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Centro Universitário São José de Itaperuna Curso de Graduação em Psicologia KARLA DA SILVA LEITE REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE Itaperuna/RJ Dezembro/2012 KARLA DA SILVA LEITE REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para a obtenção de titulo de Psicóloga. Orientadora: Prof.ª Ms. Camila Miranda de Amorim Resende. Itaperuna/RJ Dezembro/2012 KARLA DA SILVA LEITE REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para a obtenção de titulo de Psicóloga. Orientadora: Prof.ª Ms. Camila Miranda de Amorim Resende. Itaperuna-RJ, 03 de dezembro de 2012. Banca Examinadora: __________________________________ Profª Ms. Camila Miranda de Amorim Resende (Orientador) UNIFSJ – Itaperuna __________________________________ Profª. Es. Débora Cristina Rosa Fernandes (Examinador 1) UNIFSJ – Itaperuna __________________________________ Profª. Ms.Hegle Fraga Pinheiro Dias (Examinador 2) UNIFSJ – Itaperuna REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE Karla da Silva Leite*1 Camila Miranda de Amorim Resende*2 Resumo: A mulher da sociedade contemporânea não é mais como a de antigamente. Até poucas décadas atrás, cabia à mulher essencialmente o cuidado dos filhos e da casa. Hoje em dia as mulheres em geral somam às tarefas com a casa e com os filhos, a cobrança de serem bem sucedidas no trabalho, boas esposas, bonitas e sempre jovens. Toda esta cobrança parece se intensificar em um contexto de grande possibilidade de escolhas, como o que vivemos hoje. É a partir deste contexto complexo que este trabalho teve como objetivo analisar como os fatores característicos da sociedade contemporânea podem influenciar no aparecimento de problemas associados à maternidade, como a depressão pósparto. Para tal, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativa baseada principalmente na obra de autores como Maria Rita Kehl (2009), Elisabeth Badinter (1985), Zygmunt Bauman (1998), Benilton Bezerra Jr. (2009) e Patrick De Neuter (2000). Em um mundo onde as possibilidades são inúmeras e a autonomia é grande, o sujeito possui uma maior liberdade, o que implica em vários avanços e benefícios, mas também em uma importante responsabilização pela escolha feita. A partir dos avanços e conquistas das últimas décadas, as mulheres passaram a poder escolher, entre outras coisas, sobre algo que por muito tempo foi encarado como um aspecto inerente à natureza do feminino: a maternidade. A sociedade sempre valorizou a maternidade, destacando que a partir dela a mulher encontraria a resposta de todas as suas questões e a felicidade plena. Assim, ao mesmo tempo em que a possibilidade de escolha é hoje uma realidade na vida da grande maioria das mulheres, existe também uma grande pressão sobre elas no que diz respeito à maternidade. Palavras-chave: Maternidade. Depressão Pós-Parto. Mulher. Sociedade Contemporânea. Introdução O nascimento de um bebê causa muitas mudanças na vida da mulher, que nos dias atuais tem mais responsabilidades. Escolher ser mãe não é uma questão simples. Para muitas mulheres ser mãe é uma realização, mas para outras a concepção de uma vida é um aflição. 1 Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário Fundação São José (UNIFSJ), em Itaperuna/RJ. E-mail: [email protected] 2 Professora do Curso de Psicologia do Centro Universitário Fundação São José (UNIFSJ), em Itaperuna/RJ. E-mail: [email protected] 4 Por muito tempo se acreditou que a maternidade era acompanhada de um instinto materno, algo que hoje compreendemos de forma diferenciada. Nos dias atuais a maternidade é muitas vezes compreendida como uma espécie de vocação e se tornou uma questão de escolha. Neste cenário, importantes fatores precisam ser levados em consideração quando se pensa em engravidar, como a situação econômica; o corpo, tão valorizado socialmente; o tempo que terá que ser dedicado à criança; a amamentação, que pode acarretar desconforto; entre tantos outros fatores que perpassam a escolha da maternidade. Todas essas reflexões culminam no seguinte conflito: ser ou não ser mãe nos dias atuais? Não podemos nos esquecer, no entanto, as implicações