 Em 1941, o mesmo autor relatou
a eficácia da timectomia também em pacientes
não portadores de neoplasias do timo, mas com
sintomas miastênicos.6
O objetivo do trabalho é avaliar
retrospectivamente a resposta à timectomia
de portadores de MG tratados no período de
janeiro de 1991 a junho de 2006 no Hospital
Sociedade Portuguesa Beneficente e Hospital
Universitário Getúlio Vargas, em Manaus-AM,
Brasil, pela equipe de cirurgia torácica do
CASUÍSTICA E MÉTODOS
O estudo é do tipo ensaio não controlado
que avalia a resposta à timectomia em vinte
e três (23) pacientes com miastenia gravis,
atendidos no Ambulatório de Neurologia e
encaminhados à cirurgia torácica no período
de janeiro de 1991 a junho de 2006 no Hospital
Sociedade Portuguesa Beneficente e Hospital
Universitário Getúlio Vargas, localizados na
cidade de Manaus-AM, Brasil. Foram incluídos
no trabalho todos os pacientes com miastenia
gravis, submetidos à timectomia no período de
janeiro de 1991 a junho de 2006 e acompanhados
no Ambulatório de Neurologia das instituições
citadas.
Os pacientes foram divididos quanto ao
tempo de evolução da doença e classificados de
acordo com Osserman7 em cinco grupos (Quadro
1).
A partir de então, analisou-se o pósoperatório dos pacientes classificados de acordo
com a melhora clínica, segundo a classificação
de Keynes7 (Quadro 2).
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Mubarac et al
Após análise descritiva dos dados, os resultados
são apresentados em tabelas de Distribuição de
Frequências e Gráficos.
1991 a junho de 2006, três pacientes (11,5%) foram
excluídos, por conta de informações incompletas nos
prontuários. O total da amostra foi de 23 pacientes,
sendo 18 mulheres (78,2%) e cinco homens (21,8%).
A idade média dos pacientes foi de 26,5 anos, sendo
os pacientes entre 16 e 29 anos os mais acometidos,
correspondente a 56,5% da amostra. O tempo médio
entre o diagnóstico de miastenia gravis e a cirurgia de
timectomia foi de 19 meses (1-84 meses) (Tabela 1).
RESULTADOS
Foram estudados um total de 26 pacientes
submetidos à timectomia no período de janeiro de
TABELA 1
Dados demográficos, Tempo de doença, Classificação de Osserman
____________________________________
Paciente (n)
23
Sexo
Feminino
18
Masculino
5
Idade (Média em anos)
26,5
Gráfico 1: Comorbidades
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VALIAÇÃO DO PÓS-OPERATÓRIO DE PACIENTES COM MIASTENIA GRAVIS SUBMETIDOS À TIMECTOMIA
A distribuição das comorbidades dos pacientes
estão no Gráfico 1:
As manifestações clínicas apresentadas no préoperatório estão distribuídas no Gráfico 2:
Gráfico 2: Manifestações Clínicas
Os medicamentos usados no pré-operatório
foram piridostigmina com doses variadas entre 180mg
e 720mg (dose média de 318,2mg) e prednisona com
doses entre 10mg e 70mg (dose média de 25mg). No
pós-operatório, esses mesmos medicamentos tiveram
doses variadas entre 60mg e 720mg de piridostigmina
(média de 237,4mg) e entre 5mg e 40mg de prednisona
(média de 9,8mg). Houve redução da média de
piridostigmina de 25,4% e de prednisona de 60,9% em
relação ao pré-operatório. Duas pacientes do estudo
estão sem medicações após cinco anos de cirurgia. Em
apenas uma paciente (4,3%) foi realizada plasmaférese
e dois pacientes (8,7%) fizeram tratamento com
imunoglobulina no pré-operatório.
foram encontrados 8,7% na classe A (melhora clínica
sem uso de medicamentos), 57,0% na classe B (melhora
clínica com diminuição da dose do medicamento),
26,0% na classe C (melhora clínica com a mesma dose
do medicamento), 4,3% na classe D (melhora clínica
com aumento da dose do medicamento, nenhum na
classe E (sem melhora clínica) e um óbito (4,3%).
DISCUSSÃO
O estudo mostra maior prevalência de miastenia
gravis em mulheres numa relação de 3,6:1. A presença
maior dessa doença em mulheres também pode ser
vista conforme o estudo de Park e colaboradores, no
qual foram estudados 147 pacientes dos quais 141
(72,1%) eram mulheres.8 A duração média entre o
diagnóstico de miastenia gravis e a timectomia é de
21,31 meses; 9 nosso trabalho foi de 19 meses.
As incisões utilizadas no ato cirúrgico foram:
incisão mediana (91,3%) e videotoracoscopia (8,7%).
Não houve complicações pós-operatórias em 78,2%
dos pacientes, porém um paciente evoluiu com
insuficiência respiratória (incisão mediana), um
paciente com pneumonia (videotoracoscopia), um
paciente com infecção da ferida operatória (incisão
mediana), um paciente com necrose da pele no local
do dreno (videotoracoscopia) e um paciente foi a
óbito (incisão mediana).
Timoma pode estar presente em 10 a 15%
dos pacientes com miastenia gravis em cerca de
10% dos pacientes está associada à outra doença
autoimune.10 Em nosso estudo, o aparecimento de
timoma corresponde a 13% dos pacientes, enquanto
que as doenças autoimunes correspondem a
aproximadamente 13%: doença de Graves – 8,7% e
Em relação à classificação de Keynes adotada
para avaliação de melhora clínica no pós-operatório
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Mubarac et al
e Pênfigo – 4,34%.Aprevalência de doenças autoimunes
foi de 21%, dentre estas as principais causas foram os
distúrbios da tireoide e doenças reumáticas,9 assim
como no nosso estudo a principal causa de doença
autoimune associada à miastenia gravis foi a doença
de Graves, porém sem casos de doença reumática.
doses das drogas e diminuição das complicações, a
esternotomia continua sendo o padrão-ouro para
a timectomia na miastenia gravis, principalmente
quando o paciente for portador de timoma.11,12,13
O uso de piridostigmina no pós-operatório pode
reduzir em até 80% em seis meses e o corticoide
(prednisona) não dados.11 No nosso estudo, no pósoperatório imediato houve redução de 20,7% de
piridostigmina e 33,6% de prednisona. Após um ano de
cirurgia, a redução alcança 25,4% de piridostigmina e
60,9% de prednisona; além disso, duas pacientes estão
atualmente sem o uso de medicamentos (cinco anos
após o procedimento cirúrgico).
A classificação de Osserman no pré-operatório
não está diretamente relacionada à melhora clínica
no pós-operatório, uma vez que 91,3% dos pacientes
apresentaram melhora do quadro clínico quando
comparados ao momento anterior à cirurgia,
independente de sua classificação. Apenas dois
pacientes não obtiveram melhora clínica após a
timectomia, porém não podemos atribuir tal fato
à classificação ou ao tempo de doença antes da
cirurgia, pois ambos foram classificados como estágio
III e com tempos de doença diferentes entre si (três
e 48 meses). A classificação de Osserman pode não
ser capaz de predizer o prognóstico do paciente, pois
a utilização de esteroides no pré-operatório poderia
mudar o estágio do paciente, tornando-o um estágio
mais baixo durante o tratamento clínico,8 nossos
pacientes fizeram uso de esteroides no pré-operatório
e talvez essa seja a causa da melhora em quase o total
da amostra.
De acordo com a classificação de Keynes,
classificação adotada no pós-operatório, houve
melhora dos pacientes em relação ao pré-operatório,
ou seja, 21 dos 23 pacientes estudados (91,3%)
apresentaram melhora clínica. A melhor resposta à
cirurgia foi de duas pacientes (8,7%), classificadas no
pré-operatório em Osserman IIa e III, respectivamente,
e evolução para remissão da doença.
Neste trabalho, os pacientes com diferentes
classes, de acordo com a classificação de Osserman e
o tempo de doença, não foram fatores definitivos em
relação ao prognóstico dos pacientes, pois diferentes
classificações e tempos de doença diferentes
apresentaram resultados semelhantes. Apesar da
pequena amostra de pacientes, podemos concluir que
a timectomia tenha contribuído para a redução do uso
de medicamentos em pacientes com manifestações
clínicas mais graves, independente da incisão cirúrgica
empregada.
As complicações no pós-operatório não foram
atribuídas somente às cirurgias com esternotomia,
pois os dois pacientes submetidos à videotoracoscopia
apresentaram intercorrências no pós-operatório, um
com pneumonia e o outro com necrose de pele no
local do dreno de tórax. Uma importante complicação
foi um óbito após a cirurgia com esternotomia,
porém a paciente apresentava grande acometimento
da musculatura generalizada no pré-operatório,
internada em várias ocasiões por conta de insuficiência
respiratória por paralisia da musculatura da caixa
torácica e a cirurgia não trouxe melhora significativa ao
quadro clínico anterior. Um estudo com 19 pacientes
comparou a cirurgia com esternotomia (n=10) com três
complicações e duas reoperações e a cirurgia por robôs
e minimamente invasiva (n=9) com uma complicação
e nenhuma reoperação, porém os autores asseguram
que, apesar da cirurgia por vídeo trazer os mesmos
benefícios que a esternotomia, como diminuição
dos sintomas e sinais neuromusculares, redução das
REFERÊNCIAS
1 - Saito EH, Higa C, Nunes RA, Magalhães
GC, Vaz CA, Cervante VF. Timectomia estendida por
cirurgia torácica videoassistida e cervicotomia no
tratamento da miastenia. J. Pneumologia. 2003; 29(5)
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2 - Michaud M, Delrieu J, Astudillo L.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
VALIAÇÃO DO PÓS-OPERATÓRIO DE PACIENTES COM MIASTENIA GRAVIS SUBMETIDOS À TIMECTOMIA
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2000; 15(2): 53-56.
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13 - Zahida I, Sharifa S, Routledgeb T, Scarci M.
