aspecto jurídico constitucional da alteração do regime

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aspecto jurídico constitucional da alteração do regime
ANÁLISE JURÍDICA SOBRE A ADMISSIBILIDADE OU NÃO DA INTERRUPÇÃO SELETIVA DA
GRAVIDEZ NAS MALFORMAÇÕES INCOMPATÍVEIS COM A VIDA/ANENCEFALIA
ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA
ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL
DE BENS
Amanda Cristina Pasqualini*
Eduardo Strobel Pinto**
1 INTRODUÇÃO
O Direito de Família tem por objeto fundamental o
tratamento e a regulamentação das relações familiares. Classifica-se, de forma inovadora no Direito brasileiro, porém já tradicional na doutrina francesa, em direito de família pessoal e
patrimonial. Naquele, temos o direito familiar puro do qual
verte os
estados e condições pessoais; os direitos e os deveres do indivíduo não são mais do que determinações resultantes do estado que ele tem no grupo familiar e, fora dele, em face da
comunidade social. [...] São, assim, direitos absolutos, que
se impõem à observância geral; ainda que em primeiro lugar
*Estudante na Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina –ESMESC Pós-graduanda em Direito Material e Processual Civil - ESMESC/CESUSC.
Graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL – Jan/2005.
**Estudante na Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina –
ESMESC. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Dez/2004. Assessor para Assuntos Específicos no TJSC.
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decorra da relação obrigações e deveres de outros membros
do grupo para com o titular, o que principalmente interessa
à regulamentação jurídica é a posição pessoal, que fundamenta e legitima uma defesa contra todos. (RUGGIERO,
1999, p. 34).
No direito patrimonial familiar, encontra-se o abarque
do regime de bens entre conjugês e companheiros, o usufruto,
a administração dos bens - inclusive os dos filhos menores -, os
alimentos e o bem de família.
O foco desta pesquisa é tema específico do Direito patrimonial de família – o regime de bens -, e recai na divergência quanto à aplicabilidade da alteração do regime matrimonial de bens prevista no Código Civil de 2002. Por se tratar de
tema relativamente recente, carece ainda de abordagem mais
profunda por parte do mundo jurídico. Desta forma, propõese que este estudo sirva de elucidação àqueles que de alguma
forma se interessam pela matéria, inclusive servindo de contraponto para futuros entendimentos nos Tribunais.
A permissão legal do art. 1639, § 2º do Código Civil
de 2002 gera dúvida acerca da possibilidade de sua aplicabilidade e, conseqüentemente, questionamentos [Quem pode?
Quando pode? Quais as conseqüências jurídicas? E os efeitos?
E os casamentos celebrados sob a égide do Código Civil anterior?] dos mais amplos possíveis.
Exposto o objetivo, este estudo estruturar-se-á de forma a proporcionar ao leitor a compreensão e fundamentação
do tema em foco. Parte-se da análise do estatuto patrimonial
dos cônjuges na vigência da sociedade conjugal perante os princípios constitucionais do Direito de Família, com enfoque na
dicotomia Direito Público e Privado e a orientação principiológica. Em seguida, analisa-se o direito intertemporal versus a
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prerrogativa do art. 1639, § 2º e 2039, ambos do Código Civil
de 2002; quais os requisitos para a alteração do regime matrimonial de bens e as conseqüências jurídicas da mudança; e,
por fim, o entendimento jurisprudencial [e futuras tendências] acerca do tema.
2 O ESTATUTO PATRIMONIAL DOS CÔNJUGES
NA VIGÊNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL
SOB A ÉGIDE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
A primeira Constituição brasileira (1824) determinava
a necessidade de organização de um Código Civil, pois a legislação aqui aplicada era o sistema normativo utilizado em Portugal. De Barão de Penedo a Clóvis Beviláqua, com Ruy Barbosa e Carneiro Ribeiro, o Código Civil brasileiro foi aprovado em dezembro de 1915, traduzia em seu corpo normas mais
preocupadas com o ter do que com o ser. Porém, a sociedade
do século XX, sobretudo com a eclosão da 1ª Grande Guerra,
marca o acaso as codificações. Ocorre a vulneração de normas
que pretendiam ser imutáveis e eternas, e a dificuldade em se
proceder a reformas em codificações desencadeia o processo de
descentralização ou descodificação do Direito Civil, determinando a edição de verdadeiros microssistemas jurídicos. Estes
encontram um “ponto lógico-formal de apoio e aplicação hermenêutica nos princípios e normas superiores de Direito Civil
consagradas na própria Constituição Federal”. (GAGLIANO,
FILHO, 2004, p. 53). Assim, não se pode entender o Direito
Civil sem o necessário suporte lógico do Direito Constitucional, visto que este consagra valores que deixam de ser simples
intenções e passa a ser considerado um corpo normativo supeREVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
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rior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em
geral, subordinando toda a legislação ordinária. É nesse contexto, de suporte da legislação na Carta Magna, que surge o
novo Código Civil, que manteve a estrutura do Código Civil
de 1916 e alterou o conteúdo, dentre outros, do Direito de
Família, área que norteia o alvo deste estudo: limitou o grau de
parentesco, introduziu novo regime de bens, atenuou o princípio da imutabilidade de bens do casamento, regulamentou a
união estável, afirmou o poder familiar e a igualdade entre os
filhos. (CARLI, 2004).
Revestido de maior significação dentre todas as instituições, para bem situar o Direito de Família, é necessário reportarmo-nos a divisão clássica do Direito em Público e Privado. Constituidor do complexo de normas disciplinares das relações de família, o Direito de Família tem ocupado sempre
posição destacada no Direito Privado. Porém, há uma tendência de retirá-lo do Direito Privado e classificá-lo como Direito
Público. O fundamento se dá na predominância acentuada de
princípios de ordem pública nas relações jurídico-familiares.
Não podemos negar a predominância da ordem pública; porém o Direito Público e o Direito Privado não são dois compartimentos estanques, se intercomunicam com certa freqüência. Kelsen (1998, pp. 309-314) nos propõe então considerar a distinção entre Direito Público e Direito Privado como
distinção entre dois métodos de criação da norma jurídica, sendo os atos que formam o fato produtor do Direito um prolongamento do processo de formação da vontade do Estado, e
propõe reconhecer, no negócio jurídico privado, uma especificação da norma geral. Maria Celina Bodin de Moraes, assim
afirma estar superada a dicotomia Direito Público e Direito
Privado, prevalece uma verdadeira constitucionalização do
Direito Privado, destacam-se os princípios constitucionais e os
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direitos fundamentais, os quais se impõem às relações interprivadas, aos interesses particulares.
2.1 Princípios constitucionais e demais princípios
inerentes ao Direito de Família e ao Regime
Matrimonial de Bens
A família é base da sociedade e por isso tem especial
proteção constitucional por parte do Estado. A proteção reflete-se na definição constitucional de três espécies de entidades
familiares: a) a constituída pelo casamento civil (CF, art. 226,
o
o
§§ 1 e 2 ); b) a constituída pela união estável entre o homem
o
e a mulher (CF, art. 226, § 3 ); e, c) a comunidade formada
o
por qualquer dos pais e seus descendentes (CF, art. 226, § 4 ).
Perante esta classificação de entidade familiar a Constituição estabeleceu algumas regras para sua regência:
cabeça do casal: os direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher;
dissolução do casamento: [...] pelo divórcio [...].
planejamento familiar: fundado no princípio da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte
das instituições oficiais ou privadas;
adoção: a adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros;
filiação: os filhos, havidos ou não da relação de casamento,
ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.[...].
assistência mútua: os pais tem dever de assistir, criar e edu-
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car os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (MORAES, 2005, p. 2159).
Além dessas regras de regência das relações familiares
abarcadas pela Constituição, temos princípios que norteiam o
Direito de Família. Segundo Diniz (2004), o moderno Direito
de Família rege-se pelos seguintes princípios:
a) Princípio da “ratio” do matrimônio e da união estável: o fundamento do casamento, da vida conjugal e do companheirismo é a afeição entre os cônjuges ou conviventes. A affectio somente se extingue com a ruptura da uniãoo estável, separação judicial e divórcio (CF, art. 226, § 6 ; CC, arts.
1511 e 1571 a 1582). “E, além disso, vedada está a qualquer pessoa jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado, a interferência na comunhão de vida instituída
pela família (CC, art. 1513)”. (DINIZ, 2004, p. 18);
b) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros: mediante este, desaparece a base patriarcal da família e
as decisões passam a ser tomadas de comum acordo entre os
conviventes ou entre marido e mulher. Este princípio foi
o
previsto, inicialmente, na Constituição em seu art. 5 , inciso I, que propugna a igualdade de direitos e obrigações
eno
tre homens e mulheres. Ainda, o art. 226, § 5 estabelece
uma isonomia entre marido e mulher relativa a seus direitos
e deveres. O novo Código Civil abarca a determinação da
igualdade, expressamente, em alguns artigos, como, 1511,
1567 e 1569;
c) Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos: impõe a
exigência de que nenhuma distinção seja feita entre
filhos
o
legítimos, naturais ou adotivos (CF, art. 227, § 6 , e CC,
arts. 1596 a 1629);
d) Princípio do pluralismo familiar: consubstancia-se na exis456
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tência de entidades familiares: família matrimonial, união
estável e família monoparental;
e) Princípio da consagração do poder familiar: seguindo os passos da lei francesa de 1970, prefere-se falar autoridade parental, abandonando a locução pátrio poder. Este se relaciona com o substituído marital e o paterno; aquele é o poder
familiar considerado como um poder-dever (CC, arts. 1630
a 1638).
f ) Princípio da liberdade:
fundado, como observa Paulo Luiz Netto Lôbo, no livre poder
de constituir uma comunhão de vida familiar por meio de
casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público e privado (CC,
art. 1513); na decisão livre do casal, unido pelo casamento
ou pela união estável, no planejamento familiar (CC, art.
o
1565, § 2 ; Enunciado n. 99, aprovado nas Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo STJ), intervindo o Estado apenas em sua competência de propiciar recursos educacionais
e científicos ao exercício desse direito; na livre aquisição e
administração do poder familiar (CC, art. 1642 e 1643) e
opção pelo regime matrimonial mais conveniente (CC, art.
