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Capítulo 1 Nascimento e Infância 1. Shneur Zalman (Boruchovitsch)1 nasceu em 18 de Elul2, no ano 5505, correspondente ao dia 4 de setembro de 17453, em Liozna, uma pequena cidade polonesa, na província de Mohilev, situada a 80 quilômetros da capital de Orsha, na estrada de Smolensk para Vitebsk. Seus pais, Baruch e Rivca4, tinham três outros filhos, todos excepcionais estudiosos do Talmud, alcançando títulos rabínicos5. Shneur Zalman passou sua mais tenra infância no regaço da natureza, numa propriedade de bom tamanho, na vizinhança de Liozna, a qual era dirigida por seu pai. Aparentemente, seu pai era um homem de alguma importância, membro e colaborador da Chevra Cadisha (Associação Funerária)6 de Liozna. Além disto, era um filantropo com criatividade, ajudando um grande número de famílias judias refugiadas da Boêmia, para se assentarem na terra, nos arredores de Liozna. O próprio Baruch nasceu numa família que originalmente vivera na Boêmia, remontando seus ancestrais até o famoso Rabi e cabalista, Judah Löwe, de Praga (1520-1609).7 29 Faróis da Sabedoria Como no caso de muitos outros grandes personagens da história judaica, o nascimento de Shneur Zalman está envolvido numa aura de presságios auspiciosos, alcançando até o âmbito místico e sobrenatural. A tradição chassídica e os documentos da família dizem o seguinte sobre os pais de Shneur Zalman e as circunstâncias que rodearam o nascimento do fundador de Chabad. Baruch era um membro da sociedade dos seguidores do Baal Shem Tov, que nesta época exercia em segredo suas atividades “missionárias” entre os seus correligionários, como já nos referimos anteriormente.8 Tão secreto era o trabalho dos nistarim nos primeiros períodos da liderança do Besht, que suas identidades eram desconhecidas mesmo uns dos outros. Unicamente o Besht e mais tarde a esposa de Baruch, Rivca, sabiam que ele pertencia à sociedade dos nistarim.9 Rivca era uma senhora culta que estudava diariamente, o que era bastante raro naqueles dias. Era filha de Avraham, um judeu culto e piedoso, morador de Liozna, que não quis ser Rabi para poder ganhar o seu sustento “trabalhando com suas mãos”, como jardineiro. Certa ocasião, Baruch foi contratado para ser guarda. Aquele jovem sério e calado impressionou seu empregador e, por sugestão do patrão, Baruch aceitou a proposta para se casar com sua filha.10 Baruch e Rivca casaram-se numa sexta-feira, 17 de Elul de 5503 (1743). Quando passou um ano e o jovem casal ainda não tinha sido abençoado com uma criança, Baruch e sua esposa foram ver o Baal Shem Tov para lhe pedir sua bênção. O Besht tinha por costume celebrar seu aniversário, todos os anos, no dia 18 de Elul. Durante a refeição deste dia auspicioso, o Besht os abençoou e prometeu-lhes que exatamente dentro de um ano seriam pais de um menino. Nesta época, nem mesmo o Besht sabia que a alma destinada 30 Rabi Shneur Zalman a ser o filho do casal era nova e imaculada, pois nunca havia estado na terra. Tais almas eram raras, já que a maioria delas era de reencarnações, enviadas para baixo para corrigir o que tinham feito de errado ou omitido na vida que tiveram uma vez ou até mais de uma vez, quando estiveram na terra. O Besht, para quem os salões do Céu (hechalot) estavam abertos, já havia sido informado há algum tempo que uma alma nova iria descer à terra, uma vez que tal alma submete-se a um período de três anos de preparação antes da sua descida (enquanto todas as outras almas requerem apenas um ano de preparo). Mas, a identidade desta alma não lhe fora revelada, de modo que ignorava quem seria o filho de Baruch. Em Rosh Hashaná daquele ano (5505-1745) os discípulos do Besht notaram uma radical mudança nas maneiras do mestre. Usualmente, o “período do temor reverente das preces” começava com o Besht, do primeiro dia de Elul até Yom Kipur (Dia da Expiação — 10 de Tishrei). Esta época corresponde ao terceiro período dos quarenta dias que Moshé passou no Monte Sinai, quando evocou os “Treze Atributos da Misericórdia”, conseguindo o perdão Divino para os israelitas pelo pecado do