viem gan b
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Ministério da Cultura Patrocínio www.tdabrasil.com.br Apoio Editores Eraldo Peres Folias, Romarias e Congadas Agradecimentos especiais A todos os grupos populares, mestres e foliões que nos receberam em suas celebrações. Agradecimentos Aos amigos, importantes colaboradores dessa jornada: Jorge Vidal, Roberto Castello, Bete Bhering, Luiz Otávio da Justa Neves, Luis Turiba, Wagner Barjas, Sérgio Almeida, Paulo Santos, Marcus Vinicius, Shirley Fernandes, Juliana Peres, Bruno Peres, Davidyson Willian, Ana Martha, Marcelo Cabral, Geovana Peres, Lucas Peres e André Abrahão. Ilustrações e iconografia Cícero Lopes da Costa Produção Gráfica: TDA Brasil Direção de arte: Marcos Rebouças Projeto gráfico: João Campello Diagramação:Bruna Pagy e João Campello CDU: 398 (821.1) 6. Folia do Divino 7. Folia de Reis 8. Romaria 9. Congada 10. Fogaréu 1. Folclore 2. Cultura popular 3. Religião 4. Fotografia 5. Misticismo ISBN: 978.85-98694-31-3 156 p.: il. 29,5 x 29,5 cm. Eraldo Peres. – Brasília: Editora Senac – DF, 2009. F862e Peres, Eraldo. FÉsta Brasileira, Folias, Romarias e Congadas; pesquisa e fotografias, Produção, entrevistas e textos complementares Carol Peres Textos de abertura dos capítulos Clovis Carvalho Britto Texto “Festa Brasileira, festa universal” Angélica Madeira Projeto, pesquisa e fotografia Eraldo Peres FÉsta Brasileira 2009©Eraldo Peres Proibido qualquer tipo de reprodução 140 149 Festas pesquisadas Bibliografia 98 Padre Cícero 124 90 Nossa Senhora da Abadia Fogaréu 80 Divino Pai Eterno 106 70 Bom Jesus da Lapa Congadas 60 52 Círio de Nazaré Romarias 42 22 Folias Folia de Reis 20 Brasil, festas e tradições 32 10 Fé brasileira, Festa universal Folia do Divino 8 Apresentação Sumário “ Sebastiana Geralda Ribeiro Silva, 67 anos, Bom Despacho-MG, 2002. A congada para mim é tudo. É tudo: vida, alegria, paz, saúde, prazer... Fazer as pessoas sorrir, fazer as pessoas chorar. Uma hora faz chorar, outra hora faz sorrir... Dentro da música ela é uma paz, dentro do pensamento ela é uma saudade... Dentro da dança, é uma lembrança dos que já foram e dos que não podem mais dançar, dos que não podem mais caminhar... É uma festa de muita alegria, mas dentro do negro mesmo, que conhece qual é o significado da festa, traz dor, traz dor... Saudade! 7 8 apresentação 9 Folia do Divino Espírito Santo, Pirenópolis-GO, 2000 Angélica Madeira Romaria de Bom Jesus da Lapa-BA, 1998 Assim também as coreografias: elas apresentam circunvoluções complexas, na alternância entre as partes dançadas e cantadas pelos grupos e as partes dramáticas, em que todos ficam parados e personagens, reis, palhaços, embaixadores travam As imagens das Festas Brasileiras que temos diante dos olhos mostram um Brasil vivo e colorido, tradicional e longínquo, mesmo que esteja próximo, dentro de Brasília, a cidade mais modernista de todas as cidades. Mostram também os brasileiros, de várias regiões, mulheres e homens, em interação social intensa como a que acontece nas festividades e cultos que insistem em praticar. Esse significativo recorte de rostos e de corpos, em situações coletivas, evidencia como o povo brasileiro é diverso e mestiço tanto quanto as festas que preserva. Se estas trazem um enredo cristão, trazem ritmos de Angola e do Congo, além de tambores indígenas. Atualizam modelos de cantoria encontrados nas tradições africanas, como o padrão da alternância entre o solo e a resposta da multidão em coro; atualizam ainda o jogo das duas vozes básicas que constroem um padrão singular de harmonia – o canto em terça, que pode incluir um falsete e tornar-se mais e mais complexo, comportando, por vezes, polifonias de quatro ou cinco vozes. Estas festas introduzem e promovem misturas de instrumentos de proveniências diversas: há instrumentos de corda como a viola, a rabeca, o cavaquinho, há a sanfona, trazidos pelos europeus; há triângulos, pandeiros e ganzás, chocalhos e maracás e outros instrumentos percussivos trazidos pelos africanos ou já de uso na Terra de Santa Cruz, na Pindorama perdida. - sobre a pesquisa e as fotografias de FÉsta Brasileira de Eraldo Peres - Fé brasileira, Festa universal Esses registros de imagens, de sons e as narrativas elaboradas pelos foliões constituem um acervo importante para os pesquisadores do patrimônio imaterial por se caracterizarem como fontes primárias de pesquisa. É sempre uma surpresa constatar como práticas tão antigas sobrevivem na sociedade contemporânea. Todo esse material Folias, congadas e romarias, este é o universo das festas abarcadas pela câmera de Eraldo Peres. O fotógrafo pesquisou e fotografou durante mais de uma década, por esse Brasil afora, registrou cerca de dez mil imagens, gravou quarenta horas de depoimentos de foliões e pessoas envolvidas com os ritos, dez horas de gravações de cânticos, benditos, hinos, e de ritmos. Identificou os lugares mais importantes onde ocorrem as festas, fornecendo assim um mapeamento dessas danças dramáticas, dos itinerários dos romeiros, dos locais de peregrinação. O trabalho de Eraldo é de um gênero híbrido, o ensaio fotográfico, sobre uma temática delimitada e que utiliza quase sempre enquadramentos clássicos, revelando uma preocupação estética inseparável da forma de apreender a realidade. diálogos, muitas vezes combinando passos de danças de corte a passos e pulos ritmados, saltos em altura. Há brincantes de todas as idades, crianças, jovens e octogenários que executam com a mesma destreza e virtuosismo aquelas danças. As Congadas, por exemplo: dois grupos opostos lutam com espadas de madeira ou com facões, simulando uma guerra, representando, de forma estilizada, os acontecimentos que estão sendo objeto daquela festa e comemoração. Comemorar, ensina a etimologia, significa reafirmar juntos (co) algo que merece um lugar na memória (memorare): os feitos bélicos e diplomáticos da rainha Ginga, filha do rei de Mataba; a história do Rei Carlos Magno e os doze pares de França; a luta entre mouros e cristãos; a aparição de Nossa Senhora do Rosário a São Domingos ou a São Benedito. “Já fui cravo, já fui rosa, Hoje sou manjericão Daquele mais miudinho Que as moças trazem na mão.” 11 São festas reveladoras da forma singular e eclética adquirida pelo catolicismo no Brasil, um catolicismo pragmático, tolerante, pouco dogmático, de grande proximidade entre o devoto e a santidade, o que lhes autoriza uma relação íntima e pessoal (Freyre, 1992). Um catolicismo lírico, cercado de enfeites e flores de papel crepon, e que se manifesta também nas quadrinhas anônimas, redondilhas menores da tradição medieval: As festas populares devem ser entendidas como um evento único e total: os ritmos, os instrumentos, as danças com seus passos e malabarismos, a ambientação com bandeiras e fitas coloridas, a performance como um todo, fazem pensar em um tipo de arte que se articula intrinsecamente à vida. São formações lúdicas que, surgidas nos idos da colonização, evidenciam a mistura da evangelização levada a cabo pelos jesuítas – que entre outras estratégias pedagógicas introduziram o “auto”, peça de um só ato – e as celebrações tradicionais africanas, trazidas pelos escravos. Estas festas vêm mudando e se reconfigurando ao longo do tempo e – é sempre impressionante constatar! - persistem até os nossos dias. As festas de que falamos são todas de cunho religioso e estão ligadas a um ciclo que permite rememorar acontecimentos significativos da vida de Jesus, da vida dos santos, passagens da Bíblia, justamente as que estão sendo o objeto de comemoração: Natal, Semana Santa, Pentecoste. Apesar de serem chamadas “festas móveis”, elas não estão soltas e sim ligadas a um calendário que se regula de acordo com as fases da lua e com a História Sagrada. O enredo cristão é a camada de sentido mais explícita, mais aparente, que se superpôs a celebrações ancestrais, ligadas aos ciclos da natureza, às passagens das estações e dos solstícios, do plantio e da colheita, ritos muito arcaicos de povos que cultuavam a Terra e o Fogo. As Folias do Divino celebram Pentecostes, a descida do Espírito Santo sob forma de línguas de fogo, sobre os apóstolos e Maria reunidos no Cenáculo, quarenta dias após a Ascenção de Cristo ao céu. Já as Folias de Reis fazem parte das festividades do ciclo de Natal que inclui a representação de vários motivos bíblicos, desde a Anunciação do Anjo Gabriel, a visita de Nossa Senhora à prima Isabel, até a matança das criancinhas por Herodes, o nascimento de Jesus na manjedoura e as visitas dos Pastores e dos três Reis Magos. Essas representações se efetuam sob forma de rituais que exigem o respeito a um certo número de referências, símbolos, objetos, cores, cantos e danças. Elas acompanham um ciclo iniciado com os Pastoris, nas semanas que antecedem, e fechado com os Reisados, as Folias de Reis, nas semanas que se seguem ao Natal, encerrando-se às vezes no dia 6, dia de Reis, às vezes estendendo-se até o dia 21 de Janeiro, dia de São Sebastião. Embora disseminadas por todo o país, essas tradições festivas mantiveram-se, em maior escala e de forma menos alterada, mais próximas de sua formação original, nas regiões isoladas dos sertões nordestino, goiano e mineiro, no interior de São Paulo e Rio de Janeiro, regiões que trazem fortes marcas da cultura rural. foi editado e serviu de base à escrita dos esclarecedores textos de Clóvis Carvalho Britto e de Carol Peres, também responsável pela pesquisa da literatura histórica e etnográfica sobre as festas populares e romarias do Brasil. Talvez pelo contato direto com a realidade empírica de que falam os autores, FÉsta Brasileira ressuma o vigor e o entrosamento de uma equipe que trabalhou de forma harmoniosa, profundamente envolvida com o tema do ensaio fotográfico. 12 As dramatizações não tentam produzir um espetáculo ou uma peça teatral, preparar uma apresentação para ser exibida diante do público ou para estimular a visita dos turistas. As lentes nos introduzem, de chofre, no cerne da festa. As imagens evidenciam que ali estamos no domínio da festa popular: uma As fotografias selecionadas contemplam desde festas e romarias muito famosas, como a do Círio de Nazaré, em Belém do Pará, ou a procissão do Fogaréu na Cidade de Goiás até locais mais reservados como Trindade ou Muquém, Goiás, ou Bom Despacho e Unaí, em Minas Gerais. As referências nos documentos históricos às festas mais oficiais como as do ciclo natalino ou da Semana Santa são inúmeras. Elas se estendem ainda mais se tomarmos as festas do mês de junho que cultuam Santo Antonio, São João e São Pedro e, ao mesmo tempo, estão celebrando – em torno de uma fogueira - as mudanças de estação, passagens sempre ritualizadas nas mais diferentes civilizações e que ganham essa feição ingênua e forte, acompanhada de dramatizações cômicas, por todo o interior do Brasil. No entanto, registros sobre festas e peregrinações em algumas regiões afastadas são mais raros. Estas festas são sobrevivências de um berço europeu, medieval e cristão, mescladas às comemorações e práticas festivas de outras tradições, africanas, ameríndias que, em uma situação precisa, no Brasil e em outros países da América do Sul, se encontraram face-a-face. Elas são o resultado de processos históricos antigos que datam do evento da colonização, sendo registradas por vários cronistas – Antonil, Fernão Cardim , Saint- Hilaire, von Martius - o que faz supor que eram muito freqüentes no mundo colonial e imperial. As referências positivas fazem pensar que as festas eram mesmo incentivadas e consideradas benéficas para a paz das senzalas, quando os escravos podiam beber, fumar e dançar seus batuques, jongos e congos. Se as Folias do Divino e os Reisados comportam a dupla dimensão, sagrada e profana, sucedendo-se Pedidos, promessas, agradecimentos, o exercício e a demonstração da fé, o cumprimento de ritos, por meio dos quais são compartilhados mistérios e fatos significativos da vida de Cristo ou da vida de um santo são relembrados. Há uma história a ser contada, uma narrativa a rememorar, uma experiência que se quer perpetuar, conhecimentos religiosos e estéticos que se transmitem entre as gerações. Vê-se bem, nas fotografias, a presença de jovens, adultos, velhos e crianças compartilhando o mesmo espaço, o que garante a preservação dos sistemas simbólicos que regem aquelas festividades. O significado dos símbolos, dos objetos rituais, assim como os cantos e as danças são transmitidos por meios exclusivamente informais e práticos. É participando desde a mais tenra idade nas festas e folias que as crianças aprendem e continuam a tradição cuja origem jaz em tempos remotos. A celebração permite renovar os laços com esses ancestrais ilustres que praticavam, dessa mesma forma, esses rituais. As Festas são sempre no presente: tempo de experiências densas. Um tempo novo que se instala chamando para a reatualizaçao da memória, para a renovação do pacto com o divino. Além da memória comum que é reativada nessas ocasiões, as festas populares são também um espaço de afirmação de valores, uma confirmação da fé, uma experiência de encantamento. Elas permitem relembrar, pela celebração, um ethos coletivo e afirmar o elo daquela comunidade com a dimensão sagrada da vida.. performance coletiva, onde não existe palco e platéia e sim um espaço público bem demarcado, assim como um tempo especial, heterogêneo, cíclico e mágico que se instala, distinto do tempo linear da vida cotidiana. Entre os participantes reina o sentimento de pertencer a algo em comum – o motivo daquele congraçamento, a celebração da data festiva - o que tem o efeito de potencializar, no coletivo, a força de cada um. As Congadas são mais explicitamente africanas, não só nos tambores e danças mas até mesmo no enredo principal. Elas adquirem nomes e formatos diversos – ternos, guardas - nas diferentes regiões do Brasil, permanecendo sempre um certo número de elementos em comum. Este tipo de celebração sempre se abre, segundo o clássico estudo de Mário de Andrade (1982), com ladainha à Virgem do Rosário e uma saudação a S. Benedito. Seguemse homenagens à memória dos reis do Congo ou da Rainha Ginga, em outras versões da Princesa Ginga Ambângi .e sua comitiva, em suas conversações com o governador português, na Angola. Em seguida, a ala dos Embaixadores. Há volteios e danças de ambos os lados e, não se obtendo resultado, inicia-se um ritual de rebaixamento por xingamentos recíprocos, seguidos da seqüência da guerra, seja entre dois reinos africanos ou