existentes na possibilidade de escolher. Uma vez que escolhemos algo, nos responsabilizamos por esta escolha e não podemos atribuí-la ao outro. A escolha envolvida no tema específico neste trabalho, qual seja, a escolha pela maternidade, se torna ainda mais complexa por conta de sua limitação temporal. Ainda que com as novas tecnologias seja possível à mulher ser mãe mesmo com uma idade mais avançada, há importantes limitações neste sentido. É preciso considerar ainda que, ao mesmo tempo em que essa possibilidade de escolha é hoje uma realidade na vida da grande maioria das mulheres, existe também uma grande pressão sobre elas no que diz respeito ao ideal de felicidade associado à experiência de ser mãe, construir uma família, dar continuidade ao seu legado, mesmo não sendo este seu desejo. Parece, portanto, que hoje nos deparamos com uma nova mulher, da qual se exige uma excelência no emprego, uma manutenção da jovialidade, da beleza, mas que continua também sendo pressionada pela relevância da maternidade em sua vida. Diante de tantas responsabilidades e possibilidades, observamos que as mulheres dos dias atuais se encontram cada vez mais angustiadas buscando dar conta de todas essas tarefas e tentando associá-las aos seus desejos, às suas escolhas. É neste cenário que buscaremos refletir sobre a depressão pós-parto na atualidade. É pretendido com este trabalho, portanto, analisar os fatores que perpassam a depressão pós-parto na atualidade, considerando as características da sociedade contemporânea. Este trabalho consiste em uma pesquisa teórica, qualitativa, de natureza bibliográfica que tem como referencial principal os seguintes teóricos: Maria Rita Kehl, Elisabeth Badinter, Zygmunt Bauman, Benilton Bezerra Jr e Patrick De Neuter. 5 1 A sociedade contemporânea e as escolhas Em um mundo onde as possibilidades são inúmeras e a autonomia é grande, o sujeito contemporâneo dá à liberdade um valor máximo. Existe hoje uma valorização em excesso da liberdade, onde as possibilidades de escolha são inúmeras, o que é considerado pela grande maioria das pessoas como muito positivo, mas que implica também em uma maior responsabilização, uma vez que cada um é convocado a responder pelas escolhas que faz. A amarga experiência em questão é a experiência da liberdade: da miséria da vida composta de escolhas, que sempre significa aproveitar algumas oportunidades e perder outras, ou da incurável incerteza criada em toda escolha, da insuportável, porque não partilhada, responsabilidade pelas desconhecidas consequências de toda escolha, do constante medo de impedir as futuras e, no entanto, imprevistas possibilidades, do pavor da inadequação pessoal, de experimentar menos e não tão intensamente como os outros talvez o consigam, do pesadelo de não estar à altura das novas aperfeiçoadas fórmulas da vida que o futuro notoriamente caprichoso pode trazer. (BAUMAN, 1998, p. 227) Neste cenário, Os conflitos vividos pelo sujeito mudam de configuração e, ao invés de se manifestarem na relação de exterioridade entre indivíduos e instâncias que dirigiam seu instinto, passam a ser experimentados como confronto dilacerante entre impulsos contraditórios que se originam em seu próprio universo interior. (BEZERRA JR., 2009, p.39) O sujeito então ao vivenciar esse mundo de possibilidades no qual tudo é válido, basta que se queira, passa a vivenciar conflitos internos uma vez que precisará assumir toda escolha que vier a fazer. 6 A questão das escolhas parece atingir de forma especial as mulheres, uma vez que a partir dos avanços e conquistas das últimas décadas, elas que antes podiam optar por muito pouco, hoje passaram a poder escolher, inclusive, sobre algo que sempre foi encarado como um aspecto inerente à natureza do feminino: a maternidade. A concepção de maternidade como um destino inevitável vem sendo questionada na contemporaneidade, a partir do crescente posicionamento de mulheres que optam por não viver essa experiência e não cumprir, dessa forma, uma das normas sociais mais fortemente ligadas à constituição da identidade feminina. (PATIAS; BUAES, 2012, p.300) Em especial a partir da emergência dos anticoncepcionais, passou a ser