cão nueter

Transcrição

cão nueter
Centro Universitário São José de Itaperuna
Curso de Graduação em Psicologia
KARLA DA SILVA LEITE
REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE
Itaperuna/RJ
Dezembro/2012
KARLA DA SILVA LEITE
REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE
Artigo
apresentado
à
Banca
Examinadora do Curso de Psicologia do
Centro
Universitário
São
José
de
Itaperuna como requisito final para a
obtenção de titulo de Psicóloga.
Orientadora: Prof.ª Ms. Camila Miranda
de Amorim Resende.
Itaperuna/RJ
Dezembro/2012
KARLA DA SILVA LEITE
REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE
Artigo
apresentado
à
Banca
Examinadora do Curso de Psicologia do
Centro
Universitário
São
José
de
Itaperuna como requisito final para a
obtenção de titulo de Psicóloga.
Orientadora: Prof.ª Ms. Camila Miranda
de Amorim Resende.
Itaperuna-RJ, 03 de dezembro de 2012.
Banca Examinadora:
__________________________________
Profª Ms. Camila Miranda de Amorim Resende (Orientador)
UNIFSJ – Itaperuna
__________________________________
Profª. Es. Débora Cristina Rosa Fernandes (Examinador 1)
UNIFSJ – Itaperuna
__________________________________
Profª. Ms.Hegle Fraga Pinheiro Dias (Examinador 2)
UNIFSJ – Itaperuna
REFLEXÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO NA ATUALIDADE
Karla da Silva Leite*1
Camila Miranda de Amorim Resende*2
Resumo: A mulher da sociedade contemporânea não é mais como a de
antigamente. Até poucas décadas atrás, cabia à mulher essencialmente o cuidado
dos filhos e da casa. Hoje em dia as mulheres em geral somam às tarefas com a
casa e com os filhos, a cobrança de serem bem sucedidas no trabalho, boas
esposas, bonitas e sempre jovens. Toda esta cobrança parece se intensificar em um
contexto de grande possibilidade de escolhas, como o que vivemos hoje. É a partir
deste contexto complexo que este trabalho teve como objetivo analisar como os
fatores característicos da sociedade contemporânea podem influenciar no
aparecimento de problemas associados à maternidade, como a depressão pósparto. Para tal, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativa
baseada principalmente na obra de autores como Maria Rita Kehl (2009), Elisabeth
Badinter (1985), Zygmunt Bauman (1998), Benilton Bezerra Jr. (2009) e Patrick De
Neuter (2000). Em um mundo onde as possibilidades são inúmeras e a autonomia é
grande, o sujeito possui uma maior liberdade, o que implica em vários avanços e
benefícios, mas também em uma importante responsabilização pela escolha feita. A
partir dos avanços e conquistas das últimas décadas, as mulheres passaram a
poder escolher, entre outras coisas, sobre algo que por muito tempo foi encarado
como um aspecto inerente à natureza do feminino: a maternidade. A sociedade
sempre valorizou a maternidade, destacando que a partir dela a mulher encontraria
a resposta de todas as suas questões e a felicidade plena. Assim, ao mesmo tempo
em que a possibilidade de escolha é hoje uma realidade na vida da grande maioria
das mulheres, existe também uma grande pressão sobre elas no que diz respeito à
maternidade.
Palavras-chave:
Maternidade.
Depressão
Pós-Parto.
Mulher.
Sociedade
Contemporânea.
Introdução
O nascimento de um bebê causa muitas mudanças na vida da mulher, que nos
dias atuais tem mais responsabilidades. Escolher ser mãe não é uma questão
simples. Para muitas mulheres ser mãe é uma realização, mas para outras a
concepção de uma vida é um aflição.
1
Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário Fundação São José (UNIFSJ), em
Itaperuna/RJ. E-mail: [email protected]
2
Professora do Curso de Psicologia do Centro Universitário Fundação São José (UNIFSJ), em
Itaperuna/RJ. E-mail: [email protected]
4
Por muito tempo se acreditou que a maternidade era acompanhada de um
instinto materno, algo que hoje compreendemos de forma diferenciada. Nos dias
atuais a maternidade é muitas vezes compreendida como uma espécie de vocação
e se tornou uma questão de escolha. Neste cenário, importantes fatores precisam
ser levados em consideração quando se pensa em engravidar, como a situação
econômica; o corpo, tão valorizado socialmente; o tempo que terá que ser dedicado
à criança; a amamentação, que pode acarretar desconforto; entre tantos outros
fatores que perpassam a escolha da maternidade. Todas essas reflexões culminam
no seguinte conflito: ser ou não ser mãe nos dias atuais?