1639); na liberdade de escolha pelo modelo de formação
educacional, cultural e religiosa da prole (CC, art. 1634); e
na livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família. (DINIZ, 2004, p.22).
g) Princípio do respeito da dignidade humana: a idéia de dignidade da pessoa humana encontra em nossa Constituição
total aplicabilidade; é considerada a família célula da sociedade. Este princípio apresenta-se em uma dupla concepção: prevê um direito individual protetivo, seja em relação
ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos;
estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.
O direito à vida privada, intimidade, honra, imagem,
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[dentre outros], aparece intimamente ligado à dignidade da
pessoa humana, e é fundamento da República Federativa do
o
Brasil (CF, art. 3 ). “Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em
detrimento da liberdade individual”. (MORAES, 2005, pp.
128-129).
Por fim, outros princípios destacam-se como norteadores do regime matrimonial de bens. Há necessidade de se
abarcar referidos princípios visto que serão de valiosa utilidade
quando do confronto de ideologias inerentes a mutabilidade
desses.
A essência das relações econômicas entre os consortes
reside no regime matrimonial de bens que está submetido a
normas especiais disciplinadoras de seus efeitos. O regime de
bens é regido por quatro princípios que, por conta da promulgação do novo Código Civil, sofreram consideráveis alterações,
a saber:
a) Princípio da variedade do regime de bens: atualmente, é oferecida aos nubentes a opção por quatro tipos de regimes
matrimoniais para reger seus interesses pecuniários: comunhão universal, comunhão parcial, separação de bens e participação final nos aqüestos. Este último surgiu em substituição ao regime dotal previsto no Código Civil de 1916.
b) Princípio da liberdade dos pactos antenupciais: o novo Código Civil seguiu a mesma linha do antigo e permitiu aos
nubentes a autonomia da vontade na escolha de regime de
bens, dando oportunidade de fazê-lo aderindo aos regimes
descritos pelo legislador ou combinando-os entre si. Encontramos esta liberdade consubstanciada nos art. 1639 –
“É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” -, e no parágrafo único do art. 1640 – “poderão os nubentes, no processo de
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habilitação, optar por qualquer dos regimes que este Código
regula”. Porém, é obstáculo deste preceito a imposição legal, ou por precaução ou para punição dos nubentes, a aderência ao regime obrigatório - o de separação de bens – nos
casos previstos no art. 1641, I a III do Código Civil.
A liberdade de escolha do regime é estipulada mediante pacto
antenupcial. Para Silvio Rodrigues (apud DINIZ, 2004,
p.147), “o pacto antenupcial é um contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem
sobre o regime de bens que vigoraráo entre elas desde a data
do matrimônio (CC, art. 1639, § 1 )”. De referido conceito podemos extrair: que será nulo o pacto antenupcial que
não se fizer por escritura pública por ser esta determinação
substância do ato; são ineficazes as convenções antenupciais se o casamento não lhes seguir; o pacto deve tão-somente conter estipulações atinentes às relações econômica dos
cônjuges, não admitindo as alusivas às relações pessoais dos
consortes, nem mesmo as de caráter pecuniário que não
digam respeito ao regime de bens ou que contravenham
preceito legal.
Ainda, considerar-se-ão nulas as cláusulas que contravenham
disposição legal absoluta (CC, art. 1655), que ofendam bons
costumes e a ordem pública. Como exemplo, podemos citar as que dispensam os consortes dos deveres de fidelidade,
coabitação, mútua assistência; alterem a ordem de vocação
hereditária; ajustem algum regime de bens quando se impõe obrigatório o da separação.
Embora nosso Código preveja a liberdade na escolha do
regime de bens e assegure aos nubentes a possibilidade de
fixá-los em pacto antenupcial, prefere um tipo de regime
estabelecendo que, se os noivos não escolherem o regime de
bens ou se sua liberdade de escolha for exercida de modo
defeituoso, vigorará o regime que indica, ou seja, um regime legal, o da comunhão parcial (CC, art. 1640). Assim,
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infere-se que o pacto antenupcial é facultativo, porém necessário se os nubentes quiserem exercer a liberdade de escolha de regime matrimonial.
c) Princípio da imediata vigência do regime de bens:
Por ser o matrimônio o termo inicial do regime de bens,
decorre da lei ou do pacto antenupcial (CC, arts. 1653 a
1657); logo, nenhum regime matrimonial poderá ter início
em data anterior ou posterior ao ato nupcial, pois começa,
por imposição legal, a vigorar desde a data do casamento.
(DINIZ, 2003, p.1126).
d) Princípio da mutabilidade justificada do regime de bens: o
Código Civil de 1916 portava a imutabilidade do regime
matrimonial dando ao seu art. 230 a seguinte redação: “o
regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data
do casamento e é irrevogável”. Assim, toda e qualquer modificação do regime matrimonial, após a celebração do ato
nupcial, estava proibida para dar segurança aos consortes e
terceiros, “daí por que descabia a colocação de qualquer
condição suspensiva ou resolutiva no que concernia ao regime de bens, por ser incompatível com o princípio da irrevogabilidade”. (DINIZ, 2004, p.151).
No entanto, exceções existiam a essa regra. A jurisprudência admitia a comunicação de bens adquiridos na constância do casamento quando adquiridos pelo esforço comum de
ambos os consortes, mesmo se casados no estrangeiro pelo regime da separação de bens, pois justo não seria que esse patrimônio pertencesse a um deles por que em seu nome se fez a
aquisição (RJTJSP, 111:232 e 118:271). O Supremo Tribunal
Federal também entendeu que o princípio da inalterabilidade
do regime matrimonial não era ofendido quando houvesse
pacto antenupcial que estipulasse, na hipótese de superveniência de filhos, que o casamento com separação se convertesse
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em casamento com comunhão (RF, 124:105). (DINIZ, 2004).
Por fim, a súmula 377 do Supremo Tribunal Federal,
admite a comunicação de bens adquiridos durante o casamento pelo esforço comum, quando o regime fosse o da separação
obrigatória de bens, evitando enriquecimento indevido quando da dissolução do casamento.
Perante estes casos, viu-se a necessidade de o novo Código Civil portar referida questão de forma diversa. Com isso,
o
o art. 1639, § 2 veio a admitir a alteração do regime matrimonial adotado, desde que haja autorização judicial, atendendo a
um pedido motivado de ambos os cônjuges. O regime de bens
que era inalterável, afora pequenas exceções já citadas, pode
hoje ser modificado perante decisão judicial. Vejamos a redao
ção dada ao art. 1639, § 2 : “é admissível alteração do regime de
bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
Denise Wilhelm Gonçalves dispõe acerca deste princípio:
A organização do regime matrimonial de bens obedecia à
época a três princípios fundamentais, a saber: variedade dos
regimes, liberdade de escolha dos pactos antenupciais, a imutabilidade do regime adotado. Com a entrada em vigor do
novo Código Civil, não mais vigora um dos princípios mencionados, qual seja, o da imutabilidade do regime adotado,
[...]. (apud MEIRELLES, 2004, p.11).
Dessa inovação surgem dúvidas quando a sua aplicabilidade aos casados sob a égide do Código Civil de 1916. Estas
serão abarcadas em momento oportuno, o direito intertemporal.
Expostos estes princípios inerentes ao Direito de Família e ao regime matrimonial de bens, elencar-se-á as várias esREVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
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pécies de regime de bens que o Código Civil de 1916 comportou e que o Código de 2002 comporta.
2.2 Regimes de bens previstos no Código Civil de
1916 e 2002
Do casamento, projetam-se conseqüências no ambiente social, nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges, nas
relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos, dando origem a direito e deveres disciplinados por normas jurídicas.
Dentre as classes dos efeitos jurídicos do matrimônio - sociais,
pessoais e patrimoniais -, interessa, neste instante, detalhar os
efeitos patrimoniais decorrentes da união entre um homem e
uma mulher como forma básica de um núcleo familiar.
A essência das relações econômicas entre os consortes
traduz-se no regime matrimonial de bens. Este, é o estatuto
que regula as relações patrimoniais do casamento e em sua classificação se divide atendendo a dois critérios: a) quanto à origem: convencional ou legal (CC, art. 1641); e b) quanto ao
objeto, em que se toma por base o fato de se comunicarem ou
não os patrimônios dos cônjuges. A rigor, existiriam apenas as
modalidades: comunhão e separação. No entanto, a serviço
das conveniências dos cônjuges, sugere-se a manutenção destas formas puras ou a criação de outros regimes que derivam da
combinação em que se comunicam alguns valores, enquanto
outros se conservam destacados no patrimônio dos consortes.