bezerro de ouro. Isto aconteceu em 10 de Tishrei, quando Moisés desceu do Sinai, carregando as segundas Tábuas com o Decálogo. Para o Besht, estes dias eram temíveis, sendo seu serviço Divino solene e inspirado em pleno temor. Porém, no término do Dia da Expiação, até depois de Simchat Torá (dia da alegria com a Torá), é a “Época da Alegria” — um período de sublime contentamento, quando seu serviço Divino se manifestava com muita exaltação. Por esta razão, foi estranho ver o mestre num estado de intenso júbilo já durante aquele Rosh Hashaná, em particular. Isto se tornou evidente quando enviou a todos a bênção tradicional de Shaná Tová — “Que 31 Faróis da Sabedoria sejas inscrito para um bom ano”, durante o sermão da Torá, na refeição, como também durante as Tekiot (toques do shofar) e Mussaf. Sua alegria cresceu em intensidade no fim do Yom Kipur e através de Sucot (Festa das Cabanas). Seus adeptos se indagaram qual poderia ser a causa deste extraordinário contentamento, mas não encontraram nenhuma explicação. Baruch e Rivca passaram todo o período dos Dias Santos em Medzibuz. Antes de voltar para casa, foram ver o Besht outra vez. Seus rostos ficaram brilhando de alegria quando o Besht novamente lhes deu sua bênção e Rivca fervorosamente prometeu que consagraria seu filho para propagar a Torá e a Doutrina Chassídica, o modo de viver como o Besht ensinava. Rivca, como já mencionamos, era versada nos estudos judaicos e todo dia devotava algum tempo ao estudo da Torá. Mantinha este fato em segredo do esposo. Porém, decidiu intensificar os estudos sagrados e foi visitar sua cunhada, irmã de seu marido, casada com o Rabi de Vitebsk, para pedir conselhos de como rezar e estudar durante sua prevista gravidez. No devido tempo Rivca achou que era hora de contar ao marido que havia concebido. Mesmo estando certos que o Besht sabia que suas bênçãos estavam começando a se concretizar, decidiram contar-lhe a novidade a respeito. Em princípios de Adar II, Baruch voltou de novo a Medzibuz para informar ao Besht que sua esposa estava grávida. O Besht cumprimentou-o com Mazal Tov e lhe deu algumas instruções para transmitir a sua esposa. Baruch retornou num estado de espírito elevado. No quarto dia da terceira semana de Elul, dia 18, data do seu aniversário, o Besht estava bastante exaltado. Liderou as preces pessoalmente, as quais cantou com melodias alegres e estava claro que observou este dia como muito festivo. Du32 Rabi Shneur Zalman rante o almoço, depois das preces, contou aos seus adeptos o seguinte: No quarto dia da Criação os astros foram colocados no Firmamento. Hoje, quarto dia da semana, a Haftará desta semana relata: “Levante-se e brilhe” (Isaías 60:1); uma alma nova desceu à terra, uma alma que iluminará o mundo com ensinamentos esotéricos e reveladores da Torá, e espalhará o caminho do Chassidismo com uma dedicação sem par, preparando o caminho para a chegada do Mashiach (Messias). O Besht prosseguiu falando um sermão sobre o versículo “Este irá nos consolar” (Gênese 5:29), tirando este texto do Midrash Tanchuma. No Shabat seguinte, no qual a leitura da Torá era Parashát Ki Tavó (Deuteronômio 26-29:8), o Besht começou, de novo, a proferir um discurso durante o almoço, cujo tema era a leitura dos Profetas, aprofundando-se no versículo: “Levante-se e brilhe, porque vossa luz chegou e a glória de D’us brilha sobre vocês” (Isaías 60:1). No vigésimo quinto dia de Elul (quando a circuncisão de Shneur Zalman acontecia em Liozna), o Besht preparou uma festa e fez um sermão sobre o versículo: “No oitavo dia sua carne não circuncidada o será” (Levítico 12:3), e três dias depois no Shabat, quando Parashát Nitsavim (Deuteronômio 29:9-31) foi lida, fez outro discurso sobre o versículo: “Eu devo, com certeza, me alegrar em D’us” (Isaías 61:10 — Haftará daquela semana) e estava com sua mente jubilosa. Tudo isto representava um mistério para os seus discípulos e seguidores. Muitos anos mais tarde, quando jovem, Shneur Zalman veio ao Rabi Dov Ber, o Maguid de Mezritch, discípulo e sucessor do Besht, que contou ao seu filho Rabi Avraham, 33 Faróis da Sabedoria o “Anjo”11 quais as razões da extraordinária atitude do Baal Shem Tov naquela ocasião, como lhe fora revelado pelo próprio Besht. O que os adeptos do Besht haviam presenciado não era nada mais do que seu mestre festejando o nascimento de Shneur Zalman, sua entrada no “Pacto de Avraham”, e o crítico terceiro dia da circuncisão. Ademais, os vários discursos que o Besht fez nesta época, estavam ligados ao destino do recém-nascido. “A razão pela qual estou contando tudo isto é que, meu mestre, o Besht, disse: “é que ele — Shneur Zalman — te pertence”,” e assim o Maguid terminou sua história para seu filho, o “Anjo”. Em 5506 Baruch foi para Medzibuz para estar com o Besht para o Yom Kipur. Ele havia sido avisado para não contar a ninguém sobre o nascimento de seu filho, nem o nome que lhe fora dado. De novo, antes de voltar para casa, recebeu do Besht uma série de instruções, como a disciplina a seguir e os constantes cuidados que deveriam rodear a criança o tempo todo, afastando-a, especialmente dos ouvidos e olhos de fofoqueiros ociosos. No ano seguinte, Baruch veio como sempre nos Dias Temíveis para ver o Besht. Este perguntou todos os detalhes sobre o menino, e repetiu sua advertência para tomarem especial cuidado com a criança. Depois de Sucot, quando Baruch se preparava para voltar para casa, o Besht outra vez o advertiu para rodear o menino e protegê-lo, inclusive não repetir nada que ele pronunciasse de inteligente ou fazer como alguns pais que gostam de espalhar as gracinhas de seus filhos. Outro ano se passou; novamente, Baruch fez sua peregrinação anual a Medzibuz, relatando ao Besht que depois de ter 34 Rabi Shneur Zalman voltado, após Sucot, sua esposa contara que havia acontecido uma radical mudança no menino, em seu segundo aniversário. Seu modo de falar e o seu vocabulário tinham melhorado consideravelmente. Durante aquele ano os pais descobriram que o menino tinha uma memória extraordinária e o que ouvia uma vez, nunca esquecia. O Besht deu outras instruções a Baruch a respeito do garoto. Em função do pedido do pai para trazê-lo no seu terceiro aniversário para o tradicional cerimonial do “corte de cabelo”12, o Besht lhe disse que o menino deveria vir acompanhado por sua mãe e sua tia Dvora Léa, em 18 de Elul, depois das preces da manhã. Chegando em casa, Baruch soube que o menino havia progredido bastante durante sua ausência naqueles dois meses. O garoto Shneur Zalman recitava de cor muitos Salmos e sua memória e capacidade mental eram surpreendentes. De acordo com o plano, Rivca e sua cunhada Dvora Léa levaram o menino, em seu terceiro aniversário, para ver o Besht. Este cortou alguns poucos cachos do cabelo, deixando peot (costeletas), conforme o costume e o abençoou por três vezes, com a Bênção dos Sacerdotes (Números 6:24-26). Em seguida, mandou-o de volta, com as bênçãos para uma viagem segura e para um novo ano bom. Durante toda a viagem para casa, o pequeno Shneur Zalman perguntava a sua mãe quem era o idoso judeu que havia cortado o seu cabelo. “Este era o Zeide (avô)”, ela repetia. Mal ele sabia que algum dia chegaria a considerar o Besht como “seu avô” no sentido real da palavra, ou seja, como o mestre de seu mestre, o Maguid de Mezritch, a quem ele devia seu desenvolvimento espiritual. 35 Faróis da Sabedoria 2. Aos cinco anos, Shneur Zalman foi matriculado como um membro júnior na Santa Sociedade (Chevra Cadisha). Esta honra acarretava uma contribuição anual de certa quantidade de madeira e dinheiro para a sinagoga local, por um período de oito anos, até que o menino alcançasse a idade de Bar Mitsvá, quando se tornaria um membro adulto. Isto foi devidamente lavrado no Pincás (Registro) da Chevra Cadisha de Liozna, no dia 15 de Kislêv, de 5510 (1750).13 A partir de seu quinto aniversário, Shneur Zalman começou a manifestar a compreensão de um fenômeno mental em seus estudos da Torá. Juntamente com uma insaciável sede de conhecimentos, ele sentia um grande amor pelas pessoas. Venerava seus estudiosos da Torá por seus ensinamentos e respeitava e amava o povo simples por sua humilde fé e sua piedade. Muitos anos mais tarde, ele