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Interactive CardioVascular and Thoracic Surgery. 2011;
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4 - Gilhus NE, Owe JF, Hoff JM, Romi F,
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5 - Kim JY, Park KD, Richman DP. Treatment of
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Gravis Performed by Extended Transsternal and
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Santana et al
CARCINOMA VERRUCOSO DE LARINGE: VARIANTE
INCOMUM DE CARCINOMA EPIDERMOIDE
Verrucous Carcinoma Of The Larynx: An Uncommon Variant Squamous Cell Carcinoma
Renata Farias de Santana,* Renato Telles de Souza,** Luiz Carlos Nadaf de Lima,***
Rafael Siqueira de Carvalho,**** Marcos Antônio Fernandes,***** Luiz Eduardo Wawrick Fonseca******
RESUMO
O carcinoma verrucoso é uma variante rara de carcinoma epidermoide bem diferenciado. Essa lesão,
também conhecida como tumor de Ackerman, tem uma aparência morfológica característica e
comportamento clínico específico. A metástase é rara, mas o crescimento é inexorável, podendo resultar
na morte do paciente. Noventa por cento do acometimento laríngeo está na glote. O diagnóstico
histopatológico pode ser muito difícil, pelo alto grau de diferenciação celular, especialmente se o material
da biópsia não mostra uma área de junção entre tumor e o tecido normal. A maioria dos pacientes é
tratada cirurgicamente, mas a radioterapia e quimioterapia também são utilizadas em pacientes com
lesões muito extensas. Apresenta-se, neste relato, o caso de paciente com história de seis meses de
disfonia, com lesão hiperqueratótica, leucoplásica, exofítica e vegetante, compatível com carcinoma
verrucoso.
Palavras-chave: Carcinoma verrucoso, laringe, disfonia.
ABSTRACT
Verrucous carcinoma is a rare variant of well differentiated squamous cell carcinoma. This lesion,
also known as Ackerman’s tumor, has a characteristic morphologic appearance and specific clinical
behavior. Metastasis is rare, but growth is inevitable and may result in death. Ninety percent of laryngeal
involvement is in the glottis. Histopathological diagnosis can be very difficult due to the high degree of
cell differentiation, especially if the biopsy material doesn’t show an area of junction between tumor
and normal tissue. Most patients are treated surgically, but radiotherapy and chemotherapy are also
used in patients with very extensive lesions. This report presents a patient with a history of six months of
dysphonia, with hyperkeratotic lesions, leukoplakia, and vegetative exophytic, consistent with verrucous
carcinoma.
Key words: Verrucous carcinoma, larynx, dysphonia.
* Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV
** Professor mestre/chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV
*** Professor mestre/preceptor da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV
**** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV
***** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV
****** Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
CARCINOMA VERRUCOSO DE LARINGE: VARIANTE INCOMUM DE CARCINOMA EPIDERMOIDE
INTRODUÇÃO
O carcinoma verrucoso é uma variante rara
de carcinoma epidermoide bem diferenciado. Essa
lesão, também conhecida como tumor de Ackerman,
tem uma aparência morfológica característica e
comportamento clínico específico. Deve ser separada
de outros carcinomas epidermoides, porque, mesmo
com lesões extensas, tem um excelente prognóstico
com o tratamento adequado. Essa lesão tem uma
predileção para as membranas mucosas da cabeça
e pescoço, sendo mais comumente encontrada na
cavidade oral. É uma doença essencialmente de
homens com idade superior a 50 anos. Mascar tabaco
é o fator etiológico primário das lesões da cavidade
oral. O tabagismo é altamente correlacionado com
lesões laríngeas.1 Os avanços da biologia molecular
demonstram uma provável relação entre o carcinoma
verrucoso e o papiloma vírus humano.2
Figura 1: Lesão exofítica em prega vocal esquerda.
RELATO DO CASO
Figura 2: Peça cirúrgica obtida após microcirurgia laríngea.
Paciente do sexo masculino, 55 anos,
compareceu ao Ambulatório de Otorrinolaringologia
do Hospital Universitário Getúlio Vargas, referindo
quadro de disfonia e tosse seca irritativa havia seis
meses. Passou a manifestar queixa de dispneia em
repouso no último mês. Negava disfagia, odinofagia
ou uso abusivo da voz. Portador de diabetes mellitus
tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. História de
tabagismo havia 20 anos, com carga tabágica de 10
maços/ano.
DISCUSSÃO
O carcinoma verrucoso é uma neoplasia
maligna altamente diferenciada, constituída por
células escamosas, de apresentação incomum. Pode
acometer mucosa ou superfície da pele. Tende a
produzir camada proeminente de queratina e, embora
capaz de causar destruição do tecido local e invasão,
geralmente não gera metástases. A diferenciação
clínica e histológica é de primordial importância para
o diagnóstico.3
À videolaringoscopia, apresentava lesão
hiperqueratótica leucoplásica, exofítica e vegetante,
com prolongamentos filiformes, ocupando a totalidade
de prega vocal esquerda, causando obstrução glótica,
além de extensão subglótica. Mobilidade de pregas
vocais aparentemente preservada (Figura 1).
A metástase é rara, mas o crescimento é
inexorável, podendo resultar na morte do paciente.
Noventa por cento do acometimento laríngeo está na
glote. O diagnóstico histopatológico pode ser muito
difícil, por conta do alto grau de diferenciação celular,
especialmente se o material da biópsia não mostra
uma área de junção entre tumor e o tecido normal.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Santana et al
Provavelmente, em nenhuma outra neoplasia de
laringe há mais necessidade de cooperação entre o
cirurgião e o patologista.4,5
Persistem muitas controvérsias na literatura
quanto ao tratamento do carcinoma verrucoso. A
maioria dos pacientes é tratada cirurgicamente, mas
a radioterapia e quimioterapia também são utilizadas
em pacientes com lesões muito extensas, que
impossibilitem a exérese do tumor com margem de
segurança.6,7
REFERÊNCIAS
1 - roy CA. Carcinoma verrucoso de cabeça e
pescoço. Disponível em: <http://www.bcm.edu/oto/
grand/92891.html>. Acesso em: 19 abril 2010.
2 - Abramson AL, Brandsma J, Steinberg B,
Winkler B. Verrucous carcinoma of the larynx. Arch.
Otolaryngol. 1985; 111(11): 709-15.
3 - Pérez S, Jorge F, Medina B, Susana B,
Lagueiro M. Carcinoma verrucoso de laringe. An.
Otorrinolaringol. Urug. 2004; 80: 14-8.
4 - Varshney S, Jasprit S, Saxena RK, Anoop K,
Pathak VP. O carcinoma verrucoso de laringe. Revista
Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça
e Pescoço. 2004; 56(1).
5 - Kermani ZM. Verrucous carcinoma of the
larynx. Acta Medica Iranica. 1993; 31: 75-8.
6 - Cisternas A, Torrente M. Radiotherapy and
verrucous carcinoma of the larynx. Rev, Otorrinolaringol.
Cir. Cabeza Cuello. 2008; 68(3): 319-22.
7 - Moraes RV. Carcinoma verrucoso de boca:
análise das características clínica e microscópica, da
expressão imuno-histoquímica e da hipermetilação do
gene e-caderina. 2005. 137 p. Dissertação (Mestrado
em Odontologia). Curso de Pós-Graduação em
Patologia Bucal, Universidade de São Paulo, Bauru.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Fernandes et al
LIPOMA DE PALATO MOLE – RELATO DE CASO
Lipoma soft palate - case report
Marcos Antônio Fernandes,* Renato Telles de Souza,** Luiz Carlos Nadaf de Lima,***
Rafael Siqueira de Carvalho,**** Renata Farias de Santana,***** Luiz Eduardo Wawrick Fonseca******
RESUMO
O lipoma de palato mole é um tumor benigno raro, que acomete principalmente pessoas entre 40 e 60
anos, com ligeira predileção pelo sexo masculino, sendo incomum o acometimento abaixo dos 12 anos
de idade. Geralmente é assintomático de crescimento lento e etiologia incerta. O presente trabalho
relata uma criança de dez anos de idade, que se apresentou com uma tumoração em palato mole, que
teve como diagnóstico histopatológico de lipoma e foi submetida a tratamento cirúrgico para remoção
da lesão.
Palavras-chave: Lipoma de palato mole, tumor raro.
ABSTRACT
Lipoma of the soft palate is a rare benign tumor, which mainly affects people between 40 and 60 years
of age, with slight predilection for males. Onset below 12 years is age is uncommon. It is generally
asymptomatic, with slow-growth and uncertain etiology. This paper describes a 10-year-old presented
with a tumor in the soft palate, which had the histopathological diagnosis of lipoma and who underwent
surgery for removal of the lesion.
Key words: Lipoma of the soft palate, rare tumor.
INTRODUÇÃO
é entre 40-50 anos. O acometimento em crianças é
muito raro. Sua origem é incerta, porém acredita-se
que exista um fator genético envolvido na etiologia.
Lipoma ou lipomatose é um acúmulo de tecido
gorduroso que surge por baixo do tecido subcutâneo.
Os lipomas são tumores benignos, mas podem
apresentar crescimento volumoso, causando grande
incômodo estético e até mesmo físico. Pode acometer
pessoas de todas as idades, porém sua incidência é
maior em homens e a faixa etária mais acometida
Este trabalho tem por objetivo descrever o
relato de caso de um paciente do sexo masculino,
de dez anos de idade, portador de um lipoma
em palato mole, condição muito rara pela faixa
* Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV
** Professor mestre/chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV
*** Professor mestre/preceptor da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV
**** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV
***** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV
****** Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
LIPOMA DE PALATO MOLE - RELATO DE CASO
etária e localização, diagnosticado no Serviço de
Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio
Vargas (HUGV).
RELATO DE CASO
Criança do sexo masculino, dez anos de
idade, havia dois anos apresentou quadro clínico de
disfagia e roncos, motivo que fez sua genitora leválo a consulta médica. Foi diagnosticada uma lesão
em pilar amigdaliano anterior direito, clinicamente
compatível com cisto. Fazia um ano houve piora da
sintomatologia, sendo encaminhado ao Ambulatório
de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário
Getúlio Vargas – AM. No momento da consulta as
queixas eram de disfagia, odinofagia e roncos.
Figura 2: 12.º dia de pós-operatório.
Figura 3: 41.º dia de pós-operatório.
DISCUSSÃO
À oroscopia, observou-se uma lesão amarelada,
medindo em média 3,0 x 3,0 cm, envolvendo palato
mole e pilar amigdaliano anterior (Figura 1). Foi
realizada remoção cirúrgica, sem intercorrências.