Não podemos nos esquecer, no entanto, as implicações existentes na
possibilidade de escolher. Uma vez que escolhemos algo, nos responsabilizamos
por esta escolha e não podemos atribuí-la ao outro. A escolha envolvida no tema
específico neste trabalho, qual seja, a escolha pela maternidade, se torna ainda
mais complexa por conta de sua limitação temporal. Ainda que com as novas
tecnologias seja possível à mulher ser mãe mesmo com uma idade mais avançada,
há importantes limitações neste sentido.
É preciso considerar ainda que, ao mesmo tempo em que essa possibilidade
de escolha é hoje uma realidade na vida da grande maioria das mulheres, existe
também uma grande pressão sobre elas no que diz respeito ao ideal de felicidade
associado à experiência de ser mãe, construir uma família, dar continuidade ao seu
legado, mesmo não sendo este seu desejo.
Parece, portanto, que hoje nos deparamos com uma nova mulher, da qual se
exige uma excelência no emprego, uma manutenção da jovialidade, da beleza, mas
que continua também sendo pressionada pela relevância da maternidade em sua
vida. Diante de tantas responsabilidades e possibilidades, observamos que as
mulheres dos dias atuais se encontram cada vez mais angustiadas buscando dar
conta de todas essas tarefas e tentando associá-las aos seus desejos, às suas
escolhas. É neste cenário que buscaremos refletir sobre a depressão pós-parto na
atualidade. É pretendido com este trabalho, portanto, analisar os fatores que
perpassam a depressão pós-parto na atualidade, considerando as características da
sociedade contemporânea.
Este trabalho consiste em uma pesquisa teórica, qualitativa, de natureza
bibliográfica que tem como referencial principal os seguintes teóricos: Maria Rita
Kehl, Elisabeth Badinter, Zygmunt Bauman, Benilton Bezerra Jr e Patrick De Neuter.
5
1 A sociedade contemporânea e as escolhas
Em um mundo onde as possibilidades são inúmeras e a autonomia é grande, o
sujeito contemporâneo dá à liberdade um valor máximo. Existe hoje uma valorização
em excesso da liberdade, onde as possibilidades de escolha são inúmeras, o que é
considerado pela grande maioria das pessoas como muito positivo, mas que implica
também em uma maior responsabilização, uma vez que cada um é convocado a
responder pelas escolhas que faz.
A amarga experiência em questão é a experiência da liberdade: da
miséria da vida composta de escolhas, que sempre significa
aproveitar algumas oportunidades e perder outras, ou da incurável
incerteza criada em toda escolha, da insuportável, porque não
partilhada, responsabilidade pelas desconhecidas consequências de
toda escolha, do constante medo de impedir as futuras e, no entanto,
imprevistas possibilidades, do pavor da inadequação pessoal, de
experimentar menos e não tão intensamente como os outros talvez o
consigam, do pesadelo de não estar à altura das novas
aperfeiçoadas fórmulas da vida que o futuro notoriamente caprichoso
pode trazer. (BAUMAN, 1998, p. 227)
Neste cenário,
Os conflitos vividos pelo sujeito mudam de configuração e, ao invés
de se manifestarem na relação de exterioridade entre indivíduos e
instâncias que dirigiam seu instinto, passam a ser experimentados
como confronto dilacerante entre impulsos contraditórios que se
originam em seu próprio universo interior. (BEZERRA JR., 2009,
p.39)
O sujeito então ao vivenciar esse mundo de possibilidades no qual tudo é
válido, basta que se queira, passa a vivenciar conflitos internos uma vez que
precisará assumir toda escolha que vier a fazer.
6
A questão das escolhas parece atingir de forma especial as mulheres, uma vez
que a partir dos avanços e conquistas das últimas décadas, elas que antes podiam
optar por muito pouco, hoje passaram a poder escolher, inclusive, sobre algo que
sempre foi encarado como um aspecto inerente à natureza do feminino: a
maternidade.
A concepção de maternidade como um destino inevitável vem sendo
questionada
na
contemporaneidade,
a
partir
do
crescente
posicionamento de mulheres que optam por não viver essa
experiência e não cumprir, dessa forma, uma das normas sociais
mais fortemente ligadas à constituição da identidade feminina.