possível à mulher escolher se quer ou não ter filhos e, se deseja, quando pretende realizar este desejo. Nas últimas décadas, esta possibilidade de controle sobre sua fertilidade cresceu enormemente não só por conta da emergência dos anticoncepcionais, mas também pelos avanços na ciência que tornam possíveis feitos antes inimagináveis, como o congelamento de esperma, a fertilização in vitro, entre outros. Muitas mudanças ocorreram, portanto, na concepção do ser mulher na sociedade atual. Elas agora acumulam tarefas, tem mais liberdade de expressão e exercem papéis que antes eram para elas considerados impensáveis; não ficam apenas restritas as atividades ligadas ao lar, mas também são responsáveis por elas e pela educação dos filhos. Com tudo isso, é cada vez mais comum que mesmo as mulheres que desejam ter filhos, adiem cada vez mais este momento. Antes de pensar em ter filhos, as mulheres de hoje em geral querem estar realizadas e estabelecidas profissionalmente, querem ter sua autonomia. Pondera-se que a figura feminina vem ganhando novo status. Além de mãe, ela também se faz presente na esfera pública, inserida no mercado de trabalho, podendo optar por uma profissão que lhe traga benefícios pessoais e prestígio profissional. Tornando-se também fonte de renda e autoridade, além de continuar cumprindo as tarefas 7 do domínio privado. Desse modo, a opção das mulheres por não ter filhos é um fenômeno crescente nas sociedades ocidentais. Contudo, cabe destacar que essa realidade não é vivida de forma universal por todas as mulheres. A escolha pela não maternidade tem relação direta com o contexto histórico, econômico, social e cultural em que a mulher está inserida. (PATIAS; BUAES, 2012, p.301) A transformação na concepção de casamento também deve ser levada em consideração nesta decisão sobre ter ou não filhos, já que na atualidade as pessoas se divorciam com muito mais facilidade e frequência e mesmo que alguns filhos hoje já estejam morando com os pais, a maioria ainda fica com a mãe quando ocorre a separação do casal. É neste sentido que percebemos que a possibilidade de escolha no que diz respeito à maternidade na atualidade se apresenta de forma bastante complexa. Existem muitas questões a serem consideradas até a importante decisão de se ter um filho. 2 Maternidade A sociedade sempre valorizou a maternidade, destacando que a partir dela a mulher encontraria a resposta de todas as suas questões e a felicidade plena, como podemos ver nos contos de fadas em que o final é quase sempre “foram felizes e tiveram muitos filhos”. (DE NEUTER, 2000, p.109). Historicamente, a sociedade colocou o amor materno concebido em termos de instinto, que segundo o dicionário Robert é a “tendência inata e poderosa, comum a todos os seres vivos ou a todos os indivíduos da mesma espécie’” (BADINTER, 1985, p.11). Ou seja, o amor materno foi – e podemos dizer que ainda é em grande parte – divulgado como um sentimento que faz parte da natureza de todas as mulheres, independente do tempo ou do meio que as cercam. Segundo De Neuter (2000) algumas situações como o desejo de casais homossexuais terem filhos, a depressão mais ou menos graves em mulheres que atingem os quarenta anos e não tiveram filhos, a vontade de procriar a qualquer preço apesar da esterilidade de algumas mulheres, reforçam esta idéia e a opinião comum de que para se alcançar a felicidade é preciso ter filhos. 8 Lacan (apud DE NEUTER, 2000) dizia que a maioria das mulheres espera um filho como um objeto preenchedor, que traz felicidade. De Neuter (2000), por sua vez, destaca que o filho dá o continente à mãe, porém os momentos de felicidade e bem-estar proporcionados pelo filho podem ser alternados com momentos de grave depressão, quando a mulher-mãe descobre o aspecto ilusório desta solução. Quando se engravida, por exemplo, a mulher passa a ser o centro das atenções, tudo gira em torno de sua barriga e da vida que está sendo gerada; ao dar a luz, a atenção se volta para o recém-nascido e a mãe perde a sensação de plenitude, destaca De Neuter (2000). É preciso que se considere ainda, destaca o autor, a questão do parto que às vezes ocorre de forma satisfatória e