contou a seu neto Rabi Menachem Mendel (posteriormente o famoso autor da Responsa Tsemach Tsédec e sucessor da dinastia Chabad): “Sempre, através dos anos, achei fácil estudar a Torá, sem realmente fazer qualquer esforço. Isto foi desconcertante para mim, e a Mitsvá de “se esforce muito na Torá” me escapava. Foi somente quando cheguei aos quinze anos de idade que soube quem eu era e qual o propósito de minha alma ter descido para a terra.”14 Primeiro, o pequeno Shneur Zalman foi guiado pelos Melamdim (professores) locais. Vários anos mais tarde, seu pai decidiu mandá-lo estudar em Lubavitch,15 sob a tutela do Rabino Yissachar Dov,16 também conhecido como Yissachar Dov Kobilniker, um notável estudioso da Torá. Shneur Zalman ficou em sua companhia até completar onze anos, quando então seu professor o levou de volta para casa, infor36 Rabi Shneur Zalman mando ao seu pai que o menino de agora em diante podia estudar sozinho. Rabino Yissachar Dov preparou o programa de estudos no Talmud e na Cabalá para o garoto e a disciplina de sua conduta diária. Em seu retorno ao lar, na atmosfera aconchegante da propriedade de seu pai, Shneur Zalman continuou seus estudos. Seu pai e também seu avô, ambos profundos estudiosos do Talmud, ocupavam o tempo com sessões talmúdicas e haláchicas com o jovem Shneur Zalman. Durante os longos dias de verão o jovem estudante ficava a maior parte do tempo sob a sombra das árvores frutíferas, no pomar de seu pai. Seu avô, uma vez, lhe perguntou do que ele mais gostava no pomar. “O ar puro, não poluído”, foi sua resposta.17 Seu entusiástico amor pelos campos e prados se expressava de um modo prático, em seu esforço para encorajar seus irmãos a se dedicarem à ocupação agrícola. De acordo com uma crônica sobre Rabi Shneur Zalman, escrita por seu filho Moshé, que citava como sua fonte o relato do testemunho ocular de um idoso chassid, Shlomo Ivansker, seu pai, Shneur Zalman, certa vez subiu numa carroça e dirigiu-se a uma multidão de judeus que tinha vindo para a feira de Liozna. O jovem “prodígio de Liozna”, como era conhecido, insistia com seus irmãos de fé para pararem de ser mascates e comerciantes e orientava-os para uma ocupação manual e o cultivo da agricultura. Ele tinha então onze anos. O pedido apaixonado teve seu efeito. Muitas famílias judaicas, refugiadas de Praga e Posen, de fato se estabeleceram na propriedade do pai de Shneur Zalman, sendo ajudadas por Baruch, seu pai. Outros refugiados da Boêmia formaram uma colônia agrícola na vizinhança de Byeli Rutchei (“Fonte Branca”), vizinha à propriedade de Baruch.18 37 Faróis da Sabedoria A propósito, a descoberta da “Fonte Branca” é creditada a Shneur Zalman. De acordo com a lenda que corria na vizinhança, a origem da fonte foi a seguinte: A fonte nos subúrbios de Liozna, que fornecia água para os homens e os animais, de repente se tornou insalubre e poluída. Um feiticeiro, Akim, foi acusado de ter provocado esta maldade, pois acreditavam que havia envenenado a água daquela fonte. Um dia, Shneur Zalman estava sentado no pomar quando seu irmão caçula Yehuda Leib veio perguntar-lhe que bênção de agradecimento deveria dizer após ter comido uma maçã colhida num novo pé de macieira, num pomar de quatro anos, quando as frutas são proibidas (Levítico 19:23-24). Shneur Zalman explicou a seu irmão que nunca mais deveria comer ou beber antes de ter certeza de que era permitido. Então lhe disse que seria bom lavar-se com água limpa e pura, de uma nascente, explicando-lhe a importância da imersão ritual, que serve como um ato de purificação da contaminação espiritual, e também como uma transição espiritual para um grau mais elevado de santidade, como parecia ser o caso. Shneur Zalman disse-lhe que ele também imergiria na água. Então, levou-o ao pé da montanha mais próxima, perto de uma pedreira de seixos brancos de cantaria, e ambos começaram a cavar. Logo surgiu uma fonte de água fresca. A pedreira logo se encheu daquela água, daí o nome de “Fonte Branca”, e dizia-se que tinha poder de curar tanto os humanos como os animais afetados pela fonte contaminada.19 Durante aqueles anos