(PATIAS; BUAES, 2012, p.300)
Em especial a partir da emergência dos anticoncepcionais, passou a ser
possível à mulher escolher se quer ou não ter filhos e, se deseja, quando pretende
realizar este desejo. Nas últimas décadas, esta possibilidade de controle sobre sua
fertilidade
cresceu
enormemente
não
só
por
conta
da
emergência
dos
anticoncepcionais, mas também pelos avanços na ciência que tornam possíveis
feitos antes inimagináveis, como o congelamento de esperma, a fertilização in vitro,
entre outros.
Muitas mudanças ocorreram, portanto, na concepção do ser mulher na
sociedade atual. Elas agora acumulam tarefas, tem mais liberdade de expressão e
exercem papéis que antes eram para elas considerados impensáveis; não ficam
apenas restritas as atividades ligadas ao lar, mas também são responsáveis por elas
e pela educação dos filhos. Com tudo isso, é cada vez mais comum que mesmo as
mulheres que desejam ter filhos, adiem cada vez mais este momento. Antes de
pensar em ter filhos, as mulheres de hoje em geral querem estar realizadas e
estabelecidas profissionalmente, querem ter sua autonomia.
Pondera-se que a figura feminina vem ganhando novo status. Além
de mãe, ela também se faz presente na esfera pública, inserida no
mercado de trabalho, podendo optar por uma profissão que lhe traga
benefícios pessoais e prestígio profissional. Tornando-se também
fonte de renda e autoridade, além de continuar cumprindo as tarefas
7
do domínio privado. Desse modo, a opção das mulheres por não ter
filhos é um fenômeno crescente nas sociedades ocidentais. Contudo,
cabe destacar que essa realidade não é vivida de forma universal por
todas as mulheres. A escolha pela não maternidade tem relação
direta com o contexto histórico, econômico, social e cultural em que a
mulher está inserida. (PATIAS; BUAES, 2012, p.301)
A transformação na concepção de casamento também deve ser levada em
consideração nesta decisão sobre ter ou não filhos, já que na atualidade as pessoas
se divorciam com muito mais facilidade e frequência e mesmo que alguns filhos hoje
já estejam morando com os pais, a maioria ainda fica com a mãe quando ocorre a
separação do casal. É neste sentido que percebemos que a possibilidade de
escolha no que diz respeito à maternidade na atualidade se apresenta de forma
bastante complexa. Existem muitas questões a serem consideradas até a importante
decisão de se ter um filho.
2 Maternidade
A sociedade sempre valorizou a maternidade, destacando que a partir dela a
mulher encontraria a resposta de todas as suas questões e a felicidade plena, como
podemos ver nos contos de fadas em que o final é quase sempre “foram felizes e
tiveram muitos filhos”. (DE NEUTER, 2000, p.109).
Historicamente, a sociedade colocou o amor materno concebido em termos de
instinto, que segundo o dicionário Robert é a “tendência inata e poderosa, comum a
todos os seres vivos ou a todos os indivíduos da mesma espécie’” (BADINTER,
1985, p.11). Ou seja, o amor materno foi – e podemos dizer que ainda é em grande
parte – divulgado como um sentimento que faz parte da natureza de todas as
mulheres, independente do tempo ou do meio que as cercam. Segundo De Neuter
(2000) algumas situações como o desejo de casais homossexuais terem filhos, a
depressão mais ou menos graves em mulheres que atingem os quarenta anos e não
tiveram filhos, a vontade de procriar a qualquer preço apesar da esterilidade de
algumas mulheres, reforçam esta idéia e a opinião comum de que para se alcançar
a felicidade é preciso ter filhos.
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Lacan (apud DE NEUTER, 2000) dizia que a maioria das mulheres espera um
filho como um objeto preenchedor, que traz felicidade. De Neuter (2000), por sua
vez, destaca que o filho dá o continente à mãe, porém os momentos de felicidade e
bem-estar proporcionados pelo filho podem ser alternados com momentos de grave
depressão, quando a mulher-mãe descobre o aspecto ilusório desta solução.
Quando se engravida, por exemplo, a mulher passa a ser o centro das atenções,
tudo gira em torno de sua barriga e da vida que está sendo gerada; ao dar a luz, a
atenção se volta para o recém-nascido e a mãe perde a sensação de plenitude,
destaca De Neuter (2000). É preciso que se considere ainda, destaca o autor, a
questão do parto que às vezes ocorre de forma satisfatória e outras não.