outras não. O parto, experiência na qual se conjugam prazeres intensos, dores extremas e fortes angústias, de morte especialmente, é também o tempo de um grande gozo: “Foi o dia mais belo da minha vida”, dizem algumas (...). Entretanto uma mulher não é igual a outra e é preciso observar que outras mulheres insistirão muito mais na angústia da morte e na dificuldade do encontro com a hiância e o vazio após o parto. “Eu tinha a impressão de que alguma coisa me faltava... mesmo que eu a pegasse em meus braços... não era mais a mesma coisa... ela não era mais... só minha.” (...) Uma dupla inversão ocorre de fato neste momento, e Nicole Stryckman descreve nos seguintes termos: “Por um lado a criança da espera – a criança da gravidez imaginária e simbólica – torna-se real e separada do corpo da mãe. Ela perde esta parte dela mesma que lhe dava um prazer e um gozo erótico. Por outro lado, de mãe real que esperava no real de seu corpo, ela torna-se mãe simbólica, enquanto portadora da linguagem”, o que faz com que quando ausente, ela possa ser nomeada. Mas ela se torna também mãe imaginária para seu filho “no sentido de que a criança vai construir certas representações, certas imagens de sua mãe”. (DE NEUTER, 2000, p.118-119) Todas essas nuances que são importantes de serem observada no que diz respeito à maternidade reforçam a concepção de Badinter (1985) sobre a relação entre mãe e filho ser, na verdade, uma construção e não um instinto. É neste sentido que a mesma fala sobre o “mito do amor materno”. 9 3 Mito do amor materno Badinter (1985) levanta a hipótese do amor materno não ser inato e sim adquirido ao longo dos dias que a mãe passa ao lado de seu filho e pelos cuidados realizados por ela para esta criança. De acordo com observações feitas durante o decorrer do tempo, Badinter (1985) encontrou fatos importantes para a defesa do que ela chamou de mito do amor materno. No século XVIII, por exemplo, as crianças nascidas na cidade eram entregues às amas de leite supostamente para serem cuidadas no campo a fim de que não fossem prejudicadas pelo ar da cidade que poderia acarretar alguma doença à criança. Defendia-se que, nesta época, as mães sacrificavam seu desejo de maternagem para o bem do filho, sendo esta uma grande prova de amor. Bandinter duvidava de que isso ocorria em todos os casos. Ela interpretava essa atitude de outra maneira, já que até mesmo os bebês que não nasciam em uma cidade tão ‘’empesteada’’ como as outras, também eram entregues às amas de leite. Ela destaca ainda que mesmo diante da grande mortalidade infantil que ocorria na época, as mães continuavam enviando seus filhos para o campo – inclusive quando já tinham vivenciado a morte de outros filhos que foram colocados sob os cuidados das amas de leite. Badinter (1985) utiliza, assim, esses fatos para questionar o amor materno. Badinter (1985) questiona como pode uma mãe ficar anos longe de seu filho e mesmo assim possuir o tão valorizado amor materno, o amor incondicional? Segundo a autora o amor materno existe sim, mas ela não acredita que este sentimento pode estar presente em todas as mulheres e nem ser inerente ao feminino. Badinter (1985, p.22) chega à conclusão de que “o amor materno é apenas um sentimento humano. E como todo sentimento, é incerto, frágil e imperfeito”. Ao se percorrer a história das atitudes maternas, nasce a convicção de que o instinto materno é um mito. Não encontramos nenhuma conduta universal e necessária da mãe. Ao contrário, constatamos a extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo a cultura, ambições ou frustrações. Como então, não chegar à conclusão 10 mesmo que ela pareça cruel, de que o amor materno é apenas um sentimento, e como tal essencialmente contingente? Este sentimento pode existir ou não existir; ser e desparecer. Mostrar-se forte ou frágil. Preferir-se um filho ou entregar-se a todos. Tudo depende da mãe, de sua história e da História. Não há nenhuma lei universal nessa matéria que escapa ao determinismo natural. O amor materno não é inerente às mulheres. É “adicional”. (BADINTER, 1985, p.367). Azevedo e Arrais (2006) nos ajudam a entender a construção deste sentimento de amor materno