entre mouros e cristãos. Os personagens deixam transparecer toda a hierarquia de uma corte real e de uma escala militar, caracterizados por símbolos precisos, títulos honoríficos, cores, figurinos esdrúxulos, saiotes, calçonetes, guardas com peitorais e capacetes de lata. Os cristãos são reconhecidos pela cor azul e pelo símbolo da cruz que trazem entre rezas e catiras, imiscuídas muitas vezes no mesmo espaço, as Romarias são mais especificamente religiosas, mesmo que, como toda festa popular, comportem um aspecto profano, representado pela dinamização do comércio e pelas práticas estéticas coletivas que acabam se formando no itinerário e que são chamadas de “Festas de peregrinação”. As viagens seguem um roteiro para se chegar àquele lugar àquele local único onde o Orago, o santo da devoção, manifesta-se na plenitude de sua força e de sua sacralidade. Só assim se pode explicar que tantas pessoas se desloquem, em condições precárias, de muitas centenas de quilômetros, para compartilhar o poder que emana da fé e da devoção a Padre Cícero Romão, Bom Jesus da Lapa, Divino Pai Eterno ou Nossa Senhora da Abadia. Folia de Reis, Brasília-DF, 1999 13 14 Estas festas tradicionais estão ameaçadas por todos os lados. Por representarem práticas ligadas a condições culturais e relações sociais que estão deixando de existir, tendem a ser ultrapassadas pela mesma lógica do mercado e da mídia Nas rezas e novenas de Natal, as bandeiras mostram quase sempre uma cena do nascimento de Cristo ou da Sagrada Família. Todo esse Armorial colorido, esse conjunto de estandartes pejados de fitas de cetim de todas as cores, tão comuns às tradições medievais ibéricas, traz poucas variações e sua simbologia guerreira, hierárquica, nobiliárquica permaneceu muito arraigada na cultura popular, podendo ser atestada nos figurinos e nas designações típicas dos personagens, reis, rainhas e princesas, comandantes, embaixadores, secretários. As imagens capturadas pelo fotógrafo mostram também os espaços onde acontecem as festas. Mostram, em particular, as Folias que ocorrem nas ruas das cidades do interior, as casas dos festeiros, as fazendas ricas e as fazendas pobres, as casas de adobe, os barracos, todos recebem os foliões, dando-lhes acolhida, muitas vezes a dormida, a comida e a bebida. A Folia pede licença, traz a reza e a bandeira com a Pomba do Divino, invocando– a para que seus sete dons espirituais se imponham sobre aquela morada. O arco de flores e rosas que abre o cortejo representa a porta do céu pela qual passam os foliões e que também serve para ornar a cabeça dos donos da casa durante as orações e os folguedos. À despedida, os brincantes agradecem, sempre com cantos e versos espirituosos e seguem seu caminho rumo à próxima paragem. estampado em seus peitos e em seus brasões; os mouros, por suas vestimentas vermelhas, tendo como símbolo a lua nova. Ambos portam espadas que não se distinguem. Há lutas e escaramuças, sendo que, ao final, vencedores e vencidos se reconciliam e invocam, em um mesmo canto a Nossa Senhora, agradecendo e entoando louvores. As fotografias que aqui se mostram são um pequeno porém expressivo recorte em um universo muito maior de imagens tomadas nos anos de pesquisa empreendida por Eraldo. Elas revelam muito mais que a atenção e o treino do ôlho para captar as manifestações da cultura popular. Revelam também o convívio com esses mesmos valores, a ausência de julgamento, o desejo de guardar, colecionar, não deixar que se percam totalmente festas tão belas e tão carregadas de tradição. Vê-se logo que essas imagens não são obra de um agnóstico ou de um cerebrino, pois cada uma delas é ao mesmo tempo o registro e sua interpretação. A câmera não produz estranhamento, ao contrário, Aqui estamos falando de outro universo. Um universo especial descoberto, selecionado e documentado pelo fotógrafo que, com sua câmera, recorta no conjunto das festas brasileiras, as festas populares de cunho religioso, muitas delas, festas que ainda não se globalizaram. Tradicionalmente dedicadas a um santo ou santa de devoção, perdem naturalmente bastante prestígio, nesse momento de avanço, entre as classes populares, das seitas evangélicas que desautorizam o culto aos santos e a utilização de símbolos ou representação do sagrado. industrial e eletrônica que, inexoravelmente, desloca todas as “formas artesanais de comunicação”. Elas estão também ameaçadas pelas mesmas medidas que tentam preservá-las. Ao serem registradas no livro do tombo do patrimônio imaterial, tornam-se uma referência da cultura brasileira, o que se por um lado garante sua sobrevivência, paradoxalmente, expõe-nas ao risco de se estilizarem, de se tornarem um evento folclórico para atender a necessidades do setor turístico, atualmente regido pelo conceito de auto-sustentabilidade. Essas festas podem mesmo se transformar em mega-eventos como as festas juninas de Campina Grande; Paraíba, ou de Caruarú, Pernambuco. As festas singularizam as comunidades que as mantêm. Sabe-se que ali, naquele local, todos os anos, recomeça o ciclo que permite à população o congraçamento coletivo e a religação com sua dimensão espiritual. Não é outra a origem da palavra religião, cuja etimologia remete de modo explícito à necessidade de religar opostos para se aproximar dos mistérios da vida, de sua sacralidade cósmica. Naquele tempo extraordinário e naquele espaço demarcado, o sagrado pode se manifestar. O sagrado é um reservatório de forças, uma potência; e a pessoa religiosa está saturada dessa potência de realidade. Esse vínculo lhe traz força interior, uma dimensão existencial que permite enfrentar os riscos, os medos e as misérias, carências humanas que também se revelam nas imagens desses santuários de peregrinação, esses lugares- santos. As imagens deixam ver alguns detalhes em câmera alta: o olhar visionário dos crentes, a postura e os gestos dos peregrinos. As mãos, sempre as mãos, trazendo um terço ou apenas em oração, mãos cansadas, envelhecidas, com veias altas, os dedos tortos, de tanto trabalho. Mãos de reza e de trabalho. Mudras, mãos postas, em gesto de súplica, de agradecimento ou de adeus. O certo é que para além da importância documental dessas fotografias, a câmera registra rostos expressivos de nossa gente morena, gente de todas as idades, olhos amendoados, cabelos corredios, maxilar protuberante, lábios grossos, cabelo sarará. A câmera eleva os rostos, de forma a fazer ressaltar a dignidade desse povo, o respeito a seus ritos, à sua busca de transcendência pela fé e pela festa. sente-se inteiramente à vontade, nas cenas coletivas e em espaços externos, como nos interiores, mais sóbrios, em que a luz é graduada por velas, tochas ou lamparinas e o fotógrafo se esmera, tirando partido das sombras, projeções, distorções e reduplicações das imagens. 15 Folia do Divino Espírito Santo, Pirenópolis-GO, 1998 16 Folia do Divino Espírito Santo, Pirenópolis-GO, 2000 Festas também são espécies ameaçadas de desaparecimento e um trabalho como esse levado a cabo por Eraldo Peres e sua equipe tem grande importância não só para os pesquisadores, como já ficou dito, mas para toda a sociedade e particularmente para as comunidades de brincantes e foliões que assim verão seu saber e suas práticas lúdicas e religiosas como coisas valiosas, como arte. Estas festas e danças são expressões estéticas e existenciais que a história moderna ainda não modificou radicalmente em sua estrutura e em seu simbolismo arcaico. Fenômeno inextrincavelmente religioso e estético, as danças dramáticas referem-se a episódios da história do cristianismo, a histórias de lutas, do tempo da colonização Hoje sabe-se que . sob esses enredos explícitos jaz um sentido mais fetichista e tribal que rende o culto e se religa aos mistérios das passagens e dos seres da natureza. Chama ainda a atenção, olhando as imagens das festas brasileiras dessa seleta, a capacidade de poesia e fantasia contidas na cultura popular. As roupas muito coloridas, chapéus de palha, máscaras de animais, máscaras em geral, adereços, carapuças e chifres de bois que ornam a cabeça dos brincantes ou dos cavalos, como nas Cavalhadas de Pirenópolis, Goiás. Digno também de nota é o ambiente da festa que permite o trânsito sem conflito entre o sagrado e o profano. A Festa é sempre um acontecimento denso e concentra tanto sentido por estar assentada sobre um substrato sólido, do qual se diz ser capaz até mesmo de remover montanhas. A fé, nesse contexto, torna-se produtiva, trazendo soluções para angústias e necessidades muito imediatas e tornando possível a emergência de formas de sociabilidade específicas e de uma cultura singular, organizada em torno desses ritos coletivos. Festas Datas 20 » Procissão do Fogaréu » Romaria do Divino Pai Eterno » Folia de Reis 1996 » Folia do Divino Espírito Santo » Círio de Nazaré » Romaria de Bom Jesus da Lapa FÉsta Brasileira é o resultado de um processo fotográfico que reúne documentação e arte. Utilizando 1999 » Romaria do Padre Cícero » Folia de Reis » Romaria de Bom Jesus da Lapa É também poder falar de como as lágrimas correram quando ouvi pela primeira vez o terço cantado, na rouca voz do Seu Zé Pretinho, na tarde de uma quarta-feira, em um pouso de folia na área rural de Pirenópolis. Após a chegada dos foliões, a entrada da bandeira e a sua colocação sobre o altar, todos ajoelhados em uma corrente para louvar e cantar o Divino Espírito Santo. Não é somente um livro ou a um trabalho de documentação. Sobretudo, é o retrato da vida de foliões, mestres, guias, romeiros e promesseiros que fazem da cultura popular um riquíssimo universo de saberes e fazeres. » Congada de Bom Despacho » Romaria de Muquém » Folia do Divino Espírito Santo 2002 Tempos e locais onde o passado dialoga com o presente e prepara o futuro, em um país diverso e com um patrimônio cultural valioso, herdado das inf luências culturais indígenas, européias e africanas. Dialogo que converge para o que foi criado, inventado e transformado pelo povo brasileiro, resultando em um conjunto de expressões e celebrações que lhe dá sentido, memória e identidade. 2000 uma linguagem fotográfica singular e um processo criativo onde a luz é o elemento principal de criação. O trabalho apresenta uma linguagem fotográfica que valoriza as pessoas nos contextos das suas tradições, trabalhando com cores fortes e ângulos e enquadramentos não comuns aos olhares cotidianos. » Procissão do Fogaréu » Círio de Nazaré » Folia do Divino Espírito Santo Eraldo Peres FÉsta Brasileira é uma singela contribuição quando comparado com o nosso imenso universo cultural. Porém, é uma rica referência e registro sobre o patrimônio imaterial brasileiro. Ou mesmo estar no interior da gruta de Bom Jesus da Lapa, contemplando os romeiros olhando para cima, a espera da queda da gota d’água sagrada sobre os seus rostos para operar milagrosamente a cura dos seus olhos. Como estar sentado no interior de uma casa na zona rural de Unaí, na pequena sala com as luzes apagadas, ouvindo a chegada da Folia de Reis, a música da anunciação e o máscara pedindo ao patrão para acender a luz e abrir a porta. Poder sentir a respiração ofegante das crianças e as expressões inquietas e ansiosas dos adultos. » Folia de Reis » Congada do Engenho da Ribeira » Romaria do Divino Pai Eterno 2004 O Brasil é um vasto território que oferece paisagens geográficas e culturais diversas. Em mais de dez anos de trabalho fotografando e documentando as festas populares, fui levado a várias regiões do país, na busca do conhecimento e da convivência com grupos e mestres das nossas tradições. Um encontro com sentimentos e com pessoas que cotidianamente se juntam para celebrar a cultura popular brasileira. 2006 Brasil, festas e tradições » Congada de Ituiutaba » Procissão do Fogaréu 2008 O mapa apresenta as festas pesquisadas de forma agrupada. Nas páginas 140 a 147 as festas são apresentadas detalhadamente com suas respectivas datas e locais. Fogaréu Congadas Romarias Folia do Divino Folia de Reis 21 Folias 24 Folia do Divino Espírito Santo, Pirenópolis-GO, 1997 “ Eu queria rezar – o tempo todo. Eu cá, não perco ocasião de religião. (...) Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa Mas é só muito provisório. Muita religião, seu moço! Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Isso é que é a salvação da alma. Bendito Louvado Seja! De casa em casa, pedindo esmolas, distribuindo bênçãos. Magos que atravessam o deserto, pomba que espalha dons, estrela que guia dando vivas ao nobre morador. Um ritual de anúncio e dádiva, de costura de tempos e espaços. Um jeito sertanejo de rezar entre cantorias e danças, de unir a seriedade do debulhar do terço com a espontaneidade das crianças temendo os palhaços e os mascarados. É tempo de folia... Céus e terra, fé e festa, promessas. Campo e cidade, foliões, devotos, distâncias interligadas na urdidura da crença: entre-lugares. Instrumentistas e cantores dilatando alegria nos sertões. Na frente, percorrendo o giro da lua, a bandeira, guia estrelada, calcula o caminho dos anos. Ela é a fé que se pega com os dedos. Na estampa, os Três Reis do Oriente deixando presentes ao Menino Deus; ou uma pomba branca serpenteando os ares vermelhos do infinito, as fitas laminadas e as flores de papel crepom que exalam narrativas. Perfazer um itinerário, ir junto com a divindade, recebê-la em casa, orar com e para Ela, reviver a Epifania e o Pentecostes. “O sertão estava lindo e os paus-brancos do pátio em flor, o verde cercando tudo, abertas as flores dos aguapés das lagoas e levando longe aquele seu perfume especial. Não resisti, fui um pouco com medo – e deu certo. Lá, realmente, é o meu lugar. Cada volta minha é um regresso. E sinto que lá é o meu permanente”. (Tantos Anos – Rachel de Queiroz) Clovis Carvalho Britto Festas do Céu nas moradas da Terra: da jornada dos Três Reis à fé no Espírito Santo “Com a vinda da família real para o Brasil, elas se intensificaram em forma de cerimônias públicas pelos motivos mais variados. (...) Paradas públicas que misturavam a As folias como instrumentos de catequese foram incorporadas às procissões coloniais e, consequentemente, às festas dos santos padroeiros. Daí uma possível explicação para a multiplicidade de festas religiosas em que comparecem: Folia de Reis, Folia do Divino, Folia de São Sebastião etc. Alguns autores acreditam que tanto a Folia de Reis, quanto a Folia do Divino exerceram outras funções. Folia é festa. Termo que se aplica a situações diversas e aparentemente conflitantes consiste em folguedo que remete aos cancioneiros e danças do renascimento europeu e ao carnaval brasileiro: “a Folia entrou no Brasil como uma dança de fundo religioso, mais uma manifestação paralitúrgica que profana. Da mesma maneira que falamos do ‘teatro de circunstância’ de Anchieta, poderíamos também falar de uma música e de uma dança de circunstância, todos eles recursos catequéticos jesuítas – e a Folia é o melhor exemplo” (Moreyra, 1983, p. 137). Para a maioria dos estudiosos, as folias chegaram ao Brasil trazidas pelas mãos dos missionários: “Em Portugal, o termo folia já existia no século XVI – aparece, por exemplo, no Auto da Sibila Cassandra, de Gil Vicente – e denominava uma dança viva ao som de pandeiro e canto, representando os próprios Reis que vão adorar o Menino Jesus. Sua origem está no drama sacro encenado nas igrejas no Natal, durante a Idade Média. Com o tempo, esses dramas deixam de ser apresentados exclusivamente em latim e libertam-se da música litúrgica. Há também um deslocamento da ênfase do Officium Pastorum – o nascimento e a chegada dos pastores à manjedoura – para o Officium Stellae, que compreende o anúncio aos Reis, a viagem seguindo a estrela, o encontro com Herodes, a adoração do menino” (Rios, 2006, p. 66; Moreyra, 1983). 