O parto, experiência na qual se conjugam prazeres intensos, dores
extremas e fortes angústias, de morte especialmente, é também o
tempo de um grande gozo: “Foi o dia mais belo da minha vida”,
dizem algumas (...). Entretanto uma mulher não é igual a outra e é
preciso observar que outras mulheres insistirão muito mais na
angústia da morte e na dificuldade do encontro com a hiância e o
vazio após o parto. “Eu tinha a impressão de que alguma coisa me
faltava... mesmo que eu a pegasse em meus braços... não era mais
a mesma coisa... ela não era mais... só minha.” (...) Uma dupla
inversão ocorre de fato neste momento, e Nicole Stryckman descreve
nos seguintes termos: “Por um lado a criança da espera – a criança
da gravidez imaginária e simbólica – torna-se real e separada do
corpo da mãe. Ela perde esta parte dela mesma que lhe dava um
prazer e um gozo erótico. Por outro lado, de mãe real que esperava
no real de seu corpo, ela torna-se mãe simbólica, enquanto portadora
da linguagem”, o que faz com que quando ausente, ela possa ser
nomeada. Mas ela se torna também mãe imaginária para seu filho
“no sentido de que a criança vai construir certas representações,
certas imagens de sua mãe”. (DE NEUTER, 2000, p.118-119)
Todas essas nuances que são importantes de serem observada no que diz
respeito à maternidade reforçam a concepção de Badinter (1985) sobre a relação
entre mãe e filho ser, na verdade, uma construção e não um instinto. É neste sentido
que a mesma fala sobre o “mito do amor materno”.
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3 Mito do amor materno
Badinter (1985) levanta a hipótese do amor materno não ser inato e sim
adquirido ao longo dos dias que a mãe passa ao lado de seu filho e pelos cuidados
realizados por ela para esta criança. De acordo com observações feitas durante o
decorrer do tempo, Badinter (1985) encontrou fatos importantes para a defesa do
que ela chamou de mito do amor materno.
No século XVIII, por exemplo, as crianças nascidas na cidade eram entregues
às amas de leite supostamente para serem cuidadas no campo a fim de que não
fossem prejudicadas pelo ar da cidade que poderia acarretar alguma doença à
criança. Defendia-se que, nesta época, as mães sacrificavam seu desejo de
maternagem para o bem do filho, sendo esta uma grande prova de amor. Bandinter
duvidava de que isso ocorria em todos os casos. Ela interpretava essa atitude de
outra maneira, já que até mesmo os bebês que não nasciam em uma cidade tão
‘’empesteada’’ como as outras, também eram entregues às amas de leite. Ela
destaca ainda que mesmo diante da grande mortalidade infantil que ocorria na
época, as mães continuavam enviando seus filhos para o campo – inclusive quando
já tinham vivenciado a morte de outros filhos que foram colocados sob os cuidados
das amas de leite. Badinter (1985) utiliza, assim, esses fatos para questionar o amor
materno.
Badinter (1985) questiona como pode uma mãe ficar anos longe de seu filho e
mesmo assim possuir o tão valorizado amor materno, o amor incondicional?
Segundo a autora o amor materno existe sim, mas ela não acredita que este
sentimento pode estar presente em todas as mulheres e nem ser inerente ao
feminino.
Badinter (1985, p.22) chega à conclusão de que “o amor materno é apenas um
sentimento humano. E como todo sentimento, é incerto, frágil e imperfeito”.
Ao se percorrer a história das atitudes maternas, nasce a convicção
de que o instinto materno é um mito. Não encontramos nenhuma
conduta universal e necessária da mãe. Ao contrário, constatamos a
extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo a cultura,
ambições ou frustrações. Como então, não chegar à conclusão
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mesmo que ela pareça cruel, de que o amor materno é apenas um
sentimento, e como tal essencialmente contingente? Este sentimento
pode existir ou não existir; ser e desparecer. Mostrar-se forte ou
frágil. Preferir-se um filho ou entregar-se a todos. Tudo depende da
mãe, de sua história e da História. Não há nenhuma lei universal
nessa matéria que escapa ao determinismo natural. O amor materno
não é inerente às mulheres. É “adicional”. (BADINTER, 1985,
p.367).