Atualmente com quatro meses de seguimento, sem
sinais de recidiva.
O lipoma é um tumor intrabucal relativamente
raro, apesar de ocorrer com frequência considerável
em outras áreas, particularmente em tecidos
subcutâneos do pescoço.1,3
Perto de 1 a 4% acometem a cavidade oral,
representando de 0,1 a 5% de todos os tumores
benignos da boca. As localizações intraorais mais
frequentes são a mucosa jugal (50%), seguida do lábio
inferior (20%) e região retromolar (10%).
A etiologia do lipoma permanece incerta, porém
possíveis alterações endócrinas e causas hereditárias,
traumas locais, além de infecções são possíveis
agentes causadores.4 É um neoplasma benigno, de
crescimento lento, assintomático, de base séssil ou
pediculada, única ou lobulada, geralmente circundado
Figura 1: Aspecto clínico da lesão, à oroscopia.
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Fernandes et al
por uma cápsula fibrosa.1,2 Seu pico de ocorrência dáse principalmente entre a quinta e sexta décadas de
vida (45%), raramente encontrados em crianças com
dez anos ou menos (4,7%).5
O tratamento de escolha deve ser a excisão
cirúrgica, com o índice de recidiva considerado baixo.4
Na análise histopatológica a microscopia mostrou
neoplasia de linhagem mesenquimatosa constituída
pela proliferação de adipócitos maduros a par de
delicados septos fibrosos, tendo como diagnóstico
final lipoma.
O diagnóstico preciso, por meio de uma
boa anamnese e exame físico, é fundamental
para uma adequada indicação do tratamento. O
acompanhamento pós-operatório dessa lesão é
importante e fundamental para detecção de possível
recidiva.
REFERÊNCIAS
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Patologia Bucal. 3.a ed. Rio de Janeiro: Guanabara;
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São Paulo: Artes Médicas; 1982.
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Maxilo Facial. Bauru: Independente; 2005.
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e Maxilofacial: Estudo Retrospectivo de 16 Anos no
Brasil. Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac.
2008; 49(4): 208-9.
43
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Marques et al
MORTE SÚBITA ABORTADA EM PACIENTE CHAGÁSICO
CRÔNICO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RELATO DE
CASO
Aborted Sudden Death In A Chronic Chagas Disease Patient From The Brazilian Amazon
Region: A Case Report
Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques,* João Marcos Barbosa Ferreira,***Jaime Arnez Maldonado,****
Frederico Gustavo Cordeiro Santos,* Danielle Abreu da Costa,* Gilmara Anne da Silva Resende,**
Jorge Augusto de Oliveira Guerra*****, Maria das Graças Vale Barbosa*****
RESUMO
A cardiopatia chagásica pode se apresentar em três formas essenciais: insuficiência cardíaca, arritmia e
tromboembolismo. A forma arritmogênica é comum nas áreas endêmicas, sendo uma importante causa
de mortalidade entre os pacientes com DC. É relatado episódio de morte súbita (MS) abortada causada
por taquicardia ventricular (TV) sem pulso com necessidade de Cardio-Desfibrilador Implantável (CDI)
em paciente autóctone da Amazônia Brasileira. Esse é o primeiro caso de forma predominantemente
arritmogênica da cardiopatia chagásica crônica (CCC) na região.
Palavras-chave: Doença de Chagas, Cardiomiopatia Chagásica, Amazônia, Arritmias Cardíacas, Morte
Súbita.
ABSTRACT
Chagas heart disease can present itself in three basic shapes: heart failure, arrhythmia, and
thromboembolism. The arrhythmogenic form is common in endemic areas, an important cause of
mortality among patients with CD. An aborted episode of sudden death caused by ventricular tachycardia
without pulse with the need for implantable cardiac defibrillator in a Brazilian Amazon autochthonal
patient is reported. This is the first case of predominantly arrhythmogenic form of chronic chagasic
cardiopathy (CCC) in the region.
Key words: Chagas Disease, Chagas Cardiomyopathy, Amazon Region, Cardiac Arrhythmias, Sudden
Death.
* Médico(a) residente de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas
** Médico(a) residente de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas
*** Médico(a) especialista em Cardiologia
**** Médico cardiologista especialista em Eletrofisiologia e estimulação cardíaca
***** Médico(a) especialista em Infectologia
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
MORTE SÚBITA ABORTADA EM PACIENTE CHAGÁSICO CRÔNICO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RELATO DE CASO
INTRODUÇÃO
digestivo da DC.
Esse é o primeiro caso, na região, de
arritmia ventricular complexa com episódio de
MS recuperada, inclusive com necessidade de
implante de cardiodesfibrilador.
A Amazônia é considerada área de baixa
endemicidade para doença de Chagas (DC). Apesar
disso, recentemente, tem sido mais frequente o
diagnóstico de casos agudos e crônicos na região.1,6
Quanto ao agente etiológico, tem sido descrito
na Amazônia o Trypanosoma cruzi dos grupos
zimodema 1, zimodema 3 ou híbrido Z1/Z3. Essas
cepas são diferentes das encontradas nas zonas
endêmicas do Brasil, onde predomina o zimodema
2
. Não se conhece totalmente a patogenicidade
das cepas da Amazônia; porém acredita-se que
causem baixa morbidade, provavelmente menor
que a encontrada nas áreas endêmicas.1
RELATO DE CASO
E.R., 49 anos, masculino, casado, pedreiro,
natural do município de Guajará, microrregião do
Juruá, interior do Amazonas. Morou em Guajará
até os 31 anos de idade e reside em Manaus, AM,
há 18 anos. Nunca viajou para fora do Estado do
Amazonas. Procurou o Serviço de Emergência em
abril de 2009 por mal-estar geral, palpitações
taquicárdicas e sudorese fria com evolução de
duas horas. Na admissão, apresentou episódio de
parada cardiorrespiratória sendo monitorizado
eletrocardiograficamente com diagnóstico de
taquicardia ventricular monomórfica sem pulso
Apesar disso, já foram descritos casos
crônicos de cardiomiopatia dilatada de etiologia
chagásica na região. Esses poucos casos descritos
apresentavam importante comprometimento da
função sistólica ventricular esquerda.2,3,10 Ainda
não foram relatados casos de predominância da
forma arritmogênica da CCC ou de acometimento
Figura 1: Eletrocardiograma no momento de taquicardia ventricular monomórfica.
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v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Marques et al
(Figura 1). O paciente foi submetido à reanimação
cardiopulmonar e desfibrilação elétrica com
sucesso. Negava tabagismo, etilismo, uso de drogas
ilícitas e transfusões sanguíneas. Desconhecia
contato com triatomíneos. Não há casos de
cardiopatias na família, bem como nenhuma outra
patologia. Permanecia assintomático do ponto de
vista digestório. Foi transferido para o Serviço de
Cardiologia do Hospital Universitário Francisca
Mendes (HUFM) para investigação etiológica.
Na admissão, encontrava-se lúcido e orientado
no tempo e espaço. Ao exame do aparelho
cardiovascular, o ictus cordis não era visível e/
ou palpável. O ritmo cardíaco era regular em dois
tempos, com bulhas normofonéticas e sem sopros.
A frequência cardíaca era de 75bpm e a pressão
arterial de 110/70mmHg.
Durante internação na enfermaria e em
vigência de droga antiarrítmica o paciente
apresentou novo episódio de TV associado à
instabilidade hemodinâmica. Realizou-se nova
desfibrilação elétrica com retorno para ritmo
sinusal. Por conta da MS de causa arritmogênica
(TV) e como prevenção secundária de novos
eventos, optou-se pelo implante de CDI (Figura
3). O paciente evoluiu de forma satisfatória após
procedimento. Recebeu alta hospitalar para
acompanhamento ambulatorial, assintomático e
em bom estado geral.
O
eletrocardiograma
de
repouso
apresentava ritmo sinusal, com bloqueio de
ramo direito, sem evidências de sobrecargas e/
ou hipertrofia. Foi submetido ao ecocardiograma
transtorácico que identificou aumento discreto
das câmaras esquerdas, aneurisma apical de
ventrículo esquerdo (Figura 2), hipocinesia
das paredes inferior e posterior com disfunção
sistólica ventricular esquerda leve (fração de
ejeção de 50% pelo método de Simpson). A
sorologia para doença de Chagas foi reagente
nos métodos imunofluorescência indireta, ELISA,
hemaglutinação direta e Western-Blot (TESABLOT).
Figura 3: Radiografia de tórax posteroanterior após implante
de cardiodesfibrilador com gerador em hemitórax esquerdo.
Em abril de 2010, um ano após o episódio,
o paciente foi reavaliado e encontrava-se
assintomático, em bom estado geral. Realizou
holter 24 horas sem alterações e análise do
cardiodesfibrilador com registro de choques
apropriados aplicados pelo CDI, evitando dessa
forma um desfecho fatal.
DISCUSSÃO
Afase crônica da cardiopatia chagásica pode se
apresentar em três formas essenciais: insuficiência
cardíaca, arritmia e tromboembolismo. A forma
arritmogênica é comum nas áreas endêmicas,
sendo uma importante causa de mortalidade entre
os pacientes com DC.5 As arritmias ventriculares
Figura 2: Ecocardiograma com imagem de aneurisma apical
ventricular esquerdo.
46
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
MORTE SÚBITA ABORTADA EM PACIENTE CHAGÁSICO CRÔNICO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RELATO DE CASO
complexas se correlacionam com a intensidade
da disfunção ventricular e com a presença
de alterações da contratilidade segmentar,
principalmente o aneurisma apical. Essas variáveis
indicam pior prognóstico em pacientes com
CCC.8 Entretanto, também são descritos casos
de MS mesmo em pacientes com função sistólica
ventricular esquerda preservada.9 O CDI tem se
mostrado eficaz na proteção de arritmias fatais
nos pacientes com a forma arritmogênica da DC.7
Amazônia.
Este relato sugere que a doença de Chagas
possui morbidade cardíaca significativa na
Amazônia e que o acometimento pode ocorrer nas
diversas formas de CCC. Portanto, é necessária
a realização de mais estudos descrevendo as
características do acometimento cardíaco da DC
na região amazônica.