25 Esticando a mensagem do Evangelho diretamente à casa dos devotos, as folias também contribuem para disseminar e aclimatar o catolicismo, criando momentos de reafirmação da fé, congraçamento coletivo e quebra da rotina. O folião cavalga dia e noite seguindo os giros do sentimento e cumprindo uma missão para com a divindade. Para ele, “a folia é em si mesma um acontecimento de valor religioso. Quando o embaixador ou o gerente se dirigem aos seus ‘companheiros’, sempre acentuam duas coisas: o caráter sagrado do ritual e a obrigação contraída de realizá-lo uma vez por ano” (p. 383). A maioria das vezes é a promessa que move esses muitos homens e escassas mulheres a deixarem suas casas e adentrarem outras como divulgadores da chegada de um Deus Menino que renasce a cada ano nas lapinhas dos humildes ou de um espírito que de tão santo desce à terra tal como pomba branca a arrulhar nos telhados do mundo. Todavia, mais que iluminar as suas origens, é importante reconhecer que as folias consistem em “modos de simbolização pelos quais a sociedade repete para si as verdades que os seus membros já conhecem. Muitas dessas verdades não são certamente repetidas porque são verdadeiras, mas acabam sendo verdadeiras porque são freqüente e solenemente repetidas. Por debaixo de um rito simbólico há sempre uma pedagogia de legitimação social que transforma mensagens simbolizadas em cores, sons e gestos” (Brandão, 2004, p. 44). representação da realeza com os festejos profanos e simbólicos. (...) As festas do Divino, através de sua simbologia baseada na figura do imperador, do cetro e da coroa [assim como a dos Reis Magos], adaptaram-se bem a esse contexto. Mello Moraes Filho afirma que desde a fundação do Império os ‘reis de verdade’ dialogaram com os ‘reis do imaginário’, os quais, por sua vez, também ajudaram a sedimentar a imagem da realeza brasileira” (Silva, 2001, p. 24-26). 26 As folias, assim como outros folguedos e manifestações da religiosidade popular, possibilitam formas próprias de coesão social a partir da produção de sentidos e saberes. Desse modo, podem ser “São para emocionar fundo, e há mesmo uma regra cultural que sugere aos principais envolvidos, homens todos, algumas lágrimas, quando não, muitas. (...) É ali, sob a emoção de um novo cantorio ‘na frente do altar’, que ele chora, e na manhã do dia em que estive presente, chorava também o ‘mestre’ e choravam dois ou três foliões mais velhos. Nada havia na música cantada ou nos gestos obrigatórios que sugerisse isso. (...) O que a ‘chegada’ faz é solenizar ao extremo o feixe de afetos que liga as pessoas uma às outras, através do que está acontecendo” (Brandão, 1989, p. 129). Alguns dos momentos da folia são muito tocantes, a fé transborda e abre uma passagem que aproxima a festa do céu às moradas da terra: Jornada entre pousos, que decompõe a trama de nós da caminhada: pertencer a uma folia é se ligar afetivamente a um propósito de celebrar cada dia como um renascimento. Seguir os passos da bandeira pelas estradas, ajoelhar diante do altar e reverenciá-la entre lágrimas e beijos, acompanhar com um olhar piedoso sua subida no mastro da vida, cantar, cantar novamente, não ver o tempo passar, continuar... A folia é “um espaço valorativo de saberes, crenças, conhecimentos populares e reconstrução de identidades. Por isso, ela é um elemento que credencia e possibilita a inclusão social dos foliões. Desta forma, ao reviverem a viagem epifânica dos Reis Magos ou as viagens dos apóstolos para pregar os ensinamentos de Jesus, os foliões não apenas protagonizam uma história, eles assumem um papel e, consequentemente, são revestidos de um poder simbólico que os legitima como mediadores do Sagrado” (Pereira, 2005, p. 15). “Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judéia, no tempo do rei Herodes, alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, e perguntaram: ‘Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos para prestar-lhe homenagem’. (...) E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até que parou sobre o lugar onde E foram guiados por uma estrela... Seja a pé ou a cavalo, identificado por vestes próprias e divisas, sob arcos com rosas feitas à mão ou um céu de bandeirinhas vermelho e branco, os ritos seguem... Cantorios de chegada, de saudação ao dono da casa, a louvação do altar, a reza do terço, o bendito de mesa, a festa no pouso, catira e forró, a alvorada, a lua com olheiras quando o mastro é levantado, a despedida... Tudo converge na firme esperança, expressa na música e nos gestos, de que no próximo ano tudo será revivido. É o que diz a melodia do velho folião: “adeus povo todo em geral, se nós não morrer, havemos de tornar voltar”. “Alguns meses antes da saída da folia, já começam a construção de ranchos e fornalhas, o festeiro inicia a engorda de porcos e a criação de frangos para os dias antecedentes e para a festa. Tudo isso já são ações constituintes do ritual. (...) [A folia] É um espaço cultural de múltiplas situações e aprendizagem. O aprendizado mais importante e que é acessado por alguns poucos, dentre os iniciados na condução do ritual, refere-se ao seu corpo, digamos, teológico e doutrinário. (...) Há também um processo de aprendizagem que poderia ser classificado como instrumental, no sentido pragmático, feito para o desempenho de uma função” (Pessoa, 2007, p. 71-76). visualizadas também como práticas educativas em que cada momento do percurso resulta em uma situação de aprendizagem: Se Jesus nasceu entre os humildes, em seu renascer a profecia se repete: “Entre os camponeses do Centro-Sul do Brasil, o Natal é uma viagem de As famílias acolhem a bandeira e todas as esperanças nela depositadas. No altar, ornado com toalha feita com o algodão colhido no quintal, se fazem presentes velas, flores, fitas e todas as imagens e quadros dos santos existentes na morada e, não raro, os que habitam os altares da vizinhança. Está preparado para receber Gaspar, Melchior e Baltazar, Magos-Reis canonizados pelo povo, e com eles muitos Josés e Marias de uma Belém de Gerais e Veredas que sem ouro, incenso e mirra, só tem para oferecer a solidária acolhida e a fé profunda em forma dos gestos de cada ano. Se a estrela guiou os Magos em tempos passados, hoje é a fé que impulsiona os sertanejos pastoresdevotos a atravessar as passagens/fronteiras do interior do Brasil. O Menino Deus está em cada presépio montado; cada pouso ofertado é confiança estendida, é ponte. Nos olhos de cada devoto, os resquícios de expressão do ano anterior somados ao brilho renovado e expelido no binômio gratidão/saudade. Abrir portas e janelas e ascender à luz, acolher os Reis e se tornar uma manjedoura física e metafórica. A Companhia cumpre o seu ritual anual. As mãos agora trabalham para os Santos Reis. Seguir simbolicamente suas pegadas é anunciar a chegada do Salvador. Em cada olhar uma expectativa, uma emoção: receber a visita dos Reis em casa é unir os fios da memória e ser testemunho vivo de que a divindade está se manifestando ali, naquele momento, como uma estrela que passa e escolhe um ponto para focar a sua luz. estava o menino. (...) Ajoelharam-se diante dele, e lhe prestaram homenagem. Depois, abriram seus cofres, e ofereceram presentes ao menino: ouro, incenso e mirra”. (Matheus II, 1-11) 27 Folia do Divino Espírito Santo, Pirenópolis-GO, 1997 28 Congada de Bom Despacho-MG, 2001 O giro, iniciado pelo leste (Oriente) e concluído no oeste (Belém), irmana os foliões, é um voto individual que desperta um sentimento coletivo. No caso da folia, a atuação dos membros é conduzida pela música. Os ternos com capitães ou embaixadores, coro, gerentes, instrumentistas, alferes e palhaços (representando Herodes), cumprem suas obrigações cantando, dançando e tocando. Por isso, O próprio fundamento do ritual consiste na reprodução simbólica de uma viagem de adoração, instituindo, desse modo, uma dupla crença: acredita-se na santidade dos Três Reis e na eficácia simbólica do ritual da jornada através da qual eles se santificaram (Brandão, 2004). Não por acaso, a comitiva ao costurar tempos e espaços, pedindo esmolas e convocando bênçãos, leva uma mensagem de conciliação e solidariedade. Este encontro é celebrado com festa, ele é o motivo da viagem de seis ou treze dias. Os foliões protagonizam uma história e por isso há “todo um envolvimento de crença e assumência de papéis diante desta missão. Por outro lado, há, por parte da comunidade, um sentimento de reverência diante da bandeira e da Companhia, isso leva-nos a confirmar a hipótese de que o ritual que envolve os componentes acontece de forma tão intensa, que a representação é transmitida e torna-se realidade tanto para aqueles que representam o papel quanto para aqueles que recebem a Companhia em suas famílias. Não receber a bandeira e a comitiva em suas casas é o mesmo que não receber os reis peregrinos” (Pereira, 2005, p. 135). Deus no mundo dos homens; é a interrupção de uma viagem de seres humanos para o momento do nascimento do ser divino; é o estatuto de uma viagem de magos e supostos reis ao lugar do nascimento miraculoso. Por isso, eles entendem que o ‘nascimento’ deva ser festejado não em um lugar, mas na busca ritual de um lugar, logo, como uma folia” (Brandão, 1989, p. 28). (...) Nas cantorias de Chegada, Saudação do Altar e Nascimento, as estrofes são ‘dobradas’, ou seja, cantadas na íntegra pelo embaixador e depois pela Folia” (Moreyra, 1983, p. 153). Todavia, cada grupo tem uma unidade ritual autônoma. Não estão “submetidos à orientação da Igreja institucional Além disso, a maioria dos versos segue a seguinte divisão: “nas cantorias de Esmola e Agradecer Pouso, o embaixador canta metade da estrofe e a Folia completa. “canta sozinho e em primeiro lugar os versos que os outros foliões responderão com o complemento de uma estrofe. Durante a cantoria ele se coloca de frente para outro folião que comanda a resposta do canto e que, por isso mesmo, recebe este nome: ‘resposta’. Estes dois cantores principais fazem-se acompanhar de violões e/ ou de violas”. Todavia, eles não cantam sozinhos, também comparecem cantores que fazem as 3ª e 4.ª vozes “chamados de ‘contrato’ e são também instrumentistas. Da 5.ª à 8.ª voz os cantores de Santos Reis são chamados ‘requinta’. Os últimos terminam as estrofes respondidas ao embaixador emitindo, nas suas últimas palavras do verso final, um longo e muito fino grito” (Brandão, 2004, p. 350). Violões, violas, pandeiros, caixas e sanfonas, são os instrumentos mais comuns que marcam presença. Inspirados nas passagens bíblicas sobre a vinda do Messias, a aparição do Anjo Gabriel, o nascimento do Menino Deus e a visita dos Magos, os versos, fixos ou improvisados, são tirados pelo Embaixador que poderíamos conceber a Folia de Reis como “um teatro musical paralitúrgico onde a ação se desenvolve em termos grandiosos: durante vários dias e num cenário que abrange uma vasta região. Há papéis determinados e a Folia possui organização interna, texto e música próprios” (Moreyra, 1983, p. 146). 29 Das três figuras da Santíssima Trindade, o Espírito Santo é a mais natural: “Divino sem um corpo humano, como o Filho, ou sem a forma humanizada, como o Pai, o Espírito Santo é fogo, ‘língua de fogo’, mas é também e principalmente uma pomba, a ‘Pomba do Divino’” (Brandão, 1989, p. Fé que se festeja de casa em casa, entre campo e cidade, emoção e devoção. A Folia do Divino é uma viagem através de lugares, um anúncio da mensagem do Salvador do Mundo. Cada devoto, caminhante ou cavaleiro, realiza a missão de ser discípulo e portador da boa nova: “O Divino que te proteja, dê vida e saúde!”. Luz que vem do céu e reveste os homens com os seus sete dons. Espírito Divino cujo resplendor reverbera sabedoria, inteligência, conselho, ciência, fortaleza, piedade e temor de Deus. Abrir caminhos e acolher promessas, eis a mensagem do pássaro branco, de asas abertas, estampado nas bandeiras. “Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um barulho como um sopro de um forte vendaval, e encheu a casa onde eles se encontravam. Apareceram então umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram repletos do Espírito Santo.” (Atos II, 1-4). O divino vai chegando com seu lindo resplendor e independem de outros grupos. (...) Mesmo que inspirados e espelhados em outro grupo existente, os códigos de relações, as normas, a estrutura da festa e o imaginário vão sendo construídos entre os homens e mulheres da própria Companhia, medida pela experiência vivida no cotidiano. É por isso que apesar de um único eixo (Mt II, 1-12) elas se diferenciam no ritual, nas construções simbólicas e nos papéis desempenhados” (Pereira, 2005, p. 27). 