Azevedo e Arrais (2006) nos ajudam a entender a construção deste sentimento
de amor materno quando destacam que desde a infância as meninas treinam o
papel de boa mãe, no qual a mulher deve ser capaz de grandes sacrifícios, entre
eles ser amável, tranquila, compreensiva, terna, equilibrada, acolhedora, feminina
durante todo o tempo. É esperado um ideal, um modelo de mãe perfeita, uma
imagem construída ao longo dos últimos séculos que está alicerçada sob um rígido
padrão incapaz de admitir qualquer vestígio de sentimentos ambivalentes nas mães.
Acontece, porém, que na ocasião do nascimento de um filho, a
maioria das mulheres experimenta sentimentos contraditórios e
inconciliáveis com a imagem idealizada de maternidade ditada pela
cultura. Desta forma, estabelece-se um conflito entre o ideal e o
vivido e instaura-se um sofrimento psíquico que pode se configurar
como uma base para a depressão após o parto. (AZEVEDO;
ARRAIS, 2006, p.269)
A chegada de uma criança em um núcleo familiar acarreta mudanças no
funcionamento desta família e principalmente na vida da mulher. Com a chegada do
bebê chegam também novas responsabilidades, medos e dúvidas, e mudanças
físicas devido à gestação.
No ciclo vital da mulher há três períodos críticos: a adolescência, a gravidez e o
climatério. Estes são períodos de transição que dizem respeito a fases do
desenvolvimento da personalidade e que possuem vários pontos em comum (DINIZ,
1999 apud AZEVEDO; ARRAIS, 2006). São fases biologicamente determinadas,
caracterizadas
por
mudanças
metabólicas
e
hormonais
complexas;
por
reajustamentos interpessoais e intrapsíquicos. Tantas mudanças podem resultar em
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estados temporários de desequilíbrio, e em significativas alterações na identidade da
mulher devido às grandes expectativas quanto ao papel social esperado
(MALDONADO; DICKSTEIN; NAHOUM, 2000 apud AZEVEDO; ARRAIS, 2006).
4 Depressão pós-parto na contemporaneidade
A depressão pós-parto é uma condição que afeta 10% a 15%
das mulheres no pós-parto. Este quadro tem seu início em
algum momento durante o primeiro ano do pós-parto, havendo
maior incidência entre a quarta e oitava semana após o parto.
Geralmente se manifesta por um conjunto de sintomas como
irritabilidade, choro frequente, sentimentos de desamparo e
desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse
sexual,
transtornos alimentares e do sono,
ansiedade,
sentimentos de incapacidade de lidar com novas solicitações.
(SCHIMIDT; PICCOLOTO; MULLER, 2005, p.61).
A mulher que vivencia a depressão pós-parto demonstra, portanto, grande
desinteresse pelo recém-nascido, podendo ou não deixa-lo sobre os cuidados de
outras pessoas. Apresenta comportamentos de irritabilidade e sofrimento profundo.
A mulher também pode se sentir vulnerável e pouco apta para cuidar de seu filho,
uma vez que no seu imaginário ela não é capaz de se responsabilizar e dar conta de
outra vida que não seja a dela.
Conhecida como o mal do século, a depressão é um dos transtornos que
mais está presentes na população dos dias atuais e tem como principal
característica uma mudança no humor da pessoa. Segundo Maria Rita Khel (2009),
há um grande aumento nos casos de depressão desde a década de setenta, em
especial nos países do ocidente. A autora destaca que este aumento pode ser
interpretado ao menos de duas formas distintas. Uma seria atribuí-lo ao empenho
da indústria farmacêutica em desenvolver técnicas de diagnóstico favoráveis ao
uso dos antidepressivos lançadas a cada ano no mercado. Outra forma de
interpretar esse fato é, segundo a autora, afirmar que o homem dos dias atuais
está, por conta de todas as características da contemporaneidade, sujeito a
12
deprimir-se. As duas hipóteses explicam abordagens diferentes de um mesmo
problema.
Kehl (2009) destaca que, em sua prática analítica, tem constatado que aquilo
que chamamos, sem grande precisão, de depressão é um quadro mais próximo da
clínica das neuroses do que das psicoses. Ela alerta sobre a importância de não se
confundir depressão com estados de ânimo, tais como tristeza, abatimento,
desânimo, inapetência para a vida, embora todos estes participem também do
sofrimento do depressivo. Por outro lado, também não devemos confundir a
depressão com as ocorrências depressivas esporádicas a que todo neurótico está
sujeito em razões de perda, fracassos ou lutos mal elaborados.