Em abril de 2010, um ano após o episódio,
o paciente foi reavaliado e encontrava-se
assintomático em bom estado geral. Realizou
holter 24 horas sem alterações e análise do
cardiodesfibrilador com registro de choques
apropriados aplicados pelo CDI, evitando dessa
forma um desfecho fatal.
Na região amazônica, já foram descritos
dois casos fatais de miocardiopatia dilatada e três
casos com alterações ecocardiográficas típicas de
DC em pacientes com infecção chagásica crônica
no município de Barcelos, Estado do Amazonas.2,10
Em serviço de referência em cardiologia do Estado
do Amazonas (HUFM), levantamento de 37 casos
de cardiomiopatia dilatada sem etiologia definida
em pacientes autóctones da Amazônia demonstrou
três casos de CCC, estimando-se uma frequência
de 8,1% no grupo estudado.4 Todos esses pacientes
descritos tinham diagnóstico de cardiomiopatia
dilatada com história clínica de insuficiência
cardíaca e importante comprometimento da
função sistólica ventricular esquerda (fração de
ejeção de VE menor que 35%), porém nenhum deles
apresentou registro de arritmia potencialmente
fatal.
REFERÊNCIAS
1 - Aguilar HM, Abad-Franch F, Dias JCP,
Junqueira ACV, Coura JR. Chagas disease in the
Amazon Region. Memórias do Instituto Oswaldo
Cruz 102 (Suppl I). 2007: 47-55.
2 - Albajar PV, Laredo SV, Terrazas MB,
Coura JR. Miocardiopatia dilatada em pacientes
com infecção chagásica crônica. Relato de dois
casos fatais autóctones do rio Negro, Estado do
Amazonas. Revista da Sociedade Brasileira de
Medicina Tropical. 2003: 36: 401-407.
O presente relato descreve o primeiro caso
autóctone da Amazônia Brasileira com predomínio
da forma arritmogênica da DC, presença de
comprometimento apenas discreto da função
sistólica de VE (fração de ejeção de 50%) e sem
história clínica de insuficiência cardíaca.
3 - Ferreira JMBB, Guerra JAO, Barbosa MGV.
Ventricular aneurysm in a chronic chagasic patient
from the Brazilian Amazon. Revista da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical. 2009; 42.
O
paciente
apresentava
alterações
cardiológicas típicas do acometimento pela DC como
bloqueio de ramo direito no eletrocardiograma de
repouso e aneurisma apical no ecocardiograma
transtorácico.5
4 - Ferreira JMBB, Guerra JAO, Magalhães
BML, Coelho LIARC, Maciel MG, Barbosa MGV.
Cardiopatia chagásica crônica na Amazônia: uma
etiologia a ser lembrada. Arquivos Brasileiros de
Cardiologia. In press; 2009.
A história de MS recuperada causada por TV
sem pulso, com necessidade de implante de CDI,
já foi descrita em vários casos de CCC nas áreas
tradicionalmente endêmicas,5,7,9 porém ainda
não havia sido relatada em casos autóctones da
5 - Marin-Neto JA, Simões MV, Sarabanda
AVL. Cardiopatia Chagásica. Arquivos Brasileiros
de Cardiologia. 1999; 72: 247-263.
6
47
-
Magalhães
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
BML.
Inquérito
Marques et al
soroepidemiológico para infecção chagásica em
área rural da Amazônia Ocidental brasileira. Tese
de Mestrado, Universidade do Estado do Amazonas,
Manaus, AM; 2009.
7 - Muratore CA, Sa LAB, Chiale PA, Eloy
R, Tentori MC, Escudero J, Lima AMC, Medina LE,
Garillo R, Maloney J. Implantable cardioverter
defibrillators and Chagas’ disease: results of the
ICD Registry Latin América. Europace 11, 2009;
164-168.
8 - Rassi A Jr, Rassi A, Rassi SG. Predictors of
mortality in chronic Chagas Disease: A systematic
review of observational studies. Circulation. 2007;
115: 1101-1108.
9 - Sternick EB, Martinelli M, Sampaio RC,
Gerken LM, Teixeira RA, Scarpelli L, Scanavacca
M, Nishioka SO, Sosa E. Sudden Cardiac Death in
patients with Chagas Heart Disease and preserved
left ventricular function. Journal of Cardiovascular
Electrophysiology. 2006; 17: 113-116.
10 - Xavier SS, Sousa AS, Albajar PV, Junqueira
ACV, Boia MN, Coura JR. Cardiopatia chagásica
crônica no rio Negro, Estado do Amazonas. Relato
de três novos casos autóctones, comprovados por
exames sorológicos, clínicos, radiográficos do tórax,
eletro e ecocardiográficos. Revista da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical. 2006; 39: 211-216.
48
INTRODUÇÃO
revistahugv - Revista do Hospital Universitário
Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Carlos et al
MIOCARDIOPATIA PERIPARTO: RELATO DE CASO
Peripartum Myocardiopathy: Case Report
Ana Márcia Freitas Carlos,* Michelle Masuyo Minami Sato,*
Carla Daniela Fank,** Marlúcia do Nascimento Nobre***
RESUMO
A miocardiopatia periparto é uma doença rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por
desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva materna, com disfunção ventricular sistólica
esquerda, em mulheres previamente hígidas, excluídas outras causas. Apresenta maior frequência em
negras, primíparas e com idade superior a 30 anos. A terapêutica instituída é similar à de outras causas
de IC, excetuando-se a utilização de Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina e Nitroprussiato
de Sódio durante a gestação. O prognóstico é favorável para os casos que recuperam a função ventricular
dentro de um período de seis meses. Gestações futuras não são recomendadas se houver persistência
da disfunção cardíaca esquerda. Relatamos o caso clínico de uma mulher parda, de 21 anos de idade,
primípara, previamente saudável, que desenvolveu manifestações de insuficiência cardíaca no último
trimestre da gestação e puerpério imediato. Radiografia de tórax e eletrocardiograma com aumento de
câmaras esquerdas e alterações de repolarização e ecocardiograma com fração de ejeção de 34%. Foi
instituída terapêutica adequada para o caso, com resolução das alterações clínicas e ecocardiográficas
na avaliação realizada após seis meses do início do quadro.
Descritores: Gravidez, miocardiopatia periparto, falência cardíaca aguda.
ABSTRACT
Peripartum Myocardiopathy (PPMC) is a rare disease of unknown etiology, characterized by the development
of congestive heart failure, with left systolic ventricular dysfunction, in previously healthy pregnant
women, excluding other causes. It is more frequent in black women, first-time mothers, over 30 years of
age. The therapy is similar to other causes of heart failure, excepting the use of angiotensin-converting
enzyme inhibitors and sodium nitroprusside during gestation. The prognosis is favorable for cases that
recover the ventricular function within a period of 6 months. Futures pregnancies are not recommended if
ventricular dysfunction persists. We reported the case of a 21 year old mulatto woman, first-time mother,
previously healthy, who developed symptoms of heart failure in the last trimester of pregnancy and in
the puerperium. The chest X-ray and the electrocardiogram showed signs of increased left chambers and
repolarization changes, and the Echocardiogram an ejection fraction of 34%. Appropriate therapy was
introduced, with clinical and echocardiographic resolution in the evaluation performed 6 months after
the start of the case.
Key words: Pregnancy, miocardiopathy peripartum, accute cardial failure.
*Médica residente de Clínica Médica do HUGV-Ufam
** Médica cardiologista
*** Médica cardiologista/preceptora da residência de Clínica Médica e supervisora da Residência de Cardiologia do HUGV
49
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
MIOCARDIOPATIA PERIPARTO: RELATO DE CASO
quadro, eventualmente procurava serviço de
emergência, sendo evidenciado uma média de PA =
170X110mmHg,. Com 40 semanas de gestação, foi
admitida em maternidade apresentando dispneia
importante, edema de membros inferiores
(1+/4+) e PA = 200X110mmHg, sugestivos de préeclâmpsia. Foi submetida a parto cesáreo e, no
pós-parto, houve a necessidade de transfusão
de três concentrados de hemácias. Permaneceu
internada por três dias, recebendo alta hospitalar
em bom estado geral, com PA controlada.
A miocardiopatia designa uma perturbação
progressiva no funcionamento do miocárdio, o
qual pode favorecer complicações posteriores
como arritmias cardíacas ou morte súbita. Tal
afecção pode ser primária do músculo cardíaco,
sendo classificadas em miocardiopatia dilatada,
hipertrófica ou restritiva, ou ainda ter origem
extrínseca como por um evento isquêmico ou uma
doença sistêmica.
A miocardiopatia periparto (MCPP) é
uma doença primária incomum, de etiologia
desconhecida, caracterizada pelo desenvolvimento
de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) em
gestante previamente hígida, no último mês de
gestação ou até o 5.º mês de puerpério.1,2 Sua
incidência é estimada em 1:3000 a 1:4000 nascidos
vivos, o que corresponde de 1.000 a 1.300 casos/
ano nos EUA,2,3 acometendo principalmente
negras, com mais de 30 anos de idade, multíparas,
com gestação gemelar e/ou história de doença
hipertensiva específica da gravidez (DHEG).1,2 Seu
diagnóstico é de exclusão, com necessidade de
exames complementares para descartar outras
causas de ICC. As taxas de mortalidade, nos casos
graves, variam de 25 a 50%, ocorrendo em especial
nos três primeiros meses pós-parto, mostrando,
assim, a importância de reconhecimento precoce
dessa entidade, visando adequada abordagem
terapêutica e melhor prognóstico.4
No 4.º dia pós-parto, apresentou novamente
dispneia aos pequenos esforços e DPN, dando
entrada em serviço de emergência com PA
= 180X130mmHg, evoluindo para quadro de
insuficiência respiratória aguda, com necessidade
de intubação orotraqueal por 24 horas. Após dois
dias de internação, foi transferida para o Serviço
de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio
Vargas.
À admissão, a paciente apresentava-se
lúcida e orientada, taquipneica, hipocorada
(1+/4+), sem edemas, com ausculta respiratória
evidenciando murmúrio vesicular fisiológico, sem
ruídos adventícios, 24irpm, e ausculta cardíaca
com ritmo cardíaco regular, presença de B3,
normofonese de bulhas, discreto sopro sistólico
em foco mitral, PA = 140X90mmHg e frequência
cardíaca de 100bpm. Foi iniciada terapêutica com
furosemida 40mg/dia, espironolactona 25mg/
dia, captopril 50mg de 8/8h, carvedilol 3,125mg
de 12/12h, e realizados exames para elucidação
diagnóstica.