Dessa reunião das noções básicas, resultam, portanto,
os regimes de bens. Nossos Códigos – 1916 e 2002 –, abarcaram as seguintes modalidades:
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2.2.1 A Comunhão Universal:
Prevista no Código Civil de 2002 nos arts. 1667 a 1671
e no antigo código nos arts. 262 a 268, tem origem consuetudinária nos primeiros tempos da nação lusitana, consagrada
depois nas Ordenações Afonsinas, às Manuelinas e às Filipinas. Amparado pelas influências de Clóvis Bevilaqua, o Código de 1916 consagrou o regime da comunhão universal e, até
1977, foi o regime legal, deixando de sê-lo quando da promulgação da Lei do Divórcio.
Sílvio Rodrigues (2002, p. 197) ensina:
[...] os patrimônios dos cônjuges se fundem em um só, passando marido e mulher, a figurar como condôminos daquele
patrimônio. Trata-se de condomínio peculiar, pois que, insuscetível de divisão antes da dissolução conjugal, extinguindo-se inexoravelmente nesse instante [...].
Assim, na comunhão universal, os bens adquiridos antes e na constância do casamento são do casal, assim como os
percebidos por herança ou doação e as dívidas posteriores ao
casamento (CC/02, art. 1667). Exclui-se da comunhão os bens
previstos no art. 1668, CC/02, dentre eles os bens de uso pessoal e rendimentos do trabalho por terem efeitos pernonalíssimos ou devido a sua própria natureza. Com a extinção da co1
munhão (CC/2002, art. 1671), efetiva-se a divisão do ativo e
passivo e a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com
os credores do outro é cessada.
Pelo exposto, não se vislumbra grandes alterações neste
regime do Código de 1916 para o de 2002 além das hipóteses
1
Segundo PEREIRA (2004, p. 227 e 228), a extinção se dá, com a consequente
partilha do acervo: pela morte de um dos cônjuges, pela anulação do casamento
quando a sentença o considerar putativo, pela separação judicial, pelo divórcio.
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de exclusão de bens e dívidas da comunhão universal (CC/
1916, art. 263 e 264), no qual o atual Código foi mais restrito.
2.2.2 A Comunhão Parcial:
A comunhão universal não é aceita em todos os sistemas jurídicos. Alguns adotam a comunhão limitada, como vigente
na falta de convenção dos interessados. Outros aceitam combinações mais ou menos imaginosas, em que prevalece a comunicação de alguns e a separação de outros bens. E desta
simbiose resulta a “comunhão parcial”. (PEREIRA, 2004,
p. 212).
Antigamente, no Brasil, referido regime denominavase, para Lafayette, Melo Freire, Coelho Rocha, separação; ou,
por Teixeira de Freitas, regime misto; e que se pode simplesmente chamar de comunhão de aqüestos.
Com o advento da Lei do Divórcio (1977) ocorreu a
destituição do regime da comunhão universal como legal e ascendeu em seu lugar o da comunhão parcial. Assim, este regime passou a vigorar como legal e convencional e caracteriza-se pela comunicação do que seja adquirido na constância
do matrimônio.
As regras atinentes à comunhão parcial foram parcialmente alteradas de um Código para outro – 1916 para 2002 –,
por isso convêm analisá-las e confrontá-las destacadamente.
a) O que se exclui da comunhão?: o Código de 2002 menciona no art. 1659 o que se exclui da comunhão; ele compilou
o conteúdo dos art. 269 e 270 do Código Civil de 1916,
não tendo recepcionado os previstos nos incisos III e IV do
art. 269. De início, exclui-se da comunhão os bens que cada
cônjuge possuía ao casar, constituindo os bens particulares
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de cada um. Na mesma categoria incluem-se os que cada
cônjuge, na constância do casamento, receber por doação
ou por herança, e os sub-rogados em seu lugar.
b) Dívidas e obrigações: cada um dos cônjuges responde pelas
dívidas contraídas anteriormente ao casamento. Todavia,
entende-se que haverá comunicação dos débitos anteriores
no caso de se beneficiar o cônjuge que não os tenha, “como
na hipótese de dívida contraída na aquisição de bens de que
lucram ambos”. (PEREIRA, 2004, p. 215). Ainda, cada
cônjuge responde pelas obrigações provindas de ilícitos por
ele cometidos.
c) Não se comunicam os bens de uso pessoal [livros e instrumentos de trabalho] e os proventos do trabalho pessoal de
cada cônjuge. O legislador não quis deixar dúvidas e inseriu
neste contexto a palavra proventos que, num sentido amplo e comum, significa salário, vencimentos, qualquer verba percebida como ganho decorrente de atividade laborativa do cônjuge [conseqüentemente, há que se excluir os bens
que com eles adquirir]. Ainda, acrescenta-se nos incomunicáveis as pensões, meio-soldos, montepios e outros rendimentos semelhantes.
O art. 1660 traz os bens que são comunicáveis, ou seja,
entram na comunhão. No Código antigo o marido era administrador de todos os bens: comuns, seus próprios e da
mulher, salvo quanto a esta, o direito de reservar-se a administração de alguns determinados ou de todos que lhe pretencem. Tal prerrogativa se extinguiu com a nova visão constitucional, em que a administração dos bens comuns cabe
ao casal; ou, no caso de malservação dos bens, poderá o juiz
atribuir a administração a apenas um dos cônjuges (CC,
o
art. 1663, § 3 ).
d) Cessando o regime pela morte de um dos cônjuges, pela
separação judicial, pelo divórcio ou anulação do matrimôREVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
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nio, os bens que não se comunicam se atribuem a cada um
respectivamente ou aos herdeiros, e os que eram comuns se
distribuem segundo as regras da partilha no regime da comunhão universal.
e) Outras inovações no tocante a responsabilização e adminsitração são os arts. 1664, 1665 e 1666 do Código Civil de
2002.
2.2.3 A Participação Final nos Aqüestos:
O Código Civil de 2002 inseriu esta nova e ainda pouco difundida modalidade de regime de bens em seus arts. 1672
a 1686. Originário do direito costumeiro húngaro, tendo sido
adotado pelos países escandinavos [Suécia, Finlândia, Dinamarca e Noruega], também foi adotado na Alemanha como
regime supletivo desde 1957 e no Código Civil francês em
1965. (PEREIRA, 2004).
Inseriu-se no Direito Civil brasileiro constituindo um
regime misto: mescla regras dos regimes da comunhão e da
separação. De acordo com Eduardo Leite (2005, p. 351): “durante o casamento, como ocorre na separação de bens, cada
um dos cônjuges goza de liberdade total na administração e na
disposição de seus bens, mas, ao mesmo tempo, associa cada
cônjuge aos ganhos do outro, quando ressurge a idéia da comunhão.”
Assim, a modalidade de participação final nos aqüestos
é o regime em que há a formação de massas de bens particulares e incomunicáveis durante o casamento, ocorrendo apenas a
comunicação quando da dissolução da sociedade conjugal, limitando-se ao direito de participação final sobre o valor de
eventual saldo, após a compensação dos acréscimos de ambos
466
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
os cônjuges; ocasião em que cada cônjuge torna-se credor da
metade do que o outro adquiriu durante a constância da sociedade conjugal. Dos bens indivisíveis, apurar-se-á o valor para
reposição em dinheiro em favor de cada cônjuge não-proprietário; não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão
avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens quanto bastarem, nos termos do art. 1684 e seu
parágrafo único. Ainda, constata-se a exclusão dos bens anteriores ao casamento e sub-rogados, do que sobrevierem a cada
cônjuge por sucessão ou liberalidade e das dívidas relativas aos
mesmos.
No tocante a administração dos bens, faz-se necessário
destacar algumas peculiaridades, e para isso nos utilizamos
DINIZ (2004, p. 167-168):
A administração do patrimônio inicial é exclusiva de cada
cônjuge, que, então, administrará os bens que possuía
ao casar, os adquiridos por doação e herança e os obtidos onerosamente, durante a constância do casamento, podendo aliena-los livremente, se forem móveis (CC,
art. 1673, parágrafo único). No pacto antenupcial que adotar esse regime poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares do alienante (CC. Art. 1656). Se não houver convenção antenupcial nesse sentido, nenhum dos cônjuges poderá alienar ou
gravar de ônus os bens imóveis (CC, art. 1647, I) sem autorização do outro.
Por fim, cabe frisar a insatisfação dos doutrinadores na
constituição desta modalidade de regime em nosso ordenamento, pois na prática, a difícil apuração contábil apresentada por
esse, deixará eventual litígio lento e dispendioso. Para PEREIRA (2004, p. 236), o legislador, ao buscar subsídios na doutrina estrangeira, quis inserir no direito experiência internacional
não coerente com a estrutura econômica brasileira, diante da
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467
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
inflação ainda enfrentada que, por mais que reduzida, às partilhas de bens nesse regime.
2.2.4 A Separação de Bens:
A separação de bens trata-se de regime em que cada
consorte conserva o domínio, a posse e a administração de seus
bens presentes e futuros, inclusive os débitos anteriores e posteriores ao casamento. Assim, cada consorte – o marido e a
mulher – conserva seu patrimônio original, traduzindo-se na
incomunicabilidade, inclusive do que adquirir na constância
do casamento, havendo uma completa separação de patrimônio dos dois cônjuges.
Por conseqüência desta incomunicabilidade, não há
proibição de gravar de ônus real ou alienar bens, inclusive imóveis, sem o consentimento do outro cônjuge. Esta disposição é
inovação do atual Código Civil – art. 1687 -, visto que o Código de 1916 vedava tal atitude sem a anuência ou autorização
do consorte. Ainda, é novidade a alteração trazida ao art. 277
do antigo Código. Agora, por conta do princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges, ambos estão adstritos à
obrigação de concorrer para o adimplemento das despesas do
casal, nas proporções dos rendimentos de seu trabalho e de
seus bens, salvo estipulação em contrário quando da realização
do pacto antenupcial.