30 As opas cor de sangue, empunhando cetros, coroas e bandeiras, não caminham sozinhas, vão protegias pela pomba da fraternidade. Os giros seguem um roteiro prévio, a cada encontro os músicos entoam versos pedindo ao morador que acolha a bandeira: “o dono da casa, que já está preparado para receber os foliões, aceita o pedido e aí começa a festa. Algumas variações desses E os dias se abrem em sorrisos enquanto os rostos se alimentam de lágrimas. Sob os céus e sobre a terra, a Folia do Divino irmana fiéis através das interações e práticas que (re) elabora. Também é polarizadora de outras festas, por isso é apontada por alguns pesquisadores como uma festa de festas (Cf. Silva, 2001). Nela se observa uma grande diversidade de símbolos, personagens e eventos. Comemorar o Divino é realizar procissões, novenas, teatros, reinados, folias, cavalhadas... Apesar de possuir pontos de contato com a Festa dos Santos Reis – devido a alguns ritos, a inspiração bíblica e a promoção da costura dos lugares na composição do itinerário da fé -, a folia tem fundamentos próprios. Abrindo as pálpebras das casas distantes, o culto dos Santos Reis “difere do culto do Espírito Santo. Ambos são ‘santos de promessa’. Ambos produziram folias. Mas, enquanto a de Santos Reis começa e termina no âmbito de uma jornada e de uma festa popular, a do Divino Espírito Santo começa nas fazendas [ou na igreja] e termina na igreja” (2004, p. 381). Outro aspecto é que, “ao contrário da Folia de Reis, que gira à noite, as Folias do Divino giram durante o dia e em cada noite o grupo de foliões realiza um pouso nos lugares previamente estabelecidos” (Silva, 2001, p. 32). 29). Referência baseada em alguns trechos bíblicos, como na passagem: “Assim que Jesus foi batizado, saiu logo da água. Nesse instante abriram-se os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e pousando sobre Ele” (Mt, III, 16). Atravessando os arcos floreados, jardins dobrados em meia lua, os pés procuram mais uma morada disposta a abrigar o Divino. Dedos debulham ave-marias e desfiam os sons das violas, no cantorio “nosso” de cada dia. Festejar entre braços e Eleva-se o pensamento até a divindade, levantando as mãos ao céu e solicitando uma emocionada proteção. A música tem uma função primordial, é ela que conduz o ritual e o torna ponte: “as portas do céu abriu, pareceu um lindo véu, é o Divino Espírito Santo que vai descendo do céu”. O embaixador se transforma em uma gramática dos sentimentos. Como um repentista do sagrado, ele mescla aos cantorios conhecidos temas improvisados a partir das situações experienciadas no percurso. Não por acaso o poeta sublinhou que se faz caminho ao andar: é por isso que os momentos não se repetem, são únicos. Sob as asas do Santo Espírito, as veredas entre matéria e imaterialidade se comunicam e ganham colo em uma memória agasalhada de versos: “o fato de que os folguedos tradicionais reclamam um mestre que esteja presente e atuante em cena, sublinha ainda mais a constatação de que sua performance depende da memória guardada pelo mestre em seu próprio corpo, (...) e da ligação do corpo do mestre com a memória coletiva e ancestral, de sua capacidade de reter e desenvolver a herança que lhe foi passada por mestres e brincantes mais antigos, ou seja, depende da riqueza e da complexidade do acervo de gestos, vozes, movimentos e procedimentos que possui” (Barroso, 2004, p. 87). eventos acontecem, quando o dono da casa guarda um ‘segredo’ para os foliões. A existência desse segredo está identificada com um símbolo qualquer, em forma de arco de flores, na entrada da casa que deve ser procurado pelos foliões. A bandeira que conduziu o ritual é colocada em um altar, e ali várias pessoas vão beijá-la, rezar e doas esmolas” (p. 34). Mas que força move os foliões de cada ou de todos os anos a aproximarem os termos fé e festa transformando-os em FÉsta? Seria possível traduzir em palavras tais gestos? Lembremos, assim, as lições de Bourdieu (2004) quando afirmou que existe um modo de compreensão corporal em que “o gesto reforça o sentimento que reforça o gesto” e, por isso mesmo, “há uma infinidade de coisas que compreendemos somente com o nosso corpo, aquém da consciência, sem ter palavras para exprimi-las” (p. 219). Por isso que é melhor sentir, sair de porta em porta, homenagear os Santos Reis e o Espírito Santo, os donos da casa e os foliões, dar “viva a quem deu viva” e aguardar as folias que recomeçarão em cada ano que amanhece. Alimento material e espiritual. Agradecer a comida com mais um Bendito de Mesa. Ser grato pelo (re) pouso. Cantar novamente uma música aprendida em uma folia perdida nos calendários. Inserir novos versos, transmitir, agregar sentimentos a esse feixe de afetos. Cada palavra proferida por um, se torna poesia de muitos. Em algumas localidades a Festa do Divino abre passagem para outros rituais como as Cavalhadas, representações dramatizadas de conflitos em que dois grupos “estabelecem entre si uma luta eqüestre e teatralizada, com diversas corridas e embaixadas, que culmina com a vitória dos cristãos sobre os mouros” (p. 47). Neste caso, “por debaixo de um rito histórico, há sempre uma pedagogia de legitimação social que transforma mensagens simbolizadas em cores, sons e gestos, o conhecimento se repete para ser ao mesmo tempo socialmente verdadeiro e pessoalmente acatado” (Brandão, 2004, p. 44). abraços. Os devotos que retiram o chapéu para a oração, são os mesmos que realizam o gesto inverso nas horas de divertimento. Afinal, a vinda do Espírito Santo sobre a humanidade é uma grande festa, um momento de renovação. 31 Folia do Divino Espírito Santo, Pirenópolis-GO, 1997 32 33 Folia do Divino 34 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 Pirenópolis-GO/Planaltina-DF Carol Peres O giro rural é o momento principal da Folia do Divino. Geralmente são sete pousos que determinam o percurso dos foliões que, durante o dia, levam a bandeira do Divino a todos os moradores e a noite param para descansar. Em Planaltina-GO, ao final do giro rural, os foliões seguem para a Praça da Igreja Matriz de São Sebastião onde acontece a união de todas as bandeiras do Divino Espírito Santo. Em 1826 o Padre Manuel Amâncio da Luz trouxe para a Folia do Divino o espetáculo “O Batalhão de Carlos Magno”, hoje conhecido como “Cavalhada”. Os mascarados, conhecidos como cucurucus, personagens de origem desconhecida nas cavalhadas eram, segundo a tradição local, os escravos e agregados que não tinham acesso à festa e se fantasiavam para não serem reconhecidos. As primeiras devoções ao Divino datam de 1321 em Portugal. A folia foi trazida ao Brasil no início da colonização portuguesa. Apesar de realizadas em vários estados brasileiros, foi em Pirenópolis que encontrou maior força. A primeira folia realizada na cidade goiana foi em 1819, promovida pelo Coronel Joaquim da Costa Teixeira, consagrado como Imperador do Divino. Na religiosidade popular, o Espírito Santo é sabedoria, guia, leme e fio condutor da vida, além de mistério. As folias do Divino anunciam a presença do Espírito Santo. O giro da folia, percurso feito pelos cavaleiros, representa as andanças de Jesus Cristo e seus 12 apóstolos durante 40 dias, levando a sua luz e a sua mensagem. Espírito Santo de Deus 36 Trecho de música de anunciação, Folia do Divino Desceu o Divino Espírito Santo com seu lindo resplendor, foi chegando e foi parando, num arco que ele encontrou. 37 38 Inação, guia de Folia do Divino, Pirenópolis-GO Tem que cantar tudo, o que está feito no ar, o que está presente no altar. Nós estamos buscando Deus na nossa presença. 39 40 41 42 43 Folia de Reis 2002 e 2003 Brasília-DF/Unaí-MG/Altinópolis-SP Carol Peres 45 Quando termina o roteiro da folia, realiza-se a festa de encerramento na residência da pessoa que fez a promessa. No início da festa reza-se o terço, com a presença dos foliões e dos convidados, em frente ao altar ornamentado com flores, toalhas bordadas e a bandeira dos Santos Reis. Em seguida, é servido um jantar com uma mesa especial para os foliões. O festejo de Santo Reis acontece em função do pagamento de promessas, e diferentemente do giro do Divino Espírito Santo, o giro é preferencialmente realizado à noite. O anfitrião da família que recebe a bandeira percorre com ela toda a casa, guardando-a em seguida, enquanto aos foliões é servido bolo, biscoitos e bebidas que os mantêm nas suas andanças pela noite. Ao se retirarem, o proprietário da casa devolve a bandeira e os foliões agradecem a acolhida, repetindo o gesto da entrada. Quando o dia amanhece, os foliões retornam às suas casas para descansar e, ao anoitecer, retomam as andanças. A Folia de Reis acontece entre o período do Natal e o dia 6 de janeiro, dia de Reis, onde grupos de cantadores e músicos trajando fardamento colorido percorrem as ruas entoando cânticos bíblicos que relembram a viagem dos três Reis Magos (Baltazar, Belchior e Gaspar) à Belém para dar boas-vindas ao Menino Jesus. De origem portuguesa, chegou ao Brasil no século XVIII, com caráter mais religioso do que de diversão. O Alferes ou responsável pela condução da bandeira, guia os foliões cantando e colhendo donativos para a reza de Santos Reis. Estrela Guia 46 Trecho de música de agradecimento, Folia de Reis Mas quando São José chegou nascido estava Jesus Nossa Senhora sofreu a dor E São José estava longe 47 48 49 50 Manoel Messias, guia de Folia de Reis, Unaí-MG A Folia é a festa mais gloriosa de Deus. São várias as promessas pros Santos Reis. Pedindo graças aos três Reis Santos e a nossa Fé. 51 52 53 Romarias 54 Círio de Nazaré, Belém-PA, 2006 “ Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. Ah, tem uma repetição, que sempre outras vezes em minha vida acontece. A ansiedade da chegada, o (re) encontro e a partida dos que caminham para matar saudades velhas e Trajetórias que se encontram em um movimento espontâneo de devoção. Um compartilhar de histórias que de tão diferentes se tornam iguais no objetivo final: cada romeiro tem uma experiência para relatar, faz questão de demonstrar a sua entrega descrevendo a infinidade de motivos para pedir e para agradecer, transparecendo a sua fé inabalável e demorada. Um dizer com exagero e um sentir com sobras que contribuem para que todos vejam, para que todos saibam: “um presente alongado em excesso através do poder singelo e tão sugestivo do ritual solidário. (...) Não apenas a crença devota em nome da qual algo é celebrado longe dos olhos canônicos do padre, mas a emoção de se sentir que se está convivendo ‘isso aqui’, junto a outros, iguais ou diferentes, de uma maneira concentrada, efêmera e densa ” (Brandão, 2004, p. 28). Passos que alavancam o moinho do tempo em busca de um lugar. Veredas de instantes onde a fé de muitos é construída na fusão de corpos e espíritos. Devotos-romeiros, sertanejos, homens, mulheres e crianças, personagens com chapéus e lenços ao vento trazendo consigo pés calejados e dispostos a seguir. Lábios que sussurram preces e que se abrem para cânticos de louvor. Olhares que descansam e inundam a face em gratidão por graças alcançadas. “Assim iam os nossos romeiros, pelo que depois de uma viagem vagarosa, mas alegre e sem acidentes, chegam enfim ao vale triste e retraído em que se achava edificada a capelinha de Nossa Senhora da Abadia.” (O Ermitão de Muquém - Bernardo Guimarães) Clovis Carvalho Britto “É a fé que nos conduz”: romeiros, romarias e exvotos. O momento mais esperado é a chegada ao Santuário, todos se dirigem para o mesmo espaço de renovação dos louvores cotidianos, lócus de mediação entre sagrado e profano, céu e terra. Palco da fé expressa na concretude dos gestos. Seja nos impressionantes testemunhos daqueles que percorrem dias de caminhada a pé, em barcos, a cavalo ou em carros de bois, enfrentando dificuldades das mais variadas, mesmo sob o peso dos cabelos brancos; Peregrinar é uma jornada de pedras e de palavras, um porto físico e uma ponte metafórica: caminha-se por e para algo. Em todas as religiões mais conhecidas, consiste em um ato de renúncia e iluminação que sublinha uma densidade mítica. Refaz-se o exemplo dos peregrinos do Antigo Testamento, relembrando o êxodo dos patriarcas e aproxima-se das lições do Nazareno em seus passos ao encontro do Pai Celestial. Ao peregrinar, os romeiros “escavam e exumam uma Jerusalém celeste, radicalmente localizada e cósmica. (...) Inicialmente religioso, o gesto que, mediante a cíclica peregrinação, transforma a localidade em cosmos e lhe confere um status universal, transforma-se logo em político. (...) Espiritualidade e política se fertilizam mutuamente” (Segato, 2007, p. 23). Um itinerário de devoção onde o sofrimento e a diversão compartilham o mesmo lugar. É preciso uma entrega por inteiro para o momento do encontro da divindade com a humanidade. O reconhecimento das fragilidades faz com que, muitas vezes, os joelhos se dobrem para acariciar a terra, enquanto os lábios esticam para tocar as fitas que os unem de forma umbilical às imagens reverenciadas. carregar saudades novas: “pessoas que se deslocam levando os símbolos de um piedoso sagrado, cantando, tocando instrumentos, repetindo fórmulas conhecidas de devoção. (...) Devotos-artistas e assistentes-devotos parentes, parceiros, vizinhos, ‘cumpadres’ que se visitam, que viajam de casa em casa, que afinal chegam a um lugar de festa” (p. 29). 55 As mãos que enxugam o suor são as mesmas que embalam os mistérios do terço, que dão graças aos céus e estão sempre dispostas a dar, ajudar, unir e A trajetória de cada romeiro é, ao mesmo tempo, única e coletiva. Vincula-se por meio de uma experiência comum, de um sentido transformado em comunhão que reverbera a idéia de uma “comunidade ampliada”, buscando uma dissolução simbólica do indivíduo num todo holístico (Steil, 2003). O cumprimento de uma promessa, o recebimento de uma graça ou a ocorrência de um milagre específico, extrapola as fronteiras de um ato individual para dialogar com uma expressão coletiva de valores sociais, políticos e econômicos, propiciando um momento privilegiado de construção identitária para os participantes. A despeito dos diferentes sentidos e motivações investidas no ritual de peregrinação, entendido como uma jornada ao mesmo tempo “interior” e “exterior”, a romaria centraliza culturas, transmite idéias e promove encontros (Cf. Martins, 2001; Carneiro, 2003). Os Santuários são partes de um ritual sagrado e a peregrinação é o ato de costurar, de promover uma arqueologia dos fragmentos de sacralidade “interligando os seus significados e construindo uma representação global da cultura (...) manifestando-se indiretamente através das estórias, mitos, relatos de milagres, aparições de imagens e santos, sonhos, causos, anedotas que circulam em torno destes lugares” (Steil, 2003, p. 201). dos que suportam cruzes, imagens, problemas de saúde ou da convivência com a fome, os romeiros se arrastam pelas calçadas, sobem as escadarias de joelhos e permanecem unidos aos símbolos de devoção. Seja através dos segundos singelos das missas e confissões, das promessas que iluminam o Santuário com velas e aumentam os ex-votos da Sala dos Milagres; dos cânticos, do balbuciar de orações, do vestir as crianças como anjos ou do espalhar pétalas de rosas pelo percurso. 