RELATO DE CASO
A radiografia de tórax (Figura 1) evidenciou
aumento da área cardíaca, com aumento de
câmaras esquerdas e congestão vascular.
Mulher de 21 anos, primigesta, parda,
natural e procedente de Manaus, do lar,
previamente hígida, com antecedentes pessoais
e familiares irrelevantes. Realizou pré-natal em
posto de saúde até 28 semanas de gestação,
com posterior abandono do acompanhamento, a
despeito do início de sintomatologia de dispneia
em repouso, dispneia paroxística noturna (DPN),
fadiga, dor torácica, palpitações e edema
em membros inferiores (MMII). Em razão do
50
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Carlos et al
Figura 1: Radiografia de tórax à admissão em incidência
posteroanterior.
Figura 3: ECO mostrando corte bimensional das câmaras
cardíacas.
O eletrocardiograma (ECG) mostrou
sobrecarga de câmaras esquerdas e alteração
difusa da repolarização (Figura 2).
Os exames laboratoriais solicitados incluíram
sorologias para cocksakie, hepatites B e C, sífilis,
antiestreptolisina O, FAN (Fator antinuclear),
proteína C reativa, todos com resultado negativo.
A paciente também não apresentava critérios
clínicos compatíveis com nenhum tipo de
colagenose ou febre reumática.
Após instituição do tratamento, a paciente
evoluiu com melhora do quadro clínico geral,
recebendo alta hospitalar após 15 dias com
diagnóstico de MCPP, em classe funcional II e em
uso de espironolactona 25mg/dia, captopril 25mg
de 8/8h e carvedilol 12,5mg de 12/12h. Durante
acompanhamento ambulatorial, no período de
seis meses, a paciente evoluiu com normalização
dos níveis pressóricos, bem como dos parâmetros
ecográficos, com FE normal, sem necessidade da
medicação previamente instituída.
Figura 2: ECG à admissão.
O ecocardiograma (ECO) (Figura 3)
evidenciou aumento das dimensões do ventrículo
esquerdo (VE) de grau leve, hipertrofia excêntrica
de VE, disfunção sistólica global do VE de grau
moderado, disfunção contrátil de ventrículo
direito (VD), regurgitação mitral leve, hipertensão
de artéria pulmonar discreta e fração de ejeção
(FE) de VE = 34% pelo método de Teicholz.
DISCUSSÃO
A MCPP é definida pelos seguintes critérios:
ICC no último mês de gestação ou até o 5.º mês
de puerpério; disfunção ventricular esquerda
com fração de ejeção diminuída; ausência de
cardiopatia prévia e exclusão de outras causas de
51
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
MIOCARDIOPATIA PERIPARTO: RELATO DE CASO
ICC.1, 2,5
puerpério, ambas podem ser utilizadas. Destacamse ainda, no arsenal terapêutico disponível, os
betabloqueadores, bloqueador do receptor de
angiotensina II (BRA), antagonistas do canal de
cálcio e diuréticos. Em casos selecionados, na
dependência do quadro clínico apresentado pela
paciente e da resposta observada à terapêutica
inicial, podem ser necessários o uso de outras drogas
como os agentes inotrópicos, anticoagulantes,
imunossupressores e até mesmo tratamentos
cirúrgicos.1,4 A longo prazo, recomenda-se a
utilização de IECA/ARA II caso haja recuperação
da função sistólica ventricular ou, na sua ausência,
associação de nitrato + hidralazina.1
Os fatores de risco associados incluem
multiparidade, idade materna avançada (>
30 anos), gestações gemelares, raça negra e
DHEG.2,3,6,7
O quadro clínico apresentado pelas
gestantes portadoras de MCPP não difere daquele
apresentado por não gestantes portadoras de
disfunção sistólica, incluindo dispneia, DPN,
ortopneia, tosse seca, hemoptise, dor torácica,
palpitações e fadiga,1,2,5 além da observação, ao
exame físico, de B3, sopro de regurgitação mitral
ou tricúspide, estertores pulmonares, edema
periférico/ascite, pulso arrítmico, ingurgitamento
jugular, cardio/hepatomegalia.1,5 Os sintomas
costumam aparecer no pós-parto e, raramente,
antes de 36 semanas de gestação;2 no entanto,
o aparecimento destes ainda durante o período
gestacional torna difícil o reconhecimento dessa
entidade, haja vista que podem confundir-se com
adaptações fisiológicas da gravidez.1,2,8
No seguimento clínico das pacientes,
preconiza-se a realização de novo ECO após três
a seis meses do evento para reavaliação da função
cardíaca.1,6
O prognóstico de pacientes com MCPP
depende do grau de disfunção miocárdica, sendo
favorável naquelas que apresentam melhora clínica
e normalização da função cardíaca em até seis
meses após o parto, a partir do qual a persistência
da disfunção é considerada irreversível, com pior
prognóstico. Ele é ainda influenciado pela rapidez
na instituição da terapêutica, sua resposta e as
complicações advindas da MCPP.1,4,5,8
Uma vez que o diagnóstico da MCPP é de
exclusão, torna-se necessária a realização de
exames complementares para melhor elucidação
diagnóstica: Radiografia de tórax, que evidenciará
cardiomegalia e sinais de estase pulmonar
ou derrame pleural; ECG, com presença de
sobrecarga de câmaras cardíacas, arritmias e
alterações de repolarização ventricular; ECO
mostrando aumento das câmaras cardíacas
(predomínio de VE), hipocontratilidade e função
ventricular comprometida.2,4,9 A realização de
biópsia miocárdica pode ser considerada em alguns
casos.1,2
O caso apresentado faz referência a uma
paciente jovem, previamente hígida, primípara,
afro-descendente e que evoluiu com DHEG a
partir da 28.ª semana de gestação. Seu quadro
clínico incluía dispneia, DPN, fadiga, dor torácica,
palpitações, presença de B3, sopro sistólico em
foco mitral, edema de MMII. Para descartar outras
causas de ICC, foram solicitadas sorologias para
infecções virais, que se mostraram negativas, e
não foram observados critérios para colagenoses,
enquanto que Radiografia de tórax, ECG e ECO
evidenciaram alterações compatíveis com ICC.
Assim, foi levantada a hipótese diagnóstica
de MCPP, sendo instituída terapêutica para tal
entidade, com boa resposta clínica.
O diagnóstico diferencial de MCPP deve ser
feito com entidades clínico-obstétricas passíveis
de desencadear quadro de ICC, destacando-se préeclâmpsia, tromboembolismo pulmonar, infarto
agudo do miocárdio, estenose mitral/tricúspide,
infecções virais e colagenoses.1,10
O tratamento da MCPP é similar ao
preconizado para outras causas de ICC, exceto
pela não utilização dos IECAs e nitroprussiato
de sódio durante o período gestacional. No
Após alta hospitalar e acompanhamento
clínico nos seis meses seguintes, a paciente
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Carlos et al
apresentava-se assintomática, com normalização
dos níveis pressóricos e dos parâmetros ecográficos
e já sem necessidade do uso da medicação
previamente instituída.
9 - Benchimol AB, Benchimol CB, Manes
F, Filho A. Cardiomiopatia periparto. Arq Bras
Cardiol. 1998; 51 (1): 107-115.
10 - Alves LJ, Hydalgo L, Rolim LF,
Campagnone GZ, Aidar MT, Novaes GS et al.
Avaliação Clínica e Laboratorial da Cardiopatia
no Lúpus Eritematoso Sistêmico. Arq Bras Cardiol.
1997; 68 (2): 79-83.
Em conclusão, ressalta-se a importância do
reconhecimento precoce de sinais e sintomas de
insuficiência cardíaca em grávidas e puérperas,
a fim de que possam ser detectados com maior
facilidade e precisão os casos de MCPP e medidas
terapêuticas adequadas sejam instituídas, com
melhora no prognóstico das pacientes.
REFERÊNCIAS
1 - Pinto CG, Colaço G, Maya M, Avillez T,
Casal E, Hermida M. Miocardiopatia periparto.
Acta Med Port. 2007; 20: 447-52.
2 - Rombaldi A, Galvão A, Kissner F, Viana
C, Tesser L. Cardiomiopatia periparto. Revista da
Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul.
2005; XIV (5): 1-3.
3 - Moreira CC, Zanati SG, Medeiros
VTB, Guimarães C, Simões EF, Matsubara TT.
Características clínicas associadas à evolução
desfavorável na miocardiopatia periparto. Arq
Bras Cardiol. 2005; 84 (2): 141-6.
4 - Filho EAO, Bezerra GC, Carnelos LAA,
Silveira MS, Dantas MS, Martos RA. Cardiopatias e
gravidez – parte II. Femina. 2007; 35(4): 255-60.
5 - Bordignon, S. Cardiomiopatia periparto:
Contraindicações para subsequentes gravidezes.
Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande
do Sul. 2007; XVI (11): 1-5.
6 - Vélez JE, Duque M. Cardiomiopatía
periparto. Rev Colomb Cardiol., 2008; 15: 5-11.
7 - Chacon C, Bisogni C, Cursack G, Zapata
G. Miocardíopatia periparto. Rev Fed Arg Cardiol.
2006; 35: 125-129.
8 - Pearson G, Veille JC, Rahimtoola S, Hsia
J, Oakley CM, Honsenpund J et al. Rev. Hosp. Mat.
Inf. Ramón Sardá. 2006; 25 (2): 80-88.
53
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI
EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM
CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI
Evolution Of One Year Of Use Galsulfase In A Case Of Mucopolysaccharidosis Type VI
Renata de Almeida Lemos,* Vânia Mesquita Gadelha Prazeres**
RESUMO
As mucopolissacaridoses (MPS) são um grupo de doenças lisossômicas causadas pela deficiência de uma das
enzimas envolvidas no catabolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs), macromoléculas presentes no meio
extracelular e na membrana celular. O diagnóstico provável de oito tipos de MPS é baseado em achados
clínicos, sendo o diagnóstico definitivo dos subtipos estabelecido pela dosagem de enzima deficitária
específica e correlação desta com o fenótipo. O tratamento é feito com a terapia de reposição da enzima
(TRE) deficitária. O objetivo deste trabalho foi relatar o caso de um paciente diagnosticado com MPS
tipo VI e sua evolução após um ano em uso de TRE. Observou-se uma melhora significativa da clínica
obstrutiva respiratória e do desenvolvimento pôndero-estatural da criança (de acordo com as curvas de
crescimento). Os sintomas oftalmológicos, cardíacos e articulares não mostraram evolução significativa.