Quanto as suas formas, temos a classificação da separação de bens em legal e convencional. A separação de bens legalmente imposta se dá nos casos previsto no art. 1641 do
Código Civil – inobservância de causas suspensivas da celebração do casamento, casamento de pessoas com mais de sessenta
anos e daqueles que dependerem de suprimento judicial para o
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
ato. Já, a convencional é a regida pelo art. 1687 do mesmo
diploma e fixada mediante pacto antenupcial.
No tocante a imposição legal do art. 1641 do Código
Civil à aderência ao regime da separação de bens, cabe ressaltar
que em relação às causas suspensivas da celebração do casamento e das pessoas que dependerem de autorização judicial, uma vez supridas referidas condição ali imposta e adquirida a maioridade civil, nada obsta a admissibilidade de alteração do regime matrimonial de bens constante do art. 1639,
o
§ 2 do mesmo diploma. Por conseqüência, conclui-se que a
única situação em que a lei impõe definitivamente referido regime é no casamento em que um dos cônjuges é maior de
sessenta anos.
Por fim, mas sem o intuito de estender-se, com o advento do Código Civil de 2002, pairam dúvidas quanto à apli2
cabilidade da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal adotada quando da vigência do antigo Código. Os que sustentam
a inaplicabilidade de referida súmula após 2002, fundam-se
no novo Código Civil por não prever a regra contida no art.
259 do Código Civil de 1916, que dispunha: “embora o regime não seja o da comunhão de bens prevalecerão, no silêncio
do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos
adquiridos na constância do casamento”. Os que argumentam
sua aplicação, argumentam que não há razão [justo] que os
bens fiquem pertencendo exclusivamente a um dos cônjuges
quando representam trabalho e economia de ambos.
2
Súmula 377 do STF: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os
adquiridos na constância do casamento”.
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AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
2.2.5 O Regime Dotal:
Pode-se conceituar como regime dotal que, outrora, vigorava aquele em que um conjunto de bens, designado dote, era
transferido pela mulher, ou alguém por ela, ao marido, para
que este, dos frutos e rendimentos desse patrimônio, retirasse o que fosse necessário para fazer frente aos encargos da
vida conjugal, sob a condição de devolvê-lo com o término
da sociedade conjugal. (DINIZ, 2004, p. 179).
O dote poderia ser constituído por um ou mais bens
determinados, conforme descrito e estimados na convenção
antenupcial, para que se fixasse o preço que o marido deveria
pagar quando no caso da dissolução da sociedade conjugal.
Ainda, continha a convenção a expressa declaração de que tais
bens ficariam sujeitos ao regime dotal, ou seja, destinação específica, daí a incomunicabilidade desse patrimônio podendo
o marido tão-somente administrá-lo.
O regime dotal estava previsto nos art. 278 a 311 do
Código Civil de 1916, não sendo incluído dentre os regimes
previstos no novo Código. Para Maria Helena Diniz, Sílvio
Rodrigues e Washington de Barros Monteiros, esse regime não
teve a menor aceitação entre nós, caracterizando um verdadeiro desajuste entre a realidade material dos fatos e a realidade
formal das normas jurídicas.
Tendo-se abordado, ainda que em breve noções, os regimes de bens adotados pelo Código Civil anterior [1916] e
pelo em vigor [2002], e exposto os princípios e regras que norteiam estas convenções, pode-se concluir que o Direito brasileiro apresenta destacável estrutura e modernização em matéria de regime de bens, incluindo, ainda, a previsão contida no
o
art. 1639, § 2 do Código Civil, referente ao objeto de estudo
desse trabalho, segundo a qual a alteração do regime de bens
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
durante o casamento passou a ser admitida em nosso ordenamento inserindo-se o princípio da mutabilidade dos regimes.
Neste momento, em análise mais específica, adentraremos na
visão permissionista da mutabilidade.
2.3 Autonomia Privada versus Ordem Pública
Novamente destacando a dicotomia Direito Privado e
Direito Público, tende-se a revelar o enquadramento dado a
determinado ramo do Direito Civil, aqui em especial ao direito de Família com sua existente divisão em casamento, que por
sua vez traz a opção pelo regime matrimonial de bens. Destaca-se que esta classificação [público-privado] apresenta-se de
forma que é possível conciliá-la e encontrarmos um comum
entre elas no qual vivem harmoniosamente.
Por isso, não podemos escapar de nos posicionar junto
a Maria Celina Bodin de Moraes (apud PEREIRA, 2004) na
idéia de que hoje, o que temos, é a supremacia axiológica da
Constituição que passou a se constituir como centro de integração do sistema jurídico de direito privado, e que por conta
disso se pode afirmar ser ultrapassada esta dicotomia que tanto
já foi ressaltada e fixada entre direito público e privado. O Direito de Família tem princípios, alguns de ordem privada, outros decorrentes de ordem pública. Destaques devem ser dados
ao princípio da autonomia da vontade que autoriza um casal a
tomar determinados posicionamentos, como p. ex., ser livre a
escolha pelo modelo de formação educacional dos filhos, mas
se deve combinar esta com a assistência, que prevê a necessidade de educação, criação e o dever se assistir. Da mesma forma,
e agora adentramos na especificidade deste estudo, devemos
analisar a escolha do regime de bens pelo casal.
Excetuados os casos em que o Estado impõe um regiREVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
471
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
me matrimonial de bens legal ou obrigatório, os demais cabe
ao casal optar pela escolha de qual regime norteará seu matrimônio. Isto se funda na autonomia que os mesmos tem de
“planejamento familiar”. Assim, unindo-se ao princípio da liberdade, que abarca a livre escolha do regime de bens, há que
se deixar ao livre arbítrio do casal esta fixação e sua alteração
quando conveniente [sempre atendendo aos requisitos neces3
sários para alteração] .
Pelo analisado, pode-se expressar a idéia de que as normas atinentes ao Direito Civil, em especial ao de Família, impõem-se hora fundadas na ordem pública – cogentes, são aplicáveis a todos indistintamente -, ora fundadas na ordem privada, mas que independente a que taxinomia se liguem, para
serem respeitadas e cumpridas a função que o Estado quer para
cada indivíduo, deve-se sempre partir do respeito a dignidade
da pessoa humana, que necessariamente deve ser encarado como
base, alicerce para se ver cumpridos os demais princípios.
Ainda, a exegese do preceito que faculta aos cônjuges a
alteração do regime de bens deve ser realizada de modo a respeitar o princípio da igualdade ou isonomia, concluindo-se
que autorizar somente os casados após 11 de janeiro de 2003 a
alteração do regime de bens com base na disposição do art.
2039 do Código Civil, que não prevê expressamente a manutenção do princípio da irrevogabilidade dos regimes para casamentos anteriores [art. 230 do Código Civil de 1916], é discriminatória ao atribuir tratamento desigual a pessoas que se
encontram em igual situação de casadas; até porque essa interpretação restritiva levaria os casados sob a égide do diploma
3
Os requisitos necessários para a alteração do regime de bens serão alvo de abordagem em tópico específico.
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
revogado a buscar isonomia pelo divórcio e novo casamento,
em franca fraude à lei.
Exposta esta idéia inicial, e recorrendo ao objetivo proposto, analisa-se o Direito Intertemporal e, assim, a quem se a
plica a regra estabelecida no art. 1639, § 2º do Código Civil.
3 DIREITO INTERTEMPORAL VERSUS
PRERROGATIVA DO ART. 1639, § 2º E ART.
2039, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Antes de partirmos para o exame do presente tópico e
as novas disposições do Código Civil, impende salientar que o
art. 230 do Código Civil revogado, com extremo rigor, ainda
que admitindo raríssimas exceções, impunha:
Art. 230. O regime de bens entre cônjuges começa a vigorar
desde a data do casamento, e é irrevogável.
Ao contrário o novo Código Civil, por intermédio do
art. 1.639, § 2º, permite a alteração do regime patrimonial de
bens, desde que constantes os pressupostos descritos em referida norma legal, os quais serão analisados posteriormente.
A partir de tal norma, surge a controvérsia a ser dirimida, conforme bem explana Mário Luiz Delgado (2004, p. 130):
A grande controvérsia no tocante ao presente dispositivo refere-se à aplicabilidade ou não da regra que permite a mudança do regime de bens durante o casamento (art. 1.639, §
2º). Valeria para quem se casou antes de 11 de janeiro de
2003 ou apenas para quem venha a contrair matrimônio
após a entrada do novo Código?
Não há dúvidas que tal indagação traz consigo inúmeras incertezas, recaindo sobre os magistrados e Tribunais as soluções que encontrem o verdadeiro ‘espírito’ do legislador e
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AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
que, ao mesmo passo, aponte para os anseios do corpo social.
Diante de tal indagação, várias correntes doutrinárias surgiram, apontando para entendimentos diversos.
Neste norte, cumpre ao Direito Intertemporal estabelecer “os parâmetros definidores dos limites de vigência de duas
normas que se sucedem cronologicamente” (DELGADO,
2004, p. 2).
Contudo, supracitado doutrinador aponta com propriedade que, muitas vezes, além dos princípios gerais que integram o Direito Intertemporal, o próprio legislador pode querer conceder a solução, “ou mesmo evitar o possível conflito de
leis, regulando casuisticamente os problemas que por certo
decorrerão do advento da nova lei e revogação da anterior”
(DELGADO, 2004, p. 3).