Cabe destacar que as características de uma pessoa depressiva são
justamente as opostas das características que a sociedade atual valoriza que é o
sujeito sempre feliz, aberto para o novo, com ótimas relações sociais, o que muitas
vezes acaba por agravar o quadro do depressivo, pois é cobrado deste sujeito um
comportamento que no momento ele não é capaz de apresentar. O depressivo vem,
portanto, na contramão do que se pede atualmente. O depressivo é lento, só quer se
manter afastado de outras pessoas, não se sente feliz.
Analisar as depressões como uma das expressões do sintoma social
contemporâneo significa supor que os depressivos constituam, em seu silêncio e em
seu recolhimento, um grupo tão incomodo e ruidoso quando foram as histéricas no
século XIX. A depressão é um sintoma social porque desfaz, lenta e
silenciosamente, a teia de sentidos e de crenças que sustenta e ordena a vida social
desta primeira década do século XXI. Por isso mesmo, os depressivos, além de se
sentirem na contramão de seu tempo veem sua solidão agravar-se em função do
desprestigio social de sua tristeza. (KHEL, 2009, p.22).
Considerações Finais
É de conhecimento geral que a sociedade ao longo dos anos vem evoluindo
e com isso transformando a vida das pessoas, e em especial das mulheres, que
agora, além dos afazeres domésticos e da educação dos filhos, trabalham fora e
têm sua autonomia. A sociedade atual ao mesmo tempo em que oferece um
mundo de possibilidades cobra a responsabilidade pelas escolhas feitas. Foi
pretendido com este trabalho mostrar como os fatores impostos e as características
13
da sociedade contemporânea podem afetar em uma patologia de relevância na
contemporaneidade, a depressão pós-parto.
Por muito tempo a sociedade valorizou, e podemos dizer que valoriza até os
dias de hoje, a maternidade como um desejo inato de toda mulher, levando todos a
acreditar que é da natureza desta se tornar mãe e que todas devem carregar
consigo esse desejo. Apesar da mulher de hoje ser diferente da de antigamente é
cobrado dela um modelo de boa mulher, que seria a que cuida da casa e dos filhos
e vive em função destes. Devido a grande pressão sobre a escolha de ser mãe, a
mulher se encontra angustiada e perdida, o que pode conduzir a uma depressão
pós-parto.
A depressão que tem como principal sintoma um transtorno no humor da
pessoa, na gravidez, pode ocorrer de forma mais acentuada. Há uma cobrança
social, acentuada na atualidade, de que a mulher deve se sentir completa e feliz na
gravidez, o que, a nosso ver, parece dificultar a vida das mulheres neste momento
tão repleto de variações de humor e transformações de diversas ordens.
Este trabalho foi de suma importância para melhor compreensão do que
atualmente pode contribuir para o surgimento de um quadro de depressão pósparto. Espera-se que ele traga importantes contribuições tanto para o campo da
saúde como da vida na contemporaneidade, como um todo.
Referências
AZEVEDO, K. R.; ARRAIS, A. R. O mito da mãe exclusiva e seu impacto na
depressão pós-parto. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2006, vol.19, n.2, pp. 269-276.
ISSN 0102-7972.
BADINTER, E. Um Amor conquistado: o mito do amor materno. 4ªed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998
BEZERRA JR., B. Retraimento da autonomia e patologia da ação: a distimia com
sintoma social. In: NEUTZLING, I.; BINGEMER, M.C.; YUNES, E. (orgs.) Futuro da
Autonomia: uma sociedade de indivíduos? Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São
Leopoldo (RS): Editora Unisinos, 2009.
DE NEUTER, P. A sexualidade das mulheres à prova da sua maternidade. In:
____. Psicanálise e clínica de bebês. Curitiba: Ass. Psicanalítica, 2000.
14
KEHL, M. R. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. 1ªed. São Paulo:
Boitempo, 2009.
PATIAS, N. D., BUAES, C. S. "Tem que ser uma escolha da mulher”!
Representações de maternidade em mulheres não-mães por
opção. Psicologia e Sociedade. Belo Horizonte, ano 12, vol.24, n.2, pp.
300-306.
SCHMIDT, E. B., PICCOLOTO, N. M., MULLER, M. C. Depressão pósparto: fatores de risco e repercussões no desenvolvimento
infantil. Psico-USF. São Paulo, ano 05, vol.10, n.1, pp. 61-68.