Esses dados são compatíveis com o já descrito em literatura. Conclui-se que a TRE é fundamental para a
manutenção da qualidade de vida de pacientes com diagnóstico de MPS tipo VI.
Descritores: Mucopolissacaridose; terapia de reposição enzimática; curvas de crescimento.
ABSTRACT
Mucopolysaccharidoses (MPS) are a group of lysosomal diseases caused by deficiency of an enzyme
involved in the catabolism of glycosaminoglycans (GAG’s), macromolecules present in the extracellular
and cell membrane. The probable diagnosis of seven types of MPS is based on clinical findings, and
definitive diagnosis of subtypes established by measuring specific enzyme deficient and correlation with
this phenotype. Treatment is done through deficit enzyme replacement therapy (ERT). The objective of
this study was to report the case of a patient diagnosed with MPS type VI and its evolution after a year
of use of ERT. There was significant improvement in obstructive respiratory clinic and height and weight
development of the child (according to the growth curves). The ophthalmologic, cardiac, and joint
symptoms showed no significant change. These data are compatible with those already described in the
literature. We conclude that ERT is critical to maintaining the quality of life of patients with MPS type VI.
Key words: Mucopolysaccharidoses; enzyme replacement therapy, growth curves.
* Médica residente em Pediatria – HUGV-Ufam
** Médica pediatra e geneticista. Professora de Pediatria – Ufam
54
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Lemos et al
INTRODUÇÃO
por queixa de opacificação da córnea bilateral que
se iniciou com um ano de idade. Nascido de parto
vaginal, a termo e sem intercorrências. Sem relato
de doenças preexistentes. Primeiro filho de pais
jovens e não consanguíneos.
As mucopolissacaridoses (MPS) são um grupo
de doenças lisossômicas causadas pela deficiência
de uma das enzimas envolvidas no catabolismo
dos glicosaminoglicanos (GAGs), macromoléculas
presentes no meio extracelular e na membrana
celular, e cuja incidência global está estimada em
1,3-4,5:100.000 nascimentos.1 A criança é normal
ao nascimento, mas paralelamente ao acúmulo
de glicosaminoglicanos, a sintomatologia evolui
progressivamente.2
Queixava-se de obstrução respiratória
com roncos noturnos. Não apresentava
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Ao exame físico inicial, criança em uso de
lentes corretivas, opacificação de córnea
bilateral, fácies discretamente grosseira e
com discreta rigidez articular. Sem alterações
no aparelho cardiorrespiratório. Ausência de
hepatoesplenomegalia. Segundo classificação da
OMS 2006, o menor apresentava baixa estatura
e baixo peso para a idade. Fenótipo fortemente
sugestivo de mucopolissacaridose (Figura 1).
As mucopolissacaridoses são pelo menos oito
diferentes síndromes com muitas características
em comum, de herança autossômica recessiva,
excetuando-se a do tipo II (Síndrome de Hunter)
que é ligada ao X.3 O diagnóstico provável dos
tipos de MPS é baseado em achados clínicos, sendo
o diagnóstico definitivo dos subtipos estabelecido
pela dosagem de enzima deficitária específica e
correlação desta com o fenótipo.4
Na década de 80 foi proposto o tratamento das
MPS com transplante de medula óssea/transplante
de células tronco hematopoiéticas (TMO/TCTH) e
na década de 90 começou o desenvolvimento da
Terapia de Reposição Enzimática (TRE), que se
tornou uma realidade aprovada para uso clínico
nas MPS I, II e VI na primeira década do século 21.5
A comercialização e uso da galsulfase (utilizada
no tratamento da MPS tipo VI) foi aprovada nos
Estados Unidos em 2005,6 na Comunidade Europeia
em janeiro 2006,7 e em fevereiro de 2009 no Brasil,
quando recebeu o registro da Anvisa.8
Figura 1: Fácies do paciente, discretamente grosseira,
sugestiva de mucopolissacaridose. Opacificação de córnea
bilateral.
Solicitados exames de triagem orientada
para mucopolissacaridoses no sangue (em papel
de filtro) e urina. Na ocasião, excluído MPS tipo
I e feito diagnóstico de MPS VI com arilsulfatase
em níveis muito baixos (5,8 nmoles/h/mg
proteína) e aumento acentuado de GAGs na urina.
Realizada pesquisa da mutação para MPS VI em
células de mucosa oral e encontrado a mutação
C.1143_1G>C/?
Este trabalho relata o caso de um paciente
diagnosticado com MPS tipo VI que se encontra em
TRE há um ano e a evolução de seus sintomas.
RELATO DO CASO
Paciente de oito anos, sexo masculino, natural
e procedente de Manaus-AM, foi encaminhado
para investigação diagnóstica de doença genética
Encaminhado ao cardiologista (avaliação
de rotina em casos de MPS) e no primeiro
55
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI
ecocardiograma não foi observada alteração.
Novo ecocardiograma realizado após dois anos
apresentava discreto espessamento de válvulas
mitral e aórtica.
apesar de sensação de melhora segundo relato do
paciente.
A criança apresentou, após dois meses de
tratamento, uma melhora acentuada na queixa
obstrutiva respiratória, referindo interrupção dos
roncos noturnos, embora não tenha realizado, até
o momento, estudo do sono para confirmar tal
relato.
No exame oftalmológico foi visto opacidade
difusa de córneas com rarefação na região central,
o que sugeria depósitos de mucopolissacárides.
Ausência de catarata.
Após longo processo judicial foi iniciada
terapia de reposição enzimática (TRE) com
galsulfase (enzima específica), estando o paciente
com dez anos de idade. Esse tratamento foi
interrompido por duas vezes, por um mês cada
vez, pela falta da enzima. Desde o início da TRE,
paciente não apresentou evento adverso ocorrido
no momento da infusão. Após quatro meses de TRE,
o menor apresentou uma queixa de dificuldade
para micção, o que poderia estar relacionado à
compressão medular, sendo então um provável
evento adverso. No entanto, essa hipótese não foi
confirmada pelo exame de Ressonância Magnética
da coluna (apresentou resultado normal).
Realizado ecocardiograma de controle
após quatro meses de TRE e o quadro de discreto
espessamento de válvulas mitral e aórtica persistiu
sem evolução.
A melhora mais evidente foi o progresso no
desenvolvimento pôndero-estatural constatado
nos primeiros quatro meses de TRE e mantido
no primeiro ano. O paciente apresentou rápido
ganho de peso e estatura desde o início da terapia
(Gráficos 1 e 2), sendo que a dose de galsulfase
prescrita e liberada pelo Ministério da Saúde
não acompanhou o aumento na velocidade de
crescimento do paciente.
Pela lentidão do processo judicial para
liberar a enzima, a dose calculada para o
início da TRE já estava defasada no momento
Ao exame oftalmológico, as alterações
oculares não evoluíram desde o início da terapia,
Gráfico 1: Curva de estatura/idade (OMS/meninos 5-19 anos), mostrando evolução da estatura do paciente.
56
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
Lemos et al
Gráfico 2: Curva de IMC (OMS/IMC meninos 5-19 anos), mostrando evolução pôndero-estatural do paciente.
da primeira infusão. Mesmo assim, o paciente
apresentou ganho de peso em progressão
exponencial e o aumento da dose não foi liberado
na mesma velocidade, o que manteve sempre a
dose defasada em relação ao peso (subdose).
semelhante para outras doenças de depósito
lisossômico. A primeira TRE para tratamento de
uma mucopolissacaridose foi para MPS I, sendo
subsequentemente aprovadas as TRE para MPS VI
e para MPS II.10
Em um controle feito com seis meses
de tratamento não contínuos, houve melhora
laboratorial, pois os GAGs urinários encontravamse em valores normais.
A TRE para o tratamento de MPS VI
é realizada pela administração intravenosa
semanal de galsulfase (Naglazyme®), uma forma
recombinante da enzima N-acetilgalactosamina
4-sulfatase, sintetizada por meio de engenharia
genética a partir de células de ovário de hamster
chinês e que bloqueia o acúmulo de GAGs. A
galsulfse não pode ser administrada por via oral,
pois as enzimas presentes no suco gástrico podem
digerir a substância antes que seja iniciado seu
efeito.11
DISCUSSÃO
A terapia de reposição enzimática (TRE) é
um tratamento que consiste na administração
periódica, por via venosa, da enzima específica
deficiente no organismo. A realização do primeiro
tratamento eficaz com TRE em pacientes com a
doença de Gaucher9 levou à busca de tratamento
57
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI
O
transplante
de
células-tronco
hematopoiéticas já foi descrito em alguns relatos
de caso de MPS VI, apesar dos riscos envolvidos
no procedimento e também da dificuldade de
encontrar doadores compatíveis.12
padrão da marcha dos pacientes com MPS VI que
realizaram reposição enzimática com galsulfase.16
Em 2009, foi relatado o primeiro caso de
reversão de papiledema e melhora da acuidade
visual em paciente de 11 anos com MPS VI que
recebeu a terapia de reposição enzimática com
a galsulfase. Esse resultado sugere que a terapia
de reposição enzimática precoce pode prevenir
ou reduzir o edema e a atrofia do nervo óptico e,
consequentemente, a cegueira nos pacientes com
MPS VI, na ausência de PIC elevada.17
Atualmente, a terapia gênica está sendo
pesquisada para a MPS VI e outras formas de MPS.