Desta forma, o legislador do Código Civil de 2002 se
valeu da prerrogativa mencionada, inserindo no corpo da própria lei as disposições acerca da aplicabilidade da norma revogada e da incidência do novo ordenamento jurídico.
Mário Luiz Delgado (2004, p. 4), expõe:
O Código Civil de 2002, inovando em relação ao seu antecessor revogado, não deixou ao talante exclusivo da
doutrina e da jurisprudência a escolha das normas aplicáveis às relações em curso, estabelecendo, no próprio
texto normativo, um conjunto de regras destinadas a
conciliar, por meio de critérios fundados na eqüidade e
nos princípios gerais do direito, a lei posterior com as
relações já definidas pela anterior, indicando ao Juiz
qual o sistema jurídico sobre o qual devem estar lastreadas as decisões judiciais. Trata-se de verdadeira “lei
de conflito”, em que o legislador procurou solucionar
os eventuais conflitos, estabelecendo quando se aplicará o CC/1916 ou o CC/2002, ou em que proporção se
aplicará cada um deles.
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
Assim, o Código Civil de 2002, por intermédio dos
arts. 2.028 a 2.046, que integram o denominado “Livro Complementar – Das Disposições Finais e Transitórias”, “destinamse, exatamente, à prevenção e solução do conflito de leis no
tempo, que poderia resultar da aplicação da lei posterior a situações constituídas sob a regência da lei anterior”. (DELGADO, 2004, p. 4).
Convém destacar que o legislador pátrio, ao estipular,
ele próprio, as disposições atinentes ao livro citado, observou
os ditames do Direito Intertemporal, com especial atenção ao
art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal [que impõe o
respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa
julgada] e ao art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil
(LICC).
Ultrapassadas as considerações gerais acerca do Direito
Intertemporal e o Novo Código Civil, mister se faz delimitarmos as disposições constantes do “Livro Complementar – Das
Disposições Finais e Transitórias” que são aplicáveis, dentro do
assunto em análise. Outrossim, frente às normas inseridas no
novo Código Civil , o art. 2.039 merece especial atenção quando
se fala na alteração do regime patrimonial de bens.
Cabe considerar que supracitado artigo reza que: “o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Códio
go Civil anterior, Lei n. 3071, de 1 de janeiro de 1916, é por
ele estabelecido”. Por isso, surge a primeira dúvida se o novo
princípio de mutabilidade do regime de bens afeta os casamentos realizados na vigência do antigo código. Esta dá ensejo a outras dúvidas referentes às conseqüências/efeitos desta alteração.
Respeitáveis juristas vem se manifestando pela impossibilidade da alteração do regime matrimonial dos bens, conforme as lições de Maria Helena Diniz (2003, p. 1394/1395):
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O novo Código Civil, com sua entrada em vigor, terá efeito
imediato e geral, desde que respeite o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada (CF/88, art. 5º, XXXVI, e
LICC, art. 6º. [...]. Se assim é, em relação ao regime matrimonial de bens nos casamentos celebrados na vigência do
Código Civil de 1916 é o por ele estabelecido nos arts. 256
a 314, em respeito às situações jurídicas definitivamente constituídas, pouco importando que venham a colidir com o disposto nos arts. 1.639 a 1.688 do novo Código Civil. Os arts.
256 a 314 do Código Civil de 1916, não mais vigentes, continuam a ser vinculantes, tendo vigor para os casamentos
anteriores à vigência do Código Civil de 2002, visto que o
seu art. 2.039, sub examine, dá-lhes aptidão para produzir
efeitos jurídicos concretos mesmo depois de revogados. Resguarda-se assim a segurança jurídica, que exige que as situações patrimoniais entre os cônjuges criadas sob o amparo de
uma lei não sejam alteradas por outra posterior.
De outro lado, parte da doutrina se posiciona pela possibilidade da alteração do regime patrimonial de bens, de acordo com o art. 1.639 do CC em vigor, mesmo pelos casais que
contraíram matrimônio pelo Código Civil de 1916.
Antônio Jeová dos Santos (2003, p. 116/117) expõe
seu posicionamento pela possibilidade de citada alteração, haja
vista que a norma inserida no § 2º de referido dispositivo
legal incluiu no ordenamento jurídico pátrio nova ação judicial que visa a alterar o regime patrimonial de bens e, portanto, diante de sua feição puramente processual, possui aplicabilidade imediata:
E se a mudança de regime de bens somente pode ser concretizada mediante sentença judicial, não dependendo apenas
da autonomia da vontade do casal, esta regra é de natureza
vistosamente processual e, como tal, sua aplicação é imediata. Abarca todos os casamentos aqueles celebrados antes da
vigência do Código Civil de 2002, inclusive.
[...]. Não nos furtamos à afirmação de que – deixai passar a
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
repetição – os cônjuges que se casaram antes do Código Civil de 2002 poderão modificar o regime de bens, atendido o
disposto no art. 1.639, § 2º.
Regras de direito processual têm aplicação imediata, porque
não existe direito substantivo a ser protegido. As leis processuais não atingem a esfera dos direitos materiais já incorporados ao patrimônio dos cidadãos.
Entre os que se mostram adeptos a esta retroatividade
estão José Encina Manfré e José da Silva Pacheco, que sustentam: “se tal alteração é possível, doravante, em relação às escolhas feitas, após a entrada em vigor do novo Código, nada impede que se admita a mudança, em relação ao regime escolhido anteriormente”. (apud, MEIRELLES, 2004, p.12).
Interessante, também, mostram-se os argumentos expendidos por Rolf Madaleno, segundo o qual o art. 230 do
Código Civil de 1916, que vedava a mutabilidade do regime
matrimonial de bens, não pode continuar a dispor os matrimônios celebrados na sua vigência. Isto porque, o art. 2.045
do CC de 2002 revogou inteiramente o Código Civil de 1916,
inexistindo, portanto, fundamentos para a subsistir o citado
art. 230.
Assim, ensina Rolf Madaleno (2003, p. 204-205):
Começa que o novo Código Civil, no seu artigo 2.045 revoga inteiramente a Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – o
Código Civil anterior. Logo, não há como imigrar para o
artigo 230 (CC de 1916), abrogado, a partir da ressalva extraída do artigo 2.039 do novo Código Civil, quando diz
que os regimes anteriores continuarão sendo respeitados e
regulados pelos princípios da legislação passada, mas nada
impede que possam ser alterados pela legislação presente.
[...]. Portanto, o artigo 2.039 do Código Civil não autoriza
deduzir que o artigo 230 do Código Civil de 1916 siga regulando os matrimônios celebrados ao seu tempo, como se
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meramente derrogado para os novos casamentos contraídos
sob a égide do novo Código Civil. Nem há que ser falado em
direito adquirido, dado que um novo sistema substituiu o
anterior, há uma nova disciplina no campo da mutabilidade
do regime de bens, em que o § 2º, do artigo 1.639 do Código de 2002 revogou o artigo 230 do Código de 1916.
A bem da verdade, evidencia-se que os doutrinadores
pátrios, a partir de tais divergências passaram a se dividir quanto à aplicação do art. 2.039 do CC/2002 aos casamentos realizados sob a égide do CC de 1916, e, ao mesmo tempo, apontando diversas interpretações a norma legal incidente.
Ademais, convém destacar o preceito do art. 2.035 do
CC/2002, que dispõe:
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos,
constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045,
mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido
prevista pelas partes determinada forma de execução.
DINIZ, no volume de Direito de Família do Curso de
Direito Civil Brasileiro (2004, p. 151-155), traz à baila o art.
2035 do novo Código Civil, acrescentando que seu parágrafo
único dispõe que: “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar
preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. O art. 2035 refere-se a atos negociais anteriores ao novo
Código e regem-se pelo Código Civil de 1916 e terão validade
se atendidos os pressupostos legais. Sabe-se que o novo Código Civil não alcança os atos pretéritos iniciados e findos antes
da data de seu início, mas tão-somente os futuros. “E os contratos em curso de execução, como, p. ex., os pactos antenupciais, são regidos pela lei sob cuja vigência foram estabeleci478
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
dos”. Assim, Diniz conclui que “logo, o art. 2039 é o aplicável
ao regime matrimonial de bens, que, portanto, será imutável,
se o casamento se deu sob a égide do Código de 1916, salvo as
exceções admitidas pela jurisprudência, durante sua vigência”.
Ainda, acrescenta que nada obsta a que se aplique o art. 1639,
o
§ 2 do novo Código, excepcionalmente se assim o magistrado
o
o
entender, “aplicando os arts. 4 e 5 da LICC, para sanar lacuna axiológica que, provavelmente, se instauraria por gerar uma
situação em que se teria a não correspondência da norma do
CC de 1916 com os valores vigentes na sociedade, acarretando
injustiças”.
Já Washington de Barros Monteiro (2004) entende de
outra forma e afirma que as relações de caráter patrimonial
originadas do casamento, regulam-se pela lei do tempo em que
se formaram, assim, o regime de bens não está sujeito às alterações da lei nova.
Neste rumo, valiosa é a lição de citado jurista (MONTEIRO, 2004, p. 188):
Na conformidade do art. 2.039 do novo Código Civil, [...],
a uma primeira vista, poderia levar à conclusão de que seria
inaplicável o princípio da mutabilidade aos casamentos celebrados anteriormente à vigência do novo Código Civil. Devese, no entanto, ter presente o disposto no art. 2.035 do novo
Código Civil.