iniciais o jovem Shneur Zalman foi também esclarecido e orientado em matemática, geometria, astronomia e filosofia por dois irmãos estudiosos, refugiados da Boêmia, que haviam se instalado na vizinhança de Liozna.20 Um deles era cabalista, de quem se dizia que possuía os manuscritos de Rabi Yitschac Luria (Arizal).21 38 Rabi Shneur Zalman Quando Shneur Zalman atingiu a idade de Bar Mitsvá (treze anos) e de acordo com o costume, pronunciou seu primeiro discurso público, foi aclamado como um estudante talmúdico fora do comum. Por este motivo, foi nomeado membro honorário da Chevra Cadisha local e entrou no Pincás da comunidade com títulos e honras dados unicamente a estudantes que eram distinguidos com méritos excepcionais.22 Logo depois de seu Bar Mitsvá, Shneur Zalman foi para Vitebsk, para ficar alguns meses com seu tio Rabino Yossef Yitschac. Como contou mais tarde, ele ficou muito impressionado com a extraordinária sabedoria talmúdica e a brilhante compreensão mental de seu tio. Sob a lúcida tutela de seu tio, Shneur Zalman aprofundou seus conhecimentos e melhorou seu método de estudo. Rabino Yossef Yitschac abriu novos horizontes para o jovem Shneur Zalman na interpretação dos textos da Bíblia, e nos ditos dos sábios na Agadá e no Midrash. Somente algum tempo depois, Shneur Zalman descobriu que a maior parte do que aprendera com seu tio fora totalmente extraído dos ensinamentos do Baal Shem Tov, que era até então desconhecido para ele. O Besht, por razões apenas por ele sabidas e muitas delas para seu pesar, se manteve afastado do contato direto com Shneur Zalman. Não permitia que Baruch trouxesse o filho quando fazia suas visitas a Medzibuz, e ficava contente quando seu tio Rabino Yossef Yitschac descrevia tudo que sabia e conhecia sobre o jovem Shneur Zalman. Dizia: “Shneur Zalman não está destinado a ser meu discípulo. Ele pertence ao meu sucessor”. Rabino Yossef Yitschac costumava visitar o Besht uma vez por ano ou uma vez em dois anos, por ocasião dos festejos de Shavuot. E sempre o Besht perguntava sobre Shneur Zalman, e reiterava sua recomendação de mantê-lo na ignorância dos 39 Faróis da Sabedoria caminhos do Chassidismo e de seu líder. Na última vez que Rabino Yossef Yitschac visitou o Besht, no ano 5520 (1760), ano do falecimento do Baal Shem Tov, no Shabat de Shavuot, o Besht disse ao Maguid de Mezritch, na presença de Rabino Yossef Yitschac: Desde o dia em que a alma nova desceu do Reino de Cima, de Chochmá DeAtsilut (a mais alta esfera celeste), ela foi colocada num corpo desta terra, na pessoa do filho do meu santo discípulo Baruch e sua esposa Rivca. Aposto minha vida por ele. Ele é de vocês, mas deverá chegar a vocês por sua própria vontade, sem influência externa. Por fim, virá até vocês, e vocês então verificarão que “receptáculo” ele é. Sejam cuidadosos ao guiá-lo, para que ele possa completar com sucesso seu destino.23 Em 5520, Shneur Zalman ainda desconhecia o Besht. Foi unicamente no mês de Elul, deste ano (depois do falecimento do Besht) que Rabino Yossef Yitschac contou-lhe sobre o Baal Shem Tov e transmitiu-lhe alguns dos seus ensinamentos, tanto da Chassidut como os caminhos dos chassidim. A fama do jovem ilui (prodígio) alcançou Vitebsk, onde um dos mais proeminentes judeus, Yehuda Leib Segal, homem de considerável fortuna e estudos, desejou tê-lo como seu genro. Ele acercou-se do pai de Shneur Zalman e o casamento foi devidamente arranjado. 3. Shneur Zalman tinha quinze anos quando se casou com Sterna. Ela foi uma digna consorte que ficou ao seu lado, através de toda uma vida repleta de muitas atribulações. 