A terapia gênica, assim como a TRE, trata da
deficiência enzimática subjacente. Em todos os
casos, o objetivo é introduzir o gene da enzima
deficitária em um subconjunto de células do corpo
do paciente; essas células secretariam então
a enzima em seu meio e esta seria absorvida
por outras células que apresentam deficiência
enzimática. Mas, até o momento, essa terapia é
uma esperança distante, pelo seu estágio ainda
inicial, sendo que as pesquisas em andamento
estão sendo feitas em modelos animais ou in vitro
e ainda não foram realizados estudos com seres
humanos.13
Existem casos graves de MPS VI, em que o
uso da TRE é imperativo. O caso do paciente em
questão é de MPS VI leve a moderado e justificase o uso de TRE para manutenção e melhoria da
qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
O custo da TRE no Brasil ainda é alto (custo
anual por paciente para medicamentos aprovados
no país de origem é de US$ 260 mil) e o Sistema
Único de Saúde (SUS) não possui política de
assistência farmacêutica específica para doenças
raras, e a própria construção dessa política esbarra
em questões bioéticas que envolvem temas como
equidade e recursos escassos. Mesmo assim, a
demanda por TRE é cada vez maior, sendo às
vezes balizada por ordens judiciais que entram em
conflito com a Política Nacional de Medicamentos
e com a medicina baseada em evidências (MBE).
Há de se considerar, também, o lobby da indústria
farmacêutica para a entrada de novos fármacos no
país.14 Todos esses comemorativos colaboram para
um atraso no início e na manutenção da TRE como
o ocorrido com o paciente em questão.
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Com relação à melhora e evolução dos
pacientes, estudos mostraram que entre os
diagnosticados com MPS I, II e VI, submetidos ou não
à TRE, foi encontrada diferença estatisticamente
significativa em relação ao modo oral de respiração,
o qual foi mais frequente no grupo não exposto à
TER.15 Tem-se obtido ainda melhora significativa no
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revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Nascimento et al
DIAGNÓSTICO DE PERICARDITE TUBERCULOSA POR
PCR: RELATO DE CASO
DIAGNOSIS OF tuberculous pericarditis PCR: A CASE REPORT
Alice Carvalho do Nascimento;* Gilmara Anne da Silva Resende;* Michelle Masuyo Minami Sato;* Ana Márcia Freitas
Carlos;* Gleide Elane Braga Ferreira;** Marlúcia do Nascimento Nobre***
RESUMO
A pericardite tuberculosa é uma doença de evolução insidiosa, ocorrendo em qualquer faixa etária,
principalmente da 3.ª à 5.ª décadas de vida, com maior prevalência em países em desenvolvimento.
A sintomatologia pode confundir-se com a de outras doenças cardíacas, sendo primordial a elucidação
etiológica para instituição de tratamento adequado e precoce. O presente relato de caso descreve um
paciente do sexo masculino com apresentação clínica de pericardite, onde a etiologia tuberculosa foi
identificada apenas pela reação em cadeia da polimerase (PCR) do tecido pericárdico obtido por meio
de biópsia.
Palavras-chave: Derrame pericárdico, pericardite, tuberculose.
ABSTRACT
The tuberculous pericarditis is a disease of insidious onset, occurring at any age, especially from the 3rd
to the 5th decade of life, with higher prevalence in developing countries. The symptoms can be confused
with those of other cardiac diseases; it is therefore paramount to have early etiologic diagnosis and
adequate treatment. This case report describes a male patient with clinical presentation of pericarditis,
where the tuberculous etiology was identified only by the polymerase chain reaction (PCR) of pericardial
tissue obtained by biopsy.
Key words: Pericardial effusion, pericarditis, tuberculosis.
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é um problema de saúde
prioritário no Brasil, que, juntamente com outros
21 países em desenvolvimento, alberga 80% dos
casos mundiais dessa patologia.1
A doença é a 9.ª causa de internações por
patologias infecciosas, ocupando o 7.º lugar em
gastos com internações no Sistema Único de Saúde
(SUS) e é a 4.ª causa de mortalidade por doenças
infecciosas.2
A tuberculose pericárdica representa
aproximadamente 4% das pericardites agudas,
sendo sua incidência maior em áreas de alta
prevalência de TB.3
* Médica residente do Serviço de Clínica Médica do HUGV-Ufam
** Médica cardiologista/preceptora e supervisora da Residência de Clínica Médica do HUGV-Ufam
*** Médica cardiologista/preceptora da Residência de Clínica Médica e supervisora da Residência de Cardiologia do HUGV-Ufam
60
revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas
v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
DIAGNÓSTICO DE PERICARDITE TUBERCULOSA OR PCR: RELATO DE CASO
O acometimento pericárdico pela TB é raro,
ocorrendo em geral por contiguidade, a partir de
gânglios mediastinais ou, mais raramente, de um
foco pulmonar adjacente.4
Iniciada terapêutica com furosemida 60mg/
dia, espironolactona 25mg/dia, captopril 50mg/
dia, antibioticoterapia com oxacilina 12g/dia em
razão da celulite em pés.
O difícil acesso às lesões extrapulmonares,
bem como o fato de serem habitualmente
paucibacilares, dificulta o diagnóstico das formas
extrapulmonares da TB.4
Foram
solicitados
velocidade
de
hemossedimentação (VHS): 42mm, Proteína C
Reativa: 192mg/dl, Fator antinuclear (FAN): 1/80
padrão nuclear homogêneo. Funções renal e
tireoidiana normais, bem como Fator reumatoide
(FR) e sorologias para HIV, hepatite B, toxoplasmose
e citomegalovírus negativos. Hemocultura para
aeróbios negativa.
RELATO DE CASO
Paciente masculino, 34 anos, pardo, natural
de Alenquer-PA, procedente de Manaus-AM,
auxiliar de serviços gerais, sem co-morbidades.
Iniciou quadro súbito de dor na base de hemitórax
esquerdo, dispneia, febre com calafrios,
epigastralgia e vômitos.
Procurou pronto-socorro em regular estado
geral, sem alterações à ausculta cardiopulmonar
e ao exame do abdome, com edema significativo
em pés. Realizou dosagem de enzimas cardíacas,
evidenciando CPK: 836U/L, CK-MB: 56U/L,
Troponina: 6,38ng/ml. Radiografia de tórax
sem alterações. Eletrocardiograma (ECG) com
supradesnivelamento do segmento ST em parede
anterior
extensa.
Ecodopplercardiograma
transtorácico (ECO TT) mostrou aumento leve do
ventrículo esquerdo (VE), hipertrofia excêntrica de
VE, regurgitação mitral e tricúspide de grau leve,
presença de derrame pericárdico moderado, sem
sinais de tamponamento cardíaco, com fração de
ejeção (FE) de VE de 60% (Teicholz). Transferido para
o Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário
Getúlio Vargas (HUGV).
À admissão, apresentava bulhas hipofonéticas
e atrito pericárdico no terço médio e inferior de
hemitórax esquerdo. Membros inferiores (MMII)
com edema 1+/4+, com lesões crostosas de halo
eritematoso, sem secreção, em face medial dos
pés. Exames laboratoriais mostravam leucocitose
com desvio à esquerda e radiografia de tórax com
leve aumento de área cardíaca.
61
Evolui com piora clínica, sendo realizada
Radiografia de tórax que mostrou aumento
importante da área cardíaca (Figura 1), ECG e ECO
TT.
Figura 1: Radiografia de tórax em incidência posteroanterior.
O ECG mostrou alteração
repolarização ventricular (Figura 2).
difusa
da
Figura 2: ECG – alteração difusa da repolarização ventricular.
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Nascimento et al
ECO TT (Figura 3) com dimensões cardíacas semanas. O paciente evoluiu satisfatoriamente,
preservadas, regurgitação tricúspide de grau leve, não apresentando complicações no seu seguimento
importante espessamento do pericárdio e traves de ambulatorial.
fibrina, derrame pericárdico de volume importante,
sem sinais de restrição diastólica, com FE de VE 72%
DISCUSSÃO
(Teicholz).
A pericardite caracteriza-se por inflamação do
pericárdio, manifestando-se por dor torácica, atrito
pericárdico, e alterações eletro e ecocardiográficas.
Sua etiologia varia de acordo com a população
e o local geográfico estudado.5 Nos países em
desenvolvimento, a TB é a principal causa de
pericardite infecciosa, sendo encontrada em até 80%
dos casos nos países africanos, com forte associação
à infecção pelo vírus do HIV.6 Pode apresentar-se em
qualquer idade, sendo mais comum entre a 3.ª a 5.ª
décadas de vida, e três a quatro vezes mais frequente
em homens.7
Figura 2: ECG – alteração difusa da repolarização ventricular.
O desenvolvimento da pericardite tuberculosa
é frequentemente insidioso.8 Febre e dispneia são os
achados mais frequentes, correspondendo a 73-97 e
80-88%, respectivamente.3,9 A queixa de dor torácica é
comum e ocorre em região precordial ou retroesternal,
tipo ventilatório-dependente ou relacionando-se com
rotação anterior do tronco, podendo ocorrer em 3959% dos casos.3,4,9 Os achados de taquicardia, pulso
paradoxal, hipofonese de bulhas, turgência jugular,
hipotensão e hepatomegalia facilitam a suspeita
clínica, porém astenia, anorexia, emagrecimento,
sudorese noturna e edema de MMII, pela sua pouca
especificidade, dificultam o diagnóstico.3,4,8
Realizada pericardiocentese com biópsia
que mostrou líquido de aspecto sanguinolento em
moderada quantidade, citometria: 408 células/
mm3 (44% de segmentados, 43% de linfócitos, 8%
eosinófilos, 5% de monócitos e numerosas hemácias),
proteínas totais: 5,6g/dl; albumina: 2g/dl; glicose:
56mg/dl; DHL: 1610U/L; ADA: 34U/L. Pesquisa direta
para bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), exame
direto e cultura para aeróbios e fungos negativos.
Histopatológico mostrou espessamento fibroso
permeado por infiltrado inflamatório mononuclear
e tecido de granulação compatível com pericardite
crônica fibrosante.
A Radiografia de tórax evidencia aumento
de área cardíaca em praticamente 90% dos casos,
dependendo do estágio da doença, podendo assumir
imagem em moringa.4,5,8
Em busca do agente etiológico, realizou-se a
reação em cadeia da polimerase (PCR) para bacilo
de Koch (BK) na biópsia pericárdica, demonstrando
a presença de DNA de Mycobaterium tuberculosis por
meio de pares de primers que anelam na sequência
de inserção IS6110 amplificando 123 pares de bases.