56 Cada rosto esculpido foi dor alentada. Cada olhar fixo estampado na fotografia foi instante de gratidão. Detalhes expostos e dispostos a se espraiarem nas veredas da fé: publicação de milagres íntimos. Os romeiros rasgam o céu na esperança de receber bênçãos na terra. Existe um chamado que constitui o homo peregrinus e que transforma o romeiro em um signo flutuante do processo da romaria (Cf. Barbosa, 2007). Este chamado é um acontecimento capaz de alterar o curso de toda uma vida e modificar as relações no grupo e na família: “pode até suceder um lapso de tempo entre o chamado e a primeira viagem. Pouco importa. Mesmo que se tenha passado anos, o agraciado se percebe como que investido de uma missão, ainda que adiada para momentos mais propícios”. Ele motivaria a viagem, em virtude de uma graça recebida: “ao clamor do devoto, o santo escuta e por sua vez o agraciado ouve também a voz da divindade que o chama a uma alteração na rotina de sua vida” (p. 62). As romarias, lugares de múltiplos discursos, podem ser visualizadas como “textos”. A experiência religiosa fornece elementos para a compreensão do modo como homens e mulheres se apropriam e compartilham valores, conferem significados e reinventam tradições. Não podemos desprezar o sentimento de pertencimento e de fusão com a paisagem inerente ao culto: “no movimento de corpos que cruzam o sertão em direção aos Santuários, os romeiros vão demarcando um espaço sagrado que torna certos lugares e objetos mais próximos de Deus que outros”. Nas romarias o sagrado “se apresenta sempre encharcado de concretude, ao alcance da vista, da mão, podendo ser tocado” (Steil, 1996, Os votos assumem expressões diversas e podem ser representados sob formas concretas e materiais ou como performances e cultos ora positivos (obrigações), ora negativos (interdições), a partir de vínculos votivos nas figuras de santos canonizados pela Igreja ou consagrados popularmente (Bonfim, 2008). Formas que se aproximam através de um mesmo modelo de representação pautado na dádiva e materializado, muitas vezes, em um objeto de valor: o ex-voto. Apesar de fruto de uma decisão pessoal, na romaria os votos se confluem na foz do social. Possuem um efeito público e se transformam em instrumento relacionador por excelência, colocando na mesma estrada homens e mulheres, humanos e santos: “os votos colocam os romeiros em movimento e são o motor permanente da criação, perpetuação e vitalidade das romarias. Através de seus votos, os romeiros reconhecem sua condição terrestre e sua dependência em relação a uma ordem que transcende a sua experiência humana e social: ao mesmo tempo em que contribuem com a sua parte na renovação do vínculo que os une a esta ordem” (Steil, 1996, p. 104). É por isso que a peregrinação se reinicia, impulsionando o ciclo de fé, tal qual a pedra de Sísifo. Gratidão, esperança, transmissão. É comum ouvir duas frases que saltam incontidas da boca dos fiéis caminheiros: “retorno enquanto vida eu tiver” e “trago elas pra desde cedo aprenderem a ter fé”. Seria o milagre uma eterna dívida e a fé um patrimônio a ser transmitido? Para os romeiros tais dúvidas são certezas materializadas no sacrifício, nos votos. Entre devotos e ex-votos “Bom Jesus da Lapa. É a Meca dos sertanejos. (...) Objeto predileto de romarias piedosas, convergentes dos mais longínquos lugares. (...) Ali entra, contrito, descoberto... tomba genuflexo, a fronte abatida sobre o chão úmido do calcário transudante... E reza. Sonda longo tempo, batendo no peito, as velhas culpas. Ao cabo cumpre devotamente a promessa que fizera. (...) Sai desapertado de remorsos, feliz pelo tributo que rendeu”. (Os Sertões – Euclides da Cunha). A promessa se apresenta como uma das principais motivações para unir os fios entre a partida e o retorno. Todavia o que move o romeiro não é apenas uma promessa determinada, mas a gratidão eterna pela graça já alcançada: “o romeiro tem seu modo peculiar de encarar o favor recebido: paga-se uma vez e parece que fica sempre algo por resgatar, uma pendência ou obrigação que não se apaga de tudo” (p. 70). p. 23). Tecido do tempo, possibilita-nos visualizar em sua configuração elementos intrínsecos à cultura brasileira como a religiosidade popular marcada pelas nuanças entre o sagrado e o profano; uma fisionomia singular advinda de trocas simbólicas e conflitos entre diferentes tradições; a busca da universalidade através das manifestações particulares; e a idéia de uma unidade, da comunhão para além das especificidades regionais. “Enquanto muitos devotos distribuem água ao longo do percurso, outros auxiliam os que desmaiam de emoção ou que são sufocados pelo calor. Há ainda aqueles que ajudam os que fizeram promessas de cumprir uma parte do trajeto de joelhos, segurando-os pelos braços, limpando o caminho ou abanando-os para aliviar o calor” (Dossiê Círio de Nazaré, 2006, p. 70). Os milhares de passos entrecruzam memórias. As intensas manifestações de fé demonstradas tornam-se instrumento de coesão grupal: os devotos compartilham valores, crenças, realizações. São eles os responsáveis pela força da manifestação e por sua continuidade. O encontro com a divindade desperta e reforça o valor da solidariedade e aguça o sentido de comunhão: abençoar. Os romeiros adquirem e partilham de um mesmo “ethos peregrino” que é compreendido e percebido por todos os participantes: “daí o caráter redundante do ritual, a repetição, a observação de gestualidade própria, a inscrição de um calendário específico e a observação de uma mesma oralidade”. Nesse sentido, poderíamos pensar em uma gramática e uma pedagogia do ritual, em regras que o articulam para a produção de um sentido específico (Carneiro, 2003, p. 270). Círio de Nazaré, Belém-PA, 2001 57 58 Romaria do Padre Cícero, Juazeiro do Norte-CE, 2000 Constantemente, é possível ouvir dos devotos o som emocionado da gratidão “recebo muito mais do que posso dar”. O ex-voto, assim, é um passado/ Fora do lugar esperado, os objetos cotidianos se sacralizam. Assumem a tarefa de representar o milagre obtido. A funcionalidade do milagre é marcada pela figura do pedinte (que perece e se mostra desamparado) que formula pedido de graças remetido a um outro (divindade), em quem se acredita lhe poder atender (realização que se sucede de um agradecimento) (Bonfim, 2008). O ex-voto é, desse modo, um gesto público e de estabelecimento de um vínculo de confiança. Realiza-se o aspecto cíclico do darreceber-retribuir em que quem faz um voto, dá um voto: “falar em dádiva é também falar em relação, de uma relação em particular, a que mistura as almas nas coisas, as coisas nas almas” (Mauss, 1974, p. 44). Abreviação da expressão latina ex voto suscepto – por um voto alcançado -, deriva da palavra votum: “é o que se promete ao santo de devoção para se receber a graça, ou o que se oferece por tê-la alcançado” (Cascudo, 2000, p. 220). O voto seria a promessa e o ex-voto o testemunho do milagre: “representa uma retribuição às intervenções miraculosas buscadas pelos crentes em estado de aflição. (...) Quando o santo invocado propicia o alcance da graça, há uma retribuição que se manifesta sob várias formas: escultura, pintura ou desenho (quase sempre alusivo à situação de aflição em que se encontrava a pessoa), fotografia, peça de roupa, mechas de cabelo. Esses objetos são geralmente guardados nas ‘salas dos milagres’ dos templos devotados aos santos, alvos da devoção popular” (Lima e Feijó, 1998, p. 11). A romaria pode ser compreendida como um ato performativo que alarga fronteiras e concentra símbolos polissêmicos, verbais e não-verbais. A própria peregrinação é um ato que tem sentido em si mesmo. Além disso, as romarias organizam os sentidos fundantes da cultura bíblico-católica, Receber um chamado, peregrinar até o Santuário para fazer um pedido ou cumprir uma promessa, receber a bênção e regressar. Regressar para o cotidiano, na certeza de que a luz da divindade continuará guiando os seus passos e de que, no próximo ano, o ritual acontecerá novamente: “crer é no imóvel, mas rezar é para quem se move” (Brandão, 1989, p. 25). 59 Misturado à multidão, o fiel participa também de um espaço de espontaneidade, de emoção coletiva e informal, de alegria por estar ali, viver o instante sem se preocupar com a sacralização do profano ou com a profanação do sagrado. Afinal, Deus é alegria e vida em plenitude, e por isso o romeiro não se despede para sempre, “tão somente por agora”. Mas a romaria não é apenas uma performance do drama da Paixão, não é só sagrado e nem apenas penitência. A seriedade da ida se dissolve na alegria da volta. Não sem motivos o termo romaria designa ao mesmo tempo o fenômeno das peregrinações a um lugar de devoção e “a festa popular que é elaborada nas proximidades do Santuário ou local de peregrinação ou dia de comemoração religiosa do lugar, em geral com danças populares, feiras, comidas, comércio, arraial etc.” (Bezerra de Menezes, 2005, p. 114). A romaria é também uma festa, uma celebração: “seu caráter de festa complementa-se pelo aspecto da celebração de uma lembrança. Se a festa corresponde à necessidade psicológica da quebra de rotina, a lembrança de um acontecimento corresponde à necessidade social da auto-identificação” (Wehling, 2004, p. 2). “Defronte à casa do padre, na rua de calçamento pé-de-moleque, juntava-se, desde cedo, bem cedinho, uma multidão. (...) O pessoal começava então a bater no peito, chorando, contando pecados. E ele ia abençoando, vestido na sua batina velha remendada, a cabecinha muito branca. É, ele tinha mesmo o seu carisma: a gente sabia que havia um santo dentro daquele padre”. (Tantos Anos – Rachel de Queiroz). Lançai a vossa bênção, até eu tornar a vir... a partir de uma estrutura discursiva presente nos mitos das origens/nascimento, da paixão/morte/ ressurreição, ou do juízo final: “Nossa Senhora está associada ao mito das origens e do nascimento, Bom Jesus expressa o mito da morte/ressurreição, e o Pai-Eterno, identificado pelos romeiros como o Justo Juiz, personifica o mito do juízo final” (Steil, 1996, p. 2002). presente dotado de significado que interage visível e invisível, expressão estética em cujos vestígios se podem escavar as peculiaridades narrativas de seus depositários, as narrativas sociais do milagre (Bonfim, 2008). 60 61 Círio de Nazaré 62 1996, 2001 e 2006 Belém-PA Carol Peres 63 Em 2004 a celebração do Círio de Nossa Senhora de Nazaré foi registrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN – no Livro das Celebrações e recebeu o título de Patrimônio Cultural do Brasil. No sábado, a imagem segue para a Romaria Fluvial ou “Círio das Águas” onde centenas de embarcações enfeitadas com flores, balões e fitas acompanham a Virgem por um percurso de 10 milhas. A romaria começa com a Missa do Círio. Em seguida, num percurso de aproximadamente quatro quilômetros, dois milhões de romeiros seguem a corda que guia a Virgem até a Praça Santuário de Nazaré. Segurar a corda representa aos fiéis um ato de esperança e gratidão a Nossa Senhora. A história da devoção data de 1700 quando um caboclo chamado Plácido encontrou uma imagem da Virgem no igarapé Murutucu, onde hoje é a Travessa 14 de Março em Belém. A primeira romaria foi realizada em 1793 como pagamento de promessa feita pelo então governador português Francisco Coutinho. Há quase 300 anos, todo segundo domingo do mês de outubro, um mar de romeiros inundam as ruas de Belém do Pará para celebrar a crença a Nossa Senhora de Nazaré. Considerada uma das maiores procissões da fé cristã católica na região norte, o Círio de Nazaré é uma festa de ex-votos – objetos oferecidos a Nossa Senhora em agradecimento a graças alcançadas ou pagamento de promessas. Devoção, Fé e Amor 64 65 66 Trecho da música “Maria de Nazaré” Ás vezes eu paro e fico a pensar e sem perceber, me vejo a rezar e meu coração se põe a cantar pra Virgem de Nazaré. Maria de Nazaré, Maria me cativou. Fez mais forte a minha fé e por filho me adotou. 67 68 69 70 71 Bom Jesus da Lapa 72 1996 e 1999 Bom Jesus da Lapa-BA Carol Peres O ápice é a festa do Bom Jesus realizada no dia 06 de agosto. Não por acaso, mas porque neste dia, segundo a Bíblia Sagrada, é celebrada a transfiguração do Senhor Jesus. Os acontecimentos são marcados pela intensa presença de pequenos lavradores e pescadores, que vêm até o Bom Jesus agradecer e ofertar seus produtos, e pedir, principalmente, uma boa colheita para o próximo ano. A peregrinação começa com a romaria da Terra ou das Missões, no início Julho, quando os romeiros da região se dirigem ao santuário; a romaria ao Bom Jesus, a maior de todas elas, movimenta milhares de pessoas. Inicia na segunda quinzena de Julho e segue por todo o mês de Agosto. Na seqüência, a romaria em louvor a Nossa Senhora da Soledade e sua festa, celebrada em 17 de setembro, encerrando este ciclo de fé e penitência pelo sertão da Bahia. Há mais de 300 anos milhares de peregrinos chegam às margens do Rio São Francisco, na cidade de Bom Jesus da Lapa – Bahia – para homenagear o Bom Jesus e Nossa Senhora da Soledade. Exvotos trazidos pelos romeiros enfeitam as paredes da gruta descoberta em 1691, pelo português Francisco Mendonça Mar, mais tarde ordenado Padre Francisco da Soledade, durante suas andanças pelo sertão baiano. Pe. Francisco fundou na gruta o Santuário do Bom Jesus, que hoje guarda seu túmulo e o crucifixo que carregava em suas peregrinações. A devoção se desenvolveu durante o século XVII, devido ao ciclo da mineração e da intensa navegação naquele trecho do Rio São Francisco. A fé no Bom Jesus 73 74 Cântico dos Romeiros Senhor Bom Jesus da Lapa, aceitai esta romaria. Jesus Cristo, rei da glória, salvador do mundo inteiro. Senhor Bom Jesus da Lapa, aceitai esta romaria. Sou romeiro de longe, não posso vir todo dia. 75 76 77 78 79 80 81 Divino Pai Eterno 82 1999 e 2001 Trindade-GO 83 Carol Peres A Romaria de Carros-de-boi e a Sala dos Milagres são dois destaques da Romaria do Divino Pai Eterno. Todo ano cerca de 300 carreiros fazem a romaria até a Igreja Matriz. Superar os desafios da estrada é, para eles, renovar e reafirmar a fé no Divino Espírito Santo. A sala dos milagres é um amplo espaço no subsolo do Santuário que guarda objetos, ex-votos, fotografias, roupas e pertences pessoais trazidos pelos romeiros. Cada