40 Rabi Shneur Zalman A celebração do casamento aconteceu solenemente na sexta-feira, véspera do Shabat Nachamu, em 5520. Para concretizar esta união, Shneur Zalman impôs uma condição: que um montante de 5.000 moedas de ouro, que o pai da noiva prometera como parte do enxoval, fosse colocado inteiramente a seu dispor. No decorrer de seu primeiro ano de casamento, Shneur Zalman, com o consentimento de sua esposa, depositou a soma total num fundo para ajudar famílias judias a se estabelecerem nas terras, comprometendo-se a trabalhá-las para fins agrícolas. Foram ajudadas na aquisição das terras férteis assim como de implementos agrícolas para moagem de farinha, tecelagem de lã e linho e propósitos similares, tudo como meio de vida. Graças a esta ajuda, muitas colônias nasceram na vizinhança de Vitebsk, ao longo das margens do rio Dvina. Shneur Zalman continuou pregando publicamente, de tempos em tempos, encorajando os judeus a deixar de mascatear para, em vez disto, tentar a agricultura. Ele também visitava as colônias de judeus e insistia com os fazendeiros judeus para que constituíssem grupos de estudo dos Chumash, Midrash e Agadá, no nível deles.24 Os esforços de Shneur Zalman para encorajar os judeus a se instalarem nas terras estavam de acordo com a política do governo da Polônia e da Lituânia. Enfrentando a hostilidade crescente da classe urbana contra os judeus, cuja competição em negócios e comércio eles temiam, o governo ofereceu vários incentivos para induzir mais e mais os judeus a se assentarem nos campos e vilas.25 Como resultado, muitos judeus sem nenhum negócio, voltaram a se ocupar com a agricultura e arrendamento para seu sustento. 41 Faróis da Sabedoria Em Vitebsk, Shneur Zalman estava muito ligado a seu tio, o famoso erudito Rabino Yossef Yitschak, e este último o introduziu nos estudos da Chassidut e na maneira chassídica do serviço Divino, como lhe ensinara o fundador do Chassidismo, o Besht, continuando depois com o Maguid de Mezritch, cujas sessões duraram por um período de mais de dois anos. O proeminente sogro de Rabi Shneur Zalman tinha negócios com os nobres proprietários das terras, e apresentou seu brilhante genro a estes membros e aos funcionários que ocupavam posições elevadas. Dois episódios são relatados a respeito de Rabi Shneur Zalman naquela época, fato que elevou grandemente sua reputação como cientista entre a nobreza local. Um foi quando Rabi Shneur Zalman resolveu o problema do relógio de sol que enfeitava os jardins do governador de Vitebsk, que havia deixado de funcionar durante parte da tarde, sob um céu sem nuvens. O governador, assim se contava, chamou vários cientistas, mas eles falharam em resolver o mistério. O jovem Rabi Shneur Zalman foi então convocado e foi bem-sucedido, mostrando que a causa do mau funcionamento era uma obstrução criada por árvores que tinham crescido muito alto, numa colina perto dali, a uma certa distância. O outro episódio foi relativo a um problema de matemática que o diretor da alta academia local, um certo professor Marcel, tinha se debatido por um longo tempo, e que foi resolvido por Rabi Shneur Zalman.26 Sua reputação e a familiaridade com a nobreza local que o apoiava, foram úteis em seu trabalho no interesse de sua irmandade, e nos períodos cruciais de sua carreira. Quando fez dezoito anos, graças a sua aplicação e o brilho de sua mente, tornou-se “proficiente em toda literatura 42 Rabi Shneur Zalman talmúdica, com todos os seus comentários e códigos”.27 Ao mesmo tempo, estudava os clássicos da filosofia judaica e da literatura da Cabalá, especialmente o Zohar e o Shenei Luchot HaBrit (Shalá) de Rabi Isaías Hurwitz. Rabi Shneur Zalman tinha ao seu redor um grupo de jovens de excelente preparo nos estudos e os liderou no estudo do Talmud, como também na disciplina da Cabalá. Eles organizaram um Minián (pequena congregação) e cultuavam à maneira do santo Shalá. Foi líder deste grupo durante três anos, e sua fama era de um ilustre estudioso e um professor grandioso. Shneur Zalman até já havia instituído um novo sistema do serviço Divino, baseado no princípio central que o amor e o temor a D’us deviam surgir de uma aproximação intelectual, com profunda compreensão da grandeza de D’us. Também elaborou métodos para conseguir este fim com a aplicação do princípio “de minha carne vejo a D’us” (Jó 19:26), um método indutivo que leva o microcosmo ao macrocosmo, e da analogia dos poderes da alma no homem para a categoria Divina do Ein Sof, usando os atributos da alma humana como contrapartes na categoria Divina. Este sistema foi, por fim, aperfeiçoado em seu livro Likutei Amarim (Tanya). 43