Ademais, ainda que à título de problematização, devese ter em mente que dois companheiros na união estável possuem a faculdade de alterar o regime patrimonial de bens a
qualquer tempo; vedar tal alteração ao cônjuges é subverter a
hierarquia constitucional do casamento, conforme vários autores vem esposando em seus posicionamentos.
Dessarte, parece-nos que tende prevalecer os entendiREVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
479
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
mentos dos juristas quanto a possibilidade da alteração do regime matrimonial de bens, ou seja, a propensão é que os doutrinadores pátrios não emprestem grande ênfase a uma interpretação literal da disposição do art. 2.039 do CC mas, em
verdade, apeguem-se e apoiem ao anseio social de permitir que
os casais tenham a plena possibilidade, desde que respeitados
os requisitos e os direitos de terceiros, de dispor e alterar o
regime de bens que contrataram quando do matrimônio.
Diante de tais entendimentos, sem dúvida alguma se
estará privilegiando os princípios da isonomia de tratamento
das pessoas que integram a condição de casados, bem como a
modernidade, haja vista que o direito deve seguir as transformações e evoluções do corpo social.
Analisado o Direito Intertemporal a par da possibilidade de alteração do regime matrimonial de bens por conso
tante disposição expressa do art. 1639, § 2 , CC, buscaremos
traçar os mais diversos requisitos necessários para se pleitear a alteração fundados nas possíveis saídas/possibilidades que podem ocorrer e que efeitos podem ser decorrentes da
mudança.
4 REQUISITOS JURÍDICOS PARA A MUDANÇA
DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS E
CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA
MUDANÇA
Como exposto anteriormente, o Código Civil de 1916
vedava a possibilidade de alteração do regime pactuado entre
os cônjuges. Esta imposição veio a sofrer flexibilidade com o
advento de decisões que se adaptavam com a evolução que a
sociedade sofreu através dos tempos. Com o advento do Códi480
REVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
o
go Civil de 2002, segundo dispõe o art. 1639, § 2 , não mais
vigora o Princípio da Imutabilidade, dando lugar à possibilidade de modificação. Os capítulos anteriores cuidaram de analisar as questões relevantes à possibilidade de alteração do regime de bens bem como de definir os fundamentos do Direito
Intertemporal que interessam ao tema, isto para que seja possível a verificação do alcance da faculdade da modificação do
regime de bens para todos os casamentos, independentemente
da data da sua realização, seja sob a égide do Código Civil de
1916 ou do diploma de 2002.
Dispõe o art. 1639 do Código Civil:
É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 1º. O
regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a
data do casamento. § 2º. É admissível alteração do regime
de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado
de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
Inicialmente, extrai-se do texto legal os seguintes requisitos para a alteração: documento fundamentado; pedido
de ambos os cônjuges; fundamentação do pedido; resguardo
ao direito de terceiros. Por segundo, na opinião dos juristas
[doutrinadores e tribunais], são requisitos:
1) Para PEREIRA (2004, p. 191-193): não há necessidade de
tempo mínimo de casamento; não estabelecimento de hipóteses ou condições para os requerentes; comprovação do
patrimônio existente; averbação da decisão no local de registro de casamento e no Registro de Imóveis da situação
dos bens quando existirem estes; averbação na Junta Comercial se comerciante qualquer dos cônjuges; atuação do
Ministério Público, embora se trata de jurisdição voluntária; competência do juízo da Família;
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AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
2) para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por meio do
então Corregedor-Geral Desembargador Acides dos Santos
Aguiar, em 22 de agosto de 2003 expediu o Provimento nº
13/2003, são requisitos, além dos que se extrai de forma
o
clara da leitura do artigo 1639, § 2 : é procedimento de
jurisdição voluntária; necessita publicação de edital pelo juízo
com prazo de 30 dias a fim de imprimir a devida publicidade à mudança; obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público; expedição de ofícios aos Cartórios de Registro
de Imóveis e Civil; se qualquer dos cônjuges for empresário, ofício ao Registro Público de empresas Mercantis, a cargo
da Junta Comercial – JUCESC; competência do Juízo da
Vara da Família;
3) Para o Superior Tribunal de Justiça, prevê o enunciado nº
13 aprovado na Jornada de Direito Civil:
É admissível alteração do regime de bens entre os cônjuges,
quando então o pedido, devidamente motivado e assinado
por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial,
com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes
públicos, após a perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade.
4) Para Hércules Aghiarian (2004):
[...] a instrução deverá conter a qualificação dos cônjuges, o
regime que vige e qual passará a ter eficácia, o que pretendem, a causa de pedir que motiva a conversão e os pedidos,
além, por óbvio, de vir acompanhada das certidões negativas
de Cartórios de Registros de Imóveis, havendo bens, e, sobretudo, das certidões de distribuidores de ações cíveis e criminais, de abrangência de feitos de competência estadual e
federal, bem como de centralização de distribuição de negócios jurídicos. Oportuno, ainda, a apresentação de certidões
de interdições e tutelas. As municipais, de regra, por mais
vulgares, restam apontando litígios decorrentes de obrigações tributárias, propter rem. Assim, por cautela, a certidão
negativa de débitos fiscais, como do distribuidor de com482
REVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
petência de ações da fazenda municipal, soam como
prudência inafastável, necessária ao momento da partilha e inventariança.
Extraídos os requisitos que norteiam o pedido de alteração do regime matrimonial de bens, deve-se retomar ao avaliado no Direito Intertemporal e relembrar que o art. 1639, §
2º, amparado pelo art. 2039, ambos do Código Civil, tende a
apegar-se e apoiar-se ao anseio social de permitir que os casamentos, incluídos os celebrados sob a égide do Código Civil
de 1916, tenham plena possibilidade, desde que respeitados os
requisitos, de alterar do regime de bens pactuado. Assim, o art.
1639, § 2º tem efeito imediato.
Em razão desse efeito, apresenta-se que a alteração do
regime matrimonial de bens pode ter eficácia ex nunc ou ex
tunc. A eficácia aplicável deverá ser analisada conforme o caso
apresentado perante o magistrado:
a) Ex nunc: se a decisão optar pela eficácia ex nunc, o novo
regime de bens deverá ter vigência a partir do trânsito em
julgado da sentença, ou seja, válido para o presente e futuro; ainda, resguardar-se-á o direito de terceiros;
b) Ex tunc: se a eficácia adotada for a ex tunc, o novo regime
matrimonial de bens retrogirá à data da celebração do casamento. Caberá ao magistrado analisar com maior cautela,
fixando que o novo regime terá validade somente para os
cônjuges durante todo o período do casamento; assim, excetuam-se os terceiros que, se prejudicados, perante eles
prevalecerá o antigo regime de bens da data da celebração
do casamento até o trânsito em julgado da sentença que
autorizou a modificação. Neste sentido é o entendimento
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que estabelece como regra a eficácia ex tunc:
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AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DO CASAMENTO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. A
alteração do regime de bens é possível juridicamente, consoante estabelece o art. 1.639, §2º, do NCCB e as razões postas pelas partes evidenciam a conveniência para eles, trazendo para ambos vantagem de caráter econômico e patrimonial, constituindo o pedido motivado de que trata a lei. 2. A
alteração do regime de bens pode ser promovida a qualquer
tempo, de regra com efeito ex tunc, ressalvados direitos de
terceiros, inexistindo qualquer obstáculo legal à alteração de
regime de bens de casamentos anteriores à vigência do Código Civil de 2002. Inteligência do artigo 2.039, do NCCB.
Recurso provido. (TJRS, AC 70009419813, de Passo Funda. Rel. Des. Sérgio Fernando e Vasconcelos Chaves. 7ª
Câmara Cível, de 27/10/2004).
Ainda, cabe destacar o posicionamento de Euclides de
Oliveira (2003):
A respeito do termo inicial de vigência do novo regime de
bens, se a partir da sentença ou retroativo à data do casamento, há que se levar em conta a formulação do pedido e os
termos da decisão proferida pelo juiz. Normalmente, os efeitos se operam ex nunc, preservando-se, pois, a situação anterior originada pelo pacto antenupcial, até o momento da
mudança. Mas não se descarta a possibilidade de pedido de
modificação do regime ex tunc, cabendo ao juiz examinar,
ainda com maior cautela, a proteção dos direitos das partes
requerentes e de terceiros interessados, para então decidir, se
for o caso, pela autorização do novo regime de bens em caráter retroativo à data da celebração do casamento. Trata-se de
questão controvertida, bem se reconhece, a exigir mais aprofundado estudo e a esperada solução que haverá de ser ditada pela jurisprudência na apreciação dos casos concretos, com
essas e outras variáveis.
Pode-se, por fim, destacar o caso em que os próprios
cônjuges encaminham pedido apresentando uma solução, ou
seja, um alternativa de divisão de bens e regime, que ao magis484
REVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
trado, verificando a justiça do caso exposto, caberá deferir. Para
desfecho, da leitura do art. 1639, extrai-se eu a intenção do
legislador era a aplicabilidade, como regra, do efeito ex tunc,
pois se contrário fosse seu pensamento não teria porque ressalvar o direito de terceiro prejudicado.
5 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS E
FUTURAS TENDÊNCIAS
A partir da possibilidade da alteração do regime matrimonial de bens, prevista no art. 1.639, § 2º, os Pretórios pátrios foram instados a se manifestar acerca da questão, haja vista
que casais, por motivos diversos, buscaram a aplicação de referida norma legal.