objeto representa a gratidão de alguém que foi atendido em suas preces A primeira capela do Divino Pai Eterno foi construída em 1843. O dia da grande festa é o primeiro domingo do mês de julho. Durante os nove dias que antecedem a festa são celebradas missas, novenas, encontro com carreiros, foliões e tropeiros. Os missionários redentoristas se unem num esforço para atender milhares de confissões e batizados. Há mais de 178 anos, devotos de vários lugares do país vão ao Santuário-Basílica do Divino Pai Eterno em busca de graças. Segundo historiadores a devoção do Pai Eterno teve início por volta de 1840 quando um casal de agricultores que morava nas proximidades do Córrego do Barro Preto, encontrou uma imagem da Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo coroando a Virgem Maria. O Córrego ficava distante aproximadamente 22 quilômetros do município de Campininha das Flores, que hoje é o bairro de Campinas, de onde se originou a cidade de Goiânia, capital do Estado de Goiás. Pai, Filho e Espírito Santo 84 Cântico dos Romeiros Caminhando para terra santa Velha Trindade da fé e do amor Sou romeiro que caminha Sou devoto do Senhor 85 86 87 88 89 90 91 Nossa Senhora da Abadia 92 2002 Niquelândia-GO Carol Peres Estima-se que a romaria atrai todos os anos mais de 180 mil pessoas que vão ao Santuário homenagear Nossa Senhora da Abadia e pagar promessas. O percurso de 45 quilômetros tem início na Igreja Matriz da Paróquia São José, na cidade de Niquelândia, passa pela Paróquia Nossa Senhora da Abadia e tem como destino o Santuário de Muquém, no Morro do Cruzeiro. Existem duas versões para a origem da romaria. Os relatos populares explicam que tudo começou quando um garimpeiro português importou de Braga uma imagem de Nossa Senhora da Abadia. A imagem teria começado a atrair fiéis até a região. A outra explicação está contida no livro “O Ermitão de Muquém”, de Bernardo Guimarães, escrito em 1858. A obra apresenta uma versão contada a partir de depoimentos dos próprios romeiros no ano de 1840, onde a romaria teria início com a história de um rapaz que, durante uma batalha, matou a própria mulher por engano e ao ser atacado pelos familiares da esposa, uma medalha que carregava ao peito o protege de uma flechada. Depois disso, o rapaz se tornou um ermitão dedicando sua vida a Nossa Senhora do Muquém e a propagar sua divindade. Todos os anos uma multidão invade o povoado de Muquém, a 20 quilômetros de Niquelândia, durante dez dias do mês de agosto. A festa religiosa do Nordeste goiano carrega o título de ser a romaria mais antiga de Goiás e foi realizada pela primeira vez em 1748. Louvor a Nossa Senhora D’Abadia 93 94 Hino à N. Senhora da Abadia do Muquém Oh! Virgem Mãe da Abadia, reina amorosa sobre Goiás. Louvor à Virgem Nossa Senhora que no Muquém tem seu altar; 95 96 97 98 99 Padre Cícero 100 2000 Juazeiro do Norte-CE 101 Carol Peres Pe. Cícero não foi canonizado pela Igreja Católica, mas é tido como Santo por sua imensa legião de fiéis espalhados pelo Brasil. É um dos brasileiros mais biografados da história e sua vida vêm sendo estudada por cientistas sociais do Brasil e do mundo. Cassado incessantemente pela Igreja Católica, Pe. Cícero aos poucos largou o apostolado e dedicou sua vida a ajudar os romeiros. Desde a sua morte em 20 de Julho de 1934, aos 90 anos, a cada ano a população se veste de preto em sinal de luto ao seu patriarca e eterno conselheiro. A Romaria de Pe. Cícero tornou-se uma das mais impressionantes e consagradas manifestações religiosas do nordeste brasileiro. Consagrou-se o “santo do nordeste” em 1889 quando em uma de suas missas, durante a comunhão, uma hóstia teria se transformado em sangue. O episódio se repetiu por várias vezes e foi considerado milagre, não só pelo povo, mas por médicos e autoridades que foram checar o fenômeno. Neste mesmo ano, o Seminário do Crato organizou uma romaria que levou cerca de 3000 fiéis para ver a transformação da hóstia em sangue. Juazeiro rapidamente se transformou em centro de romaria e devoção ao pai dos sertanejos. Em 1871 Padre Cícero Romão Batista rezava sua primeira missa na cidade de Juazeiro do Norte, onde depois se estabeleceu como Capelão. No Sertão Cearense, marcado pela seca e pela fome, tornou-se pai dos sertanejos, intimamente chamado de “Padim Ciço”. “Padim Ciço”, o Santo do Nordeste 102 103 104 Cântico dos Romeiros 105 Salve meu padrinho Ciço Lá em seu trono de glória No céu está resplandecente Junto com Nossa Senhora. 106 107 Congadas 108 Congada de Bom Despacho-MG, 2001 “ Veranico de Janeiro, Bernardo Eli Se afobava no dobrado brabo e sacolejante, enquanto mais surdamente, como um risco no horizonte, roncava a zoada das zabumbas na congada. Alguns congos ensaiavam seus passos de dança, seus trejeitos, seus toques de viola, reco-reco ou pandeiro, engrolando diálogos e cantorias. (...) Cantavam, repetiam, tornavam a cantar. (...) A fala de um é também fala de muitos. Congos, Congados, Congadas, enunciam vários folguedos populares que se assemelham entre si por constituírem grupos de atores, dançantes e cantores negros-devotos que “reproduzem, durante os festejos populares da Igreja Católica, ritos antigos de louvor a entidades religiosas reconhecidas como padroeiras e protetoras dos negros, como São Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora do Rosário” (Brandão, 2004, p. 323). Dificilmente haverá em tantas cidades brasileiras Com os filhos e filhas do Rosário aprendemos que tocar, dançar e cantar é também uma forma de oração, de um unir-se a Deus numa séria brincadeira de tradição e resistência: movimentação que deixa a rotina menos cinzenta e silenciosa. A face refletida no instrumento e que louva os santos, aguarda o ano todo para comemorar a liberdade, por isso nem sempre as experiências podem ser traduzidas em palavras. Festa da fé, memória inserida no corpo, orgulho étnico, liberdade... Pulsão expressiva e congraçamento coletivo. As batidas em devoção à santa branca inundam as ruas com a auto-estima dos negros. Gestos luminosos que circulam de geração em geração. Devotos que rasgam o céu à procura dos pingos da chuva: arco-íris humano. “Nada mais que os primeiros acordes da música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo.” (O Cortiço – Aluísio Azevedo) Viva a liberdade! Clovis Carvalho Britto Os mistérios do rosário no (com) passo da congada O que é inegável é que os congos até hoje estão nas ruas reverberando formas rituais e coletivas de devoção católica “parte do folclore negro ou do folclore branco incorporado por negros”. As Congadas têm cor? Sim, a cor dos tecidos e fitas, das rosas e estandartes, das dores e sorrisos. Têm cor e sentimento. O Congo não é somente um país africano ou uma dança brasileira, é um estado de espírito. Inúmeros autores já trilharam o caminho em busca das suas prováveis origens. Muitos, a exemplo de Mário de Andrade (1959), o consideram uma dança dramática de origem africana. Outros, como Roger Bastide (1959), como rituais de negros, mas já brasileiros, ou seja, uma forma negra de recriar rituais originalmente brancos e europeus. Não sem motivos, Carlos Rodrigues Brandão destaca que “nem sempre um componente ou traço de folclore exercido por negros é, originalmente, ‘dos negros’. Nem sempre, também, alguma dança ou auto popular ‘dos negros’ é de origem africana” (2004, p. 324). Entre passos, cantos e batidas de tambor, por trás das fitas coloridas e da alegria incontida na alma e impregnada no corpo, a Congada é um patrimônio secular manifesto no instante. Os olhares que procuram o sagrado e os pés que escavam o passado percorrem o moinho do tempo, como o pulsar da menina congadeira que em sua dança salta lembranças e esquecimentos. Onde estariam as origens, no começo do mundo, no principio das eras? outra festividade ritual, popular e católica ainda tão presente e tão diretamente associada a grupos de negros de confissão católica como a Congada. Do mesmo modo, será difícil encontrar uma dança ou outro folguedo do folclore do país que possua um mito, que procura justificar sua origem, tão difundido como o da Congada (Cf. Brandão, 1985; 2004). 109 Nessa forma de expressão, em cada terno (menor unidade ritual da Congada) os devotos perpetuam e atualizam o que eles chamam de raiz: “sua atuação demonstra a permanência do passado no presente, eles [os capitães] aparecem como elo unindo seus grupos à origem. Esta, por usa vez, liga-se aos antepassados criadores do terno, bem como aos antigos fundadores da congada e dos estilos que a compõem. Se a raiz liga-se ao passado e à sua atualização, o passado aparece associado ao chão ou a terra, evocando um sentimento de territorialidade, uma ligação com o local de origem” (p. 159). Entre chapéus, penachos, coroas, fitas cruzadas no peito, a memória que aciona o impulso criativo não é uma memória de privação, mas de transformação, por isso que é celebrada com festa. Daí decorre o sentido de missão, estar no grupo é um compromisso com a divindade, mas é também um compromisso com a origem, com os antepassados: “a ligação com o passado no ‘cativeiro’ é suficiente para conferir à congada profundidade histórica e ao negro escravizado valor positivo. A categoria raiz refere-se à origem e expressa a ligação contígua com esse passado, sendo referencial central para entender a congada no tocante à constituição dos seus diferentes ritmos, hierarquia de grupos, formação de lideranças e dos significados que dela emergem” (p. 30). Enquanto vestem suas roupas e afinam os instrumentos, os devotos se transformam. Deixam de ser anônimos, para se tornarem filhos do Rosário que, através da dança, conquistam o amor de Nossa Senhora. A narrativa rememorada promove uma reconciliação com o passado traumático na medida em que os fiéis atualizam durante a festa a aparição da Virgem para os cativos, fato que transformou a imagem do escravo: “a atualização periódica desse evento revela ser possível encontrar no imaginário da escravidão elementos que possibilitam a elaboração de uma cosmologia sócio-cultural onde o negro e/ou o descendente de escravos aparece de forma positiva e socialmente de forma reconhecida” (Costa, 2006, p. 12). 110 “- Não faz assim, seu moço, não desespera. Reza, que Deus endireita tudo... P’ra tudo Deus dá o jeito! E a preta acendeu a candeia, e trouxe uma estampa de Nossa Senhora do Rosário, e o terço”. (A hora e a vez de Augusto Matraga - Guimarães Rosa). No Rosário de Maria Por isso, o renovado interesse das ciências sociais pela temática. Além de “uma fala, uma memória, uma mensagem” (Brandão, 1989), no caso particular da Congada, seus instantes de devoção re-apresentam “à cidade o peso de sua ordem social e das suas contradições. No entanto, a transformação social engendrada por eles não busca a ruptura com a ordem estabelecida, mas a inserção dos congadeiros na mesma de forma mais valorizada e respeitada” (Costa, 2006, p. 13). Sons, cânticos, danças, forma de oração coletiva e corporada (Brandão, 1985). É o corpo que fala: o olhar nos olhos da Virgem Maria; o identificar com a pele de São Benedito e Santa Efigênia; os pés que cortam o ar e as mãos que seguram as nuvens: “o corpo encurvado, os ombros encolhidos, a cabeça baixa e os olhos que quase não encaram os demais [no cotidiano] cedem lugar [na Congada] à postura ereta, à cabeça erguida e ao sorriso constante ao tocar, dançar e cantar versos em homenagem a Nossa Senhora. O corpo torna-se aqui expressão da igualdade estabelecida pela santa entre senhores e escravos e a Congada é o meio primordial para a sua atualização por trazer em si uma liberdade de movimentos que se opõe à construção do cativeiro físico e moral” (Costa, 2006, p. 35). A Congada é intermezzo, aliança entre devotos, entre estes e as divindades, entre dor e alegria, passado e presente, cativeiro e liberdade. Para muito além das teorias acadêmicas, o velho negro do congado, com apito entre os lábios e o suor entre as mãos, é quem nos transmite a lição: a Congada é um chamado que “todos podem ouvir, mas só os devotos conseguem escutar”. Apesar de variações, este é o conteúdo mais comum na maioria das narrativas (re) contadas: “o mito explica a origem da Festa de Nossa Senhora do Rosário e, ao mesmo tempo, a posição privilegiada do moçambique dentro dela. O ritual do congo deriva de um duplo milagre. O primeiro milagre é dado pela santa para os negros, o segundo é obtido pelos negros sobre a santa. Em qualquer uma de suas versões, o problema colocado pelo mito é a eficácia simbólica da Congada. (...) Os dançadores ‘brincam’ na Congada para pagarem uma promessa, um ‘voto válido’, garantido pela eficácia da dança demonstrada no mito” (Brandão, 1985, p. 86). Para os integrantes da Congada, a santa branca e coroada é a mãe que se compadecia dos sofrimentos de seus filhos cativos ao ponto de suas lágrimas se converterem em pétalas de rosas. O mito que fundamenta o legado não se encontra grafado na Bíblia, ele se insere na memória e no coração dos fiéis. Sob o manto azul da Rainha do Céu, ele rememora fatos ocorridos com os escravos: Nossa Senhora do Rosário aparece aos negros (congos e moçambiques); os congos dançam e Ela sorri, os moçambiques dançam e a santa os acompanha até o local sagrado; a partir desse momento os negros são libertos. Rosário significa grinalda de rosas. Em suas aparições, a Virgem teria revelado que lhe era enviada uma rosa a cada Ave Maria rezada pelo fiel, e a cada rosário completo uma coroa de rosas lhe chegava aos céus. Através do rosário se rememoram passos de gozo, dor e glória através da meditação (oração mental) e da recitação (oração verbal). As lágrimas que eclodem cadenciando os rostos dos devotos são como os dedos a desvendar os mistérios do terço. As mãos que bailam e tocam os instrumentos são as mesmas que repolegam o rosário de Maria. O rosário termina onde começa, é cíclico assim como a fé da senhora que anualmente se renova nos passos dos moçambiques. Orar é uma festa dos gestos. Deixar-se guiar pela música e pelos ritos que reiteram o mito. Seguir os passos ditados pelos mais velhos, cultuar, afirmar, transmitir: “as músicas (letras e ritmos) são aprendidos por meio da fala, do toque, do olhar e principalmente pela convivência no grupo. Internalizam-se os ritmos, pois estes são socializados através de técnicas corporais e aprendem-se as letras por meio da repetição e pelo partilhamento do seu significado” (Silva, 2007, p. 47). Por isso, ao longo da vida, “o brincante vai enriquecendo o acervo de gestos, falas e procedimentos de seu personagem, tornando-o mais rico e complexo. Esta acumulação de recursos é que distingue a qualidade do brincante ao encarnar seu personagem. Para brincar, ele tem seqüências de formalidades incorporadas. Ele possui um alfabeto de gestos e um léxico corporal herdados da tradição, desenvolvidos no correr dos anos e guardados na memória corporal. (...) Quando o brincante começa a brincar, toda esta memória adormecida aflora” (Barroso, 2004, p. 85). O rosário desfiado pelos negros é metafórico, roda viva de preces que inunda o corpo e a alma de sons e cores. Não uma oração reiterativa, com o fiel de joelhos ao chão e palavras sussurradas e apertadas em cômodos e templos. Em agradecimento pela liberdade, os devotos (re) criaram uma oração que combina corpos, que se espraia pelas ruas e pelos sentidos, em que os mistérios transbordam de dentro de cada ser no bailado dos gestos e no pulsar da lembrança: “o sucesso deriva do próprio ritual e da atitude dos seus praticantes para com Nossa Senhora. (...) São os moçambiques, mais pobres, mais humildes e mais lentos que os congos, os que conseguem uma eficácia plena diante da santa. (...) Esta insistência sobre a pobreza de recursos de quem consegue produzir um ritual eficaz não parece ter apenas por objetivo demonstrar simbolicamente, seja o valor da humildade como preceito cristão, seja a condição de dominado do negro frente ao branco. Quem tem menos poder, e tem menos recursos tem somente o próprio ritual” (p. 87). 