O ECG é anormal em quase todos os casos de
derrame pericárdico, usualmente com alterações
não específicas do segmento ST e onda T. A elevação
do segmento ST, que caracteriza pericardite aguda,
aparece somente em 9-11% dos casos.8
Confirmado o diagnóstico de pericardite
tuberculosa, foi iniciado tratamento com rifampicina,
isoniazida, pirazinamida e etambutol, segundo
Ministério da Saúde, associado à prednisona por 12
O ECO é um exame inócuo e de fácil obtenção,
permite estimar o volume do líquido, se há presença
62
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v.11. n. 1 jan./jun. – 2012
DIAGNÓSTICO DE PERICARDITE TUBERCULOSA OR PCR: RELATO DE CASO
de septações ou espessamento pericárdico e detectar
precocemente o tamponamento pericárdico.4 O
derrame pericárdico da TB apresenta-se espesso e
com depósitos de fibrina, sendo esse aspecto bem
característico da doença.9
Quanto aos exames laboratoriais, são
observadas divergências no leucograma, os quais
podem mostrar valores normais, leucopenia e até
leucocitose com desvio à esquerda.8,10 VHS e proteína
C reativa encontram-se habitualmente elevadas.5,10
As enzimas cardíacas podem estar levemente
aumentadas pelo comprometimento inflamatório do
miocárdio.5
O líquido pericárdico da TB é levemente
hemorrágico na maioria dos casos com predomínio
mononuclear, proteínas elevadas, glicose muito baixa,
podendo até estar normal.8,11 A adenosinadeaminase
(ADA) é uma ferramenta extremamente útil para o
diagnóstico de TB pericárdica, com ponto de corte
de 35-40U/L, apresentando sensibilidade de 88% e
especificidade de 83%.12
Devem também ser solicitados exames para
FAN, FR, função tireoidiana, sorologias para HIV,
hepatite B, toxoplasmose, citomegalovírus, bem como
exame direto e cultura para aeróbios, fungos e BK
do líquido pericárdico, sendo este com sensibilidade
de 80% e especificidade de 98%. Nos casos de
cultura inconclusiva, torna-se de grande valia para o
diagnóstico a realização de biópsia pericárdica, onde
a análise histopatológica pode evidenciar pericardite
granulomatosa com/sem necrose caseosa e/ou
presença de BAAR.8
A PCR para BK é um teste de detecção
rápida, em 24-48h, e específico para o complexo
do M. tuberculosis. Em amostras não respiratórias,
a sensibilidade varia de 43-76% e a especificidade
atinge 95% independente do tipo de amostra.13
O tratamento da pericardite tuberculosa
baseia-se na combinação de drogas antituberculosas
com prednisona, em fases precoces.5 O uso de
corticoide, embora controverso, visa a diminuir a
inflamação e a adesão do pericárdio, com redução da
morbi-mortalidade.14
O caso apresentado refere-se a um paciente
masculino, na 4.ª década de vida, com quadro de
febre, dor torácica, dispneia, com piora progressiva.
Apresentava alterações eletro e ecocardiográficas
sugestivas de pericardite. Como a análise do líquido
pericárdico e o histopatológico não possibilitaram o
fechamento do diagnóstico etiológico, optou-se pela
realização da PCR para obtenção de um diagnóstico
rápido e início de terapêutica adequada. A cultura
para BK, apesar de ser um método confiável e mais
barato, não estava disponível para realização na
ocasião.
Em áreas de grande prevalência de TB,
pacientes que apresentam quadro clínico e exames
compatíveis com pericardite devem ser investigados
exaustivamente para TB, pois apesar de o diagnóstico
nas formas extrapulmonares ser mais difícil,
quando realizado precocemente, possibilita iniciar
tratamento específico com grande chance de cura e
menor risco de complicações.
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Silva et al
TUMOR DESMOIDE EM PAREDE ABDOMINAL:
UM RELATO DE CASO
Desmoid tumor ABDOMINAL WALL: A CASE REPORT
Rubem Alves da Silva Júnior, TCBC-AM,* Carlos Eduardo Alves da Costa,** Márcio Neves Stefani,***
Raimundo Monteiro Maia Filho,*** Carmen Oliveira de Carvalho****
RESUMO
O tumor desmoide, patologia de ocorrência rara, acomete a parede abdominal e pode estar associado
a síndromes neoplásicas hereditárias. Esse tipo de tumor evolui com abaulamento da parede abdominal
de forma indolor. Ocorre em maior frequência no sexo feminino, na faixa etária dos dez aos 40 anos.
A fisiopatologia e o tratamento ainda são controversos. Em nosso Serviço de Cirurgia, realizamos o
tratamento de um caso, o qual relatamos neste trabalho.
Palavras-chave: Tumor desmoide; tratamento cirúrgico; tela de Marlex.
ABSTRACT
The desmoid tumor is a rare pathology, developed in the abdominal wall and occasionally with associated
neoplasic syndrome. This tumor develops as a painless mass in the abdominal wall. Desmoids tumor has
higher occurrence among females, with the greater incidence occurring between 10 and 40 years of
age. The physiopathology and treatment are controversial. We will report a case of this tumor which we
treated in our hospital.
Key words: Desmoid tumor; Surgical treatment; Marlex probe.
INTRODUÇÃO
O tumor desmoide, também conhecido por
fibromatose profunda ou agressiva, caracterizase por ser uma neoplasia rara, que ocorre
esporadicamente ou como parte de uma síndrome
hereditária, sendo a polipose adenomatosa familiar
a mais comum.1 Histologicamente, esses tumores
são compostos por grupos de fibroblastos dispostos
em fascículos que infiltram o tecido adjacente,
sendo raras as mitoses. Com relação à origem, os
* Chefe da Divisão de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Amazonas, supervisor do Programa de Residência em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestório do HUGV, prof.
Msc. de Clínica Cirúrgica da Universidade Nilton Lins
** Cirurgião-geral e preceptor do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas do Amazonas (HUGV)
*** Médico residente de Cirurgia Geral do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas do Amazonas
**** Estudante de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). e-mail: [email protected]
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tumores desmoides podem ser classificados como
superficiais (fasciais), tendo origem na fáscia ou no
músculo, ou profundos (músculo-aponeuróticos).
Os tumores podem ainda ser divididos em: extraabdominais, abdominais e intra-abdominais, todos
apresentando essencialmente características
macro e microscópicas semelhantes.
O sinal mais comumente encontrado nos
pacientes com tumor desmoide é uma massa indolor
crescente. Os sintomas locais estão relacionados à
compressão de órgãos adjacentes ou de estruturas
neurovasculares.
RELATO DE CASO
havia dez meses com dor tipo peso em região de
fossa ilíaca esquerda, que não sofria irradiação,
associada à tumoração de parede abdominal,
de consistência endurecida no mesmo local.
Negava mudança do hábito intestinal ou alteração
urinária. Refere cirurgia cesariana havia três anos,
que evoluiu com infecção de ferida operatória,
sendo necessárias reintervenções cirúrgicas para
o tratamento desta. Paciente sem co-morbidades,
nega etilismo e tabagismo. Realizou tomografia
computadorizada de abdômen superior e pelve
(Figura 1). Procedida a cirurgia para ressecção da
tumoração e abdominoplastia, sendo utilizado tela
de Marlex para reconstrução da parede abdominal
(Figura 2). Retirada a peça cirúrgica e enviada ao
Serviço de Patologia.
Paciente do sexo feminino, 34 anos, evoluindo
Figura 1: Tomografia de abdome, visualizando-se lesão em parede abdominal esquerda volumosa.
Figura 2: Imagem do reparo da parede abdominal com posterior colocação de tela de Marlex.
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Paciente evoluiu sem intercorrências
durante internação na enfermaria no período de
pós-operatório, recebendo alta hospitalar no 5.º
dia pós-operatório.
DISCUSSÃO
Tumor desmoide, também conhecido como
fibromatose agressiva ou fibromatose músculoaponeurótica, é uma proliferação fibroblástica
monoclonal1 que se localiza entre os tumores
fibrosos não agressivos e os fibrossarcomas de
baixo grau. É uma lesão composta por fibroblastos
banais bem diferenciados que não metastatizam.
É rara, benigna, localmente invasiva, de etiologia
desconhecida, recidivante e de tratamento
controverso.2
Ocorrem em qualquer idade, mas são mais
frequentes entre os dez e os 40 anos de idade e
acometem mais mulheres do que homens.1 São
classificados quanto à localização em abdominais
(50% dos casos), extra-abdominais (40% dos casos) e
intra-abdominais (10% dos casos).7 São comumente
encontrados em áreas de cicatrizes traumáticas ou
cirúrgicas, mas também podem ser encontrados
em estruturas de localização obscura como o osso
esfenoidal e nos tubos de shunting de líquor.7
A sintomatologia é escassa, a maioria dos
pacientes que apresentam tumores de parede
abdominal e os extra-abdominais queixa uma
massa às vezes dolorosa e crescente, em geral
oligossintomática e muitas vezes encontrada de
forma incidental, durante exames de imagem.3 A
dor só ocorre em 33% dos casos, e primariamente
naquelas que se localizam em articulações ou que
impedem a mobilidade muscular.7 Sintomas locais
podem surgir da compressão de órgãos adjacentes
ou de estruturas neurovascular. Obstrução
intestinal é encontrada em pacientes com tumores
mesentéricos, sendo altamente relacionado à
síndrome de Gardner.7
O diagnóstico diferencial desses tumores
inclui neoplasias de partes moles, hérnias (Spiegel e
incisionais) e hematomas da bainha retal. Linfomas
e fibrose retroperitoneal fazem o diferencial com os
casos de tumor desmoide abdominal/mesentérico.7
O tratamento pode variar desde a observação
clínica, cirurgia, radioterapia, quimioterapia, antiinflamatórios não esteroidais, agentes hormonais e
interferons.2 Muitos autores acreditam que o melhor
tratamento é a ressecção total desses tumores,
porém existe controvérsia quanto à recidiva local
quando as margens do tumor se apresentam ou
não livres de lesão.4,7 Tumores extra-abdominais
e localizados na parede abdominal, como é o
nosso caso, são indicação de cirurgia com margens
amplas, sendo a radioterapia indicada apenas
quando doença irressecável ou como terapia
adjuvante após ressecções incompletas do tumor.4,6
Desse modo, a paciente foi tratada, seguindo
a conduta da maioria dos autores, em que se
realiza exclusivamente a cirurgia, ressecando-se
completamente a lesão, sem evidência de margem
comprometida.
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