quando destacam que desde a infância as meninas treinam o papel de boa mãe, no qual a mulher deve ser capaz de grandes sacrifícios, entre eles ser amável, tranquila, compreensiva, terna, equilibrada, acolhedora, feminina durante todo o tempo. É esperado um ideal, um modelo de mãe perfeita, uma imagem construída ao longo dos últimos séculos que está alicerçada sob um rígido padrão incapaz de admitir qualquer vestígio de sentimentos ambivalentes nas mães. Acontece, porém, que na ocasião do nascimento de um filho, a maioria das mulheres experimenta sentimentos contraditórios e inconciliáveis com a imagem idealizada de maternidade ditada pela cultura. Desta forma, estabelece-se um conflito entre o ideal e o vivido e instaura-se um sofrimento psíquico que pode se configurar como uma base para a depressão após o parto. (AZEVEDO; ARRAIS, 2006, p.269) A chegada de uma criança em um núcleo familiar acarreta mudanças no funcionamento desta família e principalmente na vida da mulher. Com a chegada do bebê chegam também novas responsabilidades, medos e dúvidas, e mudanças físicas devido à gestação. No ciclo vital da mulher há três períodos críticos: a adolescência, a gravidez e o climatério. Estes são períodos de transição que dizem respeito a fases do desenvolvimento da personalidade e que possuem vários pontos em comum (DINIZ, 1999 apud AZEVEDO; ARRAIS, 2006). São fases biologicamente determinadas, caracterizadas por mudanças metabólicas e hormonais complexas; por reajustamentos interpessoais e intrapsíquicos. Tantas mudanças podem resultar em 11 estados temporários de desequilíbrio, e em significativas alterações na identidade da mulher devido às grandes expectativas quanto ao papel social esperado (MALDONADO; DICKSTEIN; NAHOUM, 2000 apud AZEVEDO; ARRAIS, 2006). 4 Depressão pós-parto na contemporaneidade A depressão pós-parto é uma condição que afeta 10% a 15% das mulheres no pós-parto. Este quadro tem seu início em algum momento durante o primeiro ano do pós-parto, havendo maior incidência entre a quarta e oitava semana após o parto. Geralmente se manifesta por um conjunto de sintomas como irritabilidade, choro frequente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, ansiedade, sentimentos de incapacidade de lidar com novas solicitações. (SCHIMIDT; PICCOLOTO; MULLER, 2005, p.61). A mulher que vivencia a depressão pós-parto demonstra, portanto, grande desinteresse pelo recém-nascido, podendo ou não deixa-lo sobre os cuidados de outras pessoas. Apresenta comportamentos de irritabilidade e sofrimento profundo. A mulher também pode se sentir vulnerável e pouco apta para cuidar de seu filho, uma vez que no seu imaginário ela não é capaz de se responsabilizar e dar conta de outra vida que não seja a dela. Conhecida como o mal do século, a depressão é um dos transtornos que mais está presentes na população dos dias atuais e tem como principal característica uma mudança no humor da pessoa. Segundo Maria Rita Khel (2009), há um grande aumento nos casos de depressão desde a década de setenta, em especial nos países do ocidente. A autora destaca que este aumento pode ser interpretado ao menos de duas formas distintas. Uma seria atribuí-lo ao empenho da indústria farmacêutica em desenvolver técnicas de diagnóstico favoráveis ao uso dos antidepressivos lançadas a cada ano no mercado. Outra forma de interpretar esse fato é, segundo a autora, afirmar que o homem dos dias atuais está, por conta de todas as características da contemporaneidade, sujeito a 12 deprimir-se. As duas hipóteses explicam abordagens diferentes de um mesmo problema. Kehl (2009) destaca que, em sua prática analítica, tem constatado que aquilo que chamamos, sem grande precisão, de depressão é um quadro mais próximo da clínica das neuroses do que das psicoses. Ela alerta sobre a importância de não se confundir depressão com estados de ânimo, tais como tristeza, abatimento, desânimo, inapetência para a vida, embora todos estes participem também do sofrimento do depressivo. Por outro lado, também não devemos confundir a depressão com as ocorrências depressivas esporádicas a que todo neurótico está sujeito em razões de perda, fracassos ou lutos mal