111 Congada de Ituiutaba-MG, 2008 112 Congada de Ituiutaba-MG, 2008 Assim como em outras manifestações do catolicismo popular brasileiro, a dádiva votiva também se faz presente na Congada mantendo parte dessa engrenagem de signos em rotação. Uma promessa pode ser paga através da participação no folguedo, uma única vez, diversas vezes ou para o resto da vida. A Congada é, dessa forma, uma cultura do povo que “só se preserva e se transmite na medida em que se representa para o próprio grupo que a produz, e assim se dá a conhecer ao público que a ela assiste, no e pelo ato de sua apresentação” (Montes, 2007, p. 100). 113 Nossa Senhora do Rosário é confidente, companheira de todos os momentos, talvez por isso ela acompanhe o (com) passo da Congada não sobre os lentos caminhos do andor, mas junto aos devotos, bailando ao vento nas estampas das bandeiras: “reconhecidos da senzala ao carnaval, como seres do corpo, dos gestos brutos das pernas e dos quadris, da ginga, enfim, esses negros querem lembrar a si mesmos, a Deus e aos outros, que mais do que todos são a própria memória dos gestos sutis do olhar e da delicadeza cerimonial” (Brandão, 1989, p. 183). Diversidade de sinais e leveza expressiva, sentido e sentimento. Cumpriu-se, assim, a profecia. Música de Congo Ô moçambique, ô lá nas matas. Ô moçambique, ô lá nas matas. Nossa Senhora lá nas matas, Numa gruta de pedra, Mas os negros cantou pra ela, Eu vim buscar a Senhora. Mas os negros cantou pra ela, Eu vim buscar a Senhora. 114 115 116 Bom Despacho-MG/Engenho do Ribeiro-MG/Ituiutaba-MG 2002, 2003 e 2008 Carol Peres As congadas ainda estão presentes em diversos estados do Brasil, mas encontram maior força na região sudeste. Realizadas de maneiras diversas e mescladas a outras festas, basicamente são compostas de cortejos e tem como padroeiros Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Ifigênia. Por isso geralmente os grupos se apresentam nas festas desses santos. Em Minas Gerais a congada é realizada principalmente no mês de outubro, em homenagem a N. S. do Rosário A Irmandade do Rosário dos Pretos é uma das principais propagadoras da congada e da memória do povo africano. Com poucos documentos escritos ou iconográficos, a maior fonte de conhecimento para os grupos são os velhos e a transmissão oral do rito. As famílias tornam-se os núcleos dos Ternos. Originada na África, com o Cortejo aos Reis Congos, é uma festa de passos e cantos, se caracterizando pelo som forte dos tambores, procissões e lutas simbólicas de espada. Trazidas para o Brasil no século XVIII com o comércio de escravos das colônias portuguesas, as etnias africanas encontraram na cultura a forma de preservar suas raízes. As entidades dos cultos afros eram sincreticamente identificadas aos santos do catolicismo, por isso a Igreja, as autoridades e os senhores de engenho em geral aceitavam as celebrações de congo. A Fé nos santos católicos contribui para a legitimação do rito. E o som dos tambores, para a consagração do poder de transformação da realidade que vivenciavam. A celebração dos tambores 117 118 Música de Congo Viemos na sua casa Trazendo a nossa bandeira É a Virgem do Rosário Nossa guia verdadeira 119 120 121 122 123 124 125 Fogaréu 126 “ A riqueza cromática veste a cidade de uma velha mística religiosa, sonora e vaga, a que as procissões dão vida e cor. Plena Semana Santa. O Cântico da Volta, Cora Coralina Euforia, levitação... Sinto-me renascer para o Canto Novo! A Bênção do Fogo!” A cidade lendária me toma nos braços, me enlaça e prende. O Fogaréu é o espetáculo resultante do encontro das chamas da festa e da fé na foz ardente da comemoração e da rememoração. Festeja-se a lembrança de um acontecimento e promovese a celebração de várias lembranças. Através da evocação são reforçados valores e traços culturais considerados significativos e o rito mantém acesa a memória. Quando os ponteiros do relógio Zero hora de Quinta Feira da Paixão. A cidade já se vestiu com verdes ramos e depois se cobrirá de luto até o dia em que se comemora a Ressurreição. Agora, no intermezzo, são as chamas que clamam. Os lampiões já foram apagados e cresce o burburinho dos espectadores que se comprimem no cenário tortuoso dos becos e ruas de pedras da antiga Vila Boa de Goiás. Escuta-se a fanfarra e as luzes dos archotes anunciam que é hora de acordar as trevas. Um clima de excitação toma conta do público, integrante na cena rememorada, talvez o mesmo que envolveu os que teriam perseguido o Filho de Deus. Com passos apressados e ao rufar de tambores surgem os personagens do espetáculo empunhando tochas, seres que lançam a dúvida e provocam uma semiologia do sentimento: são os que perseguiram o Representante da Luz ou são eles mesmos iluminados, vaga-lumes nas trevas? São personagens que evocam um texto ou são eles mesmos textos, personas, na barroca dúvida da revelação versus ocultamento? “E disse Deus: Haja Luz. E houve luz. Viu Deus que a luz era boa, e fez separação entre a luz e as trevas” (Gênesis, I, 3-4). Chamas da fé Clovis Carvalho Britto A procissão do fogaréu e os itinerários da paixão É possível reconhecer na Procissão alguns elementos que possuem uma continuidade histórica suficiente para que possamos considerá-los essenciais à celebração. Alguns estão presentes desde as origens, outros foram incorporados à tradição de forma que é impossível imaginá-la sem eles. Em algumas cidades brasileiras, por exemplo, o Fogaréu é realizado sem a presença dos farricocos. Já os moradores de Goiás, provavelmente, não o conceberiam sem esses personagens. Também não imaginariam as luzes da cidade acesas ou o ambiente sem a fumaça do querosene A Procissão do Fogaréu é uma poética do instante. Repositório de memórias da Península Ibérica que se espraiaram pelas cidades coloniais brasileiras e que encontraram porto seguro no sertão de Goiás. De acordo com Maria Cecília Londres Fonseca (2003) não apenas o centro histórico de Goiás deve ser considerado patrimônio cultural da nação. A Procissão do Fogaréu também deve ser considerada patrimônio já que, apesar de sua fugacidade - ocorre apenas uma vez durante o ano e em reduzido tempo -, confere ao centro histórico e à cidade um particular significado que é indissociável de sua identidade como patrimônio cultural. Desse modo, as igrejas, ruas e largos, assim como os rituais, a indumentária e as formas específicas de participação da comunidade constituiriam elementos fundamentais na dinâmica cultural de Goiás e o Fogaréu, nesse aspecto, seria um contundente exemplo de patrimônio (imaterial ou intangível) que também deve ser preservado. se enamoram à zero hora de Quinta Feira Santa, Goiás se torna um rio de fogo cujas margens são casas e igrejas e os navegantes são milhares de moradores e turistas, guiados pelo farol metafórico que é a figura dos farricocos ou encapuzados. O farricoco é a luz que procura a Luz nas trevas e, ao mesmo tempo, a sombra humana ao encontro do Cristo-Luz (Cf. Britto, 2008). 127 E o reflexo do fogo nas águas do Rio Vermelho cumpre a profecia do bandeirante, o Anhanguera, Diabo Velho: religiosidade e folclore, atualização e permanência. A distância que separa o olhar entre as frestas, do olhar que está sob o capuz é a mesma que mantém viva a certeza de que no próximo ano o ritual acontecerá novamente: “provocando a memória com sensações e imagens ligadas ao dionisíaco, traduzidas em palavras como tensão, caos, extravasamento, violência etc., compondo quadros de uma Paixão de Cristo que remete ás raízes mitológicas da tragédia” (Souza, 2008, p. 130). Expressividade conquistada por um conjunto de fatores que embalam o feixe de afetos: “figuras impressionantes marcham sem hesitação e sem se desviar da multidão, sendo acompanhadas de outras pessoas também empunhando suas tochas. Gente correndo de um lado para outro, o cheiro de querosene, o vento querendo assoprar o fogo nos cabelos, o ritmo obstinado e o rumor da massa humana afastando-se – uma demonstração espetacular de força. Não há necessidade de organizar os espaços. É o que se compreende naquele momento: a própria procissão conquista o seu território” (p. 137). maculando a lua cheia na madrugada do dia de Endoenças. Para muitos, o Fogaréu é o retorno à terra natal, o reencontro com familiares, amigos e a cidade umbilical. Há os que o consideram como uma oportunidade de comunhão, fé e autoconhecimento. Outros apreciam apenas seu aspeto estético, como moinho do tempo que marca a alegoria dos gestos e o clímax da Semana Maior. Mas independente do interesse, o percurso dos farricocos já está grafado na memória. Mesmo que em uma memória de flashes, como a daqueles que pretendem fixar o momento, congelando o instante na fotografia ou adquirindo uma lembrança nos artesanatos, ou dos que, não mais crianças, só conseguem acompanhar o espetáculo nas janelas ou se aventurando em atalhos para não perder o clarão de vista. 128 A procissão provoca temor e esperança, incluindo elementos geradores de tensão. Os homens encapuzados representando os soldados romanos iluminam as vielas escuras da cidade de Goiás com suas vestes coloridas e com seus archotes. As imagens e percepções provocadas pelo compasso dos tambores, o fogo, a água e o casario que espelham as labaredas, a rapidez e a agitação, somadas às figuras dos anônimos que se movem sob as vestes, revelando apenas olhos, mãos e pés, se alternam e se superpõem conduzindo ao momento do clímax quando a cena é congelada pelo toque do clarim que anuncia a prisão do Salvator Mundi. No espetáculo, a pintura de um Cristo Flagelado “altamente expressivo em sua dor, remete a um grotesco trágico atemporal (...) que converge para a interação das partes num todo vital, do qual emerge o belo no trágico e o trágico no belo. (...) Representa, pois, a reconciliação da serenidade apolínea com a embriaguez dionisíaca. O momento simbólico da captura do Cristo faz emergir uma nova emoção coletiva” (Souza, 2008, p. 138-141). A pele sente o calor, os olhos miram o fogo e as labaredas envolvem o olhar. Durante milhares de anos o fogo fascina a humanidade e constitui uma das principais conquistas do homem. Do grego pyr e do latim purus, significa pureza e purificação. Além de inspirar ricas metáforas, sempre alimentou o mecanismo da intuição simbólica, tornando-se elemento privilegiado para reconstruir o inacessível. O fogo é um elemento contraditório que, ao mesmo tempo, ilumina, aquece e queima. Assim, representa a luz e a destruição, a purificação e a espiritualização, tornando símbolo tanto do que é divino, quanto do que é demoníaco (Cf. Faria, 2006). Analisando o fogo na Procissão do Fogaréu, podemos percebê-lo sob dois aspectos: “o primeiro do ponto de vista dos farricocos, que representam os mantenedores da ordem, portanto o ‘fogo’ enquanto instrumento de coação, de repressão. O último, do ponto de vista de Deus, vinculado à luz, a purificação” (p. 55). Uma procissão consiste em espraiar o sagrado pelas veredas da vida cotidiana. Em uma data específica e percurso determinado a divindade se desloca, deixa os espaços comprimidos dos altares para se amparar nos ombros e mãos dos fiéis. Seu teto agora é o céu. Caminha com os homens, ao seu lado, na frente de suas moradas, simbolizando que o sagrado está em todo lugar. Não sem motivos Carlos Brandão (1989) afirma que o culto religioso no catolicismo popular é nômade e o que torna devota a sua cerimônia é a sua qualidade de deslocamento: Na Folia de Reis se comemora o nascimento do Menino Jesus, o testemunho e o anúncio de Cristo ao mundo. No Fogaréu se festeja o ato de se doar pela humanidade: “o Natal festeja um Deus que nasce, e a Semana Santa, um homem que morre, esquecida de que ele é oficialmente um Deus que vence a morte. (...) Temos, portanto, um Deus que nasce e provoca uma festa que encerra uma viagem; um Deus que morre e provoca uma comemoração ritual do sofrimento; um Deus estável entre os homens que provoca festa e romaria” (Brandão, 1989, p. 30). Conforme assinala Mary Del Priore (1994), uma origem européia comum teria embalado as festas coloniais no Brasil. Com a centralização de jovens Estados, como foi o caso de Portugal, tais eventos serviram à cristalização de idéias absolutistas, a exemplo dos exagerados ritos em homenagem aos bispos visitadores da Santa Inquisição. Tais atividades festivas eram manifestas através de procissões que possuíam uma função pedagógica. Já Plínio Corrêa de Oliveira (2003), ao comentar as origens das comemorações da Semana Santa relata que desde a Idade Média os Papas e Concílios aprovaram irmandades ou confrarias para incumbirem, dentre outras atividades, da representação dos episódios da Paixão diante das catedrais. Os fiéis se recobriam de roupas alegóricas das cores da liturgia e seria esta a origem primeira das túnicas e chapéus (capirotes) que encobrem o rosto. As procissões são atos de culto público que podem ser de ação de graças, louvor, penitência ou impetração de favores divinos. O Fogaréu é uma das procissões que compõem os ritos da Semana Santa de algumas cidades, portadora de características particulares centralizadas na figura mítica do farricoco. Conforme nos ensina Paulo Bertran (2002), as origens do farricoco estariam associadas à penitência, a uma punição imposta àqueles que não seguissem as determinações da Igreja, procedimento imposto aos burgueses de Braga assim como em Sevilha, na Espanha -, “prescrito em uma das muitas revoltas que tiveram contra o arcebispado daquela antiga Sé de Portugal” (p. 59). Em vez da pompa e luxo demonstrados pelas irmandades, representando os vistosos cavaleiros vestidos de seda com espadas de prata e alamares a buscar Cristo para aprisioná-lo, os “desviantes” deveriam comparecer s celebrações “com a estamenta de lã grosseira dos pecadores, e o chapéu cônico, o capuz dos condenados (...) correndo descalço a machucarem os pés nas pedras à luz de archotes. O farricoco” (p. 59). No olhar a tensão e nos lábios um sorriso. Os punhos cortam o céu com o fogo rememorando a Paixão. Mas como sentir felicidade ao relembrar a prisão e morte do Salvador? Acompanhando o sofrimento, não esquecemos de que ele morreu por nós e ressuscitou. Por isso a procissão é também festa, festa de representação que ata as pontas do sagrado e do profano. Desse modo, a perseguição e a prisão do Cristo estampado no estandarte se tornam uma metáfora da busca crística cotidiana de cada um ali presente. Tendo, pois Judas recebido a corte e oficiais dos principais sacerdotes e fariseus, veio para ali com lanternas, e archotes e armas” (Jo, 18, 3). Em busca do Cristo a) viajando através de lugares com o anúncio de um festejo religioso em algum local, como nas folias de Reis e do Divino; b) em busca de um lugar sagrado, como nas romarias; c) fazendo desfilarem pelas ruas pessoas vestidas de uma dignidade especial, como na congada; Se no princípio Deus disse, haja luz e separou luz das trevas; se uma estrela incandescente rasgou o céu e guiou os magos até a manjedoura; e se o Divino se manifestou em línguas de fogo; d) conduzindo seres simbolicamente sagrados através dos espaços profanos, como na Procissão do Fogaréu. 