Pode-se citar, como exemplo, a determinação imposta
pelo art. 977 do Código Civil, quanto à impossibilidade dos
cônjuges contratar sociedade, com terceiros ou entre si, quando casados no regime da comunhão universal de bens ou no da
separação obrigatória. Neste norte, vários casais, visando a continuidade de seus negócios familiares, projetaram a alteração
do regime matrimonial de bens como a única saída para se
adequarem a imposição legal supracitada.
Outrossim, diversos são os fatos e motivos que levam,
todos os dias, os cônjuges a pleitearem a tutela jurisdicional
para a alteração do regime matrimonial de bens, principalmente
daqueles realizados antes da entrada em vigor do Código Civil
de 2002. Desta forma, procedendo-se pesquisa jurisprudencial, constata-se que os Tribunais pátrios começam a definir um
posicionamento majoritário, mas, não unânime.
Sempre assumindo o papel inovador e de vanguarda, o
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485
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul começou
a adotar o entendimento da possibilidade da alteração do regime matrimonial de bens.
Como destaques deste novel posicionamento, referida
Corte de Justiça manifestou-se:
PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA LAVRAR ESCRITURA PÚBLICA DE
PACTO ANTENUPCIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA
DA ALTERAÇÃO DE REGIME. DESNECESSIDADE
DE ESCRITURA PÚBLICA. 1. Não tendo havido pacto
antenupcial, o regime de bens do casamento é o da comunhão parcial sendo nula a convenção acerca do regime de
bens, quando não constante de escritura pública, e constitui
mero erro material na certidão de casamento a referência ao
regime da comunhão universal. Inteligência do art. 1.640
NCCB. 2. A pretensão deduzida pelos recorrentes que pretendem adotar o regime da comunhão universal de bens é
possível juridicamente, consoante estabelece o art. 1.639, §2º,
do Novo Código Civil e as razões postas pelas partes são
bastante ponderáveis, constituindo o pedido motivado de
que trata a lei e que foi formulado pelo casal. Assim, cabe ao
julgador a quo apreciar o mérito do pedido e, sendo deferida
a alteração de regime, desnecessário será lavrar escritura pública, sendo bastante a expedição do competente mandado
judicial. O pacto antenupcial é ato notarial; a alteração do
regime matrimonial é ato judicial. 3. A alteração do regime
de bens pode ser promovida a qualquer tempo, de regra com
efeito ex tunc, ressalvados direitos de terceiros. Inteligência
do artigo 2.039, do NCCB. 4. É possível alterar regime de
bens de casamentos anteriores à vigência do Código Civil de
2002. Recurso provido”. (SEGREDO DE JUSTICA) (Apelação Cível Nº 70006423891, Sétima Câmara Cível, rel.
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 13/08/
2003).
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE REGIME DE
BENS DE CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA
DO ANTERIOR CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE
486
REVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
JURÍDICA DO PEDIDO. 1. A alteração do regime de bens
está autorizada pelo o art. 1.639, § 2º, do atual CCB. 2. A
alteração do regime de bens pode ser promovida a qualquer
tempo, inexistindo obstáculo nos casos de casamentos anteriores à vigência do Código Civil de 2002. 3. Inteligência do
artigo 2.039 do CCB e do Enunciado nº 260 da I JORNADA DE DIREITO CIVIL, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Recurso provido”. (Apelação Cível Nº 70012446126, Sétima Câmara
Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 31/08/
2005).
Para finalizar, em sessão realizada em 14/09/2005, a
Sétima Câmara Cível do citado Tribunal, em decisão proferida
na Apelação Cível nº 70012341715, de relatoria da Desembargadora Maria Berenice Dias, apontou, de forma brilhante,
o entendimento da Corte Gaúcha:
REGISTRO CIVIL. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO.
MOTIVAÇÃO. Com o reconhecimento da mutabilidade
do regime de bens pelo Código Civil houve, em verdade,
uma otimização do princípio da autonomia da vontade do
casal, consagrado no princípio da livre estipulação do pacto,
de forma que não deve a Justiça ser por demais resistente no
exame do requisito da motivação previsto no §2º do art. 1639
do Código Civil. Até porque, a esta exigência legal deve ser
conferida uma conotação de ordem subjetiva, tendo em vista as inúmeras razões internas e externas que podem levar
um casal a optar pela alteração do regime de bens. Ademais,
não se pode olvidar que, quando da escolha do regime de
bens por ocasião da celebração do casamento, não é exigido
dos nubentes qualquer justificativa sobre o pacto eleito,
motivo pelo qual, por mais esse fundamento, tal condição
deve ser minimizada pelos julgadores. Apelo provido”. (Apelação Cível Nº 70012341715, Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 14/09/2005).
Ao contrário, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina, em todos os julgados encontrados até o mês de maio
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487
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
de 2005, manifestou-se pela impossibilidade da alteração do
regime matrimonial de bens dos casamentos realizados sob a
égide do Código Civil de 1916.
Convém destacar os seguintes precedentes jurisprudenciais:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DO
REGIME DE BENS – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 230 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916
– CASAMENTO REALIZADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL ANTIGO – NOVO CÓDIGO CIVIL, ART.
1.639, §2° – NÃO APLICABILIDADE – EXEGESE DO
ART. 2.039 DO CÓDIGO CIVIL EM VIGOR – REGIME MATRIMONIAL MANTIDO – SENTENÇA CONFIRMADA – RECURSO NÃO PROVIDO.
A modificação do regime matrimonial de bens, de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, é juridicamente impossível, ex vi do art. 2.039 do atual Código Civil”. (Apelação cível n. 03.020451-2, da Capital, Relator:
Des. Wilson Augusto do Nascimento).
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS – IMPOSSIBILIDADE – CASAMENTO CELEBRADO SOB OS TERMOS DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – INTELIGÊNCIA DO ART. 230 DO CC
ANTIGO – NÃO APLICABILIDADE DO ART. 1.639, §
2º E APLICABILIDADE DO ART. 2.039, AMBOS DO
NOVO CÓDIGO CIVIL – REGIME ANTERIOR MANTIDO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO
PROVIDO.
Só será permitida a alteração do regime de bens aos casamentos realizados após a vigência do atual Código Civil, o
qual não alcança atos pretéritos iniciados e findos antes de
11.01.2003, ex vi do art. 2.039 do CC de 2.002”. (Apelação cível n. 04.016125-5, de Blumenau, Relator: Des. Wilson Augusto do Nascimento).
DIREITO DE FAMÍLIA – ALTERAÇÃO DO REGIME
DE BENS – CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊN488
REVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
CIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – IMPOSSIBILIDADE SOB PENA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA
IMUTABILIDADE ADOTADO NO MOMENTO DO
MATRIMÔNIO – INTELIGÊNCIA DO ART. 230 DO
CÓDIGO CIVIL DE 1916 E DOS ARTS. 1.539, § 2º, e
2.039 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – RECURSO IMPROVIDO
O permissivo constante do § 2º do art. 1.639 do Código
Civil de 2002 não é aplicável aos casamentos celebrados sob
a égide do Código Civil revogado (Lei n.º 3.071/16), sob
pena de afronta às situações jurídicas definitivamente constituídas, ex vi do art. 2.039 daquele diploma legal.
Ademais, se assim não fosse, não bastaria ao atendimento do
pleito de alteração do regime matrimonial de bens celebrado
na vigência do Código Civil de 1916 o “pedido motivado”,
pois se faria necessária, também, a alegação e comprovação
das “razões invocadas” a fim de que o julgador pudesse avaliar a procedência ou improcedência destas”. (Apelação Cível n. 2004.014157-2, da Capital, Relator designado: Des.
Marcus Tulio Sartorato).
APELAÇÃO CÍVEL – ALTERAÇÃO DO REGIME DE
BENS DO CASAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – MATRIMÔNIO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – INTELIGÊNCIA DO ART. 2.039
DO NOVO CÓDIGO CIVIL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO.
[...] Só será permitida a alteração do regime de bens aos casamentos realizados após a vigência do atual Código Civil, o
qual não alcança atos pretéritos iniciados e findos antes de
11.01.2003, ex vi do art. 2.039 do CC de 2002” (Des. Wilson Augusto do Nascimento). (Apelação cível n.
2005.005191-6, de Concórdia, Relator: Juiz Sérgio Izidoro
Heil).
E, recentemente:
AÇÃO DE MUDANÇA DE REGIME DE BENS. CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO
CIVIL DE 1916. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA
DO ART. 2.039 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SENREVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
489
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
TENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
A modificação do regime matrimonial de bens, de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, é juridicamente impossível, ex vi do art. 2.039 do atual Código Civil. (Apelação cível n. 03.020451-2, da Capital. Relator: Des.
Wilson Augusto do Nascimento). (Apelação Cível n.
2004.014034-7, da Capital, Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta).
Neste norte, evidencia-se que a Corte Catarinense, utilizando-se de uma interpretação literal do art. 2.039 do CC,
entende que somente os casamentos realizados na vigência do
CC de 2002 poderiam abranger a alteração do regime de bens,
apegando-se, principalmente, ao comando do art. 230 do CC
de 1916.
Assim, diversos são os posicionamentos dos Tribunais
Pátrios. Alguns se atendo a aplicação literal do art. 2.039 do
CC/2002, impossibilitando a alteração do regime de bens nos
casamentos realizados na vigência do CC de 1916, enquanto
outros apontando pela possibilidade da referida alteração, utilizando para tanto diversos argumentos.
Contudo, a jurisprudência pátria carecia de um posicionamento do Tribunal Superior acerca de tal matéria, ou seja,
tratando-se de legislação infraconstitucional, cumpria ao Superior Tribunal de Justiça dar um norte aos Tribunais de Justiça,
mesmo que seu entendimento não vincule posteriores decisões.