elaborados. Cabe destacar que as características de uma pessoa depressiva são justamente as opostas das características que a sociedade atual valoriza que é o sujeito sempre feliz, aberto para o novo, com ótimas relações sociais, o que muitas vezes acaba por agravar o quadro do depressivo, pois é cobrado deste sujeito um comportamento que no momento ele não é capaz de apresentar. O depressivo vem, portanto, na contramão do que se pede atualmente. O depressivo é lento, só quer se manter afastado de outras pessoas, não se sente feliz. Analisar as depressões como uma das expressões do sintoma social contemporâneo significa supor que os depressivos constituam, em seu silêncio e em seu recolhimento, um grupo tão incomodo e ruidoso quando foram as histéricas no século XIX. A depressão é um sintoma social porque desfaz, lenta e silenciosamente, a teia de sentidos e de crenças que sustenta e ordena a vida social desta primeira década do século XXI. Por isso mesmo, os depressivos, além de se sentirem na contramão de seu tempo veem sua solidão agravar-se em função do desprestigio social de sua tristeza. (KHEL, 2009, p.22). Considerações Finais É de conhecimento geral que a sociedade ao longo dos anos vem evoluindo e com isso transformando a vida das pessoas, e em especial das mulheres, que agora, além dos afazeres domésticos e da educação dos filhos, trabalham fora e têm sua autonomia. A sociedade atual ao mesmo tempo em que oferece um mundo de possibilidades cobra a responsabilidade pelas escolhas feitas. Foi pretendido com este trabalho mostrar como os fatores impostos e as características 13 da sociedade contemporânea podem afetar em uma patologia de relevância na contemporaneidade, a depressão pós-parto. Por muito tempo a sociedade valorizou, e podemos dizer que valoriza até os dias de hoje, a maternidade como um desejo inato de toda mulher, levando todos a acreditar que é da natureza desta se tornar mãe e que todas devem carregar consigo esse desejo. Apesar da mulher de hoje ser diferente da de antigamente é cobrado dela um modelo de boa mulher, que seria a que cuida da casa e dos filhos e vive em função destes. Devido a grande pressão sobre a escolha de ser mãe, a mulher se encontra angustiada e perdida, o que pode conduzir a uma depressão pós-parto. A depressão que tem como principal sintoma um transtorno no humor da pessoa, na gravidez, pode ocorrer de forma mais acentuada. Há uma cobrança social, acentuada na atualidade, de que a mulher deve se sentir completa e feliz na gravidez, o que, a nosso ver, parece dificultar a vida das mulheres neste momento tão repleto de variações de humor e transformações de diversas ordens. Este trabalho foi de suma importância para melhor compreensão do que atualmente pode contribuir para o surgimento de um quadro de depressão pósparto. Espera-se que ele traga importantes contribuições tanto para o campo da saúde como da vida na contemporaneidade, como um todo. Referências AZEVEDO, K. R.; ARRAIS, A. R. O mito da mãe exclusiva e seu impacto na depressão pós-parto. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2006, vol.19, n.2, pp. 269-276. ISSN 0102-7972. BADINTER, E. Um Amor conquistado: o mito do amor materno. 4ªed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998 BEZERRA JR., B. Retraimento da autonomia e patologia da ação: a distimia com sintoma social. In: NEUTZLING, I.; BINGEMER, M.C.; YUNES, E. (orgs.) Futuro da Autonomia: uma sociedade de indivíduos? Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São Leopoldo (RS): Editora Unisinos, 2009. DE NEUTER, P. A sexualidade das mulheres à prova da sua maternidade. In: ____. Psicanálise e clínica de bebês. Curitiba: Ass. Psicanalítica, 2000. 14 KEHL, M. R. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. 1ªed. São Paulo: Boitempo, 2009. PATIAS, N. D., BUAES, C. S. "Tem que ser uma escolha da mulher”! Representações de maternidade em mulheres não-mães por opção. Psicologia e Sociedade. Belo Horizonte, ano 12, vol.24, n.2, pp. 300-306. SCHMIDT, E. B., PICCOLOTO, N. M., MULLER, M. C. Depressão pósparto: fatores de risco e repercussões no desenvolvimento infantil. Psico-USF. São Paulo, ano 05, vol.10, n.1, pp. 61-68.