129 nada mais apropriado do que reverenciar a Sacra Paixão com este elemento. Comemora-se não somente “a maior dor do mundo”; festejase o amor incondicional daquele cujas lições há dois mil anos, aquecem e orientam o percurso dos corações na Terra. Por isso, a cada ano Ele é louvado de diferentes formas, com fé e festa, no meio de nós. 130 131 132 1999, 2002 e 2008 Goiás-GO 133 Carol Peres Além de Goiás, outras cidades realizam a procissão: Várzea Alegre-CE, Caxias-MA, Olinda-PE, Pedreira-SP, Florânia-RN, Paraty-RJ, Oeiras-PI, São Cristóvão-SE, Ouro Preto-MG e SerrinhaBA. A procissão de Goiás é a única a manter a figura dos Farricocos. Ao contrário de outras procissões, o Fogaréu tem um ritmo rápido e não cadenciado e a procissão dura em média uma hora e meia. A cidade é o próprio cenário da procissão. À meia noite da chamada quarta-feira das trevas, as luzes das ruas principais são desligadas e cerca de 450 tochas são distribuídas aos seguidores. A prisão de Jesus é simbolizada pela exibição de um estandarte com sua imagem. Neste momento, um clarim executa o toque de silêncio. Na cidade de Goiás, anteriormente conhecida por Goiás Velho, e primeira capital do Estado quando ainda era nominada Vila Boa de Goiás, a Procissão do Fogaréu se destaca. Realizada ainda em sua forma original, os homens saem às ruas encapuzados representando os soldados enviados por Caifás para prender Cristo. São os Farricocos, personagens trazidos para Goiás pelo padre João Perestelo de Vasconcelos Espíndola, em 1745. A perseguição e prisão de Jesus Cristo pelos romanos são relembradas há mais de 260 anos pelos brasileiros. A Procissão do Fogaréu, tradição que data do século XVIII, é realizada na quarta-feira que antecede a sexta-feira da Paixão, na Semana Santa. Procissão do Fogaréu 134 135 136 137 138 139 140 141 Festas Pesquisadas Procissão de Nossa Senhora Do Rosário Concurso Regional de Folia de Reis Encontro Regional de Folias de Reis Encontro de Folia de Reis Festiva de Folia de Reis Jan Jan Jan Fev 142 Procissão de Bom Jesus Dos Navegantes Jan Jan Festa de Reis Jan Jan Festa de Santos Reis Jan Encontro de Folias de Reis Encontro de Folia de Reis Jan Jan Folia de Reis Jan Encontro Folia de Reis Folia de Reis Jan Encontro de Folias de Reis Encontro de Folia de Reis Jan Jan Folia de Reis Jan Jan Folia de Reis Encontro de Folia de Reis Jan Festa de Reis Jan Folia de Reis Jan Festa de Reis Festa Dos Santos Reis Jan Reis de Ze Magal Encontro de Folia de Reis Jan Jan Encontro Regional de Folias de Reis Jan Jan Folia de Reis Jan Festa Dos Santos Reis Festa Dos Santos Reis Jan Jan Encontro de Folia de Reis Jan Festa de Reis Encontro de Folia de Reis Jan Festa da Lapinha - Festa de Reis Chegada Das Folias de Reis Jan Jan Festa de Santos Reis Jan Jan Festa de Santos Reis Encontro de Ternos de Reis Jan Festa de Santos Reis Jan Jan Festejos de Santos Reis Festa Jan Data Ituverava-SP Cachoeira de Macacu-RJ Aparecida Do Taboado-MS Apucarana-PR Barra-BA Penedo-AL Brasilia-DF São Sebastiao Do Paraiso-MG Altinópolis-SP Gravata-PE Barretos-SP Nova Friburgo-RJ Chapada da Natividade-TO Araguacema-TO Uberaba-MG Quixeramobim-CE Pereira Barreto-SP Contagem-MG Catu-BA Canavieiras-BA Barra-BA Nossa Senhora da Glória-SE Salvador-BA Juazeiro Do Norte-CE Belem-PA Varginha-MG Uberlândia-MG Tres Rios-RJ Sarandi-PR São Sebastiao Do Paraiso-MG São Fidelis-RJ Salinas-MG Pocos de Caldas-MG Olinda-PE Jequie-BA Catende-PE Barra do Corda-MA Barra do Corda-MA Festas pesquisadas Folias, Romarias, Congadas e Fogaréu Localidade Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Romarias Romarias Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Tipo Continua Festa Dos Penitentes Festa do Divino Espírito Santo Folia do Divino Encontro de Congados E Moçambiques Festa de S. Benedito Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Festejo do Divino Espirito Santo Festa de S. Benedito Festa do Divino Espírito Santo E São José Festa Em Louvor de S. Benedito E N. S. do Rosario Congada Congada Serena de S. Benedito Festa de S. Benedito Dos 13 de Maio Festa do Divino Espírito Santo Festa do Senhor Divino Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Cuiabá-MT Alcântara-MA Sta. Isabel-SP Ouro Fino-MG Cotia-SP Ituiutaba-MG São José-SC Ibitinga-SP São Joao do Araguaia-PA Varginha-MG Saquarema-RJ São Luiz do Paratinga-SP São Lourenço do Sul-RS Poços de Caldas-MG Monte Carmelo-MG Monte do Carmo-TO Luziania-GO Belém do São Francisco-PE Itaguaí-RJ Ouro Preto-MG Serrinha-BA São Cristovão-SE Oeiras-PI Paraty-RJ Florânia-RN Pedreira-SP Olinda-PE Caxias-MA Várzea Alegre-CE Goiás-GO Cariacica-ES São José Dos Campos-SP Santa Fé do Araguaia-TO Xique-Xique-BA Juazeiro-BA Ibiaça-RS Esperantina-PI Carpina-PE Festas pesquisadas Folias, Romarias, Congadas e Fogaréu Localidade Abr Festa de S. Benedito Abr Fogaréu Abr Fogaréu Fogaréu Abr Fogaréu Fogaréu Abr Abr Fogaréu Abr Abr Fogaréu Fogaréu Abr Fogaréu Abr Abr Fogaréu Fogaréu Abr Carnaval de Congo Abr Abr Romaria Padre Cícero Festa de São Benedito Abr Os Penitentes Abr Abr Romaria de N. Sra. Consoladora Penitência Alimentadeira de Almas Fev Vi Romaria da Terra Fev Fev Festa de Santos Reis Festa Fev Data Continuação Folia do Divino Folia do Divino Congada Congada Congada Congada Folia do Divino Congada Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Congada Congada Folia do Divino Folia do Divino Romarias Congada Procissão Procissão Procissão Procissão Procissão Procissão Procissão Procissão Procissão Procissão Procissão Congada Congada Romarias Romarias Romarias Romarias Romarias Folia de Reis Tipo 143 Continua 144 Círio de Nazaré, Belém-PA, 2001 Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Mai Mai Mai Mai Mai Mai Mai Jun Romaria A Pé Feminina da Dona Ordália Romaria A Pé Festa do Divino Espírito Santo Jul Jul Carros de Boi Jul Jul Festa do Divino Espírito Santo Jul Romaria do Divino Espirito Santo Encontro de Folia de Reis Jul Jul Congado Jul Festa do Divino Procissão de São Pedro Jun Romaria de N. Sra. do Carmo Romaria do Divino Pai Eterno Jun Jul Festa do Divino Espírito Santo Jun Jul Festival de Folguedos de Barros Carros de Boi - Divino Pai Eterno Jun Jun Festa de N. Sra. do Rosario Dos Pretos Jun Jun Encontro de Folguedos Encontro Nacional de Folguedos Jun Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Mai Jun Festa do Divino Espírito Santo Mai Festival de Folguedos Festa do Divino Espírito Santo Mai Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Mai Jun Folia do Divino Mai Jun Festa do divino Espírito Santo Romaria de Nossa Senhora do Caravaggio Mai Festa do Divino Mai Três Corações-MG Três Corações-MG Redencao-PA Carmópolis-SE Diamantina-MG São Luiz-MA Vazante-MG Piracicaba-SP Copacabana-RJ Abaeté-MG Manaus-AM Trindade-GO Santana-AP Damolândia-GO Barras-PI Minas Novas-MG Teresina-PI São João do Piauí-PI Lagoa Santa-MG Itajaí-SC Esperantina-PI Camaçari-BA Viana-ESP Oeiras-PI Mogi Das Cruzes-SP Itajuípe-BA Carolina-MA Barra-BA Paraty-RJ Caçapava do Sul-RS Porto Velho-RO Laguna-SC Planaltina-DF Pirenópolis-GO Farroupilha-RS Santo Amaro da Imperatriz-SC Saquarema-RJ São Gonçalo Dos Campos-BA Festas pesquisadas Folias, Romarias, Congadas e Fogaréu Localidade Mai Festa do Divino Espírito Santo Festa Mai Data Continuação Romarias Romarias Romarias Romarias Folia do Divino Folia do Divino Romarias Folia do Divino Folia de Reis Congada Romarias Romarias Folia do Divino Romarias Congada Congada Congada Congada Folia do Divino Folia do Divino Congada Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Romarias Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divino Tipo 145 Continua Folia do Divino Romaria Bom Jesus da Lapa Jul Jul Festa do Divino Espírito Santo Festa do Divino Espírito Santo Festa do Congado Festa de N. Sra. do Rosario Romaria São Francisco Romaria de Bom Jesus do Matozinhos Folia do Divino Festa Das Cavalhadas Festa N. Sra. do Rosario Encontro de Congados Encontro de Congadeiros Festa N. Sra. do Rosario Coroação de N. Sra. do Rosário Ago Ago Ago Set Set Set Set Set Set Set Out Out Out 146 Encontro de Congados Festa do Divino/Congados Ago Ago Romaria Abadia da Agua Suja Ago Ago Festa de S. Benedito Romaria de Muquem Ago Romaria Bom Jesus da Lapa Festa do Divino Espírito Santo Jul Ago Festival de Congado Jul Romaria de N. Sra. da Boa Morte Folia de Reis Jul Romaria do Bom Jesus do Bonfim Missa dos Vaqueiros E Vaquejada Pe. Cícero Jul Ago Festa do Divino Espírito Santo Jul Ago Festa do Congo E S. Benedito Festa do Divino Espírito Santo Jul Festa do Divino Jul Piracicaba-SP Ouro Preto-MG Belo Horizonte-MG Bom Despacho-MG Icó-CE Ouro Preto-MG Uruana-GO Congonhas-MG Canindé-CE Oliveira-MG Betim-MG São José-SC Laguna-SC Dores de Indaia-MG Bom Despacho-MG Abadia da Agua Suja-MG Muquem-GO Alcantara-MA Rio da Conceição-TO Bonfim-TO Cachoeira-BA Bom Jesus da Lapa-BA Unaí-MG Palmas-TO Conselheiro Lafaiete-MG Unaí-MG Juazeiro do Norte-CE Coxim-MS Corumbá-MS Vila Bela da S. Trindade-MT Brazlândia-DF Anápolis-GO Festas pesquisadas Folias, Romarias, Congadas e Fogaréu Localidade Jul Folia do Divino Festa Jul Data Continuação Congada Congada Congada Congada Congada Congada Folia do Divino Romarias Romarias Congada Congada Folia do Divino Folia do Divino Folia do Divno Congada Romarias Romarias Congada Romarias Romarias Romarias Romarias Folia do Divino Folia do Divino Congada Folia de Reis Romarias Folia do Divino Folia do Divino Congada Folia do Divino Folia do Divino Tipo Continua Folia de Reis Dez Romaria Marítima do Senhor do Bonfim Dez Dez Camamu-BA São Sebastiao do Paraiso-MG Janauba-Guaxupé-MG Bom Despacho-MG Valenca-RJ Três Corações-,G Sabara-MG Muriae-MG Carolina-MA Passos-MG Juara-MT Campo Belo-MG Tupa-SP Osório-RS Bragança-PA Belo Horizonte-MG Esperantinopolis-MA Pedreiras-MA Santa Rosa do Tocantins-TO Juazeiro do Norte-CE Caicó-RN Jatai-GO Belém-PA Aparecida-SP Três Corações-MG Itaberaba-BA Aparecida-SP São Luiz-MA Cururupu-MA Canindé-CE Osório-RS Sabará-MG Fonte: Calendário de Eventos Culturais Brasil 96/97 e 97/98, MinC.; Informações verbais coletadas com grupos e mestres de festas populares e pesquisa na internet, Google e Yahoo. Folia de Reis Festa Das Congadas E Moçambiques Dez Folia de Reis Dez Dez Folia de Reis Dez Festa de Santos Reis Folia de Reis Dez Encontro de Folias de Reis Festa de Santos Reis Dez Dez Festa Floclorica Terno Cavalhada Moçambique Dez Dez Folia de Reis Folia de Reis Dez Folia de Reis Folia de Reis Dez Dez Festa de S. Benedito Nov Festa São Benedito Festa do Congo Nov Festival Estadual de Terno de Reis Romaria de Finados Ao Túmulo de Pe. Cícero Out Dez Festa de N. Sra. Rosario Out Dez Procissao de N. Sra. do Rosario Out Festa de N. Sra. do Rosario Out Círio de Nazaré Festa São Benedito Out Out Festa do Glorioso S. Benedito Out Romaria Sinhá Chica Festa do Glorioso S. Benedito Out Romaria Nossa S. Aparecida Romaria São Francisco Out Out Festa de N. Sra. Rosario E Moçambiques Out Out Festa N. Sra. do Rosario Festa Festas pesquisadas Folias, Romarias, Congadas e Fogaréu Localidade Out Data Continuação Romarias Congada Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Congada Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Folia de Reis Congada Folia de Reis Folia de Reis Congada Congada Romarias Congada Congada Romarias Romarias Romarias Congada Congada Congada Congada Romarias Congado Congada Tipo 147 148 Folia do Divino Espírito Santo, Planaltina-DF, 2002 CARNEIRO, Sandra Sá. Caminho de Santiago de Compostela: percurso, identidade e passagens. In: BIRMAN, Patrícia (Org.). Religião e espaço público. São Paulo: Attar, 2003. BARROSO, Oswald. Incorporação e memória na performance do ator brincante. In: João Gabriel L. C. Teixeira, Marcus Vinícius Carvalho Garcia e Rita Gusmão (Org.). Patrimônio Imaterial, performance cultural e (re) tradicionalização. Brasília: UnB: 2004. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A cultura na rua. 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Folia do Divino Espírito Santo, Planaltina-DF, 1997 151 152 FÉsta Brasileira é o resultado de um processo fotográfico que reúne documentação e arte, utilizando uma linguagem fotográfica singular onde a luz e as cores são os elementos principais de criação. Apresenta um olhar apaixonado e diferenciado, que valoriza as pessoas nos contextos das suas tradições, expondo ângulos e enquadramentos não convencionais.