Destarte, o tão esperando posicionamento do STJ surgiu em 23/08/2005, mais de dois anos após a entrada em vigor
do novo Código Civil.
Referido precedente ocorreu quando do julgamento do
Recurso Especial nº 730.546, originário do Estado de Minas
Gerais, de relatoria do Ministro Jorge Scartezzini, que restou
assim ementado:
490
REVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
CIVIL - REGIME MATRIMONIAL DE BENS - ALTERAÇÃO JUDICIAL – CASAMENTO OCORRIDO SOB
A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI Nº 3.071) - POSSIBILIDADE - ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI Nº 10.406) - CORRENTES DOUTRINÁRIAS - ART. 1.639, § 2º, C/C ART.
2.035 DO CC/2002 - NORMA GERAL DE APLICAÇÃO
IMEDIATA.
1 - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039
do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88,
mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em
aplicação de norma geral com efeitos imediatos.
2 - Recurso conhecido e provido pela alínea “a” para, admitindo-se a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o pálio do
CC/1916, determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam à análise do pedido, nos
termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002.
Em seu lapidar voto, o Ministro Jorge Scartezzini, expôs de forma brilhante:
Pois bem, consoante determinava o art. 230 do CC/1916 norma inserida no Capítulo I (Disposições Gerais) do Título II (dos Efeitos Jurídicos do Casamento) -, o regime de
bens, uma vez escolhido pelos nubentes, tornava-se irrevogável.
Neste sentido, ressalte-se que, mesmo à época, o rigor de
aludida regra restou amenizado, mediante a previsão de exceções legais à inalterabilidade do regime de bens no curso
do casamento (v. g., art. 7º, § 5º, da LICC, permitindo a
adoção do regime de comunhão parcial de bens ao estrangeiro casado que se naturalizasse brasileiro; Súmula 377/STF,
admitindo a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento selado pelo regime da separação de bens).
REVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
491
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
De qualquer forma, afora mencionados casos excepcionais,
o regime de bens - conjunto de regras disciplinadoras das
relações patrimoniais oriundas do casamento, mais precisamente relativas ao domínio e à administração de ambos ou
de cada um dos cônjuges quanto aos bens trazidos ao casamento e aos adquiridos durante a união - era, até o advento
do novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), irrevogável,
durante a vigência do casamento (não se olvidando, por óbvio, a possibilidade de alteração do primitivo regime de bens,
após o advento da Lei nº 6.515/77, em se tratando de cônjuges que, previamente divorciados, procedessem a novo
matrimônio).
Inovando a matéria, pois, a Lei nº 10.406/2002 dispôs, no
seu art. 1.639, § 2º - também inserido nas Disposições Gerais referentes ao casamento -, ser “admissível a alteração do
regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
Por outro lado, editou-se, também, o art. 2.039, ora enfocado, localizado no Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias, o qual determinou, quanto ao regime de
bens dos casamentos celebrados anteriormente à vigência do
novo Estatuto, que se aplicassem as regras do antigo Código.
Pois bem, quanto à interpretação de aludida norma, verifica-se que parte dos doutrinadores pátrios, adotando orientação “literalista” ou “textualista” (tal como, in casu, procederam as d. instâncias ordinárias), pressupõe que a alteração
do regime de bens, consoante previsto no § 2º do art. 1.639
do atual Código Civil, aplica-se tão-somente àqueles casamentos ocorridos após a entrada em vigor do novo Código.
É dizer, nos precisos termos do art. 2.039 do CC/2002, a
mudança incidental do regime de bens não alcança os casamentos ocorridos sob a égide da Lei nº 3.071/16 (Código
Civil/1916), que, peremptoriamente, impedia tal alteração
(art. 230).
A bem da verdade, tal posicionamento se fundamenta no
respeito ao ato jurídico perfeito, princípio sufragado pelos
arts. 5º, XXXVI, da CF/88, e 6º da LICC (Decreto-lei nº
4.657/42). Sob esse prisma, pois, para os casamentos anteriores à nova lei civil, subsistiria o pacto relativo ao regime de
492
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
bens como ato jurídico perfeito, por isso imutável, sobretudo diante da regra inserta no art. 2.039 do CC/2002.
[...]
Por outro lado, nomes de relevo na doutrina pátria, ao interpretarem o art. 2.039 do CC/2002, não obstante a literalidade de seus termos, defendem a possibilidade de alteração
convencional do regime de bens com relação aos casamentos
ocorridos antes do novo Estatuto Civil, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas
pelos cônjuges para tal pedido, a teor do que dispõe o art.
1.639, § 2º, do CC/2002.
Isso porque, segundo tal exegese, a uma, o art. 2.039 do
CC/2002, ao dispor que o regime de bens quanto aos casamentos celebrados na vigência do CC/1916 “é o por ele estabelecido” , estaria determinando a incidência da legislação
civil anterior exclusivamente no tocante às regras específicas
a cada um dos regimes matrimoniais, consignadas, como assinalado, nos arts. 262 a 314, alusivas aos aspectos peculiares dos regimes da comunhão universal e parcial, e da separação de bens, do regime dotal e das doações antenupciais.
Ao revés, as normas gerais concernentes aos interesses patrimoniais dos cônjuges na constância da sociedade conjugal,
previstas nos arts. 1.639 a 1.652 da novel legislação civil, na
medida em que contêm princípios norteadores dos diversos
regimes particulares de bens, aplicar-se-iam imediatamente,
alcançando tanto os casamentos celebrados sob a égide do
CC/1916, cujos regimes de bens encontram-se em curso de
execução, como, por óbvio, os pactuados sob o CC/2002.
Desta feita, o art. 1.639, § 2º, do CC/2002, abonador da
alteração dos regimes de bens na vigência dos casamentos,
constituindo-se em norma geral relativa aos direitos patrimoniais dos cônjuges, incidiria imediatamente, inclusive às
sociedades conjugais formalizadas sob o pálio do CC/1916,
afastando a vedação constante do art. 230 do CC/1916.
Ainda, e principalmente, consoante observam tais doutrinadores, a possibilidade de o art. 1.639, § 2º, do CC/2002,
permissivo da mudança de regime de bens no curso do matrimônio, aplicar-se aos efeitos futuros de contratos de bens
em plena vigência quando do respectivo advento, haja vista
consistir, segundo frisado, em norma geral de efeito imediaREVISTA DA ESMESC, v. 12, n. 18, 2005
493
AMANDA CRISTINA PASQUALINI / EDUARDO STROBEL PINTO
to, encontra-se determinada pelo próprio CC/2002 que, em
seu art. 2.035 preconiza, explicitamente: “A validade dos
negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis
anteriores , referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se
subordinam , salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução” ).
Ressalte-se, por fim, não haver que se confundir o denominado efeito imediato do art. 1.639, § 2º, do CC/2002 (conquanto equiparado, segundo alguns autores, ao denominado efeito retroativo mínimo, mitigado ou temperado), preconizado de modo expresso pelo art. 2.035 do CC/2002,
com retroatividade genérica das leis, vedada, em regra, pela
Magna Carta em atenção ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF/88).
Deveras, in casu, a nova legislação a ser imediatamente aplicada não atingirá fatos anteriores, em, tampouco, os efeitos
consumados de tais fatos; incidirá, por óbvio, nos fatos futuros à sua vigência, bem assim com relação tão-somente aos
efeitos vindouros dos fatos, ainda que pretéritos, em pleno
curso de execução quando de sua vigência, não se cogitando,
pois, de retroatividade legal ofensiva aos ditames constitucionais, por inobservância a ato jurídico perfeito.
Dessarte, mesmo que vários Tribunais ainda se filiem
ao posicionamento literalista, mostra-se que diante do recente
precedente do Superior Tribunal de Justiça os Tribunais de Justiça irão adotar o entendimento da mais alta Corte infraconstitucional da Nação.
6 CONCLUSÃO
Não subsistem dúvidas quanto a louvável inclusão no
novel Código Civil do preceito insculpido no art. 1.639, § 2º,
que possibilita aos cônjuges procederem a alteração do regime
matrimonial de bens.
494
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ASPECTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DA ALTERAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
Referida alteração vem ao encontro do anseio do corpo
social, visto que sabidamente o direito deve estar atento as transformações da sociedade.
Neste norte, os requisitos impostos pela supracitada
norma legal, ainda que existam divergências, concede aos cônjuges ampla possibilidade de acordarem quanto ao melhor regime patrimonial a ser adotado.
Ainda que enormes e sérias divergências em relação ao
tema dominem os debates encetados na doutrina e jurisprudência pátria, principalmente no tocante a sua aplicação aos
matrimônios realizados à época do CC/1916, parece-nos que,
aos poucos, a norma legal em estudo assumirá função de grande relevância no direito civil.
Até mesmo porque, ainda que diversos pretórios continuem a se filiar a corrente literalista de que a alteração do regime matrimonial de bens somente possa acontecer em relação
aos matrimônios contraídos na vigência do atual Código Civil, evidencia-se que a partir do precedente do Superior Tribunal de Justiça os Tribunais de Justiça dos Estados passem a admitir referida alteração mesmo para os casamentos realizados
sob a égide do CC de 1916.
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AGRADECIMENTOS
O presente estudo tornou-se possível graças ao incentivo e ajuda das Professoras Renata Raupp Gomes e Dilsa Mondardo. A elas, nosso sincero carinho e agradecimento pelo crescimento proporcionado.
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